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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROLAM - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA NO BRASIL E NA ARGENTINA - um estudo de caso: Centro Santo Dias e Centro de Estudios Legales y Sociales ADRIANA ALVES LOCHE São Paulo 2003

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

PROLAM - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA NO BRASIL E NA ARGENTINA -

um estudo de caso:

Centro Santo Dias e Centro de Estudios Legales y Sociales

ADRIANA ALVES LOCHE

São Paulo

2003

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ADRIANA ALVES LOCHE

Dissertação apresentada à Comissão

Julgadora como exigência parcial para

obtenção do Título de Mestre em Integração

da América Latina, pelo Programa de Pós-

Graduação em Integração da América

Latina, da Universidade de São Paulo.

Orientador: Prof. Dr. Renato da Silva Queiroz

Dissertação aprovada pela Comissão

Julgadora como exigência parcial para

obtenção do Título de Mestre em Integração

da América Latina

Comissão Julgadora

___________________________

Presidente

___________________________

Titular

___________________________

Titular

“En América Latina, el poder es un cíclope. Tiene un

solo ojo: ve lo que le conviene, es ciego para todo lo

demás. Contempla en éxtasis la globalización de

dinero, pero no puede ni ver la globalización de los

derechos humanos”

Eduardo Galeano

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS i

RESUMO iii

INTRODUÇÃO 1

AS ENTIDADES DE DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA 2

OBJETO 5

OBJETIVO 6

MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA 7

1. OS MOVIMENTOS SOCIAIS PELOS DIREITOS HUMANOS 12

1.1 - HISTÓRICO 12

1.2 - A DITADURA E A TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA NO BRASIL E NA ARGENTINA 13

1.2.1 - O contexto brasileiro 13

1.2.2 - O contexto argentino 18

1.3 - OS MOVIMENTOS SOCIAIS E DE DIREITOS HUMANOS 23

1.3.1 - Os movimentos sociais pelos direitos sociais 23

1.3.2 - Os movimentos sociais pelos direitos humanos 28

2. CENTRO SANTO DIAS DE DIREITOS HUMANOS - BRASIL 33

2.1 - O QUE É E O QUE FAZ O CENTRO SANTO DIAS 33

2.1.1 - Histórico 33

2.1.2 - Programas e Atividades 45

2.1.3 - Estatuto 58

2.1.4 - Equipe 63

2.1.5 - Financiamentos 64

3. CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES - ARGENTINA 67

3.1 - O QUE É E O QUE FAZ O CELS 67

3.1.1 - Histórico 67

3.1.2 - Programas e Atividades 77

3.1.3 - Estatuto 90

3.1.4 - Equipe 96

3.1.5 - Financiamentos 98

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 106

5. BIBLIOGRAFIA 120

6. ANEXOS 126

AGRADECIMENTOS

A parte mais consultada dos trabalhos acadêmicos que são submetidos a uma

banca é, sem dúvida, a dos agradecimentos. Pessoas, agências financiadoras,

instituições apoiadoras, todas querem ver seus nomes impressos nestas linhas que,

talvez, se configurem como a parte mais difícil de redigir de todo o trabalho.

Digo que é a parte mais difícil porque recebemos o auxílio de muitos, mas nem

sempre lembramos de todos, e esta é a primeira gafe que, no linguajar acadêmico,

seria a primeira ‘inconsistência’ dos dados. Mas, como não podemos escapar, aí vão

eles:

Merecem toda a minha gratidão, em primeiro lugar, os meus pais, Anesio e

Odette. Desde muito cedo incutiram em mim o sentido de justiça e de respeito ao

próximo. Foi, sem dúvida, esta formação que me fez escolher esta vereda. Aliás, a

eles, mais do que agradecer, dedico este trabalho.

A Nancy Cardia, Paulo Sérgio Pinheiro e Sérgio Adorno, coordenadores do

NEV-USP, agradeço pelo apoio e pelo investimento durante estes 10 anos. Espero

que eu tenha retribuído à altura.

Gostaria muito de agradecer à Dra. Ana Beatriz Nader e, uma vez mais, ao

Prof. Dr. Sérgio Adorno que, como integrantes da banca do Exame de Qualificação,

trouxeram importantes contribuições para o presente trabalho.

Durante a minha formação em ciências sociais, tive contato com muitos

professores. Alguns nunca mais vi, outros considero amigos: Maria Helena Oliva

Augusto, Heloísa Martins, Emir Sader. Não importa qual seja a proximidade, todos são

co-responsáveis, pelo menos um pouquinho, por este trabalho. Obrigada.

Há uma outra pessoa que tem seu grau de responsabilidade: Flávia Schilling.

Foi ela quem, há nove anos, me convenceu de que eu deveria continuar a pesquisa

sobre violência policial. Se naquele momento ela não tivesse insistido, talvez hoje

vocês não estariam lendo este trabalho.

Agradeço aos colegas do Centro Santo Dias de Direitos Humanos da

Arquidiocese de São Paulo, por todo o auxílio prestado. Agradeço, especialmente, a

Hélio Bicudo, Benedito Domingos Mariano, João Frederico dos Santos e à Maria

Beatriz Sinisgalli pelas entrevistas concedidas, sem as quais parte importante deste

trabalho seria impossível. Agradeço também à Celi e à Rose, assessoras de Dr. Hélio

Bicudo e de Benedito Mariano, por terem intermediado a minha audiência com ambos.

ii

Em terras porteñas recebi a atenção e o auxílio de muitas pessoas. Os colegas

do Centro de Estudios Legales y Sociales foram muito hospitaleiros, sempre dispostos

a me ajudar no que fosse preciso. Alguns, no entanto, eu gostaria de nomear: Sofía

Tiscórnia e Victor Abramovich, pelas entrevistas concedidas. Rodrigo Borda por me

ajudar a desvendar os caminhos da justiça argentina. A Gustavo Palmieri agradeço

pelas informações, pela sala, pelo apoio logístico e, ainda, pelo espetáculo de tango

em San Telmo. Cristina e Ricardo pelo acesso irrestrito à documentação. Ernesto

Sigaud e María Villarruel pelas charlas matutinas e por todo o apoio. ¡Muchas gracias

compañeros!

A todos os meus colegas do Núcleo de Estudos da Violência, em especial à

Sérgia, pela cumplicidade de todos estes anos; à equipe CEPID 4 (Vivi, Cris, Edu,

Hélder e Jon), por agüentar meu (mau) humor; aos amigos Luís Antônio Francisco de

Souza, Fernando Salla e Andrei Koerner, pelas infindáveis conversas sobre direitos

humanos, violência policial, música, cinema, artes, literatura...

Quero agradecer a Juan Ricardo Moreira que, mesmo estando apurado com

sua tese de doutorado, teve tempo para me ajudar. Gracias amigo!

Transitando pela área de direitos humanos, conheci muitas pessoas que, além

de me ajudarem, se tornaram amigas do coração. Não vou citar nomes para não

cometer injustiças, mas registro aqui o meu agradecimento.

Não posso deixar de agradecer pessoas que são muito importantes para mim.

Primeiro as moças, diz a boa educação. Muito obrigada Beka, Samira e Mônica Rique.

Mais do que amigas, vocês são a minha família. Divergimos em muitas coisas,

polemizamos, somos chatas, mas para que servem os amigos (e os parentes), não é

mesmo? Aliás, em relação à Beka tenho uma dívida eterna, teriam de existir muitas

páginas de agradecimentos na vida para poder pagá-la...

Agora os agradecimentos vão para os moços, ou melhor, para um moço:

Giancarlo. Mais do que tudo, você me trouxe a serenidade. Não tenho palavras, a não

ser: obrigada por ter aparecido na minha vida.

Por fim, the last but not least, agradeço ao meu orientador Renato Queiroz.

Muito mais que um orientador, foi um amigo que soube entender o meu tempo e não

me pressionou, estando sempre a postos quando eu precisei dele - em geral com

pedidos de prorrogação. Renato, obrigada mesmo. Valeu a força. Até o doutorado?!

Se eu sobreviver à banca...

iii

RESUMO O presente estudo se propõe a fazer uma análise descritiva do Centro de Estudios Legales y

Sociales, na Argentina, e do Centro Santo Dias de Direitos Humanos, no Brasil, desde a sua

fundação, em final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, até os dias atuais. O parâmetro

para esta análise são os desafios e as perspectivas colocados pelos processos de transição

para a democracia nos dois países, privilegiando a visão de seus protagonistas. Como fonte

primária para a análise foram realizadas entrevistas com diretores e membros das duas

entidades. Como fonte secundária, foram utilizados documentos oficiais produzidos pelos

próprios centros, em especial estatutos e publicações. É seu objetivo refletir sobre o papel

destas entidades, bem como sobre o futuro dos direitos humanos nas sociedades

democráticas, oferecendo propostas para os principais desafios e elementos para a definição

de políticas de cooperação internacional.

RESUMEN

El presente estudio tiene como objetivo colocar en pauta una reflexión sobre el futuro de los

derechos humanos en las sociedades democráticas y el papel de las entidades de derechos

humanos. El estudio se basa en el análisis de los casos del Centro de Estudios Legales y

Sociales de Argentina y del Centro Santo Dias Direitos Humanos del Brasil; para esto realiza

un análisis descriptivo de las trayectorias de ambas instituciones desde su fundación, al final de

los años 70 y al inicio de los años 80, respectivamente, hasta los días de hoy. El análisis tiene

como parámetros de comparación los desafíos y las perspectivas colocados por los procesos

de transición hacia la democracia en cada país. La fuente primaria de datos son entrevistas

que se realizaron con directores y miembros de las dos entidades. Los datos secundarios

fueron obtenidos de documentos oficiales producidos en los mismos centros, principalmente

estatutos y publicaciones.

ABSTRACT

This thesis is a descriptive analysis of two Human Rights Centers: the Centro de Estudios

Legales y Sociales, in Argentina and the Centro Santo Dias de Direitos Humanos, in Brazil.

Both of them were founded in the end of the 70’s and in the beginning of the 80’s. The

parameters used in the analysis were the challenges and the possibilities which emerged of the

transition from dictatorship to democracy in both countries. The primary data of the research are

interviews with directors and staff of these Centers. The secondary data are documents as,

statutes and papers produced by them. On analyzing these two Centers, the author´s purpose

is not only to be contributing with the discussions about the role of Human Rights organizations

to democratic societies but also to propose international cooperation policies which could

support democratic processes in Argentina and Brazil.

INTRODUÇÃO

O presente estudo teve origem na pesquisa “Continuidade Autoritária e

Construção da Democracia”, desenvolvida pelo Núcleo de Estudos da Violência

(NEV) da Universidade de São Paulo, instituição da qual faço parte. O principal

objetivo da pesquisa do NEV era explicar o nexo entre o quadro de violações à

integridade física e a obstrução do processo de consolidação da sociedade e

Estado democráticos no Brasil, vistos sob a ótica dos empecilhos que se

antepõem à efetivação da cidadania (Pinheiro et al. 1992). O trabalho do NEV

consistiu na reconstrução de alguns casos de graves violações de direitos

humanos ocorridos no Brasil, durante os anos de 1980. Na reconstrução destes

casos, um dos objetos de avaliação eram as entidades de defesa de direitos

humanos que, além de denunciar as violações, acompanhavam o seu trâmite

judicial. Entre as entidades presentes nestes processos estava o Centro Santo

Dias de Direitos Humanos, que será objeto de análise deste trabalho.

Em relação à Argentina, o projeto origina-se de uma pesquisa realizada

pelo Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS) sobre violência policial, a

partir de casos publicados na imprensa como “enfrentamentos” entre policiais e

supostos criminosos. Nesta pesquisa, intitulada “Muertes por Violencia Policial

en Argentina”, o principal objetivo era o de avançar na interpretação teórica de

um problema que atinge grandes proporções nos países latino-americanos que

estiveram sob a égide da ditadura militar. O CELS, a outra entidade que será

analisada neste trabalho, combina pesquisa científica e militância em direitos

humanos por meio da denúncia e acompanhamento de casos de violações de

direitos humanos, em especial aqueles que atentam contra a vida.

O tema da violência policial foi, portanto, o que motivou a escolha destas

duas entidades que surgem em momentos históricos semelhantes, mas que

têm diferentes origens e destinos. Desta forma, o presente trabalho tem por

objetivo analisar a trajetória de dois centros de defesa de direitos humanos,

suas conquistas e seus principais obstáculos desde as suas respectivas

fundações até os dias atuais. Para esta análise, será privilegiada a opinião de

2

seus protagonistas, ou seja, de pessoas que fizeram ou fazem parte destas

duas entidades.

AS ENTIDADES DE DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA

A história das duas entidades analisadas - Centro Santo Dias e CELS -

está muito relacionada à luta contra as arbitrariedades cometidas pelos últimos

governos militares da América Latina e também aos processos de transição

democrática destes governos. Desta forma, é importante traçar um breve

panorama sobre o surgimento dos organismos de direitos humanos e sobre o

seu papel nos governos democráticos.

As entidades de direitos humanos surgem na América Latina no final dos

anos de 1960, mas se institucionalizam entre os anos de 1970 e 1980. Talvez a

única exceção, na região, seja a Liga Argentina por los Derechos del Hombre,

que, segundo Mignone (1996:1), “fue creada en 1937 como sucesora del

Socorro Rojo Internacional con el carácter de órgano colateral del Partido

Comunista para la defensa de los militantes de dicha agrupación, que eran

detenidos y torturados con frecuencia por el gobierno conservador de la

época”, mantendo-se ativa desde então1. A segunda entidade latino-americana

de direitos humanos foi a Comisión Paraguaya de Defensa de los Derechos

Humanos, de 1967.

A maioria dos organismos de direitos humanos surge, a partir da década

de 1970, como “respuesta a las peores modalidades de violación a los

derechos individuales que se dieron en el marco de los regímenes dictatoriales

que se impusieron con absoluta prescindencia de los derechos básicos de las

personas y que buscaron justificar su actitud en el combate a las diversas 1 Neste mesmo trabalho, Mignone ressalta, no entanto, que diferentemente de outras entidades que surgiram como resposta às violações cometidas pela ditadura militar, a Liga Argentina por los Derechos del Hombre não foi agredida pelo regime de 1976-83 e tampouco se opôs a ele. O autor assinala que apenas alguns de seus membros e dirigentes do Partido Comunista auxiliaram na proteção das vítimas da repressão, mas a Liga, enquanto coletividade, “actuó de manera complaciente con la dictadura, celebró su aparición, tratando de llegar a una conciliación de tipo cívico-militar llegando a clasificar a su primer presidente de facto Jorge Rafael Videla como un ‘general democrático’ y procuro limitar la actividad de las organizaciones de derechos humanos” (Mignone, 1996).

3

formas de insurgencia, en muchos casos armadas, que se dieron en esos años

en nuestro continente“ (Basombrío, 1996:19).

Pode-se afirmar que, na América Latina, as entidades de direitos

humanos são “inauguradas” pelas ditaduras militares, quando o seus governos

passaram a atuar contra segmentos sociais diferentes daqueles com os quais

estavam habituados a lidar. No entanto, isto não significa que antes das

ditaduras não existissem violações de direitos. Significa apenas que entidades

ou grupos sociais articulados em torno desta temática surgem com os governos

militares.

“En el momento que los gobiernos militares actuaran de manera violenta

contra algunos segmentos sociales diferentes a los habitualmente agredidos,

se experimentó cierto nivel de conmoción. Se conformaron entonces

asociaciones para la defensa de los derechos humanos” (Pressburger,

1993:122).

Frente a esta nova realidade, surgiram diferentes organismos de defesa

de direitos humanos, “por ello hablar en derechos humanos es hablar de una

realidad múltiple que responde a las más diversas formas organizativas y

expresiones sociales” (Basombrío, 1996:20). De acordo com Calderón & Jelín

(1987:31), ainda que a realidade seja múltipla, “los movimientos de derechos

humanos apelan, como principio aglutinador de su práctica política, a un

sistema de valores fundamentales: la vida, la verdad, la justicia, planteando

exigencias éticas de fundamentos humanitarios. Aunque su lógica es

defensiva, su potencialidad reside en la capacidad de desnudar, desde una

ética fundamentalista, la lógica de la dominación”.

Os valores fundamentais defendidos pelos organismos de direitos

humanos (democracia política, garantias constitucionais, o respeito à vida

humana) foram, nos anos de 1980 em quase toda a América Latina, “los únicos

recursos capaces de abrir una brecha en el oscurísimo panorama social y

político, capaces de aglutinar a las más diferentes capas de la sociedad, más

allá de las múltiples identidades políticas” (Calderón & Jelin 1987:32).

4

As entidades de defesa de direitos humanos desempenharam

importante papel de resistência frente às arbitrariedades promovidas pelos

regimes ditatoriais. Para Fiss (1999), a luta das entidades de direitos humanos

- em especial no caso argentino - foi capaz de transformar aqueles valores

fundamentais em um ideal social, pois apontou a existência de uma lacuna

entre o que estava formalmente enunciado e o que ocorria na prática. Ao

destacarem os direitos humanos como um ideal social, estas entidades não

reduziram sua atividade apenas à reivindicação legal dos direitos que eram

violados: elas mobilizaram a população para se opor a estas violações2.

Segundo Ignatieff (1999), as entidades de direitos humanos perceberam

que quanto mais faziam mais havia para ser feito3. Portanto, sua a atividade

não foi encerrada com o final das ditaduras. Mais do que isto, seu trabalho

adquiriu grande relevância no processo de reconstrução da democracia na

região, pois a reinstauração de governos democráticos não foi capaz de coibir

a violência perpetrada pelo Estado ou por seus agentes.

Em sociedades em que a democracia está sendo (re)construída, os

organismos de defesa dos direitos humanos devem funcionar como

reguladores do poder coercitivo do Estado. Segundo Pinheiro & Sader (1985),

o processo de democratização colocou para a sociedade o problema do lugar

dos direitos humanos, do controle da polícia e do conjunto dos órgãos

repressivos, que fundamentaram as ações ditatoriais. Ou, como afirmou

Ignatieff (1999:323), “a função chave do trabalho pelos direitos humanos é

manter-nos informado sobre o fosso entre o que eles dizem e fazem”.

Como pode ser observado, os organismos de direitos humanos têm

estado, nestes anos de existência, profundamente envolvidos na transformação

de nossa história contemporânea e vêm desenvolvendo um importante papel

nesta transformação. É neste contexto de mudança dos cenários políticos 2 “There are human rights and that those rights were brutally violated by the military” (Fiss, 1999:274). 3 “Human rights activity is driven by the logic of insantiability: the more that is accomplished, the more remains to be done” (Ignatieff, 1999:322)

5

argentino e brasileiro, e dos desafios, obstáculos e dilemas por ela colocados,

que serão analisados os trabalhos desenvolvidos pelo Centro Santo Dias e

pelo Centro de Estudios Legales y Sociales, objetos deste estudo.

OBJETO

Este trabalho irá analisar duas entidades de defesa de direitos humanos:

o Centro Santo Dias de Direitos Humanos, ligado à Arquidiocese de São Paulo,

no Brasil, e Centro de Estudios Legales y Sociales, um organismo laico, na

Argentina.

Os dois centros de defesa de direitos humanos surgiram durante os

regimes autoritários dos anos de 1970. No início, a atuação desses centros era

de oposição à violência de um poder arbitrário, imposto pelas armas, seja pelas

Forças Armadas - no caso argentino -, seja pelas polícias Civil e Militar - no

caso brasileiro4.

Por que a escolha destes centros? Porque diferente de muitas entidades

de defesa de direitos humanos surgidas naquele período, em toda a América

Latina, estas entidades buscaram agir sobre um problema que alcança grandes

proporções nos países latino-americanos que estiveram sob a égide da

ditadura militar: a violência policial.

A partir das transições democráticas, essas entidades persistiram em

sua luta em defesa e pela promoção dos direitos humanos, pois a vigência do

Estado de Direito não garantiu por si só o respeito àqueles direitos. A sua

atuação passou a ser mais ampla: além de denunciar as violações, essas

entidades passaram a constituir assistentes de acusação, prestar auxílio a

vítimas e/ou familiares, bem como garantir a proteção de testemunhas.

4 O Centro de Estudios Legales y Sociales foi fundado durante os piores anos da ditadura Argentina. Desta forma, sua atuação estava voltada às ilegalidades das FFAA contra dissidentes políticos. No Brasil, o Centro Santo Dias foi fundado durante o início do “processo de abertura”, quando a maior parte das arbitrariedades era cometida pelas polícias, em especial a militar, contra cidadãos sem nenhuma atuação política.

6

OBJETIVO

O principal objetivo desta dissertação é o de relatar e analisar o trabalho

do Centro Santo Dias de Direitos Humanos e do Centro de Estudios Legales y

Sociales desenvolvido ao longo dos últimos 20 anos. Pretende ressaltar aqui as

mudanças e as continuidades da atuação destes centros, relacionando-as às

conquistas e desafios enfrentados ao longo de sua trajetória. Pretende-se

também contribuir para a reflexão sobre este trabalho, pois, segundo

Basombrío (1996:33), “la reflexión sobre la identidad, sobre lo que es y cómo

se ubica el movimiento de derechos humanos, ha estado muy pocas veces

presentes entre nosotros de manera sistemática”.

A tentativa de elucidar as questões colocadas ao movimento de direitos

humanos e, em especial, às duas entidades ora analisadas, torna-se a

contribuição deste trabalho. Não se trata de responder às questões, mas de

refletir, em conjunto com seus militantes, sobre o seu papel, a sua identidade e

a sua atuação em uma sociedade democrática.

Além desta reflexão, este trabalho pretende:

descrever e analisar as mudanças ocorridas na região;

fornecer elementos para uma visão crítica das contribuições e das

limitações do trabalho destas entidades;

apresentar propostas sobre os principais desafios enfrentados pelas duas

entidades;

oferecer elementos para o processo de reflexão local dos diferentes

organismos e para a definição de políticas de cooperação internacional.

7

MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA

Originalmente, este estudo tinha por objetivo analisar a atuação dos

centros de defesa de direitos humanos como assistentes de acusação em

processos penais de violência policial ocorridos durante a transição

democrática, tanto no Brasil quanto na Argentina.

Como fonte documental para esta análise seriam utilizados os processos

penais de casos de violência policial em que estes centros atuaram. Durante a

leitura do material coletado5 foi possível observar que a atuação da assistência

de acusação era reduzida a algumas folhas do processo, em geral, solicitando

documentos que ainda não haviam sido anexados pelo representante do

Ministério Público, tais como: laudos médicos, perícias técnicas, atestados de

idoneidade da vítima, entre outros.

Ao perceber que as informações sobre a atuação da assistência de

acusação estavam restritas a estes documentos, e na ânsia de conseguir obter

o máximo proveito da fonte, a pesquisa enveredou por outros caminhos,

distanciando-se de seu principal objetivo. A análise da forma de ocorrência das

violações, das características das vítimas e dos agressores, e também das

falhas da investigação policial passou a predominar em detrimento da atuação

dos centros de direitos humanos. Mas, apesar de serem muito interessantes6,

5 O material referido são os processos penais de casos de violência policial ocorridos na cidade de São Paulo, durante os anos de 1980. Esses processos penais foram julgados na Justiça Militar do Estado, que tinha competência para julgar os crimes contra a vida cometidos por policiais militares durante o exercício legal de sua profissão. A ação penal iniciava-se com um Inquérito Policial Militar (IPM) que era remetido ao Tribunal Militar. O membro do Ministério Público recebia o IPM, oferecia a denúncia, caso houvesse indícios do crime, que poderia ou não ser aceita pelo Juiz Militar. É importante salientar que a Justiça Militar difere do Tribunal do Júri, onde são julgados os crimes contra a vida praticado por civis, pois, em vez de um corpo com sete jurados, nela há um Conselho de Sentença, composto por um juiz togado (presidente do Conselho) e quatro oficiais superiores da Polícia Militar, para os casos em que envolvem oficiais. Para os casos envolvendo os praças, são dois oficiais superiores e um juiz togado. 6 O universo jurídico é muito envolvente. Um leitor mais atento, e também estranho ao assunto, percebe a contradição nos discursos contidos nos processos penais, que em geral passam despercebidos por aqueles que estão envolvidos na trama. Na leitura do primeiro processo, a vítima tinha sido atingida por policiais militares durante a madrugada, dentro de um bar no bairro do Brás. Os policiais militares, ao perceberem que ela não havia morrido, levaram-na

8

estes dados não deveriam protagonizar o roteiro de investigação, mas apenas

servir como cenário para a atuação dos centros de defesa de direitos humanos.

Observou-se, então, que não seria possível, com esse material,

entender a complexidade da atuação desses movimentos como assistentes de

acusação em casos de violência policial. Optar por continuar utilizando os

processos penais como fonte de análise seria reduzir a discussão sobre o

papel desses atores sociais no processo de redemocratização dos países

estudados e, principalmente, enquanto defensores e promotores dos direitos

humanos.

Concomitante à leitura desses processos, o levantamento da bibliografia

existente sobre as entidades de direitos humanos na América Latina revelou

outra dificuldade: a bibliografia era escassa e a menção específica a esse tipo

de atuação sempre se dá en passant. A citação mais pontual encontrada foi

definida por Mujica & Basombrío (1993:235) como uma forma de “ayuda

concreta y eficaz a personas que sufren violación a los derechos humanos. (...)

la ayuda es del más diverso tipo y va desde la acción legal ante instancias

policiales y judiciales (...). Al hacer esta labor cotidiana poco difundida pero

demandada en extremo es uno de los leiv motivs inalterables del trabajo de los

derechos humanos, y factor que lo dignifica ”.

Além da escassez de informações sobre a atuação da assistência de

acusação nos processos penais e na literatura, havia um outro obstáculo a

transpor: conhecer os códigos processuais brasileiro e argentino, para poder

traçar um paralelo entre a atuação dos centros que são objetos desse projeto.

Como já foi dito, o universo jurídico é muito envolvente, mas um estudo destes

códigos configura-se como um tema para uma outra pesquisa.

para um hospital no bairro da Lapa e, posteriormente, para um hospital no bairro do Tucuruvi. Tive a curiosidade de fazer um levantamento sobre os hospitais da região do Brás e notei que, à época em que o caso ocorreu, existiam pelo menos três hospitais em um raio de dois quilômetros de onde ocorreram os fatos, mas os policiais optaram por levar a vítima a um hospital que ficava pelo menos 15 quilômetros distante.

9

Desta forma, o objetivo inicial da pesquisa foi ampliado, alterando assim

o rumo da investigação. Em vez de analisar apenas a atuação destas

entidades como assistentes de acusação nos casos de violência policial, optou-

se por fazer uma análise descritiva de todo o trabalho por elas desenvolvido,

desde a sua fundação até os dias atuais, utilizando-se como parâmetro para

esta análise os desafios e as perspectivas colocadas pelos processos de

transição democrática no Brasil e na Argentina.

As informações sobre o trabalho destas entidades foram obtidas a partir

de fontes primárias e secundárias. Constituíram-se como fontes primárias um

total de oito entrevistas realizadas com pessoas-chave, que atuam ou atuaram

nestas entidades. O objetivo destas entrevistas foi o de contemplar metas,

expectativas e frustrações daqueles que compõem ou compuseram tais

organismos. O quadro abaixo apresenta um perfil geral de todos os

entrevistados:

NOME FORMAÇÃO CARGO OCUPADO NA ENTIDADE Centro de Estudios Legales y Sociales

Gustavo Palmieri * Advogado Diretor do Programa Violencia Institucional y Seguridad Ciudadana

Rodrigo Borda * Advogado Litigio y Asistencia Legal

Sofia Tiscórnia Antropóloga Ex-diretora do Programa Violencia Institucional y Seguridad Ciudadana

Victor Abramovich Advogado Secretário-Executivo

Centro Santo Dias de Direitos Humanos Benedito Domingos Mariano Sociólogo Secretário da Diretoria

Hélio Bicudo Advogado Presidente da Diretoria

José Frederico dos Santos Historiador Secretário Executivo

Maria Beatriz Sinisgalli * Advogada Departamento Jurídico

10

As entrevistas foram gravadas em fita k-7, à exceção daquelas indicadas

por um asterisco (*). Estas pessoas, cujas entrevistas não foram gravadas,

além de fornecerem importantes explicações sobre a atuação destes

organismos, em especial no que diz respeito ao âmbito judicial, auxiliaram na

definição das pessoas-chave.

As fontes secundárias foram compostas por documentos oficiais

produzidos pelas entidades, tais como: estatutos, boletins, informes, artigos,

entre outros. Estes documentos foram essenciais para situar, historicamente, o

trabalho destas entidades.

Em relação às fontes primárias, o presente trabalho se apoiou no saber

produzido pela História Oral, utilizando o depoimento oral como o método

escolhido para proceder à investigação sobre a atuação das entidades de

direitos humanos. O depoimento oral é parte de um método que procura

reconstruir, reorganizar e reler os relatos orais; “capaz de captar a face interna

da experiência humana, os seus aspectos vividos e, especialmente, através de

casos individuais, apreender as relações que dizem respeito ao grupo ou à

sociedade” (Lang, 1996:44).

Na coleta de dados orais, as entrevistas constituem a forma mais

utilizada e difundida. A amostra não foi composta estatisticamente, mas pela

representatividade dos entrevistados no universo investigado. As entrevistas

foram orientadas por perguntas objetivas que pudessem assegurar respostas

igualmente objetivas sobre a atuação das entidades analisadas.

As entrevistas formam o que as ciências sociais classificam como

depoimento oral ou História Oral Temática. Lang (1996:35) classifica como

depoimentos orais a abordagem de História Oral que é utilizada “quando se

busca obter dados informativos e factuais, assim como o testemunho do

entrevistado sobre sua vivência em determinadas situações ou a participação

em determinadas instituições que se quer estudar”. Segundo Nader (1998:32),

História Oral Temática é a “apreensão de informação da realidade objetiva

vivida por certa comunidade. Prevê a intervenção do pesquisador na tentativa

11

de recuperar a memória coletiva a partir da memória individual. Com este

intuito o pesquisador, durante as entrevistas, vale-se das conduções dos temas

a serem discutidos pelo entrevistado”.

Apesar de diferentes denominações, ambas estão relacionadas mais ao

testemunho do narrador sobre um tema específico do que à sua vida como

experiência pessoal. Os entrevistados não se configuram como o objeto de

estudo, mas seus relatos são “a matéria prima para o conhecimento sociológico

que busca, através do indivíduo e da realidade por ele vivida, apreender as

relações sociais em que se insere em sua dinâmica” (Lang, 1997:37). Como o

objetivo deste estudo é analisar a atuação das entidades de direitos humanos a

partir da visão do seus protagonistas, esta é a abordagem mais apropriada aos

objetivos do trabalho.

Um aspecto importante a ser ressaltado é que, apesar deste trabalho ter

se apoiado na História Oral como um método de investigação, ele não se

configura como um trabalho de História Oral, pois não é sua pretensão produzir

um documento sobre “a história do tempo presente visando a

complementaridade e veracidade das informações” (Janotti, 1997:58).

É seu objetivo refletir sobre o papel destas entidades, bem como sobre o

futuro dos direitos humanos nas sociedades democráticas, tendo como ponto

de partida a riqueza da história vivida pelos seus protagonistas.

CAPÍTULO 1 – OS MOVIMENTOS SOCIAIS PELOS DIREITOS HUMANOS - UMA ANÁLISE DOS CONTEXTOS BRASILEIRO E ARGENTINO

1.1 - HISTÓRICO

A discussão sobre os direitos humanos no Brasil e na Argentina - e em

certa medida em toda a América Latina, especialmente no Cone Sul - remete

às últimas ditaduras militares na região, isto porque, salvo raras exceções, não

é possível encontrar, antes deste período, a temática dos direitos humanos na

agenda pública, ainda que boa parte da população, se não a sua maioria,

sempre esteve submetida aos abusos praticados pelo Estado, seja no tocante

aos direitos civis, seja relativamente aos direitos políticos ou sociais.

A opressão e a violência do Estado contra as classes populares são

lugares-comuns na região. Entretanto, ainda que permanentes e ininterruptas,

elas só são percebidas pelo senso comum durante os períodos de exceção,

quando atingem uma camada da sociedade que não é, cotidianamente, o alvo

das arbitrariedades do Estado (Pinheiro & Sader 1985).

A temática ganha espaço e passa a ter especial importância durante os

últimos regimes militares dos países em questão. Na região, a violação de

direitos perpetrada pelos governos ditatoriais foi tão intensa que precipitou o

surgimento de um movimento pela defesa dos direitos humanos e pela

revalorização da democracia formal. “Foi com o acentuar da repressão nos

anos setenta que a sociedade, desprovida de canais tradicionais de

participação política, passou a se organizar à margem das estruturas formais

de poder, com o objetivo de defender aqueles que vinham sendo excluídos e

torturados pelo regime militar, bem como lutar pela restauração do Estado de

Direito” (Vieira, sd).

Como os direitos humanos possuem, além de seu conteúdo ético e

moral, um conteúdo político, na medida em que estão inseridos em uma

determinada realidade, faz-se necessário, ainda que este não seja o objetivo

central deste trabalho, discorrer sobre os regimes autoritários no Brasil e na

13

Argentina, pois, como observou Pressburger (1993:122), “esta lucha por los

derechos humanos foi uno de los baluartes de la resistencia contra la barbarie

implantada por las dictaduras militares”.

Para falar de direitos humanos é necessário, entretanto, ir além dos

governos ditatoriais. É importante analisar também o contexto social no qual

estão inseridos, que é o dos novos movimentos sociais. Desta forma, o

presente capítulo irá apresentar o panorama histórico do surgimento dos

movimentos sociais no Brasil e na Argentina, tendo como ponto de partida o

cenário político no qual emergem.

1.2 - A DITADURA E A TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA NO BRASIL E NA ARGENTINA

1.2.1 - O contexto brasileiro

No Brasil, as Forças Armadas (FFAA) ficaram 21 anos no poder (1964-

1985). O projeto político e econômico do regime militar brasileiro tinha por

objetivo consolidar o desenvolvimento capitalista. O golpe de 1964 contou com

o apoio de alguns partidos e setores da classe média, o que, no início, permitiu

que as FFAA governassem sem modificar radicalmente o sistema partidário.

De acordo com Alves (1987), não houve a necessidade de mudar o sistema

partidário, pois os poderes Legislativo e Judiciário tinham as suas atividades

limitadas pelo poder Executivo. Segundo a autora, no Ato Institucional nº 1, que

institucionaliza a Doutrina de Segurança Nacional1, “define-se a autoridade

como decorrente não do povo, mas do exercício de facto do poder. É o

Executivo que ‘resolve’ manter a Constituição e o Congresso Nacional,

limitando drasticamente seus poderes. O Congresso derivará sua legitimidade

não de seu mandato eleitoral, mas do poder de facto do Executivo”.

1 A Doutrina de Segurança Nacional foi formulada pela Escola Superior de Guerra, incorporando os elementos da teoria de guerra total, deflagrada pela Guerra Fria. No Brasil, e na América Latina como um todo, a ideologia da segurança nacional enfatizou a segurança interna face à ameaça do comunismo (Alves, 1987).

14

Além disso, numa primeira tentativa, o AI nº 1 institucionalizava o

mecanismo de transferência do Poder Executivo, por meio de um Congresso

cuidadosamente depurado. A promulgação deste ato foi um importante

instrumento jurídico para institucionalizar o novo Estado, oferecendo as bases

legais para a aplicação da Doutrina de Segurança Nacional (Alves, 1987).

“El régimen militar instaurado en 1964 tradujo la Doctrina de la

Seguridad Nacional en diversas reformas institucionales destinadas a la

autolegitimación del régimen, la concentración del poder en el Ejecutivo y la

represión de la oposición” (Acuña & Smulovitz, 1996:36).

No ano de 1965, ano de eleições governamentais, apesar de todos os

mecanismos de controle impostos pela Doutrina de Segurança Nacional, é

derrotada nas urnas pela oposição que fica com a maioria absoluta dos votos

em estados importantes. As FFAA, para impedir uma crise maior, tentam impor

uma emenda constitucional que enfraqueceria o Poder Judiciário e limitaria

ainda mais os poderes do Legislativo. Apesar da forte pressão do Executivo,

havia indícios de que o Congresso não aprovaria a emenda.

“Castelo Branco finalmente decidiu não esperar a votação do

Congresso. Na véspera do dia em que uma sessão plenária apreciaria a

emenda constitucional, ele baixou por decreto o Ato Institucional nº 2” (Alves,

1987:90). Neste ato, as FFAA colocaram muitos partidos na clandestinidade,

desmontando o sistema pluripartidário2. No entanto, a dissolução dos partidos

não significou o fechamento do Congresso, que se manteve baseado em um

sistema bipartidário3.

O aumento da exclusão política e econômica agravou os conflitos com a

oposição não integrada ao jogo bipartidário. A partir de 1968 as mobilizações

2 O Ato Institucional nº 2 extinguiu os 14 partidos políticos existentes no Brasil (Cf. Alves, 1987 e Rodrigues, 1994) 3 O Ato Complementar nº 4 instituiu o sistema bipartidário, com a criação da ARENA (Aliança Renovadora Nacional), que deu sustentação parlamentar ao governo, e do MDB (Movimento Democrático Brasileiro, que representou a oposição ao regime militar.

15

estudantis e trabalhadoras ganharam expressão no cenário político, e surgiram

organizações guerrilheiras, que não tiveram muito êxito em suas ações, mas

cuja significação política justificou uma maior repressão, por parte das FFAA, a

todo tipo de oposição. “A derrota imposta a essas forças opositoras,

coincidindo com a reconversão do modelo econômico, possibilitou a

estabilização do regime durante vários anos, processo que serviu de suporte

para a montagem de um formidável aparelho repressivo (...) e do chamado

Serviço Nacional de Informação, rede extensa de informantes e de agentes

penetrados em milhares de condutos da sociedade e do Estado” (Pinheiro &

Sader, 1985:79).

Entre 1974 e 1979, sob o comando do Gal. Ernesto Geisel, iniciou-se o

processo de abertura “lenta, gradual e restrita”. Paradoxalmente, neste período

verificou-se o maior número de detidos-desaparecidos. O aumento da

repressão foi uma resposta dada pelo aparato de segurança à proposta de

Geisel de uma abertura gradual e controlada. Naquele momento surgiram

organizações e atividades de grupos que assumem a defesa e a promoção dos

direitos humanos, como a Comissão Justiça e Paz. A ação da Igreja, em

especial a de filiação católica, foi reorientada para fomentar o desenvolvimento

de organizações populares e a luta pela recuperação da democracia.

No ano de 1979, com a substituição de Geisel por Figueiredo, o

processo de abertura democrática foi aprofundado. Neste ano foi decretada a

primeira anistia política que deu início ao processo de transição4. Os presos

políticos recuperaram sua liberdade e retornaram ao país muitos exilados

políticos. A anistia incluiu também os militares envolvidos em violações de

direitos humanos, não permitindo o julgamento dos crimes cometidos por

agentes das FFAA.

4 Segundo Fiori (1990), alguns autores consideram o início de transição democrática em 1974, quando a ditadura “sofreu inesperado revés nas eleições parlamentares”; outros consideram o ano de 1979. Opta-se aqui pela segunda data, quando da suspensão do Ato Institucional nº 5 (AI-5), instrumento legal em que se apoiou o exercício do poder autoritário. O Ato Institucional determinou o fechamento do Congresso.

16

“Os caminhos adotados para a abertura implicavam o restabelecimento

de alguns aspectos institucionais básicos. Nesse sentido, tiveram importância a

reforma partidária realizada no final de 1979 - da qual resultaram partidos bem

mais definidos quanto aos interesses de grupos e segmentos de classe que

representam - e retorno de eleições diretas para governador, aprovado pelo

Congresso em novembro de 1980. (...) Ao realizar a reforma partidária, o

governo objetivava legitimar a representação política, mas, sobretudo,

fragmentar a oposição. Pretendia também conquistar os governos estaduais

nas eleições de 1982, as primeiras que se fariam pelo voto direto desde o final

dos anos 60” (Rodrigues, 1994:16).

Contrariando as expectativas do governo, nas eleições de 1982, o

Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) obteve a maioria na

Câmara dos Deputados e o controle de boa parte dos governos estaduais: 10

estados brasileiros, contra 12 do Partido Democrático Social (PDS, antiga

ARENA) e um do Partido Democrático Trabalhista (PDT)5.

As eleições de 1982 favoreceram a oposição e efetivaram as

articulações políticas em torno das eleições diretas para presidente, ocorridas

durante o ano de 1983. Líderes e presidentes de diferentes partidos reúnem-se

e aprovam uma declaração conjunta na qual defendem as eleições diretas para

presidente. Em novembro daquele ano, os governadores do PMDB lançam a

Declaração de Poços de Caldas, reafirmando seu compromisso em defesa das

eleições diretas. A campanha, que ficou conhecida como Diretas Já, teve um

caráter suprapartidário, reunindo a esquerda e a direita. Apenas o PDS

manifestou-se formalmente contra a campanha, apesar de ter um grupo que

fosse favorável às eleições diretas.

Apesar da forte pressão popular e da articulação suprapartidária a

campanha não foi vitoriosa. Durante as manifestações, o regime militar

5 O PMDB é formado por parte do antigo MDB que, durante a ditadura, agrupou a oposição ao regime militar. A ARENA passa a se chamar PDS, que, por sua vez, continua representado o governo e setores da classe dominante. O PDT era um partido de oposição ao regime militar.

17

ameaçou declarar Estado de Emergência, e determinou que tropas do Exército

se posicionassem ao redor do Congresso Nacional. Os partidos opositores

aceitaram a derrota e iniciaram um processo de negociações que resultou em

eleições indiretas para presidente da República. Neste acordo, setores mais

“liberais” do PDS fizeram uma composição com o PMDB, constituindo a Aliança

Democrática.

O governo Figueiredo ficou isolado politicamente e as FFAA iniciaram o

processo de negociações, que levaria ao fim do regime militar, com a Aliança

Democrática. Os militares exigiram uma série de condições que consideravam

essenciais, tais como: a anistia para militares que cometeram crimes políticos,

a manutenção do aparato repressivo, a designação dos ministros militares do

gabinete nacional pelas FFAA. Queriam também que o deputado constituinte

não fosse escolhido através de eleições diretas e que a reforma constitucional

ficasse restrita a temas que não afetassem a “segurança nacional”.

Devido às boas relações entre os militares e o candidato à presidência

pela Aliança Democrática, obtiveram eles parte dos seus objetivos e

neutralizaram os riscos que poderiam sofrer com a mudança de governo. Em

1988, uma nova Constituição foi promulgada, oferecendo à sociedade

instrumentos de defesa contra os arbítrios do Estado6.

Contudo, apesar do fim da ditadura, os métodos arbitrários continuaram

a ser empregados contra membros das classes populares que caíam sob a

suspeita policial. A transição para a democracia ocorreu em um momento em

que houve um aumento da percepção da criminalidade e do sentimento de

insegurança da população. Neste contexto as arbitrariedades policiais frente

aos supostos criminosos foram muitas vezes apoiadas e legitimadas por

amplos setores sociais.

6 Os dois principais mecanismos de defesa do cidadão contra os arbítrios do Estado são as alíneas III e XLIII, do artigo V da Constituição Federal de 1988: “ninguém será submetido à tortura e nem a tratamento desumano ou degradante” e “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura (...), por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.

18

1.1.2 - O contexto argentino

O último regime militar argentino iniciou-se no ano de 1976 e se

estendeu até o ano de 1983. Em 1976, quando as FFAA tomaram o poder, a

Argentina atravessava um período de forte crise econômica, marcada pela

intensificação da violência política, da mobilização social e da hiperinflação.

Para os militares, a crise argentina não se devia apenas à ação da guerrilha e

ao peronismo, mas também a uma economia fechada e a uma industrialização

subsidiada (Acuña & Smulovitz, 1996).

Naquele país, pôde-se perceber que as estratégias políticas dos

militares desdobraram-se em três diferentes momentos. No primeiro momento,

de 1976-1978, o objetivo central das FFAA foi o de subordinar, por meio da

violência, a sociedade ao poder estatal. O regime caracterizou-se pela

clandestinidade7 de sua repressão, que tinha por objetivos: “retardar las

protestas y presiones internacionales, impedir la fiscalización y el control del

poder militar, y paralizar por el terror las respuestas de la población” (Acuña &

Smulovitz,1996:27). Neste cenário de repressão política, surgiram numerosos

organismos de defesa dos direitos humanos que passaram a denunciar a

atuação repressiva do governo, como as Madres de Plaza de Mayo, Servicio

Paz y Justicia, Centro de Estudios Legales y Sociales, entre outros, que

lutavam pela liberdade política da sociedade.

O segundo momento (1978-1982) teve por objetivo traçar a ordem

política futura. Surgiram vários projetos orientados a desenhar a base dessa

política. No entanto, para sua implantação, era necessário que houvesse uma

aprovação de setores civis. O governo argentino solicita, então, uma visita da

Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). De acordo com Acuña

& Smulovitz (1996), os militares tinham a expectativa de que a visita da CIDH

servisse para mostrar que a repressão era o produto de uma ‘guerra’ contra o

7 A natureza e a magnitude da repressão ilegal foram dos aspectos que diferenciaram o último regime militar das experiências anteriores. O chefe do Exército argentino determinou que a repressão fosse clandestina a fim de impedir uma contra-ofensiva política, tal como acontecera no Chile.

19

inimigo interno, baseada na ideologia da segurança nacional, mas que já havia

terminado. O seu objetivo último era tutelar uma democracia que permitisse a

continuidade de suas políticas e de sua presença no governo (Acuña &

Smulovitz, 1996). O informe da Comissão, entretanto, apresentou fortes críticas

ao governo argentino. As FFAA proibiram a circulação do relatório no país, mas

ele foi amplamente divulgado no exterior.

Entre 1980 e 1982, as dificuldades políticas e econômicas enfrentadas

pelas FFAA limitaram a sua capacidade de impor condições aos demais atores

políticos e sociais, e a atividade interna dos centros de defesa de direitos

humanos foi legitimada pela sociedade. O aumento da pressão social e política

levou os militares a invadirem as Ilhas Malvinas, como uma forma de paralisar

a oposição crescente. Contudo, a sua derrota intensificou os conflitos

intramilitares e reduziu sua autoridade frente à sociedade.

O terceiro momento (1982-1983) foi caracterizado pela crise do regime

militar e o abandono do governo. Em 1982, as FFAA iniciaram um pacto de

saída, impondo algumas condições que consideravam relevantes, tais como a

sua posição em relação às violações de direitos humanos. Em abril de 1983,

através da “Acta Institucional”, estabeleceu-se que as operações realizadas

pelos militares durante o regime deveriam ser consideradas como atos de

serviço e, portanto, não poderiam ser julgadas. Duas semanas antes das

eleições presidenciais, os militares sancionaram a “Lei de Pacificação Nacional

(Ley de Autoamnistía)” que dava imunidade aos membros das FFAA pelos

crimes cometidos entre 1973 e 1982. Nos últimos dias de governo, as FFAA

lançaram um decreto determinando a destruição de todos os documentos

referentes à repressão militar. “La estrategia de salida instrumentada por las

FFAA ratificó la importancia que para ellas tenía la cuestión de los derechos

humanos, y colocó el tema en un lugar central de la agenda de la transición”

(Acuña & Smulovitz, 1996:29). Em outubro de 1983 as eleições livres levaram à

presidência do país Raúl Alfonsín, cuja campanha se diferenciou da campanha

20

dos demais candidatos por assumir publicamente seu compromisso com a

questão dos direitos humanos.

Porém, apesar da instauração do governo constitucional, por meio de

eleições diretas, os abusos e as discriminações contra as camadas mais

desprotegidas da sociedade persistiram, inclusive com o apoio dos setores

médio e de segmentos dominantes da população. Ao contrário do que

acontecia durante a repressão política, a polícia argentina passa a apresentar

as mortes de policiais e as de suspeitos como resultados legítimos de seu

trabalho (CELS, 1989). Neste momento, alguns centros de defesa de direitos

humanos passam a trabalhar as demandas do regime democrático,

incorporando a seu mandato inicial, no início voltado à defesa de presos

políticos, a defesa das vítimas de violência policial.

* * * * *

Os regimes autoritários argentino e brasileiro apresentaram diferentes

origens e itinerários, e também diferentes graus de atrocidades, mas não de

repressão. Mas, ainda assim, é possível notar pelo menos três semelhanças

entre eles. A primeira delas diz respeito ao objetivo dos governos militares, que

era, segundo Cheresky (1986), o de “curar a sociedade dos males que

conduzem à desagregação”. Para garantir a manutenção do status quo, a

sociedade foi privada de suas instâncias representativas, os partidos políticos

foram dissolvidos ou tiveram suspensas as suas atividades. Nos dois países,

as constituições e códigos de justiça foram substituídos por estatutos militares,

imperando a Lei de Segurança Nacional. Adotada esta política, todos aqueles

que, de alguma forma, não se enquadravam nos preceitos da Doutrina de

Segurança Nacional eram severamente punidos8.

8 Segundo Santos Jr et al. (1988), a Doutrina de Segurança Nacional, adotada pelos governos militares latino-americanos, tem como princípio básico a manutenção do status quo. Este princípio evidencia “a figura do inimigo, rotulado de comunismo ateu, perverso, expansionista, agitador e desestabilizador da ordem constituída. Por conseguinte, todo aquele que questiona a ordem vigente é necessariamente um inimigo”.

21

A segunda semelhança diz respeito ao processo de transição para a

democracia adotado por estes países. Tanto no Brasil quanto na Argentina, a

transição foi negociada com as elites, o que Garretón (1981) chamou de

transições de cúpula. Segundo o autor: “(...) el fenómeno de cambio de un

régimen militar por uno de tipo democrático, es decir de transición, no se

produce por un enfrentamiento que termina con la derrota militar de las fuerzas

armadas sino por una decisión de éstas de retirarse del poder, ya sea en los

plazos por ella fijados, ya en plazos negociados. Ello significa que término del

régimen militar y ‘momento revolucionario’ no coinciden y que, probablemente,

éste no se dé” (Garretón, 1985:14).

Desta forma, é possível afirmar que não houve transição imposta por

ruptura ou por oposição, mesmo onde a sociedade civil se organizou para

pressionar o regime. Este modelo de “transição” garantiu a proteção dos

membros dos antigos regimes, principalmente no que se refere às violações

dos direitos humanos. A impunidade dessas ações restringiu o controle da

sociedade civil sobre o aparato repressivo do Estado.

E, por fim, pode-se observar que, com o final das ditaduras, a questão

da violência estatal contra o criminoso comum passa a ser o novo enfoque das

organizações de defesa dos direitos humanos nas transições democráticas. No

Brasil e na Argentina esta mudança de rumo constituiu-se em um grande

desafio, pois no momento em que essas entidades voltaram-se para a defesa

de todos os cidadãos9, iniciou-se uma forte campanha de oposição aos direitos

humanos.

A campanha em prol e contra os direitos humanos se articulou, no caso

brasileiro, em um momento de aumento da criminalidade violenta. “Nesse

contexto, o medo e a insegurança foram manipulados com facilidade pelos

opositores à defesa de direitos humanos, ao mesmo tempo em que, sutilmente,

a criminalidade foi sendo associada a práticas democráticas”. Dessa forma, “os

9 Entendidos aqui como todos aqueles que sofreram alguma arbitrariedade por parte de agentes estatais.

22

direitos humanos foram transformados, no contexto de discussões sobre a

criminalidade, em ‘privilégios de bandidos’ a serem combatidos pelos homens

de bem” (Caldeira, 1991:164).

O caso argentino não difere muito, pois lá também os meios de

comunicação iniciaram uma campanha10 mostrando a existência de uma “onda

de criminalidade” e a incapacidade do sistema democrático de dar respostas

satisfatórias à situação. A campanha relacionava o aumento da criminalidade

às reformas democráticas e considerava a legalidade vigente um empecilho

para o combate à delinqüência. “El respeto a las leyes, por parte del personal

policial, por ejemplo, era considerado un obstáculo en la lucha contra el

supuesto auge delictivo. El mensaje era claro: había que volver los ilegalismos

de la Dictadura para enfrentar a ‘los enemigos de la sociedad’, cuyas muertes

eran consideradas inevitables para detener el peligro que en vida

representaban” (NEV/CELS, 1991:24).

A campanha contra os direitos humanos, nos dois países, inscreveu o

problema da criminalidade, que é um problema social, em uma lógica de guerra

- aquela mesma lógica utilizada pelas FFAA na Doutrina da Segurança

Nacional. A arbitrariedade dos agentes policiais não foi questionada. Pelo

contrário, para acabar com a criminalidade a violência foi legitimada e a

legalidade vigente questionada.

A violência está diretamente relacionada com a questão dos direitos

humanos, pois impede a sua real efetivação, principalmente quando esta

violência é exercida de forma ilegítima por autoridades estatais, ou com a sua

cumplicidade. Além disso, a expansão da violência tende a criar um clima

favorável a medidas autoritárias, seja por parte do Estado, seja por parte da

sociedade. “As polícias desempenharam um papel importante na sustentação

dos regimes autoritários” (Mesquita Neto, 1997), e os Estados latino-

americanos, de uma forma geral, não tiveram êxito em submeter os cidadãos e

10 Os meios de comunicação que iniciaram essa campanha, intitulada “Ley y orden”, foram os mesmos que enalteceram a ditadura militar na Argentina.

23

os seus próprios organismos a um controle do uso da violência (Waldman,

1996). A sobrevivência dessas práticas ilegais indica que, em ambas

sociedades, a luta pela defesa e promoção dos direitos humanos, apesar de

todos os seus esforços, não foi suficiente para derrotar e se sobrepor às forças

comprometidas com a manutenção de estruturas autoritárias de poder.

1.3 - OS MOVIMENTOS SOCIAIS E DE DIREITOS HUMANOS

Para abordar o tema dos direitos humanos na América Latina é

necessário entender a dinâmica dos movimentos pela expansão dos direitos

sociais, que foi o tema central das perspectivas analíticas sobre a América

Latina até final dos anos de 1970. Em um estudo sobre classes e movimentos

sociais na região, Calderón & Jelin (1987:21) assinalam que, no plano da

interpretação teórica, a partir daquela década “se comienza a dar el pasaje de

una conceptualización estructural totalizante de las clases sociales al estudio

de actores específicos y problemáticas sectoriales”.

1.3.1 - Os movimentos sociais pelos direitos sociais

A literatura sobre o tema é unânime: os movimentos sociais expandiram-

se e consolidaram-se durante o processo de transição democrática na região,

quando “foram adquirindo características comuns e diferenciadas, conforme a

sua prática social e política” (Sader, 1987:7). Sua principal ênfase foi a

expansão de direitos, que haviam sido negados pelos regimes autoritários

destes países.

Este olhar mais atento sobre os direitos sociais, e principalmente sobre

os seus agentes, é explicado pelo processo histórico de seu desenvolvimento,

no qual “as lutas sociais e as negociações tiveram aspectos contraditórios:

modalidades clientelísticas e de apadrinhamento auto-reprodutor, coexistindo

com demandas sociais de redistribuição de poder de ampliação e

democratização da participação” (Jelin, 1994:39). A autora ressalta que, na

região, a pressão popular tornou-se mais forte com o passar dos anos,

24

principalmente pelo desenvolvimento de novos - e cada vez mais autônomos -

movimentos sociais.

Em um artigo sobre aspectos da democratização brasileira, Caldeira

(1991:162) afirma que, a partir de meados de 1970 e sobretudo durante a

década seguinte, “a noção de direitos foi substancialmente alargada no Brasil.

(...) A expansão mais significativa e inovadora da noção de direitos foi a que se

deu no bojo dos movimentos sociais dos anos 70 e 80. Através desses

movimentos, as camadas populares e as minorias não só legitimaram a idéia

de que tinham direitos a serem reivindicados e atendidos, como qualificaram e

especificaram uma longa série de direitos. (...) Foi através da multiplicação

dessas reivindicações específicas que passaram a ser legitimados os direitos à

saúde, à moradia, ao transporte (...). Legitimada a idéia de direitos, foram

inúmeras as associações que se fizeram a ela. No entanto, a maneira pela qual

a adjetivação se dava e se legitimava parece ter sido sempre a mesma: através

de processos de organização popular. Ou seja, a qualificação e legitimação de

direitos foi sempre um processo de mobilização política”.

Os estudos mostram que este novo ator social atua no cenário urbano e

reivindica novas ordens de organização11. Por que novos atores? Segundo

Chauí (1988:10), porque foram criados “pelos próprios movimentos sociais

populares do período: sua prática os põe como sujeitos sem que teorias

prévias os houvessem constituído ou designado. (...) O novo sujeito é social;

são os movimentos populares em cujo interior os indivíduos, até então

dispersos e privatizados, passam a definir-se, a reconhecer-se mutuamente, a

decidir e agir em conjunto e a redefinir-se a cada efeito resultante das decisões

e atividades realizadas”.

Os movimentos sociais, aos quais pertence este novo ator, passam a ser

considerados como construtores de história e de sociedade. A maioria dos

11 Vários autores apontam que os movimentos sociais surgidos neste período reivindicavam, em primeiro lugar, o “direito a ter direitos” (cf. Eder Sader, 1988; Ruth Cardoso, 1988; Elizabeth Jelin, 1994; Elizabeth Jelin & Eric Hershberg, 1996).

25

movimentos sociais era formada por uma base popular que, segundo Jacobi

(1987:13), “torna manifesta uma identidade que se concretiza a partir da

construção coletiva de uma noção de direitos que, relacionada diretamente

com a ampliação do espaço da cidadania, dá lugar ao reconhecimento público

das carências”.12

No Brasil, segundo Caldeira (1991), pode-se observar três

características básicas da expansão de direitos promovida pelos movimentos

sociais: 1) os direitos reivindicados eram coletivos e não individuais, demanda

de uma comunidade que, no processo político, afirmava uma identidade

comum; 2) a reivindicação desses direitos deu-se através de camadas

populares e minorias, que passaram a ser legitimados como atores políticos; e

3) os direitos reivindicados faziam parte do rol dos direitos sociais e, portanto, o

poder executivo era a instituição de referência no processo de expansão.

Os movimentos sociais passam, então, a ser identificados como uma

nova forma de fazer política através de novas formas de relações e de

organização social. Sob este aspecto, Calderón & Jelin (1987:26) afirmam que

“lo que se intuye es una nueva manera de relacionar lo político y lo social, el

mundo público y la vida privada, en la cual las prácticas sociales cotidianas se

incluyen junto a, y en directa relación con, lo ideológico y lo institucional político

(...) No cabe duda de que, por lo menos en el Cono Sur, la ofensiva ideológica

y represiva de los regímenes autoritarios tuvieron efectos importantes en las

redefiniciones de la relación entre lo público y lo privado”.

Em um estudo sobre os novos movimentos sociais na Argentina e no

Brasil, durante os anos de 1980, Mainwaring & Viola (1985:54) apontam que

tais movimentos “respondieron al cierre dual del espacio político y social

mediante el intento de encontrar formas de protección contra los abusos

autoritarios y las nuevas formas de sociabilidad. (...) Trataran de recuperar algo

12 A identidade comum, apesar da pluralidade de movimentos, parece ter sido a base de legitimação dos novos movimentos sociais, pois é mencionada em vários trabalhos sobre o tema. (Cf. Mainwaring & Viola, 1985; Eder Sader, 1988; Ruth Cardoso 1988; Caldeira 1991, entre outros).

26

del espacio ‘perdido’ en virtud del cierre de la sociedad civil, aunque también

trataron de crear algunos espacios nuevos. (...) En Brasil y Argentina se

intentaba controlar el poder de los regímenes autoritarios y descubrir nuevas

formas de sociabilidad que no pudieron ser reprimidas por el Estado. (...) En

Brasil y Argentina intentaron reconquistar derechos que existían

tradicionalmente y combatir por nuevos derechos”.

Para Calderón & Jelin (1987:24) não existiram no continente movimentos

sociais puros ou claramente definidos, “un movimiento de orientación clasista

probablemente esté acompañado por sentidos étnicos y de género que lo

diferencian y asimilan a otros movimientos de orientación culturalista con

contenidos clasistas”. Segundo Eder Sader (1988:198), esta pluralidade nos

movimentos não os compartimenta, apenas “está indicando diversas formas de

expressão”. Os movimentos sociais têm uma dinâmica própria, que inclui desde

as formas orgânicas de constituição social até modos de transformação social.

Esta dinâmica se constitui, na opinião de Calderón & Jelin (1987:24), a

partir de quatro campos de desenvolvimento, que passam a ser expostos. O

primeiro diz respeito à estrutura participativa de cada organismo. Todos os

movimentos sociais possuem uma estrutura participativa, na qual a forma, o

nível e o tipo de participação definem, em boa medida, a solidez de suas

metas. O tipo de participação - se restrito ou democrático - resulta do conteúdo

das lutas do movimento.

O segundo campo é o da temporalidade, que é definida pela sua ação

frente à realidade histórica vivenciada. “Por lo tanto, aunque un movimiento

posee su propia continuidad histórica y su cotidiana vivencia existencial, los

momentos de crisis y conflicto agudo son los que definen su cualidad. De esta

manera, la combinación de ‘tiempos’ diacrónico y sincrónico del movimiento

son fundamentales para su comprensión”.

O terceiro campo seria a forma pela qual desenvolvem as suas

atividades. De acordo com os autores, os movimentos sociais se desenvolvem

de forma heterogênea, devido às diferenças de consciência e de organização

27

popular, bem como do tipo de desenvolvimento econômico da localidade ou

região na qual estão inseridos. Desta forma, ainda que sua luta esteja

relacionada à mesma temática, o movimento social pode ter características

distintas de acordo com o contexto geográfico. “Aunque ellos puedan

planteárselos, los movimientos sociales no tienen fines predeterminados, los

redefinen el propio conflicto.”

E, por último, os efeitos sociais destes movimentos sobre as relações

sociais e sobre a sociedade, especialmente “como el producto de un campo de

conflicto donde los actores involucrados en la acción se modifican a sí mismos

por la interacción recíproca y compartida para obtener un fin, para lograr una

meta”. Os efeitos produzidos podem introduzir mudanças, não apenas nas

relações de poder, como nos hábitos, costumes e valores de uma determinada

sociedade.

Na América Latina, os movimentos sociais são, portanto, caracterizados

pela heterogeneidade de suas relações sociais e de ação coletiva. Os

movimentos sociais que surgem na década de 1970 têm como característica a

fragmentação, que seria resultado da própria diversidade da qual emergem. “A

heterogeneidade constitutiva da estrutura social induziria a reprodução das

diversidades no plano das manifestações sociais. (...) O que talvez seja um

elemento significativo, que diferencia os movimentos sociais da década de 70,

é que eles não apenas emergiam fragmentados, mas ainda se reproduziam

enquanto formas singulares de expressão” (Sader, 1988:197).

No caso brasileiro, e especificamente no estado de São Paulo, as

mudanças ocorridas a partir de 1983 no quadro político-institucional mostram

que os movimentos sociais urbanos passam por uma permanente tensão: a

inovação e a institucionalização. Seu aspecto inovador diz respeito à sua

autonomia em relação ao Estado e aos partidos políticos. A institucionalização

é representada pela negociação e interação com o Estado, o que provocou,

segundo Jacobi (1987:13), “interpretações contraditórias sobre o caráter dos

movimentos sociais e seu potencial de transformação”. Segundo Cardoso

28

(1988:1), a tensão se dá quando os grupos passam a exigir seus direitos, tais

como: escolas, creches, transportes coletivos, expressando, “através de um

discurso agressivo a sua consciência de exclusão dos benefícios que um

Estado Moderno, apoiado em uma economia em expansão, deveria oferecer.

Seu discurso aponta o Estado como inimigo mas também como um interlocutor

com o qual se negocia.”

1.3.2 - Os movimentos sociais pelos direitos humanos

É neste mesmo contexto, de luta pela ampliação de direitos e da

necessidade de uma nova forma de se relacionar com o Estado, que surgem

os movimentos de direitos humanos. De acordo com Jelin (1994:40), “as

violações dos direitos humanos não afetaram somente as classes populares;

as médias e altas também foram diretamente prejudicadas. Poder-se-ia dizer

que as classes populares sempre foram vítimas da violência a partir de cima,

que este sempre foi um fenômeno habitual, um dado da vida cotidiana, poucas

vezes questionado. Por outro lado as classes médias e altas não estavam

acostumadas a procurar o Estado demandando direitos de cidadania. (...)

Entretanto o fato de que as violações atravessaram toda a estrutura social

implicou a construção de uma base social mais ampla para a preocupação,

para a demanda e para a solidariedade”.

As entidades de defesa de direitos humanos se desenvolvem na

América Latina concomitantemente ao desenvolvimento dos movimentos

sociais; são parte integrante deles e, em boa medida, “la brecha por la cual

comenzó a renacer el movimiento popular, recuperando la memoria histórica de

las luchas populares, en la medida en que frente a un discurso dictatorial

aniquilador de lo político supieron generar una revalorización de los valores

democráticos y de cambio social que suela enarbolar la juventud” (Calderón &

Jelin, 1987:32).

O tema dos direitos humanos adquiriu importância social e política a

partir das ditaduras militares, porém o fim das ditaduras não foi suficiente para

29

fazer cessar as constantes violações de direitos humanos. Segundo Uprimny,

“la proclamación de una constitución y una relativa democratización de la vida

política no se traducen necesariamente en el control de la violencia ilegal por

parte de los agentes estatales (...). Las prácticas de violencia estatal pueden

estar enraizadas socialmente que el solo cambio de las reglas de

representación política no es suficiente para controlar las arbitrariedades

oficiales del presente“ (Uprimny, 1993:144).

Desta forma, “los derechos humanos surgen junto con una valorización

de la democracia como construcción, no ya como algo dado y preexistente.

Todos aquellos valores que eran obvios, y que conformaban algo así como un

conjunto mínimo de normas éticas que se daban por sentadas y más allá de las

cuales se dirigían las luchas políticas y sociales, han debido volver a ser

reconstruidas, replanteadas y revalorizadas a partir de la experiencias de su

violación sistemática por los gobiernos dictatoriales” (Calderón & Jelin,

1987:32).

Com o fim das ditaduras, “os novos regimes políticos se confrontaram

com o desafio de exercer o monopólio da violência do Estado dentro de

padrões de legalidade” (Pinheiro, 1991:45). Nestes países, porém, os governos

não foram totalmente capazes de controlar a violência ilegal praticada pelos

agentes policiais. Ainda segundo o autor, os governos de transição

subestimaram a herança autoritária das práticas policiais, tratando os

aparelhos repressivos como se fossem neutros e, portanto, aptos a servirem

também à democracia. Assim, “las tentativas de someter la violencia estatal a

reglas y controles interorgánicos y ciudadano que garanticen los derechos de la

población, constituyen el objetivo más conocido y tradicional del movimiento de

derechos humanos” (Uprimny, 1993:142).

Entretanto, o movimento de direitos humanos distingue-se daqueles

movimentos que reivindicavam a ampliação de direitos sociais. Estes últimos

eram compostos por uma base nitidamente popular, ou seja, por setores da

população que se viam diretamente afetados em suas condições de vida. No

30

caso dos movimentos de direitos humanos os reivindicantes não coincidiam

com os que seriam beneficiados pelos direitos. Segundo Pressburger

(1993:122), “en general, la estructura básica de estas asociaciones estaba

compuesta por abogados, artistas, sacerdotes, intelectuales y familiares de

víctimas, todos ellos pertenecientes a la clase media, movidos por razones

humanitarias y por la indignación frente a la cruel y reiterada violación de los

derechos fundamentales”.

Caldeira (1991:167), ao estabelecer uma comparação entre os

movimentos sociais e os movimentos de direitos humanos, afirma que um dos

problemas enfrentados pelos movimentos de direitos humanos foi justamente o

de não conseguir constituir uma identidade comum como “crucial para a

organização e legitimação de movimentos sociais”, pois “sem essa constituição

de uma comunidade imaginária, e sem a possibilidade de expressão no espaço

público, o movimento de defesa de direitos humanos para prisioneiros comuns

teve que ser feito de modo distinto dos outros movimentos. Foi preciso que

outros grupos com legitimidade social (religiosos e juristas, por exemplo,

sempre de classe média e alta) emprestassem o seu prestígio e reivindicassem

pelos prisioneiros. Esses mesmos grupos tinham reivindicado com sucesso

direitos humanos para os prisioneiros políticos - mas nesse caso o crime era

questionável, e os prisioneiros membros das camadas médias e altas13. O

resultado foi que ao invés de os reivindicantes estenderem seu prestígio aos

prisioneiros, acabaram eles mesmos sendo desprestigiados ao terem estendida

contra si a valoração negativa dos criminosos.”

Neste trabalho específico, a autora está discutindo a ampliação dos

direitos humanos para prisioneiros comuns, uma das primeiras bandeiras

levantadas pelos movimentos de defesa dos direitos humanos, após mudarem

seu foco de atuação de “presos/criminosos” políticos para “presos/criminosos”

13 Nota-se, neste caso, que o sucesso da atuação destes movimentos de direitos humanos, quando do seu surgimento, se deve à constituição de uma identidade comum. Naquele momento específico, reivindicantes e vítimas eram oriundas de um mesmo grupo social.

31

comuns. Este trabalho é uma importante referência pois permite contextualizar

um dos primeiros desafios enfrentados por estes movimentos. Vale ressaltar

que, apesar de estar falando da situação específica de São Paulo, na Argentina

o processo de resistência aos movimentos sociais de direitos humanos se deu

de forma semelhante.

Uma outra importante diferença entre os movimentos sociais e os

movimentos de direitos humanos diz respeito ao tipo de direito reivindicado.

Enquanto os grupos pertencentes ao primeiro demandavam por direitos

sociais, portanto, coletivos, os movimentos de direitos humanos reivindicavam

direitos civis, ou seja, individuais. Assim, no primeiro caso a instituição de

referência para garantir tais direitos seria o poder executivo, no caso dos

direitos individuais, a instituição básica seria o poder judiciário.

Nas sociedades em que há marcada desigualdade social, o poder

Judiciário é visto como uma instituição geradora e confirmadora de privilégios,

ou seja, a Justiça só serviria para beneficiar os ricos. Foi nesta lógica

associativa - direitos individuais, justiça, privilégios - que a direita elaborou o

discurso de que direitos humanos eram privilégios de bandidos. “Seu discurso

insistia em que se queria conceder privilégios a criminosos. (...) O discurso de

direita contra os direitos humanos, aceito por grande parte da população, é um

discurso que constrói a imagem do outro, que marca o limite de pertencimento.

Embora os direitos que se defendiam não fossem só para criminosos, mas para

qualquer pessoa frente ao arbítrio, foi a imagem do criminoso que se marcou e

que foi associada com exclusividade aos direitos humanos” (Caldeira,

1991:171).

Estes foram apenas alguns dos obstáculos enfrentados pelos

movimentos de direitos humanos. Apesar da discussão acima estar tratando

especificamente do contexto brasileiro, na literatura é possível identificar que

tais dificuldades tiveram o mesmo peso em vários países latino-americanos,

pois a consolidação destes movimentos coincide com o aumento da percepção

da criminalidade em quase todo o continente latino-americano.

32

Na literatura sobre os movimentos de direitos humanos em outros países

da região, principalmente naqueles trabalhos que fazem um balanço da

situação do trabalho das entidades, é possível perceber que ainda está muito

presente no discurso da população a imagem de que os direitos humanos

preocupam-se apenas em defender bandidos. Este lugar-comum se mantém

porque os organismos de direitos humanos não têm sido “suficientemente

críticos, sensibles y enfáticos cuando las violaciones son sufridas por miembros

de las fuerzas del estado o que no se interesan por los problemas cotidianos de

la gente común y corriente” (Mujica & Basombrío, 1993:239).

CAPÍTULO 2 - CENTRO SANTO DIAS DE DIREITOS HUMANOS

O Centro Santo Dias de Direitos Humanos é uma organização não

governamental destinada à promoção e defesa dos direitos humanos, ligada à

Arquidiocese de São Paulo.

2.1 - O QUE É E O QUE FAZ O CENTRO SANTO DIAS

2.1.1. Histórico1

A história do Centro Santo Dias de Direitos Humanos tem início antes de

sua fundação, quando se discutia, na Comissão Arquidiocesana de Direitos

Humanos, a necessidade da criação de um “centro de defesa dos direitos

humanos que reunisse todas as entidades e movimentos regionais” (Centro

Santo Dias, 1992).

Havia, antes da fundação do Centro Santo Dias, diversas outras

entidades de direitos humanos na região metropolitana de São Paulo, quase

todas ligadas às Igrejas, em especial a católica. “O Centro de Direitos Humanos

de Osasco foi o primeiro centro do estado de São Paulo. Foi fundado em 1977,

por agentes pastorais da Igreja Católica, por ex-presos políticos da época da

ditadura e por militantes da área sindical. De 1977 até 1980 proliferaram, na

Grande São Paulo, vários outros centros de direitos humanos. O Centro Santo

Dias de Direitos Humanos foi o resultado de uma discussão que houve de todos

esse outros centros da Grande São Paulo que precisavam de um centro de

direitos humanos com um aporte maior, porque uma das dificuldades que as

entidades de direitos humanos enfrentavam, e enfrentam até hoje, são os

recursos financeiros. E ter um centro de direitos humanos com um aporte

maior, para dar suporte para estas outras entidades, era necessário nesse

momento. Então, isso eu me lembro muito bem, eu lembro que nós fizemos

várias reuniões aqui na Cúria com o Dom Paulo, que coordenava estas

reuniões. Havia aqui, na Arquidiocese de São Paulo, a Comissão

1 Este item está baseado nas entrevistas realizadas com membros do Centro Santo Dias e em documentos da própria entidade.

34

Arquidiocesana de Direitos Humanos, que era uma espécie de pastoral de

direitos humanos da Igreja. Foi através desta Comissão Arquidiocesana de

Direitos Humanos, numa discussão dela junto com outras entidades de direitos

humanos, que nasceu o Centro Santo Dias”. 2

A criação de um centro de direitos humanos que congregasse todas

estas outras entidades se fazia necessária porque as violações aos direitos

humanos continuavam, apesar do início do processo de abertura democrática

no país. As entidades de direitos humanos existentes atendiam a dezenas de

pessoas por mês, vítimas da violência policial, mas não dispunham de uma

estrutura capaz de combater esta realidade.

No final do ano de 1979, a morte do operário católico Santo Dias da

Silva, assassinado por um soldado Polícia Militar paulista durante uma greve,

em frente à fábrica Sylvania, no bairro de Santo Amaro3, evidenciou claramente

a necessidade da criação de uma entidade que pudesse auxiliar as demais no

combate à crescente onda de violência policial. Esta violência, que vitimou o

líder operário, era a mesma que vinha afetando a população marginalizada de

São Paulo.

Um ano após a morte de Santo Dias, e como forma de homenageá-lo, a

Cúria Metropolitana - representada pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns - e

alguns pequenos centros de defesa de direitos humanos existentes na época

fundam, em uma rede, o Cento Santo Dias de Direitos Humanos da

Arquidiocese de São Paulo, cujo o principal objetivo é o de “apoiar e

encaminhar casos de violência policial e de desfavelamento, treinar

plantonistas para os centros periféricos e fornecer subsídios ao povo na luta

2 Entrevista realizada com João Frederico dos Santos, secretário executivo do Centro Santo Dias de Direitos Humanos, São Paulo, 29/04/2003. 3 Neste dia, cerca de 40 operários ligados ao Sindicato dos Metalúrgicos reuniram-se, em frente à fábrica da Sylvania, para fazer uma convocatória. No local, chegaram algumas viaturas da polícia militar. Houve um certo alvoroço, os policiais começaram a atirar para o alto e Santo Dias, que tentava negociar com os policiais mas não fora ouvido pelos mesmos, foi atingido na barriga. Ficou caído cerca de 20 minutos no chão, sem socorro. Quando chegou ao hospital de Santo Amaro, o operário, que era da Pastoral Operária, estava morto.

35

contra a violência”. A atuação do Centro Santo Dias está, portanto, baseada

em três pontos: o acompanhamento das violações de direitos humanos, a

capacitação profissional e o fortalecimento da comunidade.

“O nome Santo Dias adveio da morte, do assassinato de Santo Dias que,

recentemente, tinha sido assassinado pela polícia. O Santo Dias era também

um militante cristão, da pastoral operária, muito amigo de Dom Paulo, ele e a

esposa dele, tanto que quando veio, quando se aprovou a proposta de

criação do centrão4 - que a gente chamava, era o centrão -, Dom Paulo

sugeriu que se levasse o nome do Santo Dias. Então, na verdade, quando o

Centro Santo Dias nasce, ele nasce para ser um centrão, para ser o suporte de

todos os outros centros de direitos humanos aqui da capital e também lá de

Osasco. Não havia nenhum centro de direitos humanos daqui da

Arquidiocese. Então ele nasce exatamente para ajudar as outras entidades

naquele momento. Há de se lembrar que 1979, 80, 81, apesar da abertura

democrática, a violação de direitos humanos era muito gritante naquele

momento. A gente convivia com a abertura democrática, mas convivíamos

com o governo militar. A polícia naquele momento ainda, quer dizer, não

mudou muito até os dias de hoje, mas a polícia tinha uma ação muito

violenta. Essa é um pouco a história da fundação, do surgimento do Santo

Dias” .5

A fundação do Centro Santo Dias é, portanto, o resultado da luta de

diversas entidades de direitos humanos. É importante ressaltar que a criação

do centro contou com o inestimável apoio de Dom Paulo Evaristo Arns, à época

cardeal arcebispo de São Paulo. A Igreja Católica exercia, naquele momento

histórico, um importante papel de oposição ao regime militar, principalmente

por meio da luta de pessoas como Dom Helder Câmara e Dom Paulo Evaristo

4 Ao final da Entrevista realizada com o secretário executivo do Centro Santo Dias afirmou que a denominação “centrão” deixou de ser usada quando o termo passou a designar o grupo de políticos de direita que, no Colégio Eleitoral, apoiaram a candidatura de Tancredo Neves para a presidência da República. 5 Entrevista realizada com João Frederico dos Santos, São Paulo, 29/04/2003.

36

Arns, a quem é atribuída a criação do Centro Santo Dias.

“O centro começa logo em seguida ao assassinato do Santo Dias, ali

em frente aquela empresa, Sylvania. Houve uma greve, a polícia veio e ele foi

morto com um tiro nas costas. E aí, em decorrência disto, D. Paulo - porque ele

tinha ligações com a Pastoral Operária, ele pertencia à Pastoral Operária, o

Santo Dias - aí D. Paulo, evidentemente que não poderia concordar com este

tipo de situação, inclusive pelo fato de que se esperava a impunidade do

policial que atirou contra o Santo Dias, e então ele criou o Centro Santo Dias.

(...) Eu acho que precisa ressaltar a figura de Dom Paulo nesta questão do

Centro Santo Dias, foi ele que criou, ele que ajudou, ele que impulsionou,

cada vez que a gente precisava de dinheiro ele, a gente fazia um projeto

devido, ele encaminhava lá à Missão Franciscana da Alemanha, e o Centro

Santo Dias viveu destes fundos, até hoje vive deste fundos”.6

A entidade foi criada em outubro de 1980, “um ano depois da morte do

operário Santo Dias, que era um líder sindical”7, mas fundada oficialmente em

03 de dezembro de 1980. Participaram de sua fundação, além de Dom Paulo

Evaristo Arns, presidente de honra da entidade, vinte outras pessoas, entre

elas: o pastor James Wright8 - cujo irmão, Paulo Wright, foi morto em 1973 pela

ditadura militar -; Ana Maria do Carmo e Silva - viúva de Santo Dias -; os

advogados Mário Simas, Hélio Bicudo, José J. Queiroz, Luiz Eduardo

Greenhalg e Hidely Frantini; o médico Mario Spallicci; o jornalista Mário Simas

Filho; a professora Therezinha Brandão Machado e a freira Michael Mary

Nolan, além de oito padres, cuja luta estava voltada para a defesa dos direitos

humanos9. À exceção da viúva de Santo Dias, procedente da classe

trabalhadora, todos os outros membros fundadores pertenciam a uma classe 6 Entrevista realizada com Hélio Bicudo, coordenador do Centro Santo Dias de Direitos Humanos, São Paulo, 15/04/2003. 7 Entrevista realizada com Benedito Domingos Mariano, secretário de coordenação do Centro Santo Dias de Direitos Humanos, São Paulo, 03/04/2003. 8 O pastor presbiteriano Jaime Wright foi um dos colaboradores de Dom Paulo no projeto Brasil Nunca Mais. Além de fundador, foi vice-presidente do Centro Santo Dias por dois mandatos. 9 A lista completa dos sócio-fundadores está no anexo 2A.

37

distinta daquela que se propunham defender.

Em um estudo sobre os movimentos sociais no Brasil e na Argentina,

Mainwaring & Viola (1985:53) apontam que todos os movimentos são

encabeçados por líderes dotados de uma visão mais global e sofisticada da

realidade, o que os permite ter uma consciência do papel do seu movimento na

transformação social. Por outro lado, ressaltam os autores, a maioria dos

participantes comuns está preocupada apenas com seus objetivos específicos,

carecendo de uma visão política mais sofisticada. “La diferencia entre quienes

ejerce el liderazgo y los participantes comunes es más aguda en las

comunidades de base eclesiástica, donde algunos de los consejeros se

cuentan entre los intelectuales más sofisticados de Brasil”.

Considerando que o Centro Santo Dias é uma pastoral da Igreja

Católica, fortemente influenciada pelo tipo de trabalho desenvolvido pelas

comunidades eclesiais de base, não é de se estranhar que sejam reproduzidas

na entidade as mesmas estruturas de liderança do movimento apontadas por

Mainwaring & Viola.

Para Benedito Mariano, o Centro Santo Dias não surgiu apenas para dar

suporte aos outros centros de defesa de direitos humanos, mas também para

ser “um braço executivo da política de direitos humanos, da política não, da

ação pastoral de direitos humanos da Arquidiocese de São Paulo. (...) Foi uma

das primeiras organizações não governamentais que trabalharam com a

questão dos direitos humanos na Igreja”10.

É importante assinalar que, desde os anos 1970, a defesa dos direitos

humanos era uma das prioridades assumidas pela Igreja Católica de São

Paulo, representada, na época, pela figura de Dom Paulo, que desempenhou

um importante papel não apenas na criação da entidade mas também em sua

manutenção.

Antes mesmo da criação do Centro Santo Dias, Dom Paulo estimulou 10 Entrevista realizada com Benedito Mariano, São Paulo, 03/04/2003.

38

outros movimentos de direitos humanos ligados à Cúria Metropolitana de São

Paulo, como o Clamor11 e a Comissão de Justiça e Paz. “A Arquidiocese de

São Paulo teve três atuações importantes que marcaram a ação da Igreja sob

a direção do Dom Paulo. Uma é o Clamor, que foi criado na década de 70,

que recebia exilados políticos do Cone Sul, que eram perseguidos por

ditaduras do Cone Sul. (...) Então essa foi uma linha de solidariedade

internacional, latino-americana. Uma outra foi a Comissão de Justiça e Paz,

que foi voz dos presos políticos no Brasil. Era uma instituição de que

participavam os principais juristas do país, o Hélio Bicudo, José Carlos Dias,

Gofredo Silva Telles, Fábio Comparato, então teve um papel de destaque

nacional e internacional na defesa de preso políticos. E a terceira foi o Centro

Santo Dias, que tinha um trabalho diferente destas duas, e que trabalhava

com a violência policial comum. Quer dizer, era porta-voz daqueles que

muitas vezes não tinham consciência de seus direitos ou condições de

contratar um advogado para acompanhar o processo. Então foram três

ações vinculadas à questão de direitos humanos, fundamentais para a

consolidação democrática, para a participação da sociedade e destas três

entidades a que continua funcionando com o mínimo de estrutura ainda é o

Santo Dias”.12

Diferente dos outros movimentos de direitos humanos que surgiram

durante os anos 1970, a atuação do Centro Santo Dias nunca esteve voltada

para a defesa de presos ou desaparecidos políticos. Desde o começo de suas

atividades, a sua prioridade era a violência policial que vitimava, em especial, a

população residente na periferia da cidade, ou seja, a classe trabalhadora ou

seus descendentes.

“É neste contexto político que nasce o Centro Santo Dias, com grande

11 Clamor: Comitê Latino Americano pelos Direitos Humanos no Cone Sul. Foi extinto no período de transição democrática. Exerceu destacado papel na luta pelos direitos humanos durante as últimas ditaduras militares no Brasil e Argentina, principalmente durante a Operação Condor. 12 Entrevista realizada com Benedito Mariano, São Paulo, 03/04/2003.

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apoio de Dom Paulo, com grande apoio da Igreja aqui da Arquidiocese de

São Paulo, ele já nasce com um aporte financeiro bom, porque é prioridade.

Há de se lembrar que, nesse momento, na Arquidiocese de São Paulo, direitos

humanos era uma das quatro prioridades da Igreja. Direitos humanos já era

prioridade, se não me falhe a memória, desde 77. Então havia por parte da

Igreja de São Paulo todo um incentivo para esse trabalho”.13

Em 1982, o Centro Santo Dias e outras entidades de direitos humanos

do Brasil fundam o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)14, que é

responsável pela articulação de diversos órgãos de defesa de direitos humanos

no âmbito nacional. “O Santo Dias teve um papel importante na criação do

Movimento Nacional de Direitos Humanos. O segundo encontro do Movimento

Nacional foi em São Paulo, o Santo Dias foi um dos coordenadores do evento;

o primeiro foi no Rio de Janeiro. Hoje o movimento já está no seu 12º encontro,

a cada dois, três anos. Então também foi importante para articular

nacionalmente uma rede de entidades de direitos humanos”.15

A participação do centro na criação desta rede nacional de entidades de

direitos humanos ajustava-se perfeitamente a um dos seus principais objetivos,

que era o de apoiar os centros de defesa de direitos humanos. Além disso, era

um caminho para o fortalecimento de entidades que combatiam a violência

policial.

“Dentro desse contexto do início dos anos 80, nasce também o

Movimento Nacional de Direitos Humanos. Houve o primeiro encontro no Rio

de Janeiro, em Petrópolis. Se reuniram em Petrópolis representantes de 33

entidades de direitos humanos de todo o Brasil e lá, em Petrópolis, decidem

fundar o Movimento Nacional de Direitos Humanos. O Leonardo Boff foi um dos

mentores intelectuais desse processo. O Centro Santo Dias e o Centro de

13 Entrevista realizada com João Frederico dos Santos, São Paulo, 29/04/2003. 14 O MNDH é considerado por Basombrío (1996:20) como “una plataforma sólida y estable de coordinación de políticas comunes a nivel nacional o regional (...) que fundado en 1981 con 30 organismos afiliados agrupa hoy a más de trescientos”. 15 Entrevista realizada com Benedito Mariano, São Paulo, 03/04/2003.

40

Direitos Humanos de Osasco participaram da fundação do Movimento

Nacional de Direitos Humanos. Até porque eram as entidades mais

organizadas de direitos humanos daqui de São Paulo. O segundo encontro já

ultrapassa... Se em Petrópolis a gente tinha 33 entidades, aqui no segundo

encontro eu acredito que já passamos na casa das 80 entidades. Tinha muita

gente aqui no encontro em São Paulo. Então o movimento de direitos

humanos passa a ganhar uma nova dimensão em termos de Brasil. Se todas as

outras lutas passavam por um processo de adequação ao novo momento

político, os direitos humanos também estavam fazendo isso16.

O processo de adequação, mencionado pelo atual secretário executivo

da entidade, que naquela época atuava no Centro de Direitos Humanos de

Osasco, diz respeito ao início da abertura “lenta, gradual e restrita” promovida

pelo governo militar. É verdade que o Centro Santo Dias já nasce com o

objetivo de defender os cidadãos comuns e não os dissidentes políticos, mas

esta não era a realidade da maioria das entidades de direitos humanos

existentes no país. “A luta de direitos humanos não se voltava tanto ao preso

comum, ou ela não se voltava tanto às questões sociais, não sei se a moradia

ou a saúde. O foco dela era o preso político, seriam as liberdades civis e

políticas. E focava mais mesmo no preso político, porque na verdade se dava

mesmo... as pessoas eram presas, sumiam, desapareciam; a luta das

comissões de direitos humanos aqui em São Paulo era achar essas pessoas; na

realidade, era achar essas pessoas. Com a abertura política no final da

década de 70, início da década de 80, com a anistia, principalmente com a

anistia, a luta de direitos humanos começa a mudar seu foco, já não é mais

tanto os direitos civis e políticos, mas agora passa a ter uma nova dimensão”.17

O cenário político, que se delineava naquele início dos anos de 1980,

oferecia às entidades de direitos humanos um novo desafio: defender os

direitos humanos dos cidadãos comuns em um regime democrático. “É

16 Entrevista realizada com João Frederico dos Santos, São Paulo, 29/04/2003. 17 idem.

41

relativamente mais fácil falar das violações dos direitos de cidadania em

ditaduras. E na democracia? É claro que existe uma grande distância entre a

formalidade da lei e a sua aplicação, e uma boa parte das lutas sociais visam

encurtar este hiato” (Jelín, 1994:41).

“As entidades de direitos humanos daqui de São Paulo estão todas elas

dentro desse novo contexto. E que aí começa a redefinir as suas linhas de

atuação. Então aí é que nasce, por exemplo, a luta contra a violência policial;

agora nós não vamos mais lutar contra a violência contra os presos políticos,

mas agora são os cidadãos comuns. É aí nesse contexto que nasce a luta pela

moradia que vai ser encampada pela luta pelos direitos humanos, a gente

entende que a moradia é um direito fundamental do ser humano, isso como

prioridades do centro Santo Dias. Se você for pesquisar outras entidades,

provavelmente você vai ver outras prioridades de ação, pois cada uma vai

adequando a sua realidade, a sua região. Uma coisa que eu posso te garantir

é que a violência policial permeava todas as entidades de São Paulo”.18

Paralelamente ao trabalho de acompanhamento dos casos de violência

policial, o Centro Santo Dias envolveu-se com numerosos casos relacionados

ao direito à moradia. A entidade acompanhava jurídica e tecnicamente os

movimentos sociais de moradia em São Paulo, em alguns casos solicitando a

integração de posse da terra por usucapião19, noutros a suspensão de um

pedido de despejo, além de executar projetos de urbanização de favelas. No

ano de 1984, ficou decidido em assembléia que as prioridades de atuação para

aquele ano seriam a violência policial e a “falta de moradia” (Centro Santo Dias,

1992).

“E uma das coisas que despontou também, logo no começo dos anos

80, com a abertura democrática, foi o problema da moradia em São Paulo.

Começavam a surgir vários movimentos de moradia em São Paulo, só que 18 Entrevista realizada com João Frederico dos Santos, São Paulo, 29/04/2003. 19 “Modo de adquirir propriedade móvel ou imóvel pela posse pacífica e ininterrupta da coisa durante certo tempo”. (Dicionário Aurélio, Século XXI, versão 3.0, Editora Nova Fronteira – versão eletrônica)

42

eram todos eles assim... nasciam de forma espontânea, sem assessoria

nenhuma - nem jurídica e nem política - e na hora que estourava os pepinos

eles recorriam às entidades de direitos humanos. Havia muitas ocupações de

terra na Grande São Paulo neste momento. Então, grupos de famílias, que já

não agüentando mais pagar aluguel, começavam a se reunir e se organizar e

decidiam por ocupar uma área, ou na capital ou na Grande São Paulo. Essa

área era ocupada, eles se organizavam, mas depois logo vinha uma ação de

despejo. E todas, pelo menos das que eu tenho notícia, todas as ocupações

receberam, posteriormente, uma liminar, a justiça mandando desocupar a

área. Uma ação de despejo, nós não ganhamos nenhuma. Todas elas

acabavam em ação de despejo. E quando os moradores se organizavam

para não desocupar a área e para fazer um enfrentamento com a polícia, aí

era um enfrentamento muito difícil você enfrentar a polícia naquele momento.

Então na medida em que nasciam esses movimentos de moradia, na medida

em que esses movimentos começaram a se organizar é justamente aí que

entra a luta pelos direitos humanos, eles procuram as entidades de direitos

humanos”.20

Além de acompanhar as ocupações de terra, o Santo Dias prestou

assessoria jurídica a moradores de cortiço, principalmente em ações de

despejo. “Teve uma época que tinha também um trabalho relacionado à

questão de moradia, especialmente trabalhando com as populações que

moram em cortiço na capital. São Paulo tem mais pessoas hoje, tinha na

época e continua tendo, morando em cortiços do que em favelas. Então é

um tipo de moradia precária em que se criou um mínimo de organização e o

Santo Dias atuou, acompanhou alguns destes trabalhos”.21 As questões

relacionadas à moradia deixaram de ser atendidas pela entidade a partir de

1992, quando foi aprovada a “denúncia vazia”, cláusula da nova Lei do

Inquilinato (Lei nº 8245, de 18/10/1991).

20 Entrevista realizada com João Frederico dos Santos, São Paulo, 29/04/2003. 21 Entrevista realizada com Benedito Mariano, São Paulo, 03/04/2003.

43

Nas palavras de um de seus coordenadores, “a marca principal do

Santo Dias é a atuação na Justiça Militar, atuação contra a violência

policial”22, porém não se pode considerar que, ao atuar em casos relacionados

ao direito à moradia ou outros direitos sociais, a entidade tenha se distanciado

de seu objetivo original, pois “promover ou propor formas de eliminar as

injustiças” é uma de suas finalidades, definida em estatuto.

Este tipo de atuação assinala uma das principais diferenças entre o

Centro Santo Dias e as entidades de defesa dos direitos humanos voltadas à

defesa dos dissidentes políticos. Enquanto estas últimas lutavam pelos direitos

civis e políticos, o Centro Santo Dias já atuava também em prol da defesa e da

promoção dos direitos sociais, incluindo moradia, saúde e emprego.

“Ao longo da história, dos anos 80, as entidades [de direitos humanos]

quase todas elas foram se enfraquecendo, até porque com a abertura

democrática havia um entendimento das entidades no exterior que o Brasil

estava passando por um processo democrático, já tinha um civil no poder;

então, portanto o entendimento deles é que não havia mais necessidade de

mandar tantos recursos assim para a luta de direitos humanos no Brasil. Esse foi

um período difícil para as entidades de direitos humanos. No final da década

de 80 até início da década de 90, 92, 93, boa parte das entidades

enfrentaram muitas dificuldades porque havia esse entendimento. (...) Então,

precisou a gente mostrar dados da violência policial, dados da moradia,

dados da educação, dados de saúde, para comprovar que os direitos

estavam ainda sendo desrespeitados”.23

Tal diferença pode ser considerada como um dos fatores que contribuiu

para que o Centro Santo Dias se mantivesse em funcionamento até os dias

atuais, a despeito da falta de verbas destinadas a esta área. O Centro Santo

Dias não mudou sua trajetória, apenas redimensionou sua ação e passou a

atuar em outras instâncias. Enquanto diversas entidades de direitos humanos 22 Entrevista realizada com Benedito Mariano, São Paulo, 03/04/2003. 23 Entrevista realizada com João Frederico dos Santos, São Paulo, 29/04/2003.

44

encerravam suas atividades porque a sua luta havia sido identificada com a

luta contra as ditaduras militares, a atuação do Centro Santo Dias ia ganhando

espaço nas instâncias de governo.

“A década de 90 marcou o Santo Dias por ele ter um envolvimento

direto na elaboração, com outras entidades, de alguns órgãos de fiscalização

relacionados à justiça, à segurança, à questão de violência, como por

exemplo o Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana. (...) Hoje é lei, o

conselho existe, está na sua quinta ou sexta gestão, e é um dos poucos

conselhos em que a sociedade civil organizada tem 80% dos membros. (...)

Então, a sociedade civil é majoritária no Conselho. (...) E eu acho que foi

graças ao trabalho do Santo Dias ou, principalmente, em razão do trabalho

do Santo Dias que um de seus diretores virou Ouvidor da polícia, ombudsman

da polícia. Foi uma iniciativa importante do governo Mário Covas de criar uma

Ouvidoria24, um órgão de fiscalização da polícia. (...) O secretário da época,

José Afonso da Silva, convidou o secretário do Santo Dias, Benedito Mariano,

para ser o ouvidor. Eu fiquei nessa função de 95 até 2000. E foi uma função

importante, um trabalho importante para entender a dinâmica da violência

policial e eu acho que isso foi conseqüência ou continuidade do trabalho do

Santo Dias, e após a Ouvidoria, oito a dez estados criaram também ouvidorias

de polícia. (...) Então eu acho que, com o tempo, o que é muito natural e foi

importante que acontecesse, o Santo Dias foi redimensionando a sua ação, o

seu trabalho, quer dizer, ele continua acompanhando casos, mas hoje ele

influiu na criação de organismos que são representações institucionais mas

não do governo25.

A entidade se fez presente também na esfera legislativa, quando o

jurista Hélio Bicudo, seu atual presidente, apresentou um projeto de lei que

24 A Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo é um órgão de fiscalização e controle das ações arbitrárias das forças policiais estaduais paulistas, criada no governo de Mário Covas (1995-2001). Apesar de ter sido instituída por meio de uma iniciativa governamental, está bastante relacionada à história do Centro Santo Dias. 25 Entrevista realizada com Benedito Mariano, São Paulo, 03/04/2003.

45

transferia os crimes dolosos praticados por policiais militares da esfera da

Justiça Militar para o tribunal do Júri, na Justiça Comum26. “Quando eu fui

deputado federal eu me servi de uma pesquisa do Centro Santo Dias para

pleitear a transferência da competência da Justiça Militar para a Justiça

Comum dos crimes praticados por policiais militares nas atividades de

policiamento. Hoje nós temos uma lei que é muito pouco, que apenas prevê o

julgamento dos crimes de homicídio doloso - o julgamento, não o processo27 -

pela Justiça Comum e isso passou com as maiores dificuldades na Câmara

Federal e no Senado. Ainda hoje, existe um projeto, que também é da minha

autoria, tornando mais abrangente a atuação da Justiça Comum que apanhe

outros crimes - lesões corporais - praticados pela polícia militar e esse projeto

está no Senado Federal há vários anos sem andamento. Foi aprovado na

Câmara, mas no Senado empacou’. 28

Ainda que a lei tenha sido um projeto do então deputado federal Hélio

Bicudo, é possível afirmar que em seu conteúdo está bastante marcado pela

história do Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São

Paulo. Finalizando com as palavras de um de seu diretores: “Eu acho que nós

demos um salto de qualidade nos espaços públicos de promoção dos direitos

humanos e de denúncia das violações de direitos humanos”.29

2.1.2. Programas e Atividades

O Centro Santo Dias tem como atividade prioritária o acompanhamento

dos casos de violência policial, prestando assistência jurídica às vítimas ou aos

seus familiares. A sua atuação, entretanto, não esteve limitada aos casos de

26 O projeto de lei também não foi uma iniciativa da entidade, mas a ela se relaciona diretamente. É importante lembrar que o jurista Hélio Bicudo foi da diretoria da entidade em nove das dez gestões, incluindo a atual. 27 A peça inicial do processo criminal é o inquérito policial que, nos casos envolvendo a Polícia Militar, continua sendo feito por meio do Inquérito Policial Militar (IPM), realizado no âmbito da Justiça Militar. 28 Entrevista realizada com Hélio Bicudo, São Paulo, 15/04/2003. A pesquisa mencionada pelo entrevistado será descrita no item Programas e Atividades. 29 Entrevista realizada com Benedito Mariano, São Paulo, 03/04/2003.

46

violência policial. Como já foi dito, desde sua fundação, com o propósito de

“promover ou propor formas de eliminar as injustiças”, o Centro Santo Dias

acompanhou também a luta pela moradia na periferia de São Paulo.

LITÍGIO E ASSISTÊNCIA LEGAL

A - Violência Policial

Segundo seu coordenador, Dr. Hélio Bicudo, “a vocação do Centro é

exatamente a luta contra a violência policial”. O atendimento aos casos de

violência policial concentrou-se em três diferentes ações da entidade no

decorrer destes anos: 1) o acompanhamento judicial dos casos, seja na Justiça

Militar seja na Justiça Comum, como assistente de acusação do Ministério

Público, legalmente constituído pela vítima ou por seus familiares; 2) as ações

civis indenizatórias, encaminhadas à Vara da Fazenda Pública, para o

ressarcimento dos danos causados pelo Estado ao ofendido; e 3) a

apresentação dos casos na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

1) ACOMPANHAMENTO JUDICIAL

O Centro Santo Dias atendeu, durante toda a sua trajetória, mais de 500

casos de violência policial, atuando como assistente de acusação dos

processos penais envolvendo policiais civis ou militares. “O Centro Santo Dias

prestava uma assistência jurídica às vítimas ou aos familiares das vítimas. Então,

isso era um trabalho prioritário de todas as entidades de direitos humanos na

questão de violência policial porque era gritante naquele momento”.30

O sociólogo Benedito Mariano defende que a atuação na Justiça Militar,

como assistente do Ministério Público, é a alma da entidade. “A história do

centro é atuar como assistente de acusação no Tribunal de Justiça Militar

estadual, principalmente porque as mortes envolvendo violência policial, na

sua maioria, envolviam, e ainda envolvem, policiais militares estaduais. O

Centro, desde a sua criação, participou acho que de mais de 100 processos 30 Entrevista realizada com João Frederico dos Santos, São Paulo, 29/04/2003.

47

na Justiça Militar, alguns casos emblemáticos, conhecidos da opinião pública,

por exemplo, do Cabo Bruno, que era um matador, um justiceiro, soldado da

Polícia Militar que atuava na zona sul. Ele foi julgado por seis vezes, em cinco

julgamentos o Santo Dias estava presente como assistente da acusação, e nos

cinco julgamentos em que o Santo Dias esteve presente ele teve penas muito

altas, ele foi condenado em todos. O advogado do Centro chegou até a ser

ameaçado em razão deste caso. (...) Então o Centro atendeu a mais de 1000

famílias, nos seus mais de 20 anos de existência. Então era uma grande

referência de encaminhamento, não só de denúncia, mas de

encaminhamento formal de processos na justiça militar”.31

Este tipo de atuação ocorreu até o ano de 1996, quando foi aprovada a

Lei nº 9.299/9632, que retirou da alçada da Justiça Militar os crimes dolosos

praticados por policiais militares contra civis, transferindo-os para a Justiça

Comum. A partir desta data, a entidade continua acompanhando os casos, mas

na Justiça Comum.

“Eu acho que foi importante que se tirasse o julgamento porque em

alguns casos nós já tivemos uma atuação positiva da justiça, como é o caso,

por exemplo, da favela Naval, aqui perto de Diadema, é Diadema, né, e o

caso do Carandiru, em que o comandante da expedição que chacinou, eu

acredito, que mais de 111, mas o número oficial são 111 presos, ele foi

condenado a 600 anos. De modo que eu acho que essa foi, esse é um papel,

foi um papel importante do Centro Santo Dias”. 33

Até meados dos anos 1990, a entidade acompanhou na Justiça mais de

150 casos de violência policial. Esta atuação, durante os anos de 1990, foi

diminuindo por duas razões: a falta de recursos e a criação de novos

mecanismos de proteção, como a Ouvidoria.

“Evidentemente que depois de 20 anos o centro não tem a mesma 31 Entrevista realizada com Benedito Mariano, São Paulo, 03/04/2003. 32 Esta lei ficou conhecida, no âmbito do movimento de direitos humanos, como Lei Hélio Bicudo. 33 Entrevista realizada com Hélio Bicudo, São Paulo, 15/04/2003.

48

estrutura que tinha em 80, 85 em 90. Mas tem ainda alguns casos que são

acompanhados. (...) Na verdade, diminuiu muito o número de casos porque a

ouvidoria hoje recebe muito dos casos que o Santo Dias recebia, porque na

Ouvidoria tem mais estrutura e mais condições de aprofundar o caso, não é. A

criação da Ouvidoria estabeleceu que a maioria das pessoas procurava o

Santo Dias porque no Estado não tinha espaço para ela discutir e encaminhar

a demanda de violência policial”.34

O Centro Santo Dias acompanhou judicialmente todos os casos de

violência policial que chegavam a seu conhecimento, atendendo, em seus 20

anos de existência, a aproximadamente 1000 famílias35.

2) AÇÃO CIVIL INDENIZATÓRIA

Em conjunto com a atuação nos processos penais de violência policial, o

Centro Santo Dias “moveu uma série de ações civis para obter o ressarcimento

dos prejuízos decorrentes desta violência às famílias das vítimas”.36

As ações civis são impetradas pelo Centro Santo Dias quando há o

interesse da vítima ou de seus familiares no ressarcimento pelos prejuízos

sofridos. Estas ações, assim como os processos penais, são bastante morosas

porque o Estado recorre em diversas instâncias, com o intuito de adiar o

pagamento da indenização. É interessante notar que, diferente do que ocorre

no julgamento dos policiais, em que se dá a absolvição dos culpados, nas

ações indenizatórias há, em sua maioria, a condenação do Estado.

Mais do que o ressarcimento das vítimas ou de seus familiares, as ações

civis de indenização servem para mostrar, segundo um de seus

coordenadores, a contradição do Estado. “O Santo Dias, o mesmo corpo

jurídico, não só atuava no criminal, mas atuava como advogado das famílias,

pedindo a indenização do Estado pelas mortes das pessoas. Nas indenizações 34 Entrevista realizada com Benedito Mariano, São Paulo, 03/04/2003. 35 Esta informação foi fornecida por Benedito Mariano, durante a entrevista. Até o ano de 1992, a entidade havia acompanhado judicialmente 140 casos de violência policial, na Justiça Militar, quando envolvia policiais militares, e na Justiça Comum, quando envolvia policiais civis. 36 Entrevista realizada com Hélio Bicudo, São Paulo, 15/04/2003.

49

nós ganhamos praticamente todas. Não só em razão do reparo do Estado em

indenizar a família, mas fundamentalmente para mostrar uma contradição é

que a gente entrava com essas duas ações quando a família autorizava,

porque eventualmente o processo, o policial envolvido no homicídio era

absolvido na Justiça Militar e nós ganhávamos uma ação de indenização.

Então, o mesmo Estado que paga por um erro de um agente, o agente é

absolvido”.37 De todos os casos de violência policial acompanhados judicialmente

pelo Centro Santo Dias houve apenas um caso em que os familiares não

aceitaram a indenização pecuniária, mas uma indenização moral: desejavam

que o Estado declarasse que seu filho fora morto injustamente por policiais

militares38. Este caso foi peticionado, pela entidade, à Comissão

Interamericana de Direitos Humanos, outra importante atividade desenvolvida

pelo Centro Santo Dias em sua luta contra as violações de direitos humanos.

As ações civis indenizatórias, além de mostrar as contradições do

Estado - como afirmou um dos diretores da entidade -, funcionam como justiça

retributiva, compensando as vítimas ou seus familiares pelos danos causados

pelo Estado. Esta recompensa não é só monetária, mas tem também um valor

simbólico, uma vez que o Estado é declarado culpado por sua ação.

3) COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH)

O Centro Santo Dias elegeu nove casos relacionados à Polícia Militar,

cujos processos estavam parados na Justiça Militar, e os encaminhou, no ano

de 1994, à CIDH (Mariano & Toneto, 2000). Os casos, considerados

exemplares, ocorreram entre os anos de 1982 e 1989.

“O Santo Dias foi a primeira instituição em São Paulo de direitos

37 Entrevista realizada com Benedito Mariano, São Paulo, 03/04/2003. 38 É o caso de Delton Gomes da Mota, um jovem de 20 anos, morto por policiais militares da Rota, no bairro do Jaçanã. Os dois policiais militares envolvidos no crime foram absolvidos, mas a absolvição foi anulada por um recurso impetrado pelo Ministério Público, com auxílio do Centro Santo Dias. No ano de 1998, o processo-crime foi enviado à Justiça Comum e está tramitando até hoje.

50

humanos que encaminhou casos relativos à violência policial à Comissão

Interamericana de Direitos Humanos para informar esse órgão do sistema

internacional dos direitos humanos da parcialidade, em determinados

julgamentos, do Tribunal de Justiça Militar, fundamentalmente os casos

relacionados à vida, contra a vida.”.39 Os casos encaminhados pelo Centro Santo Dias referiam-se aos

assassinatos de seis pessoas - Oséias Antonio dos Santos, Clarival Xavier

Coutrim, Wanderlei Gallati, Delton Gomes da Mota, Aluísio Cavalcante Júnior e

Marcos de Assis Ruben - e os ferimentos graves em três outras pessoas -

Celso Bonfim de Lima, Carlos Eduardo Gomes Ribeiro e Marcos Almeida

Ferreira. Os casos foram denunciados à CIDH separadamente e, inicialmente,

seu trâmite também ocorreu desta forma. Depois foram englobados em um só

caso porque “a Comissão considerou que as acusações contidas nas

denúncias eram de característica similares e se inseriam em um mesmo

contexto” (Mesquita Neto & Affonso, 2002). A Comissão julgou que as vítimas

fatais foram executadas e que os autores dos crimes continuavam impunes

pela protelação e parcialidade da Justiça Militar. No relatório final da CIDH, de

4 de abril de 2001, foi aprovada a responsabilidade do Estado brasileiro pelos

casos e recomendado “o julgamento e a punição dos responsáveis pelas

distintas violações e a correspondente reparação às vítimas ou seus familiares”

(Mesquita Neto & Affonso, 2002).

“Eu acho que foi muito importante o Santo Dias descobrir o mecanismo

de proteção internacional, entender que tem um comissão interamericana,

da OEA40, e encaminhar casos para lá. O Hélio Bicudo, que é presidente do

Santo Dias, foi o segundo brasileiro na história da comissão interamericana a

presidir a comissão. Ele foi indicado pelo governo anterior para ser membro,

ficou quatro anos, no último ano foi o presidente. E a militância principal na

Igreja, para o Hélio Bicudo, foi no Santo Dias, então de atendimento de casos

39 Entrevista realizada com Benedito Mariano, São Paulo, 03/04/2003. 40 Organização dos Estados Americanos.

51

chegou a ter a presidência numa comissão que é responsável pela

fiscalização e o monitoramento de direitos humanos em todo o continente

americano”.41

A CIDH é um importante mecanismo de proteção dos direitos humanos

para o continente americano. Ter descoberto este mecanismo foi, pois, um

passo importante para o Centro Santo Dias. Com a decisão da Comissão nos

casos apresentados, a entidade saiu vitoriosa em uma de suas muitas batalhas

na luta contra a violência policial. Porém, é necessário dar um passo adiante:

pressionar para que a justiça brasileira incorpore os tratados e as convenções

internacionais, ratificadas pelo Brasil, como uma forma de prevenir as violações

de direitos humanos, a exemplo do que tem sido feito pelo CELS.

B - Moradia

Na área de moradia, o trabalho do Centro Santo Dias consiste em dar

assessoria - jurídica e técnica - a moradores de cortiços e favelas de São

Paulo. Esta atuação foi mais marcante durante os anos de 1980, quando o

Centro atendia as ações de despejo promovidas contra os moradores destas

áreas.

“O assessoramento prestado pelo Centro Santo Dias não visa só à

resolução imediatas conflitos, mas visa, também, vincular a reivindicação pela

moradia a uma análise política da realidade sócio-econômica, levando o

movimento a uma reflexão crítica sobre a luta desenvolvida”. (Centro Santo

Dias, 1994).

O trabalho pelo direito à moradia caracterizava-se, essencialmente, por

ações requerendo a suspensão de uma ordem de despejo ou de um pedido de

reintegração de posse, solicitadas por proprietários de cortiços ou pelo poder

público, no caso de favelas. Ademais deste trabalho de assistência jurídica, o

Centro Santo Dias desenvolveu atividades que visavam informar a população

41 Entrevista realizada com Benedito Mariano, São Paulo, 03/04/2003.

52

carente sobre os seus direitos no tocante à moradia. Esta linha de atuação

refletia a preocupação da entidade em revelar as causas das violações dos

direitos humanos e em propor formas de combatê-las.

O Centro Santo Dias realizou, ainda, um documentário sobre a reforma

urbana, cujo enredo é a história de um migrante nordestino que chega em São

Paulo, para trabalhar na construção civil, e não tem onde morar. Sua primeira

“casa” foi um barraco, depois aluga um quarto em um cortiço. Sem dinheiro, ele

é despejado e acaba debaixo de um viaduto. “A idéia do vídeo surgiu como

instrumento de análise da questão da terra em São Paulo” (Centro Santo Dias,

1992).

A luta pelo direito à moradia foi, no entanto, abandonada pela entidade a

partir dos anos de 1990, quando foi aprovada a Lei do Inquilinato, que instituiu

a denúncia vazia. Com a nova legislação, reduziram-se as ações de despejo e

houve um aumento no número de acordos feitos extra-judicialmente entre

locadores e locatários de imóveis em São Paulo. Desta forma, a entidade

deixou de contar com instrumentos legais para sua atuação.

C - Orientações Jurídicas

Parte dos casos que chegam ao Centro Santo Dias não são assumidos

pela entidade por não se encaixarem em suas prioridades. Estes casos

envolvem, em sua maioria, conflitos interpessoais (dívidas, guarda de filho,

pensões alimentícias etc), que não se constituem em violações de direitos

humanos.

Ainda que não sejam assumidos, a entidade orienta a pessoa que

buscou ajuda, e, em alguns casos, toma providências preliminares. Este

serviço é realizado pela entidade porque é considerado “importante para que a

população conheça quais são seus direitos e os canais disponíveis de

resolução de conflitos. (...) A orientação jurídica pode contribuir para o

fortalecimento do exercício democrático participativo, devendo, portanto, ser

prestada a todos” (Centro Santo Dias, 1994).

53

Desta forma a entidade cumpre um outro objetivo: orientar o cidadão a

respeito de quais são os seus direitos e quais os mecanismos para acessá-los.

A orientação jurídica visa à promoção dos direitos do cidadão, pela eliminação

das injustiças. Este tipo de atuação está bastante relacionado ao papel

desempenhado pela Igreja Católica no Brasil dos “anos de chumbo”, por meio

das comunidades eclesiais de base.

PESQUISA

A trajetória do Centro Santo Dias sempre esteve mais voltada para a

prática do que para a produção teórica. A entidade não tem uma tradição de

pesquisa como outras entidades de direitos humanos desenvolveram, mas isto

não significa que não tenha dado a sua contribuição.

No ano de 1984, por exemplo, desenvolveu uma pesquisa em que foram

analisados 380 processos relativos ao período de 1977 a 1983, encerrados e

arquivados no Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo.

Esta pesquisa revelou o corporativismo da Polícia Militar42 ao julgar os

seus agentes: de 380 casos analisados, foram julgados 82 policiais militares,

dos quais apenas 14 foram condenados, todos eles praças.

“E nós fizemos uma série de trabalhos a respeito desta questão da

defesa das pessoas vitimadas pela Polícia Militar ou pela Polícia Civil e eu acho

que foi uma atuação muito importante. Dessa atuação nós partimos para

uma pesquisa que foi feita junto à Justiça Militar, até certo ponto porque

depois de um momento a Justiça Militar fechou as portas a qualquer tipo de

pesquisa que pudesse ser feita lá no seu interior no sentido de se verificar, nos

dez anos de sua existência, da Justiça Militar da PM de São Paulo, qual tinha

sido a atuação da PM no que diz respeito ao processo e julgamento dos

policiais militares que praticaram violência na atividade policial, e você

42 É importante salientar que os crimes cometidos por policiais militares eram julgados pelo Conselho de Sentença, composto por um juiz togado, cuja função é presidir o Conselho, e por quatro oficiais da Polícia Militar, em exercício, responsáveis pelo julgamento dos acusados.

54

provavelmente pode ter acesso a essa pesquisa, deve ter uma cópia lá no

Centro Santo Dias. Isso evidencia que cerca de 90% ou mais até dos casos

levados à Justiça Militar contaram com a impunidade. De um modo geral os

oficiais nem eram tocados; quando houve uma ou outra condenação era

sempre o pessoal da mais baixa hierarquia da PM. Acho que isso foi um dos

pontos altos do Centro Santo Dias, essa pesquisa foi um dos pontos altos”.43

Esta pesquisa teve, inicialmente, a anuência da Justiça Militar que,

quando percebeu o que seria divulgado, fechou a suas portas para a entidade

como relatou Hélio Bicudo: “nós começamos a pesquisa com a aquiescência

do Tribunal de Justiça Militar aqui da PM, eles abriram, tal. Num determinado

momento, quando eles perceberam o que poderia resultar desta pesquisa,

eles fecharam. Fecharam e não se conseguiu mais nada”.

Os resultados desta pesquisa foram utilizados pela entidade, quando ela

peticionou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos os nove casos de

violência envolvendo policiais militares, que contavam com a parcialidade da

Justiça Militar. Serviram também para fundamentar a já mencionada Lei nº

9.299/96, de autoria de Hélio Bicudo.

Além desta pesquisa, entre 2001 e 2002, o Centro Santo Dias realizou,

com o financiamento da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do

Ministério da Justiça, uma estudo sobre o suicídio na Polícia Militar. Esta

pesquisa tinha como pressuposto que a estrutura institucional é responsável

pelas mortes de civis, mas também pelos suicídios que ocorrem entre membros

da corporação. A pesquisa já foi concluída mas os dados e resultados obtidos

não estão disponíveis.

Paro o Centro Santo Dias a pesquisa não constitui um tema central,

norteador de sua ação. Ao contrário, é a sua prática cotidiana que vai oferecer

elementos para a investigação de perfil mais acadêmico.

43 Entrevista realizada com Hélio Bicudo, São Paulo, 15/04/2003.

55

COMUNICAÇÃO E DISSEMINAÇÃO

O Santo Dias publicou, em parceria com diversas entidades de direitos

humanos, entre 1983 e 1988, o jornal Partilha, um “órgão informativo dos

centros e comissões de direitos humanos de São Paulo”, como anunciava o

cabeçalho do tablóide de quatro páginas, cuja periodicidade era irregular. “Na

época em que comunicação era substantivo abstrato na maioria dos

movimentos populares, o Centro Santo Dias decidiu criar um boletim

informativo”: é desta forma que a entidade inicia o seu relato sobre o jornal,

cujo objetivo era “ser um órgão de informação e de formação de opinião

pública, dando espaço para os pobres e os marginalizados falarem” (Centro

Santo Dias, 1992).

Apesar de ter sido apresentado como uma iniciativa do Centro Santo

Dias, o Partilha foi criado para ser “um veículo de comunicação que fosse o

porta voz entre todas essas entidades [de direitos humanos], porque algumas

entidades sozinhas tinham condição de fazer um jornal, mas a maioria não

tinha. O Jornal Partilha é publicado durante um período como um órgão

informativo de todas as entidades. (...)O nome Partilha já sugeria na época:

era a partilha entre todas as entidades (...) como o jornal seria um jornal

partilhado por todas as entidades então por que não se chamar Partilha

mesmo? Até porque tem tudo a ver com o cristianismo: partilha, divisão,

solidariedade”.44

Ao longo dos anos de 1980, devido ao processo de redemocratização da

sociedade brasileira, muitas entidades de direitos humanos vão perdendo seus

financiamentos porque “havia um entendimento das entidades no exterior que

o Brasil estava passando por um processo democrático, já tinha um civil no

poder, então, portanto o entendimento deles é que não havia mais

necessidade de mandar tantos recursos assim para a luta de direitos humanos

no Brasil. (...) Na medida em que essas entidades vão deixando de existir ou

44 Entrevista realizada com João Frederico dos Santos, São Paulo, 29/04/2003.

56

vão passando por dificuldades, o jornal também foi sofrendo com isso, até

também acabar o Jornal Partilha. Ele deve ter durado aí... a idéia era publicar

ele com edições mensais, mas isso nem sempre foi possível; então, às vezes era

mensal, às vezes era bimestral, às vezes era trimestral, até que foi e acabou o

jornal”. 45

As matérias publicadas traziam informações sobre a atuação das

entidades que compunham seu conselho editorial46, sobre temas atuais, além

de entrevistas com pessoas de importante destaque na área de direitos

humanos. O primeiro número, publicado em 01/10/1983, estampou uma

matéria sobre as condições de moradia na favela do Jaguaré, ressaltando o

descaso das autoridades públicas com as famílias residentes no local. A

matéria teve tanta repercussão que o número seguinte, lançado em novembro

de 1983, deu continuidade ao tema.

Apesar de ter sido inicialmente projetado para ser um informativo

mensal, no ano de 1984 foram editados apenas dois números do Partilha.

Estes números relatavam as experiências de novas entidades de direitos

humanos (Mogi das Cruzes, Mauá e Santos) e em cada um deles havia uma

entrevista. Uma delas, realizada com Dom Paulo Evaristo Arns, falava da

campanha de difamação promovida pelo radialista Afanásio Jazadi47 contra

Dom Paulo e o movimento de direitos humanos. A outra entrevista foi realizada

com Francisco Drumond, na época diretor do Manicômio Judiciário do Estado

45 Entrevista realizada com João Frederico dos Santos, São Paulo, 29/04/2003. 46 As entidades representadas pelo Partilha eram: Centro Santo Dias, Centros de Direitos Humanos da Lapa, de Osasco, de Imirim, da Santo André, de Guarulhos, de Vila Paulistana e o Centro de Direitos Humanos João Bosco Penido Burnier. 47 Afanásio Jazadi encabeçava, nos anos de 1980, um programa de rádio na capital paulista. Em seu programa, o radialista apoiava as ações arbitrárias da polícia, dizendo que ‘bandido bom é bandido morto’, além de promover uma campanha contra os movimentos de direitos humanos e seus militantes. O Centro Santo Dias entrou com diversas ações na justiça contra o radialista, mas todas prescreveram.

57

de São Paulo48.

No ano seguinte foram editados três números do jornal, destacando-se

os artigos do advogado José Queiroz, que viria a integrar a direção da

entidade, sobre a caminhada dos pobres e da Madre Cristina em protesto à

intervenção americana na Nicarágua Sandinista. O terceiro número trazia uma

entrevista com o teólogo Leonardo Boff. Esta entrevista foi concedida ao

Partilha em janeiro de 1985, antes do silêncio a ele imposto pelo Vaticano.

Quando foi publicada, no número de maio-junho, o frei havia sido proibido, pelo

governo pontifício, de se pronunciar e o Partilha foi lançado “com uma tarja

preta no alto da primeira página, com o lembrete: ‘Enquanto for mantido o

silêncio do Frei Leonardo Boff, o Partilha usará essa tarja’.” (Centro Santo Dias,

1992).

Em 1987, graças a recursos destinados à entidade pela Juventude

Católica da Áustria, o Partilha passa a ser mensal, porém esta condição dura

pouco. A edição de janeiro foi uma homenagem ao jornalista Jorge Batista,

editor do Partilha por três anos, que morrera num acidente de automóvel em

dezembro de 1986. A edição de março foi um número especial sobre a

Constituinte, com apresentação de Dom Paulo. Esta edição teve uma tiragem

especial, de 110 mil exemplares. No ano seguinte, o jornal é definitivamente

encerrado, com duas edições.

No ano de 2002, o jornal Partilha volta a ser editado, mas agora como

“Informativo Mensal do Centro Santo Dias de Direitos Humanos da

Arquidiocese de São Paulo”. Foi reeditado com financiamento da Secretaria de

Estado de Direitos Humanos do Ministério da Justiça. Já no ano de 2002, as

edições foram mensais. Eis alguns dos temas abordados no jornal: ALCA49, a

Campanha Presidencial, Discriminação Racial, entre outros. No ano de 2003,

48 Ë importante ressaltar que o Manicômio Judiciário vinha sendo denunciado, pelas entidades de direitos humanos, por constantes violações (tortura, maus tratos etc) a que eram submetidos os detidos naquela instituição. 49 ALCA - Área de Livre Comércio das Américas.

58

até abril, foram publicados dois números do jornal, alterando-se assim, mais

uma vez, a sua periodicidade. O primeiro número, publicado em janeiro, retoma

o formato tablóide do jornal.

A despeito de sua inconstante periodicidade, o Partilha pode ser

considerado o principal veículo de comunicação e disseminação das atividades

do Centro Santo Dias. Sua reedição, entretanto, enfrenta as mesmas

dificuldades pelas quais o informativo passou nos anos 80, quando era um

órgão de várias entidades de direitos humanos: a falta de recursos financeiros.

Além do jornal, o Centro Santo Dias publicou, em parceira com a

Organização Comunitária pelos Direitos dos Presos, o Manual dos Direitos dos

Presos, com uma segunda edição em 1989, “totalmente revista e atualizada

pelos detentos” (Centro Santo Dias, 1992). No ano de 1987, contribuiu para a

elaboração do relatório “Violência Policial no Brasil”, lançado pela entidade

americana de direitos humanos Americas Watch50. Em 1988, publicou a cartilha

sobre os direitos individuais e coletivos da Constituição Federal - que teve seus

10 mil exemplares totalmente esgotados - e realizou o filme Reforma Urbana,

um documentário sobre a situação habitacional em São Paulo.

Na área de formação comunitária, a entidade fez e publicou inúmeros

trabalhos, entre ao quais se destacam: “Os humildes e a violência policial”,

editado em 1982, “A trajetória e as conseqüências da dívida externa”, realizado

em 1987, em parceria com a Comissão Arquidiocesana de Direitos Humanos, o

Clamor e o Centro de Educação Popular do Sedes Sapientiae.

No ano de 1988, véspera das eleições municipais, o Centro produziu a

cartilha Fé e Política, exercendo “plenamente o seu papel de formador de

consciências (...) O desejo de construir a democracia, manifestado no material,

acabou expresso nas urnas, com a vitória de Luiza Erundina para a Prefeitura

de São Paulo” (Centro Santo Dias, 1992).

50 O nome da entidade mudou para Human Rights Watch - America.

59

Todos estes veículos de comunicação e disseminação das atividades da

entidade, a despeito de sua irregularidade, cumprem um de seus principais

objetivos, que é o de fornecer à população elementos para reverter o quadro

das injustiças sociais.

2.1.3. Estatuto

O Estatuto do Centro Santo Dias tem um total de 20 artigos, divididos

em dois capítulos. O primeiro capítulo, com três artigos, constitui a entidade,

define os seus propósitos e versa sobre seus recursos financeiros. O segundo

capítulo tratará dos associados e da administração social da entidade.

No Capítulo I - Denominação, Sede e Fins - o primeiro artigo constitui o

Centro Santo Dias como uma associação civil, sem fins políticos ou lucrativos,

com sede na Comarca de São Paulo. Define, ainda, que a entidade é “uma

pastoral da Igreja, a serviço da Arquidiocese de São Paulo”. O artigo versa

também sobre a composição da entidade, que agrega pessoas físicas e

jurídicas, cujo propósito seja trabalhar em prol da defesa dos direitos humanos.

O artigo 2º irá apresentar, de maneira bastante objetiva, a finalidade da

entidade. De acordo com seu Estatuto, são seus fins:

“I - Atuar como órgão de defesa da pessoa humana e da coletividade.

II - Apoiar os Centros de Defesa dos Direitos Humanos e entidades congêneres de igual finalidade.

III - Promover a formação de pessoas ou de grupos de pessoas capazes de esclarecer, ajudar, e orientar cidadãos no que concerne aos seus direitos.

IV - Promover ou propor formas de eliminar as injustiças, revelando as violações dos Direitos Humanos e suas causas, de maneira a permitir a solicitação dos Direitos e da Justiça”.

Como pode ser observado, os objetivos da entidade estão contemplados

nas quatro alíneas deste artigo. Finalizando este capítulo, está o artigo 3,º que

trata dos recursos financeiros. Está previsto no artigo que as atividades da

entidade serão custeadas por doações, auxílios e subvenções, uma vez que

60

não possui orçamento próprio.

O Capítulo II - Os Associados e a Administração Social - engloba os

outros dezesseis artigos que compõem o Estatuto. Os artigos 4 a 6 vão versar

sobre o número de membros associados, sobre os membros fundadores, sobre

quem pode compor a entidade e as responsabilidades dos sócios.

De acordo com o Estatuto, os sócios devem ser “pessoas engajadas na

tarefa de defesa dos Direitos Humanos”. O número de sócios é limitado a trinta

membros e são considerados fundadores aqueles que assinaram a ata de

fundação da entidade: 20 pessoas51. No artigo que limita o número de

associados, o estatuto estabelece que este número é “sem prejuízo da

designação de assessores técnicos, em número limitado”. Ao limitar número de

sócios e de assessores técnicos, o estatuto define uma estrutura de

funcionamento bastante enxuta para o Centro Santo Dias52.

O artigo de nº 7 estabelece que o posto de presidente de honra deve ser

do Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de São Paulo, mas não menciona

o nome de D. Paulo Evaristo Arns, que permanece sendo o presidente de

honra da entidade, apesar de não ser mais o arcebispo do São Paulo em

exercício53.

O oitavo artigo, com seus três parágrafos, prevê a composição

administrativa, que deverá ser de quatro membros, ocupando os seguintes

postos: coordenação, vice-coordenação, secretaria e tesouraria. Esta

coordenação será eleita a cada dois anos e sua eleição deve ser confirmada

pelo Arcebispo Metropolitano de São Paulo. Os cargos de secretário e

tesoureiro podem ser remunerados, desde que sejam dedicadas 30 horas 51 O teor integral do Estatuto está no anexo 2A. 52 Como poderá ser observado, o CELS, entidade também analisada neste estudo, não limita o número de associados e nem de seus assessores técnicos. Atualmente, excluindo os sócios fundadores, o CELS conta com 75 associados, dos quais 10 pertencem ao staff da entidade. 53 Dom Paulo Evaristo é apresentado, nos documentos da entidade, como arcebispo emérito de São Paulo e Presidente de Honra do Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo.

61

semanais para as funções. Os que ocupam cargos de administração podem

ser destituídos a qualquer tempo, em assembléia, por deliberação de 2/3 dos

associados. Tanto a eleição como a destituição dos membros deve ser

comunicada ao Arcebispo Metropolitano e ao registro Público, para fins legais.

A competência da administração é definida entre os artigos 9º e 13º.

O artigo 14º versa sobre a participação dos funcionários no Conselho

Diretor. De acordo com este artigo, os funcionários escolherão um

representante para representá-los nas reuniões do Conselho Diretor e nas

assembléias gerais - ordinárias ou não.

“Parágrafo Único - O funcionário, assim escolhido, terá direito à voz nas Assembléias e voz e voto no Conselho Diretor, não podendo ser eleito para cargos da Diretoria”.

É interessante observar que está prevista a representatividade dos

funcionários nas decisões da entidade, mas também é vedada a sua

participação em cargos da diretoria..

Os artigos 15 a 17 estabelecem as competências do Conselho Diretor,

que é constituído pelo Presidente de honra da entidade, pelos administradores

e por quatro conselheiros e dois suplentes, escolhidos em Assembléia Geral,

devendo ser a escolha confirmada pelo Arcebispo Metropolitano. Cabe ao

Conselho acompanhar e avaliar o plano de trabalho da entidade, opinar sobre a

sua articulação com outras entidades e também sobre sua proposta de

orçamento. As reuniões ordinárias do Conselho ocorrem um vez por mês, e as

extraordinárias podem ser convocadas quando pelo menos 3 de seus membros

estiverem de acordo.

É interessante observar nos documentos da entidade que até a gestão

de 1985, o Conselho Diretor tinha apenas três conselheiros. A partir da gestão

seguinte, biênio 1987-1989, o Conselho Diretor esteve completo. A viúva de

Santo Dias, Ana Maria do Carmo e Silva foi conselheira da entidade por dois

62

mandatos: 1985-1987 e 1987-198954. Nas duas últimas gestões, a responsável

pelo departamento jurídico da entidade, Maria Beatriz Sinisgalli, passou a fazer

parte do Conselho Diretor como uma das suplentes dos conselheiros.

No 18º artigo ficam estabelecidas as funções da Assembléia Geral, a

saber: analisar o plano de atividade proposto para a entidade; estabelecer o

orçamento; e aprovar a prestação de contas da administração. A Assembléia

deve ser reunida pelo menos duas vezes ao ano, para reuniões ordinárias

convocadas pela Coordenador da entidade. As reuniões extraordinárias devem

ser solicitadas por pelo menos 1/3 de seus associados.

O Estatuto da entidade pode ser reformulado por uma proposta

apresentada por pelo menos dois associados, e sua alteração pode ser

realizada após aprovação de 2/3 dos associados, de acordo com o previsto no

artigo 19º.

Por fim, o artigo 20º versa sobre a dissolução da entidade, que pode ser

feita por deliberação dos associados, com a maioria de 2/3. Caso seja

aprovada a dissolução, todo os bens devem ser doados a uma entidade

congênere do Estado de São Paulo, indicada pela Assembléia.

Ë interessante observar que a entidade limita o número de sócios e de

assessores técnicos, e não estipula uma cota dos associados para a sua

manutenção. Outro aspecto curioso refere-se à participação de funcionários:

ainda que seja garantida a sua representação no Conselho Diretor da entidade,

conferindo-lhes o direito à voz e ao voto, restringe-lhes o direito de ser eleito

para a diretoria da entidade.

54 Anexo 2C.

63

2.1.4. Equipe

A equipe do Centro Santo Dias é composta pela Coordenação da

entidade, pelo Conselho Diretor e por um staff. Atualmente o staff do Centro

Santo Dias é composto por sete pessoas que se dividem em dois

departamentos: o administrativo e o jurídico. Compõem o departamento

administrativo: o secretário executivo da entidade, o secretário administrativo,

uma secretária geral e um jornalista. Pelo departamento jurídico respondem um

advogado e um estagiário.

Na opinião de seu secretário executivo, comparado com outras

entidades de direitos humanos, apesar da equipe reduzida, o Centro Santo

Dias “tem o mínimo. Nós temos o departamento jurídico, com dois

advogados, tem a Clara, que trabalha na parte da secretaria da entidade,

tem o Zé Carlos que faz a parte administrativa”.55

No início de seus trabalhos, o departamento jurídico já era formado por

nomes de peso na luta pelos direitos humanos. A entidade organizou um corpo

de advogados para atender às demandas, às queixas de violência policial.

Vamos dizer assim que a primeira equipe do Centro Santo Dias ela teve como

advogados o Luiz Eduardo Greenhalg e a sister Michael Nolan (...) o Mário

Simas participou do corpo de advogados do Centro Santo Dias, foi até em um

determinado momento um de seus presidentes, e a Beatriz Sinisgalli, que ainda

hoje está no Centro Santo Dias”.56

O departamento jurídico da entidade abriu espaço para muitas pessoas

atuarem não apenas nas entidades de direitos humanos, mas também em

outras instituições. Na opinião de um dos seus coordenadores, “ele contribuiu

para formar algumas gerações de pessoas militantes de direitos humanos.

Saíram pessoas, entraram outras, eu acho que deve ter passado pelo Santo

Dias uns 25, 30 advogados. que mesmo depois não tendo uma relação direta,

55 Entrevista realizada com João Frederico dos Santos, São Paulo, 29/04/2003. 56 Entrevista realizada com Hélio Bicudo, São Paulo, 15/04/2003.

64

mais direta com o Santo Dias, com direitos humanos, passar pelo Santo Dias, o

aprendizado em uma ONG de direitos humanos, em qualquer função que

esteja contribuiu para uma consciência crítica dessa pessoa sobre a questão

dos direitos humanos. (...)a contribuição para que membros do Santo Dias

viessem a atuar em outros organismos, não da sociedade civil e de direitos

humanos, foi a partir da prática da militância, conhecendo a realidade

próxima, convivendo com as famílias dos que sofreram violência, então eu

acho que esta marca foi fundamental para o Santo Dias”.57

Mas, nem sempre o departamento jurídico teve tão poucos advogados

como atualmente. “O centro chegou a ter de seis a oito advogados em seu

corpo jurídico, então a gente atuava, a história do centro é atuar como

assistente de acusação no tribunal de justiça militar estadual”.58 A redução

pode ser explicada, como já foi assinalado, pela criação de outros mecanismos

de controle da violência policial, como a Ouvidoria.

A equipe do Centro Santo Dias exibe um perfil muito mais militante do

que técnico, o de pessoas engajadas com a luta pelos direitos humanos e com

importante atuação na esfera política.

2.1.5. Financiamento

O Centro Santo Dias tem, basicamente, um único tipo de fonte de

recursos financeiros: instituições ligadas à Igreja Católica, de procedência

européia. Desde o início de suas atividades, a entidade contou com o amplo

apoio da Arquidiocese de São Paulo. “O Centro Santo Dias nasce com grande

apoio da Igreja aqui, da Arquidiocese de São Paulo, ele já nasce com um

aporte financeiro bom, porque é prioridade”.59 Dom Paulo, além de

incentivador, exerceu o papel de importante captador de recursos. “Precisava

ressaltar a figura de Dom Paulo nesta questão do Centro Santo Dias, foi ele

57 Entrevista realizada com Benedito Mariano, São Paulo, 03/04/2003. 58 Idem. 59 Entrevista realizada com João Frederico dos Santos, São Paulo, 29/04/2003.

65

que criou, ele que ajudou, ele que impulsionou, cada vez que a gente

precisava de dinheiro ele, a gente fazia um projeto devido, ele encaminhava

lá à Missão Franciscana da Alemanha, e o Centro Santo Dias viveu destes

fundos, até hoje vive deste fundos”.60

Desde o início das suas atividades, portanto, o Santo Dias recebe o

auxílio das entidades ligadas à Igreja. As duas principais agências

financiadoras da entidade são a Missionzentrale der Franziskaner da Alemanha

e a Misereor, entidade da Igreja Católica alemã.

“O Santo Dias teve nos seus 10 primeiros anos a ajuda da missão dos

franciscanos na Alemanha, depois com a agência Misereor, que ajuda

financeiramente o Santo Dias até hoje, e aí pontualmente alguns projetos de

instituições da Holanda, da Bélgica, mas quem mais acompanhou e deu

sustentação de ajuda financeira foram instituições da Alemanha, porque o

Dom Paulo era franciscano e então a missão dos franciscanos na Alemanha

teve um papel importante na ajuda do Santo Dias”.61

A Misereor doa ao Centro Santo Dias a quantia de € 250,000 (duzentos

e cinqüenta mil Euros), para um período de três anos. Este valor deve cobrir os

gastos de pessoal, assistência jurídica, além de publicações, seminários e

conferências.

Além da Missão Franciscana da Alemanha e da Misereor, o Centro

Santo Dias recebeu também o apoio financeiro de outras entidades bem

conhecidas na América Latina por financiar projetos relacionados à temática

dos direitos humanos, como a Novib, a Christian Aid, a Algemeen Diakonal

Bureau, entre outras. O centro não recebeu dinheiro de agências que, mesmo

apoiando projetos de direitos humanos, não tivessem relação com a Igreja. “As

nossas relações eram vinculadas a agências que tinham vinculação com a

Igreja diretamente: NOVIB, Missão dos Franciscanos, a Misereor - que não é da

Igreja, mas tem uma relação também com a Igreja -, a CESE, que era uma

60 Entrevista realizada com Hélio Bicudo, São Paulo, 15/04/2003. 61 Entrevista realizada com Benedito Mariano, São Paulo, 03/04/2003.

66

instituição criada aqui pelo pastor Jaime Wright - da qual participavam a

CNBB e várias Igrejas evangélicas, e ela centralizava o apoio de instituições

vinculadas à Igreja, seja ela a Igreja Católica ou Igreja evangélica e

protestante. Então também tivemos ajuda em um determinado momento da

CESE”.

No ano de 2001, o Centro Santo Dias recebeu um apoio pontual da

Secretaria de Estado dos Direitos Humanos (SEDH), para realizar dois projetos

específicos: a reedição do jornal Partilha, principal veículo de comunicação da

entidade, e uma pesquisa sobre o suicídio na Polícia Militar.

Exceção feita à verba destinada à entidade pela SEDH, o financiamento

é destinado a fundo perdido, permitindo que centro desenvolva suas atividades

sem nenhum tipo de ingerência política.

* * *

A história do Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de

São Paulo difere da trajetória da maior parte das entidades de direitos

humanos que surgiram na América Latina durante os anos 1970, porque, de

acordo com Mainwaring & Viola (1985:62), estas foram criadas “bajo a un

régimen en el cual el derecho a la vida estaba determinado por el Estado. Las

asociaciones de derechos humanos rechazaban el terror impuesto y

consideraban este derecho a la vida como un derecho absoluto”.

O Centro Santo Dias, enquanto um movimento de direitos humanos

ligado à Igreja com forte inspiração nas comunidades eclesiais de base,

também destacou o direito à vida, mas desde “una perspectiva diferente, pues

lo centra principalmente en las necesidades socioeconómicas, en la protección

contra la brutalidad de la policía, que ha sido tan común en Brasil, y en el

derecho al empleo” (Mainwaring & Viola, 1985:62).

CAPÍTULO 3 - CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES - ARGENTINA

O Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS) é uma organização não governamental destinada à promoção e defesa dos direitos humanos e à consolidação da democracia na Argentina.

3.1 - O QUE É E O QUE FAZ O CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES

3.1.1. Histórico1

A história do CELS pode ser dividida em duas fases: 1) durante os anos mais repressivos da ditadura militar - denominado años fundacionales -; e 2) após a reinstauração do governo democrático - da transição democrática à atualidade -, quando o centro amplia seu mandato inicial de “oposición a la violencia de un poder impuesto por las armas”, preocupando-se também em “trabajar sobre las violaciones a los derechos humanos inherentes a la democracia argentina actual” (CELS, 1996).

Ainda sob o governo militar, o CELS recebeu, no ano de 1983, o prêmio Letelier Moffit de direitos humanos. Já no governo democrático, a entidade recebeu dois outros prêmios, em reconhecimento ao seu trabalho pela defesa e promoção dos direitos humanos: The Roger E. Joseph Prize e The Human Rights Prize of the Lawyers Committee for Human Rights2.

A - Años fundacionales

O CELS foi fundado no ano de 1979, mas seu reconhecimento legal se deu no ano de 1985, após a reinstauração das instituições democráticas na Argentina.

1 Este item está baseado nas entrevistas realizadas com membros do CELS, em material disponível no site www.cels.org.ar e em documentos, publicações, informes e boletins da própria entidade. 2 Sobre estes prêmios, vide anexo 3A.

68

Entre 1978 e 1979, o CELS inicia seus trabalhos, constituindo-se como uma resposta da sociedade civil argentina aos abusos cometidos pelo Estado.

Surge como “desprendimiento de un grupo de personas de familiares de

desaparecidos que estaban en un organismo que es la Asamblea Permanente

por los Derechos Humanos. (...) Y deciden formar el CELS básicamente para

realizar algunos tipos de acciones que ellos creían no podrían ser realizadas

desde la Asamblea Permanente. (...) Se pensaba que era necesario tener un

trabajo legal mucho más sistemático, de presentación de habeas corpus y al

mismo tiempo de denunciar la estructura, el esqueleto del terrorismo del

Estado”.3

No início, suas atividades estavam direcionadas à defesa da pessoa humana em oposição à violência do poder imposto pelas armas. Durante o período da ditadura militar (1976-1983), suas atividades centraram-se na documentação do terrorismo do Estado e na assistência legal e social às vítimas da repressão, especialmente aos detidos-desaparecidos e seus familiares4.

Neste momento, as atividades do CELS estavam sustentadas por três pilares: 1) criação de uma área de documentação, que incluía pesquisas e estudos que permitiam traçar os padrões das violações cometidas pela ditadura; 2) persecução judicial individual, que impulsionou investigações que tinham por objetivo acumular provas contra os responsáveis pelos abusos cometidos; e 3) mobilização da opinião pública e organização de uma rede de

3 Entrevista realizada com Victor Abramovich, diretor executivo do CELS, Buenos Aires, 20/09/2002. 4 “When they kidnapped my daughter, I didn’t know anything about Amnesty International, or Inter-American Comission on Human Rights, or the United Nations. We began to learn about these organizations through people in Argentina that had an international vision, like Emilio Mignone. He told us ‘you have to petition the OAS, you need send letter to Amnesty (...)”. Estela Barnes Carlotto - Madres de Plaza de Mayo. (Trecho de entrevista publicada no livro “Activists beyond borders”, de Margareth Keck e Kathryn Sikkink). Emilio Mignone foi um dos fundadores do CELS e seu presidente até a sua morte, em dezembro de 1998. Para a antropóloga Sofía Tiscórnia, ex-coordenadora do Programa de Violência Institucional do CELS, foi Emilio Mignone “quién dió, en buena medida, al CELS el perfil adquirido durante tantos años (...) el CELS fue la obra de Emilio Mignone’. (Entrevista concedida para este estudo, Buenos Aires 18/09/2002).

69

solidariedade internacional. Este último, mais do que uma estratégia, pode ser considerado como uma necessidade, posto que todas as instâncias de mediação de conflitos sociais e ações políticas fora do Estado estavam suprimidas pela ditadura e sujeitas às mais severas sanções físicas.

No ano de 1979, várias organizações internacionais de direitos humanos visitaram a Argentina. Uma destas organizações foi a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH)5.

Naquele momento, a ditadura militar argentina encontrava-se na sua segunda etapa, que - segundo Acuña & Smulovitz (1996) - tinha por objetivo “el diseño del orden político futuro”. Ainda de acordo com os autores, a Junta acreditava ter alcançado a vitória, mas necessitava que os setores civis aprovassem o que havia sido cometido até o momento e que firmassem um compromisso de não revisão do passado. A visita da CIDH serviria para amenizar a política repressiva do governo militar e conseguir o apoio da sociedade. “Desde la perspectiva gubernamental, la visita de la Comisión debía servir para mostrar que la represión había sido producto de una ‘guerra’ necesaria y ‘acotada’ que ya había terminado” (Acuña & Smulovitz, 1996:28). O relatório da CIDH, entretanto, não teve o mesmo teor esperado pela Junta e seu informe foi proibido pelo governo militar6. O CELS colaborou com a CIDH fornecendo dados e também distribuindo, clandestinamente, seu informe para que a realidade sobre a ditadura fosse conhecida internamente e a atividade dos movimentos de direitos humanos fosse legitimada pela sociedade.

Além da CIDH, neste mesmo ano o CELS colaborou com outros organismos internacionais de direitos humanos durante suas visitas à Argentina7. A colaboração nestas missões foi decisiva para o fortalecimento, a

5 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) foi estabelecida em 1959 e fortalecida no ano de 1979, quando a Convenção Americana de Direitos Humanos entrou em vigor. 6 A CIDH tornou-se mais ativa na promoção dos direitos humanos no Cone Sul a partir do seu relatório sobre a situação dos direitos humanos na Argentina (Cf. Keck & Sikkink, 1998, p.97). 7 The Association of the Bar of the City of New York e The Lawyers Committee for Human Rights, no ano de 1979, e o Center of Legal and Social Research, em 1980.

70

projeção internacional e o sustento posterior do CELS.

No ano de 1981, ainda buscando o apoio da comunidade internacional, uma vez que internamente não havia o apoio da Igreja ou de partidos políticos8, Augusto Conte e Emilio Mignone, ambos advogados e fundadores do CELS, apresentaram, em um colóquio realizado na França9, o documento “Les déclarations abusives de disparitions, instrument d’une politique”. O documento ficou bastante conhecido na Argentina como La doctrina del paralelismo global.

O documento é o resultado de um trabalho de investigação10 desenvolvido pelo CELS, no qual é feita “descripción de la estructura del

Estado paralelo, que funciona con reglas distintas del Estado que se presenta,

un Estado este clandestino que tiene prácticas sistemáticas. El CELS se

empieza a describir esto y a denunciar, primer a tratar de sistematizar la

práctica de desaparición forzada después a tratar de identificar los elementos

que identifican la práctica sistemática de violación. O sea, estos non son

hechos aislados y no hay grupo que trabaja con independencia del comando

y de las autoridades, sino que hay un plan sistemático de represión que incluye

la desaparición, la tortura, la persecución de dirigentes sociales, la apropiación

de chicos, y centros clandestinos de detención, todo esto. Empieza con esta

descripción y luego empieza un trabajo muy sistemático de utilización de

instancias internacionales. De instancias políticas pero también de estancias

de protección para los derechos humanos. Y ahí Emilio Mignone y Augusto

Conte, pero sobretodo Emilio, realizan un trabajo muy estratégico de lograr

aliados claves en Estados Unidos, en Europa, al nivel de partidos políticos, de

referentes sociales, de referentes religiosos y empieza a generar una campaña

8 Cf. Mignone, E. (1996). Argentina: los desafíos del fin de siglo e Mignone, E. (1991). Derechos Humanos y Sociedad: el caso argentino. 9 O colóquio “A política de desaparições forçadas de pessoas” ocorreu nos dias 31 de janeiro e 1º de fevereiro de 1981 na cidade de Paris. 10 A análise detalhada deste documento não é o objetivo deste trabalho, mas sua citação é imprescindível uma vez que ele inaugura os programas de investigação e documentação do CELS e que são estes programas que auxiliarão as demais atividades da entidade.

71

de esclarecimiento de lo que estaba pasando en la dictadura, no”.11

Este trabalho obteve bastante repercussão na imprensa européia. Um mês mais tarde, o escritório do CELS foi invadido por agentes das FFAA e os seus diretores detidos sob a acusação de possuir informação militar secreta. Tal acusação não pôde ser comprovada, porque o documento apresentado havia sido elaborado a partir de uma criteriosa investigação sobre o método repressivo das FFAA, que teve como fonte “testimonios, indicios y deducciones lógicas” (www.cels.org.ar).

Nos anos seguintes, antes da reinstauração do governo democrático, o CELS deu continuidade ao seu trabalho de defesa das vítimas e familiares do regime militar, denunciando as FFAA por crimes de lesa humanidade e por sua cooperação com países vizinhos.

Em paralelo a este trabalho de denúncias, o CELS reforça o seu lado de centro de pesquisa, aprofundando a coleta de dados sobre violações de direitos humanos, a elaboração e difusão de informes e a assistência a outras organizações civis.

B - Da transição democrática à atualidade

Com a reinstauração da democracia, em dezembro de 1983, os abusos praticados contra os opositores políticos desapareceram. A transição ao regime constitucional colocou ao CELS novos desafios. Em um primeiro momento, colaborou intensamente com a Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas (CONADEP)12 e com a Câmara Nacional de Apelações, levando a juízo os responsáveis pelas juntas militares e os ex-chefes de polícia da província e da cidade de Buenos Aires. Tanto a CONADEP como a Câmara contaram com informações contidas nos arquivos do CELS, que participou também na busca de testemunhas para os processos judiciais contra os membros das FFAA e da polícia argentinas.

11 Entrevista realizada com Victor Abramovich, Buenos Aires, 20/09/2002.

72

Além de auxiliar estes organismos, o CELS patrocinou cerca de 700 dos 2000 processos penais contra aqueles acusados de cometer crimes durante a repressão militar, fossem eles das FFAA, fossem policiais ou civis que colaboraram com o regime.

O trabalho de denúncia das violações de direitos humanos cometidas pela ditadura argentina, realizado pelo CELS ante os tribunais locais, foi interrompido devido às leis de Punto Final (24/12/1986) e de Obediencia Debida (8/6/1987) - promovidas pelo governo de Raúl Alfonsín - e aos indultos para os processos em andamento (6/10/1989) e para os condenados das Juntas (28/12/1990) - ambos decretados pelo presidente Carlos Menem13. O CELS entrou, em todos os casos, com uma ação de inconstitucionalidade, porém não obteve êxito e teve de suspender, temporariamente, esta atividade.

“El CELS fue quién presentó más causas a la justicia de las juntas, etc,

etc. Pero, luego de las leyes de punto final y de obediencia debida, comienza

una época en el CELS en que la procuración de las causas que habían sido su

actividad fundamental comienza a normar bastante, pero por otro lado

estamos en la democracia y era muy claro que la democracia planteaba

otros problemas”.14

Tendo como cenário um governo constitucional que, por si só, não garante o respeito aos direitos humanos, o CELS mantém sua linha de trabalho preocupando-se também com as novas modalidades de violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado. Para eleger os casos que serão acompanhados nesta nova fase, a “condición sine qua non es que se trate de violaciones significativas y que sean demostrativa de un patrón institucional contrario a la vigencia de los derechos fundamentales de modo que su tratamiento legal pueda implementar alternativas que tiendan a resolver nuevos problemas que afectan a amplios sectores sociales” (CELS, 1996).

12 A CONADEP foi constituída em 1983. 13 Cf. Acuña & Smulovitz (1996) e Fiss (1999). 14 Entrevista realizada com Sofía Tiscórnia, Buenos Aires, 18/09/2002.

73

“Dentro estos otros problemas que se planteaban y que el CELS

comienza a pensar y que toma en los puños era de la violencia policial. (...) Y

esto sucede porque comienza a llegar al CELS una serie de denuncias sobre

ejecuciones policiales o enfrentamientos, de gente de sectores pobres. Era un

momento mucho auge de los derechos humanos, donde el tema de los

derechos humanos tenia mucha aceptación social y esto hace también que

gente que habitualmente no llegara a este tipo de organismo comienza a

presentar denuncias. (...) toma estas causas y lo que rápidamente se da

cuenta es que el patrón de estas causas, o sea, que la violencia policial

funcionaba de manera muy similar a los hechos ocurridos durante la

dictadura”.15

Desta forma, ao perceber que havia padrões semelhantes entre as mortes e desaparecimentos da ditadura e as mortes por violência policial, no governo constitucional, a equipe do CELS - que antes trabalhava apenas com as causas relacionadas à ditadura militar - começa “a trabajar y a hacer una

investigación completa sobre estos casos que consistía por una parte llevar las

causas y por otra hacer una investigación más sociológica o antropológica en

estos casos”. No desenvolvimento desta atividade, a equipe observou que “con

estos chicos de las clases pobres está ocurriendo exactamente lo mismo,

como procedimiento, a lo que ocurría durante la dictadura”.16

Para o atual diretor executivo do CELS, “el tema de la violencia policial

es uno de los primeros temas en el que el CELS empieza a trabajar [depois da

ditadura]. Creo que esto es un primer quiebre respecto a los que siguen,

sobretodo los organismos de victimas, que siguen muy atados a la agenda de

derechos humanos relacionado a la dictadura. Un primer quiebre es este en la

agenda, que es el tema de la violencia policial”.17

Pode-se dizer que o primeiro novo desafio do CELS - trabalhar com os 15 Entrevista realizada com Sofía Tiscórnia, Buenos Aires, 18/09/2002. 16 Idem. 17 Entrevista realizada com Victor Abramovich, Buenos Aires, 20/09/2002.

74

casos de violência policial, desde a investigação até persecução criminal - foi também seu primeiro novo obstáculo enquanto entidade de defesa dos direitos humanos. Este obstáculo apresenta-se não apenas em relação à sociedade argentina, mas, principalmente, em relação aos próprios organismos de direitos

humanos: “sin duda que defender que un organismo de derechos humanos

defienda a este otro sector social no fue sencillo. (...) Y digo que no le fue

sencillo porque buena parte del mundo de los derechos humanos, de los

organismos de los derechos humanos y los familiares, lo que planteaban era

que no se podía confundir a los desaparecidos, los presos políticos con los

supuestos delincuentes. O sea, que hacerlo significaba confundir las banderas

de luchas”.18

Uma das estratégias adotadas para romper este obstáculo foi mostrar, por intermédio de pesquisas, que a violência policial era uma herança da ditadura e dos padrões das violações ocorridas durante aquele período, no qual não havia o devido processo para aqueles que eram acusados de romper as

normas estabelecidas. “De alguna manera, creo que este programa, esta

investigación que se inicia en el CELS contribuyó, en buena medida, que luego

el tema sea considerado un tema de continuación de la dictadura. Pero no

fue una tarea sencilla, no fueron años fáciles, dentro de los organismos y en el

mundo y en el ámbito de los derechos humanos”.19

O trabalho de pesquisa sobre os padrões da violência policial, desenvolvido pelo CELS, foi um importante instrumento não apenas para traçar o perfil da violência policial naquele país, mas também para fundamentar as causas judiciais patrocinadas pela entidade. Algumas causas foram representadas nos tribunais argentinos e outras levadas também à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Na avaliação de Sofía Tiscórnia, este

trabalho sustentado cientificamente faz com que o CELS “junto con otros

organismos, no tanto derechos humanos, sino organizaciones civiles o

18 Entrevista realizada com Sofía Tiscórnia, Buenos Aires, 18/09/2002. 19 Entrevista realizada com Sofía Tiscórnia, Buenos Aires, 18/09/2002.

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agrupaciones de familiares de víctimas de violencia policial - que no tienen

antecedentes en los organismos de derechos humanos, sino que son

movimientos sociales a parte - logren presentar el tema ante la sociedad y,

bueno, además todos los otros temas vinculados con esto, que están muy

relacionados como: la impugnación de los delitos policiales, de las

detenciones policiales. (...) En función de esto, comenzamos a trabajar sobre

los delitos policiales. (...) Ora, como eran parte del mondo policial, no eran

conocidos pelos jueces, por los tribunales y mucho menos por la sociedad.

Entonces una de las tareas fue plantear como se construía la violencia a partir

de estos reglamentos de poca jerarquía jurídica. (...) todo esto, yo diría, hasta

los años 90 que es toda una época en que el tema de los derechos humanos

forma parte de una agenda publica y que muchos organismos tienen

posibilidades y capacidad de plantear temas de agenda y de discutir algunos

temas de agenda en la agencia pública”.

O tema da violência policial correspondia às novas responsabilidades assumidas pelo CELS no contexto democrático. Neste caso, a atuação da

entidade “no era solamente la denuncia de las muertes, de las torturas -

porque pensábamos que la denuncia, de alguna manera, se queda en la

denuncia, siempre se puede denunciar, pelear - sino trabajar sobre los

reglamentos, los dispositivos policiales más cotidianos, diría Foucault, más

capilares”.20. Ao atuar desta forma, o CELS parece cumprir seu mandato sobre

as violações de direitos humanos inerentes à democracia: “en este marco, el organismo se orienta claramente a conseguir cambios y mejoras en el funcionamiento de las instituciones estatales; así como a incidir en el debate público desde la óptica de los derechos humanos” (CELS, 1996).

Paralelamente a este trabalho com o tema da violência policial, o CELS inicia uma nova atividade, ampliando mais um pouco o seu espectro de atuação: a defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais21. A sua atuação

20 Entrevista realizada com Sofía Tiscórnia, Buenos Aires, 18/09/2002.. 21 O termo direitos humanos foi interpretado, na maior parte das vezes, como direitos civis (direito à vida, à liberdade) e políticos. Apenas recentemente a terceira geração de direitos - da

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em defesa dos DESC, como é conhecido este conjunto de direitos, não interrompe o seu trabalho em relação aos direitos civis e políticos. É uma adaptação de suas atividades às novas demandas sociais, trazidas pela atual ordem constitucional argentina. Neste âmbito, o CELS utiliza na defesa dos DESC a mesma estratégia de atuação com a qual vinha defendendo os direitos civis e políticos dos cidadãos argentinos: pesquisa, representação judicial e/ou administrativa, denúncia, debate público e produção literária.

Para finalizar, o CELS trabalha com todas as formas de violações que ocorrem na democracia, constituindo-se como temas prioritários: a violência institucional, o acesso à justiça, o acesso à informação, a liberdade de expressão, a discriminação, a situação dos imigrantes e a exigência dos direitos econômicos, sociais e culturais. Apesar de ter ampliado o seu leque de atuação, o CELS continua com “la tarea de mantener viva la memoria del pasado y la lucha contra la impunidad de los crímenes cometidos por la dictadura militar” (www.cels.org.ar).

3.1.2. Programas e Atividades

Para cumprir seu principal objetivo - que é o de melhorar, por meio de mudanças, o funcionamento das instituições estatais, assim como trazer para o debate público o tema “direitos humanos” - o CELS tem três programas institucionais, que versam sobre temas específicos, e desenvolve uma série de atividades gerais, que se inter-relacionam.

A - Programas

Há três programas específicos sendo desenvolvidos no CELS que retratam a sua trajetória. São eles: 1) Memoria y Lucha contra la Impunidad del Terrorismo del Estado; 2) Violencia Institucional y Seguridad Ciudadana; e 3)

qual fazem parte os DESC - tem sido considerada como pertencente ao rol dos direitos humanos.

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Derechos Económicos, Sociales y Culturales.

Cada um dos programas conta com projetos, pesquisas, documentos, publicações e casos do programa, que são casos exemplares, cujos processos judiciais - em âmbito nacional ou internacional - estão sendo acompanhados pela entidade. Estas atividades estão intrinsecamente relacionadas, posto que: as pesquisas alimentam os projetos, resultando em documentos e publicações que, por sua vez, vão servir de base para o acompanhamento dos casos do programa e para alimentar o debate público.

MEMORIA Y LUCHA CONTRA LA IMPUNIDAD DEL TERRORISMO DEL ESTADO

Considerado como o eixo fundador do CELS, este programa traduz-se na luta pela justiça e pela memória das violações de direitos humanos. Tem três objetivos fundamentais: a) estimular novas estratégias na luta contra a impunidade dos crimes ocorridos na última ditadura argentina; b) promover uma cultura de respeito aos direitos humanos, por intermédio da reconstrução histórica dos casos de violações e preservação da memória; e c) reparar as vítimas de violações de direitos humanos durante o período da ditadura.

Para atingir estes objetivos, o programa realiza uma série de atividades, que vão muito além da simples persecução criminal dos responsáveis pelas violações22. A luta pela justiça passa também pelo reconhecimento e efetividade do direito à verdade23, através de ações de caráter judicial e legislativo. Como resultado deste trabalho, o CELS impulsionou importante jurisprudência sobre este direito, em âmbito nacional e internacional.

Outra importante atividade, além destas ações, são os pedidos de impugnação de “ascensos en la jerarquía militar, propuestos por el Poder Ejecutivo Nacional, de aquellos miembros de las fuerzas que hayan tenido 22 A persecução criminal dos responsáveis por violações de direitos humanos ficou suspensa durante um período, em decorrência das leis de Punto Final e Obediencia Debida. 23 O direito à verdade é a principal bandeira do movimento de direitos humanos argentino. Consiste em obrigar, por meio de decisão judicial, que as forças armadas e de segurança informem aos familiares dos detidos-desaparecidos durante a ditadura a verdade sobre os fatos: paradeiro dos corpos, circunstâncias da morte etc.

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probada participación en violaciones a los derechos humanos”. O objetivo destas impugnações é o de promover a “depuración de las fuerzas armadas y de seguridad”24. Estes pedidos de impugnação da promoção destes militares e policiais são fundamentados nas informações existentes na área de documentação - um dos pilares centrais da entidade (www.cels.org.ar).

Um dos resultados mais positivos deste programa foi ter conseguido, internamente, a anulação das leis de Punto Final e de Obediência Debida. Com a revogação das leis, os casos que foram por elas suspensos podem ser novamente reativados. É importante ressaltar, no entanto, que a persecução criminal dos casos havia sido interrompida apenas na Argentina. A entidade continuou acompanhando os processos que estavam em andamento em tribunais estrangeiros, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

VIOLENCIA INSTITUCIONAL Y SEGURIDAD CIUDADANA

O programa foi organizado, no início dos anos 90, para responder aos problemas que estavam sendo colocados pela democracia. Seus principais objetivos são: 1) “revertir los sistemáticos abusos y violaciones a los derechos humanos provocados por las fuerzas de seguridad”; e 2) “contrarrestar los discursos y políticas que sostienen que las vías para garantizar la seguridad de los habitantes son incompatibles con el respeto de los derechos fundamentales”.25

A principal atividade deste programa, que é uma continuidade da atividade desenvolvida nos primórdios da entidade, é o litígio das causas judiciais em casos de violência policial. Estas causas são apresentadas pela entidade nos tribunais locais e também nas instâncias internacionais de proteção e defesa dos direitos humanos. Esta atuação, para além de responsabilizar os culpados pelas violações, pretende incutir o respeito aos direitos humanos por parte das forças de segurança.

24 Até o ano de 1998, a entidade havia conseguido impugnar sete de oito indicações de promoção de tenentes coronéis. Cf. Boletín CELS, año 10, número 42 , julio/agosto 1998.

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O programa mantém uma base de dados sobre a violência policial que permite monitorar as violações de direitos humanos perpetradas pela polícia; analisar o fenômeno da violência policial a partir de diferentes perspectivas e propor alternativas para sua solução. A base de dados serve para fornecer os números da violência policial na Argentina, que são divulgados nos informes anuais da entidade, e para auxiliar na escolha dos leading cases que serão representados judicialmente.

Além dos informes anuais, o programa produz uma série de documentos e publicações sobre o tema da violência policial, alguns desenvolvidos a partir de pesquisas realizadas em parceria com diversas instituições nacionais e internacionais26. Organiza e participa de seminários sobre a questão da violência policial, visando fomentar o debate público e a melhoria das instituições responsáveis pelo controle e repressão da criminalidade.

Estão sendo desenvolvidos, atualmente, por este programa vários projetos, alguns diretamente relacionados com a questão da violência policial e outros relacionados ao sistema prisional. É importante ressaltar que apesar de haver uma maior ênfase no tema violência policial, o programa aborda a violência institucional de uma forma mais ampla, discutindo políticas de segurança pública, o controle civil dos organismos de segurança e outros temas correlatos.

DERECHOS ECONÓMICOS, SOCIALES Y CULTURALES

O programa Derechos Económicos, Sociales y Culturales inaugura a terceira fase do CELS, com a qual - junto com as duas anteriores - se esboça o novo perfil da entidade. Na palavras de Victor Abramovich, o CELS teve dois momentos de mudança desde sua fundação. O primeiro foi quando a entidade

25 www.cels.org.ar 26 Dentre as instituições internacionais, merecem destaque os trabalhos desenvolvidos com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, com o Human Rights Watch – um importante organismo de defesa e promoção dos direitos humanos – e com o Vera Institute of Justice of New York.

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adotou o tema da violência policial como um de seus temas e o segundo quando passa a se debruçar na temática dos direitos econômicos, sociais e culturais.

“Y al mismo tiempo se empieza a ampliar la agenda de derechos

humanos con el tema que implica en violaciones de derechos humanos y

democracia. Uno de estos temas es el tema de la violencia policial (...). Un

primer quiebre es este en la agenda (...). E por ahí, el segundo quiebre sale un

segundo tema importante en los mediados de los 90, es el tema de los

derechos sociales económicos y culturales. Son como los dos temas además

de la dictadura”.27

Organizado no ano de 1987, quando há uma visível expansão nos níveis de pobreza e miséria na Argentina devido às políticas de ajuste econômico adotadas pelo governo federal, este programa surge “como una manera de enfrentar la degradación de los derechos sociales, generar mayor conciencia acerca de su exigibilidad y su carácter de verdaderos derechos y desvirtuar la visión que los percibe como expresiones de deseo o concesiones graciosas del Estado desprovistas de todo contenido justiciable”.28

O objetivo principal do programa é o de ampliar o conhecimento da sociedade sobre os mecanismos legais que podem ser acionados para que os DESC sejam garantidos. O programa pretende influenciar na formulação e na gestão de políticas públicas, bem como analisar seu impacto em favor das populações mais marginalizadas da sociedade argentina, em especial os imigrantes, os povos indígenas e os setores mais populares.

Tal qual os outros programas dois programas, este também denuncia as violações de direitos econômicos, sociais e culturais, acompanhando judicialmente estes casos, quando necessário, nos tribunais nacionais ou internacionais. Atualmente, peticiona na CIDH casos de violações de direitos à saúde, ao trabalho e à previdência, e às minorias - índios e imigrantes. O 27 Entrevista realizada com Victor Abramovich, Buenos Aires, 20/09/2002. 28 www.cels.org.br

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acompanhamento judicial dos casos tem por objetivo - além da reparação do Estado às vítimas da violação - difundir as normas e os mecanismos legais que podem ser utilizados para exigir que tais direitos sejam garantidos pelo Estado e criar jurisprudência sobre este tema.

O programa DESC desenvolve pesquisas sobre os padrões adotados internacionalmente em relação ao tema; sobre casos e experiências na América Latina da exigibilidade29 destes direitos; sobre acesso à justiça e outros temas pertinentes. Além disto, organiza oficinas e seminários com a finalidade de divulgar os resultados das pesquisas, fomentar o debate público e apresentar propostas que possam integrar políticas públicas que visem a efetivação deste conjunto de direitos.

Estas são as três linhas de atuação e pesquisa do CELS. Em cada um destes programas são desenvolvidas atividades bastante específicas, mas o que eles têm em comum são os litígios dos casos, patrocinados pela entidade ante os tribunais locais ou internacionais. Esta atividade é o foco principal de atuação do CELS. Pode-se afirmar que é a linha mestra do mandato desta entidade.

B - Atividades

As atividades desenvolvidas pelo CELS são: litígio e assistência legal; pesquisa; documentação; capacitação profissional; assistência psicológica a vítimas e familiares dos abusos do Estado; e comunicação e disseminação. Estas atividades estão inter-relacionadas e auxiliam o desenvolvimento dos programas específicos.

LITÍGIO E ASSISTÊNCIA LEGAL

O litígio e a assistência legal constituem-se, juntamente com a pesquisa

29 A exigibilidade é a “qualidade de exigível’, que, em termos jurídicos, significa a “obrigação que, vencida e não prescrita, pode ser reclamada imediatamente em juízo” (Dicionário Aurélio, Século XXI, versão 3.0, Editora Nova Fronteira – versão eletrônica)

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e a documentação, como atividades pioneiras do CELS. Durante a ditadura e na transição democrática, a maioria dos casos de violações de direitos humanos que chegavam ao CELS eram representados, pela entidade, perante os tribunais argentinos ou às instâncias internacionais - como a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Atualmente, o CELS está trabalhado com leading cases, ou seja, aqueles casos exemplares de violações que possam gerar um debate público e influenciar mudanças políticas e institucionais. Além disso, os leading cases servem como parâmetro para a aplicação dos instrumentos internacionais de direitos humanos em âmbito nacional.

O momento da mudança não é possível precisar, por não haver, nos documentos da entidade, nenhuma referência explícita a ele. O atual diretor executivo do CELS afirma que esta mudança se deu quando a entidade incorporou a problemática da violência policial.

“Por el tema de la dictadura, o sea, el CELS lo que hacia era tomar

todas las causas de las victima que venían al CELS para que la tomaran, o sea,

todo lo que traían de la dictadura el CELS se llevaba, tenían que tener... las

causas que tenían era enormes. (...) Después en el trabajo en la violencia

policial si trabajaban causas con otra lógica: las causas sirven prácticamente

para mostrar patrones de comportamiento de la policía, para mostrar temas

concretos. La causa es parte de la estrategia de documentación de violación,

de análisis política”.

A antropóloga Sofía Tiscórnia30, que foi diretora do Programa Violência Institucional, acredita que a mudança se deu em um outro momento, quando se organizou o programa Violencia Institucional y Seguridad Ciudadana, mais exatamente no início dos anos de 1990.

30 Sofía Tiscórnia fazia parte da equipe jurídica do CELS, juntamente com a advogada Alicia Oliveira. Neste momento, no início da redemocratização no país, ambas começam a investigar o problema da violência policial. Todos as casos de violência policial que chegavam ao conhecimento do CELS eram representados judicialmente até que se criou o Programa Violencia Institucional y Seguridad Ciudadana.

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“El CELS comenzó llevando causas de violencia policial mientras estuvo

Alicia Oliveira y unos años después también. Pero, este... la idea en algunos

momentos fue llevar todas las denuncias que se presentaran, que llegaran. Se

tuvieran buenas sentencias, se perdieron muchas, por supuesto, y después

hubo un período en que la decisión fue tomar algunos casos líderes, o sea, de

demostrar esta metodología y trabajar a otro nivel”.

O que é importante ressaltar aqui não é o momento da mudança, mas qual é o valor desta mudança na atuação da entidade.

“Estamos como una cosa intermedia, porque se viene no tomamos

todo lo que viene, no podemos tomarlo, nosotros mismo generamos asistencia

jurídica, hacemos asistencia y orientamos, pero no tomamos las causas.

Seguimos siendo selectivos y creo que es como un cambio, no tanto solo en el

tema de lograr aplicación del tratado de derechos humanos en si mismo, creo

que hay mucho trabajo hecho, apuntamos más que nada el tema de los

problemas institucionales o de control de política desde las causas”.31

Ao adotar, como estratégia de atuação, os leading cases em detrimento de todos os casos de violações de direitos humanos, o trabalho na área jurídica preocupa-se mais com o fortalecimento do sistema de justiça e das questões voltadas para a proteção e promoção dos direitos humanos. Em outras palavras: os casos representados pela entidade envolvem interesses coletivos e não mais interesses individuais.

PESQUISA

Esta atividade tem por objetivos a avaliação da situação dos direitos humanos na Argentina e a proposição, aos órgãos responsáveis, de soluções eficazes para a melhoria de políticas públicas que visem a erradicação das violações de direitos humanos. É desenvolvida por uma equipe multidisciplinar, composta de jornalistas, antropólogos e advogados.

31 Entrevista realizada com Victor Abramovich, Buenos Aires, 20/09/2002.

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A investigação constitui-se num dos eixos fundadores da entidade e serve não apenas como fonte de informação para os programas e outras atividades, mas tendo também a função de apresentar à sociedade e aos órgãos públicos argentinos a situação dos direitos humanos naquele país, analisando as falências destes órgãos e propondo alternativas para a melhoria das condições de vida daqueles segmentos que têm seus direitos violados.

Tal qual as atividades de Litigio y Asistencia Legal, a área de pesquisa sofreu uma mudança desde a fundação da entidade, pois vem trabalhando com

o governo federal, “realizando algunos tratos de investigación con áreas del

Estado, intercambiando información, generando seminarios en parceria con

organismos públicos, generando vínculos de colaboración de asesoramiento

en algunos temas, teniendo instancias de diálogos con funcionarios, o sea,

formas de relacionarse con el Estado que ya no son directas a las que traía la

dictadura y que van marcando un parte del CELS”.32

O CELS, no desenvolvimento desta atividade, mantém convênios com centros de pesquisa, entidades de defesa dos direitos humanos e universidades argentinas. Este diálogo é considerado como uma importante forma de fomentar a troca de conhecimentos e de experiências.

DOCUMENTAÇÃO

A documentação forma, em conjunto com a investigação e a pesquisa, um dos três pilares mestres do CELS. Organizada desde o início da entidade, tinha por objetivo principal documentar todas as violações de direitos humanos perpetradas pelas FFAA contra os dissidentes políticos, além de informar às comunidades nacional, regional e internacional os acontecimentos daquele período.

Esta atividade do CELS foi criada para fornecer, aos advogados que representavam as vítimas da ditadura e seus familiares, os elementos necessários para impetrar causas judiciais. Após a ditadura, a área da 32 Entrevista realizada com Victor Abramovich, Buenos Aires, 20/09/2002.

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documentação do CELS passou a prover subsídios aos casos de violência policial e aos casos de violações de direitos econômicos, sociais e culturais, que, assim como os casos de mortes e/ou desaparecimento da ditadura, são representados judicialmente pelo CELS.

A área de documentação está dividida em cinco linhas: 1) documentos históricos; 2) videoteca; 3) biblioteca; 4) projetos; e 5) arquivo de jornais.

Os documentos históricos referem-se ao trabalho desenvolvido pela entidade no período da ditadura militar, mais especificamente entre os anos de 1979 a 1982. As publicações, que incluem a série Documentos Históricos, resultam de pesquisas desenvolvidas durante aquele período e colocam em evidência a responsabilidade das FFAA nos crimes cometidos na Argentina, bem como a sua colaboração com os países vizinhos. Fazem parte destes documentos históricos, entre outros: Doctrina del Paralelismo Global e Informe sobre la Situación de los Derechos Humanos en Argentina. Há, dentro desta linha, mais duas coleções de textos, divididas em Colección Memoria y Jucio - cujos documentos versam sobre os desaparecimentos e mortes pela repressão, além da cooperação repressiva Argentina-Uruguai - e Colección Informes Jurídicos -, cujo documento é uma análise da Lei de Pacificação Nacional, conhecida como lei da auto-anistia, que garantiu a imunidade dos membros das FFAA pelos crimes cometidos entre 1973 a 1982.

A videoteca e a biblioteca são compostas por extensa documentação sobre violações de direitos humanos, desde 1976 - data do último golpe militar argentino - até os dias atuais. Além de documentos legais sobre os processos de violações de direitos humanos acompanhados pelo CELS, há ainda os seguintes documentos: testemunhos de vítimas e familiares, fotografias, vídeos k7 e livros, todos sobre ditaduras, direitos humanos, democracia e afins.

Desde o ano de 2000, com o auxílio e assessoria de duas entidades internacionais - Center for Human and Civil Rights e The American Association for the Advancement of the Science - está sendo desenvolvido o projeto “Preservación y Digitalización de Archivos Históricos”, cujo objetivo é digitalizar todo o material desenvolvido pelo CELS, bem como as informações

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acumuladas, tornando-os disponíveis em site33, tanto para o público externo quanto para os distintos programas da instituição.

O arquivo de jornais complementa o acervo do CELS. Trata-se da coleta diária de artigos, que saem nos principais jornais argentinos, sobre a temática dos direitos humanos, em especial a questão do terrorismo do Estado e da doutrina de segurança nacional da última ditadura argentina, ademais das violações de direitos humanos ocorridas durante o governo democrático instaurado a partir de 1983.

CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL

Esta atividade tem por objetivo divulgar as normas internacionais sobre os direitos humanos e todos os mecanismos para sua proteção. Fazem parte desta linha as atividades educacionais - oficinas, seminários, cursos de pós-graduação -, os convênios de assistência e os estágios de advocacia.

O sistema internacional de proteção dos direitos humanos possui regras e normas, que devem ser seguidas pelos países signatários. Qualquer pessoa ou grupo de pessoas ou qualquer entidade não governamental legalmente reconhecida pode apresentar uma petição denunciando violações de direitos reconhecidos pelas convenções ou pactos, cometidas por algum Estado membro.

Uma das regras do direito internacional é que um caso de violação de direitos humanos só é considerado procedente na Comissão Interamericana de Direitos Humanos quando se esgotaram todos os recursos legais do sistema jurídico interno e os responsáveis pela violação não foram condenados internamente. “Los órganos del sistema internacional de derechos humanos actúan cuando en el ámbito interno los Estados no respetan los derechos fundamentales, de manera que es imprescindible acudir a una vía internacional para poder ejercer o reparar el derecho humano conculcado” (CELS, 2002).

33 Todos os documentos históricos já se encontram disponíveis no site da entidade: www.cels.org.ar

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Tendo como parâmetro o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, o CELS organiza, por meio da atividade de capacitação, oficinas e seminários para disseminar as normas dos mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos e também para debater a aplicação das resoluções internacionais no âmbito dos tribunais locais. Estes seminários são destinados, em especial, à comunidade jurídica, às instituições estatais e a organizações não-governamentais que se ocupam do tema dos direitos humanos.

Além destas atividades, a entidade tem publicações sobre o tema, destacando-se o livro “La aplicación de los tratados internacionales sobre derechos humanos por tribunales locales”, que é o resultado de uma pesquisa desenvolvida pelo CELS sobre a realidade latino-americana.

Outras publicações de destaque são os materiais paradidáticos elaborados para formar estudantes em valores fundamentais de direitos humanos. Estes materiais são produzidos pela equipe de Educação, cuja função é a de “exercer uma tarefa preventiva no desenvolvimento de conflitos na sociedade, compreendendo que o caminho de consolidação da democracia depende da compreensão acabada dos valores básicos que fundam a convivência solidária e o respeito da lei” (www.cels.org.ar).

Um dos exemplos destes materiais é o manual “Educación para la Ciudadanía y los Derechos Humanos”, fruto de um trabalho desenvolvido em conjunto com o Instituto Interamericano de Direitos Humanos.

O CELS mantém ainda um programa de estágios em parceria com a Faculdade de Direito da Universidad de Buenos Aires, do qual participam, anualmente, cerca de 25 alunos. Mantém também convênios de cooperação, assistência e pesquisa com universidades de diversas províncias argentinas. Há ainda um convênio de estágios e projetos com uma universidade chilena e com três universidades americanas34.

34 Universidade Diego Portales (Chile); Notre Dame University, American University e Columbia University (Estados Unidos).

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ASSISTÊNCIA PSICOLÓGICA

A equipe de Asistencia en Salud Mental foi formada em 1982 e é composta por psicólogos e psiquiatras. Surge para atender às vítimas diretas da última ditadura argentina, bem como a seus familiares, a quem o Estado não ofereceu nenhum tipo de programa de atenção ou reabilitação.

São desenvolvidos, em relação às vítimas da ditadura e seus familiares, dois projetos: Asistencia psicoterapéutica a víctimas del terrorismo de Estado e Clínica psicoterapéutica para atención de hijos de desaparecidos en Argentina. Desde o início de suas atividades, ambos os projetos recebem o apoio financeiro da Anistia Internacional (Seção Sueca) e do Fundo de Contribuições Voluntárias para Vítimas da Tortura das Nações Unidas

Atualmente, a equipe desenvolve um projeto destinado a vítimas e familiares da violência policial, que se realiza em conjunto com instituições públicas de saúde. Diferente da assistência destinada às vítimas da ditadura, este novo projeto tem por objetivo coordenar, capacitar e supervisionar os profissionais destas instituições para este atendimento, fazendo com que o Estado assuma esta responsabilidade.

Tal qual as demais atividades, esta linha de atuação também publica seus trabalhos em revistas especializadas, divulgando suas atividades e contribuindo para o debate público.

COMUNICAÇÃO E DISSEMINAÇÃO

Esta linha de atividades é responsável pela disseminação dos objetivos e de todas as iniciativas levadas a cabo pela entidade. As atividades se dividem quatro eixos: a) notícias, b) eventos; c) história gráfica; e d) informe anual.

Dentro da linha notícias, é organizado, por data e por temas, tudo o que aparece na imprensa sobre o CELS: seja sobre a entidade ou seja sobre os seus membros (artigos, entrevistas, comentários). Além disso, são disseminadas as mensagens públicas e as petições elaboradas pela entidade

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sobre a situação dos direitos humanos na Argentina.

A área de comunicação é responsável também pela divulgação e pelo acompanhamento de eventos realizados exclusivamente pela própria entidade ou em convênio com outros órgãos. Os eventos são seminários, oficinas, apresentações em congressos e afins, fóruns de discussão, ocorridos na Argentina ou em outros países.

A história gráfica reúne um acervo de imagens sobre os três principais momentos da entidade: anos fundacionais, transição democrática e atualidade.

É ainda de sua responsabilidade a coordenação do Informe Anual sobre a Situação dos Direitos Humanos na Argentina, que vem sendo editado pela entidade desde seu início, mas com regularidade somente a partir de 1994. Seu objetivo é monitorar os direitos humanos no país, assinalando as violações e ressaltando aspectos positivos.

As atividades e os programas desenvolvidos pelo CELS, embora sejam organizados em distintos eixos, se sobrepõem e se complementam, na medida em que todos buscam atingir o objetivo central do CELS: promover e proteger os direitos humanos.

3.1.3. Estatuto

O Estatuto do CELS tem um total de 40 artigos, divididos em sete títulos, que abordam desde as disposições gerais à dissolução social da entidade.

O Título I - Disposiciones generales -, é composto por dois artigos. O primeiro constitui legalmente a entidade como uma associação civil, com sede e jurisdição na cidade de Buenos Aires, e o segundo apresenta os seus propósitos. Neste artigo, é possível observar as linhas seguidas até hoje pela entidade: documentação e pesquisa; assistência e litígio; e mobilização da opinião pública. Os objetivos desta associação civil, constituída em 31/05/1985,

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são assim apresentados em seu estatuto35:

“Artículo 2º - Son sus propósitos: 1. Realizar investigaciones y estudios en el ámbito de las relaciones

entre el derecho y la sociedad, dirigidas a la defensa de la dignidad de la persona humana, de la soberanía del pueblo, del bienestar de la comunidad - en particular de los sectores más desprotegidos - y del medio ambiente.

2. Asistir a las víctimas de violaciones a los derechos humanos fundamentales poniendo a su disposición profesionales debidamente matriculados para el ejercicio de las acciones administrativas o judiciales que tiendan a la reparación de la justicia lesionada. En ningún caso se promoverá la realización de acciones de exclusivo o principal contenido patrimonial.

3. Promover estudios, conferencias, mesas redondas, bates y publicaciones en defensa de los Derechos Humanos Fundamentales, y especialmente de las libertades públicas, y de las demás garantías que consagra la Constitución Nacional.”

Como pode ser observado, os propósitos da entidade, representados pelas alíneas acima, englobam os seus três pilares de sustentação: pesquisa, assistência jurídica e disseminação.

O Título II, em seus dois artigos, trata do patrimônio da entidade e dos recursos sociais. O artigo 3º dispõe sobre a aquisição de bens e o artigo 4º sobre a composição do patrimônio. Neste artigo são considerados bens as cotas pagas pelos associados, as doações, heranças e subvenções, e qualquer recurso obtido licitamente. Desta forma, estão previstas, desde sua constituição legal, todas as formas de contribuições financeiras36.

As condições de admissão e exclusão de associados, bem como os direitos e obrigações dos mesmos são estabelecidas nos oito artigos que compõem o Título III do Estatuto. Há três categorias de associados, cada qual com perfis e responsabilidades específicos:

1. ativos - pessoas maiores de 18 anos de idade, aceitas pela Comissão Diretiva com mais de dois terços dos votos;

35 O teor integral do Estatuto está no anexo 3B. 36 As contribuições financeiras e sua destinação, bem como as agências financiadoras serão discutidos adiante.

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2. honorários - pessoas que, por terem prestado serviços à entidade, sejam designadas à Comissão Diretiva com 80% dos votos; e

3. aderentes - pessoas com mais de 18 anos e que sejam aceitos pela Comissão Diretiva por maioria37.

Os associados ativos têm por obrigação pagar a contribuição definida e cumprir o Estatuto, regulamentos e disposições da Assembléia ou da Comissão Diretiva. São seus direitos a participação com voz e voto nas assembléias após um ano de atividades, ser eleito e usufruir dos benefícios outorgados pela entidade.

Os associados aderentes têm as mesmas obrigações dos ativos e podem usufruir dos benefícios concedidos pelo CELS, mas não têm direito à voz e ao voto e nem podem ser eleitos.

Não há nenhuma menção às obrigações ou aos direitos dos sócios honorários, mas, pelo artigo 8º, que versa sobre a possibilidade dos sócios aderentes e honorários terem as mesmas prerrogativas dos sócios ativos, pode-se supor que os deveres e direitos sejam os mesmos dos sócios aderentes. Atualmente, a entidade conta com 75 associados38.

Os artigos 9º e 10º tratam das cotas sociais. No artigo 9º fica definido que o valor das cotas devem ser fixados em assembléia. O artigo 10º prevê a sanção para os associados que atrasarem o pagamento de sua cota por três meses consecutivos. Caso o associado não regularizar, no prazo de trinta dias após ter sido comunicado, a sua situação na Tesouraria Social, será suspenso da entidade.

Os artigos 11º e 12º definem as sanções que podem ser aplicadas aos associados que desrespeitarem as regras da entidade. São sanções previstas: a) advertência; b) suspensão; e c) expulsão. Cada uma delas será aplicada dependendo da gravidade da falta cometida. As faltas passíveis de serem

37 O Estatuto não estabelece se é maioria qualificada ou simples, mas como para as outras duas categorias de associados são estabelecidos os critérios, tudo indica que a maioria seja simples. 38 Vide anexo 3C.

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punidas mediante a aplicação destas sanções são:

1. descumprir das obrigações estatutárias, regulamentares ou das resoluções tiradas em assembléias;

2. ter mau comportamento público; e 3. danificar, intencionalmente, a entidade, provocar desordens internas

e ter comportamento que prejudique os interesses sociais.

No artigo 12º está previsto o princípio de defesa do associado submetido às sanções disciplinares. O interessado, em todos os casos, poderá impetrar recurso de apelação, dentro do prazo de 10 dias úteis após a notificação da sanção.

O Título IV - Autoridades de la Asociación - trata das instâncias decisórias da entidade, a saber: a) Assembléia dos Sócios; b) Comissão Diretiva; e c) Comissão Revisora de Contas. Os artigos que compõem este título - 13º a 23º - vão versar sobre as atribuições, os deveres e a eleição da Comissão Diretiva e da Comissão Revisora de Contas.

A Comissão Diretiva é o órgão encarregado de dirigir e administrar a entidade. É composta por um mínimo de seis e um máximo de doze membros, que ocupam os seguintes cargos: presidente, vice-presidente, secretário, tesoureiro e de um a seis vogais titulares e um a três vogais suplentes. O mandato da comissão é de dois anos, e seus membros podem ser reeleitos.

A Comissão Revisora de Contas é integrada por até três membros titulares e até três membros suplentes, com mandato de dois anos.

São elegíveis para integrar qualquer uma das comissões os associados maiores de 18 anos e que estejam na categoria ativos por um período de, no mínimo, um ano. A eleição é realizada por ocasião de assembléia geral ordinária, por maioria simples. Não é permitido aos membros destas comissões receber qualquer tipo de remuneração pelos serviços prestados. O mandato dos membros das comissões poderá ser revogado por assembléia. Em caso de vacância do posto de presidente, por qualquer motivo, o cargo será ocupado pelo vice-presidente e o cargo deste por um vogal titular que seja designado pela Comissão.

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As reuniões ordinárias da Comissão Diretiva são mensais, com datas definidas em sua primeira reunião anual. Em caráter extraordinário a Comissão Diretiva pode se reunir toda vez que seja convocada pelo seu presidente ou pela Comissão Revisora de Contas, ou ainda a pedido de pelo menos dois de seus membros. Tais reuniões deverão ocorrer em um prazo máximo de sete dias após a convocação. As reuniões, bem como as deliberações, só terão validade caso esteja presente a maioria dos membros.

Nos artigos 21º a 23º, o Estatuto trata da Comissão Diretiva. No artigo 21º, em suas 13 alíneas, estão expostos as atribuições e os deveres da Comissão Diretiva. Suas atribuições vão desde a execução das resoluções das assembléias e o cumprimento dos regulamentos e do Estatuto até a direção acadêmica da entidade.

Entre os artigos 24 e 28 estão dispostas as atribuições de cada um dos cargos da Comissão Diretiva, de seu presidente aos vogais - titulares e suplentes.

O artigo 29º trata especificamente da Comissão Revisora de Contas, cujas atribuições estão dispostas em suas oito alíneas. Basicamente, o seu dever é exercer a fiscalização da administração social para que não haja nenhuma irregularidade.

No Título V, artigos 30º a 32º, o Estatuto prevê a existência de um Comitê Executivo, composto pelo presidente, vice-presidente, secretário e tesoureiro da Comissão Diretiva e ainda por um Diretor Executivo, que é escolhido por concurso39. O artigo 31º define a freqüência das reuniões do Comitê Executivo e o quorum mínimo para que a sua realização tenha validade.

De acordo com o artigo 33º, o Comitê Executivo é responsável pela direção acadêmica da entidade e lhe compete:

39 A informação de que o cargo é ocupado por concurso foi obtida durante a entrevista com o atual diretor executivo, Victor Abramovich: “(...) quedó vacante la dirección ejecutiva y, con un concurso, yo entré como director ejecutivo”.

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- definir os programas de estudos, cursos e investigações; - criar conselhos e comissões consultivas, de acordo com as

linhas de atuação da entidade; - criar departamento e designar seus coordenadores.

Os Títulos VI e VII versam, respectivamente, sobre as assembléias e a dissolução social da entidade.

A assembléia é o órgão de autoridade máxima da entidade. Suas decisões, desde que não firam os princípios estatutários, são válidas e obrigatórias para todos os associados, em qualquer categoria. As assembléias podem ser de dois tipos: a) ordinárias - com reuniões anuais que devem ocorrer até o quarto mês do ano; e b) extraordinárias - cujas reuniões devem acontecer toda a vez que a Comissão Diretiva ou a Comissão Revisora de Contas ou 33% dos sócios com direito a voto julgarem necessário.

Todos os sócios ativos presentes na assembléia têm direito a um voto, exceto o presidente - ou quem seja designado para substituí-lo em sua ausência - que, por presidi-la, só pode votar em caso de empate (voto de Minerva). As resoluções são adotadas por maioria absoluta dos votos. Os membros das comissões são impedidos de votar nos assuntos relacionados à sua gestão, mas estão autorizados para os demais.

O artigo 40º, que finaliza o Estatuto, versa sobre a dissolução social da entidade. A dissolução só poderá ocorrer quando não houver número suficiente de associados para integrar os órgãos diretivos, ou seja, as duas comissões. Caso seja efetivada a dissolução, o capital em caixa será utilizado para saldar dívidas e o restante será destinado a “una entidad de bien común, sin fines de lucro”.

Como pode ser observado, o Estatuto versa mais sobre a composição da entidade, deveres e obrigações dos membros e dos sócios, do que sobre o mandato da entidade. Os seus objetivos estão restritos apenas no artigo 2º. Pode-se afirmar, no entanto, que o CELS tem mantido, por meio de seus programas e suas atividades, praticamente inalterável o seu compromisso com

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o mandato inicial.

É curioso observar, no que diz respeito aos sócios, o rigor com que estes são admitidos pela entidade. Talvez esta seja uma atitude para garantir que ela se mantenha fiel a seus princípios e preserve, assim, sua identidade.

3.1.4. Equipe

A equipe do CELS é composta por uma Comissão Diretiva - escolhida entre os sócios-ativos; por dois conselhos consultivos, um nacional e outro internacional, compostos por pessoas de destaque na área dos direitos humanos; pelos membros fundadores; e por um staff40.

O staff - ou equipe técnica - está diretamente subordinado ao Comitê Executivo da entidade e é responsável pela execução dos programas e das atividades que são desenvolvidos. Trata-se de uma equipe multidisciplinar, composta por 47 profissionais, dos quais sete pertencem à área administrativa, incluídos aqui: o Diretor Executivo, a coordenadoria institucional e a secretaria administrativa. Além destes profissionais que fazem parte do staff, o CELS conta com o apoio de profissionais contratados exclusivamente para desenvolver projetos específicos.

Os programas da entidade contam com equipes compostas por duas pessoas - Memoria y Lucha contra la Impunidad del Terrorismo del Estado - ou por cinco pessoas - Violencia Institucional y Seguridad Ciudadana e DESC. As atividades possuem equipes de duas - Comunicação e Disseminação - a oito pessoas - Litígio e Assistência Legal. Apesar das equipes serem multidisciplinares, há uma predominância de advogados, devido ao trabalho de advocacy41 desenvolvido pela entidade.

No decorrer de sua história, esta equipe técnica vem sofrendo mudanças. Pelas entrevistas realizadas, é possível destacar dois distintos

40 Sobre a composição atual do CELS, vide anexo 3C. 41 Advocacy é o termo utilizado para definir os defensores de direitos humanos que atuam no âmbito judicial, pelo litígio das causas.

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modelos de equipe: 1) militante - presente especialmente nos años fundacionales -; e 2) profissional - a partir da transição democrática, mas especialmente na atualidade.

Segundo a antropóloga Sofía Tiscórnia, no início havia no CELS uma equipe de advogados que, além de serem profissionais, militavam pela causa dos direitos humanos, ou seja: “que no es solo una militancia partidaria, sino un

compromiso con esta lucha, con esta pelea. Y yo creo que si, que en CELS se

ha perdido por esto”.42

Para o atual diretor executivo, este perfil mais militante foi abandonado

e atualmente “se contrata gente con perfil técnico, en general se busca gente

con un perfil técnico, la gente va a estudiar afuera y volve, se capacita y

vuelve, o sea, funciona como una especie de centro de investigación y al

mismo tiempo de defensa de derechos”. Para ele, no entanto, o CELS tem um

desafio pela frente que é o de mesclar este perfil mais técnico com a militância.

Este é o perfil que desejava um de seus fundadores: “(...) cuando el CELS

atravesó todo un proceso de profesionalización, donde el planteo de Emilio

Mignone era ‘ni militantes solo, ni técnico solo’. O sea, aquel que tenga perfil

técnico pero que, al mismo tiempo, milite por la causa de los derechos

humanos. Un técnico de pecho, corazón frío no me sirve, y un militante que no

puede trabajar técnicamente puede trabajar en otro organismo, pero no lo ve

en el CELS”.43

Em seu artigo sobre os desafios dos direitos humanos, Mignone (1996) afirma que as ONGs de direitos humanos devem estimular o profissionalismo de seus integrantes, pela “capacitación, la evaluación periódica de las tarefas y las pasantías en otros centros. Todo ello sin disminuir el compromiso con la causa de los derechos humanos ni la motivación militante” (Mignone, 1996).

Atualmente, no CELS, salvo exceções, o staff apresenta um perfil muito 42 Entrevista realizada com Sofía Tiscórnia, Buenos Aires, 18/09/2002. 43 Entrevista realizada com Victor Abramovich, Buenos Aires, 20/09/2002.

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mais de expertos do que de militantes, ou seja, está se distanciando daquele perfil vislumbrado por um de seus fundadores. Neste sentido, é importante encontrar, como afirmou o atual coordenador, a medida entre militância e

profissionalismo: “se puede tener las veces hasta alguna cosa más técnica, las

veces hasta una cosa mucho más política, y yo creo que ese sea el gran

desafío, atravesando esta crisis y mantener el equilibrio”.44

3.1.5. Financiamentos

Desde o início de suas atividades, o CELS recebe o apoio financeiro de fundações e instituições, principalmente internacionais, para o desenvolvimento de seus trabalhos. Entre os anos de 1994 a 1999, os recursos financeiros da entidade aumentaram quase 10 vezes. No ano de 1994, o CELS recebeu cerca de 100 mil dólares, sendo que todo o montante era de procedência estrangeira. No ano de 1996, a entidade recebeu cerca de 300 mil dólares, dos quais uma pequena parte - aproximadamente 10% - provinha de recursos internos, através de convênios celebrados com órgãos do governo argentino para o desenvolvimento de projetos conjuntos.

No ano de 1998, mais uma vez há um aumento significativo do orçamento da entidade, que atinge quase 450 mil dólares. O montante de recursos internos, no entanto, não cresce nas mesmas proporções. É curioso observar a opinião de Emilio Mignone - fundador do CELS - sobre a questão do financiamento internacional em um artigo em que discutia os avanços e os desafios dos movimentos sociais de direitos humanos na Argentina. Na sua opinião, “no resulta aceptable depender exclusivamente de las agencias internacionales en el marco de una convivencia politica democrática, aunque subsistán aspectos críticos (administración de justicia deficiente, pobreza, violencia institucional etc)” (Mignone, 1996).

No ano de 1999, a entidade recebeu da Fundação Ford uma doação no valor de 350 mil dólares, destinada à compra de uma sede. Neste mesmo ano, 44 Entrevista realizada com Victor Abramovich, Buenos Aires, 20/09/2002.

98

os recursos da entidade chegaram a quase 1 milhão de dólares, constatando-se, em relação a outros anos, um aumento também nos recursos internos que superaram a casa dos 150 mil dólares.

Entre os anos de 1998 e 1999, o CELS recebeu mais de 1.500.000 dólares em recursos, dos quais aproximadamente 20% eram de organismos ou de agências do governo argentino e 64% vieram de fundações, destacando-se, entre elas, a Fundação Ford. Estes recursos foram distribuídos entre os diversos programas e atividades da entidade, conforme é possível observar no quadro abaixo.

Quadro 1 - Aplicação dos recursos (1998-1999)

Destinatário Valor (USD) Percentual

Compra da sede 375.000 25%

Administração Geral 326.000 22%

Litígio e Assistência Legal 267.340 18%

Violência Institucional e Seguridade Cidadã 162.905 11%

Assistência em Saúde Mental 101.800 7%

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 110.805 7%

Documentação 90.805 6%

Capacitação 70.000 5%

Total 1.505.555 100%

Fonte: CELS 20 años de história (www.enterate.com.ar/derechoshumanos/cels2.htm)

Para o período de 2001-2003, o CELS recebeu cerca de 1.500.000 dólares, destinado aos diversos projetos da entidade. Só a Fundação Ford contribui com 58% do total recebido. Os outros 42% procederam de diversas instituições e fundações dos Estados Unidos e da Europa. Houve também doações regionais - Universidad Diego Portales, Chile - e nacional - Ministério da Saúde. O quadro 2 apresenta a distribuição dos recursos para o período 2001-2003.

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Quadro 2 - Aplicação dos recursos (2001-2003)

Destinatário Valor (USD) Percentual

Administração Geral 450.000 30%

Memória e Luta contra a Impunidade... 400.000 27%

Violência Institucional e Seguridade Cidadã 286.000* 19%

Litígio e Assistência Legal 232.200 16%

Assistência em Saúde Mental 63.950 4%

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 59.760 4%

Documentação 1.500 0%

Total 1.493.410 100%

Fonte: www.cels.org.ar/recursos/proyectos

* Este programa recebeu o equivalente a U$D 183,000 e £ 65.516, multiplicados por 1,58 para atingir um valor aproximado em dólar, totalizando U$D 103,515. A soma dos dois valores foi arredondada para U$D 286,000.

O equivalente a 450 mil dólares foi doado pela Fundação Ford à entidade como parte do projeto institucional do CELS, e tem por objetivo: “continuar o processo de crescimento e fortalecimento institucional. A Fundação Ford tem apoiado o trabalho do CELS desde seus primórdios e tem acompanhado a consolidação dos aspectos centrais para o desenvolvimento da organização. (...) A doação está destinada a financiar salários, eventos, seminários, oficinas, viagens, consultorias. Parte importante dos gastos administrativos e com o equipamento da instituição é coberta com este subsídio” (www.cels.org.ar).

Para este mesmo período, além dos valores já mencionado, a Fundação Ford apoiou financeiramente os seguintes projetos da entidade: Conferencia Mundial contra el Racismo, la Xenofobía, la Intolerancia y las formas conexas de discriminación - Durban, Sudáfrica -, no valor de 20 mil dólares para o período de um ano; e o Proyecto Memoria Abierta, parte integrante do Programa Memoria y Lucha contra la Impunidad del Terrorismo del Estado, no valor de 400 mil dólares para o período de 18 meses.

O montante que a Fundação Ford destina aos CELS supera em muito os

100

valores aplicados em outras entidades argentinas. Entre os anos de 1999 a 2002, a Fundação Ford aprovou seis projetos do CELS, totalizando 2,616,000 dólares, dos quais 1,186,000 foram destinados a apenas um projeto, que visa propor alternativas à atual crise política, econômica e social da Argentina. Este projeto foi apresentado à Fundação Ford no ano de 2002, por isso não consta do Quadro 2.

Uma outra entidade argentina que recebeu recursos da Fundação Ford entre 1999 e 2002 foi a ONG Poder Ciudadano, que trabalha com a fiscalização (accountability) das políticas públicas argentinas. O montante destinado pela Ford a esta entidade foi de 554,000 dólares, pela aprovação de dois projetos45.

De acordo com seu atual diretor executivo, “en los últimos tiempos

hemos tratado de diversificar el financiamiento. Además del financiamiento

institucional de la Fundación Ford, tenemos algunos financiamientos por

proyectos, en donde... pero la ventaja, que incluso eso se mantenga, que al

mantener un financiamiento eso tiene un piso, o sea, el CELS tiene un piso que

te permite, por ejemplo, nivelar salario de directores, de profesionales, o sea,

viste que muchas veces hay instituciones que tienen áreas que reciben

financiamiento y son ricas y otras que son pobres”.46

A Fundação Ford financia o CELS enquanto instituição e por projetos específicos. O financiamento institucional existe desde o início das atividades do CELS, antes mesmo de sua constituição legal e faz parte de uma política da Fundação Ford de proteção aos pesquisadores latino-americanos que faziam

parte de seus programas de fellowship. De acordo com Victor Abramovich “(...)

el CELS empezó a recibir financiamiento de la Fundación Ford durante la

dictadura militar y esto fue clave para que el CELS pudiera funcionar y pudiera

mantener un equipo de personal técnico. O sea, es muy difícil entender el

CELS por este perfil técnico sin el financiamiento internacional, porque eso es

45 Estes números foram extraídos do site da Fundação Ford (www.fordfound.org). 46 Entrevista realizada com Victor Abramovich, Buenos Aires, 20/09/2002.

101

parte de lo que logró el CELS: un equipo técnico rentado gracias al

financiamiento internacional y eso inmediatamente hizo una diferencia. Y el

financiamiento del CELS, de la Fundación Ford y de algunas agencias

europeas también, viene desde la época de la dictadura”.47

Esta informação é corroborada por Sikkink (1996) e Keck & Sikkink (1998), que apontam em seus trabalhos que a Fundação Ford foi uma das primeiras grandes fundações privadas dos Estados Unidos a iniciar um programa internacional de Direitos Humanos. Desde o ano de 1979, a fundação converteu a temática em uma prioridade dos seus programas, destinando parte fundamental de seus recursos a projetos relacionados a direitos humanos, tanto de instituições acadêmicas como de organizações não governamentais de defesa dos direitos humanos: “la Fundación Ford contribuyó con organizaciones como las Abuelas de la Plaza de Mayo y el CELS en Argentina” (Sikkink, 1996).

Keck & Sikkink (1998) afirmam ainda que, apesar da Fundação Ford ter sido a mais importante na América Latina, um expressivo número de financiadores europeus desempenhou um papel chave, especialmente a igreja européia e fundações de caráter semipúblico48. Esta informação é corroborada no relatório de Joan Dassin, consultor da Fundação Ford para a Região Andina e do Cone Sul. Segundo Dassin (1999), “Além da Fundação Ford, os doadores mais freqüentes para as entidades de direitos humanos da América Latina são a ONG suíça Diakonia e as organizações religiosas privadas relacionadas ao governo holandês”. A Fundação Ford aparece como a principal financiadora das entidades de direitos humanos da América Latina49.

47 Entrevista realizada com Victor Abramovich, Buenos Aires, 20/09/2002. 48 Este tema foi discutido por Keck & Sikkink (1998), especialmente no item Foundations and Funders, do capítulo Human Rights Advocacy Networks in Latin America. 49 Este relatório, intitulado “Building the Latin American Human Rights Field: increasing institutional and financial sustainability for Latin American human rights organizations”, é o resultado de uma pesquisa feita pelo escritório da Fundação Ford para a Região Andina e o Cone Sul. Nesta pesquisa, foram escolhidas dez entidades de direitos humanos que, segundo o relatório, “have demonstrated a strong ability to survive and adapt to changing political conditions, despite hostile environments in some countries”. Entre as entidades analisadas

102

O papel destes financiamentos no desenvolvimento da entidade é um assunto controverso pois, da mesma forma que eles são necessários para a sua manutenção, podem se apresentar como um obstáculo no desenvolvimento de trabalhos de cunho mais militante.

Segundo o diretor executivo do CELS, há uma grande vantagem em ter

um financiamento institucional. Nas suas palavras: “nosotros tenemos una

ventaja con el financiamiento institucional, el financiamiento de la Ford es un

financiamiento al CELS como institución de manera que esto implica que ellos

nunca nos fijan agenda, porque nosotros definimos lo que vamos a trabajar y

hasta ahora - tanto desde que yo estoy director ejecutivo, como Martín

Abregú fue director ejecutivo, con Emilio Mignone como presidente, con

Horacio Verbitsky como presidente - nunca hubo agenda marcada y el CELS

siempre pudo realizar actividades de muy fuerte contenido, digamos, de

sentido político, no partidario, pero con una agenda muy fuerte y nunca hubo

ningún tipo de condicionamiento de agenda”.50

A opinião da antrópologa Sofía Tiscórnia, que dirigiu o programa de Violencia Institucional e Seguridad Ciudadana, não é a mesma. Para ela, a mudança de rumo da entidade - ao incorporar outras demandas e deixar de levar a juízo todas as causas de violência policial que chegavam ao CELS - ocorreu, ao menos em parte, como uma exigência das agências financiadoras.

“El perfil de abogada de Alicia Oliveira, como otros por supuesto que

pasan por el CELS, esta mezcla particular entre militante y de profesional del

mundo jurídico que cree que en la justicia debe actuarse, que no es tanto

proponer nueva legislación, que nos es tanto debatir en el publico, sino es

actuar la justicia. Actuar la justicia supone conocer el mundo de la justicia,

moverse en los intersticios y pelear esto. Esto lo que da un conocimiento que es

este conocimiento más rico de los derechos humanos. O tan, digamos, más

local, que permite pelear en el ámbito local. Y pelear en el ámbito local es

estava o CELS. 50 Entrevista realizada com Victor Abramovich, Buenos Aires, 20/09/2002.

103

militar, obviamente. Que no es solo una militancia partidaria, sino un

compromiso con esta lucha, con esta pelea. Y yo creo que si, que en CELS se

ha perdido por esto. Creo que en este sentido la influencia del financiamiento

de las agencias hay sido muy grande. Yo tengo que decir que con el

financiamiento de las agencias si puede hacer muchas cosas fantásticas o

entonces decir: ‘acepto el formato de la agencia y listo’. Y otro es decir:

‘acepto el formato y además le doy una vuelta propia’. Me parece que lo que

esta faltando es esto. Creo que ha quedado muy pegado en estos temas, el

tema de las estadísticas, el monitoramiento, a los reglamentos de la policía y

todo esto. Son temas de la agencia y una de las razones además por que no

continué en este programa. (...) Yo creo que el financiamiento es muy bueno,

pero si uno llevar a un perfil propio, que fue lo que hizo muchos años el CELS, y

que seguramente el CELS, en otros ámbitos, se lo da. Pero en este momento se

ha quedado a esto”.

Para Emilio Mignone (1996), fortalecidos os governos democráticos, os organismos de defesa de direitos humanos deveriam ter como financiadores principais as fundações, as empresas, as igrejas e universidades nacionais, como uma forma de aproximar estes setores à temática dos direitos humanos.

O CELS, no entanto, continua sendo basicamente financiado por instituições e fundações estrangeiras, destacando-se entre elas a Fundação Ford. A dependência da entidade a estes recursos pode ser fatal para a sua própria existência, pois uma mudança no rumo da política internacional pode levar estas fundações a abandonarem os investimentos na temática de direitos humanos. A “nacionalização” destes recursos, por meio de entidades e/ou empresas locais, é um dos principais obstáculos a serem enfrentados pela entidade.

***

A trajetória do CELS está estritamente ligada à realidade sócio-política

104

argentina. Sua fundação, assim como a da maior parte das entidades de defesa de direitos humanos da América Latina, surge da necessidade de frear as ilegalidades da ditadura, por meio do trabalho de denúncia e acompanhamento jurídico das violações de direitos humanos cometidos pelos militares. Com o final da ditadura, o processo de transição democrática apresenta novas demandas, sendo uma delas a violência policial. A entidade passa a atuar também nestes casos, na tentativa de garantir a instauração da democracia. Em meados dos anos de 1990, o processo de globalização mundial e as políticas econômicas adotadas pelo governo argentino pioram as condições de vida naquele país. O desemprego, a pobreza, a falta de acesso à educação, à saúde e ao lazer passam a atingir um número cada vez maior de argentinos, aumentando as desigualdades sócio-econômicas e culturais. A luta pelos direitos econômicos, sociais e culturais passa, então, a ser uma nova bandeira da entidade.

O CELS vem, portanto, incorporando em suas atividades as demandas do novo regime, ou seja, vem trabalhando com temas que não estão diretamente relacionados com a ditadura, ainda que tenham nela suas raízes. Incorporar estas demandas não significou, em nenhum momento, a perda de sua identidade; ao contrário, tem reforçado o seu papel de entidade de defesa de direitos humanos em um regime democrático. As entidades de defesa de direitos humanos que mais podem contribuir para uma mudança são aquelas que reconhecem seus limites e tentam superá-los. Uma das estratégias de superação e de sobrevivência destas entidades é não limitar a sua atuação a uma única forma de ação ou especialidade.

CAPÍTULO 4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente capítulo apresentará uma comparação entre as duas

entidades, visando a um exame não apenas das diferenças e semelhanças

entre elas, mas principalmente de suas principais conquistas e limitações.

4.1 - ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE O CENTRO SANTO DIAS DE DIREITOS HUMANOS E

O CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES

As duas entidades aqui analisadas têm um objetivo comum: a defesa

dos direitos humanos, mas suas origens e também a forma como atuam para

atingir suas metas apresentam diferenças. O quadro a seguir exibe uma

síntese dos principais aspectos em comum entre as entidades, bem como

aqueles que as distinguem. Tais pontos serão analisados na seqüência.

Quadro 1 - Semelhanças e diferenças entre as entidades

Semelhanças Diferenças Histórico Ambas as entidades surgem

durante a ditadura militar brasileira e argentina; O objetivo das duas entidades é a defesa e promoção dos direitos humanos; As entidades não limitam a sua atuação à defesa dos direitos civis e políticos, assumindo também a defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais; CSD e CELS buscam o diálogo com o Estado, rompendo a mútua imagem de que movimento social de direitos humanos e Estado são inimigos; Tanto o CSD quanto o CELS ainda são consideradas, pelo discurso dominante, como entidades que defendem os direitos dos bandidos.

O CSD recebe forte apoio da Igreja Católica, enquanto o CELS teve muitas vezes de enfrentá-la; O CSD surge para defender a população carente das arbitrariedades das forças policiais, em especial da Polícia Militar do Estado de São Paulo; O CELS é criado para defender os dissidentes políticos, prestando assessoria jurídica e psicológica às vítima se familiares; O CSD participa da fundação do Movimento Nacional de Direitos Humanos; O CELS apresenta maior dificuldade de articulação interna. Este é um importante desafio a ser superado.

107

Programas e Atividades

O litígio dos casos é a principal atividade das duas entidades; Ambas as entidades utilizam o mecanismo internacional de proteção aos direitos humanos, no caso específico a Comissão Interamericana de Direitos Humanos; A disseminação de seu trabalho é considerada, pelas duas entidades, uma importante atuação.

O CSD atua, desde sua fundação, em defesa do direito à moradia; O CELS incorpora os direitos econômicos, sociais e culturais apenas em meados de 1990; O CSD, por sua vinculação com a Igreja católica, tinha a formação comunitária como uma importante atividade; O CELS tem como pilar, além do litígio, a área de pesquisa, que fundamenta sua atuação desde o seu surgimento; O CSD trabalhou com todos os casos de violência policial que chegaram ao seu conhecimento; O CELS trabalhou com todos os casos relacionados à ditadura; em relação à violência policial adotou como procedimento trabalhar com leading cases.

Equipe Ambas as entidades possuem uma diretoria composta por pessoas de notório engajamento na defesa dos direitos humanos em seus países.

O CSD possui uma equipe bastante restrita, mas diretamente ligada à luta política; CELS é composto por uma grande equipe, de perfil mais técnico.

Financiamento Ambas as entidades são financiadas por fundações estrangeiras.

O CSD é financiado basicamente por fundações ligadas à Igreja Católica, com verba a fundo perdido que o permite atuar livremente; O CELS é financiado pela Fundação Ford. Sua atuação pode ser limitada pelas políticas adotadas pela fundação.

De início, é importante destacar duas diferenças em suas origens. Uma

delas relaciona-se ao motivo que desencadeou o seu surgimento. Enquanto o

CELS foi criado para enfrentar as atrocidades cometidas pelo governo militar

argentino, tal qual a maioria das entidades de defesa de direitos humanos, o

108

Centro Santo Dias foi criado para lutar contra a violência policial cometida

contra os cidadãos comuns, atingindo especialmente a população

marginalizada de São Paulo.

A segunda diferença diz respeito à vinculação destas entidades à Igreja.

Enquanto o Centro Santo Dias, além de ter sido criado pela Arquidiocese de

São Paulo, recebeu dela forte apoio para atuar, o CELS não apenas não

contou com o apoio da Igreja como, muitas vezes, teve de enfrentá-la. “Una

circunstancia notable en el desarrollo del movimiento argentino de derechos

humanos, que lo diferencia de lo ocurrido en otros países de América latina,

reside en su aislamiento y falta de protección inicial. No contó, por ello, como

pasó, por ejemplo, en Chile, Brasil y El Salvador, con el apoyo de la Jerarquía

de la Iglesia católica, salvo notorias excepciones” (Mignone, 1996:211).

Esta diferença explica-se pelos papeis assumidos pela Igreja Católica

nestes dois países. “Las Iglesias de Brasil e de Argentina han evolucionado de

maneras muy distintas. Mientras que en Brasil la Iglesia ha producido algunos

de los importantes movimientos que trabajan a favor del cambio, en Argentina

produjo uno de los pilares de mayor significación de apoyo a los militares”

(Mainwaring & Viola, 1985).

Desde a fundação das entidades ora analisadas, até os dias atuais, o

Brasil e a Argentina sofreram grandes transformações. Uma das mudanças

mais importantes, e que atingiu diretamente o movimento de direitos humanos,

foi a reinstauração de governos democráticos na região. A transição para a

democracia, como se convencionou definir o período pós-ditadura nos dois

países, gerou, naquele movimento, como observou Gómez (1988:88), uma

“crise de identidade”, pois “ao cessar as violações por motivos políticos,

inerentes a situações de ditadura, toda reivindicação de direitos passa a ser

visualizada como questão que se resolve, seja no âmbito do direito positivo e

das instituições judiciais, seja na arena política formal onde atuam seus atores

convencionais (governo, partido, grupos de pressão)”. Para o autor, a partir do

momento em que os direitos humanos se converteram em uma problemática

109

legítima do Estado, a tendência natural seria o desaparecimento dos

organismos ou uma “vida fantasmagórica ligada ao passado”.

Com a mudança de regime, as entidades passaram a enfrentar dilemas

resultantes do processo de democratização, no qual são outras as relações de

poder em jogo. Não se trata mais do enfrentamento direto ao terrorismo do

Estado, mas de definir qual é o seu papel em uma sociedade democrática:

“cuando la arena política se abre, el problema cambia del desafío al

autoritarismo a la construcción de un sistema democrático. Los movimientos

necesitan definir su lugar en un sistema que, en contraste con el régimen

autoritario, permite su existencia. (...) En este punto, el rechazo de la política

puede ser muy limitante” (Mainwaring & Viola, 1985:68).

Sem dúvida, a mudança no cenário político apresentou-se como um dos

principais desafios para a sobrevivência dos organismos de defesa dos direitos

humanos1. De maneiras distintas, ambas as entidades conseguiram ultrapassar

este desafio nascido das profundas alterações havidas no cenário político.

O Centro Santo Dias os superou porque, apesar de ter sido criado sob a

égide de um governo ainda militar, teve uma atuação voltada para a luta contra

a violência policial dirigida ao cidadão comum e não apenas contra dissidentes

políticos. Seu trabalho foi orientado pelas violações aos direitos humanos

cometidas em um contexto de transição democrática e não pelas violações

relacionadas aos regimes militares.

O CELS também ultrapassa este primeiro obstáculo por ter sido criado

para atuar não apenas como um órgão de defesa dos direitos humanos no

sentido mais clássico, mas também como um centro de pesquisa. Observe-se,

como já foi assinalado, que o Centro Santo Dias jamais enfatizou a pesquisa

como um de seus principais objetivos. O CELS, na visão de um de seus

fundadores, deveria ser uma entidade de “resistencia de la dictadura y un

proyecto de la abogacía. Hay un articulo muy interesante de Emilio Mignone

1 Cf. Mainwaring & Viola, 1985; Pressburger, 1993 e Jelín, 1994.

110

que decía que él pensó un organismo que pudiera servir más allá de la

dictadura. Él dijo: ‘las organizaciones de victimas tienen fin, van a tener un final

cuando muera la ultima madre, cuando muera la ultima abuela, estos son

organismos que tienen un fin muy claro y que también se van a luchar en el

tiempo’. Y lo que hicimos fue crear un organismo que transcendiera esto, que

pudiera tener una mirada mucho más amplia del tema de derechos humanos

y creo que esto tuve siempre muy presente”.2

Um outro aspecto que contribuiu para que estas entidades não

desaparecessem ou tivessem uma vida meramente fantasmagórica, foi a

perspectiva integradora dos direitos humanos e dos problemas sociais

assumida pelas entidades. Tanto o Centro Santo Dias quanto o CELS cultivam

uma visão de direitos humanos que não se restringe ao clássico repertório dos

direitos individuais. Estas entidades foram muito além da defesa das liberdades

formais ao incorporarem em sua luta os direitos sociais, econômicos e

culturais. Concomitantemente aos trabalhos desenvolvidos em casos de

violações do direito à vida, ambas as entidades têm sua atuação voltada para a

proteção e a promoção dos direitos sociais dos cidadãos. O Centro Santo Dias

faz isto desde o seu início, ao prestar assessoria jurídica e política aos

movimentos sociais, em especial ao movimento de moradia; o CELS começa

um pouco mais tarde, por meio de um programa específico sobre os direitos

econômicos, sociais e culturais.

Ademais, a atuação das duas entidades não se limitou, nestes seus

anos de existência, à denúncia dos casos de violações de direitos humanos.

Paralelamente a este trabalho, ambas atuam nas áreas de educação e

pesquisa, para citar duas delas. Este é, sem dúvida, um outro aspecto que as

diferenciam do movimento de direitos humanos dos anos 1970. Como

mencionou o atual coordenador do Centro Santo Dias: “(...) eu acho que o

Santo Dias ele pôde, naturalmente, passar dessa fase mais jurídica para uma

atuação mais social, sem perder as origens. Uma atuação do centro na área

2 Entrevista realizada com Victor Abramovich, Buenos Aires, 20/09/2002.

111

social, através de cursos, seminários de direitos humanos é o que nós estamos

fazendo”.3 Esta atuação mais ampla está, pois, relacionada à concepção de

direitos humanos assumida pelas duas entidades analisadas.

Apesar de exibirem diferenças na forma como estruturam as suas

respectivas atuações, ambas as entidades têm como principal meio de ação o

litígio e a assistência jurídica dos casos de violações de direitos humanos.

Ainda que tenham sua capacidade de atuação limitada, seja por restrições

orçamentárias, seja em razão dos mecanismos formais, elas tiveram um

importante papel no atendimento às vítimas de violações ou aos seus

familiares. Esta ajuda assumiu várias formas, desde as ações civis

indenizatórias, impetradas pelo Centro Santo Dias, até o atendimento

psicológico, oferecido pelo CELS.

O Centro Santo Dias, desde sua fundação, acompanhou, na esfera

judicial, todos os casos de violência policial que chegavam ao conhecimento da

entidade. Este trabalho desdobra-se em dois: a atuação da entidade como

assistente da acusação, representando a vítima ou seus familiares, e a ação

civil indenizatória. Desta forma, o Centro Santo Dias atuava nos âmbitos da

justiça criminal e cível. De meados dos anos de 1990 para cá, mais exatamente

com a criação da Ouvidoria, a entidade deixou de acompanhar todos os casos

na justiça criminal porque, segundo um de seus coordenadores, estes casos

passaram a ser atendidos pela Ouvidoria de Polícia. “A Ouvidoria tem mais

estrutura e mais condições de aprofundar o caso, não é. Então eu acho que

acabou se dando uma parceria”.4 Esta mudança se deu muito mais em função

da criação de um outro mecanismo de defesa do cidadão, com o qual se

estabeleceu uma parceria, do que graças a alteração estratégica de seu

modelo de atuação5.

3 Entrevista realizada com Hélio Bicudo, 15/04/2003. 4 Entrevista realizada com Benedito Mariano, São Paulo, 03/10/2002. 5 Desde a criação da Ouvidoria até o presente momento foram nomeados dois ouvidores: Benedito Mariano e Fermino Fecchio, ambos pertencentes à diretoria do Centro Santo Dias.

112

Em relação ao CELS, a entidade também trabalhava com todos os

casos de violência policial que chegavam ao seu conhecimento; porém, houve,

em certo momento, uma mudança de percurso, que alterou este modelo de

atuação. “El CELS comenzó llevando causas de violencia policial. La idea en

algunos momentos fue llevar todas las denuncias que se presentaran y después

hubo un período en que la decisión fue tomar algunos casos lideres, o sea, de

demostrar esta metodología y trabajar a otro nivel”6. Esta mudança teve duas

explicações diferentes, mas não necessariamente contraditórias: uma, que faz

parte de uma estratégia da entidade, que passou a trabalhar as causas mais

estruturais desta violência, objetivando intervir nas esferas políticas; e outra,

que estaria relacionada a uma imposição da agência financiadora, mais

especificamente da Fundação Ford7.

Mesmo que as entidades adotem a estratégia de atuar em outras

esferas, visando à mudança nas estruturas sociais e políticas, o trabalho de

assistência às vítimas não pode ser abandonado porque constitui a razão

primeira de existência do movimento de direitos humanos.

As duas entidades revelam uma forte capacidade de dialogar com

instâncias internacionais de direitos humanos, seja participando ativamente de

redes transnacionais8, ou seja utilizando os mecanismos internacionais de

proteção dos direitos humanos para garantir que os responsáveis pelas

violações não fiquem impunes.

Tanto o Centro Santo Dias quanto o CELS já encaminharam casos à

Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O Centro Santo Dias

recorreu àquele mecanismo internacional para apresentar casos de violência

policial, cometida por agentes da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que

se encontravam sem o devido andamento judicial no Tribunal Militar. O CELS

6 Entrevista realizada com Sofía Tiscórnia, Buenos Aires, 18/09/2002 7 Estas razões aparecem nas entrevistas realizadas com Victor Abramovich e Sofía Tiscórnia, respectivamente, e já foram mencionadas no capítulo dedicado ao CELS. 8 Cf. Keck & Sikkink, 1998; Almeida, 2002.

113

acionou o sistema internacional antes, com os casos ocorridos durante a

ditadura militar. Em casos de violência policial ou de violações de direitos

econômicos, sociais e culturais, a entidade também tem acionado a Comissão

para que o Estado responda por estas violações.

A principal diferença a ser destacada em relação à CIDH é que o CELS

vem tentando fazer com que as decisões da Comissão, assim como as de

outros organismos internacionais de defesa dos direitos humanos, venham a

ser incorporadas no âmbito nacional, criando jurisprudência específica sobre o

tema. Neste assunto, o CELS encontra-se um passo à frente do Centro Santo

Dias.

No âmbito interno há graus diferentes de êxito. Em termos de uma rede

nacional, das duas entidades, o Centro Santo Dias foi a que mais avançou,

pois integra, desde 1982, o Movimento Nacional de Direitos Humanos. O CELS

ainda está construindo esta relação interna, que é de fundamental importância

para fortalecer e solidificar o trabalho destes organismos.

Um importante passo dado pelo Centro Santo Dias, no início de suas

atividades, foi a participação na criação do Movimento Nacional de Direitos

Humanos9. Esta articulação ajudou a romper com o isolamento que as

entidades de direitos humanos viviam no início do processo de transição

democrática, fortalecendo seu trabalho. Já o CELS, devido à ausência de

canais formais de participação política, teve uma trajetória voltada muito mais

para o exterior, que está relacionada à história das entidades de direitos

humanos argentinas, pois, como apontaram Keck e Skikkink (1998:105), “within

a year of the coup, Argentine domestic human rights organizations began to

develop significant external contacts. Their members travelled frequently to the

United States and Europe, where they met with human rights organizations (…).

These groups sought foreign contacts to publicize the human rights situation, to

9 Cf. entrevistas realizadas com Benedito Mariano e João Frederico dos Santos sobre o papel da entidade na criação do Movimento Nacional de Direitos Humanos, já mencionadas no capítulo 2.

114

fund their activities, and to help protect themselves from further repression by

the government”.

Na avaliação feita por Basombrío (1996) sobre o movimento de direitos

humanos na América Latina, o autor cita apenas dois exemplos de países nos

quais se criou um rede articulada de plataformas estáveis de coordenação

política: o Brasil, com o Movimento Nacional de Direitos Humanos; e o Peru,

com a Coordinadora Nacional de Derechos Humanos. Como já foi assinalado,

O CELS esteve muito mais articulado externamente do que internamente10.

Em um trabalho sobre a temática dos direitos humanos no Brasil,

Almeida (20002:186) afirma que “disseminaram-se experiências de conselhos

estaduais como o de São Paulo, composto de forma majoritária por

representantes da sociedade civil. Surgiram as experiências de ouvidoria de

polícia, monitoradas pela sociedade”.

Não pode ser desprezada a contribuição do Centro Santo Dias na

articulação do Movimento Nacional de Direitos Humanos e nem neste processo

de disseminação, pois, no início dos anos de 1990, a entidade foi uma das

responsáveis pela regulamentação do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa

Humana de São Paulo. “O Santo Dias, a Justiça e Paz e outros órgãos

regulamentaram esse conselho, foi uma briga intensa, principalmente de qual

é a abrangência da fiscalização deste conselho, e acabou passando”. 11

A articulação em uma rede nacional de organismos de direitos humanos

é bastante recente na história do CELS. Esta atuação mais articulada é

apresentada, pelo diretor executivo da entidade, como um dos desafios a

serem transpostos. “Para tener más inserción social hay varias formas. Yo creo

que un programa tendría que llevar: primero mejorando los mecanismos de

comunicación del CELS, esto es un de los temas centrales. Después, mejorando

nuestro trabajo político, el trabajo de alianzas. Por ejemplo, el CELS tiene una

10 O CELS é filiado à Comissão Internacional de Juristas, de Genebra, e à Liga Internacional pelos Direitos Humanos, de Nova Iorque. 11 Entrevista realizada com Benedito Mariano, 03/04/2003.

115

presencia muy fuerte en la FRENAPO – Frente nacional contra la Pobreza – que

es una coalición de organizaciones sociales, sindicales y movimiento piquetero,

no, y fortaleciendo esto mantenemos nuestro trabajo con los organismos”.12

Um dos limites das entidades de direitos humanos, apontado na

literatura especializada, é a de estabelecer um diálogo com setores do Estado,

que é percebido como um inimigo frente ao qual só cabe a denúncia13. Quanto

mais vinculado à luta contra o terrorismo do Estado, tanto mais difícil se torna

esta interlocução e a apresentação de propostas conjuntas. Na análise sobre

as duas entidades, foi possível observar que ambas têm buscado estabelecer

esta interlocução, ultrapassando mais um entrave do legado autoritário.

Em relação ao Centro Santo Dias, pode-se afirmar, ainda, que foi devido

ao trabalho nele desenvolvido que um de seus diretores, Benedito Mariano,

tornou-se o primeiro Ouvidor de Polícia no Brasil, à frente da Ouvidoria de São

Paulo. “E foi uma função importante, um trabalho importante para entender a

dinâmica da violência policial e eu acho que isso foi conseqüência ou

continuidade do trabalho do Santo Dias, e após a Ouvidoria, oito a dez

estados criaram também ouvidorias de polícia”.14 Além disso, o Centro Santo

Dias foi responsável em coordenar o SOS Tortura em São Paulo, que “é um

projeto do Ministério de Justiça, mas quem monitorava e executava o SOS

eram as ONGs e aqui em São Paulo o Santo Dias canalizou as denúncias.

Então, recebia as denúncias e mandava para os órgãos competentes e fazia o

monitoramento, então eu acho que com o tempo, o que é muito natural e foi

importante que acontecesse, o Santo Dias foi redimensionando a sua ação, o

seu trabalho”.15 Nestes dois instrumentos de controle cidadão sobre as

atividades do Estado, assim como na Lei nº 9.299/96 - de autoria de Hélio

Bicudo -, vê-se a forte influência do Centro Santo Dias.

12 Entrevista realizada com Victor Abramovich, 20/09/2002. 13 Cf. Jacobi, 1987; Cardoso, 1988; e Basombrío, 1996. 14 Entrevista realizada com Benedito Mariano, 03/04/2003. 15 Entrevista realizada com Benedito Mariano, 03/04/2003.

116

No CELS este relacionamento se dá, segundo o seu secretário

executivo, devido ao perfil mais técnico de sua equipe. “El CELS es lo primer que

empieza a cambiar esto, y empieza a perfilarse más como un organismo

técnico que influencia en políticas públicas, fortalecimiento institucional y que

se relaciona con el Estado, peleando cuando tiene que pelear en la defensa

de casos individuales y, además, pero al mismo tiempo, generando algunos

vínculos de colaboración, por ejemplo: realizando algunos tratos de

investigación con áreas del Estado, intercambiando información, generando

seminarios con organismos públicos, generando vínculos de colaboración de

asesoramiento en algunos temas, teniendo instancias de diálogos con

funcionarios, o sea, formas de relacionarse con el Estado que ya no son

directas a las que traía la dictadura y que van marcando un parte del CELS”.16

Uma outra mudança havida na configuração destas entidades diz

respeito ao perfil de seus quadros. Basombrío (1996:27) evidencia que “los

organismos de derechos humanos cuentan con equipos profesionales

multidisciplinarios que ya no sólo son valiosos por tener un sólido compromiso

con las causas que defienden, sino que comienzan a adquirir también un nivel

profesional especializado en estos temas, que permite una habilidad mínima

suficiente para abordar, con destreza, los problemas a los que se hace frente”.

Neste aspecto, as diferenças são marcantes entre as duas entidades,

seja do ponto de vista técnico, seja do ponto de vista numérico. Em relação ao

Centro Santo Dias, é possível observar que seu quadro é composto por

pessoas engajadas nas causas políticas, em especial partidária, além de serem

especialistas nos temas de que se ocupam na entidade.

A equipe do CELS era composta, até meados dos anos de 1990, por

pessoas totalmente engajadas na luta contra a ditadura - algumas, vítimas

diretas da repressão do Estado, outras com forte vinculação a estas vítimas.

Há algum tempo, no entanto, este perfil mudou bastante: houve um estímulo

para a profissionalização do seu pessoal, seja por meio da capacitação ou de

16 Entrevista realizada com Victor Abramovich, 20/09/2002.

117

estágios realizados em outros centros de pesquisa ou de direitos humanos, e

este perfil mais militante foi se diluindo. Isto não significa que a equipe não

esteja comprometida com a causa, apenas indica que as pessoas desta nova

geração, com raras exceções, não atuam na esfera política.

É possível afirmar que o perfil intermediário entre o militante e o

profissional é encontrado de forma mais nítida no Centro Santo Dias. Vale

ressaltar que, atualmente, quase que a totalidade de sua diretoria ocupa cargos

políticos de importância: Hélio Bicudo, presidente da Comissão Municipal de

Direitos Humanos e vice-prefeito do município de São Paulo; Fermino Fecchio,

ouvidor de polícia do estado de São Paulo; Benedito Mariano, secretário de

Segurança Urbana do município de São Paulo.

Como pode ser observado em vários estudos17, os estados nacionais

estão assumindo, cada vez mais, as demandas de direitos humanos. ”La

velocidad con que los Estados vienen incorporando las temáticas de derechos

humanos (con muy diferentes dosis de sinceridad y hasta en algunos casos

sólo para adaptarse a las circunstancias) exige de los organismos reflexiones

rápidas y manejo político muchos más exigente (grifo meu), que el que muchas

veces si tiene.” (Basombrío, 1996). Como a luta pelos direitos humanos se dá,

essencialmente, na esfera política, é muito importante que as equipes

mantenham um maior engajamento político para que sua atuação tenha mais

eficácia política.

Uma outra diferença decorre do tamanho de seus staffs: no Centro

Santo Dias é limitado ao número de cinco pessoas - dois advogados, um

jornalista, o secretário executivo da entidade e uma secretária geral. Já a

equipe do CELS é composta por 50 pessoas, a maioria ligada à pesquisa. É

curioso observar, em relação ao CELS, que um de seus fundadores defendia

que os organismos de direitos humanos tivessem uma “estructura institucional

basada en un grupo reducido de personal estable y el diseño y ejecución de

proyectos mediante la contratación de especialistas temporarios” (Mignone,

17 Cf. Gómez, 1988; Pinheiro, 1996 e Almeida, 2002.

118

1996:224).

Um aspecto que merece especial atenção diz respeito aos recursos

recebidos pelas entidades. As suas principais fontes financiadoras são os

organismos internacionais. No caso do CELS, a maior parte de sua verba

provém da Fundação Ford. O Centro Santo Dias, por sua vez, recebe apoio,

basicamente, de entidades ligadas à Igreja Católica, majoritariamente de

origem alemã - graças à filiação de Dom Paulo à ordem franciscana daquele

país.

Como afirmou Sikkink (1996:84), o movimento de direitos humanos na

América Latina se converteu em um sério dependente dos recursos das

fundações internacionais. “La excesiva confianza en la financiación

internacional puede desalentar la búsqueda de fuentes de fondos nacionales y

distorsionar las prioridades. Las decisiones internacionales sobre subsidios, en

ocasiones determinan de forma decisiva cuáles grupos van a prospera y crecer

y cuáles cairán en el olvido”.

Os financiamentos nacionais para ambas as entidades são escassos, e,

quando existem, são provenientes do próprio Estado. Como ressaltou Mignone

(1996), os financiamentos estrangeiros desempenharam importante papel nos

períodos de exceção, mas com a democracia é mister que as entidades

busquem recursos internamente, recorrendo a fundações, empresas,

sindicatos, Igrejas. Além de financiar as entidades, estes recursos poderiam

tornar mais próximos da luta pelos direitos humanos aqueles setores da

sociedade que, tradicionalmente, a elas se opunham, conferindo ao movimento

maior legitimidade.

Conseguir a aproximação destes setores poderia ser também um meio

de transformar os direitos humanos no que Fiss (1999) denominou ideal social,

que vai além do reconhecimento formal dos direitos pelo Estado. Quando os

direitos humanos se tornam um ideal social, a sociedade, como um todo, é

capaz de apontar as lacunas entre o que está formalmente enunciado e o que

de fato ocorre.

119

***

A proteção aos direitos humanos não é necessária apenas durante as

ditaduras militares, pois a vigência do Estado de Direito não é capaz por si só

de reduzir as desigualdades e eliminar o arbítrio, como pôde ser demonstrado

ao longo deste trabalho. Para garantir um Estado de fato democrático é

imprescindível que as violações de direitos humanos sejam denunciadas,

acompanhadas e, principalmente, eliminadas.

As duas entidades analisadas destacaram-se por seu trabalho, que está

muito além da denúncia das violações aos direitos humanos cometidas pelo

Estado. Como já foi mencionado, a partir das transições democráticas, estas

entidades ampliaram a sua luta em defesa dos direitos humanos, incorporando

a noção de promoção desses direitos, principalmente por meio dos direitos

econômicos, sociais e culturais. Além disso, as duas entidades intervieram nas

três esferas do Estado, reforçando o seu papel também no âmbito político.

Desta forma, tanto o Centro Santo Dias quanto o CELS oferecem importantes

contribuições para o fortalecimento da democracia em seus países.

Está na hora, pois, de dar um novo passo. É de notório saber que

esforços conjuntos convergem para produzir efeitos mais significativos do que

ações isoladas. Não basta, portanto, que cada entidade lute em prol dos

direitos humanos em âmbito nacional; é necessário promover uma articulação

regional das entidades de direitos humanos18, impulsionando a criação de um

movimento nos países do Mercosul, a partir de uma agenda comum de defesa

dos direitos humanos na região.

Este movimento poderia atuar de modo a tornar mais efetiva a difusão

das normas e dos mecanismos nacionais e internacionais de proteção, que

podem e devem ser acionados todas as vezes que os Estados nacionais

18 Já existem alguns movimentos neste sentido, como a Plataforma Latino-americana para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. A proposta aqui é de um movimento que conceba os direitos humanos em seu significado mais amplo.

120

violem os direitos humanos. Além disso, o movimento poderia fazer avançar

uma jurisprudência específica sobre este tema, como o CELS já vem fazendo

em âmbito nacional, para garantir que as decisões dos mecanismos

internacionais de proteção sejam, de fato, incorporadas pelos Estados.

Talvez este possa ser um caminho que possibilite, no futuro, refutar a

afirmação segundo a qual o poder na América Latina contempla en éxtasis la

globalización de dinero, pero no puede ni ver la globalización de los derechos

humanos”, de Eduardo Galeano.

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Humanos, org. Direitos humanos: um debate necessário. São Paulo, Brasiliense.

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5.2 FONTES

5.2.1 Centro Santo Dias

CENTRO SANTO DIAS DE DIREITOS HUMANOS DA ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. 1992. Doze anos de luta pela cidadania. São Paulo, Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo.

CENTRO SANTO DIAS DE DIREITOS HUMANOS DA ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. 1993. Agenda Nacional de Direitos Humanos. (Caderno nº 1, Direitos Humanos: realidade e perspectivas). São Paulo, Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo.

CENTRO SANTO DIAS DE DIREITOS HUMANOS DA ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. 1993. Relatório Anual, 1993. (Caderno nº 2, Direitos Humanos: realidade e perspectivas). São Paulo, Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo.

MARIANO, B. & TONETO, B. 2000. Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo: da luta contra a violência policial à atuação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e na primeira experiência de Ombudsman da Polícia no Brasil. São Paulo, Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo.

127

PARTILHA. Órgão Mensal do Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo. (vários números) 5.2.2 Centro de Estudios Legales y Sociales

www.cels.org.ar

BOLETÍN CELS, año 10, número 42 , julio/agosto 1998.

CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES. 1989. Muertes por violencia policial. Buenos Aires, CELS.

CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES. 1997. Informe anual sobre la situación de los derechos humanos en la Argentina: 1996. Buenos Aires, CELS.

CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES. 1998. La inseguridad policial: violencia de las fuerzas de seguridad en la Argentina. Buenos Aires, CELS/Human Rights Watch/Editorial Universitaria de Buenos Aires.

CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES. 2002. Derechos Humanos en Argentina. Informe 2002. Hechos enero-diciembre 2001. Buenos Aires, CELS/Siglo XXI de Argentina.

ANEXOS

2A - SÓCIOS FUNDADORES1

James Wright, pastor protestante

Angelo Gianola, padre

Mario do Passos Simas Filho, jornalista

Carlos Strateli, padre

Michael Mary Nolan, freira

Robert Grand-Maison, padre

Raimundo Lipcki, padre

Hidely Frantini, advogada

Mario Spallicci, padre

Marcelo Duarte de Oliveira, padre (Pe. Agostinho)

José J. Queiróz, advogado

Ana Maria do Carmo e Silva, dona de casa (Ana Dias)

Mario do Passos Simas, advogado

Therezinha Brandão Machado, professora

Luis Eduardo Rodrigues Greenhalg, advogado

Willian T. Reinhardt, padre

Peter F. Curan, padre

Petrus J.A. Berendise, padre

Hélio Pereira Bicudo, advogado

Antonio Papin, frei

1 Os nomes estão listados tal qual aparecem na Ata de Fundação da entidade.

129

2B - ESTATUTO2

Estatutos do Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo

Capítulo I

Denominação, Sede e Fins

Art. 1º - O Centro “Santo Dias” de Direitos Humanos é uma Associação Civil, sem fins políticos e lucrativos. Uma pastoral da Igreja, a serviço da Arquidiocese de São Paulo, com sede na Comarca de São Paulo, com prazo de duração indeterminado, sendo constituído por pessoas físicas ou jurídicas, que se disponham a trabalhar em prol de seus fins.

Art. 2º - São seus fins:

I - Atuar como órgão de defesa da pessoa humana e da coletividade.

II - Apoiar os Centros de Defesa dos Direitos Humanos e entidades congêneres de igual finalidade.

III - Promover a formação de pessoas ou de grupos de pessoas capazes de esclarecer, ajudar, e orientar cidadãos no que concerne aos seus direitos.

IV - Promover ou propor formas de eliminar as injustiças, revelando as violações dos Direitos Humanos e suas causas, de maneira a permitir a solicitação dos Direitos e da Justiça.

Art.3º - O Centro “Santo Dias” de Direitos Humanos, não tem fundo social, e custeará suas atividades pelo recebimento de auxílios, donativos e subvenções.

Capítulo II

Os Associados e a Administração Social

Art. 4º - O quadro dos associados é limitado a até 30 (trinta) membros, sem prejuízo da designação de assessores técnicos, em número limitado.

Parágrafo Único - Os sócios que participarem da fundação do Centro “Santo Dias”, assinando sua ATA, serão considerados SÓCIOS FUNDADORES.

2 O Estatuto foi extraído de: Mariano, B. & Toneto, B. 2000. “Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo: da luta contra a violência policial à atuação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e na primeira experiência de Ombudsman da Polícia no Brasil”. São Paulo, Centro Santo Dias.

130

Art. 5º - As vagas no quadro de sócios serão preenchidas por pessoas engajadas na tarefa de defesa dos Direitos Humanos, que obtiverem sua indicação com o voto de pelo menos 2/3 dos associados reunidos em assembléia geral.

Art. 6º - O associado que descumprir as funções que lhe forem atribuídas ou cometer atos de violações aos direitos associativos, poderá ser excluído do Centro “Santo Dias” por deliberação de pelo menos dois terços dos associados, assegurada ampla defesa.

Art. 7º - É Presidente de honra do Centro “Santo Dias” de Direitos Humanos o Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de São Paulo.

Art. 8º - A Associação é administrada por quatro membros; 1 coordenador, 1 vice-coordenador, 1 secretário e 1 tesoureiro, todos eleitos em Assembléia Geral cada dois anos podendo ser reeleitos, devendo a eleição ser confirmada pelo Arcebispo Metropolitano de São Paulo.

Parágrafo 1º - Os serviços prestados por membros da Diretoria a nível de Secretaria e Tesouraria poderão ser remunerados, desde que a carga horária cumprida a serviços exclusivos do Centro, seja igual a trinta horas semanais.

Parágrafo 2º - Os administradores do Centro “Santo Dias” poderão ser destituídos a qualquer tempo por deliberação de 2/3 dos associados, nos termos do artigo 6º.

Parágrafo 3º - Da eleição ou da destituição dos administradores far-se-á competente comunicação ao Arcebispo Metropolitano de São Paulo e ao Registro Público para fins de Direito.

Art. 9º - Compete ao Coordenador a representação da Associação ativa e passivamente em Juízo ou fora dele. Os demais administradores dividirão entre si as tarefas internas de administração.

Art. 10º - Compete ao vice-Coordenador substituir o Presidente na hipótese de vacância do cargo e até eleição na forma destes Estatutos (Art. 8º).

Art. 11º - Compete ao tesoureiro ou ao Secretário, conjunta ou separadamente, a movimentação de contas bancárias em nome da Associação. Depende, porém, da assinatura conjunta de dois administradores a assunção de obrigações e a responsabilidade em títulos de Crédito ou instrumentos contratuais em nome da entidade.

Art. 12º - Nos seus impedimentos, o Coordenador será substituído pelo Vice-Coordenador, este pelo Secretário e este pelo Tesoureiro.

Art. 13º - No impedimento do Tesoureiro, a substituição far-se-á na pessoa que for designada pelo Coordenador.

Art. 14º - Representatividade dos funcionários

131

Os funcionários se farão representar nas reuniões do Conselho Diretor e nas Assembléias Gerais Ordinárias e extraordinárias, por um representante escolhido, livremente, pelos próprios funcionários.

Parágrafo Único - O funcionário, assim escolhido, terá direito à voz nas Assembléias e voz e voto no Conselho Diretor, não podendo ser eleito para cargos da Diretoria.

Art. 15º - A Associação terá um Conselho Diretor constituído pelo Presidente de honra, pelos Administradores e por 4 Conselheiros e 2 Suplentes de Conselho Diretor, escolhidos em Assembléia Geral, com mandato consoante ao disposto no Art. 8º.

Art. 16º - Compete ao Conselho Diretor:

Parágrafo 1º - Acompanhar e avaliar o Plano de trabalho do Centro “Santo Dias” aprovado em Assembléia Geral.

Parágrafo 2º - Opinar sobre a articulação do Centro, com entidades afins.

Parágrafo 3º - Opinar sobre a proposta de orçamento elaborado pela Diretoria, a ser submetido à Assembléia Geral.

Art. 17º - O Conselho Diretor reunir-se-á pelo menos uma vez por mês, e extraordinariamente, pela convocação fundamentada de pelo menos3 de seus membros.

Art. 18º - Compete a Assembléia Geral, rever e avaliar o Plano de atividade da Associação, bem como estabelecer o orçamento e aprovar a prestação de contas e relatórios anuais dos administradores.

Parágrafo 1º - A Assembléia Geral reunir-se-á pelo menos duas vezes por ano, mediante convocação de seu Coordenador e, extraordinariamente, por solicitação de pelo menos 1/3 de seus associados. As Assembléias Gerais ordinárias e extraordinárias deverão ser instaladas e em 1ª convocação com 2/3 dos associados e 2ª convocação qualquer número.

Art. 19º - Os presentes Estatutos podem ser reformulados em qualquer uma de suas disposições mediante proposta de pelo menos 2 (dois) associados, concretizando-se a reforma pelo voto de pelo menos 2/3 dos associados.

Art. 20º - O Centro “Santo Dias” se dissolve por deliberação de seus associados com a maioria de 2/3 dos associados, o acervo líquido depois de solvido o passivo, será transferido à entidade congênere, dentro do Estado de São Paulo, indicada pela Assembléia de Associados.

132

2C - GESTÕES DA COORDENAÇÃO3 Presidente de Honra: Dom Paulo Evaristo Arns

GESTÃO 1980/1981

Presidente: Hélio Pereira Bicudo

Vice-Presidente: Jaime Wright

Secretária: Thereza Brandão

Tesoureira: Irmã Michael Mary Nolan

Conselho Mário Simas

Fermino Fecchio Filho

Padre Roberto Grand-Maison

GESTÃO 1981/1983

Presidente: Mário Simas

Vice-Presidente: Jaime Wright

Secretário: Benedito Mariano

Tesoureira: Irmã Michael Mary Nolan

Conselho Fermino Fecchio Filho

Padre Roberto Grand-Maison

GESTÃO 1983/1985

Presidente: Hélio Bicudo

Vice-Presidente: Padre Pedro Curran

Secretária: Thereza Brandão

Tesoureira: Irmã Michael Mary Nolan

Conselho Mário Simas

Ana Cristina Bardusco

Luis Heitor F. Panutti

3 Cf. Mariano & Toneto (2000).

133

GESTÃO 1985/1987

Coordenador: Hélio Bicudo

Vice-Coordenador: Padre Pedro Curran

Secretário: Benedito Mariano

Tesoureira: Irmã Michael Mary Nolan

Conselho Luiz Heitor F. Panutti

Wanderlei Dambros

José Reinaldo Lima Lopes

Ana Maria do Carmo e Silva

Marli Nascimento Ferreira

GESTÃO 1987/1989

Coordenador: Hélio Bicudo

Vice-Coordenador: Fermino Fecchio Filho

Secretário-geral: Benedito Mariano

Tesoureiro: Padre Roberto Grand-Maison

Conselho José J. Queiróz

Irmã Michael Mary Nolan

Pablo Gonzáles Olalla

Padre Luiz Giuliani

Ana Maria do Carmo e Silva

Luiz Smirdele

134

GESTÃO 1989/1991

Coordenador: José J. Queiróz

Vice-Coordenador: Hélio Bicudo

Secretário-geral: Benedito Mariano

Tesoureira: Thereza Brandão

Conselho Ana Maria do Carmo e Silva

Mário Simas

Padre Agostinho D. Oliveira

Padre Roberto Grand-Maison

Pablo Gonzáles Olalla

GESTÃO 1989/1994

Coordenador: Fermino Fecchio Filho

Vice-Coordenador: Hélio Bicudo

Secretário-geral: Benedito Domingos Mariano

Tesoureira: Pablo Gonzales

Conselho Mário Simas

Padre Roberto Grand-Maison

Padre José Domingos Braghetto

José Reinaldo de Lima Lopes

GESTÃO 1994/1997

Coordenador: Fermino Fecchio Filho

Vice-Coordenador: Hélio Bicudo

Secretário-geral: Benedito Domingos Mariano

Tesoureira: Therezinha Brandão Machado

Conselho José J. Queiróz

Padre Roberto Grand-Maison

Padre José Domingos Braghetto

Rildo Marques de Oliveira

135

GESTÃO 1997/2000

Coordenador: Hélio Bicudo

Vice-Coordenador: Fermino Fecchio Filho

Secretário-geral: Benedito Domingos Mariano

Tesoureiro: José Pedro da Silva

Conselho Padre Roberto Grand-Maison

José J. Queiróz

Rildo Marques de Oliveira

Padre José Domingos Braghetto

GESTÃO 2000/2003

Coordenador: Hélio Bicudo

Vice-Coordenador: Fermino Fecchio Filho

Secretário-geral: Benedito Domingos Mariano

Tesoureiro: José Pedro da Silva

Conselho Estela Catarina G. Mariano

Antonio Everton de Souza

Carmem Lúcia Valente Leite

Therezinha Brandão Machado

Maria Beatriz Sinisgalli

Rildo Marques de Oliveira

136

3A - PRÊMIOS DE DIREITOS HUMANOS

Letelier-Moffit Human Rights Awards

“The Letelier-Moffitt Human Rights Awards” homenageia dois associados do Institute

for Policies Studies que foram mortos em 21 de setembro de 1976, vítimas de um

carro bomba. A ação foi coordenada pela polícia secreta de Pinochet.

Orlando Letelier foi um embaixador chileno e conhecido crítico de Pinochet. Tinha sido

o ministro de relações exteriores do governo de Salvador Allende. Ronni Karpen Moffit

tinha 25 anos, foi assistente de desenvolvimento do IPS e ativista pela paz.

Para homenagear Letelier, Moffit e outras pessoas que perderam suas vidas por seu

trabalho humanitário, foi criado o prêmio Letelier Moffit Human Rights, que é

concedido, anualmente, pelo Institute for Policy Studies. [http://www.ips-dc.org/lm-

awards]

The Roger E. Joseph Prize

“The Roger E. Joseph Prize” é um prêmio internacional concedido a pessoas ou

organizações que, pela virtude religiosoa e pelo compromiso moral, têm realizado uma

destacada contribuição à humanindade. O prêmio foi criado por Burton M. Joseph of

Minneapolis, Minnesota, um destacado homem de negócios e líder de direitos

humanos, para homenagear a memória de seu irmão Roger Joseph.

Entre as pessoas e entidades que receberam o prêmio, no valor de U$D10,000 estão:

Victor Kugler - que deu refúgio a Anne Frank e sua família; Helen Suzman, ativista sul-

africana contra o apharteid; Rosa Parks, criadora do moderno movimento pelos

direitos civis americanos; a aldeia de Le Chambon, que refugiou judeus e cristão

durante o Holocausto; postumamente a Johan Jorgen Holst, por facilitar os acordos de

Paz no Oriente Médio; e o Center for Victims of Torture e o Bellevue/NYU Program for

Survivors of Torture. É concedido, anualmente, pelo Hebrew Union College-Jewish

Institute of Religion. [http://www.huc.edu/news/ joseph01.html]

137

3B - ESTATUTO

Centro de Estudios Legales y Sociales

TITULO I - DISPOSICIONES GENERALES

Artículo 1º: Con la denominación “Asociación Civil Centro de Estudios Legales y

Sociales (CELS), se constituye en el día 31 de Mayo de 1985, una asociación civil, con

domicilio en jurisdicción de la Ciudad de Buenos Aires.

Artículo 2º: Son sus propósitos:

1. Realizar investigaciones y estudios en el ámbito de las relaciones entre el derecho y

la sociedad, dirigidas a la defensa de la dignidad de la persona humana, de la

soberanía del pueblo, del bienestar de la comunidad - en particular de los sectores

más desprotegidos - y del medio ambiente.

2. Asistir a las víctimas de violaciones a los derechos humanos fundamentales

poniendo a su disposición profesionales debidamente matriculados para el ejercicio

de las acciones administrativas o judiciales que tiendan a la reparación de la justicia

lesionada. En ningún caso se promoverá la realización de acciones de exclusivo o

principal contenido patrimonial.

3. Promover estudios, conferencias, mesas redondas, bates y publicaciones en

defensa de los Derechos Humanos Fundamentales, y especialmente de las

libertades públicas, y de las demás garantías que consagra la Constitución

Nacional.

TITULO II - CAPACIDAD: PATRIMONIO Y RECURSOS SOCIALES

Artículo 3º. La asociación está capacitada para adquirir bienes y contraer

obligaciones. Podrá, en consecuencia, operar con instituciones financieras y

bancarias, públicas y privadas.

Artículo 4º. El patrimonio se encuentra compuesto por:

los bienes que posee en la actualidad y los que adquiera en lo sucesivo por cualquier

título; las cuotas que abonen sus asociados; las donaciones, herencias, legados y

subvenciones; el producido por cualquier otra entrada de orden lícito.

138

TITULO III - ASOCIADOS: CONDICIONES DE ADMISION Y EXCLUSION; OBLIGACIONES Y DERECHOS.

Artículo 5º. Se establecen las siguientes categorías de asociados:

a. ACTIVOS: los que tengan más de dieciocho (18) años y sean aceptados por la

Comisión Directiva por mayoría de dos tercios;

b. HONORARIOS: los que en atención a servicios prestados a la Asociación o a

determinadas condiciones personales, sean designados por la Asamblea a

propuesta de la Comisión Directiva o del ochenta por ciento (80%) de los asociados

con derecho a voto;

c. ADHERENTES: los que tengan más de dieciocho (18) años y sean aceptados por

la Comisión Directiva, por mayoría.

Artículo 6º. Los asociados activos tienen las siguientes obligaciones y derechos:

1. abonar la contribución ordinaria;

2. cumplir las demás obligaciones que imponga el Estatuto, reglamentos y las

resoluciones de Asamblea y Comisión Directiva;

3. participar con voz y voto en las asambleas cuando tengan una actividad de un (1)

año, ser elegidos para integrar los órganos sociales;

4. gozar de los beneficios que otorga la entidad.

Artículo 7º. Los asociados adherentes tienen las siguientes obligaciones y

derechos:

1. abonar la contribución ordinaria;

2. cumplir con las obligaciones que impone este Estatuto;

3. gozar de los beneficios que otorga la entidad.

Artículo 8º. Los asociados honorarios y adherentes que deseen tener los mismos

derechos que los activos deberán solicitar su admisión a esta categoría, a cuyo efecto

se ajustarán a las condiciones que el presente Estatuto exige para la misma.

Artículo 9º. Las cuotas sociales serán fijadas por la asamblea de asociados.

Artículo 10º. El asociado que se atrasare tres (3) meses en el pago de la cuota

social, o de cualquier otra contribución establecida, será notificado por carta certificada

de su obligación de ponerse al día con la Tesorería Social. Pasados treinta (30) días

de la notificación sin que hubiere regularizado la situación, la Comisión Directiva podrá

139

declarar la cesantía del asociado moroso.

Artículo 11º. La Comisión Directiva podrá aplicar a los asociados las siguientes

sanciones: a) amonestación; b) suspensión; c) expulsión. Estas sanciones se

graduarán de acuerdo con la gravedad de la falta y las circunstancias del caso, por las

siguientes causas:

1. incumplimiento de las obligaciones impuestas por el Estatuto, reglamentos o

resoluciones de las Asambleas y Comisión Directiva;

2. inconducta notoria;

3. hacer voluntariamente daño a la Asociación, provocar desórdenes graves en su

seno u observar una conducta que sea notoriamente perjudicial a los intereses

sociales.

Artículo 12º. Las sanciones disciplinarias a que se refiere el artículo anterior serán

resueltas por la Comisión Directiva, con estricta observancia del derecho de defensa.

En todos los casos el interesado podrá interponer -dentro del término de diez (10) días

hábiles de la notificación de la sanción- el recurso de apelación por ante la primer

asamblea que se celebre.

TITULO IV - AUTORIDADES DE LA ASOCIACION.

Artículo 13. De acuerdo con las funciones, atribuciones y deberes asignados por

este estatuto, las autoridades de la asociación se constituyen por los siguientes

órganos sociales: a) asamblea de asociados; b) Comisión Directiva y c) Comisión

Revisora de Cuentas.

COMISION DIRECTIVA. COMISION REVISORA DE CUENTAS. ATRIBUCIONES Y DEBERES. MODO DE ELECCION. DISPOSICIONES COMUNES PARA AMBOS ORGANOS SOCIALES.

COMISION DIRECTIVA

Artículo 14. La Comisión Directiva es el órgano encargado de dirigir y administrar la

asociación. La misma estará compuesta por entre seis (6) y doce (12) miembros

titulares los que designarán entre ellos quienes desempeñarán los siguientes cargos:

presidente, vicepresidente, secretario, tesorero y de uno (1) a seis (6) vocales titulares.

Habrá también de uno (1) a tres (3) vocales suplentes. El mandato de los mismos

durará dos (2) años.

140

La Comisión Directiva se renovará totalmente cada dos (2) años.

Los miembros de la Comisión Directiva y de la Comisión Revisora de Cuentas podrán

ser reelegidos.

Artículo 15. La Comisión Revisora de Cuentas se encargará de fiscalizar y controlar

la administración social. Se integrará con uno (1) a tres (3) miembros titulares. Habrá

también de uno (1) a tres (3) miembros suplentes. El mandato de los mismos será de

dos (2) años.

Artículo 16. Para formar parte de la Comisión Directiva y de la Comisión Revisora de

Cuentas, tanto titulares como suplentes, se requiere ser mayor de edad, pertenecer a

la categoría de socio activo y tener un (1) año de antigüedad en dicha categoría.

Artículo 17. Los miembros titulares y suplentes de la Comisión Directiva y de la

Comisión Revisora de Cuentas serán elegidos en la asamblea general ordinaria por

simple mayoría de votos.

Artículo 18. El mandato de los miembros a que se refiere el artículo anterior podrá

ser revocado por la asamblea de asociados en cualquier momento, y no le será

permitido percibir remuneración o emolumento alguno por los servicios que preste en

tal carácter.

Artículo 19. En caso de licencia, renuncia, fallecimiento o cualquier otra causa que

provoque la vacancia transitoria o permanente del presidente será reemplazado por el

vicepresidente y este último por el vocal titular que designe la Comisión Directiva. El

reemplazo de cualquier otro miembro titular de la Comisión Directiva, será

desempeñado por el suplente que designe la Comisión Directiva, siempre y cuando se

hubieren cumplido los reemplazos indicados en primer término. Estos reemplazos se

harán por el término de la vacancia y siempre que no exceda el mandato por el cual

fuera elegido dicho suplente.

Artículo 20. La Comisión Directiva se reunirá una vez por mes en el día y hora que

se determine en su primera reunión anual y, además, toda vez que sea citada por el

presidente o por la Comisión Revisora de Cuentas, o cuando lo pidan dos (2) de sus

miembros, debiendo celebrarse la reunión dentro de los siete (7) días. La citación se

efectuará por intermedio de circulares y con cinco (5) días de anticipación. Las

reuniones de la Comisión Directiva se celebrarán válidamente con la presencia de la

mayoría absoluta de sus miembros, requiriéndose para las resoluciones el voto de

141

igual mayoría de los presentes, salvo para las reconsideraciones que requerirán el

voto de las dos terceras partes, en sesión de igual o mayor número de asistentes de

aquella en la cual se hubiera resuelto el asunto a reconsiderarse. De las mismas se

libraría el acta correspondiente que será firmada por todos los presentes.

Artículo 21. Son atribuciones y deberes de la Comisión Directiva los que se

enuncian seguidamente:

a) ejecutar las resoluciones de las asambleas; cumplir y hacer cumplir este estatuto y

los reglamentos, interpretándolos en caso de duda con cargo de dar cuenta a la

asamblea más próxima que se celebre;

b) dirigir la administración de la asociación:

c) convocar a asamblea;

d) resolver la admisión de los que soliciten ingresar como socios;

e) dejar cesantes, amonestar, suspender o expulsar a los socios;

f) nombrar empleados y todo el personal necesario para el cumplimiento de la

finalidad social, inclusive al Director Ejecutivo,fijarles sueldo,determinarles las

obligaciones, amonestarlos, suspenderlos y despedirlos. Estas facultades, la

Comisión Directiva, podrá delegarlas parcial o totalmente en el Comité Ejecutivo.

g) Presentar a la asamblea general ordinaria, la memoria, el balance general, el

inventario, el cuadro de gastos y recursos y el informe de la Comisión Revisora de

Cuentas. Todos esos documentos deberán ser puestos en conocimiento de los

socios con la anticipación requerida por el artículo para la convocación de

asambleas ordinarias;

h) realizar los actos que especifican el artículo 1.881 y concordantes del Código Civil,

aplicables a su carácter jurídico con cargo de dar cuenta a la primera asamblea que

se celebre, salvo los casos de adquisición, enajenación y constitución de

gravámenes inmuebles en que será necesaria la previa autorización por parte de

una asamblea;

i) someter a la asamblea los programas y planes en curso, investigaciones o

publicaciones que propongan los socios.

j) establecer asimismo ad-referendum de la asamblea, las cuotas ordinarias de los

asociados y contribuciones extraordinarias.

k) proponer a la asamblea extraordinaria reformas al estatuto y al reglamento.

142

l) proponer a la asamblea el nombramiento de socios honorarios y la aceptación de

miembros benefactores.

m) los miembros de la Comisión Directiva que no asistan a cinco (5) reuniones

consecutivas y no justifiquen su ausencia podrán cesar en sus cargos, a resolución

del cuerpo.

Artículo 22. Cuando el número de miembros de la Comisión Directiva quede

reducido a menos de la mayoría del total, se deberá convocar dentro de los quince

(15) días a asamblea extraordinaria a los efectos de su integración. En la misma forma

se procederá en el supuesto de vacancia del cuerpo. En esta última situación,

procederá que la Comisión Revisora de Cuentas cumpla con la convocatoria precitada;

todo ello sin perjuicio de las responsabilidades que incumban a los miembros

directivos renunciantes.

Artículo 23. La Comisión Directiva tendrá también a su cargo la dirección académica

de la Asociación,

PRESIDENTE Y VICEPRESIDENTE

Artículo 24. El presidente, y en caso de licencia, renuncia, fallecimiento, vacancia

transitoria o permanente, el vicepresidente, tiene los deberes así como las atribuciones

que se detallan a continuación:

a) Citar a las asambleas y convocar a las sesiones del Comité Ejecutivo y de la

Comisión Directiva y presidirlas;

b) tendrá derecho a voto en las sesiones del Comité Ejecutivo y de la Comisión

Directiva al igual que los demás miembros del cuerpo y, en caso de empate, votará

nuevamente para desempatar;

c) firmar con el secretario la correspondencia y todo documento de la asociación;

d) autorizar con el tesorero las cuentas de gastos, firmando los recibos y demás

documentos de la tesorería; no permitirá que los fondos sociales sean invertidos

con fines ajenos a los prescriptos por este estatuto;

e) dirigir las discusiones, suspender y levantar las sesiones de la Comisión Directiva

cuando se alterare el orden y se faltare al respeto debido;

f) velar por la buena marcha y administración de la entidad observando y haciendo

observar el estatuto, el reglamentos y las resoluciones de asamblea y Comisión

Directiva.

143

g) sancionar a cualquier empleado que no cumpla con sus obligaciones y adoptar

resoluciones en los casos imprevistos. En ambos supuestos ad-referendum de la

primera reunión de la Comisión Directiva, según correspondiere;

h) ejercer la representación de la asociación.

SECRETARIO

Artículo 25. El secretario, y en caso de licencia, renuncia, fallecimiento, vacancia

transitoria o permanente, quien lo reemplace estatutariamente, tiene los siguientes

deberes y atribuciones:

a) asistir a las asambleas y sesiones de la Comisión Directiva, redactando las actas

respectivas, las cuales se asentarán en el libro correspondiente;

b) firmar con el presidente la correspondencia y todo documento de la asociación;

c) citar a las sesiones de Comisión Directiva de acuerdo con lo prescripto por estos

estatutos;

d) llevar el libro de actas de sesiones de asambleas y Comisión Directiva de acuerdo

con lo prescripto por en el articulo;

e) llevar el Libro de Actas de sesiones de asambleas, y Comisión Directiva y, de

acuerdo con el Presidente, el libro de registro de asociados.

f) Preparar con el Presidente la memoria anual y el orden del día de las reuniones de

la Comisión Directiva y de las Asambleas, y con el Presidente y el Tesorero el

padrón electoral.

TESORERO

Artículo 26. El tesorero, y en caso de renuncia, licencia, fallecimiento, vacancia

transitoria o permanente, quien lo reemplace estatutariamente, tiene los deberes y

atribuciones siguientes:

a) asistir a las sesiones de la Comisión Directiva y a las asambleas;

b) llevar de acuerdo con el secretario, el registro de asociados, ocupándose de todo lo

relacionado con el cobro de las cuotas sociales;

c) llevar los libros de contabilidad;

d) preparar anualmente y someter a la consideración de l a Comisión Directiva el

balance general, la cuenta de gastos y recursos y el inventario;

e) firmar con el presidente los recibos y demás documentos de tesorería;

144

f) dar cuenta del estado económico de la entidad a la Comisión Directiva y a la

Comisión Revisora de Cuentas toda vez que lo requiera.

VOCALES TITULARES Y SUPLENTES

Artículo 27. Corresponde a los vocales titulares:

a) asistir a las asambleas y sesiones de la Comisión Directiva, con voz y voto;

b) desempeñar las comisiones y tareas que la Comisión Directiva le confíe.

Artículo 28. Corresponde a los vocales suplentes:

a) entrar a formar parte de la Comisión Directiva en las condiciones previstas en este

estatuto.

b) a su elección, concurrir a las sesiones de la Comisión Directiva, con derecho a voz

pero no así a voto; no serán computables sus asistencias a los efectos de lograr el

quórum.

COMISION REVISORA DE CUENTAS

Artículo 29. La Comisión Revisora de Cuentas tiene las atribuciones y los deberes

detallados a continuación:

a) examinar los libros y documentos de la asociación, por lo menos cada tres (3)

meses;

b) asistir a las sesiones de la Comisión Directiva cuando lo estime conveniente;

c) fiscalizar la administración, comprobando frecuentemente el estado de la caja y la

existencia de los títulos y valores de toda especie;

d) verificar el cumplimiento de las leyes, los estatutos y reglamentos, en especial en lo

referente a los derechos de los socios y las condiciones en que se otorgan los

beneficios sociales;

e) dictaminar sobre la memoria, el inventario, el balance general y la cuenta de gastos

y recursos presentado por la Comisión Directiva;

f) convocar a asamblea ordinaria cuando omitiere hacerlo la Comisión Directiva;

g) solicitar la convocatoria de la asamblea extraordinaria cuando lo juzgue necesario,

poniendo los antecedentes que fundamentan su pedido en conocimiento de la

Inspección General de Justicia, o cuando se negare a acceder a ello la Comisión

Directiva;

h) vigilar las operaciones de liquidación de la asociación;

145

La Comisión Revisora de Cuentas cuidará de ejercer sus funciones de modo de no

entorpecer la regularidad de la administración social.

TITULO V - COMITE EJECUTIVO

Articulo 30. El Comité Ejecutivo estará integrado por el presidente, el

vicepresidente, el secretario y el tesorero, conjuntamente con el Director Ejecutivo.

Artículo 31. El Comité Ejecutivo se reunirá una vez cada treinta (30) días, el día y

hora que determine en su primera reunión anual y, además, toda vez que sea citado

por el Presidente o por la Comisión Revisora de Cuentas, o cuando lo pidan dos (2)

miembros titulares, debiendo celebrarse la reunión dentro de los quince (15) días; la

citación se hará por circulares y con diez (10) días de anticipación. Las reuniones del

Comité Ejecutivo se celebrarán validamente con la presencia mínima de tres (3) de

sus miembros, requiriéndose para las resoluciones el voto de igual mayoría de los

presentes.

Artículo 32. El Comité Ejecutivo podrá proponer a la Comisión Directiva:

a) resolver sobre los programas de estudios, cursos e investigaciones, así como los

convenios con entidades que tengan análogos objetivos;

b) crear, también por mayoría de dos tercios de sus miembros, Consejos y/o

Comisiones Consultivas que habrán de ser integradas por personas que se hayan

destacado por el estudios y/o actuación en los temas que hacen al objeto de la

Asociación.

c) crear departamentos y designar sus coordinadores, así como también designar un

Coordinador Ejecutivo;

d) corresponde al Presidente dirigir las discusiones, suspender y levantar las sesiones

del Comité Ejecutivo y de la Comisión Directiva cuando se alterare el orden y se

faltare al respeto debido;

TITULO VI - ASAMBLEAS

Artículo 33. La asamblea de asociados es el órgano social que representa la

autoridad máxima de la entidad y en la cual descansa la voluntad soberana de la

asociación. Sus decisiones, en cuanto se encuadren dentro del orden del día y se

ajusten a las pertinentes formalidades estatutarias, son válidas y obligatorias para

146

todos los asociados.

Artículo 34. Habrá dos clases de asambleas generales: ordinarias y extraordinarias.

Artículo 35. Las asambleas ordinarias tendrán lugar una vez por año dentro de los

primeros cuatro (4) meses posteriores al cierre del ejercicio, cuya fecha de clausura

será el 31 de diciembre de cada año, y en ellas se deberá:

a) considerar, aprobar o modificar la memoria, el balance general, el inventario, la

cuenta de gastos y recursos y el informe de la Comisión Revisora de Cuentas.

b) aprobar las cuotas establecidas por la Comisión Directiva.

c) elegir, en su caso, los miembros de la Comisión Directiva y de la Comisión Revisora

de Cuentas, titulares y suplentes.

d) tratar cualquier otro asunto incluido en el orden del día.

Artículo 36. Las asambleas extraordinarias serán convocadas siempre que la

Comisión Directiva lo considere necesario o cuando lo soliciten la Comisión Revisora

de Cuentas o el treinta y tres por ciento (33%) de los socios activos con derecho a

voto. Estos pedidos deberán ser resueltos dentro de un término de quince (15) días y

celebrarse la asamblea dentro de los treinta (30) días subsiguientes, y si no se tomase

en consideración la solicitud o se le negare infundadamente, a juicio de la Inspección

General de Justicia, se procederá de acuerdo con las disposiciones legales

pertinentes.

Artículo 37. Las asambleas se convocarán por circulares remitidas al domicilio de

los socios con quince (15) días de anticipación. Con la misma anticipación requerida

para las circulares, se deberá poner a disposición de los socios la memoria, el balance

general, el inventario, la cuenta de gastos y recursos y el informe de la Comisión

Revisora de Cuentas. Cuando se sometan a consideración de la asamblea, reformas

al estatuto o reglamentos, el proyecto de las mismas se deberá poner a disposición de

los socios con idéntica anticipación de quince (15) días, por lo menos. En las

asambleas no se podrán tratar otros asuntos que los incluidos expresamente en el

orden del día.

Artículo 38. Las asambleas se celebrarán válidamente, aún en los casos de reforma

de estatutos y de disolución social, sea cual fuere el número de socios concurrentes,

media hora después de la fijada en la convocatoria, si antes no se hubiese reunido la

mayoría absoluta de los socios con derecho a voto. Serán presididas por el presidente

147

de la entidad, o en su defecto por quien la asamblea designe a pluralidad de votos

emitidos, teniendo voto únicamente en caso de empate.

Artículo 39. Las resoluciones se adoptarán por mayoría absoluta de los votos

emitidos. Ningún socio podrá tener más de un voto. Los miembros de la comisión

directiva y de la Comisión Revisora de Cuentas no podrán votar en asuntos

relacionados con su gestión.

TITULO VII - DISOLUCION SOCIAL

Artículo 40. La asamblea no podrá resolver la disolución de la asociación mientras

existan suficientes asociados para integrar los órganos sociales dispuestos a

sostenerla, quienes en tal caso se comprometerán a perseverar en el cumplimiento de

los objetivos sociales.

De hacerse efectiva la disolución, se designarán los liquidadores, que podrán ser la

misma Comisión Directiva o cualquier otra comisión de asociados que la asamblea

designe. La Comisión Revisora de Cuentas deberá vigilar las operaciones de

liquidación de la asociación.

Una vez pagadas las deudas sociales, si las hubiere, el remanente de los bienes

sociales se destinará a una entidad de bien común, sin fines de lucro, que posea

personería jurídica, que tenga su domicilio legal en el país, esté exenta y reconocida

por la Administración Federal de Ingresos Públicos - Dirección General Impositiva y se

encuentre exenta de todo gravamen en el orden provincial y municipal.

148

3C- Composição Atual do CELS (até 2002)

(www.cels.org.ar) Comisión Directiva | Consejo Consultivo Internacional | Consejo Consultivo Nacional |

COMISIÓN DIRECTIVA CONSEJO CONSULTIVO INTERNACIONAL

CONSEJO CONSULTIVO NACIONAL

Horacio Verbitsky Presidente

Laura Jordán de Conte Vicepresidenta

Patricia Valdez Secretaria

Carmen A. Lapacó Tesorera

Angélica Sosa de Mignone

Carlos Acuña

Darío Olmo David Blaustein Eduardo Basualdo Fanny Bendersky

José Nun

Leonardo Franco Lilia Ferreyra Matilde Mellibovsky Rodolfo Mattarollo

A.Cançado Trindade

Alejandro Artucio

Alejandro Garro

Cecilia Medina

ColettaYoungers

Guillermo O'Donnell

José Miguel Vivanco

Lorne Waldman

Michael Shifter

Paulo Sergio Pinheiro

Theo Van Boven

Alberto Binder

Cristina Rivada Eduardo Grünner

Elías Salazar

Eugenio Raúl Zaffaroni Fernando Ulloa

Gerardo Mazur Germán Bidart Campos Gilou R. García Reinoso

Hilda Sabato Juan Sosa

Leopoldo Schiffrin

Luis Yanes Susana Albanese

149

Staff | Miembros Fundadores | Socios

DIRETORIA E ADMINISTRAÇÃO INSTITUCIONAL

Director Ejecutivo Área Institucional Secretaría Administrativa

Víctor Abramovich

Juana Kweitel, Coordinadora

Jimena Garrote, Asistente

Alejandro Bautista Ernesto Sigaud

María Villarruel Patricia Panich

Emanuel Sigaud

PROGRAMAS

Programa Memoria y Lucha contra la Impunidad del Terrorismo de Estado

Programa Violencia Institucional y Seguridad Ciudadana

Programa Derechos Económicos, Sociales y Culturales

María José Guembe; Directora

Virginia Feinmann, Asistente Valeria Barbuto

Gustavo Palmieri; Director Marcela Perelman; Asistente

Cecilia Ales

Eduardo Donza Hernán Thomas

María Eugenia Mendizabal

Julieta Rossi; Coordinadora Luis Campos, Asistente Diego Morales

Pablo Asa

Pablo Ceriani

ATIVIDADES

Área de Litigio y Asistencia Legal

Área de Documentación y Archivos

Equipo de Asistencia en Salud Mental

Andrea Pochak, Directora

Leah Tandeter, Asistente Alberto Bovino

Carolina Varsky Florencia Plazas

Leonardo Filippini

Rodrigo Borda Santiago Felgueras

Sebastián Tedeschi

Cristina Caiati; Directora

Corina Norro; Asistente Fanny Bendersky

María Teresa Texidó Ricardo Fava

Graciela Guilis, coordinadora Elena Lenhardtson

Fabián Triskier Laura Conte

Marcelo Marmer Mariana Wikinski Roberto Gutman

150

ATIVIDADES

Área de Comunicación Proyecto Educación para la Ciudadanía

María Capurro Robles; Coordinadora

Laura Itchart; Asistente

Ana Sabino Angélica Sosa de Mignone

Liliana Gutiérrez

Patricia Laporta Susana Méndez

MIEMBROS FUNDADORES

Emilio F. Mignone

Presidente Honorario

Alfredo Galleti

Augusto Conte

Boris Pasik

Angelica Sosa de Mignone

Carmen A. Lapacó

José F. Westerkamp

151

LISTA DE SÓCIOS DEL CELS / ASSEMBLÉIA 2002

Abramovich, Víctor

Acuña, Carlos Albanese, Susana Argumedo, Alcira

Auyero, Javier

Basualdo, Eduardo Bendersk, Fanny Bidart Campos, Germán Binder, Alberto

Birgin, Haydeé

Blaustein, David Bovino, Alberto

Caiati, Cristina Camus, Margarita

Capurro Robles, María

Cerrutti, Gabriela Cesio, Juan Jaime

Chillier, Gastón Colombo, Agustín Colombo, Graciela

Conte, Laura Cosacov, Gustavo

Del Carril, Mario Felgueras, Santiago Ferreyra, Lilia

Fondebrider, Luis Bernardo

Franco, Leonardo Galín, Pedro Gambaro, Griselda

García Mendez, Emilio

Garcia Reynoso, Gilou R. Glüzmann, Jaime Guembe, María José Inchaurregui, Alejandro

Jelin, Elizabeth

Kawabata, Alejandro Kweitel, Juana

Lapaco, Carmen Lenhardtson, Elena

Logiudice, Alicia

Loretti, Damian Martínez, María Elba

Mattarollo, Rodolfo Mazur, Gerardo Mellibovsky, Matilde

Mellibovsky, Santiago Mendez Carreras, Horacio

Mignone, Chela Mignone, Isabel Nun, José

O´Donnell, Guillermo

Oliveira, Alicia Olmo Darío Palmieri, Gustavo

Pochak, Andrea

Rice, Patricio Rivada, Cristina Rodríquez Patrinós, Paula Saba, Roberto

Sabato, Hilda

Sabino, Ana Saín, Marcelo

Salazar, Elias Schiffrin, Leopoldo

Sigaud, Ernesto

Smulovitz, Catalina Taiana, Jorge

Tiscornia, Sofía Ulloa, Fernando Valdez, Patricia

Verbitsky, Horacio Villarruel, María

Westerkamp, Angela Westerkamp, Federico Zaffaroni, Eugenio Raul