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11 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DCH-III PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E TERRITÓRIOS SEMIÁRIDOS PPGESA JIELI BRITO NEVES NASCIMENTO ESCOLA RECANTO DO PEQUENO PRÍNCIPE ESTUDO DE CASO EM UMA ESCOLA MONTESSORIANA Juazeiro BA 2019

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – DCH-III

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E TERRITÓRIOS SEMIÁRIDOS – PPGESA

JIELI BRITO NEVES NASCIMENTO

ESCOLA RECANTO DO PEQUENO PRÍNCIPE – ESTUDO DE CASO

EM UMA ESCOLA MONTESSORIANA

Juazeiro – BA 2019

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JIELI BRITO NEVES NASCIMENTO

ESCOLA RECANTO DO PEQUENO PRÍNCIPE – ESTUDO DE CASO EM UMA ESCOLA MONTESSORIANA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos (PPGESA), do Departamento de Ciências Humanas do Campus III da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) para obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos.

Linha de Pesquisa: Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido

Orientador: Prof. Dr. Josemar da Silva Martins (Pinzoh)

Juazeiro – BA 2019

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N244e Nascimento, Jieli Brito Neves Escola Recanto do Pequeno Príncipe:estudo de caso em uma escola montessoriana. /. Jieli Brito Neves Nascimento. – 2019. 135 fl.: il. Orientador: Prof. Dr. Josemar da Silva Martins. Dissertação (Mestrado Acadêmico) – Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos – PPGESA, Campus III. Juazeiro-BA: 2019. Inclui Referências. 1. Método montessori. 2. Sistema de pensamento. 3. Currículo. 4. Cotidiano escolar. I. Martins, Josemar da Silva. II.Universidade do Estado da Bahia. III. Departamento de Ciências Humanas. IV. Título.

CDD: 372

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JIELI BRITO NEVES NASCIMENTO

ESCOLA RECANTO DO PEQUENO PRÍNCIPE – ESTUDO DE CASO EM UMA ESCOLA MONTESSORIANA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos (PPGESA), do Departamento de Ciências Humanas do Campus III da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos.

Linha de Pesquisa: Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido

Aprovado em:____/___/_____

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________

Prof. Dr. Josemar da Silva Martins

Orientador/UNEB

____________________________________________

Prof. Dr. Josenilton Nunes Vieira

Membro Interno/UNEB

______________________________________________

Prof. Dr. Marcelo Silva de Souza Ribeiro

Membro Externo/UNIVASF

______________________________________________

Prof. Dr. José Roberto Gomes Rodrigues

Suplente Interno/UNEB

______________________________________________

Profª. Drª. Elzenita Falcão de Abreu

Suplente Externo/UNIVASF

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Dedico à minha mãe. Dedico também a todas as crianças!

Dedico àqueles que me fazem olhar a criança com todos os meus sentidos: Meus filhos, João Miguel e Ana Gabriela.

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Agradecimentos

De início, agradeço Àquele que é a minha Paz...

“Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele

eternamente. Amém” (Romanos, 11:36)

Agradeço à Escola Recanto do Pequeno Príncipe na pessoa da Professora

Oscarlina Tanuri, que em todo o tempo manteve as portas de sua escola abertas a

me receber. Assim, também agradeço a cada professora dessa escola e às suas

coordenadoras Marnúbia e Tereza que sempre me ajudaram no desenrolar dessa

pesquisa. Agradeço à secretária Regina que nos últimos momentos me passou

informações muito importantes! Agradeço a cada pai que dispendeu do seu tempo

para participar e incentivar seus filhos a participar também. Agradeço a cada criança

participante direta ou indiretamente, sem elas não faria sentido o meu pesquisar!

Agradeço a todos os meus companheiros da UNEB, técnicos, professores, alunos...

colegas. Obrigada por cada um que me incentivou e propiciou a minha permanência

no mestrado. Aqui são muitos os nomes... são muitos os rostos que me vem à

mente, pedindo para não esquecer agradeço a Profª Drª Márcia Guena e ao Prof. Dr.

Edmerson Reis que, com muito carinho sempre apoiaram os meus projetos e

intentos. Agradeço aos colegas... Lucélia (In memoriam), Dinalva, Cleide, Rose,

Scarlet, Elenice, Elio, Marlúcia e em nome deles todos os técnicos da UNEB que

sempre me abraçaram como família! Agradeço aos carinhosos e dedicados

professores do DCH III na pessoa da Profª Drª Edonilce Barros que iluminaram

meus conhecimentos, mas também foram presentes em seus abraços!

Aos amigos construídos nessa caminhada do mestrado, o meu carinho e o meu

pedido de desculpas por me ausentar das redes sociais (risos)... mas a mim foi

necessário... grata pela riqueza da amizade de cada um. Obrigada por me ouvirem

compartilhar tantas e tantas vezes sobre Montessori (risos).

A Elenice e Mara...amigas para a eternidade! Vocês são mais que preciosas! A

Isaías por topar as parcerias que eu propunha... e dizer sempre “massa”!

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Ao meu orientador Prof. Dr. Josemar Martins... Pinzoh para todos nós, meu muito

obrigada por ser sempre acessível e gentil. Por confiar na minha escrita, confiança

que eu espero atender.

E enchendo ainda mais o peito para agradecer, agradeço à minha família! À minha

mãe, Edilene, que ao orar por mim todos os dias me fortaleceu o espírito para

chegar até aqui. À minha sogra, Rose, que me ajudou nesse período a não perder a

cabeça me ajudando a cuidar da casa e dos meus filhos. Ao meu esposo, Roger,

que me ouvia e alentava quando apoiados no travesseiro compartilhava minhas

aflições desses dias. Aos meus filhos, João Miguel e Ana Gabriela, que sem saber

me faziam refletir do porquê, para que e como trilhar este caminho...

À minha amiga Rê, Renata Passinho, enfermeira dedicada, que ao me apresentar

leituras sobre maternidade propiciou minha descoberta do Método Montessori, a

origem de todo esse trabalho.

Meu abraço, meus sorrisos, meu respirar profundo e leve de agradecimento a cada

um de vocês!

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Dizeis: É cansativo lidar com crianças.

Tendes razão. Depois acrescentais:

porque é necessário colocar-se no seu nível, abaixar-se, inclinar-se, curvar-se, fazer-se

pequenos. Agora estais enganados.

Não é isso o que mais cansa. É o fato de serdes obrigado a elevar-se à altura dos seus

sentimentos. Esticar-se, alongar-se, subir sobre a ponta dos pés.

Para não feri-las.

Janusz Korczak

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa teve como principal objetivo investigar se o currículo montessoriano produz um sistema de pensamento próprio nos sujeitos escolares da Escola Recanto do Pequeno Príncipe, localizada na cidade de Juazeiro-BA, tendo como base a observação da sua prática cotidiana e as marcas da sua Cultura Escolar. A escola, instituição de ensino particular, utiliza o Método Montessori desde a sua fundação há cinquenta anos e está vinculada à Organização Montessori do Brasil. No referencial teórico, três foram as bases: os escritos de Maria Montessori (1965; 1985; 1990; 2003; 2004; 2006; 2015), focando nas suas obras já traduzidas para a língua portuguesa que tratam a respeito da criança em sua totalidade e não somente a respeito de como se deve desenvolver um método de ensino escolar; a análise de Pierre Bourdieu (1989; 1998; 2007) e Bourdieu e Passeron (1992) a respeito do conceito de habitus e do sistema de pensamento, o qual teria a capacidade de moldar os sujeitos; e a perspectiva acerca do currículo escolar apreendida através do cotidiano, tecida por Nilda Alves (2008) e Inês Barbosa de Oliveira e Nilda Alves (2010). A pesquisa caracteriza-se como qualitativa, que explica, analisa e interpreta o fenômeno que se investiga, tendo como metodologia o Estudo de Caso de tipo etnográfico em educação, conforme André (2005). Para a coleta de dados foram utilizadas a entrevista semiestruturada, a observação e diários escritos pelos alunos. As entrevistas partiram de roteiros os quais eram distintos para cada grupo de entrevistados (alunos, professores, pais e demais funcionários escolares). Os diários foram entregues aos alunos para que os mesmos fizessem registros acerca do seu cotidiano escolar. A observação aconteceu de maneira direta, porém sem alterar a programação escolar. Fez-se registro de fotografias e anotações no diário de bordo. Utilizou-se da triangulação para a análise dos dados. O resultado alcançado por meio dessa pesquisa foi descobrir a riqueza do cotidiano escolar em uma escola montessoriana, quando analisada a sua dinâmica, o currículo e os sujeitos. No transcorrer metodológico, o campo de pesquisa foi redirecionando o foco, não mais apenas focado no sistema de pensamento de forma estrita, mas, descortinando novas indagações a respeito do ambiente e dos modos de fazer do Método Montessori no local pesquisado. Nos resultados foram apresentados trechos dos diários dos alunos, trechos do diário de bordo com relatos da observação, bem como trechos das entrevistas. Também foram levantados questionamentos a respeito do que vem a ser uma escola, discussões acerca da Forma Escolar, do papel e do futuro da escola. Traz discussões acerca do modo como se via e de como se vê a infância em nossos dias. Palavras-chave: Método Montessori; Sistema de Pensamento; Currículo; Cotidiano

Escolar

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RESUMEN El presente trabajo de investigación tuvo como principal objetivo investigar si el currículo montessoriano produce un sistema de pensamiento propio en los sujetos escolares de la Escuela Recanto del Pequeño Príncipe, ubicada en la ciudad de Juazeiro-BA, teniendo como base la observación de su práctica cotidiana y las marcas de su Cultura Escolar. La escuela, institución de enseñanza particular, utiliza el Método Montessori desde su fundación hace cincuenta años y está vinculada a la Organización Montessori de Brasil. El marco teórico, había tres bases: los escritos de María Montessori (1965; 1985; 1990; 2003; 2004; 2006; 2015), centrándose en sus obras ya han sido traducidos al portugués de negociación sobre el niño en su totalidad y no sólo acerca de cómo se debe desarrollar un método de enseñanza escolar; el análisis de Pierre Bourdieu (1989, 1998, 2007) y Bourdieu y Passeron (1992) acerca del concepto de habitus y del sistema de pensamiento, el cual tendría la capacidad de moldear a los sujetos; y la perspectiva sobre el currículo escolar incautada a través de la vida cotidiana, tejida por Nilda Alves (2008) e Inés Barbosa de Oliveira y Nilda Alves (2010). La investigación se caracteriza como cualitativa, que explica, analiza e interpreta el fenómeno que se investiga, teniendo como metodología el Estudio de Caso de tipo etnográfico en educación, según André (2005). Para la recolección de datos se utilizó la entrevista semiestructurada, la observación y diarios escritos por los alumnos. Las entrevistas partieron de guiones que eran distintos para cada grupo de entrevistados (alumnos, profesores, padres y demás funcionarios escolares). Los diarios fueron entregados a los alumnos para que los mismos hicieran registros acerca de su cotidiano escolar. La observación ocurrió de manera directa, pero sin alterar la programación escolar. Se hizo registro de fotografías y anotaciones en el diario de a bordo. Se utilizó la triangulación para el análisis de los datos. El resultado obtenido a través de esta investigación fue descubrir la riqueza del cotidiano escolar en una escuela montessoriana, cuando analizada su dinámica, el currículo y los sujetos. En el transcurso metodológico, el campo de investigación fue redirigiendo el foco, no sólo enfocado en el sistema de pensamiento de forma estricta, pero, desentrañando nuevas indagaciones acerca del ambiente y de los modos de hacer del Método Montessori en el local investigado. En los resultados se presentaron extractos de los diarios de los alumnos, extractos del diario de a bordo con relatos de la observación, así como extractos de las entrevistas. También se plantearon interrogantes acerca de lo que viene a ser una escuela, discusiones acerca de la Forma Escolar, del papel y del futuro de la escuela. Trae discusiones acerca de cómo se veía y de cómo se ve la infancia en nuestros días. Palabras clave: Método Montessori; Sistema de Pensamiento; Currículo; Cotidiano

Escolar

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Lista de ilustrações

Figura 01 – Maria Montessori com criança utilizando os Encaixes Metálicos...pág.

26

Figura 02 – Mapa da Bahia com destaque para o Território de Identidade Sertão do

São Francisco.....................................................................................................pág. 54

Figura 03 – Estantes com materiais montessorianos em uma sala de aula......pág.

70

Figura 04 – Pauta de aula em um agrupamento de crianças de cinco anos.....pág.

71

Figura 05 – Miniatura de uma sala montessoriana exposta no corredor da

escola............................................................................................................ .....pág. 72

Figura 06 – Lado externo da sala de aula da turma de 5º ano.........................pág. 76

Figura 07 – Lado interno da sala de aula da turma de 5º ano..........................pág. 77

Figura 08 – Crianças em escada na turma do NIDO (01 ano de idade)...........pág. 80

Figura 09 – Mesa com fruteira na turma do NIDO (01 ano de idade)...............pág. 80

Figura 10 – Criança utiliza material de encaixe com peças pequenas..............pág.81

Figura 11 – Crianças utilizando copo de vidro no momento do lanche.............pág. 84

Figura 12 – Estante de Vida Prática com jarras e potes de vidro......................pág. 84

Figura 13 – Criança utiliza material escolhido por ela........................................pág.

87

Figura 14 - Criança busca na estante material a ser utilizado por

ela......................................................................................................................pág. 87

Figura 15 – Diário da Aluna M. V. (10 anos).....................................................pág. 89

Figura 16 – Diário da Aluna M. V. (10 anos).....................................................pág. 89

Figura 17 – Diário do Aluno C. H. (11 anos)......................................................pág. 90

Figura 18 - Criança no pátio da escola..............................................................pág. 99

Figura 19 – Diagrama da reflexividade............................................................pág. 109

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Lista de quadros

Quadro 1 – Características Essenciais de uma Escola Montessori.................pág. 71

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Lista de abreviaturas e siglas

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

ECUSS Grupo de Estudo dos modos contemporâneos de existência em Educação, Cultura, Subjetividade e Sustentabilidade

ERPP Escola Recanto do Pequeno Príncipe

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

OMB Organização Montessori do Brasil

PPGESA Programa de Pós-graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos

PROEX Pró-Reitoria de Extensão

SEDUR Secretaria de Desenvolvimento Urbano

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNEB Universidade do Estado da Bahia

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 15 2 OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS 23 2.1 CONHECENDO O MÉTODO MONTESSORI, O CONDUTOR DE

NOSSOS PASSOS NESSA PESQUISA 23

2.1.1 O pensamento de Montessori no contexto das ideias pedagógicas da Escola Nova

23

2.1.2 A obra de Maria Montessori 26 2.2 APROPRIAÇÕES NA OBRA DE BOURDIEU PARA DISCUTIR O

MÉTODO MONTESSORI À LUZ DOS CONCEITOS DE HABITUS E SISTEMA DE PENSAMENTO

33

2.3 CURRÍCULO E CULTURA ESCOLAR SENTIDOS ATRAVÉS DO COTIDIANO

40

3 METODOLOGIA 46 3.1 ESTUDO DE CASO DE TIPO ETNOGRÁFICO EM EDUCAÇÃO 49 3.2 A OBSERVAÇÃO E AS ENTREVISTAS: INSTRUMENTOS PARA

A OBTENÇÃO DOS DADOS 51

3.3 O LÓCUS DO ESTUDO E OS SEUS SUJEITOS (ou O ESPAÇOTEMPO E OS PRATICANTES DESSE COTIDIANO

54

3.4 UMA METODOLOGIA EM BUSCA DA ESSÊNCIA 57 3.5 A PRÁTICA DA PESQUISA 58 4 RESULTADOS 60

4.1 O COTIDIANO E O CURRÍCULO DA ESCOLA RECANTO DO PEQUENO PRÍNCIPE

60

4.1.1 O cotidiano 60

4.1.2 O currículo e as práticas pedagógicas na ERPP 68

4.2 AS OBSERVAÇÕES, OS DIÁRIOS E AS ENTREVISTAS: OUTRAS LENTES PARA VER O MESMO OBJETO

75

4.2.1 As observações 75 4.2.2 Os diários 88 4.2.3 As entrevistas 91 4.3 A APREEENSÃO DO COTIDIANO ESCOLAR ATRAVÉS DE

CATEGORIAS DE ANÁLISE 93

4.4 O QUE VEM A SER UMA ESCOLA? O QUE ESTAMOS BUSCANDO AFINAL? DA TEORIA À REALIDADE

97

4.5 O QUE VEM A SER A INFÂNCIA? E SE AINDA É PRECISO PENSAR SOBRE ELA

103

4.6 A CEREJA DO BOLO! A RESPOSTA A NOSSA QUESTÃO DE PESQUISA

106

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 115 6 REFERÊNCIAS 124 7 APÊNDICE 129 8 ANEXOS 135

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“A criança é um descobridor: um homem que nasce de uma nebulosa, como um ser indefinido e maravilhoso, que busca sua

própria forma.”

A Criança – Maria Montessori

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1 INTRODUÇÃO

Devido ao estilo de vida que se instaurou após as Revoluções Industriais com a

inserção da mulher no mercado de trabalho, antes pré-determinada pela sociedade

a cuidar da casa e dos filhos, a educação das crianças foi legada a terceiros, como

os avós, cuidadores domésticos ou grupais nas chamadas creches. De lá para cá,

em nossa sociedade cada vez mais presa ao ter, faltam horas no dia para dar conta

do trabalho, que traz não somente o sustento primário, mas também mantém todos

os mimos que o capital pode oferecer. Assim, faltam horas também para o cuidado

com as crianças e estas tem encontrado seu reduto nas escolas de Educação

Infantil.

O conceito de Educação Infantil – em paralelo ao das creches, das quais só se

requer cuidados elementares de alimentação e higiene – tem sido trabalhado por

teóricos ao longo dos anos e em várias partes do mundo, de Froebel a Rubem

Alves, os quais trazem abordagens psicológicas, sociológicas e mesmo filosóficas

para esta etapa, que não é apenas e tão somente de ensino, mas de educação, que

vai muito além de transmissão de conhecimentos, mas, abrange todas as áreas da

vida.

Considerando, portanto, esse quadro social da primeira infância, de crianças que

precisam de cuidadores, e, indo além da discussão se o correto seriam crianças da

mais tenra idade ficarem com seus pais em casa ou não, utilizemos um aspecto da

realidade contemporânea para análise: bebês que, a partir do fim da licença

maternidade de suas mães, necessitam de um lugar para ficarem e, quer esses

espaços sejam chamados de creche, escola ou hotelzinho, eles trabalham com

ferramentas educacionais de forma intencional (alfabetizando, por exemplo) ou não

intencional (ao cantarem cantigas ou promoverem jogos, por exemplo).

E, chegando tão cedo ao ambiente escolar, podemos considerar como instigadora

de discussão a declaração de Montessori (1990) de que a criança estaria condenada

a uma prisão [escola] da qual só se libertaria quando sua infância terminasse. Como

amenizar o impacto psicológico destas crianças ou como reverter esta situação em

um momento de grande aprendizagem, não de números e letras vazias de

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significado, mas, de uma aprendizagem da vida, da vida prática, como a própria

Montessori preconizou? A esta pergunta o currículo montessoriano nos parece

responder.

Educando para a vida, educar-se-ia para a natureza, para o conviver com o outro e

com o seu lugar. Educando para a vida prática desprender-se-ia das hegemonias

educacionais engessadas e padronizadas e abrir-se-ia espaço para a

contextualização com o meio em que se vive e se faz história. Estes são os

parâmetros do currículo montessoriano, que está distribuído em seis categorias do

conhecimento: Ciências, Geografia e História, Linguagem, Sensorial e Vida prática.

Deste modo, uma escola que se proponha educar para a vida teria o poder de

formar no indivíduo traços de personalidade e de conhecimento que lhe seriam

companheiros por toda a sua vida. A esse conjunto de normas e práticas denomina-

se Cultura Escolar que, segundo Dominique Julia (2001), permitirá a transmissão de

conhecimentos e a incorporação de comportamentos. A Cultura Escolar teria então

esse poder de moldar os indivíduos e ser moldada por eles.

O currículo de uma escola que busque romper com a ideia de que a Educação

Infantil é apenas mais uma e a menos importante da trajetória escolar é desafiador.

Considerando que a elaboração de um currículo nunca será desapaixonada de

sentido (GOODSON, 1995), a construção de um currículo adequado às reais

necessidades dessa faixa etária deve ser feita à luz de um profundo conhecimento

acerca da criança, trazendo para o mesmo o respeito que se deve ter por ela.

Todo currículo traz em si marcas e circunstâncias locais, temporais, culturais, sociais

e psicológicas, e estas marcas serão as responsáveis pela formação do sistema de

pensamento dos indivíduos do contexto escolar, os alunos, as crianças. Bourdieu

(2007) traz a afirmação de que os homens formados em uma mesma escola, em um

mesmo contexto, partilharão do mesmo “espírito”, do mesmo sistema de

pensamento e, com base nessa afirmação, parti para analisar as implicações da

educação montessoriana na formação de um sistema de pensamento.

Minha proposta inicial era analisar o sistema de pensamento em crianças que

haviam estudado todos os anos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I na

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Escola Recanto do Pequeno Príncipe (ERPP) – que é uma escola montessoriana –

comparando-o com o sistema de pensamento de crianças que ingressaram na

escola há no máximo dois anos. Mas, durante o transcorrer da pesquisa deparei-me

com alguns desafios, mas também com alguns redirecionamentos que me fizeram

ampliar o objeto de análise. A comparação não foi feita, tanto pelo universo de

participantes ser composto por uma maioria de alunos veteranos, quanto pelo fato

de compreendermos que a riqueza da pesquisa estava não em comparar, mas, em

descrever como se dá o Método Montessori na ERPP, utilizando-se para isso dos

conceitos de Cultura Escolar, Cotidiano Escolar, Forma Escolar, Noção de Membro e

do Sistema de Pensamento.

Estruturei a escrita deste trabalho da seguinte maneira: este primeiro capítulo

introdutório; um segundo capítulo no qual são apresentados os fundamentos

teóricos da pesquisa, desdobrando-os em três principais objetos, o Método

Montessori cuja principal teórica é a idealizadora do método, Maria Montessori

(1990; 2003; 2004; 2006; 2015), os conceitos de Sistema de Pensamento e habitus

cujo principal teórico é Pierre Bourdieu (1989; 1998; 2007) e um terceiro enfoque

mais difuso sobre currículo, Cultura Escolar e Cotidiano Escolar, trazendo autores

como Dominique Julia (2001) para discutir Cultura Escolar, e Inês Barbosa de

Oliveira e Nilda Alves (2010) com os temas relacionados ao cotidiano escolar e

currículo.

Um terceiro capítulo no qual apresenta-se a metodologia detalhando-a em seus

métodos de abordagem e de procedimento. O quarto capítulo no qual apresento os

resultados da pesquisa, traz os elementos utilizados para a análise, fotografias da

escola, trechos dos diários dos alunos e trechos das entrevistas. Assim, realizando

uma triangulação dos dados foram tecidas as considerações a respeito de como se

dá o Método Montessori na ERPP, sob a luz da etnometodologia. O quinto capítulo é

dedicado às considerações finais, nas quais foram propostas também reflexões

acerca do modelo de escola que temos e o modelo de escola que gostaríamos de

ter.

O objetivo primário nessa pesquisa foi investigar se o currículo montessoriano

produz um sistema de pensamento próprio nos sujeitos escolares. Os objetivos

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secundários foram estudar o currículo montessoriano e o conceito de sistema de

pensamento; Analisar como se dá a aplicação do currículo montessoriano na Escola

Recanto do Pequeno Príncipe (ERPP), localizada na cidade de Juazeiro-BA;

Perceber se a aplicação do currículo montessoriano implica na apropriação de

sistema de pensamento por parte dos sujeitos escolares (alunos, professores e

demais funcionários).

A motivação para essa pesquisa nasceu inicialmente no âmbito familiar, quando, ao

realizar leituras relacionadas à maternidade, descobri o Método Montessori. A

princípio interessei-me pelos aspectos mais populares do método, como o quarto

montessoriano, mas, posteriormente, encantei-me com a filosofia que constitui o

método, de propor outra forma de olhar a criança. A partir disso, direcionei o que era

restrito ao lar para o âmbito profissional.

Vi no edital de apoio a realização de eventos, promovido pela Pró-Reitoria de

Extensão (PROEX) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a possibilidade de,

ainda como técnica universitária, trazer o Curso de Introdução ao Método Montessori

para o Departamento de Ciências Humanas do Campus III da UNEB, pois, assim

não somente eu poderia conhecer mais sobre o método, mas, oportunizaria a outras

pessoas conhecê-lo também, o que sempre considerei fundamental.

Assim, estruturei um projeto de extensão intitulado Conhecer para Propagar –

Método Montessori, que propiciou a oferta do referido curso e, no ano seguinte, em

parceria com o Grupo de Pesquisa Estudo dos Modos Contemporâneos de

Existência em Educação, Cultura, Sustentabilidade e Subjetividade (ECUSS), já

como discente do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação, Cultura e

Territórios Semiáridos (PPGESA), realizamos o I Seminário de Escolas

Diferenciadas e Educação Inclusiva. O seminário também contou com

participação de público interno e externo à universidade e, dentre outros enfoques,

trouxe o Método Montessori como um de seus eixos.

Desse modo, estudar, pesquisar, compreender e difundir o Método Montessori

passou a ser o mote do meu percurso acadêmico e profissional e, por que não dizer,

pessoal.

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Considerando o Método Montessori uma abordagem que pode potencializar a

educação praticada nas escolas públicas ou particulares, e considerando o aparente

desconhecimento ou a superficialidade desse conhecimento acerca do método por

parte de muitos educadores, desenvolver pesquisa acerca do mesmo é, no mínimo,

instigador de novas possibilidades na educação e no olhar acerca da criança.

No que se refere ao que vem sendo escrito acerca do método realizei levantamento

no banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal

de Nível Superior (CAPES), sendo encontrados 64 resultados para a chave de busca

Montessori. Neste número encontram-se 10 teses de doutorado, 48 dissertações de

mestrado, 04 trabalhos em mestrado profissional e 02 em cursos profissionalizantes.

Esse levantamento refere-se ao período de 1990 a 2016, sendo que 33 destes

trabalhos concentraram-se nos anos de 2009, 2011, 2013, 2014 e 2016.

As instituições com quantidade mais expressiva de trabalhos são a Universidade de

São Paulo, com seis; a Universidade Federal de Santa Catarina, com cinco; a

Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Federal do Rio Grande do

Sul, ambas com quatro trabalhos. A Universidade do Estado da Bahia não

apresentou até o momento nenhum trabalho na pós-graduação que fizesse

referência à Montessori, sendo esta, portanto, uma pesquisa pioneira na instituição.

No portal de periódicos da CAPES foram encontrados 25 artigos para a chave de

busca Montessori, no entanto, a maior parte dos trabalhos aborda questões de

saúde, ou muito especificamente a aprendizagem matemática, ou casos de escolas

com o nome Montessori ou outras temáticas não necessariamente dentro da

proposta deste projeto. Ressalte-se que, em ambas as pesquisas, se utilizou chave

de busca para trabalhos em português considerando, no entanto, que a quantidade

de trabalhos que fazem referência a Montessori em outras línguas é bem mais

expressiva, com destaque para o inglês.

Dentre os trabalhos encontrados através da chave de busca destacam-se alguns por

trazerem abordagens mais próximas à proposta desse trabalho, de aprofundar-se no

método. Foi dado destaque para as palavras chave em cada trabalho. Nas

dissertações, por exemplo, fazendo companhia às palavras Maria Montessori,

Montessori ou Método Montessoriano foram encontradas palavras como Espaço

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Educador Sustentável (SILVA, 2014), Currículo (MORAES, 2009), Ambientes

Educativos (MORAES, 2009), Prática Pedagógica (NUNES, 2011), Ensino de

Conceitos (ALBUQUERQUE, 2016) e Desenvolvimento dos Escolares (BATISTA,

2011).

Nas discussões são feitas relações entre o Método Montessori e as proposições

feitas por outros teóricos como Freinet (NUNES, 2011), Dewey e Anísio Teixeira

(SILVA, 2014). Em sua maioria trazem uma descrição do movimento Escola Nova do

qual Montessori faz parte. Encontram-se comparativos entre o método e o ensino

em escolas tradicionais. Há também o destaque para o conceito de Educação

Cósmica (SILVA, 2014) abordado por Montessori.

Entre as teses que abordam o tema há as que trazem relação com a Pedagogia

Waldorf (SANTOS, 2015) e especificidades sobre a arquitetura escolar (ALVARES,

2016). Tanto entre as dissertações quanto entre as teses há trabalhos que trazem

apenas uma menção superficial ao Método Montessori ou ainda somente à Maria

Montessori sem aprofundamento (CLARO, 2015; NAWROSKI, 2010; COUTINHO,

2008; GOMES, 2011), refletindo assim um número muito reduzido de trabalhos

acadêmicos especificamente acerca do Método Montessori no Brasil.

Em buscas realizadas no banco de periódicos da CAPES também foram

encontrados artigos que versavam acerca do método com enfoques como, por

exemplo, o papel da professora1, da figura feminina no método (AVANZINI, 2010;

ARCE, 2001), o conceito de Criança Nova2 (ARAÚJO, Alberto; AVANZINI,

Alessandra; ARAÚJO, Joaquim, 2005), e reflexões acerca do que seria essa “utopia

científica”. Há também discussões sobre a diferença entre a subserviência e a

audiência da criança no método (SANTOS, 1991) ou ainda sobre a atividade da

criança versus a passividade do adulto (ARAÚJO, Alberto; AVANZINI, Alessandra;

ARAÚJO, Joaquim, 2005).

1 Aqui o termo é exclusivamente feminino, propositalmente, visto que Montessori dá à figura

da mulher-professora-mãe, a mestra, um status especial e um papel muito preciso no cuidado com as crianças. Sabendo-se, porém, que não há restrições para que homens exerçam a docência no método. 2 “A ideia de Criança Nova em Maria Montessori (1870-1952) resulta da confluência de duas perspectivas, a da pedagogia que se pretende afirmar como ciência e a do humanismo cristão.” (p. 1).

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Fora do âmbito acadêmico, o Método Montessori tem ganhado repercussão na mídia

por alguns aspectos específicos, como o que se convencionou chamar de quarto

montessoriano. O quarto montessoriano é uma adaptação dos conceitos do método

à questões de decoração e arquitetura como deixar tudo acessível à criança sem

uso de berço e armários no alto, por exemplo. Além desse aspecto há comunidades

em redes sociais, sites e blogs que tratam do tema com enfoque na família, o que

também foi abordado por Montessori visto que o método dela propõe um

acompanhamento integral da criança no qual a família está totalmente envolvida,

pois o adulto preparado não se encerra no professor preparado, mas nos pais

preparados e todo e qualquer adulto que conviva com crianças.

O site larmontessori.com, de autoria de Gabriel Merched Salomão, por exemplo, traz

textos reflexivos sobre Montessori na família, bem como propõe curso introdutório ao

método. Há também a Escola Maria, site associado a este que apresenta formação

em Montessori para interessados da área de educação.

Já no âmbito da educação básica o Método Montessori é difundido no Brasil

principalmente na rede particular de ensino. A Associação Montessori do Brasil

(OMB) realiza congresso anual, além de apoio permanente às escolas vinculadas.

Possui 53 escolas associadas em todo o Brasil, destas, 14 estão no Nordeste, sendo

que somente a Bahia possui 08 escolas, estando entre estas a escola pesquisada.

A inserção do Método Montessori nas universidades brasileiras, como pode ser

observado pela quantidade de trabalhos versando acerca do tema, ainda é muito

tímida, o que pode refletir, por exemplo, a não difusão do método nos cursos de

Pedagogia ou Licenciaturas. Essa situação inclusive é passível de novas pesquisas.

Considerando a trajetória do Método Montessori no Brasil, temos notórios avanços

através das décadas. Já em 1909, apenas três anos após o início da primeira Casa

dei Bambini, o Brasil recebia através de Joana Falce Scarco, recém chegada da

Itália, o conhecimento acerca do Método Montessori em sua escola sediada no

Paraná. Anos depois, em 1924, o médico Miguel Calmon conseguiu a autorização

para traduzir a “Pedagogia Científica” na Bahia, uma iniciativa que ajudaria a difundir

o método no Brasil.

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A partir de então buscou-se a difusão do método tanto em escolas públicas quanto

particulares e em 1950 teve início a Associação Montessori do Brasil - AMB. Em

1956 foi criado em São Paulo o primeiro programa de formação de professores do

Sistema Montessori. No ano de 1965, Talita de Almeida, que após realizar o curso

de formação na Itália passou a ministrar cursos no Brasil, impulsionada pelo próprio

Mario M. Montessori, funda a Associação Brasileira de Educação Montessori –

ABEM.

Somente em 1996 a Organização Montessori do Brasil, criada em 1992 durante um

congresso de educadores montessorianos na Bahia, foi reconhecida como

representante do movimento Montessori no país, unificando as escolas que seguem

o método. Fizeram parte das escolas sócio-fundadoras da organização seis escolas

baianas, dentre elas a Escola Recanto do Pequeno Príncipe, objeto deste estudo.

A partir de então a promoção de cursos de formação e eventos foi intensificada

propiciando a difusão do sistema por todo o país. Hoje há três centros de estudos

qualificados para ministrar a formação: um no Rio de Janeiro (Centro de Estudos

Montessori do Rio de janeiro), um em São Paulo (Centro de Estudos de São Paulo)

e outro em Santa Catarina (Centro de Estudos Menino Jesus).

Nos últimos anos, as mídias digitais intensificaram a difusão do Método Montessori

através de blogs, sites e redes sociais. No que tange à vinculação com o que outros

países vêm realizando, o Brasil também tem promovido eventos internacionais,

como encontros latino-americanos, por exemplo, fortalecendo as redes de

relacionamento e de conhecimento dentro do Método Montessori.

Este trabalho, portanto, marca um princípio nos estudos acerca do Método

Montessori na UNEB, bem como traz um esboço acerca da discussão dos modelos

e formas escolares diferenciadas.

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2. OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS

Jamais me pediu que acompanhasse o caminho que o coelhinho fazia para comer a cenourinha nem me deu flor para colorir.

Bartolomeu Campos de Queirós

2.1 CONHECENDO O MÉTODO MONTESSORI, O CONDUTOR DE NOSSOS

PASSOS NESSA PESQUISA

No intuito de apresentar o Método Montessori, opto por um percurso que se inicia

histórico e posteriormente teórico. De início, demarco o Método Montessori no

contexto do movimento da Escola Nova, em seguida esboço acerca de algumas das

suas principais obras.

2.1.1 O pensamento de Montessori no contexto das ideias pedagógicas da Escola

Nova

No final do século XIX temos o surgimento da Escola Nova, movimento que

deflagrou um novo modo de conceber a educação escolar. Como descreve Nawroski

(2010, p. 57) “A propagação da Escola Nova trouxe grandes reflexos para a

educação do mundo inteiro, pois ela conseguiu demonstrar a insatisfação e

ineficiência da Escola Tradicional, proporcionando um olhar ampliado sobre os

horizontes da educação”.

O aluno como centro foi a principal característica do movimento. E cada um dos

educadores que dele fizeram parte acrescentaram suas especificidades que deram

forma à Escola Nova (Nawroski, 2010). A educação por projetos, a elaboração de

materiais, a importância dada à observação, ao centro de interesse do aluno e a

valorização do trabalho em equipe constituíram, entre outros aspectos, a educação

que viria a desestabilizar o modelo tradicional.

Almejando romper com o modelo de educação tradicional cujo foco está na

obediência plena e indiscutível à figura do professor, o movimento da Escola Nova

pregava a autonomia e o respeito à individualidade do aluno, desconsiderando o

mestre como único detentor do conhecimento.

Entretanto, essas novas concepções não foram bem assimiladas por todos. A

Escola Nova recebeu muitas críticas:

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Resta lembrar outros riscos dessa proposta: se a escola tradicional era magistrocêntrica, por valorizar demais o papel do professor, o escolanovismo minimizava esse papel – quase nulo nas formas mais radicais do não-diretivismo -, para tender ao puerilismo (ou pedocentrismo), que supervalorizava a criança; a preocupação excessiva com o psicológico intensificava o individualismo; a oposição ao autoritarismo da escola tradicional resultava em ausência de disciplina; a ênfase no processo descuidava da transmissão do conteúdo (ARANHA, 2006, p. 265 - grifos nossos).

A despeito da definição dada por Aranha, ainda que em seu texto se reconheça

também o valor da herança da Escola Nova, destaque-se a alegação de que nessa

linha pedagógica - e nela estão inclusos os pensamentos de Montessori – há

ausência de disciplina e descuido da transmissão de conteúdo.

Essas duas afirmações renderiam muitas explanações pois no que diz respeito a

Montessori a disciplina é uma constante, e associada à autonomia engrenam a

essência do método. Já com relação à transmissão de conteúdo, se considerarmos

a transmissão ao pé da letra realmente não há no método, no entanto, isso não

impossibilita a construção do conhecimento que vai além da recepção de

informações encerradas em um conteúdo pré-determinado.

Mas, infelizmente, a corrente escolanovista prevaleceu para muitos da sua época e

também posteriormente, como uma ilusão, um excesso de otimismo na escola, na

criança, e em um futuro melhor, o que seria criticado pelos teóricos que viam a

escola como mera reprodutora da sociedade cruel e antidemocrática, a exemplo do

próprio Pierre Bourdieu escrevendo acerca da reprodução e do habitus.

A educação pela ação e não pela instrução preconizada pelos escolanovistas

mantém o paradoxo do não ensinar, mas, fazer aprender. O que não seria suficiente

para a visão crítica da escola, que entende o professor como agente principal para a

libertação e não manutenção do status quo. “O papel do educador é intervir,

posicionar-se, mostrar um caminho, e não se omitir. A omissão é também uma forma

de intervenção” (GADOTTI, 2001, p.148).

Daí pode-se compreender o porquê do descrédito que a linha de pensamento

escolanovista e mais especificamente o pensamento de Montessori, mantêm na

academia, esta influenciada pelas teorias críticas da educação e mais diretamente

nos cursos de Pedagogia pela figura de Paulo Freire.

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Não que venhamos aqui negar ou contrapor a reconhecida e renomada obra de

Paulo Freire, mas, considero que um não exclui o outro. Considero possível e

mesmo desejável a associação entre a importância e o respeito que se dá à criança

no Método Montessori e a autonomia freiriana. Como diz Rousseau em O Emílio

(1968, p.80) “observai cuidadosamente vosso aluno antes de lhe dizerdes a primeira

palavra”, assim o educador freiriano ou montessoriano partirão e partilharão do

mesmo princípio, ambos, consideram a criança e de onde ela parte como base para

prosseguir com qualquer outra instrução.

Reduzir a ação do professor sobre o aprendizado do aluno não é necessariamente

uma proposta de omissão, mas uma outra ótica de como pode se dar a relação

aluno – conhecimento – professor. Em uma escola tradicional na qual a sala de aula

possua apenas carteiras, quadro branco e livro didático, propor que um professor

apenas observe o desenvolvimento do aluno é sim um abandono da sua capacidade

intelectual e um lavar de mãos com relação à sua formação política e cultural, visto

que os livros didáticos estão carregados de preconceitos e direcionamentos

classistas, regionais etc.

Porém, em uma proposta de escola que se utilize do Método Montessori, em que o

ambiente é outro, onde há materiais que propiciem seu auto aprendizado e o

estímulo à busca de diversas fontes para a assimilação de conteúdos - com o não

uso do livro didático ou utilizando-o apenas como consulta e não como documento

diretivo da aula - está longe de ser conservadora ou acrítica, apenas dá à criança a

oportunidade de ser vista, ouvida e compreendida. Como vemos abaixo, deve-se

seguir uma sequência de preparação do ambiente, observação e cuidado

Portanto, esqueçamos o papel de carcereiros e tratemos, ao invés disto, de preparar-lhes um ambiente onde possamos, o máximo possível, não cansá-las com nossa vigilância e nossos ensinamentos. É preciso que nos convençamos que quanto mais o ambiente corresponde às necessidades da criança, tanto mais poderá ser limitada a atividade do professor. Contudo, não podemos esquecer de um princípio importante. Dar liberdade à criança não quer dizer que se deva abandoná-la à própria sorte, muito menos, negligenciá-la. (MONTESSORI, s.d. p. 43)

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2.1.2 A obra de Maria Montessori

FIGURA 1 – Maria Montessori com criança utilizando os Encaixes Metálicos Fonte: http://correorecibido.blogspot.com.es/2012/08/maria-montessori-la-

pedagoga.html

Para Maria Montessori a educação deveria ser construída com base na evolução da

criança e não o contrário. A médica e educadora italiana tomou a criança como

cerne da educação e também da humanidade. Para ela a criança traz em si o

segredo da humanidade pura e voltada para a paz e que se perde pelas

interferências do adulto que tenta educá-lo sem compreender o seu momento, o seu

estágio de aprendizagem, o seu período sensível.

Analisou que a forma como vinham sendo educadas as crianças nas escolas era

uma forma arbitrária e quase punitiva “posteriormente, demonstrou que a criança era

vítima da fadiga estudantil, mártir desconhecida, condenada à pena perpetua, pois,

sua infância terminava no momento da conclusão da escola elementar”

(MONTESSORI, 1990, p.7).

A partir dessa mentalidade de que a criança deveria ser tratada de uma forma mais

respeitosa e seguindo critérios científicos para a observação, ensino e avaliação da

aprendizagem é que o Método Montessori foi desenvolvido. Ultrapassa—se assim a

ideia de que se deve ocupar apenas com as mentes já formadas, com a estruturação

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de espaço para os adultos e passa-se a pensar em escolas e ambientes em que a

criança seja o centro.

Assim deve proceder o adulto, procurando esse algo desconhecido que se esconde na alma da criança. É uma tarefa na qual todos devem colaborar, sem diferenças de casta, raça ou nacionalidade, pois trata-se de extrair o elemento indispensável ao progresso moral da humanidade (MONTESSORI, 1990, p.25).

É na infância que se determina a personalidade futura do indivíduo e se as crianças

vão cada vez mais cedo para a escola, esta por sua vez passa a ter um papel ainda

mais importante na formação dos sujeitos. E seguindo a lógica a respeito da escola

elaborada por Maria Montessori, a escola passa a ter um papel ainda maior na

condução da humanidade.

Montessori não intentou criar um método, mas ao tempo que se dedicava a estudar

a criança, o seu método surgiu. Para fins biográficos podemos assim descrever sua

trajetória: mulher à frente do seu tempo que cursou medicina quando essa ainda era

uma função dominada pelo universo masculino; uma vez na medicina enveredou-se

pelos estudos e cuidados com as crianças deficientes, à época chamados de

anormais; com ótimos resultados entre os deficientes Montessori então, busca

demonstrar que seu método poderia trazer bons resultados a qualquer criança

“anormal ou normal”.

Assim, em 1907 Montessori abre a primeira Casa dei Bambini em um bairro popular

de Roma na Itália. A Casa dei Bambini seria posteriormente replicada em diversos

lugares do mundo. A lógica dessa casa das crianças nada mais era do que um lugar

no qual as crianças pudessem ter o que Montessori posteriormente chamaria de

bases para a “normalização” ou equilíbrio da criança entre os quais três elementos

podem ser destacados: o ambiente preparado, o adulto preparado e a

autoeducação.

A preparação do ambiente vinha através da mobília adaptada às dimensões da

criança, não simplesmente transformada em miniatura, mas pensada de maneira a

ser funcional, de maneira a convidar a criança a ser ativa e produtiva. Pequenas

mesas, poltronas, vasos com plantas, cortinas rendadas em pequenas janelas, tudo

o que tornasse aquele ambiente acolhedor e trouxesse dignidade àquelas crianças

que na primeira Casa dei Bambini careciam de tudo em seus lares.

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O ideal de adulto preparado, nesse caso, não é aquele indivíduo que mais cursos

fez ou que viesse a ter mais leituras acerca da criança, educação etc., mas ao

contrário, esse adulto deve despir-se de toda autossuficiência e vestir-se de

humildade para reconhecer na criança o guia. Na primeira experiência da Casa dei

Bambini, a mestra, como assim Montessori a denominava, não tinha instrução

acadêmica alguma, o que foi propício para que não se tentasse aplicar teoria prévia,

mas somente deixar-se conduzir pelas crianças, que, uma vez em um ambiente

preparado, deixariam aflorar suas verdadeiras essências.

Já o princípio da autoeducação também pode ser evidenciado na experiência da

casa. Um exemplo disso é contado por Montessori, quando a casa recebeu a visita

de alguém ilustre da política, mas neste dia a casa estava fechada e a mestra não

se encontrava lá. No entanto, sem demonstrar dificuldade, as crianças que estavam

por perto abriram a casa e prontamente puseram-se a pegar seus materiais e a

trabalhar3 em perfeita ordem para admiração do visitante. E esse é apenas um

exemplo da dinâmica desenvolvida na casa na qual as crianças possuíam

autonomia e ordem ao mesmo tempo.

Montessori, após a experiência da primeira Casa dei Bambini, dedicou-se a

escrever, participar de conferências pelo mundo e treinar interessados para o que

ela entendia ser uma forma de salvar a humanidade4, guiando-se pelo espírito da

criança.

Três dos seus livros são considerados os mais importantes para se compreender o

método: A Criança (MONTESSORI, 1990), Mente Absorvente (MONTESSORI,

1985) e Pedagogia Científica (MONTESSORI, 1965). O livro A Criança traz escritos

3 A expressão “trabalhar” para o Método Montessori traduz a ação da criança ao interagir

com os materiais montessorianos, ou com os materiais da Vida Prática (copos, talheres etc.) ou mesmo ao realizar a escrita. Toda ação deliberada e concentrada da criança é um trabalho e assim deve ser tratado como tal. O trabalho nesse quesito opõe-se ao brincar, que por sua vez não tem uma finalidade pré-estabelecida. A criança, sob sua ótica, sentia mais prazer ao lavar pratos de verdade (trabalhar) do que ao fingir lavar pratos de brinquedo (brincar), isso considerando que a primeira ação fosse voluntária e não obrigatória, fazendo destaque ao sentimento de utilidade despertado na criança com essa ação. 4 A tão obstinada missão montessoriana de “salvar a humanidade” reflete o período histórico no qual Maria Montessori viveu (1870-1952). Tendo atravessado duas guerras mundiais, a busca pela paz lhe era muito cara. Por isso, em todo o tempo depositou sua esperança na renovação dessa humanidade, ora vista como corrompida, na criança.

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acerca da criança de 0 a 6 anos apresentando as potencialidades que esta criança

tem e apontando a responsabilidade que o adulto possui ao não impedir o

desenvolvimento natural da criança, criança esta que segundo Montessori é o “Pai

do Homem”, a semente de toda a humanidade.

O livro Mente Absorvente (MONTESSORI, 1985) é considerado sua obra prima

mesmo sendo uma de suas últimas obras. Nele ela expressa as bases de seu

método e o apresenta como sendo a revolução sem armas que geraria um novo

mundo.

Em Pedagogia Científica (MONTESSORI, 1965) ou a Descoberta da Criança, título

original5, Montessori faz um detalhamento sobre como aplicar o seu método,

explicitando o que viria a compor o seu currículo: A linguagem gráfica; Numeração e

Aritmética; Desenho e Arte representativa; Música e Educação Religiosa. Cada um

desses eixos traz particularidades relativas ao método diferenciando-os da educação

convencional.

Mas além dessas três obras, dentre as suas obras traduzidas para o português,

encontramos o pensamento de Montessori descrito em outros dos seus livros como:

Para Educar o Potencial Humano (MONTESSORI, 2003); Da Infância à

Adolescência (MONTESSORI, 2006); Educação para um novo mundo

(MONTESSORI, 2015) e A Educação e a Paz (MONTESSORI, 2004).

Em Para Educar o Potencial Humano, Montessori esboça o que ela denomina de as

cinco grandes lições consideradas importantes para serem apresentadas às

crianças a partir dos seis anos utilizando-se da imaginação, a qual é diferente da

fantasia no método. A citação a seguir nos revela a lógica que há por traz dessa

diferenciação entre fantasia e imaginação:

5 Em 1909 Maria Montessori publicou o livro Pedagogia Científica como sendo o primeiro manual de sua obra, porém ao longo dos anos foi editando essa obra e quarenta anos depois o publica já bastante modificado alterando-lhe inclusive o título para A Descoberta da Criança, por considerar-lhe mais apropriado. Essa alteração do título na tradução brasileira, no entanto não ocorreu. Somente recentemente no ano de 2017 lançou-se no Brasil edição com o último nome legado à obra.

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Assim como adultos encontram prazer em teatro dramático e literatura, esses contos de duendes e monstros dão prazer e movimentam a imaginação da criança, mas eles não têm qualquer conexão com a vida real.

Por outro lado, oferecendo à criança a história do universo, nós lhe damos algo cerca de mil vezes mais infinito e misterioso, para que seja reconstruído com sua imaginação – um drama que nenhuma fábula pode revelar (MONTESSORI, 2003, p. 21)6.

Em sequência a essa lógica o livro Da Infância à Adolescência apresenta mais

algumas lições que Montessori considera importante para a faixa etária dos 7 aos 12

anos. Dentre essas lições que vão da moral à química orgânica demonstra-se que

se deve apresentar à criança a relação entre as coisas e não meros eventos

isolados, numa perfeita contextualização. “Eis, então, um princípio essencial da

educação: ensinar os detalhes é oferecer confusão; estabelecer a relação entre as

coisas é oferecer o conhecimento” (MONTESSORI, 2006, p. 108).

Nessa obra Montessori dá ênfase à importância do convívio social que a criança

nessa faixa etária deve ter, valorizando a vivência mais que o estudo dizendo que

“estudar, não é viver, e viver, é precisamente o que é indispensável para poder

estudar”. (MONTESSORI, 2006, p. 162). Essa definição não nos é estranha pois a

contextualização e o tornar a educação mais próxima da realidade do aluno tem sido

um tema muito trabalhado nos últimos anos, no entanto, a prática desse discurso

ainda precisa ser intensificada. Assim se poderá vencer a realidade a tanto descrita

por Montessori e que ainda nos é corriqueira pois, “A escola deve significar algo

mais do que um lugar de instrução, onde um ensina para muitos, com sofrimento

para ambos os lados – a condução de um esforço com um mínimo de sucesso.”

(MONTESSORI, 2003, p. 115).

Em toda a obra de Montessori alguns temas são recorrentes e extensamente

trabalhados como a disciplina e a autonomia que embora pareçam antagônicos são

apresentados por ela como complementares. Assim, “para obter disciplina, ofereça

liberdade” (MONTESSORI, 2015, p. 100) nos soa como tarefa difícil, mas é uma das

bases do método. Devemos considerar de antemão, portanto que o conceito de

6 Nesta citação Montessori não desqualifica as artes ou a literatura ficcional, por exemplo,

mas oferece um campo mais rico que o da fantasia para o desenvolvimento da imaginação durante a primeira infância. Em outras palavras significaria oferecer o real para fazer surgir o inimaginável.

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disciplina em Montessori passa longe do de autoritarismo, equívoco aliás cometido

pelos que conhecem o método apenas superficialmente e o julgam limitador.

Certamente que somos contra os programas de doutrinação que fazem do homem um escravo. Mas isso não significa, necessariamente, que sejamos contra a ordem e a disciplina que são as verdadeiras leis do gênero humano. Falo em nome de meu mestre, a criança (MONTESSORI, 2004, p.132).

Assim, Montessori defende que os sentidos de ordem e de disciplina já nascem com

a criança, e o adulto deve prover em seu ambiente essa ordem para que ela

transpareça no exterior e também no interior.

Buscando então sintetizar a essência do Método Montessori pode-se dizer que é um

equilíbrio entre a liberdade da criança e ação consciente do adulto. O método

apresenta uma forma diferente de ver a criança, uma forma não permissiva, mas

que também não é autoritária. Nada mais importante para esta fórmula então que o

espírito de observador que esse adulto deve ter. Pois para prover as condições

necessárias para que essa criança desenvolva seu potencial, o adulto deve observá-

lo.

Desse modo, tão importante quanto a criança montessoriana é o adulto

montessoriano. O adulto deve ficar atento a quais são os interesses da criança

Nas escolas tradicionais, damos-lhes tarefas que não lhes interessam, porque são muito fáceis. Devemos estudar e descobrir os limites de dificuldade da criança e descobrir o nível de dificuldade que melhor mantém seu interesse (MONTESSORI, 2004, p.105).

Isso justifica o modo como se dá uma aula montessoriana, na qual o aluno segue

realizando as atividades de seu interesse naquele momento e não uma atividade

solicitada pelo professor a todo um grupo.

A possibilidade de escolher suas próprias atividades a ajuda também a reforçar comportamentos que habitualmente pensamos não serem característicos da criança, o sentido de autonomia e de iniciativa, por exemplo (MONTESSORI, 2004, p.107).

Outro tema que permeia toda a obra de Montessori é o trabalho. O trabalho é tido

como essencial à vida, mesmo a vida infantil. É muitas vezes mal compreendido a

aplicação desse termo às crianças, mas no método ele ganha uma dimensão muito

profunda e edificadora. Dar à criança oportunidade de agir sempre no plano real,

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varrendo uma sala, por exemplo, ao invés de fingir que varre com vassoura de

brinquedo, lhe proporcionará um maior prazer, uma maior autonomia e um melhor

envolvimento com o seu meio social, por exemplo.

Assim, aos que desconhecem ou principiam em conhecer o Método Montessori se

poderia apresentá-lo sinteticamente da seguinte maneira

Uma vez que algum interesse era despertado, elas repetiam o exercício em torno desse interesse, e passavam de uma concentração à outra. Quando a criança atingiu o estágio de ser capaz de se concentrar e trabalhar em torno de um interesse, os defeitos desaparecem; o desorganizado se torna organizado, o passivo, ativo; e o bagunceiro, um ajudante; então os defeitos são revelados como não reais, mas como características adquiridas. Então, nosso conselho às mães é oferecer às crianças trabalho em ocupações interessantes, e jamais interrompê-las em quaisquer ações que tenham iniciado. Doçura, severidade, medicação não ajudam efetivamente. Nós não somos paternalistas com a criança que incomoda, nem a chamamos de estúpida; isso não fará nenhum bem quando o que ela precisa é de alimento mental. O ser humano é naturalmente um ser inteligente, e precisa até mais de alimento mental do que físico. Diferente dos animais, ele precisa construir seu próprio comportamento a partir da vida e de suas experiências; e se firme nesse caminho de vida, tudo ficará bem (MONTESSORI, 2015, p. 98).

Conduzindo-se pelo Método Montessori a trilhar os passos dessa pesquisa, intentou-

se um aprofundamento acerca do método em sua teoria e descortiná-lo na sua

prática cotidiana, na escola escolhida como lócus. Observando como um método

que propõe um olhar diferenciado para a criança se dá no dia a dia da escola e

como isso influencia os sujeitos escolares. Essas foram, portanto, as duas outras

lentes pelas quais a realidade foi observada, a do cotidiano escolar com seu

currículo e sua cultura e a do sistema de pensamento, teoria de influência dos

sujeitos por parte do meio.

Acerca de influências sofridas pelos sujeitos, Montessori diz que:

A observação científica, então, estabeleceu que a educação não é o que o professor dá; educação é um processo natural espontaneamente desenvolvido pelo indivíduo humano, e é adquirida não por ouvir palavras, mas através das experiências que o ambiente proporciona (MONTESSORI, 2015, p. 19).

Desse modo, essa pesquisa se dá exatamente do modo como o Método Montessori

preconiza, privilegiando-se a observação, que Maria Montessori já denominava de

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científica. Na busca por compreender as relações entre o ambiente escolar, a

criança e como se dá essa Cultura Escolar é que se desenvolveu este trabalho.

2.2 APROPRIAÇÕES NA OBRA DE BOURDIEU PARA DISCUTIR O MÉTODO MONTESSORI À LUZ DOS CONCEITOS DE HABITUS E SISTEMA DE PENSAMENTO

Almejando uma análise teórica acerca do que ocorre nas escolas que utilizam o

Método Montessori e especificamente na escola escolhida para realização desse

estudo de caso de tipo etnográfico em educação, a Escola Recanto do Pequeno

Príncipe, debrucei-me sobre alguns dos conceitos utilizados por Pierre Bourdieu

para definir a reprodução7 que se dá no sistema de ensino.

Essa reprodução se dá através de mecanismos internos e externos à escola o que

Bourdieu vai denominar de duplicidade funcional (BOURDIEU; PASSERON, 1992)

que vem a ser a conservação do sistema e da cultura (interna) sob uma exigência

externa de conservação. No caso estudado essa exigência externa de conservação

também pode ser compreendida como o próprio Método Montessori além da

estrutura social hegemônica que incide sobre a escola através de toda uma estrutura

idealizada pela mesma, mas que se transforma ou se produz e reproduz nesse

contexto escolar específico.

Essa relação é denominada por Bourdieu e Passeron (1992) como mediação do

habitus no qual as instituições escolares são produtos das estruturas, produtoras de

práticas que por sua vez são reprodutoras das estruturas. Desse modo o habitus

teria um duplo processo: o de interiorização da exterioridade e o da exteriorização

da interioridade. O habitus agiria como produto reprodutor daquilo que o produz.

7 Quando Pierre Bourdieu refere-se à reprodução o mesmo está abordando especificamente

o que viria a ser a escola como legitimadora da ordem social, ressaltando uma função política da escola. Assim o termo reprodução em Bourdieu tem uma abrangência muito maior do que a expressa e defendida nesse trabalho. A reprodução refere-se a uma ordem social macro, à economia, à política, aos campos definidos em Bourdieu como campos de atuação social com economias próprias. Assim, o campo educacional é um dos campos definidos por Bourdieu e dentro desse campo estamos definindo o que seria um subcampo, o do sistema de ensino baseado no Método Montessori e é a partir dessa perspectiva que essa pesquisa será conduzida.

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O habitus preenche uma função que, em uma outra filosofia, confiamos à consciência transcendental: é um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular desse mundo, de um campo, e que estrutura tanto a percepção desse mundo como a ação nesse mundo (BOURDIEU, 1998, p.144).

O equivalente grego para habitus seria a hexis aristotélica, termo que define o

estado da alma que nos faz seguir deste ou daquele modo, pois “a partir do

momento em que o agente adquire uma determinada disposição de caráter, esta

disposição se converte em uma segunda natureza da qual dificilmente conseguirá se

despir” (HOBUSS, 2010, p.227). Assim, buscou-se encontrar na instituição de ensino

escolhida esse habitus, essa hexis, e assim a pesquisa foi conduzida. Em busca do

que viria a ser um sistema de pensamento forjado nos sujeitos escolares, e mais

especificamente nas crianças que vivenciam esse contexto escolar, trilhou-se os

caminhos da pesquisa.

O conceito de Sistema de Pensamento, associado ao de habitus, cunhado por Pierre

Bourdieu, traz à compreensão uma análise da realidade cotidiana, dos sujeitos

escolares, professores, alunos e demais atores deste espaço, todos dotados do que

ele chama de um programa homogêneo de percepção, pensamento e ação. A

hipótese deste trabalho era a de que a escola montessoriana reproduziria esse

programa homogêneo através do método, no entanto mais à frente neste trabalho

explanaremos acerca de como se dá essa reprodução ou reposicionamento do que

vem a ser o produto do método influenciado por agentes externos ao mesmo, a

respeito do conceito que se tem do que seja uma escola, por exemplo.

Segundo ele os indivíduos formados em uma mesma escola (escola de

pensamento) trarão um mesmo sistema de pensamento a respeito do mundo. A

escola molda, programa os sujeitos8.

O que os indivíduos devem à escola é sobretudo um repertório de lugares-comuns, não apenas um discurso e uma linguagem comuns, mas também terrenos de encontro e acordo, problemas comuns e

8 No entanto, reconhecemos que há muitos buracos nessa imagem da mente, por onde

passam outros fluxos e influências que a constituem, numa dinâmica entre a interiorização da exterioridade e a exteriorização da interioridade.

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maneiras comuns de abordar tais problemas comuns (BOURDIEU, 2007, p.207).

A escola teria então o papel de transmissora da cultura, quase sempre da cultura

hegemônica, que trará conceituações e vivências acerca das condutas e dos

pensamentos a serem seguidos. Bourdieu diz que essa tarefa de transmitir estes

conhecimentos e vivências nem sempre será consciente, mas por muitas vezes

também inconsciente.

Em oposição ao ensino tradicional, que toma a seu cargo a tarefa de transmitir a cultura integrada de uma sociedade integrada – ensino “total” capaz de preparar para estatus “totais” – o ensino especializado, capaz de transmitir conhecimentos e um saber fazer específicos, corre o risco de produzir tantas famílias “espirituais” quantas forem as escolas especializadas (BOURDIEU, 2007, p.217).

Uma vez que a escola tem o poder de transmitir um espírito comum aos seus atores,

a escola com ensino especializado teria ainda uma maior capacidade de unificar

esses pensamentos. A escola e seu respectivo sistema de ensino não transmitem

apenas letras e números, mas transmitem cultura e forjam para si uma cultura

superior, uma cultura cuja qual não tem concorrentes. Consciente ou

inconscientemente a escola protege-se das outras culturas que a cercam e

transforma a sua em superior.

A escola também forja uma hierarquia entre aqueles que detêm o saber e os que

apenas tiveram conhecimento acerca dele de uma forma simplificada ou por motivo

da aprendizagem de um ofício. Aqueles que frequentaram a escola, e a depender da

escola terão um grau de percepção mais apurado a respeito dos acontecimentos do

mundo desde os cotidianos até os referentes à macroestrutura.

Quando Bourdieu (2007, p. 229) diz que “Ter acesso à cultura é o mesmo que ter

acesso a uma cultura, a cultura de uma classe, de uma nação”. Ele demonstra o

quanto a escola tem influência na sociedade, demonstra o quanto ela é e pode ser

usada para os mais diversos fins que não apenas o de ensinar, mas, o de imprimir

os ideais que se deseja.

Assim, poderia o sujeito escolar inserido em uma instituição que utiliza o Método

Montessori, por exemplo, ter um ato desinteressado? Agir por si mesmo,

independente da estrutura na qual está inserido? Defendendo a ideia de que isso

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não seria possível, à luz da sociologia, Bourdieu traz associado ao conceito de

Habitus o conceito de ilusio, compreendido como estar preso ao jogo, dar

importância, interesse, estar em (BOURDIEU, 1998).

E em tempo, antecipamo-nos aqui para indicar que os dados dessa pesquisa nos

mostram a evidência de que o conjunto permanece preso ao jogo – não somente o

jogo interno (Método Montessori), mas também o externo, cultura Escolar

Hegemônica. Ilusio seria então a “relação de cumplicidade ontológica entre

estruturas mentais e estruturas objetivas do espaço social” (BOURDIEU, 1998,

p.140).

O sujeito escolar estaria então envolvido na ilusio, através de suas estruturas

mentais e inserido nesse espaço social estruturado e estruturante.

Assim, a sociologia postula que há uma razão para os agentes fazerem o que fazem (no sentido em que falamos de razão de uma série), razão que se deve descobrir para transformar uma série de condutas aparentemente incoerentes, arbitrárias, em uma série coerente, em algo que se possa compreender a partir de um princípio único ou de um conjunto coerente de princípios. Nesse sentido, a sociologia postula que os agentes sociais não realizam atos gratuitos (BOURDIEU, 1998, p.138).

Para aquele que está fora do jogo, do contexto analisado, esse interesse daria lugar

então ao que Bourdieu define como indiferença. Para aquele que não recebeu as

regras do jogo e dele não se apropriou em suas estruturas mentais tudo é

indiferente, ele até pode participar do jogo, mas considerando tudo muito “normal” ou

tudo “dando na mesma”. Ao que se apropriou, que possui a ilusio, em quem há o

interesse, esse jogo ou essa realidade de um contexto específico lhe é motivadora

ainda que não perceptível intrinsicamente, daí o poder do habitus reprodutor e

produtor de estruturas.

Mais à frente neste trabalho podemos perceber a ilusio nas falas da diretora e da

coordenadora pedagógica, demonstrando que no jogo há os que possuem a ilusio,

mas também há aqueles para os quais as regras do jogo são indiferentes, a

exemplo, da funcionária de serviços gerais entrevistada ou mesmo de alguns alunos.

Apropriando-se então dos conceitos de habitus, sistema de pensamento e mesmo o

de ilusio, se buscou apreender no cotidiano escolar, nas percepções dos alunos, nas

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definições dos professores e de outros sujeitos escolares até que medida “o habitus,

como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver [...]”

(BOURDIEU, 1989, p. 61). O Método Montessori teria o poder de produzir uma

“família espiritual” ou apenas exteriormente, se aplicaria a uma idealização de um

sistema de pensamento pretensamente forjado?

Na realidade identificou-se que a experiência montessoriana, ao menos no contexto

estudado, mesmo se mostrando diferente em certos atributos, está presa ao jogo,

reproduzindo o mesmo habitus, a mesma ilusio, a mesma sociedade e sua estrutura,

o mesmo sistema de pensamento que a sustenta, o mesmo status quo. O sistema

de pensamento que se produz e se reproduz, pode não ser um sistema particular,

mas o mesmo espectro de uma sociedade e seu habitus/ilusio. Ainda que, como já

relatamos, haja as marcas de um jogo interno que se sustenta pela formação da

“família espiritual” montessoriana no interior da escola, o exterior é tão forte quanto e

se mantêm.

Há ainda outra reflexão a ser feita, considerando a afirmação de Bourdieu em seu

texto sobre a gênese dos conceitos de habitus e de campo “[...] a noção de habitus

exprime sobretudo a recusa a toda uma série de alternativas nas quais a ciência

social se encerrou, a da consciência (ou do sujeito) e do inconsciente, a do finalismo

e do mecanicismo, etc.” (BOURDIEU, 1989, p. 60).

A identidade do sujeito, ou o sujeito em si, seria então anulado? A consciência seria

então somente coletiva? Haveria então somente um “sistema de pensamento” e não

o pensamento único do indivíduo? Onde estaria a singularidade? São questões que

se encerrariam ao se adotar a concepção de Bourdieu. E, esse é um desafio à

compreensão no senso comum onde as individualidades são institutos já

sedimentados, principalmente numa visão psicologizante.

Nessa ótica em que o sujeito é praticamente uma ficção, em que o mesmo é

composto pelo que está à sua volta, pode-se também apropriar-se do que Deleuze e

Guatarri (2012) definem como rostidade:

Uma criança, uma mulher, uma mãe de família, um homem, um pai, um chefe, um professor primário, um policial, não falam uma língua em geral, mas uma língua cujos traços significantes são indexados nos traços de rostidade específicos. Os rostos não são

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primeiramente individuais, eles definem zonas de frequência ou de probabilidade, delimitam um campo que neutraliza antecipadamente as expressões e conexões rebeldes às significações conformes (DELEUZE; GUATARRI, 2012, p.36).

Ou ainda podemos evocar o que Morin (2011) define como imprinting

Interdições, tabus, normas, prescrições incorporam em cada pessoa um imprinting cultural, frequentemente sem retorno. Por fim, a educação, através da linguagem, fornecerá a cada um dos princípios, regras e instrumentos do conhecimento. Assim, de todas as partes, a cultura age e retroage sobre o espírito/cérebro para nele modelar as estruturas cognitivas, sendo, portanto, sempre ativa como coprodutora de conhecimento (MORIN, 2011, p. 25).

Ambas as definições apontam para uma construção do ser, um devir que advém do

que é externo para a interioridade do sujeito.

Ainda que em cada um desses conceitos – habitus, Sistema de Pensamento,

rostidade, imprinting – haja certa “negatividade” no que concerne à sua essência

como que tornando-se responsáveis por uma “reprodução”, um emparedamento da

essência do indivíduo, forjando sempre no outro o ser do que domina, decidi por

mover esta pesquisa por outra via. A via da possibilidade desse outro, desse ente

que reproduz, que imprime e rostifica trazer influências que auxiliem positivamente

esse indivíduo na construção do seu ser.

O Método Montessori traz um conjunto de regras e padrões que pregam o respeito

ao outro e à vida como um todo, tendo portanto sua filosofia própria, o que podemos

ver na escola estudada por exemplo, com seu esforço em ser inclusiva e propagar o

respeito e a promoção da paz através de seus eventos, e atividades desenvolvidas

também em sala. Nesse sentido a escola auxilia positivamente aos sujeitos

construírem sua própria rede de valores.

Isso não significa, porém que todos os alunos que por ela passarem terão a mesma

ação e reação perante o mundo, mas todos foram influenciados igualmente para tal.

Ao mesmo tempo em que há essa inexorável influência, o sujeito ainda pode

transformar-se e transformar. Uma escola pode conscientemente agir contrariamente

ao sistema cultural, se entende que é importante mudar a cultura predominante.

Pode, portanto, oferecer aos sujeitos um outro conjunto de valores, além dos

predominantes. Esse pode ser um sistema de pensamento diferente. Mas os sujeitos

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são formados por uma multiplicidade de valores e fazem suas próprias associações

e escolhas. Diríamos então que as escolhas são influenciáveis, mas não totalmente

induzidas, pelo menos não em um sistema de educação democrático, como o é o

Método Montessori.

O Método Montessori imprimiria sua marca de forma tão significativa? Para um

método que se estrutura desde o nascimento e prossegue pelos primeiros anos da

vida escolar indo até o “adulto preparado”, essa impressão poderia caracterizar-se

como o imprinting cultural de Morin? Ainda que o imprinting cultural não decorra da

ação de uma instituição isolada, uma escola. Ele é difuso no interior da cultura, cujas

diversas instituições o retroalimentam – vide exemplo do machismo.

O imprinting cultural inscreve-se cerebralmente desde a mais tenra infância pela estabilização seletiva das sinapses, inscrições iniciais que marcarão irreversivelmente o espírito individual no seu modo de conhecer e de agir. À marca indestrutível das primeiras experiências acrescenta-se e combina-se a aprendizagem indelével, que elimina ipso facto outros modos possíveis de conhecer. (MEHLER, 1974

apud MORIN, 2011, p. 30).

Para Bourdieu (1992), o sistema de ensino dissimula a verdade objetiva de seu

funcionamento produzido pela sua reprodução. Mas se a verdade objetiva do

funcionamento de um sistema de ensino centrado na criança e em uma educação

cósmica9, além de outros tantos pilares fundamentais e profícuos, utiliza-se dessa

“dissimulação da verdade objetiva de seu funcionamento”, esse ato não seria então

um orquestramento do bem em busca da reprodução de outros “bens”? Ou seja,

pode haver então um sistema de ensino que reproduza uma educação centrada na

paz, no bem comum, no respeito, a exemplo do que Maria Montessori sempre

propagou.

Se há algo de bom na escola, na educação, no ensino, nesse ou naquele método,

que se reproduza, que se rostifique com rostos lindos e radiantes da alegria de se

ter uma oportunidade de se vivenciar algo de positivo. Se quando os autores aqui

mencionados, Bourdieu, Deleuze e Guatarri e Morin escreveram e inscreveram seus

conceitos em suas obras não se pensou nessa argumentação, ainda assim acredito

não ser menos merecida a discussão. Que se conceitue, que se debata

9 A Educação Cósmica diz respeito a um dos pilares do Método Montessori que valoriza a interdependência dos conhecimentos.

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teoricamente para se entender o empírico e se possa transformar realidades

reproduzindo-as sim, com consciência do que se está a fazer.

Antecipo aqui, que todo esse quadro de questões que envolvem as práticas

montessorianas na produção de outra “rostidade”, outra “noosfera” (MORIN, 2011),

outro quadro de valores, na intenção de compreender se os mesmos são

desindexados de um programa dominante ou não, são delineados no capítulo de

resultados.

2.3 CURRÍCULO E CULTURA ESCOLAR SENTIDOS ATRAVÉS DO COTIDIANO

Numa tentativa de localizar os estudos sobre currículo apresenta-se aqui um breve

histórico de sua trajetória iniciada nos Estados Unidos da América, mas

posteriormente muito bem desenvolvidos por teóricos e professores brasileiros.

As teorias tradicionais do currículo de cunho tecnicista e progressista tiveram como

marco inicial deste campo de estudo os escritos de Bobbit em 1918 que trazia uma

visão economicista. A racionalização dos resultados educacionais que deveriam ser

especificados e medidos produziriam o bom operário. Segundo Silva (1999, p.12)

“No discurso curricular de Bobbitt, pois o currículo é supostamente isso: a

especificação precisa de objetivos, procedimentos e métodos para a obtenção de

resultados que possam ser precisamente mensurados.

Taylor também trazia a escola tal qual indústria com forte ligação com a

administração. Em 1902, Dewey escreveu The child and the curriculum antevendo a

teoria de Bobbitt, porém já se preocupava mais com a construção da democracia do

que com a economia. Tyler expandindo o modelo de currículo proposto por Bobbitt

fez a relação de currículo com ensino, instrução e avaliação. Deste modo o currículo

tradicional apresentou-se como um primeiro rompimento com o currículo clássico. A

justificativa dava-se por conta da necessidade de treinamento de mão de obra para

a nova sociedade capitalista que aguardava mão de obra dócil e disciplinada sem a

necessidade dos conceitos filosóficos e da “cultura clássica”.

Tomás Tadeu da Silva (1999) também traz um panorama das teorias críticas em seu

livro Documentos de Identidade. A princípio apresenta os anos 60 como começo

dessa crítica, passando pelos reconceptualistas que apresentavam a primeira

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insatisfação com os currículos tecnocráticos. Em um segundo momento, a crítica

neomarxista que traz ao currículo as discussões sobre relação de poder,

apresentando Henry Giroux que analisa o currículo pelo viés cultural, Paulo Freire

com a proposta de um currículo libertador, Michael Young com uma análise pela

ótica social e Basil Bernstein com uma análise do currículo baseada em códigos e

reprodução, finalizando com as análises acerca do que seria o currículo oculto.

Diante da apresentação dessas duas teorias (tradicional e crítica), observa-se uma

ruptura do pensamento conservador que refletia no currículo para um pensamento

crítico. A escola, local de ação do currículo por excelência, outrora condicionante,

onde alunos seres ausentes de luz, deveriam ser iluminados por seus ilustres

professores e que com total disciplina e afeição à ordem imposta e sem uma outra

finalidade daria lugar a uma escola reflexiva, na qual todos os seus atores têm voz.

Um currículo que se diz crítico não desconsidera o local da escola como reprodução,

mas problematiza-o, questiona-o e propõe novas perspectivas.

A escola tradicional ainda existe na prática em certa medida, quer sejam nos bancos

escolares públicos ou particulares, da cidade ou do campo, mas já não são todos os

que abaixam suas cabeças e a aceitam como verdade formadora e absoluta.

As teorias críticas trazem um outro prisma para a educação. Já não se propõe mais

a formação de mão de obra inconsciente do seu papel político, social e cultural.

Ampliam-se as visões de mundo, não se satisfaz com o determinismo econômico,

critica-se a visão progressista, politizam-se as discussões.

O currículo toma uma nova configuração e os sujeitos em sua formação saem da

passividade e passam a ter vez nos espaços que estão inseridos. Assim, a

desvalorização centrada nas condições impostas e na sua neutralidade são

reconduzidas através de uma prática transformadora na qual o social é considerado

e se produzem novas perspectivas para o ensino, para a aprendizagem e para a

educação.

Como categoria complementar à categoria do currículo em nossa pesquisa trazemos

a da Cultura Escolar. A abordagem trazida por Dominique Julia acerca da Cultura

Escolar é muito rica e instigadora. A escola deixa de ser vista como uma instituição

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sem vida, com prédios que abrigam trabalhadores e receptores deste trabalho e

passa a ser vista como um ambiente vivo, influenciador e influenciável.

Para ser breve, poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e

condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). (JULIA, 2001, p.10)

A lógica de se tentar apreender a Cultura Escolar considera os “sucessos” e

“fracassos” escolares como compreensíveis dentro do seu próprio espaço e não

somente como fruto da externalidade, do governo, da sociedade etc.

A Cultura Escolar juntamente com o currículo são campos de pesquisa cheios de

possibilidades na área educacional. O currículo é social e culturalmente construído.

O currículo é politicamente estruturado e sua contribuição para a cultura escolar é

indiscutível.

O currículo de uma escola constrói-se com o tempo e sofre alterações desse e

nesse tempo em que está inserido. O currículo será sempre construído e

reconstruído. O currículo será sempre passível de reformas. “O currículo tal como o

conhecemos atualmente não foi estabelecido, de uma vez por todas, em algum

ponto privilegiado do passado. Ele está em constante fluxo e transformação”

(GOODSON, 1995, p.7).

Desse modo não se pode dissociar Cultura Escolar de currículo e conforme afirma

Goodson (1995, p.8) “O currículo não é constituído de conhecimentos válidos, mas

de conhecimentos socialmente válidos”. Sendo assim a escola tem muito a contribuir

com a sociedade e essa relação é muito mais dialética do que de dominação e

hierarquia.

Neste estudo buscou-se apropriar (e mesmo sentir) essas duas categorias, Currículo

e Cultura Escolar10 por meio das redes tecidas pelo cotidiano. Considerando-se,

portanto a seguinte definição:

10 É certo que a conceituação de Cultura Escolar pode ser melhor explorada, principalmente porque Cultura Escolar é algo muito abrangente, que não se restringe a uma escola ou a

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De nossa parte, e juntando-nos ao trabalho de Candeias (2001), o que pretendemos é evidenciar a necessidade de se compreender como os professores e professoras agem cotidianamente na busca de levar os seus alunos à aprendizagem, que elementos criam a partir de suas redes de saberes, de práticas e de subjetividades, como criam os seus fazeres e desenvolvem suas práticas em função do que são. Essa é, talvez, a questão central hoje nos estudos curriculares voltados para o cotidiano (ALVES; OLIVEIRA, 2010. p.94)

Em busca dos sons, dos cheiros, dos gostos, do que possa trazer como se dá a

prática cotidiana de alunos, professores e demais funcionários na escola

montessoriana escolhida é que se mergulhou e não somente se “viu” ou se

“percebeu” como essas práticas se dão. Referenciando-se em Alves e Oliveira que

dizem que “É esse envolvimento dialógico que nos leva a falar em mergulho e não

em observação porque sabemos que a vida cotidiana desses e dessas praticantes

não se reduz àquilo que é observável e organizável formalmente (OLIVEIRA;

ALVES, 2008, p.10)”.

Assim, nesse ponto os referenciais teóricos se encontram com a metodologia, pois

Propõe-se, dessa forma, a inversão da polarização moderna entre teoria e prática, passando-se a compreender o espaço prático como aquele em que a teoria é tecida. Tal proposição, ao reconceituar a prática como o espaço cotidiano no qual o saber é criado, elimina as fronteiras entre ciência e senso comum, entre conhecimento válido e conhecimento cotidiano (LOPES; MACEDO, 2010 p. 37)

Entendeu-se que a observação do cotidiano e a pesquisa de tipo etnográfico em

educação trazem semelhanças nas quais os espaços e os tempos, ou ainda

espaçostempos11, segundo Nilda Alves, trazem em si as marcas de toda a vida

escolar. E esse mergulho no que é tão multicolorido (OLIVEIRA; ALVES, 2008), no

que é tão diverso, e que por vezes nos parece banal, mas que na verdade guarda

tesouros, pode levar o pesquisador a um “afogamento” como diz Taveira (2008) o

que exigirá maior organização na transcrição desse universo tão expandido. Pois,

uma rede de ensino, mas cobre todo o imaginário social onde se ancoram as instituições escolares e suas práticas. E há um vínculo fundamental entre o conceito de Cultura Escolar e Forma Escolar, como algo bem mais embrenhado na cultura geral de uma sociedade. 11 Utilizou-se o termo conforme definição de Nilda Alves em todo este trabalho, por entender que o mesmo reflete as ideias aqui expostas.

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Fazendo a observação nos mais variados espaços e tempos do cotidiano da escola, na entrada e na saída do turno, na hora do lanche, no pátio, nos corredores, em sala de aula, vai-se obtendo uma tal quantidade de informações que de início, tem-se a idéia de que, ao “mergulhar” vamos nos “afogar” (TAVEIRA, 2008, p.121).

Nesta pesquisa se mergulhou no cotidiano de duas maneiras, houve o mergulho da

parte de quem pesquisa e também o mergulho nas impressões dos praticantes

desse cotidiano, alunos, professores e outros funcionários da escola o que

possibilitou um número e uma qualidade melhor de olhos, ouvidos, pés e mãos a

sentir e expressar o que se passa nesses espaçostempos.

Por meio da observação se conseguiu experienciar esses espaçostempos nos

corredores, no portão, no pátio. Por meio dos diários mergulhou-se mais fundo na

sala de aula e também em cada um desses espaçostempos vivenciados por seus

praticantes.

Na escola, a chamada ‘sala dos professores’ e a conhecida ‘hora do cafezinho’ exercem uma importância capital na troca de experiências vividas, na sala de aula ou em outros espaçostempos, para os

professores/professoras. Já o ‘portão da entrada’ da escola ou o ‘pátio de recreio’ representam esse mesmo papel para os alunos/alunas (ALVES, 2008, p.35).

Uma escola é um universo complexo tanto pela sua estrutura quanto pela sua

essência. Sua estrutura formada pelo físico reflete também sua estrutura ideológica

projetada pelo seu currículo. E sua função ou o que se idealiza dela constituem sua

essência, que diluída em cada um dos seus envolvidos se dissipa na sociedade

quase que numa metáfora em que a escola seria um frasco de perfume e sua

essência todo esse conteúdo. Seu aroma assim como o do perfume agradará a uns

e a outros não, no entanto, todos sentirão o seu cheiro, pois ele simplesmente se

esvai no ar que respiramos. Para além da discussão do papel e da importância da

instituição escolar, é certo que sua influência se dá nos mais diversos meios sociais

nos quais a sociedade letrada12 está envolvida.

Assim, nessa complexidade que é o universo escolar, se chamou o foco nessa

pesquisa para um universo escolar específico: o da escola montessoriana.

12 Quando me refiro a sociedade letrada nesse ponto não faço juízo de valor se esta é melhor ou pior que outras sociedades de cultura oral, por exemplo. É somente uma explanação acerca da influência que a escola possui.

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Como se percebe em toda a teoria acerca do Método Montessori apresentada, Maria

Montessori não idealizou exatamente uma escola. Antes de pensar em uma escola,

ela pensou na criança. Pensou em qual seria o ambiente mais adequado para uma

criança desenvolver-se livremente, fosse esse ambiente a sua casa, ou a escola o

que resultou na Casa das Crianças, uma escola/casa onde a criança seria o centro

de cada atividade.

Ela pensou em como os adultos que convivem com essa criança deveriam olhar

para ela, em como deviam respeitá-la e como deviam perceber que cada um dos

seus atos e mesmo a ausência destes, traz influências para a formação desse

homem a se formar em cada criança.

Pensar em sistema de pensamento formado nos indivíduos escolares em uma

escola montessoriana é ir além da mera observação do que se passa no hoje de

cada uma dessas escolas ou mais especificamente da escola estudada. Utilizando-

se da definição de espaçostempos pode-se dizer que esses espaçostempos da

escola montessoriana perpassam toda a obra de Montessori desde sua idealização

até agora, mas como também pode ser observado, esses espaçostempos trazem

em si um pouco das reminiscências do que cada indivíduo trouxe das suas

experiências com a escola convencional em outros tempos e em outros espaços.

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3 - METODOLOGIA

“A inteligência da criança observa amando e não com indiferença – isso é o que faz ver o invisível.”

Maria Montessori

A proposta metodológica desse trabalho partiu de uma análise qualitativa, apoiado

na etnometodologia, utilizando-a como metodologia, mas também como parte da

fundamentação teórica na sustentação dos resultados, com características de

estudo de caso de tipo etnográfico em educação, conforme exposto em André

(2005). Segundo Alain Coulon (1995), “a etnometodologia vai tentar compreender

como é que os indivíduos veem, descrevem e propõem em conjunto uma definição

da situação”. A etnometodologia busca conhecer os etnométodos dos sujeitos.

Sendo assim, essa pesquisa moveu-se nesse sentido, buscando ver, descrever e

intentando definir a situação estudada.

O presente trabalho também buscou desenvolver a pesquisa tomando como base o

cotidiano de toda a escola e não somente o que se passa na sala de aula.

Considere-se que essa é uma tendência, conforme explicitado por Dal-Farra e Lopes

(2013) que apresentam o deslocamento das pesquisas da sala de aula como

laboratório nas décadas de 1960-70, para as pesquisas realizadas com foco no

cotidiano escolar, a partir das décadas de 1980-90.

Essa perspectiva de análise do cotidiano escolar e mais especificamente da Cultura

Escolar também pode ser encontrada em Julia (2001) e foi um dos pilares

metodológicos adotados. Pois “(...) poder-se-ia descrever a cultura escolar como um

conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar

(...)”. (p.10).

Considerando-se o lócus e os sujeitos escolhidos, o conceito de Cultura Escolar

permeou os percursos dessa pesquisa na qual se buscou reconhecer nos discursos

verbais e não verbais, as marcas e a materialização do que viria a ser o currículo

montessoriano para cada um desses sujeitos envolvidos. Assim “A cultura escolar

desemboca aqui no remodelamento dos comportamentos, na profunda formação do

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caráter e das almas que passa por uma disciplina do corpo e por uma direção das

consciências” (ibid, p.14).

A escolha do método qualitativo se baseia em Dal-Farra e Lopes (2013) que expõem

que “As potencialidades qualitativas incluem a capacidade de gerar informações

mais detalhadas das experiências humanas, incluindo suas crenças, emoções e

comportamentos (...)” (p.72). Considera-se então a escolha nessa pesquisa de

trabalhar com essa metodologia, associando os estudos qualitativos ao do cotidiano

escolar, para buscar características que pudessem identificar um sistema de

pensamento, formado e presente na escola analisada com base no Método

Montessori.

Dentro da proposta da pesquisa de tipo etnográfico em educação, fez-se uso da

observação participante e a entrevista intensiva (André, 2005). As observações

foram associadas ao diário de bordo, à realização de fotografias e à análise dos

diários escritos pelos alunos do quarto e quinto ano, complementando estes

instrumentos de pesquisa, as entrevistas tiveram papel muito importante, pois, ainda

em André (2005), “As entrevistas têm a finalidade de aprofundar as questões e

esclarecer os problemas observados” (p. 24). A observação do cotidiano, das

pessoas e dos fatos se deu em circunstâncias naturais daquela realidade, sem

indução de programações ou delimitações.

Dando-se ênfase no processo e não no resultado final da pesquisa, a observação

detalhada e apoiada nos diários dos alunos foi associada às entrevistas que foram

realizadas, buscando-se valorizar a voz dos sujeitos, e não apenas suas vozes, mas

seus gestos, suas posturas, suas entonações e mesmo seus silêncios. Visto que o

silêncio é tão importante no Método Montessori, não como fim a ser alcançado em

uma turma de crianças, mas como categoria de análise e princípio para todas as

atividades e desenvolvimento do autocontrole e autoconhecimento da criança.

O diário de bordo foi utilizado com o objetivo de anotar pontos relevantes da

observação. Outra forma de obtenção de dados foi a utilização dos diários dos

alunos. Foram distribuídos cadernos às crianças participantes com vistas a servir de

diário no qual os mesmos podiam anotar, desenhar e expressar das mais diversas

formas suas percepções com relação à escola e ao seu cotidiano. E essa

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experiência obteve os mais diversos resultados, desde crianças que se recusaram a

escrever até àqueles que se dedicaram com desenhos e colagens.

Sendo assim, conforme especificado, se buscou fazer o uso dos diários, de

observações e entrevistas semiestruturadas, objetivando uma descrição densa,

numa abordagem qualitativa. Esses instrumentos foram aplicados na Escola

Recanto do Pequeno Príncipe, instituição particular, localizada na cidade de

Juazeiro-BA que oferece turmas para crianças a partir de um ano de idade na

Educação Infantil, até o quinto ano do Ensino Fundamental I.

Em um primeiro momento, foi realizada observação do ambiente escolar como um

todo e também do cotidiano das salas de aula da escola. Em um segundo momento,

foram distribuídos os diários aos alunos e realizadas as entrevistas

semiestruturadas, utilizando-se da definição de Manzini (1990/1991), apud Manzini

(2004):

a entrevista semi-estruturada está focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista. Para o autor, esse tipo de entrevista pode fazer emergir informações de forma mais livre e as respostas não estão condicionadas a uma padronização de alternativas (MANZINI, 2004, p.2).

Durante a realização da pesquisa a proposta foi entrevistar: a fundadora e diretora

da escola; uma professora com mais tempo de serviço na escola e outra com menos

tempo (pelo menos um ano); cerca de dez alunos (cinco que estudam na escola

desde um ano de idade e até cinco que estudam na escola há somente um ano ou

no máximo há dois); pais dos alunos entrevistados; coordenadora pedagógica; um

funcionário da escola com funções não pedagógicas (porteiro, servente de limpeza

etc.).

Essas entrevistas tinham como finalidade alcançar os objetivos e responder à

questão da pesquisa se o currículo montessoriano produz um sistema de

pensamento nesses sujeitos escolares com base no conceito de sistema de

pensamento de Pierre Bourdieu. Demais documentos da escola também foram

utilizados para compreender o currículo a exemplo do Componentes Curriculares

para as turmas, dos Objetivos por Capacidade e dos Cadernos de Atividades,

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ambos construídos pela escola. O Projeto Político Pedagógico não foi

disponibilizado pela escola com a justificativa de que o mesmo seria reformulado.

Em um terceiro momento se procedeu com a análise dos dados coletados,

utilizando-se da triangulação dos dados conforme definido em Karsenti e Savoie-

Zajc (2000) para construção e conclusão do trabalho.

3.1 ESTUDO DE CASO DE TIPO ETNOGRÁFICO EM EDUCAÇÃO

No que se refere aos métodos de procedimento da pesquisa o estudo de caso foi

escolhido por compreender que a realidade a ser estudada seria melhor observada

sob esta ótica. Estudar minuciosamente a instituição escolar ERPP tem uma

relevância e justifica-se, pois, a escola que completou 50 anos no ano de 2018

utiliza o Método Montessori desde a sua fundação e destaca-se como escola de

referência, no âmbito das escolas particulares, na cidade de Juazeiro-Ba. Também é

importante dizer que a escola é referência regional no Método Montessori para as

escolas filiadas à Organização Montessori do Brasil.

Com base nas análises de Charlotte Chadderton e Harry Torrance (2015)

consideramos o Estudo de Caso como um procedimento para além das análises já

convencionadas nos campos da medicina, do direito e da administração, por

exemplo, em que o enfoque é mais técnico e mesmo mais preciso. Opta-se então,

por partir para o campo social, no qual, o estudo de caso só faz sentido se analisada

a combinação do âmbito político (a exemplo do currículo de uma escola) da

realidade estudada com relação ao local em que se faz a análise.

Nesse sentido, o estudo de caso acontece do ponto de vista das pessoas, dos

sujeitos e não meramente do pesquisador. O pesquisador deveria, então, em um

primeiro momento, reconhecer esse ambiente e descrever as sensações, reações e

indagações desses sujeitos e só então considerar-se imbuído de certa legalidade

para analisar e teorizar acerca do caso. Perguntar-se sobre o que está acontecendo,

antes de presumir que está preparado para explicar. Chadderton e Torrance (2015)

também defendem que seja feita uma investigação profunda ao invés de mera

cobertura do estudado.

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Para o desenvolvimento desse procedimento, considerando a abordagem

sociológica, é necessário haver equilíbrio entre a observação e a entrevista. Pois, se

privilegiada a observação, o ponto de vista do pesquisador será mais evidente. A

entrevista, portanto, propiciará melhor contato com as impressões dos sujeitos

envolvidos. Mas, em contrapartida, essas impressões podem representar apenas um

“vislumbre das lembranças” (CHADDERTON; TORRANCE, 2015, p. 92).

Desse modo, há uma espécie de conselho segundo o qual as entrevistas devam ser

conduzidas em meio a uma observação de longo prazo, para tentar apreender a

realidade estudada a partir da vivência dos sujeitos em suas atividades cotidianas.

Nesse ponto vale retomar a postura desta pesquisa que fez uso da definição de

estudo de caso de tipo etnográfico em educação (ANDRÉ, 2005), que não traz a

exigência da temporalidade estendida, mas que pode abrigar a concepção da

qualidade dessa observação. Chadderton e Torrance (2015) também fazem um

alerta para não se incidir em uma abordagem demasiada empirista por

supervalorizar o campo.

A palavra-chave desse modo de conceber o estudo de caso seria, portanto, a

interpretação. Assim “Pode-se considerar que um estudo de caso fornece uma

interpretação de uma situação em lugar de uma única verdade representativa”

(CHADDERTON; TORRANCE, 2015, p. 97). O estudo de caso não serviria de base

para comparação com outros casos semelhantes, mas de ponto de partida para

melhor compreender e interpretar essas situações semelhantes.

Em se tratando de interpretação utilizamos os conceitos cunhados por Geertz (1989)

para definir cultura, antropologia e etnografia, que bem nos cabem na proposta

desse estudo de caso. Geertz (1989) afirma que “é justamente uma explicação que

eu procuro, ao construir expressões sociais enigmáticas na sua superfície” (p.15).

Desse modo se buscou realizar uma descrição densa a fim de identificar o que ele

chama de uma partícula de comportamento e tentou-se interpretá-la dentro da

realidade escolhida para esse estudo.

Com relação ao tempo de imersão no campo para realização deste estudo convém

dizer que o contato com a escola se dá desde o ano de 2016 quando a ERPP foi

procurada para participar do evento promovido pelo meu projeto de pesquisa na

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condição de técnica universitária. Após isso, no ano de 2017, para realização de um

artigo em uma disciplina do PPGESA estive na escola durante uma semana a

observar duas turmas de crianças de cinco anos.

De lá para cá aguardei a autorização do CEP – Comitê de Ética em Pesquisa da

UNEB, para proceder com a pesquisa específica a esse trabalho iniciando com

observações, entrevistas e entrega dos diários no mês de abril de 2018 e

estendendo-se até o mês de novembro de 2018. Houve um mês de observações

intensivas na escola (junho/ 2018), os diários permaneceram com as crianças entre

os meses de abril e agosto e as entrevistas foram acontecendo durante todo esse

período. E como as idas à escola para recolher diários e os próprios termos de

autorização se estenderam por um longo período, a cada ida na escola observava

outros ângulos ainda não notados o que trouxe contribuições à minha escrita em

curso.

O objetivo das visitas à escola para observá-la e, também a realização de

entrevistas foi, primeiramente, apreender, e depois apresentar esta realidade. Ainda

que para essa pesquisa previu-se a utilização da pesquisa de tipo etnográfico

definida por André (2005) que diz que na educação o que existe é uma adaptação à

etnografia e não a etnografia em si, cabe a definição de Geertz (1989) “Fazer a

etnografia é como tentar ler (...) um manuscrito estranho, desbotado (...) escrito com

os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento

modelado” (p.20). Sendo assim, ainda que tentando situar-se no ambiente escolar,

somente obteremos “simulações inteligentes”, mas nunca o que realmente pensam

ou vivem os sujeitos. Uma interpretação será sempre uma interpretação, nunca o

real.

3.2 A OBSERVAÇÃO E AS ENTREVISTAS: INSTRUMENTOS PARA A OBTENÇÃO

DOS DADOS

Perguntas básicas foram formuladas com vistas a iniciar a entrevista. As respostas

dos entrevistados serviram de base para a formulação de novas hipóteses

realizando um movimento circular estabelecido entre o informante e o pesquisador

(Triviños, 1987 apud Manzini, 2004).

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Para Manzini (1990/1991, p.154), a entrevista semi-estruturada está focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista. Para o autor, esse tipo de entrevista pode fazer emergir informações de forma mais livre e as respostas não estão condicionadas a uma padronização de alternativas (MANZINI, 2004 p. 2).

Com vistas a alcançar os objetivos traçados nessa pesquisa, foram utilizados estes

dois procedimentos em maior ou menor grau, buscando sempre um equilíbrio entre

os mesmos, conforme orienta Geertz (1989) acerca da pesquisa etnográfica, ainda

que – ressaltamos mais uma vez –, essa venha a ser de tipo etnográfico e não

propriamente etnográfica.

Considerando que o objetivo primário era investigar se o currículo montessoriano

produz um sistema de pensamento próprio nos sujeitos escolares, foram percorridos

os seguintes objetivos secundários: 1. Estudar o currículo montessoriano e o

conceito de sistema de pensamento e habitus, para isso debruçando-se sobre as

produções de Maria Montessori e nos escritos de Bourdieu, que apontam para a

definição do conceito de sistema de pensamento. 2. Analisar como se dá a aplicação

do currículo montessoriano na Escola Recanto do Pequeno Príncipe, localizada na

cidade de Juazeiro-Ba, para isso fez-se uso das observações para tentar captar o

cotidiano escolar, observando como se dão as relações, a utilização dos materiais

montessorianos e o currículo definido pela escola na sua forma oficial e oculta

(SILVA, 1999), buscando “revelá-lo”. 3. Revelar se a aplicação do currículo

montessoriano implica na apropriação de sistema de pensamento por parte dos

sujeitos escolares (alunos, professores e demais funcionários), para isso, além da

observação, fez-se uso das entrevistas semi-estruturadas e análise de diários

escritos pelos alunos definidos segundo o critério já apresentado (novatos e

veteranos).

Os pais também foram entrevistados, pois, os mesmos têm o potencial de revelar

elementos não explícitos no ambiente escolar, mas que estabeleçam forte relação

com o mesmo, caracterizando uma cultura escolar “extramuros”. Nesse sentido, é

que se construiu essa pesquisa e talvez esse seja o principal objetivo, visto que uma

vez evidenciadas as características peculiares do Método Montessori, o mesmo

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pode passar a ser objeto de interesse de outros sujeitos antes não envolvidos com

esta abordagem.

Foram considerados os riscos e também os benefícios dessa pesquisa. Os riscos

implicados nessa pesquisa eram relativos aos sujeitos, à exposição desses, ao que

diz respeito ao seu direito de voz e imagem, à sua integridade como pessoa. Para

controlar e minimizar esses riscos, a pesquisa previu o momento de contratualização

com os sujeitos, em que eles autorizaram, através da assinatura de Termos de

Consentimento Livre e Esclarecidos (TCLE), se queriam ou não ser expostos pelos

registros da pesquisa e de que forma. Houve ainda o caso específico da participação

das crianças, cuja inclusão como sujeitos de pesquisa dependia da autorização dos

seus pais e responsáveis – sempre dentro de uma ética que levou em conta a

disposição para continuar ou não, podendo interromper a participação assim que

elas ou seus responsáveis achassem por bem fazê-lo. Essa condição também valia

para os demais participantes.

Entre os benefícios estão o de poder contribuir com os estudos acerca do Método

Montessori na cidade de Juazeiro-Ba, e mesmo nacionalmente, pela relativa

escassez de trabalhos acadêmicos acerca do tema e a possibilidade de utilização de

partes do método em outras escolas que não sejam montessorianas, quer sejam

públicas ou particulares.

Na perspectiva da análise dos dados, foram percorridos os passos definidos por

Minayo apresentados em Gomes (1994) em que a ordenação dos dados deve ser

feita com releitura de material, transcrições, organização dos dados das

observações e dos relatos. Após esse momento procedeu-se com a classificação

desses dados em categorias e em seguida a realização de uma análise final, ainda

que considerando-se como norteadora dessa pesquisa, sua possibilidade de não

definir uma finalização induzida ou imediata. Para realizar a triangulação utilizamos

de dados advindos das entrevistas, das observações e fotografias e também dos

diários.

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3.3 O LÓCUS DO ESTUDO E OS SEUS SUJEITOS (ou O ESPAÇOTEMPO E OS

PRATICANTES DESSE COTIDIANO)

FIGURA 2 - Mapa da Bahia com destaque para o Território de Identidade Sertão do São Francisco. FONTE: SEDUR

Conforme mapa acima, a cidade de Juazeiro está localizada no extremo norte da

Bahia e faz parte do território de identidade do Sertão do São Francisco que é

composto por dez municípios (Campo Alegre de Lourdes, Canudos, Casa Nova,

Curaçá, Juazeiro, Pilão Arcado, Remanso, Sento Sé, Sobradinho e Uauá) que,

devido às suas características climáticas, estão no espaço da semiaridez e, por isso,

estão inseridos no chamado ‘Miolão do Semiárido’ (CARVALHO, 2010). A população

estimada em 2017 era de 221.773 habitantes, com uma taxa de escolarização dos 7

aos 14 anos de idade em 96,7% (IBGE, 2017). Possui 88 escolas privadas de

educação infantil e ensino fundamental autorizadas junto à DIREC. Neste universo

de escolas dedicadas aos primeiros anos da Educação Básica na cidade de

Juazeiro há pelo menos três escolas que trabalham com o Método Montessori

declaradamente, no entanto somente a Escola Recanto do Pequeno Príncipe é

associada à OMB.

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A ERPP foi fundada em maio de 1968 pela professora Oscarlina Rodrigues Cardoso

Tanuri natural de Uauá-BA, nascida no ano de 1939. O nome da escola foi escolhido

devido ao gosto pela leitura e a escolha do Método Montessori se deu através de

uma amiga da professora Oscarlina, que se interessou pelo mesmo, por ser voltado

para uma educação de paz e respeito.

No ano de 2019 a escola encontra-se com 580 alunos matriculados, sendo 240 na

Educação Infantil. A escola conta com 34 professores, 04 coordenadoras, além de

estagiárias atuando como auxiliares de sala. Possui oito turmas na Educação Infantil

e oito no Ensino Fundamental I, recebendo assim crianças na faixa etária de 01 ano

de idade até por volta dos 11 anos de idade, excetuando-se os alunos com

necessidades especiais que independente da faixa etária cursam seus estudos

juntamente com as turmas.

A escola que teve início com apenas uma sala multisseriada e três funcionários

(duas professoras e uma zeladora) já trazia em sua gênese a assistência às

crianças com necessidades especiais. Outra marca da escola é o vínculo

estabelecido com os ex-alunos que voltam para matricular os seus filhos e mantém

relação próxima à escola mesmo depois de décadas.

Localizada em um bairro central da cidade de Juazeiro, Bairro Coreia, a escola

recebe mães e pais de várias camadas sociais, no entanto, a maioria deles vem das

classes mais altas. Em um levantamento feito com os pais e mães da Educação

Infantil destacamos as dez profissões mais encontradas: Comerciante,

Empresário(a), Servidor(a) Público(a), Advogado(a), Professor(a), Autônomo(a),

Agrônomo(a), Militar, Enfermeiro(a), Médico(a).

Assim, devemos considerar essa variável ao olharmos para esse aluno, tomando

como ponto de partida o contexto de onde ele vem. Porque para onde ele vai, a

escola tem demonstrado ao longo dos seus cinquenta anos que muitos foram os

alunos de destaque na sociedade, incluindo entre eles inúmeros médicos,

advogados, promotores, com exemplos de delegados e vereadores, todos oriundos

dessa instituição de ensino. E nesse sentido não podemos dar o mérito somente ao

Método Montessori, ou mesmo à escola, mas a um conjunto de fatores, sem tirar o

mérito pessoal de cada um desses ex-alunos, é claro!

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E esse ex-aluno retorna à escola trazendo seus filhos e até netos! Em um

levantamento feito com os alunos do Ensino Fundamental do turno vespertino,

identificamos 47 alunos cujos pais já estudaram na escola, demonstrando esse ciclo

geracional que a escola proporciona.

Os sujeitos da pesquisa foram escolhidos considerando a representação dos

mesmos para melhor compreensão e alcance dos objetivos da pesquisa. Optou-se

por entrevistar crianças que ingressaram na escola no último ano do Ensino

Fundamental I, que é o último ano oferecido pela escola e em contraponto

entrevistar crianças que cursando o mesmo ano estejam na escola desde um ano de

idade, ou seja, na primeira faixa etária recebida pela escola.

A delimitação do número de entrevistados se deu no próprio campo de pesquisa,

pois a escola apresentou somente quatro alunos que ingressaram no ano de 2017

no quinto ano, sendo assim foi delimitado o mesmo número para a amostragem dos

veteranos. Os pais dos alunos entrevistados também participaram de entrevista visto

o objetivo ser vislumbrar as significações do que seria o sistema de pensamento

ativo na vida dessas crianças assimilado através do Método Montessori, ouvir os

pais foi essencial, pois os mesmos podiam refletir o quanto o método influencia na

vida das crianças numa análise holística, saindo do ambiente escolar.

Optou-se por entrevistar também a diretora e fundadora da escola e a coordenadora

pedagógica, por entender que as mesmas poderiam apresentar uma outra face da

escola e do seu método utilizado, diferente da dos alunos, mas complementar. Por

critério semelhante foram entrevistadas duas professoras, a amostragem considerou

uma professora com mais tempo na escola e outra com menos tempo para ampliar

os espectros de análise. Posteriormente acrescentou-se a entrevista às professoras

do quinto ano também. E sem se esquecer da importância da análise do ambiente

escolar como um todo e considerando que o mesmo vai além do ambiente da sala

de aula foi entrevistada uma funcionária da escola de funções não acadêmicas

considerando este um olhar tão importante quanto dos outros sujeitos para tecer

essa rede de significações em torno e através do Método Montessori.

Ambiente preparado e adulto preparado, dois pilares do Método Montessori e que

puderam ser apreendidos nos processos escolhidos para coleta dos dados dessa

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pesquisa. A observação do ambiente, o ouvido atento a este adulto circundante e a

estas crianças com o objetivo de apreender ou mais simplificadamente e

modestamente anotar, conforme nos indica Geertz (1989), o que pensam (ou nossa

interpretação do que pensam) e o que vivem (ou nossa interpretação do que vivem)

estas crianças. E aqui, em um ponto, se poderia discordar do autor citado

anteriormente, em sua declaração de que “o lócus do estudo não é o objeto de

estudo” (p.32), nesse caso, e através do que intentamos buscar, nosso lócus

perpassa nosso objeto, nosso objeto não subsiste sem um lócus adequado,

preparado, do contrário se desfiguraria.

3.4 UMA METODOLOGIA EM BUSCA DA ESSÊNCIA...

Para além dos objetivos delineados nessa pesquisa como exigência formal e

científica, buscar a essência daqueles que estiveram imbrincados nessa jornada foi

o vento que impulsionou os barcos em cada técnica de coleta ou de análise, de

escuta do outro ou daquele que pesquisa se escutar. Pois na busca dessa

completude considerou-se, à luz de Galeffi (2009), que “é preciso pensar o humano

em sua condição existencial individual, social e ecológica simultaneamente” (p.21).

Para Garfinkel (apud COULON, Alain, 1995) a essência não é um conceito científico,

mas o mesmo constrói-se no cotidiano. Por isso, ao intentar perceber a essência do

Método Montessori na ERPP, o cotidiano tem a voz mais forte. Buscando vencer o

discurso da ciência moderna, essa como construção cultural (GALEFFI, 2009), que

traz a separação entre mente e corpo, objetivo e subjetivo, e tomando por base uma

ciência “maleável” disposta a ouvir, sentir, com simplicidade e intuição, na qual a

desordem dos pensamentos, dos atos, da vida são complementares à ordem.

Assim, esse princípio conduziu a pesquisa. Buscando encontrar na ordem do

ambiente ou na desordem do ser uma ordem-desordem ordenadora do que viria a

ser ou constituir o pensamento e o conhecimento dos sujeitos da pesquisa.

Conduzindo-se pelo que aponta Morin (2011):

Penso que, em todas as culturas, o conhecimento cotidiano é uma mistura singular de percepções sensoriais e de construções ideo-culturais, de racionalidades e de racionalizações, de intuições verdadeiras e falsas, de induções justificadas e errôneas, de silogismos e paralogismos, de ideias inventadas, de saberes profundos, de sabedorias ancestrais de fontes misteriosas e de

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superstições infundadas, de crenças inculcadas e de opiniões pessoais (p.12).

Assim “finalizo” esse roteiro metodológico pelo que seria o princípio, com o olhar

amplo, ao considerar que o universo escolar, o universo da infância, o universo do

ser é imenso, imanente e transcendente e não pode e não poderia ser delineado ou

delimitado em traçados metodológicos, o que se intentou, ao utilizar-se desses

instrumentos, foi aproximar-se do que viria a ser um sistema de pensamento

formado nos sujeitos envolvidos na pesquisa com base nas suas vivências –

consideradas nesse estudo como diferenciadas – por conta da aplicação do Método

Montessori no lócus da pesquisa.

Assim numa epígrafe inversa apresenta-se o que Montessori (1990) relatou em A

Criança: “O homem (...) é como objeto trabalhado à mão: cada um diferente do

outro, cada um possui um espírito criador próprio, que o transforma numa obra de

arte da natureza (p. 44).

3.5 A PRÁTICA DA PESQUISA

Aquele conhecido e simplório jargão de que na prática a teoria é outra faz todo o

sentido a um pesquisador, se não aos mais experientes, pelo menos àqueles que

são iniciantes à pesquisa mais criteriosa. Pode-se perguntar se há alguma pesquisa

científica que não seja criteriosa, é certo que todas deveriam ser, mas na juventude

de uma graduação (e aqui juventude não traz o sentido apenas da idade

cronológica) pouco tempo temos dedicado à pesquisa, para arriscarmo-nos a pensar

um pouco mais alto e logo decidimos por pesquisar aquilo que nos parece mais fácil

e que nos tomara menos tempo.

A escolha, por exemplo, de partir para uma pesquisa quantitativa ou qualitativa

parece definir o tempo que se gastará com a mesma. E ainda assim, podemos cair

no engano de que os números nos serão mais aprazíveis.

Utilizando-me do meu exemplo pessoal, na graduação por exemplo, fiz uma

pesquisa de cunho quantitativo, na qual observei o nível de compreensão acerca da

democracia em jovens do ensino médio. Assim, uma pesquisa que poderia ter tido

um grau de profundidade de análise um pouco maior, foi analisada somente através

de gráficos resultantes de questionários respondidos pelos alunos.

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Já na presente pesquisa, deparei-me com a dificuldade de uma pesquisa qualitativa

e que se pretenda etnográfica ainda que de etnografia escolar. No momento de

construção da teoria idealizei toda uma trilha metodológica e todo um embasamento

teórico que seriam o meu guia. Projetei um determinado lócus e os sujeitos

envolvidos, o tempo de pesquisa e a forma de coleta.

Imaginei que teria tais e tais resultados com determinada abordagem, imaginei até

mesmo quais respostas eu daria a determinados problemas que surgissem durante

a pesquisa. Mas há um momento em que o pesquisador se sente sem chão. Como

se circundado numa espécie de órbita na qual ao seu redor girassem todos os seus

pensamentos, todos os seus sujeitos, todos os teóricos. Assim como tudo o que já

escreveu e o que tem que escrever, um calendário lhe mostrando o prazo de

entrega e um relógio girando mais rápido que os segundos em sua normalidade, lhe

mostrando o quão urgente deve ser sua obra, sem nos mostrar o quão complexa a

mesma é.

Assim, algumas coisas mudaram desde a idealização dessa pesquisa. No início,

tínhamos um problema central que era saber se o Método Montessori forma um

sistema de pensamento próprio nos sujeitos escolares, mas no decorrer da pesquisa

observamos que outros fatores do campo traziam elementos mais fortes e tão

interessantes quanto. A análise do cotidiano escolar, seu currículo materializado em

seu espaçotempo e a visão desses alunos (e também dos demais sujeitos) acerca

do que venha a ser uma escola, como elemento de análise e discussão acerca da

escola que temos e da que mais se aproximaria do ideal, foram surgindo.

Desse modo, não se abandonou o objetivo principal, mas aderiu-se a ele outros

tantos elementos. E, mesmo para respondê-lo, afastou-se um pouco da

tendenciosidade da análise aproximando-se mais de uma reflexão acerca do

sistema de pensamento gerado fora da escola montessoriana e que a influencia.

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60

4. RESULTADOS

4.1 O COTIDIANO E O CURRÍCULO DA ESCOLA RECANTO DO PEQUENO

PRÍNCIPE

Separar as categorias cotidiano e currículo é algo muito desafiador! O que a escola

é parece depender tanto de um quanto do outro. O currículo real só se dá no

cotidiano e em contrapartida o cotidiano é modelado pelo idealizado no currículo.

Mas para fins de análise se tentará aqui fazer uma mínima diferenciação para

apresentar o material colhido, retornando a uma análise única posteriormente.

4.1.1 O cotidiano

O cotidiano nunca tem fim I Às oito entro na sala da turma das crianças de quatro anos de idade, alunos da professora Márcia. Nesse horário as crianças fazem atividades diversificadas, sem tumultos, em grupos ou individual. As atividades têm objetivos a serem alcançados, como montagem de blocos de acordo com a prancheta. Uma das professoras acompanha a aluna fazer seu nome. A Professora Márcia diz que não estão focando muito nos conteúdos essa semana devido às festas juninas. Há crianças que utilizam o material montessoriano da forma correta, outros o utilizam de outros modos, fazendo dos blocos um sanduiche, por exemplo. Às 08h10 observo que há uma menina que permanece sentada na linha apenas observando, com olhar calmo, talvez cansado. Às 08h17 a professora chama todos para a linha. Um aluno que estava concentrado diz “mas já?!”. Na linha conversam, todos concentrados. Fazem oração, cantam músicas. Uma criança conta como foi sua ida à roça. A professora aproveita para contextualizar sobre como é na roça fazendo oposição à cidade falando da violência da cidade. Nesse momento ao olhar para as paredes percebo a presença de um datashow, a sala não tem TV bem como as demais salas da escola. Na roda há concentração, não ficam todos falando ao mesmo tempo, nem alteram a voz. Nesse tempo a auxiliar prepara a mesa do lanche, colocando os copos de vidro. Uma criança perguntou quem eu era. Até esse momento não havia me apresentado visando observá-los ao máximo sem chamar a atenção. Nas turmas da Educação Infantil o lanche é coletivo, oferecido pela escola e acontece na sala, as turmas do Fundamental lancham na cantina. Não há momento de recreio. Os que vão terminando o lanche voltam para a roda. A professora transporta as barras vermelhas e azuis, o conteúdo a ser trabalhado é matemática focando na relação número x quantidade. A professora ensina como transportar o material, segurando pelas pontas. Nesse momento a professora chama a atenção pela primeira vez do dia a alunos que conversam “fora de hora”, mas a correção é breve e branda (Anotações do Diário de Campo – dia 19.06.2018).

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Para qualquer pessoa que já tenha frequentado uma escola, e que essa seja uma

escola convencional, esta é uma descrição no mínimo curiosa para a rotina de uma

turma de crianças de quatro anos de idade. Uma sala de aula em que não há uma

TV, não por falta de recursos financeiros e na qual serve-se as crianças em copos

de vidro nunca deixa de me levar a uma reflexão. Há nesse ambiente uma ordem

estabelecida sem dramas, sem castigos. Há um fluxo de práticas que se repetem

sim, pois é nessa ambiguidade que o cotidiano se funda, entre a singularidade e a

repetição, no entanto, esse fluxo permite criações, indagações ou mesmo

contemplações que na realidade de uma sala de aula tumultuosa é improvável de

acontecer.

A seguir outros trechos foram extraídos do diário de bordo que utilizei durante os

dias de observação. Não fui à campo buscando encontrar respostas a este ou

àquele tema, simplesmente observava o cotidiano. Os temas surgiram pós

observação, ao perceber que em cada um deles um enfoque específico poderia ser

dado.

O cotidiano nunca tem fim – a liberdade

II Às 10h entro na sala da turma de cinco anos, nesse momento eles já lancharam e a professora chama a atenção com palmas. Os alunos vão montar quebra-cabeças do livro da Escola da Inteligência, no qual desenvolvem também a habilidade para recortar. Enquanto recortam alguns conversam sobre os jogos da Copa. Enquanto isso, do lado de fora, no galpão, crianças correm e gritam ao sair de uma sala para outra como em outra escola qualquer. Na sala alguns ainda lancham, outros fazem atividade, uns deitados, outros em pé, não são obrigados a sentar. Às 10h30 alguns alunos saem para tomar banho, pergunto à professora o por quê. Ela diz que são os alunos do integral, os mesmos saem da sala às 11h e ficam na casa do integral até as 17h30. Lá realizam atividades de “casa”, natação, jiujitsu, xadrez e balé. Pergunto se há momento de descanso a professora diz que sim. Os alunos que vão terminando seus quebra-cabeças começam espontaneamente a organizar os materiais de vida prática. Uma aluna finge fazer suco e servir às colegas. Às 10h45 todos sentam-se na linha13 e a professora explica a atividade de casa sobre alimentação. A atividade é semelhante à de outras escolas. A essa hora as crianças já parecem menos interessadas na voz de comando, estão mais dispersas. Em pequenos grupos ou duplas desenvolvem diálogo e brincadeiras. A professora começa a cantar, com a melodia de “Se essa rua fosse minha” e as crianças andam

13 No Método Montessori faz-se uso de uma linha circular ou oval pintada no chão, ponto de referência para atividades em grupo nas quais as crianças andarão sobre a linha ou se sentarão sobre a mesma.

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na linha “Eu já sei, eu já sei andar na linha; eu já sei, eu já sei o meu lugar; Vou andando atrás do coleguinha; Não precisa, não precisa empurrar”. Às 11h todos se sentam na linha. É o momento do silêncio. Todos esticam as pernas para relaxar. A professora relembra a atividade e mais uma vez se dispersam. Às 11h10 as crianças pegam os materiais na estante mais uma vez, pegam os tapetes e se sentam escolhendo o material conforme a sua vontade. No início do ano a professora apresenta e orienta como usar o material, depois eles já utilizam sozinhos, mas a professora reorienta quando necessário. (Anotações do Diário de Campo – dia 19.06.2018).

Mais uma vez liberdade e ordem, autonomia e disciplina se mostram presentes no

cenário da sala montessoriana. Em outras escolas nos preocupamos tanto em

mantê-los todos fazendo a mesma coisa ao mesmo tempo, todos sentados da

mesma forma e na transição de uma atividade para outra de maneira uniforme, que

o insucesso é praticamente certo. Há que se ter atividades em conjunto sim, e no

que relatei também podemos ver esse momento, mas ele é sútil, ele é quase que

tomado por encantamento, à voz cantada da professora as crianças seguem e

claramente isso não se dá por muito tempo.

Qual de nós consegue manter-se em silêncio ou concentrado em uma atividade por

muito tempo sem dispersar quiçá os pensamentos? Pois então, criança é

pensamento em ação. A diferença que parece haver entre nós e elas é que

enquanto divagamos em nossos pensamentos durante uma palestra ou reunião, a

criança simplesmente sai a passear com suas próprias perninhas no lugar em que

estiver. Mais uma vez estamos nos adultos a julgar o comportamento infantil sem

nos colocarmos em seu lugar!

Como bem pontuado por Gabriel Salomão em seu site falando acerca da liberdade

no método, essa é uma questão controversa. Enquanto uns acham que o método é

cerceante e diretivista demais, outros o consideram um completo anarquismo

dominado pela falta de ordem infantil. Nem para um lado, nem para o outro! A

liberdade montessoriana é o limiar da ordem. É a liberdade que produz a ordem

interior, mas antes que esta liberdade fosse ofertada o ambiente já estava em ordem

e o adulto preparado já estava pronto para permitir essa liberdade. Eis o segredo do

método!

Salomão destaca a diferenciação entre os tipos de atividades que as crianças

realizam em atividades edificantes e atividades não-edificantes. Essa diferenciação

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é o que vai estabelecer se a liberdade deve ocorrer ou não. Sempre que uma

criança estiver a realizar atividades edificantes (qualquer atividade que gere o bem a

ela ou a outros) a mesma não deve ser interrompida, mas observada pelo professor

para que o mesmo possa direcionar-lhe quando oportuno a um outro nível de

atividade ou aprimorar a que estiver sendo feita. Por outro lado, sempre que a

criança estiver a realizar atividade não-edificante (que cause dano a ela, a outro ou

ao ambiente) a mesma deverá ser interrompida, porém não com repreensão, mas

com ensinamento.

E esse ensinamento não é exatamente com palavras, mas sim direcionando a

criança a realizar outra atividade de que goste.

O cotidiano nunca tem fim – entre leitores e escritores III Às 07h50 inicio minha observação na turma do 1º ano. A professora está a falar sobre atitudes honestas, lembrando aos alunos acerca da história da “Onça Sasá” que fala sobre ninguém ser melhor que ninguém e também sobre não contar mentiras. Nesse momento estão todos sentados na linha e em silêncio. Oram e depois vão às estantes pegar os materiais montessorianos. Nas estantes encontra-se somente o que está sendo trabalhado. Em comparação com as salas da Educação Infantil há menos materiais sensoriais. A professora diz que na turma de 25 alunos, 14 já começaram o ano lendo. Diz que a transição da letra bastão para a letra cursiva acontece na turma de quatro anos. Pergunto sobre a disposição das mesas e cadeiras pois há cadeiras agrupadas em quatro, outras em três, duplas e outras sozinhas bem afastadas. A professora diz que no início do ano ela faz a divisão de quem senta com quem, mas que depois vai modificando de acordo com o desenvolvimento e comportamento de cada um. Crianças que estão se desenvolvendo melhor na leitura ficam juntas, outras com mais dificuldade ficam próximas da professora e há ainda os que sentam-se sozinhos para conseguirem se concentrar melhor ou visualizarem melhor o quadro. Quando as atividades são desenvolvidas no tapete14 não há separações. Nesse momento uma aluna mostra à professora o livro que fez. Duas folhas de papel pautado com alguns desenhos e uma pequena história escrita por ela. Produção apresentada pela autora com a alegria de quem acabara de escrever uma grande obra! E o encanto fica à cargo da espontaneidade do trabalho e do interesse dos colegas em conhecer o trabalho também. (Anotações do Diário de Campo, dia 20.06.2018) No Método Montessori a escrita precede a leitura, mas o que parece ser um atraso

ou um desmotivador na verdade é um trabalho realizado lentamente, mas com fruto

14 No Método Montessori faz-se uso de pequenos tapetes quando da utilização dos materiais. As crianças pegam o tapete que fica enrolado em um cesto, forra-o no chão e coloca sobre ele o material. Após utilizar o material o aluno o enrola e guarda.

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na hora certa. Quase que a metade da turma já iniciar o ano lendo e escrevendo

pode ser considerado um sucesso, principalmente porque vemos o interesse pela

leitura e também pela produção literária. O Método não traz fatores positivos apenas

no campo mais abstrato, mas exatamente por ser um método produz resultados

através dos modos de fazer que o diferenciam, por exemplo, do construtivismo

encontrado na maioria das escolas, ainda que de maneira esparsa. Em trabalho

realizado anteriormente dediquei-me a discorrer acerca da leitura e escrita no

método (NASCIMENTO; ANJOS, 2017). Nessa oportunidade pudemos caracterizar

como evento de letramento uma situação de leitura e escrita em uma turma de

crianças de cinco anos.

O destaque dado ao momento de apropriação da leitura e da escrita, a tão

conhecida alfabetização, se deu por alguns motivos específicos. Além de na

oportunidade ser um direcionamento da disciplina cursada – Políticas de Letramento

– também consideramos a discussão acerca de como se dá a leitura e a escrita no

Método ser profícua. Nos últimos anos a alfabetização tem sido motivo de

discussões acirradas e há quem diga que ela saiu de cena para dar lugar ao

“letramento”.

Esse é na verdade um equívoco! A alfabetização por certo enquadra-se em uma

situação de letramento, mas este é muito mais amplo. Isso não significa que “letrar”

tenha mais sucesso e o alfabetizar seja ultrapassado. Esse equívoco tem dificultado

o desenvolvimento cognitivo das crianças nas escolas. Não é à toa que programas

como o PRONAIC – Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa sejam

criados.

A memorização, a caligrafia, o ditado e a cópia, que segundo Oliveira (2004, p. 22)

tornaram-se proscritos, condenados como instrumentos arcaicos, na verdade devem

apenas ser corretamente utilizados. Para o autor

Ignorar a especificidade da decodificação, confundindo o processo com o objetivo (que é a compreensão, o letramento) resultou em descaminhos que até hoje impedem o avanço das políticas e práticas de alfabetização no Brasil. (...) Se é correto dizer que alfabetizar (ensinar a ler) é ensinar a decodificar, isso não significa que ler se resuma a decodificar. (...) aprender a decodificar é importante. (...) Só através do domínio da decodificação é possível formar um leitor

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autônomo. No processo de alfabetização a decodificação ocupa lugar central.

Assim, o defendido por Oliveira vai de encontro ao proposto no método. Antes de

adquirir outros conhecimentos ou outras habilidades a preparação da escrita deve

ocorrer desde cedo. Mas essa preparação não se dá colocando um lápis na mão e

fazendo cobrir uma vogal, essa preparação inicia-se da seguinte forma:

Até mesmo o ato de carregar baldes com água, lavar pratos ou posicionar-se corretamente na cadeira para a prática de trabalhos manuais (situações que fazem parte das Atividades de Vida Prática nas escolas montessorianas) predispõe o fortalecimento da musculatura e posição correta para a escrita. Diversos materiais proporcionarão a partir daí o desenvolvimento da pega no lápis, ao pegar em materiais com pinos que mobilizarão a criança a pegá-los como se fosse um lápis (NASCIMENTO; ANJOS, 2017, p. 5).

Desse modo, no que diz respeito à alfabetização o Método Montessori tem uma

gama de instrumentos que habilitam as crianças a esse aprendizado. Há todo um

cuidado na forma como se apresentam as letras para as crianças tanto em sua

grafia como no seu som, utilizando-se do método fônico. Dizer a uma criança que a

letra L é um “lê” ao invés de dizer que é um “éle”, é sem dúvida proporcionar-lhe

mais independência para construir palavras e também compreendê-las.

Aí, portanto, se aprende primeiro a escrever, depois a ler, e lendo, compreender.

Pois “Se os alunos não sabem o que é letra, o que é palavra, ou que se lê da

esquerda para a direita, a escola tem que partir daí, e não se preocupar apenas ou

prioritariamente com os usos sociais da língua” (OLIVEIRA, 2004, p. 58). A leitura de

mundo para quem não aprendeu a escrever e ler de maneira plena nunca será

libertadora. Será apenas um engano!

Como percebemos, a ERPP demonstra forte empenho na alfabetização das crianças

e também na formação de leitores a respeito do que acontece na Roda de Leitura. A

Roda de Leitura é um horário semanal separado para que as crianças compartilhem

as leituras de livros que escolheram na biblioteca na qual um aluno faz “propaganda”

do livro que leu para os outros. Há também um dia marcado para o aluno fazer a

apresentação do seu livro escolhido envolvendo a família, construção de cenários,

figurinos, lembrancinhas entre outros, ação que envolve e estimula as crianças a

quererem ler cada vez mais.

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O cotidiano nunca tem fim – brincadeira tem hora? IV Ao chegar na sala do 2º ano a professora diz que estão se preparando para ir à cantina lanchar, digo que tudo bem e vou à cantina junto com eles. O momento do lanche dura apenas quinze minutos, como em qualquer outra escola fazem a fila, nessa fila conversam, riem - verdade que não notei empurrões e nem gritos, talvez seja um pouco diferente de outras escolas mesmo! Mas tudo é muito rápido, logo eles têm que voltar para a sala. Alguns voltam ainda lanchando, pois, o tempo foi curto para comer. Ao retornarem peço à professora para me permitir fazer duas perguntas a eles. Pergunto quem gostaria de ter recreio. Dezenove alunos não levantaram a mão demonstrando estarem satisfeitos, mas três alunos levantaram suas mãos dizendo que gostariam de recreio. Destes três, dois quiseram falar. Aí fiz minha segunda pergunta: Por que gostariam que tivesse recreio? M. V. disse que “é porque diverte” e J. disse que seria “um momento para brincar e para relaxar”. Pergunto à professora se eles têm algum momento que seja semelhante ao recreio. Ela diz que nas sextas-feiras é o dia do brinquedo no qual ficam de 20 a 30 minutos brincando no final da aula e que isso acontece em todas as salas. Fora isso eles têm 50 minutos de aula de Educação Física uma vez por semana também (...) Um aluno termina a pontuada e pede para brincar com o material, a professora pergunta se é brincar e ele diz usar, trabalhar. Mas logo a professora diz que farão outra coisa. (Anotações do Diário de Campo – dia 20.06.2018)

A princípio, quando soube que não havia momento de recreio na escola pensei que

pelo fato da dinâmica da sala e da aula ser tão variada não haveria essa

necessidade e em parte foi o que realmente observei. Observei uma rotina fixa,

porém moldável a cada dia. É bem verdade que a Coordenadora Pedagógica disse

que as crianças de hoje em dia sentem mais necessidade de correr que as de

antigamente, e esse antigamente ela se refere a mais de 30 anos atrás.

Se a escola tem ou não um momento de recreio é algo muito mais complexo de

definir do que simplesmente encaixando entre um horário de aula e outro um tempo

para este fim.

Em escolas convencionais onde há o recreio, o mesmo tem o seu tempo dividido

entre o brincar livre e o lanche. E esse brincar livre no mais das vezes é carregado

de brincadeiras a qual julgamos violentas e mesmo perigosas. Mas por que será que

as crianças correm? Será que correm porque passam o restante do seu tempo

quando não estão na escola em frente à TV ou mesmo do tablet? Ou será que

crianças sempre correram, mas antes corriam para os campos, para a rua e longe

dos adultos não os incomodavam?

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Há ainda um outro cenário, o de escolas que retiraram o momento de recreio por

alegarem esses motivos: as crianças só correm, só brigam, etc. E esse exemplo é

mais dramático ainda, pois tratam-se de escolas convencionais, cujas crianças têm

apenas paredes e quadro branco para olhar! O Método Montessori indica que se

uma criança tem a oportunidade de “trabalhar” logo não terá o interesse no brincar.

E trabalhar no Método Montessori é toda ação voluntária da criança no intuito de

realizar atividade que para ela faça sentido, seja útil e também lhe dê prazer.

Apesar de concordar com a afirmação de que uma criança se interessa mais por

uma situação da vida real do que por uma situação fantasiada, observei que as

etiquetas, as gavetas e os ponteiros são criados por nós adultos. Nós é que dizemos

se esta ou aquela é a hora disto ou daquilo e teimamos em não dar o braço a torcer

para a atividade espontânea seja está o brincar ou o trabalhar. A espontaneidade do

brincar de “polícia e ladrão” também é positiva! E burlando a falta de recreio

brincadeiras como essas também acontecem na ERPP segundo uma das alunas

entrevistadas.

Seria um tanto complexo e desafiador falar do brincar partindo de onde falo,

imergida no Método Montessori, no entanto, quando tiramos o peso da diferença

imposta entre o brincar e o trabalhar, ou o jogo (HUIZINGA, 2000) e a seriedade

conseguimos pensar e produzir sentido de uma melhor forma. Para Huizinga “O jogo

não é em si mesmo nem bom nem mal” (p.125), em outras palavras, não podemos

tachar o brincar como negativo ou positivo, o brincar simplesmente acontece à

revelia de quem quer que seja.

Se compreendermos o brincar como sendo esse simulacro da realidade ele é

complementar ao “trabalhar” montessoriano. O que confunde nossa mente é

somente o fato de que nas últimas décadas o brincar virou sinônimo de brinquedo e

nos últimos anos mais precisamente, brincar virou sinônimo de nada, é isso

mesmo...de nada pois o que menos permitimos às crianças fazerem é brincar e elas

desde a mais tenra idade se acostumam com isso e se satisfazem e se entorpecem

com nossas telas reluzentes e mágicas!

Ainda com base em Huizinga (2000, p.10) “o jogo não é vida ‘corrente’ nem vida

‘real’. Pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida ‘real’ para uma esfera

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temporária de atividade com orientação própria. Toda criança sabe perfeitamente

quando está ‘só fazendo de conta’ ou quando está ‘só brincando’”. Podemos

perceber com isso que essa divisão entre o momento de brincar, o momento de

trabalhar, o momento de estudar , o momento de lanchar etc. é uma divisão tola,

pois nós adultos bem sabemos que a rigor cada um desses momentos distintos da

nossa vida e dia a dia são entremeados por quebras de “seriedade” tanto no

universo adulto, quanto no infantil e nós adultos não deveríamos interferir nisso.

Talvez o cotidiano escolar fluísse melhor se essas barreiras não existissem. E foi

exatamente isso que Montessori demonstrou, que era necessário deixar a cargo da

criança a utilização do seu tempo. Huizinga (2000, p. 14) diz que,

A criança representa alguma coisa diferente, ou mais bela, ou mais nobre, ou mais perigosa do que habitualmente é. Finge ser um príncipe, um papai, uma bruxa malvada ou um tigre. A criança fica literalmente "transportada" de prazer, superando-se a si mesma a tal ponto que quase chega a acreditar que realmente é esta ou aquela coisa, sem contudo perder inteiramente o sentido da "realidade habitual". Mais do que uma realidade falsa, sua representação é a realização de uma aparência: é "imaginação", no sentido original do termo.

Em nosso capítulo teórico já apresentamos a distinção feita por Montessori entre

fantasia e imaginação. Essa diferenciação não explorada em Huizinga dá lugar a

uma interpretação positiva desse jogo de fantasia/imaginação realizado

cotidianamente pelas crianças. E a exemplo do que ele expõe a criança não perde o

sentido da sua realidade, mas o faz com consciência de que é apenas um momento

em que se “transporta” e depois retorna. Não interpretamos o brincar como uma

fuga, talvez porque não disponha aqui do conhecimento psicológico suficiente para

fazer abordagens como essa. Mas defendo que o brincar/jogar/trabalhar deve ser

sempre livre e desimpedido.

É certo que a defesa aqui não é pela desordem, anulando toda e qualquer regra de

utilização dos espaçostempos, mas sim uma reflexão acerca da sensibilidade que

devemos ter à necessidade das crianças ( e também de adultos) em brincarem e/ou

desenvolverem atividades com outras finalidades para além do brincar como fim,

porque essa já é uma boa finalidade!

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4.1.2 O currículo e as práticas pedagógicas na ERPP

Desde a sua gênese a Escola Recanto do Pequeno Príncipe se utiliza do Método

Montessori como orientador da sua prática pedagógica. A escola que há 50 anos

iniciou os seus trabalhos com uma classe multisseriada mantém em sua essência os

preceitos do método e o respeito às crianças. E a palavra RESPEITO pode ser

identificada como um mote nessa escola, pois nas falas dos entrevistados ela

aparece com frequência e com grifos.

Acredito assim que o método Montessori é um método que aproxima sem forçar a criança do aprendizado, aproxima a criança do conteúdo em geral, a ela ter curiosidade em buscar, eu acho que o Montessori é isso, além do mais respeita muito os limites, eu acho que respeita também os limites das crianças, eu acho que é isso. (fala da mãe de M. G. - 10 anos)

No que diz respeito ao funcionamento cotidiano da escola, há diferenciações claras

com relação às escolas convencionais. Desde a sua estrutura física ao modo como

se estabelece a relação com a família, se percebe os fortes elementos do Método

Montessori materializando um currículo.

Para discorrer acerca de como o Método Montessori se dá na escola pautei-me nas

definições das características essenciais de uma escola Montessori definidas pela

Montessori Public Policy Initiative (MPPI) expostas no Quadro 1.

Com relação ao que um currículo montessoriano preconiza a escola cumpre

integralmente os itens a e b (quadro 1). As salas de aula explicitam um ambiente

preparado com as estantes e seus materiais expostos e disponíveis para as

crianças, bem como toda a mobília adaptada ao tamanho dos mesmos em um

ambiente convidativo com plantas, cortinas de tecido e toalhas de mesa fazendo

alusão a um ambiente familiar, acolhedor e acessível às crianças.

A escola também possui os materiais montessorianos (torre rosa, escada marrom,

encaixes metálicos etc.) para cada sala de aula. As estantes encontram-se bem

organizadas para cada uma das áreas de conhecimento do currículo montessoriano:

Sensorial, Linguagem, Matemática, Natureza, Sociedade e Vida Prática.

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FIGURA 3 – Estantes com materiais montessorianos em uma sala de aula.

FONTE: Arquivo da pesquisa

Quanto aos períodos de trabalho (item c), a escola adota para cada turma uma

pauta diária. Nesse ponto opondo-se ao indicado no método a escola divide os

tempos se aproximando dos “horários” das escolas convencionais. No entanto, em

uma das observações ainda que a pauta estivesse presente no espaçotempo da

sala de aula algumas atividades aconteciam de forma concomitante como, por

exemplo, um momento de explicação de conteúdo matemático por parte da

professora, que apresentava os materiais a alguns alunos enquanto outros

lanchavam e ainda outros realizavam atividades nos livros didáticos, elemento este

aliás que não está presente no Método Montessori, mas que é utilizado pela escola.

Nesse sentido o “alto grau de liberdade” presente no item d ainda não ocorre na

escola, a despeito da pauta seguida, mas conforme o exemplo dado anteriormente o

que ocorre no espaçotempo da sala de aula da escola em questão é uma situação

de liberdade muito maior do que o que podemos encontrar em uma escola

convencional que não utilize o método.

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FIGURA 4: Pauta de aula em um agrupamento de crianças de cinco anos

FONTE: Arquivo da pesquisa

O ensino individualizado na educação infantil ou em pequenos grupos no ensino

fundamental (item e) ocorre de forma diversa. Na educação infantil pôde-se observar

ensino individualizado, mas também em grupos pequenos, como mencionado

anteriormente, ou ainda, o ensino para toda a turma. No ensino fundamental notou-

se o ensino em pequenos grupos, considerando-se ainda que as turmas possuem

poucos alunos. Em uma mesma sala por exemplo, de quinto ano, há duas turmas

cada uma com sua professora estudando temas diferentes e desenvolvendo

atividades diferentes. Desse modo, temos uma sala com pouco mais de 20 alunos,

no entanto, não estão todos a estudar o mesmo assunto.

As salas de aula da escola atendem bem ao item b do terceiro elemento do quadro.

São amplas, iluminadas, com portas e janelas largas e transparentes. Os armários

estão dispostos de forma a assemelhar-se a uma casa.

Quanto à formação dos profissionais a escola possui 13 professores com formação

no Método Montessori. Além disso a escola promove constante formação continuada

que acontece com a vinda de renomados professores de todo o Brasil para ministrar

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cursos e reuniões semanais de estudo. Além disso, em seus 50 anos a escola

recebeu o 6º Encontro de Educadores Montessorianos da Bahia, o que representa o

tamanho de seu empenho em promover conhecimento acerca do método para seu

corpo docente.

FIGURA 5 – Miniatura de uma sala montessoriana exposta no corredor da escola FONTE: Arquivo da pesquisa

Características Essenciais de uma Escola Montessori

1. Implementar um currículo

Montessori que deve incluir:

a) Um projeto de sala de aula que seja compatível com os princípios do “ambiente preparado” montessoriano;

b) Um conjunto completo de materiais montessorianos para cada sala e grupo etário;

c) Períodos diários de trabalho ininterrupto, idealmente com períodos de trabalho de três horas;

d) Ensino caracterizado por um alto grau de liberdade concedida aos alunos, para que escolham em que trabalhar, onde trabalhar, por quanto tempo trabalhar;

e) Ensino que aconteça principalmente em pequenos grupos (Ensino Fundamental) ou individualmente (Educação Infantil).

2. Ter profissionais de

educação adequadament

a) Ter um professor principal em cada sala com uma credencial de formação de professores no nível com que trabalha, emitido por: AMI, AMS, NCME e/ou MACTE;

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e formados, o que se define

por:

b) Ter membros da equipe envolvidos em constante desenvolvimento profissional em Montessori.

3. Possuir salas com:

a) Os agrupamentos etários adequados: 2,5/3-6, 6-9, 9-12, ou 6-12 anos de idade. Crianças de recém-nascidas até os três anos de idade e de 12 a 18 anos podem ser agrupadas por diversas configurações etárias;

b) Tamanhos de sala e relações criança/adulto que se alinhem com os princípios montessorianos. Os padrões montessorianos de sala de aula requerem ambientes de tamanhos maiores e relações de alunos por professor maiores do que o que geralmente se vê em salas tradicionais. Adicionar professores a uma sala de três a seis anos pode interferir com, mais do que encorajar, o aprendizado dirigido pelas crianças. Não seria incomum ver trinta ou mais crianças em uma sala de Educação Infantil ou Ensino Fundamental.

4. Avaliar o progresso dos estudantes por

meio de:

a) Observações dos professores; b) Registros detalhados.

Quadro 1 – Adaptação da Tradução de “Montessori Essentials”, de Montessori Public

Policy Initiative (MPPI) – A Joint Collaboration – 2015. Traduzido por Gabriel M. Salomão

(www.larmontessori.com)

O currículo elaborado para o Ensino Fundamental15 na ERPP está estruturado da

maneira convencional, dividido por turmas (anos) e também por unidades. Os

conteúdos a serem trabalhados são apresentados de forma gradativa a cada uma

dessas etapas sem diferenciação do que vemos em conteúdos curriculares de

outras instituições.

A apresentação do currículo se dá pelas disciplinas também convencionais:

Português, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes, Informática, Inglês. É

importante destacar, não referindo-se apenas à ERPP mas com base em

experiências com outras instituições, a forma como se apresentam as disciplinas no

currículo.

15 No Método Montessori o currículo da Educação Infantil tem uma construção diferenciada com relação às escolas convencionais. Vide anexo I.

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Quem um dia disse que primeiro vem o português e a matemática e em seguida as

ciências nos legou um sistema de pensamento no qual há uma espécie de

hierarquia entre as disciplinas e isso influencia fortemente na construção de um

currículo. Essa hierarquia se materializa na quantidade de horas delegada a cada

disciplina em sala de aula.

A justificativa de que sem o domínio da língua e da matemática não se consegue

estudar os demais conteúdos é válida, no entanto, por que não o inverso? Por que

não, após o domínio da leitura e da escrita (que não desconsideramos aqui ser

necessário adquirir) não se faz uma imersão cultural? Uma imersão na História e na

Geografia ou melhor no tempo e no espaço no qual esse aluno está inserido e a

partir daí se estudar todo o restante? Talvez a Educação Cósmica quisesse nos

trazer isso. Como bem apresenta STEPHENSON (2016, p.2)

O termo Educação Cósmica em jargão Montessori se refere à gradual descoberta da ordem para uma criança, uma global, unificada e universal visão do passado, presente e futuro. Tudo vindo junto de muitos conhecimentos em uma larga visão ou percepção, como um mosaico, da interdependência dos elementos do sistema solar, a Terra, planetas e animais, e a espécie humana. O caráter de nosso tempo é algumas vezes referido como a idade da informação; hoje as crianças são bombardeadas com fatos e informações de forma a não fazerem sentido ou essa informação chega em uma espécie de ordem. Educação Cósmica ajuda a que criança veja sentido em toda informação

Assim teríamos um currículo menos engessado, menos milimetrado. Pois mesmo

em uma escola montessoriana, e com mais propriedade falamos da escola

estudada, a régua divide o que é Ciências e o que é História, o que à minha

simplória sugestão deveria ser denominado de Ciências Naturais de forma clara e

explícita pois desse modo se cresce tendo a indução de que História e Geografia

não são ciência, por exemplo.

É importante dizer, porém, que esse enquadramento do currículo na ERPP não se

dá ao bom grado da direção. A Profª Oscarlina em suas próprias palavras e também

na dos professores de sua escola é avessa a essas delimitações, avaliações e

cobrança por resultados, fazendo a linha montessoriana mais literal, no entanto

relata que devido à necessidade de seguir o que o MEC preconiza e gerar

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“resultados” para os alunos que sairão de sua escola ao completarem o Ensino

Fundamental I, essa formatação é necessária.

No entanto, a ERPP traz outros modos de praticar esse currículo que o tornam mais

livre, menos diretivo. A escola produz o Caderno de Atividade que é uma espécie de

apostila na qual os conteúdos a serem trabalhados são apresentados. O Caderno de

Atividade traz textos elaborados pela coordenadora pedagógica e são sempre

seguidos de atividades no próprio caderno ou direcionamentos para atividades a

serem realizadas na sala de aula de forma individual ou em grupo.

Os textos diferentemente da linguagem dos livros didáticos, são mais espontâneos e

fazem ponte com os temas transversais a serem trabalhados durante o ano. Os

cadernos são utilizados a partir da turma de dois anos de idade. Os livros didáticos

são utilizados somente no Ensino Fundamental e faz-se uso apenas do de

Português e Matemática e como mencionado pela diretora os mesmos são utilizados

como mais uma ferramenta e não como instrumento principal.

Assim, na dinâmica de ensino da escola além do uso dos Cadernos de Atividades,

do livro didático e dos materiais montessorianos disponíveis na sala de aula os

alunos também fazem as frisas (folhas de ofício coladas umas às outras), que são

estudos individuais acerca de um tema proposto no qual escrevem com suas

palavras o que pesquisaram acerca do tema, colando ou desenhando também.

Os alunos também participam das tribunas, que são apresentações mensais abertas

à toda a escola e também aos pais nas quais encenam, verbalizam e apresentam

suas produções acerca de um tema específico. Outro material utilizado pelos alunos

são os livros da Escola da Inteligência de Augusto Cury no qual realizam atividades

na escola e também em casa acerca de temas de ordem moral e ética.

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4.2 AS OBSERVAÇÕES, OS DIÁRIOS E AS ENTREVISTAS: OUTRAS LENTES

PARA VER O MESMO OBJETO

4.2.1 As observações

FIGURA 6 – Lado externo da sala de aula da turma de 5º ano.

FONTE: Arquivo da pesquisa

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FIGURA 7 – Lado interno da sala de aula da turma de 5º ano.

FONTE: Arquivo da pesquisa

Sobre a turma do quinto ano – Imagens 06 e 07:

Os alunos do quinto ano foram escolhidos para serem entrevistados e receberem o

diário conforme já explicitado na metodologia. Assim, destinei um espaço para

detalhar melhor como se dão as aulas nessa turma. A turma de quinto ano da ERPP

reúne-se em uma sala de aula e também em uma parte do auditório da escola que

por sua vez fica em frente à sala de aula. Nesse espaço reúnem-se a turma A e B

com três professoras. A ideia inicial conforme relato das professoras da turma era de

que utilizassem somente o espaço interno da sala de aula, mas conforme a própria

necessidade dos alunos e das professoras passou-se a utilizar também a área do

auditório que fica em frente a sala.

Descrevendo as imagens que por sua vez apresentam o espaço utilizado pelas

turmas do quinto ano, temos o seguinte: a) uma sala de aula ampla, com paredes

brancas, janela fechada por cortina, ar-condicionado ligado e boa iluminação

artificial. b) há uma divisão na sala feita através do próprio mobiliário. De um lado da

sala há mesas e cadeiras amarelas e do outro mesas e cadeiras laranjas. c)

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somente de um lado da sala há um quadro branco e no restante do espaço há as

estantes com materiais montessorianos e outros materiais produzidos para

realização das aulas. Cada estante é destinada a uma área do conhecimento. d) do

lado de fora há mesas com cadeiras retiradas do espaço do auditório.

Com relação à dinâmica de aula dessa turma temos o seguinte: a) ao chegarem na

sala os alunos fazem a opção a respeito de qual aula desejam ter primeiro.

Dependendo da sua escolha vão para um dos três ambientes da sala. Após essa

primeira escolha fazem o rodizio de forma que passem pelas aulas das três

professoras no mesmo dia. b) a professora que fica do lado de fora da sala realiza

trabalhos que exigem discussão, trabalhos em grupo que no interior da sala seriam

mais difíceis de realizar devido ao barulho. c) nesse ambiente externo os alunos

sentam-se em grupo, duplas ou mesmo sozinhos afastados, como é possível ver no

canto esquerdo da imagem 06.

Esta dinâmica do espaçotempo dessa turma segundo as professoras propicia a

verdadeira interdisciplinaridade pois as três professoras conhecem tudo o que está

sendo trabalhado com a turma e podem intervir na área que considerarem estar

mais carente de reforço. Semelhantemente às turmas da Educação Infantil, nas

estantes há a presença dos materiais montessorianos, adaptados à idade deles e

que ficam lá expostos do início do ano ao período de férias escolares em julho e são

trocados no retorno das férias para adequar-se aos temas trabalhados na segunda

metade do ano.

Nas estantes vemos formas geométricas, fichas de análise morfológica das palavras

e trabalhos de artes. Segundo as professoras da turma sempre que se está

trabalhando um determinado tema os alunos dizem já ter visto acerca do mesmo nas

estantes, demonstrando que a materialização do que se trabalha em sala de aula de

forma permanente em seu espaço facilita ao aluno a compreensão e a familiaridade

com o tema.

As paredes são brancas, pois as cores já estão presentes em cada um dos

materiais. Não há cartazes fixados nas paredes, pois na sala nada é meramente

decorativo ou simplesmente expositivo. Os materiais e trabalhos expostos na sala

tem beleza, tem função e tem objetividade. Há uma carência sim, de relação com a

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natureza, o que é percebido em toda a escola, apesar do esforço em manter jarros

de plantas nas salas e belas samambaias nos corredores. Mas esta tem sido uma

carência em muitas escolas e é algo que deveria ser urgentemente revisto. Mais

terra, mais planta, mais horta, por favor!

Conforme relato das professoras, a ideia de agrupar as turmas de quinto ano

ocorreu a primeira vez no presente ano de 2018 e que a princípio não contou com o

apoio da maioria dos pais que temiam que esse novo formato prejudicasse o

desenvolvimento dos seus filhos. Mas desafios a parte, as professoras dizem ser

positiva a experiência e até mesmo estranham a turma do turno vespertino por não

ser nesse formato, demonstrando o quanto já se adaptaram a este trabalho

conjunto.

A ideia original no Método Montessori é a das salas multisseriadas ou melhor

definindo multi-faixa-etária, pois os planos de desenvolvimento no método não se

dão contando séries ou anos, mas, sim, a partir de que faixa etária a criança está.

Propor esse formato multi-faixa-etária aos pais é mais difícil, pois a ideia que se tem

de crianças de idades diferentes em uma mesma turma é a da carência, da falta de

acompanhamento, quando na verdade uns ajudariam os outros em seu

desenvolvimento segundo Montessori. A turma agrupada do quinto ano da ERPP já

nos pode mostrar que a qualidade do aprendizado pode ser melhorada quando há

relação verdadeira entre tudo o que se estuda e também entre os professores da

turma.

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FIGURA 08 – Crianças em escada na turma do NIDO (01 ano de idade) FONTE: Arquivo da pesquisa

FIGURA 09 – Mesa com fruteira na turma do NIDO (01 ano de

idade) FONTE: Arquivo da pesquisa

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FIGURA 10 – Criança utiliza material de encaixe com peças pequenas

FONTE: Arquivo da pesquisa

Sobre a turma do NIDO – Imagens 08, 09 e 10:

Nido é como são denominadas as turmas para crianças de 01 (um) ano de idade no

Método Montessori. Essas turmas são assim chamadas fazendo alusão ao seu

significado em italiano que quer dizer ninho. O Nido da ERPP está instalado em uma

sala média, não muito grande ou muito pequena. O piso é todo revestido em um

material plástico resistente a alto impacto e não escorregadio. Há na sala três camas

baixas, duas mesinhas para trabalho individual, uma pequena mesa redonda e uma

escada. Há estantes com materiais sensoriais do Método Montessori e outros

confeccionados pelas próprias professoras através de sucatas.

Há alguns anos atrás, no meu primeiro contato com a escola, notei que nessa sala

havia uma TV a qual já foi retirada objetivando tornar a sala mais próxima da

proposta montessoriana. Esse inclusive é um sinal claro da seriedade com que se

trata a educação das crianças no método. Hoje em dia as escolas orgulham-se em

mostrar suas tvs de tela plana nas paredes de cada uma das salas da educação

infantil e aquelas escolas que por ventura não as tenham são consideradas mais

pobres. Ledo engano daqueles que buscam apoiar-se nesse recurso com infindas

cantigas repetitivas enchendo as mentes das crianças, que se soubessem

prefeririam muito mais o silêncio de uma atividade realizada por elas ao barulho das

telas estéreis!

Outro fato que me chamou muito a atenção em minhas observações é como

podemos ver de forma materializada a autonomia e a disciplina nessa turma. Ao

observarmos a imagem 08 e a imagem 10 vemos crianças em situações que para

muitos seriam de risco, para crianças de tão pouca idade. Mas as mesmas realizam

suas atividades de forma concentrada e mesmo consciente.

É admirável! Posso parecer boba ao admirar-me e surpreender-me com coisas tão

simplórias, mas é que ao ver tantas crianças tolhidas de autonomia ou o seu inverso,

tantas crianças em desequilíbrio de suas habilidades pelo excesso de liberdade,

encanto-me com a possibilidade de ver a capacidade que a criança tem de em

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exercendo autonomia também ser disciplinada, sem prêmio ou punição, ambos

ausentes do método.

Essa autonomia também pode ser observada através da imagem 09 onde há uma

cesta com frutas que podem ser pegas pelas crianças a qualquer momento que

sentirem vontade de comer. O fato do alimento disponível ser uma fruta também

ajuda na criação de um bom hábito alimentar e é exatamente nessa idade que ele

deve ser estimulado.

À semelhança das outras turmas os materiais da sala do NIDO também são

trocados após o período de férias escolares em julho e as crianças mesmo tão

pequenas já participam das apresentações da escola vivenciando outras

experiências fora da sala de aula.

Diante de todo esse relato, no entanto, uma análise deve ser feita, almejando trazer

reflexão ao modo como se dão as experiencias na Educação Infantil. Eu, uma

simples licenciada em História, não pedagoga, porém desde minha primeira

experiência com a Educação Infantil ensinando a crianças de dois anos, fui

sensibilizando o meu olhar para esta causa e percebendo o quanto podemos

melhorar as experiências de vida dessas crianças.

Pois, afinal, quando falamos de Educação Infantil não estamos falando de Ensino,

mas de vida, da vida dessas crianças que tem seu momento crucial de

desenvolvimento nessa fase, já muito bem analisado por Maria Montessori. Do

contrário falaríamos de Ensino Infantil como o é nas outras fases educacionais

conforme denominamos aqui no Brasil: Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino

Superior.

As crianças precisam de mais espaços de vida! Precisam de mais terra, de mais

grama, de mais plantas, de mais formiguinhas. Precisam de mais árvores, de mais

joaninhas pra perguntar o que é. As crianças precisam de menos brinquedos pré-

fabricados e mais brincantes ao seu redor. Crianças precisam de quem as ouça e

não de quem lhes ponha um vídeo aos seus olhos e ouvidos. Crianças clamam por

dentro e choram ou se irrequietam por fora pedindo cada uma dessas coisas a seu

modo.

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Se ao menos nos atentarmos para essas necessidades que as crianças têm,

deixaremos de medicar-lhes ou sedar-lhes com alopáticos, homeopáticos ou

tabletes mágicos. Essa é a filosofia montessoriana “a busca de respostas para a

educação e a vida da criança” (OMB) e isso partindo das suas próprias experiências

e não das experiências de nós adultos.

FIGURA 11 - Crianças utilizando copo de vidro no momento do lanche FONTE: Arquivo da pesquisa

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FIGURA 12 – Estante de Vida Prática com jarras e potes de vidro FONTE: Arquivo da pesquisa

Sobre as demais turmas – imagens 11 a 14

Como já fora dito a estrutura das salas proporciona a autonomia e a disciplina da

criança em todo o tempo. Há jarras e copos de vidro, tanto para servirem-se no

momento da alimentação quanto para realizarem os trabalhos de vida prática

desenvolvendo habilidades motoras e sensoriais como versar um líquido de uma

jarra para outra ou levar sementes de um pote a outro. Essas habilidades que nos

parecem tão simples quando realizadas por crianças de três anos tem um

significado muito mais profundo. Quando ela consegue fazer e o consegue de modo

a não derramar é uma grande conquista, motivo de grande alegria e entusiasmo

para realizar outros trabalhos.

Em cada detalhe há o estímulo à ordem, não sendo a ordem externa um fim em si

mesma, mas um meio para se encontrar uma ordem interior, o equilíbrio. As crianças

são ensinadas que se deve pegar o tapete sempre que forem utilizar um material,

são ensinadas como se pega o material e como o devolver ao mesmo local e esse

ensino não se dá pelas palavras, mas demonstrando-o a elas. E assim elas o fazem,

pegam os materiais, o utilizam de acordo com o seu interesse e o devolvem ao

mesmo lugar tendo consciência do porquê estão fazendo cada um desses passos e

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estimuladas a pensar no bem comum, pois aquele material precisa encontrar-se de

forma organizada para que outra criança o possa pegar.

Um outro detalhe importante com relação aos materiais expostos na sala é que há

apenas um exemplar de cada. Aquele grande conflito enfrentado por professores

quando uma criança deseja o que está na mão do outro aqui não é apaziguado

entregando-se outro item igual, mas, o próprio cotidiano da sala mostrará à criança

que ela não pode ter aquele material agora, mas em um outro momento ela o poderá

ter.

E em minhas observações nenhuma briga eu vi sobre quem pegaria tal material,

mas vi sim crianças compartilhando o mesmo material sentando juntas para com ele

trabalhar. Assim duplas e pequenos grupos iam se formando de forma espontânea

de acordo com o material escolhido, paralelo àqueles que por terem se interessado

por um material que ninguém mais se interessou, sozinhos permaneciam e

concentrados no que faziam não se abalavam pelo que lhes cercava. Naquele

momento era somente ela, a criança, e o material.

Aqui nos cabe uma discussão acerca da acessibilidade dos materiais. Os materiais

montessorianos são muito caros pois seguem um padrão preciso de medidas e

qualidade. No entanto, há materiais que podem ser confeccionados e levados para

qualquer escola. As letras de lixa e os encaixes metálicos por exemplo que feitos em

cartonados resistentes podem muito bem servir às crianças em fase de

alfabetização. E quanto aos materiais de vida prática, por exemplo, todos eles

podem ser encontrados em nossas casas e introduzidos em salas de aula de modo

a auxiliar essa criança a desenvolver suas habilidades que a ajudarão no dia a dia

da escola e fora dela.

Durante a realização da pesquisa tive o conhecimento por exemplo de uma escola

pública na cidade de Uauá-Ba, Escola Recanto da Criança, que há alguns anos

utiliza o Método Montessori e confecciona materiais para seu uso demonstrando que

é possível sim levar aspectos do método para qualquer outro modelo de escola. E

mais uma vez aqui não reivindico um mundo montessoriano ou todo um sistema

escolar montessoriano, mas sou a favor da criança de todas as classes e modos de

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vida ter uma possibilidade de ser vista com outros olhos e de ter o reconhecimento

de suas habilidades, através do respeito às suas ações em sala de aula.

FIGURA 13 – Criança utiliza material escolhido por ela FONTE: Arquivo de pesquisa

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FIGURA 14 – Criança busca na estante material a ser utilizado por ela FONTE: Arquivo de pesquisa

4.2.2 Os diários

A ideia de utilizar diários nessa pesquisa não surgiu desde o início. A princípio como

instrumento de coleta previ a utilização apenas das entrevistas semiestruturadas e

da observação. No entanto, após ter ouvido em uma sessão científica acerca de

uma experiência com diários reflexivos surgiu a ideia de fazer uso desse instrumento

considerando-se que poderia ser muito rico para colher dados vindos dos alunos.

Cogitei entregar os diários também para os demais sujeitos, mas essa intenção foi

descartada considerando-se que os mesmos poderiam ver a proposta como mais

uma demanda de “trabalho”, como algo a mais para tomar o seu tempo. Então,

procedeu-se com a entrega dos diários aos alunos, que conforme o apêndice II

indica, deveria ser escrito registrando a visão do aluno a respeito do que se passava

no cotidiano escolar e também sobre os seus pensamentos acerca dos mais

diversos assuntos.

O registro poderia ser feito das mais diversas maneiras, em prosa, poesia, colagem

ou desenho e a periodicidade da escrita ficaria a critério do aluno. Os diários foram

entregues no mês de abril de 2018 e recolhidos em agosto após as férias escolares.

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O previsto era que cinco alunos novatos e cinco alunos veteranos recebessem os

diários, no entanto, havia na escola somente quatro alunos novatos entre o quarto e

o quinto ano. Entre os veteranos além dos cinco alunos já previstos houve mais um

interessado em participar.

Assim, entreguei um total de dez diários, mas tivemos a devolutiva de apenas sete

diários. O processo de recolhida dos diários levou mais tempo que o esperado. No

período de seis meses em que a escola foi visitada com periodicidade semanal para

a realização das observações, os alunos eram sempre lembrados acerca dos diários

com o intuito de que os mesmos não parassem a escrita. Esses momentos

aconteciam durante as aulas dos mesmos, pois em todo o transcorrer da pesquisa

buscou-se o mínimo de interferências nas aulas evitando prejuízo a alunos e

professores.

É sabido, portanto, que caso houvesse sido despendido tempo específico para um

grupo focal com os alunos provavelmente os resultados teriam sido mais

satisfatórios. Dois alunos que não devolveram disseram não ter encontrado os

diários. O outro aluno que não devolveu alegou falta de tempo relatando suas

inúmeras tarefas diárias como jiu-jitsu, natação etc. E mesmo entre os que

entregaram houve os que escreveram muito pouco alegando a mesma falta de

tempo. E aqui destaco essa “falta de tempo” para proceder com análise a esse

respeito mais adiante no texto. Dois alunos devolveram os diários em cadernos

diferentes (ainda que similares com relação à capa e formato) dos que receberam,

demonstrando que em algum momento os cadernos originais foram extraviados e a

anotação interrompida.

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Apesar da recomendação de que utilizassem de diversas formas de expressão

gráfica, somente uma aluna apresentou desenhos junto ao seu texto e ainda assim

reproduzindo a repetição da sua rotina diária, a mesma repetia desenhos padrões a

cada dia e que com o passar dos dias foi se esvaindo no traço e ficando menos

caprichado o que aparentou ser uma certa fadiga ao transcrever sua realidade que

se repetia.

FIGURAS 15 e 16 – Diário da Aluna M. V. (10 anos) – A imagem 15 traz as anotações iniciais da aluna a qual caprichosamente representava por meio de desenhos as etapas do seu cotidiano escolar. Na imagem 16 a aluna, um mês depois, já começa a demonstrar um certo enfado na escrita do diário, diminuindo a quantidade e o detalhamento da sua arte.

FONTE: Arquivo da pesquisa

Entre os seis diários um se destacou pela organização das ideias, pela narrativa,

ortografia e também pela caligrafia. Aparentando até mesmo ter sido feito por um

adulto, no entanto, após confirmar a veracidade da escrita com aluno e professora

constatamos ser realmente uma amostra interessante, mas que comparando-a aos

outros diários demonstrou ser apenas uma notória exceção.

Os demais diários, apresentaram textos curtos com cerca de seis linhas ou ainda

textos de uma página (de um caderno pequeno) mas por apenas alguns dias. Houve

relatos que se apresentaram em mais de um diário como o relato de uma festa

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preparada para um colega que perdeu a avó. A maior parte dos relatos traziam o

que eles faziam e não sobre o que sentiam, ou pensavam.

O que levaria crianças de dez ou onze anos a relatar falta de tempo? O que as

fariam iniciar a escrita com uma letra bem “desenhada” e alguns dias depois

escrever com uma letra bem diferente, mais “desleixada”?

FIGURA 17 – Diário do aluno C. H. (11 anos) – Destoando dos demais esse diário apresentou excelente escrita, tanto gramaticalmente quanto na coerência e coesão. O diário

inteiro segue sem rasuras e com caligrafia admirável para uma criança de 11 anos. FONTE: Arquivo da pesquisa

Assim, o que busquei encontrar nos diários não encontrei. Não pude detectar

nenhuma diferenciação nos diários, mesmo entre aqueles alunos que estão na

escola a menos tempo que os outros. Talvez por ter uma amostra pequena, ou por

mesmo dentro da amostragem selecionada não haver obtido retorno de todos. De

todo modo os diários nos mostram uma realidade escolar, quer seja montessoriana

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ou não. Eles revelam o dia a dia na escola sob a ótica dos alunos e essa é uma boa

observação a ser feita.

4.2.3 As entrevistas

Nas entrevistas foram eleitas cinco categorias de perguntas: 1. Estrutura da escola

(ambiente preparado); 2. Papel do professor (adulto preparado); 3. Aprendizagem

(autoeducação); 4. Percepção de si e do outro; 5. Afinidade / Identificação com o

método.

Acerca da estrutura da escola as respostas foram bem positivas com relação ao que

ela disponibiliza de material e formato arquitetônico. A mãe Adriana sintetizou acerca

da estrutura da escola dizendo que “a sala contém todo o conteúdo” e essa apesar

de ser uma resposta breve é bem completa, pois dizer que a sala contém todo o

conteúdo é reconhecer na mesma o ambiente preparado requerido no método.

Com relação ao papel do professor as falas das crianças e pais entrevistados

giraram em torno de qualidades mais genéricas como a professora ser boa, ser

competente, dedicada etc. Já na fala da diretora da escola e da coordenadora o

destaque foi dado para o que indica o método a respeito desse papel. Para a

coordenadora Teresa “Professor não é aquele que ensina, professor é aquele que

orienta [...] mediadores que vão mediar o conhecimento, instigar a aprender para o

conhecimento chegar até ele [o aluno], incentivar a todo momento”. E na fala da

diretora Profª Oscarlina

Hoje [o papel do professor] é despertar esse interesse na criança, para que ele possa cada dia crescer e mostrar a ele que ele precisa estudar todos os dias, ele precisa estar preparado todos os dias, não estudar para a prova, daí a gente eliminar a prova.

Ainda acerca do papel da professora montessoriana Moraes (2009, p.68) destaca a

relação ambiente-aluno-professor estabelecida no método:

O controle passa da professora para o ambiente. O equipamento, os materiais, o mobiliário, o desafio dos objetos, a valorização da arte e da estética estimulam a criança a agir

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independente do adulto, consequentemente, a interferência da professora deve ser mínima, na medida do possível.

Acerca da aprendizagem temos a valorização da utilização de materiais concretos, o

que, como reconheceu uma mãe, não acontecia na sua época “Então, na minha

época não existia, essa questão...muita coisa do concreto. A gente aprendia muito

por hipóteses. Era assim e acabou-se” (Entrevista com a mãe Adriana).

Nunes (2011, p.167) destaca a diferença que há entre ensinar e achar que se ensina

ao falar ou fazer pela criança, a despeito da educação convencional, estabelecendo-

se com verdadeiro ensino mediador

Ensinar na concepção da autora [Maria Montessori] não é falar diretamente à criança ou fazer por ela. Ensinar é oportunizar a aprendizagem, organizando o ambiente, colocando ao alcance das crianças os meios e os objetos para que ela própria na sua experiência elabore e conquiste o próprio conhecimento. O professor é, portanto, um observador que não deve ajudar a criança na atividade sem que haja sua solicitação.

Para a coordenadora Teresa “O método nos dá a oportunidade de colocar o aluno

como centro do universo, então eu na minha casa, no meu bairro, na minha cidade,

no meu Estado, e no mundo, ele tem que se sentir pertencente deste mundo e

explorar e aprender”. Dessa forma, a aprendizagem passa pela contextualização o

que no método traduz-se na Educação Cósmica.

Quando perguntados acerca do que viam de mais interessante no método a

resposta vinha sempre marcada pelo respeito.

O mais importante é o respeito à criança e a observação, porque muitas vezes o professor não se preocupa em observar as crianças, ai dá uma nota por prova, eu não, eu acho que a gente tem que observar a criança por isso, é esse respeito que eu acho mais importante. (Entrevista com Oscarlina)

Outro aspecto que se destaca no método é o amor pela ordem

O principal objetivo do método Montessori com os materiais, é a ordem, a ordem de como as coisas acontecem, como está distribuído na natureza (...) se você tem essa ordem na sua cabeça, você vai tirar de letra qualquer coisa, agora se as coisas ficarem desorganizadas em sua mente, você em qualquer ambiente que vá, qualquer coisa que você for fazer, vai sair de ordem, não vai ter aquela linha de pensamento, o método influencia sim. (Entrevista com Tereza)

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4.3 A APREEENSÃO DO COTIDIANO ESCOLAR ATRAVÉS DE CATEGORIAS DE ANÁLISE

CATEGORIA DE ANÁLISE: TEMPO E ESPAÇO

NA TEORIA

“A criança diz: ‘Não me ajude! Não me atrapalhe! Deixe-me tranquila!’” (MONTESSORI, 2004, p. 78)

----- “A criança não pode se desenvolver se não tem a seu redor objetos que lhe permitam agir. Até o momento, acreditava-se que a forma de ensino mais eficaz era aquela em que os conhecimentos fossem ensinados diretamente pelos professores. Mas, na verdade, é o ambiente o melhor mestre. A criança precisa de objetos para agir; eles funcionam como um alimento para seu espírito.”

NA

ES

CO

LA

ENTREVISTA

“A criança realiza as propostas do dia no seu tempo, sabendo que naquele dia ela deve dar conta de uma quantidade de propostas. As propostas são previamente informadas para que, dentro do espaço organizado e familiar da sala de aula, encontre todos os meios necessários para realizar as propostas que foram apontadas para aquele dia”. ENTREVISTA À COORDENADORA

PEDAGÓGICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DA ERPP (Profª Marnúbia)

OBSERVAÇÃO

“Na turma das crianças de dois anos toca música ambiente, vão para o pátio fazer oração e molhar as plantas. Depois vão para a sala “fazer a linha”, fazem atividade no Caderno de Atividade. Tem aulas de música e inglês na própria sala de aula. Tem aula de Educação Física no outro prédio”. Anotações do Diário de Campo dia 28.06.18

O tempo e o espaço na ERPP ou os espaçostempos refletem a essência do método

desenvolvido na escola. O tempo é o tempo da criança e o espaço trata-se do

Ambiente Preparado. Isso não quer dizer que as atividades desenvolvidas na escola

aconteçam de modo desordenado ou aleatório. Há um planejamento, há uma

proposição de atividades, apresenta-se um caminho à criança e ela o segue, ao

menos em sua maioria. É verdade que da teoria ao observável percebe-se que

ainda há muitas delimitações, principalmente relacionadas ao tempo. Mas, com

relação a esse ponto pelo que apreendemos das falas dos gestores escolares,

certas delimitações existem para atender necessidades do MEC ou “exigências” dos

pais.

CATEGORIA DE ANÁLISE: ENSINO E APRENDIZAGEM

NA TEORIA

“o professor sem cátedra, sem autoridade e quase sem ensinar, e a criança transformada em centro da atividade, aprendendo sozinha, livre na escolha de suas ocupações e dos seus movimentos.” (MONTESSORI, 1990, p.125)

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ENTREVISTA

“O ensino acontece de forma livre onde cada criança pode escolher dentro de uma relação de atividades descritas para aquele dia. Os alunos têm acesso ao conteúdo através de aulas dadas normalmente a pequenos grupos que depois trabalham com algum material referente ao que foi estudado para que haja a fixação do conteúdo estudado. Como as crianças trabalham com materiais a aprendizagem se torna mais significativa. Os alunos têm uma boa aprendizagem, visto que a matriz curricular de uma escola montessoriana é mais ampla do que uma matriz de outras escolas”. ENTREVISTA À COORDENADORA PEDAGÓGICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DA ERPP (Profª Marnúbia)

OBSERVAÇÃO

“Andando pelo corredor de acesso às salas, pelas largas portas de vidro que dão acesso a cada uma delas, me encanto com a forma como ficam dispostos os materiais, as mesas e cada item que compõe a sala. E essa estrutura dialoga com seus atores, professores e alunos parecem não ter um lugar exato para estar, em cada sala estão em lugares diferentes, fazendo coisas distintas mesmo numa mesma sala. A professora a ensinar a utilização de um material a um grupo de alunos atentos a sua explicação, divide espaço com outros alunos que estão respondendo atividades em mesas e outros ainda observando outros materiais. A professora ensina, os alunos aprendem, mas a ordem não é necessariamente essa, não o tempo todo. Anotações do Diário de Campo dia 25. 05.18

Se a aprendizagem se dá de forma diferente das escolas convencionais, não foi

possível averiguar nessa pesquisa, mas com relação ao ensino claramente podemos

afirmar que se dá sim de modo diferente. O Ensino não parte da figura do professor,

não somente. O ensino une vários aspectos. Para que o ensino aconteça é

necessário o Ambiente Preparado e o Adulto Preparado, assim a Educação como

Ciência pode acontecer.

CATEGORIA DE ANÁLISE: LIBERDADE E DISCIPLINA

NA TEORIA “a ordem e a disciplina estreitamente ligadas à espontaneidade [...] conduziam à liberdade” (MONTESSORI, 1990, p.146)

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ENTREVISTA

“A liberdade falada no método não pode ser confundida. A criança tem liberdade para escolher o que faz primeiro, como resolve um problema, sem seguir aquilo que o professor apresentou. A criança é livre para lanchar dentro de uma faixa estendida de hora do lanche e de fazer escolhas sobre que atividades fazer primeiro, dentro do que está programado para o dia ou semana, depende da escola. A disciplina das crianças é algo nem peculiar, pois quando o trabalho é feito dentro daquilo que Montessori propôs o que se vê são crianças mais concentradas, autônomas e responsáveis pelas suas obrigações escolares. Uma criança que estuda dentro do Método Montessori tende a ser mais criativa, pois ela é incentivada a procurar formas diferentes de resolver as coisas no cotidiano. Em Montessori a disciplina deve ser uma coisa trabalhada desde cedo, mas essa disciplina não está voltada para a obediência a alguém, mas sim ao respeito a todos”. ENTREVISTA À COORDENADORA PEDAGÓGICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DA ERPP (Profª Marnúbia)

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OBSERVAÇÃO

“Na turma do terceiro ano (...) caso queiram, os alunos ao terminarem a atividade podem estudar ciências ou matemática. Os comandos os alunos escolhem nas estantes”. Anotações do Diário de Campo dia 25.06.18

Esses dois pontos para mim são o que há de mais surpreendente no Método

Montessori. Talvez porque seja o que mais falta na escola convencional. Dar

liberdade para obter disciplina é o princípio para se chegar à criança normalizada, a

criança que não precisa de prêmios ou castigos, que age com respeito e não por

obediência imposta.

CATEGORIA DE ANÁLISE: PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO

NA TEORIA

“O Educador Montessori deve ser capaz de: [...] planejar currículos que satisfaçam as necessidades individuais e os interesses das crianças apropriados ao seu desenvolvimento, ao seu nível sócio-cultural e seu nível de experiencias: Demonstrar habilidade de diagnosticar as necessidades de aprendizagem das crianças através de diversos veículos. (como: observação, estudo de casos, testes, escalas de desenvolvimento, produções de atividades em classe.) [...]” -Competências necessárias para o educador de crianças pequenas exigidas pela AMS (American Montessori Society) (Apostila Curso de Atualização no Método Montessori por Jurema Yara Rosas p. 19)

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ENTREVISTA

“O planejamento acontece como todo planejamento. A diferença é que você planeja o uso dos materiais que vai apresentar naquela semana. A avaliação acontece diariamente, através da observação que o professor faz em aula. Essas observações são escritas em caderno específico e no final de cada unidade (na nossa escola ainda são quatro) as professoras atribuem uma nota juntando as observações com as atividades que a criança produziu.” ENTREVISTA À COORDENADORA PEDAGÓGICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DA ERPP (Profª Marnúbia)

OBSERVAÇÃO

“Na turma do quarto ano [...] a professora devolve atividades (pontuada) para que os alunos refaçam. [...] No planejamento é feita a seleção dos textos. O material da sala é preparado para duas unidades”. (Anotações do Diário de Campo dia 25.06.18

A observação no método faz parte tanto do planejamento quanto da avaliação. Ao

observar o aluno a professora pode auxiliá-lo a encontrar o melhor caminho para a

sua aprendizagem e ainda com base nessa observação ter subsídios para avaliá-lo.

É interessante notar que o método não faz uso de provas, mas a atribuição de notas

se dá com base em instrumentos avaliativos diversificados.

CATEGORIA DE ANÁLISE: LÚDICO, ARTE E CULTURA

NA TEORIA [...] brincar com brinquedos e exercitar a imaginação por meio das fábulas representa duas necessidades deste período da vida

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[infância]: a primeira atividade é entendida para instaurar uma relação direta com o ambiente, de modo que a criança, por assim dizer se assenhoreie dele e, fazendo-o, realiza um grande desenvolvimento mental. A segunda atividade revela a força da imaginação, que o menino põe nos seus jogos. Se lhe pomos nas mãos objetos ligados as coisas “reais” com os quais a exercite, é lógico que isto é de grande ajuda para ela, visto que é posto assim em condições de melhorar as suas relações com o ambiente (MONTESSORI, 1985, p. 149).

------------- “Mas transmitir a totalidade da cultura moderna tem-se tornado uma impossibilidade e, assim, surge a necessidade de um método especial, por meio do qual todos os fatores da cultura sejam introduzidos para a criança de seis anos; não se trata de um plano de estudo a ser imposto a ela, com exatidão de detalhes, mas da transmissão do maior número possível de sementes de interesse. (MONTESSORI, 2003, p. 12)

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ENTREVISTA

“As crianças não têm ‘lúdico’ dentro da proposta montessoriana, pois ela trabalha com materiais que em si oferecem ludicidade, mas que não estão ali para brincar. Na verdade, eu entendo que, apesar de não apresentar a ludicidade como um ponto, o método em si é totalmente lúdico para a criança. Como eles possuem muito material em sala de aula, as aulas são apresentadas com materiais concretos e o trabalho é feito com autonomia, a criança se sente mais livre e faz o seu trabalho com satisfação. As escolas normalmente possuem parquinho e espaços verdes onde a criança pode ir quando tem vontade, mas isso não é algo voltado para a ludicidade e sim para a necessidade de regulação própria criança entre um trabalho e outro. A arte e a Cultura são assuntos sérios tratados na escola montessoriana que vê nessas suas propostas grandes possibilidades de aprendizagem. A arte é explorada segundo a ótica de artistas renomados em determinada arte e o trabalho tem profundidade que vai além da apresentação do nome do artista e de algumas de suas obras. A arte é tratada como algo muito importante para o crescimento da humanidade e o seu desenvolvimento ao longo da história. Nesse sentido também acontece o trabalho com a Cultura que é valorizada através de apresentações sejam elas da Cultura Local, regional, nacional e internacional, sempre com foco em um estatuto interdisciplinar, pois a Cultura abre possibilidades de trabalho nas diferentes áreas do conhecimento.” ENTREVISTA À COORDENADORA PEDAGÓGICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DA ERPP (Profª Marnúbia)

OBSERVAÇÃO

“As tribunas representam um misto de ludicidade, arte e cultura. No aniversário da escola aconteceram apresentações para o público escolar e também externo que abordavam temas que iam da literatura à história da escola. Mas outras tribunas estão previstas para esse ano tratando acerca dos temas trabalhados em sala de aula como o corpo humano, festas regionais etc. Assim a tribuna se transforma no momento de profusão desses três elementos na escola”. Anotações do Diário de Campo dia 30.04.18

Apesar da ausência de recreio e da ausência de um espaço destinado ao brincar

(parquinho, por exemplo) a ERPP realiza em cada uma das suas ações em sala de

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aula e fora dela a ludicidade e uma abordagem relacionada à arte à cultura. Há

somente um rigor com relação ao brincar ou não brincar no campo do discurso, mas

que na prática perde o sentido. As crianças em suas atividades cotidianas vivem a

ludicidade quer no trabalhar montessoriano, quer no faz-de-conta que também

desenvolvem entre um direcionamento e outro.

4.4 O QUE VEM A SER UMA ESCOLA? O QUE ESTAMOS BUSCANDO? DA

TEORIA À REALIDADE

A proposta deste trabalho foi tomar a Escola Recanto do Pequeno Príncipe como

estudo de caso para conhecer mais acerca do Método Montessori utilizado por ela.

No entanto, a proposta seguiu um pouco mais além na intenção de compreender o

cotidiano escolar, a cultura escolar e mesmo a forma escolar. Pois a indagação a

respeito do modelo de escola vigente nos faz ter essas categorias como pedra-de-

toque, como referência, para discutir acerca do que é a escola, da escola que existe

e da que gostaríamos de ter. Nos faz pensar nas escolas convencionais e o que viria

a ser o seu oposto, as escolas diferenciadas.

Para essa análise recorremos a VICENT; LAHIRE; THIN (2001) que ao escreverem

acerca da história e da teoria da Forma Escolar nos trazem luz a respeito de alguns

aspectos. Uma das primeiras colocações apresentadas por eles se dá com base

numa análise histórica e social feita por Durkheim para compreender o sistema

escolar. Ele afirma que a escola não seria o resultado do alcance da civilização, mas

sim o resultado de “causas definidas e estados sociais muito particulares”. Essa

afirmação transforma toda uma ótica de olhar para a escola como sendo a “salvação

do mundo” ou imaginando que a escola é o ápice do que chamam de mundo

civilizado ou mais utilizado nos últimos anos, de mundo desenvolvido.

Não, a escola não foi idealizada para ser como é simplesmente com o fim de ensinar

ou educar. Ela é como a conhecemos como resultado de muitas causas vindas de

outros campos, como o da política e da economia, por exemplo.

Mas o que seria a Forma Escolar então? “A forma é, antes de tudo, aquilo que não é

coisa, nem ideia: uma unidade que não é da intenção consciente” (VICENT;

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LAHIRE; THIN, 2001, p.9 – grifos nossos). Pensar que não é coisa, nem ideia é bem

complexo, assim com base na teoria elaborada temos o seguinte:

Fonte: primária

Logo, dizer que o ensino está em “crise” na verdade tornou-se clichê, mas, essa

crise faz parte da constituição da Forma Escolar. A escola nunca estará acabada ou

em estado de perfeição. O modo como nos apresentam a escola nos faz acreditar

que ela é “eterna e universal” (p.11), mas na verdade essa ideia de crescimento

natural da escola vindo da antiguidade até os nossos dias é errônea.

A “invenção” da Forma Escolar que conhecemos se deu entre os séculos XVI e XVII,

foi a partir daí que começou a se trocar o “aprender fazendo” pelo aprender a ver

fazer ou a ouvir dizer. Antes da escola, aprender e fazer eram a mesma coisa, a

exemplo dos aprendizes de artesãos. E aí começa todo o nosso problema, ou seja,

junto com a escola, nasceu a descontextualização.

Por isso dizer que a escola “está” em crise é um erro, pois a escola é a própria crise,

ao menos a escola que ainda se apegue ao seu objetivo primeiro, que é o de fazer

aprender o aluno por meio do ensino, distante da prática, da prática real, e não

daquela simulada pelas tarefas e pelo cúmulo da simulação. Um exemplo disso são

os próprios simulados (provas que simulam vestibulares) que simulam o que vem

sendo simulado desde os primeiros anos da Educação Básica, a simulação da

realidade distribuída em conteúdos sem conexão!

Assim, acostumamo-nos todos ao que aprendemos na escola, com a escola e sobre

a escola, que nos parece que ela sempre foi e será assim. O tempo escolar marca

as nossas vidas. Dizemos que quando estudávamos tal série fazíamos isso ou

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aquilo, planejamos a nossa vida para o depois do Ensino Médio, levantamos por

anos na correria de nossas vidas para ir a uma escola para sentados em uma

cadeira ouvir e ouvir.

E essa Forma e Tempo escolar prevalecem para além dela, quando a trabalhar

também temos tempos e tarefas a serem cumpridas ou mesmo a mãe com seus

filhos em casa, ao impor regras e disciplinas, numa relação de controle que

trazemos do que a escola nos legou. Aqui não venho trazer negatividade a essa

relação, mas chamar a atenção para o modo como a escola nos cerca por toda a

vida e que deveríamos pensar mais nela e em como ir contribuindo com esse devir.

FIGURA 18 – Criança no pátio da escola FONTE: Arquivo da pesquisa

Pensando nisso, no transcorrer da pesquisa e após o momento da qualificação,

atentei-me para uma grande questão que perpassa e ao mesmo tempo sintetiza

esse trajeto. O que é uma escola? Como ela vem sendo idealizada e percebida por

alunos, professores, pais, enfim, por uma infinidade de sujeitos que um dia já

passaram por ela? E mesmo os que nunca passaram certamente acerca dela tem

uma imagem formada, ou como disse, idealizada.

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Assim, mesmo já havendo realizado as entrevistas com alguns dos sujeitos,

acrescentei mais esta pergunta e mesmo aos que já haviam sido entrevistados

demos a oportunidade de responder, via aplicativo de mensagens, à seguinte

pergunta: “Se alguém que mora em um lugar muito distante onde não há escola lhe

perguntasse o que é uma escola, o que você diria?”

A pergunta foi formulada desta maneira para tentar obter respostas mais fiéis ao que

realmente os entrevistados sentem com relação à escola. E para analisá-la realizou-

se a triangulação dos dados cruzando as respostas à pergunta, as observações do

ambiente e do cotidiano (espaçostempos) escolar e os registros nos diários.

Nas respostas foram encontradas algumas reincidências. A escola como lugar de

aprendizagem perpassa a maioria das falas, mas essa aprendizagem aparece

associada a outros elementos.

Temos a associação de aprendizagem e convívio: “Escola para mim era, é... Um

local de aprendizagem e de convívio com as pessoas, com os coleguinhas com os

professores, com pessoas diferentes da nossa família” (Adriana - mãe) e “Eu ia dizer

que é um lugar muito bom para aprender, pra fazer amigos, é, conhecer pessoas,

assim, é que te ajudam, é pra aprender coisas novas e muitas coisas.” (A. L. 11

anos - aluna). Em seu diário A. L. confirma a sua resposta à pergunta. Relata

sempre o seu cotidiano na escola com presença marcante das relações sociais que

desenvolve. Como no dia em que fizeram um lanche especial para um amigo que

perdeu a avó. A presença da palavra “amigo” é marcante em sua escrita,

demonstrando o lugar de onde fala.

Há também a associação de aprendizagem e diversão, apesar da mesma ser uma

“diversão programada”, como podemos ver na fala abaixo na qual o aluno diz “Eu

falaria que a escola é um lugar onde você aprende. Tem horários que você pode

aprender se divertindo, como tem atividades, que os professores fazem tipo

brincadeiras.” (H. 11 anos - aluno). Já H. foi um dos alunos que não entregou o

diário, disse não ter tempo devido às suas muitas atividades (jiujitsu, natação etc.). E

esse fato também chamou atenção, pois uma criança de 10 anos alegar falta de

tempo pode ser considerado normal, ou desejável? O excesso de atividades seria

uma solução ou uma falha na educação?

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Também foi encontrado o destaque para a novidade do que se aprende na escola,

nesse sentindo opondo-se à ideia de repetição a ideia que aparece é a da escola

que ensina o que não se sabe ainda “Uma escola é pra você ir e aprender, coisas

que você não sabe.” (J. F. N. 10 anos - aluno) e também “Escola... eu ia falar que

escola é o lugar que a gente aprende mais coisas e aprende também a ser uma

pessoa educada.” (M. V. 10 anos - aluna). E na fala da aluna M. V. ainda podemos

perceber que ela traz uma diferenciação entre aprendizagem e educação, revelando

talvez uma percepção da aluna de que aprender conteúdos é uma coisa e ser

educado é outra muito mais completa.

Em seu diário o aluno J. F. N. corrobora com sua resposta à pergunta. A escola que

ele apresenta como sendo o lugar de aprender, em seu diário se expressa bem

diferente do cotidiano expresso pela aluna A. L., se para A. L. a palavra repetida é

“amigo”, para J. F. N. a palavra é “atividade/tarefa”. E assim ele segue citando cada

uma das suas atividades de português, matemática entre outras disciplinas que

parecem traduzir o que é escola para ele. Uma soma de conhecimentos que se deve

aprender.

Mas duas respostas chamaram mais atenção, e não por acaso foram as respostas

mais extensas. Uma delas demonstra uma associação da escola ao que poderíamos

chamar de Educação Político-cidadã, ainda que acreditando esse tema estar em

destaque devido ser ano eleitoral, de todo modo é interessante essa ter sido a opção

do aluno ao responder o que é uma escola.

Escola pra mim é um jeito da gente aprender sobre coisas que a gente vai enfrentar na vida lá fora e também, os dos principais [um dos papeis principais] da escola é ensinar sobre esse negócio de corrupção de presidentes e tudo mais. Porque a escola...porque esses negócios de corrupção têm que ser neutralizado primeiro na escola. (P. F. 10 anos - aluno)

E parecendo sintetizar o que podemos compreender por Educação Cósmica e o que

vem a ser uma escola essencialmente montessoriana, obtive a seguinte resposta

Falaria que escola é uma casa de estudos e que você vai aprender tudo sobre a vida, o que vai estudar, o que você vai saber, saber o que é certo e o que é errado, já saber o que é fração, multiplicação, vai saber todos os presidentes da era antiga, vai saber os verbos, os

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adjetivos, vai saber o país todo... É um tipo, é uma forma de casa, só que, em forma de estudo. (L. 11 anos - aluno)

A descrição de L. nos remete à reflexão de Silva (2014):

Não só os armários, as mesas e as cadeiras, mas também as cores, os sons e a arquitetura se voltam para esses pressupostos. Espera-se numa casa-escola que o educando e todos os que convivem na comunidade (educadores, funcionários e gestores) experimentem, vivam e se sintam nesse ambiente como seres responsáveis, que participam dele e são pertencentes a esse local de convivência,

partilha e democracia, como numa família. (p.58)

Mas, para nos mostrar que a realidade se apresenta de múltiplas formas, estes

mesmos alunos que demonstraram tanta completude em suas respostas não

escreveram diários. P. F. sempre que questionado acerca do seu diário dizia não o

encontrar e L. chegou a dizer que não era muito de estudar e que não estava

escrevendo no diário. Uma opção? Escrever um diário para eles não soou

interessante ou mesmo era somente mais uma obrigação? Talvez!

Cada um desses depoimentos acerca do que vem a ser uma escola coadunam com

o texto de Vicent, Lahire e Thin. Elenco aqui cinco traços da forma escolar

apresentados por eles (p. 37-38) os quais podemos ver presentes nas falas acima

também:

1. Universo separado para a infância;

2. Importância das regras na aprendizagem;

3. Organização racional do tempo (e do espaço);

4. Multiplicação e a repetição de exercícios – cujo fim é o próprio fim;

5. Novo modo de socialização.

Assim, quando um aluno diz que a escola é um lugar de aprender, de fazer amigos,

de fazer atividades e no qual tem hora para brincar e hora para estudar constatamos

que a forma escolar se transpõe através do tempo, do espaço e de qualquer que

seja a classe social. Essa ideia do respeito ao emprego do tempo e de transformar

cada instante em instante de educação, são legados da forma escolar. E os autores

afirmam que a instituição escolar só tem sido tão criticada nos últimos anos devido

ao seu próprio “sucesso” pois os que mais a criticam são os mais escolarizados.

Alguma coisa deve ter dado certo então, criticar a escola deve ser objetivo constante

para reconstruí-la a cada dia, pois seu devir é perene.

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E até aqui observamos que a escola montessoriana se inscreve no interior mesmo

da Forma Escolar. A sua diferenciação não altera seu vínculo com a Forma Escolar.

Até aqui as respostas não dizem o que é uma escola montessoriana, mas, a rigor,

dizem sobre o que é uma escola. Ou seja, as respostas não falam de um sistema de

pensamento montessoriano, mas sobre um sistema de pensamento sobre o que é

uma escola. Uma representação hegemônica, incrustada na vida social, sobre o que

é uma escola.

Essas afirmações definem um sistema de pensamento acerca do que é a escola

para os entrevistados. Considerando que os alunos entrevistados falam sobre um

que é uma escola, fazendo referência à escola que estudam, quando definem uma

escola estão definindo sem saber, o que é a escola montessoriana na qual estudam.

E isso demonstra o quanto é inseparável, ao menos para esses sujeitos, uma

desvinculação entre escola comum e escola montessoriana.

4.5 O QUE VEM A SER A INFÂNCIA? E SE AINDA É PRECISO PENSAR SOBRE

ELA

Não há quem possa dizer que a infância é algo indiferente para si, todos nós além

de obviamente já termos sido criança, temos ao nosso redor crianças próximas ou

distantes. Filhos, sobrinhos, alunos ou vizinhos que nos fazem ter sempre à nossa

vista a lembrança e o devir. Mas é provável que poucos sejam os que realmente

enxerguem essas crianças com um olhar mais atento e que fuja do superficial, do

atendimento às suas “necessidades”.

Historicamente a infância foi ascendendo, saindo das sombras “Até por volta do

século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. (...)

É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo”

(ARIES,1973, p.50). De um lugar de exclusão, do lugar do não falante, a criança

passou a ser observada, analisada e isto com os mais diversos interesses.

Já por volta do século XVII o sentimento de infância oscilava entre o da paparicação

(o tratar a criança como a um animalzinho que faz coisas engraçadas), o da repulsa

à sua presença e o da severidade pela preocupação com a moral a ser construída

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por esse homem principiante. Esse último sentimento originado entre os clérigos

daria impulso para o estabelecimento da instituição escolar.

A criança, enquanto durava sua escolaridade, era submetida a uma disciplina cada vez mais rigorosa e efetiva, e essa disciplina separava a criança que a suportava da liberdade do adulto. Assim, a infância era prolongada até quase toda a duração do ciclo escolar. (ARIES, 1973, p.191)

Posterior à Idade Média, na Modernidade a busca pela razão traz a escola como o

lugar por excelência para se colocar as crianças para que enfim as mesmas

encontrassem abrigo que contivesse seus impulsos e as direcionassem à “sã

consciência”. Daí que desde então a convenção é de que lugar de criança é na

escola, e aqui não queremos dizer que não seja, mas refletir sobre o porquê desta

“obrigatoriedade”.

Mas se Philippe Ariès trouxe até nós o conhecimento acerca do surgimento do

sentimento de infância lá na Idade Média, cabe-nos contextualizar neste momento e

considerar que uma infância não pode ser tomada pela outra. Ou seja, há uma

diversidade de infâncias, para além da individualidade do ser criança.

A infância são várias, varia de criança para criança. A infância no campo não é como na cidade; ela é mais curta. A da cidade pode ser desfrutada por mais tempo, já que não é preciso sair cedo para ajudar o pai no trabalho. Assim como a criança da favela não é igual à da criança do condomínio fechado. Elas não deixam de ser crianças, mas viverão a infância de forma diferente desde cedo; a outra não precisará trabalhar tão cedo e poderá ter uma infância mais longa, mas será privada da liberdade que a criança da favela desfruta. (LAURO, 2009, p. 48)

E ainda: Porém, mesmo no interior do mesmo espaço cultural, a variação das concepções da infância é fundada em variáveis como a classe social, o grupo de pertença étnica ou nacional, a religião predominante, o nível de instrução da população etc. (SARMENTO, 2007, P. 29)

Essa multiplicidade de infâncias é simultânea e quase infinita, basta pensarmos que

enquanto se fala de infância na Idade Média esta é apenas uma versão europeia e

que em outros lugares do mundo infância não era o que se presumia a esta época,

neste lugar específico. Visto que esta divisão da História é apenas uma ótica

europeia de definir a “evolução” e “desenvolvimento” do homem no mundo.

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Além da necessidade de se educar o olhar para a particularidade de cada infância é

preciso não incorrer no erro de lançar um olhar adultocêntrico sobre ela. O olhar

adultocêntrico é o que corriqueiramente utilizamos ao falar sobre as crianças. Com a

desculpa de que é difícil atribuir sentido, ou veracidade, ao que as crianças falam e

fazem, abrimos mão de ouvir e registrar suas impressões e tantas vezes ouvimos

apenas o que dizem os seus pais, seus professores.

É preciso considerar a natureza ativa (SARMENTO, 2007) das crianças, estas como

sujeitos sociais. As crianças pensam, agem, produzem, reinventam basta que lhes

demos espaço.

As crianças devem ser ouvidas, devem ser respeitadas e é respeitando-as que elas

aprenderão o que é respeito e se esse respeito não vem de casa, professores não

farão mágica! Assim, a escola sobrecarregada por ter que educar até mesmo o

caráter das crianças vai deixando de lado o que poderia fazer muito bem: permitir à

criança ser criança em um espaço e um tempo só dela. Mas,

As escolas continuam insossas, insipidas. Desconectadas do lugar do lúdico na educação da criança. [...] O recreio em muitas delas foi suprimido, porque as escolas entendem que ele se tornou apenas lugar de bagunça. Ou então não querem perder tempo porque precisam preencher os formulários e atingir os indicadores. Essa parece ser a paranoia do presente! (PINZOH, 2016, p. 53)

E como já falamos aqui a ERPP não tem recreio, mas a questão central não está no

ter ou ter recreio, mas se esses espaçostempos da escola estão sendo aproveitados

para o benefício da criança.

Em nossos dias a infância tem sido bombardeada pela mídia, pelo consumo, pela

violência e por tudo de ruim que já povoava o mundo adulto e que agora as assedia

muito mais cedo. As crianças são estimuladas à competição e à busca pelo sucesso,

muitas vezes a qualquer custo, desde cedo. Aí nesse cenário, a escola pode ser o

reduto de valorização da verdadeira infância.

Montessori viu na criança o que de mais puro poderia haver no mundo, não uma

pureza ingênua, mas uma pureza por ainda não haver se contaminado pelo que o

adulto é e faz. Está cada vez mais difícil encontrar essa pureza e isso é nossa culpa.

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Se há um desejo a ser declarado é o de que as escolas tenham ambientes e

pessoas preparadas para educar as crianças independente de onde venham e para

onde elas possam ir. Não devemos parar de pensar na infância, ela traz o segredo

do que buscamos para o bem viver.

4.6 A CEREJA DO BOLO! A RESPOSTA A NOSSA QUESTÃO DE PESQUISA

Certa vez, ao tentar compreender melhor o que viria a ser a triangulação dos dados,

deparei-me com um vídeo no youtube intitulado “Modos de Fazer – triangulação em

pesquisa qualitativa”, do Vozes da Igualdade – o canal da Anis, de um instituto de

bioética16

. Ao assistir o vídeo pensei “Uau! Consegui entender esse negócio!” Mas, o

mais interessante foi entender que o segredo do sucesso de uma pesquisa é fazer

aparecerem os seus insucessos. Isso mesmo! Demonstrar todos os passos do

caminho sem omitir nenhum, pois além de não ser ética a omissão, demonstrar as

falhas também é didático.

Pois bem, após compreender que minha pesquisa não precisava se parecer com um

bolo de noiva muito bem coberto com linda camada de massa branca, no qual só

apareceria o que tinha dado certo, optei por ir demonstrando o que foi dando errado,

ou sob uma outra ótica o que foi dando certo, porém não como o planejado. Assim,

se parecendo muito mais com um desses bolos pelados que se fazem hoje em dia,

os Naked Cake, que fazem aparecer sua massa, recheio e cobertura venho

demonstrar como cheguei até aqui, até a cereja do bolo!

A princípio, havia elencado a fenomenologia como método de pesquisa, mas após a

qualificação foi considerado pela banca que a etnometodologia se aplicaria melhor.

Pois bem, ainda não conhecia a etnometodologia e ao estudar a mesma com base

no texto de Alain Coulon, verifiquei que realmente a minha pesquisa se enquadrava

mais nesse método.

Cabe aqui uma discussão acerca do que vem antes, o método ou a pesquisa. É

certo que os professores de metodologia dirão que primeiro tem que se saber qual

será o método seguido, porém esse é um caminho que se faz caminhando e senti-

me muito mais segura ao dizer qual foi o meu método após já ter segurança acerca

16 https://www.youtube.com/watch?v=TyZ-8V3eX7Q

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do meu campo e da minha pesquisa. Em outras palavras, percebi que minha

pesquisa se tornou etnometodológica realizando-a e não idealizando-a.

Alain Coulon elege cinco conceitos da etnometodologia os quais apresento aqui em

formato de diagrama:

Esses cinco conceitos fizeram-me compreender melhor o que eu estava fazendo, o

que e como eu estava pesquisando. Optei por destacar o conceito de número cinco

pois este é o principal para minhas análises, como veremos.

Primeiro conceito – Coulon diz que “As atividades práticas dos membros, em suas

atividades concretas, revelam as regras e os modos de proceder” (p.31-32) e assim

se deu nessa pesquisa. Somente observando a realidade como processo é que a

mesma pode ser compreendida. Somente observando a escola e dando a mesma

atenção aos fatos extraordinários quanto aos corriqueiros é que pudemos ver

reveladas suas regras e os seus modos de proceder. É o que Coulon também vai

chamar de “prática social reflexiva” (p.30). Lendo os documentos e materiais

didáticos disponibilizados pela escola ou mesmo entrevistando seus membros não

temos como obter esse resultado pois a realidade está em processo. Posso aqui

trazer um exemplo das minhas observações. Em uma das minhas anotações acerca

das pontuadas17, relato que os alunos não têm conhecimento prévio das mesmas,

17 As pontuadas são avaliações realizadas pela escola em substituição às provas convencionais. Em geral, não se avisa ao aluno com antecedência a respeito da aplicação

1. PRÁTICA

Realidade como processo

4. ACCONTABILITY

O mundo é descritível

2. INDICIALIDADE

A realidade deixa apenas indícios

3. REFLEXIVIDADE

Descrever uma situação é constituí-la

5. NOÇÃO DE MEMBRO

os membros conhecem as regras implícitas

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pois, a ideia é de que não se estude como se estuda para uma prova, mas, que sua

aplicação se dê em um processo natural na sala de aula.

No entanto, em uma das minhas últimas visitas à escola, somente para buscar um

termo que deveria ser assinado por uma professora, olhei para o quadro branco e vi

escrito “pontuada de matemática amanhã”. Perguntei à professora se esse aviso

sempre era dado, ela disse que em outras turmas não se avisa, mas, que ela gosta

de avisar para os alunos se prepararem. Bem, este é mais um exemplo do momento

onde percebi e percebo que a realidade não é estática, não é engessada, não posso

dizer que na escola se faz desse e daquele jeito, como se isso fosse uma regra

absoluta, pois, a escola é formada por inúmeros atores e cada um a seu jeito

constrói essa realidade e vai dando forma a essas regras e modos de proceder.

Segundo conceito – Coulon vai dizer que a análise das situações indiciais é

contínua, pois se os indícios são apresentados na realidade e a realidade é um

processo essa premissa é verdadeira. O pesquisador deve considerar o que ele

chama de incompletude natural das palavras. Em uma entrevista ou em uma

conversa as palavras trarão sempre sentidos diferentes, mas deixam indícios do que

seriam na realidade. O autor dá o exemplo de et caetera (etc.) que quando utilizado

prevê-se que há um “saber comum distribuído” pois, o interlocutor deverá saber do

que se compõe o et caetera, pois, as evidências já foram dadas em palavras

anteriores. A repetição de palavras em um trecho curto de fala por exemplo, traz

essa indicialidade como a palavra respeito, que figurou repetidas vezes nas falas.

Terceiro conceito – Ao me deparar com esse conceito tive uma melhor

compreensão do que eu estava fazendo. “A reflexividade designa a equivalência

entre descrever e produzir uma interação entre a compreensão e a expressão dessa

compreensão.” (p.42).

da pontuada, visando tirar o peso de se estudar somente para ela. Outra característica é que a pontuada após corrigida pela professora retorna para o aluno que com a supervisão da professora buscará as respostas corretas às perguntas.

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Figura 19 – Diagrama da reflexividade

FONTE: Primária

Percebi que ao descrever o que se passa na ERPP, eu estava produzindo não

apenas a minha compreensão a respeito do se passa lá, mas a minha própria

descrição produz uma compreensão. O Método Montessori e o que ele produz na

escola (sistema de pensamento) não tem um “lugar” ou um “momento” específico a

partir do qual se possa abstrair acerca do mesmo. Os espaçostempos na escola são

múltiplos e perenes. Como diz Coulon “o código é vivido...não é objeto de

conversações” (p.40). O código é vivido e ao mesmo tempo “traído”, modificado.

Por isso, foi tão difícil retirar dos discursos, das entrevistas, dos diários declarações

acerca do método e do que ele produz ou influencia. A escola em seu cotidiano vive

seus códigos e eles estão lá, todos dados, mas não se apropria dos mesmos de um

instante para outro, a prova disso é que na escola há uma valorização com relação

às professoras com mais tempo na escola pois elas guardam o tesouro. A Profª

Oscarlina guarda o tesouro e assim “as velhinhas do Montessori”, como declarou

uma das coordenadoras, vão vivendo e repassando esse código de uma geração a

outra, mas cada um desses códigos não está em um manual único, há de se trilhar

um longo caminho para apropriar-se deles. E compreender como pensam e agem

esses professores e alunos é coisa de pesquisador, porque quem vivencia seu dia a

Descrever

Expressão da compreensão

Compreesão

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dia na escola não teoriza sobre ele, tão somente o vive e é disso que o conceito da

reflexividade fala.

Quarto conceito – O mundo é descritível! A expressão “accontability” tem sido

usada e conhecida no campo da administração como sendo sinônimo de prestação

de contas, mas na etnometodologia ela é sinônimo de descrição. O mundo social é

analisável. O cotidiano escolar é analisável. Uma definição é importante trazer aqui

nesse momento

É o sentido que se deve dar, em todos os estudos etnometodológicos, à expressão, tão repetitiva e tão misteriosa, de account: se eu descrevo uma cena da minha vida cotidiana, não o faço enquanto ela me “diria” o mundo que minha descrição pode interessar a um etnometodólogo, mas enquanto essa descrição, em se realizando, “fabrica” o mundo, o constrói. Tornar o mundo visível significa tornar a minha ação compreensível, descrevendo-a, pois eu mostro o seu sentido pela revelação a outro dos processos pelos quais eu a relato. (p.46 – grifos nossos)

Estar em uma escola montessoriana – e especificamente na ERPP – e analisá-la e

descrevê-la é, segundo a etnometodologia, criar essa realidade, fabricar esse

mundo. Quem ler este trabalho nunca poderá dizer que conhece a ERPP, mas sim,

que conhece a análise que fiz dela. Assim a minha compreensão produz uma outra

compreensão, o que também está ligado ao terceiro conceito. Toda a realidade

social é descritível, ao passo que é descritível também é fabricada. O meu relato é

um constructo.

Assim, quando digo que as crianças são equilibradas e trabalham com seus

materiais de forma concentrada e interessada, manipulando objetos de vidro ou bem

pequenos para a sua idade, esse é o “mundo que eu fabriquei” daquela situação

observável. Esse “mundo” por sua vez será analisado por outros que terão suas

próprias compreensões a respeito do que se passa nesse universo.

Quinto conceito – O conceito de “Noção de membro” traz a ideia de que,

Um membro não é portanto apenas uma pessoa que respira e pensa. É uma pessoa dotada de um conjunto de modos de agir, de métodos, de atividades, de savoir-faire, que a fazem capaz de inventar dispositivos de adaptação para dar sentido ao mundo que a cerca. É alguém que, tendo incorporado os etnometodos de um grupo social considerado, exibe “naturalmente” a competência social que o agrega a esse grupo e lhe permite fazer-se reconhecer e aceitar (p.48 - grifos nossos)

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Compreendendo o que é a Noção de Membro pude especificar melhor o que era o

Sistema de Pensamento na escola estudada. Percebi que a busca por saber se o

Método Montessori produz um sistema de pensamento, à luz do que Pierre Bourdieu

define, pode ser melhor explicitado se analisado sob a ótica da Noção de Membro.

Na tentativa de expor melhor minha compreensão acerca desses conceitos

apresento o quadro a seguir.

Assim, o que a princípio demonstrava ser um tanto complexo, que era a tarefa de

observar se o Método Montessori produz um sistema de pensamento próprio nos

sujeitos escolares, após a análise com base na ideia da Noção de Membro percebi

que o Sistema de Pensamento é inerente a um grupo social estável e com regras

próprias, sendo assim, todo grupo social produz um sistema de pensamento próprio

à luz da noção de membro. E se pareci descobrir a roda dantes já descoberta, na

verdade teorizei em torno da práxis da realidade escolar, realidade essa que se

Sistema de Pensamento

Definição:

Programa homogeneo de percepção, pensamento e

ação

Ocorrência:

Ocorre a indivíduos formados em uma mesma escola de

pensamento

Características:

Resultado do molde e da programação que a escola faz dos sujeitos

Noção de Membro

Definição:

Conjunto de modos de agir, de métodos, de atividades, de savoir-

faire (tino)

Ocorrência:

A Noção de Membro acontece aos membros de um grupo social

Características:

Torna o sujeito capaz de inventar dispositivos de

adaptação para dar sentido ao mundo que o

cerca

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demonstrou rica em detalhes dos quais podemos refletir e mesmo nos apropriar para

outras realidades e espaçostempos de educação.

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5.CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tarefa de finalizar uma pesquisa é talvez tão difícil quanto a de iniciar! O mesmo

turbilhão de dúvidas principiantes parece parir tantas outras indagações. Talvez não

fosse para ser assim. Talvez ao final de uma pesquisa devêssemos ter tudo claro

em nossa mente, cada objetivo respondido com nossos arquivos guardados em

caixinhas, mas a complexidade da pesquisa até aqui nos acompanha. E traz para o

fim dessa linha toda uma bagagem que nos estimula a continuar a viagem em outro

momento.

Busquei encontrar a resposta à minha pergunta que era saber se o currículo

montessoriano produz um sistema de pensamento próprio nos sujeitos escolares e

felizmente ou infelizmente, a resposta não cabe em um sim ou em um não.

Um dos meus objetivos secundários foi estudar o Método Montessori e o Sistema de

Pensamento segundo a definição de Bourdieu. Quanto à primeira parte deste

objetivo pude perceber que o estudo do Método Montessori não se resume à leitura

das suas obras nem mesmo à observação da sua prática em uma escola. Aqueles

que se dedicam ao método o fazem por anos e a cada dia descobrem e

redescobrem esse ou aquele modo de praticá-lo melhor. Ou ainda, descobrem a

essência do que Montessori disse em algum de seus textos já lidos e relidos,

fazendo olhar a criança de uma forma mais cuidadosa e respeitosa ainda.

Estudar o Método Montessori é estudar minuciosamente suas obras, a respeito do

que a ERPP pratica ao reunir suas professoras semanalmente para esse fim. É

manter uma formação continuada participando de treinamentos e eventos na área,

prática também realizada pela escola. Mas há uma forma ainda mais completa e

necessária de manter-se aprofundado e atualizado no método que é observando (e

amando) a criança. Somente estando com crianças em uma sala montessoriana se

poderá praticar, compreender e produzir sentido com relação ao método.

Com esta afirmação não excluo a possibilidade de se praticar os preceitos do

método sem que seja em uma escola montessoriana de fato, mas apenas reafirmo

que a escola e especificamente a sala montessoriana fala por si, os materiais falam

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por si e por sua vez conversam com as crianças e nesse diálogo é que vamos

apreendendo a essência do método.

Em vários momentos falo acerca da essência do método e essa palavra essência

não é somente uma força de expressão para mim. Visto que o nosso tão afamado,

mas por hora esquecido, Dicionário Aurélio traz em uma de suas definições para

essência “o que constitui o ser e a natureza das coisas; caráter distintivo; ideia

principal” percebo que o utilizo aqui de forma adequada. Em todo esse tempo

busquei capturar, sentir a essência desse método, como ele se constitui, o que o

distingue de outros modos de ensino e de educação e por isso o interesse de saber

se essa essência se traduz e reverbera aos que nele tem acesso.

Em minhas palavras, defino o Método Montessori como sendo uma forma dedicada

de interagir com as crianças. Há pleno interesse em tudo o que ela pensa, diz e faz

e pleno respeito ao seu tempo de fazer as coisas e como faz uso do espaço. A sala

de aula é assim um espaço seu, diferentemente, da visão convencional de escola.

Na escola convencional, ainda que a voz do professor não atue em solo, ouvindo

também o que vem dos alunos, ele ainda é o regente no sentido duplo da palavra, o

que não é indicado no método.

Na prática, observamos que na ERPP há a presença dessas duas formas de

encarar a sala de aula. No primeiro momento da aula denominado de Atividade

Diversificada e mais ao final da aula na qual há o espaço para o momento de se

vivenciar a Vida Prática, o aluno é o dono de seus atos podendo utilizar o material

desejado e movimentar-se pela sala sem diretividade do adulto aos seus

movimentos. Mas há outros momentos nos quais o professor permanece como o

regente, como na linha por exemplo, onde todos aguardam o direcionamento da

professora ou na realização de atividades dirigidas em seus cadernos de atividades

ou nas pontuadas18.

Retornando às minhas impressões do método, eximindo-me de referenciá-lo nesse

momento ao que se passa na ERPP, ousaria apresentar cinco pontos aos quais

considero relevantes no mesmo. 1. O respeito à criança; 2. A dedicação à

18 Pontuadas são como a escola denomina avaliações que gerarão notas para os alunos. No geral, os alunos não são avisados desta avaliação com antecedência pois o objetivo não é que estudem para a mesma como se estudaria para uma prova, tirando assim o seu peso negativo.

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preparação do ambiente; 3. A autonomia permitida à criança; 4. A conexão com a

vida real (ou contextualização) 5. Alternativa ao modelo de escola decadente.

Explanarei acerca de cada um desses pontos na intenção de clarificar cada um dos

pensamentos que orbitaram minha mente nesses dias de imersão no Montessori.

1. O respeito à criança – Essa é a marca da obra de Montessori, um profundo

respeito pela criança, o que na sua época era novidade. De lá para cá muitos

foram os direitos alcançados pelas crianças, inclusive a própria Declaração

Universal dos Direitos da Criança e no Brasil o Estatuto da Criança e do

Adolescente refletem essa luta em considerar a criança um detentor de

direitos e não somente um ser que aguarda sua maioridade para existir na

vida pública e mesmo privada.

A criança é ouvida, sua dignidade é preservada. Espera-se dela surgir uma

humanidade mais pura, menos egoísta. A criança desde o seu nascimento é

atendida conforme as suas demandas e não segundo o que o adulto acredita

que lhe seja necessário. Se um bebê em sua fase de engatinhar ao acordar

tem por instinto erguer-se e sair, não se deve cercá-lo em um berço

impedindo-lhe os movimentos, mas sim, ser posto um colchão ao chão. Esse

é um exemplo do respeito à criança no método.

Ações que se apresentam como simplórias, mas que, para a criança que as

vivenciar serão demasiadamente significativas. E antes que me digam que

escolas não possuem berços e que trago um elemento estrito da casa para

uma análise que é da escola, lembremo-nos que as instituições de Educação

Infantil fazem parte dessa análise e que em qualquer que seja a classe social

as crianças vão para a escola / creche / hotelzinho cada vez mais cedo.

2. A dedicação à preparação do ambiente – A escolha desse ponto a ser

evidenciado não é por acaso, o ambiente preparado é um dos pilares mais

importantes do método. Sem a preparação do ambiente ouso dizer que o

método não acontece. E essa preparação é realmente feita com dedicação,

pois são muitos os detalhes, são muitas as recomendações de como tornar a

casa ou a escola, ambientes democraticamente utilizáveis por adultos e

crianças. Não é simplesmente reduzir o tamanho das mesas e cadeiras (o

que teve início com Montessori, mas que hoje se vê em toda escola de

Educação Infantil), vai além disso.

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Preparar o ambiente é estabelecer que a criança terá acesso ao que lhe

interessar e ao que lhe for útil sem a desnecessária intervenção de um adulto,

propiciando para a criança o seu pleno desenvolvimento e autoconfiança

gerados por realizar uma atividade sozinha. O ambiente convida a sorrir,

convida a deitar no chão e escrever, convida a sentar-se e trabalhar com os

materiais, convida a sentir-se um ser poderoso, um ser que sente sede e

pega seu copo em uma bela mesinha, um ser que para onde quer que olhe

encontra o que lhe possa manter ativo. A sala montessoriana é viva! Ela

produz vida em uma simbiose na qual ambiente e criança se complementam.

3. A autonomia permitida à criança – Os pontos aqui elencados se interligam. O

respeito está relacionado à preparação do ambiente que por sua vez é um

dos fatores que permitem a autonomia. A autonomia relaciona-se também

com a autoeducação outro pilar do método. À criança montessoriana poucas

coisas são negadas, na verdade o que não lhe é permitido não está à sua

vista. Após um primeiro momento de instrução sobre como utilizar cada

material a criança tem liberdade para explorá-lo a seu tempo. Diferentemente

da criança que na Educação Infantil só dispõe de massinha em seu “momento

livre” na sala de aula, a criança montessoriana dispõe de dezenas de

materiais que despertam o seu interesse para as áreas do conhecimento

trabalhadas no método.

4. A conexão com a vida real (ou contextualização) – O método propõe total

conexão com a vida das crianças. A sala de aula reproduz uma casa, com

suas estantes dividindo ambientes ou cômodos, com suas jarras, sementes,

frutas, porta-retratos, espelho, pentes e perfumes, temperos, plantas e

cortinas. Assim, a criança não aprenderá sobre uma cor olhando a mesma

impressa em uma folha de papel, mas vendo-a não só nos materiais

montessorianos, mas em cada um dos diversos elementos dispostos na sala.

Não aprenderá sobre leve e pesado olhando para imagens de uma pena e de

um sofá impressas em um papel (o que incrivelmente acontece em outras

escolas!) mas apreenderá ao tocar, ao transportar os mais diversos materiais.

Às crianças maiores, através da Educação Cósmica se faz a conexão de um

conhecimento com outro. Através de uma bolacha, por exemplo, se aborda

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temas como escravidão que a partir da descrição dos elementos que

compõem a bolacha, como o açúcar, faz chegar a uma discussão como essa.

Assim, contextualização é algo que faz parte do método como um todo. O

contexto é micro e macro! O contexto montessoriano é cósmico, tudo está

interligado anteriormente à utilização de um conceito para tal. O seu livro Da

Infância à Adolescência, por exemplo, apresenta de forma brilhante essa

conexão entre os saberes.

5. Alternativa ao modelo de escola decadente - Esse para mim é o ponto chave

dessa pesquisa, o que há de interessante no enfoque que demos. Nesse

período de estudo do método, desde meu primeiro interesse antes de

ingressar no programa de mestrado até agora ao finalizar essa pesquisa. Me

esperanço ao imaginar que as escolas podem ser mais parecidas com uma

escola montessoriana e não que este seja o único e melhor dos métodos de

ensino, mas, se colhermos ao menos um pouco do que ele traz de positivo e

levarmos para as escolas daremos às crianças mais direito de serem felizes e

aprenderem, sem que isso seja um fardo para elas. A escola convencional

não atrai. A escola convencional castra sonhos, afasta da natureza, delimita

inteligências, transforma em tortura o que deveria ser uma forma de fixar

conhecimentos e ir em busca de novos.

Além de estudar o Método Montessori também me propus a estudar a categoria

Sistema de Pensamento com base em Pierre Bourdieu. Mas como já exposto

anteriormente, durante a condução deste trabalho fomos bebendo também de

outras fontes como Deleuze e Gatarri e Morin que apresentam outros conceitos

para essa apropriação do indivíduo daquilo que o circunda e assim o absorve,

transformando-o em um outro ser ou apenas se adaptando.

Este foi o ponto mais controverso, complexo e desafiador dessa pesquisa.

Busquei saber se um método, que à minha primeira vista trazia tanto diferencial,

poderia moldar esses sujeitos de uma forma também com bastante diferencial. E

essa minha primeira impressão baseou-se em percepções que tinha ao

conversar com professores do método.

O Método Montessori traz sim um sistema de pensamento próprio, ele está

reproduzido nos manuais elaborados por professores montessorianos, nos

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artigos publicados em sites, nas falas e postura dos professores e no cotidiano

da sala montessoriana. Quanto aos alunos, são crianças como quaisquer outras.

A diferença está na oportunidade que as mesmas têm de realização que a outras

crianças são tolhidas. A criança montessoriana também corre, também tem

vontade de brincar na hora do recreio e também conversa quando o momento

era de silenciar.

Mas, as chamadas de atenção por parte da professora são bem menos

incidentes, gritaria quase não se ouve, o que é bem comum em outras escolas.

São mais habituados à concentração voluntária e mais pacificadores.

O habitus de uma escola montessoriana inclui sim o conceito de uma “família

espiritual”, como define Bourdieu, pois há uma identificação com o método por

parte das professoras e dos alunos e mesmo dos pais, que havendo estudado na

escola anteriormente levam seus filhos a esse mesmo lugar, buscando dar a eles

algo do que tenham já vivenciado lá. Há fotos de Maria Montessori por toda a

escola. No mês de aniversário dela há programações em sua homenagem. Em

suas falas as crianças fazem referência a Maria Montessori como sendo “a

primeira pessoa que se importou com as crianças”. Todos sabem que ela

buscava respeito às crianças e proclamava a paz.

Porém, há um habitus, um Sistema de Pensamento ainda mais forte, que é o

Sistema de Pensamento da escola convencional e hegemônica, este atravessa e

perpassa até mesmo uma instituição escolar montessoriana. A necessidade de

seguir os parâmetros curriculares nacionais e as orientações do MEC colaboram

fortemente para essa permanência no formato de escola regular, isso pudemos

perceber por exemplo, na fala da Profª Oscarlina proprietária da escola.

Assim, a exigência de se gerar notas e indicadores traz para a escola

montessoriana as marcas da “escola que não queremos”. Mas é essa escola que

gera notas, indicadores e tem sucesso que os pais procuram! Em suas falas foi

repetitivo o verdadeiro objetivo da escola que é ensinar os “conteúdos” mesmo

cercando essa afirmação de desejos de que os seus filhos aprendessem valores

etc.

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Desse modo, a idealização de uma escola mais livre e desprendida de roteiros,

horários e avaliações o que geraria um habitus específico dá lugar a um

hibridismo institucional. Um currículo e uma estrutura física idealizados para um

propósito e utilizados sob uma outra necessidade. Assim esse imprinting é

alterado pois o que se transmite aos alunos não é o método puro em sua

essência, mas a adaptação do mesmo às lacunas permitidas por um sistema

educacional que por sua vez faz parte de um campo educacional muito maior e

mais complexo e que tem suas exigências próprias.

Mas em síntese, esclarecendo e definindo melhor como se dá o Método

Montessori na ERPP podemos dizer o seguinte com base nos seis pilares do

método:

1. O ambiente é preparado: É perceptível a preparação do ambiente em toda a

escola. Todas as salas contam com materiais bem dispostos, atraentes e

organizados. A escola como um todo atraí pela beleza de cada sala;

2. Os adultos são preparados: através da formação continuada mediada por

professores de fora ou nas reuniões quinzenais a escola formaliza esse

preparo. Nota-se no empenho de cada professora o resultado desse

investimento.

3. Há mediação e direcionamento na maior parte das atividades: Nesse quesito

a Autoeducação, um dos pilares do método, não pode ser observada na

íntegra. Devido à motivos já elencados nesse trabalho, a diretividade das

atividades de forma mais incisiva que a proposta pelo método descaracteriza

um pouco esse pilar.

4. As crianças são preparadas para a vida: No que se refere à Educação

Cósmica, observa-se a interação das crianças com as questões da vida real,

para além do que um livro didático possa mostrar. As mesmas interagem

tanto com elementos concretos (utensílios domésticos) quanto com

discussões no campo ético e filosófico (como discussões acerca do dizer a

verdade, atos de corrupção etc.).

5. As crianças demonstram equilíbrio: A criança equilibrada é outro pilar do

método. Ao observar como agem as crianças da ERPP percebemos sim que

o equilíbrio existe. A criança equilibrada não é aquela amorfa, silenciosa e

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obediente. A criança equilibrada é aquela que sobretudo age. Ela age em

favor próprio e dos outros. Ela sabe silenciar, mas também sabe questionar e

colocar-se em uma discussão. Ela também brinca, ela também corre ela

também prefere a hora do lanche a realizar atividades. A criança equilibrada é

aquela que distante das inquietações internas e externas é feliz e transmite

essa felicidade e entusiasmo no que faz;

6. A educação é levada a sério: O pilar da Educação como Ciência mostra que

em uma escola Montessori nada é por acaso ou por modismo, as coisas

estão lá e acontecem lá por motivos previamente estabelecidos e

consolidados. Não se brinca de fazer educação. As crianças, seus

professores e seus pais (através da Escola de Pais e também das tribunas)

estão ali para aprender em todo o tempo. Não somente aprender conteúdos

disciplinares, mas aprender a viver em sociedade e a intervir nessa

sociedade. Apreender acerca do respeito e da importância da paz. Educação

como ciência soa como puro cientificismo, mas não é isso que ela traz.

Educação como ciência significa não desprezar o poder transformador que a

educação tem.

Mas também há pontos que considero dignos de melhoria diante do que foi

observado. A relação com a natureza ainda é muito tímida ao menos no principal

prédio da escola (a escola possui mais duas extensões). Tivemos conhecimento

de que as crianças fazem visitas ao sítio da escola e nas áreas de sol de cada

sala há plantinhas, é verdade, mas uma boa área de chão poderia melhorar

ainda mais a relação com a natureza.

Nesse quesito a escola está bem à frente de tantas outras que não dispõem de

sequer uma plantinha, mas considerando a estreita relação entre Montessori e a

natureza, se poderia dar mais espaço a ela, com menos paredes, menos

produtos feitos pelo homem e mais natureza viva.

Toda essa apreensão acerca de como a escola é pude obter através da

observação do seu cotidiano. Aí também incluo as entrevistas e os diários, mas

sem dúvida a observação mostrou-se reveladora. É ouvindo os sons, sentindo os

cheiros e vendo as cores da escola que absorvemos sua cultura. Cada um

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desses traços da ERPP revela como se dá a Cultura Escolar em seu

espaçotempo.

E não foi fácil caminhar nesse espaçotempo da escola. Por mais que idealizemos

como a pesquisa acontecerá, principalmente para quem esteja disposto a

estudar o cotidiano, é certo que grande parte do planejamento foge ao controle.

Não se consegue prever quanto tempo se gastará observando uma escola, na

verdade pode-se até prever, mas acertar essa previsão é improvável! Hoje você

se prepara para entrevistar um professor, mas o professor não vai. Amanhã você

se prepara para conversar com a coordenadora, mas a mesma está auxiliando

em uma apresentação. Aí surgem as táticas do pesquisador. Ele observa a

apresentação, ele ouve as conversas da sala dos professores acerca deste ou

daquele aluno, ele observa a sala vazia após a saída dos alunos para o momento

do lanche, ele observa as crianças lanchando enquanto aguarda um pai ser

entrevistado. Todos esses são elementos de análise!

O cotidiano salta aos olhos, te exige filtros, mas você não consegue dizer se este

ou aquele burburinho merecem mais destaque que o outro. O cotidiano parece

nada e ao mesmo tempo tudo. O cotidiano é ordinário, nos acostumamos a ele, o

professor se acostuma, o aluno se acostuma, mas ao pesquisador o cotidiano é

pedra preciosa. Parecemos bobos é certo! Muitas vezes parecemos bobos, ou

sem o que fazer, principalmente para os que estão de fora. Somente quem um

dia necessitou pesquisar algo para compreender a atividade de um pesquisador.

Para os demais, somos seres incompreensíveis, folgados, curiosos ou na melhor

das hipóteses esforçados! Ninguém saberá o que passa na mente de um

pesquisador, exceto que também o seja.

Pesquisar o ambiente escolar é necessário, ainda que recorrente. Se intentarmos

ver surgir a “escola que queremos” temos que continuar a pesquisá-la para tentar

compreendê-la e então modificá-la. E a necessidade de compreensão não é

apenas a nível institucional, mas principalmente a compreensão daqueles que a

fazem acontecer: alunos, professores e demais funcionários.

A escola não é uma instituição falida, ela precisa de cuidados. A escola precisa

tornar-se atraente, motivadora e realmente formadora. Formadora não por

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induzir, mas por tornar propícia a aquisição e geração de conhecimento. E aqui

foco muito mais na geração do que na aquisição.

A escola que conhecemos, até aqui buscou dar conta e o deu escassamente

somente da aquisição. Transmitiu e transmite através do tão inquestionável livro

didático o conhecimento a ser adquirido e dificilmente questionado, acumulado

pela ciência até os nossos dias! Ó que fim terá a escola agora que cada aluno

dispõe em suas mãos do grande oráculo que transmite todo esse conhecimento

em segundos? O Google sepultará a escola então? A resposta é não. Não, se a

escola acordar para a necessidade de gerar conhecimento, de despertar nos

alunos crianças, adolescentes ou adultos o interesse e o poder de gerar

conhecimento do mais simples ao mais complexo. Do conhecimento que só

servirá ao colega do lado, até ao que pode um dia vir a ser patenteado.

A escola precisa deixar de ser reprodutivista, precisa ser criadora. A criança cria

a todo momento, mas nós professores lhe ensinamos a parar de criar. Desde

pequenos lhes mostramos como é que se desenha uma casa e dizemos se a

dele está certa ou não. Lhes dizemos que isso é desse ou daquele jeito e não

damos o braço a torcer para ouvi-los dizer suas opiniões que podem sim ser mais

sensatas que as nossas.

O tempo todo a escola disse não para essa criança. Disse tantos nãos que

ultimamente tomou trauma de não e passou a dizer tanto sim que perdeu o

controle da situação. Hoje, os alunos têm vez e voz sim na sala de aula, mas o

tem de maneira desequilibrada. É preciso buscar o equilíbrio. Há de se ter um

equilíbrio entre o enrijecimento da dinâmica escolar e a desordem de uma escola

em que o professor não é respeitado.

A indefinição do lugar da criança nesse tempo em que vivemos gera toda uma

problemática que reflete na escola. Na obstinação por transformar as crianças

em super-adultos (aptos às melhores profissões e à capacidade de ótimas

relações sociais) retiramos deles a própria infância. Os cercamos com cursos e

atividades que os irão capacitar para o que consideramos importante (inglês,

natação, reforço escolar), tudo para que quando crescerem sejam pessoas

melhores e capazes, o objetivo não está errado, mas a forma talvez esteja.

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E se dissermos que esse quadro é um quadro de classe média e que a maioria

das crianças não vive nesse universo, estamos certos também, porém, as

crianças das classes populares, também não estão livres da adultização, estas

estão mais próximas da violência que as oprime e da falta de cuidados básicos

que as retiram direitos. E sem permitir polarizações nessa explanação,

reconheçamos que tanto há crianças de classes mais populares que se

enquadram no perfil anterior como também há crianças de classe média e alta

convivendo com a violência em seus lares.

O fato é que a criança sofre! Na época em que Montessori disse que a criança

sofria era devido a sua invisibilidade, hoje ela sofre pela falta de equilíbrio entre a

liberdade (autonomia) e a direção (disciplina). É urgente resgatar a essência da

criança e dispor a ela ambiente e adultos que proporcionem o seu equilíbrio.

Somente com crianças equilibradas se terá uma escola realmente diferenciada.

Uma coisa está relacionada à outra, um não subsiste sem o outro.

O Método Montessori é apenas uma das possibilidades de se enxergar uma

escola diferente e proporcionar à criança uma oportunidade de aprendizagem

significativa para ela, não para indicadores ou outdoors de sucesso! A utopia de

uma escola que respeite a criança e a sua infância acima de tudo deve continuar!

Necessitamos de mais espaços verdes, de mais plantas e animais, de mais ar

puro e também de mais lugares onde se produza conhecimento e onde se

reconheça os conhecimentos tradicionais também. Precisamos menos de lugares

que reproduzam o velho e famigerado livro didático produzido com finalidades

avessas às realidades locais. Precisamos continuar a estudar a escola e produzir

para ela e com ela um novo mundo.

E aqui é importante esclarecer mais uma vez: 1. Não somos contra a escola; 2.

Consideramos importante a formação técnico científica que proporcione às

crianças uma profissão futura; 3. Não achamos satisfatória a forma desrespeitosa

como os profissionais de educação vem sendo tratados por seus alunos; 4. Não

defendemos um modelo único de escola; 5. Consideramos que, ao menos em

nossa sociedade letrada, lugar de criança é na escola sim, mas não em

“qualquer” escola.

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6. REFERÊNCIAS

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APÊNDICE I

ROTEIROS ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS

PARA OS ALUNOS (dez, até cinco mais novos e cinco mais antigos na escola)

CATEGORIA PERGUNTAS

1. ESTRUTURA DA ESCOLA (AMBIENTE PREPARADO)

O que você considera mais interessante na estrutura física (arquitetura, materiais) da sua escola?

2. PAPEL DO PROFESSOR (ADULTO PREPARADO)

O que você poderia me dizer sobre o papel das (os) professoras (es) no dia a dia da sua escola?

3. APRENDIZAGEM (AUTOEDUCAÇÃO)

Quais situações (atividades, metodologias) em sua escola proporcionam melhor e maior aprendizagem para você?

4. PERCEPÇÃO DE SI E DO OUTRO

O que você mais gosta de fazer na escola? O que você mais gosta de fazer e sobre o que você mais gosta de falar com os seus colegas?

5. AFINIDADE / IDENTIFICAÇÃO COM O MÉTODO

Na sua opinião, estudar em uma escola que utiliza o Método Montessori é bom? Por quê? Você consegue compará-la com outras escolas? Na sua opinião, quais as principais diferenças?

PARA OS PAIS

CATEGORIA PERGUNTAS

1. ESTRUTURA DA ESCOLA (AMBIENTE PREPARADO)

O que você considera mais interessante na estrutura física (arquitetura, materiais) da escola Recanto do Pequeno Príncipe?

2. PAPEL DO PROFESSOR (ADULTO PREPARADO)

Como você vê o papel das (os) professoras (es) na escola Recanto do Pequeno Príncipe? Considera diferente do de outras escolas?

3. APRENDIZAGEM (AUTOEDUCAÇÃO)

Na sua opinião, o que é mais importante seu filho aprender na escola? E você está satisfeito com o seu aprendizado?

4. PERCEPÇÃO DE SI E DO OUTRO

Como você vê o convívio do seu filho com os colegas? Com relação aos assuntos escolares, como o seu filho interage com você? Você percebeu alguma mudança no seu filho após seu ingresso nessa escola?

5. AFINIDADE / IDENTIFICAÇÃO COM O

Por que você escolheu a escola Recanto do Pequeno Príncipe para o seu filho

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MÉTODO estudar? Você já conhecia o Método Montessori? O que poderia me dizer acerca desse método?

PARA AS PROFESSORAS (duas, a mais antiga e a mais nova na escola)

CATEGORIA PERGUNTAS

1. ESTRUTURA DA ESCOLA (AMBIENTE PREPARADO)

Qual a interferência da estrutura física da escola (arquitetura, materiais) na sua prática cotidiana?

2. PAPEL DO PROFESSOR (ADULTO PREPARADO)

Como você definiria o papel do professor em uma escola montessoriana?

3. APRENDIZAGEM (AUTOEDUCAÇÃO)

Quais elementos (atividades, metodologias) no Método Montessori você julga mais significativos para o desenvolvimento da aprendizagem por parte dos alunos?

4. PERCEPÇÃO DE SI E DO OUTRO

Como você percebe a relação entre alunos, professores e demais funcionários no dia a dia da escola?

5. AFINIDADE / IDENTIFICAÇÃO COM O MÉTODO

Você já conhecia o Método Montessori antes de trabalhar nessa escola? Como você vê o seu conhecimento acerca do Método Montessori hoje? O que considera mais importante neste método? Você considera que o conhecimento do método mudou algo em sua prática profissional? E na sua vida pessoal?

PARA A FUNCIONÁRIA SETOR NÃO PEDAGÓGICO (PORTARIA, ZELADORIA...)

CATEGORIA PERGUNTAS

1. ESTRUTURA DA ESCOLA (AMBIENTE PREPARADO)

O que você considera mais interessante na estrutura física (arquitetura, materiais) da escola Recanto do Pequeno Príncipe?

2. PAPEL DO FUNCIONÁRIO (ADULTO PREPARADO)

Como você vê o seu papel na escola Recanto do Pequeno Príncipe? Saberia dizer se em outra escola seria diferente?

3. APRENDIZAGEM (AUTOEDUCAÇÃO)

Você consegue perceber algo de diferente na aprendizagem dos alunos dessa escola? E você, na sua função, consegue aprender coisas novas?

4. PERCEPÇÃO DE SI E DO OUTRO

Como você percebe a relação entre alunos, professores e demais funcionários no dia a dia da escola?

5. AFINIDADE / Você já conhecia o Método Montessori

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IDENTIFICAÇÃO COM O MÉTODO

antes de trabalhar nessa escola? Como você vê o seu conhecimento acerca do Método Montessori hoje? O que considera mais importante neste método? Você considera que o conhecimento do método mudou algo em sua prática profissional? E na sua vida pessoal?

PARA A COORDENADORA PEDAGÓGICA

CATEGORIA PERGUNTAS

1. ESTRUTURA DA ESCOLA (AMBIENTE PREPARADO)

Qual a interferência da estrutura física da escola (arquitetura, materiais) na sua prática cotidiana? Em que medida e como você interfere / colabora com essa estrutura?

2. PAPEL DO PROFESSOR (ADULTO PREPARADO)

Como você definiria o papel do professor em uma escola montessoriana? E qual seria o papel de um coordenador pedagógico em uma escola montessoriana?

3. APRENDIZAGEM (AUTOEDUCAÇÃO)

Quais elementos (atividades, metodologias) no Método Montessori você julga mais significativos para o desenvolvimento da aprendizagem por parte dos alunos? Nessa escola, há elementos que não fazem parte do Método Montessori mas são utilizados na prática pedagógica? Quais? E por que?

4. PERCEPÇÃO DE SI E DO OUTRO

Como você percebe a relação entre alunos, professores e demais funcionários no dia a dia da escola? Quais as ações da escola para promover a interação entre as pessoas no cotidiano escolar?

5. AFINIDADE / IDENTIFICAÇÃO COM O MÉTODO

Você já conhecia o Método Montessori antes de trabalhar nessa escola? Como você vê o seu conhecimento acerca do Método Montessori hoje? O que considera mais importante neste método?/ Você considera que o conhecimento do método mudou algo em sua prática profissional? E na sua vida pessoal?

PARA A DIRETORA DA ESCOLA

CATEGORIA PERGUNTAS

1. ESTRUTURA DA Qual a interferência da estrutura física da

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ESCOLA (AMBIENTE PREPARADO)

escola (arquitetura, materiais) na sua prática cotidiana? Em que medida e como você interfere / colabora com essa estrutura?

2. PAPEL DO PROFESSOR (ADULTO PREPARADO)

Como você definiria o papel do professor em uma escola montessoriana? E qual seria o papel da diretora em uma escola montessoriana?

3. APRENDIZAGEM (AUTOEDUCAÇÃO)

Quais elementos (atividades, metodologias) no Método Montessori você julga mais significativos para o desenvolvimento da aprendizagem por parte dos alunos? Nessa escola, há elementos que não fazem parte do Método Montessori mas são utilizados na prática pedagógica? Quais? E por que?

4. PERCEPÇÃO DE SI E DO OUTRO

Como você percebe a relação entre alunos, professores e demais funcionários no dia a dia da escola? Quais as ações da escola para promover a interação entre as pessoas no cotidiano escolar?

5. AFINIDADE / IDENTIFICAÇÃO COM O MÉTODO

Como surgiu o seu interesse pelo Método Montessori? Como você vê o seu conhecimento acerca do Método Montessori hoje? O que considera mais importante neste método? Você considera que o conhecimento do método mudou algo em sua prática profissional? E na sua vida pessoal? Quais os maiores desafios para manter uma escola montessoriana hoje? Na sua opinião, quais elementos do método seriam aplicáveis a escola não montessorianas?

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APÊNDICE II

Texto para a contracapa dos diários

Olá!

Este será o seu diário por três meses! Nele você poderá registrar

tudo o que você vê, ouve e sente em sua escola!

Sinta-se à vontade para expressar tudo isso da maneira que preferir:

escrevendo em forma de poesia, conto, ou mesmo um

bilhete...desenhando ou fazendo colagens.

Queremos saber o que se passa no cotidiano da sua escola. E

queremos saber isso através de você!

Gostaríamos que observasse coisas como: o acontece durante as

aulas; o que acontece fora da sala de aula; sobre o que conversam

os seus colegas e sobre o que você pensa quando está em sua

escola....ou mesmo fora dela.

Sobre o que você gosta de falar? O que você gosta de fazer? Como

você vê as pessoas? Como você vê o mundo?

Expresse-se sobre as plantas, os animais, músicas ou sobre um

sorvete que gostou. Expresse-se sobre a guerra, sobre a paz...sobre

os seus sentimentos!

Esperamos que essa seja uma experiência muito boa para você!

Um abraço!

Profª Jieli e Prof. Pinzoh

Da Universidade do Estado da Bahia

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APÊNDICE III

Roteiro de observação

1 – Anunciar chegada à professora de forma discreta;

2 – Posicionar-se em um canto da sala que possibilite

visão ampla;

3 – Registrar o que se passa; (relação criança – professor

– ambiente);

4 – Registrar o que se vê (ambiente);

5 – Perguntar ao professor (ou ao coordenador, no caso

de outros ambientes da escola) acerca do que se vê e do

que se passa (apropriação do espaçotempo);

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ANEXOS