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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO BIOMÉDICO FACULDADE DE ENFERMAGEM Elaine Diana Kreischer A PERCEPÇÃO DOS ENFERMEIROS SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NO CENTRO CIRÚRGICO DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO BIOMÉDICO

FACULDADE DE ENFERMAGEM

Elaine Diana Kreischer

A PERCEPÇÃO DOS ENFERMEIROS SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO

TRABALHO NO CENTRO CIRÚRGICO DE UM HOSPITAL

UNIVERSITÁRIO

Rio de Janeiro

2007

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Elaine Diana Kreischer

A PERCEPÇÃO DOS ENFERMEIROS SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO

TRABALHO NO CENTRO CIRÚRGICO DE UM HOSPITAL

UNIVERSITÁRIO

Dissertação apresentada, como requisito para

obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-

Graduação da Faculdade de Enfermagem da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Orientadora: Profª Drª Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza

Rio de Janeiro

2007

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta

dissertação.

________________________________________ _________________________

Assinatura Data

K92 Kreischer, Elaine Diana

A percepção dos enfermeiros sobre a organização do trabalho no centro

cirúrgico de um hospital universitário / Elaine Diana Kreischer – 2007.

122f.

Orientador: Norma Valéria Dantas de oliveira Souza.

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Faculdade de Enfermagem

1. Enfermagem do Trabalho. 2. Enfermagem Cirúrgica. 3. Percepção

social. I. Souza, Norma Valéria Dantas de Oliveira. II. Universidade do

Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. III. Título.

CDU

614.253.5

Elaine Diana Kreischer

A Percepção dos Enfermeiros sobre a Organização do Trabalho no Centro

Cirúrgico de um Hospital Universitário

Dissertação apresentada, como requisito para

obtenção do título de Mestre, ao Programa de

Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem

da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Aprovado em: ______________________________________

Banca Examinadora:

____________________________________________________________

Profª Drª Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza (Orientadora)

Faculdade de Enfermagem da UERJ

____________________________________________________________

Profª Drª Marcia Tereza Luz Lisboa

Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ

____________________________________________________________

Profª Drª Maria Yvone Chaves Mauro

Faculdade de Enfermagem da UERJ

_____________________________________________________________

Profª Drª Marilourdes Donato

Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ

_____________________________________________________________

Profª Drª Helena Maria Scherlowski Leal David

Faculdade de Enfermagem da UERJ

DEDICATÓRIA

Aos meus pais Cesar (in memoriam) e Cirlene, o meu muito

obrigado pelo amor , incentivo e apoio que sempre foram

fundamentais em minha vida. Amo vocês!

Pai, muita saudade!

AGRADECIMENTOS

Ao Pai Celestial que está presente em cada dia da minha vida, acompanhando minha caminhada e

fortalecendo minha fé na superação dos obstáculos.

À minha avó Hilda e minha madrinha Célia que viram meus primeiros passos e continuam ao

meu lado nestes anos de caminhada sempre me incentivando a seguir em frente. Amo vocês!

Às minhas primas Fabiana e Carla, minha irmãs de coração.

Às amigas de todas as horas Pata, Vivi e Dani que aturaram os estresses, as crises de choro, crises

de riso, sempre vibrando com minhas conquistas.

Aos primos (Bruno, Fátima, Rose, Marcos) pelos lanches e almoços que transcenderam os

momentos de convivência familiar e transformaram-se em momentos de diversão e lazer.

Ao meu namorado Gabriel que tem se revelado um verdadeiro anjo na minha vida.

À minha orientadora Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza, que ao “debutar” em suas

orientações de Pós-Graduação, acreditou no meu potencial e me guiou neste caminho de

aprendizado, sempre com muita paciência, carinho e amizade.

À professora Márcia Tereza Luz Lisboa pelas contribuições muito valiosas para este estudo.

À professora Maria Yvone Chaves Mauro que despertou meu interesse na área de Saúde do

Trabalhador, sempre incentivando meu percurso acadêmico.

Ao corpo docente do Programa de Mestrado da Faculdade de Enfermagem pelo estímulo e

incentivo constantes.

Aos participantes deste estudo, pela colaboração, interesse e disponibilidade em partilhar suas

vivências.

À Chefia de Enfermagem, Supervisores, Educação Permanente, Enfermeiros do Hospital da

Lagoa, em especial às amigas Silvana Vivacqua e Maria do Socorro Brasil pelo incentivo,

carinho, apoio e cobertura das escalas facilitando meu caminhar.

Ao Coordenador de Enfermagem, Chefes de Serviço, Supervisores, Enfermeiros do Hospital

Universitário Pedro Ernesto pelo incentivo à minha qualificação profissional, além da

convivência harmônica e amizade. Em especial à “Tia Auri” pela cobertura de minhas escalas.

À D. Eulália Pereira, por sempre cuidar de mim, desde a lembrança da assinatura do ponto, até a

preocupação com a minha alimentação.

Aos amigos que estiveram presentes enviando mensagens de apoio e carinho, sempre

preocupados com a “Dirce”.

Se as coisas são inatingíveis... ora!

não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos, se não

fora a mágica presença das

estrelas!

Mário Quintana

RESUMO

KREISCHER, Elaine Diana. A Percepção dos Enfermeiros sobre a Organização do Trabalho no

Centro Cirúrgico de um Hospital Universitário. 2007. 122 f. Dissertação (Mestrado em

Enfermagem) – Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de

Janeiro, 2007.

Objeto deste estudo é a percepção do enfermeiro sobre a organização do trabalho no ambiente de

Centro Cirúrgico e suas repercussões no processo saúde-doença desses profissionais. Os

objetivos traçados foram: identificar a percepção dos enfermeiros sobre a organização do trabalho

no Centro Cirúrgico do Hospital Universitário Pedro Ernesto, analisar as repercussões no

processo saúde-doença dos enfermeiros decorrentes da organização do trabalho no Centro

Cirúrgico. O estudo apoiou-se nas concepções da psicodinâmica do trabalho desenvolvida por

Dejours, que busca compreender as vivências dialéticas do sofrimento-prazer decorrentes do

trabalho e nas estratégias utilizadas pelos trabalhadores para conter, mitigar ou transformar o

sofrimento advindo da organização do trabalho. Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo, que

utilizou como método o materialismo histórico dialético desenvolvido no período de 2006 à

2007. O local de coleta de dados foi o Hospital Universitário Pedro Ernesto e os sujeitos

caracterizaram-se em onze enfermeiros que atuavam no centro Cirúrgico desta instituição. Como

técnicas de coleta de dados foram utilizadas a entrevista semi-estruturada e a observação

assistemática. Os sujeitos do estudo preencheram um termo de consentimento livre e esclarecido

atendendo à Resolução 196/96. Os dados foram analisados à luz da análise de conteúdo, que

evidenciou três categorias: as percepções dos enfermeiros sobre o trabalho no Centro Cirúrgico,

trabalho material e imaterial, repercussões do trabalho no processo saúde-doença dos

enfermeiros. Os resultados apontaram que os enfermeiros consideram seu trabalho como

estressante, desgastante e com repercussões na dimensão subjetiva que se sobrepõem às

repercussões na dimensão física devido à organização do trabalho instituída no Centro Cirúrgico.

O trabalho também foi caracterizado pelos sujeitos como pouco reconhecido e capaz de gerar

sentimentos dialéticos de sofrimento e prazer, satisfação e insatisfação, incidindo diretamente

processo saúde-doença destes profissionais através de alterações psicossomáticas.

PALAVRAS CHAVE: Enfermagem do Trabalho, Enfermagem Cirúrgica, Percepção Social

ABSTRACT

KREISCHER, Elaine Diana. Nurses’ perception on Labor Organization in a Surgical Center at a

University Hospital. 2007. 122 f. Final Paper (Máster degree in Nursing) – Nurse College,

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

The study is focused on the nurse’s perception on Labor Organization in the environment

of a Surgical Center, as well as its repercussions on these professionals’ health-illness process.

The objectives were: to identify the nurses’ perception on labor organization in a Surgical Center

at Pedro Ernesto University Hospital, to analyse all repercussions on nurses’ health-illness

process generated from labor organization in a Surgical Center. The study was based on Dejours’

psycodynamics concepts, that try to comprehend dialetic experiences related to suffering-pleasure

that come from nurses’ activities, as well as strategies used by professionals in order to stop,

mitigate or change all suffering that comes from their job. This is a qualitative, descriptive study,

that used the historical dialetic materialism as method, which was developed from 2006 to 2007.

The place for collecting data was Pedro Ernesto University Hospital and the subjects were eleven

nurses that were acting at its Surgical Center. In order to produce this study, semi-structured

interview and non-systematic observation were used as data collection techniques; all of the

participants were free and clear when they filled in a term of agreement, assuring that Ruling

196/96 was fulfilled. All data were analysed through tables in order to characterize the subjects of

the study, and for the statements it was used a content analysis that revealed three categories:

nurses’ perception on labor in a Surgical Center, material and non-material work, work

repercussions on nurses’ health-illness process. Results showed that nurses consider their job

stressing, tiring and with higher repercussions on the subjective dimension than on physic

dimension due to labor organization stablished in a Surgical Center. Subjects also characterized

the work as a non-recognized one, capable of generating dialetic feelings, such as suffering and

pleasure, satisfaction and unsatisfaction, repercuting directly on these professionals’ health-

illness process through psychossomatic changes.

KEY WORDS: Occupational Health Nursing, Perioperative Nursing, Social Perception

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Tabela 1- Perfil dos trabalhadores com relação ao tempo de formação ...................................................69

Tabela 2- Perfil dos trabalhadores com relação ao tempo de atuação no Centro Cirúrgico .....................69

Quadro 1- Perfil dos trabalhadores com relação aos cursos de especialização realizados..........................70

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1: CONSIDERAÇÕES INICIAIS ......................................................................... 13

Objeto e sua Contextualização ................................................................................................... 13

Questões Norteadoras ................................................................................................................. 21

Objetivos ....................................................................................................................................... 21

Contribuições do Estudo..............................................................................................................22

Relevância do Estudo .................................................................................................................. 23

CAPÍTULO 2: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................... 24

A Psicodinâmica do Trabalho como suporte teórico para análise do objeto de pesquisa .... 24

A História do Centro Cirúrgico e a inserção dos Enfermeiros neste cenário ........................ 31

Trabalho, Saúde e Subjetividade ............................................................................................... 43

Saúde do Trabalhador: Riscos Ocupacionais no Ambiente Hospitalar ................................. 54

CAPÍTULO 3: REFERECIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ........................................... 60

Tipo do Estudo ............................................................................................................................. 60

Método do Estudo ........................................................................................................................ 61

Cenário do Estudo ....................................................................................................................... 66

Sujeitos do Estudo ....................................................................................................................... 67

Técnica de Coleta ......................................................................................................................... 70

Método de Análise dos Dados ..................................................................................................... 73

CAPÍTULO 4: TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS..................................................75

As Percepções dos enfermeiros sobre o trabalho no Centro Cirúrgico .................................. 75

Trabalho Material e Imaterial.....................................................................................................90

Repercussões do trabalho no processo saúde-doença dos enfermeiros...................................96

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................104

REFERÊNCIAS.........................................................................................................................108

APÊNDICES..............................................................................................................................118

APÊNDICE A - Roteiro de entrevista semi-estruturada............................................................119

APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.................................................120

ANEXOS.....................................................................................................................................121

ANEXO A - Aprovação do Comítê de Ética...............................................................................122

13

CAPÍTULO 1

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O OBJETO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO

O estudo teve como objeto a percepção do enfermeiro sobre a organização do trabalho

no ambiente de Centro Cirúrgico e suas repercussões no processo saúde-doença desses

profissionais.

O interesse pela temática “trabalho e saúde” surgiu durante a graduação, quando no

internato de enfermagem observei empiricamente algumas situações relativas à dinâmica laboral

que me inquietaram e despertaram o interesse por este assunto. Situações envolvendo número de

pessoal reduzido, insuficiência de insumos hospitalares, clientela extremamente espoliada, super

lotação dos leitos hospitalares, entre outras situações, as quais chamavam minha atenção, pois

pareciam interferir na saúde dos profissionais que ali atuavam.

Em 1998 ingressei no Programa de Residência em Centro Cirúrgico (CC) e, dessa forma,

fui inserida na organização do trabalho do referido setor, quando me deparei com um ritmo

frenético de atividades permeadas de estresse, ansiedade, tensão, angústia, as quais se traduziam

em extremo sofrimento psíquico. Observava ainda que as relações de poder eram extremamente

demarcadas neste ambiente, parecendo inclusive mais acirradas que no restante do hospital,

gerando freqüentemente conflitos entre os membros da equipe multiprofissional, especialmente

entre cirurgiões e enfermeiros, deteriorando psiquicamente os profissionais que ali atuavam.

Para ilustrar o exposto anteriormente, relato um episódio marcante ocorrido no Centro

Cirúrgico. Iniciou-se com o questionamento de um médico anestesista à enfermeira plantonista

sobre um determinado cliente que ainda não havia chegado ao setor, evidenciando irritação em

sua fala e revelando uma postura hostil, perguntando-lhe se ela sabia com quem estava falando e

enumerando todos os seus títulos profissionais. Considerei aquela atitude desnecessária e

agressiva, a qual só serviu para gerar um ambiente laboral conflituoso, repercutindo

negativamente na dimensão subjetiva dos trabalhadores.

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Somado as questões que envolviam a dimensão subjetiva da relação saúde e trabalho, ainda

existiam àquelas referentes à natureza biológica, quando muitas vezes, eu acabava

negligenciando minhas necessidades básicas como alimentação, hidratação, eliminações, dando

pouca ou nenhuma atenção aos sinais de alerta do meu corpo a tais necessidades. Como resultado

desta conduta, adquiri dois cálculos renais num período de onze meses, reforçando a percepção

inicial de que a organização laboral, da forma como ela se configurava, gerava prejuízos para

saúde.

Ainda referente aos danos gerados na dimensão objetiva de natureza biológica, observei

também situações que demandavam uma carga física elevada como: a transferência de macas do

corredor externo para o interior do Centro Cirúrgico por um “sistema empurra-puxa”, que exigia

bastante força física, além dos inúmeros deslocamentos no longo corredor do setor. Em

decorrência da carga física exagerada, as quais os profissionais de enfermagem estavam expostos,

percebi que um número significativo desses profissionais era afastado de suas atividades por

lesões osteo-musculares, apontando mais uma vez que a organização do trabalho no Centro

Cirúrgico era um fator de comprometimento do processo saúde-doença dos profissionais de

enfermagem.

Diante do padecimento psico-fisico gerado pelo trabalho no Centro Cirúrgico, permaneci

somente um ano, dos dois exigidos pelo Programa de Residência. Assim, após desenvolver o

segundo cálculo renal e também por não conseguir suportar a ansiedade e o estresse gerados pelas

questões laborais, optei por ingressar em outro Programa de Residência, concluindo-o sem

grandes problemas.

A fim de conseguir apreender a complexidade do objeto de estudo, optei por apoiar esse

estudo nas concepções e pressupostos da Psicodinâmica do Trabalho. A Psicodinâmica é uma

disciplina que investiga o prazer e o sofrimento dos trabalhadores, tendo como foco a

organização do trabalho. Para elaborar suas análises fundamenta-se na Sociologia do Trabalho,

na Ergonomia e na Psicanálise. Um dos pressupostos da Psicodinâmica do Trabalho é que o

trabalho nunca é neutro em relação à saúde, destacando que a organização do trabalho,

dependendo da forma como está instituída, pode proteger a saúde do trabalhador ou espolia-a.

Dessa forma, esse foi um dos pilares para desenvolver o presente estudo (DEJOURS,

ADOUCHELI e JAYET, 1994).

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A Psicodinâmica do Trabalho nasceu de estudos coordenados pelo pesquisar francês

Christophe Dejours a partir de seu conhecimento na área da Psicopatologia do Trabalho. Este

pesquisador verificou que existia um quantitativo significativo de trabalhadores que, apesar de

estarem inseridos numa organização laboral com um potencial significativo para adoecer,

permaneciam produtivos, porém com extremo sofrimento. Assim, ele verificou que haviam

estratégias elaboradas muitas vezes inconscientemente pelo coletivo de trabalho, que os

mantinham funcionantes, favorecendo a dinâmica laboral.

Muitos estudos vêm apoiando-se na Psicodinâmica do Trabalho, apreendendo resultados

significativos para o trabalho de Enfermagem. Assim, Souza (2003) em sua pesquisa sobre a

dimensão subjetiva das enfermeiras que trabalhavam em um hospital universitário verificou que a

organização do trabalho atinge a dimensão subjetiva das enfermeiras e ressalta que a falta de um

modelo assistencial, de definições de papéis e, conseqüentemente, de uma identidade profissional

que valorize a enfermeira no contexto de saúde, leva à baixa da auto-estima. Por sua vez, toda

esta problemática conduz a uma dificuldade da valorização social e profissional, acarretando

sofrimento psíquico, desgaste da energia psicossomática e alterações na saúde das enfermeiras.

Lisboa (1998) também faz considerações acerca da organização do trabalho hospitalar,

afirmando que ela interfere na subjetividade dos trabalhadores, pois ela é dinâmica, intensa e

estressante. A autora (op cit) infere que a organização laboral das enfermeiras assistenciais tem

como característica marcante o desenvolvimento de múltiplas tarefas ao mesmo tempo, inúmeras

obrigações referentes à clientela, ao pessoal de enfermagem, assim como encargos

administrativos, os quais se configuram como fatores que interferem negativamente na

subjetividade dos profissionais, gerando sofrimento e adoecimento.

Ainda fazendo alusão a minha trajetória profissional, interrelacionando-a com o desejo de

investigar o objeto de estudo pontuado inicialmente, ressalto que no ano de 2002 ingressei no

quadro efetivo de funcionários da Instituição e, desde então, atuo como enfermeira-supervisora

de Clínicas Cirúrgicas, Centro Cirúrgico e Central de Material e Esterilização. Sendo assim,

tenho observado que os enfermeiros expressam as mesmas dificuldades que eu vivi quando

atuava no Centro Cirúrgico. Nas conversas informais, eles queixam-se de estresse, irritabilidade,

angústia devido à sobrecarga de trabalho, insuficiência de materiais e de recursos humanos,

dificuldades de relacionamento interpessoal, relações de poder extremamente demarcadas, enfim,

situações que se referem à forma como a organização do trabalho se configura no hospital e a

16

relação com o processo saúde-doença dos trabalhadores de enfermagem, reforçando a

necessidade de pesquisar a problemática pontuada.

A fim de auxiliar na contextualização do objeto de estudo, considerei relevante refletir

sobre a complexidade que envolve a categoria “trabalho”. Para Marx (1971, p.201) o trabalho

pode ser entendido como “atividade resultante do dispêndio de energia física e mental, direta ou

indiretamente voltada à produção de bens e serviços que asseguram a vida humana em

sociedade”.

O trabalho reveste-se em simbolismo para a sociedade, de forma que a maioria das pessoas só

se percebe como parte dela quando são economicamente produtivas, possuindo assim, algum

status social. Também se faz relevante destacar que além da questão de inclusão na sociedade, é a

partir do trabalho que o trabalhador adquire segurança, satisfação e realização pessoal, além

disso, desenvolve relações interpessoais que interferem em sua dimensão subjetiva (MAURO,

1997; MENDES, 2002).

Verifica-se que na realidade do trabalho hospitalar não é diferente, pois os profissionais que

atuam nas instituições hospitalares também buscam a satisfação pessoal e profissional, o

reconhecimento da sociedade, o status econômico e social. O trabalho nos hospitais tem como

objetivo prestar a melhor assistência possível aos clientes, através dos preceitos de respeito,

dignidade, humanização e conhecimento técnico-científico.

O universo hospitalar é permeado por situações geradoras de crises, pois é composto por pessoas

enfermas, em situações mais ou menos graves e que têm sua estrutura física, emocional, psíquica e

espiritual abalada no momento de internação; também é formado por trabalhadores de saúde, que

se deparam, com dificuldades inerentes a eles e ao seu processo de trabalho. Este quadro cria

sentimentos ambíguos, como esperança e desesperança, tristeza e alegria, tanto na vida pessoal

quanto no trabalho [...] (BECK, 2005, p.480).

Ressalta-se que o trabalho no cenário hospitalar reúne diversas categorias profissionais,

com formações e personalidades diferentes, caracterizando-se assim um grupo heterogêneo, onde

prevalece a diversidade de trabalhadores da saúde, a hierarquização e as relações de poder

extremamente demarcadas. Acerca desta questão, Souza (2003) assevera que:

O trabalho hospitalar traz uma problemática complexa, haja vista a multiplicidade de

determinantes que o tornam peculiar: a diversidade de categorias profissionais e seus processos de

trabalho que muitas vezes se sobrepõem; a incorporação de tecnologia de ponta impelindo os

profissionais à capacitação ininterrupta; a característica do trabalho, por lidar com a dor, o

sofrimento e a morte; e também se podem destacar as relações de poder que são extremamente

tensas por força do caráter hegemônico milenarmente dominante (SOUZA, 2003, p. 65).

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Outro conceito relevante para o entendimento mais profundo do objeto em questão é acerca

da organização do trabalho, sua caracterização em termos conceituais, suas repercussões na vida

do trabalhador e na produtividade.

Assim sendo, sobre a organização laboral, Dejours (1992, p. 25) pontua que ela envolve: “a

divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa (na medida em que ele dela deriva), o sistema

hierárquico, as modalidades de comando, as relações de poder, as questões de responsabilidades,

etc.”. A organização do trabalho delimita as atribuições dos trabalhadores, caracterizando as

tarefas a serem desenvolvidas por estes. Porém, um fator importante a ser destacado é que, a

organização laboral é pensada por uns e elaborada por outros, o que resulta em alteração na

subjetividade daqueles que executam atividades demandadas pela organização prescrita do

trabalho. Assim sendo, a organização do trabalho é pensada, criada e instituída por pessoas

detentoras de poder, que criam regras a serem seguidas, sendo estas, na grande maioria das

situações, pouco flexíveis, resultando no pouco controle do trabalhador sobre o processo laboral e

sobre o resultado final do seu trabalho.

O distanciamento entre o desejo do trabalhador em relação à como operacionalizar seu

trabalho e a impossibilidade de executá-lo da forma como ele idealiza, sempre origina algum grau

de sofrimento. A organização laboral que não permite ajuste, configurando-se como não flexível,

autoritária, gera um sofrimento imensamente maior e com um potencial significativo para

interferir negativamente no processo saúde-doença do trabalhador, sendo caracterizado por

Dejours (1992) como patogênico. O sofrimento patogênico começa quando a relação homem-

organização do trabalho está bloqueada; quando o trabalhador usou o máximo de suas

capacidades intelectuais, psicoafetivas, de aprendizagem e de adaptação e não obteve satisfação

naquilo que desenvolve no trabalho, podendo adoecer.

Quando todas as margens de liberdade na transformação, gestão e aperfeiçoamento da organização

do trabalho já foram utilizadas, isto é, quando não há nada além das pressões fixas, rígidas,

incontornáveis, inaugurando a repetição e a frustração, o aborrecimento, o medo, ou o sentimento

de impotência. Quando foram explorados todos os recursos defensivos, o sofrimento residual, não

compensado, continua seu trabalho de solapar e começa a destruir o aparelho mental e o equilíbrio

psíquico do sujeito, empurrando-o lentamente ou brutalmente para uma descompensação (mental

ou psicossomática) e para a doença. Fala-se então de sofrimento patogênico (DEJOURS,

ABDOUCHELI e JAYET 1994, p.137).

Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) inferem que apesar de existir um sofrimento psíquico

que espolia o trabalhador e pode adoecê-lo, existe outra configuração para o sofrimento advindo

das vivências laborais, em que o trabalhador reage de forma criativa, produzindo mais e melhor,

18

o qual o autor denominou de sofrimento criativo. Este sofrimento ocorre quando é possível

transformar aquilo que incomoda em soluções interessantes e criativas, fortalecendo a identidade

do trabalhador com o seu trabalho, assegurando a saúde e trazendo bem-estar para o mesmo. Este

tipo de sofrimento aumenta a resistência do sujeito ao risco de desestabilização psíquica e

somática. A organização do trabalho que permite esta flexibilidade funciona então como um

mediador favorável à saúde.

A organização do trabalho é um conceito amplo e envolve o processo em que o trabalhador

se apropria de determinadas ferramentas para atingir o trabalho propriamente dito.

Marx (1971) em seu notório livro “O Capital”, discorre sobre o processo de trabalho

como sendo um processo pelo qual o homem utiliza suas “ferramentas naturais”, como cabeça,

braços, mãos e pernas para se apropriar de recursos da natureza, para transformá-los em formas

úteis para a sociedade.

Este processo tem como característica principal não ser neutro nem para o homem, nem

para a natureza, pois durante o desenrolar do mesmo, o homem transforma a natureza e a si

mesmo (Marx, 1971).

Esta definição de processo de trabalho determinada por Marx no século XIX, ainda

revela-se atual, sendo utilizada por diversos estudiosos como Laurell e Noriega (1989), que ao se

embasarem nos estudos de Marx, inferiram que o processo de trabalho é:

O processo através do qual o homem se apropria da natureza, transformando-a e transformando a

sim mesmo [...]. O processo de trabalho é ao mesmo tempo social e biopsíquico, ele é visto como

um modo específico de trabalhar - desgastar-se como enfrentamento de classe em termos de

estratégias de exploração e resistência que, por sua vez, determinam padrões específicos de

reprodução e geração de bens (LAURELL E NORIEGA,1989, p.36).

Outro aspecto que envolve a organização do trabalho, diz respeito às condições em que

este trabalho se desenvolve e, a partir das leituras exploratórias que auxiliaram na elaboração do

objeto de estudo, depreendi que o ambiente laboral em si, com suas nuances físicas, químicas,

biológicas, ergonômicas, quando inadequadas, podem ocasionar doenças ao trabalhador.

Dejours (1992) define condições de trabalho da seguinte forma:

Ambiente físico (temperatura, pressão, barulho, vibração, irradiação, altitude, etc.) ambiente

químico (produtos manipulados, vapores e gases tóxicos, poeiras, fumaça etc.), o ambiente

biológico (vírus, bactérias, parasitas, fungos), as condições de segurança, e as características

antropométricas do posto de trabalho (DEJOURS, 1992, p.25).

As condições de trabalho no Centro Cirúrgico onde foi desenvolvido este estudo parecem

representar uma realidade hostil à saúde dos trabalhadores, pois é possível citar alguns fatores de

19

risco como: temperatura extremamente fria para assegurar a conservação dos equipamentos; o

contato com gases anestésicos; cargas físicas elevadas como o deslocamento de macas; a

utilização de agentes químicos para esterilização de materiais e equipamentos, que apontam para

condições de trabalho pouco favoráveis a saúde desses trabalhadores.

A partir dessa contextualização inicial, foi possível selecionar o problema da pesquisa:

como os enfermeiros que atuam no Centro Cirúrgico caracterizam a organização do

trabalho na qual estão inseridos? Ou seja, meu interesse centrou-se na percepção dos

enfermeiros sobre a organização laboral do Centro Cirúrgico como um fator de interferência no

processo saúde-doença.

Dessa forma, faz-se relevante aprofundar a discussão acerca desse termo “percepção”. A

partir de estudos exploratórios compreendi que percepção é um modo peculiar de interação do

indivíduo com o meio no qual está inserido, interpretando-o de modo único e de acordo com suas

experiências pessoais, profissionais, cognitivas, caracterizando-se como um processo individual.

Ressalto, então, que a percepção de uma pessoa em relação à determinada situação poderá ser

diferente da percepção de outra pessoa, uma vez que envolve vivência, história pessoal,

preferências e sentimentos. No entanto, compreendo que quando a percepção de um coletivo

profissional encontra-se aproximada, revela que ela tem características marcantes positivas e/ou

negativas, que devem ser estudadas a partir de um foco de interesse do pesquisador.

Para a fundamentação teórica da percepção, busquei apoio em Penna (1997) que define:

Perceber é conhecer, através dos sentidos, objetos, situações. O ato implica, como condição

necessária, a proximidade do objeto no espaço e no tempo, bem como a possibilidade de se lhe ter

acesso direto ou imediato (PENNA, 1997, p.11).

Como esclarece Penna (1997, p.12), “perceber não é perceber apenas objetos concretos

como são vulgarmente designados por essa palavra”. Para elaborar uma percepção acerca de

alguma situação ou objeto, o indivíduo deve estar em contato direto e estreito com estes, senão

haverá imaginação, recurso que lançará mão para discorrer sobre eles, e que muitas vezes pode se

distanciar do concreto ou do real.

Quando menciono o objeto a ser percebido, refiro-me então, à organização do trabalho,

que neste estudo caracterizou-se como o que foi analisado e discorrido pelos enfermeiros

enquanto elemento de seu estreito conhecimento. Logo, busquei apreender dos enfermeiros o que

sentem, compreendem, entendem sobre a organização do trabalho no Centro Cirúrgico a partir da

20

vivência laboral cotidiana. Desejei trabalhar com enfermeiros que revelassem percepções

aproximadas da realidade do Centro Cirúrgico, ou seja, estivessem em contato direto com a

realidade e o cotidiano do setor, para que a caracterização da organização do trabalho não se

apresentasse de forma idealizada, como os sujeitos gostariam que esta se apresentasse, evitando

com isto, uma visão distorcida da realidade que pretendia investigar ou a utilização do recurso de

imaginação, como adverte Penna (1997).

Considerei importante trazer para essa contextualização algumas especificidades do

ambiente de Centro Cirúrgico, já que este foi o cenário do estudo, portanto, foi necessário

discorrer sobre ele a fim de possibilitar depreender os meandros dessa organização laboral.

O Centro Cirúrgico caracteriza-se por ser um setor fechado, muito específico, onde são

realizados procedimentos de alta complexidade. Para Ferreira e Ribeiro (2000), este setor tem a

seguinte caracterização:

[...] é uma das unidades mais complexas do hospital se levarmos em conta a amplitude de suas

finalidades, que são as de realizar intervenções cirúrgicas as quais envolvem o planejamento

adequado de várias etapas da assistência ao cliente com o objetivo que o mesmo possa retornar as

suas atividades o mais rápido possível, na melhor condição de integridade (FERREIRA e

RIBEIRO, 2000, p. 19).

O Centro Cirúrgico é um setor dinâmico, que apresenta um funcionamento diferenciado das

demais unidades do hospital, com uma organização laboral complexa, onde circulam diariamente

um grande número de profissionais de diversas especialidades, utilizando-se tecnologias

avançadas. Observa-se uma lógica laboral peculiar, pois em se tratando de um setor fechado,

restringem-se as relações sociais com os demais trabalhadores da instituição, gerando o estigma

de uma “elite” profissional inserida neste espaço. Tal estigma parece fundamentar-se no fato de

que no Centro Cirúrgico se lida com aparato tecnológico de ponta, com situações de risco

iminente de vida para os clientes, necessitando para isto, que os trabalhadores tenham habilidades

cognitivas e psicomotoras específicas, diferenciando-os dos demais trabalhadores, excetuando-se

talvez os ambientes de terapias intensivas, que apresentam características semelhantes

(CARVALHO e LIMA, 2001; MEIRELLES, 2002).

Menciona-se como uma característica própria do Centro Cirúrgico a atuação de

profissionais com vestuário específico, ou seja, a paramentação cirúrgica, que envolve o uso de

máscaras, toucas, pro- pés, calças e blusas diferenciadas que se assemelham a pijamas.

Este setor tem como objetivo principal realizar procedimento de grande complexidade, o

ato cirúrgico, quando os clientes entregam suas vidas aos profissionais que ali atuam, ficando

21

totalmente dependentes das ações de saúde que ali se desenvolvem, inconscientes e sem a menor

possibilidade de intervir quando julgarem conveniente.

As características do Centro Cirúrgico geram simbolismos interessantes entre os demais

trabalhadores do hospital. Esta análise deve-se a observações feitas empiricamente, pois, por

diversas vezes, durante minha atuação como enfermeira-supervisora, quando solicitava que os

auxiliares ou técnicos de enfermagem se reportassem ao Centro Cirúrgico para buscar materiais

em falta nas enfermarias, recebia respostas do tipo: “Ah não chefe! Lá tem um pessoal que nem

olha direito para gente!”; “Eu? Ir no centro Cirúrgico? A senhora está querendo demais, eles são

esquisitos”; “A senhora pode ligar antes avisando que eu vou lá?”.

Ressalta-se também que é um setor onde é necessário um constante estado de alerta dos

profissionais como analisa Ghellere, Antônio e Souza (1993, p.18): “todas as atividades exigem

estado permanente de alerta, pois há intervenções que podem colocar em risco a vida do paciente,

nas cirurgias eletivas e, principalmente, nas cirurgias de urgência”. Portanto, o Centro Cirúrgico é

uma unidade do hospital com características específicas de uma organização laboral complexa,

dinâmica, pouco encontrada em outros setores.

Diante da complexidade que envolve o objeto de estudo e tomando-se por base esta

contextualização inicial, foi possível elaborar duas questões norteadoras para guiar o

desenvolvimento do estudo:

- Quais são as características da organização do trabalho dos enfermeiros no cenário do

Centro Cirúrgico?

- Quais são as alterações psicofísicas apresentadas pelos enfermeiros decorrentes de suas

vivências na dinâmica de trabalho no Centro Cirúrgico?

Os objetivos formulados para o estudo foram:

- Identificar a percepção dos enfermeiros sobre a organização do trabalho no Centro

Cirúrgico do Hospital Universitário Pedro Ernesto;

- Analisar as repercussões da organização do trabalho no Centro Cirúrgico para o

processo saúde-doença dos enfermeiros, segundo a percepção dos mesmos.

22

CONTRIBUIÇÃO DO ESTUDO

Em minha experiência, tenho observado que há certa dificuldade dos enfermeiros em falar

abertamente sobre os sentimentos que permeiam suas práticas profissionais. Talvez pela própria

formação acadêmica, pois durante a graduação ouvimos diversas vezes que enfermeiros não têm

sexo, que devem ser abnegados, incansáveis, procurarem dar o melhor de si a favor do cliente e

ter sempre um sorriso no rosto, em detrimento até das alterações em suas integridades biopsico-

sociais. Este tipo de conduta descaracteriza as questões subjetivas dos profissionais, negando os

sentimentos, as particularidades, o que poderia ser uma discussão natural, pois envolve ser

humano, e deveria ser valorizada. Desta forma, observo que os sentimentos, muitas vezes,

permanecem velados, ocultos, porque exteriorizá-los choca-se com a ideologia de que “quem

cuida deve estar sempre bem”.

A partir dessa colocação, penso que esta pesquisa pode auxiliar na discussão da questão

complexa e problemática que envolve a subjetividade dos enfermeiros e ajudar a pensar caminhos

que possam valorizar a dimensão subjetiva desses profissionais na formação e nas organizações

laborais onde os enfermeiros estão inseridos.

Para Gonzáles (2001), a fragmentação pela divisão das tarefas, a perda de controle do

próprio processo de trabalho e a hierarquização, tem contribuído, além de outros fatores, para

encobrir o desejo e o sonho do homem/ mulher trabalhador(a), e isto gera sofrimento, numa

constante contradição com sua força interna como fonte de prazer e realização.

Assim, identificar como a organização do trabalho está repercutindo no processo saúde-

doença dos enfermeiros trará maiores subsídios para transformação dessa realidade laboral,

visando uma adaptação cada vez melhor do trabalho às peculiaridades dos trabalhadores,

tentando assim, atender ao máximo as aspirações pessoais e profissionais de cada trabalhador de

enfermagem.

Além disso, o presente estudo poderá contribuir para desconstruir a ideologia dominante

de que a enfermeira que gosta realmente do que faz não sofre, negando a ela o direito de sentir,

sejam tais sentimentos bons ou ruins. Quando nos alienamos diante do problema, negando ou

minimizando-o, a capacidade de resolvê-lo diminui significativamente. Portanto, há de se discutir

as situações insólitas que as enfermeiras vivenciam no seu cotidiano de trabalho e o sofrimento

decorrente dessa vivência a fim de buscar transformá-las em algo positivo.

23

Também é importante destacar que como atuo num hospital de ensino, pude perceber que

a abordagem de temas relativos à saúde do trabalhador é algo recente no currículo da

Universidade, temas relativos à subjetividade do trabalhador são pouco discutidos pelos alunos.

Considero então, que esta pesquisa poderá auxiliar no fortalecimento de discussões acerca dessa

temática, difundindo e socializando tais conhecimentos entre os futuros enfermeiros.

Este estudo contribuirá também para minimizar a carência de pesquisas na área da

subjetividade e trabalho de enfermagem, pois conforme salientam Oliveira e Lisboa (2004), as

pesquisas nessa área ainda são incipientes. Sendo assim, o presente estudo auxiliará na

construção de conhecimentos pouco trabalhados na enfermagem, podendo inclusive, apontar

outros objetos de estudo envolvendo a subjetividade, saúde e trabalho.

RELEVÂNCIA DO ESTUDO

Este estudo é relevante à medida que busca conhecer como a organização do trabalho no

Centro Cirúrgico se configura e se ela é capaz de produzir repercussões negativas no processo

saúde-doença dos enfermeiros. Considero também que ele se faz importante porque reunirá dados

que possibilitarão repensar a organização laboral, para em consonância com os enfermeiros do

Centro Cirúrgico, Chefia de Enfermagem e Direção da Instituição, torná-la mais flexível, racional

e menos complexa, resultando numa melhor adequação do trabalho ao profissional de

enfermagem, o que é de extrema importância para a saúde do trabalhador.

É relevante destacar que esta pesquisa busca suscitar nos enfermeiros a reflexão acerca

de suas práticas profissionais, das organizações de trabalho nas quais estão inseridos, e num

contexto mais abrangente, refletir acerca dos rumos que a Enfermagem está tomando como

profissão cada vez mais respaldada em conhecimentos técnico-científicos, favorecendo

discussões acerca da importância da profissão no contexto sócio-político-cultural da sociedade.

24

CAPÍTULO 2 –

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Este capítulo destinou-se a desenvolver uma discussão teórica com o objetivo de dar

suporte ao processo de análise das informações coletadas e facilitar o processo de apreensão do

objeto de estudo. Sendo assim, busquei elaborar um ensaio teórico sobre as seguintes temáticas: a

psicodinâmica do trabalho, o cenário hospitalar e a unidade de Centro Cirúrgico como lócus de

trabalho das enfermeiras assistenciais; a organização do trabalho no Centro Cirúrgico e aspectos

ligados aos riscos ocupacionais envolvendo o trabalho em saúde. Desta forma, o presente capítulo

foi dividido didaticamente em quatro seções de discussão teórica, os quais denominei de:

- A Psicodinâmica do Trabalho do Trabalho como suporte teórico pra análise do objeto de

pesquisa;

- A História do Centro Cirúrgico e a inserção dos Enfermeiros neste cenário;

- Trabalho, Saúde e Subjetividade;

- Saúde do Trabalhador: Riscos Ocupacionais no Ambiente Hospitalar.

A PSICODINÂMICA DO TRABALHO COMO SUPORTE TEÓRICO PARA ANÁLISE DO

OBJETO DE PESQUISA

A Psicodinâmica do Trabalho nasceu dos estudos e pesquisas de Christophe Dejours e de

um grupo de pesquisadores interessados na relação trabalho-subjetividade e saúde. Dejours é

doutor em Medicina, especialista em Medicina do Trabalho e em Psiquiatria, atualmente assume

o cargo de diretor do Conservatoire National des Artes et Métier, em Paris. Esta recente linha de

pesquisa tem como origem pesquisas relacionadas à Psicopatologia do Trabalho realizadas por Le

Guillant, Veil, Sivadon, Bégoin, nas décadas de 50 e 60. (MERLO, 2002; DEJOURS, 2004a).

Sabe-se que as primeiras pesquisas em Psicopatologia do Trabalho revelaram um conflito

central, tanto nas investigações empíricas como nas interpretações e construções teóricas: o

conflito entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico (DEJOURS, 2004a). Assim,

infere-se que os pesquisadores da Psicopatologia do Trabalho foram precursores em realizar

25

observações sistemáticas para estabelecer o nexo causal entre o trabalho e as alterações psíquicas

nos trabalhadores (MERLO, 2002; LANCMAN e UCHIDA, 2003; ALDERSON, 2004).

No ano de 1956, o psiquiatra Le Guillant realizou uma pesquisa sobre o trabalho das

telefonistas de Paris, utilizando questionário e a observação das atividades laborais dessas

profissionais, e comparou os resultados apreendidos com esses dois instrumentos aos achados de

exames clínicos, desta forma diagnosticou uma série de sintomas como: angústias, palpitações,

desconforto gástrico, distúrbios do sono, sensação de “aperto torácico” aos quais denominou

como “fadiga nervosa”. O autor concluiu que para compreender melhor os distúrbios psíquicos

apresentados pelos trabalhadores, devem-se estudar amplamente as características do trabalho e o

sentido que o trabalho assume para os trabalhadores, pois só desta forma seria possível articular o

trabalho com alterações psíquicas apresentadas por esses indivíduos sob a forma de esgotamento

nervoso e doenças mentais (MERLO, 2002; NASSIF, 2005).

Esta pesquisa marca a origem dos estudos em Psicopatologia do Trabalho, que

posteriormente possibilitou o surgimento da Psicodinâmica do trabalho por Christophe Dejours.

A partir de então, diversos estudos foram realizados neste âmbito, preocupando-se em

identificar síndromes e doenças mentais características decorrentes do binômio homem-trabalho.

Seguindo esta linha de pesquisa, Dejours inicia suas pesquisas buscando compreender o

sofrimento psíquico no trabalho proveniente do confronto do trabalhador com a organização do

trabalho, culminando com a célebre publicação em 1980 do livro Travail: usure mental- essai de

psycopatologie du travail, que foi traduzido para o português em 1987 como o título: A loucura

do trabalho: estudos de psicopatologia do trabalho (LANCMAN e UCHIDA, 2003; MENDES,

2007).

Em meados da década de 90, Dejours enfoca seus estudos nas vivências dialéticas do

sofrimento-prazer decorrentes do trabalho e nas estratégias utilizadas pelos trabalhadores para

conter, mitigar ou transformar o sofrimento advindo da organização do trabalho. Segundo suas

pesquisas apontavam, estas estratégias (estratégias coletivas de defesa) caracterizavam-se numa

tentativa de evitar o adoecimento e, consequentemente manter ou aumentar a produtividade.

Assim, ele desvia seu olhar das doenças mentais e volta suas pesquisas para aspectos como:

organização do trabalho; prazer e sofrimento; estratégias coletivas de defesa, passando então a

denominar o seu campo de pesquisa de Psicodinâmica do Trabalho (LANCMAN e UCHIDA,

2003, NASSIF, 2005; MENDES, 2007).

26

A Psicodinâmica do Trabalho estuda a “normalidade”, uma vez que os trabalhadores apesar

do frágil equilíbrio entre o sofrimento e as defesas contra este, conseguem em sua maioria,

abstrair a loucura e as doenças psicossomáticas. (DEJOURS, 1994, 2004a; LANCMAN e

UCHIDA, 2003).

Em relação à questão do estudo da normalidade Lancman e Uchida (2003) destacam que:

“[...] o que o autor defende a partir desse momento é que não se deve confundir estado de

normalidade com estado saudável. Se, de um lado, a normalidade pode refletir equilíbrio saudável

entre as pessoas, pode, de outro, ser um sintoma de um estado patológico, ou seja, o

estabelecimento de um precário equilíbrio entre as forças desestabilizadoras dos sujeitos e o

esforço destes e dos grupos no sentido de se manterem produtivos e atuantes à custa de muito

sofrimento e que se estenderá também em sua vida fora do trabalho (LANCMAN e UCHIDA,

2003, p.82)”.

Dejours (1994, 2006) infere que a normalidade apresenta-se não como ausência de

sofrimento, mas sim como uma luta (individual e coletiva) contra o sofrimento no trabalho. Desta

forma, a normalidade não implica ausência de sofrimento, mas caracteriza-se como uma vivência

dialética do trabalhador com sentimentos como prazer-sofrimento sem que haja descompensação

mental e loucura.

Sendo assim, o sofrimento é caracterizado por uma luta entre o funcionamento psíquico e

mecanismos de defesa utilizados, em contrapartida às pressões desestabilizantes da organização

do trabalho numa tentativa de conservar um equilíbrio psíquico possível, mesmo que este seja à

custa de sofrimento mascarado sobre a égide de conformismo e aparente comportamento social

de normalidade (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994; MERLO, 2002).

A Psicodinâmica do Trabalho também aborda as situações geradoras de prazer na interação

do trabalhador com seu trabalho, pois este não possui somente a faceta de sofrimento, mutilação e

morte, mas pode ser permeado de relações sociais prazerosas, sentimento de gostar da profissão,

se sentir útil e realizado, funcionando como operador de saúde e de prazer (DEJOURS, 1992;

MERLO, 2002).

Desta forma, o objeto da psicodinâmica do trabalho é o estudo da análise dinâmica dos

processos psíquicos mobilizados pelo trabalhador para o confronto com a sua realidade de

trabalho que pode gerar vivências dialéticas de sofrimento-prazer, contentamento-

descontentamento, satisfação-insatisfação, e as estratégias utilizadas pelo indivíduo para mediar

tais contradições da organização do trabalho (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994;

ALDERSON, 2004; MENDES, 2007).

27

Lancman e Ushida (2003) inferem que:

[...] a Psicodinâmica do Trabalho, ao tentar entender a ação de um determinado sujeito em um

contexto determinado de trabalho, sabe que todo comportamento é motivado, tem um sentido. Se

uma certa conduta é insólita, isso se deve ao sofrimento subjetivo e às estratégias defensivas

contra esse sofrimento. A inteligibilidade desse ato do sujeito vem não da conduta que ele

expressa, mas do sofrimento que o motiva (LANCMAN; UCHIDA, 2003, p.85).

A psicodinâmica do trabalho determina cada indivíduo como um sujeito único, sem igual,

que possui uma história de vida singular, vivências particulares, portador de desejos e projetos de

vida. Porém quando se insere na coletividade de trabalho, este sujeito é absorvido por uma

organização do trabalho na qual ele tenta adaptar-se da melhor maneira possível, e em busca de

sua inserção e aceitação por parte do grupo acaba por participar das estratégias elaboradas por

esta coletividade de trabalhadores (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994; MERLO, 2002).

A ideologia defensiva tem como objetivos mascarar, conter e ocultar uma ansiedade do

grupo envolvido em relação ao trabalho, portanto possuí características específicas relacionadas à

organização do trabalho na qual os sujeitos estão envolvidos, e conta com a participação de todos

os trabalhadores que realizam suas atividades em determinado setor (DEJOURS, 1992)

Dejours (1992) destaca que a ideologia defensiva é funcional em nível do grupo, de sua

coesão, de sua coragem, e é funcional também em nível do trabalho; é garantia da produtividade.

Numerosas profissões possuem sistemas defensivos bastante estruturados que possuem

características próprias da profissão.

O autor op cit (1992, p. 193) infere que para elaboração da ideologia defensiva:

“[...] É preciso a participação de um grupo trabalhador, isto é, não apenas uma comunidade que

trabalhe num mesmo local, mas com um trabalho que exija uma divisão de tarefas entre os

membros da equipe [grifo do autor]. No caso do trabalho parcelado e repetitivo, onde há pouca

comunicação entre os trabalhadores e onde a organização do trabalho é muito rígida, há pouco

espaço para a elaboração de ideologias defensivas” (DEJOURS, 1992, p,73).

As estratégias coletivas de defesa criadas pelos grupos de trabalhadores são construídas,

organizadas e gerenciadas pelos próprios com o intuito de resistir às agressões psíquicas impostas

pela organização do trabalho, buscando alternativas para manter a estabilidade do grupo e

freqüentemente quando um indivíduo não partilha desta ideologia criada pelo grupo ele é

excluído do mesmo (DEJOURS, 1992, 1994, 2004a).

Quando ocorre a segregação do trabalhador por parte do grupo, este se torna desprovido

de defesas frente à organização do trabalho transformando a ansiedade que antes era coletiva em

individual e levando à comportamentos como alcoolismo, atos de violência “anti-social”,

descompensações psicóticas, depressão, loucura e até à morte. Além disso, há manifestações

28

somáticas como uma maior incidência de subnutrição facilitando a ocorrência de patologias

diversas (DEJOURS, 1992).

Para o desenvolvimento de pesquisas no âmbito da psicodinâmica do trabalho os

estudiosos elaboraram uma base teórico-metodológica que articula saberes de diversas áreas

como: filosofia, psicanálise, sociologia e ergonomia para a construção de suas bases teóricas e

metodológicas (MENDES, 2007).

A Psicodinâmica do Trabalho incorpora conceitos sociológicos para caracterizar e detalhar a

organização taylorista; conceitos ergonômicos para identificar o espaço existente entre trabalho

real e trabalho prescrito; e, enfim, conceitos psicanalíticos, tais como os de sublimação, para

apreender o indivíduo que entra no universo do trabalho como portador de uma história singular

que foi construída desde sua infância (MERLO, 2002).

A metodologia utilizada nos estudos de psicodinâmica do trabalho como destaca Dejours

(2004b, p.105- 106) “surge de uma demanda a ser pesquisada”, em seguida define-se os sujeitos

que participarão do estudo, reúnem-se informações sobre o processo de trabalho e posteriormente

procede-se uma visita para conhecimento da organização real do trabalho. Esta fase é descrita

como pré-pesquisa.

Durante o desenvolvimento da pesquisa, os trabalhadores são ouvidos sobre as questões

inerentes ao objeto da pesquisa. Esta metodologia preconiza que os sujeitos sejam ouvidos

atentamente para abstrair os temas consensuais e objetos de discussão contraditória entre os

participantes do estudo, observando os contrastes e paradoxos, buscando os elos existentes entre

as expressões de sofrimento e/ou prazer, com o objetivo de remeter o pesquisador à verdade da

relação dos trabalhadores com o seu próprio trabalho (DEJOURS, 2004a).

Posteriormente procede-se a análise dos dados obtidos através dos discursos dos

trabalhadores e das observações do pesquisador.

O sofrimento e o prazer, sendo dados essencialmente subjetivos, seria ilusório querer objetivá-los.

Esses dados passam tanto em suas descrições como na percepção, na detecção e na formulação

pela subjetividade do pesquisador [...] O objetivo é dar forma ao que, para o pesquisador, em seu

contato com os trabalhadores, parece surpreendente, espantoso, incompreensível [...] (DEJOURS,

2004 a, p. 122)

Após a análise dos dados por parte do pesquisador, procede-se a última etapa da

metodologia que se trata da validação e refutação dos dados que tem como objetivo rejeitar ou

reelaborar discussões, acrescentar novas contribuições. O pesquisador elabora então um relatório

final apresentando os resultados obtidos e os desdobramentos que surgiram da investigação e que podem

gerar novas pesquisas (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994).

29

Esta abordagem se mostra bastante útil para prevenir doenças relacionadas ao trabalho,

modificar aspectos apontados como negativos na organização do trabalho, auxiliar nos tratamento

e reabilitação de patologias. A metodologia adotada pelas pesquisas fundamentadas nos preceitos

da Psicodinâmica do Trabalho considera os aspectos subjetivos do trabalhador e a interação deste

com o seu trabalho, além disso, fornece oportunidade para o trabalhador pensar em sua situação

no trabalho e como esta influencia sua vida fora do ambiente laboral, e também fornece

condições para discutir com a coletividade aspectos relativos à organização do trabalho numa

análise crítica da realidade de trabalho na qual está inserido.

Como assevera Merlo (2002, p.140-141):

A metodologia da Psicodinâmica do Trabalho encontrou muita ressonância entre os pesquisadores

e técnicos brasileiros que atuam na área da Saúde do Trabalhador (psicólogos, médicos do

trabalho, fisioterapeutas, engenheiros de segurança, etc.). E isso ocorreu pela capacidade dessa

disciplina em preencher lacunas epistemológicas importantes no conhecimento em saúde do

trabalho, que haviam sido relegadas a um segundo plano ou simplesmente negadas (MERLO,

2002, p.140-141)

Corroborando com o descrito acima, Mendes (2007, p. 23-24) destaca que os estudos em

Psicodinâmica do Trabalho têm apresentado avanços significativos. Estes se iniciaram no início

dos anos noventa, em especial na Universidade de Brasília, onde em 1994 foram defendidas as

primeiras dissertações de mestrado e, em 1999, a primeira tese de doutorado. A autora ( op cit )

ressalta ainda que atualmente esta linha de pesquisa vem assumindo posição de destaque no

programa de pós-graduação da referida universidade.

Na Universidade de Brasília foi fundado o Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde e

Trabalho (GEPSAT), que tem como objetivo criar um espaço coletivo para debate e construção

do conhecimento em Psicodinâmica do Trabalho. Deste grupo participam alunos de graduação,

pós-graduação e diversos profissionais que apresentam interesse por esta temática. O GEPSAT

viabilizou a vinda do Professor Christophe Dejours ao Brasil no ano de 2006, objetivando

promover reflexões, debates e intercâmbios de pesquisa na linha da Psicodinâmica do Trabalho

(MENDES, 2007).

Mendes (2007) infere que na atualidade a Psicodinâmica do Trabalho tem estudado:

[...] patologias sociais como a banalização do sofrimento, a violência moral e a exclusão do

trabalho, a servidão voluntária, a hiperaceleração, os distúrbios osteomusculares, a depressão, o

alcoolismo e o suicídio, repercutindo uma inversão de perspectiva teórica inicial, que passa a ter

como ponto de partida a psicodinâmica das situações de trabalho para o entendimento das

psicopatologias do trabalho (MENDES, 2007, p.36).

30

Durante a busca de respaldo para a construção do referencial teórico deste estudo,

observei que existem inúmeros estudos acerca da psicodinâmica do trabalho, pois esta apresenta

um extenso leque de possibilidades para o desenvolvimento de pesquisas. Por ser uma linha de

pesquisa relativamente nova, muitos pesquisadores poderão utilizar-se de seus pressupostos para

a realização de diversas pesquisas, enriquecendo as discussões acerca deste assunto,

possibilitando a construção de saberes e conhecimentos.

No caso dessa dissertação verifiquei que a abordagem da Psicodinâmica do Trabalho

adequou-se ao objeto de estudo por tratar da subjetividade dos trabalhadores de Enfermagem que

atuam na organização laboral do Centro Cirúrgico e também por buscar captar o prazer-

sofrimento dos enfermeiros decorrente do trabalho nessa unidade assistencial. Destaca-se

igualmente que apesar da organização laboral do Centro Cirúrgico caracterizar-se por um

potencial elevadíssimo para o adoecimento psíquico e somático, os enfermeiros permanecem

trabalhando, apesar do sofrimento emitido nos seus discursos, o que aponta para a possibilidade

de elaboração de estratégias defensivas por esse coletivo de trabalho.

31

A HISTÓRIA DO CENTRO CIRÚRGICO E A INSERÇÃO DOS ENFERNEIROS NESTE

CENÁRIO

Esta seção surgiu da necessidade de uma revisão histórica abordando a missão do Hospital

na sociedade ao longo dos tempos, o surgimento e desenvolvimento do Centro Cirúrgico,

articulando com a trajetória histórica e a inserção da Enfermagem nestes cenários.

Por se tratar de um estudo com embasamento no materialismo histórico, considerei

relevante fazer esta contextualização histórica partindo de certos questionamentos que foram

primordiais para apreender a totalidade do objeto desse estudo. Assim, algumas questões

precisavam ser respondidas: Como era o trabalho da Enfermagem ao longo dos principais

períodos da história da civilização? Como as evoluções tecnológicas e científicas influenciaram o

trabalho das enfermeiras ao longo dos tempos? Quais determinantes sócio-políticos, econômicos

e culturais propiciaram o surgimento e conformação atual do Centro Cirúrgico?

Na tentativa de esclarecer estas questões que tanto me inquietavam e acirravam minha

curiosidade, parti para um estudo exploratório e o resultado dessa investigação encontra-se

contextualizada nessa seção teórica.

Relatos de procedimentos cirúrgicos, descrições de instrumentais foram confirmados em

escavações arqueológicas, o que atesta que os homens primitivos já praticavam cirurgias, seja

como instinto de preservação da vida, quando o homem procurou coibir o sangramento dos

ferimentos com as próprias mãos, ou até mesmo com o objetivo de expulsar espíritos malignos

que ocupavam o corpo (FERREIRA e RIBEIRO, 2000; PINHO, 2002)

No século I, em Roma, o cirurgião grego Galeno já utilizava técnicas para ferver o

instrumental cirúrgico, o que era considerado avançado para a época (PINHO, 2002).

Existem registros de que na Roma do Século II foram construídos locais para acolhimentos

de doentes junto aos templos destinados aos deuses, sendo estes os primeiros estabelecimentos

com características hospitalares que se têm notícia (ORNELLAS, 1998).

Nesta época são raros os registros acerca da Enfermagem, sendo a Índia o único país que

possuía critérios para a escolha dos enfermeiros que atuariam nos supostos hospitais. Esses

critérios embasam-se em qualidades como: asseio, habilidade, inteligência, conhecimento de arte

32

culinária e preparo de remédios, além dos pressupostos morais de pureza, dedicação e cooperação

(SOUZA apud PAIXÃO, 1995).

Na Idade Média, o Cristianismo e o poder da Igreja Católica predominavam, incutindo no

povo a necessidade de aceitação com resignação sobre tudo que lhes aconteciam, pois assim era a

vontade de Deus, sendo a caridade e a abnegação o único caminho para a vida eterna. Souza

(1995) relata que neste período verifica-se a ascensão da incipiente Enfermagem, a qual era

desenvolvida pelos religiosos.

Nesta época, os supostos cirurgiões realizavam procedimentos paliativos como lancetar

furúnculos, curativos em feridas externas de tumores de mama e em locais que não fosse

necessária abertura de cavidade. Assim, evitavam o abdômen, qualquer local de cavidade e

também o sistema nervoso central, pois existiam medos e tabus envolvendo estes locais. As

cirurgias aconteciam em qualquer local: na casa do cirurgião, num campo de batalha ou num

convés de navio. Não havia preocupação com higiene, anti-sepsia e assepsia (POSSARI, 2004).

A cirurgia era tratada como uma prática rebaixada e profana, pois os cirurgiões eram

considerados uma categoria intelectualmente inferior à dos médicos, sobretudo dos clínicos, que

mantinham estreita relação com a classe dominante (JOUCLAS, 1991).

Desta forma, quando os cirurgiões se deparavam com uma situação em que o ato cirúrgico

era iminente e inevitável, realizavam tal procedimento com o intuito de livrar seus clientes do

sofrimento, porém havia complicações que, muitas vezes, não conseguiam ser controladas

caracterizando-se primordialmente em dor, hemorragia e infecção. Eram utilizadas algumas

alternativas para minimizar a dor durante o ato cirúrgico tais como: álcool, éter, ópio ou haxixe

também conhecido como maconha indiana (SILVA, 1996; POTER, 2001; POSSARI apud

LACLETTE, 2004).

Somado às possíveis complicações inerentes à cirurgia, existia o fato que “o hospital que

funcionava na Europa desde a idade Média, não era de modo algum, um meio de cura, não era

concebido para curar” (FOUCAULT, 1996, p. 101).

E mesmo nestas condições adversas, os cirurgiões reivindicaram um local específico para a

realização dos procedimentos, sendo nesta época, mais precisamente no século XII, no “Hotel

Dieu” de Paris, que se criou um local específico para a realização das cirurgias, instituindo-se

assim, o Centro Cirúrgico (SCHMIDIT apud RIBEIRO, 2004).

33

Avançando no contexto histórico-social e econômico, iniciou-se o enfraquecimento do

feudalismo e ocorreu o desenvolvimento de outra forma de gerar riquezas denominada

mercantilismo, o qual serviu de base para o nascimento do modelo capitalista de produção,

transformando a estrutura sócio-econômica, cultural e religiosa da sociedade.

Como destaca Souza (2003), o pensamento predominante desta época era que os pobres e

doentes deveriam ter direito à assistência social e de saúde, pois como enfermos, poderiam

contaminar a população, causando epidemias. Dessa forma, ocorria o comprometimento do

processo produtivo e a geração de riqueza. Assim, a lógica era isolar os doentes em hospitais,

segregando-os socialmente.

As modificações sociais, políticas e econômicas foram intensas nos séculos XV e XVI,

gerando um movimento cultural denominado Renascimento. Este movimento foi idealizado por

intelectuais e apoiado pelos reis, que por descontentamento com os dogmas da Igreja Católica e

com a supremacia papal, geraram transformações radicais nas artes, nas ciências e na literatura

(KOSHIBA e PEREIRA, 2004).

Estas alterações de ordem religiosa tiveram influência direta sobre a Enfermagem e os

hospitais. Este foi um contraponto à evolução das ciências as quais se desenvolveram

significativamente e a Enfermagem viveu um período de decadência, desencadeada pela reforma

protestante liderada por Martinho Lutero, fruto do seu descontentamento com os preceitos da

Igreja Católica. Ocorreu então, uma grave crise no catolicismo, levando à saída das ordens

religiosas dos hospitais (SOUZA apud LIRA E BONFIM, 1995).

A mudança no contexto histórico repercutiu diretamente na assistência prestada nos

hospitais. Pires (1989) destaca que os hospitais se transformaram em depósitos humanos e os

cuidados eram prestados por pessoas que também eram marginalizadas pela sociedade e de moral

duvidosa como os bêbados, as prostitutas e os vagabundos. Verifica-se então, um período

obscuro e crítico na Enfermagem, que ainda hoje sofre seus reflexos, gerando um estigma que

permanece arraigado ao imaginário popular.

No século XIX, ocorram mudanças nos objetivos do hospital, deixando de ser local de

segregação de excluídos e desvalidos, se transformado num espaço de curar. A partir desse

momento, o médico torna-se o dono do processo de trabalho e assume o poder nos hospitais

(FOUCAULT, 1996). Esse profissional que até então se encontrava fora da instituição hospitalar,

34

insere-se neste contexto e impõe um poder de decisão sobre a organização e o processo de

trabalho hospitalar que afeta diretamente a Enfermagem.

No final do século XIX, verifica-se uma mudança no cenário da Enfermagem, quando se

constatam mudanças positivas na prática da Enfermagem e, conseqüentemente, na forma da

sociedade simbolizar a profissão. A Enfermagem transforma-se numa profissão moderna e com

embasamento científico (SOUZA, 1995).

Nesta época também ocorrem evoluções significativas no conhecimento anestésico-

cirúrgico e, conseqüentemente, no espaço que hoje é caracterizado como centro cirúrgico.

Destacam-se o advento da utilização de agentes anestésicos eficazes para supressão da dor (1842)

e a utilização, em 1848, das primeiras técnicas assépticas (POSSARI, 2004).

No dia 16 de outubro de 1846, no Hospital de Massachutts em Boston, foi realizado um

importante procedimento cirúrgico, a retirada de tumor no pescoço de um paciente,

caracterizando-se em um marco da cirurgia moderna, pois ele foi submetido à anestesia por

inalação de gases químicos, até então nunca antes utilizado (POTER, 2001; POSSARI, 2004).

Nos idos de 1856, Florence Nightingale inicia suas atividades como enfermeira em

Kaiserswerth, na Alemanha, numa Escola para Enfermeiras de elevada moral e respeitabilidade.

A partir então, iniciou-se uma trajetória profissional que culminou na transformação da

Enfermagem, antes obscura e nada valorizada pela sociedade (NASH, 1980; GEORGE et al,

1993, PINHO, 2002).

Paralelamente a estes acontecimentos, verifica-se a introdução de conceitos de

microbiologia nos hospitais por Lister (1874). Esse médico atestou que os microorganismos eram

responsáveis pela supuração das feridas, inclusive as operatórias. Ele utilizou ácido carbolítico

como anti-séptico de fraturas expostas e, posteriormente utilizou esta mesma substância para

pulverizar as salas de cirurgia, dando origem a uma técnica de desinfecção das salas operatórias

que perdurou por vários anos. Lister também foi o pioneiro em utilizar instrumental cirúrgico

esterilizado (PINHO, 2002).

Já em 1882, o cirurgião Nauber instituiu o uso do avental cirúrgico para diminuir o risco de

infecção. No ano de 1889, Halstead, cirurgião do Hospital John Hopkins, solicitou a criação de

luvas de borracha para proteger as mãos da enfermeira que atuava em suas cirurgias, uma vez que

ela era alérgica aos sabões e anti-sépticos utilizados para a degermação das mãos. Esta prática foi

35

bem aceita e adotada pelos demais profissionais posteriormente. Assim, este fato marcou o início

da utilização de luvas no ambiente de Centro Cirúrgico (PINHO, 2002, POSSARI, 2004).

O cirurgião Hunter Robb do Hospital John Hopkins, em 1894, solicitou que fossem

designados enfermeiros para atuar no Centro Cirúrgico com o intuito de melhorar a assistência

prestada aos clientes. A partir de então, o enfermeiro tornou-se essencial para a organização do

trabalho no Centro Cirúrgico (POLASKI, 1996; PINHO, 2002). Ressalta-se que:

foram as alunas do Curso de Enfermagem, do Boston Trainning School (Massachusetts General

Hospital), as primeiras a freqüentarem os Centros Cirúrgicos no ano de 1901. Elas assistiam as

cirurgias realizadas e treinavam a técnica de degerrmação das mãos. Neste período, os enfermeiros

tinham a assistência limitada as salas de cirurgia, atuando exclusivamente durante os

procedimentos cirúrgico-anestésicos. Esse fato dificultava a implantação do processo de

enfermagem (PINHO, 2002, p. 24).

Foi no século XX, entre 1900-1919, que a Enfermagem Perioperatória passou a atuar

também na casa do cliente, orientando acerca dos cuidados com a higiene e alimentação.

Ressalta-se que um maior desenvolvimento dessa especialidade na Enfermagem ocorreu durante

a Segunda Grande Guerra (1939-1945), quando as enfermeiras norte-americanas passaram a ser

responsáveis pelos procedimentos anestésicos e a atuarem como primeiro auxiliar de cirurgia.

Durante todo este processo de transformações, o trabalho dos enfermeiros também apresentou um

cunho diferenciando, centrado em tarefas administrativas para o perfeito funcionamento do setor

(ARZUZA, 1995, PINHO, 2002)

Após o término da segunda guerra mundial, a criação de novos equipamentos,

conhecimentos e técnicas cirúrgicas transformaram gradualmente a dinâmica do trabalho e, na

década de 50, observa-se que o Centro Cirúrgico já se apresentava como um setor complexo,

padronizado e especializado. Nesse momento, verifica-se que os enfermeiros atuantes nesse

contexto, começam a se organizar cultural e politicamente, fundando as associações americanas e

européias de Centro Cirúrgico para padronização e sistematização da assistência (ARZUZA,

1995; PINHO, 2002; SCHMIDT, 2004).

A partir da década de 70, começou a surgir entre os profissionais uma preocupação com a

qualidade da assistência prestada no Centro Cirúrgico, com foco na relação enfermeiro-cliente

(AMARANTE, 1997). Scmidt (2004) apud Jouclas infere que ocorreram grandes modificações

na atividade dos enfermeiros do Centro Cirúrgico, destacando que em 1978 houve a definição da

assistência perioperatória pela Association of Operating Room Nurses (AORN), centrada na

assistência de qualidade ao cliente no período pré, trans e pós-operatório.

36

Na década de 80, as pesquisas e o ensino voltados para a prática assistencial no Centro

Cirúrgico abrangiam questões administrativas, atribuições e competências do enfermeiro de

Centro Cirúrgico e o cuidado perioperatório. Foi nesta época que surgiram as propostas de

implementação de uma assistência que visava o cuidado integral ao cliente em situação cirúrgica

(ARZUZA, 1995, GUIDO, 2003). E, recentemente, na década de 90, as pesquisas em

enfermagem se direcionaram para a compreensão da complexidade do cuidado perioperatório e

para assistir o cliente da melhor forma possível, adequando a realidade do serviço (GUIDO,

2003). Hoje, observa-se uma grande preocupação em se prestar uma assistência perioperatória

digna, humanizada e centrada nos preceitos de qualidade ao cliente cirúrgico.

Em 1992, como destaca Pinho (2002), foi criada a Sociedade Brasileira de Enfermeiros de

Centro Cirúrgico (SOBECC), com sede em São Paulo, a qual visa aprimorar os conhecimentos

dos enfermeiros através da realização de cursos, publicações de periódicos e formação de

especialistas nesta área. A partir de 1997, houve a criação de sedes regionais em todo o país e,

atualmente, a entidade promove congressos em nível nacional a cada dois anos. Nesses eventos

também são realizados prova de conhecimento específico para obtenção de título de especialista

em centro cirúrgico.

Na atualidade, o Centro Cirúrgico possui determinadas características que possibilitam

identificá-lo como um setor crítico, fechado, destinado à realização de procedimentos cirúrgicos,

utilizando tecnologia complexa para prestar uma assistência de excelência aos clientes. No

entanto, é importante enfatizar que apesar de ser um setor fechado, apresenta elevado fluxo de

profissionais. Por ser um setor com elevado risco de morte dos clientes, os profissionais estão

sempre atentos para prevenir complicações perioperatórias (GHELLERE, ANTÔNIO E SOUZA,

1993; CARVALHO e LIMA, 2001; SCHMIDT, 2004).

De acordo com Ghellere, Antônio e Souza, (1993, p. 18), o Centro Cirúrgico tem como

principais finalidades:

- Realizar intervenções cirúrgicas e encaminhar o paciente à unidade de origem, na melhor

condição possível de integridade.

- Servir de campo de estágio para a formação e o aprimoramento de recursos humanos e;

- Desenvolver programas e projetos de pesquisa, voltados especialmente para o desenvolvimento

científico e tecnológico de ponta (GHELLERE, ANTÔNIO e SOUZA, 1993, P.18).

A organização estrutural deste setor é bastante complexa, pois deve contar com uma

estrutura física específica e adequada, uma vez que é uma unidade assistencial que interage e

37

depende de outros setores para seu pleno funcionamento, como por exemplo: Central de Material

e Esterilização, Rouparia, Farmácia, Oxigenoterapia, Radiologia.

Envolvendo ainda a questão da estrutura física, é importante destacar que o centro cirúrgico

divide-se em três áreas: irrestrita, semi-restrita e restrita. A área irrestrita é caracterizada como de

circulação livre, composta pelos vestiários e corredor de entrada, não sendo necessária a

utilização de roupas privativas. A área semi-restrita permite a circulação de profissionais, mas

desde que paramentado com a roupa do Centro Cirúrgico. Esta área é composta por: corredores,

copa, sala de estar, secretaria, expurgo sala da chefia de enfermagem e médica. Na área restrita só

é permitida a entrada com roupa privativa do setor, gorro e máscara facial. Esta área compõe-se

de: salas de operações, lavabos, sala de recuperação anestésica, sala de raio X (GHELLERE,

ANTÔNIO e SOUZA, 2003; SCHMIDT, 2004).

Ressalta-se que na Instituição estudada, os profissionais não utilizam mais as sapatilhas ou

pro- pés, pois seu uso é controverso, isto é, estudos têm demonstrado que a sua utilização não é

eficaz na prevenção ou redução das infecções do sítio cirúrgico (APECIH, 2003).

É importante destacar que no Centro Cirúrgico, os avanços científicos e tecnológicos são

constantes, impulsionando os enfermeiros a acompanhar estas mudanças através da capacitação

permanente. Esta capacitação constante é uma das exigências do mercado de trabalho, que exige

dos profissionais de Centro Cirúrgico um preparo profissional diferenciado e qualificado (CRUZ

e SOARES, 2004). Adicionado a esta questão, verifica-se que o trabalho em centro cirúrgico

requer uma elevada carga física e mental de seus trabalhadores, dado à especificidade das

atividades e da organização laboral (ROCHA E BRONZATTI, 2000).

Em centro cirúrgico é preciso pensar em ciência e tecnologia como necessidade para

implementação de um fazer cuja prática possibilite tratamentos rápidos, redução de riscos, menos

tempo de hospitalização a fim de minorar o sofrimento e prolongar a vida com qualidade

(ROCHA; BRONZATTI, 2000, p. 29).

Por outro lado, há um importante aspecto referente ao uso de tecnologia de ponta e

conhecimentos avançados de que trata Meyer (2002) e que merece destaque. Refere-se à barreira

e ao bloqueio que a tecnologia pode causar na relação enfermeiro-usuário. Tal fato tem potencial

para se desenvolver porque o manuseio de máquinas e equipamentos avançados, a administração

e controle de drogas poderão tornar-se foco principal da atenção dos enfermeiros, resultando

numa posição secundária para a clientela assistida.

38

Com relação à dinâmica de funcionamento do Centro Cirúrgico do HUPE e o quantitativo

de enfermeiros, verifiquei junto a Coordenadoria de Enfermagem que ele funciona atualmente

com catorze enfermeiros: sendo dois nos regime de contrato administrativo, um chefe da unidade,

um enfermeiro no turno da manhã, uma enfermeira no turno da tarde, cinco enfermeiros

plantonistas no serviço diurno, três enfermeiros plantonistas no serviço noturno e três enfermeiros

plantonistas no serviço diurno da sala de Recuperação Anestésica. Estes enfermeiros realizam

atividades distintas de acordo com seu cargo, mas que se complementam e às vezes se

sobrepõem.

Para um melhor entendimento das atribuições desses enfermeiros considerei conveniente

separá-las de acordo com o cargo que ocupam no Centro Cirúrgico. O registro dessas atribuições

foi feito fundamento nos estudos de Ghellere, Antônio e Souza (2003), uma vez que o manual de

normas e rotinas que dispõe sobre o papel e atribuições dos enfermeiros está em fase de

elaboração. Sendo assim, segue uma breve descrição das atribuições dos enfermeiros que atuam

no Centro Cirúrgico do HUPE, o que caracteriza o trabalho prescrito dos mesmos.

Cabe ao enfermeiro chefe de unidade:

- Estabelecer diretrizes gerais, normas, procedimentos e rotinas inerentes ao Serviço de

Enfermagem de Centro Cirúrgico;

- Participar do planejamento, execução e avaliação das atividades do Centro Cirúrgico;

- Assessorar a Chefia Geral do Centro Cirúrgico e a Coordenadoria de Enfermagem em assuntos

relativos à Enfermagem no Centro Cirúrgico.

- Planejar, executar e avaliar Programas de Treinamento e Educação Permanente da equipe de

enfermagem do setor, residentes de enfermagem e dos demais serviços do hospital relativos a

assuntos de Centro Cirúrgico;

- Proporcionar integração da unidade do Centro Cirúrgico com as demais unidades do hospital;

- Realizar a previsão e provisão de materiais;

- Executar escala de serviço mensal dos funcionários da equipe de enfermagem do setor;

- Realizar o planejamento de férias e folgas mensais dos funcionários de enfermagem do Centro

Cirúrgico;

- Receber e controlar os pedidos de cirurgia, planejando seu atendimento em conjunto com os

demais enfermeiros, médicos e outros profissionais;

39

- Proceder a articulação com outros serviços intra e extra-hospitalar, visando inclusive, a

prevenção e o controle de infecções hospitalares;

- Participar na formação e aperfeiçoamento de profissionais da área de saúde;

- Representar o Centro Cirúrgico em reuniões, cursos, jornadas e congressos promovidos por

associações de classe ou instituições de ensino;

- Implementar meios de controle de infecções e medidas para a assepsia do ambiente cirúrgico;

- Incentivar e supervisionar o controle periódico de saúde dos funcionários do setor;

- Coordenar e implementar, em parceria com o chefe de enfermagem do Serviço de Central de

Material e Esterilização, o programa teórico específico dos residentes de enfermagem do Centro

Cirúrgico;

- Participar de reuniões convocadas pela Coordenadoria de Enfermagem ou Direção do Hospital;

- Participar do processo de seleção do pessoal que irá atuar no Centro Cirúrgico.

Os enfermeiros plantonistas, líderes de equipe, aos enfermeiros dos turnos manhã e tarde

tem as seguintes funções:

- Receber o plantão e tomar providências sobre intercorrências ocorridas no plantão anterior;

- Providenciar que as cirurgias iniciem no horário estipulado;

- Assegurar o bom andamento do programa operatório, tomando providências para que não

ocorram atrasos;

- Checar a escala de funcionários, identificar ausências e providenciar o remanejamento de

pessoal quando necessário;

- Comunicar faltas e licenças médicas à Supervisão de Enfermagem;

- Receber o cliente no setor e realizar sua admissão em impresso próprio;

- Encaminhar o cliente para local específico a fim de aguardar pelo procedimento cirúrgico;

- Coordenar e supervisionar as atividades desenvolvidas pelos residentes, auxiliares e técnicos de

Enfermagem;

- Prover as salas de cirurgias de pessoal, material e equipamentos necessários à realização dos

procedimentos cirúrgicos;

- Realizar a escala do pessoal de acordo com o programa operatório previsto para o dia seguinte,

confeccionando a escala dos instrumentadores e circulantes específicas de cada sala de cirurgia;

- Verificar o estado de conservação e funcionamento dos equipamentos, aparelhos e materiais,

solicitando conserto ou substituição dos mesmos quando necessário;

40

- Supervisionar o desenvolvimento das atividades e assistência de enfermagem nas salas

cirúrgicas;

- Supervisionar e controlar a limpeza do ambiente do Centro Cirúrgico;

- Supervisionar a data de validade dos materiais e instrumentais esterilizados e encaminhá-los

para re-processamento quando houver indicação;

- Controlar o gasto diário de entorpecentes no setor e repô-los sempre que necessário;

- Protocolar e encaminhar as peças cirúrgicas e materiais biológicos coletados durante os

procedimentos cirúrgicos aos laboratórios específicos;

- Supervisionar o uso do uniforme adequado e a utilização de equipamento de proteção individual

pela equipe do setor;

- Participar da elaboração de normas, rotinas e procedimentos do setor;

- Cumprir e fazer cumprir o regulamento do hospital, normas, rotinas e procedimentos do Centro

Cirúrgico, ordens de serviço, circulares e outras determinações que sejam estabelecidas;

- Participar de reuniões convocadas pela Chefia do setor, Coordenadoria de Enfermagem ou

Direção do Hospital;

- Realizar procedimentos técnicos de maior complexidade na assistência direta ao cliente;

- Realizar reuniões periódicas com a equipe de enfermagem para discussão das atividades no

Centro Cirúrgico.

Cabe ao enfermeiro da sala de Recuperação Anestésica:

- Receber o plantão e tomar providências sobre intercorrências ocorridas caso sejam necessárias;

- Receber o cliente na sala de Recuperação Anestésica para que aguarde o procedimento

cirúrgico, esclarecendo suas dúvidas;

- Realizar as anotações referentes à entrada do cliente no setor e ao encaminhamento para a sala

de operação em impresso próprio;

- Receber o cliente em pós-operatório imediato, instalar a monitorização não-invasiva nos

clientes;

- Realizar registro das condições de saúde do cliente em impresso próprio;

- Checar sinais vitais a cada quinze minutos, registrá-los e atentar para alterações no estado de

saúde;

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- Observar atentamente o cliente, caso detectado qualquer alteração de nível de consciência, de

comportamento, sangramentos, ou qualquer indício de complicação pós-operatória, comunicar à

equipe cirúrgica e ao anestesista;

- Administrar medicações prescritas em caso de náusea, vômito, febre, dor e comunicar ao

anestesista responsável pelo cliente;

- Após alta assinada e carimbada pelo anestesista, providenciar o encaminhamento do cliente para

o setor de origem;

- Coordenar as atividades desenvolvidas pelo pessoal de enfermagem e pelos residentes de

enfermagem;

- Supervisionar e controlar a limpeza do setor;

- Realizar procedimentos técnicos de maior complexidade;

- Checar material de reanimação cardio-pulmonar do setor;

- Participar da elaboração de normas, rotinas e procedimentos do setor;

- Cumprir e fazer cumprir o regulamento do hospital, normas, rotinas e procedimentos do Centro

Cirúrgico, ordens de serviço, circulares e outras determinações que sejam estabelecidas;

- Participar de reuniões convocadas pela Chefia do setor, Coordenadoria de Enfermagem ou

Direção do Hospital;

- Realizar reuniões periódicas com a equipe de enfermagem para discussão das atividades na

Recuperação Anestésica;

A partir da descrição das atribuições cabíveis para cada enfermeiro que compõe a hierarquia

da organização do trabalho do Centro Cirúrgico do HUPE, constata-se a complexidade laboral

que envolve o setor e as cargas de trabalho que os enfermeiros estão expostos durante o exercício

de suas atividades.

Pude observar durante a coleta de dados, que muitas vezes os enfermeiros realizam

atividades que não estão prescritas, ou seja, se distanciam ou se somam ao trabalho prescrito,

caracterizando-se como o trabalho real. Devido às peculiaridades da organização do trabalho em

Centro Cirúrgico, os enfermeiros precisam realizar ajustes e adaptações nas suas atividades,

regulações ergonômicas, a fim de dar conta da tarefa. Essas regulações são as atividades

demandadas pelo trabalho real. Seguem algumas atividades que observei como inerentes do

trabalho real:

42

- Controlar a entrada dos profissionais da equipe multidisciplinar no setor devido à falta de

roupas no setor;

- Realizar improvisações e adaptações de materiais para que não haja prejuízo ao atendimento do

programa operatório;

- Fazer trocas ou solicitar materiais nas enfermarias do hospital para suprir a falta de insumos no

setor objetivando a não suspensão de cirurgias;

- Conduzir o cliente da enfermaria de origem ao Centro Cirúrgico e vice-versa quando da

ausência do profissional responsável pelo transporte dos clientes;

- Providenciar reparo de materiais e equipamento externos ao Centro Cirúrgico como os

elevadores do corredor central que transportam o cliente ao setor;

- Discussões com profissionais da equipe multidisciplinar devido à problemas administrativos e

estruturais do setor como falta de materiais, mobiliário e equipamentos insuficientes ou com

defeito.

A realização destas atividades muitas vezes dificulta que os enfermeiros desenvolvam ações

que seriam essenciais para uma melhor assistência de enfermagem perioperatória, como a visita

aos clientes em período pré e pós-operatório.

43

TRABALHO, SAÚDE E SUBJETIVIDADE

Esta seção buscou caracterizar como o trabalho é importante na vida dos indivíduos,

interferindo diretamente na subjetividade, construindo / reconstruindo identidades, e também se

revelando como um fator que incide marcadamente no processo saúde-doença dos trabalhadores.

Marx (1971) destaca que o trabalho apresenta-se como uma forma de metabolismo entre o

homem e a natureza, e não só uma forma de criar “valores de uso”, mercadorias que são

absorvidas pelo capital, mas o trabalho vai além disso, pois reflete-se como condição da

existência do homem, independente da sociedade em que se está inserido.

Como destaca Dejours (2004a, p.29),

[...] o trabalho é mais do que o ato de trabalhar ou de vender sua força de trabalho em busca de

remuneração. Há também a remuneração social pelo trabalho, ou seja, o trabalho enquanto fator de

integração a determinado grupo com certos direitos sociais.

Dejours (2004a, p.29) enfatiza que o trabalho tem uma importante função psíquica, pois “é

um dos grandes alicerces de constituição do sujeito e de sua rede de significados”. Sendo assim, o

trabalho está diretamente ligado à construção da identidade e da subjetividade do indivíduo.

A subjetividade é um conceito complexo e amplamente estudado em diversas áreas do

conhecimento e que se encontra diretamente arraigado à forma do sujeito relacionar-se com o

mundo.

Para Losicer (1995, p.68), o termo subjetividade veio a englobar o que antes era

denominado “ser- humano”, “indivíduo”, “psiquismo”, “eu- privado”, “homem íntimo” e busca

compreender as experiências vividas pelos indivíduos.

Como destaca Dimenstein (2000, p.116), a subjetividade é:

Uma forma particular de se colocar, de ver e estar no mundo que não se reduz a uma dimensão

individual. A subjetividade é um fato social construído a partir de processos de subjetivação, o

qual é engendrado por determinantes sociais – históricos, políticos, ideológicos de gênero, de

religião, conscientes ou não. Dessa forma, em diferentes contextos culturais, diferentes

subjetividades são produzidas

Morin (1996, p.45) infere que a subjetividade envolve afetividade, autonomia, liberdade,

consciência, sendo forma que o sujeito busca de organizar seu comportamento e assegurar sua

autonomia a partir de mudanças e influências do mundo externo.

Como a dimensão subjetiva é importante para a relação do sujeito com o mundo, faz-se

relevante destacar que a subjetividade está presente também na forma que este sujeito relaciona-

se com o mundo do trabalho.

44

Para Nardi (2006, p. 42) a relação subjetividade-trabalho remete à maneira que os “sujeitos

vivenciam e dão sentido às suas experiências de trabalho”. Pois, sendo o mundo do trabalho

extremamente dinâmico, esta relação nunca estará estagnada, mas em constante movimento e

transformação.

Um dos conceitos fundamentais para o entendimento da relação trabalho-subjetividade e

saúde, refere-se ao conceito de organização do trabalho, que para Dejours, Abdoucheli e Jayet

(1994) trata-se da divisão das tarefas, repartições, cadências, enfim, o modo operatório prescrito.

Assim como, os autores acrescentam que a organização do trabalho recorta também a divisão dos

homens: repartição das responsabilidades, hierarquia, comando, controle. Os autores (op cit, p.

26-27) complementam este conceito quando configuram a organização do trabalho como a

“vontade de um outro, de um grupo ou de uma instituição, que se opõe ou mesmo se impõe aos

trabalhadores”. A resposta do organismo à esta imposição/oposição pode caracterizar-se por

sofrimento, alienação e descompensação psíquica, ou como um processo de somatização no qual

o corpo não resistindo à esta pressão, torna-se incapaz de funcionar adequadamente (DEJOURS,

ABDOUCHELI & JAYET, 1994).

A organização do trabalho configura-se de várias formas, podendo apresentar características

mais flexíveis, democráticas, na qual se observam margem para o diálogo e para deixar fluir a

criatividade do trabalhador, com uma configuração menos complexa e fragmentada. Mas também

pode ser apresentar como autoritária, extremamente complexa e fragmentada na qual, dado ao

grau de fragmentação, o trabalhador tem dificuldade de identificar o produto final do seu

trabalho. Tais características dependerão da forma como se institui a organização prescrita do

trabalho, do conhecimento que a hierarquia superior tem acerca da totalidade que envolve o

processo produtivo e dos meandros relacionados à execução da tarefa e das atividades.

Grande parte das organizações laborais apresenta algum grau de fragmentação de tarefas.

Na realidade do trabalho hospitalar, a fragmentação das tarefas é caracterizada por prescrições de

“normas” e “rotinas”, sendo estas, freqüentemente elaboradas pelas chefias, pouco ou nada

discutidas com aqueles que as executam, o que resulta em algum grau de sofrimento psíquico

para os trabalhadores. Tal sofrimento é originado pela negação do conhecimento prático do

trabalhador, de seus desejos e aspirações.

Ressalta-se que uma organização do trabalho que fragmenta, que dita normas e rotinas sem

dialogar com os trabalhadores, choca-se com a dimensão subjetiva dos mesmos, e ainda, conduz

45

algumas vezes, à impossibilidade do trabalhador executar a atividade da forma como foi

prescrita, devido, por exemplo, a inúmeros motivos: materiais insuficientes ou inadequados,

déficit de pessoal, condições laborais inadequadas, entre outros. Tal impossibilidade origina uma

fragilidade na autoconfiança do trabalhador, o que repercute negativamente em dimensão

subjetiva e no processo saúde-doença.

Concordo com Beck (2001) quando esta destaca que

A rotinização e a fragmentação do trabalho através das normas e rotinas podem contribuir também

para o atendimento parcelado do paciente e, principalmente, dissociado do seu contexto de vida

pessoal e familiar. A norma pode torna-se perversa, quando ela é a finalidade em si, sendo um

meio para estabelecer padrões de regularidade (BECK, 2001, p.35).

Faz-se relevante destacar que a organização do trabalho é entendida sob duas óticas: a

organização prescrita do trabalho e a organização real do trabalho. De acordo com Oliveira

(2002, p. 351), o “trabalho prescrito é o que é determinado, que é pré-escrito para ser executado

por trabalhadores [...]. O trabalho pode ser prescrito verbalmente ou por escrito”. O mesmo autor

destaca que “o trabalho prescrito é o que a organização do trabalho oferece para o mesmo, que

chamamos de tarefa”. É importante destacar que se entende como tarefa tudo o que o trabalhador

deve fazer e como fazê-lo. A organização prescrita do trabalho é uma tentativa de normatizar e

gerenciar o trabalho, numa busca da padronização de ações, com o intuito de diminuir acidentes e

erros na execução das tarefas. Contudo, na maioria das vezes isto não é alcançado e como

ressaltam Dejours (2004a, p. 63) “chega ao limite de tornar impossível a execução do trabalho.

As prescrições da organização do trabalho levam às vezes, à desorganização!”.

A organização real do trabalho é aquela que é feita de acordo com as condições que os

trabalhadores têm, adequando equipamentos, força física, condições emocionais, tipo de material

disponível ao que é preciso executar. Segundo Oliveira (2002, p. 353), a organização real do

trabalho caracteriza-se como a “maneira de o trabalhador executar a tarefa que lhe é

determinada”. Para Dejours (2004a, p. 63), a organização do trabalho real é o “afastamento das

prescrições para dar início á atividade de interpretação”. Assim, através da interpretação

particular da tarefa (trabalho prescrito) é que o trabalhador irá realizar na sua atividade (trabalho

real).

Com certa freqüência, o trabalhador tem dificuldades em seguir a organização do trabalho

prescrito, pois é necessário que ele faça regulações na dinâmica do trabalho para dar conta da

tarefa. Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) destacam que haverá sempre um hiato entre o trabalho

46

prescrito e o trabalho real, porém quanto maior for o distanciamento entre o prescrito e o real,

maior será o sofrimento do trabalhador, porque terá que fazer adaptações, improvisações,

regulações que tornam o trabalho penoso.

De acordo com os autores (op cit), um dos caminhos para minimizar as contradições que

permeiam o trabalho prescrito e o trabalho real é:

[...] flexibilizar a organização do trabalho, de modo a deixar maior liberdade ao trabalhador para

rearranjar seu modo operatório e para encontrar os gestos que são capazes de lhe fornecer prazer,

isto é, uma expansão ou uma diminuição de sua carga psíquica de trabalho. Na falta de poder

assim liberalizar a organização do trabalho, precisa-se resolver encarar uma reorientação

profissional que leve em conta as aptidões do trabalhador, as necessidades de sua economia

psicossomática, não de certas aptidões somente, mas de todas, se possível, pois o pleno emprego

das aptidões psicomotoras, psicossensoriais e psíquicas parece ser uma condição de prazer no

trabalho (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET 1994, p.31-32).

Para que isto efetivamente ocorra, é preciso que as gerências estejam entrosadas de tal

forma com os meandros da organização do trabalho, deixando de prescrever regras, normas,

rotinas distanciadas da realidade laboral, fugindo do papel de meras “ditadoras de ordens”,

“checadoras de escalas” e “fiscalizadoras”. Faz-se relevante que aqueles que prescrevem a

organização laboral conheçam como o trabalho é executado pelos trabalhadores, tentando

incansavelmente adaptar a tarefa ao trabalhador. Pois, como estabelecem Dejours, Abdoucheli e

Jayet (1994, p. 55), “mudar o poder de mãos na empresa não resolveria a questão do sofrimento e

levaria apenas a mudar a responsabilidade entre atores”.

Considerar estas situações que envolvem a organização do trabalho significa valorizar o

trabalhador em sua subjetividade e assegurar e/ou resgatar a sua saúde. Sobre este aspecto,

Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) fazem uma importante análise:

Uma boa adequação entre organização do trabalho e a vida mental do trabalhador é possível, desde

que aquela considere as exigências intelectuais, motoras e psicossensoriais da tarefa com as

necessidades daquele que trabalha e que o conteúdo do trabalho seja fonte de uma satisfação

sublimatória. Para isto, é necessária uma análise precisa da psicodinâmica da relação homem-

trabalho (DEJOURS, 1994, p. 138).

Observa-se um aumento progressivo do número de trabalhadores de saúde atuando em

unidades hospitalares, ressaltando-se principalmente profissionais da equipe de enfermagem, que

em sua maioria desenvolvem suas práticas profissionais nos hospitais. Acerca da organização do

trabalho hospitalar, Pitta (1994) infere que:

O hospital tem sido um lugar nevrálgico de aglutinação de trabalhadores que inclui desde médicos,

enfermeiros, auxiliares, fisioterapeutas, telefonistas, nutricionistas, operadores de máquinas e

auxiliares outros, numa extensa lista de profissões e ocupações (PITTA, 1994, p.17).

47

O objetivo do hospital é ofertar atendimento em saúde e sempre que possível curar pessoas.

Os trabalhadores que atuam neste espaço lidam cotidianamente com vidas humanas em situações

de vulnerabilidade, fragilidade e gravidade. No caso específico da Enfermagem, lidar com estas

situações é muito mais acentuado do que nas demais profissões, pois esta equipe permanece com

o doente vinte quatro horas por dia e este aspecto do trabalho de Enfermagem, coloca os

profissionais em contato direto com a dor, o sofrimento e a morte, o que torna o trabalho difícil e

até mesmo penoso para quem o realiza.

Souza (2003) destaca que a dinâmica do trabalho hospitalar é permeada de emoções,

sentimentos e outras peculiaridades que atingem a subjetividade do trabalhador. Esta

problemática também é explorada por Pitta (1994) quando destaca que:

Cabe, portanto, aos que trabalham no hospital produzir uma homeostasia entre vida e morte, entre

saúde e doença, entre cura e óbito que tende a transcender suas impossibilidades pessoais de

administrar o trágico e, por cumplicidade, caberá também ao enfermo comportar-se com elegância

e discrição, de modo a fazer com que a dura tarefa seja mais suave para eles e para quem os assiste

(PITTA, 1994, p.32).

Além destes aspectos subjetivos que envolvem a organização do trabalho no hospital, uma

característica importante a ser destacada é que o hospital também se apresenta como um local

onde os avanços tecnológicos e científicos são notórios e que os profissionais devem estar

ininterruptamente se capacitando a fim de dar conta do aparato tecnológico que permeia o

trabalho dos enfermeiros hospitalares. Além dessa característica, destaca-se que a produção do

conhecimento aplicado no trabalho hospitalar é cada vez mais acelerada. Os conceitos e práticas

mudam com muita freqüência e os profissionais se sentem pressionados a acompanhar as

mudanças. Como destacam Cruz e Soares (2004):

As mudanças rápidas da ciência e da tecnologia exigem do enfermeiro hospitalar ampliação de

seus conhecimentos, capacidade para identificar, avaliar e solucionar questões advindas da prática

para tomada de decisão fundamentada na lógica, com habilidade e competência (CRUZ e

SOARES, 2004, p.112).

Todos estes aspectos fazem parte do processo de trabalho dos profissionais de saúde que é

analisado por Pires (1996) da seguinte forma:

[...] o processo de trabalho dos profissionais de saúde têm como finalidade – a ação terapêutica de

saúde; como objeto - o indivíduo ou grupos doentes, sadios expostos a riscos, necessitando de

medidas curativas, preservar a saúde ou prevenir as doenças; como instrumentos de trabalho - os

instrumentos e as condutas que representam o nível técnico, conhecimento que é o saber de saúde

e o produto final é a própria prestação da assistência de saúde que é produzida no mesmo

momento que é consumida (PIRES, 1996, p. 202).

O processo de trabalho da Enfermagem apresenta-se muito fragmentado em decorrência de

uma organização do trabalho que também se apresenta fragmentada. Verifica-se assim, uma

48

assistência ao cliente sem continuidade, na qual cada profissional é responsável por determinadas

tarefas e, ao realizar apenas determinada tarefa, este profissional muitas vezes perde a visão do

“todo”, isto é, não tem conhecimento do processo de trabalho em sua totalidade. González

(2001), analisando o processo de trabalho de enfermeiros assistenciais, faz uma relevante

inferência:

Cada trabalho foi subdividido, de acordo com as habilidades, ou seja, de acordo com as

características técnicas das ações, de modo que o resultado só aparece depois que muitos

trabalhadores foram envolvidos no processo, cada um fazendo uma parcela do produto final

(GONZÁLES, 2001, p.50).

Além do exposto, o processo de trabalho esbarra em problemas relacionados a condições de

trabalho, pois a precarização dos hospitais públicos leva os profissionais ao improviso devido à

escassez de materiais, número de pessoal insuficiente, afetando diretamente os profissionais de

saúde que prestam assistência ao cliente. Como destacam Lisboa (1998) e Souza (2003), as

condições de trabalho nas quais estão inseridos os profissionais de enfermagem são de extrema

precariedade, onde se encontram equipamentos danificados, falta de materiais permanentes e de

consumo, levando os profissionais a alterações na economia psicossomática1 dos mesmos,

podendo causar desgaste, sofrimento e adoecimento físico e psíquico.

Esta realidade de desvalorização e precariedade é encontrada na instituição de saúde onde o

objeto desse estudo emergiu, refletindo direta e negativamente nas condições de trabalho dos

profissionais e no processo saúde-doença dos mesmos.

Como destacam Araújo et al (2004), o hospital ainda se caracteriza como um espaço de

hegemonia médica, onde o trabalho da enfermagem permanece situado como coadjuvante. Esta

realidade se aplica ao HUPE, que apesar de ser um hospital universitário ainda tem uma forte

hierarquização e, principalmente, ainda há um processo de trabalho ligado à figura do médico.

Este fato dificulta o desempenho das atividades dos enfermeiros, pois as disputas de poder ainda

são freqüentes e os conflitos entre os profissionais ainda ocorrem (SOUZA, 2003).

A autora (op cit) realizou sua pesquisa nesta mesma instituição e concluiu que a

solidificação do poder médico no hospital envolve questões históricas e de gênero, além do

contraponto intelectual versus manual. Este contexto complexo perpetua a hegemonia médica,

1 Por economia psicossomática, entendem-se as potencialidades funcionais e psíquicas de cada indivíduo, que podem ser

consumidas em termos do substrato orgânico da mente e das energias do trabalhador resultando em desgaste físico e psíquico

(SOUZA, 2003, p. 12).

49

que interfere diretamente no processo de trabalho dos demais profissionais, fragilizando a

autonomia dos mesmos.

Estes aspectos afetam diretamente os enfermeiros no que diz respeito ao reconhecimento

por seu trabalho, pois muitos profissionais acreditam que seu trabalho não é reconhecido e nem

valorizado pela sociedade e até mesmo por outros profissionais da área de saúde.

Dejours (2006) infere que “o reconhecimento não é uma reivindicação secundária dos que

trabalham. Muito pelo contrário, mostra-se decisivo na dinâmica de mobilização subjetiva da

inteligência, da personalidade no trabalho”. O autor complementa asseverando que, quando o

trabalho passa desapercebido em meio à indiferença geral ou é negado pelos outros, pode

acarretar um sofrimento que é muito perigoso para a saúde mental:

Do reconhecimento depende na verdade o sentido do sofrimento. Quando a qualidade de meu

trabalho é reconhecida, também meus esforços, minhas angústias, minhas dúvidas, minhas

decepções, meus desânimos adquirem sentido. Todo esse sofrimento, portanto, não foi em vão;

não somente prestou uma contribuição à organização do trabalho, mas também fez de mim, em

compensação um sujeito diferente daquele que eu era antes do reconhecimento. O reconhecimento

do trabalho, ou mesmo da obra, pode depois ser reconduzido pelo sujeito ao plano da construção

de sua identidade. E isso se traduz afetivamente por um sentimento de alívio, de prazer, às vezes

de leveza d’alma ou até de elevação (DEJOURS, 2006, p.34).

Um dos fatores que leva ao não reconhecimento do trabalho dos enfermeiros é que muitas

vezes estes profissionais realizam um trabalho que não se mostra de forma aparente e palpável,

quando, por exemplo, o enfermeiro do Centro Cirúrgico adia momentaneamente o envio do

pedido semanal de materiais para segurar a mão e proferir palavras de incentivo ao cliente que

adentrou o setor e encontra-se fragilizado e receoso em relação ao ato cirúrgico. Desta forma,

muitas vezes o trabalho “não aparece”, pois não produz resultados efetivos para o Capital.

Como destacam Araújo et al (2004) apud Gonçalves (1994), o trabalho em saúde gera um

produto que é consumido imediatamente à sua produção, portanto não produz mais-valia

diretamente, mas ao produzir um efeito útil que é consumido no mesmo momento, transforma-se

em mercadoria com um valor a ser comercializado.

Este trabalho que é realizado pelos enfermeiros e que não tem forma de um objeto

propriamente dito acaba sendo considerado como trabalho imaterial.

Numa outra vertente, encontra-se o trabalho que realmente aparece, como por exemplo,

quando o enfermeiro que atua na recuperação anestésica realiza a troca de sete curativos no pós-

operatório imediato ou realiza a punção venosa de vários clientes no pré-operatório. Estas ações

50

são percebidas como produtivas e podem até mesmo ser quantificáveis, o que caracteriza o

trabalho material do enfermeiro.

Como destaca Antunes (2006, p.127), “a particularidade da mercadoria produzida pelo

trabalho imaterial [...] consiste no fato de que ela não se destrói no ato do consumo”. O trabalho

imaterial não produz mercadorias propriamente ditas e podem ser diretamente consumidas pela

sociedade, mas trata-se de um processo produtivo que segundo o autor (op cit) converte o

trabalhador num sujeito ativo, o qual deixa de ser um comandado e faz parte do processo

decisivo, analisa situações, oferece alternativa frente a ocorrências inesperadas.

Como inferem (Lazzarato e Negri, 2001), o trabalho imaterial produz acima de tudo uma

relação social, sendo a subjetividade a matéria-prima deste tipo de processo produtivo. Assim, os

trabalhadores imateriais satisfazem uma demanda do consumidor através da interação social com

o mesmo e não reproduz a capacidade física do trabalhador de transformar matéria-prima num

objeto concreto para o consumo.

É importante destacar que o trabalho material e imaterial estão imbricados, pois mesmo

com a crescente informatização e substituição do trabalho humano por máquinas, há sempre a

necessidade de transferência do saber intelectual e cognitivo da classe trabalhadora para a

maquinaria, transformando-se assim, trabalho material em imaterial (ANTUNES, 2006).

O autor (op cit) destaca que a nova forma de ser do trabalho no mundo contemporâneo

envolve uma maior inter-relação e interpenetração entre atividades produtivas e improdutivas,

atividades laborativas e de concepção, levando a uma reestruturação produtiva do capital.

Essas mudanças são acompanhadas pela Enfermagem quando os enfermeiros do Centro

Cirúrgico, por exemplo, prestam apoio ao cliente que está com receio do ato cirúrgico, realizam

atividades que envolvem comunicação, dimensão intelectual e capacidade cognitiva, não

gerando, porém, um objeto de trabalho palpável e reconhecido pelo Capital.

É relevante procurar entender como estas questões se apresentam para os profissionais de

enfermagem do HUPE, ampliando as discussões de como esta organização laboral complexa e

conflituosa, repercute no trabalho, na subjetividade e na saúde dos mesmos. Frente a esta

problemática, ocorre o dilema entre querer prestar uma assistência adequada aos clientes e não

possuir condições de trabalho adequadas, gerando insatisfações de âmbito diversas, repercutindo

assim, no processo saúde-doença desses trabalhadores.

51

Para aprofundar a discussão sobre as repercussões da organização do trabalho no processo

saúde-doença dos enfermeiros do centro cirúrgico, é importante contextualizar sobre os conceitos

de saúde e de doença.

O conceito de saúde instituído pela Organização Mundial de Saúde na Carta de Ottawa

(1986, p.01) define saúde como: “completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a

ausência de doenças”.

A definição da Constituição Federal (1990) infere que saúde

É resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente,

trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso aos

serviços de saúde. É assim antes de tudo, o resultado das formas de organização social

da produção, as quais podem gerar desigualdades nos níveis de vida (BRASIL, 1990).

Os conceitos de saúde apresentados por estes órgãos apresentam-se muito amplos e de certa

forma até mesmo utópicos, pois para alcançar tal conceito de saúde, o indivíduo deverá usufruir

de um perfeito equilíbrio em todos os planos de sua vida. No entanto, na sociedade em que

vivemos, este conceito é praticamente inalcançável para a maioria da população, inclusive para os

trabalhadores de Enfermagem, que estão envolvidos num processo de trabalho que não propicia a

vida saudável.

Além disso, há toda uma herança cultural e social para definir o que é saúde e o que é

doença, que devem ser levada em conta quando trazemos à discussão estes conceitos. Para

Gualda & Bergamasco (2004, p.25) “Se por um lado, a saúde é considerada uma condição básica

para qualidade de vida, a doença representa uma ameaça ao senso de segurança e é geradora da

ansiedade”.

Estes conceitos apresentam-se de fato muito particulares, pois se perguntarmos a vários

indivíduos o que entendem por saúde e doença, obteremos as mais variadas respostas, pois estes

conceitos estão atrelado ao discernimento pessoal e às questões sócio-culturais do meio em que

estes estão inseridos.

Caponi (1997) ressalta que

O conceito de saúde deve considerar e integrar as variações e as anomalias, deverá ser

suficientemente relativo para atender às particularidades que para uns e para outros estão contidos

em suas percepções do que seja saúde e enfermidade. É o sujeito que falará se considera-se sadio

ou doente (CAPONI, 1997, p.298).

Torna-se complexo encontrar um conceito de saúde que atenda todas estas prerrogativas, no

entanto, optei por considerar como concepção de saúde:

52

A existência de saúde, que é física e mental, está ligada a uma série de condições irredutíveis umas

às outras. Pensar saúde, hoje passa por pensar o indivíduo em sua organização da vida cotidiana,

tal como esta se expressa não só através do trabalho, mas também do lazer ou de sua ausência, por

exemplo: do afeto, da sexualidade, das relações com o meio ambiente. Uma concepção ampliada

de saúde passaria então por pensar a recriação da vida sobre novas bases (VAITSMAN apud

PAIM, 1997, p.17).

Com conceitos de saúde tão amplos e generalistas, a doença acaba por nos dizer mais sobre

uma pessoa do que a saúde propriamente, pois o estado de bem-estar completo muitas vezes nos

escapa à atenção, ao passo que quando os órgãos quebram o seu silêncio e instala-se a doença,

notamos que aquele corpo não encontra-se no seu estado normal de funcionamento

(MORRIS,1998).

A concepção de doença também apresenta características e conceitos individuais e de

acordo com o julgamento dos indivíduos. Cada pessoa que desenvolve determinada patologia a

vivencia de uma forma particular através não só do desenrolar dos sintomas, mas também através

das conversas com os profissionais de saúde, com pessoas que tem um quadro semelhante,

através de literatura popular, podendo caracterizar a doença na perspectiva dos outros ou da sua

própria narrativa (GOOD, 1996).

Como concepção de doença busquei apoio em Kleinman (1988):

As doenças variam na sua forma, algumas são breves e interferem de forma mínima na vida das

pessoas. Algumas têm curso mais longo e outras ainda que nunca desaparecem. Estas últimas são

consideradas doenças crônicas que variam grandemente. Algumas impõem pesadas perdas

funcionais, as quais tornam a pessoa quase totalmente deficiente, enquanto outras são menos

incapacitantes (KLEIMAN, 1988,p.19).

Saúde e doença como destacam Andrade, Soares e Júnior (2001), compõe momentos de um

processo maior, que se refere à vida das pessoas e às suas necessidades, sejam elas moradia,

alimentação, educação, saúde, lazer.

Numa reflexão voltada para a saúde do trabalhador, o processo saúde-doença é definido

por Laurell (1982) como:

o processo saúde doença é determinado pelo modo como o homem se apropria da natureza em um

dado momento, apropriação que se realiza por meio de processo de trabalho baseado em um

determinado desenvolvimento das forças produtivas e relações sociais de produção (LAURELL,

1982,p.18).

Essa apropriação da natureza por parte do trabalhador tem como objetivos construir sua

identidade através do trabalho, trazer reconhecimento, possibilidades de consumo e em

contrapartida também pode causar danos à saúde física e psíquica dos indivíduos, dependendo de

que forma este interagem com seu trabalho.

53

Como elucidam Haag, Schuck e Lopes (1997):

O processo saúde-doença do trabalhador resulta da complexa e dinâmica interação das condições

gerais de vida, das relações de trabalho e do controle que os próprios trabalhadores colocam em

ação para interferirem nas suas próprias condições de vida e trabalho (HAAG, SCHUCK e

LOPES, 1997, p.06).

O potencial de adoecimento é decorrente da forma que o trabalho é instituído, assim, as

transformações atuais no processo de trabalho, carga horária excessiva, péssimas condições de

trabalho, vínculos empregatícios que não oferecem garantias trabalhistas, acabam por levar o

trabalhador ao desgaste físico e mental, desmotivação, insatisfação, podendo levá-lo a processos

patológicos diversos (LUNARDI FILHO, 1999; SOUZA, 2003).

É relevante destacar que o processo saúde-doença dos trabalhadores também está

diretamente atrelado ao ambiente de trabalho com todas as suas nuances de exposição dos

trabalhadores aos mais diversos fatores de riscos ocupacionais. Dessa forma, considerei relevante

trazer essa temática para ser contextualizada na seção teórica que se segue.

54

SAÚDE DO TRABALHADOR: RISCOS OCUPACIONAIS NO AMBIENTE

HOSPITALAR

O hospital é reconhecidamente um ambiente que expõe seus trabalhadores à diversos

riscos ocupacionais, ressaltando-se que os profissionais da saúde muitas vezes estão em contato

direto com os riscos sem nem percebê-los, espoliando-os e os conduzindo para um processo lento

e insidioso de adoecimento. Portanto, é necessária que se faça uma ampla discussão para que

cada vez mais os profissionais fiquem conscientes dos riscos a que estão expostos no ambiente

hospitalar.

Além disso, faz-se relevante que os trabalhadores estejam atentos para alterações em seus

organismos e que realizem os exames periódicos de saúde, pois de acordo com Mendes e Dias

(1999), as doenças ocupacionais podem se manifestar após vários anos de exposição aos riscos, o

que torna o estabelecimento do nexo causal da exposição e do dano ocorrido muito difícil. Assim,

estimular os trabalhadores na identificação precoce das alterações em sua saúde, antes que se

instale a doença é extremamente importante e facilita a prevenção de prejuízos muitas vezes

irreversíveis à saúde dos mesmos.

Existem órgãos e legislações específicas voltadas para as questões da saúde do trabalhador,

mas destacarei neste momento a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é o órgão

mundial responsável pela saúde e segurança do trabalhador. Assim, devido à influência da OIT,

no Brasil existem leis que regulamentas as questões que envolvem “trabalho”, personificadas

pelas Normas Regulamentadoras (COSTA, 2007).

Faz-se relevante destacar as seguintes Normas Regulamentadoras (NRS): a NR-09 que

normatiza o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, a NR- 15 (Atividades e operações

insalubres), NR-16 (Atividades e operações perigosas), a NR- 17 que aborda a Ergonomia e

estabelece parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características

psicofisiológicas dos trabalhadores, e a mais recente NR-32, promulgada em maio de 2006,

voltada para Segurança e Saúde no Trabalho em Serviços de Saúde. Esta Norma trata dos riscos

do trabalho no ambiente hospitalar, sendo assim, ela tem estreita ligação com os aspectos

abordados nesta pesquisa (COSTA, 2007).

Um conceito relevante que deve ser abordado nessa seção teórica é a noção de risco, que é

definido por Bulhões (1998, p.41) como “perigo, inconveniente, dano ou fatalidade eventual,

55

provável, às vezes até previsível”. Os fatores de risco encontrados no ambiente laboral são

denominados como riscos ocupacionais e são classificados de acordo com o tipo de agente

envolvido.

O Ministério da Saúde, no Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde sobre

Doenças Relacionadas ao Trabalho, Brasil (2001, p.33), conceitua risco ocupacional como “uma

condição ou conjunto de circunstâncias que tem o potencial de causar um efeito adverso, que

pode ser: morte, lesões, doenças ou danos à saúde, à propriedade ou ao meio ambiente”.

Os trabalhadores podem estar expostos a riscos em seu ambiente de trabalho sem percebê-

los como tal, como destaca Mauro (1997):

No ambiente de trabalho, o risco ocupacional pode ser ou estar oculto (por ignorância, falta de

conhecimento ou de informação), latente (o risco só se manifesta e causa danos em situações de

emergência ou condição de estresse), e real (conhecido, mas sem possibilidade de controle, quer

pela inexistência de soluções, quer pelos altos custos ou pela falta de vontade política) (MAURO,

1997, p.10).

Os riscos ocupacionais mais comumente observados no ambiente hospitalar, inclusive no

Centro Cirúrgico são os riscos biológicos, os riscos químicos, os riscos físicos, os riscos

ergonômicos e os riscos de acidentes (MAURO et al, 2004).

Como risco biológico, Bulhões (1998) assevera que:

Os riscos biológicos abrangem doenças transmissíveis agudas e crônicas, parasitoses, reações

tóxicas e alérgicas a plantas e animais. Para o trabalhador hospitalar, este risco é representado

principalmente por infecções causadas por bactérias, vírus, rickettsias, clamídias e fungos

(BULHÔES, 1998, p.179).

O conceito de Souza (2000) acerca de riscos biológicos complementa o anterior quando

ressalta que as doenças infecciosas estão diretamente relacionadas à exposição dos trabalhadores

à sangue ou outros fluidos corpóreos, à deficiência de higiene, limpeza e a inadequadas

eliminações de lixo. A autora destaca também que a contaminação dos trabalhadores geralmente

ocorre através de contato com sangue ou secreção de vias aéreas, levando ao adoecimento dos

trabalhadores.

Outro tipo de risco evidenciado no contexto hospitalar e no Centro Cirúrgico é o risco

químico. Este é caracterizado pela exposição a substâncias químicas, sob a forma de gases,

partículas, poeiras, líquidos, que podem ser irritantes, intoxicantes e causar efeitos adversos no

organismo, podendo inclusive, produzir dermatoses profissionais (irritação da pele e mucosas),

alergias respiratórias, leucopenia, aplasia de medula, lesões celulares, alterações no DNA, más

56

formações congênitas e abortos espontâneos (BULHÕES 1998; SOUZA, 2000, MAURO et al,

2004).

Bulhões (1998) complementa este conceito quando infere que:

Os trabalhadores de saúde estão expostos à enorme variedade de produtos tóxicos [...] Anestésicos,

esterilizantes, detergentes e medicamentos diversos são diariamente manipulados pelo trabalhador

de Enfermagem [...] Apesar disso, os efeitos produzidos por essas substâncias são raramente

associados à toxicidade das mesmas (BULHÕES 1998, p. 227).

Especificamente no caso do Centro Cirúrgico, destacam-se os gases anestésicos como os

halogenados que podem causar aborto espontâneo e má formação congênita e os detergentes

enzimáticos, estes últimos utilizados para retirar resíduos de sangue e secreções dos

instrumentais, que podem gerar dermatoses, alergias respiratórias (MAURO et al, 2004).

Felizmente, o glutaraldeído não é mais utilizado no Centro Cirúrgico do HUPE, mas o foi por

muitos anos em local inapropriado, sem ventilação adequada. Ressalto que eu mesma manipulei

esta substância química sem Equipamento de Proteção Individual (EPI) adequado como

preconizam as Normas de Biossegurança, quando atuava no Centro Cirúrgico. Hoje, a partir do

conhecimento que adquiri, percebo os riscos ocupacionais a que estava exposta. Ainda acrescento

que os efeitos em longo prazo e acumulativo da manipulação deste tipo de substância ainda são

pouco conhecidos.

Quanto ao risco físico, seja ele decorrente de agentes naturais ou artificiais, Bulhões o

define como:

Agentes físicos compreendem: Radiações ionizantes (raios-X, raios gama, raios beta, partículas

gama, prótons, nêutrons); radiações não ionizantes (ultravioleta, luz solar ou artificial,

infravermelho, microondas, freqüência de rádio, raio laser); variações atmosféricas (calor, frio e

pressão atmosférica); vibrações oscilatórias (ruído e vibração) (BULHÕES, 1998. p. 238-239).

Para Mauro (2004 et al, p. 342), os riscos físicos são “agressões ou condições adversas de

natureza ambiental que podem comprometer a saúde do trabalhador”. No Centro Cirúrgico há

uma gama de fatores causadores de riscos físicos, podendo-se destacar: radiações ionizantes

devido à exposição aos raios-X durante as cirurgias; frio devido às baixas temperaturas impostas

pelos aparelhos de ar condicionado e que podem levar a afecções do trato respiratório superior; e

radiações ionizantes devido aos monitores das salas de cirurgia.

Como risco de acidentes, Mauro et al (2004, p. 342) os define como “ligados à proteção das

máquinas, arranjo físico, ordem e limpeza do ambiente de trabalho, sinalização, rotulagem de

produtos e outros que podem levar a acidentes de trabalho”.

57

Em relação ao trabalho da Enfermagem, merece destaque o risco de acidentes com pérfuro-

cortantes, que é definido por Bulhões (1998) da seguinte forma:

Agulhas, tesouras, bisturis, pinças e escalpes fazem parte do trabalho diário do pessoal de

enfermagem. Picadas e cortes acidentais produzidos por esses materiais também. Ora, grande

variedade de doenças pode ser transmitida pelo sangue e acidentes permitindo contato com o

mesmo, representam significativo fator de risco. As infecções devidas ao HIV e aos vírus das

hepatites B, C, D e G, por exemplo, podem ser reconhecidas como complicações do acidente do

trabalho com ferimento inicial (BULHÕES, 1998, p. 210).

A conscientização dos trabalhadores sobre a utilização de material de proteção individual e

o respeito às Normas de Biossegurança é imprescindível para que não ocorra contaminação dos

trabalhadores com microorganismos, evitando que adquiram doenças como Hepatite B e C e

HIV.

No Centro Cirúrgico o contato com agulhas, tesouras, pinças, lâminas de bisturis, fios de

sutura e outros materiais com capacidade de corte e perfuração é constante, portanto, a equipe

deve estar esclarecida e sempre atenta aos riscos de contaminação que tais materiais oferecem.

Inclusive, os profissionais devem ser orientados e estar familiarizados com a rotina de

atendimento de acidente com material pérfuro-cortante da Instituição, pois há um fluxograma

determinado pela Divisão de Saúde do Trabalhador do Hospital Universitário Pedro Ernesto

(HUPE).

Avançando nos riscos ocupacionais, menciono o risco ergonômico que é definido por

MAURO, (1997, p.11) como “fatores de natureza bio- psico- social do meio ambiente

profissional que, com base na Fisiologia, na Psicologia e na Organização do trabalho, podem

produzir desequilíbrio no processo de adaptação do homem ao trabalho, desgaste humano”.

Para abordar as questões do risco ergonômico relacionadas com o levantamento e esforço

físico no Centro Cirúrgico, destacam-se as condições do mobiliário, como no caso do transporte

dos clientes que é realizado com o auxílio de macas, cujas rodas podem estar com pouca

lubrificação, o que dificulta o seu manuseio, demandando um maior esforço físico por parte do

trabalhador que executa a tarefa. Outro exemplo é a sala onde são acondicionados os materiais

esterilizados provenientes da Central de Material, local em que existem estantes altas, as quais

para alcançar a prateleira mais alta, é necessário a utilização de uma “escadinha” que nem sempre

está disponível.

Na abordagem dos riscos ergonômicos também são considerados: trabalho estático e

dinâmico e cargas físicas suportáveis. No Centro Cirúrgico, o que ocorre é um trabalho dinâmico,

58

pois o programa operatório precisa ser cumprido em tempo hábil, o que demanda um ritmo de

trabalho acelerado. A carga física é bastante elevada, pois a manipulação de peso é constante,

uma vez que os enfermeiros transportam os clientes em macas, muitas vezes auxiliam a passagem

do cliente da maca para a mesa de cirurgia, carregam caixas de instrumentais cirúrgicos pesadas,

enfim, realizam diversas atividades que demandam força física. Essas práticas se realizadas com

posturas inadequadas, como destaca BULHÕES (1998), podem levar a sérios problemas de

coluna vertebral ou lesões ósteo- musculares.

E todos os fatores anteriormente citados também contribuem para uma carga psíquica

elevada. As alterações no processo saúde-doença decorrentes da carga psíquica são caracterizadas

como fatores de risco ergonômico em sua vertente psicossocial.

O desgaste e a fadiga também são caracterizados por Mauro (1997) como riscos

ergonômicos de característica psicossocial. Pois, quando os trabalhadores são expostos a estas

condições adversas de trabalho, ocorre um gasto de energia muito grande por parte destes, o que

leva a um processo de cansaço e, posteriormente, fadiga e desgaste. E, como destacam Silva,

Kurcgant e Queiroz (1998), o desgaste não é facilmente identificado, pois não há uma

sintomatologia clássica que o determine, as manifestações podem ocorrer num período de tempo

variável, o que dificulta a associação de determinado evento ao desencadeamento do processo de

desgaste do trabalhador.

González (2001, p.55), investigando questões relacionadas à organização do trabalho

hospitalar, infere que a carga psíquica “está relacionada à atenção constante, ritmo acelerado de

trabalho, estresse, insatisfação, trabalho repetitivo e parcelado, horas extras, dobras de plantão,

responsabilidades, falta de comunicação, de criatividade e de autonomia”. Todas estas situações

atingem duramente a dimensão subjetiva do trabalhador, afetando insidiosamente a energia

psicossomática dos mesmos.

O risco psicossocial está diretamente relacionado com a organização do trabalho, através da

divisão do trabalho, parcelamento e rotinização das tarefas, falta de pausas para descanso,

podendo gerar estresse, tensão, insatisfação, desgaste, e por fim, adoecimento psíquico dos

trabalhadores (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994; SILVA, KURCGANT e QUEIROZ,

1998).

No Centro Cirúrgico, como eu mesma vivenciei, há inúmeros fatores que resultam em

elevado risco psicossocial, pois o ritmo de trabalho acelerado, as relações interpessoais

59

predominantemente tensas, enfermeiros agregando uma série de responsabilidades a fim de

resultar no perfeito funcionamento do setor, entre outros determinantes, originam uma carga

psíquica significativa. Além disso, existem fatores que também influenciam negativamente na

dimensão psíquica dos trabalhadores de enfermagem desse cenário como: a fragmentação das

tarefas e o distanciamento entre o trabalho prescrito e o trabalho real.

Como destaca Dejours (2004a), tornou-se evidente a contradição da organização do

trabalho prescrita e da organização do trabalho real, pois se chega ao ponto em que as leis, regras,

normas, regulamentações, formam um corpo de tamanha complexidade, que fica impossível

concilia-las entre si, tornando impossível a realização do trabalho.

Estas contradições que permeiam o trabalho e as questões organizacionais atuam

diretamente na subjetividade dos enfermeiros, as quais oscilam entre sentimentos de frustração,

desânimo, angústia, revelando um sofrimento psíquico absurdo, podendo resultar em processos

patológicos clássicos. Como destaca Davezies (1999), as patologias são o resultado de uma

penosidade levada a um nível que ultrapassa a capacidade do organismo de adaptar-se à

organização do trabalho que lhe é imposta.

60

CAPÍTULO 3

APOIO TEÓRICO-METODOLÓGICO

TIPO DO ESTUDO

O estudo teve uma abordagem qualitativa, pois o fenômeno estudado encontra-se inserido

numa realidade particular, envolvendo aspectos subjetivos da percepção, que são difíceis de

serem quantificáveis. Segundo Minayo (1994) a abordagem qualitativa:

[...] se preocupa com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha

com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde

a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser

reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 1994. p.21-22).

Chizzotti (2005) salienta que na abordagem qualitativa, há uma relação dinâmica entre o

sujeito e o fenômeno a ser estudado, caracterizando-se como um vínculo indissociável entre o

mundo objetivo e real, e a subjetividade do sujeito. O autor ainda infere que o sujeito interpreta

os fenômenos, atribuindo-lhes significado para a construção do conhecimento.

Faz-se relevante destacar que na Psicodinâmica do Trabalho, a metodologia qualitativa é a

mais adequada para apreender os fenômenos a ela relacionados, como asseveram Dejours,

Abdouchele e Jayet (1994, p.22): “tratando-se de carga psíquica, não é possível quantificar uma

vivência, que é em primeiro lugar e antes de tudo qualitativa. O prazer, a satisfação, a frustração,

a agressividade, dificilmente se deixam dominar por números”.

Com base nas inferências anteriormente citadas, acredito que a pesquisa qualitativa

apresentou-se mais adequada para analisar o objeto desse estudo, favorecendo a apreensão da

percepção, emoções, sentimentos dos enfermeiros que atuam no Centro Cirúrgico frente à

organização do trabalho na qual estão inseridos.

Optei por um estudo descritivo, “pois as descrições dos fenômenos estão impregnadas dos

significados que o ambiente lhes outorga, e como aquelas são produtos de uma visão subjetiva,

rejeita toda a expressão quantitativa, numérica, toda medida” (TRIVIÑOS, 1987, p 128.).

Rudio (2003) destaca que o estudo descritivo busca captar informações “do que existe”, a

fim de descrever e interpretar o que realmente acontece entre o ambiente, o pesquisador e os

sujeitos. Dessa forma, o processo de análise das percepções, dos sentimentos, das emoções, das

61

vivências dos enfermeiros, deu-se de forma narrativa e interpretativa, aproximando-se da

pesquisa descritiva.

- MÉTODO DO ESTUDO

Ao selecionar o objeto de estudo, pude perceber que este se insere numa realidade com

particularidades físicas, sociais, históricas, culturais e estruturais, fazendo parte de um processo

dinâmico, o qual envolve a organização e o processo de trabalho do Centro Cirúrgico, que por

sua vez, se encontra em constante transformação. Este processo dinâmico da realidade, muitas

vezes leva o sujeito a conviver com contradições que refletem na forma como ele percebe sua

prática profissional. Estas contradições resultam em sentimentos opostos, mas que um não tem

significância sem o outro, tal qual os dois lados de uma moeda, que são diferentes, mas fazem

parte do mesmo objeto. Souza (2003), em sua pesquisa sobre a dimensão subjetiva das

enfermeiras que atuavam num hospital universitário, captou tais contradições evidenciando que

as enfermeiras têm sentimentos de satisfação e insatisfação, realização e frustração, repulsa e

atração reafirmando a dicotomia que envolve o mundo do trabalho das enfermeiras.

Por estas características que imprimem dinamismo, contradições e transformação da

realidade estudada, optei por orientar o estudo a partir dos pressupostos do método dialético, com

embasamento no materialismo histórico. A dialética conforme destaca Konder (1992), é o modo

de pensarmos a realidade que nunca se apresenta estática, mas em permanente mudança, sendo

que estas mudanças lhe conferem um caráter contraditório. Portanto, a realidade não está

estagnada, não é caracterizada por verdades imutáveis, mas está sempre em processo de mudança

e desenvolvimento, desta forma, nunca encontraremos uma realidade definitiva.

Complementando esta idéia, Almeida (1995), apresenta a seguinte definição:

O materialismo histórico tem como objeto de estudo a sociedade e as leis gerais de seu

desenvolvimento. É materialista porque sustenta que a produção material é a base sobre a qual se

estabelece o modo de viver dos homens, o que determina toda a vida da sociedade (ALMEIDA,

1995, p83).

Este método revelou-se adequado ao que desejava investigar, porque ele também permitiu o

aprofundamento e apreensão das questões que envolviam o mundo do trabalho dos enfermeiros

do centro cirúrgico, ou seja, a organização do trabalho, o modo operatório, a produtividade, os

62

meandros subjetivos e objetivos que perpassam a relação desses trabalhadores com o seu

trabalho.

Abrantes, Silva e Martins (2005, p. 93) inferem que “na concepção materialista sujeito e

objeto tem uma existência objetiva, e na visão dialética, formam uma unidade de contrários,

agindo um sobre o outro”. Desta forma, os mesmo autores elucidam que o sujeito irá agir sobre o

objeto para a transformação deste. Porém, o objeto não se transforma sozinho, neste processo de

intervenção do sujeito sobre o objeto, os dois transformam-se. Este conceito foi pertinente para o

estudo, pois na análise das informações verifiquei que os enfermeiros encontram-se inseridos

numa determinada organização do trabalho e eles sofrem as influências dessa organização e, por

sua vez, a organização laboral também se modifica a partir dessa interação dinâmica e contínua

do sujeito-objeto.

Marx (1971), estudioso que lançou as bases do materialismo histórico infere que o trabalho

caracteriza-se como a atividade na qual o homem interage com a natureza, e através deste

intercâmbio, o homem modifica a natureza e a si mesmo. O autor aponta que, a partir da

introdução do modelo capitalista de produção, trabalho passou a ser fonte de padecimento para o

trabalhador, uma vez que ele perdeu o controle sobre o que produzia, explorado em sua mais

valia, sem condições dignas de trabalho e de vida.

Konder (1992) embasado em Marx considera a divisão do trabalho como a responsável por

uma deformação no trabalho e sua organização.

As condições criadas pela divisão do trabalho e pela propriedade privada introduziram um

“estranhamento” entre o trabalhador e o trabalho, na medida em que o produto do trabalho, antes

mesmo dele se realizar pertence à outra pessoa. Por isso, em lugar de reconhecer-se em suas

próprias criações, o ser humano se sente ameaçado por elas, em lugar de libertar-se, acaba

enrolado em novas opressões (KONDER, 1992, p.30).

Este enfoque de que o modo como o trabalho no modelo capitalista se desenvolve, pode

gerar sofrimento e alienação, está em consonância com o que busquei investigar, ou seja,

conhecer como a organização laboral do Centro Cirúrgico, com suas particularidades,

contradições e transformações, repercute na subjetividade dos enfermeiros, incidindo

negativamente no processo saúde-doença desses trabalhadores.

Nos pressupostos do materialismo histórico e o método dialético existe a necessidade de

compreender o contexto sócio-econômico-histórico no qual se insere o objeto de estudo, para

assim, captar uma visão mais aprofundada do fenômeno. Sobre esta questão Konder (1992) faz a

seguinte análise:

63

Em cada ação empreendida, o ser humano se defronta, inevitavelmente, com problemas

interligados. Por isso, para encaminhar uma solução para os problemas interligados, o ser humano

precisa ter uma certa visão de conjunto deles: é a partir da visão do conjunto que a gente pode

avaliar a dimensão de cada elemento do quadro. A visão de conjunto que permite ao homem

descobrir a estrutura significativa da realidade com que se confronta, numa situação dada. E é essa

estrutura significativa - que a visão de conjunto proporciona - que é chamada totalidade (

KONDER, 1992, p.36-37).

O mesmo autor enfatiza que para trabalhar com a totalidade, devemos atentar que esta é

mais do que a soma das partes que a constituem. A totalidade resulta da articulação,

contextualização e interpretação da realidade que se pretende apreender.

Complementado este conceito, busquei apoio em Demo (1987, p.98), que destaca que “este

método propõe a visão da totalidade, no sentido de esforçar-se por recortar menos a realidade e

de não formalizá-la em partes estanques”. Demo (op cit) salienta que devemos estudar a

totalidade do fenômeno, pois a visão das partes que o compõe impossibilita uma apreensão da

dinâmica da realidade.

Segundo Konder (1992), a relevância de se captar a totalização que envolve o objeto de

pesquisa, quando se trabalha com o método dialético, fundamenta-se na seguinte questão:

Para trabalhar dialeticamente com o conceito de totalidade, é muito importante sabermos qual é o

nível de totalização exigido pelo conjunto de problemas com que estamos defrontando; e é muito

importante, também, nunca esquecermos que a totalidade é apenas um momento de um processo

de totalização (que nunca alcança uma etapa definitiva e acabada). Afinal a dialética - maneira de

pensar elaborada em função da necessidade de reconhecermos a constante emergência do novo na

realidade humana - negar-se-ia a si mesma, caso cristalizasse ou coagulasse suas sínteses,

recusando-se a revê-las, mesmo em face de situações modificadas (KONDER, 1992, p. 39).

Assim, fundamentada no método dialético, foi necessário compreender a totalidade que

envolvia a organização do trabalho no Centro Cirúrgico, a estrutura hospitalar no qual ele está

inserido, sua história, valores, missão, perfil de produtividade e tudo mais que representa a busca

pelo conhecimento mais abrangente que envolve o cenário da pesquisa. Após conhecer esta

totalidade, captar as repercussões que o trabalho no Centro Cirúrgico apresenta no processo

saúde-doença dos enfermeiros mostrou-se um processo menos árduo.

O materialismo histórico dialético possui três leis que o regem: lei da passagem da

quantidade à qualidade e vice-versa; lei da interpenetração dos contrários ou lei da contradição e

lei da negação da negação. Para trabalhar com o método dialético é importante conhecer e aplicar

estas leis durante o processo de análise a fim de captar a totalidade que envolve o fenômeno a ser

pesquisado. Sendo assim, considerei relevante trazer para esta discussão algumas características

que envolvem as leis do materialismo histórico.

64

Lei da passagem da quantidade à qualidade e vice-versa.

Esta lei ressalta que quantidade e qualidade são características de todos os objetos e estão

inter-relacionadas e interdependentes. Para melhor entendimento desta lei é preciso apreender

que os objetos têm determinadas características (qualidades) que os representam, e se estas

características forem alteradas, este objeto se transformará em outro objeto, diferente do anterior

(TRIVIÑOS, 1987). É importante destacar que a qualidade do objeto não muda por uma simples

mudança de quantidade, mas sim, através de uma série de mudanças quantitativas que irão mudar

a qualidade do objeto, transformando-o então em um objeto diferente do anterior.

Um exemplo clássico utilizado para exemplificar este fenômeno é o da ebulição da água.

Primeiramente temos a água que em temperatura ambiente encontra-se no estado líquido, incolor,

inodoro e insípido, porém quando alcança a temperatura de 100°C passa então para o estado

gasoso, assumindo a forma de vapor. Desta forma, uma mudança quantitativa caracterizada por

um aumento dos graus de temperatura, causou uma mudança qualitativa, na qual a água passou

de um estado a outro (KONDER, 1992; DEMO, 1987; TRIVIÑOS, 1987).

Outro aspecto a ser observado nesta lei é que as mudanças não ocorrem sempre num mesmo

ritmo, podendo ser mais lentas ou acontecer abruptamente, caracterizando os “saltos” de

qualidade.

A característica principal desta lei refere-se ao fato de que, ao mudarem, as coisas não mudam

sempre no mesmo ritmo. O processo de transformação por meio do qual elas existem passa por

períodos lentos, nos quais se sucedem apenas alterações quantitativas e por períodos de aceleração,

que precipitam alterações qualitativas, isto é, “saltos”, modificações radicais (KONDER, 1992,

p.58).

Esta lei explicita como ocorrem as modificações de uma determinada realidade para uma

nova realidade. Considero importante enfatizar que estarei estudando uma realidade que em outro

momento foi explorada por outros pesquisadores como Souza (2003), que em sua tese de

doutorado buscou caracterizar a organização e o processo de trabalho no HUPE, as estratégias

que as enfermeiras utilizavam para tentar minimizar os efeitos negativos da organização laboral

na economia psíquica dessas profissionais. Ao estudar a organização do trabalho no Centro

Cirúrgico da mesma Instituição, encontrei nuances diferentes da realidade anteriormente

encontrada, evidenciando modificações que esta realidade vem sofrendo ao longo do tempo, a

partir de mudanças dinâmicas e contínuas no contexto social, político, econômico e cultural-

tecnológico do cenário em foco. E futuramente, os pesquisadores que optarem por investigar esta

realidade, encontrarão provavelmente características diferentes das encontradas por mim.

65

Lei da interpenetração dos contrários ou Lei da contradição.

Esta lei mostra que diversos aspectos da mesma realidade encontram-se entrelaçados, mas

podem caracterizar-se como contrários, isto é, aspectos diferentes uns dos outros, porém,

dependentes entre si, estando assim, numa interação e interpenetração permanente. Porém,

quando as contradições de um determinado objeto atingem uma significativa interação, surge

então, um novo objeto ou fenômeno com qualidades diferentes do objeto anterior, caracterizando

assim a transformação (TRIVIÑOS, 1987; KONDER, 1992, GIL, 1999).

Neste estudo, busquei apreender as contradições que permeiam a realidade estudada, para a

partir daí, iniciar um caminho de conhecimento da totalidade que envolvia o fenômeno estudado

e assim, conseguir atingir os objetivos do estudo. Ressalto que muitas contradições foram

captadas nos discursos dos enfermeiros, as quais se mostraram num estreito processo de ligação e

de interpenetração, no qual os sujeitos muitas vezes não percebem que estão inseridos em um

mundo dialético, de múltiplos paradoxos.

Lei da negação da negação.

Esta lei explica as relações entre o antigo e o novo após as transformações que o objeto ou

fenômeno sofre. E este novo objeto possui características diferentes, mas também possui muitas

características do objeto antigo, não eliminando completamente o as particularidades do antigo

objeto. Conforme ocorrerem mudanças com este objeto novo, imediatamente ele iniciará um

processo de transformação, passando a ser negado por outro fenômeno, que o transformará

dinâmica e continuamente em outro objeto, caracterizando a negação da negação (TRIVIÑOS,

1987).

Esta lei, segundo Konder (1992), dá conta de que o movimento geral da realidade faz

sentido, quer dizer, não é absurdo, não se esgota em contradições inteligíveis, nem se perde na

eterna repetição do conflito entre teses e antíteses, entre afirmações e negações. A afirmação

engendra necessariamente a sua negação, porém, a negação não permanece como tal: tanto a

afirmação como a negação são superadas, e o que acaba por prevalecer é uma síntese, é a negação

da negação.

Busquei conhecer as características da organização do trabalho do Centro Cirúrgico e

apreender como ela influencia, modifica e deixa suas marcas na vida dos trabalhadores desse

setor. Assim, evidenciei que há um processo que une o sujeito ao objeto e que ambos se

66

modificam continuamente, mas que mantêm algumas particularidades que mostram que os

sujeitos de ontem ainda são os de hoje, porém com transformações que acabam por alterar a

engrenagem homem-trabalho e trabalho-homem, numa eterna negação da negação, gerando a

síntese, antítese e novamente a síntese.

CENÁRIO DO ESTUDO

O cenário da pesquisa foi o Centro Cirúrgico do Hospital Universitário Pedro Ernesto

(HUPE), localizado na cidade do Rio de Janeiro. Este hospital caracteriza-se por ser uma

Instituição de grande porte com seiscentos (600) leitos das mais diversas especialidades médicas,

cirúrgicas, pediátricas e unidades intensivas. Oferece atendimento à saúde nos três níveis:

primário, secundário e terciário. Na estrutura que compõe o Hospital Universitário Pedro Ernesto

existem os prédios anexos que são: Radiologia, Centro Universitário de Controle do Câncer

(CUCC) e o recém inaugurado Núcleo Perinatal.

A Unidade de Centro Cirúrgico fica no 5º andar do prédio principal. Em sua estrutura física,

dispõe de vinte (20) salas de cirurgia, espaço para recepção de clientes, sala de recuperação

anestésica, copa e sala para refeições, vestiários feminino e masculino. Das vinte salas, somente

onze (11) estão funcionando devido à escassez de materiais e equipamentos, déficit de pessoal e

problemas na estrutura física. As cirurgias são realizadas de segunda à sexta-feira, com uma

produtividade de aproximadamente trinta e cinco (35) cirurgias de caráter eletivo por dia, que são

discriminadas num programa operatório.

Este programa operatório é confeccionado durante todos os dias úteis da semana, na

Secretaria do Centro Cirúrgico, de acordo com os programas operatórios parciais entregues pelas

diversas especialidades cirúrgicas. Nestes programas parciais constam: o nome do cliente,

enfermaria, leito, diagnóstico, cirurgia proposta, equipe cirúrgica, a necessidade do uso de bolsas

de sangue e de serviço de radiologia. Os procedimentos operatórios são ordenados por sala de

operação (SO), pois as especialidades ocupam salas específicas do Centro Cirúrgico. O programa

operatório parcial é enviado à Chefia de Enfermagem do setor e à Chefia do Serviço de

Anestesiologia para que as equipes sejam escaladas. Geralmente o Enfermeiro do turno da manhã

é que realiza a escalação dos instrumentadores e circulantes de acordo com a experiência

67

profissional, pois existem instrumentadores que atuam somente na Cirurgia Plástica, outros na

Cirurgia Cardíaca, outros na Oftalmologia. O programa parcial é então devolvido à Secretaria do

Centro Cirúrgico para que seja confeccionado o Programa Operatório Definitivo.

O Centro Cirúrgico também realiza cirurgias de urgência, as quais atendem às situações

emergenciais e de risco de vida de clientes que se encontram internados nas diversas clínicas do

HUPE. O número de cirurgias de urgência realizadas diariamente é variável, situando-se em

torno de dez. É importante ressaltar que no Centro Cirúrgico não são realizadas cirurgias de

emergência vindas de fora do HUPE, pois este hospital não possui um serviço de emergência

destinado à clientela externa. Este tipo de cirurgia só ocorre eventualmente, quando são atendidos

clientes que sofrem algum tipo de trauma nas imediações do hospital e não têm condições de

serem removidos para outra instituição.

Aos finais de semana e feriados o número de cirurgias realizadas é bastante reduzido.

Atualmente dificilmente há programa operatório nos finais de semana, sendo executadas apenas

cirurgias de urgência.

A escolha do cenário deveu-se ao fato da facilidade de acesso, do conhecimento sobre a

rotina de trabalho no Centro Cirúrgico e da existência de um contato prévio com alguns possíveis

sujeitos do estudo, o que acredito ter facilitado o processo de coleta de dados. Além disso, o

cenário escolhido é o local em que surgiu o desejo de investigar a problemática situada, o que

também implicará em um retorno positivo para a Instituição, pois a pesquisa reuniu e analisou

dados de relevância para pensar uma organização laboral que possa favorecer o trabalho, mas

também a saúde do trabalhador.

OS SUJEITOS DO ESTUDO

Polit, Beck e Hungler (2004, p.234-235) ressaltam que “uma amostra aleatória não é o

melhor método para selecionar quem serão bons informantes, isto é, pessoas conhecedoras,

articuladas, ponderadas e que desejem falar longamente com o pesquisador”. Portanto, embasada

nestas autoras elaborei critérios para seleção dos sujeitos, buscando selecioná-los de forma que eu

pudesse captar o máximo de informações e, assim, atingir os objetivos do estudo.

68

A relação entre os sujeitos e o pesquisador é muito importante, devendo se estabelecer um

vínculo afetivo e de confiança para que os sujeitos não se sintam inibidos ao serem entrevistados

e observados, revelando assim, dados importantes para elucidar a situação problema.

Esta questão é mencionada por Chizzotti (2005) quando este elucida que:

Cria-se uma relação dinâmica entre o pesquisador e o pesquisado que não será desfeita em

nenhuma etapa da pesquisa, até seus resultados finais. Esta relação viva e participante é

indispensável para se apreender os vínculos entre as pessoas e os objetos, e os significados que são

construídos pelos sujeitos. O resultado final da pesquisa não será fruto de um trabalho meramente

individual, mas uma tarefa coletiva, gestada em muitas microdecisões, que a transformam em obra

coletiva (CHIZZOTTI, 2005, p. 84).

Assim, atenta a todas essas questões obtive um quantitativo de onze sujeitos, enfermeiros

que atuam no Centro Cirúrgico. Três enfermeiros eram do turno da manhã (no período de sete da

manhã às treze horas); um atua no período da tarde (de treze às dezenove horas); quatro

plantonistas estavam alocados na escala 12 x 36 horas semanais; um enfermeiro realizava uma

escala 12 x 60 horas semanais (de sete às dezenove horas); e dois enfermeiros eram plantonistas

do serviço noturno (de dezenove horas às sete da manhã).

Informo que dos doze enfermeiros com vínculo estatutário que atuam no setor, apenas um

se recusou a participar do estudo.

Foram entrevistados somente enfermeiros com vínculo estatutário, que atuavam no Centro

Cirúrgico há pelo menos um ano, pois supus que estes já tivessem um conhecimento mais

aproximado e concreto da realidade que compõe a dinâmica do trabalho no cenário escolhido.

Foram excluídos os enfermeiros que atuam como residentes e com vínculo de contrato

temporário, porque em sua grande maioria, são recém-formados e ávidos por adquirir e/ou

consolidar conhecimentos teórico-práticos e, portanto, as repercussões de uma organização do

trabalho no processo saúde-doença desses trabalhadores talvez fossem pouco percebidas ou

valorizadas por eles.

Outro aspecto para a exclusão desse grupo de trabalhadores foi o fato de atuarem em

contrato de trabalho temporário, que tem duração média de um ano, podendo ser prorrogável por

mais um, e como não permaneceriam na Instituição, o envolvimento desses trabalhadores com o

cenário de estudo considerei ser diferenciado, pois provavelmente não teriam a mesma percepção

daqueles que vivenciam cotidianamente e por longos anos a problemática investigada.

Com o fito de melhor caracterizar os sujeitos do estudo, apresento a seguir um breve perfil

dos mesmos. Esta caracterização foi explicitada em forma de tabelas e quadros com as seguintes

69

informações: tempo de formado dos sujeitos; tempo de atuação no Centro Cirúrgico e se estes

possuíam especializações lato e/ou strictu senso.

Ressalto que dos onze entrevistados, oito (72,7 %) eram do sexo feminino e três (27,3 %) do

sexo masculino. Os resultados referentes ao tempo que os sujeitos tinham de formado encontram-

se explicitado na tabela apresentada a seguir.

Tabela 1 – Perfil dos trabalhadores com relação ao tempo de formação

Tempo de Formação Numero de Trabalhadores (n) %

0 - 5 anos - -

5 - 10 anos - -

10 - 15 anos - -

15 – 20 anos 03 27,3

20 – 25 anos 05 45,4

25 – 30 anos 01 9,1

30 – 35 anos 02 18,2

TOTAL 11 100

Evidenciou-se que todos os sujeitos do estudo eram enfermeiros há mais de quinze anos, mas

a maior parte deles (45,4 %) encontrava-se na faixa entre 20 a 25 anos de formados.

Em relação ao tempo de atuação dos participantes no Centro Cirúrgico, os resultados são

apresentados na tabela abaixo.

Tabela 2 – Perfil dos trabalhadores com relação ao tempo de atuação no Centro Cirúrgico

Tempo de Atuação no Centro

Cirúrgico

Número de Trabalhadores (n) %

0 - 5 anos 05 45,4

5 - 10 anos - -

10 - 15 anos 03 27,3

15 – 20 anos 01 9,1

20 – 25 anos 02 18,2

Acima de 25 anos -

TOTAL 11 100

70

Conforme é explicitado na tabela 2 ficou evidenciado que grande parte dos enfermeiros

atuam no Centro Cirúrgico há até cinco anos (45,4 %) e a seguir existe um quantitativo de três

sujeitos (27,3 %) trabalhando nesse setor entre 10 e 15 anos.

Outro aspecto abordado na caracterização dos sujeitos foi em relação à especialização dos

sujeitos do estudo. Esta questão foi levantada para evidenciar se os enfermeiros que atuam no

Centro Cirúrgico possuíam especialização nesta área. Os resultados evidenciados foram os

apontados no quadro abaixo.

Quadro 1 – Perfil dos trabalhadores em relação aos cursos de especialização realizados

Especialização Número de

Trabalhadores (n)

Residência em Enfermagem 03

Administração Serviços/ Hospitalar 04

Saúde Publica 02

Mestrado 02

Obstetrícia 01

Enfermagem do trabalho 01

Não Possui Especialização 03

Dos onze participantes do estudo, três não possuem especialização, quatro entrevistados

realizaram mais de um tipo de especialização e nenhum dos entrevistados possui especialização

em Centro Cirúrgico. Esse fato sugere que os sujeitos adquirem conhecimentos e experiências

profissionais acerca da assistência nesse setor ao desenvolver suas atividades laborais no próprio

cenário, ou seja, na prática cotidiana e/ou através de conhecimento empírico que é transmitido

por outros enfermeiros que ali trabalham.

TÉCNICAS DE COLETA DOS DADOS

Para a coleta de dados utilizei as técnicas de entrevista semi-estruturada e a observação

participante assistemática. A escolha por dois métodos de pesquisa visou uma maior riqueza de

informações, além do desejo da validação das informações, verificando aproximações e

71

distanciamentos entre o que se captou na entrevista, com os dados coletados a partir das

observações.

A entrevista é uma técnica que permite um maior vínculo entre o pesquisador e o sujeito do

estudo, pois o pesquisador encontra-se presente na entrevista, observando gestos, expressões

faciais que são manifestações importantes, podendo auxiliar na análise das informações.

Triviños (1987) destaca que esta técnica, parte de questionamentos básicos, apoiados em

teorias e hipóteses importantes para a pesquisa, dando margem ao surgimento de novas questões

e hipóteses que vão apresentando-se no desenrolar das entrevistas.

Acerca desta forma de coleta de dados, Chizzotti (2005) discorre que:

O entrevistador deve manter-se na escuta ativa e com a atenção receptiva a todas as informações

prestadas, quaisquer que sejam elas, intervindo com discretas interrogações de conteúdo ou com

sugestões que estimulem a expressão mais circunstanciada de questões que interessem à pesquisa.

A atitude disponível à comunicação, a confiança manifesta nas formas e escolhas de um diálogo

descontraído devem deixar o informante inteiramente livre para exprimir-se, sem receios, falar

sem constrangimentos sobre seus atos e atitudes, interpretando-os no contexto em que ocorrem

(CHIZZOTTI, 2005, p. 93).

O roteiro de entrevista (APÊNDICE A) contou com três questões abertas e com uma parte

inicial para levantar dados de identificação. Realizei a testagem do instrumento no mês de maio

de 2007 com dois enfermeiros que não se encaixavam no critério de inclusão dos sujeitos. Esse

procedimento revelou que as questões formuladas atendiam ao objeto e objetivos do estudo, não

havendo necessidade de modificar as perguntas previamente elaboradas.

Após receber o parecer do Comitê de Ética do Hospital Universitário Pedro Ernesto

(ANEXO A) liberando a coleta de dados, pude realizar as entrevistas e a observação participante,

iniciando pelas entrevistas, as quais aconteceram no período de junho a agosto de 2007. Elas

foram realizadas no próprio Centro Cirúrgico, utilizando-se a sala da chefia de enfermagem, ou

as salas operatórias que não estavam sendo utilizadas no momento das entrevistas. Estes locais

propiciaram um ambiente mais adequado para a realização das entrevistas e afastado da agitação

habitual do setor.

Antes de iniciar as entrevistas pedia para que os sujeitos lessem e assinassem o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE B), caso concordassem com os termos nele

contido. Solicitava também a permissão para gravar os depoimentos em aparelho de MP3 e

assegurava que as informações colhidas seriam utilizadas apenas para fins acadêmicos. Esses

cuidados foram fundamentados na Resolução 196/96, que normatiza as regras para pesquisas com

serem humanos. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido era entregue aos participantes

72

em duas vias, ambas eram assinadas pela pesquisadora e pelos participantes, sendo que uma

permanecia com o entrevistado e a outra com a pesquisadora.

O sigilo dos participantes foi garantido através da utilização de pseudônimos provenientes

de nomes de entidades da mitologia grega. Ressalto que após a transcrição das entrevistas, estas

foram revisadas pelos participantes para que fizessem alterações caso não concordassem com o

conteúdo transcrito. Informo que nenhuma modificação no conteúdo foi sugerida pelos

participantes.

A observação minuciosa do contexto em que o fenômeno está inserido faz-se primordial,

com o intuito de conhecer a realidade em todas as suas particularidades, para que o pesquisador

possa obter dados que reflitam com maior fidedignidade o ambiente e os sujeitos do fenômeno

estudado, portanto, foi utilizada a técnica de observação livre ou assistemática que se mostrou

bastante apropriada para uma melhor compreensão do problema estudado.

Como elucida Triviños (1987, p.153), a técnica de observação não é simplesmente olhar,

mas sim prestar atenção nas características do objeto observado.

O autor op cit (1987, p. 153) infere que:

Observar um “fenômeno social” significa, em primeiro lugar, que determinado evento social,

simples ou complexo, tenha sido abstratamente separado de seu contexto para que, em sua

dimensão singular, seja estudado em seus atos, atividades, significados, relações, etc.[...] para

descobrir seus aspectos aparenciais e mais profundos, até captar, se for possível, sua essência

numa perspectiva específica e ampla, ao mesmo tempo, de contradições, dinamismos, de relações,

etc.

Segundo Marconi e Lakatos (2007, p. 170), a observação assistemática, que também é

chamada de observação espontânea, informal, livre ou ocasional, não utiliza qualquer tipo de

técnica, sem planejamento e sem especificação prévia dos quesitos a serem observados.

Realizei 24 horas de observação, distribuídas em três manhãs (de 08 às 12 horas), duas

tardes (de 14 às 18 horas) e duas noites de (19:30 às 21:30 horas). As observações apreendidas

foram registradas sob a forma de anotações de campo, que tiveram como objetivo registrar os

fatos que auxiliaram no processo de caracterização da organização laboral do Centro Cirúrgico e

as repercussões da mesma no processo saúde-doença dos enfermeiros.

Como destaca Triviños (1987, p.155) As anotações de campo consistem em registrar com

exatidão o fenômeno observado, através da descrição de comportamentos, ações, palavras,

atitudes que revelam valores, significados do sujeito e do ambiente no qual esta envolvido. Sob

73

cada comportamento, atitude, idéia, existe um substrato que não podemos ignorar se quisermos

descrever o mais exatamente um fenômeno.

A técnica de observação revelou-se importante para compreender a problemática do estudo,

pois me aprofundei na realidade de trabalho do Centro Cirúrgico e na atuação dos enfermeiros

nesse espaço. Também interagi com os sujeitos no seu ambiente de trabalho propiciando uma

apreensão mais ampla e completa da realidade estudada, captando esta realidade de forma um

pouco mais totalizante.

MÉTODO DE ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES COLETADAS

Para a análise dos dados optei pelo método de análise de conteúdo. Pelas características do

estudo, adicionado à escolha de trabalhar com o materialismo histórico e o método dialético, que

buscam estudar detalhadamente uma realidade em seu contexto histórico e social, este método de

análise de dados mostra-se adequado. Como infere (Triviños 1987, p.160): “o método de análise

de conteúdo, em alguns casos, pode servir de auxílio para instrumentos de pesquisa de maior

profundidade e complexidade, como o é, por exemplo, no método dialético”.

A análise de conteúdo foi amplamente estudada, mas a obra que alcançou maior

notoriedade acerca do tema chama-se L’analyse de contenu, de autoria de Laurence Bardin,

publicada em Paris em 1977 (RODRIGUES e LEOPARDI, 1999).

A análise de conteúdo é definida como um conjunto de técnicas de análise das

comunicações, que aplicados aos discursos tem por finalidade uma melhor interpretação das

mensagens neles contidos. Outro aspecto a ser destacado na análise de conteúdo é que “oscila

entre os dois pólos do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade” (BARDIN, 2007,

p.09).

Rodrigues e Leopardi (1999) trazem também um importante conceito da análise de

conteúdo quando destacam:

A análise de conteúdo constitui um método cuja utilização em pesquisa é de indiscutível

importância. Os procedimentos envolvidos na mesma são estruturados de forma a promover uma

organização dos dados através de fases ou etapas, que conduzem a um resultado estruturalmente

organizado do seu conteúdo. É um método que oferece uma margem de flexibilidade de execução

capaz de favorecer diferentes abordagens filosóficas na essência de seus conteúdos (RODRIGUES

& LEOPARDI,1999, p. 11-12).

74

Após a transcrição das entrevistas, realizei inúmeras leituras do material obtido (pré-

análise) a fim de iniciar um processo de captação das unidades de registro (UR). Os conteúdos

que se aproximavam ou significavam a mesma mensagem eram marcados com o auxílio de

canetas coloridas, assim como os que se distanciavam das respostas da maior parte dos sujeitos.

Esse procedimento deu origem a trinta e duas UR, que foram reagrupadas originando três

categorias, as quais foram denominadas conforme segue abaixo:

1- As percepções dos enfermeiros sobre o trabalho no Centro Cirúrgico;

2- Trabalho material e trabalho imaterial dos enfermeiros no Centro Cirúrgico;

3- Repercussões do trabalho no processo saúde-doença dos enfermeiros.

Na primeira categoria analiso as características da organização e do processo de

trabalho no Centro Cirúrgico, apontando aspectos relativos à dinâmica laboral que afetam a

subjetividade dos enfermeiros.

Na segunda categoria trato do trabalho das enfermeiras que é valorizado pela

organização do trabalho e pelo capitalismo, pois propicia a produção e eleva os lucros. Em

confronto com essa situação, discuto o trabalho que não aparece, o imaterial, ou seja, aquele

que não é valorizado na engrenagem do modelo capitalista de produção e que essa não

valorização repercute na percepção dos enfermeiros acerca do trabalho, assim como na

dimensão subjetiva dos mesmos.

E na categoria relativa às repercussões do trabalho no processo saúde-doença dos

enfermeiros discuto os agravos a saúde decorrentes de uma organização laboral não-

racional, e as conseqüências da dinâmica do trabalho no Centro Cirúrgico na dimensão

emocional e física desses trabalhadores.

75

CAPÍTULO 4

TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS

Este capítulo destina-se a apresentar o resultado da análise advinda das informações coletadas

através das entrevistas e da observação participante. As informações coletadas foram ricas, pois

evidenciaram os sentimentos dos enfermeiros e as formas com eles percebem a organização do

trabalho na qual estão inseridos.

Durante a fase de coleta me senti imersa na realidade de trabalho desses profissionais, que

partilharam comigo suas percepções, emoções e vivências acerca do trabalho no ambiente de

Centro Cirúrgico, do coletivo profissional e das interações com os outros profissionais.

As Percepções dos enfermeiros sobre o trabalho no Centro Cirúrgico

Esta categoria buscou discutir como os enfermeiros percebem e configuram a organização e o

processo de trabalho no Centro Cirúrgico, caracterizando a partir da ótica dos enfermeiros e das

observações efetuadas, a dinâmica de funcionamento deste setor. Nesse processo de apreensão

das informações e do trabalho de análise, constatei que a organização laboral gera uma

multiplicidade de emoções e sentimentos contraditórios, os quais se complementam e se

interpenetram, interferindo na subjetividade e no modo operatório dos trabalhadores que ali

atuam.

As contradições que ficaram evidentes nas falas dos entrevistados quando refletem sobre o

trabalho no Centro Cirúrgico corroboram com o método dialético, destacando-se a lei da

contradição, a qual aponta que os diversos aspectos da realidade encontram-se entrelaçados e,

mesmo que muitas vezes pareçam contrários, são dependentes entre si e permanecem numa

interação permanente. Assim, pude perceber que prazer e sofrimento, frustração e alegria,

motivação e desmotivação, satisfação e insatisfação encontram-se unidos como as duas faces de

uma mesma moeda, no qual um não sobrevive sem o outro, revelando que estas contradições são

importantes para alimentar o funcionamento psíquico dos enfermeiros. Porém, trazendo mais uma

76

lei da dialética, a da passagem da quantidade para qualidade, infiro que dependendo das

transformações dessa realidade, sentimentos negativos podem predominar e a partir daí modificar

a percepção dos enfermeiros sobre suas atividades, podendo assim, atingir e deteriorar a saúde

desses trabalhadores.

Para uma melhor análise dos dados, considerei apropriado separá-los de forma que

primeiramente abordarei as percepções positivas que emergiram das entrevistas e posteriormente

trarei a análise das percepções desagradáveis, as quais repercutem negativamente na

subjetividade dos enfermeiros.

O trabalho pode trazer sentimentos bons e positivos para a subjetividade do trabalhador. Estes

sentimentos emergem quando os enfermeiros se reportam ao objeto do seu trabalho, ou seja, o

cuidado ao ser humano e quando esse cuidado é adequadamente prestado. A partir dessa

perspectiva também surge o sentimento positivo de utilidade e de dedicação. Os depoimentos que

se seguem destacam esses aspectos positivos do trabalho no Centro Cirúrgico.

“... hoje eu tenho um prazer imenso em vir trabalhar...” (Atena)

“Bem...o meu sentimento é sempre de ânimo porque eu adoro o Centro

Cirúrgico, eu adoro o meu trabalho, apesar de todos os problemas que

tem, eu venho é... animada...” (Gaia)

“Olha, eu tenho um bom sentimento do dever cumprido, porque eu trato

muito bem os pacientes como eu gostaria de ser tratada, quando estiver

no lugar deles [choro] [silêncio]” (Ártemis)

“... geralmente eu tenho bons sentimentos... é... de ajuda ao próximo, de

trabalho em equipe, de realização profissional, de vencer obstáculos...”

(Zeus)

“... mas os sentimentos que emergem, depende... Mas de uma maneira

geral eu gosto muito do que eu faço, eu acho que o fato de você gostar

muito da profissão facilita muito.” (Cassiopéia)

Como destaca Lisboa (1998, p.147): “na verdade quando penso acerca do prazer, da

satisfação, da alegria e da felicidade advindas do trabalho, penso naquilo de que realmente gosto

77

quando desenvolvo a atividade no meu cotidiano”. A autora (op cit) também infere que nem tudo

é sofrimento, pois os enfermeiros não iriam se manter em seus trabalhos se estes fossem só

sofrimento.

Penso que o prazer desses profissionais venha do fato de gostarem da sua profissão, se

sentirem bem por poder ajudar o próximo, serem úteis, ter a sensação de dever cumprido para

com eles e com a profissão.

Dialeticamente ao sentimento de prazer estão as situações que causam sofrimento aos

enfermeiros como: falta de pessoal, falta de material, distanciamento entre trabalho prescrito e

trabalho real, relações interpessoais conflituosas, disputas de poder.

O número insuficiente de profissionais no Centro Cirúrgico é um dos fatores que

repercute de forma negativa na subjetividade dos enfermeiros, pois aparentemente o quantitativo

de pessoal é adequado, porém existem as aposentadorias, óbitos e licenças de funcionários que

não são repostos, mas os nomes dos funcionários que se encontram nessas situações permanecem

na escala. Isso é algo incoerente, mas a organização prescrita do trabalho explica que é uma

estratégia para não cair no esquecimento sobre o porquê do déficit de pessoal.

Atualmente a maioria do pessoal do setor é composta por contratos administrativos e o

quadro de funcionários efetivos da instituição é cada vez menor. Há uma certa rotatividade do

pessoal contratado, pois estes precisam sair da Instituição a cada dois anos, isso faz com que

ocorra um período de adaptação dos trabalhadores recém contratados, resultando assim, em

lentidão das atividades e necessidade de capacitação e treinamento desse pessoal. A carência de

recursos humanos torna-se um problema para ser administrado pelos enfermeiros do Centro

Cirúrgico, como o destacado nas seguintes falas dos depoentes.

“... ver a escala dos auxiliares que estão naquelas salas, ficar ciente do

que está faltando, das coisas que foram quebradas, quem vai faltar, quem

vai chegar atrasado...” (Gaia)

“... se alguém vai faltar, quem já avisou que não vai vir ...” (Afrodite)

“... e eu sempre colaborando com tudo porque temos pouco pessoal, os

auxiliares, os técnicos são poucos, então eu entro na luta também”

(Ártemis)

78

“ Porque você sabe que tem já pouca gente, isso é outro problema né?

Que estressa, né? Pouca quantidade de funcionários...” (Cassiopéia)

Quando há número reduzido de pessoal ou quando há uma falta, a situação deve ser

contornada no próprio setor, pois por ser um local totalmente diferenciado do restante do

hospital, não há como recorrer a remanejamentos já que os auxiliares e técnicos que atuam nas

unidades de internação não conhecem a rotina de funcionamento do Centro Cirúrgico. Nos

depoimentos, vários entrevistados revelam o quantitativo adequado de pessoal como uma das

primeiras preocupações ao assumir o plantão. Porém, diferentemente das unidades clínicas da

Instituição, neste setor os enfermeiros não assumem a função dos auxiliares e técnicos na falta

dos mesmos. O único local do Centro Cirúrgico que tal fato acontece é a sala de Recuperação

Anestésica (RA).

Durante a observação da dinâmica de trabalho dos enfermeiros do Centro Cirúrgico, notei que

uma situação que afeta diretamente o desenvolvimento das atividades desses profissionais, é a

falta de materiais.

Souza (2003), em seu estudo evidenciou que a falta de materiais afeta a subjetividade dos

trabalhadores, pois estes se dispõem a prestar uma assistência de qualidade, o que muitas vezes

não é possível devido à falta de materiais adequados ou a sua insuficiência quantitativa. A autora

(op cit) infere ainda que

“ [...] o planejamento laboral precisa ser todo modificado devido á insuficiência de insumos

básicos para o atendimento de enfermagem, alterando também o ritmo de trabalho, porque se

necessita incorporar outras atribuições como: improvisar, adaptar, ou mesmo realizar escambo de

material com outras unidades. E isso parece uma avalanche que não para nunca, incidindo sobre a

subjetividade das enfermeiras, ocasionando sofrimento psíquico (Souza, 2003; p. 254-255).”

A realidade da Instituição é permeada pela falta qualitativa e quantitativa de insumos

materiais, o que é amplamente apontado pelos entrevistados em seus depoimentos como um fator

que dificulta a realização do trabalho e acarreta repercussões diretas na subjetividade. Os

depoentes relataram que esse problema causa sentimentos de impotência, estresse, e houve um

entrevistado que ao aludir a falta de material, sentiu-se tão fortemente afetado que chorou, sendo

necessário interromper a entrevista e retomá-la posteriormente. Os depoimentos a seguir

expressam de maneira significativa esta situação.

79

“Não, não tem como resolver, eu não posso criar roupa, eu não tenho

como fabricar instrumental, né? Então a gente fica administrando uma

situação que é... você se sente impotente... é mais ou menos isso”.

(Andrômeda)

“Essa falta de suprimentos, essa falta de pessoal, entendeu? Você não

saber a quantas você vai conseguir resolver seu problema, que é fazer

com que saia todo o mapa operatório...” (Hera)

“Mas essa falta de material, falta de aparelhagem, isso às vezes deixa a

gente muito aborrecida... estressada [choro]” (Ártemis)

“... o serviço noturno passa o plantão pra gente e a gente já começa a

perceber que as dificuldades que a gente vai estar vivenciando durante o

dia [risos] principalmente em termos de material de sala né... assim se as

salas vão atender as cirurgias que estão propostas...” (Afrodite)

“ ... cada plantão é uma novidade, cada plantão é uma dificuldade, cada

plantão é um material que falta, é uma coisa diferente, um problema a

ser resolvido, quer dizer a gente não tem, não consegue se organizar em

termos de rotina de serviço.” (Deméter)

A falta constante de insumos materiais reflete diretamente no trabalho dos Enfermeiros no

Centro Cirúrgico, afetando a subjetividade dos mesmos, conforme foi anteriormente analisado.

Mas este aspecto também incide na relação interpessoal dos enfermeiros com os outros

profissionais que ali atuam, caracterizando-se em um duplo determinante para alterar a dimensão

subjetiva desses profissionais. Isto é, os cirurgiões e os anestesistas indagam aos enfermeiros

sobre porque não há determinado material.

Assim, os enfermeiros têm que parar suas atividades e explicar inúmeras vezes a crise

financeira que o hospital está passando, e que isso, está além da tarefa de solicitar material para o

almoxarifado, recebê-lo, armazená-lo, para posteriormente distribuir nas salas operatórias. Esta

problemática está ligada a administração geral da Instituição, e por sua vez, a política neoliberal

de enxugamento da máquina pública, ou seja, a diminuição de repassa de verbais para setores

como saúde, educação e transporte.

Como destaca Lisboa (1998):

A estrutura econômica e social do país e a política dos últimos governos não nos levam a crer que

a saúde pública seja uma das metas de prioridade do governo federal. Isto traz angústia às

enfermeiras que não vêm resolutividade dos seus problemas imediatos (LISBOA, 1998, p. 102).

80

Esta concepção é reforçada pro Araújo et al (2004) que destacam que

[...] o ambiente de serviços público de saúde cuja precarização e degradação vem se aprofundando

nos últimos tempos ( e que perdura no Brasil, no início deste novo milênio), em função de

constantes cortes nos recursos destinados à saúde, corrupção, formas de gestão equivocadas e

manipulação eleitoreira, vem criando um solo desfavorável sobre os/as profissionais de saúde[...]

(Araújo et al, 2004, p.148)

Porém, algumas vezes, ao fornecerem tais explicações, recebem respostas hostis ou

desagradáveis que, no cotidiano do trabalho, se acumulam e acabam incidindo negativamente na

saúde mental dos enfermeiros.

Ao realizar a observação no setor pude constatar tal realidade ao presenciar um residente

médico da oftalmologia indagar à enfermeira se os capotes esterilizados já haviam chegado.

Diante da resposta negativa da mesma, ele indagou: “Estes capotes estão vindo de jegue?”. A

Enfermeira se dirigiu a mim e disse: “Tá vendo? Foi isso que te falei!”.

Esta situação causa estresse, insatisfação, sentimento de impotência, pois como os

enfermeiros são responsáveis por repor materiais no setor, eles acabam por ser “culpabilizados”

por qualquer material que esteja em falta.

Como está tão arraigado nos enfermeiros a responsabilidade de suprir o setor com insumos

hospitalares e, mesmo que racionalmente saibam que a falta de materiais não passa pela

negligência, eles sentem-se culpados, levando-os ao improsivo e a adaptação de equipamentos e

materiais. Esta realidade é destacada pelos seguintes depoimentos:

“E aquela briga em função de falta de material de você ficar tentando

improvisar, é guardando material que é mais importante pra uma

cirurgia ou outra, mais ou menos isso.” (Andrômeda)

“... falta de material muito [ênfase], não temos é cardioscópio, PNI

[pressão não invasiva] em número suficiente então a gente tem que ficar

driblando, fazendo jogo de cintura pra aqui, pra ali, pra conseguir tudo a

contento, improvisando da melhor maneira possível pra que não

prejudique o paciente.” (Ártemis)

“ A gente trabalha à base do improviso na grande maioria das vezes...”

(Deméter)

“E de uma certa forma a gente acaba se sentindo culpado realmente,

porque a gente tenta resolver todos os problemas né?”(Deméter)

81

Essa improvisação primeiramente pode funcionar de maneira positiva para a subjetividade

do trabalhador, pois o mesmo sente-se útil ao poder resolver uma situação emergencial, de forma

que o andamento do mapa operatório não seja prejudicado e conseqüentemente o cliente não

sofra as conseqüências da falta de material. Porém, no momento em que o improviso torna-se

rotina na realidade de trabalho, acaba afetando negativamente a subjetividade dos enfermeiros,

pois quando não é possível improvisar ou o material não pode ser substituído por outro, surgem

novamente os questionamentos sobre o porquê da falta de determinado material. E essa situação

eu registrei nas minhas observações de campo, quando uma enfermeira relatou ao anestesista que

a cirurgia estava suspensa porque não tinha como conseguir determinado material, o médico fez a

seguinte colocação: “Ué! Mas nos plantão de fulano deram um jeitinho!”.

Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) inferem que “quebra-galho, inventividade,

cooperação e confiança estão em parte, ligadas ao prazer no trabalho”. Esta relação de confiança

das equipes em relação ao enfermeiro desenvolvido através da prática do improviso funciona

como uma forma de estabelecer a competência do profissional, pois se o mesmo consegue

garantir que todas as cirurgias sejam realizadas, apesar da falta de materiais, este será classificado

como interessado, envolvido, competente.

Porém a outra face da moeda também está presente e ocorre quando a prática do improviso

não pode ser realizada. Como destacam os autores (op cit, p. 102),

Se quebro-galhos, corro o risco de ser punido; se não o faço, corro o risco de ser acusado de falta

de iniciativa. É exatamente esta a injunção paradoxal que é: causa de sofrimento, causa de mal-

entendidos, causa de sonegação e má circulação de informações, causa de fechamento sobre si

mesmo e de desconfiança individual, causa de sentimento de injustiça, causa de fechamento de

coletivos face a outros coletivos e de constituição de antagonismos e conflitos inter-equipes

(DEJOURS, ABDOUCHELI & JAYET, 1994, P,102).

O improviso ou “quebra-galho” utilizado em muitas situações pelos enfermeiros também

destaca o distanciamento entre o trabalho prescrito e o trabalho real, pois como asseveram

Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994, p. 107), “o quebra-galho enquanto tal não pode ser prescrito”.

Esta disparidade é evidenciada nos depoimentos a seguir:

“... não é um trabalho onde você tem uniformidade, onde você pensa

antes e consegue chegar até o final em cima do seu planejamento, ele é

quase que de momento, né.” (Andrômeda)

“... de improvisação, é... de tentar vencer essa dificuldade de falta de

material que é uma constante aqui no setor...” (Zeus)

82

“Quando você consegue ter tudo pra trabalhar, você consegue trabalhar

com tranqüilidade, até porque cada um já sabe o que tem que fazer, você

não fica atrelada a nenhum obstáculo, porque o que estressa são

exatamente os obstáculos do dia à dia. Essa falta de suprimentos, essa

falta de pessoal, entendeu? Você não saber à quantas você vai conseguir

resolver seu problema, que é fazer com que saia todo o mapa

operatório..” (Hera)

“ Então, esse dia eu acho que é muito confuso porque primeiro você não

consegue fazer um planejamento ideal e se você não consegue fazer um

planejamento, você não tem como se planejar, que dizer, por mais que

você se planeje, o planejamento até já fica por conta assim... amanhã eu

vou chegar de manhã a primeira coisa que eu vou resolver é

isso...[pausa] Porque você já sabe que esta furado... então como as coisas

não rolam adequadamente, quer dizer, as instâncias maiores que

deveriam estar vendo, ter planejamento, organização né? Prever e prover

o hospital pra você atender aquilo... já sabe que está furado! Então, não

tem jeito! Então, você já chega de manhã com tudo furado! Então, o caos

já se instala, quando você recebe plantão... porque você já sabe que está

furado!” (Afrodite)

“... quer dizer, a gente aqui trabalha basicamente no improviso, na base

do improviso [ênfase], né?” (Deméter)

Nas falas dos entrevistados percebe-se que eles sabem que ocorre um descompasso entre o

que deve ser feito (trabalho prescrito) e o que realmente é realizado (trabalho real).

O trabalho prescrito é definido por Daniellou, Laville e Teiger (1989, p.48) como: “[...]

maneira pela qual o trabalho deve ser executado: o modo de utilizar as ferramentas e as

máquinas, o tempo concedido para cada operação, os modos operatórios e as regras a respeitar".

Como assevera Oliveira (2002, p.350), “o trabalho pode ser prescrito verbalmente ou por

escrito”, e irá constituir-se como tarefas que devem ser executadas pelo trabalhador.

O autor (op cit) infere que o trabalho será composto então de duas partes, uma relativa às

condutas, instruções, métodos de trabalho, denominada de tarefa, e a outra parte, que é a maneira

como o trabalhador efetivamente executa o que lhe foi determinado, denominada de atividade.

Esta diferenciação entre tarefa e atividade, ou seja, entre trabalho prescrito e trabalho real, faz-se

relevante para o entendimento do sofrimento que emerge no trabalhador quando há um

distanciamento significativo entre o prescrito e o real.

83

Ferreira e Barros (2002, p. 06) definem tarefa como: a face visível do trabalho prescrito

sob a forma de: cumprimento de metas; modos de utilização do suporte organizacional;

cumprimento de prazos; e obediência aos procedimentos e às regras.

Assim, nos depoimentos dos entrevistados apreende-se que nem sempre é possível

cumprir o planejamento, pois este se encontra atrelado ao que os entrevistados denominaram de

obstáculos ou “furos”, os quais são relativos à falta de materiais e a falta de pessoal. Desta forma,

o trabalho é realizado do jeito como é possível mediante as dificuldades impostas pela

organização do trabalho, caracterizando o que a ergonomia chama de atividade, decorrente do

trabalho real. Oliveira (2002, p.351) destaca a atividade: “é como o trabalho real acontece de fato,

como se dá a realização do objetivo proposto, com os meios disponíveis e nas condições dadas

[...].”

A discrepância entre o trabalho prescrito e o trabalho real pode acarretar interferências

na saúde dos trabalhadores através de modificações do modo operatório, o que acarreta aumento

da carga de trabalho, gerando alterações físicas, cognitivas e psíquicas (DANIELLOU, LAVILLE e

TEIGER, 1989; FERREIRA e BARROS, 2002).

Nas falas dos entrevistados pude analisar que a dificuldade de executar a rotina planejada

gera alterações na subjetividade dos enfermeiros, as quais se manifestam através de estresse,

ansiedade, angústias, labilidade de humor, decorrentes de não conseguirem realizar seu trabalho

da forma como gostariam, sem gerar prejuízo para o cliente e para os profissionais que atuam no

setor.

Outra análise apreendida a partir das falas dos sujeitos e das observações de campo trata

das relações interpessoais no Centro Cirúrgico. Estas foram mencionadas inúmeras vezes como

uma questão difícil e geradora de sofrimento psíquico.

No entanto, os sujeitos ressaltaram que o relacionamento interpessoal com os integrantes

da equipe de Enfermagem é harmonioso, não havendo conflitos e desavenças. Alguns

entrevistados referiram-se à equipe de Enfermagem como uma família da qual fazem parte.

Depreendo que esta situação advém do fato do Centro Cirúrgico ser um setor fechado, que

restringe o contato destes profissionais com os demais da Instituição, propiciando a criação de

vínculos afetivos mais estreitos e agradáveis nesse ambiente. Tal fato pode ser evidenciado nos

depoimentos a seguir.

84

“... até porque a gente aqui formou uma família, né... é um setor fechado,

então você cria apego ás pessoas, então é um ambiente que se torna

familiar pra gente.” (Atena)

“... então o ambiente de trabalho, os profissionais que trabalham aqui, eu

gosto muito dessas pessoas né?” (Deméter)

Fernandes, Oliveira e Silva (2006) enfatizam que

Os trabalhadores quando criam relações afetivas entre si, tendem a um intercâmbio mais

equilibrado entre o pensar, o fazer e o sentir. Assim, pensamentos, atividades e

sentimentos funcionam harmonicamente, configurando o bem-estar, a saúde física e

mental e a qualidade de vida do trabalhador (Fernandes, oliveira e Silva, 2006;p.107).

Os autores (op cit) destacam que quando há uma cumplicidade harmônica na equipe,

tende a acontecer a redução do estresse, ampliam-se as possibilidades de sucesso, diminuem e/ou

eliminam-se os riscos ocasionados pelas condutas isoladas e descontextualizadas.

As relações satisfatórias entre os membros da equipe de Enfermagem facilitam o

desenrolar do trabalho e amenizam as dificuldades encontradas no dia-a-dia decorrentes da

organização laboral do setor. Estas reflexões podem ser constatadas nos depoimentos a seguir.

“Porque eu me sinto tipo assim é... hoje eu consigo, dentro da minha

equipe, sentir grande carinho por parte de todos, preocupação, sabe...

aquela coisa de me sentir é... parte integrante do grupo né?” (Hera)

“Mas intra equipe de enfermagem acho que flui melhor... a gente não tem

problema... tem problema no dia a dia... mas não é aquele problema de

funcionário “problema” [ênfase]. Tem funcionário problema ... mas não

é grosso. [...]. Nesse ponto a gente ainda é uma elite...” (Afrodite)

Ainda abordando as relações interpessoais, há também a interface do Centro Cirúrgico com

os trabalhadores que atuam em outros setores do hospital como: almoxarifado, divisão de

material, unidades de internação, central de material e esterilização, rouparia, farmácia. Esses

relacionamentos são caracterizados como conflituosos, pois, na atual situação, em que a falta de

insumos é generalizada, muitas vezes os profissionais de tais setores, como forma de se

protegerem das cobranças, acabam tornando-se rudes e agressivos, gerando assim conflito e

relações interpessoais desarmônicas, como exemplificados nos seguintes depoimentos:

85

“Liga pra divisão de material... Ah não tem! Não vai chegar não! Liga

pro almoxarifado... Ah, num tem, num vai chegar não e ai vem o num sei

que e num sei que lá!” (Afrodite)

“... aí o chefe do CAM [Coordenadoria de Assistência Médica] me ligou

e falou que eu estava ...é... boicotando o trabalho no Centro Cirúrgico.”

(Afrodite)

“... e briga com divisão de material porque não tem determinado

material... briga com o almoxarifado e liga pra direção e liga pras

chefias e comunica os problemas de falta de material.” (Gaia)

As relações interpessoais com os médicos de diversas especialidades foram citadas em

todos os depoimentos como conflituosas e causadoras de sofrimento psíquico para os

entrevistados.

Como destaca Foucault (1996), o hospital é um espaço de hegemonia médica, pois no

século XIX, quando o hospital passa a ter um caráter curativo, estes profissionais que atuavam

em sua maioria nas residências dos clientes, se inserem no ambiente hospitalar e se apropriam do

processo de trabalho. Esta hegemonia permanece até os dias de hoje e, no Centro Cirúrgico, esta

realidade não é diferente.

Como constatado por Lisboa (1998) e por Souza (2003), os médicos que realizam

atividades no Centro Cirúrgico não seguem as normas e rotinas do setor, acham que podem tudo,

não são acessíveis ao diálogo e têm dificuldades em trabalhar com a equipe multidisciplinar. Este

tipo de conduta gera conflitos e disputas acirradas de poder, afetando a autonomia dos demais

profissionais.

Essa situação dificulta a relação dos enfermeiros com os trabalhadores da equipe médica, que

em determinados momentos acreditam que são hierarquicamente superiores, portanto querem dar

ordens à equipe de Enfermagem. Além disso, no Centro Cirúrgico existem médicos de diversas

especialidades e cada um acredita que sua especialidade é mais importante, formando-se uma

verdadeira “guerra de egos”, na qual os enfermeiros participam ora como mediadores desses

conflitos inter-equipe médica, ora como depositários das queixas e da prepotência dos “super

ego” da medicina. Tal problemática pode ser evidenciada nos depoimentos a seguir:

86

“Esse centro cirúrgico é tão diferente de todos os que eu passei, não

foram muitos, ma esse aqui você vê... é peculiar, você trabalha com

equipes é... definidas em função de feudos [gripo meu]. Essa sala é da

neuro, essa sala é da ortopedia, aqui é da equipe não sei né... e por

especialidade e é uma coisa assim muita fechada...” (Andrômeda)

“Tipo o médico entrou sem verde no Centro Cirúrgico porque ele achou que ele

só ia olhar a cirurgia ou então porque ele achou que naquele momento era uma

emergência muito grande a presença, era inevitável a presença dele na sala...

um R1 [residente médico do primeiro ano]. Aí o que acontece... conversei uma

vez, conversei duas, conversei três, não adiantou, fiz um memorando pra minha

chefe né?” (Hera)

“... ainda tem a questão das várias equipes que tão lá dentro... que já é

complicado porque cada um ali é Deus né? O anestesista é Deus! O

cirurgião é Deus!” (Afrodite)

“ Mas não dá por quê? Porque todos são prioridade! Então você... assim

a relação interpessoal é muito complicada, porque aí todos se acham

essenciais e fundamentais e urgentíssimos. Todos se acham prioridade...

né...” (Afrodite)

Para os enfermeiros, lidar com essa situação é extremamente desgastante, pois não existem

distinções de uma especialidade para outra. Todas as especialidades cirúrgicas são essenciais para

garantir ou resgatar a saúde daqueles que vão se submeter a uma operação. A preocupação dos

enfermeiros é que o programa operatório seja atendido sem “dar preferência” à determinada

equipe cirúrgica, o que muitas vezes não é entendido pelos médicos. Essa problemática também

foi apreendida durante as observações de campo e expressões com: “a enfermagem tá

embarrerando o mapa, as minhas cirurgias”, caracteriza-se como um exemplo típico em que os

cirurgiões acham que os enfermeiros privilegiam algumas especialidades cirúrgicas em

detrimento de outras.

Observei uma situação que me chamou atenção. A empresa responsável pela limpeza do setor

estava em greve, o que dificultou a higienização das salas após o término das primeiras cirurgias

eletivas do programa operatório. Dessa forma, médicos de diversas especialidades cirúrgicas

dirigiram-se à enfermeira plantonista para saber quando o próximo cliente iria ser operado.

Diante da resposta da enfermeira de que dependeria da limpeza das salas, estes saíam

descontentes, sendo que um deles disse: “Incrível como vocês fazem de tudo pra atrasar a vida

87

da gente!”. Através desse episódio, pude constatar como este tipo de atitude interfere na

dimensão subjetiva dos enfermeiros. Inclusive, enfatizo que a enfermeira protagonista do relato

anterior, teve que ouvir diversas vezes a mesma pergunta, respondendo da mesma forma e, ainda

sendo acusada de estar dificultando a realização das cirurgias.

Também ficou nítido nesta situação, que os profissionais médicos desconhecem a

organização do trabalho no Centro Cirúrgico e da Instituição como um todo, pois para eles a

prioridade é que as cirurgias eletivas de sua especialidade aconteçam de modo seqüencial e de

preferência sem nenhum problema que possa interferir na suposta seqüência.

“Eles não querem saber que às vezes o pessoal nosso está na sala e são

três horas da tarde e ainda não almoçou. Eles não querem saber! Eles só

querem saber que as cirurgias deles têm que ir pra frente e às vezes a

gente tem que peitar esse pessoal se não a coisa não vai.” (Perseu)

“Existe um mal planejamento da chefia do Centro Cirúrgico, isto é, o

mapa cirúrgico daqui não é feito pelos enfermeiros, entendeu? É feito por

um médico, que é o chefe médico... tipo assim, hoje ele botou três

tireóides, sendo que a gente tem uma caixa de tireóide decente e duas

ruins. O cara tem que abrir duas pra poder fazer uma, e a terceira? Aí

você tem que ficar vendo da onde você pode tirar instrumental. Qual é o

instrumental de qual especialidade que você pode abrir pra tentar suprir,

então são coisas que realmente você tem que administrar e nisso você

tem que ser hábil entendeu?” (Hera)

Estas relações conflituosas com os médicos afetam o processo de trabalho do enfermeiro e,

em contrapartida, a sua subjetividade, pois eles percebem seu trabalho como um embate

constante, gerando sofrimento psíquico e interferindo na qualidade da assistência. Ressalto

também que os enfermeiros, em sua grande maioria, se esforçam cotidianamente para que não

ocorram iatrogenias, como é possível verificar nos depoimentos a seguir.

“A equipe cirúrgica, às vezes não entende determinadas situações, aí

começam a querer te botar na parede... te culpar de uma série de coisas,

já começa a vir o confronto, e aí... a partir do momento que há confronto,

a coisa já não vai bem não é? Eu acho que se houve confronto, alguma

coisa em prejuízo vai ficar não é? Ou seja, a estabilidade, ou seja, o

próprio fluxo da cirurgia, o tempo gasto.” (Perseu)

88

“É o anestesista que quer entrar na sala com uma outra cirurgia sem que

a anterior tenha saído e sem que a sala seja limpa adequadamente. É o

médico querendo usar o mesmo saco, frasco de aspiração de um pro

outro. É médico querendo operar com o mesmo capote três, quatro

pacientes como agora mesmo eu tive um da oftalmo:”Ah, mas eu só sujo

a luva” “Ah! Mas lá fora eu opero assim!” Lá fora você opera assim, na

minha instituição a norma é para cada paciente um capote. Então, é essa

coisa de você ter um embate, entendeu? Freqüente, você tem que não ter

medo desse embate, porque se tiver não fica aqui [risos]. Porque o dia

inteiro você quebra pedra, entendeu?” (Hera)

“... quando você entra em sala pra ver... fazer supervisão de sala... não

sei que... você tem que... Não dá pra você colocar a luva assim? A

máscara? Em vez de estar em baixo do nariz? Em cima do nariz. Não

senta no chão! Entendeu? Troca o capote de uma cirurgia pra outra!

Quer dizer, em supervisão de sala, você ainda tem que ensinar o óbvio.

Porque, além disso, ainda são estéreis, né? Só a gente é que não é né?

Então, é o tempo todo brigando pra coisa acontecer certo!” (Afrodite)

Com a análise das entrevistas e as observações, constatei que os enfermeiros apresentam-

se com “elo” de comunicação entre as equipes do Centro Cirúrgico, os demais setores do

hospital e, muitas vezes, entre a equipe multidisciplinar (cirurgiões de diversas

especialidades, anestesistas, técnicos de radiologia, auxiliares e técnicos de Enfermagem),

que atuam no setor. As informações ficam centralizadas no enfermeiro e os demais

profissionais sempre se dirigem a ele para esclarecer dúvidas, obter informações sobre

materiais e/ou clientes. Desta forma, o enfermeiro lida freqüentemente com pessoas com

diferentes personalidades e diferentes formações profissionais e familiares, o que em algumas

situações afeta a sua subjetividade, pois se há conflito, se há desarmonia, então ele está no

epicentro do fenômeno. Como destacam Fernandes, Oliveira e Silva (2006)

É bem verdade que aparecem grandes divergências em qualquer grupo de pessoas quando elas

trabalham ou quando estudam qualquer assunto. Isto mostra a individualidade e a complexidade de

cada pessoa. Contudo, divergências, quando apontadas e bem conduzidas pelo líder grupal,

poderão contribuir para o crescimento intergrupal de uma maneira considerável. Do contrário,

senão houver boa condução pelo líder, os resultados não serão construtivos (FERREIRA,

OLIVEIRA e SILVA, 2006, p. 136).

O trabalho dos enfermeiros nesse Centro Cirúrgico, no qual a organização do trabalho é

permeada de relações de poder extremamente demarcadas, de relacionamentos interpessoais

89

conflituosos e que, há um distanciamento grande entre o trabalho prescrito e o trabalho real,

devido principalmente à carência de recursos humanos e insuficiência no quantitativo e

qualitativo de insumos hospitalares, o que conduz esse profissional ao sofrimento psíquico e a

alteração de sua dimensão subjetiva. Esta organização laboral, na forma como está constituída

tem grande potencial para o adoecimento dos enfermeiros, apesar de no material analisado

aparecerem situações de prazer.

90

Trabalho Material e Trabalho Imaterial

Nesta categoria serão discutidos os aspectos relativos ao trabalho dos enfermeiros que

contraditoriamente em alguns momentos é valorizado e reconhecido e em outras circunstâncias,

não há reconhecimento ou visibilidade.

Como infere Dejours (2005), o reconhecimento é uma forma de compensação pela

contribuição do trabalhador à eficácia da organização do trabalho. Desta forma, o trabalhador que

mobiliza sua inteligência e subjetividade em prol da organização do trabalho espera algum tipo

de reconhecimento.

Dejours (2004a, p.73) destaca que o reconhecimento é concedido com base em um

julgamento que pode ser efetuado por chefias, subordinados ou pelos próprios pares. O autor

segue destacando que o julgamento trata

do trabalho realizado e é centrado no fazer e não sobre a pessoa. Mas em contrapartida, o

reconhecimento da qualidade do trabalho realizado pode inscrever-se na esfera da personalidade,

em termos de ganho no registro da identidade. Em outras palavras, a retribuição simbólica

conferida por reconhecimento pode ganhar sentido em relação às expectativas subjetivas e à

realização de si mesmo (DEJOURS, 2004, P.73).

O trabalho reconhecido traz benefícios à subjetividade do sujeito que se sente satisfeito e

realizado com seu trabalho e recompensado por seu esforço. Porém, quando em contrapartida, o

trabalhador não percebe reconhecimento pelo trabalho realizado, inicia-se um ciclo contínuo de

sofrimento capaz de desestruturar a identidade e a personalidade, levando-o à doença mental

(DEJOURS, 2006).

Será reconhecido o trabalho que contribuir de forma satisfatória com a organização do

trabalho vigente. Em nossa sociedade, será reconhecido o trabalho que gera mais-valia para o

Capital, que gera produtos que possam ser consumidos e resultar em lucratividade.

Aproximando estas reflexões à realidade laboral dos enfermeiros do Centro Cirúrgico,

evidenciei que estes realizavam inúmeras atividades fundamentais para a dinâmica do trabalho,

numa organização laboral caracterizada com complexa, confusa, conflituosa e, geralmente, que

não reconhece a qualidade do trabalho desenvolvido.

91

“... que a gente corre atrás de apagar incêndio o tempo todo, um

trabalho não reconhecido. Você aqui no papel de enfermeiro é mais um

na correria, né... perante os outros profissionais você não tem

reconhecimento como você sendo uma pessoa especializada no setor.

(Atena)”.

“Muito estresse, pouco reconhecimento né... (Atena)

“Falta de reconhecimento, falta desse reconhecimento por parte das

outras pessoas, das outras equipes, né? Multiprofissional... é ... que às

vezes boa parte das pessoas não sabem da importância e porque eu tô

aqui no setor.” (Zeus)

“É frustrante, é frustrante, porque você vê que você ali não tem um papel

importante, entendeu?”. (Andrômeda)

“Meu Deus! Pode contar nos dedos no dia que isso acontece, de um dia

algum profissional chegar pra você... Pó parabéns! Você foi excelente!

[ênfase]” (Perseu)

“E o pouco reconhecimento que a gente tem dos outros profissionais que

aqui trabalham junto com a gente. Não da equipe de enfermagem, mas a

equipe médica né?” (Deméter)

Dejours (2006) concebe que

Os trabalhadores se esforçam por fazer o melhor, pondo nisso muita energia, paixão e

investimento pessoal. É justo que essa contribuição seja reconhecida. Quando ela não é, quando

passa desapercebida em meio á indiferença geral ou é negada pelos outros, isto acarreta um

sofrimento muito perigoso para a saúde mental (DEJOURS, 2006, P. 34).

Esta situação foi denotada nas falas dos enfermeiros, quando estes refletem sobre o pouco

reconhecimento conferido as atividades que desenvolvem, ao esforço e a dedicação dispensada à

dinâmica laboral do Centro Cirúrgico. Es Tal situação leva-nos a crer que são apenas mais um na

escala ou são vistos como máquinas, podendo ser substituídos facilmente sem prejuízo ao

funcionamento do setor.

“que você foi um número a mais na escala ou um número que é

necessário na escala, mas naquela impotência de que se eu tivesse em

92

casa ou aqui as coisas fluiriam do mesmo jeito, então a minha pessoa não

é tão importante pra, pra o desenvolvimento do setor.” (Andrômeda)

“... vão botar uma velhinha e vai funcionar efetivamente bem entendeu?”

(Afrodite)

“ Eu me sinto como profissional sub-aproveitado... acho que poderia ser

bem mais aproveitado como profissional, trazer mais benefícios para a

instituição e pro paciente.” (Apolo)

Uma depoente fez comparações do trabalho dos enfermeiros do Centro Cirúrgico com o

trabalho dos bastidores de uma peça de teatro, onde os espectadores vão assistir a encenação

valorizando o desempenho dos atores, mas, por exemplo, não notam o cenário. Esta analogia se

adequa ao trabalho da enfermagem que é essencial, porém não é a atividade fim nesse ambiente

laboral. Por isso, não tem visibilidade, não é valorizado e, portanto, configura a imaterialidade

deste trabalho.

“Porque é um trabalho tão, digamos assim... é uma peça de teatro né,?

Ninguém vai ver quem é... quem fez o cenário, a iluminação, são todas

essenciais, né? Mas a peça são os artistas que tem que fazer, você vai ver

uma peça porque o artista tal é formidável... Você não diz que o cenário

está maravilhoso, que a iluminação está perfeita! Então... lá eu tenho

essa sensação, que a gente é isso...entendeu? A gente é o cenário que está

ali, a gente é a iluminação, a gente é essencial... mas é um essencial que

passa desapercebido, entendeu?” (Afrodite)

As atividades descritas pelos enfermeiros ao relatarem um dia de trabalho no Centro

Cirúrgico caracterizam-se como primordiais para o sucesso dos procedimentos cirúrgicos. Esses

profissionais providenciam materiais; alocam trabalhadores de enfermagem certos nos lugares

adequados; garantem o prosseguimento do programa operatório. Atividades eminentemente

burocráticas, que passam desapercebidas pelos profissionais que trabalham no setor, pelos

clientes, pelos demais profissionais da instituição, incluindo o próprio coletivo de Enfermagem e

a hierarquia superior. Este trabalho que não aparece, de bastidores, o qual não gera um número a

ser quantificado, um objeto palpável, reforça a questão do trabalho imaterial destes sujeitos.

Os enfermeiros do Centro Cirúrgico realizam inúmeras atividades e, muitas vezes,

absorvem atribuições que não são de suas responsabilidades. Isto ocorre porque os enfermeiros

sentem-se comprometidos com a organização e o processo de trabalho, além do próprio cliente.

93

Mas vivenciar tal situação cotidianamente, de forma ininterrupta, desagrada a esses profissionais,

pois além de gerar uma sobrecarga de trabalho, elevação do ritmo laboral, pode gerar também

conflitos com os demais membros da equipe multidisciplinar, causando repercussões psíquicas

como: estresse, descontentamento, tristeza, angústia, labilidade de humor, entre outros.

“E tudo é enfermagem... Quer dizer... a gente parece que fecha a

linha...tudo.. tudo é enfermagem!” (Afrodite)

“Todo um trabalho nosso enquanto é... Na verdade o trabalho é das

supervisoras, do que está acontecendo, entendeu?” (Hera)

“... mas o que aparecer a gente consegue dar um jeito né? Como sempre!

Na maioria das vezes a enfermagem sempre dá um jeito! E a gente se

acostuma de uma forma tal de dar um jeito, que mesmo quando a coisa

não é de nossa responsabilidade e a gente acaba ficando rotulada como a

categoria que deve fazer tal coisa! E no dia que não der jeito a culpa é

nossa! [ênfase] Mesmo o problema não sendo nosso! [ênfase] (Perseu)”.

“E a enfermagem sempre tem que ser aquela que tem que dar jeito em

tudo né? Quando dá, está tudo bem! No dia que não der ... Pode ter feito

mil! [ênfase] O dia que você faz uma errada, você tá ferrado!” (Perseu)

Na análise destes depoimentos também fica caracterizado o trabalho imaterial do

enfermeiro que dedica muitas horas de sua jornada laboral na resolução de problemas de ordem

burocrática, assumindo funções que não deveriam ser de sua responsabilidade (como o controle

dos conjuntos dos pijamas utilizados no setor). Ele afasta-se do seu objeto de trabalho, o cuidado,

trabalha incansavelmente, mas no final do dia, não lhe é reconhecido o esforço e dedicação, tão

pouco consegue dar a visibilidade de suas ações, as quais são essenciais para a dinâmica do

trabalho no Centro Cirúrgico. Ou seja, o que ocorre ao final de uma jornada de trabalho é o

desgaste físico e mental, em contra partida, a “mercadoria produzida” não tem uma forma

objetiva, não é palpável, não tem valor para o Capital. (LAZARATTO e NEGRI, 2001;

ANTUNES, 2006).

O processo de trabalho dos enfermeiros foi definido por Pires (1996) como um processo

que tem como objeto o cuidado e como produto final, a assistência de saúde prestada, a qual é

94

produzida e instantaneamente consumida. Mas no Centro Cirúrgico, há uma modificação neste

processo de trabalho, pois ao dedicar-se às atividades burocráticas, o enfermeiro se afasta cada

vez mais de seu objeto de trabalho, o que gera uma perda de identidade profissional e uma

frustração muito grande.

“... Você mal consegue dar conta... no final do dia você tá exausta, o que

eu fiz? É... como enfermeira líder? O que que eu desenvolvi como

enfermeira líder? Entendeu? diretamente com este doente... quer dizer

indiretamente eu fiz muita coisa mas... e diretamente com esse doente? é

muito frustrante! porque é muito desgastante, e ao final do dia.. assim o

que é que eu fiz?” (Afrodite)

“Ah! É um trabalho em grande parte de cumprimento de rotinas e

algumas vezes pouco contato com o cliente, uma vez que a gente fica

preso a certos cumprimentos de rotina e acaba não tendo espaço às vezes

de ficar diretamente com o paciente, né?” (Apolo)

Apesar dos enfermeiros estarem afastados do cuidado direto, percebo que eles

desenvolvem ações que garantem a assistência, impedem que as cirurgias sejam suspensas, que se

cometam iatrogenias, como impedir que uma cirurgia se desenvolva numa sala que não esteja

devidamente limpa. Considero estas ações como de cuidado indireto. No entanto, os enfermeiros

estão tão imersos numa rotina laboral massacrante, inseridos em uma organização do trabalho

extremamente alienante que nem se dão contam que tais ações também se caracterizam como

cuidado.

“Ah, igual hoje! Tem médico aí que diz: quero operar só de capote... Ah!

É só uma coisinha, só outra coisinha, não a gente bota só capote!... Olha

você não vai entrar só de capote. Mas ai vem o professor, o professor

mor e também diz: não mas é só uma coisinha...que num sei que...” É

então tudo bem? Só que eu vou botar no meu livro de ordens e

ocorrências o que está acontecendo e vou escrever no prontuário do

paciente se você insistir, entendeu?” (Hera)

“Numa outra ocasião também nós estávamos com problema de roupa e

tinha algumas cirurgias pra entrar... não dava pra entrar todas, e eu fui

junto com o programa cirúrgico a um profissional da anestesia, o staff do

dia, e cheguei pra ele e falei... Olha só! A gente está com esse problema

assim, assim... Pô! Vamos aqui no mapa ver o que seria prioritário pra

entrar?” (Perseu)

95

“... orientação que você dá em relação a técnicas, em relação a forma de

tratar o paciente, de colocação na mesa...” (Andromeda)

É mister destacar que este distanciamento do cuidado direto ao cliente não ocorre com os

enfermeiros que atuam na Recuperação Anestésica, pois neste local os enfermeiros prestam

cuidado direto aos clientes em período de pré e pós-operatório.

Este distanciamento do cuidado direto ao cliente, imposto pela organização do trabalho aos

enfermeiros do Centro Cirúrgico, reflete as modificações no mundo do trabalho contemporâneo.

As repercussões do neoliberalismo e de seu modelo organizacional levam a substituição do

trabalho material pelo trabalho imaterial, numa crescente utilização das capacidades cognitivas e

intelectuais em detrimento do trabalho motor. Verifica-se também, que como reflexo desse

modelo produtivo prima-se pela substituição do trabalho manual pelo intelectual. Observa-se

também a questão da polivalência, ou seja, um bom profissional faz tudo, resolve tudo, estando

preparado para as imprevisibilidades e para as altas demandas de trabalho (LAZZARATO e

NEGRI, 2001; ANTUNES, 2006).

Há ainda o aspecto do suporte emocional dirigido a subjetividade do cliente em situação

cirúrgica, na qual a humanização da assistência é um determinante para assegurar o bem-estar

emocional da clientela. Durante as observações de campo, registrei inúmeras situações que

caracterizaram essa análise, nas quais verifiquei os enfermeiros segurando nas mãos dos clientes,

oferecendo palavras confortadoras, cuidando de mãe que tinham seus filhos em salas de cirurgia,

orientando pacientemente familiares aflitos por notícias dos que estavam operando. Enfim, estas

atividades não têm valor para o Capital, nos moldes neoliberal, caracterizando-se como um

trabalho que não aparece porque não gera produtividade, definitivamente é um trabalho imaterial.

96

Repercussões do trabalho no processo saúde-doença dos enfermeiros.

Esta categoria teve como enfoque as repercussões da organização do trabalho no processo

saúde-doença dos enfermeiros que atuam no Centro Cirúrgico.

Ao questionar os depoentes se eles percebiam alguma alteração em seu corpo após uma

jornada de trabalho, a maioria referiu em primeiro lugar alterações na dimensão emocional e

posteriormente alterações na dimensão física.

A organização laboral no Centro Cirúrgico é bastante complexa, fragmentada, marcada por

conflitos que resultam em sentimentos contraditórios e muitas vezes permeada de sofrimento

psíquico, afetando diretamente a subjetividade dos trabalhadores que atuam neste ambiente.

Como infere Dejours (1992, 2006), não há neutralidade do trabalho diante da saúde

mental. Esta afirmação pôde ser constatada nos depoimentos apresentados a seguir:

“Principalmente mental. Nos dias que tem mais trabalho e que são os

dias mais complicados com muitas cirurgias, com pouca sala, pouco

pessoal, quando a gente chega em casa de noite a gente chega esgotada,

esgotada [enfatizou] mentalmente, nem só o físico, não mais o físico, é

claro que o físico também, com o decorrer do tempo o físico...”. (Atena)

“... o mental é imediato, você se esgota fácil, é o problema que você nota

a cada plantão, é o mental”. (Atena)

“Percebo. O mental é aquela sensação de impotência de que você apenas

cumpriu com a sua carga horária” (Andrômeda)

“... estresse, estresse mesmo... estresse mental, o desgaste mental é muito

grande! Eu acho até que sobrepõe o físico.” (Afrodite)

“... e é muito desgastante! É muito estressante! Eu, no final do dia, estava

estressada, eu ficava tanto que eu entrei de férias... Elas já estavam

marcadas para outro mês, mas eu tinha que entrar de qualquer jeito!

[risos]” (Afrodite)

97

“Mas acho que mais é o estresse que é o cansaço, vontade de tomar um

banho daqueles, relaxar. A cabeça fica também cheia, você tem vontade,

tem necessidade realmente de fazer um relaxamento, de colocar uma

música e relaxar porque senão não agüenta não!” ( Hera)

“Ah com certeza! A gente sente sim, por exemplo, né? Normalmente em

situações como essa que eu acabei de falar, você se sente tremendamente

estressado [ênfase]” (Perseu)

“Mas é o que eu falei... Eu acho que o cansaço físico não é, não é tanto

pelo esforço que a gente faz, pelo que a gente anda aqui dentro que é

muito grande, a gente anda muito, eu acho que não é só por isso, eu acho

que o desgaste maior é... é... a gente tentar a todo momento vencer estas

dificuldades que a gente ta passando hoje aqui dentro do hospital. Eu

acho que essa é a dificuldade maior né? O estresse, a questão da...da...

gente tentar superar as dificuldades né?” (Deméter)

“... cansativo e estressante, basicamente é mais estressante por causa dos

problemas que surgem... problemas administrativos, que são muitos e

muitas vezes mais estressantes do que o trabalho em si...” (Apolo)

Durante as entrevistas pude observar através das expressões corporais e faciais dos

sujeitos, das linguagens não-verbal e para-verbal, que ao relatarem sobre a interferência do

trabalho em suas dimensões emocionais, estes relatos se caracterizaram como extremamente

sofridos. Pois, registrei momentos de lágrimas nos olhos. Foi preciso interromper entrevistas e

posteriormente retomá-las, uma vez que os depoentes precisavam dar vazão livremente a suas

emoções.

Como os depoimentos apontaram, as manifestações que são primeiramente percebidas

pelos enfermeiros são as que ocorrem em sua dimensão mental, através de desgaste emocional,

estresse, irritabilidade, e estas repercussões, de acordo com os depoimentos precedem as

manifestações na dimensão física.

Em alguns casos, os entrevistados citaram situações que nitidamente lhes causaram

sofrimento psíquico, apesar de não utilizarem termos como sofrimento psíquico, desgaste

emocional. Ficaram claras as manifestações de sofrimento dos enfermeiros em decorrência da

98

organização do trabalho. Como na entrevistas selecionada a seguir, em que os depoentes

emocionaram-se e houve necessidade de encerrar as entrevistas.

“Eles não querem saber... Eles não chegam pra você e falam... Olha só,

como é que você está aí? Podemos fazer isso assim, assim? Pra que se

trabalha em equipe? Isso não acontece. Acontece o seguinte: “Olha!

Vamos ter que puxar a cirurgia tal tal, tal, tal, assim, assim, porque

senão vai ser suspensa!” [ênfase] Então a coisa é jogada pra cima de

você [ênfase], de maneira que você se sinta... Se for suspenso a culpa é

minha, entendeu? Vamos ter que puxar! [ênfase] Mas ninguém

pergunta... às vezes você não tem condições de puxar, porque você não

tem equipe, não tem pessoal pra aquilo não é? E aí começa o estresse,

começa a pressão!” (Perseu)

“Hoje mesmo teve uma jovenzinha de dezessete anos que amputou a

perna, isso dói muito...” [choro] (Ártemis)

Como destaca Dejours (1992, 1994), a organização do trabalho age sobre a dimensão

psíquica do trabalhador e através de determinados gestos, posturas, pode produzir

manifestações somáticas no corpo do trabalhador como aumento doenças cardiovasculares,

musculares, digestivas. Os depoentes relataram dores em membros inferiores, varizes,

hipertensão arterial, obesidade, alterações posturais como manifestações físicas decorrentes do

trabalho no Centro Cirúrgico.

“... é claro que o físico também, com o decorrer do tempo o físico... eu

penso assim... ah... é... a conseqüência do físico vem ao longo dos anos,

né... você começa a adquirir problemas posturais, de varizes, porque

anda muito aqui dentro”. (Atena)

“E em lado físico é pressão alta, eu tive, é... ganhei muito peso ali dentro

você num tem um horário certo de... de se alimentar, pra você levar é

difícil, é dificultoso, é ruim, pra você comer a comida dali é aquela

mesma coisa de sempre, que não precisa nem comentar, né? Então, eu

ganhei muito peso sim... Líquido você não consegue beber, porque agora

é que tem né uma, um bebedouro com água tratada e tudo, mas logo no

início a gente não tinha nada disso, se bebe muito refrigerante porque é

o, é a opção que se tem e água que é bom a gente quase não ingere”.

(Andrômeda)

99

“Apesar de sair daqui satisfeita por ter feito, dado o melhor de mim,

mesmo assim a gente sai muito cansada fisicamente, as pernas doem, é

claro, de tanto andar pra lá e pra cá e mentalmente por essa falta de

material”. (Ártemis)

“... porque o físico ali é empurrar maca... que é desgastante pra burro...

quer dizer... no final do dia você tá cansada...” (Afrodite)

“... e as macas são maravilhosas. Você sabe, aquelas macas

maravilhosas [ênfase] pra não dizer ao contrário né? Que não tem um ali

um XW, W-40 né? Sei lá, pra botar e amolecer a roda dura né? Você vai

pra um lado a maca vai pro outro, em termo de desgaste, eu acho que é

mas esse ... entendeu? Assim, na questão da maca ...” (Afrodite)

“... e a gente fica o tempo todo circulando pra lá e pra cá, né? Quer

dizer... o desgaste das pernas... e o... e o... e a história da maca que a

coluna que vai pro espaço depois de algum tempo né?” (Afrodite)

“Bem, com certeza algumas varizes aparecem, de andar pra lá e pra cá,

às vezes uma gastritezinha leve aparece...” (Gaia)

“Num preciso nem ser após a jornada do trabalho...[risos]... durante o

trabalho [...] dependendo do nível que a coisa tá acontecendo, por mais

que eu me mantenha serena entendeu? Tento levar tudo com simpatia,

com bom humor sabe.” (Hera)

“ E isso claro! Isso vai te trazer problema físico! Pode trazer uma

hipertensão.” (Perseu)

O Centro Cirúrgico possui uma planta física composta de um corredor muito longo onde

ficam distribuídas as salas de cirurgia e os enfermeiros realizam vários deslocamentos neste

corredor durante sua jornada de trabalho. Muitas vezes, nestes deslocamentos ocorre um

concomitante deslocamento de peso ao empurrar as macas com os clientes para a recuperação

anestésica ou para as salas de cirurgia, demandando utilização de uma força física acentuada.

100

Estes deslocamentos são constantes e se realizados com posturas inadequadas como destacam

Bulhões (1998) e Farias, Mauro e Zeitoune (2006), podem causar lesões ósteo-musculares e

sérios problemas de coluna vertebral.

De acordo com Bulhões (1998), a posição de pé tem como aspecto positivo o fato de

existir uma possibilidade de mudança rápida de postura e grande campo de atuação, já como

aspecto negativo, há o risco de estase sanguínea das extremidades inferiores.

Desta forma, as dores nos membros inferiores e varizes podem surgir em decorrência do

tempo elevado que os profissionais permanecem de pé ou circulando pelos corredores. Somado a

isto, existe o fato de poucas cadeiras disponíveis para os enfermeiros do setor sentarem, pois

existem duas cadeiras na área de recepção de pacientes, duas cadeiras na sala da chefia de

enfermagem que nem sempre estão disponíveis, pois este espaço é muitas vezes destinado à

realização de reuniões, já na recuperação anestésica existem três cadeiras e dois bancos de ferro

extremamente altos.

Como o ritmo de trabalho é acelerado, a ingestão de líquidos e a alimentação muitas vezes

são negligenciadas. Bulhões (1998) enfatiza que há necessidade do trabalhador alimentar-se

adequadamente em horários e locais adequados. Porém, o contexto estudado, por se tratar de um

setor fechado, as refeições são realizadas num curto espaço de tempo, no próprio setor, fornecidas

por uma firma terceirizada através de “quentinhas”, sendo que o cardápio não é muito variado e o

próprio aspecto das refeições não é atrativo. Tal situação leva os enfermeiros a se alimentarem

inadequadamente.

Durante minha observação no setor, presenciei um curioso debate sobre qual o sabor de

determinado salgado servido em forma de “bolinho”. Os profissionais que almoçavam num

pequeno grupo, incluindo residentes de enfermagem e medicina, auxiliares e técnicos de

enfermagem estavam mobilizados em descobrir qual a matéria prima do referido alimento e, até o

momento que deixei o recinto, ainda não haviam chegado a um consenso. Esse fato caracteriza a

baixa qualidade das refeições ofertadas aos trabalhadores no Centro Cirúrgico.

O grande volume de trabalho, somado ao ritmo intenso causam uma sobrecarga de

trabalho para os enfermeiros, pois o enfermeiro é visto pelos outros profissionais como o

responsável pelo funcionamento adequado do Centro Cirúrgico. Esta sobrecarga de atividades

provoca desgaste físico e mental aos trabalhadores. Porém, como os próprios entrevistados

relataram, a carga psíquica do trabalho sobrepõe a carga física.

101

Dejours (1992, p. 57) assevera que “de uma desarmonia entre o conteúdo ergonômico do

trabalho (exigências físicas, químicas, biológicas) e a estrutura da personalidade pode emergir

uma insatisfação e, correlativamente um sofrimento que são de natureza mental e não física”.

E o autor (op cit, 1994, p. 31) ainda infere que um trabalho intelectual, no caso dos

enfermeiros do Centro Cirúrgico, traduzido como trabalho burocrático, de planejamento, pode se

revelar de maior carga psíquica do que um trabalho manual. Desta forma, a solução apontada

pelo autor seria uma flexibilização da organização do trabalho para diminuir a carga psíquica

gerando prazer no trabalho.

Os entrevistados destacaram em suas falas que a organização do trabalho no Centro

Cirúrgico gera manifestações psíquicas tão demarcadas que mesmo ao final da jornada de

trabalho, ao deixarem o setor, as preocupações, aborrecimentos o acompanham.

“... as pessoas acham que você tem que resolver pronto e acabou... que

você não tem nenhum problema a não ser resolver aquele, que você não

tem nada da sua vida particular...” (Atena)

“Quando você chega em casa tem uma outra jornada que é a sua

doméstica né... mas que você tá tão cansada que você deixa a desejar as

coisas que você gostaria de realizar... então lazer, lazer [ênfase], você

praticamente não tem, o horário num, num te disponibiliza, finais de

semana você tem as coisas da casa pra fazer então cinema, teatro, bate-

papo, visitas, isso daí é praticamente impossível, praia nem se fala...”

(Andrômeda)

“... que tipo assim eu chego em casa às vezes eu não consigo ter forças

nem pra conversar com a minha família, tamanho o desgaste corporal,

entendeu?” (Hera)

“... você tem vontade, tem necessidade realmente de fazer um

relaxamento, de colocar uma música e relaxar porque senão não agüenta

não!” (Gaia)

“Tem que ter uma válvula de escape e a minha é fazer trabalho manual,

fazer alguma coisa que não seja Centro Cirúrgico, eu estudo coisas que

não são Centro Cirúrgico, e leio coisas que não são Centro Cirúrgico e

eu brinco, eu pinto, eu faço trabalhos manuais, ta? Relaxar!” (Gaia)

102

“Ah, eu me sinto bastante cansada! Eu chego em casa muito cansada

realmente.”(Deméter)

Estes depoimentos contradizem uma ideologia reproduzida na Enfermagem, que é

apreendida desde a graduação, de que ao entrar no trabalho o profissional deve deixar sua vida

pessoal do lado de fora do hospital e ao encerrar a jornada, as preocupações, estresses

provenientes do trabalho devem ser deixadas no hospital. Esta concepção é, no mínimo insólita,

como se fosse possível realizar esta separação de trabalho / vida pessoal tão facilmente. Como

infere Dejours (1992, p.46), “o homem que é condicionado ao comportamento produtivo da

organização do trabalho, fora desta, conserva a mesma pele, a mesma cabeça”.

O que ocorre de fato é que as repercussões negativas na dimensão subjetiva dos

trabalhadores não ficam restritas ao ambiente de trabalho. Os enfermeiros não deixam os

problemas do trabalho no vestiário do Centro Cirúrgico, mas carregam consigo os problemas e

preocupações decorrentes do mundo do trabalho, resultando no que infere Dejours (1992, p.46 ):

“contaminação do trabalho no tempo de lazer”.

Dejours (1992, p.45) assevera que poucos são os trabalhadores que podem organizar o

lazer de acordo com seus desejos e suas necessidades, levando em conta o custo financeiro das

atividades fora do trabalho, o tempo absorvido por atividades como deslocamentos, tarefas

domésticas. É muito difícil a utilização deste tempo fora do trabalho de forma harmoniosa para

contrabalançar os efeitos nocivos da organização do trabalho.

Por ser uma profissão eminentemente feminina, o que ocorre muitas vezes, é que o tempo

fora do trabalho é dedicado às atividades domésticas, atenção aos familiares, educação dos filhos,

caracterizando uma dupla ou tripla jornada de trabalho.

“... até também porque quando chega em casa tem uma criança pequena

pra cuidar, tem “n” coisas, tenho “n” coisas pra fazer. [risos]”

(Cassiopéia)

“... brincar com seu filho, com a sua filha, entendeu? Às vezes eu chego

em casa super cansada, já tomo um banho e só falo assim pra ela, só

preciso de um tempo pro banho tá? Depois a gente brinca. E às vezes eu

vou até dez, onze horas da noite brincando, quer dizer, mas o cansaço

baixa.” (Cassiopéia)

O hospital ainda se apresenta como um espaço de hegemonia médica, o trabalho da enfermagem

permanece ainda como coadjuvante, pois trata-se de uma profissão de gênero feminino que tem

103

como características reforçadas: meiguice, passividade, devoção e amor ao próximo que são

encaradas como qualidades da mulher e mãe de família. (Oliveira e Scavone, 1997).

Assim, o trabalho de Enfermagem nada mais seria do que um prolongamento das atividades

do lar, com responsabilidades junto aos membros da família, cuidar da casa, organizar o

ambiente doméstico, enfim, tudo o que envolve o bom andamento da casa e da família é

responsabilidade da mulher (Lopes, 1996, Lisboa, 1998, Waldow, 1999).

Desta forma, o que ocorre é que geralmente as trabalhadoras já possuem duplo ou triplo

vínculo de trabalho e ainda acumulam as tarefas relacionadas ao lar e aos cuidados com a família.

A dupla ou tripla jornada não é uma opção dos trabalhadores, mas sim um reflexo da

precarização e degradação das condições de trabalho em nossa sociedade, e apresenta-se como

uma alternativa de garantir uma remuneração que garanta a sobrevivência (Araújo et al, 2004).

A dupla e às vezes tripla jornada de trabalho realizada pela mulher tem repercussões sobre

seu corpo, pois como atesta Avedaño (1997) esta é uma das condições que degrada a saúde das

trabalhadoras.

São necessárias reflexões sobre como o trabalho em uma organização do trabalho, as

condições de trabalho desfavoráveis afetam diretamente a dimensão psíquica dos trabalhadores

de Enfermagem, de ambos os sexos, causando os mais diversos sentimentos dialéticos em relação

ao trabalho que realizam.

104

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desenvolver este estudo, no qual evidenciei a percepção dos enfermeiros sobre a organização

do trabalho no Centro Cirúrgico foi bastante gratificante, embora apreender as contradições

relativas ao sofrimento e prazer que surgem dialeticamente do cotidiano de trabalho destes

profissionais não foi tarefa fácil. Ao realizar as entrevistas e inserir-me no contexto estudado,

verifiquei que emergiram sentimentos de angústia, apreensão, desgaste, porém em contrapartida

surgiram sentimentos de satisfação, recompensa, tornando esta vivência muito significativa,

marcante e importante tanto em nível profissional quanto pessoal.

O estudo evidenciou que o sofrimento e o prazer dos enfermeiros em relação ao trabalho

encontram-se dialeticamente imbricados. Inúmeras situações se inscrevem no âmbito do

sofrimento psíquico e algumas remetem a experiências de prazer no e pelo trabalho, mas os dois

sentimentos parecem caminhar juntos, um se sobrepondo ao outro numa relação dinâmica e

dialética, em que a emergência de um sentimento ou de outro está na dependência dos elementos

do processo de trabalho, das características da organização laboral e da subjetividade dos

profissionais.

O sofrimento foi evidenciado quando os entrevistados se referiram às dificuldades

encontradas para realizar suas atividades laborais no Centro Cirúrgico, devido ao quantitativo de

pessoal insuficiente, falta de materiais e equipamentos, que muitas vezes leva os profissionais a

improvisar, instituindo uma prática de “quebra-galho”, a qual evidencia um afastamento marcante

entre o trabalho prescrito e o trabalho real.

Também foram apontadas como fatores desencadeantes de sofrimento pelos enfermeiros, as

relações conflituosas com os profissionais da equipe multidisciplinar, sobretudo os médicos,

muitas vezes gerando disputas de poder originando estresse e desgaste emocional, repercutindo

diretamente na dimensão subjetivas dos enfermeiros.

Aliados às condições descritas acima, o relacionamento com os setores com os quais o Centro

Cirúrgico possui interface tais como almoxarifado, farmácia, central de material e esterilização,

foi citado como conflituoso e desgastante pelos participantes do estudo.

Outro fator de sofrimento psíquico foi a falta de reconhecimento pelo trabalho

desenvolvido, no qual os enfermeiros alegam que o esforço, compromisso, responsabilidade e

105

envolvimento com a assistência não são valorizados. Esse conjunto de adjetivos para descrever o

trabalho cotidiano do enfermeiro situa-se na esfera do trabalho imaterial, trabalho esse subjetivo e

que não é privilegiado pelo Capital e, portanto, pela organização do trabalho. E outro

desdobramento dessa situação é que os enfermeiros apresentam a sensação de que seu trabalho

não é tão importante para o setor e para a instituição, criando uma sensação de que não farão falta

ao setor ou que são facilmente substituíveis como peças desgastadas ou quebradas de uma grande

engrenagem.

Considero relevante destacar que a valorização dos enfermeiros no Centro Cirúrgico por

parte da Coordenadoria de Enfermagem e dos gestores do hospital é primordial para fortalecer a

identidade destes profissionais como trabalhadores, para que estes se sintam parte de uma equipe,

e inseridos numa instituição que considera o seu trabalho importante para alcançar sua missão.

Pois como destaca Dejours (1999) os trabalhadores quando realizam suas atividades laborais

buscam o reconhecimentos por parte de seus pares.

Em contrapartida às experiências de sofrimento captadas nas entrevistas, emergiram as

manifestações de prazer que foram caracterizadas pelos enfermeiros como: gostar da profissão

pela questão do cuidado ao ser humano, sentir-se bem e útil por poder ajudar o próximo, sensação

de dever cumprido para consigo e para com a profissão.

As relações interpessoais dos enfermeiros com os profissionais da equipe de enfermagem

foram referenciadas como harmônicas e de cumplicidade, o que contribui para um melhor

desenrolar do processo de trabalho e, por isso, evidenciam-se como fonte de prazer.

Desta forma, foi constatado que embora o trabalho dos enfermeiros no Centro Cirúrgico

seja permeado de fatores que causam sofrimento, ansiedade e estresse, há também os sentimentos

positivos que despertam sentimentos que motivam estes trabalhadores a permanecerem nesta

organização laboral que muitas vezes se apresenta hostil.

Os resultados também evidenciaram que os enfermeiros sentem que absorvem atribuições

e papéis de outros profissionais, aumentando a carga de trabalho física e psíquica, causando

repercussões subjetivas e aumento do cansaço físico para estes trabalhadores. Uma maior

aproximação entre trabalho prescrito e trabalho real deve ser empreendida através de algumas

ações: o estabelecimento de um modelo assistencial para especificar as atividades dos

enfermeiros no Centro Cirúrgico, inclusive para conhecimento dos profissionais da própria

equipe de Enfermagem e da equipe multidisciplinar do Hospital Universitário Pedro Ernesto; o

106

oferecimento de uma infra-estrutura de trabalho que ofereça insumos hospitalares em quantidade

e qualidade adequadas; e um quantitativo de trabalhadores de enfermagem compatível e

capacitado com as características laborais do Centro Cirúrgico, com o ritmo de trabalho e com o

volume de atividades demandadas nesse cenário.

Outro aspecto importante destacado pelos entrevistados referente à forma como o trabalho

está organizado no Centro Cirúrgico, foi em relação às repercussões do trabalho na dimensão

subjetiva dos enfermeiros que se sobrepõem às repercussões na dimensão física. Os enfermeiros

evidenciaram que o cansaço mental após uma jornada de trabalho é latente, trazendo muitas vezes

repercussões em sua vida fora do trabalho, como a convivência com os familiares e o pouco

tempo disponível para o lazer, caracterizando o que Dejours (1992) chama de contaminação do

tempo de lazer pelo trabalho.

Como repercussões na dimensão física foram captados problemas posturais, de varizes, de

dores nas pernas, hipertensão, além de dificuldades para alimentar-se e ingerir líquidos. Algumas

medidas como acompanhamento nutricional e atividades como ginástica laboral minimizariam

estes problemas. Novos estudos acerca dos sintomas físicos com o intuito de reduzir e prevenir

riscos decorrentes da organização do trabalho no Centro Cirúrgico devem ser realizados.

Os resultados apontados suscitaram reflexões sobre como minimizar os sentimentos

negativos decorrentes da organização do trabalho que está instituída no Centro Cirúrgico, de

modo a criar um ambiente não tão prejudicial à subjetividade dos trabalhadores que ali atuam.

Embora modificar uma realidade tão complexa não seja tarefa fácil, mas contando com o amor à

profissão, dedicação e prazer de poder fazer algo pelo próximo que foram revelados nos

depoimentos, caracteriza-se como o estopim para mudanças a favor de melhores condições de

trabalho.

As discussões e debates com o coletivo da enfermagem sobre os aspectos relativos à

saúde dos trabalhadores devem ser promovidos, com o intuito de construir coletivamente um

cenário de trabalho mais prazeroso, trazendo benefícios para a vida profissional e pessoal dos

enfermeiros.

Após este percurso, considero que os objetivos foram atingidos e as questões norteadoras

foram respondidas, porém surgem diversas outras perguntas a serem respondidas, possibilitando

novas investigações acerca desta temática, como por exemplo: diante das percepções apontadas

pelos enfermeiros em relação à organização do trabalho na qual estão inseridos, quais fatores

107

influenciam estes profissionais à permanecerem num ambiente que causa repercussões psíquicas

tão demarcadas e latentes? Assim, penso que novas pesquisas devem ser elaboradas no intuito de

produzir conhecimento na área da saúde do trabalhador, contribuir para fazer massa crítica na

Enfermagem e dessa forma, melhorar as condições de trabalho dessa equipe de saúde.

108

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Atuantes em Unidades do Bloco Cirúrgico. 2004. Dissertação (Mestrado em Enfermagem)-

Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo.

SILVA, A. Funcionário de enfermagem na unidade de centro de material e os acidentes de

trabalho. 1996. Tese (Doutorado em Enfermagem)- Escola de Enfermagem da Universidade de

São Paulo, São Paulo.

SILVA, V. E. F; KURCGANT, P; QUEIROZ, V. M. O Desgaste do trabalhador de Enfermagem:

Relação Trabalho de Enfermagem e Saúde do Trabalhador. Revista Brasileira de Enfermagem,

Brasília, v.51, n . 4, p.603-614, outubro/dezembro, 1998.

SOUZA, M. Controle de Riscos nos Serviços de Saúde. Acta Paulista de Enfermagem, São

Paulo, v. 13, número especial, Parte I, p. 197-202, 2000.

SOUZA, N. V. D. O. A imagem e o Significado da Assistência de Enfermagem: Representações

de Enfermeiras sobre o Cliente com Problemas Urológicos. 1995. Dissertação (Mestrado em

Enfermagem)- Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio

de Janeiro.

SOUZA, N. V. D. O. Dimensão Subjetiva das Enfermeiras Frente à Organização e ao

Processo de Trabalho em um Hospital universitário. 2003. Tese (Doutorado em

Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio

de Janeiro.

117

TRIVIÑOS, Introdução á Pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1987, 175 p.

WALDOW, V.R.A. A opressão na enfermagem: um estudo exploratório. In: LOPES, M. J. M;

MEYER, D. E; WALOW, V. R. (orgs). Gênero & Saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

Cap 08.

118

APÊNDICES

119

APÊNCICE A

Este instrumento destina-se a coletar das da pesquisa intitulada “A Percepção dos

Enfermeiros Sobre a Organização do Trabalho no Centro Cirúrgico de um Hospital

Universitário”, que tem como objetivos: descrever a organização do trabalho do Centro Cirúrgico

do Hospital Universitário Pedro Ernesto e analisar a organização do trabalho no Centro Cirúrgico

e seus desdobramentos para o processo saúde-doença dos enfermeiros. As informações serão

gravadas em fitas magnéticas para posterior transcrição.

ROTEIRO DE ENTREVISTA

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

Nome:

Sexo:

Local e data de graduação:

Cursos de Especialização:

Tempo em que atua no Centro Cirúrgico:

1. Descreva um dia de trabalho seu no Centro Cirúrgico.

2. Quais sentimentos emergem ao pensar em seu cotidiano de trabalho?

3. Você percebe alguma alteração no seu corpo (físico e mental) após jornada de trabalho no

Centro Cirúrgico?

120

APÊNDICE B

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO BIOMÉDICO

FACULDADE DE ENFERMAGEM

MESTRADO EM ENFERMAGEM

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado (a) Sr. (a),

Eu, Elaine Diana Kreischer, aluna do Programa de Mestrado da Faculdade de Enfermagem da

UERJ, solicito por meio deste a sua colaboração em participar da pesquisa que estou realizando sobre a

Percepção dos Enfermeiros acerca da Organização do Trabalho no Centro Cirúrgico, que tem como

objetivos: descrever a organização do trabalho do centro cirúrgico do Hospital Universitário Pedro

Ernesto; e analisar a organização do trabalho no centro cirúrgico e seus desdobramentos para o processo

saúde-doença dos enfermeiros. Aceitando, Vª Sª. permitirá que eu observe o seu cotidiano de trabalho e

também participará de uma entrevista gravada e, portanto, necessito de vossa autorização para realizá-la.

Ressaltamos que Vª Sª. tem o direito a esclarecimentos sobre dúvidas que surjam e , para isto,

deve dirigir-se a Coordenação de Pós Graduação da Faculdade de Enfermagem da UERJ na AV.

Boulevard 28 de Setembro n° 157- 7º andar- Vila Isabel. A qualquer momento pode recusar-se ou

interromper sua participação sem que isto lhe traga qualquer prejuízo. Garantimos o sigilo sobre todas as

suas informações e que seu anonimato será preservado.

Por fim, esclarecemos que suas informações serão utilizadas apenas para a realização deste estudo

que tem como orientadora a Profª Drª Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza.

Termo de Consentimento

Decalro que entendi as informações contidas neste Termo de Consentimento e concordo em

participar da pesquisa.

Rio de Janeiro: ____ / ____ / ______ _________________________________________

Nome do Participante

Rio de Janeiro: ____ / ____/ ______ _________________________________________

Assinatura do Pesquisador

121

ANEXOS

122

ANEXO A

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