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Universidade de São Paulo Faculdade de Saúde Pública A Problemática do Financiamento da Atenção Básica nos municípios no período do Pacto pela Saúde (2006- 2010): o caso do Estado da Bahia SILVIA CYPRIANO VASCONCELLOS São Paulo 2013 Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Ciências. Área de concentração: Práticas de Saúde Pública Orientador: Prof. Dr. Áquilas Nogueira Mendes

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  • Universidade de So Paulo

    Faculdade de Sade Pblica

    A Problemtica do Financiamento da Ateno Bsica

    nos municpios no perodo do Pacto pela Sade (2006-

    2010): o caso do Estado da Bahia

    SILVIA CYPRIANO VASCONCELLOS

    So Paulo

    2013

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    graduao em Sade Pblica da Faculdade de

    Sade Pblica da Universidade de So Paulo

    para obteno do ttulo de Mestre em Cincias.

    rea de concentrao: Prticas de Sade Pblica

    Orientador: Prof. Dr. quilas Nogueira Mendes

  • A Problemtica do Financiamento da Ateno Bsica nos municpios

    no perodo do Pacto pela Sade (2006-2010): o caso do Estado da Bahia

    SILVIA CYPRIANO VASCONCELLOS

    So Paulo

    2013

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    graduao em Sade Pblica da Faculdade de

    Sade Pblica da Universidade de So Paulo

    para obteno do ttulo de Mestre em Cincias.

    rea de concentrao: Prticas de Sade pblica

    Orientador: Prof. Dr. quilas Nogueira Mendes

  • expressamente proibida a comercializao deste documento tanto na forma impressa como

    eletrnica. Sua reproduo total ou parcial permitida exclusivamente para fins acadmicos e

    cientficos, desde que na reproduo figure a identificao do autor, ttulo, instituio e ano da

    dissertao.

  • Agradecimentos

    Ao trmino desta jornada, realizar agradecimentos uma tarefa difcil, pois

    sempre se corre o risco de cometer injustias e esquecer pessoas importantes dessa

    longa caminhada.

    Ao professor quilas Nogueira Mendes, meu orientador, pela oportunidade de

    sua orientao, conversas e reflexes sobre a poltica de sade, e por despertar e aguar

    minha curiosidade sobre a poltica econmica.

    Agradeo s pessoas e instituies que colaboraram para a idealizao,

    construo e concretizao deste trabalho, de forma especial:

    - aos colegas da Diretoria da Ateno Bsica da Secretria de Sade do Estado

    da Bahia (DAB/SESAB), em especial, Lvia Nogueira, Marco Antnio

    Minervino, Maria Aguin Cunha, Marta Caires, companheiros da equipe de

    apoio institucional, pela oportunidade de desenvolver um projeto poltico neste

    nvel de ateno;

    - ao Conselho Estadual dos Secretrios Municipais de Sade da Bahia

    (COSEMS-BA), na figura da sra. Stela dos Santos Souza e do sr. Fabiano

    Ribeiro dos Santos, pela ajuda e incentivo no desenvolvimento desta pesquisa;

    - ao grupo de estudos dos Professores quilas Nogueira Mendes, Aurea Maria

    Zllner Ianni, Laura Camargo Macruz Feuerwerker da Faculdade de Sade

    Pblica da Universidade de So Paulo e aos colegas integrantes do grupo por

    compartilharem suas reflexes e seus conhecimentos sobre polticas pblicas,

    estado e gesto;

    - aos amigos-irmos Emmanuela Mendes Amorim, Liu Leal, Mariana Bertol

    Leal, Mateus Matos, pelo carinho, incentivo, apoio prestado nesta caminhada;

    A todos que injustamente esqueci de citar, mas que, direta ou indiretamente,

    contriburam para o desenvolvimento desse trabalho, os meus sinceros agradecimentos.

  • Resumo

    O presente estudo configura-se como uma pesquisa de abordagem qualitativa

    exploratria do tipo estudo de caso, com o objetivo de analisar as bases de

    financiamento federal e estadual no campo da Ateno Bsica dos municpios do Estado

    da Bahia, evidenciando os conflitos presentes aps a implantao do Pacto pela Sade,

    bem como as incertezas que cerceiam seu financiamento. Os dados foram coletados em

    duas etapas: na primeira realizaram-se entrevistas semiestruturadas, com perguntas

    fechadas e abertas, aplicadas aos representantes da diretoria da atual gesto do Conselho

    Estadual dos Secretrios Municipais de Sade do Estado da Bahia (COSEMSBA); na

    segunda etapa desenvolveu-se uma reviso documental, atravs da leitura e anlise das

    portarias, resolues federais e estaduais, assim como atas de reunies da Comisso

    Intergestores Bipartite (CIB), que trataram como tema a Poltica e o Financiamento da

    Ateno Bsica. Observou-se que os problemas em relao ao financiamento da sade,

    em especial da Ateno Bsica, persistem, mesmo aps a instituio do Pacto pela

    Sade. Desta forma, conclui-se que descentralizao s obter sucesso se a quantidade

    de recursos financeiros necessrios para responder aos compromissos assumidos no

    atendimento populao for adequada, e tambm quando houver regularidade do

    financiamento e da capacidade de incremento de recursos destinados sade pelas trs

    esferas, ou seja, no basta a simples transferncia financeira, tambm se faz necessrio

    discutir os critrios e as formas de alocao dos recursos.

    Descritores: Financiamento; Ateno Bsica; Sistema nico de Sade.

  • Abstract

    This study characterizes as an exploratory qualitative case study, with the aim of

    analyzing the foundations of federal and state funding in Primary Healthcare of the

    municipalities of the state of Bahia, bringing light upon current conflicts after the

    deployment of the Pact for Health as well as the uncertainties that surrounded its

    funding. Data were collected in two stages, the first semi-structured interviews were

    conducted with closed and open questions, applied to current managers of the State

    Council of Municipal Health Secretaries of the State of Bahia (BA-COSEMS/ Conselho

    Estadual dos Secretrios de Sade-BA), in the second stage, it was developed a

    document review, through reading and analysis of ordinances, resolutions, state and

    federal, as well as minutes of meetings of the Managers Bipartite Commission

    (Comisso Intergestores Bipartite-CIB), which dealt with the theme Politics and

    funding of primary healthcare. It was observed that the issues, in relation to health

    financing, particularly Primary Healthcare, persist even after the institution of the Pact

    for Health. Therefore, it was concluded that decentralization will succeed when the

    amount of financial resources needed to meet commitments assumed to serve the

    population is adequate, and also when there is regular funding, increased resources for

    health by the three spheres of government. It is estimated to be necessary to discuss the

    criteria and forms of resource allocation in primary healthcare, as there are

    disagreements about the equality of financial transfers to all municipalities and regions

    of the state.

    Descriptors: Funding; Primary; Unified Health System.

  • Lista de Tabelas

    Tabela 1 - Distribuio da populao e dos municpios segundo faixa

    populacional, Brasil, 2003. ................................................................

    38

    Tabela 2 - Comparao do gasto MAC com o PAB fixo. ................................... 81

    Tabela 3 - Consulta de Despesa em valores correntes, por subfuno,

    consolidada por fase de despesa, perodo de 2006 a 2008, Bahia. .....

    82

    Tabela 4 - Consulta de Despesa em valores, por subfuno, consolidada por

    fase de despesa, perodo de 2009 a 2011, Bahia. ...............................

    82

    Tabela 5 - Percentual mnimo e aplicado pelo estado de acordo com a EC-29,

    Bahia. .................................................................................................

    89

    Tabela 6 - Incentivo financeiro estadual para manuteno de equipes do

    Programa Sade da Famlia. ..............................................................

    115

    Tabela 7 - Financiamento Federal e Estadual da Ateno Bsica, em 2006. ...... 117

    Tabela 8 - Financiamento Federal e Estadual da Ateno Bsica, em 2010. ...... 118

    Tabela 9 - Gastos com Sade do Estado da Bahia. ............................................. 133

  • Lista de Quadros

    Quadro 1 - Municpios baianos sem Cobertura da Estratgia de Sade da

    Famlia por populao, dezembro de 2004. .......................................

    60

    Quadro 2 - Sistematizao das Categorias Analticas. ......................................... 77

    Quadro 3 - Indicadores do Pacto pela Sade, rea estratgica Sade da

    Criana, perodo 2006 a 2010. ...........................................................

    95

    Quadro 4 - Indicadores do Pacto pela Sade, rea estratgica Controle da

    tuberculose, perodo 2006 a 2010. .....................................................

    95

    Quadro 5 - Indicadores do Pacto pela Sade, rea estratgica Sade Bucal,

    perodo 2006 a 2010. ..........................................................................

    96

    Quadro 6 - Indicadores do Pacto pela Sade, rea estratgica Sade da Mulher,

    perodo 2006 a 2010. ..........................................................................

    96

    Quadro 7 - Indicadores do Pacto pela Sade, rea estratgica Sade Materna-

    Infantil, perodo 2006 a 2010. ............................................................

    97

    Quadro 8 - Indicadores do Pacto pela Sade, rea estratgica Eliminao da

    Hansenase, perodo 2006 a 2010. .....................................................

    97

    Quadro 9 - Indicadores do Pacto pela Sade, rea estratgica Coeficiente de

    Mortalidade para algumas causas selecionadas, perodo 2006 a

    2010. ...................................................................................................

    98

  • Lista de Grficos

    Grfico 1 - Nmero de Municpios com ESF no Estado da Bahia, perodo

    dez/2006 a dez/2010. ..........................................................................

    85

    Grfico 2 - Nmero de ESFs implantadas no Estado da Bahia, perodo

    dez/2006 a dez/2010. ..........................................................................

    85

    Grfico 3 - Proporo de Cobertura Populacional Estimada pela ESF no Estado

    da Bahia, perodo dez/2006 e dez/2010. ............................................

    86

  • Lista de Siglas

    AB - Ateno Bsica

    AIS - Aes Integradas de Sade

    APS - Ateno Primria Sade

    BIRD - Banco Interamericano de Reconstruo e Desenvolvimento

    CABAS - Coordenao de Ateno Bsica

    CAHEM - Coordenao de Ateno Hospitalar Urgncia Emergncia

    CIB - Comisso Intergestores Bipartite

    CIT - Comisso Intergestores Tripartite

    Conasp - Conselho Consultivo da Administrao de Sade Previdnciria

    COSEMS - Conselho Estadual dos Secretrios Municipais de Sade

    DAB/MS - Departamento de Ateno Bsica do Ministrio da Sade

    DAB/SESAB - Diretoria de Ateno Bsica da Secretria da Sade do Estado da Bahia

    DEPAS - Departamento de Assistncia Sade

    DIREBA - Diretoria da Rede Bsica

    FIOCRUZ - Fundao Oswaldo Cruz

    eSF - Equipe de Sade da Famlia

    ESF - Estratgia de Sade da Famlia

    FESF - Fundao Estatal de Sade da Famlia

    FUSEB - Fundao de Sade do Estado da Bahia

    IDH - ndice de Desenvolvimento Humano

    Inamps - Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social

    MS - Ministrio da Sade

    NOAS - Norma Operacional de Assistncia Sade

  • NOB - Norma Operacional Bsica

    OMS - Organizao Mundial da Sade

    PAB - Piso da Ateno Bsica

    PACS - Programa de Agentes Comunitrios de Sade

    PEAB - Poltica Estadual de Ateno Bsica

    PIASS - Programa de Interiorizao das Aes de Sade

    PIB - Produto Interno Bruto

    PNAB - Poltica Nacional de Ateno Bsica

    Prevsade - Programa Nacional de Servios Bsicos de Sade

    PROESF - Programa de Expanso e Consolidao da Estratgia de Sade da

    Famlia

    PSF - Programa Sade da Famlia

    SESAB - Secretria da Sade do Estado da Bahia

    SUDS - Sistema Unificado e Descentralizado de Sade

    SURAPS - Superintendncia de Regulao, Ateno e Promoo Sade

    SUS - Sistema nico de Sade

    USF - Unidade de Sade da Famlia

  • NDICE

    APRESENTAO ................................................................................................. 12

    1 INTRODUO ............................................................................................. 17

    2 OBJETIVOS .................................................................................................. 23

    2.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................. 23

    2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS .................................................................... 23

    3 A ATENO BSICA NO BRASIL: ASPECTOS CONCEITUAIS E

    DE CONTEXTO ..............................................................................................

    24

    3.1 A PRODUO DA ATENO BSICA NO BRASIL ......................... 24

    3.1.1 A Influncia da Dcada de 1970 na Estruturao da Ateno

    Bsica ................................................................................................

    25

    3.1.2 A Dcada de 1980: as transformaes da Ateno Bsica de 1980

    a 1994 ................................................................................................

    27

    3.1.3 A dcada de 1990: a Norma Operacional Bsica de 1996 e as

    mudanas da poltica de Ateno Bsica .........................................

    32

    3.1.4 A Dcada de 2000 ............................................................................ 34

    3.2 O FINANCIAMENTO DA ATENO BSICA .................................... 36

    3.3 O PACTO FEDERATIVO E SUA PROPOSTA DA

    DESCENTRALIZAO E REGIONALIZAO SOLIDRIA ............

    45

    4 O ESTADO DA BAHIA E AS CARACTERSTICAS

    INSTITUCIONAIS DA ATENO SADE .........................................

    50

    4.1 A ATENO BSICA NO ESTADO DA BAHIA ................................ 56

    5 METODOLOGIA ......................................................................................... 67

    5.1 POR QUE A BAHIA? .............................................................................. 67

    5.2 ATORES ................................................................................................... 68

    5.3 COLETA DE DADOS .............................................................................. 69

    5.4 ASPECTOS TICOS ................................................................................ 71

    5.5 ORGANIZAO E ANLISE DO MATERIAL DE PESQUISA: os

    caminhos percorridos ................................................................................

    72

    6 ANLISE DOS RESULTADOS .................................................................. 76

    6.1 A ATENO BSICA: o que dizem os atores e os documentos ............ 77

    6.1.1 A Ateno Bsica na Agenda da Sade ........................................ 77

    6.1.2 A Implantao da Estratgia da Sade e a Organizao da

    Rede: o impacto da Ateno Bsica nos demais nveis de ateno .

    90

  • 6.2 O TRABALHO NO SETOR SADE: a crise da Equipe de Sade da

    Famlia ..................................................................................................

    101

    6.2.1 O Que Diz a Poltica de Ateno Bsica Sobre o Trabalho em

    Sade ...............................................................................................

    102

    6.2.2 A Influncia do Mercado de Trabalho na Estruturao da

    Ateno Bsica ................................................................................

    108

    6.3 A PROBLEMTICA DO FINANCIAMENTO DA ATENO

    BSICA ....................................................................................................

    112

    6.3.1 O Financiamento da Ateno Bsica no Perodo Pacto Pela

    Sade ...............................................................................................

    116

    6.3.2 Quando o Financiamento Define a Poltica: a crise dos modelos

    de incentivos ....................................................................................

    128

    6.3.3 Problemas do Financiamento da Ateno Bsica ....................... 136

    7 CONSIDERAES FINAIS ....................................................................... 142

    8 REFERNCIAS ............................................................................................ 145

    APNDICE A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ........................ 159

    APNDICE B Entrevista ................................................................................... 160

    ANEXO A Aprovao do Comit de tica ....................................................... 162

  • 12

    APRESENTAO

    O objetivo deste trabalho estudar um tema que objeto de intensos debates e

    de interesse dos trs entes federados, o financiamento da Ateno Bsica Sade

    (ABS). Quando iniciado o processo de descentralizao do Sistema nico de Sade

    (SUS), a partir da dcada de 1990, buscou-se orientar a poltica de sade para Ateno

    Bsica.

    A partir do processo de descentralizao, iniciado em 1990, os recursos federais

    para o financiamento da sade diminuram consideravelmente, passando de 60,7%, em

    1994, para 56,2%, em 2001 (MENDES, 2005). A participao dos municpios no

    financiamento da sade neste perodo aumentou, devido ao fortalecimento do processo

    de municipalizao da sade e reforma fiscal efetivada pela Constituio Federal de

    1989. Entretanto, observou-se uma reduo da atuao dos estados que, nesta dcada,

    reduziram a oferta direta de aes e servios de sade, especialmente na Ateno Bsica

    e sua participao nos gastos com sade (SOLLA et al., 2007).

    Na perspectiva de orientar a poltica de sade para Ateno Bsica, em 1991 o

    Ministrio da Sade, inspirado pela experincia do Programa de Agentes Comunitrios

    de Sade (PACS) do Cear, implementou o Programa Nacional de Agentes

    Comunitrios de Sade e, em 1994, criou o Programa de Sade da Famlia (PSF).

    As transformaes no modelo de financiamento federal da Ateno Bsica

    favoreceram a induo da ampliao dos servios de sade deste nvel de ateno. A

    criao do Piso de Ateno Bsica (PAB), que introduziu os repasses de recursos com

    base em critrios populacionais, suprimindo o pagamento por produo de servios.

    A ampliao destes servios nos municpios foi aprimorada com a criao do

    PAB varivel, o qual estabeleceu os repasses de recursos em funo do nmero de

    equipes de Sade da Famlia, Sade Bucal e Agentes Comunitrios de Sade em

    atividade. Segundo SOLLA et al. (2007, p. 496), num primeiro momento a introduo

    do PAB produziu uma elevao dos recursos federais transferidos para a Ateno

    Bsica para a maioria absoluta dos municpios brasileiros. Mas, nos anos posteriores,

    houve uma defasagem do valor do PAB e uma baixa participao da esfera estadual no

    financiamento.

  • 13

    A ausncia de um debate sobre medidas que diferenciassem as necessidades do

    financiamento levando em conta as desigualdades intermunicipais, fez com que,

    progressivamente, a busca da equidade no financiamento deste nvel de ateno fosse se

    enfraquecendo. A no regulamentao e o no cumprimento das determinaes da

    Emenda Constitucional 29/2000, principalmente pelos governos estaduais, estagnaram a

    implantao dos servios de Ateno Bsica e agravaram os problemas do

    financiamento do setor sade.

    Devido ao fato do PAB fixo ser a principal fonte de recursos federais para o

    financiamento da Ateno Bsica, a ausncia de reajustes dos valores do PAB fixo

    desde sua implantao at o incio dos anos 2000, evidencia a no priorizao do

    governo com este nvel de ateno. Segundo SOLLA et al. (2007), o valor do PAB

    ficou sem reajuste desde sua implantao, em 1998. Situao semelhante ocorreu com

    os incentivos para Sade da Famlia, que apresentavam os mesmos valores desde que

    haviam sido criados.

    Nos anos de 1990, a ausncia de priorizao do financiamento do setor sade, e

    consequentemente da Ateno Bsica, era reflexo da Poltica Econmica adotada pelo

    governo federal, caracterizada pela predominncia de uma poltica macroeconmica

    restritiva, cuja exigncia de conteno dos gastos pblicos para assegurar supervit

    primrio e pagamento de juros da dvida comprometeu o financiamento das polticas

    sociais e, consequentemente, da sade (MENDES, MARQUES, 2011).

    Na tentativa de superar as lacunas das bases regulamentadoras do SUS, em 22 de

    fevereiro de 2006 o Ministrio da Sade editou a Portaria n 399, que divulga o Pacto

    pela Sade 2006, e aprovou as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto.

    Posteriormente, publicou a Portaria n 648/2006, que instituiu a Nova Poltica Nacional

    de Ateno Bsica. A publicao desta portaria estabeleceu as diretrizes nacionais da

    Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB) e afirmou que o Pacto pela Vida definiu

    como prioridade consolidar e qualificar a Estratgia de Sade da Famlia como modelo

    de Ateno Bsica e centro ordenador das redes de ateno sade no Sistema nico de

    Sade (BRASIL, 2006c, p.1).

    Em consonncia com a Poltica de Ateno Bsica instituda pelo Ministrio da

    Sade, no ano de 2007 a Secretaria de Sade do Estado da Bahia (SESAB) lanou a

    Poltica Estadual de Ateno Bsica (PEAB), a Sade da Famlia de Todos Ns, na

  • 14

    qual definia Ateno Bsica como prioridade. A PEAB avanou em alguns aspectos da

    gesto ao definir os quatro eixos de atuao da Diretoria de Ateno Bsica da SESAB:

    Apoio Financeiro, Coordenao da Ateno Bsica, Educao Permanente e Apoio

    Institucional (BAHIA, 2007).

    A escolha por estudar esta Unidade Federativa se d por trs motivos: primeiro,

    pelo trabalho desenvolvido pela pesquisadora como Apoiadora Institucional da

    Diretoria de Ateno Bsica da Secretaria de Sade do Estado da Bahia (DAB/SESAB),

    no ano de 2010. Segundo, por ser um estado com 417 municpios e ter os melhores

    ndices de Desenvolvimento Humano (IDH) da regio Nordeste, com uma populao

    estimada de 14.021.432 habitantes, segundo informaes do Censo 2010. Por ocupar a

    7 posio no ranking nacional do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e,

    paradoxalmente, ocupar a 19 posio em relao ao PIB per capita. E, tambm, por ser

    um estado que, em 2007, instituiu financiamento estadual da Ateno Bsica para todas

    as equipes de Sade da Famlia, estendendo o repasse aos municpios com mais de 100

    mil habitantes. Todos os municpios que aderiram a Estratgia de Sade da Famlia

    (ESF) recebem o valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) por equipe,

    independentemente dos seus indicadores socioeconmicos, populacionais e territoriais.

    Finalmente, o terceiro motivo o fato de representantes da equipe gestora do sistema de

    sade estadual j terem ocupado e, atualmente, ocuparem cargos no nvel federal. Ou

    seja, ao atuarem no Ministrio da Sade, exercem o papel de reguladores do SUS, sendo

    responsveis pela elaborao de estratgias e instrumentos que definam as bases e

    princpios fundamentais sobre os quais Unio, Estados e Municpios construiro a

    Ateno Bsica.

    Atualmente, observa-se uma forte influncia das diretrizes polticas da AB

    definidas em nvel federal na elaborao dos documentos que definem a poltica de

    Ateno Bsica a ser desenvolvida pelos municpios. Desta forma, percebe-se que o

    governo federal, representado pelo Ministrio da Sade, cumpre sua funo de elaborar

    estratgias e instrumentos que definam as bases e princpios fundamentais sobre os

    quais Unio, Estados e Municpios construiriam seus sistemas de sade, ou seja, a

    regulao.

    Ao se analisar a proposio da Poltica Nacional de Ateno Bsica, observa-se

    que esta acontece de forma vertical, sendo induzida pelo financiamento. Ou seja, a

  • 15

    funo de regulao exercida pelo Ministrio da Sade vem ocorrendo a partir da edio

    de inmeras portarias atreladas ao financiamento da PNAB.

    O Pacto pela Sade, quando implantado, vislumbrava proporcionar uma maior

    autonomia dos gestores municipais, estabelecendo contratos de gesto entre os entes

    federativos. Entretanto, diversos autores apontam que mesmo aps a implantao do

    Pacto, no mbito da Ateno Bsica, observa-se o desenvolvimento de uma autonomia

    tutelada ou relativa, visto que a formulao das diretrizes da poltica acontece no

    nvel federal e o repasse dos recursos financeiros adicionais s efetuado mediante

    adeso do municpio Estratgia da Sade da Famlia (ESF) e outras polticas

    correlatas.

    Diante deste cenrio, emergiram as seguintes perguntas: houve problemas no

    esquema de financiamento que foi utilizado pelo gestor federal e estadual do SUS para a

    Ateno Bsica, no perodo do Pacto pela Sade, e em que grau este financiamento se

    relaciona concepo de AB definida pela poltica de 2006 no SUS? Durante a

    pesquisa de campo e a reviso documental e de literatura, observou-se que os gestores

    municipais encontram dificuldades na estruturao das aes e servios deste nvel de

    ateno. Desta forma, desenvolveu-se este estudo com o objetivo de analisar as bases de

    financiamento federal e estadual no campo da Ateno Bsica dos municpios baianos,

    evidenciando os conflitos presentes aps a implantao do Pacto pela Sade, bem como

    as incertezas que cerceiam seu financiamento.

    Para alcanar o objetivo, organizou-se o trabalho da seguinte maneira: no

    primeiro captulo, a introduo, contextualizou-se o objeto de estudo, o financiamento

    da Ateno Bsica. A justificativa para sua realizao, as mudanas na poltica nacional

    para este nvel de ateno e a hiptese geral que os gestores municipais encontram

    dificuldades na estruturao das aes e servios de Ateno Bsica diante do papel e

    participao do Estado e do Ministrio da Sade em relao ao financiamento.

    No segundo captulo, apresentam-se os objetivos geral e especficos da

    pesquisa e a problemtica do financiamento da AB nos municpios aps a implantao

    do Pacto pela Sade. A partir do captulo terceiro, desenvolveu-se uma breve reviso

    sobre a Ateno Bsica no Brasil, abrangendo os aspectos conceituais e de contexto

    histrico, que englobam as mudanas do financiamento e da poltica de sade neste

    nvel de ateno.

  • 16

    Assim, depois de explicitar as caractersticas estruturais da Ateno Bsica no

    Brasil, adentra-se, nos captulos seguintes, ao estudo sobre sua estruturao no Estado

    da Bahia, seu financiamento e as repercusses da implantao do Pacto pela Sade nos

    municpios no tocante ao financiamento deste nvel de ateno.

  • 17

    1 INTRODUO

    A dcada de 1980, denominada dcada perdida no Brasil, marcada pela

    estagnao econmica, evidenciada por uma forte retrao industrial, baixo crescimento

    da economia, queda do Produto Interno Bruto (PIB) e desemprego elevado, sendo o

    perodo em que se forja o Sistema nico de Sade (SUS). E, no contrafluxo da maioria

    dos pases que dispunham de Sistemas de Proteo Social e que passaram a instituir

    polticas econmicas que seguiam as determinaes do Consenso de Washington1 que

    transformava radicalmente a Seguridade Social nestes pases , instituiu-se o SUS, um

    Sistema Pblico de Sade com princpios universalistas e que vislumbrava assegurar a

    Proteo Social dos cidados.

    Nesta dcada foi homologada a Constituio Federal pelo Presidente da

    Repblica, Jos Sarney, na qual se edificou a Seguridade Social, em trs pilares: a

    assistncia social, a previdncia e a sade. Quanto sade, no artigo 195, afirma-se que

    esta ser financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta, e pelas trs esferas de

    governo (RIO GRANDE DO SUL, 2000, p. 12). No entanto, o texto constitucional no

    define a disposio e a alocao dos recursos financeiros para o SUS, situao que teve

    repercusses na oferta e na organizao de aes e servios do setor sade.

    As Leis Orgnicas da Sade n 8.080 e n 8.142, no ano de 1990 foram

    elaboradas no sentido de assegurar o financiamento do Sistema Pblico de Sade.

    Entretanto, o ento Presidente da Repblica, Fernando Collor de Mello, num ato

    poltico-administrativo, vetou pargrafos importantes dos artigos 33 e 35 da Lei n

    8.080, os quais tratavam das transferncias de recursos que financiariam as aes e

    servios de sade, e estipulavam o percentual a ser alocado pelos entes federativos.

    1 O Consenso de Washington foi um termo criado para designar um receiturio de medidas econmicas prescritas aos pases em desenvolvimento, a partir da dcada de 1990, aplicado, especialmente, na

    Amrica Latina. As medidas apregoadas pelos defensores do Consenso para esses pases foram: disciplina

    fiscal; reordenao das prioridades do gasto pblico; reforma fiscal; liberalizao das taxas de juros; taxa

    de cmbio competitiva; liberalizao do comrcio; liberalizao da entrada de investimento externo direto

    (IED); privatizao; desregulamentao e direitos de propriedade. Essas medidas econmicas comearam

    a ser implantadas, paulatinamente, nos pases em desenvolvimento, sendo que na Amrica Latina elas

    foram impostas pelo FMI (Fundo Monetrio Internacional), com promessas de crescimento econmico,

    desenvolvimento e insero no mercado global. No Brasil este processo foi marcado pela escalada de

    privatizaes, implantao do Plano Real e Reforma Gerencial do Estado (NAKATANI e OLIVEIRA,

    2010; MENDES e MARQUES, 2010).

  • 18

    O financiamento da sade um dos temas mais debatidos e problemticos no

    pas, desde os anos de 1990 at os dias atuais. Alguns autores, ao analisarem a Poltica

    Econmica adotada pelo governo brasileiro nas ltimas dcadas, apontaram que

    assistimos ao predomnio de uma poltica macroeconmica restritiva, cuja exigncia de

    conteno dos gastos pblicos para assegurar supervit primrio2 e pagamento de juros

    da dvida comprometeu o financiamento das Polticas Sociais e, consequentemente, da

    sade (DRAIBE, 2003; NAKATANI e OLIVEIRA, 2010; MENDES e MARQUES,

    2012).

    MENDES e MARQUES (2009) colocam que, na dcada de 1990, o pas passou

    por situaes de constrangimentos derivadas da Poltica Econmica dos governos

    brasileiros aps o Plano Real3, e que estas refletiram em aes que resultariam em

    menor disponibilidade de recursos para a Sade Pblica. Desta forma, notria que a

    Poltica Econmica adotada pelos governos em nvel federal tem acentuado a

    insuficincia dos recursos para o financiamento das aes e servios de sade no

    territrio brasileiro.

    Desde a Declarao de Alma-Ata, na qual se estabeleceu como meta aos pases

    Sade para Todos no Ano 2000, sugere-se aos governantes que adotem estratgias a

    fim de proporcionarem um nvel de sade para todos os cidados atravs dos Cuidados

    Primrios Sade. A partir desta declarao, os servios de sade da Ateno Bsica

    so considerados a base para organizao de um novo modelo assistencial, que objetiva

    ter em seu centro o usurio-cidado. (GIOVANELLA e MENDONA, 2008).

    2 O supervit primrio se refere s contas do governo. Toda vez que ele acontece significa que a

    arrecadao do governo foi superior a seus gastos. Mas h um detalhe: no clculo no so levados em

    considerao os juros e a correo monetria da dvida pblica, deixados de lado porque no fazem

    parte da natureza operacional do governo - so consequncias financeiras de aes anteriores. O

    resultado primrio, seja ele supervit ou dficit, um indicador de como o governo est administrando

    suas contas (WOLFFENBTTEL, 2007).

    3 Segundo NAKATANI e OLIVEIRA (2010), o Plano Real passou por duas fases distintas: a primeira,

    que vai de sua implementao, que comeou ainda durante o Governo Itamar Franco, at a crise

    financeira de 1998; e a segunda, que tem incio em 1999, com a mudana no regime fiscal e cambial e

    com a introduo da poltica de metas para a inflao, a partir de maro deste mesmo ano. Este plano,

    que era um programa de estabilizao da economia, foi marcado por alguns acertos e muitos

    desacertos, devido opo por um modelo econmico de contedo neoliberal, num pas onde so

    profundas as desigualdades sociais e acentuada a heterogeneidade estrutural de setores e regies

    econmicas.

  • 19

    No Brasil, a partir da dcada de 1990, iniciam-se importantes mudanas nas

    Polticas Pblicas de Sade, em especial na Ateno Bsica Sade. Em 1991, o

    Ministrio da Sade, inspirado na experincia do Programa de Agentes Comunitrios de

    Sade (PACS) do Cear, implantou o Programa Nacional de Agentes Comunitrios de

    Sade e, no ano de 1994, instituiu o Programa de Sade da Famlia, como estratgia

    para promover a organizao das aes de Ateno Bsica Sade nos sistemas

    municipais (SOUSA, 2002, p. 25).

    Em 2006, com a publicao da Portaria n 648/2006 que estabelece as

    diretrizes nacionais da Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB) o Ministrio da

    Sade afirma que o Pacto pela Vida definiu como prioridade consolidar e qualificar a

    Estratgia de Sade da Famlia como modelo de Ateno Bsica e centro ordenador das

    redes de Ateno Sade no Sistema nico de Sade (BRASIL, 2006b). Neste

    documento, verifica-se uma forte orientao para estruturao da Ateno Bsica

    brasileira nos preceitos da Primary Health Care, que define os servios de Ateno

    Primria Sade como o primeiro nvel de assistncia de um sistema de sade. A

    Primary Health Care, ou Cuidado Primrio Sade a ateno essencial sade

    baseada em tecnologia e mtodos prticos, cientificamente comprovados e socialmente

    aceitveis, tornados universalmente acessveis a indivduos e famlias na comunidade

    por meios aceitveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como o pas possa

    arcar em cada estgio de seu desenvolvimento, um esprito de autoconfiana e

    autodeterminao (STARFIELD, 2002).

    No ano de 2007, em consonncia com a PNAB instituda pelo Ministrio da

    Sade, a Secretaria de Sade do Estado da Bahia (SESAB) lanou a Poltica Estadual de

    Ateno Bsica (PEAB), a Sade da Famlia de Todos Ns. A PEAB definia quatro

    eixos de atuao da Diretoria de Ateno Bsica da SESAB, o Apoio Financeiro, a

    Coordenao da Ateno Bsica, a Educao Permanente e o Apoio Institucional, com

    os quais vislumbrava mediante o desenvolvimento de sete projetos estratgicos

    Expanso com Incluso Social, Desprecarizao dos Vnculos de Trabalho dos Agentes

    Comunitrios de Sade (ACS) e trabalhadores da Sade da Famlia, Carreira Sade da

    Famlia, Sade da Famlia pra Valer, O SUS uma Escola, Fortalecimento da Gesto

    loco-regional e Fortalecimento do Controle Social superar os problemas encontrados

  • 20

    na Ateno Bsica do Estado quando iniciada a gesto neste mesmo perodo (BAHIA,

    2007d, p. 18).

    Ao se analisar os documentos oficiais que tratam da PEAB, observa-se haver

    consonncia entre as diretrizes da Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB) e os

    documentos que definem como ser estruturada e organizada a Ateno Bsica nos

    municpios do Estado da Bahia. primeira vista, pode-se concluir que as gestes

    federal e estadual possuem um discurso semelhante ao tratar da Ateno Bsica. Esta

    situao confirma o que alguns autores apontam sobre a Poltica Pblica de Sade e seu

    financiamento, isto , que desde a sua implantao as definies sobre a poltica do

    setor se mantm centralizadas no nvel federal (ELIAS et al., 2001; MENDES, 2005;

    GIOVANELLA e MENDONA, 2008; CASTRO e MACHADO, 2010). SANTOS e

    ANDRADE (2009, p. 140), ao analisarem o financiamento da sade nos anos de

    implementao do SUS, corroboram esta ideia e afirmam:

    Durante esses anos de implementao do SUS, o Ministrio da Sade editou

    uma excessiva e exaustiva legislao infralegal, com intuito de dar

    conformao administrativa a partir do financiamento da sade. Toda essa

    regulao visava impor projetos e programas federais aos municpios e

    estados, e no configurar o sistema de sade para sociedade.

    As Comisses Intergestores Tripartite (CIT) e Bipartite (CIB) institudas em

    1991 e 1993, respectivamente, e formadas paritariamente por representantes do MS,

    representantes dos Secretrios Estaduais de Sade indicados pelo Conselho Nacional de

    Secretrios de Sade (CONASS) e representantes dos Secretrios Municipais de Sade

    indicados pelo Conselho Nacional dos Secretrios Municipais de Sade (CONASEMS)

    seriam as instncias nas quais se debateria e negociaria o processo de formulao e

    implementao da Poltica de Sade (NORONHA et al., 2008). No entanto, apesar da

    existncia destas instncias, a concentrao de poder e a centralizao da formulao da

    Poltica de Sade em nvel federal so notrias, o Ministrio da Sade elabora as

    propostas (programas, projetos, polticas, etc) e negocia os detalhes nos Grupos

    Tcnicos da CIT, desta forma, a comunicao entre a Unio, e a maioria dos Municpios

    tem se dado atravs da publicao de resolues e portarias que definem quais e que

    tipos de aes e servios sero financiados no SUS.

    As publicaes das Normas Operacionais Bsicas (NOB) 01/93 e 01/96 e da

    Norma Operacional da Assistncia Sade (NOAS) so exemplos de verticalizao das

  • 21

    definies sobre o financiamento das Polticas de Sade. Ao se estudar o cenrio em

    que se estruturou o financiamento da sade, optou-se por trazer cena o debate sobre

    recursos destinados Ateno Bsica, j que a partir da implementao da Norma

    Operacional Bsica 01/96, 90% dos municpios brasileiros estavam habilitados em

    Gesto Plena da Ateno Bsica. E com a publicao da Norma Operacional de

    Assistncia Sade 01/2002, ampliaram-se as responsabilidades dos municpios na

    Ateno Bsica, tornando-os responsveis pelo planejamento e execuo dos servios e

    aes deste nvel de ateno sade (SANTOS e ANDRADE, 2009). primeira vista,

    observa-se que, na maioria dos estados e municpios, a organizao do SUS tem sido

    pautada e determinada pelas regras do financiamento de programas, projetos, incentivos

    a programas definidos no nvel federal.

    Para SANTOS e ANDRADE (2009), desde a implantao do SUS observa-se

    um esgotamento dos modelos de regulamentao da organizao e funcionamento do

    sistema de sade. Diante deste cenrio, os autores anteriormente citados, afirmam que

    foi necessrio retomar o debate sobre o processo de descentralizao, reconhecendo que

    o SUS um exemplo de federalismo cooperativo, no qual os interesses entre os entes

    so comuns e indissociveis e deveriam ser harmonizados em nome dos interesses local,

    regional, estadual e nacional.

    O Ministrio da Sade, atento necessidade de mudar o modelo de gesto do

    sistema de sade brasileiro, retoma a agenda da descentralizao e regionalizao da

    sade diretrizes constitucionais do SUS ao implementar o Pacto pela Sade, em

    2006, vislumbrando proporcionar uma maior autonomia dos gestores municipais e

    estabelecendo contratos de gesto entre os entes federativos. Entretanto, diversos

    autores apontam que, mesmo aps a implantao do Pacto, no mbito da Ateno

    Bsica, observa-se o desenvolvimento de uma autonomia tutelada ou relativa, visto

    que a formulao das diretrizes da poltica acontece no nvel federal e o repasse dos

    recursos financeiros adicionais s efetuado mediante adeso do municpio Sade da

    Famlia.

    Diante disso, algumas questes emergem deste enfoque: qual a concepo de

    Ateno Bsica proposta pelo Pacto? Houve problemas no esquema de

    financiamento que vem sendo utilizado pelo gestor federal do SUS para a Ateno

    Bsica nos municpios no perodo do Pacto pela Sade? Em que grau esse

  • 22

    financiamento se relaciona a concepo de Ateno Bsica definida pela Poltica de

    Ateno Bsica (PNAB) no SUS? Estariam os municpios conseguindo receber e

    manter estvel o financiamento da Ateno Bsica, recebendo fundo a fundo os

    recursos do Piso da Ateno Bsica (PAB) varivel? Como o Estado da Bahia, por

    meio da Secretaria Estadual de Sade, tem cooperado financeiramente para

    implementao da Poltica de Ateno Bsica?

    A hiptese da pesquisadora que os gestores municipais encontram dificuldades

    na estruturao das aes e servios de Ateno Bsica, diante do papel e participao

    da Secretaria da Sade do Estado da Bahia (SESAB) e do Ministrio da Sade (MS) em

    relao ao financiamento, restrito lgica apenas de repasses de incentivos financeiros.

    Para desvelar esta realidade, prope-se a realizao deste estudo para compreender

    como e onde acontece a definio do financiamento da Ateno Bsica e qual o impacto

    desta definio no planejamento local das aes e servios de sade, a partir dos

    seguintes aspectos: a magnitude do recurso diante das necessidades dos municpios para

    o financiamento da Ateno Bsica, os critrios para alocao dos recursos e a

    alimentao dos sistemas de informao.

  • 23

    2 OBJETIVOS

    2.1 OBJETIVO GERAL

    Analisar as bases de financiamento do SUS no campo da Ateno Bsica dos

    municpios, evidenciando os conflitos presentes aps a implantao do Pacto pela

    Sade, bem como as incertezas que cerceiam seu financiamento.

    2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS

    Identificar os fundamentos e conceitos que influenciaram a estruturao da

    Ateno Bsica brasileira, em especial no perodo do Pacto pela Sade.

    Compreender as caractersticas estruturais da Ateno Bsica e os mecanismos

    utilizados para sua regulao, reconhecendo o papel central do financiamento,

    principalmente ao longo do perodo de implementao do Pacto pela Sade.

    Analisar as resolues federais e estaduais (Bahia) que estabelecem os critrios

    para os municpios aderirem aos programas e receberem os incentivos federais e

    estaduais para estruturao e organizao do financiamento da Ateno Bsica.

    Compreender as diferentes propostas dos gestores federal e estadual (Bahia)

    sobre o financiamento, entendendo suas repercusses na estruturao da Ateno

    Bsica dos municpios.

  • 24

    3 A ATENO BSICA NO BRASIL: ASPECTOS CONCEITUAIS E

    DE CONTEXTO

    Neste estudo sero utilizados como sinnimos os conceitos Ateno Primria

    Sade e Ateno Bsica, pois h uma frequente discusso acerca da terminologia para

    designar o primeiro nvel de ateno sade. [...] E a expresso Ateno Bsica (AB)

    foi oficializada pelo governo brasileiro, que passou a denominar assim suas secretarias e

    documentos oficiais (MELLO et al., 2009, p. 205).

    Diante da emergncia e valorizao da Ateno Bsica, impulsionada pela

    publicao e implantao das NOB 01/96 e a NOAS 01/2002 e, recentemente, com a

    Portaria n 399, de 2006 que institui o Pacto pela Sade desenvolveu-se, neste item,

    uma breve reviso dos aspectos conceituais e do contexto histrico no qual se

    implementou a Poltica de Ateno Bsica. Realizou-se esta reviso pretendendo

    compreender em que grau o financiamento das Polticas Pblicas de Sade influencia a

    concepo de Ateno Bsica definida pela Poltica Nacional de Ateno Bsica

    (PNAB) no SUS.

    3.1 A PRODUO DA ATENO BSICA NO BRASIL

    No Brasil, o debate sobre Ateno Primria Sade (APS) j estava na agenda

    da reforma setorial desde meados de 1970. E, nas dcadas seguintes, de 1980 e 1990,

    houve uma valorizao da Ateno Primria Sade no processo de Reforma do

    Sistema de Sade brasileiro (GIOVANELLA e MENDONA, 2008; CASTRO e

    MACHADO, 2010).

    RIBEIRO (2007), em seu estudo sobre a Ateno Primria e o Sistema de

    Sade no Brasil, faz uma reconstruo histrica do modo como este conceito entrou na

    formulao do sistema de sade. Para analisar os principais aspectos conceituais e de

    contexto da Ateno Bsica brasileira, a pesquisadora baseou-se na proposta de

    periodizao elaborada pela autora supramencionada, com recorte da dcada de 1970,

    at o perodo de implantao do Pacto Pela Sade, no ano de 2006. Optou-se por esta

    dcada devido a sua importncia na construo da Poltica de Ateno Bsica brasileira.

  • 25

    3.1.1 A Influncia da Dcada de 1970 na Estruturao da Ateno Bsica

    A partir da dcada de 1970, surgem algumas experincias da Medicina

    Comunitria no cenrio brasileiro, sendo que a maioria delas surgiu nos

    Departamentos de Medicina Preventiva das Escolas Mdicas. E, por meio de atividades

    de extenso acadmica, prestao de servios de sade em comunidades urbanas e

    rurais, programas de residncias em medicina comunitria ou medicina preventiva,

    muitas escolas desenvolveram propostas de reforma da sade como poltica social.

    As principais caractersticas da Medicina Comunitria eram: resgatar a

    preocupao com a sade dos grupos populacionais, embora restrita preocupao com

    a populao local, no se remetendo aos contextos sociais mais amplos; desenvolver as

    aes preventivas e curativas, vistas como servios bsicos que so oferecidas

    universalmente, especialmente aos grupos vulnerveis e de risco; estruturar os servios

    de maneira hierarquizada: os servios de Ateno Primria, de natureza simplificada,

    funcionam como porta de entrada do sistema; contratao de pessoal auxiliar treinado,

    orientado por profissionais de nvel superior, visando extenso de cobertura, incluso

    de prticas mdicas alternativas, o aumento da eficcia e da aceitao da populao e

    reviso da tecnologia incorporada, objetivando reduo de custos; a participao

    comunitria incentivada, como forma de envolver a populao na soluo dos seus

    problemas (MERHY et al., 2004). Desta forma, observa-se que este modelo muito se

    assemelha proposta assistencial brasileira, iniciada com a implantao do Programa

    Sade da Famlia em 1994, que tem a Ateno Bsica como base do Sistema de Sade.

    No Brasil, segundo GIOVANELLA e MENDONA (2008), a APS entra na

    pauta da sade brasileira a partir da dcada de 1970, baseada nas experincias relatadas

    pela academia e com o Programa de Interiorizao das Aes de Sade e Saneamento

    (PIASS). Este programa era financiado com recursos do Fundo de Apoio Social, o qual

    destinava recursos tanto para construo de unidades bsicas de sade, quanto para

    convnios entre os entes federativos, vislumbrando implantar servios de Ateno

    Primria Sade.

    O PIASS tinha como objetivo a organizao de uma estrutura bsica de sade

    nos Municpios com at 20.000 (vinte mil) habitantes, utilizando pessoal de nvel

  • 26

    auxiliar e da prpria comunidade, ou seja, tratava-se de um programa de interiorizao

    do atendimento, buscando maior eficincia e baixos custos. Contudo, para PUGIN e

    NASCIMENTO (1996), os resultados do PIASS resumiram-se, basicamente,

    ampliao da rede fsica instalada para o atendimento da populao, sem que houvesse

    um maior investimento na melhoria das aes de sade, com escassez de recursos para

    implantao do programa.

    Segundo MLLER- NETO (1991), em meados da dcada de 70 surge algumas

    experincias de organizao de servios e de formulao de polticas locais de sade.

    Estas experincias, segundo o autor anteriormente citado, aconteceram em prefeituras

    governadas pela oposio ao regime militar, que implantaram modelos alternativos e

    organizao de servios voltados para a Ateno Primria, cujo objetivo consistia na

    extenso dos servios bsicos para toda a populao. Os municpios que se destacaram

    por tais experincias foram: Campinas (SP), Lages (SC), Londrina (PR), Niteri (RJ),

    Piracicaba (SP), Montes Claros (MG), Capim Branco (MG) e Porto Nacional (GO).

    J no cenrio internacional, dois grandes eventos marcaram o debate sobre a

    sade no mundo, a Trigsima Reunio da Assembleia Mundial de Sade e a I

    Conferncia Internacional de Cuidados Primrios de Sade. Na 30 Reunio da

    Assembleia Mundial de Sade, que aconteceu no ano de 1977, foi acordado entre os

    governos participantes que estes teriam como principal meta social a obteno por

    parte de todos os cidados do mundo um nvel de sade no ano de 2000 que lhes

    permitiria levar vida social e economicamente produtiva (STARFIELD, 2002, p. 30).

    Este slogan desencadeou uma srie de atividades que tiveram um grande impacto sobre

    o pensamento a respeito da Ateno Primria (STARFIELD, 2002).

    A I Conferncia Internacional sobre Cuidados Primrios de Sade, realizada no

    ano de 1978 em Alma-Ata, considerada como um dos eventos mais significativos para

    a Sade Pblica em termos mundiais. Nela ecoaram os questionamentos dos modelos

    verticais de interveno da Organizao Mundial da Sade (OMS) para o combate s

    endemias nos pases em desenvolvimento, em especial na frica e na Amrica Latina, e

    do modelo mdico hegemnico cada vez mais especializado e intervencionista

    (CZERESNIA e FREITAS, 2003; GIOVANELLA e MENDONA, 2008).

  • 27

    A conferncia de Alma-Ata foi um importante evento para a agenda da sade

    mundial, na qual estiveram presentes 134 (cento e trinta e quatro) representaes

    governamentais. Segundo GIOVANELLA e MENDONA (2008, p. 578),

    a Declarao de Alma-Ata afirma a responsabilidade dos governos sobre a sade de

    seus povos por meio de medidas sanitrias e sociais, reiterando a sade como direito

    humano fundamental e uma das mais importantes metas sociais mundiais.

    A Organizao Mundial da Sade (1978) apud STARFIELD (2002, p. 30)

    aponta que na Assembleia Mundial de Sade, subsequente de Alma-Ata, realizada no

    ano de 1979, definiu-se a Ateno Primria como:

    Ateno essencial sade baseada em tecnologia e mtodos prticos

    cientificamente comprovados e socialmente aceitveis, tornados

    universalmente acessveis a indivduos e famlias na comunidade por meios

    aceitveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como pas possa

    arcar em cada estgio de seu desenvolvimento, um esprito de autoconfiana

    e autodeterminao. a parte integral do sistema de sade do pas, do qual

    funo central, sendo enfoque principal do desenvolvimento social e

    econmico global da comunidade. o primeiro nvel de contato dos

    indivduos, da famlia e da comunidade com o sistema nacional de sade,

    levando a ateno sade mais prximo possvel do local onde as pessoas

    vivem e trabalham, construindo o primeiro elemento de um processo de

    ateno continuada sade.

    A agenda da sade, em especial da Ateno Primria a Sade, foi bastante

    movimentada, com diversos eventos e conferncias em defesa da sade de todos. No

    entanto, alguns autores (FRANCO e MERHY, 2003; MATTOS, 2001) apontam que as

    metas estabelecidas para todos os pases na Conferncia de Alma-Ata no foram

    alcanadas plenamente, tendo em vista as crises econmicas mundiais e as reformas

    administrativas realizadas em muitos pases. Apesar do no cumprimento das metas, a

    APS tornou-se uma referncia fundamental para as reformas sanitrias ocorridas em

    diversos pases nos anos de 1980 e 1990 (MATTOS, 2001).

    3.1.2 A Dcada de 1980: as transformaes da Ateno Bsica de 1980 a 1994

    No Brasil, diversos programas foram institudos visando estender o atendimento

    sade da populao, em especial os servios bsicos de sade. Em maro de 1980, foi

  • 28

    realizada a 7 Conferncia Nacional de Sade, sob a influncia das definies da

    Conferncia de Alma-Ata, cujo tema era Extenso das aes de sade atravs dos

    servios bsicos. Nesta conferncia, debateu-se a implantao e o desenvolvimento do

    Programa Nacional de Servios Bsicos de Sade (Prevsade). O Prevsade tinha como

    objetivos:

    a universalizao da cobertura de servios bsicos; a articulao das diversas

    instituies do setor sade para a oferta de servios; a hierarquizao da

    oferta de servios por nveis de complexidade, tendo a ateno primria como

    porta de entrada; a regionalizao dos servios; a utilizao de tcnicas

    simplificadas; e, a participao comunitria. Para o cumprimento desses

    objetivos, propunha-se o privilegiamento da expanso da rede pblica,

    especialmente de servios bsicos, bem como o incentivo ao regime de tempo

    integral e dedicao exclusiva e a definio de planos estaduais de cargos e

    salrios, entre outros (BRASIL, 2006e, p. 103).

    Este programa enfrentou uma forte resistncia, e muitas verses do Prevsade

    foram elaboradas no entanto, nunca implementadas - at o seu arquivamento, em

    1981. Neste mesmo ano, diante da publicizao da crise da previdncia, o governo

    federal, atravs do Decreto n 86.329, de 02 de setembro de 1981, criou o Conselho

    Consultivo da Administrao de Sade Previdenciria (Conasp). Este conselho tinha

    como responsabilidade a elaborao e a proposio de alternativas racionalizadoras para

    conter os gastos da Previdncia Social com Assistncia Mdica.

    Em 1983, inicia-se um programa que dispara o processo de universalizao da

    assistncia mdica, o Programa de Aes Integradas de Sade (PAIS). A partir da

    implantao do PAIS, as prefeituras passaram receber por produo e, financiadas pelo

    Inamps, ofereceram atendimento a toda populao, independente da existncia de

    vnculo previdencirio (ESCOREL, 2008, p. 422). Este programa foi um avano da

    Poltica Pblica de Sade brasileira, deixando o carter excludente e assumindo um

    discurso universalista.

    No ano de 1984, o Programa de Aes Integradas de Sade foi transformado em

    Aes Integradas de Sade (AIS). Em 1985, a implementao das AIS propiciou uma

    importante ampliao da cobertura de servios Bsicos de Sade, com a criao de

    unidades municipais de sade em grande parte dos municpios brasileiros

    (GIOVANELLA e MENDONA, 2008, p. 598).

    O governo federal adotou as aes integradas como estratgia de reordenamento

    da Poltica Nacional de Sade, tendo como princpios gerais, para a Ateno Bsica, a

  • 29

    valorizao das atividades bsicas e a garantia de referncia. Com isso, postos e

    centros de sade passaram a oferecer assistncia mdica, alm dos tradicionais

    programas de Sade Pblica (ESCOREL, 2008, p. 423).

    Segundo NASCIMENTO (2007), a partir do depoimento de alguns tcnicos e

    dirigentes ligados aos rgos de deciso, que atuavam nos governos estaduais e

    municipais na poca sobre as Aes Integradas de Sade, constata-se posio unnime

    ao afirmarem que as AIS constituram um grande impulso para desencadear o

    movimento de descentralizao, pois tinham como pressuposto a integrao

    programtica entre as organizaes de sade de mbito federal, estadual e municipal, a

    partir de repasses financeiros do Inamps para a rede pblica.

    Na literatura, consta que neste perodo o processo de descentralizao dependia

    da vontade poltica dos governantes municipais em assumir e investir nos servios de

    baixa complexidade, ou seja, na Ateno Primria Sade. Entretanto, a proposta da

    descentralizao caminhava para responsabilizao da gesto municipal pela Ateno

    Bsica, o que esboava uma definio de atribuies e competncia das esferas de

    governo no setor sade (NASCIMENTO, 2007).

    No ano de 1987, implementado o Sistema Unificado e Descentralizado de

    Sade (SUDS), considerado uma consolidao das Aes Integradas de Sade (AIS). A

    justificativa para implantao do SUDS consistia na avaliao positiva do cumprimento

    de algumas metas das AIS, como a de expandir a capacidade da rede pblica

    ambulatorial.

    O SUDS diferenciou-se das aes integradas por definir claramente as

    competncias entre as esferas de governo, adotando como diretrizes a regionalizao

    dos servios de sade, a implementao de distritos sanitrios, a descentralizao das

    aes de sade e o desenvolvimento de instituies colegiadas gestoras. Enfatizou os

    mecanismos de programao e oramentao integradas e as decises colegiadas

    tomadas no mbito das Comisses Interinstitucionais. No entanto, sua implantao

    encontrou dificuldades devido dominncia de problemas administrativos

    (infraestrutura e poltico-gerencial), resistncias de agentes das prticas de sade

    particularmente dos mdicos que dificultaram o avano desta dimenso da gesto,

    centralizao dos recursos financeiros para sade na gesto federal e estadual, bem

  • 30

    como repasses atrasados e com valores desatualizados (PAIM, 1989; MERCADANTE,

    et al., 2002; NASCIMENTO, 2007).

    A implantao do SUDS ocorreu na contramo do que acontecia no mundo, o

    avano das formulaes neoliberais do Banco Mundial, referentes ao ajuste estrutural e

    reduo do papel do Estado na oferta de bens e servios sociais e na economia. Segundo

    MATTOS (2001, p. 386), os autores de Financing health services in developing

    countries: an agenda for reform, por exemplo, criticavam duramente os governos que

    viam a sade como um direito e tentavam assegurar gratuitamente o acesso universal a

    todos os servios.

    No ano de 1988, o Brasil realiza a reforma do modelo de assistncia pblica

    sade com a inscrio do Captulo II na Constituio Federal, que trata da Seguridade

    Social e da criao do Sistema nico de Sade (SUS). Este novo modelo define como

    diretrizes do sistema de sade a universalidade das aes, a descentralizao e a

    organizao dos servios sob os princpios da integralidade, da regionalizao e

    hierarquizao para a organizao do SUS.

    Na dcada de 1990, o desenvolvimento do SUS foi marcado por um intenso

    processo de descentralizao das responsabilidades de gesto e dos recursos financeiros

    do governo federal para os municpios. MENDES (2005, p. 4) afirma que:

    A lgica que norteou a deciso do Ministrio da Sade foi a da reorganizao

    do modelo assistencial do SUS, no qual o municpio passava a ser o principal

    executor. [...] o Ministrio estimulou o enquadramento dos municpios nos

    nveis de gesto mais qualificados nas dimenses institucionais, operacionais

    e de responsabilidades em aes e servios de sade, como as estabelecidas

    na Norma Operacional Bsica 93, sob a denominao de gesto semiplena

    [...].

    nesse perodo que processo de descentralizao da sade, com base na

    municipalizao, ganha fora.

    Ainda nesta dcada, em especial a partir da segunda metade, o Ministrio da

    Sade adotou uma srie de medidas governamentais voltadas para o fortalecimento da

    Ateno Bsica (ESCOREL, et al., 2007). Em 1991, o governo federal decide por

    implantar o Programa de Agentes Comunitrios de Sade (PACS).

    No ano de 1993, o PACS abrangia treze estados das regies Norte e Nordeste. J

    no ano seguinte, 1994, o programa estava implantado em 987 municpios de estados das

  • 31

    regies Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Mas, outras experincias j estavam sendo

    implantadas, como o Programa Mdico de Famlia, desenvolvido a partir de 1992 em

    Niteri (RJ), com estrutura semelhante medicina da famlia implantada em Cuba

    (BRASIL, 2005).

    A experincia bem-sucedida do Cear estimulou o Ministrio da Sade a propor

    o Programa Nacional de Agentes Comunitrios de Sade, vinculado Fundao

    Nacional de Sade (Funasa), implantado, inicialmente, na Regio Nordeste e, em

    seguida, na Regio Norte, como medida de enfrentamento dos graves ndices de

    morbimortalidade materna e infantil nestas regies do pas (BRASIL, 2005). Em

    reunio convocada pelo gabinete do Ministro da Sade, Henrique Santillo, com apoio

    do Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNICEF), e realizada nos dias 27 e 28 de

    dezembro de 1993 em Braslia, criou-se o PSF. Nesta reunio, avaliou-se a proposta de

    incorporar novos profissionais s equipes do PACS, para que os agentes no

    funcionassem de forma isolada (ROSA e LABATE, 2005).

    Segundo BRASIL (2003), aps a implantao do PACS, iniciou-se a formulao

    das diretrizes do Programa Sade da Famlia e, em maro de 1994, este programa foi

    apresentado como a estratgia capaz de provocar mudanas no modelo assistencial, ao

    romper com o comportamento passivo das Unidades Bsicas de Sade e estender suas

    aes junto comunidade.

    A Ateno Bsica, no Brasil, era caracterizada pelo governo federal como

    conjunto de aes de sade, de carter individual ou coletivo, situadas no primeiro

    nvel de ateno dos sistemas de sade, voltadas para promoo da sade, a preveno

    de agravos, o tratamento, a reabilitao (BRASIL, 1999, p. 9). Essa definio de

    Ateno Bsica, para RIBEIRO (2007), poderia trazer prejuzos para o desenvolvimento

    da Poltica de Sade, pois ela estava vinculada a critrios de financiamento de um

    pacote de aes e servios, o que, na viso da autora, poderia levar a interpretaes

    reducionistas das responsabilidades deste nvel de ateno.

    Desde a implantao do SUS, o poder executivo brasileiro vem adotando como

    estratgia para reorganizao e reordenamento do Sistema de Sade, a estruturao e

    ampliao de servios e aes de Ateno Bsica, ao passo que vem aumentando o

    financiamento deste nvel de ateno, ainda que se mantenha uma elevada concentrao

    de recursos no financiamento da mdia e alta complexidade. As justificativas para

  • 32

    adoo destas medidas baseiam-se na necessidade de mudana no modelo de ateno,

    na perspectiva de alcanar melhores resultados nos indicadores de sade e organizao

    da rede assistencial.

    BAPTISTA et al. (2009, p. 1024) nos fazem apontamentos importantes acerca do

    PSF:

    No h dvidas de que o PSF teve papel fundamental no resgate da APS no

    Brasil, no somente na agenda da poltica nacional, mas tambm na agenda

    da produo acadmica [...] Uma vez que a poltica ainda est em fase de

    implementao, faz-se necessrio investir em pesquisas que apontem para a

    qualificao da APS no sistema de sade brasileiro, na capacidade resolutiva

    do modelo centrado na APS, j que este o principal argumento para o

    direcionamento dos investimentos recentes feitos pelo Estado no setor de

    sade.

    Em 1994, o PSF no representava uma proposta de substituio do PACS, pois

    sua implantao privilegiava reas de maior risco social, inicialmente, populao

    residente nas localidades delimitadas no Mapa da Fome do Instituto de Pesquisa

    Econmica Aplicada (IPEA) e, posteriormente, nos municpios inseridos no Programa

    Comunidade Solidria ou no Programa de Reduo da Mortalidade Infantil. No ano

    posterior, 1995, o PACS e o PSF foram transferidos da Fundao Nacional de Sade

    (FUNASA) para a Secretaria de Assistncia Sade (SAS), onde permaneceram at

    meados de 1999, quando novamente os programas mudaram de localizao

    institucional, passando para a Coordenao da Ateno Bsica da Secretaria de Polticas

    de Sade (BRASIL, 2005).

    Ao analisar a literatura que trata do processo de estruturao da Ateno Bsica

    brasileira, observa-se que, at 1995, esta tratada como programa e no como Poltica

    Pblica de Sade.

    3.1.3 A Dcada de 1990: a Norma Operacional Bsica de 1996 e as mudanas da

    poltica de Ateno Bsica

    A dcada de 1990 constitui-se num perodo de intensa normatizao legal da

    Ateno Bsica. No ano de 1996, com a publicao da Norma Operacional Bsica de

    1996, conhecida como NOB/96, introduziu-se o Piso da Ateno Bsica (PAB). A

  • 33

    implantao do PAB trouxe como principal novidade a transferncia regular e

    automtica de recursos financeiros, com repasse federal feito diretamente aos

    municpios, cujo objetivo era incentivar os gestores municipais a assumirem,

    progressivamente, a gesto da rede bsica de servios de sade (BODSTEIN, 2002).

    Neste sentido, observa-se que um poderoso mecanismo de induo utilizado pelo

    governo federal para priorizar a Ateno Bsica foi a adoo dos Programas Sade da

    Famlia e dos Agentes Comunitrios de Sade, como estratgia de reorganizao deste

    nvel de ateno.

    BODSTEIN (2002, p. 407) corrobora esta ideia, ao afirmar que: O principal

    incentivo o financeiro, decisivo para o clculo poltico dos gestores municipais em

    prol da adeso.

    Diante a evoluo do processo de descentralizao, o Ministrio da Sade

    (BRASIL, 2003) afirmou que o ano de 1998 foi um marco no processo de consolidao

    do PSF, visto que o programa foi definido como estratgia estruturante para a

    organizao do sistema de sade. Neste ano, o PAB entrou em vigor e alterou a lgica

    de repasse de recursos federais para o sistema de prestao de aes mdico-sanitrias,

    o que se constituiu como uma medida decisiva para descentralizao financeira do

    sistema de sade no Brasil, incentivando os municpios a assumirem, progressivamente,

    a gesto da rede bsica de servios de sade (BODSTEIN, 2002; BRASIL, 2003).

    Ao implantar o PAB, o Programa Sade da Famlia passou a ter oramento

    prprio, sendo includo no Plano Plurianual do Governo Federal, no ano de 1998.

    Contudo, era preciso definir as responsabilidades dos municpios neste nvel de ateno

    e, em 1999, o Ministrio da Sade publicou o "Manual para Organizao da Ateno

    Bsica no SUS" e implantou o Pacto de Indicadores da Ateno Bsica4.

    Uma estratgia importante adotada pelo Ministrio da Sade foi a criao do

    Departamento de Ateno Bsica (DAB) para consolidar a Sade da Famlia, no ano de

    1999. O Ministrio da Sade define o DAB como uma:

    [...] estrutura vinculada Secretaria de Ateno Sade, no Ministrio da

    Sade, tem a misso institucional de operacionalizar essa poltica no mbito

    da gesto federal do SUS. A execuo dessa poltica compartilhada por

    4 Instrumento de negociao de metas e aes orientadas para os problemas identificados como

    prioritrios. Imprime maior visibilidade as aes desenvolvidas pelos municpios habilitados a uma das

    condies de gesto do SUS, segundo NOB/96. Explicita as responsabilidades de cada uma das

    instncias, estabelecendo como espao de negociao, monitoramento e avaliao dos compromissos

    firmados s CIB e CIT (BRASIL, 2000).

  • 34

    estados, Distrito Federal e municpios. Ao DAB cabe, ainda, desenvolver

    mecanismos de controle e avaliao, prestar cooperao tcnica a estas

    instncias de gesto na implementao e organizao da estratgia Sade da

    Famlia e aes de atendimento bsico como o de Sade Bucal, de Diabetes e

    Hipertenso, de Alimentao e Nutrio, de Gesto e Estratgia e de

    Avaliao e Acompanhamento (BRASIL, 2010a).

    Ao longo desta dcada, houve uma expanso significativa do PSF, pois segundo

    informaes do Ministrio da Sade:

    Se nos primeiros quatro anos de sua implantao, o PSF abrangia 3,51% da

    populao brasileira, ao final de 1998, este percentual atingiu 6,57%. Em

    dezembro de 1999, existiam 4.114 equipes de Sade da Famlia, atuando em

    1.646 municpios, que representam 29,9% dos municpios brasileiros. Eram

    aproximadamente 14 milhes de pessoas acompanhadas pelo programa,

    representando 8,8% da populao do pas. Em setembro de 2002, esses

    nmeros cresceram significativamente: so 16.463 equipes, em 4.161

    municpios, assistindo 54 milhes de pessoas (BRASIL, 2003, p. 124).

    Cabe ressaltar que, no documento publicado em janeiro de 2001, pela primeira

    vez o Ministrio da Sade conceitua o PSF como uma estratgia que prioriza as aes

    de promoo, proteo e recuperao da sade dos indivduos e famlia (BRASIL,

    2001b). A partir de ento, a Sade da Famlia, desenhada inicialmente como um

    programa, passou a ser considerada pelo Ministrio da Sade como uma estratgia

    estruturante dos sistemas municipais de sade. (BRASIL, 2005).

    3.1.4 A Dcada de 2000

    Apesar da expanso do PSF no territrio brasileiro nos ltimos 19 anos, no

    houve e nem h uma consolidao uniforme deste programa. A implantao ocorre de

    forma heterognea, em especial nos municpios cujo nmero de habitantes no esteja

    em faixas extremas, muito pequenos ou grandes (CAMPOS, 2002).

    Diante deste cenrio, o Ministrio da Sade, no ano de 2003, inicia a execuo

    do Programa de Expanso e Consolidao da Estratgia de Sade da Famlia

    (PROESF), cujo objetivo era viabilizar, a partir de um acordo de emprstimo celebrado

    com o Banco Interamericano de Reconstruo e Desenvolvimento (BIRD), a

    transferncia de recursos financeiros, fundo a fundo, isto , de estados e municpios,

  • 35

    para expanso da cobertura, qualificao e consolidao da Estratgia Sade da Famlia

    nos municpios com populao superior a 100 mil habitantes.

    No ano de 2004, o PSF abrangia 80,2% dos municpios brasileiros, ou seja,

    4.600 municpios, proporcionado uma cobertura de 39% da populao, o que

    corresponderia a 69,1 milhes de pessoas. Quando publicada a nova Poltica Nacional

    de Ateno Bsica (PNAB), no ano de 2006, foram implantadas 26.729 Equipes de

    Sade da Famlia, em 5.106 municpios, cobrindo 46,2% da populao brasileira, o que

    corresponde a cerca de 85,7 milhes de pessoas.

    A nova PNAB de 2006 define a Ateno Bsica como:

    [...] um conjunto de aes de sade, no mbito individual e coletivo, que

    abrangem a promoo e a proteo da sade, a preveno de agravos, o

    diagnstico, o tratamento, a reabilitao e a manuteno da sade [...] Utiliza

    tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver

    os problemas de sade de maior frequncia e relevncia em seu territrio. o

    contato preferencial dos usurios com os sistemas de sade. Orienta-se pelos

    princpios da universalidade, da acessibilidade e da coordenao do cuidado,

    do vnculo e continuidade, da integralidade, da responsabilizao, da

    humanizao, da equidade e da participao social (BRASIL, 2006b, p. 10).

    Ao se analisar a definio da nova poltica, observou-se que esta fortemente

    influenciada pelos princpios da Ateno Primria Sade. Segundo HARZHEIM et al.

    (2006), a definio da APS, defendida por Barbara Starfield, vem sendo muito utilizada

    em estudos e pesquisas, e inclusive pelo Ministrio da Sade. ESCOREL et al. (2007, p.

    165) ratificam a ideia, ao afirmarem que a estratgia de sade da famlia incorpora os

    princpios e se aproxima dos pressupostos da ateno primria em sade dimensionados

    por Starfield [...], buscando romper com a noo de uma ateno de baixo custo

    simplificada.

    Atualmente, o principal modelo de estruturao da Ateno Bsica, proposto

    pelo governo federal, tem sido a Estratgia de Sade da Famlia (ESF), que fortemente

    influenciada pelos preceitos da Ateno Primria Sade (APS). Assim, com base neste

    referencial terico, um Sistema de Sade orientado pela APS tem como valores o

    direito sade, equidade, integralidade, participao e controle social; como princpios,

    a integralidade, resolutivo s necessidade e orientado pela qualidade da ateno; e,

    como atribuies, o acesso de primeiro contato do indivduo com o sistema de sade, a

  • 36

    continuidade e a integralidade da ateno, e a coordenao da ateno dentro do

    sistema.

    Apesar dos avanos ocorridos desde sua implantao, o programa hoje

    estratgia enfrenta alguns desafios para sua consolidao, entre eles destacam-se:

    recursos humanos: a consolidao da ESF est condicionada

    existncia de profissionais com conhecimentos, atitudes e habilidades

    adequados ao novo modelo, capazes de uma prtica multiprofissional e

    interdisciplinar, para compor a rede de servios do SUS;

    natureza do modelo de ateno: nosso modelo de ateno ainda

    marcado pela hegemonia dos interesses da corporao mdica, das

    indstrias e dos servios privados de sade;

    financiamento: embora os municpios recebam recursos federais, o

    financiamento da ESF ocorre, essencialmente, por meio de recursos

    prprios.

    Embora a Ateno Bsica seja prioridade na agenda do SUS, os recursos

    destinados a ela so menores dos que os repassados Ateno Hospitalar e

    Especializada. As transferncias federais, ainda na lgica de incentivo, mantm o

    padro de vinculao dos recursos financeiros mediante adeso a programas

    estratgicos propostos pelo Ministrio da Sade. Neste sentido, desde 1988, perodo que

    vai da aprovao da nova Constituio Federal at os dias de hoje, apresentam-se como

    questes complexas dois grandes eixos: a descentralizao poltico-administrativa e a

    organizao da ateno sade em seus diversos nveis de ateno.

    3.2 O FINANCIAMENTO DA ATENO BSICA

    Na dcada de 1990, observa-se um importante aumento no financiamento da

    Ateno Bsica, em especial dos recursos do Piso da Ateno Bsica varivel (PAB

    varivel). Entretanto, o repasse de recursos para estruturao da rede de servios da

    Ateno Bsica no territrio brasileiro no levou em considerao as diferenas e

    diversidades loco-regionais, colocando o Acre e o Rio Grande do Sul nas mesmas

    condies tcnicas e financeiras para organizao da sua rede assistencial.

  • 37

    Mas, a partir da segunda metade da dcada de 1990, o SUS buscou orientar a

    Poltica de Sade para Ateno Bsica, adotando uma srie de medidas governamentais,

    como regulamentao e o financiamento das aes e servios deste nvel de ateno. Ao

    longo da histria do Sistema nico de Sade observa-se que, desde sua constituio, a

    maioria das tentativas de organizao do sistema foram pautadas pelo financiamento

    federal (SANTOS e ANDRADE, 2009, p. 27).

    Em 1992, o Programa dos Agentes Comunitrios de Sade, precursor do PSF,

    foi implementado por meio de convnio entre a Funasa/Ministrio da Sade e as

    Secretarias Estaduais de Sade, que previa repasses de recursos para custeio do

    programa e o pagamento, sob a forma de bolsa, no valor de um salrio mnimo mensal

    aos agentes. J em 1994, o Ministrio da Sade divulgou o primeiro documento sobre o

    PSF, definindo o convnio entre o nvel federal, estados e municpios, com o

    mecanismo de financiamento, exigncias de contrapartidas e critrios de seleo de

    municpios. Para assinatura do convnio, exigia-se que estivessem em funcionamento

    tanto o Conselho Municipal de Sade quanto o Fundo Municipal de Sade (BRASIL,

    2005).

    A transferncia do PSF da Fundao Nacional de Sade para a Secretaria de

    Assistncia Sade, em 1995, segundo VIANNA e DAL POZ (1998), significou um

    rompimento com a ideia de programa vertical, operado atravs de convnio, prtica

    comum na Funasa. A partir de janeiro de 1996, o PSF passou a ser remunerado pela

    tabela de procedimentos do Sistema de Informao Ambulatorial (SIA) do SUS, mas de

    forma diferenciada: a consulta do PSF equivale ao dobro da consulta do SUS

    (VIANA e DAL POZ, 1998, p. 23).

    Entretanto, importante destacar que a maioria dos municpios brasileiros

    apresenta dificuldades na gerao de receitas prprias para o custeio das aes e

    servios de sade, assim como apresenta diferentes capacidades administrativas e

    operacionais para organizar seu sistema de sade local. NORONHA et al. (2008),

    baseados em dados da estimativa populacional de 2003 realizada pelo Instituto

    Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), elaboraram uma tabela com a distribuio

    da populao e dos municpios por faixa populacional:

  • 38

    Tabela 1 - Distribuio da populao e dos municpios segundo faixa populacional,

    Brasil, 2003.

    Faixa (por habitante) Populao 2003 Municpios

    Pop. Total Dist.% N Dist.%

    At 10.000 14.008.250 7,92 2.681 48,22

    De 10.00o a 20.000 19.212.149 10,86 1.341 24,12

    De 20.000 a 50.000 29.733.362 16,81 990 17,81

    De 50.000 a 100.00 21.674.649 12,25 309 5,56

    De 100.000 a 1.000.000 55.574.057 31,42 225 4,05

    Mais de 1.000.000 36.668.970 20,73 14 0,25

    Total 176.871.437 100,00 5.560 100,00

    Fonte: NORONHA et al. (2008); IBGE - Estimativa populacional 2003.

    Os dados acima (Tabela 1) indicam a existncia de uma grande heterogeneidade

    do territrio brasileiro e trazem consigo um grande desafio para os gestores do SUS que

    pensar, planejar e implementar uma Poltica Pblica de Sade que considere as

    especificidades regionais.

    Quando iniciado o processo de descentralizao da responsabilidade em executar

    e financiar a rede de servios de sade, os estados e, principalmente os municpios,

    tiveram que adequar seus planos de sade para ampliar os recursos financeiros e

    cumprir com as atribuies definidas nas leis, normas, portarias e resolues

    regulamentadoras do SUS. No mbito do financiamento, para regulamentar o processo

    de descentralizao diretriz estruturante do sistema o Ministrio da Sade editou as

    Normas Operacionais Bsicas n 01/91 e 01/96.

    As normas operacionais so regras de organizao e financiamento do SUS

    ditadas pelo Ministrio da Sade mediante portarias, com anexos que detalhavam os

    procedimentos a ser observados pelos estados e municpios interessados nas

    transferncias financeiras federais (SANTOS e ANDRADE, 2009, p. 35). Para

    SCATENA e TANAKA (2001), as NOBs deveriam ser instrumentos que definissem as

    bases e princpios fundamentais sobre os quais Unio, Estados e Municpios

  • 39

    construiriam seus Sistemas de Sade, ou seja, teriam um papel de reguladoras do

    sistema. No entanto, os autores apontam que as NOBs estariam transcendo o seu papel:

    Ao buscar cobrir todo o complexo universo do SUS, das condies de gesto

    ao financiamento, do modelo de ateno programao e avaliao, das

    relaes entre os sistemas locais de sade ao custeio das vrias aes

    previstas, as normas esto cada vez mais extensas, complexas e abrangentes.

    Essa situao permite supor que as NOBs esto se configurando como

    instrumentos definidores do modelo de ateno sade e direcionadores de

    polticas pblicas para o setor sade, transcendendo o seu papel regulador

    (SCATENA e TANAKA, 2001, p. 69).

    Com a edio destas normas, a lgica do financiamento da sade passou a ser

    quase exclusivamente pelo critrio de produo, projetos e programas, salvo alguma

    parcela dos recursos como caso da Ateno Bsica, que passou a ser repassado pelo

    sistema per capita (SANTOS e ANDRADE, 2009). BUENO e MERHY (1997, p. 2),

    corroboram esta ideia e afirmam que a norma operacional, j na sua primeira verso, a

    NOB 91, apresentou dois importantes retrocessos: no conseguir regulamentar o artigo

    35 da Lei n 8.080 que tratava das transferncias de recursos a estados e municpios

    e construir as diretrizes do financiamento a partir do pagamento por procedimentos e

    sob a forma de convnio, transformando os sistemas estaduais e municipais de sade em

    meros prestadores de servios, cerceando suas prerrogativas de gesto nos distintos

    nveis de governo.

    A NOB01/96 apresentou algum avano no campo regulatrio do SUS, ao

    definir os papis de cada nvel de governo no processo de gesto e aumentar as

    transferncias diretas de recursos fundo a fundo. Mas, segundo BUENO e MERHY

    (1997), a norma apresentou alguns equvocos no seu processo de construo, os quais,

    para os autores, poderiam retardar os avanos na qualidade da assistncia e na

    construo de um novo modelo assistencial que privilegiasse a vida e a construo da

    cidadania.

    Desta forma, muitos foram os estudos que apontaram a NOB/96 como lesiva ao

    princpio da autonomia do municpio (prevista na Constituio Federal) enquanto gestor

    nico do sistema em nvel local, impedindo ou pelo menos induzindo os programas

    prioritrios no definidos nos fruns deliberativos locais de controle social (BUENO e

    MERHY, 1997; SANTOS e ANDRADE, 2009).

  • 40

    Apesar das crticas feitas NOB 01/96, de manter os municpios que no

    aderissem ao processo de habilitao na condio de prestadores de servios do sistema,

    aprofundando a fragmentao dos repasses financeiros e instituindo inmeras

    modalidades de transferncias de recursos, esta norma foi o grande marco para

    estruturao da Poltica Nacional de Ateno Bsica. Pela primeira vez asseguraram-se,

    num documento oficial, os repasses automticos para as aes bsicas de sade, ao criar

    o Piso de Ateno Bsica (PAB). O Piso da Ateno Bsica era definido de duas

    formas: PAB fixo, valor repassado de acordo com um per capita nacional multiplicado

    pela populao de cada municpio, e PAB varivel, incentivos repassados para o

    financiamento de aes e programas desenvolvidos na Ateno Bsica.

    Em relao mudana da lgica do financiamento, com a introduo do PAB,

    as prefeituras passaram a receber repasses automticos para investir naqueles

    procedimentos definidos como prioritrios e fundamentais para desenvolver aes

    preveno de doenas e promoo da sade, consultas mdicas e odontolgicas, exames

    de pr-natal, vacina e vigilncia sanitria. A partir da instituio desta lgica de

    financiamento, observa-se que a concepo de Ateno Bsica, adotada pelo Ministrio

    da Sade e reforada por agncias internacionais neste perodo, era de um programa

    focalizado e seletivo, com uma cesta restrita de servios, ou seja, o que a literatura

    denomina como Ateno Primria Seletiva.

    Segundo SOLLA et al. (2007), a suspenso do pagamento por produo de

    servios neste nvel de ateno foi fundamental para a induo da ampliao da Ateno

    Bsica em todo o territrio nacional. No entanto, cabe ressaltar que a implantao do

    PAB se deu aps um perodo de quatro anos de gastos decrescentes do governo federal

    em programas de sade, quando as despesas oramentrias com Ateno Bsica

    reduziram em 21% entre 1995 e 1998, o que, primeira vista, demonstra que este nvel

    de ateno no era prioridade na agenda do governo, reforando a concepo de

    Ateno Primria Seletiva (SOLLA et al., 2007).

    Mas, em 1999, o Ministrio da Sade reajustou os valores dos repasses e

    introduziu uma nova modalidade para o clculo dos incentivos financeiros do PAB

    varivel referente ao PSF. A partir deste ano, os municpios com maior cobertura

    populacional das eSFs seriam melhor remunerados (BRASIL, 2005).

  • 41

    Nos municpios, a NOAS 01/01 ampliou suas responsabilidades pela Ateno

    Bsica, aumentando o nmero de aes de sade a serem desenvolvidas pelos mesmos,

    ao incluir no financiamento o PAB ampliado (PAB-A). O que difere a NOAS 01/01 da

    NOB 01/96, no mbito da Ateno Bsica, que, ao ser publicada em 2001, esta norma

    definiu os programas a serem prioritariamente atendidos por meio da Ateno Bsica

    ampliada, que so: controle da tuberculose, eliminao da hansenase, controle da

    hipertenso arterial, controle do diabetes mellitus, sade da criana, sade da mulher e

    sade bucal.

    Segundo CAMPOS et al. (2005, p. 9), apesar de todos estes programas j se

    encontrarem entre aqueles definidos como prioritrios no Manual de Ateno Bsica, a

    NOAS 01/01 lhes deu maior destaque. A lgica da habilitao dos gestores municipais

    permaneceu, pois, para receber o novo valor do PAB-A, os municpios precisavam se

    habilitar em uma das duas modalidades propostas pela NOAS 01/01: Gesto Bsica

    Ampliada5 ou Gesto Plena do Sistema Municipal

    6.

    Em relao s transferncias federais destinadas Ateno Bsica, de 1998 a

    2003 o valor do PAB fixo no sofreu reajustes. Entretanto, os recursos repassados por

    meio do PAB varivel cresceram no oramento federal, passando de 2,38% , em 1998,

    5 O municpio para se habilitar a esta modalidade de gesto, deveria assumir algumas responsabilidades

    definidas a seguir: elaborao do Plano Municipal de Sade, a ser submetido aprovao do Conselho

    Municipal de Sade; gerncia de unidades ambulatoriais prprias ou transferidas pelo estado ou pela

    Unio; disponibilizao, em qualidade e quantidade suficiente para a sua populao, de servios;

    desenvolvimento do cadastramento nacional dos usurios do SUS; operao e alimentao dos sistemas

    de informao SIA/SUS e o SIAB; avaliao do impacto das aes do Sistema sobre as condies de

    sade dos seus muncipes; execuo das aes bsicas de vigilncia sanitria e aes bsicas de

    epidemiologia; elaborao do relatrio anual de gesto e aprovao pelo Conselho Municipal de

    Sade/CMS (BRASIL, 2001a). 6 O municpio para se habilitar a esta modalidade de gesto, deveria assumir algumas

    responsabilidades: elaborao do Plano Municipal de Sade, a ser submetido aprovao do Conselho

    Municipal de Sade, a integrao e articulao do municpio na rede estadual e respectivas responsabilidades na PPI do estado, incluindo detalhamento da programao de aes e servios que

    compem o sistema municipal, bem como o Quadro de Metas, mediante o qual ser efetuado o

    acompanhamento dos Relatrios de Gesto; gerncia de unidades prprias, ambulatoriais e hospitalares

    e unidades assistenciais transferidas pelo estado e pela Unio; gesto de todo o sistema municipal,

    incluindo a gesto sobre os prestadores de servios de sade vinculados ao SUS, independente da sua

    natureza jurdica ou nvel de complexidade, exercendo o mando nico, ressalvado as unidades estatais

    de hemoncleos/hemocentros e os laboratrios de sade pblica; desenvolvimento do cadastramento

    nacional dos usurios do SUS; garantia do atendimento para sua populao e para a populao

    referenciada por outros municpios; integrao dos servios existentes no municpio s centrais de

    regulao ambulatoriais e hospitalares; cadastro, contratao, controle, avaliao, auditoria e

    pagamento aos prestadores de servios ambulatoriais e hospitalares localizados em seu territrio e

    vinculados ao SUS