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Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Geografia Mapas: Entre narrativas pela dominação e dissertativas pela contestação. Wellington de Oliveira Fernandes (versão corrigida) São Paulo, Agosto de 2016

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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Departamento de Geografia

Mapas: Entre narrativas pela dominação e dissertativas pela contestação.

Wellington de Oliveira Fernandes

(versão corrigida)

São Paulo, Agosto de 2016

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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Departamento de Geografia

Programa de Pós Graduação em Geografia Física

Mapas: Entre narrativas pela dominação e dissertativas pela contestação.

Wellington de Oliveira Fernandes

Dissertação apresentada a

Faculdade de Filosofia,

Letras e Ciências Humanas

da Universidade de São

Paulo para obtenção do

título de Mestre.

(versão corrigida) De acordo

Orientadora: Profª. Drª. Regina Araújo de Almeida

Linha de pesquisa: Informação Geográfica, tratamento, Representação e Análise.

São Paulo, Agosto de 2016

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na Publicação

Serviço de Biblioteca e Documentação

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

Fernandes, Wellington de Oliveira

Mapas: Entre narrativas pela dominação e dissertativas pela contestação / Wellington de

Oliveira Fernandes; orientadora Regina de Araújo de Almeida. - São Paulo, 2016.

143 f.

Dissertação (Mestrado)- Programa de Pós-Graduação em Geografia Física da Faculdade

de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

1. GEOGRAFIA. 2. MAPAS. 3. ENSINO E ATIVIDADES

CORRELATAS. Título: Mapas: Entre narrativas pela dominação e dissertativas pela

contestação

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Nome: FERNANDES, Wellington de Oliveira

Título: Mapas: Entre narrativas pela dominação e dissertativas pela contestação

Dissertação apresentada a Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas da

Universidade de São Paulo para obtenção do

título de Mestre.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Profª. Drª._______________________________________Instituição: ______________

Julgamento: _________________________________ Assinatura: _________________

Profª. Drª._______________________________________Instituição: ______________

Julgamento: _________________________________ Assinatura: _________________

Prof. Dr._______________________________________Instituição: ______________

Julgamento: _________________________________ Assinatura: _________________

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Para minha mãe...

Que nos deixou dias antes da apresentação deste trabalho.

Quem ensinou sobre pensar diferente, viver na luta e tem sonho como objetivo.

Joelita ,a Dona Jô, Gratidão!

Com amor.

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Agradecimentos

Passamos todo o período de mestrado tentando escapar da obviedade ou de ser

repetitivo (nem sempre é possível), mas o último texto (a hora de agradecer) clama por

algumas repetições ou declarações óbvias, ousar não ser assim deve tirar o sentido e o

afeto do momento, mas contraditoriamente se alguém jeito traz a novidade que cada um

deu a este trabalho.

Eternamente grato as pessoas que regaram e partilharam (e ainda o fazem)

sonhos na infância dura lá num canto depois da Zona Leste, afinal, “viemos lá do meio

do mato pra mostrar como é que!”, né não, Kbça, Sara, Tamara, Danilo, Zé, John, Max

Cição e todos conterrâneos de Itaquá;

Agradeço aos amigos de luta que sonham junto em construir uma educação

libertária e para todos. Parcerias provocativas construídas muito além do giz e da lousa

no cursinho comunitário a Educação Liberta em Itaquá e no Roberto Mange aqui no Rio

Pequeno. Por muitos motivos, em especial a Adervaldo, Lucas, Jú, Gui e Salomão;

Sou muito grato pela generosidade e pelo que aprendi com os alunos que se

tornaram minhas e meus “parcas” durante a atividade formativa que deu enredo para a

dissertação a seguir. Ana, Diego, Gazú, Gu, Guzinho, Grilho, Kim, Kemely (errei seu

nome de novo rs ), Michael, Mateuzinho, Mateus, Zé, Júlia, Cris, Adriano, Felipinho e

Bebe vocês são incríveis e este trabalho tem muito de vocês;

Também tenho muito “obrigado” a dizer as parcerias da vida que somam com as

ideias inventivas e inquietantes, elas colaboraram demais com esse trabalho. Jhonny,

Alanzito, Mabelo, Juliana, Mi, Alef, Tata Nzinga que, sobretudo nos últimos

representam os encontros com a criatividade;

Agradecimento especial para alguns que foram decisivos para a trajetória e

sucesso dessa pesquisa. Felipenses, motivador sutil, sempre preocupado em me ajudar e

eu sempre em dívida em retribuir, muito obrigado, de verdade irmão. E os cafés com o

mano Jorge, essenciais, que se documentados, dobrariam nossa produção bibliográfica,

muitos deles estão aqui, mano valeu mesmo;

O que dizer da minha orientadora, como dizer o quanto sou grato, desde o dia

que começamos a escrever as primeiras linhas do TGI vem também me ensinando sobre

como educar e ser parceiro. Muito obrigado Regina pela acolhida, carinho e conversas

dos últimos anos.

À Bela Isa, que se ofereceu para ler meu trabalho, muito obrigado, carinho que

vou retribuir em mais visitas a sua casa e em entretendo mais vezes o Jhonny, dividindo

assim a manha desse cabra safado rs que veio ‘reclamar’ que eu atrapalhei os planos de

domingo a noite;

É especial também dizer obrigado para quem está nesses últimos meses tem

enfrentado uma grande aventura ao meu lado, Jéssica, meu amor, temos aprendido

muito um com outro, seu carinho e formas de ver o mundo estão nesse trabalho e nele

tem muito seu, e não só pela leitura cuidadosa que fez dele nos últimos dias, mas

também por como foi parceira em todas as horas

Agradeço e mando avisar “que seu guri não fugiu” a minha família, tios e tias,

pai, mãe, Daniel e Alane. Amo vocês, sem vocês essa história aqui nem tinha

começado, afinal, meus irmãos foram quem nessa vida mais acreditaram em mim, eu,

espero um dia retribuir. Minha mãe e pai então... deixa as lágrimas explicar o sentido,

são culpados de tudo, obrigado

Muito obrigado a todos que, tanto durante esta pesquisa como na vida, tem

somando solidariamente, estão no companheirismo dos momentos de dividir, na

angústia do subtrair e na parceria e disposição para multiplicar... É tudo nosso!

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“Oh Dina... A lama dos sapatos é a medalha que ele tem para mostrar”

(Gonzaguinha)

“Enquanto os leões não contarem suas histórias, os contos de caça glorificarão sempre

os caçadores” (provérbio 'africano')

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Resumo

FERNANDES, W.O. Mapas: Entre narrativas pela dominação e dissertativas pela

contestação. 2016. 141 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.

A emergência de práticas engajadas a utilizar os mapas como instrumento de

contestação, como é o caso da metodologia de mapeamento participativo, aliada a

efervescência teórica em torno de fazer a crítica aos mapas, sobretudo a partir de Brian

Harley, constitui a cartografia crítica. Os mapas participativos surgem como proposta

para fortalecer a defesa de comunidades tradicionais em contexto de conflito territorial.

Assim, uma infinidade de experiências e técnicas é desenvolvida com a proposta de

contrapor representações cartográficas hegemônicas. Enquanto isso, no plano teórico, os

mapas tem o caráter de documento científico neutro questionado e são situados em meio

a relações de poder. Historicamente, os mapas foram e ainda são utilizados em

estratégias de dominação e existem diversas situações que justificam tal afirmação.

Além disso, os mapas também são instrumentos de contestação e aparecem como

contraponto às distintas estratégias hegemônicas de poder. Esta pesquisa teve como

objetivo discutir o caráter político desta relação e fortalecer a produção de mapas que

possam ser um contraponto ao status quo. Foi realizada revisão bibliográfica para

fundamentar a crítica em torno dos mapas e referendar a organização e análise do

momento empírico da pesquisa que consistiu em uma experiência formativa em

cartografia crítica e mapeamento participativo, realizada junto a jovens estudantes de

escola pública da periferia de São Paulo. Como resultado, 09 oficinas foram

desenvolvidas, sistematizadas e avaliadas, sendo passíveis de replicação em outros

espaços. Fomentar novos atores para a cena cartográfica é fazer oposição a discursos

cartográficos dominantes e a escola é um espaço estratégico para tal promoção.

Palavras-Chave:

Cartografia Crítica, Mapeamento Participativo, Cartografia Crítica na Escola.

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Abstract

FERNANDES, W.O. Maps: Between narratives for domination and essay towards

contestation. 2016. 141 f. Dissertation (Master) - Faculty of Philosophy, Letters and

Human Sciences, University of São Paulo, São Paulo, 2016.

The emergence of practices engaged to use maps as instruments of contestation, such as

the participatory mapping methodology, combined with theoretical effervescence on

criticizing maps, especially from Brian Harley, is critical cartography. Participatory

maps come up as a proposal to strengthen the defense of traditional communities, in the

context of territorial conflict. Thus, a multitude of experiences and techniques is

developed with the purpose of counter hegemonic cartographic representations.

Meanwhile, in the theoretical scenario, maps have its character of neutral scientific

document questioned and situated in the midst of power relations. Historically, maps

were and still are used in strategies of domination and there are several situations that

justify such a claim. In addition, the maps are also contesting instruments and appear as

a counterpoint to the different hegemonic strategies of power. This research aimed to

discuss the political nature of this relationship, and to strengthen the production of maps

that can be a counterpoint to the status quo. The scientific literature was reviewed to

support the criticism around maps and to endorse the empirical research organization

and analysis which consisted of a formative experience in critical and participatory

mapping, carried out with young public school students from the outskirts of São Paulo.

As a result, nine workshops were developed, systematized and evaluated, being capable

of replication in other areas. To promote new players into the mapping scene is to

confront and make opposition to the dominant cartographic discourse and the school is a

strategic space for such actions.

Key words:

Critical Cartography, Participatory Mapping, Geography Education, Critical

Cartography at School.

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Mapas: Entre narrativas pela dominação e dissertativas pela contestação.

Sumário

APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 12

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 14

1.1. Justificativa ................................................................................................................................. 14

1.2. Objetivos ..................................................................................................................................... 17

1.3. Metodologia ................................................................................................................................ 18

2. “CONTOS DE CAÇA” ......................................................................................... 21

2.1. Contexto para os contos de caça ............................................................................................... 22

2.2. Mapas - instrumento de Poder .................................................................................................. 25

2.3. Cartografia Crítica..................................................................................................................... 30

3. “CONTOS DE CAÇA. VERSÃO DO CAÇADOR.” ......................................... 35

3.1. Representações hegemônicas para o mundo eurocêntrico ..................................................... 36

3.2. Mapas, ainda a serviço da máquina estatal. ............................................................................ 41

3.3. Mapas hegemônicos e as cidades ............................................................................................... 45

4. “CONTOS DE CAÇA. VERSÃO DOS LEÕES” ............................................... 50

4.1. Cartografia marginal – Mapas da contestação. ....................................................................... 50

4.2. Metodologia de Mapeamentos Participativos .......................................................................... 58

4.3. Experiências de mapeamento participativo no Brasil ............................................................. 66

5. “PROMOVENDO NOVOS LEÕES” NA PRÁTICA ......................................... 76

5.1. Contexto da intervenção – O território dos leões .................................................................... 76

5.2. A Cartografia crítica e a escola ................................................................................................. 78

5.3. Contos de caça com a versão dos leões – Uma experiência de formação ............................... 81

5.3.1. Observando os mapas na escola ................................................................................................ 85

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5.3.2. Mapeando ParticipAtivamente na escola ............................................................................... 102

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 121

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 135

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Apresentação

A pesquisa aqui apresentada possui um histórico com reflexões iniciadas no

percurso do curso de graduação em Geografia que foram provocadas após o ingresso do

recente formado geógrafo e aspirante a pesquisador nos corredores da escola pública na

periferia da metrópole paulistana.

Durante a graduação, dois momentos foram importantes para essa

fundamentação, a experiência de estágio no ISA (Instituto Socioambiental) e a pesquisa

sobre Mapeamento Participativo realizada para conclusão do curso de bacharelado em

Geografia na Universidade de São Paulo.

Entre 2011 e 2013, um proveitoso estágio no ISA permitiu diversas observações.

Durante esse tempo trabalhando no laboratório de geoprocessamento, dentro de projetos

que envolviam a região do Vale do Ribeira, tive a oportunidade da vivência tanto

técnica quanto política, que possibilitou uma visão prática de teorias tidas em aulas,

conformando uma noção de práxis para a formação de um geógrafo.

A principal contribuição dessa vivência esteve na proximidade com a temática

do processo de resistência das comunidades tradicionais no Brasil, sobretudo, com os

temas que envolviam as comunidades quilombolas do Vale do Ribeira. E a relação do

contexto político de resistência destes grupos com a produção dos mapas; produzidos na

parceria do instituto e as comunidades, se constituiu como outro fator de relevância da

experiência no ISA.

Esta experiência foi importante para a construção da monografia de conclusão de

curso, pesquisa intitulada “Mapeamento Participativo na Cartografia: Discussão sobre

experiências de aplicação dessa metodologia a partir da Cartografia Social”

(FERNANDES, 2013). Neste trabalho foi observada a pluralidade de situações onde a

metodologia de mapeamento participativo aparece no Brasil e em quais contextos

aparecem esses tipos de intervenções, motivações e peculiaridades do caso brasileiro.

A pesquisa partiu de dois argumentos, primeiro, buscava questionar o sentido

político das expressões do território através dos mapas e refletir sobre o entendimento

teórico-metodológico para as maneiras de representar o espaço. Partindo desse ponto

procurou-se discutir a metodologia de mapeamento participativo e relacionar as diversas

experiências de intervenção desta metodologia, sobretudo, para as situações de

aplicação desta no Brasil.

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Essa trajetória permitiu entender que a Cartografia não é neutra, e que ela pode

representar diversas realidades, por isso, deve-se olhar criticamente para todos os

mapas. Além disso, estaria no mapeamento participativo uma opção para que outras

histórias possam ser contadas pela Cartografia, sendo que, empoderar as minorias

consistiria no grande mote para a Cartografia fazer-se social.

Por fim, um terceiro momento definiria os rumos para este projeto de Mestrado.

A experiência como educador na rede municipal de ensino surgiu como provocação

para ampliar os estudos em torno dos mapas participativos, promovendo sua aplicação

em uma escola da periferia de São Paulo.

O engajamento em dar sequencia ao trabalho anterior, somado a marginalidade

dos territórios da periferia nos mapas da cidade mobilizou esse trabalho. Além disso, a

certeza do protagonismo da educação para a transformação da sociedade, sobretudo, na

superação de suas mazelas e injustiças, que motivam o dia-a-dia de tantos professores

nas salas de aula da periferia, embalam as linhas da dissertação que aqui começa.

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1. Introdução

Para começo de conversa...

Enquanto os leões não contarem suas histórias, os contos de caça glorificarão

sempre os caçadores (provérbio 'africano')

A provocação e o raciocínio presente no provérbio acima constroem uma síntese

para a compreensão das ideias que conectam esta pesquisa, já que o objeto central, os

‘contos de caça’, podem ser metáfora para os mapas e para a condição da linguagem

cartográfica como um dos canais para histórias contadas pelos atores da sociedade.

Se os ‘contos de caça’, ou mapas, são majoritariamente narrados pelos

caçadores, é que estes estão em uma posição/condição de privilégio, hegemonia, e o

silêncio imposto aos leões, coloca a narrativa do primeiro como representação de sua

dominação sobre o segundo.

Esta relação por si só é um conflito, e aceitando a provocação do provérbio, os

leões tendem a contestar o caçador, dissertando também seus ‘contos de caça’; e este

contraponto também está na produção de mapas.

Para deixar claro, antes de prosseguir, cabe informar uma opção por termos ao

percurso desta pesquisa. Cartografia Crítica está colocada como corrente teórica e

prática que compreende os mapas dentro das ciências humanas e mapeamento

participativo, como metodologia para a produção de mapas.

Esta observação é significativa, pois há uma profusão de termos para fazer

referência a iniciativas que aqui serão referidas como mapeamento participativo

(CHAPIN; LAMB; THRELKELD, 2005). No Brasil a definição Cartografia Social

aparece como sinônimo tanto para a metodologia como para uma corrente teórica, tanto

é que, na fase anterior desta pesquisa, em (FERNANDES, 2013), foi incorporado a

definição Cartografia Social como corrente teórica e metodológica.

1.1. Justificativa

A Cartografia é uma linguagem, e o mapa é a expressão desta a partir da

representação do espaço geográfico. Historicamente ela foi concebida e utilizada de

diversas formas e com diferentes objetivos, tanto pela técnica quanto pelo significado da

representação proposta.

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De acordo com a concepção de Cartografia no campo da teoria social, tratando-a

como linguagem, o mapa passa ser um discurso e, assim, afirma que qualquer expressão

cartográfica pode ser questionada e também que outros discursos podem ser expressos a

partir desta linguagem.

Considera-se que tanto a validade dos mapas, como as técnicas para produção de

uma cartografia, sobretudo aquela que busca representar o espaço na perspectiva

euclidiana, sempre foi um privilégio de atores hegemônicos e assim as instituições

políticas ignoram historicamente a existência de mapas contra hegemônicos. Apesar

disso, nas últimas décadas, esta situação tem passado por transformações, em aspectos

teóricos e também no campo da prática.

No campo teórico, diversas reflexões contribuíram para a construção de

concepções que buscam entender os aspectos humanos da Cartografia. Algumas das

primeiras reflexões começam a surgir com John K. Wright ainda nos anos de 1940

(WRIGHT, 1944). Porém é entre as décadas de 1980 e 1990 que este debate se

intensifica com as contribuições de Denis Wood, John Pickles, Brian Harley e David

Woodward, dentre outros autores.

Junto a este debate teórico no viés prático, emergiram metodologias e

possibilidades para a produção de mapas que possibilitaram a construção de outros

discursos na representação cartográfica. Os mapeamentos participativos, os mapas

colaborativos e a cartografia multimídia permitiram outros acessos aos mapas, como

outras técnicas para construí-los.

Este fervor teórico e o desenvolvimento de metodologias não podem ser vistos

de maneira isolada, há pressupostos filosóficos e de condições técnicas que precisam ser

observados, como também, contextos de mapeamento a serem considerados.

Assim para entender o que hoje é chamada de Cartografia Crítica, é necessário

estar atento aos debates do pós-modernismo1, essenciais para pensar os mapas sob a

ótica da cultura e de uma nova cartografia em busca de novas narrativas. Ilustra este fato

a relevância da filosofia de Jacques Derrida e Michel Focault para Brian Harley e outros

estudiosos dos mapas, assim como, com certa contradição, entender a humanidade após

1 Jörn Seemann também tratando o mesmo assunto afirma “o surgimento de diversos ‘ismos’ com prefixo

‘pós’ (pós-modernismo, pós-estruturalismo, pós-marxismo, pós-colonialismo entre outros) (...)” criaram

“plataforma teórica diversificada que permitiu a reaproximação entre o mapa e a geografia” (SEEMANN,

2012, p.145). Esta afirmação é um bom exemplo para sinalizar que fazer essa referencia a este entrave

filosófico exigiria interromper por muitas páginas a discussão proposta. O próprio Focault citado acima

renegava a titulação pós-moderno, como aqui não é de interesse resolver esta demanda epistemológica

que paira por toda a Ciência Humana, nos basta apenas a marca epistemológica.

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a Terceira Revolução Industrial, em decorrência do que Milton Santos vai apontar com

o período do Meio Técnico – Cientifico – Informacional, em que novos objetos técnicos

são possibilitados para um momento em que a “informação é o vetor fundamental do

processo social” (SANTOS, 2006, p.239), assim, novas possibilidades são apresentadas

à Cartografia.

Sabendo disso, há de se considerar também o contexto como motivador para a

promoção de cartografias não hegemônicas, e é neste aspecto que esta pesquisa dedica

maior atenção. Este contexto é entendido quando se considera as demandas sociais e

políticas que circunscrevem estas novas cartografias, relembrando a metáfora que abre

este texto, afinal, o que está em disputa no conflito entre caçadores e leões?

É notável que a principal demanda em torno dessas iniciativas está relacionada

com conflitos em torno do território, sobretudo, em países com herança colonial como o

Brasil. (PORTO-GONÇALVES, 2013), observando países sul-americanos e caribenhos,

justifica essa conjuntura retomando a não legitimidade dos territórios desses Estados,

para as populações ali historicamente marginalizadas.

Este paralelo aproxima os estudos sobre Cartografia Crítica a discussões

inegavelmente geográficas, pois, esta conflitude entorno do território que tem caráter

central para uma teoria crítica para os mapas, também, é um objeto de estudo da

Geografia.

A metáfora sobre os contos de caça, nesta pesquisa, estará no conflito territorial

o mote para entender o que está em disputa durante a caçada. Caçadores e leões não irão

contar sobre o conflito territorial da mesma forma ou representar o território da mesma

maneira.

Confirma tal afirmação, o fato que novos atores passaram a produzir cartografia

e os mapas ‘oficiais’ ou hegemônicos passaram a ter sua verdade interrogada. Isso se dá

a partir do momento em que distintos grupos sociais marginalizados começaram a

utilizar o mapa cada vez mais, como um instrumento de luta.

Pensando o Brasil, cabe como exemplo significativo retomar o exemplo

documentado por (ALMEIDA, 1994). Relatando como na década de 1980 os mapas

foram importantes na estratégia de defesa e articulação para que povos tradicionais

pudessem fazer frente ao estado brasileiro e grandes atores econômicos interessados em

explorar minério na região de Grande Carajás. Os mapas de cada um dos lados

fomentaram discussões em torno da resolução de contendas territoriais.

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O título “A Guerra dos Mapas”, dado ao famoso livro de Alfredo Wagner de

Almeida é autoexplicativo, e é mais uma lúcida metáfora para o que significa empoderar

a sociedade com a possibilidade de produzir seus próprios mapas. Quantos outros fatos

poderiam ser usados como cenário para o mesmo título?

Enfim, será que a história de dominação contada pelos mapas ‘oficiais’ está

sendo reescrita? O acesso à produção de mapas hoje é diferente? Em quais momentos

os mapas podem realmente se colocar como contra hegemônicos? Quais especificidades

das situações predominantes para promoção de mapas que questionem o status quo?

São perguntas que esta pesquisa procura vislumbrar respostas, considerando a

construção de ideias posta até aqui, esta trajetória será feita através dos capítulos

apresentados mais a diante.

1.2. Objetivos

Objetivo Geral

A partir da promoção de mapas que possam ser contraponto ao status quo, o

principal objetivo da pesquisa consistiu na reflexão crítica a partir do papel político da

Cartografia. Para isso, resgatou as construções teóricas e práticas que contribuem com a

Cartografia Crítica e fomentou novos atores para a cena cartográfica em intervenção

formativa junto a jovens estudantes da periferia de São Paulo.

Objetivos específicos

1- Debate do compromisso histórico dos mapas como instrumento político, a

partir de análise de exemplos de mapas como ferramentas de poder a serviço de

estratégias de dominação territorial por atores hegemônicos;

2- Discussão de exemplos de mapeamento que utilizem de práticas e temas que

promovam a contestação a discursos hegemônicos. Observando metodologias que

considerem o empoderamento de grupos sociais marginalizados para análise e produção

de mapas;

3- Contextualização de práticas de mapeamento contra-hegemônico no Brasil, a

partir de exemplos de experiências de produção de cartografia, junto a povos

marginalizados inseridas em conflitos territoriais;

4- Levar a Cartografia Crítica e os mapas participativos para o ensino de

Geografia; sistematizando série de exercícios teóricos e práticos, que dentro desta

perspectiva, promova novos atores cartográficos junto a estudantes de escola pública.

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1.3. Metodologia

Esta pesquisa foi construída a partir dos pressupostos teóricos que embasam a

Cartografia Crítica e as reflexões sobre as representações de poder postas nos mapas. O

entendimento da Cartografia será visto como divergente a “perspectiva da epistemologia

dominante no positivismo científico”, mas sim como, “enraizada na teoria social”

(TAYLOR, 1992, p.13.), em que os mapas nunca serão neutros e sim discursos

pautados por um ponto de vista e interesse.

Os mapas são analisados como instrumento de poder a serviço dos atores

hegemônicos, porém, também como mecanismo de contestação. A partir disso, a

pesquisa foi dividida em dois momentos, um teórico e o segundo, empírico.

O primeiro momento consiste em uma pesquisa de Análise de Conteúdo em

volta do tema a partir de revisão bibliográfica sobre os principais referenciais teóricos

da Cartografia Crítica, e, também, para o levantamento de situações da utilização do

mapa como instrumento de legitimação do poder hegemônico, como, da construção dos

mapas para contestação e resistência.

Desta forma, foi realizada uma retomada histórica de situações do mapa como

instrumento primordial para a consolidação do poder por parte dos grupos hegemônicos.

Observando desde a concepção do Estado – Nação, a manutenção do colonialismo

europeu até aos conflitos territoriais do mundo contemporâneo, tendo os mapas no

protagonismo para a análise destes conflitos.

Como todo o mapa possui um discurso, é legítima a defesa de que as parcelas

marginalizadas da sociedade precisam se instrumentalizar com a capacidade de análise e

com as técnicas da cartografia para a produção de mapas. Por isso, foram apresentados

alguns exemplos desta resistência, suas metodologias e a transformação que estas

trouxeram para as perspectivas cartográficas.

O debate foi consolidado no segundo momento, o empírico, com uma

intervenção que promoveu o protagonismo de jovens estudantes da periferia na

produção de informação cartográfica. Foi observado o contexto e situação de uma

escola periférica da cidade de São Paulo como laboratório para a formulação e aplicação

de práticas de mapeamento a partir de oficinas promovidas pelo pesquisador.

Revisitando o provérbio...

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Como fazer a leitura dos contos de caça (dos mapas) e como entender o que está

em disputa durante a caçada (conflito territorial) é o enredo para o primeiro capítulo. No

segundo capítulo serão apresentados alguns dos contos para o caçador (mapa para

dominação), enquanto o que contam os leões (mapa para contestação) aparece no

terceiro capítulo e considerações para como promover novos leões (novos cartógrafos) é

a proposta do último capítulo.

O provérbio africano citado no início deste texto conecta as ideias presentes

nesta dissertação e por isso será referência para o título dos capítulos que apresentam

seus resultados, desta forma a seguir o texto apresenta quatro momentos.

O primeiro capítulo, Os “Contos de Caça”, situa o encontro entre leão e

caçador, em que inseridos em um cenário de caçada, tem evidente conflito de interesse

e, com isso, ponto de vista divergente para opinar sobre o mesmo evento. Este cenário é

metáfora para uma das justificativas deste trabalho, todo mapa tem um discurso

coerente a seu autor, raciocínio fundamentado pelas reflexões da Cartografia Crítica.

O segundo momento “Contos de Caça. Versão do Caçador”, então debate o

compromisso histórico dos mapas como instrumento político, analisando alguns

exemplos de legitimação de poder a serviço dos atores hegemônicos (caçadores),

sobretudo, com o pano de fundo construído em conflitos territoriais.

Na terceira parte, “Contos de Caça. Versão dos Leões”, as histórias dos leões

serão observadas com a discussão de exemplos de práticas e temas que promovam a

construção de mapas para contestação em relação ao status quo, como também,

considere o empoderamento de grupos sociais marginalizados para análise dos discursos

cartográficos e da produção de seus próprios mapas. Será dado foco a situações da

experiência brasileira, apresentando exemplos de momentos em que os leões contam sua

versão para os contos de caça.

O último capítulo, “Promovendo novos Leões” na prática, sinaliza a

importância de favorecer a promoção dos mapas dentre grupos sociais marginalizados

como maneira de empoderar esses grupos da teoria, da linguagem e das técnicas para

produção de sua própria cartografia.

Para isso, apresenta propostas de intervenção que utilizem metodologias

participativas para a produção de mapa contra hegemônico, aplicadas em sala de aula

junto a estudantes de escola pública, pautando a importância da escola para esta

promoção.

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A expectativa deste percurso é contribuir com a teoria crítica dos mapas. E

concordando com (CRAMPTON; KRYGIER, 2008), reafirmar que a Cartografia vem

sendo indisciplinada. Pois, tem deixado o controle dos poderosos, e, os paradigmas que

envolvem os mapas foram questionados, do ponto de vista da prática, a partir da

ascensão de novas metodologias de mapeamento, mais democráticas, como também, a

partir da teoria crítica dos mapas fundamentada, sobretudo, em Brian Harley.

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2. “Contos de Caça”

Caçador e a Caça estão em uma evidente relação de conflito de interesse, em

jogo esta a sobrevivência de ambos. Este trabalho observa como este conflito é narrado

por cada um dos personagens envolvidos a partir da linguagem cartográfica. Este

capítulo busca observar qual o contexto histórico da caça e que instrumentos teóricos

dão subsídios para uma análise crítica dos contos de caça (mapas).

Para além da metáfora, este trabalho entende que importante catalisador para a

produção de mapas contra–hegemônicos é a divergência para a legitimidade que pode

haver sobre todo e qualquer Território. Este desacordo será mais evidente em países de

herança colonial e muito influenciado pela imposição da ideologia nacionalista fora da

Europa.

O raciocínio a seguir colabora com isso,

“A rigor, o nacionalismo enquanto ideologia do Estado-Nação é uma forma de

imperialismo. Que o digam os povos indígenas e os afrodescendentes na América Latina e

no Caribe ou qualquer povo que foi submetido a um Estado Nação em qualquer lugar do

mundo (os bascos, os catalãos e os galegos na Espanha; os irlandeses na Grã Bretanha).”

(PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 152)

Essa imposição buscou forçar a submissão de vários povos e colaborou com a

conformação de diversos Territórios de Estado não legítimos para distintos grupos

étnicos e sociais. Seguindo o exemplo do autor, basta refletir sobre os Territórios de

Estados na América Latina em relação aos povos indígenas.

Assim, (PORTO-GONÇALVES, 2006, 2013), afirma que as diversas

territorialidades emergentes (indígenas, negras, camponesas, etc) no espaço sul-

americano são na verdade contestações do território imposto pelo Estado colonial.

Representar essas territorialidades aparece como grande tarefa para uma Cartografia

Crítica que propicie a produção de mapas contra – hegemônicos.

Enfim, a Guerra dos Mapas na contemporaneidade também é fruto do

imperialismo. A seguir, focado nas Américas, é feito um pequeno panorama histórico

para pensar conteúdo desses mapas, assim como, uma retomada dos argumentos

teóricos que subsidiam essa produção.

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2.1. Contexto para os contos de caça

“É muita treta, a farsa da

comemoração dos 500 anos de

enganação 500 anos de

exploração, mentira e

desigualdade o que o branco

português fez com meu povo foi

cruel e covarde os índios

morreram e os pretos que não

estão na cela estão na favela”

Apocalipse 16

Os versos da música do grupo Apocalipse 16 são resumo para dizer quem são os

caçadores e quem são os leões da história da formação do território (latino)americano.

Na continuidade, é feita uma retomada desses personagens históricos e de sua relação

com esse território, sobretudo, a partir das contribuições do geógrafo Carlos Walter

Porto-Gonçalves.

Os povos originários do que hoje é chamado de Américas foi saqueado,

escravizado e exterminado, e o mesmo se fez com diversos povos do continente

Africano, que de lá, milhões de negros foram trazidos de maneira forçada para nas

Américas serem escravizados. São esses os povos que aqui foram jogadas a margem

pelo invasor europeu tendo ao longo dos últimos séculos seus direitos usurpados.

Fatos históricos e dados demográficos referendam esta argumentação e

evidenciam genocídio promovido no continente americano, como sobre a população

indígena quanto à população negra escravizada. Como também permite remontar o

quanto esses povos resistiram e ainda resistem.

Em 1500, no que hoje é o Brasil, residiam 3 milhões de indígenas, essa

população chegou a nos anos de 1960 quase desaparecer com um número em torno de

70 mil pessoas, onde com o avanço da luta em torno dos direitos indígenas, em 2010,

esse número subiu para pouco mais de 800 mil pessoas (FUNDAÇÃO NACIONAL DO

ÍNDIO)

Ainda em relação aos povos originários, de acordo com a (CEPAL, 2014) em 17

países da América Latina em 2010 essa população era formada por quase 45 milhões de

pessoas, o que equivale a 8,3% do total populacional desses países. É importante

destacar que nesta relação o Brasil possui o segundo menor percentual de população

indígena dentre esses países, tendo apenas 0,5% da população com essa identidade.

Porém, os mesmos dados demográficos evidenciam a importante presença

desses povos no continente e a historiografia traz exemplos diversos de momentos que

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esses povos resistiram ao status quo (Europeu, Branco, Oligárquico). Exemplos estão

no Estado Plurinacional da Bolívia, em que 41% da população se identifica como

indígena, ou no fato de no Brasil 51% da população ser negra, a maior população negra

fora do continente africano.

Fatos históricos diversos mostram a resistência desses povos, como a rebelião

anticolonial liderada por Tupac Amaru II no Perú no século XVIII, ou outras revoltas

indígenas como na Confederação dos Tamoios no Brasil. Outros fatos são a Revolução

Negra no Haiti entre os séculos XVIII e XIX, como também, a infinidade de territórios

negros que na condição de escravizados se rebelavam, fugiam e constituíam seus

territórios autônomos, estes construídos em todas as Américas.

O que no Brasil consagrou-se chamar de Quilombo, nos restante das Américas

recebeu outros nomes, sendo na Venezuela Cumbus, na Colômbia Palenques. O termo

Marroons na Jamaica, no sul dos Estados Unidos e no Caribe Inglês, enquanto no

Caribe Frances o termo era Maronage e no Espanhol Cimaronaje (GOMES, 2015). Na

mesma obra, é possível resgatar a história de resistência desses territórios no Brasil e

nas Américas

Tais fatos e números sinalizam que a imposição da ideologia nacionalista nas

Américas não se deu sem resistência dos povos que poderiam reinvidicar outra

identidade ou mesmo racionalidade para a configuração territorial das Américas hoje.

(PORTO-GONÇALVES, 2006, p.158) continua este debate afirmando,

Desde 1492 que, aqui, nesse espaço que viria se chamar América Latina e

Caribe, convivem diferentes temporalidades por meio de relações fundadas

na opressão, no preconceito e na exploração. (...). O segundo momento de

nossa formação social, que nos legou os Estados Territoriais independentes,

preservou a colonialidade do primeiro.

Assim, negros e indígenas, que atravessam o período colonial resistindo e

disputando território, passam a enfrentar Estados Territoriais Independentes que se

propõe a manter as mesmas estruturas sociais do período colonial, ou seja, tais

Territórios de Estado não são legítimos as nações que o compõe.

Desta forma, são esses os povos que até hoje questionam a legitimidade dos

estados nacionais nas Américas e a expressão e luta por território por parte desses povos

é o que (PORTO-GONÇALVES, 2006, 2013) chama de territorialidades emergentes ou

emancipatórias, feitos a partir de uma infinidade de movimentos sociais organizados

pleiteando o acesso a terra e afirmando a legitimidade de seu próprio território, haja

vista o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) no Brasil, os Zapatistas no

México, a expressividade dos Mapuches no atual Chile e Argentina, dos Yanomamis

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entre o que hoje é Brasil e Venezuela. Os recentes eventos entre fazendeiros e os

Guarani Caiowa, entre Brasil e Paraguai. A conquista pela demarcação de terras

remanescente de Quilombo no Brasil e na Colômbia, além dos diversos movimentos na

periferia das cidades latinoamericanas.

As cidades são o novo cenário para esses embates, afinal, é nelas que a

população do campo vai morar, sobretudo a partir da década de 1970, em um processo

de sub – urbanização. Tendo as favelas como maior exemplo do processo, esses espaços

precários de moradia e de ausência de direitos, é fortemente marcado por caracteres

étnico-raciais.

Negros, mestiços e indígenas vão ocupar essas áreas das cidades latino-

americanas (PORTO-GONÇALVES, 2006). Pensando o negro no Brasil,

(NASCIMENTO, 1978) e (FERNANDES, 1989), em um debate maior sobre o lugar

reservado ao negro na história do país, apresentam para onde foram e como viviam os

negros pós-escravidão nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.

Chegando a contemporaneidade, diversos outros autores retomam o assunto,

(OLIVEIRA, 2008) na observação de que a segregação urbana na cidade de São Paulo é

racializada, como também, (CARRIL, 2006) afirmando que o Quilombo é uma

estratégia de luta e que esta se mantém nas favelas majoritariamente negras.

Além disso, cabe citar os atuais estudos realizados na Universidade Federal do

ABC por Jorge Américo, um debate sobre território, acesso a terra e racismo na história

do Brasil (AMERICO, 2016). Evidentemente, não é o objeto central desta pesquisa esse

debate, porém é muito relevante para compreender quem deve estar representado em

mapas que se proponham a ser contra – hegemônicos.

Assim, para entender a arena status quo versus grupos marginalizados, para além

de refletir sobre os atores em embate, também é importante observar as representações

que os lados desta guerra farão durante o conflito. Observações postas no segundo e

terceiro capítulo desse trabalho.

Retornando a (PORTO-GONÇALVES, 2006, p.173),

É fundamental que atentemos para essas novas territorialidades que estão

potencialmente inscritas entre esses diferentes protagonistas e que se

mobilizam com/contra os sujeitos e as conformações territoriais que aí estão

em crise, tentando identificar suas possibilidades e seus limites

emancipatórios. Há novas conflitividades se sobrepondo às antigas. Nessa

imbricação de temporalidades distintas a questão do território se explicita

com a crise do Estado.

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O que pode construir com maior atenção e visibilidade a essas novas

territorialidades? A Cartografia! A representação destas é primordial. A contestação dos

territórios por novas territorialidades deve ser espacializada, ou para (SANTOS, 2011a),

deve haver a materialização da transformação para forma espacial.

Para isso, é necessária à espacialização das causas postas pelos movimentos

sociais e territoriais, que só irão acontecer quando valorizada a diversidade e o

protagonismo cartográfico, desta forma, está na promoção da Cartografia a partir de

práticas participativas e críticas, com a perspectiva de construir mapeamentos contra

hegemônicos e assim construir cada vez mais narrativas espaciais dos grupos

marginalizados.

Na expectativa de contribuir para isso, na sequencia desse capítulo, serão

retomados subsídios teóricos para a reflexão sobre a importância política e econômica

dos mapas, assim como, referencias para compreensão da Cartografia Crítica. A fim de

consolidar o debate e ir além do teórico, exemplos práticos serão apresentados e

aplicados, respectivamente, no terceiro e no último capítulo.

2.2. Mapas - instrumento de Poder

A partir de Yves Lacoste, a Geografia como instrumento de poder é interrogada,

tanto pela importância no fazer a guerra, como na formulação das funções ‘ideológicas e

políticas’ para e pelo Estado, nos elementos e sentidos possíveis de serem fornecidos

para as identidades nacionais. Por isso, na geografia política estão muitos elementos

para fortalecer o debate teórico que justificam as iniciativas práticas na teoria crítica dos

mapas.

Como função ideológica um primeiro pressuposto está na construção do

nacionalismo. Dentre outros campos disciplinares, a Geografia e a Cartografia,

dividiriam o protagonismo para a consolidação dos Estados - Nação, tanto por via do

plano de ideias como na esfera material.

A representação do território permitida através da cartografia é um dos

mecanismos de efetivação da invenção estados nacionais, como também, para as ideias

que permeiam este momento histórico, ou seja, a legitimação da propriedade, da

mercadoria e do próprio capitalismo.

Para entender melhor essa construção é importante retornar ao século XVII,

quando aconteceu na Europa a chamada Guerra dos Trinta Anos (1618-1648).

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(CARNEIRO, 2006), sob a justificativa religiosa, no conflito entre principados

protestantes e católicos, além da destruição da Europa, a guerra levou a construção de

uma nova ordem internacional, a “ordem europeia moderna, em que a ‘razão de Estado

sobrepõe-se aos princípios religiosos medievais” (p., 164).

Esta nova ordem é institucionalizada em 1648 nos Tratados de Westfália. Estes,

para além de marcar o fim da Guerra, estabelecem para a regulamentação das relações

internacionais a premissa de que o “princípio do interesse nacional substitui a confissão

religiosa” (CARNEIRO, 2006, p.164), ou seja, os Estados não estão mais submissos ao

julgamento da religiosidade.

A partir daí, a ordem internacional [sobe a visão européia] passa a ser baseada na

legitimidade dos Estados Territoriais, como forma geográfica para organização das

sociedades. E, desta forma, a chamada ‘razão de estado’, que substitui a legitimidade

divina dos reis, sob outro julgamento (PORTO-GONÇALVES, 2013), que irá se

colocar acima dos homens e mulheres comuns.

(HOBSBAWN, 1989) sinaliza que esta construção é fruto de conjuntura

histórica muito particular, como relatado acima, os acordos de Westfália são

construções brancas e europeias. E que apesar de muito recente e de prioritária para

entender os últimos 200 anos, a nova divisão internacional do trabalho com o ‘fim’ do

colonialismo trouxe transformações e questionamentos à ideia dos Estados - Nação.

Sobretudo pela ‘descolonização’, de modo geral, significar, (HOBSBAWN,

1989, p. 203),

Estados independentes foram criados fora das áreas existentes de

administração colonial, mas dentro de suas fronteiras coloniais. (...) não

tiveram nenhum significado nacional ou protonacional para suas populações;

exceto para as minorias ali nascidas, ocidentalizadas e colonialmente

educadas.

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O geógrafo David Harvey, pondera sobre o dinheiro, o tempo e espaço como

fontes interligadas de poder social, no contexto de reprodução da sociedade moderna. A

manutenção do poder político será posta pela racionalidade na mensuração destes

permitidas através do calendário, o relógio e pelos mapas. (HARVEY, 1989)

Figura 1: Cartografia Medieval. Primeiro está a “Plan des dimes de Champeaux” do século XV, a seguir, a planta

“Vue de Cavaillon” e adjacências no século XVII.

Fonte: (HARVEY, 1989)

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Foram os mapas que abriram caminho para que se considerasse o espaço como

algo disponível. No alvorecer no mercantilismo e do capitalismo “a precisão da

navegação, a determinação dos direitos de propriedade da terra, as fronteiras políticas,

os direitos de passagem e de transporte, etc; passaram a ser um imperativo econômico e

político.” (HARVEY, 1989, p. 223).

Estas condições vieram a valorizar o atributo da objetividade na representação

espacial. (HARVEY, 1989) compara dois mapas como exemplos para demonstrar esta

transformação no paradigma da representação. A primeira ilustração (figura 1) é um

mapa medieval, com uma representação não objetiva, difere da segunda ilustração

(figura 2), com uma ordenação objetiva e racional, muito importante na “afirmação dos

indivíduos diante dos territórios” (p.224).

Neste contexto (HARVEY, 1989) analisa a mudança nas relações para o

controle e conquista do espaço. Já que a concepção do espaço e do tempo sempre foi

diversa, “sagradas, profanas, simbólicas, pessoais, animistas” (HARVEY, 198, p.231), o

Figura 2 Ordenação do espaços nos mapas renascentistas – Mapa da Ilha de Wright, 1616

Fonte: (HARVEY 1989)

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entendimento desta relação acabou sendo universalizada no uso do espaço como

mercadoria.

Assim, sobe o espectro destas motivações, sobretudo de caráter econômico, o

espaço como mercadoria. Foram construídas preocupações políticas e militares, estas,

fundamentais para o Estado – Nação, tanto para sua legitimação, quanto para seu plano

de poder, que é dado, através da manutenção ou expansão da determinada parcela de

espaço controlável; neste caso, de maneira ratzeliana, o território.

Território, para o Geógrafo, tem origem na Geografia Tradicional Determinista

de Ratzel. A farsa da consciência nacional, apresentada acima, estabelece a necessidade

do ‘espaço vital’; prioritário para desenvolvimento, progresso e sobrevivência de uma

nação. Fundado nas relações de poder e expresso na configuração do solo e do povo,

seria o Estado o único detentor de poder sobre o território.

Perspectiva está relacionada ao próprio contexto apresentado acima, pois ela é a

concessão aos Estados – nações europeus. Legitimados pela necessidade da expansão

do território, para o Imperialismo, através da submissão das ‘nações’ não europeias à

exploração e também pela própria ideologia do nacionalismo.

Esta discussão cabe como subsídio para a discussão do próximo capítulo, mas

antes de retomar a utilização dos mapas para legitimar discursos hegemônicos, é

importante entender como estes irão exercer poder.

Historicamente, a Cartografia esteve pautada por critérios positivistas; em uma

busca de representações absolutas dentro da perspectiva euclidiana, além disso,

orientada pelo pressuposto da neutralidade das representações construídas nos mapas.

Porém, tais verdades serão questionadas, tanto na Geografia e História, quanto pelo

próprio desenvolvimento da própria Cartografia.

Ainda nos primórdios da Geografia Humanística, John K. Wright, Geógrafo

estadunidense, (WRIGHT, 1942) irá afirmar que cartógrafos são humanos e os usuários

de mapas também são humanos, assim, o mapa é um produto do homem, e este

resultado irá contribuir com a formação de opinião pública.

O pretérito trabalho de Wright esta em momento que Geografia e Cartografia

são indissociáveis, anterior ao processo de renovação da Geografia nos anos de 1960 e

1970, ainda no que hoje é chamado de Geografia Tradicional, é apenas um sopro um

sopro inicial para questionamentos da Geografia em relação à Cartografia.

Essa renovação é construída em um mosaico de concepções diversificadas,

porém, tanto por seus propósitos quanto por seus posicionamentos políticos podem ser

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agrupados em dois grandes conjuntos: a Geografia Pragmática e a Geografia Crítica.

(MORAES, 2007)

Não tendo como foco costurar os objetivos de cada corrente, mas sim continuar

apresentando motivos para entender os mapas como instrumento de poder, é dentro de

um dos mais importantes estudos na Geografia Crítica um célebre questionamento para

os mapas.

Na década de 1970, Yves Lacoste coloca a Geografia como instrumento “de

dominação da burguesia, dotado de alto potencial prático e ideológico” (MORAES,

2007, p.121) e os mapas aparecem como figura central nessa crítica. Tanto é que, como

também comentam alguns autores (GIRARDI, E., 2003) e (SEEMANN, 2012), no

Brasil há um afastamento entre Geografia e a Cartografia, por parte dos geógrafos

críticos.

Porém, com a influência de filósofos críticos como Michel Focault e Jacques

Derrida, nos anos de 1980, a Cartografia também, por assim dizer, também passa por

um processo de renovação teórica. Questionada pela ausência de reflexão teórica em

torno da epistemologia, novos estudos vão surgir e estes vão constituir o que hoje tem

sido chamado de Cartografia Crítica2.

2.3. Cartografia Crítica

Assim, durante a década de 1980 e 1990, é consolidada a construção de uma

teoria crítica para a Cartografia, em que os mapas passam a ser vistos como documentos

históricos e sociológicos, possuidores de um discurso político, e vistos como

importantes ferramentas de poder, costumeiramente, nas mãos de atores hegemônicos.

Brian Harley, para muitos, será a principal referência teórica.

Para isso, a partir do argumento de Desconstrução proposto Jacques Derrida,

(HARLEY, 1989) busca observar a textualidade dos mapas, afirmando que “Texto é

certamente uma melhor metáfora para mapas do que o espelho da natureza.” Afinal, os

mapas são uma expressão cultural e “ao aceitar sua textualidade somos capazes de

abraçar uma série de diferentes possibilidades interpretativas” (HARLEY, 1989, p. 7).

2 Atualmente muitos autores usam deste título para retomar os estudos cartográficos dentro da teoria

social, neste trabalho seguiremos tais passos. Alguns exemplos são (GIRARDI , 1997) ,( SEEMANN

2003, 2005) e (CRAMPTON; KRYGIER; 2008), entre outros.

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Dessa forma, é possível afirmar que as representações apresentadas pelos mapas

são discursos construídos a partir de pontos de vista. Assim, é possível afirmar que

qualquer expressão cartográfica pode ser questionada, como também que diversos e

contraditórios discursos podem ser expressos a partir desta linguagem.

Assim, os mapas (HARLEY, 1989, 1990, 2009) deveriam ser observados dentro

de seus contextos históricos e que considerando a supremacia de atores hegemônicos,

sempre teriam aparecido como instrumento de controle social e os produtores de mapas

eram/são eticamente responsáveis pelos efeitos destes.

(HARLEY, 1989) destaca que as contribuições de Focault permitem perceber a

onipresença do poder em todo o conhecimento. Atento a isso, Harley evidencia o caráter

discursivo nos mapas e relaciona o fato de que atrás de todo o mapa há um autor e um

patrono, muitas vezes o Estado, assim os mapas teriam política e por vezes seriam

“imagens autoritárias e que sem estarmos conscientes disso um mapa pode reforçar e

legitimar o status quo” (HARLEY, 1989, p.14).

Além de Harley, diversos outros autores irão contribuir para uma teoria crítica

sobre os mapas, bem como muitos também darão subsídios para pensar novas

perspectivas de mapeamento.

Continuando o debate, Fraser Taylor aponta

“Uma importância considerável é atribuída à noção de poder de Focault e à

necessidade de olhar para a dimensão social e política da Cartografia – como o mapa

funciona na sociedade como uma forma de poder – conhecimento e como ele é usado neste

sentido” (TAYLOR, 1992, p.13)

Respostas para como os mapas são usados como ferramenta de poder podem ser

exploradas nos estudos do professor Mark Monmonier. Pautado pela perspectiva de que

aquilo que os cartógrafos fazem ou não fazem afeta a todos, construiu diversas obras

sobre o tema. A principal delas é o livro “How to Lie With Maps”, em cuja tese,

expressa no próprio título, defende que mentir é um elemento inerente a todo mapa

(MONMONIER, 1996).

O autor mostra que os mapas, assim como outras formas de discurso, são

sujeitos a distorções e estas podem decorrer da ignorância, da ganância, da cegueira

ideológica, ou malícia. E oferece subsídios analíticos para reconhecer as ‘mentiras’

expressas nos mapas, como os critérios de destaque, distorção, seleção de plano de

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informação, simplificação ou deslocamento, além de contextualizar os mapas dentro da

proposta publicitária, defesa ou propaganda política.

(HARLEY, 1989) também questiona o paradigma euclidiano na Cartografia,

sobretudo ao pautar estudos históricos onde propõe maneiras alternativas para entender

os mapas, a partir de uma mudança epistemológica para a maneira de interpretar a

natureza da Cartografia. Desafiando “o mito epistemológico (criado por cartógrafos) do

progresso cumulativo de uma ciência objetiva sempre produzindo melhores

delimitações da realidade” (HARLEY, 1989, p.15 – Tradução nossa).

Colabora com esse debate o Geógrafo Fraser Taylor, ao discutir a base

conceitual da Cartografia sob a influência da tecnologia de informação, (TAYLOR,

1992), questiona o paradigma dominante da Cartografia pautada pelo positivismo

científico e pelo ‘imperativo tecnológico’. Sua base conceitual deveria ser relativizada,

em uma interface entre a arte e as ciências, que considere a sofisticação das novas

técnicas, mas também, a influência cultural e social do mapa.

Também apontando a necessidade de questionar o paradigma dominante está

Denis Wood, com o livro O Poder dos Mapas de 1992, em que o autor faz uma crítica à

ideologia que permeava os mapas oficiais. A obra vai ser considerada por muitos como

um marco, aparecendo como um manifesto entre aqueles que se propunham a fazer a

crítica à Cartografia.

A contribuição de Denis Wood irá se erguer sob influência da geografia do

comportamento e do pensamento situacionista. A partir deste ponto de vista,

(WOOD,1992, 2010) propõe uma cartografia da realidade, em uma re-significação para

os mapeamentos, que trariam expressões subjetivas do espaço a partir de experiências

cotidianas.

Com esta discussão, é mais evidente perceber a ausência de neutralidade dos

mapas ou as formas com que estes podem ser utilizados como instrumento de poder.

No próximo capítulo será realizada uma retomada de exemplos históricos que

contribuem com essa reflexão.

Alguns autores debatendo essa não neutralidade nos mapas e das discussões da

Cartografia Crítica buscam pensar outros mapas, mapas críticos. Coerentes a esta

proposta estão produzindo estudos sobre uma nova história para a Cartografia, como

estudos que dão vazão a novos conteúdos para os mapas.

Uma das contribuições à reconstrução do que seria uma nova história

(HARLEY, 1991) da Cartografia está mais uma vez em Brian Harley, o que ampliou a

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visão de mapa, ao ponto de ela abranger “tanto as representações cosmológicas e

celestes, como as terrestres, as tradições cartográficas começam a se integrar onde antes

havia espaços em branco na história da cartografia.” (HARLEY, 1991, p. 5.).

O grande marco desses estudos é a publicação de três grandes livros, alguns,

publicados após a morte de Harley no inicio dos anos 1990, que em conjunto com

Woodward e Lewis, essa nova história para a Cartografia foi contada. Essa pesquisa

considera que a representação do espaço sempre esteve presente na humanidade e

mapear seria tão quanto ou mais antigo do que a própria escrita, assim, muitos grupos

humanos produziram seus mapas e eles também contam a história da humanidade.

(WOODWARD; HARLEY, 1987)

Os estudos de David Turnbull ajudam a reafirmar a importância dessa retomada

de mapas na história da humanidade, pois, para (TURNBULL, 1993), o mapa é uma

metáfora, além do território que legitima a cultura que o criou, pois através deles pode-

se perceber a relação que aquele povo estabelece com a terra, tanto nos aspectos de

dominação política, como cultural e religiosa. O autor exemplifica tal afirmativa com

um elenco de mapas, de diversas perspectivas e momentos históricos.

Muitos outros estudos observam os mapas históricos de maneira crítica. Um

exemplo é (BLACK, 2005), também colocando os mapas como produto histórico

marcado por condições político-ideológicas, discutindo a relevância do mapa sobre a

representação do passado.

Pensando o Brasil, o geógrafo Rafael Sanzio dos Anjos, busca pensar sobre as

representações cartográficas para a história e a geografia da população negra no Brasil.

Ao discutir o racismo, o autor problematiza a ausência de mapas que subsidiem o

entendimento da presença do negro no Brasil, e para fazer o contraponto a tal fato,

constrói uma coleção de mapas engajados em contar esta nova história cartográfica

(ANJOS, 2000). Esta contribuição está preocupada em trazer novos conteúdos para os

mapas, provocação muito relevante a todos os Geógrafos.

Outra pesquisa que pode ser usada de exemplo está em Eduardo Girardi, na

construção do Atlas da Questão Agrária Brasileira. Elaborado sobre uma proposta

teórica metodológica intitulada Cartografia Geográfica Crítica, (GIRARDI, E., 2009)

está preocupado com a precária utilização dos mapas nas pesquisas em torno da questão

agrária, fragilizando e limitando os estudos em torno da Geografia Agrária.

Tanto os estudos de Rafael Sanzio, como aqueles de Eduardo Girardi, possuem

uma peculiaridade: para além do caro debate teórico e historiográfico, ambos vão para a

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prática, com a produção de mapas. Aspecto relevante para os estudos da Cartografia

Crítica, que nesta dissertação tem caráter central.

(CRAMPTON; KRYGIER, 2008) afirmam que o desenvolvimento da

Cartografia Crítica também acontece a partir do desenvolvimento de metodologias e

práticas de mapeamento, sobretudo, de iniciativas populares e de contestação.

Sistematização e análise destas iniciativas têm produzido contribuições importantes.

Um exemplo é a diversidade de técnicas organizadas em torno da metodologia

de mapeamento participativo. Ferramenta essa essencial para a construção de

mapeamentos coletivos engajados a contribuir com demandas sociais de grupos não

hegemônicos.

No capítulo “Contos de Caça. Versão dos leões” são apresentados exemplos

práticos de mapas críticos que reiteram e complementam essa discussão. Isso se verifica

tanto a partir de apropriações da linguagem cartográfica para promover contestação,

mas principalmente para o protagonismo da metodologia de mapeamento participativo

dentro da Cartografia Crítica.

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3. “Contos de Caça. Versão do Caçador.”

“A ilha desconhecida, repetiu o homem.

Disparate, já não há mais ilhas desconhecidas,

Quem foi que te disse, rei, que já não há mais ilhas desconhecidas

Estão todas nos mapas

Nos mapas só estão as ilhas conhecidas.”

José Saramago – O conto da ilha desconhecida

O segundo capítulo debate o compromisso histórico dos mapas como

instrumento político, analisando alguns exemplos de legitimação de poder a serviço dos

atores hegemônicos (caçadores), sobretudo com o pano de fundo construído em

conflitos territoriais.

Está na representação oferecida pela Cartografia (HARVEY, 1989) um dos

mecanismos de efetivação da invenção estados nacionais, ou, para (ANDERSON,

2008), o mapa será elemento importante para materialização de uma identidade espacial

daquilo que ele chama de comunidade política imaginada, as nações.

Esse raciocínio é fortalecido por Pierre Bourdieu, quando considera que os

mapas irão exercer o poder simbólico, o que para o autor também é uma forma de

violência, dada através de sistemas simbólicos que “cumprem a sua função política de

instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação”. (BOURDIEU, 1989,

p.11)

Tal condição de opressão pode ser resgatada em vários exemplos na história,

especialmente na reflexão em relação ao imperialismo Europeu sobre os povos dos

demais continentes. Esse contexto possui inúmeros exemplos da importância dos mapas

no plano simbólico e também nos resultados materiais de dominação das nações

imperialistas.

Os Estados, através de diversas instituições e órgãos governamentais, ainda

dominam a maior parte da infraestrutura para produção e o acesso à informação

espacial, porém tanto as iniciativas não hegemônicas (estudadas a seguir) quanto às

empresas são atores relevantes para pensar a produção de dados cartográficos.

Hoje parece não ser possível deixar de colocar a Google como importante figura

para pensarmos os mapas. De acordo com números da empresa, o serviço Google Maps

possui 1 bilhão de usuários ativos. Ou seja, provavelmente, uma das plataformas de

visualização para mapas mais utilizada na história. O poder dos mapas como as

verdades cartográficas hoje passam também pelos serviços de cartografia na internet, e

como já colocado, o maior deles é controlado por uma única empresa.

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Essa relevância política se faz presente quando as empresas que controlam esses

serviços fazem suas escolhas quanto a seu conteúdo, ou para os acordos estabelecidos

ou não estabelecidos com figuras governamentais. Esses pactos acontecem em diversas

escalas, dos países às cidades, como mostram os exemplos a seguir.

3.1. Representações hegemônicas para o mundo eurocêntrico

Durante séculos o mundo esteve sob a égide do chamado Colonialismo Europeu.

As nações europeias invadiram diversas regiões do mundo, dizimaram e saquearam

diversos povos nas Américas, Ásia, Oceania e África. A hegemonia europeia garantiu

uma maior publicidade dos mapas sob o ponto de vista do continente, e dessa forma os

mapas acabaram contribuindo para que os impérios europeus afirmassem seu poderio

ideológico e geopolítico.

Um exemplo (figura 3) muito usado para mostrar como a publicidade dos mapas

eurocêntricos fez reverberar este discurso é a consagrada projeção de Mercartor (1569),

construída para navegação, porém (MONMONIER; 1996) ressalta sua utilização em

excesso ou de maneira inadequada, para mapas de parede, atlas mundiais ou propaganda

geopolítica acabou construindo uma imagem ideológica.

Figura 3 Projeção de Mercator

Fonte: (SEEMANN, 2003)

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Figura 4 Projeção de Peters

Fonte: (SEEMANN, 2003)

Para (CRAMPTON; KRYGIER, 2008), a projeção de Mercator colaborou para

difundir um “retrato totalmente falso, particularmente em relação às terras povoadas por

não-brancos, sobrevalorizam o homem branco e distorcem a imagem do mundo em

favor dos colonizadores da época” (p.99).

Ao longo do tempo outras projeções ganharam espaço, como a de Peters de 1973

(Figura 4), muito usada como contraponto; como ativista, (CRAMPTON & KRYGIER,

2008) e (SEEMANN, 2003) seu autor buscou transmitir uma visão terceiro mundista,

pois para ele seria necessário fortalecer os países do chamado terceiro mundo,

reforçando a imagem do seu tamanho real, muito maior do que as áreas do chamado

primeiro mundo.

Para pensar o discurso imperialista e eurocêntrico, aspectos importantes também

são apresentados por (SAID, 2007), refletindo sobre a construção do Oriente para o

Ocidente como um ‘mundo’ subjugável.

Na cartografia de autoria dos europeus é possível perceber este julgamento

pejorativo para grandes partes dos outros continentes, uma vez que sob a justificativa do

desconhecimento, o mundo não europeu foi representado nos mapas como áreas vazias,

a serem dominadas ou colonizadas.

Um exemplo para pensarmos a significância dos mapas para o colonialismo é o

caso do continente africano. (WALDMAN, 2012, 2014) faz diversas contribuições

quanto a esta reflexão, pois os mapas feitos pelos europeus para representar a África

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denotavam desconhecimento e preconceitos em relação ao continente e acabavam por

legitimar a dominação do continente por parte dos europeus.

Figura 6 – Mapa da Africa de Guilherme Blaeu

Fonte: (WALDMAN, 2014)

Figura 5 – Mapa de Samuel A. Mitchell de 1877

Fonte: (WALDMAN, 2014)

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Um mapa muito conhecido é o de Guilherme Blaeu (figura 6) do ano de 1644,

em que o autor sinaliza o discurso em favor do colonialismo europeu expresso no mapa,

como na ausência de figuras humanas, na representação apenas de povos litorâneos e

dos povos que quanto mais ao sul são representados com menos adereços de poder.

Esses estereótipos ressaltam a proposta ocidental de também simbolicamente anexar o

continente africano.

Observando um mapa mais recente, (figura 7) de Samuel A. Mitchell de 1877,

(WALDMAN, 2014) observa como esses mapas serviram para o que ele intitula

‘fagocitose cartográfica’ da África. Lugares e suas identidades não aparecem nessa

cartografia e, além disso, a toponímia classifica lugares de maneira coloquial e também

raciais. Estes mapas figuraram nos atlas em muitas regiões do mundo na época.

Topônimo Origem Significado

Guiné Berbere Negro

Negroland - Nigrita

– Nigéria Inglês Terra dos Negros

Athiops - Etiópia Grego Rosto Queimado

Sudão Árabe Pais dos Negros

Barbaria Romana Bárbaros Tabela 1: Topônimos África Racializada

Fonte: (WALDMAN, 2014) adaptado Wellington Fernandes

Os topônimos que ‘povoavam’ os mapas do continente africano acabavam por

simplificar a história de ocupação. Sabe-se que muitos deles generalizavam a imensidão

das comunidades políticas que viviam no continente a algum topônimo relacionado à

cor da pele, ignorando a diversidade de povos que ocupavam essas regiões; alguns

termos são apresentados na tabela1 e no mapa da figura 7.

Outra característica dos topônimos propostos pelos europeus ao continente

africano estava sob o olhar do colonizador, uma vez que muitos pontos do continente

foram nomeados de acordo com sua vocação comercial que servia ao colonizador

europeu, como pode ser observado em exemplos na tabela 2.

Topônimo Região

Costa dos Grãos Golfo da Guiné

Costa dos Escravos Golfo da Guiné

Costa do Ouro Gana

Costa do Marfim Ainda Costa do Marfim Tabela 2: Topônimos Comerciais

Fonte: (WALDMAN, 2014) adaptado Wellington Fernandes

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Como em alguns exemplos apresentados na tabela 3, o Estado Colonial buscava

homenagear os seus heróis, que na verdade, para o povo africano, representavam os

vilões, e assim, muitos lugares receberam o nome do invasor ou de outras figuras

políticas europeias.

Topônimo Referencia Região - Hoje

Rodésia Cecil Rodhes – Britanico que dizimou a população da

África austral

Zimbábue

Pretória AndriesPretorius – Liderança no massacre do povo Zulu África do Sul

Leopoldville Rei Leopoldo II da Belgica Kinshasa – (Congo)

Salisbury Primeiro-ministro inglês Robert Arthur Talbot Gascoyne-

Cecil, o terceiro Marquês de Salisbury.

Harare (Zimbábue)

Tabela 3: Topônimos que homenageavam vilões

Fonte: (WALDMAN, 2014) adaptado por Wellington Fernandes

Cabe observar que os topônimos da segunda tabela aparecem, sobretudo, na

costa africana, pois a colonização europeia por séculos aconteceu apenas por ali, o

interior, invadido apenas com a diáspora africana, ganhou topônimos generalistas, ou

mesmo, racistas (WALDMAN, 2014). O fim do processo colonial trouxe a ressurreição

dos antigos topônimos, porém muitos outros ainda permanecem.

Figura 7 Mapa de Herman 1729

Fonte: WALDMAN (2014)

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A discussão de Mauricio Waldman é fortalecida pela discussão já apresentada no

capítulo anterior, sobretudo em (MONMONIER, 1996), ressaltando o caráter

estratégico da toponímia para aquele interessado em exprimir sua visão através de

determinado mapa.

Considerando o mapa como uma ferramenta de propaganda política Mark

Monmonier (p.111 – tradução nossa) afirma,

“A toponimia ser uma arma poderosa do propagandista cartográfico. Os nomes de

lugares não só fazem lugares anônimos elementos significativos da paisagem cultural, mas

também oferecem fortes sugestões sobre o caráter de uma região e seu perfil étnico. (...)

O propagandista habilidoso tem frequentemente alterado as impressões de usuários de

mapas para determinadas paisagens culturais multiétnicas, suprimindo a influência

toponímica de um grupo e inflando a de outro.”

Olhar criticamente as escolhas toponimicas do autor de um mapa é uma

poderosa maneira de observar os seus pontos de vista e intencionalidades. Estratégia

não vista apenas em mapas do passado, mas também atualmente, como mostra algumas

das situações discutidas nas daus seções a seguir.

3.2. Mapas, ainda a serviço da máquina estatal.

Como já comentado, os mapas tem papel de destaque no florescer do

nacionalismo, (BLACK, 2005) afirma o aumento da demanda por atlas históricos na

Europa do século XIX, sendo a “conscientização geográfica” vista como aspecto crucial

do nacionalismo. Muito além do século XIX, tal relação se mantém, assim, retomando

(LACOSTE, 1989),

O mapa, talvez a referência central da geografia, é, e tem sido,

fundamentalmente um instrumento de poder. Um mapa é uma abstração da

realidade concreta que foi desenhado e motivado por preocupações práticas

(políticas e militares); é um modo de representar o espaço que facilita sua

dominação e seu controle. Mapear... é servir aos interesses práticos da

máquina estatal

A atualidade da afirmação de Yves Lacoste pode ser exemplificada de diversas

maneiras, tanto reafirmando a falta de neutralidade dos mapas ou seu caráter estratégico

como instrumento de poder. A seguir são apresentados alguns exemplos dos mapas a

serviço da legitimação e controle de territórios nacionais.

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Um exemplo prático é quando se discute o livre acesso aos dados espaciais,

como também sobre sua propriedade. Há muitos países no mundo em que a sociedade

cível não pode manipular as informações cartográficas produzidas pelos governos.

Exemplo disso foi noticiado em 2012 (figura 8), quando o governo do Paquistão tentou

limitar a prática de mapeamento ao crivo de um organismo de pesquisa de seu exército.

Figura 8 - Reportagem Dawn.com

fonte: (HAIDER, 2012).

Evidentemente que a instabilidade do contexto político do Paquistão é diferente

de muitas nações no mundo, e, atualmente em muitos países, os militares quando não

possuem exclusividade quanto à produção de dados espaciais, tendem a manter um

departamento com esse propósito.

Figura 9 – Google Maps na Coréia do Norte

Fonte: (LEE, 2013)

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Alguns exemplos são o Instituto Geográfico Militar no Chile, o Instituto

Geográfico Militar em Portugal ou o Instituto Geográfico Militar Italiano. Do mesmo

modo ocorre no Brasil, onde mesmo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística) ainda existe o Departamento de Serviços Geográficos, instituição militar

criada em 1890 voltados à produção cartográfica.

Outro exemplo de Estado que limita acesso a seus dados cartográficos é a Coréia

do Norte. Assim, nem mesmo o Google Maps teve acesso às bases do governo norte

coreano para compor o mapa do país no serviço de mapas da empresa. Dessa forma, só

em 2013, utilizando de informações disponibilizadas por usuários, a empresa conseguiu

oferecer um detalhamento para aquele território, como foi divulgado em reportagem de

fevereiro daquele ano.

Outra questão é a infinidade de locais do mundo que até os dias de hoje,

possuem sua privacidade no Google Maps. Muitos desses lugares são espaços militares

estratégicos, como noticiado (figura 10) em março de 2008 pela BBC, os Estados

Unidos proibiram o acesso às imagens detalhadas de suas bases militares.

Esses exemplos justificam a relevância dos mapas para a legitimação e

manutenção da hegemonia dos Estados. Além disso, chamam atenção para o fato que

nos dias atuais as empresas relacionadas à cartografia também vão exercer um papel

político, por pressão ou por acordo, ou quem sabe, por escolha.

Um último exemplo para este debate resgata mais uma polêmica em torno do

conteúdo que a Google disponibiliza em seu serviço de mapas. Não há um acordo

Figura 10 – Bases militares e o Google Maps.

Fonte: (BBC, 2008)

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aparente ou uma exigência oficial de um Governo para como a empresa deve se

posicionar para a representação de um território nacional.

Um dos maiores embates no mundo contemporâneo para a legitimidade e

reconhecimento territorial de um Estado – Nação está na divergência histórica entre

israelenses e palestinos. Não ousando dar conta da complexidade do tema, mas

considerando que não há consenso internacional sobre a questão, representar ou não um

dos lados em um mapa é expressar um ponto de vista.

Por isso, a Google está sendo interrogada por ter deixado de representar os

territórios palestinos da Faixa de Gaza e da Cisjordânia no Google Maps. Na figura 12

os rótulos de países aparecem em negrito e em uma fonte destacada, enquanto Israel

aparece contemplado no mapa, os palestinos não.

Para facilitar o entendimento, observando outro software da mesma empresa, o

Google Earth, antes de passar pela atualização (figura 11). A Faixa de Gaza e a

Cisjordânia estão grafadas na mesma forma com que Israel ou Líbano aparecem.

Independente de em 2015, 136 dos 193 países membros da ONU terem reconhecido o

Estado Palestino.

A ausência de neutralidade e legitimação do status quo sinalizadas por

HARLEY (1989) na construção dos mapas, naquele contexto, estudando mapas

históricos, é colocada como atual em tal situação. Inclusive, diferente dos estudos de

Harley, a escolha da Google está construída em uma plataforma multimídia para o

mapa. Reforçando assim, que mesmo os mapas construídos através dos computadores

também estão sujeitos a carregar pontos de vista.

Figura 12 – Israel e Palestina no Google Maps

Fonte: Google Maps (acessado em agosto de 2016) Figura 11 – Israel e Palestina no Google Earth

Fonte: Google Earth (atualizado em maio de 2015)

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MONMONIER (1996), ao discutir a Generalização como estratégia para

impressão de uma ideia ou outra sobre um mapa, apontava que o computador oferece

possibilidade de um mapa ‘melhor’, “contudo, se o título do mapa ou descrição revela

preconceitos, pode ser uma pista importante para a integridade do cartógrafo ou editor”

(p. 125 – tradução nossa).

3.3. Mapas hegemônicos e as cidades

Pensando os mapas para as cidades, também existem discursos hegemônicos

para a representação dos espaços urbanos. O primeiro exemplo para justificar esta

afirmação, na verdade, é uma situação, e esta vem do contexto da intervenção que será

construída no último capítulo deste trabalho.

Nas escolas públicas da cidade de São Paulo há um serviço chamado TEG

(Transporte Escolar Gratuito), e quem tem direito a este serviço são crianças menores de

9 anos que moram a mais de 2 km da escola. Em uma determinada situação em uma

escola municipal do Rio Pequeno, surgiu uma questão: como provar que esta criança

mora a mais de 2 km se seu endereço não está no mapa?

Relembrando o exemplo da “fagocitose cartográfica” intitulada por

(WALDMAN, 2014) para falar dos mapas do continente europeus para o continente

africano, existem mapas que, ainda hoje, podem negar a ‘existência’ de parcelas da

população. O endereço da criança não estava no mapa, já que sua casa está localizada na

favela do Sapé, na vizinhança da escola.

Neste caso, a rua não mapeada levou a ausência de cidadania para a criança, mas

imaginando uma situação mais ampla, uma área não mapeada ‘não existe’. Para (FONT;

RUFI 1999) áreas como estas podem ser chamadas como as novas ‘terrae incognitae’.

Espaços que já não servem para serem explorados são ‘desmapeados’, bolsões de

pobreza e miséria, marginalizados, zonas inseguras, indesejáveis, desagradáveis e

facilmente rifáveis a serviço de interesses de grupos hegemônicos.

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Figura 13 – Jardim Alvorada X Morro da Fumaça

Fonte: Google Maps (acessado junho de 2016)

Figura 14 – Vila Butantã X São Remo

Fonte: Google Maps (acessado junho de 2016)

Figura 15 – Jardim Esmeralda X Sapé

Fonte: Google Maps (acessado junho de 2016)

Limites Jardim

Alvorada pelo

Google Maps

Morro da Fumaça

Jardim Alvorada

Sapé

Jardim Esmeralda

Limites da Vila

Butantã pelo Google

Maps

Limites Jardim

Esmeralda pelo

Google Maps

São Remo

Vila Butantã

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Um exercício simples ajuda a fundamentar essa discussão. Como já foi

comentado, o Google Maps é um dos principais acessos aos mapas em nossa sociedade.

Em uma pesquisa rápida por uma das favelas da região do Rio Pequeno (região que

recebe intervenção proposta nessa pesquisa), o programa retorna ao usuário como uma

busca sem resultados.

Porém, ao realizar a pesquisa oposta e buscar por algum bairro vizinho a essas

favelas, que resultado esperar? A seguir são apresentados três exemplos e em cada um

deles esses bairros “oficiais” têm seus limites representados dentro da favela. Assim, o

Morro da Fumaça é parte do Jardim Alvorada, a São Remo contemplada pela Vila

Butantã e o Sapé têm suas ruas dentro do Jardim Esmeralda.

Exemplo parecido foi noticiado sobre as favelas da cidade do Rio de Janeiro. Em

2013 foi documentado na cidade um acordo entre a Google e o Governo, com o objetivo

de fazer com que as favelas deixassem de aparecer no Google maps. Como podemos

perceber na figura 16 e do relato da reportagem do jornal Estado de São Paulo (figura

17) em abril daquele ano.

Figura 16 - Remoção virtual

Fonte: Comitê Popular Rio – Copa e Olimpíada.

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Figura 17 - Jornal Estado de São Paulo

Fonte: (STURM, 2013)

Nas situações descritas, a tentativa de tornar invisíveis essas comunidades é

nítida e tal prática se dá como uma violência simbólica, porém pode revelar outros

níveis de violência e conflito. A invisibilidade de determinadas comunidades pode

revelar interesses políticos e econômicos para aquela parcela do território.

Desaparecer com as favelas do Rio de Janeiro que precedia as olimpíadas com o

argumento relacionado à maneira com que visitantes pudessem observar a cidade

maravilhosa é um diagnóstico da primeira violência.

A segunda violência, no plano físico, se dá nos processos da chamada

pacificação que essas comunidades enfrentam, e, além disso, para outras, no embate

com o trator e a remoção das favelas no caminho do ‘progresso’ intensificado desde o

período pré – Copa do Mundo de 20143. Na imensidão da cidade, o invisível em seu

mapa, está passível de ganhar novos usos e destinos para ocupação.

3 Como denunciou o Comitê Popular Copa e Olimpíadas do Rio

Figura 18 – Vila Santa Isabel

Fonte: Movimento Vila Santa Isabel

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Outro exemplo vem dos movimentos de defesa da Vila Santa Isabel na Zona

Leste de São Paulo. O pequeno grupo de moradores organizados tem tentado resgatar a

memória do bairro para resistir aos processos de transformação na região nas últimas

décadas. O grupo chama atenção para o processo de verticalização e elitização do

bairro, que também pode ser visto pelos mapas. A toponímia, mais uma vez, é usada

como exemplo: aquela que era a Vila Santa Isabel no primeiro mapa, desaparece no

último mapa (figura 18).

Muitas vezes, como resposta a essa invisibilidade, comunidades por diversas

vezes passam a propor seu automapeamento, através de metodologias que permitam que

outros mapas possam ser construídos. Adiante neste texto essas iniciativas serão

tratadas mais pontualmente.

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4. “Contos de Caça. Versão dos Leões”

“Uma crítica não é um projeto de encontrar falhas, mas um exame

dos pressupostos de um campo do conhecimento. Seu propósito é entender e

sugerir alternativas para as categorias de conhecimento que usamos.”

Jeremy Crampton e John Krygier

Este capítulo apresenta exemplos de alternativas para a produção de discursos

cartográficos não hegemônicos, relacionados a partir da perspectiva que mobiliza a

proposta de produção do mapa exemplificado. Na sequência, considerando o Brasil

como palco, segue o debate retomando exemplos de propostas que considerando uma

cartografia a serviço da contestação ao status quo, utilizam da metodologia de

mapeamento participativo como estratégia.

4.1. Cartografia marginal – Mapas da contestação.

Como os espaços marginalizados ou ‘esquecidos’ podem ser cartografados?

Questionar o status quo e representar aqueles que não se sintam contemplados pelos

mapas do Estado, dos atores econômicos ou mesmo da Universidade está no bojo de

uma Cartografia pensada de maneira crítica.

No primeiro capítulo foram apresentados os pressupostos teóricos para

perspectiva da teoria crítica dos mapas, e (CRAMPTON; KRYGIER, 2008) afirmam

que além destas contribuições no plano teórico, iniciativas de práticas de mapeamento,

muitas vezes fora do ambiente acadêmico, também contribuíram para o debate em

relação aos paradigmas da ciência cartográfica ao longo das últimas décadas.

Are

na

Propósitos Exemplos

Autores Nosso

Map

as e

as

Art

es

Crítico aos parâmetros euclidianos para

representar o espaço e ao papel políticos dos

mapas. As artes utilizaram dos mapas a partir de

experimentos com um território particular para

construir diferentes representações para a

organização do espaço.

Mapa

Surrealista do

Mundo.

Mapa de

Joaquin Torres-

Gárcia;

Chargistas.

Map

as d

o

Coti

dia

no

Mapear com criatividade o papel do espaço na

vida das pessoas. Considerando as

individualidades e as identidades locais em

oposição às perspectivas globais e generalistas.

Mapeamento

Psico -

geográfico

Mapa Falado.

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51

Hac

kea

nd

o o

s

map

as

Explorar aplicações de mapeamento livre ou

combinações da funcionalidade de sites,

utilizando de plataformas de código aberto ou de

acesso gratuito aos dados para promover

resultados não hegemônicos.

Iniciativas a

partir do

Google Earth.

Plataforma

Open Street

Maps;

Web Map

Services.

Map

as c

om

o

Res

istê

nci

a Mapas alternativos, representando

espacialidades ignoradas pelas agências oficiais

do Estado

Mapeando

territórios

tradicionais.

Mapeamento

de Favelas.

Tabela 4- Perspectivas de Mapeamento

Fonte:( CRAMPTON & KRYGIER, 2008) organizado e adaptado por Wellington Fernandes

As situações descritas a seguir têm em comum o caráter ou poder de

contestação, porém em planos e resultados diferentes. Considerando a sistematização da

tabela, serão elencados exemplos para cada uma das perspectivas nas quais a prática

cartográfica aparece de maneira crítica.

Mapas e as Artes

Os mapas muitas vezes são catalisadores ou meios para produção de arte e

acabam por colaborar na transmissão das provocações de seus autores. (WOOD, 2006)

apresenta contribuição interessante para observar a pluralidade dos mapas nas artes,

trazendo mais de 200 exemplos de artistas que em suas obras utilizam elementos da

cartografia ou tem a espacialidade como protagonista. O famoso mapa surrealista do

Figura 19 - Mapa Surrealista do Mundo

Fonte : (SEEMANN, 2012)

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52

mundo (figura 19) faz coro à crítica ao

racionalismo e a ditadura da lógica

proposta pelo movimento artístico e é um

dos exemplos mais utilizados para reflexão

sobre a apropriação de cartografia pelas

artes.

Em outro contexto, Joaquin Torres-

Gárcia, utiliza do mapa (figura 20) da

América do Sul para fazer provocação à

classe de artistas sul-americanos,

lembrando que a América do Sul teria seu

próprio estilo de arte e não precisaria seguir os

modismos da vanguarda parisiense

(SEEMANN, 2012). O ‘Mapa Invertido da

América do Sul’ hoje ganhou novas

conotações e é muito utilizado para afirmar o

orgulho sul-americano.

De maneira simples, esta pesquisa

gostaria de sugerir as charges como exemplo

atual para como artistas têm incorporado os

mapas de maneira crítica em suas produções.

Citando dois chargistas de destaque no Brasil

atualmente: Carlos Lattuf e Vitor Teixeira.

Ambos costumam abordar questões políticas

que estão em debate e utilizam os mapas como

instrumento para amplificar o recado que

desejam transmitir, fazendo com muita

liberdade e criatividade, correlações territoriais

e de identidade com os próprios traços das

representações cartográficas formais.

Figura 20 - Mapa Invertido da América do Sul

Fonte: (SEEMANN, 2012)

Figura 21 - Mercedes Sosa

Autor: Latuff

Figura 22 – Sem África, não haveria Brasil

Autor: Vitor Teixeira

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Um exemplo está na figura 22, charge de Lattuf em uma homenagem à cantora

Mercedes Sosa, em que através do mapa, o autor correlaciona a arte e a militância da

cantora como aglutinador de identidade latino-americana. Outra charge, neste caso de

Vitor Teixeira, com o título autoexplicativo “sem África, não haveria Brasil”, a charge

(figura 21) trás um experimento representando o território brasileiro e africano dentro de

uma composição.

Mapas do Cotidiano

Mapear o cotidiano possibilita narrativas pessoais sobre o espaço, e para isso

ignoram o paradigma euclidiano de representação, assim como os referenciais de

localização, preferindo privilegiar a percepção e a subjetividade a partir de

representações mais criativas e abertas para experiências individuais na relação com o

espaço geográfico.

Essa perspectiva se aproxima muito do item anterior. Para mapear o cotidiano, a

arte é constantemente uma das estratégias adotadas, inclusive por essas iniciativas

estarem atentas muito mais à experiência individual e suas impressões para o espaço do

que para representações generalistas preocupadas com o euclidianismo.

Nos anos de 1960, o movimento situacionista faz duras críticas ao vazio dessas

generalizações como regra ao espetáculo midiático, que havia se tornado a sociedade

moderna, o que Guy Debord intitulou “sociedade do espetáculo”.

Sob essa influência, com a expectativa de fazer frente a uma sociedade em que a

“supressão da personalidade acompanha fatalmente as condições da existência

submetida às normas espetaculares” (DEBORD, 1997, p.191) e de romper a passividade

inerente a um mundo de espectadores, surgem os mapas psico – geográficos.

Os mapas da psico - geografia apresentam uma “geografia afetiva, subjetiva, que

buscava cartografar as diferentes ambiências psíquicas provocadas basicamente pelas

deambulações urbanas que eram as derivas situacionistas” (JACQUES, 2003, p. 23).

Dessa forma, contribuem para que a livre representação da experiência do indivíduo

pela cidade faça frente às generalizações midiáticas e a passividade do espectador.

Na figura 23, um mapa psico – geográfico de Paris do próprio Debord,

representando a cidade a partir do recorte de seu mapa usual, e construindo uma

organização espacial dessas parcelas (posição e distância), assim como suas conexões

(setas vermelhas) a partir da experiência dos indivíduos.

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Figura 23 – Mapa Psicogeográfico de Paris

Fonte: http://imaginarymuseum.org/LPG/Mapsitu1.htm

As técnicas propostas dentro da metodologia de Mapeamento Participativo

podem ser consideradas exemplos contemporâneos para os mapas a partir do cotidiano.

Sendo a técnica do mapa falado, muito similar aos mapas situacionistas (figura 24).

Figura 24 – Mapa Falado

Fonte: FIDA (2009)

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55

Esta técnica considera materiais simples e propõe a construção de mapas com os

que estiverem disponíveis na situação. Seus mapas costumam ser desenhos ou a

disposição de objetos no solo, sendo que todas as representações podem mudar ao longo

da conversa. Não preocupados com exatidão para na representação, costumam estar

atentos em discutir o território de determinado grupo, e representá-lo a partir de suas

impressões cotidianas.

Hackeamento dos Mapas

Mais recente, o Hackeamento dos Mapas tem como entrada a crítica às

limitações e a promoção de acesso a dados espaciais. Os servidores de mapas de acesso

gratuito, como também, aquele de plataforma open source (dados abertos) têm

transformado o acesso aos dados espaciais.

Um exemplo é a plataforma Open Street Map, recurso construído com dados

abertos, no qual qualquer um tem liberdade para utilizá-los desde que credite a autoria.

O servidor aparece hoje como uma alternativa à multinacional Google e sua plataforma

de mapas, que apesar de gratuita, não é open source.

É importante citar que mesmo as informações da Google (Maps e Earth) são

passíveis ao hackeamento, tanto com relação aos dados lá disponíveis poderem ser

utilizados para fins que não colaboram com a empresa, como também no sentido mais

popular do hackear, onde há uma infinidade de usuários capazes de quebrar os

algoritmos da empresa e assim tornar livre o acesso a dados privados da multinacional.

Outro recurso tecnológico que cabe nessa perspectiva é a tecnologia dos Web

Map Services (WMS), na qual é possível compartilhar uma informação cartográfica sem

dar acesso aos arquivos que compõem a informação, ou seja, permitindo a visualização

do dado sem comprometer sua autoria ou mesmo sua integralidade, garantindo que a

informação visualizada esteja sempre atualizada.

Tal recurso, atrelado ao avanço das discussões em torno das infraestruturas de

dados espaciais (IDE), fortalece a argumentação relativa ao acesso a arquivos públicos

de dados geográficos. Os Estados, como já discutido, restringem o acesso a esse tipo de

informação, porém algumas vezes esse acesso não é permitido pela falta de

padronização (metadados), pelo valor autoral ou pela impossibilidade de garantir a

autenticidade (integralidade) do dado.

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Mapas como resistência

Historicamente, grupos sociais marginalizados

estiveram mobilizados para lutar pelo acesso à terra e nas

últimas décadas o mapa passou a ser um instrumento dessas

lutas. Os mapas como resistência estão na busca por romper o

silêncio dos mapas hegemônicos para as territorialidades

desses grupos.

Explorado na próxima seção, o maior exemplo dessa

perspectiva está nas iniciativas para mapear comunidades

tradicionais, sobretudo a partir da metodologia de

mapeamento participativo, porém, outro exemplo são as

favelas, que como já discutido, têm sua existência negada e

não aparecem nos mapas das cidades.

Uma situação com grande repercussão aconteceu na Índia, onde após perceber a

ausência das ruas de sua comunidade no Google maps, crianças iniciaram um processo

de automapear sua comunidade, a iniciativa ganhou a mídia e acabou sendo patrocinada

pela própria empresa.

Ganhando projeção mundial e patrocínios, o projeto se tornou um documentário,

“The Revolutionary Optimists”, como também uma plataforma que disponibiliza

material e ferramentas para criação de novos mapas, o portal “Map your World”. Da

mesma forma, diversas experiências têm tentado propor a inclusão da territorialidade

das favelas nos mapas oficiais e comerciais pelo mundo.

Na tentativa de tornar visíveis as favelas cariocas no Rio de Janeiro, projetos

diversos também propõem que as comunidades sejam mapeadas por jovens. Em 2012,

no Rio de Janeiro, o

Complexo da Maré, com

uma iniciativa do

Observatório de Favelas

do Rio, produziu o

primeiro Guia de Ruas de

Favela (figura 25) da

cidade e tem como

Figura 25 – Guia de ruas da Maré

Figura 26 – Projeto “Tá no mapa”

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objetivo ser instrumento do projeto Censo Maré, o qual busca construir indicadores que

possam referendar políticas públicas que possam atingir a população da Maré.

Outro projeto (STEFANEL, 2014) com repercussão nas mídias foi o WikiMapa,

que buscou mapear 11 comunidades, sendo uma no Capão Redondo em São Paulo e

outras dez no Rio de Janeiro. O projeto também virou um documentário, “Todo o mapa

tem um discurso”, lançado no ano de 2014. Infelizmente, o projeto encontra-se

paralisado neste momento, a plataforma está fora do ar e seus promotores não têm

respondido a contatos.

Outra iniciativa é o “Tá no Mapa” (figura 26), da instituição Afroreggae, que em

2013 nos bairros de Parada de Lucas e Vigário Geral propuseram mapear ruas, pontos

de referência, estabelecimentos públicos e comerciais para disponibilizar em mapa

colaborativo na internet. Como noticiado, o trabalho irá se estender para outras

comunidades da cidade.

Também em parceria com a Google, em outras cinco etapas o projeto chegou a

25 favelas da capital carioca em agosto de 2016. Utilizando ferramentas da empresa, as

informações são enviadas, via celular, para uma base de dados e posteriormente

validadas pela multinacional. Após isso, a informação entra no mapa da plataforma

Google Maps.

Enfim, cada um dos cenários discutidos traz contribuições para a proposição

prática de uma Cartografia Crítica, pelo menos no sentido de conteúdos historicamente

negados. O ponto de partida desses mapas é a contestação, ou seja, nessas situações os

leões e sua existência marginalizada finalmente vão estar no mapa.

O que é uma contribuição muito significativa, afinal, como declarar residência e

requerer cidadania sem uma rua para usar como endereço? De que forma receber uma

entrega no portão de sua casa, ou que seja em um ponto mais próximo? Como fazer seu

negócio familiar acessar clientes que não moram dentro da favela?

Seria hipocrisia negar essa relevância, porém, da mesma forma é hipócrita não

afirmar que existem ressalvas à intencionalidade destes mapeamentos, afinal, a mesma

empresa que propôs um acordo com o governo para retirar o termo favela do mapa, fez

uma parceria com ONGs para mapear ruas e referenciais das favelas. Nesse caso, é

nítido o interesse em envolver as favelas em outros ciclos da economia urbana, se há

benesses ou malefícios? Não cabe a este estudo responder.

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Apesar disso, esses mapas são alternativos para quando a favela não está

representada no mapa oficial. O que retoma (CRAMPTON; KRYGIER, 2008) ao citar o

mapeamento de territórios tradicionais.

A próxima seção dará continuidade à expectativa de apresentar exemplos de

mapas como resistência citando situações de mapeamento de territórios tradicionais.

Porém tais exemplos são apresentados considerando sua apropriação da metodologia de

mapeamento participativo.

Para isso, é considerada a discussão sobre os Contos de Caça no início desse

texto, em que embates pelo território são inflamados com a emergência de povos que

tiveram sua territorialidade historicamente marginalizada em países como o Brasil.

Assim, antes dos exemplos, é apresentado um panorama da presença dessa metodologia

no Brasil.

4.2. Metodologia de Mapeamentos Participativos

Produzir mapas de maneira participativa consiste em uma metodologia, a partir

da qual foi desenvolvida uma infinidade de técnicas com o objetivo de serem coerentes

aos seus pressupostos, ou seja, construir mapas de maneira coletiva e que possam

representar seus próprios autores.

O surgimento da metodologia de mapeamento participativo está relacionado a

tentativas organizadas de amplificar a voz das reivindicações de comunidades

tradicionais ao redor do mundo, sobretudo em meio a embates sobre a legitimidade do

território destas comunidades.

Na busca por expressar territorialidades negadas, mobilizações em torno desses

povos organizaram uma metodologia que poderia produzir mapas que incluíssem as

referências desses povos, ou como aponta (ACSELRAD, 2012, p.14), que permita a

inclusão “de dados da cultura, história, tecnologia e informar e redefinir ideias sobre o

território e sua relação entre os agrupamentos humanos”, ou seja, mapas que possam

trazer novas representações do mundo.

Para entender esses embates é necessário retomar a reflexão de (PORTO-

GONÇALVES, 2013), garantindo que esses mapas expressem as territorialidades

emergentes e assim questionar a legitimidade de territórios impostos pela herança

colonial em países outrora colonizados.

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Na verdade, para além dos mapas, buscando dar vazão a demandas silenciadas

por atores hegemônicos, surgem metodologias de pesquisa participativa, (BORDA,

1981), fazendo contraponto ao monopólio ocidental para a definição de ciência.

Abordagens com este propósito estarão alinhadas à produção de conhecimento contra-

hegemônico e do chamado conhecimento popular.

Assim, de acordo com (CHAPIN; LAMB; THRELKELD, 2005) e (CHAPIN,

2006), essa metodologia aparece no Canadá e no Alaska entre as décadas de 1960 e

1970, sendo difundida no resto do mundo entre os anos de 1980 e 1990. No primeiro

caso, à época, a população originária e remanescente, os Inuit, enfrentava pressão de

grandes obras de infraestrutura propostas pelo governo. Nesse conflito foram propostos

instrumentos que facilitassem a negociação, inclusive, em relação à permanência do

povo nessas áreas.

Nesse contexto, muitos estudos foram elaborados no Alaska e no Norte do

Canadá, sobretudo para levantar a biografia dessas comunidades, suas estratégias de

manejo e planejamento territorial. O primeiro trabalho apresentando de maneira

sistemática foi intitulado Inuit Land Use and Occupancy Project (Projeto de Uso e

Ocupação de Terras Inuit) ainda no início dos anos 1970, ao mapear atividades de

subsistência praticadas pelos povos Inuit.

Outra iniciativa aparece com a Hugh Brodye a Union of BC Indian Chiefs

(União de Chefes Indígenas da Columbia Britânica - CB) no Canadá, culminando na

publicação do livro Mapas e Sonhos. A partir deste contexto e, sobretudo, como

instrumentos para diálogo, teriam surgido as primeiras propostas sistemáticas para uma

metodologia de mapeamento participativo.

De acordo com (CHAPIN; LAMB; THRELKELD, 2005), sem influência do que

já foi desenvolvido no Canadá e no Alaska, na Ásia, América Latina e África, a

metodologia é difundida apenas a partir dos anos de 1980 e 1990, tendo como elemento

comum a perspectiva de atender reivindicações de direitos fundiários e demandas de

garantia de acesso ao território por povos tradicionais dessas regiões.

Apesar disso, (FERNANDES, 2013, 2014) questiona a precisão dessas datas

para afirmar que práticas de mapeamento participativo só teriam surgido na década de

1990 fora do Alaska e do Canadá. Afinal, como exemplo, no Brasil, a primeira terra

indígena foi homologada na década de 1960, o Parque Indígena do Xingu.

É possível afirmar que já seria possível encontrar tentativas de utilização de um

mapeamento, que com muitas ressalvas, deve ter utilizado abordagens participativas.

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60

Afinal, a determinação de um território indígena comprometida com determinado povo,

será possível através de informação dos próprios indígenas, e este empenho era

esperado dos indigenistas envolvidos com este processo, os famosos irmãos Vilas Boas.

Evidentemente que ao longo desse processo histórico, foi desenvolvida uma

infinidade de técnicas e pressupostos para que a aplicação dessa metodologia se faça

coerente. Há, a seguir, alguns desses pressupostos dentro do que é esperado para uma

pesquisa participativa, como também uma relação de técnicas para promoção de um

mapa participativo.

(BORDA, 1981) apresenta alguns princípios metodológicos que podem orientar

uma pesquisa participativa; apresentados na tabela 5.

Proposta Participativa- Princípios metodológicos

Princípio Entendimento

1. Autenticidade e

compromisso;

O pesquisador não precisa se disfarçar de ‘homem

comum’ (pesquisado)

2. Antidogmatismo; O dogma é inimigo do método científico, pré

definições impedirão que esta pesquisa ouça.

3. Restituição sistemática; Compreender os valores alienantes do público

envolvido e seus preceitos ‘próprios’

4. Feedback para os

intelectuais orgânicos; Retorno das bases para os ‘intelectuais’ envolvidos

5. Ritmo e equilíbrio e ação-

reflexão;

Sincronia entre a reflexão teórica e ação em campo,

a partir do movimento espiral do conhecimento.

6. Ciência modesta e

técnicas dialogais.

Romper a hierarquia entre o pesquisador e o

pesquisado

Tabela 5 – Proposta Participativa

Fonte: (BORDA, 1981) organizada por (FERNANDES, 2013)

Esses são apontamentos acerca de uma proposição participativa na realização de

uma pesquisa. Se de fato todo o mapa com a intenção de ser elaborado de forma

participativa consegue estar atento a tantas sinalizações, isso pode depender da

intencionalidade da atividade, técnica e até mesmo perfil de quem propõe e de quem a

recebe.

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61

Considerando esses pressupostos, a metodologia de mapeamento participativo é

muito diversa e aberta a uma grande quantidade de técnicas, que inclusive em muitos

casos deve considerar técnicas não convencionais para mapear, buscando relatar como

determinado grupo pode representar seu espaço, ou seja, realiza a sua cartografia.

O mapeamento participativo pode variar muito de acordo com a proposta e

aquilo que é possibilitado em campo. Os resultados esperados devem ser adequados aos

instrumentos disponíveis, buscando estar alinhados aos objetivos da intervenção.

Assim como elencado para o Brasil, há muitas organizações que promovem essa

metodologia pelo mundo. O Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA),

Organização das Nações Unidas (ONU) que busca desenvolver e financiar projetos

junto a comunidades rurais em países pobres para erradicação da miséria.

Essas intervenções costumam utilizar técnicas de mapeamento participativo e

foram apresentadas na publicação Boas Práticas em Cartografia Participativa no ano

2009, publicado em inglês e espanhol, que além de contextualizar as comunidades e

discutir a metodologia de mapeamento participativo, apresenta uma sistematização

paras as técnicas utilizadas em suas intervenções.

A preocupação foi elaborar uma visão sistemática (tabela 6) e avançar na

compreensão sobre essa metodologia, propondo uma sistematização para os tipos de

técnicas utilizadas pela FIDA para a metodologia de mapeamento participativo junto a

comunidades rurais pelo mundo.

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62

Instrumentos para mapeamento Participativo a partir da experiência da FIDA

Técnica Descrição Público / aplicação Aspectos positivos Aspectos Negativos Recursos

Des

enho n

o

solo

A memória

cartográfica é

representada no

solo

Adequado para o início de

atividades

Favorece participação de

pessoas não letradas;

Baixo custo;

Resultado tangível e em curto

prazo de tempo;

Interativo.

Não é possível replicar (mas é

possível registrar);

Frágil e efêmero;

Inexato.

Materias

disponíveis no

local e na

natureza

Cro

quis

Mapeamento em

folha de papel

construído a partir

da memória

Gestão de recursos e do

território.

Favorece participação de

iletrados;

Baixo custo;

Resultado tangível e em curto

prazo;

Interativo.

Inexato;

Não aplicável a debates com

instituições de governo.

Folhas e matérias

de desenho;

Variável de

acordo com o

público.

Rep

rese

nta

ção

par

cial

da

com

unid

ade

Desenho

representando

referencias

espaciais da área

Gestão de recursos e do

território;

Combinação com mapas

bidimensionais.

Baixo custo;

Resultado tangível e em curto

prazo;

Interativo;

Fácil de ser entendido e

relacionado com o cotidiano.

Informação não

georreferenciada;

Não aplicável quando a

necessidade é obter medidas;

Inexato.

Folhas e matérias

de desenho;

Percorrer a

região.

Map

a pla

no

Inserção de

informação em

mapa

(georreferenciado

e com escala)

Adequado a situações que

tenham demanda por

protocolo cartográfico;

Incorpora o SIG e o GPS;

Maior precisão na informação;

Baixo custo;

Resultado tangível e em curto

prazo de tempo;

Trabalha com distâncias e

áreas.

Dificuldades de acesso à

informação cartográfica

(sobretudo em países pobres);

Inexatidão do dado inserido;

Formação para compreender o

mapa e seus componentes.

Mapas prontos;

Material de

pintura e escrita.

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63

Técnica Descrição Público / aplicação Aspectos positivos Aspectos Negativos Recursos

Map

a pla

no –

obte

nçã

o d

e

info

rmaç

ão

espac

ial

pre

cisa

Produção de

informação

espacial a partir

dos protocolos

cartográficos

Adequado a situações que

tenham demanda por

protocolo cartográfico;

Incorpora o SIG e o GPS;

Informação pode ser

comprovada em campo.

Precisão;

Trabalho com distâncias e

áreas.

Requer equipe capacitada;

Pode conter erros;

Dedicação em longo prazo;

Mais difícil de captar

informação.

GPS e Bússolas.

Model

os

trid

imen

sionai

s

Utilização de

informação

topográfica para

mapa em três

dimensões.

Gestão de recursos e do

território;

Torna-se símbolo da

comunidade;

Fortalece o trabalho em

equipe dentro da

comunidade.

Utilização múltipla;

Não depende da tecnologia;

Eficaz para representar áreas

extensas;

Relacionável com SIG.

Dificuldades de acesso à

informação cartográfica

(sobretudo em países pobres);

Muito trabalhoso;

Difícil locomoção.

Mapa

topográfico;

Material de

desenho, pintura

e trabalhos

manuais;

Fotografar o

resultado.

Car

togra

fia

e G

PS

Com a

popularização do

GPS ele está cada

vez mais presente

nessa metodologia

de mapeamento

Obtenção de coordenadas

de pontos de referência;

Informação reconhecida

por órgãos oficiais;

Precisão (considerando o erro

do GPS);

Manuseio fácil após rápida

capacitação;

Cada vez mais acessível;

Menos exigente do que

ferramentas como o SIG.

Caro para a realidade de muitas

comunidades;

Capacitação preliminar;

Baterias e seu custo;

Acesso pode ser monopolizado

nas comunidades (sobretudo

homens);

Problema de recepção em áreas

arborizadas (ou com muita

nebulosidade)

Receptor GPS;

Mapas de escala

adequada a plotar

os pontos

obtidos;

Livro para

registro dos

pontos.

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64

Técnica Descrição Público / aplicação Aspectos positivos Aspectos Negativos Recursos

Uti

liza

ção d

e im

agen

s

área

s e

rad

ar Sobrepondo essa

imagem se pode

obter dados de

ocupação do solo

e ainda

georreferenciar.

Obtenção de coordenadas

de pontos de referência;

Informação reconhecida

por órgãos oficiais;

Sobreposição com dados

obtidos via GPS;

Com imagens de anos

distintos se pode

comparar as mudanças de

ocupação e uso do solo.

Possibilita levantamento

cartográfico em áreas grandes e

de difícil acesso;

Permite um panorama da

ocupação das terras avaliadas;

O acesso está cada vez mais

fácil;

Costumar despertar muito

interesse da comunidade.

Ainda pode ser muito caro;

Acesso pode ser controlado

pelo Estado em alguns países;

Requer interpretação;

Nem sempre é bem

compreendida pela

comunidade.

Fotografais

aéreas e imagens

de radar;

Folhas

transparentes

para

sobreposição;

Material para

desenho e escrita.

Car

togra

fia

mult

imíd

ia

Mapas baseados

nas tecnologias de

informática,

alimentados

diretamente no

software.

Ajuda na documentação

de informações espaciais

e assim contribuir no

debate sobre o território;

Pode servir de maneira de

comunicação com agentes

externos.

Excelente para comunicação

externa com maior impacto;

Fácil manipulação, quando

comparado ao SIG;

Custoso para muitas

comunidades;

Capacitação necessária para

equipamento e informação

cartográfica oficiais;

Dedicação em longo prazo;

A tecnologia pode tomar espaço

da proposta participativa;

Acesso à internet e luz elétrica

pode ser impossível em muitas

comunidades.

Computadores;

Equipamento de

vídeos;

Imagem digital

do mapa.

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65

Técnica Descrição Público / aplicação Aspectos positivos Aspectos Negativos Recursos

SIG

Par

tici

pat

ivo

Sistema

informatizado que

capta, armazena e

apresentam

informação

espacial

georreferenciada.

Armazena, recupera,

analisa e apresenta

informação espacial;

Colabora na tomada de

decisões.

Informação georreferenciada;

Recursos avançados que

permitem análises

quantitativas;

Mapas e dados produzidos

sólidos e confiáveis.

Capacitação exigente;

Atualização constante;

Custoso para muitas

comunidades;

Dedicação em longo prazo;

Falso sentimento de

legitimidade, devido à coleta

errônea dos dados;

A tecnologia pode tomar espaço

da proposta participativa.

Computadores,

softwares e

conjunto de

dados SIG;

Acesso à

eletricidade pode

ser obstáculo em

muitas

comunidades.

Car

togra

fia

e In

tern

et Recentemente nos

países

desenvolvidos a

utilização de

aplicações web

tem aparecido

como proposta

para mapeamento

participativo.

Muito eficiente para

visualização e transmissão

da informação;

Integrável com o SIG;

Traça, identifica, define e

edita atributo sobre os

lugares;

Proporciona extensa base

de lugares aos usuários.

Atualmente essas plataformas

são gratuitas;

Em relação ao SIG são de

compreensão mais fácil;

Capta múltiplas perspectivas

de uma paisagem;

Fácil atualização da

informação.

Para muitas comunidades pode

ser muito custoso;

Requer acesso rápido a internet;

Converte conhecimentos locais

em públicos;

Requer capacitação;

A tecnologia pode tomar espaço

da proposta participativa;

Acesso à eletricidade pode não

existir em algumas

comunidades.

Câmeras digitais;

Computadores;

Acesso à internet

em alta

velocidade.

Tabela 6

Fonte: (FIDA, 2009) organizado por (FERNANDES, 2013) atualizado neste trabalho.

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66

A diversidade de abordagens descritas por (FIDA, 2009) na tabela acima ressalta

diversas questões, assim, desde entender o contexto de aplicação, a proposta e função do

mapeamento e as necessidades que determinado resultado pode requerer, terão de ser

considerados na escolha da metodologia de intervenção.

Pensando a partir da tabela, é possível de perceber o quanto a escolha da

metodologia pode ser importante para obtenção e coerência nos resultados. Fica

demonstrado que todas as possibilidades podem ser válidas a partir do momento que

consideram o contexto e a proposta do trabalho.

A sistematização dessas experiências é produto importante para que a sociedade

se aproprie e replique as técnicas elaboradas quando a metodologia é aplicada. Esta é

uma das expectativas para o próximo capítulo, que considerando a bibliografia já

disponível, sistematiza a aplicação de algumas oficinas de mapeamento.

4.3. Experiências de mapeamento participativo no Brasil

Como já foi discutido pelo autor em (FERNANDES, 2013, 2014), o Brasil é

palco importante para o desenvolvimento da metodologia de Mapeamento Participativo

aplicada à contestação e protesto para demandas sociais. Há um grande número de

experiências com mapeamento participativo, tanto pela diversidade de povos

tradicionais aqui presentes quanto pelos conflitos territoriais existentes no país.

Esse contexto permite observar um cenário de embates entre verdades

cartográficas. Uma justificativa possível está nos movimentos sociais terem se

apropriado dos mapas como instrumentos de luta para contestação ou mesmo declaração

de territorialidades em disputa.

Um referencial importante na pesquisa em torno dos mapas participativos para

protesto no Brasil são as pesquisas do professor Henri Acserald, no Laboratório Estado,

Trabalho, Território e Natureza (ETTERN) na Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ).

(ACSERALD; COLI, 2008) chama atenção para a importância do Brasil como

palco de utilização dessa proposta de mapeamento para a resolução de demandas da

sociedade. Essas intervenções teriam aparecido a partir da década de 1990 e maior

destaque anos 2000, como mostra o gráfico 1.

De acordo com o mesmo autor, no Brasil, até 2008, foram 118 intervenções

denominadas mapeamento participativo. Esse dado veio a partir de levantamento

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produzido durante o projeto Experiências em Cartografia Social, que acabou resultando

também em (ACSERALD; COLI, 2008).

Experiências de mapeamento participativo

Segundo tipos auto - classificados por seus promotores

Tipos Nº. de

casos %

Delimitação de territórios/territorialidades identitários 56 47,6

Discutir desenvolvimento local 15 12,75

Subsídio a planos de manejo em unidades de conservação 11 9,35

Etnozoneamento em terras indígenas 9 7,65

Educação ambiental 7 5,95

Planos Diretores Urbanos 6 5,1

Subsídio a planos de manejo fora de Unidade de Conservação 6 5,1

Identificação e demarcação de terras indígenas 3 2,55

Zoneamento em geral (não étnicos) ZEE, macrozoneamento etc. 2 1,7

Mapeamento por auto-declaração individual 1 0,85

Identificação espacializada de indicadores e equipamentos sociais 1 0,85

Gerenciamento de bacias hidrográficas 1 0,85

TOTAL 118 100

Tabela 7

Fonte: (ACSERALD; COLI, 2008)

Gráfico 1 Fonte: (ACSERALD; COLI, 2008)

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A diversidade de maneiras e situações que essa metodologia aparece no Brasil

(tabela 7) é referencial importante para entender o cenário do mapeamento participativo

no país. Além disso, a espacialização destas ocorrências no mapa a seguir permite

observar a preponderância de algumas regiões do Brasil como palco para a aplicação

dessa metodologia. Cabe citar que a concentração na região Norte provavelmente tem

relação com as ações do PNCSA, como da enorme presença de povos tradicionais na

região.

De acordo com

(ACSERALD; COLI,

2008), houve diversas

maneiras de apropriação

do mapeamento

participativo no Brasil,

porém, teríamos três

casos, “paradigmáticos” e

“inaugurais” (p.26), que

são: os mapeamentos que

precederam a instituição

formal de reservas

extrativistas (RESEX), o

Projeto Mamirauá e o

conjunto de ações no

Projeto Grande Carajás.

Na definição de

RESEX (Reserva

Extrativista), sobretudo na

Amazônia a partir do

conflito com os

seringueiros. O

mapeamento participativo

apareceu no contexto quando o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária) busca regularizar a posse desses seringueiros como uma propriedade

estritamente familiar e limitada por uma determinada área.

Figura 27- Cartografia Social no Brasil

Fonte: Fonte: (ACSERALD;COLI, 2008)

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Os seringueiros têm um modo de relação com a floresta e seus hábitos de coleta

e captação de recursos florestais para subsistência e a RESEX foi pensada a partir de um

plano de uso dos recursos necessários para a manutenção do modo de vida daquela

população, a partir da definição de uma determinada área para isso, que necessariamente

não viria com a definição de lotes para cada seringueiro e sim de uma área de manejo

comunal, delimitada com os próprios extrativistas.

O segundo exemplo colocado está envolto ao projeto Mamirauá, no estado do

Amazonas. A iniciativa aparece no início da década de 1990, e acabou por possibilitar o

surgimento da primeira Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Brasil no

ano de 1996. No ano 2000 as RDS foram incluídas no novo Sistema de Unidades de

Conservação4 (SNUC).

Para a construção do plano de manejo da RDS Mamirauá, o mapeamento

participativo buscou identificar as áreas de usos tradicionais e identificar conflitos

fundiários e de interesses que envolvessem a população residente na região Queiroz

apud (ACSERALD; COLI, 2008). O produto final é a elaboração do Mapa Oficial de

Uso Sustentado dos Recursos Florestais do Setor, com a demarcação das áreas de

manejo florestal das comunidades e a área a ser manejada no ano I de implantação do

manejo florestal comunitário (ACSERALD; COLI, 2008).

O terceiro caso é a guerra dos mapas em meio ao projeto do Estado brasileiro

explorar recursos minerais na região de Grande Carajás na Amazônia. Região que até

hoje abriga a maior mina de extração de ferro do mundo, teve a autorização de

exploração decretada pela lei nº 1.813 de 24 de novembro de 1980.

Todo esse interesse pela região não levava em consideração sua diversidade

socioambiental e os diversos povos que há gerações ali habitavam (ALMEIDA, 1994).

Ocupada por pequenos agricultores, posseiros, extrativistas, indígenas e o que mais

adiante seriam definidos como territórios quilombolas, na época, as terras de preto.

Assim, como em inúmeros momentos da história do homem, a permanência na terra de

quem tira dela seu sustento estava ameaçada.

Como resistência, no início da década de 1990, foi organizado um seminário que

mobilizou os povos da região, durante o evento foi produzido material cartográfico a

partir de informações baseadas em como aquelas pessoas se sentiam representados no

mapa, incluindo esses povos em um mapa da Amazônia.

4 LEI No 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000.

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Esse seminário foi um ponto de partida para futuras homologações de terras

indígenas ou mesmo demarcações, desapropriações de interesse social, além do registro

de homicídios relativos aos conflitos fundiários na região. Por fim, além desse

mapeamento e dos registros, outro resultado importante foi a publicação do livro “A

Guerra dos Mapas” de Alfredo Wagner de Almeida.

A mobilização em torno do seminário também culminou em duas iniciativas

importantes para pensar a cartografia de grupos sociais marginalizados no Brasil. Os

personagens que mobilizaram o seminário foram mais tarde compor o Instituto

Socioambiental (ISA) e o Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA)

(FERNANDES, 2013, 2016).

As duas iniciativas são apresentadas a seguir, porém na expectativa de

complementar as considerações de (ACSERALD; COLI, 2008) de casos “inaugurais e

paradigmáticos” para o mapeamento participativo no Brasil, o último tópico desse

capítulo apresenta as iniciativas da Comissão Pró Índio no Acre.

Projeto Nova Cartografia Social na Amazônia

O Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA) é coordenado pelo

professor Alfredo Wagner, e surge buscando realizar o auto mapeamento junto a

comunidades tradicionais na Amazônia. O projeto materializa esta cartografia em

fascículos que trazem o mapeamento dessas comunidades e depoimentos dos moradores

para a publicação. Inicialmente na Amazônia, desde 2006 o projeto foi ampliado a

comunidades tradicionais do restante do país e para as cidades da Amazônia.

O objetivo do PNCSA é,

“O Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA) tem como objetivo dar

ensejo à auto-cartografia dos povos e comunidades tradicionais na Amazônia. Com o

material produzido, tem-se não apenas um maior conhecimento sobre o processo de

ocupação dessa região, mas, sobretudo uma maior ênfase e um novo instrumento para o

fortalecimento dos movimentos sociais que nela existem.”

A cartografia produzida se torna instrumento político de contestação e

argumentação dos movimentos sociais contra atores que podem se opostos a eles. Como

nas palavras do próprio PNCSA em seu site, essa cartografia passa a ser um elemento

de combate, através da autoafirmação social, resgatando conflitos e expressões culturais

dos grupos sociais atingidos.

O material publicado é reproduzido em fascículos, em (FERNANDES, 2013) foi

contabilizado que em 2013 haviam sido publicados 109 fascículos, atualizando essa

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informação, em 2016 esse número saltou para 158, após o lançamento de novas séries

como mostra a tabela 8.

Como é possível perceber na mesma tabela, o projeto que começou na

Amazônia, ganhou publicações em todo o país, embora permaneça a maior

concentração na Amazônia. Inclusive, é possível presumir que a maioria das atividades

de mapeamento participativo pontuadas na figura 28, provém do PNCSA.

Fascículos publicados PNCSA

Série Nº de Fascículos

2013 2016

Movimentos Sociais, Identidade Coletiva e Conflitos. 37 45

Movimentos Sociais e Conflitos nas Cidades da Amazônia 29 29

Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil 19 20

Crianças e Adolescentes em Comunidades Tradicionais da Amazônia 3 3

Quilombolas do Sul 3 3

Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil Central 1 1

Faxinalenses do Sul do Brasil 5 5

Povos Indígenas do Nordeste 8 9

Pescadores e Pescadoras Artesanais do Rio São Francisco 4 4

Projeto Mapeamento Social - 30

Mapeamento Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Rio

Tapajós - 3

Povos e Comunidades Tradicionais de São Paulo - 1

Proyecto Mapeo Social de Pueblos y Comunidades Tradicionales en

La Pan-Amazonía: Una Red Social en Consolidación - 1

Fundos de Pasto: Nosso jeito de viver no sertão - 1

Cultura e Resistência no Oeste do Pará - 1

Direitos e Identidade - 1

Nueva Cartografía Social de Pueblos y Comunidades Tradicionales

- 1

Total 109 158 Tabela 8 – Fascículos PNCSA

Fonte: (FERNANDES, 2013) a partir de informação do site do PNCSA, atualizado em 2016.

Esses fascículos apresentam, além do mapa elaborado de maneira participativa,

todo o relato histórico e cultural da comunidade envolvida, levantando e relatando tais

características e os conflitos que atingem essa população. Na figura 28 aparecem as

capas de publicações de algumas das sérias no PNCSA.

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Instituto Socioambiental (ISA)

O ISA é uma organização da sociedade civil fundada no ano de 1994, porém

desde a década de 1970 já vinha atuando na figura do CEDI (Centro Ecumênico de

Documentação e Informação) formado por uma grande rede de colaboradores

voluntários, que dentro do movimento indigenista, tinham como objetivo proteger os

direitos dos indígenas.

A instituição tem suas atividades estruturadas a partir da divisão em Programas,

alguns realizam ações de articulação e mobilização política em escala nacional, e outros

têm uma relação mais direta em campo, junto às comunidades e povos tradicionais, são

eles o Programa Vale do Ribeira, Programa Xingu e Programa Rio Negro.

De acordo com a missão do ISA, sua intenção é propor soluções que integrem as

questões sociais e ambientais, objetivando a defesa de “bens e direitos sociais, coletivos

e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos

povos”. (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL)

A busca por esse objetivo tem grande contribuição da Cartografia, partindo da

intenção de colocar os índios no mapa até os projetos mais atuais, é o mapa o principal

instrumento para comunicar aquilo que a instituição quer dizer. Para fazer isso, a

Figura 28 – Fascículos PNCSA

Fonte: PNCSA

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metodologia de mapeamento participativo é incorporada em muitos projetos, como

mostra a tabela 8.

Projetos ISA por Programa

Projeto Programa / Abrangência

Planejamento Territorial Participativo – Quilombos

Morro Seco e São Pedro

Programa Vale do Ribeira / Território

Quilombola

Agenda Socioambiental de Comunidades

Quilombolas do Vale do Ribeira.

Programa Vale do Ribeira / Território

Quilombola

Definição de limite para reconhecimento da TI do

povo Ikepeng

Programa Xingu / Terra Indígena

Expedições aos sítios históricos dos povos indígenas:

Kĩsêdjê, Panará, Kawaiwete e Yudja

Programa Xingu / Terra Indígena

Cartografia Baniwa-Kopipaco na bacia do rio Içana Programa Rio Negro / Terra Indígena

Projeto Mapeo – Lugares sagrados para população

indígena

Programa Rio Negro / Terra Indígena

Peixes, pescarias e os modos de viver no médio Rio

Negro

Programa Rio Negro / Comunidades

Ribeirinhas

Tabela 8 – FERNANDES (2014)

Comissão Pró – Índio Acre

Um dos grupos com mais experiência em mapeamento participativo no Brasil é

a equipe da CPI-AC. A ONG indigenista surgiu em 1979 e atua em 9 povos e 18 terras

indígenas no Acre, desde então, apóia os indígenas na luta pelos seus direitos, na

articulação da gestão desses territórios e na educação intercultural e bilíngue.

A partir dos anos 1980, a CPI-AC começa a trabalha com a perspectiva da

“autoria indígena”, atualmente orientadora de todas as ações de formação e assessoria

desenvolvidas pela organização. Dentro desse intuito, muitos projetos passam a utilizar

da cartografia e do mapeamento participativo, já em meados da década de 1980.

Projetos que se utilizam dos mapas participativos para expressar uma cartografia

indígena, que colabora com gestão e proteção de suas terras, como também, sua cultura,

“transformando o uso de uma ferramenta que, historicamente, foi usada contra eles”

(GAVAZZI, 2012; p. 152).

(GAVAZZI; 2012) aponta que mesmo sem muita orientação, os mapas passaram

a ser trabalhados com os indígenas dentro do programa de formação de Professores e

Agentes de Saúde Indígena. As representações eram feitas a partir de desenhos livres

para bacias hidrográficas, das estradas da seringa ou das terras indígenas. Produções que

vieram a ilustrar os primeiros materiais didáticos produzidos pela CPI/AC.

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No início da década de 1990, surge a proposta de construir um programa

curricular para as escolas indígenas do estado. Assim, a geografia e a cartografia

passaram a ser tratadas de maneira mais sistemática, a partir da autoria indígena e a

produção do material didático bilíngue passou a ter o mapa como figura central das

atividades (GAVAZZI, 2012).

Um dos materiais produzidos foi o Atlas Geográfico Indígena do Acre (figura

29) de 1996. O Atlas apresenta uma nova história da ocupação do espaço geográfico

amazônico pelas sociedades indígenas, sendo os índios os próprios narradores de sua

história e responsáveis pelas representações cartográficas ali postas (CPI-AC).

Além da experiência com formação dos professores, a CPI/AC também utilizou

da cartografia em atividades de formação de agentes agroflorestais, em meados da

Figura 29 – Atlas Geográfico Indígena do Acre

Fonte: CPI/AC

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década 1990, de acordo com (GAVAZZI, 2012), a partir da necessidade de contribuir

para a gestão das terras indígenas já demarcadas no Acre, formando assim o Programa

de Agente Agroflorestal Indígena.

O programa tinha a expectativa de tornar ocupados territórios recém

(re)conquistados após processo de regularização fundiária de terras indígenas no Acre,

como também, colaborar com a melhoria das condições de vida a partir das inserções

mais favoráveis nos circuitos econômicos regional e nacional (GAVAZZI, 2012).

Os dois projetos citados tem uma característica interessante, e simula a proposta

do próximo capítulo. Alinhados a perspectiva da CPI/AC de autoria indígena, tanto

professores como agentes agroflorestais passaram por atividades que além de propor a

construção de conteúdos para cartilhas, planos de gestão ou programas curriculares,

também promoviam a formação em metodologias ou tecnologias dos brancos.

O que contemplou técnicas da Cartografia aplicada a diversos usos e

possibilidades, e a introdução da linguagem cartográfica foi recebida com muito

interesse pelos indígenas, tanto na aprendizagem quanto para o uso da linguagem

(ALMEIDA, 2005a, 2005b), colaborando com novos autores para discursos sobre a

cartografia amazônica.

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5. “Promovendo novos Leões” na prática

“Eu acredito

É na rapaziada

Que segue em frente

E segura o rojão

Eu ponho fé

É na fé da moçada

Que não foge da fera

E enfrenta o leão.”

(Gonzaguinha – E Vamos à Luta)

Neste último capítulo será apresentada uma experiência prática buscando

promover novos atores para a produção de cartografia crítica. Para isso, formou-se um

grupo de jovens estudantes de uma escola pública na região de maior desigualdade

social da cidade de São Paulo, a Subprefeitura do Butantã.

O objetivo foi contribuir com a formação de novos autores para os discursos

cartográficos, tanto através da própria intervenção como através de sua sistematização

para replicação. Para isso, os exercícios propostos buscaram fomentar a observação

crítica (MONMONIER, 1996), livre e plural (SEEMANN, 2012) para os mapas e a

compreensão destes como instrumento de poder (HARLEY, 1989, 1991, 2009).

Além disso, a partir da metodologia de mapeamento participativo, contribuir

para que esses leões possam romper o silêncio cartográfico (MONMONIER, 1996)

sobre seus territórios, ou como intitula (FONT; RUFI, 1999) quanto às novas terrae

Incognitae. Para tanto foi considerada a relevância de representar territorialidade,

toponímia, conflito e demandas sociais desses grupos através dos mapas.

Sendo esse o resultado esperado, será mantido o sigilo para algumas das

informações que envolvem a intervenção, assim, não serão divulgados nomes das

pessoas envolvidas, assim como a maioria dos dados cartográficos produzidos. Para

além do respeito à privacidade dos indivíduos, há um cuidado em limitar as informações

cartográficas ao interesse de seus autores.

5.1. Contexto da intervenção – O território dos leões

A cidade de São Paulo é uma das cidades mais desiguais do mundo e dentro da

sua diversidade a subprefeitura com maior índice GINI5 é a subprefeitura do Butantã;

em 2010 com 0,58, onde estão inseridos na subprefeitura os distritos do Morumbi,

5 Índice que mede a desigualdade entre a renda de moradores em determinado território, quanto mais

próximo a 1, maior a desigualdade.

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Butantã, Vila Sônia, Rio Pequeno e Raposo Tavares, uma região de contexto

socioeconômico muito diversificado.

Assim, apesar da tamanha proximidade entre os bairros, o Jardim Bonfiglioli e a

Vila Andrade tem realidades muito distintas do Sapé, da São Remo ou do Jardim

Jaqueline, e essa disparidade é gritante e notável a qualquer observador atento durante

uma caminhada pela região. Uma fotografia (figura 31) obtida durante os trabalhos de

campo desta pesquisa relata a coexistência dessas realidades.

Figura 30 – Mapa de Vulnerabilidade Subprefeitura do Butantã

Fonte: Centro de Estudos da Metrópole.

Em meio às ruas e vielas do Jardim

Jaqueline é possível avistar um edifício

com moradias de alto padrão localizado às

margens da rodovia Raposo Tavares.

Cenários como esses são comuns, no

distrito do Rio Pequeno os fundos de vale

são ocupados por moradias populares e

favelas, enquanto os topos de morro que

abrigam as grandes avenidas da região são

marcados por casas e edifícios de médio e

alto padrão.

Figura 31 – Caminhada no Jardim Jaqueline

Autor: Wellington Fernandes

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Essa realidade também se manifesta em diversos indicadores, observando o mapa

(figura 30) de vulnerabilidade social produzido pelo Centro de Estudos da Metrópole, a

comentada diversidade social na região é reafirmada. Regiões consideradas com alta

vulnerabilidade se avizinham com áreas com menores ou nenhuma privação.

Diversidade que chama atenção nos distritos da Vila Sônia e Rio Pequeno.

Utilizando-se do mesmo mapa, observa-se a localização das favelas e sua

relação com setores censitários mais vulneráveis.

A escola que recebeu o projeto atende moradores de regiões como essas, de

maior vulnerabilidade, mais especificamente, inserida na região destacada no mapa,

entre o distrito do Rio Pequeno e o da Vila Sônia, assim, recebe os moradores do Jardim

Jaqueline, Sapé e Mandioquinha.

A unidade educacional é de ensino fundamental e está sob a responsabilidade da

Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de São Paulo. Na época, possuía

aproximadamente 400 estudantes matriculados, que eram atendidos por uma equipe de

45 educadores; com turmas organizadas em dois períodos, manhã e tarde.

É importante sinalizar que esta escola vem passando por um processo de

reformulação e fortalecimento nos últimos anos. Em um momento anterior a mesma

unidade estava inserida em um contexto de muitos problemas, marcado por episódios de

violência e conflito dentro e no entorno da escola. Para superar essa condição, uma das

práticas adotadas foi fortalecer a relação com a comunidade externa, sendo assim uma

escola muito aberta a parcerias e a cessões do espaço. Tal fato colaborou com a abertura

da unidade para as atividades deste projeto.

Enfim, é essencial destacar o contexto de conflitude ao qual a proposta de

mapeamento está inserida. No espaço urbano, as territorialidades não legítimas e

emergentes são as favelas, assim, promover novos autores de cartografia pode contribuir

para o fortalecimento desses territórios, através de mapas que possam tanto fazer sua

defesa quanto realizar o contraponto em relação a discursos hegemônicos sobre o

espaço urbano.

5.2. A Cartografia crítica e a escola

Sobre a subverter a cartografia escolar,

“Ler e fazer mapas – oficiais e subversivos, imaginários ou reais, materiais ou digitais, do

bairro ou do mundo inteiro – são atividades imprescindíveis para transformar a educação

cartográfica em um projeto pluralista.” (SEEMANN, 2012, p.167)

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Existem diversos estudos preocupados em promover novas abordagens para a

Cartografia no ensino de Geografia e nos espaços escolares. Há tanto a perspectiva de

trabalhar em caráter teórico, problematizando e pluralizando os mapas na sala de aula,

como no viés prático, promovendo metodologias e conteúdos não tradicionais para a

produção de mapas.

(FONSECA, 2012) aponta que a cartografia escolar é propensa às práticas

naturalizadas6. Propondo o debate crítico, aponta que identificar e expor essas

naturalizações contribui com sua desconstrução, sobretudo quanto ao fundo de mapa.

Sugestões que podem ser levadas a sala de aula são apresentadas, como é o caso das

anamorfoses como contraponto a naturalização das métricas euclidianas.

Estudos orientados por Gisele Girardi7 na Universidade Federal do Espírito

Santo (UFES) também trazem proposições para cartografias alternativas na escola e

apontam que estas “tem a potencialidade de colocar em questão modos como a tradição

cartográfica formal – e sua reprodução escolar – lidam com o entendimento do que é o

espaço geográfico” (GIRARDI et al, 2011, p. 8).

Outro exemplo, mas em um viés prático, é a cartografia da ação social,

metodologia dentro da proposta conceitual de Ana Clara Torres Ribeiro, “refere-se,

sobretudo às formas de protesto, reivindicações, vínculos sociais que acabam por

desenhar novas configurações espaciais e sociais, representações espaciais de trajetos

vividos e experimentados”. (RIBEIRO; SILVA; CHIPPER, 2011, p.32)

Desenvolvida ao longo de 16 anos durante projeto de elaboração de “banco de

dados para processos sociais” a proposta orientou projetos de criação de mapas por

jovens em escola pública do município de São Gonçalo, Rio de Janeiro, entre 2009 e

2011 (SILVA, 2013).

Atrelada a cidade, a metodologia da cartografia da ação difere do

desenvolvimento histórico das técnicas de mapeamento participativo e com a mediação

da representação cartográfica, discuti e observa os conflitos sociais que envolvem a

cidade a partir da leitura de jornais e indicadores sociais,

Exemplo importante, pensando nos mapas participativos, foram as iniciativas do

PNCSA junto a crianças e adolescentes de comunidades tradicionais na Amazônia.

6 Essas contribuições partem de (FONSECA, 2004) em discussão epistemológica sobre a

Cartografia dentro da renovação da Geografia.

7Para saber mais sobre a trajetória retomar (GIRARDI, 1997) sobre os mitos na leitura de mapas.

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Como a instituição em geral utiliza a metodologia junto a grupo de adultos, foi possível

uma análise comparativa para com a aplicação para crianças e adolescentes em idade

escolar.

(LIMA, 2011, p. 11) analisou a experiência e trouxe apontamentos interessantes

em relação ao compromisso procedimental e político desses jovens, tendo eles

“competência para produzir um mapa com a mesma seriedade técnica e interesses

políticos e territoriais que os adultos têm”.

Além disso, opinou sobre a capacidade desses jovens “desenvolverem, em curto

espaço de tempo, habilidades de ler, interpretar e recriar os mapas oficiais para uso

diverso, sem perder a funcionalidade dos elementos fundamentais da cartografia”.

Justificando a importância desta metodologia na escola é significativo apontar

suas definições são coerentes às pressupostos da escola como um espaço democrático,

pois, sobretudo a pública, deve ser um espaço que prevê estruturas, processos,

currículos e experiências democráticas (APPLE; BEANE, 2001), o que respalda a

aplicação de propostas inovadoras nos espaços escolares, além disso, considerando que

os mapas participativos valorizam aspectos políticos e de denúncia, priorizando

construções que valorizem os sujeitos e seus saberes (CHAPIN, 2006; FIDA, 2009;

FERNANDES, 2013, 2014).

É enunciado coerente a pressupostos de uma Educação Popular, que para

(GADOTTI, 2000; p. 4) está na “noção de aprender a partir do conhecimento do sujeito,

a noção de ensinar a partir de palavras e temas geradores, a educação como ato de

conhecimento e de transformação social e a politicidade da educação”.

Essa perspectiva pedagógica considera os aspectos políticos para a educação e

seu papel de oposição ao status quo (BRANDÃO, 2006, 2009) é levar a metodologia

junto a jovens estudantes para espaços escolares contribuir com esse debate, sendo

estratégico, para colaborar com a mobilização de novos atores na construção de mapas

contra – hegemônicos.

Enfim, a Cartografia Crítica pode embasar a prática pedagógica nos espaços

escolares, para isso, é necessária tanto a apropriação teórica de seus pressupostos, como

uma aproximação às técnicas de mapeamento coerentes a teoria. Assim, este trabalho

propõe atividades que podem ser replicadas junto a estudantes de outras escolas, como

também, em outros espaços de mobilização.

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5.3. Contos de caça com a versão dos leões – Uma experiência de formação

Esta pesquisa

formou de um grupo de

jovens estudantes de uma

escola pública

interessados em discutir e

promover uma

Cartografia Crítica, a

partir do debate teórico e

da construção de mapas

participativos. Esse

grupo passou por uma

série de encontros que

com diversas oficinas

sobre o assunto.

A atividade foi oferecida como uma formação extracurricular para estudantes. O

público convidado eram estudantes do último ano do ciclo autoral de uma escola

municipal (contextualizada anteriormente), o que equivale ao chamado 9º do ensino

fundamental na maioria das redes e o grupo de estudantes possuíam na época entre 13 e

17 anos e estavam agrupados em três turmas no período da manhã desta escola.

O pesquisador autor deste trabalho também integrava a equipe de educadores

responsável por essas turmas, na condição de professor substituto para a disciplina de

Geografia. Assim sendo, não tinha uma frequência regular de encontros com esses

jovens.

A partir desse cenário foi feito o

convite para todos os estudantes para a

atividade que está descrita como nossa

primeira oficina, a Sensibilização. Em

função disso, cerca de 20 jovens

demonstraram interesse e passaram pela

formação, ao longo do processo, alguns

apresentaram frequência sazonal e

outros que acabaram desistindo, da

Frequência Nº de participantes que

obtiveram a frequencia.

100% 6

85% 4

70% 1

50% 2

40% 7

Total 20

Tabela 9 – Participantes

Figura 32- Divulgação na Escola

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mesma forma que novos interessados foram surgindo, como mostra a tabela 9.

Os encontros aconteciam três vezes por semana após o período de aulas, cada

encontro tinha duração de 1h30min, o que equivale a duas aulas dentro do período

regular de aulas. Além disso, algumas atividades foram organizadas em outros horários,

como a saída fotográfica em campo, a oficina que foi realizada na USP e a apresentação

dos resultados para professores, estudantes e responsáveis.

Oficinas

Etapa Oficina Pressupostos

Sen

sib

iliz

ação

Oficina 1 - Divulgação projeto

para alunos da escola

Perspectiva: Mapas e as Artes;

Justificativa: Observar o mapa com

criticidade.

Dia

gnóst

ico Oficina 2 - Noções

Cartográficas

Justificativa: Diagnostico de saberes

cartográficos.

Oficina 3- Leitura de Mapa

Temático

Justificativa: Diagnostico de saberes

cartográficos.

Pro

ble

mat

izaç

ão Oficina 4 – Discutindo

discursos cartográficos

Justificativa: Observar o mapa com

criticidade.

Oficina 5 – Mapa Crítico na

Prática

Perspectiva: Mapas como resistência;

Justificativa: Observar o mapa com

criticidade.

Map

eam

ento

Par

tici

pat

ivo

Oficina 6 – Mapa da Quebrada

Técnica: Mapa Falado;

Perspectiva: Mapas do Cotidiano;

Justificativa: Romper o silêncio cartográfico.

Oficina 7 – Mapeando os

lugares da quebrada

Técnica: Mapeamento participativo sobre

planta de ruas;

Perspectiva: Mapas do Cotidiano e Mapas

como resistência;

Justificativa: Romper o silêncio cartográfico.

Oficina 8 – Um mapa que eu

posso mudar

Técnica: Mapa colaborativo;

Perspectiva: Hackeamento de Mapas;

Justificativa: Romper o silêncio cartográfico.

Oficina 9 – Um mapeamento

que posso compartilhar

Técnica: Mapa Colaborativo;

Perspectiva: Mapas do Cotidiano e

Hackeamento de Mapas;

Tabela 10 – Oficinas

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83

A participação ocorreu em caráter voluntário, sendo que a formação não

ofereceu nenhuma recompensa ou remuneração em forma de nota ou algo do tipo. Mas

no final, para além do conhecimento mobilizado, todos os participantes receberam um

certificado de participação, assinado pelo laboratório ao qual essa pesquisa estava

vinculada.

Foram nove propostas de oficinas (tabela 10), que estão divididas em quatro

etapas: Sensibilização, Diagnóstico, Problematização e Mapeamento. Sendo que cada

um desses blocos abriga oficinas que atendem a expectativa da etapa em questão. Cada

oficina foi apresentada de maneira sistematizada como uma proposta e organizada em

formato de tabela, cada uma com três colunas, sendo elas:

Descrição: Objetivos da oficina e relação de materiais, tempo e

procedimentos necessários para sua aplicação;

Expectativa: Aquilo que se pode esperar dos resultados da oficina;

Pressupostos: Retomada de pontos já elencados nesse trabalho, descritos

a partir de três chaves: Técnica, Perspectiva e Justificativa.

Técnica: Qual técnica está sendo utilizada na oficina

(FIDA, 2009) oferece uma relação de técnicas dentro da metodologia de

mapeamento participativo, onde daquela relação foram selecionadas três técnicas que

foram adaptadas considerando sua aplicação junto a estudantes do meio urbano, como

também ganharam novos títulos (tabela 11).

Técnicas utilizadas: Adaptação de títulos

Título utilizado em FIDA (2009) Título adotado nesse trabalho

Desenho no Solo Mapa Falado8

Mapa Plano Mapeamento Participativo sobre planta de ruas

Cartografia e Internet Mapa Colaborativo.

Tabela 11- Novos títulos paras técnicas

Perspectiva: Qual perspectiva de mapa está sendo considerada na oficina

Enquadramento das oficinas propostas de acordo com a classificação proposta

por (CRAMPTON; KRYGIER, 2008), já discutido no capítulo anterior, em que as

iniciativas práticas de mapeamento com viés crítico são classificadas entre quatro

8 Título também empregado por outros autores como (FARIA; NETO, 2006) e (PASINATO, 2012).

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arenas: Mapas e as Artes, Mapas do Cotidiano, Hackeamento de Mapas e Mapas como

Resistência.

Justificativa: O que justifica a proposta da oficina

As oficinas foram propostas a partir de duas justificativas, que retomam os

objetivos desse trabalho, a primeira sinaliza a importância do debate teórico e a segunda

a relevância do aspecto prático, são elas:

1. Observar os mapas com criticidade: Promover a reflexão sobre a

ausência de neutralidade dos mapas e da Cartografia crítica;

2. Romper o silêncio cartográfico: Promoção de novos discursos

cartográficos, a partir da representação de territorialidades e toponímias, não mapeadas

ou historicamente ignoradas pelos mapas hegemônicos.

Todas as propostas de oficina foram aplicadas, desta forma, além da

sistematização, elas também foram analisadas. Assim, primeiro a formação promoveu

as oficinas de observação dos mapas, nas etapas de sensibilização, diagnóstico e

problematização, posteriormente, a etapa de Mapeamento Participativo. Relatas a partir

de agora.

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5.3.1. Observando os mapas na escola

Sensibilização

Este primeiro bloco consiste em um exercício para sensibilização dos estudantes

para com a importância dos mapas, como também, provocar interesse desses jovens em

participar das atividades descritas.

Oficina 1 – Divulgação do projeto para alunos da escola

Pressupostos Expectativa Descrição

Perspectiva:

Mapas e as

Artes;

Justificativa:

Observar o

mapa com

criticidade.

Sensibilização

dos alunos para

a importância

da Cartografia

Objetivo: Reunir estudantes interessados em formar

um grupo para estudo e produção de mapas na

escola;

Materiais: Episódio ‘Correio’ da série ‘Cidade dos

Homens’, Charge ‘Quebrada’ de Vitor Teixeira e

Charge ‘Rinoceronte’

Tempo: 1 a 2 aulas

Procedimentos: Recomendar que os alunos assistam

o episódio em casa, projetar as charges e promover o

debate.

1. Episódio ‘Correio’: A ausência do mapa de

ruas na favela impedia os seus moradores o

acesso ao serviço dos Correios. A polêmica

leva dois adolescentes a construir um mapa

da favela. A partir deste enredo, é possível

discutir igualdade de direitos na sociedade e

a própria cidadania;

2. Charges: sensibilização para a possibilidade

alternativa para a representação cartográfica

e sua importância política;

Tabela 12 – Oficina 1

Análise e relato de experiência

A primeira ação prática da intervenção aqui relatada foi a divulgação do projeto

para os alunos. O público alvo do projeto estava dividido em três turmas e em cada uma

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destas foi aplicada a proposta de sensibilização objetivando despertar interesses dos

jovens para participar espontaneamente do grupo.

Muitos estudantes já

tinham assistido o episódio

“Correio” da série Cidade

dos Homens, para o restante

dos alunos divulgamos os

exemplares disponíveis na

biblioteca. Após algumas

semanas, propusemos um

debate sobre o episódio nas

três turmas, o que provocou

uma discussão produtiva,

sobretudo, em torno da

identificação do grupo com a ficção, pois

a ausência de cidadania ou de serviços

públicos não é ficção na periferia de São

Paulo, assim como, no Rio de Janeiro.

Relacionar a ausência desses

direitos e a relevância dos mapas nesse

contexto foi realizado de maneira muito

nítida no episódio e a provocação

mobilizou a possibilidade de questionar

o grupo sobre como sua vizinhança está

representada nos mapas. A curiosidade

em questão foi mais uma vez provocada

com a utilização da charge ‘Rinoceronte’

e a reflexão sobre pontos de vista.

Tal questionamento pode ser

aprofundado com paralelos presentes

no episódio. Primeiro, no estranhamento dos protagonistas em não encontrar a favela no

mapa da cidade do Rio de Janeiro, como também, durante a confecção do mapa da

Figura 33 – Rinoceronte

Autor:Desconhecido

Figura 34 – Quebrada

Autor: Vitor Teixeira

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87

favela pelos protagonistas da série, pois há diversos embates em torno da toponímia no

mapa em questão.

A sensibilização terminou com a charge ‘Quebrada’ de Vitor Teixeira, fazendo

referência às periferias da cidade de São Paulo e fomentando a reflexão em torno de

como as ‘quebradas’ são representadas pelos mapas oficiais ou já disponíveis. Por fim,

além de reflexões significativas, a atividade despertou alguns interessados, o que

permitiu começar a formação na semana seguinte.

Diagnóstico para saberes cartográficos.

A partir dos estudos em Cartografia Escolar (SIMIELLI, 2003, 2007) e

(ALMEIDA, 2007) é possível pressupor expectativas de aprendizagem para estudantes

de acordo com sua série/faixa etária. Assim, este diagnóstico prevê uma atividade para

observar quais os pressupostos teóricos e práticos que os estudantes possuem em leitura,

interpretação e construção de representações cartográficas.

Com o diagnóstico, além do panorama sobre o que o jovem já possui de

repertório em Cartografia, tanto para os caracteres formais quanto para os não-formais,

também foi possível refletir sobre as expectativas para a postura do estudante nos

próximos exercícios.

Por não ser o mote central desta pesquisa, a seguir, apresenta-se apenas um

relato das inferências possíveis a partir dos exercícios propostos. Diversos outros

estudos mais profundos em torno da Cartografia Escolar foram desenvolvidos por

(OLIVEIRA, 1977), (SIMIELLI, 1996) e (ALMEIDA, 2007).

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Oficina 2 – Noções Cartográficas

Pressupostos Expectativa

avaliada Descrição

Justificativa:

Diagnostico

de saberes

cartográficos.

Noções

Cartográficas

Objetivo: Observar as expectativas de aprendizagem

[adquiridas / manipuladas] que se espera de um

estudante após as primeiras fases de desenvolvimento

das noções cartográficas. Considerando para a análise

a Alfabetização Cartográfica (SIMIELLI, 1999,

2003) e a Iniciação Cartográfica (ALMEIDA, 1999) e

as expectativas de aprendizagem apontadas como

necessárias para a compreensão de mapas

geográficos.

Materiais: Folha de Sulfite A4, Lápis preto e Lápis de

cor e plantas de rua do município;

Tempo: 2 a 3 aulas;

Procedimentos:

o Atividade 1: Considerando a sala de aula

espaço conhecido e solicitar representação

simples em um croqui.

o Atividade 2: Realizar leitura orientada de

planta de ruas

Tabela 13 – Oficina 2

Análise e relato de experiência

Para (SIMIELLI, 2003) a alfabetização cartográfica deve ser promovida entre as

1ª e 4ª série do ensino fundamental com o desenvolvimento das noções de visão oblíqua

e visão vertical, imagens 2D e 3D, alfabeto cartográfico, construção da noção de

legenda, escala e orientação. Desta forma, coube aos exercícios, verificar o quanto esses

estudantes dominavam tais noções.

Assim, o primeiro exercício de diagnóstico foi uma atividade muito comum nas

aulas de Geografia, os estudantes foram convidados a construir um mapa da sala. A

escolha do espaço da sala de aula para ser representado retomou também um dos

pressupostos da alfabetização cartográfica, que indica que os estudos em cartografia

devem iniciar pelo espaço concreto do aluno.

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Muitos estudantes lembraram já ter feito exercício parecido na escola em anos

anteriores. Inclusive, a simplicidade do exercício chamou atenção dos jovens e até

provocou certa resistência, neste caso, foi importante enfatizar o caráter diagnóstico. A

seguir, o enunciado proposto para o grupo.

Sugestão de exercício:

Escola

Exercício 1 [Alfabetização Cartográfica]– Faça uma representação de sua sala de aula.

Considere a diferença dos móveis, sua organização e toda informação que achar

importante.

Reforçando a proposta de construção de um mapa, cada estudante se organizou

individualmente com folhas de sulfite, lápis preto e lápis de cor. Eles tiveram o tempo

de uma aula de 45 minutos para elaborar o mapa, a maioria utilizou um tempo muito

menor, cerca de 10 minutos, para concluir seu mapa.

A partir dessa representação foi possível observar, sobretudo, as noções em

torno da visão vertical e da proporção. A maioria das representações mostrou domínio

dessas noções, muitas reproduziram com fidelidade em croquis a partir de uma visão

vertical da sala e praticamente todas respeitaram a proporcionalidade para os objetos

representados.

Alguns jovens não consideraram em nenhum momento a visão vertical em sua

representação, mostrando não dominarem esta noção, outros, não conseguiram aplicar a

visão vertical em apenas alguns itens a serem representados, como ventiladores ou

pessoas. Apesar disso, esses alunos, não apresentaram dificuldade diferente dos outros

durante a realização do segundo exercício de diagnóstico.

Sugestão de exercício:

Cidade

Exercício 2 [Alfabetização Cartográfica]– Leitura

Orientada da planta de ruas da cidade. Utilizando o mapa da

cidade, realize as tarefas abaixo:

Localização: Indique onde pode estar representada no

mapa a região em que moramos;

Orientação: Em relação ao centro, estamos a Norte,

Sul, Leste ou Oeste?

Representação Cartográfica e Legenda: Encontre dois

pontos turísticos no mapa

Interpretação e Análise: Em que região está

localizada a maioria dos pontos turísticos da cidade?

Figura 35 – Mapa Geral de São

Paulo

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90

O exercício 2 (da oficina 2) utilizou da planta de ruas da cidade de São Paulo,

disponibilizado gratuitamente nos serviços de turismo da cidade. Para fazer a leitura do

guia de ruas, os estudantes seguiram as questões sugeridas pelo professor e tiveram

mais uma vez, o período de uma aula de 45 minutos para resolver a tarefa.

As questões foram construídas de maneira a verificar o quanto cada estudante

trabalhava com noções cartográficas não verificadas no primeiro exercício, nesse caso, a

partir de um produto cartográfico já elaborado. Assim, as questões verificaram as

noções de localização, orientação, leitura de legenda e interpretação do mapa.

A maioria dos jovens demonstrou interesse em realizar o exercício, como

também, facilidade com a maioria das atividades. Desta vez, para além de resolver a

tarefa, muitos ficaram fazendo a leitura do mapa e explorando os lugares da cidade,

sobretudo, nas regiões que tinham algum conhecimento.

Todos os estudantes obtiveram êxito em localizar a região de moradia, assim

como todos, conseguiram apontar a Orientação desse lugar em relação ao centro da

cidade, sendo quando questionado o motivo de indicar OESTE à maioria desses jovens

fizeram referência a rosa dos ventos presente no mapa, alguns justificaram a resposta

por saberem que são moradores da zona oeste da cidade (figura 36).

Quanto a considerar as representações cartográficas e a legenda, alguns

estudantes tiveram dificuldade, pois não fizeram a leitura da legenda e apenas

conseguiram indicar pontos turísticos que já apareciam com indicação no próprio mapa;

assim, boa parte acabou fazendo referência aos parques da cidade.

A última tarefa se mostrou a mais complexa, alguns acabaram não respondendo

este item. Um ponto interessante foi o fato de que dentre aqueles que responderam não

houve consenso para a resposta, havendo indicações distintas para qual região abrigaria

a maior parte dos atrativos; exemplo está nas duas respostas indicadas nas 36 e 37.

Figura 36 – Resposta de estudante

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Oficina 3 - Leitura de Mapa Temático

Pressupostos Expectativa

avaliada Descrição

Justificativa:

Diagnóstico

de saberes

cartográficos

Aluno como

Usuário de

Mapas

Objetivo: Verificar a partir da leitura de um mapa

temático, as condições do aluno para trabalhar um

produto cartográfico já elaborado, na ideia de

desenvolvimento de um aluno como leitor crítico de

mapas em (SIMIELLI 2003, 2007) para a utilização

de mapas no ensino de Geografia;

Materiais: Mapas temáticos do Brasil (BRASIL,

2010) e Mapas temáticos do município de São Paulo.

Tempo: 1 a 2 aulas;

Procedimentos:

o Disponibilizar os mapas em impressão

adequada;

o Leitura orientada de mapas para avaliar as

condições do estudante para trabalhar com:

localização, análise e correlação.

Tabela 14 – Oficina 3

Figura 37 – Resposta de estudante

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Análise e relato de experiência

Nessa etapa foi observada a capacidade dos alunos para a leitura de mapas

temáticos. Para isso, foram elaborados quatro exercícios que consideravam as

capacidades de Localização, Análise e Correlação na leitura de mapas, propostas por

(SIMIELLI, 2003) com duas das três etapas, para considerar um aluno como um usuário

de mapas. Estas capacidades, teoricamente, são as esperadas para estudantes no último

ano do ensino fundamental; como no caso em questão.

Cada um dos exercícios foi dividido em dois ou três itens, com questões que

poderiam ser respondidas a partir da leitura dos mapas indicados no enunciado. Os

estudantes podiam se organizar em duplas ou individualmente para responder as

questões dentro do período de uma aula de 45 minutos.

O professor/pesquisador acompanhou a atividade, respondendo questões dos

estudantes quanto às expectativas não avaliadas. Por exemplo, alguns estudantes faziam

confusão quanto à identificação dos estados pelas siglas de UFs (Unidades da

Federação), outras dúvidas quanta palavras presentes nos enunciados.

Assim, os exercícios 1 e 2 foram dedicados a verificar as habilidades de

Localizar e Analisar os mapas a partir de dois mapas temáticos sobre a Educação no

Brasil. Neste caso, o estudante observaria a distribuição ou repartição de determinado

fenômeno em um único mapa.

A primeira pergunta do exercício 1 diverge das demais, muito mais simples, não

questiona sobre os fenômenos expostos nos mapas, e sim, sobre em que estado mora o

estudante, neste caso, apenas verifica se o jovem tem condições mínimas para responder

as questões seguintes, ou seja, saber o que é e onde está um estado conhecido.

Nas questões seguintes, o estudante deveria indicar entre os estados brasileiros a

ocorrência dos fenômenos de Abandono Escolar e de Crianças com responsáveis ou

conjugues desses responsáveis em situação de analfabetismo.

A maioria dos estudantes respondeu com facilidade as quatro questões, tendo

apenas dois casos em que ao invés de apontar quais estados estavam submetidos à

condição questionada pelo enunciado, o jovem apenas identificou quais valores

representavam maior ou menor ocorrência do fenômeno.

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Exercícios aplicados:

Brasil

Utilize os mapas 1 e 2 para realizar os exercícios a seguir

Exercício 1 [Localização / Análise] – Observe o mapa 1 e responda:

Em que estado você mora? Marque no mapa 3 com a caneta azul

Qual o percentual de abandono escolar do estado da Bahia (BA)? ______

Quais estados possuem os maiores percentuais de abandono escolar?

Exercício 2 [ Localização / Análise] – Observe o mapa 2 e responda:

Quais estados têm maior percentual de crianças morando com

responsáveis analfabetos?

Quais estados têm menor percentual de crianças morando com

responsáveis analfabetos?

Exercício 3 [ Correlação] – Observe o mapa 1 e 2 para responder:

Como você pode explicar a diferença de taxas de abandono escolar entre

os estados brasileiros?

O que pode explicar o alto número de abandono escolar em estados como

o Maranhão (MA) e o Acre (AC)?

Os exercícios 3 e 4 exigiam um segundo nível na análise cartográfica, a Correlação.

Para isso, o primeiro exercício trouxe duas questões para a observação dos dois mapas

já analisados, enquanto o segundo exercício trouxe uma única questão para orientar a

análise de três novos mapas, neste caso, do município de São Paulo. Na correlação, o

estudante combinaria dois ou mais mapas com diferentes ocorrências para inferir

alguma informação.

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94

No terceiro exercício, ambos os mapas tratam sobre Educação, sendo que há

uma coincidência entre estados com os maiores índices de abandono escolar e estados

com grande percentual de analfabetismo entre responsáveis por crianças. Apesar do

caráter subjetivo para a relação entre essas duas informações, o enunciado pedia para

que as respostas fossem alcançadas a partir da leitura dos dois mapas.

A imensa maioria dos estudantes não conseguiu elaborar respostas para o

exercício 3, apenas uma dupla de estudantes percebeu a coincidência de indicadores

educacionais negativos em estados apresentados no mapa 1 e no mapa 2. Apesar disso,

não construiu uma resposta que tornasse essa conclusão nítida (figura 38).

Muitos buscavam referenciais não presentes nos mapas (figura 39) para

responder a questão, além disso, interpretações subjetivas acabaram influenciando as

tentativas de respondê-las. Cabe citar a dificuldade de alguns estudantes com a escrita,

tornando ainda mais complexa a resolução da questão.

Figura 38 - Resposta de estudante

Figura 39 – Resposta de estudante

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Exercícios aplicados:

Município de São Paulo

Exercício 4 [Correlação] – Observe os mapas abaixo e responda

O que você pode afirmar

sobre a população da cidade de São Paulo,

observando os mapas apresentados?

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O último exercício era o de maior dificuldade, e também propunha uma

correlação com três mapas de temas diferentes. Muitos estudantes não conseguiram

chegar a este ponto, por culpa das dificuldades no exercício anterior, aqueles que

tentaram tiveram dificuldades em fazer correlação entre as informações.

Os dois primeiros mapas mostravam a oposição das regiões centro-sul e as

regiões periféricas, enquanto na primeira está concentrada a população de maior renda,

na periferia está concentrada a população de menor renda. Essa relação foi feita pela

maioria que fez a leitura do exercício, mas com o terceiro mapa apenas um grupo

conseguiu fazer relação.

Figura 40 – Resposta de estudantes

O terceiro mapa trazia a concentração da população negra na cidade, ao observar

os mapas é possível perceber que a população das regiões periféricas da cidade é em

maioria negra e de menor renda. O grupo que propôs uma resposta (figura 40) fez uma

análise, como na primeira correlação, levantando informações que não estavam no mapa

e com certa subjetividade.

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Problematização: Todo mapa é um discurso

A produção de mapas contra - hegemônicos, como já discutido aqui, prevê,

evidentemente, um contexto de conflito a ser mapeado, assim como , a utilização de

técnicas de mapeamento participativo. O grupo social envolvido no mapeamento, além

do entendimento desta conflitude, também deve ter conhecimento da metodologia de

mapeamento, para que assim o empoderamento do grupo não seja apenas o mapa

resultante, mas que também possa ocorrer no processo e no desenvolvimento da

metodologia. Assim, essa etapa contempla uma problematização dos discursos presentes

no mapa e da apresentação do que vem a ser um mapa contra – hegemônico.

Oficina 4 – Discutindo discursos cartográficos

Pressupostos

da pesquisa

considerados

Expectativa Descrição

Justificativa:

Observar o

mapa com

criticidade.

Perceber

discursos no

mapa

Objetivo: Identificar as características do discurso

presente nos mapas a partir de representações da

cidade;

Materiais: Croqui (mapa) turístico São Paulo ou

Croqui (mapa) anúncio de empreendimento

imobiliário;

Tempo: 1 a 2 aulas;

Procedimentos: Fazer a leitura dos mapas e,

considerando das reflexões de (MONMONIER,

1996), identificar caracteres que possam demonstrar

‘mentiras’ ou ‘opiniões’ daquele mapa em análise.

(MONMONIER, 1996) e (HARLEY, 2009), sugere

observar:

o Distorções;

o ‘Silêncio’;

o Seleção de plano de informação;

o Simplificação; e

o Deslocamento.

Tabela 15 - Oficina 4

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Análises e relatos de experiência

Essa atividade consistiu em um exercício de análise de um mapa turístico,

disponibilizado para todos os participantes em formato impresso, assim como projetado

em uma tela maior para a discussão realizada após a análise. Assim como mostra o

enunciado abaixo, a primeira tarefa do grupo foi analisar o mapa turístico e discutir

sobre que “cidade” está apresentada naquele mapa.

A pergunta aberta e genérica presente no enunciado foi importante para

promover um primeiro debate entre os estudantes participantes. A atenção então naquele

momento deixou de ser o mapa e passou a ser o seu conteúdo, naquele caso, a cidade de

São Paulo a partir de um mapa turístico.

Após alguns minutos analisando o mapa em grupo, os jovens foram convidados

a compartilhar o que haviam percebido, com isso, para alguns a análise acabou sendo

um momento para apenas retirar informações meramente descritivas no mapa e em sua

exposição descreveram a infraestrutura urbana.

Porém, outros conseguiram realizar uma análise mais profunda e trouxeram

inquietações enquanto a esse conteúdo. Chamou atenção a indagações de alguns sobre a

quantidade de área verde que o mapa turístico revela haver na cidade de São Paulo,

questão que acabou repercutindo entre os outros estudantes presentes como algo que

não parecia correto.

Para aprofundar o assunto e fomentar a conversa, o professor trouxe para as

discussões instrumentos de análise propostos por (MONMONIER, 1996) e (HARLEY,

2009), a partir de algumas perguntas que realizadas oralmente faziam referência a

algum exemplo no mapa em análise.

Page 99: Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e … · 2017. 2. 24. · Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção

99

Sugestão de exercício:

Mapa Turístico

Exercício 1 [Discursos no Mapa]– Observe o mapa e comente sobre que cidade está

sendo representada neste mapa

Fonte: Metro de São Paulo

Utilizando a constatação já construída pelo grupo foi possível chamar atenção

para outras distorções no mapa, da mesma forma com que a cidade não tem tantas áreas

verdes como aparenta o mapa, a ordem e tranquilidade não coincidiam com a impressão

com que o grupo possuía da cidade.

Outra questão que pode ser feita foi em relação ao deslocamento de alguns

lugares da cidade. Justificada pela ausência de escala no mapa, a distância entre os

pontos turísticos e de referência; um exemplo é a falsa proximidade entre a Avenida

Paulista e o Aeroporto de Congonhas, ou mesmo o quão próximo parece estar o

Aeroporto de Cumbica.

A partir disso, foi importante citar o fato de para quem foi produzido aquele

mapa, no caso, turistas. Junto com os subsídios anteriores, tal questão foi fundamental

para sugerir uma reflexão de como os mapas podem incorporar discursos e estar

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100

carregados de pontos de vista. Para consolidar o debate foram apresentados outros

mapas turísticos de cidades que não eram conhecidas por todos os membros do grupo.

Nesse caso a pergunta foi “Que impressão você teria dessa cidade tendo o mapa

turístico como fonte de informação?”.

Além de discutir o que está no mapa, são também elementos importantes pensar

sobre o que não está no mapa, ou, retomando os autores, a Seleção de Planos de

Informação e o Silêncio sobre determinados espaços na representação cartográfica. Um

exemplo gritante seria onde estão os problemas da cidade em questão? Não há

congestionamentos de veículos? Não há moradias em condições precárias? E, afinal,

onde estão as favelas?

Em torno dessa conversa também coube trazer um dos exemplos que este

trabalho discutiu anteriormente: o desaparecimento das favelas do Google Maps no Rio

de Janeiro. A situação do Rio de Janeiro se repete quando feita busca por favelas em

qualquer cidade e este teste pode ser usado de exercício para fazer a mesma discussão.

Ao longo da conversa, o grupo acabou levantando várias outras indagações

sobre o mapa turístico. Alguns outros exemplos são a “beleza e perfeição” em toda a

cidade ou a não informação quanto à “poluição dos rios”. Durante as conversas surgiu

até uma paráfrase ao título do livro de Monmonier, uma estudante afirmou:

“Que isso, esse mapa é uma mentira.” (A.P.C, 15 anos)

Oficina 5 – Mapa Crítico na Prática

Pressupostos Expectativa Descrição

Perspectiva:

Mapas como

resistência;

Justificativa:

Observar o

mapa com

criticidade.

Subsidiar a

produção de

mapas

participativos

Objetivo: Mostrar iniciativas que utilizem de mapas

participativos, discutindo o contexto da proposta e as

técnicas utilizadas;

Materiais: Teaser do Documentário ‘Todo Mapa tem

um Discurso’, Fascículos ‘ Projeto Nova Cartografia

Social da Amazônia’ (PNCSA), Mapa Colaborativo

Web ‘Fogo no Barraco’ e ‘Guia Cultural de Favelas

do Rio’;

Tempo:1 a 2 aulas;

Procedimentos: Apresentar e discutir os projetos, a

partir do acesso e manuseio dos mapas produzidos

nas iniciativas exemplificadas.

Tabela 16 - Oficina 5

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Análises e relatos de experiência

Este momento consiste em uma atividade basicamente expositiva e complementa

a discussão anterior. Apesar disso, é de grande importância, afinal, traz evidências

práticas da produção de outros discursos cartográficos, a partir de mapa contra –

hegemônicos, neste caso, foram considerados mapas a partir de dois aspectos. O

primeiro com o viés de quebrar o silêncio sobre determinado conteúdo para os mapas e

o segundo com os mapas sendo utilizados em um caráter de denúncia ou protesto.

Assim, para a intervenção junto aos jovens, foram retomados exemplos

discutidos no capítulo anterior. Pensando o primeiro aspecto, utilizou-se do

Documentário “Todo mapa tem um discurso” que integra o projeto WikiMapa e o Guia

Cultural de Favelas do Rio de Janeiro, já para o segundo aspecto, o projeto “Fogo no

Barraco”.

Agora, em uma visão mais ampla que acaba por integrar as duas propostas,

foram utilizados exemplos, dos fascículos do Projeto Nova Cartografia Social da

Amazônia. Na oficina foram utilizados alguns fascículos originais de diversas séries do

programa, porém, estes também podem ser acessados no site do projeto.

O Teaser do documentário “Todo Mapa tem um Discurso” apresenta o contexto

de iniciativa de mapeamento colaborativo em favelas do Rio de Janeiro e São Paulo e

pode ser facilmente encontrado na internet. É um recurso interessante na discussão, pois

enquanto mostra as práticas do projeto, também conceitua e contextualiza a

problemática dos mapas e a ausência das favelas nos mapas da cidade.

Outro exemplo interessante é o Guia Cultural de Favelas, afinal, para além de

estar preocupado em romper com o silêncio dos mapas da cidade para as favelas, ainda

vem com a proposta de contar a riqueza cultural desses espaços da cidade, ou seja, para

além da visibilidade, retoma o aspecto positivo.

Os dois primeiros exemplos são ótimos subsídios para a problematização em

torno da ausência de neutralidade dos mapas a partir de seus conteúdos. E na

intervenção em questão, sobretudo o segundo, despertaram curiosidade do grupo

participante. Infelizmente, uma dificuldade para replicar esta tarefa é o precário acesso à

internet em muitas unidades de ensino.

O terceiro e o quarto exemplo foram importantes, pois ampliam as

possibilidades em torno dos mapas. O caráter de denúncia coloca o aspecto político e a

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posição estratégica dos mapas na sociedade e acabam por ser justificativa para

compreendê-los como instrumento de poder.

Apesar disso, durante a oficina, essa argumentação não ganhou muito espaço nas

conversas. A curiosidade em torno dos conteúdos presentes ou não presentes nos mapas

tomou maior atenção, colocando a segunda questão para um próximo momento. Assim,

com destaque maior para preocupação em relação aos mapas, o grupo chegou à etapa de

produção de mapas.

5.3.2. Mapeando ParticipAtivamente na escola

Mapeamento Participativo

Neste momento foram promovidas práticas de mapeamento participativo, tendo

os subsídios construídos nas oficinas anteriores como orientadores da intervenção.

Assim, durante as oficinas, o grupo trabalhou com diversas técnicas de mapeamento

participativo, para então elaborar a cartografia da região que recebeu este projeto.

Foram escolhidas técnicas com características diferentes e com exigências de

recursos também diversos. Enquanto algumas técnicas exigem materiais mais simples,

outras necessitam de recursos de informática. Aquele interessado em replicar tais

práticas terá de adequá-las à estrutura disponível no local.

Mapa Falado

Oficina 6 – Mapa da Quebrada

Pressupostos Expectativa Descrição

Técnica: Mapa

Falado

Perspectiva:

Mapas do

Cotidiano

Justificativa:

Romper o

silêncio

cartográfico.

Mapear a

territorialidade

do grupo

Objetivo: Apresentar a técnica de mapa falado e

utilizá-la como alternativa para diálogo sobre as

referências espaciais do grupo;

Materiais: Objetos comuns na escola e a sala de

aula, barbante, blocos auto-adesivos (para nomear

os locais mapeados);

Tempo: 1 a 3 aulas

Procedimentos: O diagrama (mapa falado) deverá

ser o mediador de conversa, é interessante sugerir

um tema que faça referência à identidade do grupo

em relação ao território; exemplos simples são:

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‘meu bairro’, ‘minha quebrada’, ‘minha cidade’,

etc; assim, deve-se questionar sobre como e em

quais espaços o grupo ocupa a cidade. O mapa

falado deve considerar (FARIA; NETO, 2006) e

(PASSINATO, 2013) alguns pressupostos:

1. O mapa deve estar visível a todos, utilize uma mesa

ou mesmo o chão;

2. Começar a partir de um ponto conhecido a todos,

sendo em uma escola, ela pode ser o ponto de partida;

3. Os objetos usados na representação devem ser

móveis, pois o grupo pode mudar sua posição;

4. O mediador não deve interferir na representação.

Análise e relato de experiência

“Nossa! Não sabia que mapa era algo tão interessante”

(K.C.; 13 anos)

O Mapa Falado foi a primeira técnica de mapeamento proposta para o grupo de

estudantes. A priori estava programada apenas uma oficina utilizando dessa técnica,

porém o interesse e a disposição de alguns jovens fizeram com que a atividade fosse

realizada três vezes. Cada encontro aconteceu com uma característica muita própria,

tendo total relação com o perfil dos participantes.

Figura 41 – Mapa Falado

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O primeiro encontro contou com apenas três estudantes e foi considerado uma

preliminar para os próximos. Por isso, o primeiro mapa, acabou sendo proposto para

uma mesa e utilizou-se de barbantes, etiquetas adesivas e canetas. Como aconteceu em

todos os mapas, a escola foi o ponto de partida e a rodovia Raposo Tavares sempre

surgiu como referencial importante para espacializar outros referenciais da região.

Os participantes dessa primeira oficina acabaram priorizaram os bairros da

região e não lugares específicos. O centro da discussão foi o exercício de lembrar quais

são tais bairros e onde cada um estaria localizado naquele mapa. Como pressupõe a

técnica, o facilitador não interviu em nenhum momento sobre quais ou onde estavam

esses bairros.

Percebendo o envolvimento em torno dessa discussão, o pesquisador não

mobilizou perguntas que mudassem a ‘escala’ do mapeamento e a oficina ficou centrada

nesses bairros, o que permitiu um panorama interessante para qual a territorialidade

desses jovens na região, tendo assim um inevitável destaque para os bairros de

residência e para aqueles onde há algum outro vínculo afetivo ou de acesso a algum

serviço.

Tendo esses bairros relacionados, os participantes passaram a mapear lugares

específicos, e mantendo as mesmas motivações para mapear os bairros, o mapa ganhou

espaços de lazer, estabelecimentos comerciais e serviços públicos essenciais.

Mesmo em número reduzido de participantes o primeiro mapa falado atingiu um

resultado interessante e aliada a expectativa de mais participantes nos dias seguintes,

surgiu motivação para realizar a oficina no próximo encontro. A expectativa foi

atendida e tanto o segundo quanto o terceiro mapa falado contaram com a presença de

12 alunos, tanto pelo número de pessoas como por novos perfis de vivência na cidade

esse mapa ganhou novos traçados.

O maior número de participantes fez com que o diálogo sobre o território

ganhasse maior dinamicidade. O grupo a todo tempo questionava sobre o que se

pretendia representar, a sua localização no mapa e a qual a toponímia devia ser

empregada a determinados locais. Para além disso, outros resultados se mostraram

diferentes daqueles atingidos no dia anterior.

Agora a primeira preocupação foi representar lugares, assim, o mapa em

construção ganhou pontos de referência, espaços de lazer e locais de moradia. Para

representar tais lugares os desenhos tomaram conta do mapa; cuidado e apreço em

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construir alguns dos lugares chamava atenção. O Campo de Futebol, os prédios de

apartamentos recém-entregues em um programa de moradia e o Parque Público foram

detalhadamente desenhados a partir de pedaços de barbante (figura 42).

Figura 42 – Campo de futebol no mapa falado

O grupo acabou se apropriando do mapa falado também como técnica, a

disposição em conversar sobre o território e representá-lo motivou um terceiro mapa

falado. Dessa vez, o professor facilitador interviu na conversa, novos locais surgiram e a

preocupação em ser zeloso com a representação de alguns espaços foi mantida.

Figura 43 – Participação durante o mapa falado

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Sobretudo o terceiro encontro, contou com a participação de jovens com maior

(figura 43) idade e com um envolvimento maior com as ruas do território. Muitos já

trabalhavam, outros tinham uma vivência pelas ruas maior do que os participantes dos

primeiros mapas. Esse fato trouxe preocupações diferentes, como a necessidade de

maior precisão para traçar grandes vias de circulação.

Por fim, foi notável o quanto a primeira experiência com uma mapa participativo

foi relevante para que o grupo compreendesse os princípios teóricos discutidos até

aquele momento. Começar a romper o silêncio sobre quais os espaços da cidade para

aqueles jovens se tornou evidente para todos.

Além disso, a experiência consolidou o grupo de participantes, que até aquele

momento contava com presenças eventuais, ganhou maior coesão e engajamento com a

proposta de trabalho, frato que contribuiu bastante para a continuidade do projeto nos

moldes já colocados, pois seria menos produtivo propor mapas participativos com um

número pequeno ou pouco diverso de participantes.

Mapa Participativo sobre a planta de ruas

Oficina 7 – Mapeando os lugares da quebrada

Pressupostos Expectativa Descrição

Técnica:

Mapeamento

participativo

sobre planta

de ruas;

Perspectiva:

Mapas do

Cotidiano e

Mapas como

resistência;

Justificativa:

Romper o

silêncio

cartográfico.

Mapear a

territorialidade

do grupo

Contextualizar

a região e seus

conflitos.

Objetivo: Construir mapeamento participativo a

partir de base de ruas;

Materiais: Planta de ruas impresso em escala

adequada para leitura, etiquetas adesivas, canetas

coloridas, etc.;

Tempo total: 5 a 8 aulas;

Procedimentos:. Considerar territorialidades,

toponímia e interesses desses jovens a fim de relatar

identidades espaciais do grupo.

Tabela 19 – Oficina 7

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Análise e relato de experiência

Esta técnica é um das mais utilizadas em intervenções de construção de mapas

participativos. O mapa impresso pode ser utilizado como base para mapear os lugares de

interesse do grupo que estiver mapeando (figura 44). É possível aproveitar a situação

para verificar espaços não mapeados e toponímias discordantes ao grupo social que está

mapeando. Canetas marca-texto coloridas podem ser usadas para qualificar os locais

mapeados a partir de critério proposto pelo grupo.

Foi proposta a realização de dois mapeamentos, o primeiro mapeou os bairros

(Considerando esse interesse o Mapa Falado) e o segundo com a proposta de mapear os

lugares relevantes para o grupo. Para definir a abrangencia e a escala de cada um dos

mapas base foi considerado o apontado durante o mapa falado.

Como a escola está localizada a beira de uma rodovia, parte de seus estudantes

residem de um lado e outra parte do outro lado da rodovia e também considerando a

experiência anterior, os estudantes passaram a ser divididos em dois grupos, pois, apesar

das passarelas que ligam os lados, quem mora em um outro lado preferiu opinar sobre

tal.

Figura 44 – Mapa participativo sobre planta de ruas

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Mapa 1 – Bairros

Oficina 7.1 – Mapeando bairros, vilas, quebradas e favelas

Descrição

Objetivo: Mapear os bairros ou territórios que os estudantes conhecem ou frequentam;

Materiais: Planta de ruas impresso em escala adequada para leitura, etiquetas adesivas,

canetas coloridas, papel cartão, papel sulfite, cola e tesoura;

o Considerando a escala 1: 14000 a planta de ruas foi impressa em uma folha A3;

Tempo: 1 a 2 aulas;

Procedimentos:

o Disponibilizar a base impressa;

o Assinalar um ponto conhecido de todos, sugestão: a escola;

o Solicitar que os territórios sejam registrados com caneta;

o Utilizar a etiqueta como rótulo para os territórios;

o Colar o mapa no papel cartão, podendo as laterais abrigar o título, legenda ou

outras informações do mapa.

o Considere territorialidades, toponímia e interesses desses jovens a fim de relatar

identidades espaciais do grupo.

Tabela 20 – Oficina 7 Bairros

A proposta do primeiro mapeamento a partir da planta de ruas tinha a proposta

de mapear os bairros da região, a partir da perspectiva dos estudantes. Sua escala

contemplava todos os bairros citados durante o mapa falado, foi impresso em uma folha

A3 e tinha como base cartográfica o Open Street Maps.

Foram impressos mapas de duas grandes regiões da subprefeitura do Butantã,

tendo a Rodovia Raposo Tavares como limite.

O grupo então foi provocado a assinalar onde estavam bairros, vilas,

quebradas, comunidades ou favelas que eles conheciam ou tinham algum tipo de

referência. Com canetas e etiquetas em mãos o grupo escolhia quais e onde estavam

esses bairros (figura 45). Grande parte daqueles locais já citados no Mapa Falado foram

retomados, porém, com a referência de ruas e avenidas, outros bairros também foram

mapeados.

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Figura 45 – Mapa participativo para os bairros

A indicação desses bairros revelou onde estavam diversos dos bairros citados

no mapa falado, que não estão presentes nas bases cartográficas mais comumente

usadas. O Butantã para quem mora em suas áreas mais vulneráveis possui bairros ou

vilas diferentes daquelas presentes nas bases cartográficas oficiais ou aquelas do

popular serviço de mapas da Google.

A primeira etapa foi espacializar esses bairros e tendo concluído essa proposta,

a segunda etapa propunha qualificar os dados obtidos a partir das considerações quanto

ao contexto socio - econômico da região. Assim, foi feita uma discussão considerando

os indicadores sociais da subprefeitura do Butantã (proposta apresentada a seguir) para

definir como qualificar os dados espacializados.

Pensando o contexto

É importante ressaltar que as oficinas acima descritas perderiam a coerência do

conteúdo se não fossem propostos debates que pudessem perpassar a Cartografia. No

percurso dessa dissertação foi discutido qual o contexto e a Geografia justificam e

mobilizam a promoção de mapeamento participativos, como também, do conteúdo dos

mapas na história como exemplo para evidenciar sua ausência de neutralidade.

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Dessa forma, pensar o contexto a ser mapeado junto com o grupo de agentes de

mapeamento foi imprescindível. Para isso foram construídos dois momentos; o primeiro

a partir de uma situação em plano teórico e em um segundo momento já no plano

empírico.

Evidentemente, o primeiro momento acabou por resgatar informações já

apresentadas nessa dissertação. Nesse caso, foi retomada a ideia de territorialidades

emergentes em PORTO-GONÇALVES (2006) sendo estas expressas no conflito pelo

acesso ao território urbano.

Oficina 7.2 – Qualificando meu mapa

Descrição

Objetivo: Identificar conflitos urbanos da região;

Materiais: Indicadores socioeconômicos da região, reportagens sobre conflitos urbanos e

episódio “Auto estrada fracassada” (28º episódio da 5ª temporada de The Woody

Woodpecker Show, 1961);

Tempo: 2 aulas;

Procedimentos:

o Recomendar o desenho animado;

o Fomentar discussão sobre conflito urbano;

o Compartilhar reportagem e indicadores, promovendo discussão sobre o

contexto a ser mapeado.

Tabela 21 – Oficina 7 Qualificando

Antes de prosseguir com as oficinas de mapeamento se fazia necessária uma

conversa sobre a realidade mapeada. A expectativa em torno da discussão era chegar a

uma proposição para qualificar o contexto a partir das contendas sociais e territoriais

que envolvesse a região mapeada.

Para dar vazão ao debate foi sugerido aos estudantes assistirem um episódio da

consagrada série The Woody Woodpecker Show (Pica Pau Show). Onde a casa do

personagem principal estava no caminho da construção de uma estrada, na história há

um conflito em torno da retirada ou permanência dessa casa.

O evidente conflito de interesses e sua inevitável correlação com histórias que

não sejam fictícias foi motor do debate em torno do episódio, isso permitiu aprofundar o

debate trazendo exemplos de reportagens quanto às contendas na cidade de São Paulo.

Para isso, foi retomada uma conversa que em outro momento chamou menos atenção,

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com reportagens sobre incêndios em favelas da cidade de São Paulo e uma possível

correlação entre o conflito dessas comunidades e os interesses do mercado imobiliário.

Nessa situação, foi mais uma vez feita uma referência ao mapa colaborativo

“Fogo no Barraco”, buscando ilustrar o potencial de denuncia e mobilização dos mapas

para a resolução de demandas da sociedade. Com isso, também foi possível questionar

se o grupo tinha alguma demanda de protesto da região que julgassem relevante para

acrescentar no mapa que estava sendo construído.

Nesse momento alguns exemplos surgiram, desde a violência policial ou o

avanço dos condomínios de alto padrão na região, mas nada ganhou protagonismo ao

ponto de ser algo a ser mapeado. Quanto a esse questionamento, o grupo permanecia

interessado em mapear suas referências, a sua quebrada.

Continuando a conversa sobre contexto, o mediador apresentou alguns

indicadores socioeconômicos da região, que já foi citado em seções anteriores dessa

dissertação, apresentados o mapa de privação social do CEM (figura 30) e o índice

GINI da subprefeitura do Butantã. Logo essa informação mobilizou um novo debate,

agora, focado na região.

O grupo fez coro à diversidade de realidades socioeconômicas e de desigualdade

social exposta pelos números e relatou alguns exemplos presentes no cotidiano de cada

um deles. Durante essa conversa foi possível perceber que essa diversidade estava

presente no mapeamento em produção.

Considerando isso, o facilitador questionou o quanto determinado local estaria

ligado a uma ou outra classe social e se isso poderia ser indicado no mapa. A resposta

positiva foi levada a prática no mapeamento de vilas, bairros e quebradas e assim os

pontos mapeados foram qualificados de acordo com a classe social lá residente.

Desta forma, os bairros mapeados foram qualificados de acordo a opinião do

grupo sobre o seu perfil socioeconômico, onde os estudantes estavam divididos em dois

grupos e então produziram dois mapas, cada um desses grupos estava debruçacado em

uma parcela do território e criou suas chaves de qualificação para os bairros (figura 46 e

47). Tendo em vista a característica do Butantã como uma subprefeitura de gritante

desigualdade social, essas chaves refletiram tal fato.

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Figura 46 Legenda proposta Figura 47 - Legenda proposta

Enfim, a conversa terminou com o grupo novamente debruçado sobre os mapas

e com um intenso debate sobre como qualificar os locais mapeados. Algo que chamou

atenção nessa última situação foi o fato do grupo entender que não deveriam qualificar

um bairro que havia sido indicado por estudantes que não estavam presentes no

momento. Essa justificativa mostrou o quão responsável e envolvido o grupo estava

com o resultado do mapeamento.

Mapa 2 – Lugares

Oficina 7.3 – Mapeando os lugares da quebrada

Descrição

Objetivo: Construir mapeamento participativo a partir de uma base de ruas;

Materiais Planta de ruas (Open Street Maps) impresso em escala adequada para leitura,

etiquetas adesivas, canetas coloridas e tesoura;

o Considerando a escala 1: 2500 a planta de ruas foi impressa em uma folha A0;

Tempo: 2 a 4 aulas;

Procedimentos:

o Disponibilizar a base cartográfica impressa;

o Assinalar um ponto conhecido de todos, sugestão: a escola;

o Solicitar que os lugares de interesse ou significativos sejam localizados;

o Utilizar a etiqueta como rótulo para os lugares;

o Qualificar esses lugares, caso haja interesse, podendo usar canetas marca-texto

de cores diferentes para identificar classes.

Tabela 22 – Oficina 7 Lugares

Nos três encontros seguintes o grupo esteve mobilizado em mapear lugares

significativos. A divisão em dois grandes grupos e a base cartográfica foram mantidas,

mas a escala foi diminuida, contemplando maior detalhe e focando a região de moradia

desses jovens. Além disso, para possibilitar indicações em maior detalhe, o mapa foi

impresso em uma folha A0 (figura 48).

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Figura 48 – Mapeamento participativo sobre planta de ruas

Nesse momento, os jovens já tinham grande autonomia e apropriação da

proposta, e atrelado a isso, pertencimento e proximidade ao espaço a ser mapeado. Por

essa razão, a atividade acabou sendo estendida para mais dois encontros além dos dois

projetados inicialmente. Como no mapa falado, a maioria dos locais representados

foram serviços públicos, comércio, moradia e espaços de lazer.

Dentre esses locais, a maioria representava espaços que os participantes tinham

apropriação dentre suas práticas cotidianas, ou seja, ocupavam de alguma forma. Porém,

outros eram locais de referência para quem mora na região; alguns exemplos são

fábricas, lojas de veículos ou condomínios residenciais onde ninguém possuía algum

tipo de relação afetiva ou cotidiana.

Como no mapa anterior, foi proposto que os pontos mapeados também fossem

qualificados e como antes, o contexto foi utilizado para refletir sobre qual seria a chave

para qualificar tais lugares, mas, dessa vez, ao invés de utilizar de uma variável concreta

(socioeconômica) foi adotada uma chave subjetiva e abstrata. A pergunta foi: “Dos

locais mapeados, como vocês se sentem ou o que vocês sentem por esses espaços?”.

O caráter mais subjetivo trouxe muito mais leveza para a tarefa de qualificar o

que eles haviam mapeado e provocou uma retomada de debates sobre o território para o

grupo. Em exercício “mais humano”, sobretudo quando a referência era um lugar

positivo, novos espaços foram lembrados pelo grupo. Da mesma forma, lembranças

negativas e histórias que faziam eco para a desigualdade social na região, lugares ‘ruins’

foram citados e também mapeados.

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Mapas Colaborativos

A última técnica promovida nessa intervenção é a de mapeamento colaborativo.

Para aplicá-la é necessário acesso a Internet em velocidade compatível, assim como, de

versões recentes para o navegador (browser) instalado no computador. Infelizmente, a

garantia de conexão ou computadores em pleno funcionamento é um problema em

muitas escolas e na unidade em questão não era diferente9.

Na unidade escolar, a conexão com a internet costumava oscilar, assim, de

maneira a garantir que ao menos parte das atividades propostas acontecesse, um dos

últimos encontros da formação foi organizado para acontecer no LEMADI (Laboratório

de Material Didático) do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras

e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).

Oficina 8 – Um mapa que eu posso mudar

Pressupostos Expectativas Descrição

Técnica: Mapa

colaborativo;

Perspectiva:

Hackeamento

de Mapas;

Justificativa:

Romper o

silêncio

cartográfico.

Colaborar com uma base

cartográfica aberta;

Representar na base

toponímias incoerentes ou

espaços não mapeados, a

partir do ponto de vista de

quem vive na região.

Objetivo: Apresentar e colaborar com

informações espaciais em plataforma

colaborativa on-line, open-source e de dados

cartográficos abertos;

Materiais Acesso à internet, computadores e

Plataforma Web Open Street Map;

Tempo: 2 aulas

Procedimentos: Acessar o portal, verificar

quais locais tem toponímia inadequada a

realidade local e realizar as edições;

Tabela 23 – Oficina 8

Análise e relato de experiência

A primeira oficina utilizando a técnica de mapeamento colaborativo era mais

curta e fez uso da base de informações coletadas durante o mapa participativo. A

escolha da base cartográfica para o mapa participativo foi justificada nesse momento;

utilizando a planta de ruas com base no serviço de mapas do Open Street Map s, no

momento anterior os participantes foram questionados a apontar “erros” ou

“discordâncias” com relação às informações presentes no mapa.

9 De acordo com o Censo Escolar / INEP de 2015, apenas 54% das escolas públicas tem acesso à banda

larga e 44% estão equipadas com Laboratório de Informática.

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A sugestão era que os estudantes identificassem ruas ou lugares não presentes,

como também, toponímias ao qual não fizessem sentido para eles. Assim, logo chamou

atenção como a toponímia de todas as favelas apareciam no mapa. Elas estavam

acrescidas do adjetivo “Vila” (figura 51), os jovens logo apontaram que esse termo não

é utilizado no cotidiano de quem mora na região.

Observando a base do Open Street Maps, a maior parte das favelas aparece com

esse termo como adjetivo, enquanto o evento narrado anteriormente sobre o Google

Maps e o desaparecimento do adjetivo “Favela” para a toponímia dos bairros assim

caracterizados no Rio de Janeiro, nessa base outro termo foi utilizado, “Vila” para o

grupo questionado também não fazia sentido, a escolha foi o mais simples possível, e

nenhum termo foi acrescentado antes do nome da “quebrada”.

Figura 50 – Base antes da edição

Figura 51 - Base depois da edição

Figura 49 – Base open street maps editada

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Como o exemplo acima mostra (figuras 49 e 50), foram feitas as alterações

narradas anteriormente, além delas, havia erros de grafia, como também, desacordo do

grupo com a toponímia para algumas favelas representadas no mapa. Ao todo foram

realizadas oito edições na base do Open Street Maps para a região do Sapé e do Jardim

Jaqueline.

Esse exercício é facilmente repetido em sala de aula, pois as edições no mapa

podem ser feitas diretamente no open street maps. E é um exemplo prático e concreto

para discussões sobre Cartografia Crítica e a promoção de novos autores para os

discursos cartográficos.

Oficina 9 – Um mapeamento que posso compartilhar

Pressupostos Expectativa Descrição

Técnica: Mapa

Colaborativo;

Perspectiva:

Mapas do

Cotidiano e

Hackeamento

de Mapas;

Justificativa:

Romper o

silêncio

cartográfico.

Mapear territorialidade

Construir mapa

colaborativo

Objetivo: Criar mapa colaborativo

Materiais : Acesso à internet,

computadores ou smartphones e

Plataforma Web Google My Maps;

Tempo: 2 a 4 aulas;

Procedimentos:

o Criar conta no Google;

o Mostrar exemplos de mapas

criados por outros usuários;

o Apresentar layout do recurso:

Botões e suas funções;

o Criar camadas de dados;

o Definir campos para a tabela de

atributos;

o Inserir informação espacial e seus

atributos em suas respectivas

camadas.

o Exporte os dados e os abra em

outra plataforma (ex: Google

Earth)

Obs: Essa atividade aproveitou da circunstancia e

digitalizou a informações já mapeadas na oficina

7.3. Tabela 24 – Oficina 9

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117

Análise e relato de experiência

A última oficina utilizou, mais uma vez, a técnica de mapeamento colaborativo,

dessa vez, o recurso web utilizado não foi o de uma plataforma open source e sim um

serviço de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo contemporâneo, a

Google. O aplicativo Google My Maps permite ao usuário criar um mapeamento sobre

a base cartográfica da empresa, sendo que este pode ser compartilhado e editado com

outros usuários.

Dentro da ferramenta é

possível criar dados utilizando

de pontos ou linhas, estes podem

ser organizados em camadas e

ter uma tabela de atributos

vinculada. Por fim, essa

informação pode ser exportada e

salva no formato de dado

espacial KML, que embora seja

orgânico aos programas Google,

pode ser convertido em outros

formatos e utilizado em outros programas de geoprocessamento.

Por isso, além de promover a técnica e suas possibilidades para o grupo, essa

oficina permite a produção de informações espaciais com condições de serem

incorporadas a trabalhos que

considerem o rigor e os

parâmetros cartográficos

necessários para o

geoprocessamento de dados.

Essa oficina levou

dois encontros, sendo que o

segundo aconteceu no

LEMADI-DG-FFLCH-USP

(figura 52). No primeiro

momento foi necessário criar

contas de usuário Google

Figura 52 – Oficina na USP

Figura 53 – Mapa colaborativo “Quebrada Maps”

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para os envolvidos que não a tivessem, como também, verificar se todos tinham

vivência em utilizar do Google Maps e conseguiam manusear seus recursos básicos.

Tendo essa condição satisfeita, foi necessário apresentar o layout e os recursos

do serviço, sendo que o proposital caráter intuitivo facilita o processo. Porém, para além

dos botões ou links intuitivos, considerar os parâmetros básicos da Cartografia é fator

relevante para o quão “profissional” e replicável podem ser os dados ali produzidos.

Evidentemente que este fato dependerá do que se almeja com aquele mapa,

como foi o caso do mapa aqui proposto. A partir da proposta de digitalizar o

mapeamento já realizado sobre o papel, este grupo apenas iria gerar um mapa de pontos

organizados em três camadas e sem nenhum atributo específico. O mapa final seria

apenas um mapa temático aberto à consulta e visualização, não sendo um mapa aberto a

novas contribuições (figura 53).

Foi promovida a metodologia participativa, porém não era objetivo utilizar todas

as possibilidades e pressupostos da técnica de mapa colaborativo e tornar o mapeamento

aberto a novos agentes, e sim, apresentar a técnica e seus recursos para o grupo, assim

como possibilitar o mapeamento de outros lugares de interesse.

Atividades complementares

o “Saída Fotográfica”

Oficina – Saída Fotográfica

Expectativa Descrição

Observar

empiricamente o

contexto mapeado

Objetivo: Observação e registro fotográfico do contexto mapeado a

partir do olhar dos estudantes envolvidos

Materiais: Smartphone ou câmera fotográfica para registros visuais;

Tempo: 2 a 4 aulas

Procedimentos:

o Caminhada coletiva para observar e fotografar o

território;

o Identifique os lugares mapeados;

o Oriente o grupo a fazer anotações sobre ressalvas a serem

feitas no mapa;

o O roteiro e suas rotas devem ser promovidos pelo grupo

que ali reside.

Tabela 25 – Saída Fotográfica

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Outra atividade muito relevante foi a realização de um trabalho de campo (figura

54) a partir da proposta de uma “saída fotográfica”. Assim, foi realizada uma caminhada

pelos bairros da região que foram contemplados pelo mapeamento participativo,

buscando ser feito o registro fotográfico do máximo de lugares que haviam já sido

mapeados, como também de discutir sobre lugares que pudessem ainda não ter sido

contemplados.

Figura 54 – Caminhada durante trabalho de campo

A atividade foi planejada para durar quatro horas e dividida em dois momentos.

Visitando primeiro a região do Jardim Jaqueline e após uma pausa, a segunda parte da

atividade visitou a região do Sapé. Os estudantes foram instruídos a utilizar seus

aparelhos smartphones para fazer os registros fotográficos.

Como já colocado, o grupo era formado por alunos de duas regiões e por isso

não eram todos que conheciam as duas regiões. Esse fato acabou fazendo com que além

de discutir sobre lugares já conhecidos, a caminhada se tornasse uma rodada de

apresentações entre os jovens moradores de cada região e, evidentemente, para o

próprio professor pesquisador.

Essa situação também influenciou diversas comparações entre os bairros durante

a caminhada. Algumas situações provocadas por aspectos negativos ou positivos de

cada um dos lugares, como também de características mais subjetivas ou impressões

que os visitantes pudessem ter do local visitado.

Outra motivação para as conversas esteve na narrativa de memórias daqueles

jovens sobre seu lugar de morada. Lembranças pessoais ou coletivas faziam referência

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quanto a antigas moradias, escolas ou espaços de lazer, como também, sobre bons

momentos ou eventos cotidianos em meio a vielas e ruas da quebrada.

O acervo fotográfico produzido também pode ser utilizado como informação

para o mapa colaborativo, pois algumas dessas fotos ilustraram os atributos dos pontos

mapeados, além disso, foi possível integrar essas fotos em alguns momentos da

discussão da dissertação.

Divulgação e apresentação dos resultados

O grupo apresentou os resultados das oficinas em dois momentos, o primeiro em

uma visita ao LEMADI-DG-USP, onde pesquisadoras do laboratório acompanharam a

apresentação. A segunda situação foi na escola, durante uma reunião entre professores,

alunos e responsáveis, em que o grupo fez uma breve apresentação do projeto e realizou

uma pequena exposição dos mapas.

A experiência no LEMADI-DG-USP (figura 55) foi muito produtiva, o grupo

ficou muito a vontade em apresentar o resultado do mapeamento para os presentes no

laboratório. Ao mesmo tempo, a apresentação foi importante no sentido de valorizar o

trabalho realizado durante o processo de formação.

Da mesma maneira, a apresentação na escola (figura 56) foi proveitosa e deu

visibilidade tanto para os alunos quanto para o projeto realizado na escola. Infelizmente,

devido ao tempo restrito do evento, não foi possível que os mapas fossem validados ou

mesmo que houvesse um debate sobre o que foi mapeado com o restante da comunidade

escolar presente.

Após essa apresentação, os estudantes receberam um certificado de participação

na formação, o qual, apesar de modesto, foi muito relevante, tanto pelo teor de incentivo

como pelo reconhecimento ao interesse e dedicação que todos os jovens estudantes

tiveram para com o projeto.

Figura 55 – Apresentação no LEMADI-DG-USP Figura 56 – Apresentação na escola

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6. Considerações finais

“Não se pode falar pelo subalterno, mas pode-se trabalhar ‘contra’ a subalternidade,

criando espaços por meio dos quais o sujeito subalterno possa falar para que, quando ele

ou ela o faça, possa ser ouvido”

(SPIVAK, 2010, p.15)

Não existe apenas uma versão para o encontro entre caçadores e leões, o

evidente conflito de interesses justifica a ausência de neutralidade na versão de um ou

de outro. Se apenas o caçador usufruir do privilégio de oferecer um relato, só haverá

visibilidade de suas vitórias enquanto a resistência do leão será silenciada. Oferecer

contraponto a isso é o enredo desta pesquisa, porém, neste caso, os contos de caça são

os mapas. Afinal, considerando a Cartografia Crítica, os mapas não são neutros e são

usados para representar de maneiras diversas a mesma realidade. Por isso devemos

olhar criticamente todos os mapas, aspecto que deve orientar a todos na sociedade, tanto

os que mapeiam como aqueles que são mapeados, afirmações estas, que estão

justificadas em inúmeros momentos desta dissertação.

A ciência dos príncipes continuou sendo estratégica aos poderosos e aos seus

planos de poder e interesses, sendo revelados através de como cada um pode estar ou

não representado nos mapas dos poderosos. Assim foi no colonialismo europeu

mapeando a África, na relevância dos mapas para legitimar a invenção dos estados

nacionais e o quanto os mapas são ferramenta para o controle destes estados ou para

como os mapas da cidade representam os pobres.

Afirmações que se tornaram inegáveis no desenvolvimento de propostas de

como analisar os mapas criticamente, e irrefutáveis com o fortalecimento da publicidade

de mapas e metodologias de mapeamento com potencial de contestação a tais discursos

de dominação.

Representar identidades e espaços não mapeados tornou-se fundamento para a

construção de mapas críticos e está no mapeamento participativo o maior exemplo para

como outras narrativas espaciais estão sendo contadas.

A expectativa em colaborar na resolução de conflitos territoriais entre

comunidades tradicionais e seus opressores caracteriza os mapas participativos e se dá

com a apropriação das técnicas cartográficas modernas “por grupos sociais

historicamente excluídos das tomadas de decisão” (ACSELRAD; VIÉGAS, 2013, p.

17). Conhecer iniciativas como as do CPI/AC, ISA e PNCSA ajuda a contar esta

história.

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Reconhecida a importância da metodologia, é relevante problematizar sua

apropriação pela sociedade. (ACSELRAD; VIÉGAS, 2013) aponta ao mesmo tempo

em que a produção participativa de mapas com fins libertários, visando romper com

formas de dominação, também podem estar delineadas dentro de novas formas de

dominação.

(ACSELRAD; VIÉGAS, 2013), (ACSELRAD, 2012), (COLI, 2012) também

trazem exemplos da apropriação da metodologia por atores hegemônicos no contexto

das comunidades tradicionais, um viés está na reflexão de quem são os atores

interessados em financiar experiências de mapeamento.

Há uma infinidade de instituições que se relacionam com experiências na forma

de financiadores ou doadores, são elas: o governo, as instituições governamentais com

parceria internacional, ONGs nacionais e internacionais, além de grandes empresas.

Assim, é necessário refletir “sobre tais instituições e suas lógicas se dá em razão

de as mesmas, de forma direta ou indireta, interferem nos rumos tomados” pelas

metodologias e nas experiências de mapeamento (ACSELRAD; VIÉGAS, 2013 p.20),

como pelo fato de poderem escolher quem priorizar na hora de disponibilizar recursos.

Interesses que também podem aparecer de maneiras mais explícitas como aponta

(COLI, 2012). No projeto México Indígena que foi protótipo para um projeto maior, o

Bowman Expeditions, da American Geographical Society (AGS), em janeiro de 2009

foi acusado pelo movimento social mexicano de ‘geopirataria’, Por trás da proposta de

combater o que o projeto chamava de ‘ignorância geográfica’, geógrafos eram enviados

para as comunidades para produzir dados cartográficos abertos trabalhados em SIG.

Porém, o movimento social mexicano identificou que havia motivação oculta, sendo

que na verdade o interesse seria acompanhar a evolução de movimentos sociais latino-

americanos.

A justificativa que estava por trás do projeto havia investimento do

departamento militar dos Estados Unidos e das mesmas instituições que comandavam

projeto similar no Iraque e no Afeganistão. Por lá, o interesse era declarado, reunir

informações detalhadas acerca da geografia física e humana dos países, de forma a

facilitar o trabalho das tropas americanas.

Outra situação que pode ser problematizada e observada com atenção, como já

pontuado no capítulo 3, é a intencionalidade da Google em participar de projetos de

mapeamento nas favelas cariocas, que apesar da importância e da dignidade oferecida

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pela visibilidade nos mapas, o processo também não acontece de forma neutra ou

ausente de interesses.

A mesma empresa que em 2013 retirou o rótulo favela da toponímia de seus

mapas, também apoiou projetos de mapeamento participativo e incluiu em sua base

cartográfica informações de 26 favelas da mesma cidade, e, na semana de abertura dos

jogos olímpicos apresentou ao mundo o projeto tour.

O interesse econômico se torna evidente ao perceber que este processo acontece

com maior entusiasmo em favelas da zona sul e oeste da cidade, regiões mais próximas

ao grande circuito turístico do Rio de Janeiro, que oferecem maior viabilidade

econômica na emergência do chamado turismo de favelas10

.

Questionamentos que permitem mais uma vez afirmar que a guerra dos mapas

continua atual, tanto pelos mapas participativos oferecerem contraponto a mapas

hegemônicos, como também através das apropriações sociais que a metodologia pode

estar submetida, além disso, uma questão ainda mais profunda também reitera a

atualidade da guerra dos mapas. Neste caso, no que se refere aos interesses conectados a

grandes quantidades de investimento direcionadas ao controle dos instrumentos

tecnológicos de produção cartográfica.

Para (SANTOS, 2011c),

“Controlar os instrumentos de produtos destes processos cartográficos

(espontâneos, interativos e participativos) pode significar a definição de possibilidades e

limites a estas operações de raciocínios espaciais- ou seja, um controle social”.

Assim, se antes a crítica estava no monopólio dos mapas estatais, hoje apesar do

avança no acesso a informação, outra faceta do monopólio está nas mãos das grandes

empresas, no controle das ferramentas onde todos irão produzir seus mapas, “controlar o

instrumento é definir a linguagem, o ambiente dialógico”.

Preocupação justificada tanto pelo poderio da Google através de mais de um

bilhão de usuários ativos e a média diária de 14 milhões de acessos diários através dos

smartphone, como também pela supramacia da ESRI, líder mundial no mercado de

software para geoprocessamento.

(COLI, 2012) também problematizando o papel da ESRI, aponta as perspectivas

que permeiam os projetos apoiados pela empresa no âmbito econômico e militar. E um

10

Ver mais sobre em (SANTOS, J. 2012)

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dos pontos é a formalização do direito a propriedade em países em desenvolvimento,

sugerindo a relevância dos mapas para inseri-las na economia de mercado.

Raciocínio que repete dos dizeres de (HARVEY, 1989) na discussão sobre

fundamentação do capitalismo e a modernidade, quando a necessidade de mensurar para

transformar o espaço geográfico em propriedade privada colaborou na transformação do

paradigma da representação presentes nos mapas.

Para os poderosos, mapear territórios emergentes ou deixar que alguém o

mapeie, é exercer o poder da cartografia a serviço de seus interesses, que podem ter

diversas motivações, como: tomar o controle do território (HARLEY, 2009), torná-lo

propriedade (HARVEY, 1989), transformá-lo em explorável (COLI, 2012) ou para

extirpar seu povo da sociedade. Apesar disso, como discutido, a teoria crítica e o poder

de contestação dos mapas continuam em ebulição e tudo está em disputa, da utilização

de ferramentas de mapeamento ao acesso a dados espaciais, como inclusive, a principal

metodologia para a produção de mapas de contestação ao hegemônico, com

apropriações sociais que sujeitam os mapas participativos a interesses do status quo.

Colaborar com a disputa é permanecer coerente à teoria crítica e continuar

fomentando um maior ativismo na apropriação da Cartografia pela sociedade, o que até

pela indiferença para o assunto reinante em muitos cartógrafos, provoca[rá] [mais]

tensões dentro do campo disciplinar (SANTOS; 2011b, 2011c).

Tensionamento que para (SANTOS; 2011c, p.16), pode vir do fato de “que cada

vez mais cartógrafos, e mais processos de formação e educação cartográficas

(envolvendo o ensino de Geografia) atentarão para a relação entre cartografias e lutas

sociais”. Ponto de vista também compartilhado por esta pesquisa, durante a formação

em cartografia e a promoção de novos e jovens atores para a cena cartográfica. Centrada

na cartografia crítica e nos mapas participativos, contribui com a pluralização dos

mapas do ensino de geografia na escola pública.

Para o êxito da formação, nem o pessimismo que envolve praticamente tudo

relacionado à escola pública foi obstáculo. Oferecendo mais um contraponto ao

sentimento que muitas vezes é oriundo de um senso comum superficial e outras vezes é

estratégia para impedir a construção de uma educação pública e de qualidade. E esconde

que mesmo em meio a seus problemas e contradições, a escola pública também é um

lugar onde fervilha a construção de conhecimento e a quebra de paradigmas.

Infelizmente, nem tudo que é produzido na escola pública é documentado ou

publicado, pois sem dúvida, outras contribuições importantes estão continuamente

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sendo elaboradas por estudantes, professores e professoras. Haja visto que, conversas

produtivas com outros professores de Geografia na escola que recebeu a atividade

formativa, foram uma contribuição significativa para a sistematização das oficinas

realizadas.

Enfim, a vivência da escola pública foi muito positiva para a experiência,

trazendo provocações e resultados de extrema relevância. O maior exemplo é a

sistematização da formação em Cartografia, que além das nove oficinas, retornou outros

resultados interessantes ao longo de seu processo.

Assim, mesmo não sendo o objeto central da pesquisa, apontamentos sobre

como os mapas aparecem e podem aparecer no cotidiano no ensino de Geografia e

comparativos entre as metodologias de mapeamento participativo foram inevitáveis, por

exemplo, durante a etapa de sensibilização, foi utilizada a charge ‘Quebrada’ de Vitor

Teixeira, onde na charge o mapa da Faixa de Gaza representa uma cartografia para os

bairros da periferia de São Paulo. A analogia construída pelo autor utiliza de uma

representação cartográfica particular para a territorialidade e a identidade de bairros

periféricos da cidade de São Paulo.

Para além de interpretar o que o artista deseja expressar, há uma infinidade de

temas ao qual esta charge pode catalisar o debate, cabe sinalizar o caráter criativo e

alternativo da proposta de mapa, sugerindo que o uso de charges pode contribuir para

ampliar o repertório cartográfico crítico no ensino de Geografia. Considerando que

apesar de muitos estudos sobre a utilização de charges no ensino de Geografia, não

existe nada especificamente sobre cartografia e as charges no ensino, reflexões se

mostram necessárias.

As Charges são sugestão relevante para projetos de cartografia escolar

alternativa através da “subversão de convenções cartográficas” (SEEMANN, 2012,

p.141). Afinal, a partir das artes, os mapas podem ser propostos em representação que

não obedece ao “rigor de formas e conteúdo”, (SEEMANN, 2012, p. 147), ignora os

limites da cartografia formal e permite a expressão de outras identidades espaciais.

A etapa de diagnóstico de saberes cartográficos dos participantes da formação

ofereceu subsídios para reorganizar as atividades seguintes, mas, além disso, promoveu

outras constatações sobre o uso dos mapas na escola.

Assim, mostrou que a grande maioria dos estudantes envolvidos tinha

apropriação de parte dos conceitos para identificar um aluno como alfabetizado

cartograficamente, porém, houve alguns casos de estudantes que não consideravam a

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visão vertical na elaboração de seus croquis ou outros que no segundo exercício não

fizeram a interpretação da legenda. Mostrando que durante o mapeamento participativo

apontamentos sobre visão vertical, horizontal e oblíqua; como também, sobre legenda

foram necessárias.

Para além do diagnóstico, outro fato chamou atenção, muito dos croquis da sala

de aula traziam o lugar de cada estudante dentro da sala (figura 57), característica muito

relevante para o mapeamento participativo construído na sequência das oficinas, pois

demonstrou abertura de alguns desses jovens para trazer eles mesmos para os

mapeamentos que iriam ser provocados a construir adiante.

Considerando (SIMIELLI, 2003 p.102), a segunda oficina do diagnóstico

verificou as condições de localização/análise e correlação, dois dos três níveis propostos

pela autora para qualificar o estudante como um usuário de mapas. Como na escola,

usa-se o atlas “apenas para indicar a ocorrência de um fenômeno”, ou seja, no nível de

localização/análise, os professores não trabalhariam o “segundo e o terceiro níveis, que

são níveis mais elaborados, mais complexos, portanto mais rico no trato da

informação”.

Afirmação que pode ser respaldada com algumas manifestações dos alunos

durante a experiência, como quando alguns questionaram porque na escola não há mais

exercícios como esses. A curiosidade da maioria parecia muito pelo potencial

investigativo que os mapas permitiam.

Uma das afirmações que chamou muita atenção e merece a citação literal.

Figura 57 Mapa mental e os alunos na sala de aula

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“Oh professor! Acho que a gente precisa fazer mais

atividades como essa, com os mapas”

(J.H.; 14 anos)

A provocação dos estudantes sinaliza a necessidade dos mapas serem

incorporados com maior propriedade no ensino de Geografia, talvez a influência da

cartografia crítica nas propostas didáticas possa colaborar com esse movimento,

contribuições coerentes aparecem a partir da quarta oficina.

Se o desenvolvimento da Cartografia Crítica congrega reflexões teóricas e

iniciativas práticas, o mesmo pode acontecer para fortalecê-la na escola. A intervenção

aqui descrita colabora com o plano teórico nas oficinas de problematização, enquanto

com o prático, a partir da promoção de mapas participativos na escola.

Assim, recursos para que a leitura dos mapas possa ser feita de maneira crítica

devem ser oferecidos. Utilizar (HARLEY, 2009) e (MONMONIER, 1996) para

problematizar a ausência na neutralidade, simplificação, generalização ou silêncio de

um mapa em relação a uma área pode ser feita em todo e qualquer mapa. Sugestões para

como fazer isso apareceram na quarta oficina.

Porém, outros exemplos podem ser facilmente apresentados e não só para

quando o conteúdo da aula de Geografia for a própria Cartografia e também quando ela

for um recurso didático. Utilizando a crítica aos mapas de maneira mais ampla,

transversalmente e não apenas com o fim nela mesmo. O professor pode apresentar

novos discursos cartográficos, utilizando de projeções que não sejam as eurocêntricas

durante a abordagem de conteúdos, apesar de simples, fazer esse exercício questiona a

naturalização do eurocentrismo nos mapas. Didelon apud (Fonseca, 2006), verificou

com 102 estudantes do curso de Geografia da USP, solicitando que todos fizessem um

desenho livre para um mapa do mundo, e como resultado, 88% fizeram um

representação centrada na Europa. Outra sugestão é utilizar mapas ‘desrespeitando’

alguma normativa cartográfica, assim, convide os alunos a ‘rebatizar’ mapas ou

legendas já prontas. Qual o título cada um gostaria de dar ao mapa da presença europeia

na África ou nas Américas do colonialismo? E para o mapa dos aglomerados

subnormais da cidade São Paulo? Ou para um mapa da divisão internacional do

trabalho?

No plano da prática cartográfica, nas oficinas 6, 7, 8 e 9, a pesquisa concentrou o

debate em torno da metodologia de mapeamento participativo, sendo utilizadas as

técnicas do mapa falado, do mapeamento participativo sobre planta de ruas e do mapa

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colaborativo. Todas estas podem colaborar de diversas formas na prática pedagógica do

professor de Geografia.

Para a pesquisa, promover a formação de novos discursos cartográficos sobre a

cidade era o maior objetivo, porém, as mesmas técnicas podem ser apropriadas para

outras atividades na sala de aula. Os mapas participativos podem ser utilizados para

contextualizar e promover o diálogo sobre o espaço geográfico ou mesmo seu caráter de

denúncia.

Assim, pode um mapa falado ser estratégia para que professores e estudantes

(re)conheçam o território em que estão inseridos, sendo inclusive muito interessante

para estudantes ou professores durante a inserção em uma nova unidade escolar.

Como também, os conteúdos da disciplina de Geografia podem ser temas para

mapas participativos, assim, problemas ambientais que envolvem as crianças da turma

podem virar um mapa com viés de denúncia ou um mapa da apropriação das praças do

bairro pelos jovens da sala de aula, que podem intermediar o debate sobre direito à

cidade.

Outro resultado foi vivenciar com as técnicas de mapeamento participativo e

como foram utilizadas três técnicas diferentes, foi possível tecer um comparativo entre

cada uma delas (tabela 37). Sendo os aspectos positivos e negativos caracterizados pela

sistematização (FIDA, 2009) já apresentados na tabela 6 chaves para algumas

comparações.

Por exemplo, o caráter participativo promovido pelo diálogo entre os

participantes do mapeamento tem variações de acordo com a técnica, tanto entre os

participantes, como com o pesquisador, o diálogo é um pressuposto da metodologia

participativa. Devido aos condicionantes e possibilidades que provocam, cada técnica

interfere na maneira com que o diálogo acontece.

Ficou evidente que a técnica do mapa falado é aquela que mais promove o

diálogo, condição favorecida por características já apontadas em (FIDA, 2009), a

interatividade com o mapa, a possibilidade da mudança constante dos lugares mapeados

e a participação de todos independente de suas capacidades leitoras.

Enquanto isso, na segunda técnica utilizada (mapa sobre planta de ruas), a

exigência mais euclidiana de mapear sobre a planta de ruas, faz com que os lugares

mapeados percam a mobilidade constante da primeira oficina (mapa falado) e o diálogo

ganha em tensão, pois o mapeamento passou a ter uma decisão a cada ponto mapeado, o

que pode comprometer o envolvimento de participantes menos ativos e o professor deve

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estar atentos a isso, porém, a mesma situação também fez com que cada ponto ganhasse

uma discussão mais profunda dentro do grupo, os lugares foram mais detalhados

durante as conversas.

Título FIDA

(2009)

Desenho no Solo Mapa Plano Cartografia e

Internet

Título nesse

trabalho

Mapa Falado Mapeamento Participativo

sobre planta de ruas

Mapa Colaborativo

Aspecto Técnica

Caráter

participativo

Favorecido pela

interatividade com

o mapa

Comprometido pela

mediação da representação

euclidiana;

Favorecido e

comprometido pela

tecnologia

Produção de

informação

Dialogada, criativa

e efêmera, com

informações mais

gerais e subjetivas.

Diálogos mais profundos

sobre lugares ou questões

específicas. Mapeamento

concreto e objetivo.

Menos dialogada,

efêmera e sujeita a

figura de um

moderador.

Possibilidade

de reprodução

O mapeamento

pode ser

registrado, mas

não

georeferenciado.

O mapeamento pode ser

georreferenciado

Mapeamento já

georreferenciado

Requisitos

técnicos e de

recurso

Baixo custo;

Demanda pouco

tempo de

planejamento

Custo influenciado pela

impressão

Acesso à planta de ruas

Maior tempo de

planejamento

Domínio de

ferramentas da

informática

Acesso à internet

Tabela 37 Comparativo de técnicas de mapeamento participativo

Na sequência das oficinas (mapa colaborativo), também apresentou

características diferentes. Concordando com (FIDA, 2009), a tecnologia tomou certo

espaço da proposta participativa, pois com a mediação do computador o grupo

conversou menos entre si e por estarem trabalhando na mesma área e com o mesmo

poder de moderação sobre o mapa, por vezes editaram ou duplicaram os mesmo pontos.

O que mostrou que o mapa colaborativo pode ser tão efêmero quanto o mapa falado,

porém sem o diálogo permanente sobre o mapa e seu resultado coletivo.

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Para mediar essa questão, é comum que todo mapa colaborativo disponível na

internet tenha uma moderação, que referenda todas as edições propostas para o mapa.

Poder, que não retira o caráter colaborativo, aponta que nem sempre o resultado desse

mapeamento será proveniente de um consenso coletivo.

Apesar disso, a técnica oferece exemplos concretos e imediatos para o poder de

contestação dos mapas mais próximo aos aspectos da cartografia formal e euclidiana,

onde, expressos pelo êxito de colaborar e propor mudança na base cartográfica aberta do

Open Street Maps e na possibilidade de tornar externo o mapa produzido no Google My

Maps, exemplos que, inclusive, perpassam o recorte de tempo observado por esta

pesquisa.

O mapa resultante atende as expectativas das convenções cartográficas e a

informação espacial produzida já está georreferenciada. O que favorece a replicação dos

resultados, tanto pelo impacto em uma comunicação externa como na concretude para a

expectativa do grupo ver em um mapa convencional as representações discutidas.

Além dos resultados diretamente ligados à pesquisa, alguns de seus resultantes

indiretos merecem ser citados.

No ano letivo seguinte a formação, 2016, aconteceu outra edição da formação

em cartografia, onde mesmo tendo que ir estudar em outra escola, alguns dos

participantes do ano anterior continuaram presentes e ativos, como também, novos

participantes ingressaram no projeto, sendo que alguns dos resultados dessa edição

serão apresentados pelos alunos na Semana de Geografia da USP em outubro de 2016.

Sobre continuidade, as ideias aqui discutidas foram somadas à pesquisa e

militância de ativistas do movimento social, resultando na construção de outra proposta

formativa contemplada por um edital público de financiamento de projetos de

tecnologia, as atividades começarão em outubro de 2016 e serão realizadas em espaços

marginalizados dos distritos do Rio Pequeno e Raposo Tavares na cidade de São Paulo.

Além disso, provocado pela iniciativa de fazer uma das oficinas da formação no

LEMADI-FFLCH-DG-USP, um resultado indireto e muito subjetivo foi a experiência

com os jovens na Universidade, apesar de um lamentável cartão de boas vindas, passar

o dia no campus foi muito positivo. O contato do grupo enquanto ainda desembarcava

dentro no campus foi uma intimidação promovida por dois polícias militares, o motivo

da eminente abordagem dos “ROCAM”? Sem dúvida não foi pela placa dos veículos

dizerem Osasco e Itaquaquecetuba.

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Violência que ganhou o contraponto, no exercício de apropriação do espaço da

universidade pública e na vivência de laboratório como sujeito ativo. O dia no campus

talvez tenha sido um dos pontos altos da formação, pois extrapolou a relação professor-

aluno e ocupou um espaço que a escola pública da educação básica tem o direito de

estar mais presente.

Apesar dos êxitos relacionados, o trabalho merece algumas ressalvas. O

protagonismo que a escola e o ensino de Geografia ocuparam exige que este trabalho

tivesse relações mais sólidas do assunto com o debate cartográfico. Onde, buscar

aprofundar os estudos em educação popular, escola democrática, propostas alternativas

para o ensino e para currículo emancipatório são indicativos11

.

Além disso, talvez as oficinas precisassem ganhar como pressuposto inicial o

teor ácido do debate sobre conflitude urbanas. Como Chico Science dizia, “o homem

roubado nunca se engana”, ou seja, sem precisar provocar com tanta ênfase aquilo que é

ruim já apareceria, porém talvez dividisse mais espaço com aquilo que é positivo.

Como aconteceu na oficina de mapa participativo, quando o objetivo foi pontuar

como o grupo se sentia nos lugares mapeados. A pergunta subjetiva diminui a

objetividade e mostrou que perguntas chaves mais humanas favorecem e dão leveza

para o mapa participativo, sem perder sua criticidade.

Constatação que retoma algumas das influencias desse trabalho. (PORTO-

GONÇALVES, 2006) além de apontar a ausência de legitimidade do território do

Estado frente a populações marginalizadas, apresenta outra contribuição relevante, que

apropriada a este trabalho poderia ajudar a construir outros apontamentos interessantes.

(PORTO-GONÇALVES, 2006) argumenta que para observar a territorialidade

desses grupos emergentes é necessário outro “Geo – Grafar” para o espaço. Como na

Amazônia cada seringueiro percorre uma a sequência de árvores durante o manejo,

caminhos (linhas) que se cruzam a de outros seringueiros, são as estradas da seringa.

Mapear essa geografia a partir da lógica de representar um território poligonal é

impossível.

Apresentando outros exemplos (ACSERALD; VIÉGAS, 2013, p.24), afirmam

que o excesso de euclidianismo não dá conta de representar “diferentes noções de tempo

que possam existir ou ainda de espaços físicos que possam ser construídos em

movimento”. Como no caso dos tuxás que navegando pelo rio São Francisco constroem

11

Apesar de um principio de construção em conjunto (FERNANDES; PASSOS, 2013)

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sua identidade com o território, ou também, no emblemático caso do nomadismo dos

ciganos ou do povo Nasa na atual Colômbia, que não distinguem o tempo e o espaço em

separado e os representam seus territórios em ‘mapas’ que se atualizam

permanentemente.

Reflexão que inclusive encontrou paralelo durante as oficinas, observando a

planta de ruas impressa à expectativa era mapear ruas que não aparecessem na base

cartográfica e então inseri-las na base do Open Street Maps, porém a discussão não

retornou a resposta esperada. A hipótese que o próprio grupo construiu foi que

endereçar tudo na métrica da cidade, com ruas e números onde tudo tem de ser

encontrável, não era justificável para os jovens em suas quebradas.

“Professor, essa história de rua tal ou avenida tal, a gente não usa no dia-a-dia

de onde a gente mora”

D.S. 14 anos

A partir de uma toponímia mais livre na sua relação com os objetos

cartografáveis, uma cartografia mais afetiva e menos euclidiana, que já tinha aparecido

no mapa falado ou quando foram mapeados apenas pontos de referência, deu lugar à

expectativa de atribuir rótulos para linhas que pudessem representar vielas, ruas ou

avenidas.

A “Bolinha”, “Rua D”, “Postinho”, a “Rua de Terra”, a “Pizzaria”, a “Torre”, a

“Grota”, o “Escadão”, a “Reta” ou diversos outros referenciais espaciais nem sempre

pareciam ser representáveis pela cartografia de linhas, polígonos e pontos, como

também, em uma tabela com padrão para atributos.

Como último esforço para pensar a situação foi feito pequeno comparativo com

uma das favelas que foram mapeadas em parceria com a Google no Rio de Janeiro. No

mapa da Rocinha do Google Maps, aquilo que na métrica do mapa da cidade seria

chamado de rua e teria um atributo formal aparece como “Vila Verde”, “Cachopa” ou

“Atalho”, destacados respectivamente nas figuras 58.

Fortalecer o paralelo do último exemplo carece de aprofundamento e de novos

exemplos, a reflexão pareceu mostrar um pouco da limitação da cartografia da cidade

para representar a subjetividade e as espacialidades do urbano não hegemônico, como se

não coubessem dentro do formalismo moderno das grandes cidades.

O que fez lembrar Milton Santos, afirmando que nas grandes cidades a força está

nos ‘homens lentos, ou seja, na espontaneidade e a criatividade dos pobres na cidade.

(SANTOS, 2006, p. 326), nas palavras do autor,

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133

Na cidade ‘luminosa’, moderna, hoje, a ‘naturalidade’ do objeto técnico cria

uma mecânica rotineira, um sistema de gestos sem surpresas. Essa

historicização da metafísica crava no organismo urbano áreas constituídas ao

sabor da modernidade e que se justapõe, superpõe e contrapõe ao uso da

cidade onde vivem os pobres, nas zonas urbanas ‘opacas’. Estas são os

espaços do aproximativo e da criatividade, opostos às zonas luminosas,

espaços da exatidão

1

2

3

Figura 58 Inventividades no mapa da Rocinha

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134

A criatividade e subjetividade assim parecem ser contraponto à naturalização do

paradigma dos mapas euclidianos. Sobre isso, outras contribuições podem ser

encontradas nas reflexões do próprio Brian Harley quando conta a história da

cartografia que o status não contou. Como também, na sugestão de (OFFEN; DYM,

2011), afirmando que tradições cartográficas foram obscurecidas, continuar resgatando-

as parece ter um potencial enorme para esse debate.

Além disso, mantendo crítica e o contraponto às naturalizações, novas

epistemologias podem ser consideradas. Outros subsídios podem ser encontrados em

Boaventura Sousa Santos, propondo uma ‘desmonumentalização’ do conhecimento,

através de uma descolonização das ciências sociais (SANTOS, 2010, 2015).

Contribuições que podem ser exploradas para fortalecer o potencial estratégico

dos mapas na superação das desigualdades. Considerando assim que protagonizar novas

cartografias perpassa três aspectos, primeiro na produção de novos conteúdos e formas

para os mapas, segundo na formação de novos atores e por último, em novas (outras)

epistemologias de representação do espaço. Sendo que apenas os dois primeiros foram

percorridos pela pesquisa com mais atenção, alcançar o último pode ser o que aguarda a

sua continuidade.

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