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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS I CURSO DE PEDAGOGIA RAFAEL ALMEIDA PERRI ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI: DO DESCASO SOCIAL A RESSOCIALIZAÇÃO Salvador 2010

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I

CURSO DE PEDAGOGIA

RAFAEL ALMEIDA PERRI

ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI: DO DESCASO SOCIAL A RESSOCIALIZAÇÃO

Salvador

2010

RAFAEL ALMEIDA PERRI

ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI: DO DESCASO SOCIAL A RESSOCIALIZAÇÃO

Monografia apresentada como requisito

parcial para obtenção da graduação em

Pedagogia do Departamento de

Educação I da Universidade do Estado

da Bahia.

Orientação: Profª. Terezinha Zélia.

Salvador

2010

RAFAEL ALMEIDA PERRI

ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI: DO DESCASO SOCIAL A RESSOCIALIZAÇÃO

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da graduação em

Pedagogia do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia, sob

orientação do Profª. Terezinha Zélia.

Aprovada em ___ de ___________ de 20__.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

Profª Terezinha Zélia

Uma criança é um feixe de

potencialidades abertas para o futuro

que o meio pode inibir ou fazer

desabrochar. Aquilo que ela pode ser

não é só determinado pelo passado,

como inferiu a psicanálise, mas também

pelas novas estimulações que, agora e

amanhã, sobre ela possam atuar.

(Medeiros, 1979, p.53)

Dedico este trabalho a minha mãe e minha noiva, Valquíria e

Naiane que sofreram com a minha ansiedade enquanto da

dedicação a este trabalho.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Jesus Cristo pelo dom da vida e por me fortalecer e sustentar durante o

meu caminhar.

A minha mãe, primeira mestra, pela generosidade e sabedoria com que sempre fui

ensinado e acarinhado, e por servir de alavanca me impulsionando nos momentos

de desânimo.

A NAIANE SANTOS (minha noiva) afetuosa, companheira e paciente, que por

muitas vezes foi compreensiva e solicita durante todo o meu processo de formação

e ansiedade da monografia!

Aos meus familiares e amigos, meus agradecimentos por terem aceitado se privar

da minha companhia, me concedendo a oportunidade de realização intelectual por

meio dos meus estudos.

A todos os colegas do curso com os quais no decorrer da pesquisa troquei idéias e

em especial àqueles que em razão da proximidade, do diálogo e do companheirismo

transformaram-se em verdadeiros amigos. AO G7( Anderson, Erika, Ana, Fernanda,

Vanilda e Viviane) muito obrigada, VIVA LA VIDA!

À minha orientadora, Professora Terezinha Zélia, pela seriedade do seu trabalho,

paciência, experiências trocadas e cuidado a mim desvelado. Extremamente grato.

Agradeço também aos professores do curso de pedagogia pela contribuição

acadêmica que me fizeram crescer intelectualmente, meu muito abrigado pelas

didáticas, metodologias e currículos da vida.

RESUMO

Este trabalho contempla a historicidade e a evolução da legislação em prol das crianças e dos adolescentes até a legislação vigente, e busca costurar um diálogo entre a nossa percepção de adolescente infrator, a projeção que nos foi passada ao longo da história; mostrando os processos educativos que corroboram para a ressocialização do adolescente em conflito com a lei.

Palavras chaves – adolescente infrator, ECA, FUNDAC, medidas socioeducativas, socioeducação, pedagogia da presença

ABSTRACT

This work describes the history and evolution of law in favor of children and adolescents up to current law, and seeks to tailor a dialogue between our perception of adolescent offenders, the projection was that we passed along the story, showing that the educational processes corroborate the re-socialization of adolescents in conflict with the Law.

Keywords - teenage offender, ECA, FUNDAC, socio-educational measures, socio-educational, pedagogy of presence

SUMÁRIO

1 - INTRODUÇÃO............................................................................................ 10

1.1 - PERSPECTIVA HISTÓRICA PARA O ADOLESCENTE INFRATOR..................13 1.2 - FUNABEM E A PROMULGAÇÃO DO CÓDIGO DE MENORES DE 1979 ........ 16 1.3 - DÉCADA DE 80 E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 88................................... 19 1.4 - ECA - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ................................. 20 1.5 - CONANDA E SINASE – SISTEMATIZAÇÃO DO ECA ...................................... 24 2.0 - A INSTITUIÇÃO, O ADOLESCENTE E AS MEDIDAS SOCIO EDUCATIVAS . 26

2.1 - O ADOLESCENTE EM CONFLITO A LEI - TRAJETÓRIA ATÉ A INSTITUCIONALIZAÇÃO ................................................................................ 27

2.2 - MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ........................................................................ 32

3.0 - A EDUCAÇÃO E A PRÁTICA DOCENTE NAS UNIDADES ............................. 38

3.1 - SOCIOEDUCAÇÃO E A PEDAGOGIA DA PRESENÇA .................................... 38 3.1.1 - SOCIOEDUCAÇÃO ......................................................................................... 41 3.1.2 – A PEDAGOGIA DA PRESENÇA .................................................................... 45 3.2 - PERFIL DO SOCIOEDUCADOR ........................................................................ 46 3.2.1 - PRATICA DOCENTE – UMA EXPERIÊNCIA RELATADA .............................. 48 3.3 - ORGANIZAÇÃO CURRICULAR ......................................................................... 49

4.0 – CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 51

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ............................................................................... 55

10

1 - INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira tem vivido momentos de generalização da violência. O

alto índice de criminalidade entre adolescentes, que se iniciam na delinquência,

praticando pequenos delitos, passam a ser explorados por maiores que os utilizam

na linha de frente do crime, com a consciência da impunidade, pois sabem, que aos

21 anos, estarão livres de qualquer punição, como prescreve o ECA (Estatuto da

Criança e do Adolescente). A legislação brasileira fixa a responsabilidade penal

juvenil só a partir dos 12 anos, desse modo, não poderemos chamar de menor esta

abrangência já que considera-se adolescente, aqueles que possui a faixa etária

entre 12 e 18 anos, inscrito no ART 2º do ECA.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a adoção de medidas

sócio educativas – de caráter penal especial – para adolescentes que infringiram a

lei e ou cometeram crimes e, como as penas criminais, as medidas sócio-educativas

podem ser restritivas de direitos ou privativas de liberdade, sendo a privação

máxima de 03 anos.

Dentre os direitos fundamentais consagrados à infância e juventude, avulta

em importância o pertinente à educação, observado também que o sistema

educacional se constitui - juntamente com a família – uma extraordinária agência de

socialização do ser humano. A educação, devidamente entendida como direito de

todos e dever do Estado, destina-se, conforme prevê a regra constitucional, ao pleno

desenvolvimento da pessoa, sua qualificação para o trabalho e, principalmente, ao

preparo para o exercício da cidadania (art. 205, da CF). No entanto, existem

pesquisas que nos apontam a relação entre exclusão escolar e violência como

também a falta de demanda do mercado de trabalho e sua qualificação, como diz:

11

A escola também promove ritos de iniciação de um nível escolar para

outro que as vezes, submetem os indivíduos a provas que servem de

seleção para vida social, que estabelecem discriminações entre elas, pois

só as que adquirem as competências estabelecidas pela sociedade serão

aceitas. (FREITAG, 1980, Pg.32)

Nesse sentido, entende-se que as medidas sócio-educativas recuperativas,

são explicadas em função do adolescente ainda em processo de construção da

personalidade, que pode ser resgatado para a sociedade. As medidas visam a

ressocialização, não com vista na punição, mas a reinserção na sociedade:

A fundamentação para implantação das medidas sócio-educativas está no

fato de adolescentes serem pessoas na condição peculiar de

desenvolvimento, ou seja, pessoas que estão em formação física,

psicológica, social e cultural. (CONANDA, 1999)

Como educador, percebo a relevância de se estudar o tema para

desenvolver habilidades e novas competências na aplicação das medidas sócio-

educativas utilizadas na formação do adolescente infrator, e a importância de

entender e desenvolver variadas estratégias para trazer de volta a sociedade o

adolescente tratado profissionalmente e psicologicamente.

Por isso, faz-se necessário à formação dos educadores, visualizar melhor seu

papel social, ventilando a temática e encarando novos desafios, acompanhando

assim, as mudanças sócio - econômicas da contemporaneidade com todas as suas

nuances e características. Como homem pós-moderno, o educador da sociedade

necessita desenvolver uma compreensão abrangente das políticas públicas, das

diversas formas de intervenções educativas comuns à sociedade e que, de alguma

forma, possam entender que os adolescentes em conflito com a lei, necessitam de

tipos de educação diferenciada da educação regular. Praticamente uma educação

“especial”.

12

Assim, o objetivo deste estudo é investigar a práxis dos professores em sala

de aula, através das estratégias metodológicas, diante da aplicação das medidas

sócio-educativas aos adolescentes em conflito com a lei.

Nesse sentido, é de grande relevância avaliar os processos educativos e as

estratégias que viabilizam a reinserção na sociedade desses adolescentes em sala

de aula, verificar quais as políticas educativas que orientam e regem a educação,

compreendendo a importância da educação para o adolescente infrator,

identificando as ações favoráveis a uma ressocialização eficaz, que proporcione

inicialmente o adolescente para uma sociedade que requer formação profissional.

Por isso, também, é importante verificar como se dá o processo de iniciação

profissional e inserção no mercado de trabalho desses adolescentes em conflito com

a lei na sua atuação em sociedade após o término de sua internação.

A metodologia deste trabalho é composta por estudo bibliográfico que tem por

finalidade distinguir as diferentes contribuições que se realizaram para o assunto ou

fenômeno, uma pesquisa de campo, qualitativa, apresentando também dados

quantitativos, esta parte do trabalho examina as instituições de atendimento, o

material humano como professores, coordenadores, funcionários e jovens que

assim dialogam com as bibliografias.

Do processo pedagógico por certo faz parte o estabelecimento de regras

relacionadas ao campo disciplinar, com o aprendizado pelo educando dos próprios

limites na convivência escolar e social, assim como o respeito à autoridade. É

equivocado pretender que o ECA, em qualquer de suas regras, esteja a atentar

contra o princípio da autoridade no sistema educacional. A previsão legal (que se

contrapõe, isto sim, ao autoritarismo), está a enunciar que o educando deve ser

tratado com dignidade e respeito, vedando-se então - e estabelecendo como figura

criminosa - submeter criança ou adolescente sob sua autoridade a vexame ou a

constrangimento (art. 323, do ECA).

Portanto, diante das políticas públicas relacionadas a educação para o

adolescente infrator e a efetiva aplicação delas, há um intermédio de fundamental

importância que é o professor e sua práxis; assim, o professor torna-se o centro de

um dos campos da educação mais complexos. Frente a isso, é preciso entender

13

como a prática dos professores neste sistema visa a reinserção do adolescente na

sociedade.

Os autores estudados estão dentro de uma perspectiva sócio histórica,

educacional, penal; assim por certo nos capítulos deste trabalho haverá o

embasamento teórico enfatizado nas políticas públicas, na instituição e na história

da legislação e sua evolução. Dentre eles se destacam como principais: Antônio

Carlos Gomes da Costa, Maria Lúcia Vieira Violante, Michel Foucault e etc.

No primeiro capitulo, a análise histórica das políticas públicas, e a evolução

delas para o adolescente em conflito com a lei até a lei vigente, é o principal foco

para que possamos entender a situação atual das instituições de atendimento, a

práxis dos professores das unidades quanto sócio educador e educador de medidas

sócio educativas, pois, desta forma teremos um maior alcance no entendimento

desta dimensão educacional e sua história.

No segundo capitulo as Instituições executivas do processo terão sua

concepção reafirmada pelas pesquisas bibliográficas e de campo, mostrando sua

infra estrutura, seu conceito, os conteúdos, sua práxis diante da legislação

diferenciada que é vigente para o adolescente em conflito com a lei.

No terceiro capítulo abordaremos a prática do docente diante das

perspectivas das medidas sócias educativas, diante da legislação vigente,

mostrando qual o verdadeiro papel do educador na reintegração deste adolescente

no âmbito comunitário, e, como os processos educativos dentro das instituições se

voltam para a reinserção do mesmo no mercado de trabalho.

1.1 - PERSPECTIVA HISTÓRICA PARA O ADOLESCENTE INFRATOR

Para compreender os momentos históricos da educação é necessário

contextualizarmos o período da sociedade em que o fenômeno está ocorrendo,

assim, não é diferente com as políticas públicas para o adolescente em conflito com

a lei.

O sistema capitalista se fundamenta no mundo econômico e a corrida por

empregos resulta no grande êxodo rural, causando o inchaço das grandes cidades e

14

o aceleramento exacerbado da urbanização. Até os dias atuais, o cenário sócio –

econômico se estabelece dessa forma: muitas pessoas chegam às cidades e

poucas conseguem empregos, ocasionando pobreza e miséria.

No Brasil, do final do século XIX e inicio do século XX, havia um outro

agravante: a república acabara a pouco com o sistema escravocrata e deixara os

negros livres, não assegurando subsídios básicos para sobrevivência, nem mão de

obra qualificada, ocasionando mais miséria e pobreza.

Nesse contexto de pobreza e miséria, muitos menores não conseguiam

trabalho para ajudar a família, que já passava por dificuldades financeiras, então

cometiam pequenos furtos ou vadiavam pela cidade, quadro esse que se perpetua

até os nossos dias.

Com a miséria assolada na sociedade brasileira, O Estado, no período da

República Velha, que enfatizava modernizar a economia e focava no trabalho formal,

começou a se preocupar com o futuro da nação, as crianças (FERREIRA, 2008).

Assim, o Estado cria a primeira instituição destinada aos menores abandonados, o

instituto Sete de Setembro em 1913, que tinha por finalidade disciplinar os menores

para voltar ao mercado de trabalho, então, foram criados locais onde o menino

aprendia uma profissão.

Ainda em 1923, foi criado o primeiro Juizado de menores, após quatro anos de

vigor o juizado, foi decretada a lei 17.943-A que fundamentou as leis

assistencialistas ao menor. Fomentado o código de menores, este levou o nome

“Código Mello Matos”, pois era o nome do primeiro juiz de menores do Brasil. Este

código destinou-se a assistir apenas os menores abandonados e delinqüentes como

diz no Art 1º: “O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinqüente, que tiver

menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente às

medidas de assistência deste artigo”.

COSTA (2006) diz que o código de menores de 1927, não se baseava na

população infanto-juvenil, pois se limitava aos menores em situação irregular que

eram quatro tipos: carentes (menores em perigo moral), abandonados (menores

privados de representação legal), inadaptados (menores com grave desajuste

familiar) e infratores (menores autores de infração penal.

15

Assim o código de menores estava mais focado em tratar os abandonados e

os que cometiam infração. Por isso, percebe-se que o Estado estava focado na

visão disciplinar dos meninos e não com o bem estar deles próprios.

Enfim, o código de menores se dedicou apenas a controlar e disciplinar os

delinqüentes e os abandonados, não se comprometendo com a prevenção e

fomentação de nenhum tipo de direito aos menores. No entanto, o código de

menores foi um marco para a preocupação da sociedade com as crianças e um

visionário diante da evolução das políticas públicas que vigora hoje.

A revolução de 1930 representou a derrubada das oligarquias rurais do poder

político. O desenvolvimento de um projeto político para o país era ausente naquele

momento histórico, na visão de estudiosos, por não haver um grupo social legítimo

que o pudesse idealizar e realizar. Isto permitiu o surgimento de um Estado

autoritário com características corporativas, que fazia das políticas sociais o

instrumento de incorporação das populações trabalhadoras urbanas ao projeto

nacional do período.

O Estado Novo, como ficou conhecido este período, vigorou entre 1937 e

1945, sendo marcado no campo social pela instalação do aparato executor das

políticas sociais no país. Dentre elas destaca-se a legislação trabalhista, a

obrigatoriedade do ensino e a cobertura previdenciária associada à inserção

profissional, alvo de críticas por seu caráter não universal, configurando uma

espécie de cidadania regulada – restrito aos que tinham carteira assinada.

O sufrágio universal foi reconhecido nesta época como um direito político de

indivíduos, excluídos até então, como as mulheres.

Em 1942, período considerado especialmente autoritário do Estado Novo, foi

criado o Serviço de Assistência ao Menor - SAM. Tratava-se de um órgão do

Ministério da Justiça e que funcionava como um equivalente do sistema

penitenciário para a população menor de idade. Sua orientação era correcional-

repressiva. O sistema previa atendimento diferente para o adolescente autor de ato

infracional e para o menor carente e abandonado. O menor delinqüente era

colocado em internatos e os menores carente colocados em escolas de

aprendizagem de ofício urbano.

16

O atendimento do SAM (Serviço de Assistência ao Menor ) criado para dar

assistência aos menores, com o passar do tempo, foi muito criticado pela sociedade,

pela sua ineficácia na reinserção do menor e os maus tratos causados a estes.

Então o modelo de correção deste atendimento se tornou defasado, em função das

constantes denúncias (COSTA, 2006, p.48).

Do ponto de vista da organização popular, o período entre 45 e 64 foi

marcado pela co-existência de duas tendências: o aprofundamento das conquistas

sociais em relação à população de baixa renda e o controle da mobilização e

organização, que começa a surgir paulatinamente nas comunidades.

A ONU (Organização das Nações Unidas) corroborou nestas décadas com a

Declaração do Direitos da Infância, organizado em 1959.

Assim, o início da década de 60 foi marcado, portanto, por uma sociedade

civil mais bem organizada, e um cenário internacional polarizado pela guerra fria, em

que parecia ser necessário estar de um ou outro lado.

1.2 – FUNABEM E A PROMULGAÇÃO DO CÓDIGO DE MENORES DE 1979

Em 1964, logo após o Golpe Militar e o governo de Castelo Branco, foi criada

a FUNABEM (Fundação Nacional para o Bem Estar do Menor) que era embasada

na lei 4.513. Com essa política nacional criaram-se, também, as FEBENS que eram

fundações estaduais, subordinadas as FUNABENS e encaminhada pelo Conselho

nacional.

A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor tinha como objetivo formular e

implantar a Política Nacional do Bem Estar do Menor, herdando do SAM prédio e

pessoal e, com isso, toda a sua cultura organizacional. A FUNABEM propunha-se a

ser a grande instituição de assistência à infância, cuja linha de ação tinha na

internação, tanto dos abandonados e carentes como dos infratores, seu principal

foco.

O Código de Menores de 1979 constituiu-se em uma revisão do Código de

Menores de 1927, não rompendo, no entanto, com sua linha principal de

arbitrariedade, assistencialismo e repressão junto à população infanto-juvenil. Esta

17

lei introduziu o conceito de "menor em situação irregular", que reunia o conjunto de

meninos e meninas que estavam dentro do que alguns autores denominam infância

em "perigo" e infância "perigosa". Esta população era colocada como objeto

potencial da administração da Justiça de Menores.

É interessante que o termo "autoridade judiciária" aparece no Código de

Menores de 1979 e na Lei da Fundação do Bem Estar do Menor, respectivamente,

75 e 81 vezes, conferindo a esta figura poderes ilimitados quanto ao tratamento e

destino desta população.

Por esta razão a FUNABEM perpetuou o trabalho do SAM, pois sua estrutura

tinha os mesmos moldes, o que tornava a FUNABEM apenas mais um órgão

tratante da infância, mas que não quebrava com paradigmas e nem trazia um novo

olhar sobre o menor infrator, pois continuava a tratar das conseqüências dos atos do

menor infrator e não da prevenção dos delitos desses menores:

Pela legislação que vigorou no Brasil de 1927 a 1990, o Código de

Menores, particularmente em sua segunda versão, todas as crianças e

jovens tidos como em perigo ou perigosos (por exemplo: abandonado,

carente, infrator, apresentando conduta dita anti-social, deficiência ou

doente, ocioso, perambulante) eram passíveis, em um momento ou outro,

de serem enviados às instituições de recolhimento. Na prática isto significa

que o Estado podia, através do Juiz de Menor, destituir determinados pais

do pátio poder através da decretação de sentença de "situação irregular do

menor". Sendo a "carência" uma das hipóteses de "situação irregular",

podemos ter uma idéia do que isto podia representar em um país, onde já

se estimou em 36 milhões o número de crianças

pobres.(ARANTES,1999,p.258).

Assim, sem mudança de conceitos, a lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979

foi aprovada instituindo um novo de Código de Menores. A reformulação havia sido

no papel, e algumas questões cruciais do antigo código não foram modificadas, o

que essencialmente perpetuou a mesma visão da sociedade para esta parcela da

população que continuava a ser mal tratada e sem direitos.

Esse Código se propôs no contexto sócio-econômico em que vivia o país, no

qual eram pungentes as estatísticas sobre crianças e adolescentes carentes,

abandonados, desassistidos ou dados à prática de atos anti-sociais, a atualizar o

18

conceito dos direitos dos menores, bem como a criação de novas garantias, ante as

profundas transformações ocorridas no corpo social entre 1927 com o Código Mello

Mattos e o Novo Código de Menores de 1979.

Segundo COSTA (2006), a maior afirmação de que o Código de Menores de

1979 não mudou conceitos, foi a substituição dos nomes dados aos menores como,

“menores abandonados e delinqüentes” por “menores em situação irregular”; sem

qualquer mudança de atitude da legislação, sem compreender a criança, a mudança

de consciência, o adolescente como sujeito excluso.

O Código de Menores tinha um caráter discriminatório, que associava a

pobreza à “delinqüência” e encobria as reais causas das dificuldades vividas por

esse público, tais como a desigualdade de renda e a falta de alternativas de vida. As

crianças de baixa renda eram consideradas inferiores e deveriam ser tuteladas pelo

Estado.

Havia a idéia de que os mais pobres tivessem um comportamento

desviante e uma certa “tendência natural à desordem”, não podendo se adaptar à

vida em sociedade. Isso justificava, por exemplo, o uso dos aparelhos repressivos

como instrumentos de controle pelo Estado. Os meninos e meninas que pertenciam

à esse segmento da população, considerados “carentes, infratores ou

abandonados”, eram, na verdade, vítimas da falta de proteção.

Assim Violante (1983), explica que a prisão podia ser feita por qualquer

motivo, consentimento dos pais ou responsáveis, policial ou por terceiros. Então,

mesmo sem cometer crimes ou infrações, as crianças eram detidas e privadas de

liberdade.

Desta forma o período assistencialista de 1927 a 1979 caracterizou-se por ser

intolerante, não assistindo a integridade física e psicológica das crianças.

A Declaração das Nações Unidas e os Direitos da Criança de 1959, não

mudaram em nada a forma de pensar do ambito político e social do Brasil

acarretando as mazelas acometidas aos adolescentes, porém na decáda de 80 os

pensamentos humanitários e as fortes influências das declarações trouxeram a tona

discussões sobre os diretos das crianças, a responsabilidade do Estado e da

sociedade com esse segmento da sociedade.

19

1.3 - DÉCADA DE 80 E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 88

No século XVIII, as crianças foram tratadas como adultos em miniaturas.

Suas necessidades não eram respeitadas, nem seus direitos, deixando de

considerar seu desenvolvimento biológico, psicológico e social.

Com a evolução e o desenvolvimento do próprio homem, a criança

progressivamente teve seus direitos respeitados e pouco a pouco obteve lugar de

destaque na sociedade. Este foi o processo histórico dos direitos da infância, uma

evolução concomitante com a cultura, com o progresso da sociedade e uma maior

conscientização dos direitos humanos.

Partindo deste pressuposto, e com o novo regime democrático implantado no

Brasil, que foi promulgado a Constituição Federal de 1988 e conseqüentemente o

ECA.

No período de construção da nova constituição, diferentemente das

anteriores, as autoridades ouviram as reivindicações da sociedade, esta que

contribuiu para a construção da nova constituição garantindo direitos adaptados ao

processo histórico e cultural dos cidadãos.

Entre os direitos sociais merece destaque o Direito de Família que se tornou a

base da sociedade. Nesse contexto, reconheceu-se a igualdade entre cônjuges, a

união estável como entidade familiar, como prescreve o artigo 226 da Constituição

Federal. Esta nova ordem familiar concedeu à criança e ao adolescente lugar

especial na sociedade o que tornou possível a materialização das novas teorias

acerca do desenvolvimento do humano.

Esta nova Constituição alcançou o Direito da Criança e dos Adolescentes,

que por ser um conteúdo específico, de normas próprias, os institutos peculiares à

sua independência científica e para sua autonomia didática, tornou necessário ser

considerado um instituto autônomo.

Silva (2001, p24) em seu artigo comentando sobre a nova constituição diz:

A marca do reordenamento jurídico foi a “remoção do entulho autoritário” e

a preocupação que norteou os constituintes e as pressões dos movimentos

populares e da sociedade organizada, foi no sentido de assegurar a

20

inclusão, aprovação e manutenção da diversos dispositivos que colocasse

o cidadão à salvo das arbitrariedades do Estado e dos governos.

A lei que tratava da criança e do adolescente na Constituição Federal de

1988, ficou a cargos de um grupo especializado que se baseou nos Direitos da

Infância da ONU promulgada em 1959, que enumerava diversos direitos aos

menores, como: à vida, à educação, à saúde.

Embasado nesses diretos que a Constituição Federal de 1988 tratou dos

direitos da criança e do adolescente, exemplificando no artigo 227 da mesma:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, a profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e convivência familiar e comunitária,

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão. (Brasil, 1988, p. 91)

A constituição ainda estabeleceu que menores entre doze e dezoito anos

incompletos são inimputáveis em perspectiva do código penal e portanto, devem

responder a uma legislação especial.

Desta forma, a Constituição Federal de 1988, iniciou uma nova era de

promoção dos direitos da criança e do adolescente, passando a contemplar os

menores como sujeitos de direitos, rompendo definitivamente com a omissão da

sociedade e do Estado em garantir direitos.

1.4 - ECA - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que reconhecia os

Direitos da Infância da ONU, houve a necessidade de revogar o defasado Código

de Menores 1979 para a nova doutrina de Proteção Integral. Era necessário

promover um novo código ou uma nova lei que se baseasse na doutrina de proteção

integral e que afirmasse o que já estava na Constituição Federal de 1988.

21

Nasce o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), no dia 13 de julho de

1990 aprovado pelo Congresso Nacional, promulgado sobre a lei 8069/90.

Este Estatuto foi quem acolheu inteiramente a Doutrina da Proteção Integral,

que é referendada no ARTº 1: “Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e

ao adolescente” sendo destinado a todas as crianças e adolescentes, observando

portanto, que pelo ECA, criança é a pessoa de até 12 anos e adolescente de até 18

anos incompletos. Ao longo de seus capítulos e artigos, o Estatuto discorre sobre as

políticas referentes a saúde, educação, adoção, tutela e questões relacionadas a

crianças e adolescentes autores de atos infracionais. Em seus 267 artigos, garante

os direitos e deveres de cidadania a crianças e adolescentes, determinando ainda a

responsabilidade dessa garantia aos setores que compõem a sociedade, sejam

estes a família, o Estado ou a comunidade..

Dá-se inicio, então, a um processo de reordenamento conceitual e

institucional de atendimento aos adolescentes, revisando antigas práticas e

promovendo a defesa de direitos. A partir das determinações do ECA, o adolescente

é privado de liberdade se pego quando em flagrante de delito autuando infração

grave, diferindo do antigo código que por simples situação de abandono privavam o

adolescente de liberdade, assim está escrito no ECA no seu artº 106 : “Nenhum

adolescente será privado de liberdade senão por flagrante de ato infracional ou por

ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”.

O ECA introduziu novos conceitos e conteúdos nas ações sociais e políticas e

estabeleceu limites aos magistrados juízes de direto, que no Código de Menores de

1979 tinham pleno poder ao destino dos “menores abandonados e ou meninos de

rua”. Com o Estatuto, os adolescentes estão em instância da justiça. O juiz

obrigatoriamente, toma decisões embasado na equipe que deve ser formada por

profissionais do Serviço Social, Psicólogo e Pedagogo.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, estabeleceu a criação dos

Conselhos Tutelares que são órgãos públicos municipais, que tem sua origem na lei,

integrando-se ao conjunto das instituições nacionais e subordinando-se ao

ordenamento jurídico brasileiro. Todas as atribuições do conselho tutelar são

dirigidas as crianças e adolescentes, e se basea nos artigos 136, 95, 101 (I a VII) e

129 (I a VII) do ECA. E, não depende de autorização de ninguém - nem do Prefeito,

22

nem do Juiz - para o exercício das atribuições legais que lhe foram conferidas pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente.

Outra mudança vital foram os critérios que estabelecem a aplicação das

medidas sócioeducativas, que passaram a priorizar a adequação do adolescente e

sua capacidade em cumpri-la e a gravidade da infração. As medidas aplicáveis são:

advertência que consiste em admoestação verbal; obrigação de reparar o dano

quando a infração é contra o patrimônio; prestação de serviço à comunidade, de no

máximo oito horas semanais; liberdade assistida, acompanhado de pessoa

competente e designada por autoridade; internação, privação de liberdade. As

medidas, também, em si, foram mudadas, pois deixaram de ser assistencialistas e

repressivas para serem sócioeducativas e passaram a respeitar a criança e o

adolescente como um ser em crescimento, trabalhando numa perspectiva de em

reeducação.

O Estatuto, além de estabelecer direitos e deveres a todas as crianças e

adolescentes, ainda garantiu direitos aos adolescentes em conflito com a lei, direitos

que estão prescritos no artigo 124:

I – Entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público;

II – Peticionar diretamente a qualquer autoridade; III – avistar-se

reservadamente com seu defensor; IV – ser informado de sua situação

processual, sempre que solicitada; V – ser tratado com respeito e

dignidade; VI – permanecer internado na mesma localidade ou na mais

próxima ao domicilio de seus pais ou responsáveis; VII – receber visitas ,

ao menos, semanalmente; VIII – corresponder-se com seus familiares; IX –

ter acesso a objetos necessários à higiene; X – habitar alojamentos em

condições adequadas de higiene e salubridade; XI – receber escolarização

e profissionalização; XII – realizar atividades culturais esportivas e de lazer;

XIII – ter acesso aos meios de comunicação social; XIV – receber

assistência religiosa, segundo sua crença; XV – manter a posse dos

objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo

comprovante porventura depositado em poder da entidade; XVI – receber,

quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à

vida em sociedade. ( Brasil, 1990, pg. 33)

Desde a promulgação do ECA, um grande esforço para a sua implementação

vem sido feito nos âmbitos governamental e não–governamental. A crescente

participação do terceiro setor nas políticas sociais, fato que ocorre com evidência a

23

partir de 1990, é particularmente forte na área da infância e da juventude. A

constituição dos conselhos dos direitos, uma das diretrizes da política de

atendimento apregoada na lei, determina que a formulação de políticas para a

infância e a juventude deve vir de um grupo formado paritariamente por membros

representantes de organizações da sociedade civil e membros representantes das

instituições governamentais.

No entanto, a implementação integral do ECA ainda representa um desafio

para todos aqueles envolvidos e comprometidos com a garantia dos direitos da

população infanto-juvenil. Antonio Carlos Gomes da Costa, em um texto intitulado

“O Desfio da Implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente”,

denomina de salto triplo os três pulos necessários à efetiva implementação da lei.

São eles:

1. Mudanças no panorama legal: os municípios e estados precisam se

adaptar à nova realidade legal. Muitos deles ainda não contam, em suas leis

municipais, com os conselhos e fundos para a infância.

2. Ordenamento e reordenamento institucional: colocar em prática as

novas institucionalidades trazidas pelo ECA: conselhos dos direitos,

conselhos tutelares, fundos, instituições que executam as medidas sócio-

educativas e articulação das redes locais de proteção integral.

3. Melhoria nas formas de atenção direita: É preciso aqui “mudar a

maneira de ver, o entender e o agir dos profissionais que trabalham

diretamente com as crianças e adolescentes”. Estes profissionais são

historicamente marcados pelas práticas assistencialistas, corretivas e muitas

vezes repressoras, presentes por longo tempo na historia das práticas sociais

do Brasil.

Então, com o raciocínio de que o Estatuto da Criança e do Adolescente -

antes de se constituir um estorvo - pode ser utilizado enquanto importante

instrumento de salvaguarda do sistema educacional, em especial quando dispõe que

o princípio constitucional da prioridade absoluta para as crianças e adolescentes

significa preferência na formulação e execução das políticas sociais públicas, assim

como destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a

proteção à infância e juventude (art. 4°, par. único, letra c e d, do ECA). Quanto ao

24

educando, pessoa em desenvolvimento que tem direito de vivenciar condições

favoráveis para seu sucesso no processo de ensino e aprendizagem, o registro final

serve para a reafirmação de ser ele a medida de todas as coisas no sistema

educacional, merecedor de formação que venha no futuro credenciá-lo como agente

responsável.

Com isto, há ainda um longo caminho a ser percorrido antes que se atinja um

estado de garantia plena de direitos com instituições sólidas e mecanismos

operantes. No entanto, pode-se dizer com tranqüilidade que avanços importantes

ocorreram e vêm ocorrendo nos últimos anos, e que isto tem um valor ainda mais

significativo se contextualizado a partir da própria história brasileira, uma história

atravessada mais pelo autoritarismo que pelo fortalecimento de instituições

democráticas.

1.5 - CONANDA E SINASE – SISTEMATIZAÇÃO DO ECA

O ECA definiu como uma diretriz da política de atendimento à infância e à

adolescência a criação dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente nas

esferas nacional, distrital, estadual e municipal. Em atendimento à normativa, foi

aprovada, em 12 de outubro de 1991, a Lei Federal nº 8.242/1991, que cria o

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) como o

órgão máximo de deliberação sobre as políticas públicas para a população infanto-

juvenil. Previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o Conselho foi criado

pela Lei nº 8.242 de 12 de outubro de 1991 e desde então vem pautando sua

atuação na formulação das diretrizes para uma política nacional que assegure, com

absoluta prioridade, os direitos humanos de crianças e adolescentes.

No que se refere ao atendimento ao adolescente em conflito com a lei, o

CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) em

conjunto com a Secretaria de Direitos Humanos e o Fundo das Nações Unidas

(UNICEF) elaboraram uma sistematização do ECA (Estatuto da Criança e do

Adolescente) para facilitar o entendimento e o atendimento aos adolescentes. Então

é concebido o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Sócio Educativo) ,

dezesseis anos depois da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

25

O SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Sócio Educativo) estabelece

modelos nacionais de atendimento ao adolescente fiscalizando o ato infracional até

a aplicação das medidas sócio educativas. Assegurando, também, a articulação

entre os outros órgãos que garantem direitos como sistema educacional e o de

saúde (SUS).

Por fim o SINASE tem por finalidade humanizar o atendimento ao

adolescente em conflito com a lei, visando a ressocialização dos adolescentes e seu

pleno desenvolvimento psicológico, físico e moral. Adotando políticas de fiscalização

que contemplam o adolescente na aplicação das medidas sócio educativas e sua

total recuperação.

26

2 - A INSTITUIÇÃO, O ADOLESCENTE E AS MEDIDAS SOCIO EDUCATIVAS

O processo de reordenamento institucional da FAMEB (Fundação de

Assistência a Menores do Estado da Bahia ), surge com a sansão do Eca, lei

8069/90, com base na política de promoção e defesa de direitos, reestruturando-se a

partir de três pilares: mudança de conteúdo, mudança de método, mudança de

gestão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente além de introduzir novos conteúdos

nas ações da política de atendimento, reorganizou o campo das políticas públicas,

agrupando-as, hierarquizando-as e dividindo-as em :

políticas sócias básicas;

políticas assistenciais;

programa de proteção especial para as crianças e jovens em circunstâncias

especialmente difíceis.

Surge a FUNDAC (Fundação da Criança e do Adolescente), em 1991 pela lei

6.074 de 23 de maio, tendo por formalidade executar, no âmbito estadual, a política

de atendimento à criança e ao adolescente em situação de risco pessoal e social e

adolescente envolvidos em ato infracional.

Criada sob os fundamentos do ECA que impôs a necessidade de

reordenamento dos órgão públicos e entidades da sociedade civil que atuam na área

da criança e do adolescente. A FUNDAC teve que redirecionar suas ações técnicas

e administrativas, além, de desconstruir, adaptar e construir unidades de

atendimento de acordo com os novos paradigmas.

Assim, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) para que houvesse

uma total reestruturação, promoveu a criação de uma nova instituição, um

27

novo nome, um novo conceito. “O Estatuto da Criança e do Adolescente

reformula práticas de atendimento institucional governamental ou não, com

ênfase aos aspectos sociais desta problemática, conseqüentes, onde a

dignidade e cidadania de criança e adolescente são abordadas e vistas

como forma para alcançar o desenvolvimento social”. (FONTES, 1994)

Na implementação do atendimento socioeducativo para os adolescentes que

cometem infrações, a FUNDAC tem como referência o ECA (Estatuto da Criança e

do Adolescente) e o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Sócio educativo)

que estabelecem parâmetros legais de ação e gestão das medidas socioeducativas.

A FUNDAC, também, é gestora do programa de apoio à família e egresso que

atua junto aos adolescentes, jovens adultos e seus familiares em processo de

desligamento das medidas socioeducativas de internação e semiliberadde,

desenvolvendo ações que viabilizem o encaminhamento destes ao mercado de

trabalho e programas e projetos sociais.

Para desenvolver as ações de acolher, cuidar, proteger e ressocializar os

adolescentes envolvidos em atos infracionais, a FUNDAC (Fundação da Criança e

do Adolescente) opera com unidades de pronto-atendimento, internação provisória,

internação e semiliberdade.

Este processo de reordenamento, ocorrido no entusiasmo da sanção do ECA,

efetivamente mudou a imagem, os programas desenvolvidos, a estrutura física e o

processo educativo da FUNDAC, fatos que se deram durante a década de 1990.

Todavia, o processo continuou evoluindo, no contexto do surgimento das novas

demandas, novas percepções e avaliações, nascidas a partir de que a essencial

missão do Órgão institucional FUNDAC é dedicar-se ao adolescente autor de ato

infracional.

2.1 - O ADOLESCENTE EM CONFLITO A LEI – TRAJETÓRIA ATÉ A

INSTITUCIONALIZAÇÃO

O país Brasil caracteriza-se por uma sociedade autoritária e hierarquizada em

que os direitos do homem e do cidadão constam em leis bem elaboradas mas não

são respeitados na prática. A imensa maioria de brasileiros, aqueles que subtraídos

28

das condições essenciais à sobrevivência digna, quando reivindicam os seus

direitos, são encarados como problema da polícia e “...tratados com todo rigor do

aparato repressor de um Estado quase onipotente”. (CHAUÌ, 1986).

Verifica-se que, ao longo do processo histórico, econômico e social do país,

existe uma carga ideológica decorrente da visão de mundo dos atores implicados na

definição de políticas para o adolescente. “A marginalização é então o produto

resultante de uma forma de articulação necessária e intrínseca de um modo

específico de acumulação capitalista” (VIOLANTE, 1985 pg.21).

A geração adulta apresenta às crianças e aos adolescentes uma sociedade

competitiva, materialista e um cotidiano vivenciado num contexto de relações

domésticas paradoxais, a qual aqueles que protegem ao mesmo tempo agridem,

reproduzindo diferentes tipos de violência, de geração a geração, prejudicando o

processo de individualização e construção de identidade desses jovens,

independente de qual seja a classe social.

A adolescência, por sua vez, é uma etapa de desenvolvimento do homem,

caracterizada por conflitos internos e lutos, os quais exigem do jovem a construção e

a ressignificação de sua identidade, auto-imagem e das relações coma família e a

sociedade. Tais relações que são comandadas por uma lógica de tempo imediatista,

estimulado pela sociedade consumista, cujos valores sociais são de teor capitalista.

Contudo, além dos processos econômicos, determinante principal da

marginalidade, outras causas podem ser atribuídas à prática de atos infracionais,

tais como fatores culturais e pessoais.

Muitas culturas encorajam e reforçam certas formas de agressão e alguns

comportamentos agressivos resultam de valores adquiridos na família, comunidade

ou subcultura. Os rapazes principalmente são estimulados a serem lutadores, e suas

proezas como “brigador” lhes confere status de macho, importante aos olhos dos

seus familiares e da sociedade em geral. Na nossa cultura machista por excelência,

brigar é não deixar dúvidas sobre a masculinidade de cada um.

Diante da situação adversa não se pode conceber o infrator “como entidade

única, peculiar em si mesma, mas como ser social, no contexto das condições

29

marginais de sua existência, condições essas que refletem as condições básicas da

sociedade”. ( VIOLANTE, 1985: pg 22)

Assim, o modo capitalista de produção que produz a marginalidade, cria

entidades para reintegrar o adolescente marginalizado, reconhecendo

definitivamente o “problema do menor” como questão do Estado. Assim Foucault

rearfirma:

“O poder não é uma apropriação, mas um conjunto de estratégias

materializadas em práticas, técnicas e disciplinas diversas e dispersas. Ele

se exerce mais do que se possui, não é um privilégio adquirido ou

conservado da classe dominante, mas o efeito de conjunto de suas

posições estratégicas”. (FOUCAULT, 2000).

A criação e continuidade destas entidades “depende das condições de

perpetuação da marginalidade a partir dos padrões de reprodução ampliada do

capital, que por sua vez engendra uma série de aparatos colocados lado a lado que

formam o circuito polícia – instituição totalitária – delinqüência. Não é o indivíduo que

produz sua condição marginal de sobrevivência ao emitir determinado

comportamento, mas o que se submete passivamente à sua condição insólita de

vida. Marginal é a condição de sobrevivência que lhe está socialmente reservada.

Se o menor é vítima de uma sociedade de consumo desumana e muitas

vezes cruel, há que ser tratado e não punido, preparado profissionalmente e não

marcado pelo rótulo de infrator, pois a própria sociedade que infringiu as regras

mínimas que deveriam ser oferecidas ao ser humano quando nasce, não podendo,

depois hipocritamente, agir com rigor de uma situação social anômala.

Ainda, corroborando com esses valores, o cenário político brasileiro ao qual

os políticos que querem levar vantagem em tudo, sendo corruptos e fazendo mal

uso da verba pública associada à impunidade, são parte do cotidiano dos jovens,

que também contribuem para à prática de atos infracionais. Pois, “longe de se opor

ou negar a ideologia dominante, o adolescente utiliza de modo adaptado à sua

realidade” (Violante, 1985 pg. 46).

Nesta perspectiva social, verificamos que os adolescentes, apresentam

condições de formular seus próprios pensamentos e expressar suas críticas às

30

regras e crenças do mundo adulto. Um dos instrumentos utilizados pelos jovens é a

rebeldia, confrontando assim as leis, colocando a prova os adultos, os quais, no

papel de educadores desorientados frente às exigências dos novos paradigmas do

mundo contemporâneo.

Adentrando nesta realidade os educadores defrontam-se com adolescentes

que passaram a vivenciar as degradações pessoais e sociais levando-os a um

confronto aberto com a legalidade e a moralidade vigente na sociedade.

Ao romper a fronteira da legalidade, esses jovens ingressam em uma

categoria jurídica, a normatização, e devem ser responsabilizados pela quebra da

lei, sendo-lhes aplicado medidas socioeducativas, após submeterem-se ao devido

processo legal, com todas as garantias da lei 8069/90 (ECA).

Nesse contexto, os adolescentes ao romper com as regras básicas da

sociedade se deparam com o aparato repressor do Estado, percorrendo o circuito:

polícia/delegacia/Ministério Público – Juizado/ Case.

A internação provisória dos adolescentes a quem se atribui autoria de atos

infracionais, caracteriza-se pela suspensão temporária dos direitos de ir e vir do

adolescente enquanto aguardo os tramites legais do processo e é marcado como

período no qual é intensa a exposição a conflitos e fortes tensões emocionais. Tem

prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, devendo o adolescente, neste período, ser

observado, inserido nas atividades pedagógicas e submetido a avaliação. Porém,

deixam de ser adolescentes para receberem rótulos de marginal, ladrão, “sem

projeto de vida”. Assim exemplifica VIOLANTE:

O estigma é um efetivo mecanismo de controle social que exclui o

estigmatizado tanto social como psicologicamente, impedindo-se de ser

aceito socialmente. A marca estigmatizante impõe-se de tal modo que

destrói a possibilidade de atenção social para outros atributos seus. O

estigma da marginalidade constitui-se num estereótipo em que se

associam a pobreza e suas manifestações. (Violante, 1985 pg 187)

Igualmente estigmatizante, segundo Kallis (1992), é atribuir a delinqüência a

mera condição de pobreza. Embora este seja um fator que age de forma significativa

31

sobre as famílias não é o único fator da criminalidade, já que no mundo pós

moderno e globalizado a facilidade do tráfico de drogas e o dinheiro produzido por

eles são fatores individuais que estimulam o consumo caracterizando o

aparecimento de condutas desviantes em todas as camadas sociais. Assim a

prevalência de valores individuais sobre o coletivo em detrimento da solidariedade e

união, do senso de ajuda mútua é também um fator que contribui para

comportamento anti social.

Na contemporaneidade, os índices de violência aumentaram gradativamente

com o empobrecimento da população. Proporcionalmente, um maior número de

adolescentes está sujeito à exclusão e a violação de múltiplas formas, o que induz

ao aumento no quantitativo destes envolvidos em atos infracionais e a uma

ampliação da visibilidade negativa mediante exposição da mídia, que tem enfatizado

os atos violentos por eles cometidos.

De forma implícita a divulgação desses atos noticiados, os colocam em uma

posição de visibilidade social, mecanismo de identificação e projeção sendo um dos

fatores de mobilização interna.

Os atos infracionários cometidos por adolescentes são instalados na

consciência coletiva pela mídia e outros atores sociais, levando parte da

população a posicionar-se contra os direitos humanos, defendendo a

redução da idade de imputabilidade penal e o aumento do rigor das penas

(COSTA, 2001, p105).

O atendimento dos adolescentes infratores, no contexto do novo

ordenamento do campo da Justiça e do Direito, alterou a antiga lógica do

confinamento-punitivo, determinando uma intervenção educativa para instituir um

processo de humanização e emancipação dos adolescentes envolvidos em

infrações, esperando que passem a incorporar valores direcionados ao convívio

social.

Por fim, ao passar por essas instituições, o adolescente, que já está

estigmatizado, adentra a instituição FUNDAC (Fundação da Criança e do

Adolescente) que por sua vez executa ações direcionadas aos adolescentes em

32

conflito com a lei que se encontram em cumprimento de medidas sócio educativas

restritivas e privativas de liberdade. Para tanto opera legalmente com as medidas

sócio educativas com adolescentes encaminhados pelo Ministério Público e pela

Justiça da Infância e da Juventude.

2.2 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

As Medidas Sócio educativas são sentenças judiciais impostas por Varas

especiais para adolescentes que desrespeitaram o Código Penal Brasileiro,

previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº 8069 d

13/07/1990, Capítulo IV do titulo III. Visam os infratores entre 12 anos de idade

completos até as 18 anos incompletos, sendo estendidas até aos 21 anos em casos

específicos, (ART 2º - ECA).

É inegável que o Estatuto da Criança e do Adolescente construiu um novo

modelo de responsabilização do adolescente infrator. Quando nosso país rompeu

com a Doutrina da situação Irregular e incorporou a Doutrina de Proteção integral,

promovendo o então “menor”, mero objeto do processo para uma nova categoria

jurídica passando-o à condição de sujeito do processo, conceituando criança e

adolescente, estabelecendo uma relação de direito e dever, observada a condição

especial de pessoa em desenvolvimento, reconhecida ao adolescente.

As medidas sócio educativas não deixam de ser uma espécie de medida de

proteção, embora voltadas a situações nas quais se verifica um comportamento do

adolescente subsumível em uma tipologia de crime ou contravenção, nos termos do

artigo 103 do ECA. O que ocorre é que a medida socioeducativa não guarda este

caráter de expiação pelo crime cometido, e se diferencia da pena justamente por

visar a recuperação social do infrator.

Por isso, ao administrar as medidas sócio-educativas, o Juiz da infância e da

Juventude não analisa apenas às circunstâncias e a gravidade do delito, mas

também, as condições pessoais do adolescente, sua personalidade, suas

referências familiares e sociais, bem como a sua capacidade de cumprir a medida.

Por isso Costa diz:

33

Quando uma pessoa torna-se capaz de auto determina-se, ela adquire uma

capacidade que resultante da identidade, da auto estima, da auto

confiança, da visão destemida do futuro, do querer ser, do projeto de vida,

do sentido da vida e da própria autodeterminação (Costa, Pimentel, 2001).

Só o tratamento, a educação, a prevenção são capazes de diminuir a

delinqüência juvenil. Para combater a que já existe, o que se pode afirmar é que a

segregação não recupera, ao contrario, degenera. Rigor não gera eficácia, mas

desespero, revolta e reincidência. E isso é justamente o que não se espera para os

nossos jovens. O que se espera é autodeterminação.

Por certo, a preocupação dos legisladores em relação a elaboração das

medidas sócio-educativas a serem executadas em meio aberto é explicada pelo fato

do menor ser uma pessoa em processo de desenvolvimento, ou seja, um individuo

em processo de construção da personalidade.

Por isso, as medidas sócioeducativas são aplicadas como reprimenda aos

atos infracionais praticados por menores servem como alerta para o infrator sobre

sua conduta anti-social praticada e reeducá-lo para a vida em comunidade. As

medidas sócioeducativas são:

Advertência – é a mais branda de todas. Está prevista no Estatuto o art. 115

e constitui em admoestar verbalmente. Geralmente é aplicada na prática de delitos

considerados de pequeno potencial e quando o adolescente é primário. A

advertência tem caráter educativo com finalidade de aconselhar e orientar para que

o adolescente não cometa mais infrações;

Obrigação de reparar o dano – Está escrito no art. 116 do ECA que indica

que a obrigação de reparar o dano pode ser manifestada de três formas: restituição

do objeto, o ressarcimento do dano ou a compensação do prejuízo.

Com relação as disposições legais do Estatuto, devemos refletir sobre a

eficácia dessa medida, pois em muitos casos sua imposição é ineficaz,

especialmente quando o adolescente, ou responsável, não tem condições de

cumpri-la.

34

Prestação de serviço a comunidade – esta medida é especial, já que

parece adequada, pois obriga o adolescente a realizar tarefas que são de desejo da

comunidade. Esse serviço é gratuito. Esta medida geralmente, é prestada em órgão

como hospitais, escolas, ONG‟s e entidades assistencialistas. Esta medida não

excede a seis meses de prestação;

Liberdade assistida – A medida socioeducativa de liberdade assistida

prevista no art. 118 e 119 do ECA, procura criar as condições favoráveis no sentido

de reforçar os vínculos do adolescente com a família, a escola, a comunidade e o

mundo do trabalho. Contando, no decorrer de sua aplicação, com a ajuda do

orientador (pessoa capacitada, designada, apoiada e supervisionada pela autoridade

competente). Esse orientador tem o encargo de apoiar o adolescente na construção

de um projeto de vida sem perder de vista a liberdade de escolha do jovem. Esta

medida é fixada pelo prazo mínimo de seis meses com possibilidades de ser

prorrogada, revogada ou mesmo substituída por outra, ouvindo o orientador, o

Ministério público e o defensor;

Semiliberdade – A medida restritiva de Semiliberdade prevista no ECA, art.

120, tem caráter de regime de internação branda, mas que afasta o adolescente da

família e da comunidade de origem. Tendo como característica marcante,

oportunizar ao adolescente a realização de atividades externas, durante o dia, sendo

obrigatória a escolarização e profissionalização.

Esta medida prevê a inserção do jovem em programa de cunho educativo

com regras, horários e atividades que devem ser claras para o cumprimento da

medida.

Dependendo da situação, a permanência do adolescente pode ser a noite,

parte do dia, ou em fins de semana. Em síntese, esta medida destina-se a

reabilitação do adolescente com seu progressivo reingresso à convivência social e

familiar;

Internação - A internação, como medida socioeducativa está prevista no

Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 122, inciso I, II, III. Respectivamente

pontuam quando se tratar de ato infracional cometido mediante:

Grave ameaça ou violência a pessoa,

35

Por reiteração no cometimento de outras infrações graves,

Por descumprimento reiterado e injustificável da medida

anteriormente imposta.

O cumprimento da medida de internação pressupõe a restrição de liberdade

do adolescente (privação do direito de ir e vir) pelo afastamento temporário do

convívio social e familiar, com garantia de todos os direitos inerentes à pessoa

humana, além de protegê-lo da má influência de terceiros e objetivar sua reinserção

no convívio social.

Deve-se, promover atividades que possibilitem reaproximação das famílias e

a preservação dos seus vínculos, levando estas a serem conhecedoras de seu papel

na reabilitação do adolescente, tanto no período de internação quanto após o

desligamento da Unidade de atendimento. Os determinantes destes atendimentos

estão contidos nos artigos 121 a 125 do ECA.

36

3.0 - A EDUCAÇÃO E A PRÁTICA DOCENTE NAS UNIDADES

O ECA ( Estatuo da Criança e do Adolescente) nos artigos 53 a 59

regulamenta os direitos da criança e do adolescente à educação, à cultura, ao

esporte e ao lazer, definindo o ensino fundamental como obrigatório e gratuito sendo

direito público subjetivo.

Para cumprimento dessas definições a FUNDAC (Fundação da Criança e do

Adolescente), instituição que executa as regulamentações do ECA, tem convênio

com as Secretaria de Educação do Estado e do Município, a fim de enfrentar este

desafio educacional.

Através da execução das leis e dos direitos do adolescente, a FUNDAC

busca essencialmente criar uma metodologia e uma ação de ensino-aprendizagem

que possam contemplar as leis, os professores, e o desejo do adolescente de

adquirir novas habilidades instrumentais para quando em liberdade, ter uma vida

produtiva como cidadão.

Segundo Freire (2001) não é possível fazer uma reflexão sobre educação

sem refletir sobre o próprio homem. A educação é resposta de finitude a infinitude.

Que só é possível ao homem por ser inacabado e saber-se inacabado, levando-o a

procura de sua perfeição. O homem é sujeito da sua própria educação, e esta tem

por elemento fundamental motivar a procura da superação de imperfeições, de

saberes relativos. Aspecto relevante sobre os escritos de Freire é conceber a

educação como desmistificador das irreais idéias sociais, nos passadas através de

livros e mídia, ou seja, se apropriar da educação como dispositivo para uma

consciência crítica sobre a sociedade em que o sujeito está imerso.

37

Em si mesmas, as relações entre os homens não são mais do que outro

momento de um mesmo dialogo. Do mesmo modo que o homem depende

da natureza para sobreviver e a natureza depende do homem para ter

sentido ao mundo e a si mesmos. Por isso esmo, o diálogo não é só uma

qualidade do modo humano de existir e agir. Ele ´r a condição deste modo

e é o que torna humano o homem que o vive (Freire apud Brandão, 1995, p

96).

Nesse sentido, é necessário pensar o educando como sujeito de sua própria

história, com experiência social significativa, com possibilidades para manifestar seu

potencial, com capacidades e necessidades específicas para as quais o educador

deve estar atento em cada uma das fases de desenvolvimento.

Os processos educativos aplicados pela FUNDAC aos adolescentes em

conflito com a lei são fundamentadas na socioeducação e na pedagogia da

presença, dois conceitos que se completam e contemplam o currículo e a didática

visada pelo ECA e pelas Unidades de atendimento sócio educativo.

Os procedimentos e as ferramentas para a ação socioeducativa encontram-se

na Pedagogia da Presença, uma metodologia de ação junto ao adolescente e a

família. Instituída de processos socioeducativos que possibilitam aos educandos

tornarem-se adultos autônomos, solidários, conscientes e capazes de lutar pelo seu

próprio sucesso e sua felicidade, mas contribuindo produtivamente para o bem

coletivo.

O adolescente atendido pela FUNDAC faz parte de uma significativa parcela

que em criança não teve acesso à escola ou quando o acesso foi por pouco tempo,

não trazendo nenhuma transformação para sua vida.

Esta situação aliada a falta de Política Pública, faz com que o jovem fique

excluído de qualquer possibilidade de acesso ao mundo cidadão, pois que somente

através da educação se é verdadeiramente capaz de conquistar a possibilidade de

uma presença significativa como „homem sujeito da sua própria história’

(FREIRE,1996).

38

3.1 - SOCIOEDUCAÇÃO E A PEDAGOGIA DA PRESENÇA

3.1.1 Socioeducação

Sob o fundamento da proteção integral, teoria que preconiza o Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA), as unidades de internação dos adolescentes

infratores foram consideradas “estabelecimentos educativos”, instituições onde se

realizam um conjunto articulado de ações pedagógicas que favorecem o

desenvolvimento pessoal, cultural e social dos adolescentes privados de liberdade.

A proposta pedagógica das unidades de educação internação deve

estruturar-se sobre as bases da educação formal e semi-profissional, no entanto

deve assegurar as peculiaridades da chamada “socioeducação”, ou seja, a

educação que privilegia a formação para o convívio social e o exercício da cidadania

dos jovens atendidos no sistema educativo.

A vulnerabilidade imposta pela desigualdade social atinge diretamente

crianças e adolescentes brasileiros fatia esta da população que historicamente não

tem acesso às políticas públicas e sociais como sujeitos de direito.

Esta realidade não deixar de abranger os adolescentes atendidos pelo

sistema socioeducativo pois, parte desses adolescentes/jovens são oriundos de

famílias de baixa renda, não trabalham ou estudam, constituindo-se um grupo a

margem da sociedade produtiva.

Em contraposição, a infração juvenil, não está somente ligada à pobreza,

mas, sobretudo às contradições impostas pela desigualdade socioeconômica gerada

pelo fracasso das políticas públicas, sobretudo as políticas da juventude que não

contemplam e se mostram ineficazes e compensatórias não promovendo os sujeitos

integralmente.

Respaldado no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e no SINASE

(Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) os docentes que atendem a este

público necessitam repensar continuamente a prática, visando a socioeducação

como primazia da práxis, para poder responder as demandas, oferecendo ao

adolescente educação, saúde integral, qualificação profissional e segurança,

39

contribuindo assim, para a capacidade crítica do sujeito e promovendo a

ressocialização, tornando o adolescente um cidadão.

A socioeducação leva em consideração a realidade sociocultural e as novas

exigências do mercado de trabalho, para que torne possível um pleno

desenvolvimento social e educacional, e atenda aos pressupostos legais do ECA, os

princípios do SINASE e a prática da Pedagogia da Presença.

Desse modo, a proposta do estatuto é enfática na responsabilização penal do

sujeito e na formação para a cidadania visando sua ressocialização, através de

condições objetivas que possibilitem a criação de oportunidades para o

desenvolvimento pleno do adolescente e para a efetivação do seu direto. Para tanto,

faz-se necessário uma prática educativa que permita:

Aprender em conjunto o texto e o contexto, o seu meio ambiente, o local e

o global, o multidimensional, em suma, o complexo, isto é, as condições do

comportamento humano. (MORIN, 2002, p. 100)

Por isso a prática pedagógica das Unidades de atendimento é baseada na

socioeducação, pois espera nortear atividades cotidianas, ou seja, práticas que se

realizem em prol do adolescente e do seu dia-a-dia na instituição, de modo que

inspire e transforme as práxis educativas, em ação e reflexão, capazes de

transformar vidas (FREIRE, 1996).

Portanto, a concepção praticada pela FUNDAC (Fundação da Criança e do

Adolescente) está referenciada pelos ideais pedagógicos, que entendem:

“o homem como agente de transformação do mundo” (FREIRE, 1996);

“a educação como processo de construção de identidade” (COSTA, 2006)

A socioeducação apresenta sete pontos, essenciais que devem ser

trabalhados para uma boa prática do socioeducador, são elas:

1. Fundamentos jurídicos – Compreender, identificar e relacionar a

letra das leis com sua prática docente;

40

2. Fundamentos Políticos – Ter postura política. Compreender e

distinguir o ato infracional e as políticas sociais; entender as

conquistas do estado democrático em favor dos adolescentes em

conflito com a lei;

3. Fundamentos sociológicos – Proceder com uma leitura critica do

dinamismo sociofamiliar e comunitário que levam adolescentes a se

envolverem com atos infracionais. Reconhecer como acúmulo de

décadas e décadas de equívocos de políticas públicas em relação

ao adolescente em conflito com a lei o que levou uma parte

considerável da sociedade a perder a confiança nas instituições que

atuam na área.

4. Fundamentos Éticos - Reconhecer, principalmente, que a violência

simbólica é a principal causa a violência reativa por parte dos

educandos, principalmente em se tratando das medidas privativas de

liberdade.

5. Fundamentos Pedagógicos – Entender a socioeducação como

parte constitutiva da educação, ao lado da educação básica e da

educação profissional. Reconhecer essa modalidade de educação

como um direito do jovem em conflito com a lei a receber da

sociedade e do Estado u conjunto articulado e conseqüente de

oportunidades educativas que realmente lhe permitam desenvolver

seu potencial e o capacitem a relacionar-se consigo próprio e a

sociedade sem quebrar as normas de convívio social.

6. Fundamentos Filosóficos – Adotar uma filosofia de vida em que o

jovem em conflito com a lei seja, mais que um simples beneficiário

de sua atuação profissional, um território de missão (razão de ser do

seu trabalho) como ser humano, profissional e cidadão.

7. Fundamentos Históricos – Conhecer as origens da justiça de

Menores e os fatos e ideais que determinaram sua adoção.

Conhecer a evolução da legislação e do aparato institucional nos

marcos da Doutrina de situação irregular e da Doutrina da Proteção

Integral.

41

Para alcançar os atributos acima, o trabalho socioeducativo tem por base a

mediação e a presença educativa e deve ser realizado por uma equipe

multidisciplinar objetivando permitir o afloramento de conteúdos manifestos e ocultos

possibilitando novas relações do sujeito consigo e com o outro, pois „a natureza

essencial da socioeducação é a preparação do jovem para o convívio social’

(COSTA 2006).

3.1.2 – A Pedagogia da Presença

Com a mudança de filosofia, no início da década de 1990, a FUNDAC

implantou uma nova proposta pedagógica baseada na “Pedagogia da Presença”,

conceito criado pelo teórico Antônio Carlos Gomes da Costa.

Compreender a importância da presença no processo ensino-aprendizagem

nos remete a buscar o significado de socialização e de presença. O primeiro

conceito, na abordagem que recebe na área educativa, não pode ser considerado

pelo grau de aceitação do indivíduo às normas da sociedade.

Referindo-nos em especial aos educadores e aos educandos, convém que

estes se sintam inconformados com a situação atual a ponto de querer mudar a

realidade. E o conformismo só levaria à indignação calada e conseqüente

estagnação para ambos. Segundo Costa:

A verdadeira socialização não é uma aceitação dócil, um compromisso sem

exigências, ou uma assimilação sem grandeza. Ela é uma possibilidade

humana que se desenvolve na direção da pessoa equilibrada e do cidadão

pleno. (COSTA, 1995 p. 7)

São muitas as passagens na história de nossa educação que mostram o

quanto a inconformidade mobilizou um número grande de professores e estudantes

que reivindicaram melhorias, tanto de cunho salarial quanto por uma educação de

qualidade.

Assim, podemos exemplificar a socialização em um momento que toda a

nação se manifestou pelo inconformismo com a situação política do país, em 1992,

42

ocasião em que milhares de pessoas criativamente saíram às ruas em passeata. Os

"caras pintadas" deram uma demonstração de cidadania, e o movimento de cunho

político e social nem um pouco significou rebeldia.

Sobre a palavra socialização pesa, hoje, um grave equívoco. Geralmente

entende-se por este termo uma perfeita identidade entre os hábitos de uma

pessoa e as leis e normas que presidem ao funcionamento da sociedade.

Uma adesão prática à sua dinâmica, uma submissão ao seu ritmo, uma

incorporação plena de seus valores. (COSTA, 1995 p. 26)

A pedagogia que devemos desejar não condiz com seres silenciados, mas

exige pessoas dinâmicas e dispostas a se fazerem presentes. Professores

instigadores e questionadores e alunos que critiquem, que se manifestem seus

sentimentos.

O segundo conceito a ser discutido é a presença, ponto-chave e objetivo

central da pedagogia pretendida. A presença adquiriu no contexto escolar um

significado tão importante e com tal poder de decisão que muitos estudantes já

amargaram uma reprovação por não terem satisfeito a exigência legal quanto ao

número de vezes que deveria fazer-se presente nas aulas. Entretanto, não é esse

tipo de presença que discutiremos. A presença burocrática.

A presença que essa pedagogia pretende é um sentido mais amplo, envolve

sentimento, afeto, doação e aceitação do outro com seus limites e possibilidades. A

Pedagogia da Presença fundamenta a relação educador-educando na reciprocidade.

A pretensão dessa pedagogia é educar o educador para escutar e observar o

conjunto dos acontecimentos reais que transcorrem ante os seus sentidos. E

compreender os anseios do educando.

A Pedagogia da Presença tem como princípio a crença de que por meio de

uma referência construtiva, criativa e solidária do educador na troca de experiências

de vida com o educando, proporcionará a este a possibilidade de construção da sua

própria identidade, auto-compreensão e auto-aceitaçao. Portanto, preconiza a

criação do vínculo como estratégia de organizar a ação educativa e de possibilitar

aos adolescentes a reflexão e a incorporação dos valores essenciais ao convívio

social.

43

Compreender a relevância da pedagogia da Presença no processo de ensino-

aprendizagem da socioeducação, não se trata apenas de ter reintegração, mas de

uma socialização que forneça uma nova trilha para a construção do projeto de vida

do adolescente.

Fazer-se presente na vida do educando é o dado fundamental da ação

educativa dirigida ao adolescente em situação de dificuldade pessoal e

social. A presença é o conceito central, instrumento-chave e o objetivo

maior desta pedagogia. (COSTA,2001, p23).

A pedagogia da Presença é alicerçada na troca, na convivência diária e nos

pequenos gestos, que fazem a diferença e que na verdade exercem influência na

vida do sujeito. Para tanto, o educador deve apresentar-se acessível e

comprometido com a realidade do educando, agindo numa prática dialética de

proximidade. Essa prática exige uma noção clara do processo de crescimento

pessoal, de definição de identidade e da construção do projeto de vida do

adolescente, que se interligam às quatro competências necessárias para o ser

humano realizar-se como pessoa, como trabalhador e como cidadão:

Competência pessoal – aprender a ser;

Competência relacional – aprender a conviver;

Competência produtiva – aprender a fazer;

Competência cognitiva – aprender a conhecer.

De acordo com Costa (2001) são ferramental teórico-prático da Pedagogia da

Presença: relação de ajuda, resiliência, protagonismo juvenil e cultura da

trabalhabilidade.

Na relação de ajuda é a busca incessante de novos caminhos, hábitos,

aptidões, atitudes e habilidades favoráveis à efetiva presença educativa. É assumir o

papel de presença significante na vida dos educandos a quem dirige o trabalho

social e educativo; o educador procura ajudar a desenvolver no adolescente, a

maturidade, a capacidade de socialização e competência de enfrentar a vida.

44

Resiliência é um dos fatores mais importantes para a sócio educação e a

pedagogia da presença, e se baseia em tornar o jovem capaz de crescer e resistir a

adversidade; é um processo pessoal no qual o ser humano consegue superar a

obstáculos, apesar dos desafios, e ser bem sucedido.

Segundo Castri et Al (2001), nos projetos sociais bem sucedidos envolvendo

jovens e situação de vulnerabilidade social, o Protagonismo Juvenil aparece como

importante contraponto a violência e exclusão social. No protagonismo juvenil, o

jovem ocupa uma posição de destaque no desenvolvimento de atividades, e sua

opinião e participação é valorizada em todos os momentos. As experiências

demonstram que a ênfase no jovem como sujeito das atividades contribui para dar

sentido positivo ao seu projeto de vida, ao mesmo tempo em que conduzem à

reconstrução de valores éticos, como os de solidariedade e responsabilidade social.

A cultura da trabalhabilidade é o desenvolvimento de competências para a

vida pessoal e profissional caminhando para uma cultura que os adolescentes se

comprometam com seus objetivos e busquem aproveitar cada oportunidade como

estratégia para alcançar o seu sonho.

O educador deve criar no cotidiano do trabalho dirigido ao jovem em

dificuldade, oportunidades concretas, acontecimentos estruturadores que

evidenciem a importância das normas e limites para o bem de cada um e

de todos. Só assim o jovem começa a comprometer-se consigo e com os

outros. É deste compromisso que nascem as vivências generosas e o calor

humano, bases do dinamismo capaz de enriquecer e de transformar sua

vida (Costa,2001, p 62).

A Pedagogia da Presença está pautada na concepção de que mediante a

seleção de temas geradores, o educador organiza e propõe situações de ensino-

aprendizagem baseadas nas descobertas espontâneas e significativas dos alunos,

permitindo que a síntese dos conhecimentos construídos seja repensada de modo

que o aluno/autor seja capaz de refletir sobre ações, desenvolver e criar um produto

que revele a sua aprendizagem.

A prática educativa da Presença visa também o envolvimento de todo o grupo

com o processo, de forma que os temas e as estratégias que serão utilizadas

45

possam surgir de um aluno, de um grupo, da turma, do professor ou da comunidade

pedagógica.

Durante a nossa existência, influenciamos e somos influenciados por outras

pessoas, em menor ou maior grau. Mas poucas pessoas são capazes de fazer-se

presente na existência de alguém.

Quando a presença se faz, a reciprocidade aflora e mesmo sem se dar conta,

a existência da pessoa que se fez presente jamais será esquecida.

Pessoas consideradas resilientes, ao contrário do que muitos pensam, não

alcançaram seus objetivos sozinha. Por trás de seu desempenho positivo, sempre

existe uma pessoa que tenha exercido forte influência, muitas vezes sem ter se dado

conta disso. Os efeitos da influência não são percebidos de imediato.

Muitas pessoas influenciadas positivamente passam a vida sem notar o

quanto a presença da outra foi significativa para o seu desenvolvimento. Por isso

muitos educadores nem fazem idéia do quanto já contribuíram para o sucesso de

alguns educandos que se não tivessem a oportunidade dessa convivência poderiam

ter um futuro bem diferente.

3.1.3 - Organização Curricular

Na contemporaneidade, as mudanças ocorridas no mundo através do

processo de globalização e internacionalização das economias têm influenciado as

relações sociais, em todos os âmbitos da sociedade e mais efetivamente no

contexto escolar. Segundo Moreira (1997) essa influência pode ser atribuída, dentre

outros fatores, ao aumento, à disponibilidade e à facilidade de acesso às

informações, à geração de novos mercados e ao apelo inconteste das instituições de

propaganda (mídia) para o aumento do consumo.

Esse fenômeno, ao tempo em que tem provocado uma homogeneização

cultural, tem despertado os educadores para a necessidade de preservação da

cultura como forma de diferenciação e afirmação dos valores significativos para as

localidades e os indivíduos. Para que isso se efetive, é imperativo que se reorganize

os currículos escolares de forma a enfatizar a valorização da cultura em todas as

46

suas formas de expressão, a humanização do processo educativo e a educação

para o exercício da cidadania.

Segundo Gallo (2000), a organização do currículo em disciplina reflete uma

concepção de ciência e sociedade. Esta forma de organização possibilita o controle

sobre todo o trabalho pedagógico desenvolvido pela escola (direção, professores e

alunos), criando a ilusão de que tudo pode ser minuciosamente avaliado. Entretanto,

o modelo disciplinar e seriado no qual a escola se referenda não tem dado conta de

estabelecer conexões entre os conhecimentos necessários no mundo atual e tornar

significativo a aprendizagem na sala de aula.

A escola, como instituição social, não está imune às ações dos processos

citados, apresenta-se como espaço privilegiado o qual todas as informações

advindas da globalização das informações interagem, enriquecendo o processo de

desenvolvimento e formação de nossos educandos.

Nesse sentido, tornaram-se necessárias mudanças metodológicas, quais

sejam: trabalho cooperativo entre professores, articulação entre os diversos saberes,

expansão da idéias de aula e de sala de aula, bem como ampliação das

possibilidades de funções educativas (Yus, 2002).

Considerando a dinâmica da medida socioeducativa e a promoção da

educação básica, a estrutura curricular é elaborada a partir de temas geradores que

são referência para organizar o currículo desta proposta. Nesta perspectiva, o eixo

organizador do currículo deixa de ser as disciplinas tradicionais, passando a ser

composto pelos próprios temas cotidianos, Moreno (1998).

Os temas selecionados são organizados em módulos educativos, com

duração mensal. A cada módulo educativo concluído o educando recebe um

certificado referente a carga horária e a temática trabalhada. Estes módulos estão

vinculados com os eixos temáticos dos tempos formativos, de modo que, a cada 08

módulos mensais concluídos, o educando recebe certificado de um Eixo temático

cursado. Após a conclusão dos eixos, são emitidos os históricos de conclusão de

Educação básica correspondente ao segmento cursado.

A emissão dos certificados tem como objetivo maior garantir a continuidade

dos estudos os adolescentes, após a liberação, transferência, e progressão de

47

medida, sem prejuízo na sua formação, e com aproveitamento do processo

educativo vivenciado.

3.1.4 - Educação Profissional e Artística

A lei nº 8069/90, nos artigos nº 69 e 124, inciso XI, preconiza entre os direitos

fundamentais do adolescente a qualificação profissional, o que ocorre nas

instituições de socioatendimento.

A escolarização e a qualificação profissional representam pilares básicos da

ação socioeducativa. A arte-educação complementa este processo proporcionando

ao adolescente o aprimoramento da criatividade, vivência dos valores fundamentais,

elevação de auto estima, desenvolvimento de habilidades corporais, sociais e

cognitivas.

Oferecer condições que facilite o engajamento no mundo do trabalho para os

adolescentes privados de liberdade é um grande desafio que as instituições de

socioatendimento (FUNDAC/BA) enfrenta. Não faltam indicadores que demonstrem

a complexidade do problema: o perfil do adolescente atendido, o período

estabelecido para cumprimento da medida socioeducativa, a rotatividade e a falta de

credibilidade por parte da maioria da sociedade em relação a capacidade de

transformação desse jovem.

A Instituição FUNDAC/BA dá ênfase a ação de arte-educação e qualificação

profissional fortalecendo a implementação dos princípios e diretrizes norteadores da

prática pedagógica que assegure ao jovem o desenvolvimento de suas

competências permitindo sua inserção no mundo do trabalho que se torna cada vez

mais competitivo e seletivo. Objetivando sempre, o desenvolvimento de habilidades

(pessoal, social, produtiva e cognitiva) na campo profissional que facilitem a

empregabilidade do adolescente e sua auto-sustentação.

Atualmente na FUNDAC/BA funcionam seis oficinas permanentes de iniciação

profissional que são mantidas pelo próprio órgão: serigrafia, confeitaria, padaria,

artefato de cimento, acessórios (bolsas e bijuterias) e introdução a informática. Além

48

dessas, funcionam as oficinas de arte-educação como: Teatro, expressão corporal,

percussão, música, artesanato, artes plásticas e as de esporte e lazer.

3.2 - PERFIL DO SOCIOEDUCADOR

A formação do sócio educador, enquanto agente de transformação social se

estabelece numa visão de educação como prática social e um processo de

emancipação, exigindo uma política de capacitação que considere tanto a formação

inicial e continuada como as condições mínimas de trabalho.

Por isso, é objeto permanente de questionamento daqueles que legislam

sobre a educação, a necessidade de adequação das metodologias, dos currículos,

do material didático, dos tempos e espaços, das formas de avaliação e, sobretudo,

da formação inicial e continuada dos professores que atuam como socioeducadores.

As diretrizes curriculares para os cursos de Pedagogia, não trazem legislação

específica a respeito da formação do educador de jovens envolvidos em ato

infracional, Talvez porque se supõe que, em se tratando da formação de

educadores, está convencionado que todos atuarão segundo o mesmo modelo

universalista, generalista dos currículos de formação de educadores.

Para tratar de perfil do educador no sistema da socioeducação é necessário

compreender a dinâmica da sua ação nas unidades de atendimento. Nestes

espaços o educador é o facilitador da construção criativa e solidária do projeto de

vida do adolescente na escola e exerce, mediante presença educativa positiva por

meio do exemplo e da articulação com as demais atividades educativas.

A ação docente demanda determinadas habilidades e posturas para além de

conhecimentos técnicos, que possibilitam uma prática transformadora e postura

ética para a promoção do respeito à diversidade. Algumas características são

indispensáveis a todos profissionais que optarem pela unidade de atendimento

socioeducativo, como seu espaço de atuação profissional, são eles: ter equilíbrio

pessoal e postura profissional, identificar-se com a proposta sociopedagógica da

instituição, ter projeto pessoal e disponibilidade para formação continuada, ter

capacidade de equipe.

49

Nesse contexto é imprescindível que o profissional compreenda que os

educandos com quais convive são jovens com histórias, com cor, com trajetória

sócio-etnico-racial, que precisam ser respeitados, valorizados e utilizados.

Em virtude das especificidades da educação socioeducativa os docentes tem

o dever de estarem pautados nos seguintes pressupostos:

Conhecimento do Sistema da Atendimento socioeducativo;

Compreensão do atendimento que se aplica a privação de liberdade;

Compreensão da dinâmica do funcionamento da instituição;

Conhecimento da legislação referência da socioeducação;

Metodologia centrada na Pedagogia da Presença;

Estrutura curricular diferenciada, organizada em temas geradores;

3.2.1 - Pratica docente – uma experiência relatada

Ao observar o trabalho executado pela docente R., professora de Língua

Portuguesa e Língua Inglesa, da Escola Municipal Yves de Roussan, localizada na

Comunidade de Atendimento Socioeducativo – CASE/CIA, uma das unidades da

FUNDAC, constatei a veracidade das informações apresentadas em todo o capítulo

3.0 deste documento.

A professora R., junto com toda a equipe de professores planeja-se e executa

sua função baseada na realidade dos educandos priorizando a reinserção dos

mesmos ao convívio social e desenvolvimento do conhecimento e habilidades

profissionais. Para tanto, conta com a parceria de outros profissionais (instrutores de

ofícios, educadores de medidas, psicólogos, terapeutas, assistentes sociais,

monitores, dentre outros) que atuam direta e indiretamente para a obtenção de êxito

de todo o trabalho.

Em atividade, esta professora costuma inicialmente aguçar o interesse e/ou a

curiosidade de seus educandos para o que será realizado em cada aula com

afirmações, indagações ou dinâmicas. Em seguida, troca conhecimentos com os

mesmos, dando liberdade para que se expressem e questionem.

Em entrevista, ela contou que certa vez, havia planejado uma aula de

ortografia e quando adentrou a sala, seus alunos propuseram uma produção de

50

texto. Ela guardou o que havia planejado, pegou o piloto e começou a escrever no

quadro tudo o que eles diziam. Ao final foi lido, discutido e avaliado o texto, e os

alunos copiaram em seus cadernos. Essa experiência estimulou os educandos

presentes e trouxe à escola outros que estavam faltosos.

As aulas da professora R. e de outros docentes nesta escola são sempre

alegres, recheadas de atenção e muito compromisso com o público alvo que é o

adolescente. Isto estabelece o diferencial, pois enquanto o educando diz que não

precisa estudar porque está privado de liberdade, ela e seus colegas e parceiros se

esforçam a fazer o adolescente compreender que através da educação, ele pode

começar a pensar e a construir um futuro diferente e melhor para si e sua família, a

partir do momento em que reconhece e se sente valorizado pelo profissional que

estabelece um vínculo positivo com ele.

Todo o trabalho desenvolvido é pautado na Pedagogia da Presença, que é a

base prioritária da educação dentro do processo socioeducativo.

51

4.0 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O adolescente infrator deve ser promovido social, pedagógico e

profissionalmente para deixar de ser infrator. Aquele lema de “vigiar e

punir” tem que ser substituído por “acolher e promover”. (COSTA, 2001,

pag. 30)

Este tema é profundo, pois que envolve crianças e adolescentes, ditos

marginais pela sociedade, mas que guardam em sua personalidade ainda não

formada e já deformada, uma profundidade de receios, medos, tristezas e

abandono.

As políticas sociais básicas de saúde, educação e segurança estão muito

aquém das necessidades das famílias brasileiras, e as crianças e jovens,

acostumados a encarar essa realidade desde muito cedo, sentem-se desprotegidos,

desiguais. Começa a migração desesperada para as ruas, e meninos e meninas

começam a participar de uma realidade escura e triste, que se contrapõe às luzes de

seus sonhos. Expostos às mais diferentes e perigosas sensações de liberdade,

adquirem uma independência precoce, forçada, e freqüentemente suportada por

delitos.

Compreende-se, então a presença, cada vez mais freqüente de jovens

envolvidos em atos infracionais, um fenômeno universal e uma tendência

irreversível, seja pela inexistência de uma política justa de distribuição de renda,

pela ausência de qualidade da educação pública ou mesmo pela degradação

familiar.

Somado a esses fatores, ainda, temos um fenômeno de inversão e perda de

valores básicos da sociedade. O assédio do tráfico de drogas e o uso do

adolescente como coadjuvante na autoria de atos infracionais, tem proporcionado

52

um aumento do número de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas nas

instituições.

Contudo, é estigmatizante também a lógica sociológica que atribui a

delinquência a mera condição de pobreza (Kailás,1992, pg36). Embora admita-se o

impacto desorganizador da miséria sobre a vida familiar, tornando árdua a

possibilidade de se constituir família nesses segmentos, a suposição por se só gera

o desvio, constitui visão preconceituosa que acaba por colocar sobre suspeita todo

um segmento social. A miséria até certo ponto propicia criminalidade, contudo há

que se admitir que os valores individuais, o estímulo ao consumo, características do

sistema social, favorecem o aparecimento de condutas desviantes em todas as

camadas sociais. Nada justifica o crime, mas impulsiona o ser humano para ele e

estas são situações de impulso. É bem verdade, que existem jovens de má índole e

com desvio moral.

Assim, de forma contraditória a sociedade capitalista produz a marginalidade

e por outro lado constrói entidades para reintegrá-los.

Historicamente, as políticas públicas, voltadas para este tipo de público, não

tinham cunho de prevenção, mas sim, cunho punitivo.

Do Código de Menores de 1927 até o Código de 1979 as crianças e os

adolescentes abandonados e/ou infratores eram tratadas como estorvo social, que

necessitavam de medidas privativas de liberdade e correcionais/punitivas para que

se reintegrasse a sociedade. Deste modo, a sociedade que pensava reintegrar o

adolescente infrator, tornava-o na maioria das vezes um reincidente.

Com a promulgação dos Direitos da Infância da ONU (Organização das

Nações Unidas) em 1959 e do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) em

1989, que se baseia na Doutrina de proteção integral, a sociedade deu uma

resposta contemplativa aos códigos passados. O ECA quebrou paradigmas

conceituais e conteudistas nas instituições de atendimento ao adolescente, o que fez

renovar toda a infra-estrtura e a forma de conceber a adolescente infrator.

Os processos educativos regulares e semi-profissionalizantes se tornaram

obrigatórios nas instituições de socioatendimento, desbravando verdadeiros

caminhos para a reintegração desses adolescentes.

53

As medidas socioeducativas e a sistematização da socioeducação tornaram

os processos educativos, dentro das unidades de atendimento, mais acessíveis e de

fácil compreensão, fazendo com que os professores e a equipe multidisciplinar

trabalhem com qualidade, pondo em prática a teoria da legislação (ECA) e da

socioeducação (proposta que assiste o adolescente infrator).

A socioeducação, já por muitos teóricos da educação escrita, dentre eles

Freire, Gaddoti, Saviani e outros, calhou muito bem no que está escrito no ECA

referente aos adolescentes e aos processos educativos que devem ser aplicados

nas unidades de socioatendimento.

Reintegrar o ser humano, após ter cometido ato infracional, é fundamentação

da socioeducação, que tem por primazia educar o adolescente para o convívio

social, para o exercício da cidadania.

Atualmente, a sociedade tem voltado os olhos para a questão do adolescente

infrator em função da grande quantidade envolvida em crimes, entretanto é

perceptível, ainda, um desinteresse de todo sistema educativo em relação aos

objetos de pesquisa referentes a esta parcela da sociedade, tornando assim, ainda

mais excluído o que já está segregado.

É inegável a evolução das políticas públicas referentes às crianças e aos

adolescentes, porém, há muito que evoluir no sentido de conteúdos, metodologias e

práticas educativas para os que cumprem medida socioeducativa.

O descaso dos cursos de formação de professores com a temática, é um dos

motivos que impossibilita a não evolução de pesquisas na área, o que contribui para

a não renovação de aspectos metodológicos que contemplem as instituições de

atendimento.

Por fim, considerando os grandes passos de evolução dados pelas políticas

públicas e pela socioeducação, é notável que estes aspectos contemplaram a

sociedade dando respostas positivas a ela mesma no sentido de compreender o

adolescente infrator como parte de um todo. Que por vezes erra, mas por estar em

estágio de desenvolvimento é capaz de reintegrar-se a sociedade assumindo seu

papel de sujeito de direitos.

54

55

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