as armas da critica - emir sader

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  • todas as formas anteriores de governo haviam sido fundamentalmente repressivas.Eis o verdadeiro segredo da Comuna: era essencialmente um governo da classeoperria, o produto da luta da classe produtora contra a classe apropriadora, aforma poltica enfim descoberta para se levar a efeito a emancipao econmica dotrabalho.A no ser sob essa ltima condio, o regime comunal teria sido umaimpossibilidade e um logro. A dominao poltica dos produtores no pode coexistircom a perpetuao de sua escravido social. A Comuna, portanto, devia servircomo alavanca para desarraigar o fundamento econmico sobre o qual descansa aexistncia das classes e, por conseguinte, da dominao de classe. Com o trabalhoemancipado, todo homem se converte em trabalhador e o trabalho produtivo deixade ser um atributo de classe. um fato estranho. Apesar de todos os discursos e da imensa literatura que nosltimos sessenta anos tiveram como objeto a emancipao do trabalho, mal osoperrios tomam, seja onde for, o problema em suas prprias mos, ressurgeimediatamente toda a fraseologia apologtica dos porta-vozes da sociedade atual,com os seus dois polos do capital e da escravido assalariada (o latifundirio dehoje no mais do que o scio-comanditrio do capitalista), como se a sociedadecapitalista se encontrasse ainda em seu mais puro estado de inocncia virginal,com seus antagonismos ainda no desenvolvidos, com suas iluses aindapreservadas, com suas prostitudas realidades ainda no desnudadas. A Comuna,exclamam, pretende abolir a propriedade, a base de toda civilizao! Sim,cavalheiros, a Comuna pretendia abolir essa propriedade de classe que faz dotrabalho de muitos a riqueza de poucos. Ela visava expropriao dosexpropriadores. Queria fazer da propriedade individual uma verdade,transformando os meios de produo, a terra e o capital, hoje essencialmentemeios de escravizao e explorao do trabalho, em simples instrumentos detrabalho livre e associado. Mas isso comunismo, o irrealizvel comunismo! Mascomo se explica, ento, que os indivduos das classes dominantes, que sosuficientemente inteligentes para perceber a impossibilidade de manter o sistemaatual e eles so muitos , tenham se convertido em apstolos abstrusos eprolixos da produo cooperativa? Se a produo cooperativa algo mais que umafraude e um ardil, se h de substituir o sistema capitalista, se as sociedadescooperativas unidas devem regular a produo nacional segundo um plano comum,tomando-a assim sob seu controle e pondo fim anarquia constante e sconvulses peridicas que so a fatalidade da produo capitalista o que seriaisso, cavalheiros, seno comunismo, comunismo realizvel?A classe trabalhadora no esperava milagres da Comuna. Os trabalhadores notm nenhuma utopia j pronta para introduzir par dcret du peuple [por decreto dopovo] . Sabem que, para atingir sua prpria emancipao, e com ela essa formasuperior de vida para a qual a sociedade atual, por seu prprio desenvolvimento

  • econmico, tende irresistivelmente, tero de passar por longas lutas, por uma sriede processos histricos que transformaro as circunstncias e os homens. Eles notm nenhum ideal a realizar, mas sim querem libertar os elementos da novasociedade dos quais a velha e agonizante sociedade burguesa est grvida. Emplena conscincia de sua misso histrica e com a heroica resoluo de atuar deacordo com ela, a classe trabalhadora pode sorrir para as rudes invectivas desseslacaios com pena e tinteiro e do didtico patronato de doutrinadores burguesesbem-intencionados, a verter suas ignorantes platitudes e extravagncias sectriasem tom oracular de infalibilidade cientfica.Quando a Comuna de Paris assumiu em suas mos o controle da revoluo;quando, pela primeira vez na histria, os simples operrios ousaram infringir oprivilgio estatal de seus superiores naturais e, sob circunstncias de inditadificuldade, realizaram seu trabalho de modo modesto, consciente e eficaz, porsalrios dos quais o mais alto mal chegava a uma quinta parte do valor que, deacordo com uma alta autoridade cientfica, o mnimo exigido para um secretriode um conselho escolar metropolitano ento o velho mundo contorceu-se emconvulses de raiva ante a viso da bandeira vermelha, smbolo da repblica doTrabalho, tremulando sobre o Htel de Ville.E, no entanto, essa foi a primeira revoluo em que a classe trabalhadora foiabertamente reconhecida como a nica classe capaz de iniciativa social, mesmopela grande massa da classe mdia parisiense lojistas, negociantes, mercadores, excetuando-se unicamente os capitalistas ricos. A Comuna os salvara por meiode uma arguta soluo para a recorrente causa de discrdias entre os prpriosmembros da classe mdia: o ajuste de contas entre devedores e credores. Amesma poro da classe mdia, depois de ter contribudo para aniquilar ainsurreio operria de junho de 1848, foi imediatamente sacrificada semcerimnia aos seus credores pela Assembleia Constituinte[104]. Mas esse no foi onico motivo para que ela agora cerrasse fileiras ao lado da classe trabalhadora.Ela sentia que havia apenas uma alternativa, a Comuna ou o Imprio, qualquer quefosse o nome sob o qual este viesse a ressurgir. O Imprio a arruinaraeconomicamente, promovendo a dilapidao da riqueza pblica, fomentando afraude financeira e a centralizao artificialmente acelerada do capital, com aconcomitante expropriao de muitos dos membros de sua classe. Suprimira-apoliticamente, escandalizara-a moralmente com suas orgias, insultara o seuvoltairianismo ao entregar a educao de seus filhos aos frres ignorantins[105],revoltara seu sentimento nacional de franceses ao lan-la violentamente em umaguerra que deixou apenas uma compensao para as runas que produziu: adesapario do Imprio. Realmente, depois que a alta bomia bonapartista ecapitalista abandonou Paris, o verdadeiro partido da ordem da classe mdiaapareceu na figura da Union rpublicaine[106], enrolando a si mesma nabandeira da Comuna e defendendo-a contra as desfiguraes intencionais deThiers. Se a gratido desse grande corpo da classe mdia resistir s duras provas

  • atuais, s o tempo dir.A Comuna estava perfeitamente certa quando dizia aos camponeses: nossa vitria a vossa nica esperana!. De todas as mentiras incubadas em Versalhes eecoadas pelos gloriosos escritores a soldo que encontramos na Europa, uma dasmais assombrosas era a de que os rurais representavam o campesinato francs.Imaginai apenas o amor dos campnios da frana pelos homens a quem, aps1815, foram obrigados a pagar uma reparao bilionria. Aos olhos do camponsda Frana, a simples existncia de um grande proprietrio de terra j em simesma uma usurpao de suas conquistas de 1789. Em 1848, a burguesiasobrecarregara seu lote de terra, instituindo uma taxa adicional de 45 centavos porfranco[107], mas ento o fizera em nome da revoluo, ao passo que agora elafomentava uma guerra civil contra a Revoluo a fim de lanar sobre os ombros doscamponeses a maior parte da carga dos 5 bilhes de reparao a serem pagos aosprussianos. A Comuna, por outro lado, em uma de suas primeiras proclamaes,declarava que os custos da guerra seriam pagos pelos seus verdadeirosperpetradores. A Comuna teria isentado o campons da maldita taxa, ter-lhe-iadado um governo barato, teria convertido os seus atuais sanguessugas o notrio,o advogado, o coletor e outros vampiros judiciais em empregados comunaisassalariados, eleitos por ele e responsveis perante ele. T-lo-ia libertado datirania do garde champtre [guarda rural], do gendarme e do prefeito, teria posto oesclarecimento do professor escolar no lugar do embrutecimento do proco. E ocampons francs , acima de tudo, um homem de clculo. Ele achariaextremamente razovel que o pagamento do proco, em vez de lhe ser arrancadopelo coletor de impostos, dependesse exclusivamente da ao espontnea doinstinto religioso dos paroquianos. Tais eram os grandes benefcios imediatos que ogoverno da Comuna e apenas ele oferecia ao campesinato francs. Seria,portanto, inteiramente suprfluo proceder aqui a uma exposio minuciosa dosproblemas mais complicados, porm vitais, que s a Comuna podia resolver aomesmo tempo que se via obrigada a isso em favor do campons, como a dvidahipotecria, pesando como uma maldio sobre sua parcela de terra, o proltariatfoncier (proletariado rural), crescendo diariamente, e a expropriao da terra emque este proletrio trabalhava, processo forado pelo desenvolvimento em ritmocada vez mais rpido da agricultura moderna e da competio da produo agrcolacapitalista.O campons francs elegeu Lus Bonaparte presidente da repblica, mas foi oPartido da Ordem quem criou o Imprio. O que o campons francs realmentequeria, comeou ele mesmo a demonstrar em 1849 e 1850, opondo o seu maire[prefeito ou subprefeito] ao prefeito do governo, seu professor escolar ao procodo governo e sua prpria pessoa ao gendarme do governo. Todas as leisintroduzidas pelo Partido da Ordem em janeiro e fevereiro de 1850 foram medidasconfessas de represso contra o campons. O campons era um bonapartistaporque a seus olhos a Grande Revoluo, com todos os benefcios que ela lhe

  • trouxera, estava personificada em Napoleo. Essa iluso, que ia rapidamente seesvanecendo sob o Segundo Imprio (e que, por natureza, era hostil aos rurais),esse preconceito do passado, como teria ele resistido ao apelo da Comuna aosinteresses vitais e s necessidades mais urgentes do campesinato?Os rurais esta era, na verdade, sua principal apreenso sabiam que trsmeses de livre comunicao da Paris comunal com as provncias desencadeariamuma sublevao geral dos camponeses; da sua ansiedade em estabelecer umbloqueio policial em torno de Paris, a fim de deter a propagao da peste bovina.Assim, se a Comuna era a verdadeira representante de todos os elementossaudveis da sociedade francesa e, portanto, o verdadeiro governo nacional, elaera, ao mesmo tempo, como governo operrio e paladino audaz da emancipaodo trabalho, um governo enfaticamente internacional. Sob a mira do mesmoexrcito prussiano que havia anexado Alemanha duas provncias francesas, aComuna anexou Frana os trabalhadores do mundo inteiro.O Segundo Imprio fora o jubileu da vigarice cosmopolita. Velhacos de todos ospases acorreram ao chamado para tomar parte em suas orgias e na pilhagem dopovo francs. Ainda hoje o brao direito de Thiers Ganesco, o valquio asqueroso,e seu brao esquerdo Markovski, o espio russo. A Comuna concedeu a todos osestrangeiros a honra de morrer por uma causa imortal. Entre a guerra externaperdida por sua traio e a guerra civil fomentada por sua conspirao com oinvasor estrangeiro, a burguesia achara tempo para exibir seu patriotismoorganizando batidas policiais contra os alemes residentes na frana. A Comunanomeou um operrio alemo[108] seu ministro do Trabalho. Thiers, a burguesia eo Segundo Imprio haviam por todo o tempo enganado a Polnia comespalhafatosas declaraes de simpatia, quando na verdade traam-na aosinteresses da Rssia, fazendo para esta o servio sujo. A Comuna honrou osheroicos filhos da Polnia[109] colocando-os na vanguarda dos defensores de Paris.E, para marcar claramente a nova era histrica que estava consciente de inaugurar,ela jogou por terra, ante os olhos dos conquistadores prussianos, de um lado, e doexrcito bonapartista comandado por generais bonapartistas, de outro, aquelesmbolo colossal da glria blica, a Coluna Vendme.A grande medida social da Comuna foi a sua prpria existncia produtiva. Suasmedidas especiais no podiam seno exprimir a tendncia de um governo do povopelo povo. Tais medidas eram a abolio do trabalho noturno para os padeiros, ainterdio penal da prtica, comum entre os empregadores, de reduzir salriosimpondo a seus trabalhadores taxas sob os mais variados pretextos um processoem que o patro rene em sua pessoa as funes de legislador, juiz e agenteexecutivo, e ao fim surrupia o dinheiro. Outra medida desse tipo foi a entrega sorganizaes operrias, sob reserva de domnio, de todas as oficinas e fbricasfechadas, no importando se os respectivos capitalistas fugiram ou preferiraminterromper o trabalho.

  • As medidas financeiras da Comuna, notveis por sua sagacidade e moderao, spodiam ser aquelas compatveis com a situao de uma cidade sitiada.considerando-se a roubalheira colossal realizada nos cofres da cidade de Parispelas grandes companhias financeiras e empreiteiras, sob a proteo deHaussmann, a Comuna teria tido um motivo incomparavelmente melhor paraconfiscar suas propriedades do que Lus Bonaparte o tinha para confiscar os dafamlia Orlans. Os Hohenzollern e os oligarcas ingleses, cujas propriedades haviamse beneficiado largamente dos saques da igreja, ficaram certamente chocadosquando a Comuna reteve minguados 8 mil francos pela secularizao desses bens.Enquanto o governo de Versalhes, to logo recuperou algum nimo e foras, usavacontra a Comuna os meios mais violentos, enquanto reprimia a liberdade deopinio por toda a Frana, chegando proibio de reunies de delegados dasgrandes cidades, enquanto submetia Versalhes e o resto da frana a umaespionagem que ultrapassava em muito aquela do Segundo Imprio, enquantoqueimava por meio de seus gendarmes inquisidores todos os jornais impressos emParis e violava toda correspondncia que partia ou chegava capital, enquanto naAssembleia Nacional as mais tmidas tentativas de balbuciar uma palavra em favorde Paris eram esmagadas por uma avalanche de vaias indita at mesmo naChambre introuvable[110] de 1816, enfim, enquanto enfrentava uma guerraselvagem dos versalheses fora, e suas tentativas de corrupo e conspiraodentro de Paris no teria a Comuna trado vergonhosamente seu juramento sesimulasse conservar todos os decoros e aparncias de liberalismo, como seestivesse em um tempo de profunda paz? Se o governo da Comuna seassemelhasse ao do senhor Thiers, no teria havido mais motivos para suprimir osjornais do Partido da Ordem em Paris do que para suprimir os jornais da Comunaem Versalhes.De fato, era algo irritante para os rurais que ao mesmo tempo que elesdeclaravam o retorno igreja como o nico meio de salvao para a Frana, ainfiel Comuna desenterrasse os mistrios peculiares do convento de Picpus e daigreja de Saint-Laurent[111]. E significava uma chacota para o senhor Thiers que,enquanto ele despejava grandes cruzes sobre os generais bonapartistas emreconhecimento sua maestria em perder batalhas, assinava capitulaes eenrolava cigarros em Wilhelmshhe[112], a Comuna destitusse e encarcerasseseus generais sempre que havia alguma suspeita de negligncia no cumprimentode seu dever. A expulso da Comuna e a deteno, por ordem dela, de um de seusmembros[113], que nela se infiltrara com um falso nome e que em Lyon pegaraseis dias de cadeia por simples falncia, no significava isso um deliberado insultolanado ao falsrio Jules Favre, ento ainda ministro do exterior da frana, quecontinuava vendendo a frana a Bismarck e ditando suas ordens queleincomparvel governo da Blgica? Porm, de fato, a Comuna no fingia possuir odom da infalibilidade, o invarivel atributo de todos os governos do velho tipo. Elapublicou seus atos e declaraes, revelando ao pblico todas as suas falhas.

  • Em todas as revolues, ao lado de seus verdadeiros agentes, surgem homens deoutro tipo; alguns deles, sobreviventes e devotos de revolues passadas,desprovidos de viso do movimento atual, porm ainda capazes de exercerinfluncia sobre o povo, seja por sua manifesta honestidade e coragem, sejaunicamente por fora da tradio; outros so meros briges que, em virtude derepetir ano aps ano o mesmo pacote de declaraes estereotipadas contra ogoverno do dia, moveram-se furtivamente at conquistar a reputao derevolucionrios de primeira classe. Depois de 18 de maro surgiram tambm algunshomens desse tipo e, em alguns casos, chegaram a desempenhar papispreeminentes. Na medida em que seu poder permitia, obstruram a ao real daclasse operria, exatamente do mesmo modo que outros de sua mesma espciehaviam impedido o pleno desenvolvimento de todas as revolues anteriores. Taishomens so um mal inevitvel: com o tempo, so expurgados; mas tempo algoque no foi dado Comuna.Magnfica, de fato, foi a mudana que a Comuna operou em Paris! Nem um traosequer daquela Paris prostituda do Segundo Imprio! Paris deixava de ser orendez-vous de latifundirios britnicos, absentestas irlandeses[114], ex-escravistas e mercenrios americanos, ex-proprietrios russos de servos e boiardosda Valquia. No havia mais cadveres no necrotrio, assaltos noturnos, os furtoseram raros; pela primeira vez desde os dias de fevereiro de 1848, as ruas de Parisestavam seguras, e isso sem polcia de nenhuma espcie. No ouvimos mais falar dizia um membro da Comuna de assassinato, roubo e agresso; de fato, como se a polcia tivesse arrastado consigo para Versalhes todos os seus amigosconservadores. As cocotes seguiram o rastro de seus protetores, os fugitivoshomens de famlia, de religio e, acima de tudo, de propriedade. Em seu lugar, asverdadeiras mulheres de Paris voltavam a emergir: heroicas, nobres e devotadascomo as mulheres da Antiguidade. Trabalhando, pensando, lutando, sangrando:assim se encontrava Paris, em sua incubao de uma sociedade nova e quaseesquecida dos canibais espreita diante de suas portas, radiante no entusiasmo desua iniciativa histrica!Oposto a esse mundo novo em Paris, estava o mundo velho de Versalhes aquelaassembleia de abutres de todos os regimes mortos, legitimistas e orleanistas,vidos por nutrir-se da carcaa da nao com sua fileira de republicanosantediluvianos, a sancionar, com sua presena na Assembleia, a rebelio dosescravistas, confiando a manuteno de sua Repblica parlamentar vaidade dosenil charlato a presidi-la e caricaturando a revoluo de 1789 com suasfantasmagricas assembleias no Jeu de Paume[115]. Assim essa Assembleia,representante de tudo o que havia de morto na frana, ganhava uma aparncia devida graas to somente aos sabres dos generais de Lus Bonaparte. Paris era todaverdade, Versalhes toda mentira, e uma mentira que exalava da boca de Thiers.Podeis confiar em minha palavra, qual jamais faltei disse Thiers a uma

  • comisso de prefeitos municipais do departamento de Seine-et-Oise. prpriaAssembleia Nacional, ele afirma que a Assembleia mais livremente eleita e maisliberal que a Frana jamais possuiu, sua soldadesca multicor diz que ela oprodgio do mundo e o melhor exrcito que a Frana jamais possuiu, diz sprovncias que o bombardeio de Paris, ordenado por ele, um mito: se algunstiros de canho foram disparados, eles no partiram do exrcito de Versalhes, masde alguns insurgentes com o intuito de fazer crer que estavam a lutar, quando naverdade no ousavam mostrar suas faces. Ele novamente diz s provncias que aartilharia de Versalhes no bombardeou Paris, mas apenas a canhonou. Declaraao arcebispo de Paris que as supostas execues e represlias (!) atribudas stropas versalhesas eram todas fantasias. Diz a Paris que ele anseia somentelibert-la dos terrveis tiranos que a oprimem e que, na verdade, a Paris daComuna no passa de um punhado de criminosos.A Paris do senhor Thiers no era a verdadeira Paris da multido vil, mas umaParis fantasma, a Paris dos franc-fileurs[116], a Paris dos bulevares, masculina efeminina. Era a Paris rica, capitalista, dourada, ociosa, agora a correr com seuslacaios, seus escroques, sua bomia literria e suas cocotes para Versalhes,Saint-Denis, Rueil e Saint-Germain. A Paris que considerava a guerra civil apenasuma agradvel diverso, acompanhando o desenrolar das batalhas atravs debinculos, contando os tiros de canho, jurando por sua prpria honra e pela desuas prostitutas que aquele espetculo era muito melhor do que aqueles da portaSaint-Martin[117]. Os homens que ali caam estavam realmente mortos; os gritosdos feridos eram gritos verdadeiros tambm e, ademais, a coisa toda era tointensamente histrica!Essa a Paris do senhor Thiers, tal como os emigrados de Coblena[118] eram aFrana do senhor Calonne.

  • VLADIMIR ILITCHULIANOV LENIN

  • Vladimir Ilitch Ulianov Lenin (1870-1924) foi o mais importante lder bolchevique e chefe de Estado sovitico,mentor e executor da Revoluo Russa de 1917, que inaugurou uma nova etapa da histria universal. Em 1922fundou, junto com os sovietes, a Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS), dirigindo-a at sua morte.Intelectual e estrategista dos mais consistentes, viveu a maior parte de sua vida na clandestinidade, no exlio ouna cadeia. Defensor da imprensa comunista, escreveu inmeros artigos e livros, entre os quais se destacam Odesenvolvimento do capitalismo na Rssia (1899), Que fazer? (1902), Imperialismo, etapa superior do capitalismo(1917) e O Estado e a revoluo (1918). Os escritos de Lenin inspiraram o internacionalismo socialista e ospartidos comunistas em todo o mundo e aprofundaram os estudos sobre o capitalismo, os efeitos dodesenvolvimento desigual, o imperialismo e o Estado. Sua obra evidencia rara apreenso do momento histrico emque viveu.

  • 9. Que fazer?

    9Que fazer?

    Obra fundamental do leninismo, Que fazer? Os problemas candentes de nosso movimento uma dasmais importantes contribuies de Lenin ao marxismo e a mais avanada elaborao sobre o mtodo deorganizao do proletariado no partido revolucionrio. Polmico, chegou a ser, num primeiro momento,criticado por marxistas como Rosa Luxemburgo e Leon Trotski. No entanto, as crticas foram abandonadasgraas vitria prtica do mtodo do centralismo democrtico, formulado no livro, durante a Revoluo de1905, nos anos de clandestinidade e nas jornadas revolucionrias de 1917.

    Escrito como uma continuao do artigo Por onde comear?, publicado no nmero 4 do jornal Iskra, emmaio de 1901, cujo contedo foi assimilado como base programtica da ala revolucionria da social-democracia russa, Que Fazer? consolida as ideias sobre a organizao do partido proletrio. Iniciado emoutubro de 1901, foi publicado logo aps sua concluso, em maro de 1902, na Alemanha, pela editoraDietz.

    O texto A classe operria como combatente de vanguarda pela democracia [ (Rabtchi klass kak piredovi borits za demokrtiiu)] est includo naparte e do captulo III, A poltica sindical e a poltica social-democrata, de Que fazer?. A traduoreproduzida aqui, publicada pela editora Hucitec (So Paulo, 1979) e gentilmente cedida por seu editor paraeste volume, foi revisada e cotejada diretamente com os originais em russo por Paula Almeida para estaedio.

  • A classe operria como combatente da vanguarda pela democraciaVimos que a agitao poltica mais ampla e, por conseguinte, a organizao degrandes campanhas de denncias polticas constituem uma tarefa absolutamentenecessria, a tarefa mais imperiosamente necessria atividade, se essa atividadefor verdadeiramente social-democrata. Mas chegamos a essa concluso partindounicamente da necessidade mais premente da classe operria, necessidade deconhecimentos polticos e de educao poltica. Entretanto, apenas essa forma decolocar a questo seria demasiado restrita, pois desconheceria as tarefasdemocrticas de toda a social-democracia, em geral, e da social-democracia russaatual, em particular. Para esclarecer essa tese da maneira mais concreta possvel,tentaremos abordar a questo de um ponto de vista mais prximo doseconomistas, do ponto de vista prtico. Todo mundo est de acordo que preciso desenvolver a conscincia poltica da classe operria. A questo : comofaz-lo e o que preciso para que seja feito? A luta econmica incita os operriosa pensarem unicamente na atitude do governo em relao classe operria, porisso, quaisquer que sejam os esforos que faamos para conferir prpria lutaeconmica um carter poltico, jamais poderemos, dentro desse objetivo,desenvolver a conscincia poltica dos operrios (at o nvel da conscincia polticasocial-democrata), pois os prprios limites desse objetivo so demasiado estreitos.A frmula de Martynov nos preciosa no como ilustrao do talento confuso deseu autor, mas porque traduz de forma relevante o erro capital de todos oseconomistas, a saber, a convico de que se pode desenvolver a conscinciapoltica de classe dos operrios, por assim dizer, a partir do interior de sua lutaeconmica, isto , partindo unicamente (ou, ao menos, principalmente) dessa luta,baseando-se unicamente (ou, ao menos, principalmente) nessa luta. Essaperspectiva radicalmente falsa, justamente porque os economistas, extenuadospor nossa polmica contra eles, no querem refletir seriamente sobre a origem denossas divergncias e sobre o que resultou disso, que literalmente no nosentendemos uns com os outros e falamos lnguas diferentes.A conscincia poltica de classe no pode ser levada ao operrio seno do exterior,isto , do exterior da luta econmica, do exterior da esfera das relaes entreoperrios e patres. O nico domnio em que se poder extrair essesconhecimentos o das relaes de todas as classes e categorias da populao como Estado e o governo, o domnio das relaes de todas as classes entre si. Por isso, questo o que fazer para levar aos operrios os conhecimentos polticos? simplesmente impossvel dar aquela nica resposta com a qual se contentam, namaioria dos casos, os prticos, sem falar daqueles dentre eles que se inclinam parao economismo, a saber: ir at os operrios. Para levar aos operrios osconhecimentos polticos, os sociais-democratas devem ir a todas as classes dapopulao, devem enviar em todas as direes os destacamentos de seu exrcito.

  • Ns escolhemos essa frmula rude de propsito, de propsito nos expressaremosde modo drasticamente simples no pelo prazer de enunciar paradoxos, mas paraincitar os economistas a pensar nas tarefas que desdenham de maneira toimperdovel, na diferena existente na poltica sindical e na poltica social-democrata, que no querem compreender. Por isso, pedimos ao leitor que no seirrite e, atentamente, nos siga at o fim.Consideremos o tipo de crculo social-democrata mais difundido nesses ltimosanos e vejamos sua atividade. Tem contatos com os operrios e se atm a isso,editando folhas volantes, nas quais condena os abusos nas fbricas, o partido queo governo toma em favor dos capitalistas e as violncias da polcia; nas reuniescom os operrios, sobre tais assuntos que se desenrola ordinariamente aconversa, sem quase sair disso; as conferncias e debates sobre a histria domovimento revolucionrio, a poltica interna e externa de nosso governo, aevoluo econmica da Rssia e da Europa, a situao dessas ou daquelas classesna sociedade contempornea etc. constituem excees extremas, e ningum pensaem estabelecer e desenvolver sistematicamente relaes no seio das outras classesda sociedade. Na verdade, o ideal do militante, para os membros de tal crculo,aproxima-se, na maioria dos casos, muito mais daquele do secretrio de sindicatodo que daquele do dirigente poltico socialista. Pois qualquer secretrio de umsindicato ingls, por exemplo, ajuda constantemente os operrios a conduzir a lutaeconmica, organiza revelaes sobre a vida de fbrica, explica a injustia das leise disposies que entravam a liberdade de greve, a liberdade dos piquetes (paraprevenir todos de que h greve em determinada fbrica), mostra o partido tomadopelos rbitros que pertencem s classes burguesas e assim por diante e adiante.Em uma palavra, todo secretrio de sindicato conduz e ajuda a conduzir a lutaeconmica contra os patres e o governo. E no seria demais insistir que issoainda no social-democratismo, que o social-democrata no deve ter por ideal osecretrio do sindicato, mas o tribuno popular, que sabe reagir contra todamanifestao de arbitrariedade e de opresso, onde quer que se produza, qualquerque seja a classe ou camada social atingida, que sabe generalizar todos os fatospara compor um quadro completo da violncia policial e da explorao capitalista,que sabe aproveitar a menor ocasio para expor diante de todos suas convicessocialistas e suas reivindicaes democratas, para explicar a todos e a cada um oalcance histrico da luta emancipadora do proletariado. Comparemos, por exemplo,militantes como Robert Knight (famoso secretrio e lder da Unio dosCaldereiros, um dos sindicatos mais poderosos da Inglaterra) e WilhelmLiebknecht e tentemos aplicar-lhes as antteses por meio das quais Martynovreduz suas divergncias com o Iskra[119]. Vocs vero eu comeo a folhear oartigo de Martynov que R. Knight conclamou muito mais as massas a aesconcretas conhecidas, enquanto W. Liebknecht ocupou-se principalmente deapresentar como revolucionrio todo regime atual ou suas manifestaesparciais; que R. Knight formulou as reivindicaes imediatas do proletariado e

  • indicou os meios de atingi-las, enquanto W. Liebknecht, fazendo o mesmo, no serecusou a dirigir ao mesmo tempo a ao das diferentes camadas e a oposio, aditar-lhes um programa de ao positiva[120]; que R. Knight dedicou-seprecisamente a conferir, tanto quanto possvel, prpria luta econmica umcarter poltico e soube perfeitamente colocar ao governo reivindicaesconcretas, fazendo entrever resultados tangveis, enquanto W. Liebknecht ocupou-se muito mais de revelaes em um sentido nico; que R. Knight deu muitomais importncia marcha progressiva da obscura luta cotidiana e W. Liebknecht propaganda de ideias brilhantes e acabadas; que W. Liebknecht fez do jornalque dirigia exatamente o rgo da oposio revolucionria que denuncia nossoregime, principalmente o regime poltico, porque entra em choque com osinteresses das diversas camadas da populao, enquanto R. Knight trabalhoupela causa operria em estreita ligao orgnica com a luta proletria seentendermos a estreita ligao orgnica no sentido do culto da espontaneidade,que estudamos anteriormente a propsito de Kritchvski e de Martynov erestringiu a esfera de sua influncia, certo de que, claro, como Martynov, comisso, ele por si mesmo complicava sua prpria influncia. Em uma palavra, vocsvero que, de facto, Martynov rebaixa a social-democracia ao nvel do sindicalismo,apesar de o fazer no porque, est claro, no deseje o bem da social-democracia,mas, simplesmente, porque se apressou um pouco demais em aprofundarPlekhnov, em lugar de se dar ao trabalho de compreender Plekhnov.Mas voltemos nossa exposio. Ns dissemos que o social-democrata, se adepto do desenvolvimento integral da conscincia poltica do proletrio noapenas nas palavras, deve ir a todas as classes da populao. A questo que secoloca : como fazer isso? Teramos ns foras suficientes para isso? Existiria umcampo para tal trabalho em todas as outras classes? Isso no seria um retrocessoou no levaria a um retrocesso do ponto de vista de classe? Vamos nos deternessas questes.Devemos ir a todas as classes da populao como tericos, como propagandistas,como agitadores e como organizadores. Que o trabalho terico dos sociais-democratas deve orientar-se para o estudo de todas as particularidades dasituao social e poltica das diferentes classes ningum duvida. Mas, a esserespeito, muito pouco fazemos, muito pouco em comparao com o estudo dasparticularidades da vida na fbrica. Nos comits e nos crculos, encontramospessoas que se especializam at no estudo de um ramo da produo siderrgica,mas no encontramos quase exemplos de membros de organizaes que(obrigados, como ocorre frequentemente, a deixar a ao prtica por algumarazo) se ocuparam especialmente de coletar documentos sobre uma questo deatualidade em nossa vida social e poltica, podendo fornecer social-democracia aocasio de trabalhar nas outras categorias da populao. Ao falar da precriapreparao da maioria dos dirigentes atuais do movimento operrio, fundamentalmencionar tambm a preparao nesse sentido, pois tambm ela devida

  • compreenso economista da estreita ligao orgnica com a luta proletria.Mas o principal, evidentemente, a propaganda e a agitao em todas as camadasdo povo. Para o social-democrata da Europa Ocidental, essa tarefa facilitadapelas reunies e assembleias populares assistidas por todos aqueles que odesejam, pela existncia do Parlamento, onde fala diante dos deputados de todasas classes. No temos Parlamento nem liberdade de reunio, mas sabemosorganizar reunies com os operrios que desejam ouvir um democrata. Pois no social-democrata aquele que esquece em sua prtica que os comunistas apoiamtodo movimento revolucionrio, que, por conseguinte, temos o dever de expor ede assinalar as tarefas democrticas gerais diante de todo o povo, sem dissimularum instante sequer nossas convices socialistas. No social-democrata aqueleque esquece em sua prtica que seu dever ser o primeiro a colocar, despertar eresolver toda questo democrtica de ordem geral.Com isso, todos concordam terminantemente! interromper o leitor impaciente, e a nova instruo redao da Rabtcheie Dilo[121], adotada no ltimocongresso da Unio, vai direto ao ponto: Devem ser utilizados para a propagandae a agitao poltica todos os fenmenos e acontecimentos da vida social e polticaque afetam o proletariado, seja diretamente como classe parte, seja comovanguarda de todas as foras revolucionrias em luta pela liberdade (DoisCongressos, p. 17, grifos nossos). De fato, essas so palavras notveis e precisas,e ficaramos inteiramente satisfeitos se o Rabtcheie Dilo as compreendesse, eno colocasse, ao mesmo tempo, outras que as contradizem. Pois no bastaautodenominar-se vanguarda, destacamento avanado preciso proceder deforma que todos os outros destacamentos se deem conta e sejam obrigados areconhecer que marchamos frente. Perguntamos, ento, ao leitor: osrepresentantes dos outros destacamentos seriam to imbecis a ponto deacreditar que somos vanguarda s porque o dizemos? Apenas imaginem oseguinte quadro concreto. Um social-democrata apresenta-se no destacamentodos radicais russos ou dos constitucionalistas liberais e diz: Somos a vanguarda;agora, uma tarefa nos colocada: como conferir, tanto quanto possvel, prprialuta econmica um carter poltico. Qualquer radical ou constitucionalistainteligente (e entre os radicais e os constitucionalistas russos h muita genteinteligente) apenas sorrir ao ouvir tal conversa, e dir (para si, bem entendido,pois, na maioria dos casos, um diplomata experimentado): essa vanguarda muito ingnua!. No compreende sequer que isso tarefa nossa a tarefa dosrepresentantes avanados da democracia burguesa , conferir prpria lutaeconmica um carter poltico. Porque tambm ns, como todos os burgueses daEuropa Ocidental, desejamos integrar os operrios poltica, mas apenas polticasindical, e no social-democrata. A poltica sindical da classe operria precisamente a poltica burguesa da classe operria. E essa vanguarda,formulando sua tarefa, formula precisamente uma poltica sindical! Portanto, deixeque se autodenominem sociais-democratas tantas vezes quantas quiserem. No

  • sou uma criana para me importar com rtulos! Mas que no se deixem levar poresses dogmticos ortodoxos nocivos; que deixem a liberdade de crtica paraaqueles que arrastam inconscientemente a social-democracia na esteira dosindicalismo!O ligeiro sorriso de ironia de nosso constitucionalista transforma-se em gargalhadahomrica quando percebe que os sociais-democratas que falam de vanguarda dasocial-democracia, nesse perodo de dominao quase completa da espontaneidadeem nosso movimento, temem, acima de tudo, ver minimizar o elementoespontneo, ver diminuir o papel da marcha progressiva dessa obscura lutacotidiana em relao propaganda das brilhantes ideias acabadas etc. etc.! Odestacamento avanado, que teme ver a conscincia ganhar da espontaneidade,que teme formular um plano ousado que force o reconhecimento geral, mesmoentre os que pensam diferentemente! Ser que confundem, por acaso, a palavravanguarda com a palavra retaguarda?Examinem com ateno o seguinte raciocnio de Martynov. Ele declara na pgina40 que a ttica acusadora do Iskra unilateral, que qualquer que seja a espciede desconfiana e de dio que semearmos contra o governo, no alcanaremosnosso objetivo enquanto no desenvolvermos uma energia social suficientementeativa para sua derrubada. Eis, diga-se entre parnteses, a preocupao que jconhecemos de intensificar a atividade das massas e de querer restringir a suaprpria. Mas a questo agora no esta. Martynov fala aqui de energiarevolucionria (para a derrubada). No entanto, a que concluso ele chega? Comoem tempos normais, as diferentes camadas sociais atuam inevitavelmente cadauma em seu lado,

    claro, por conseguinte, que ns, sociais-democratas, no podemos simultaneamente dirigir a atividadeintensa das diversas camadas da oposio, no podemos ditar-lhes um programa de ao positiva, nopodemos indicar-lhes os meios de lutar, dia aps dia, por seus interesses... As camadas liberais ocupar-se-o,elas prprias, dessa luta ativa por seus interesses imediatos, o que as colocar face a face com nosso regimepoltico.

    Assim, portanto, aps ter falado de energia revolucionria, de luta ativa para aderrubada da autocracia, Martynov desvia-se logo para a energia profissional, paraa luta ativa pelos interesses imediatos! Disso conclui-se que no podemos dirigir aluta dos estudantes, dos liberais etc. pelos seus interesses imediatos; mas noera disso que se tratava, respeitvel economista! Tratava-se da participaopossvel e necessria das diferentes camadas sociais na derrubada da autocracia, eno apenas podemos, mas, seguramente, devemos dirigir essa atividade intensadas diferentes camadas da oposio se quisermos ser a vanguarda. Quanto acolocar nossos estudantes, nossos liberais etc. face a face com nosso regimepoltico, no sero os nicos a se preocuparem com isso, pois disso seencarregaro, sobretudo, a polcia e os funcionrios da autocracia. Mas ns, sequisermos ser democratas avanados, devemos ter a preocupao de incitar apensar exatamente aqueles que s esto descontentes com o regime universitrio

  • ou apenas com o regime do zemstvo[122] etc., a pensar que todo o regime polticonada vale. Ns devemos assumir a organizao de uma ampla luta poltica sob adireo de nosso partido, a fim de que todas as camadas da oposio, quaisquerque sejam, possam prestar, e prestem efetivamente, a essa luta, assim como aonosso partido, a ajuda de que so capazes. Ns devemos escolher dentre osprticos sociais-democratas os dirigentes polticos que saibam dirigir todas asmanifestaes dessa luta nos mais variados aspectos, que saibam, no momentonecessrio, ditar um programa de ao positiva aos estudantes em agitao, aoszemstvos descontentes, aos membros de seitas indignados, aos professoreslesados e assim por diante e adiante. Por isso, Martynov est completamenteerrado quando afirma que, em relao a eles, no podemos desempenhar senoum papel negativo de denunciadores do regime... No podemos seno dissiparsuas esperanas nas diferentes comisses governamentais (o grifo nosso).Dizendo isso, Martynov mostra que no compreende nada sobre o verdadeiro papelda vanguarda revolucionria. E se o leitor tomar isso em considerao,compreender o verdadeiro sentido da seguinte concluso de Martynov:

    O Iskra o rgo da oposio revolucionria, que denuncia nosso regime, principalmente nosso regime poltico,quando vai de encontro aos interesses das diferentes camadas da populao. Quanto a ns, trabalhamos etrabalharemos pela causa operria em estreita ligao orgnica com a luta proletria. Restringindo a esfera denossa influncia, acentuamos essa influncia em si mesma.

    O verdadeiro sentido dessa concluso : o Iskra deseja elevar a poltica sindical daclasse operria (poltica qual, entre ns, por mal-entendido, despreparo ouconvico, frequentemente se limitam nossos prticos) ao nvel da poltica social-democrata. Ora, o Rabtcheie Dielo deseja abaixar a poltica social-democrata aonvel da poltica sindical. E ainda garante que so posies perfeitamentecompatveis com a obra comum. Oh, sancta simplicitas[123]!Prossigamos. Teramos foras suficientes para levar nossa propaganda e nossaagitao a todas as classes da populao? Certamente, sim. Nossos economistas,que frequentemente se inclinam a neg-lo, esquecem-se do gigantesco progressorealizado pelo nosso movimento de 1804 (mais ou menos) a 1901. Verdadeirosseguidistas, vivem frequentemente com ideias do perodo do comeo de nossomovimento, h muito j terminado. De fato, no tnhamos poca muita fora,nossa resoluo de nos dedicarmos inteiramente ao trabalho entre os operrios ede condenar severamente todo o desvio dessa linha era natural e legtima, pois setratava ento unicamente de nos consolidarmos na classe operria. Agora, umagigantesca massa de foras est incorporada ao movimento, chegam at ns osmelhores representantes da jovem gerao das classes instrudas, por toda a parte,so obrigadas a residir nas provncias pessoas que j participam ou queremparticipar do movimento e que tendem para a social-democracia (enquanto, em1894, podia-se contar nos dedos os sociais-democratas russos). Um dos maisgraves defeitos de nosso movimento em poltica e em matria de organizao que no sabemos empregar todas essas foras, atribuir-lhes o trabalho que lhes

  • convm. A imensa maioria dessas foras encontra-se na impossibilidade absolutade ir at os operrios, por isso no se coloca a questo do perigo de desviar asforas de nosso movimento essencial. E, para fornecer aos operrios umaverdadeira iniciao poltica, mltipla e prtica, preciso que tenhamos a nossagente, sociais-democratas, sempre e em toda a parte, em todas as camadassociais, em todas as posies que permitam conhecer as foras internas domecanismo de nosso Estado. E precisamos desses homens no apenas para apropaganda e a agitao, mas, ainda e sobretudo, para a organizao.Existia um campo para a ao em todas as classes da populao? Os que no veemisso mostram que sua conscincia est em atraso quanto ao impulso espontneodas massas. Entre uns, o movimento operrio suscitou e continua a suscitar odescontentamento; entre outros, desperta a esperana quanto ao apoio daoposio; para outros, d a conscincia da impossibilidade do regime autocrtico,de sua falncia evidente. Ns seramos polticos e sociais-democratas apenas naspalavras (como, na realidade, acontece frequentemente), se nocompreendssemos que nossa tarefa utilizar todas as manifestaes dedescontentamento, quaisquer que sejam, reunir e elaborar at os menoreselementos de um protesto, por embrionrios que sejam. Sem contar que milhes emilhes de camponeses, trabalhadores, pequenos artesos, entre outros,escutaram sempre avidamente a propaganda de um social-democrata, ainda quepouco hbil. Mas possvel falar em ao menos uma classe da populao na qualno haja homens, crculos e grupos descontentes com o jugo e a arbitrariedade, eportanto acessveis propaganda do social-democrata, intrprete das maisprementes aspiraes democrticas? Para quem quiser ter uma ideia concretadessa agitao poltica do social-democrata em todas as classes e categorias dapopulao, indicaremos as revelaes polticas, no sentido amplo da palavra, comoprincipal (porm no o nico, bem entendido) meio dessa agitao.Devemos, escrevi em meu artigo Por onde comear? ( Iskra, n. 4, maio de1901), de que falaremos mais adiante em detalhe,

    despertar em todos os elementos um pouco conscientes da populao a paixo pelas revelaes polticas. Nonos inquietemos se nos dias de hoje, na poltica, as vozes acusadoras so ainda to dbeis, to raras e totmidas. A causa no consiste, de modo algum, em uma resignao geral arbitrariedade policial. A causa que os homens capazes de acusar e dispostos a faz-lo no tm uma tribuna do alto da qual possam falar no tm um auditrio que escute avidamente, encorajando os oradores e no veem em parte alguma dopovo uma fora para a qual valha a pena dirigir suas queixas contra o governo todo-poderoso... Temos hojeos meios e o dever de oferecer a todo o povo uma tribuna para denunciar o governo tsarista: essa tribunadeve ser um jornal social-democrata.[124]

    Esse auditrio ideal para as revelaes polticas precisamente a classe operria,que tem necessidade, antes e sobretudo, de conhecimentos polticos amplos evivos; que a mais capaz de aproveitar esses conhecimentos para empreenderuma luta ativa, mesmo que no prometa qualquer resultado tangvel. Ora, atribuna para essas revelaes diante de todo o povo s pode ser um jornal paratoda a Rssia. Sem um rgo poltico, no seria possvel conceber na Europa atual

  • um movimento merecendo o nome de movimento poltico, e, nesse sentido, aRssia, inegavelmente, tambm est includa na Europa atual. Desde h muito aimprensa tornou-se uma fora entre ns; se no, o governo no despenderiadezenas de milhares de rublos para comprar e subvencionar todas as espcies deKatkov e de Mechtcherski. E no novo o fato de, na Rssia autocrtica, aimprensa ilegal romper as barreiras da censura e obrigar os rgos legais econservadores a dela falar abertamente. Foi o que aconteceu tanto nos anos 1870quanto nos anos 1850. Ora, hoje so mais amplas e profundas as camadaspopulares que poderiam ler, voluntariamente, a imprensa ilegal para a aprender aviver e a morrer, para empregar a expresso de um operrio, autor de uma cartaendereada ao Iskra (n. 7). As revelaes polticas constituem uma declarao deguerra ao governo, da mesma forma que as revelaes econmicas constituemuma declarao de guerra aos fabricantes. E essa declarao de guerra tem umsignificado moral tanto maior quanto mais vasta e vigorosa for a campanha dedenncias, quanto mais decidida e numerosa for a classe social que declara aguerra para comear a guerra. As revelaes polticas, por isso, constituem, por siprprias, um dos meios mais poderosos para desagregar o regime contrrio,separar o inimigo de seus aliados fortuitos ou temporrios, semear a hostilidade ea desconfiana entre os participantes permanentes do poder autocrtico.Apenas o partido que organize verdadeiramente as revelaes visando o povointeiro poder tornar-se, em nossos dias, a vanguarda das foras revolucionrias. Eesta palavra povo tem um contedo muito amplo. A imensa maioria dosreveladores, que no pertencem classe operria (pois para ser vanguarda preciso justamente integrar outras classes), so polticos lcidos e homens desangue-frio e senso prtico. Sabem perfeitamente como perigoso queixar-semesmo de um pequeno funcionrio, quanto mais do onipotente governo russo. Eno nos dirigiro suas queixas, a no ser quando virem que elas realmente podemter efeito e que ns somos uma fora poltica. Para que nos tornemos aos olhos dopblico uma fora poltica preciso trabalhar muito e com firmeza para elevarnossa conscincia, nosso esprito de iniciativa e nossa energia; para isso, no bastacolar o rtulo vanguarda sobre uma teoria e uma prtica de retaguarda.Mas se devemos nos encarregar de organizar contra o governo as revelaes queverdadeiramente visam o povo inteiro, em que, pois, ir se manifestar o carter declasse de nosso movimento? ir nos perguntar e j nos pergunta o partidriocioso da estreita ligao orgnica com a luta proletria. Ora, justamente no fatode que a organizao dessas revelaes constituir nossa obra, de sociais-democratas; de que todos os problemas levantados pelo trabalho de agitaosero esclarecidos dentro de um esprito social-democrata constante e sem amenor tolerncia para com as deformaes, voluntrias ou no, do marxismo; deque essa ampla agitao poltica ser conduzida por um partido unindo em um todocoerente a ofensiva contra o governo, em nome de todo o povo, da educaorevolucionria do proletariado, salvaguardando, ao mesmo tempo, sua

  • independncia poltica, a direo da luta econmica da classe operria, a utilizaode seus conflitos espontneos com seus exploradores, conflitos que levantam econduzem sem cessar, para o nosso campo, novas camadas do proletariado!Mas um dos traos mais caractersticos do economismo exatamente nocompreender essa ligao; alm disso: essa coincidncia da necessidade maisurgente do proletariado (educao poltica abrangente, por meio da agitaopoltica e das revelaes polticas) com as necessidades do movimento democrticocomo um todo. Essa incompreenso aparece no apenas nas frases Martynov,mas tambm nas diferentes passagens de significao absolutamente idntica, comas quais os economistas referem-se a um pretenso ponto de vista de classe. Eis,por exemplo, como se exprimem os autores da carta economista publicada no n.12 do Iskra[125]: Esse mesmo defeito essencial do Iskra (sobrestimao daideologia) a causa de sua inconsequncia na questo da social-democracia comas diversas classes e tendncias sociais. Tendo decidido, por meio de clculostericos [...] (e no em decorrncia do aumento das tarefas do Partido quecrescem junto com ele [...] ), [que] o problema da deflagrao imediata da lutacontra o absolutismo sentindo, provavelmente, toda a dificuldade dessa tarefapara os operrios, no estado atual das coisas [...] (no somente sentindo, massabendo muito bem que, para os operrios, essa tarefa parece menos difcil do quepara os intelectuais economistas cuidarem de crianas pequenas, pois osoperrios esto prontos a se baterem de fato pelas reivindicaes que noprometem, para falar a lngua do inolvidvel Martynov, nenhum resultadotangvel), mas no tendo a pacincia de esperar a acumulao de forasnecessrias para essa luta, o Iskra comea a procurar os aliados nas fileiras dosliberais e da intelligentsia.Sim, sim, de fato perdemos toda pacincia para esperar os dias felizes que nosprometem h muito os conciliadores de toda espcie, quando nossoseconomistas deixaro de lanar a culpa de seu prprio atraso sobre os operrios,de justificar sua prpria falta de energia pela pretensa insuficincia de foras entreos operrios. Ns perguntamos aos nossos economistas: Em que deve consistir aacumulao de foras pelos operrios em vista dessa luta? No evidente queconsiste na educao poltica dos operrios, na denncia, diante deles, de todos osaspectos de nossa odiosa autocracia? E no est claro que, justamente para essetrabalho, precisamos de aliados nas fileiras dos liberais e da intelligentsia prontosa nos trazer suas revelaes sobre a campanha poltica conduzida contra oselementos ativos do zemstvos, os professores, os estatsticos, os estudantes eassim por diante? assim to difcil compreender essa mecnica erudita? P.Axelrod no lhes repete, desde 1897, que a conquista pelos sociais-democratasrussos de partidrios e aliados diretos ou indiretos entre as classes no proletrias determinada, antes de tudo e principalmente, pelo carter que a propagandaassume entre o prprio proletariado[126]? Ora, Martynov e os outroseconomistas ainda acham, agora, que, primeiro, os operrios devem acumular

  • foras por meio da luta econmica contra os patres e o governo (para a polticasindical) e, em seguida, apenas passar sem dvida, da educao sindical daatividade atividade social-democrata!Em suas pesquisas continuam os economistas , o Iskra abandona comdemasiada frequncia o ponto de vista de classe, encobre os antagonismos declasse e coloca em primeiro plano o descontentamento comum contra o governo,apesar de as causas e o grau desse descontentamento serem muito diferentesentre os aliados. Essas so, por exemplo, as relaes do Iskra com os zemstvos...O Iskra pretensamente promete aos nobres descontentes com as esmolasgovernamentais o apoio da classe operria, sem dizer uma palavra sobre oantagonismo de classe que separa essas duas categorias da populao.Que o leitor se reporte aos artigos A autocracia e o zemstvo (n. 2 e 4 doIskra)[127], dos quais, parece, falam os autores dessa carta, e ver que essesartigos[128] so dedicados atitude do governo em relao agitao inofensivado zemstvo burocrtico censitrio, em relao iniciativa das prprias classesproprietrias. Nesse artigo, diz-se que o operrio no poderia permanecerindiferente luta do governo contra o zemstvo, e os elementos ativos do zemstvoso convidados a deixar de lado seus discursos inofensivos e a pronunciar palavrasfirmes e categricas, quando a social-democracia revolucionria levantar-se comtoda sua fora diante do governo. Com o que no esto de acordo os autores dacarta? no h como saber. Pensariam eles que o operrio no compreender aspalavras: classes possuidoras e zemstvo burocrtico-censitrio? que o fato depressionar os elementos ativos dos zemstvos a abandonar os discursos inofensivospelas palavras firmes seja uma sobrestimao da ideologia? Imaginariam elesque os operrios podem acumular foras para a luta contra o absolutismo, se noconhecem a atitude do absolutismo tambm em relao ao zemstvo? No h, maisuma vez, como saber nada disso. S uma coisa est clara: os autores tm umaideia muito vaga das tarefas polticas da social-democracia. Isso fica ainda maisclaro na frase seguinte: Essa igualmente (isto , encobrindo tambm osantagonismos de classe) a atitude do Iskra em relao ao movimento dosestudantes. Em lugar de exortar os operrios a afirmar, por meio de umamanifestao pblica, que o verdadeiro foco de violncias, de arbitrariedade e dedelrio no a juventude universitria, mas o governo russo (Iskra, n. 2[129]) ns deveramos, ao que parece, publicar as anlises inspiradas da Rabtchaia Mysl!E so essas as opinies expressas pelos sociais-democratas no outono de 1901,aps os acontecimentos de fevereiro e de maro, s vsperas de um novo impulsodo movimento estudantil, impulso que mostra bem que, tambm nesse aspecto, oprotesto espontneo contra a autocracia ultrapassa a direo consciente domovimento pela social-democracia. O impulso instintivo, que leva os operrios ainterceder em favor dos estudantes espancados pela polcia e pelos cossacos,ultrapassa a atividade consciente da organizao social-democrata!

  • Entretanto, em outros artigos continuam os autores da carta o Iskra condenaseveramente todo compromisso e toma a defesa, por exemplo, do comportamentointolervel dos guesdistas[130]. Aconselhamos queles que sustentamcomumente, com tanta presuno e ligeireza, que as divergncias de ponto devista entre os sociais-democratas de hoje no so, parece, essenciais e nojustificam uma ciso que meditem seriamente sobre essas palavras. As pessoasque afirmam que o esforo que empreendemos ainda ridiculamente insuficientepara mostrar a hostilidade da autocracia em relao s mais diferentes classes,para revelar aos operrios a oposio das mais diferentes categorias da populao autocracia, podem trabalhar eficazmente, em uma mesma organizao, compessoas que veem nessa tarefa um compromisso, evidentemente umcompromisso com a teoria da luta econmica contra os patres e o governo?No quadragsimo aniversrio da emancipao dos camponeses, falamos danecessidade de introduzir a luta de classes nos campos (n. 3)[131] e, a propsitodo relatrio secreto de Witte, da incompatibilidade que existe entre a autonomiaadministrativa e a autocracia (n. 4); combatemos, a propsito da nova lei, ofeudalismo dos proprietrios de terras e do governo que os serve (n. 8)[132], esaudamos o congresso ilegal dos zemstvos, encorajando os membros dos zemstvosa abandonar os procedimentos humilhantes para passar luta (n. 8)[133];encorajamos os estudantes, que comeavam a compreender a necessidade da lutapoltica, a empreenderem-na (n. 3) e, ao mesmo tempo, fustigamos a intelignciaextremada dos partidrios do movimento exclusivamente estudantil, queexortavam os estudantes a no participarem das manifestaes de rua (n. 3, apropsito da mensagem do Comit executivo dos estudantes de Moscou, de 25 defevereiro); denunciamos os sonhos insensatos, a mentira e a hipocrisia dosvelhacos liberais do jornal Rssia[134] (n. 5) e, ao mesmo tempo, assinalamos afria do governo de carcereiros que acertavam as contas com pacficos literatos,velhos professores e cientistas, conhecidos liberais dos zemstvos (n. 5: Umataque da polcia contra a literatura)[135]; revelamos o verdadeiro sentido doprograma de assistncia do Estado para a melhoria das condies de vida dosoperrios e saudamos o consentimento precioso: mais vale prevenir comreformas do alto as reivindicaes de baixo do que esperar por essas (n. 6)[136];encorajamos os estatsticos em seu protesto (n. 7) e condenamos os estatsticosfuradores de greve (n. 9)[137]. Quem v nessa ttica um obscurecimento daconscincia de classe do proletariado e um compromisso com o liberalismo mostraque no compreende absolutamente nada do verdadeiro programa do Credo e, defacto, aplica precisamente esse programa, no importa quanto o repudie!Realmente, por isso mesmo, arrasta a democracia luta econmica entre ospatres e o governo e inclina a bandeira diante do liberalismo, abandonando atarefa de intervir ativamente em cada questo liberal e de definir a prpriaatitude, a atitude social-democrata, naquilo que diz respeito a essa questo.

  • 10. Imperialismo, fase superior do capitalismo

    10Imperialismo, fasesuperior do capitalismo

    Escrita um ano antes da Revoluo de Outubro e lanada no calor das jornadas revolucionrias de 1917,Imperialismo, fase superior do capitalismo considerada a mais importante obra de Lenin. Confirmando oprognstico de Rosa Luxemburgo de socialismo ou barbrie, o lder bolchevique examina odesenvolvimento da Rssia no incio do sculo XX para afirmar que o capitalismo vive sua fase de reaoem toda linha. Ao aprofundar as anlises de Marx em O capital, oferece um dos mais importantesarmamentos tericos luta pela emancipao dos trabalhadores.

    Lenin entregou-se ao estudo da literatura sobre o imperialismo provavelmente a partir de 1915, em Berna.Estabeleceu a bibliografia, elaborou planos, fez anotaes e resumos. Os materiais preparatrios(Cadernos sobre o imperialismo) constituem cerca de cinquenta pginas impressas, com excertos de 148livros (sendo 106 alemes, 23 franceses, 17 ingleses e 2 em traduo russa) e de 232 artigos de 49publicaes no peridicas diversas. A elaborao do manuscrito se deu entre janeiro e junho de 1916 esua publicao, em 1917 na Rssia tsarista, pela editora Pars, com vrias passagens modificadas oucensuradas pelos editores. Uma verso fiel ao manuscrito foi publicada apenas aps a Revoluo deOutubro.

    Esta traduo do texto Crtica do imperialismo [ (Crtica imperializma)], captuloIX do livro Imperialismo, fase superior do capitalismo, foi originalmente publicada pelas Edies Avante! eProgresso (Lisboa/Moscou, 1984), tendo sido gentilmente cedida para esta edio, para a qual foi revisadae cotejada com base no original russo por Paula Almeida.

  • Crtica do imperialismoEntendemos a crtica do imperialismo, no sentido amplo da palavra, como a atitudedas diferentes classes da sociedade, de acordo com sua ideologia geral, perante apoltica imperialista.As propores gigantescas do capital financeiro, concentrado em poucas mos eoriginado de uma rede extraordinariamente vasta e densa de relaes e conexes,subordinando as massas no s de pequenos e mdios, mas tambm dos maisinsignificantes capitalistas e proprietrios, por um lado, e, por outro, intensificandoa luta contra outros grupos financeiros nacionais-estatais pela partilha do mundo epelo domnio sobre outros pases, tudo isso origina a passagem em bloco de todasas classes possuidoras para o lado do imperialismo. A exaltao universal daperspectiva imperialista, a sua defesa furiosa, o seu embelezamento por todos osmeios so sinais do tempo. A ideologia imperialista penetra mesmo no seio daclasse operria. No h uma muralha da China separando-a das outras classes. Domesmo modo que os atuais lderes do assim chamado Partido Social-Democratada Alemanha foram muito justamente denominados social-imperialistas, isto ,socialistas de palavra e imperialistas de fato, [John Atkinson] Hobson assinalara jem 1902 a existncia dos Imperialistas fabianos na Inglaterra, pertencentes oportunista Sociedade Fabiana[138].Os cientistas e os publicistas burgueses defendem geralmente o imperialismo deuma forma um tanto encoberta, ocultando a dominao absoluta do imperialismo eas suas razes profundas, procurando colocar em primeiro plano as particularidadese os pormenores secundrios, esforando-se por desviar a ateno do essencial pormeio de projetos de reformas completamente desprovidos de seriedade, taiscomo o controle policial dos trustes ou dos bancos etc. So menos frequentes asmanifestaes dos imperialistas cnicos, declarados, que tm o mrito dereconhecer o absurdo da ideia de reformar as caractersticas fundamentais doimperialismo.Citemos um exemplo. Os imperialistas alemes da publicao Arquivo da EconomiaMundial esforam-se por seguir de perto os movimentos de libertao nacional dascolnias e, particularmente, como natural, das no alems. Assinalam aefervescncia e os protestos na ndia, o movimento em Natal (frica do Sul), nandia Holandesa etc. Um deles, em um artigo de uma publicao inglesa sobre aconferncia de naes e raas submetidas, realizada de 28 a 30 de junho de 1910,e da qual participaram representantes de diversos povos da sia, frica e Europaque se encontram sob dominao estrangeira, exprime-se assim ao comentar osdiscursos ali proferidos:

    Contra o imperialismo, dizem-nos, preciso lutar; os Estados dominantes devem reconhecer o direito independncia dos povos submetidos; um tribunal internacional deve garantir o cumprimento dos tratadosconcludos entre as grandes potncias e os povos fracos. A conferncia no vai alm desses votos piedosos.No vemos o menor indcio de compreenso da verdade de que o imperialismo est indissoluvelmente ligado ao

  • capitalismo na sua forma atual e que por isso (!!) a luta direta contra o imperialismo est condenada aofracasso, a no ser que se limite a protestos contra alguns excessos particularmente odiosos.[139]

    J que a regulamentao reformista das bases do imperialismo um engano, umvoto piedoso, j que os representantes burgueses das naes oprimidas no voalm no avano, os representantes burgueses das naes opressoras vo almno retrocesso, em direo ao servilismo diante do imperialismo encoberto porpretenses cientficas. A mesma lgica!Questes como a possibilidade de modificar por meio de reformas as bases doimperialismo, se h que seguir adiante, agravando e aprofundando ainda mais ascontradies que o imperialismo gera, ou se h que retroceder, atenuando essascontradies, so as questes essenciais da crtica do imperialismo. Assim como asparticularidades polticas do imperialismo so a reao em toda a linha e aintensificao da opresso nacional por causa da opresso da oligarquia financeirae da supresso da livre concorrncia, a oposio democrtica pequeno-burguesa aoimperialismo aparece em quase todos os pases imperialistas em princpios dosculo XX. E a ruptura com o marxismo por parte de [Karl] Kautsky e da vastacorrente internacional do kautskismo consiste justamente no fato de que Kautskyno s no se preocupou em, no soube como, enfrentar essa oposio pequeno-burguesa, reformista, fundamentalmente reacionria do ponto de vista econmico,mas, ao contrrio, fundiu-se com ela na prtica.Nos Estados Unidos, a guerra imperialista de 1898 contra a Espanha provocou aoposio dos anti-imperialistas, os ltimos moicanos da democracia burguesa,que qualificavam essa guerra de criminosa, consideravam anticonstitucional aanexao de terras alheias, denunciavam como um engano dos chauvinistas aatitude para com o chefe dos nativos das Filipinas, [Emilio] Aguinaldo (depois delhe prometerem a liberdade do seu pas, desembarcaram tropas americanas eanexaram as Filipinas), e citavam as palavras de [Abraham] Lincoln: Quando obranco governa a si mesmo, autogoverno; quando governa a si mesmo e, aomesmo tempo, governa outros, j no autogoverno, despotismo[140]. Masenquanto toda essa crtica tinha medo de reconhecer os vnculos indissolveisexistentes entre o imperialismo e os trustes e, por conseguinte, entre oimperialismo e os fundamentos do capitalismo, enquanto receava unir-se s forasgeradas pelo grande capitalismo e pelo seu desenvolvimento, no era mais do queum voto piedoso.Essa tambm a posio fundamental de Hobson na sua crtica do imperialismo.Hobson antecipou-se a Kautsky ao erguer-se contra a inevitabilidade doimperialismo e ao apelar para a necessidade de elevar a capacidade de consumoda populao (sob o capitalismo!). No que diz respeito ao ponto de vista pequeno-burgus da crtica do imperialismo, da onipotncia dos bancos, da oligarquiafinanceira e assim por diante, citamos mais de uma vez [E.] Agahd, A[lfred]Lansburgh, L[udwig] Eschwege e, entre os escritores franceses, Victor Brard, autor

  • da obra superficial A Inglaterra e o imperialismo, de 1900. Todos eles, semqualquer pretenso de marxismo, opem ao imperialismo a livre concorrncia e ademocracia, condenam a aventura do caminho de ferro de Bagd, que conduz aconflitos e guerra, manifestam o voto piedoso da paz etc. assim o faz mesmoA[lfred] Neymarck, cuja especialidade a estatstica das emisses internacionais,que, calculando as centenas de milhares de milhes de francos de valoresinternacionais, exclamava em 1912: Como possvel supor que a paz possa serposta em perigo [...] arriscar-se, dada a existncia de nmeros to considerveis, aprovocar a guerra[141].No que diz respeito aos economistas burgueses, tal ingenuidade no surpreende;alm disso, para eles, vantajoso parecer to ingnuos e falar a srio da paz sobo imperialismo. Mas o que ainda resta de marxismo em Kautsky, quando ele, em1914, 1915 e 1916, adota o mesmo ponto de vista reformista da burguesia eargumenta que todos concordam (imperialistas, pseudossocialistas e social-pacifistas) acerca da paz? Em vez de analisar e revelar as profundas contradiesdo imperialismo, vemos apenas o voto piedoso reformista de evit-las, ignor-las.Eis uma amostra da crtica econmica do imperialismo por Kautsky. Ele toma osdados sobre o movimento de exportao e importao entre a Inglaterra e o Egitoem 1872 e 1912; acontece que esse movimento de exportao e importaoaumentou menos do que a exportao e importao gerais da Inglaterra. E Kautskyinfere: No temos fundamento algum para supor que sem a ocupao militar doEgito o comrcio com ele teria crescido menos sob a influncia do simples peso dosfatores econmicos. As tendncias de expanso do capital podem ser mais bemalcanadas no por meio dos mtodos violentos do imperialismo, mas pelademocracia pacfica[142].Esse raciocnio de Kautsky, repetido em todos os tons pelo seu escudeiro russo (eencobridor russo dos sociais-chauvinistas), sr. Spectator [143], a base da crticakautskista do imperialismo, e por isso devemos deter-nos nele maispormenorizadamente. Comecemos por citar [Rudolf] Hilferding, cujas conclusesKautsky, muitas vezes, inclusive em abril de 1915, declarou serem aceitasunanimemente por todos os tericos socialistas.

    No compete ao proletariado diz Hilferding opor poltica capitalista mais progressiva a poltica passadada poca do livre-cmbio e da atitude hostil para com o Estado. A resposta do proletariado poltica econmicado capital financeiro, ao imperialismo, no pode ser o livre-cmbio, mas apenas o socialismo. Um ideal como arestaurao da livre concorrncia que se converteu agora em um ideal reacionrio no pode seratualmente o objetivo da poltica do proletariado, mas unicamente a destruio completa da concorrnciamediante a supresso do capitalismo.[144]

    Kautsky rompeu com o marxismo ao defender, para a poca do capital financeiro,um ideal reacionrio, a democracia pacfica, o simples peso dos fatoreseconmicos, pois esse ideal arrasta objetivamente para trs, do capitalismomonopolista para o capitalismo no monopolista, e um engano reformista.

  • O comrcio com o Egito (ou com outra colnia ou semicolnia) teria crescido maissem a ocupao militar, sem o imperialismo, sem o capital financeiro. Que significaisso? Que o capitalismo se desenvolveria mais rapidamente se a livre concorrnciano conhecesse a limitao que lhe impem os monoplios em geral, nem asrelaes ou o jugo (isto , tambm o monoplio) do capital financeiro, nem aposse monopolista das colnias por parte de alguns pases?Os raciocnios de Kautsky no podem ter outro sentido, e este sentido um sem-sentido. Admitamos que sim, que a livre concorrncia, sem monoplios denenhuma espcie, poderia desenvolver o capitalismo e o comrcio maisrapidamente. Mas quanto mais rpido o desenvolvimento do comrcio e docapitalismo, mais intensa a concentrao da produo e do capital que gera omonoplio. E os monoplios j nasceram precisamente da livre concorrncia!Mesmo se os monoplios refrearam atualmente o seu desenvolvimento, isso no ,apesar de tudo, um argumento a favor da livre concorrncia, que se tornouimpossvel depois de ter gerado os monoplios.Por mais voltas que se d aos raciocnios de Kautsky, no se encontrar neles maisdo que reacionarismo e reformismo burgus.Se corrigirmos esse raciocnio e dissermos, como o faz Spectator: o comrcio dascolnias inglesas com a Inglaterra desenvolve-se, atualmente, mais lentamente doque com outros pases isso tambm no salva Kautsky. Isso porque a Inglaterra batida tambm pelo monoplio, tambm pelo imperialismo, s que de outrospases (os Estados Unidos, a Alemanha). Como se sabe, os cartis conduziram aoestabelecimento de direitos aduaneiros protecionistas de um tipo novo, original:protegem-se (isso [Friedrich] Engels j havia notado no tomo III de O capital)precisamente os produtos susceptveis de ser exportados. Como se sabe tambm, osistema, prprio dos cartis e do capital financeiro, de exportao a preo nfimo,o dumping, como dizem os ingleses: no interior do pas, o cartel vende os seusprodutos a um preo monopolista elevado, e no exterior coloca-os a um preobaixssimo, com o objetivo de arruinar o concorrente, ampliar ao mximo a suaprpria produo etc. Se a Alemanha desenvolve o seu comrcio com as colniasinglesas mais rapidamente do que a Inglaterra, isso demonstra apenas que oimperialismo alemo mais fresco, mais forte, mais bem organizado do que oingls, superior ao ingls, mas no demonstra, longe disso, a superioridade dolivre-cmbio, porque no o livre-cmbio que luta contra o protecionismo e contraa dependncia colonial, mas um imperialismo que luta contra outro, um monopliocontra outro, um capital financeiro contra outro. A superioridade do imperialismoalemo sobre o ingls mais forte do que a muralha das fronteiras coloniais ou dosdireitos alfandegrios protecionistas: tirar da um argumento a favor do livre-cmbio e da democracia pacfica equivale a dizer banalidades, a esquecer ostraos e as propriedades fundamentais do imperialismo, a substituir o marxismopelo reformismo filisteu.

  • interessante notar que mesmo o economista burgus A[lfred] Lansburgh, quecritica o imperialismo de uma maneira to filistina como Kautsky, abordou maiscientificamente do que ele a ordenao dos dados da estatstica comercial. Eleestabeleceu uma comparao no de um pas tomado ao acaso, e precisamenteuma colnia, com outros pases, mas uma comparao entre as exportaes depases imperialistas: 1) para os pases que dependem financeiramente dela[Alemanha], que receberam emprstimos e 2) para os pases financeiramenteindependentes. O resultado obtido o que a seguir apresentamos: Exportaes da Alemanha (em milhes de marcos)Para os pases financeiramente dependentes da Alemanha

    Pases 1889 1908 Aumento

    Romnia 48,2 70,8 +47%

    Portugal 19,0 32,8 +73%

    Argentina 60,7 147,0 +143%

    Brasil 48,7 84,5 +73%

    Chile 28,3 52,4 +85%

    Turquia 29,9 64,0 +114%

    Total 234,8 451,5 +92%

    Para os pases financeiramente independentes da Alemanha

    Pases 1889 1908 Aumento

    Gr-Bretanha 651,8 997,4 +53%

    Frana 210,2 437,9 +108%

    Blgica 137,2 322,8 +135%

    Sua 177,4 401,1 +127%

    Austrlia 21,2 64,5 +205%

    ndias Holandesas 8,8 40,7 +363%

    Total 1206,6 2264,4 +87%

  • Lansburgh no fez a soma e, por isso, estranhamente, no se deu conta de que, seesses nmeros provam alguma coisa, s contra ele, pois a exportao para ospases financeiramente dependentes cresceu, apesar de tudo, mais rapidamente,embora no de maneira muito considervel, do que a exportao para os pasesfinanceiramente independentes (sublinhemos o se, j que a estatstica deLansburgh est muito longe de ser completa).Referindo-se relao entre a exportao e os emprstimos, Lansburgh diz:

    Em 1890-1891, foi fechado o crdito romeno por intermdio dos bancos alemes, que j em anos anterioreshaviam cedido emprstimos para ele. O crdito serviu principalmente para aquisio de material ferrovirio, quefoi comprado da Alemanha. Em 1891, a exportao alem para a Romnia foi de 55 milhes de marcos. Noano seguinte, caiu para 39,4 milhes e, com intervalos, chegou a 25,4 milhes em 1900. S nesses ltimosanos foi restabelecido o nvel de 1891 graas a outros dois novos emprstimos.A exportao alem para Portugal aumentou, em consequncia dos emprstimos de 1888 e 1889, para 21,1milhes (1890); depois, nos dois anos seguintes, caiu para 16,2 e 7,4 milhes, e s alcanou o seu antigo nvelem 1903.So ainda mais expressivos os dados do comrcio germano-argentino. Em consequncia dos emprstimos de1888 e 1890, a exportao alem para a Argentina atingiu, em 1889, o montante de 60,7 milhes de marcos.Dois anos mais tarde, era de apenas 18,6 milhes, menos de um tero do perodo anterior. S em 1901 atingido e ultrapassado o nvel de 1889, o que se deve aos novos emprstimos do Estado e municipais, entrega de dinheiro para a construo de fbricas de eletricidade e a outras operaes de crdito.A exportao para o Chile aumentou, em consequncia do emprstimo de 1889, para 45,2 milhes (1892) ecaiu, um ano depois, para 22,5 milhes. Aps novo emprstimo, concedido por intermdio dos bancosalemes, em 1906, a exportao subiu para 84,7 milhes (1907), descendo de novo para 52,4 milhes, em1908.[145]

    Lansburgh deduz desses fatos uma divertida moral filistina, como inconsistente edesigual a exportao ligada aos emprstimos, como ruim exportar capitais parao exterior, em vez de, natural e harmonicamente, fomentar a indstria nacional,como ficam caras para Krupp[146] as gratificaes de milhes e milhes queacompanham a concesso dos emprstimos estrangeiros etc. Mas os fatos falamcom clareza: o aumento da exportao est relacionado precisamente com asfraudulentas maquinaes do capital financeiro, que no se preocupa com a moralburguesa, que do mesmo boi tira o couro duas vezes: primeiro, o lucro doemprstimo; segundo, o lucro desse mesmo emprstimo investido na aquisio deartigos da Krupp ou material ferrovirio do sindicato do ao etc.Repetindo, no consideramos de modo nenhum a estatstica de Lansburgh perfeita,mas era indispensvel reproduzi-la porque mais cientfica do que a de Kautsky ede Spectator, j que Lansburgh indica uma maneira acertada de abordar oproblema. Para raciocinar sobre a significao do capital financeiro no que se refere exportao etc., preciso aprender a distinguir a relao da exportao, especiale unicamente, com as maquinaes dos financeiros; especial e unicamente, com avenda dos produtos dos cartis etc. Mas limitar-se a comparar simplesmente ascolnias em geral com as no colnias, um imperialismo com outro imperialismo,

  • uma semicolnia ou colnia (Egito) com todos os restantes pases, significa deixarde lado e escamotear precisamente a essncia da questo.A crtica terica do imperialismo que Kautsky faz, portanto, no tem nada emcomum com o marxismo; apenas serve como ponto de partida para preconizar apaz e a unidade com os oportunistas e os social-chauvinistas, uma vez que essacrtica ignora e oculta precisamente as contradies mais profundas e fundamentaisdo imperialismo: as contradies entre os monoplios e a livre concorrncia queexiste paralelamente a eles, entre as operaes gigantescas (e os lucrosgigantescos) do capital financeiro e o comrcio honesto do livre mercado, entreos cartis e os trustes, por um lado, e a indstria no cartelizada, por outro, eassim por diante.Tem absolutamente o mesmo carter reacionrio a famosa teoria doultraimperialismo inventada por Kautsky. Comparemos os seus raciocnios sobreesse tema, em 1915, com os de Hobson, em 1902:

    Kautsky:No poder a poltica imperialista atual ser suplantada por outra nova, ultraimperialista, que em vez da luta doscapitais financeiros entre si estabelecesse a explorao comum de todo o mundo pelo capital financeiro unidointernacionalmente? Uma nova fase do capitalismo, em todo caso, concebvel. A inexistncia de premissassuficientes no permite resolver se realizvel ou no.[147]Hobson:O cristianismo consolidado em um nmero limitado de grandes imprios federais, cada um dos quais tem umasrie de colnias no civilizadas e pases dependentes, parece a muitos a evoluo mais legtima das tendnciasatuais, uma evoluo que, alm disso, permitiria alimentar as maiores esperanas em uma paz permanentesobre a base slida do interimperialismo.

    Kautsky qualifica de ultraimperialismo ou superimperialismo aquilo que Hobsonqualificava, treze anos antes, de interimperialismo ou entreimperialismo. Alm dacriao de uma nova palavra incompreensvel, por meio da substituio de umprefixo latino por outro, o progresso do pensamento cientfico de Kautsky reduz-se pretenso de fazer passar por marxismo aquilo que Hobson descreve, emessncia, como hipocrisia dos padres ingleses. Depois da guerra anglo-boer, eranatural que essa respeitvel casta dedicasse os seus maiores esforos a consolar osfilisteus e operrios ingleses, que haviam sofrido uma baixa considervel nasbatalhas sul-africanas e tiveram de pagar impostos elevados para garantir maioreslucros aos financeiros ingleses. E que consolo poderia ser melhor do que a ideia deque o imperialismo no era assim to mau, que se encontrava muito prximo dointer (ou ultra) imperialismo, capaz de assegurar a paz permanente? Quaisquer quefossem as boas intenes dos padres ingleses ou do melfluo Kautsky, o sentidoobjetivo, isto , o verdadeiro sentido social da sua teoria um, e s um: aconsolao arquirreacionria das massas com a esperana na possibilidade de umapaz permanente sob o capitalismo, desviando a ateno das agudas contradies edos agudos problemas da atualidade e dirigindo a ateno para falsas perspectivasde algo como um suposto novo futuro ultraimperialista. Afora o engano das

  • massas, a teoria marxista de Kautsky nada mais contm.Com efeito, basta comparar com clareza os fatos notrios, indiscutveis para nosconvencermos de at que ponto so falsas as perspectivas que Kautsky se esforapor inculcar nos operrios alemes (e nos de todos os pases). Tomemos oexemplo da ndia, da Indochina e da China. Como se sabe, essas trs colnias esemicolnias, com uma populao de 600 a 700 milhes de habitantes, encontram-se submetidas explorao do capital financeiro de vrias potncias imperialistas:Inglaterra, Frana, Japo, Estados Unidos etc. Suponhamos que esses pasesimperialistas formem alianas e coloquem-se uns contra os outros com o objetivode defender ou alargar o seu domnio, os seus interesses e as suas esferas deinfluncia nos referidos Estados asiticos. Isso resultar em alianasinterimperialistas ou ultraimperialistas. Suponhamos que todas as potnciasimperialistas constituam uma aliana para a partilha pacfica desses pasesasiticos: essa ser uma aliana do capital financeiro unido internacionalmente.Existem exemplos reais desse tipo de aliana na histria do sculo XX, por exemploas relaes entre as potncias no que se refere China[148]. E ser concebvel,perguntamos, pressupondo a manuteno do capitalismo (e precisamente essacondio que Kautsky apresenta), que as referidas alianas no sejam efmeras?Que excluam os atritos, os conflitos e a luta em todas as formas imaginveis?Basta formular claramente a pergunta para que seja impossvel dar-lhe umaresposta que no seja negativa. Isso porque sob o capitalismo no se concebeoutro fundamento para a partilha das esferas de influncia, dos interesses, dascolnias etc., alm da fora de quem participa na diviso, a fora econmica geral,financeira, militar e assim por diante. E a fora modifica-se de modo diferente paraos que participam da diviso, pois no pode existir o desenvolvimento equilibradodas diferentes empresas, trustes, ramos industriais e pases sob o capitalismo. Hmeio sculo, a Alemanha era uma absoluta insignificncia, comparando a sua foracapitalista com a da Inglaterra de ento; o mesmo se pode dizer do Japo, secomparado com a Rssia. Ser concebvel que dentro de dez ou vinte anospermanea invarivel a correlao de foras entre as potncias imperialistas? absolutamente inconcebvel.Por isso, as alianas interimperialistas ou ultraimperialistas no mundo realcapitalista, e no na vulgar fantasia filistina dos padres ingleses ou do marxistaalemo Kautsky seja qual for a sua forma, uma coligao imperialista contraoutra coligao imperialista ou uma aliana geral de todas as potnciasimperialistas , s podem ser, inevitavelmente, trguas entre guerras. As alianaspacficas preparam as guerras e, por sua vez, surgem das guerras, conciliando-semutuamente, gerando uma sucesso de formas de luta pacfica e no pacficasobre uma mesma base de vnculos imperialistas e de relaes recprocas entre aeconomia e a poltica mundiais. E o sapientssimo Kautsky, para tranquilizar osoperrios e reconcili-los com os sociais-chauvinistas que se passaram para a

  • burguesia, separa os elos de uma nica e mesma cadeia, separa a atual alianapacfica (que ultraimperialista e mesmo ultraultraimperialista) de todas aspotncias, criada para a pacificao da China (recordai o esmagamento dainsurreio dos boxers), do conflito no pacfico de amanh, que preparar paradepois de amanh outra aliana pacfica geral para a partilha, suponhamos, daTurquia etc., etc. Em vez da ligao viva entre os perodos de paz imperialista e deguerras imperialistas, Kautsky oferece aos operrios uma abstrao morta, a fim dereconcili-los com seus chefes mortos.O americano [David Jayne] Hill indica, no prefcio sua Histria da diplomacia nodesenvolvimento internacional da Europa, os seguintes perodos da histriacontempornea da diplomacia: 1) era da revoluo; 2) movimento constitucional;3) era do imperialismo comercial[149] dos nossos dias. Outro escritor divide ahistria da poltica mundial da Gr-Bretanha a partir de 1870 em quatro perodos:1) primeiro asitico (luta contra o movimento da Rssia na sia Central em direo ndia); 2) africano (de 1885 a 1902, aproximadamente): luta contra a Frana pelapartilha da frica (incidente de Fachoda, em 1898, a ponto de dar origem guerracom a Frana); 3) segundo asitico (tratado com o Japo contra a Rssia); 4)europeu dirigido principalmente contra a Alemanha[150]. As escaramuaspolticas dos destacamentos de vanguarda travam-se no terreno financeiro,escrevia, ainda em 1905, a personalidade do mundo bancrio [Jakob] Riesser,indicando como o capital financeiro francs preparou, com as suas operaes naItlia, a aliana poltica desses pases, como se desenvolvia a luta entre aAlemanha e a Inglaterra pela Prsia, a luta entre todos os capitais europeus paraficarem com emprstimos chineses etc. Tal a realidade viva das alianasultraimperialistas pacficas, ligadas indissoluvelmente aos conflitos simplesmenteimperialistas.A atenuao que Kautsky faz das contradies mais profundas do imperialismo, eque se transforma inevitavelmente em um embelezamento do imperialismo, deixatambm marcas na crtica que esse escritor faz s propriedades polticas doimperialismo. O imperialismo a poca do capital financeiro e dos monoplios, quetrazem consigo, em toda a parte, a tendncia para a dominao, e no para aliberdade. A reao de todos os setores em qualquer regime poltico, a extremaintensificao das contradies tambm nessa esfera so o resultado dessatendncia. Intensificam-se tambm, particularmente, a opresso nacional e atendncia para as anexaes, isto , para a violao da independncia nacional(pois a anexao no seno a violao do direito das naes autodeterminao). Hilferding faz notar, acertadamente, a relao entre oimperialismo e a intensificao da opresso nacional:

    No que se refere aos pases recentemente descobertos escreve ele o capital importado agrava ascontradies e provoca uma crescente resistncia dos povos, que despertam para uma conscincia nacional,contra os intrusos; essa resistncia pode transformar-se facilmente em medidas perigosas contra o capitalestrangeiro. Revolucionam-se radicalmente as velhas relaes sociais, destri-se o isolamento agrrio milenrio

  • das naes margem da histria, que se veem arrastadas para o turbilho capitalista. O prprio capitalismo,pouco a pouco, d aos submetidos meios e processos para sua libertao. E as referidas naes formulam oobjetivo que em outros tempos foi o mais elevado entre as naes europeias: a criao de um Estado nacionalnico como instrumento de liberdade econmica e cultural. Esse movimento pela independncia ameaa ocapital europeu nas suas zonas de explorao mais preciosas, que prometem as perspectivas mais brilhantes,e o capital europeu s pode manter a dominao aumentando continuamente as suas foras militares.[151]

    A isso h de se acrescentar que no s nos pases recm-descobertos, mastambm nos velhos, o imperialismo conduz s anexaes, intensificao daopresso nacional e, por conseguinte, intensifica tambm a resistncia. Ao negarque o imperialismo intensifica a reao poltica, Kautsky conserva na sombra aquesto particularmente importante da impossibilidade de se manter uma unidadecom os oportunistas na poca do imperialismo. Ao negar as anexaes, ele d aosseus argumentos uma forma tal que a torna mais inofensiva e mais aceitvel paraos oportunistas. Ele dirige-se diretamente audincia alem e, contudo, ocultaprecisamente o mais essencial e o mais atual, por exemplo, que a Alscia-Lorenafoi anexada pela Alemanha. Para apreciar essa aberrao mental de Kautsky,tomemos um exemplo. Suponhamos que um japons condena a anexao dasFilipinas pelos americanos. Pode-se perguntar: sero muitos os que atribuem isso oposio feita s anexaes em geral, e no ao desejo do Japo de anexar eleprprio as Filipinas? E no ser de admitir que a luta do japons contra asanexaes s pode ser sincera e politicamente honesta no caso de erguer-setambm contra a anexao da Coreia pelo Japo, de reivindicar a liberdade daCoreia de separar-se do Japo?Tanto a anlise terica do imperialismo quanto Kautsky e sua crtica econmica, etambm poltica, do imperialismo encontram-se totalmente impregnados de umesprito absolutamente incompatvel com o marxismo, que oculta e lima ascontradies mais essenciais, impregnadas da tendncia para manter a todo custoa unidade em desintegrao com o oportunismo no movimento operrio europeu. O lugar do imperialismo na histria

    Vimos que o imperialismo , pela sua essncia econmica, o capitalismomonopolista. Isso j determina o lugar do imperialismo na histria, pois omonoplio, que cresce com base na livre concorrncia e, mais precisamente, dalivre concorrncia, a transio do capitalismo para uma estrutura econmica esocial mais elevada. H de se assinalar particularmente quatro tipos principais demonoplio ou principais manifestaes do capitalismo monopolista caractersticosdo perodo a que nos referimos.Primeiro, o monoplio surge da concentrao da produo em um estgio muitoelevado do seu desenvolvimento. Formam-no as associaes monopolistas doscapitalistas, os cartis, os sindicatos e os trustes. Vimos o enorme papel que estesdesempenham na vida econmica contempornea. Nos princpios do sculo XX,

  • atingiram completo predomnio nos pases avanados, e, se os primeiros passos emdireo cartelizao foram dados anteriormente pelos pases de tarifasalfandegrias protecionistas elevadas (a Alemanha, os Estados Unidos), aInglaterra, com o seu sistema de livre-cmbio, mostrou, embora um pouco maistarde, este mesmo fato fundamental: o nascimento do monoplio a partir daconcentrao da produo.Segundo, os monoplios estimularam a usurpao das mais importantes fontes dematrias-primas, particularmente para as indstrias fundamentais e maiscartelizadas da sociedade capitalista: a hulheira e a siderrgica. A possemonopolista das fontes mais importantes de matrias-primas aumentouenormemente o poderio do grande capital e agudizou as contradies entre aindstria cartelizada e a no cartelizada.Terceiro, o monoplio surgiu dos bancos. Estes passaram de modestas empresasintermedirias a monopolistas do capital financeiro. Alguns dos trs ou cincograndes bancos de cada uma das naes capitalistas mais avanadas realizaram aunio pessoal do capital industrial e bancrio, e concentraram em suas mossomas de bilhes e bilhes, que constituem a maior parte dos capitais e dosrendimentos em dinheiro de todo o pas. A oligarquia financeira, que tece umadensa rede de relaes de dependncia entre todas as instituies econmicas epolticas da sociedade burguesa contempornea, sem exceo, a manifestaomais evidente desse monoplio.Quarto, o monoplio nasceu da poltica colonial. Aos numerosos velhos motivosda poltica colonial, o capital financeiro acrescentou a luta pelas fontes dematrias-primas, pela exportao de capitais, pelas esferas de influncia isto ,as esferas de transaes lucrativas, de concesses, de lucros monopolistas etc. e,finalmente, pelo territrio econmico em geral. Quando as colnias das potnciaseuropeias na frica, por exemplo, representavam a dcima parte desse continente,como acontecia ainda em 1876, a poltica colonial podia desenvolver-se de umaforma no monopolista, pela livre conquista, poder-se-ia dizer, de territrios. Masquando 9/10 da frica estavam j ocupados (por volta de 1900), quando todo omundo estava j repartido, comeou inevitavelmente a era da posse monopolistadas colnias e, por conseguinte, de luta particularmente aguda pela diviso e pelapartilha do mundo. geralmente conhecido at que ponto o capitalismo monopolista agudizou todasas contradies do capitalismo. Basta indicar a carestia da vida e a opresso doscartis. Essa agudizao das contradies a fora motriz mais poderosa doperodo histrico de transio, que se iniciou com a vitria definitiva do capitalfinanceiro mundial.Os monoplios, a oligarquia, a tendncia para a dominao em vez da tendnciapara a liberdade, a explorao de um nmero cada vez maior de naes pequenas

  • ou fracas por um punhado de naes riqussimas ou muito fortes tudo issooriginou os traos distintivos do imperialismo, que obrigam a qualific-lo decapitalismo parasitrio ou em estado de decomposio. Cada vez se manifesta commaior relevo, como uma das tendncias do imperialismo, a formao de Estados-rentistas, de Estados usurrios, cuja burguesia vive cada vez mais custa daexportao de capitais e do corte de cupons. Seria um erro pensar que essatendncia para a decomposio exclui o rpido crescimento do capitalismo. No;certos ramos in