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UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS LINHA DE PESQUISA: CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO Rodrigo André Radin O VALOR DO SALÁRIO MÍNIMO E A SUA (IN)CONSTITUCIONALIDADE EM FACE AO DISPOSTO NO ARTIGO 7˚, INCISO IV, DA CF/88 E AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Santa Cruz do Sul - RS, dezembro de 2009

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UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

LINHA DE PESQUISA: CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO

Rodrigo André Radin

O VALOR DO SALÁRIO MÍNIMO E A SUA (IN)CONSTITUCIONA LIDADE EM

FACE AO DISPOSTO NO ARTIGO 7˚, INCISO IV, DA CF/88 E AO PRINCÍPIO DA

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Santa Cruz do Sul - RS, dezembro de 2009

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Rodrigo André Radin

O VALOR DO SALÁRIO MÍNIMO E A SUA (IN)CONSTITUCIONA LIDADE EM

FACE AO DISPOSTO NO ARTIGO 7˚, INCISO IV, DA CF/88 E AO PRINCÍPIO DA

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado, Área de Concentração em Demandas Sociais e Políticas Públicas, Linha de Pesquisa: Constitucionalismo Contemporâneo da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Pós-Dr. Clovis Gorczevski

Santa Cruz do Sul – RS, dezembro de 2009

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Rodrigo André Radin

O VALOR DO SALÁRIO MÍNIMO E A SUA (IN)CONSTITUCIONA LIDADE EM

FACE AO DISPOSTO NO ARTIGO 7˚, INCISO IV, DA CF/88 E AO PRINCÍPIO DA

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

Esta Dissertação foi submetida ao Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado, Área de Concentração em Demandas Sociais e Políticas Públicas, Linha de Pesquisa: Constitucionalismo Contemporâneo da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Pós-Dr. Clovis Gorczevski

Professor Orientador

Pós-Dr. Jorge Renato dos Reis

Professor Convidado

Pós-Dr. Álvaro Sánchez Bravo

Professor Convidado

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Aos meus pais, que não olvidaram esforços para que os meus objetivos fossem

alcançados, dedico esta dissertação.

Dedico, igualmente, para minha esposa que soube compreender a importância

e as dificuldades na realização desta dissertação.

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AGRADECIMENTOS

Apesar de todas as dificuldades, a satisfação por vencer mais uma difícil e

importante etapa da vida, me traz a certeza que todo o esforço foi recompensado. As

agruras da vida nos mostram que a superação dos obstáculos que se apresentam

diuturnamente em nossos caminhos restam facilitados, quando estamos cercados de

pessoas que nos apóiam e nos incentivam.

Nesse momento em que vencida mais uma etapa, quero agradecer aquelas

pessoas que foram essenciais para a concretização dessa minha conquista.

Agradeço a minha esposa Vera pelo amor, pela amizade, pela parceria, pelo

carinho, pela compreensão e pelo apoio incondicional.

Quero agradecer aos meus pais, Léo e Maria, pelo afeto, dedicação e esforço,

pois sempre fizeram de tudo para que eu conseguisse a realização de meus ideais.

Agradeço pela educação, por terem me propiciado uma verdadeira família, e pelo

exemplo de pessoas que são e, pelo exemplo de vida que vocês representam. Pai

Léo, minha felicidade pela superação de mais uma etapa da vida, contrasta com um

sentimento de tristeza pela tua ausência. Muito obrigado pelo legado que nos

deixastes.

Também, agradeço ao meu irmão Claucio, que me incentivou desde a

graduação.

Faço um agradecimento especial ao meu orientador professor Pós-Dr. Clovis

Gorczevski, pelos seus ensinamentos. Agradeço, igualmente, pois além do seu

conhecimento e do seu profissionalismo, pelo seu carisma, possibilitou o

desenvolvimento de uma bela relação de amizade.

Por derradeiro, quero agradecer a todos os professores e funcionários do

Mestrado em Direito da Unisc, e a todos os colegas, pela convivência e pelo

aprendizado que desenvolvemos juntos.

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RESUMO

Ao longo da evolução histórica dos direitos sociais dos trabalhadores, percebe-

se o grau de dificuldade e de embates que se travaram visando à conquista de tais

direitos. A inserção dos direitos dos trabalhadores no texto Constitucional demonstra

uma evolução no sentido do reconhecimento dado a essa conquista e a

preocupação com a sua preservação. No caso Brasileiro, a Constituição vigente traz

como um de seus fundamentos a manutenção da dignidade da pessoa humana.

Para que tal objetivo seja alcançado ao trabalhador lhe é assegurado uma

contrapartida pelo trabalho que realiza, essa retribuição se dá através da

remuneração. Na Constituição Federal de 1988 encontra-se no artigo 7º, inciso IV, a

apresentação de forma taxativa de quais deverão ser os critérios a serem seguidos

pelo legislador visando a estipulação do valor do salário mínimo. Essa fixação de

critérios tem como objetivo possibilitar o atendimento das necessidades vitais

básicas, garantindo condições de vida digna ao trabalhador e a sua família. Ocorre

que muitas críticas são dirigidas ao valor atribuído ao salário mínimo, tanto pelos

Movimentos Sindicais, como por economistas e, inclusive, pelo Poder Judiciário.

Diante desta realidade pretende-se analisar a (in) constitucionalidade do valor do

salário mínimo em face das determinações contidas no artigo 7º, inciso IV da

Constituição Federal e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Inconstitucionalidade. Salário Mínimo. Dignidade da Pessoa

Humana.

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ABSTRACT

Throughout the historical development of social rights of workers to realize the

degree of difficulty and conflicts that were fought in order to win such rights. The

inclusion of labor rights in the Constitutional text demonstrates a trend towards the

recognition given to this achievement and concern for its preservation. In the

Brazilian case, the current Constitution has as its basis the maintenance of human

dignity. For this objective to be reached the employee will be guaranteed a return for

work they do, that payment is through pay. In the 1988 Federal Constitution is Article

7, section IV, the presentation of an exhaustive list of what should be the criteria to

be followed by the legislature, to the stipulation of minimum wage. This set of criteria

aims to enable the fulfillment of basic living needs, ensuring decent living conditions

to the worker and his family. It turns out that many criticisms are directed to the value

assigned to the minimum wage, both the trade union movements, as economists and

even the judiciary. Faced with this reality we will analyze the (un) constitutionality of

the minimum wage in the face of the determinations contained in Article 7, Paragraph

IV of the Constitution and the constitutional principle of human dignity.

Keywords: Unconstitutional. Minimum Wage. Dignity of the Human Person.

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RESUMEN

A lo largo del desarrollo histórico de los derechos sociales de los trabajadores a

darse cuenta del grado de dificultad y conflictos que se libraron para conquistar esos

derechos. La inclusión de los derechos laborales en el texto constitucional

demuestra una tendencia hacia el reconocimiento dado a este logro y la

preocupación por su conservación. En el caso brasileño, la actual Constitución tiene

como base el mantenimiento de la dignidad humana. Para este objetivo a alcanzar,

el empleado será garantía de un cambio de trabajo que hacen, que el pago es a

través de pago. En la Constitución Federal de 1988 es el artículo 7, sección IV, la

presentación de una lista exhaustiva de lo que deberían ser los criterios a seguir por

el legislador, a la estipulación del salario mínimo. Este conjunto de criterios objetivos

que permitan la satisfacción de las necesidades básicas de vida, garantizar

condiciones de vida dignas para el trabajador y su familia. Resulta que muchas

críticas se dirigen al valor asignado al salario mínimo, tanto de los movimientos

sindicales, como los economistas, e incluso el poder judicial. Frente a esta realidad

vamos a analizar la (in) constitucionalidad del salario mínimo en la cara de las

determinaciones contenidas en el artículo 7, párrafo IV de la Constitución y el

principio constitucional de la dignidad humana.

Palabras clave: inconstitucional. Salarios mínimos. Dignidad de la Persona

Humana.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO. ...........................................................................................................9 1 O ESTADO E OS DIREITOS SOCIAIS DO TRABALHADOR................................13 1.1 Uma breve análise acerca da evolução do Estado .............................................13 1.2 O Estado e os Direitos Sociais ............................................................................24 1.3 Direitos Trabalhistas: uma contextualização histórica.........................................29 1.4 Direitos trabalhistas no Estado Brasileiro............................................................46 1.4.1 O Direito do Trabalho nas Constituições Brasileiras ........................................52 2 O SALÁRIO MÍNIMO COMO DIREITO SOCIAL: GARANTIA DE PROTEÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DO TRABALHADOR ......................................57 2. 1 Conceito e breve evolução histórica do salário mínimo......................................57 2.2 O valor do salário mínimo e sua função econômica/social..................................66 2.3 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como Princípio Matriz do Estado Democrático de Direito Brasileiro ..............................................................................71 2.4 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como Fundamento para a preservação das necessidades vitais do trabalhador através do salário mínimo......86 3 A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO VALOR ATRIBUÍDO AO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE NO BRASIL ..............................................................................................95 3.1 A Constituição como elemento garantidor dos Direitos dos Trabalhadores ........95 3.2 A Análise Constitucional do valor do salário mínimo diante ao disposto no art. 7º, IV, da CF/1988. .......................................................................................................103 3.3 A posição do Supremo Tribunal Federal frente ao valor do salário mínimo ......109 3.4 Salário mínimo e opinião pública: diversos aspectos que compõem a discussão acerca do valor do salário mínimo vigente no Brasil ...............................................120 CONCLUSÃO..........................................................................................................130 REFERÊNCIAS.......................................................................................................136

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INTRODUÇÃO

A compreensão acerca do desenvolvimento humano passa, indubitavelmente,

pelo papel do Estado enquanto organismo responsável pela organização social.

Vive-se na atualidade um período de intensas e profundas transformações,

como consequência da evolução tecnológica e científica que moldam sobremaneira

o cotidiano.

Estas transformações acabam por atingir todos os elementos desse Estado,

sendo que seus efeitos são sentidos e acabam por influenciar o direito, a economia,

a sociologia e a sociedade como um todo, exigindo uma postura de adequação a

essa realidade que se impõe, notadamente, pela interligação dos eventos.

No Brasil, ganha destaque como importante mecanismo de transformação da

realidade social, política e jurídica, a promulgação da Constituição Federal de 1988,

determinando um novo modo de o direito ser encarado, apresentado como um dos

seus principais fundamentos a dignidade da pessoa.

Um dos elementos que encontra proteção estatal através da Constituição

Federal de 1988 são os direitos sociais do trabalhador, elevados a condição de

direitos fundamentais, com o escopo de possibilitar-lhe uma vida digna, igualmente

reconhecida – a dignidade da pessoa humana – como princípio constitucional.

Para a concretização desse ideal de dignidade, a Constituição Federal de

1988, entre os vários meios elencados, traz o salário mínimo como um direito

essencial, esclarecendo que o seu valor deve possibilitar ao trabalhador e sua

família condições mínimas de subsistência.

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Eis, justamente, o objeto do presente trabalho. Analisar a (in)

constitucionalidade do salário mínimo de acordo com o disposto na Carta

Constitucional, no seu artigo 7º, inciso IV, e o princípio da dignidade da pessoa

humana.

Importante destacar que este tema coaduna-se com a linha de pesquisa

Constitucionalismo Contemporâneo que visa analisar a complexidade que envolve a

Constituição e sua relação com o Estado e com a sociedade, onde através dos

Princípios Constitucionais, busca-se o desenvolvimento e a preservação da

dignidade da pessoa humana. Justifica-se o presente trabalho à medida que o

mesmo almeja discutir a manutenção de um direito fundamental social do

trabalhador, qual seja, o salário mínimo, preservando um valor capaz de propiciar a

classe trabalhadora o desenvolvimento de uma vida digna, pois, caso contrário,

estar-se-á ferindo a Constituição.

Considerando a natureza bibliográfica do presente trabalho, o método de

abordagem a ser adotado no seu desenvolvimento será o dedutivo, enquanto o

método de procedimento será o analítico e o histórico-crítico, que, procurando dar

tratamento localizado no tempo à matéria objeto do estudo, pretende aferir como os

doutrinadores e Tribunais vêm tratando a questão relativa à (in) constitucionalidade

do valor do salário mínimo nacional frente ao disposto no art. 7º, IV, da CF/1988 e a

preservação do princípio constitucional da dignidade humana do trabalhador.

Assim, no primeiro capítulo, propõe-se perquirir a respeito do surgimento do

Estado e a inserção dos direitos sociais do trabalhador, com destaque especial para

o desenvolvimento do direito do trabalho no Brasil, principalmente no que se refere

às várias Constituições promulgadas ao longo da evolução do nosso país.

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Importante referir que se trata de uma análise muito breve do desenvolvimento

do Estado, mormente pelos limites do presente trabalho, almejando tão somente

situar o leitor numa base histórica mínima, não tendo a pretensão de esgotar o

assunto ou mesmo adentrar em discussões mais aprofundadas sobre o tema.

A análise do salário mínimo como condição de direito social do trabalhador e

como mecanismo garantidor da dignidade da pessoa que trabalha, constitui-se o

objeto de segundo capítulo.

Inicialmente, adentra-se nas questões relativas ao surgimento do salário

mínimo evidenciando sua função econômica e social, para, posteriormente, versar

sobre o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e seu papel de

promover uma política salarial garantidora das condições vitais do trabalhador.

No derradeiro terceiro capítulo, busca-se analisar elementos – análise da

legislação constitucional, da atuação do Poder Judiciário e diversos setores da

opinião pública – que visam identificar a (in) constitucionalidade do salário mínimo

vigente no Brasil, a partir nas disposições constitucionais e dos seus princípios.

Nessa etapa, a discussão primeira assenta-se em reconhecer ao trabalhador a

extensão da proteção constitucional sobre o salário mínimo, segundo as

determinações do artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. Discorrer-se-

á ainda, sobre a posição do Supremo Tribunal Federal a respeito da questão do

valor do salário mínimo e a atuação do Poder Judiciário, bem como apontar alguns

aspectos relacionados à opinião pública no enfrentamento do tema.

Na parte final, segue-se com as conclusões e as algumas observações

pessoais, que não tem a pretensão de trazer soluções, mas pelo menos, servir como

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instrumento de reflexão sobre a efetivação e concretização das normas

constitucionais.

O presente estudo visa analisar o salário mínimo nacional fixado em Lei

específica, diante do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, e

das determinações contidas no artigo 7˚, inciso IV da Constituição Federal de 1988,

no sentido de questionar a (In)constitucionalidade do valor do salário mínimo atual.

O significado da Constituição Federal de 1988, relativamente às

transformações que propiciou seja no campo jurídico, social, econômico e político é

incontestável. Por isso mesmo sua promulgação – em que pese algumas críticas,

que de qualquer forma não lhe desqualifica – é exaltada e enaltecida. Nesse sentido,

a discussão de qualquer tema vinculado a Carta Constitucional justifica sua

pertinência e relevância.

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1 O ESTADO E OS DIREITOS SOCIAIS DO TRABALHADOR

O estudo dos direitos sociais do trabalhador não poderia ser realizado de forma

dissociada da evolução do Estado, haja vista sua evidente vinculação. Nesse

sentido, abordar-se-á, o desenvolvimento do Estado e dos direitos dos trabalhadores

de forma conjunta.

1.1 Uma breve análise acerca da evolução do Estado

Para que se compreenda o Estado contemporâneo faz-se necessário analisar

desde a sua origem e todo o seu processo evolutivo, verificando, assim, os

elementos que compuseram essa evolução e as razões pelas quais o Estado se

encontra no estágio atual.

Por não ser o objeto principal do presente trabalho não se fará uma profunda

análise no que diz respeito à evolução do Estado, traçar-se-á, apenas algumas

considerações sem a pretensão de esgotar o assunto.

Em que pese às divergências doutrinárias sobre um conceito de Estado, opta-

se em apresentar uma definição superficial, quiçá, simplista, mas de fácil

entendimento:

O Estado é uma criação humana destinada a manter a coexistência pacífica dos indivíduos, a ordem social, de forma que os seres humanos consigam se desenvolver, e proporcionar o bem estar a toda sociedade. É o Estado o responsável por dar força de imposição ao Direito, pois é ele que detém o papel exclusivo de aplicar as penalidades previstas pela Ordem Jurídica.

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Assim o Estado pode ser definido como o exercício de um poder político, administrativo e jurídico, exercido dentro de um determinado território, e imposto para aqueles indivíduos que ali habitam. 1

A ideia de Estado está umbilicalmente ligada ao conceito de sociedade,

mormente pelo fato de a Administração Pública (que tem a função de gerir o

Estado), atuar (ou pelo menos deveria) no sentido de desenvolver políticas públicas

de proteção ao cidadão.

Destaca-se, que a utilização da Lei como forma de “organização” do Estado,

remonta a época do Estado Grego onde se constrói um processo de constituição da

Lei, que é o meio de “manejo” do poder e da sociedade.2

Para Bobbio, o Estado deve ser compreendido e analisado através do conjunto

de elementos que o compõe, pois “[...] o Estado é estudado em si mesmo, em suas

estruturas, funções, elementos constitutivos, mecanismos, órgãos etc., como um

sistema complexo considerado em si mesmo e nas relações com os demais

sistemas contíguos [...]”3

O surgimento do Estado é discutível, segundo aponta Bobbio, à medida que há

quem defenda que o Estado sempre existiu, e há aqueles que advogam que o seu

desenvolvimento se deu em determinado momento histórico4.

Há várias teorias que dão conta da origem do Estado: a Teoria da Origem

Familiar do Estado; a Teoria da Origem Contratual do Estado; a Teoria da Origem

1JURISWAY. Sistema Educacional On-line. Disponível em: http:// www. jurisway. org. br/ v2/ pergunta. asp?pagina=2&idarea=60&idmodelo=6366. Acesso em 08 out. 2009. 2 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração e Sociedade: Novos Paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 18-20 passim. 3 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: por uma Teoria Geral da Política. 9. ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 55. 4 Ibidem, p. 73.

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Violenta do Estado; a Teoria da Formação Natural do Estado; a Teoria da Formação

Histórica do Estado; a Teoria da Formação Jurídica do Estado. Como referido, várias

são as teorias que explicam os primórdios da organização das sociedades, o Estado

é fruto de todas essas teorias e não de uma especificamente. 5

As duas principais correntes apresentadas por Bobbio que remontam à origem

do Estado são as seguintes:

O Estado entendido como ordenamento político de uma comunidade, nasce da dissolução da comunidade primitiva fundada sobre os laços de parentes com e da formação de comunidades mais amplas derivadas da união de vários grupos familiares por razões de sobrevivência intera (o sustento) e externas (a defesa). Enquanto para alguns historiadores contemporâneos, como já se afirmou, o nascimento do Estado assinala o início da era moderna, segundo esta mais antiga e mais comum interpretação o nascimento do Estado representa o ponto de passagem da idade primitiva, gradativamente diferenciada em selvagem e bárbara, à idade civil, onde “civil” está ao mesmo tempo para “cidadão” e “civilizado” (Adam Ferguson).6

Posteriormente, surge à figura do Estado Moderno7, que se consolida a partir

da implementação de normas que regem e organizam esse Estado. Ocorre assim, a

centralização do Poder que se exerce através da organização normativa somada à

ideia de uma delimitação geográfica onde esse poder impera. 8

O Estado Moderno surge a partir do século XV tornando-se o modelo do

Estado que temos hoje, com poder próprio e independente, detendo o monopólio do

5 GORCZEVSKI, Clovis; LEAL, Mônia Clarissa Hennig e BOTELHO, Edison. Introdução ao Estudo da Ciência Política, Teoria do Estado e da Constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 13-20 passim. 6 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: por uma Teoria Geral da Política. 9. ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 73. 7 “[...] A utilização da expressão moderno tem por finalidade justamente de diferenciar um Estado Antigo, na medida em que não se pode olvidar existência de Estado no mundo antigo. [...]” GORCZEVSKI, Clovis; LEAL, Mônia Clarissa Hennig e BOTELHO, Edison. Introdução ao Estudo da Ciência Política, Teoria do Estado e da Constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 26. 8 MORAIS, José Luis Bolzan de. Do Direito Social aos Interesses Transindividuais: O Estado e o Direito na ordem Contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 30.

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poder, diferenciando-se da sociedade e sendo soberano. Exerceu-se, no Estado

Moderno a unificação da legislação de acordo com a vontade do Soberano. 9

O primeiro modelo de Estado Moderno foi denominado de Absolutismo, que

teve como características:

Absorção das unidades políticas menores, constituindo uma estrutura maior e mais forte, com capacidade de governar sobre um território unificado, um sistema legal efetivo e vigente em todo o território e com a formação de um governo unitário, contínuo e efetivo, exercido por uma única cabeça soberana. [...] a legitimidade do soberano se baseava no direito divino e ele estava acima do sistema, seu direito ao poder era supremo e absoluto. 10

Entre os séculos XVII e XVIII, desenvolve-se uma nova teoria que,

diversamente do pensamento até então vigente (que concebia à sociedade como

algo natural ao homem), propagando que o Estado é criando pelos indivíduos como

consequência com acordo de vontades (realização de um contrato social), afastando

aquele Estado Natural e originando um Estado Político e social. Como expoentes

dessa nova compreensão acerca da formação contratualista do Estado, destacam-

se Thomas Hobbes (1588 – 1679) 11, John Locke ( 1632 – 1704)12 e Jean-Jacques

Rousseau (1712 – 1778)13. 14

9 GORCZEVSKI; LEAL e BOTELHO, op. cit., p. 27-28. 10 GORCZEVSKI, Clovis; LEAL, Mônia Clarissa Hennig e BOTELHO, Edison. Introdução ao Estudo da Ciência Política, Teoria do Estado e da Constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007, p. 28-33. 11 “ [...] Para Hobbes o homem se distingue dos animais sociais, [...] por não possuir instinto social, ele não é sociável, afirma, e somente o será por acidente. Então, no estado da natureza a situação era de absoluto caos e desordem entre os homens, o que inviabilizava a própria existência. A natureza humana é perversa, egoísta e perniciosa diz, e todo homem é concorrente do outro; ávido de poder sob todas as formas. [...] para Hobbes assim surgiu o Estado, que agarra para si o poder e a violência que os indivíduos detinham quando na natureza e, coercitivamente, impõe regras que irão nortear o campo social. GORCZEVSKI, Clovis; LEAL, Mônia Clarissa Hennig e BOTELHO, Edison. Introdução ao Estudo da Ciência Política, Teoria do Estado e da Constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 34-35 . 12 “[...] Para Locke, há a construção de um estado de natureza virtuoso, individualista, onde interesses e experiências pessoais são um valor em si mesmos, sendo o conjunto de desenvolturas individuais a melhor alternativa para a sociedade. Eis o individualismo surgindo com toda a sua força da construção teórica de John Locke [...]”. MORAIS, José Luis Bolzan de. Do Direito Social aos Interesses Transindividuais: O Estado e o Direito na ordem Contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 33. 13 “ [...] Rousseau recusa estas concepções do estado de natureza. Para ele o homem no estado de natureza não é nem sociável, nem dota de razão, nem egoísta ativo. [...] A desigualdade entre os homens surge com os progressos no seio do próprio estado de natureza. [...] No estado de natureza

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Nesse ciclo evolutivo do Estado Moderno, posteriormente ao modelo

absolutista do Estado, surge a figura do Estado Liberal, e mais tarde, tem-se o

advento do Estado Social.

Com sua origem na Inglaterra e opondo-se ao Estado Absoluto, advém o

Estado Liberal15. As ideias liberais foram apresentadas inicialmente em 1689 através

do Bill of Rights elaborado pelo Parlamento Inglês, onde a coroa sofre algumas

limitações do seu poder, bem como restam estipulados alguns princípios de

liberdade. As Constituições que vão surgindo nessa época, trazem consigo tais

princípios, mormente aqueles estabelecidos na Revolução Americana de 1776 e a

Francesa de 1789. Duas destacadas características do Estado Liberal é a criação de

uma esfera privada, independente com relação ao Estado, bem como a

reformulação do Estado que se afasta da sociedade civil redesenhando o campo de

atuação da autoridade estatal. Pode ser destacado como base do desenvolvimento

do Estado Liberal, a economia de mercado, o constitucionalismo, a propriedade

privada e o modelo de família patriarcal. Durante o período de intervenção mínima

do Estado na relação entre os indivíduos, experimentou-se, inicialmente, uma

valorização da pessoa e um considerável crescimento econômico. Contudo, com a

ascensão da burguesia e o desenvolvimento industrial, os operários passaram a

serem humilhados, negociados como mercadoria e o Estado permanecia inerte. Eis

que surgem as primeiras manifestações críticas ao sistema liberal, através do

o homem não conhece mais que os prazeres simples e inocentes. O homem é bom por natureza; a sociedade o corrompe. [...] assim, buscou-se encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com a força comum das pessoas os bens de cada associado onde, cada um, unindo-se a todos, não obedeça senão a si mesmo e permaneça livre como antes. Esta associação, instituída por um ‘Contrato Social’, é que cria o Estado. GORCZEVSKI, Clovis; LEAL, Mônia Clarissa Hennig e BOTELHO, Edison. Introdução ao Estudo da Ciência Política, Teoria do Estado e da Constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 40-42. 14 MORAIS, José Luis Bolzan de. Do Direito Social aos Interesses Transindividuais: O Estado e o Direito na ordem Contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 31-32. 15 “ [...] No modelo liberal, em que o Estado se mantinha numa postura absenteísta, o cidadão não dispunha de estratégias e mecanismos jurisdicionais para a tutela de seus interesses, haja vista a ausência do Estado nas relações sociopolíticas. Diante dessa total inexistência de instrumentos de salvaguarda da dignidade da pessoa humana, conceito abrangente que envolve direito a prestações positivas do Estado, ocorreu uma ampliação das desigualdades, em face da hipossuficiência dos atores sociais. [...]” HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o Espaço Local: uma Abordagem a partir do Direito Social de Gurvitch. Santa Cruz do Sul: Edunisc. 2007. p. 57.

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18

Manifesto Comunista elaborado por Marx e Engels, no ano de 1848, onde incitam os

operários a lutar pelos seus direitos.16

Para Morais, ocorre uma vinculação dos ideais liberais com o Estado de

Direito, apontando as seguintes características de similaridade entre ambos:

O que se observa, portanto, é que seu nascedouro o conceito de Estado de Direito emerge aliado ao conteúdo próprio do liberalismo, impondo, assim, aos liames jurídicos do Estado a concreção do ideário liberal no que diz com o princípio da legalidade – ou seja, a submissão da soberania estatal à lei – a divisão de poderes ou funções e, a nota central, a garantia dos direitos individuais.17

Evidencia-se, assim, tratar-se de um Estado omisso, de intervenções mínimas

no contexto das relações sociais, limitando a garantir a liberdade, para que os

indivíduos pudessem atuar.

Além de determinar o fim do nazi-facismo, a Segunda Guerra Mundial faz surgir

o Estado Social, tendo como uma de suas principais finalidades desenvolver os

Estados que restaram destruídos nos combates. Sua implantação, ao longo de

décadas, teve como seu marco inicial, segundo alguns autores, em 1917 com a

promulgação da Constituição Mexicana, outros dão como ponto inicial a Constituição

de Weimar na Alemanha em 1919, tendo como fator favorável para a implementação

de transformação do modelo de Estado a crise econômica e a ocorrência da guerra.

Nesse modelo de Estado Social, o Estado deixa sua condição de passividade e

passa a atuar ativamente no sentido de possibilitar a implementação dos direitos

sociais mínimos. Essa atuação estatal extingue a separação sociedade e Estado,

fazendo com que o último assuma responsabilidade econômica, e nessa condição

conceda materialmente a igualdade entre todos os membros da sociedade. O

16 GORCZEVSKI, Clovis; LEAL, Mônia Clarissa Hennig e BOTELHO, Edison. Introdução ao Estudo da Ciência Política, Teoria do Estado e da Constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 45-50. 17 MORAIS, José Luis Bolzan de. Do Direito Social aos Interesses Transindividuais: O Estado e o Direito na ordem Contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 70.

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período é marcado pela preponderância do Executivo sobre os demais poderes,

aumento na burocracia administrativa, maior intervenção estatal em todos os setores

da sociedade e a expansão de conflitos e demandas sociais. A implementação de

novos direitos e a expansão administrativa do Estado tornaram-no extremamente

oneroso, esgotando seus limites, fazendo surgir a necessidade da implantação de

um novo modelo, o que não descaracteriza a importância do Estado Social.18

De forma objetiva e clara Morais apresenta resumidamente, o Estado Social

com a seguinte definição:

A adjetivação pelo social pretende a correção do individualismo liberal por intermédio de garantias coletivas. Corrige-se o liberalismo Clássico pela reunião do capitalismo com a busca do bem-estar social, fórmula geradora do welfare state neocapitalista no pós - IIª Guerra Mundial. Com o ‘Estado Social de Direito revela-se um tipo de Estado que tende a criar uma situação de bem-estar geral que garanta o desenvolvimento da pessoa humana’. 19

Verifica-se com a transposição do Estado Liberal para o Estado Social uma

profunda transformação na estrutura do Estado, principalmente no que toca à

incorporação de direitos sociais, evidenciando uma outra postura do Estado com

relação à sociedade. 20

Nesse contexto, o debate que se apresenta na atualidade, refere-se à

distinção, separação e dissociação entre sociedade civil e Estado, principalmente, se

o Estado for compreendido como uma forma de Estado, ou pelo contrário, verificar a

existência de uma relação entre ambos21.

18 GORCZEVSKI, Clovis; LEAL, Mônia Clarissa Hennig e BOTELHO, Edison. Introdução ao Estudo da Ciência Política, Teoria do Estado e da Constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 51-54. 19 MORAIS, José Luis Bolzan de. Do Direito Social aos Interesses Transindividuais: O Estado e o Direito na ordem Contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 73. 20 HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o Espaço Local: uma Abordagem a partir do Direito Social de Gurvitch. Santa Cruz do Sul: Edunisc. 2007. p. 57.

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Essa interrelação envolvendo a sociedade e o Estado também é reconhecida

por Leal, ao referir que no conceito de organização política, ao longo de toda a

história do Ocidente encontra-se presente a relação entre o poder político,

sociedade e governo22.

O modelo mais recente e contemporâneo é o Estado Neoliberal, que pode ser

assim compreendido:

O neoliberalismo justifica a ascensão do poder comercial dos Estados Unidos, depois da Segunda Guerra Mundial. Prega, em resumo, uma diminuição drástica das funções do Estado, centrado basicamente na segurança dos indivíduos (entenda-se: propriedade), para permitir uma maior liberdade dos intercâmbios comerciais, em escala mundial. É o capitalismo ‘desregulado’, sem fronteiras, sem pátria.23

Refere Leal, na trilha de Habermas, que o Poder Político é ou deveria ser

originado a partir da formação de opinião e da vontade expressa de todos os entes

que compõem o sistema, mediante uma liberdade comunicativa. Assim, na Idade

Moderna, a concepção de poder e de governo atrela-se à figura do

indivíduo/cidadão. Destaca, que o poder de decisão por parte dos cidadãos não é

incompatível com o exercício indireto originados do sistema representativo

(plebiscito, referendum).24

Contudo, prossegue o Autor, alertando no sentido de que o homem

distanciando-se do Estado de natureza em virtude da formação do Estado e da

sociedade, o desafio que se apresenta é que o homem encontre sua própria

21 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: por uma Teoria Geral da Política. 9. ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 49-50. 22 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração e Sociedade: Novos Paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 17. 23 GORCZEVSKI, Clovis; LEAL, Mônia Clarissa Hennig e BOTELHO, Edison. Introdução ao Estudo da Ciência Política, Teoria do Estado e da Constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 55. 24 LEAL, op.cit., p. 21.

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natureza. Assim, a união do poder que detém a soberania se dá com a unidade do

povo.25

As mutações sofridas pelo Estado ao longo do seu processo de

desenvolvimento representam uma forma de adaptação à realidade posta em

determinado momento. Notadamente, a relação dos direitos fundamentais sobre as

relações privadas acaba por gerar importante incidência e influência no Estado, na

sociedade e, consequentemente, ao direito.

Analisando-se através de uma digressão histórica, partindo do período pós-

segunda guerra mundial em direção aos dias atuais, vive-se um momento de

evolução do pensamento constitucional apontando para a preservação dos direitos

fundamentais, com vistas a garantir a dignidade da pessoa humana. Assim,

conforme aponta Reis há direitos formais, aqueles positivados e os direitos materiais

que pela sua importância equiparam-se aos direitos fundamentais. Igualmente,

aponta a dignidade da pessoa como sendo o mais importante princípio, logo, deverá

servir de base para toda a ordem jurídica. Destaca, contudo, a dificuldade de se

conceituar adequadamente a extensão do significado do princípio da dignidade da

pessoa humana à medida que esse entendimento está em evolução. 26

Ocorre assim, uma superação dos paradigmas históricos no desenvolvimento

da ciência jurídica, partindo desde o Estado liberal, Estado social e Estado pós-

social.27 Na dicção de Sarmento, não há uma ruptura desses modelos, mas sim, as

25 Ibidem, p. 25. 26 REIS, Jorge Renato dos. Os Direitos Fundamentais de Tutela da Pessoa Humana nas Relações entre Particulares. In. REIS J. R dos.; LEAL, R. G. Direitos Sociais & Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 7. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007. p. 2033-2037. 27 “ [...] O discurso acerca do Estado atravessou, ao longo do século XX, três fases distintas: a pré-modernidade (ou Estado Liberal), a modernidade (ou Estado social) e a pós-modernidade (ou Estado neoliberal). A constatação inevitável, desconcertante é que no Brasil chega à pós-modernidade sem ter conseguido ser liberal nem moderno. Herdeiros de uma tradição autoritária e populista, elitizada e excludente, seletiva entre amigos e inimigos – e não entre certo e errado, justo ou injusto – mansa com os ricos e dura com os pobres, chegamos a o terceiro milênio atrasados e com pressa. [...]” BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In. BARCELLOS, Ana Paula de [et. Al.]

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transformações ocorrem de forma gradual e com intensidade variável de acordo com

a realidade social. Destaca o Autor que os direitos fundamentais são frutos de uma

história de lutas e conquistas que se desenvolveram em prol da afirmação da

dignidade da pessoa humana. Ou seja, as transformações sociais, culturais e

políticas ocorridas na sociedade atingem igualmente o direito.28

Ao tratar da relação entre pós-modernidade e direito, Barroso além de uma

análise no plano internacional, econômico, social e político, descreve com

propriedade o processo de transformação do direito:

No direito, a temática já não é liberdade individual e seus limites, como no Estado liberal; ou a intervenção estatal e seus limites, como no welfare state. Liberdade e igualdade já não são os ícones da temporada. A própria lei caiu no desprestígio. No direito público, a nova onda é a governabilidade. Fala-se em descontitucionalização, delegificação, desregulamentação. No direito privado, o código civil perde sua centralidade, superado por múltiplos microssistemas. Nas relações comerciais, revive-se a lex mercatoria. A segurança jurídica – e seus conceitos essenciais, como o direito adquirido – sofre o sobressalto da velocidade, do imediatismo e das interpretações pragmáticas, embaladas pela ameaça do horror econômico. As fórmulas abstratas da lei e a discrição judicial já não trazem todas as respostas. O paradigma jurídico, que já passara, na modernidade, da lei para o juiz, transfere-se agora para o caso concreto, para melhor singular problema a ser resolvido. 29

Diante desta trajetória dos direitos fundamentais na Modernidade, o Estado

Liberal e o Estado Social, sendo que esses modelos com suas características

próprias demonstraram a incidência ou não dos direitos humanos nas relações

privadas, chegando num período, Moderno e Pós-Moderno, apontando para

vinculação dos direitos, na medida em que o enfraquecimento do Estado gerou a

necessidade de uma proteção maior da pessoa e uma vinculação dos particulares

aos direitos fundamentais. Evidencia-se, assim, a relação entre a força normativa da

BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 5. 28 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004. p. 21-67 passim. 29 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In. BARCELLOS, Ana Paula de [et. Al.]

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constituição30 e dos princípios e regras que consequentemente finda com o processo

de constitucionalização do direito privado, não olvidando as críticas endereçadas a

essa nova realidade interpretativa que se apresenta. 31

O processo de globalização que apresenta como característica uma

intervenção externa nas questões econômicas, reduz o conceito de soberania, bem

como, estimula uma prática liberal que facilita o desenvolvimento tecnológico e a

consequente atuação econômica das grandes corporações. A necessidade de

proteção dos direitos humanos nas relações entre particulares se assevera, à

medida que o cenário globalizado propicia o aumento de desrespeito à pessoa.

Diante dessa realidade surgem os confrontos, pois a constituição prevê a

preservação da pessoa, enquanto a influência externa é no sentido de estimular o

capital sem preocupação com o social, o que sugere uma diminuição das conquistas

sociais nacionais e um aniquilamento da cultura local. 32

Logo, esse processo de evolução do Estado e do constitucionalismo, como

consequência das transformações históricas, passa a apontar e valorizar a

importância dos direitos humanos e a passagem de um Estado Absolutista para um

Estado Liberal, com importante valorização da pessoa humana. Por conseguinte,

superada a ideia primitiva de que os Direitos Fundamentais se destinavam

exclusivamente ao Estado (essa superação se deu em virtude de a Constituição

passar a ser considerada norma suprema e fundamental, bem como a emergência

BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 5. 30 “[...] Ainda que não de forma absoluta, a Constituição jurídica tem significado próprio. Sua pretensão de eficácia apresenta-se como elemento autônomo no campo de forças do qual resulta a realidade do Estado. A Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia. [...]” HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. p. 15-16. 31SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004. p. 69-88. 32 TEPENDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 59-75 passim.

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do Estado Social, somando-se, ainda, o desenvolvimento de cultura de direitos

humanos, frutos do pós-guerra), restou superada33.

Partindo-se da ideia dessa nova realidade constitucional vinculada aos direitos

fundamentais, que amparada numa nova hermenêutica representa um movimento

denominado de pós-positivismo, vive-se uma nova importante e marcante fase do

Direito Constitucional, cujo grande desafio que se apresenta é tornar eficazes e

efetivo os direitos fundamentais. 34 Essa nova realidade exige igualmente do Estado

uma nova postura e uma adequação às transformações que se apresentam.

Dentro desta perspectiva de evolução e desenvolvimento do Estado é que

surgem os direitos sociais conforme abordaremos a seguir.

1.2 O Estado e os Direitos Sociais

Os Direitos sociais35 podem ser entendidos como produtos da vida em

sociedade, ou seja, tem por finalidade a proteção de todos aqueles considerados

partes mais frágeis em qualquer relação36, e tem uma conotação de universalidade

no sentido de proteger a todos igual e indistintamente.

33 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamento sobre a Aplicação das Normas de Direito Fundamental nas Relações Jurídicas entre Particulares. In. BARCELLOS, Ana Paula de [et. al.] BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 120-132 passim. 34 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2008. p. 599-607. 35 “[...] Os direitos sociais, muito embora tenham nascido para impor uma atuação positiva do Estado para a garantia e proteção dos direitos humanos fundamentais, foram criados e introduzidos para uma aplicação mediata. Ou seja, para a sua realização concreta há a necessidade de intervenção do Estado. [...]“ LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O Valor Constitucional para a Efetividade dos Direitos Sociais nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2006. p. 38. 36 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34ª ed., São Paulo: LTr, 2009. p. 75.

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No Estado Feudal, a propriedade das terras pertencia ao Senhor Feudal que

detinha na condição de vassalos à população. O Estado Moderno que

diferentemente do Estado antigo, possuía um poder próprio e independente surgiu

no século XV, onde aparece nitidamente a distinção entre Estado e sociedade. No

Absolutismo, o Estado absorveu as unidades políticas menos expressivas, tornando-

se unificado, o monarca absoluto se confundia com o próprio Estado, que amparado

em um direito divino desenvolvia um governo absoluto. A partir do século XIX (1859)

em reação ao Estado Absolutista, surge o Estado Liberal, tornando o Estado um

expectador, interferindo minimamente na vida social (nesse período surge a figura

do operário da fábrica, e o início da revolução industrial, que em sua reação Marx e

Engels apresenta o Manifesto Comunista). 37

Durante o século XIX, marcado pelas dificuldades econômicas e sociais que se

desencadearam a partir do processo de industrialização, acabou por evidenciar que

a propagada liberdade e igualdade, não garantia, na prática sua efetivação, o que

gerou uma série de movimentos que tinham como escopo lutar para que os direitos

fossem reconhecidos, ou seja, há uma atuação positiva do Estado na busca de uma

efetiva justiça social. Assim, “[...] não se cuida mais, portanto, de liberdade do e

perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado [...]” . 38

37 GORCZEVSKI, Clovis; LEAL, Mônia Clarissa Hennig e BOTELHO, Edison. Introdução ao Estudo da Ciência Política, Teoria do Estado e da Constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 21-50 passim. 38 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9° ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 55.

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Ocorre que em dado momento, há uma maior aproximação entre a sociedade e

o Estado, havendo assim consideráveis transformações nesse contexto, fazendo

surgir à figura do Estado social, conforme ensina Bobbio:

Afirmou-se que ao processo de emancipação da sociedade do Estado seguiu-se um processo inverso de reapropriação da sociedade por parte do Estado, que o Estado, transformando-se de Estado de direito em Estado social (segundo a expressão divulgada sobretudo por juristas e politólogos alemães) e precisamente por ser “social”, mas se distingue da sociedade subjacente que ele invade por inteiro através da regulação das relações econômicas.39

Esse movimento de aproximação faz surgir um Estado e uma sociedade

diferentes, sendo que a população passa a ter condições de exigir mais do Estado,

crescendo, por outro lado, as demandas40.

Nos termos empregados por Bobbio ocorre um processo de estatalização da

sociedade e ou uma socialização do Estado, gerando, por conseguinte, mudanças

conceituais e comportamentais nessa relação:

Observou-se, de outra parte, que a este processo de estatalização da sociedade correspondeu um processo inverso mas não menos significativo de socialização do Estado através do desenvolvimento das várias formas de participação nas opções políticas, do crescimento das organizações de massa que exercem direta ou indiretamente algum poder político, donde a expressão “Estado social” pode ser entendida não só no sentido de Estado que permeou a sociedade mas também no sentido de Estado permeado pela sociedade. 41

39 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: por uma Teoria Geral da Política. 9. ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 51. 40 “[...] Percebe-se então que o Estado deve abandonar sua conduta abstencionista e passar a garantir os Direitos sociais mínimos à população. [...]” GORCZEVSKI, Clovis; LEAL, Mônia Clarissa Hennig e BOTELHO, Edison. Introdução ao Estudo da Ciência Política, Teoria do Estado e da Constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 52 41 BOBBIO, op. cit., p. 51.

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Conforme refere Morais, as transformações que ocorreram com a transição do

modelo liberal para o Social, vincula-se a uma ideia de democracia e destaca a

função do Estado de promover, estimular, e não somente punir :

Há um agigantamento da atuação promocional da ordem jurídica em razão mesmo da passagem do Estado Liberal Clássico para o Estado de Bem-Estar Social, permitindo que o direito adquira um papel de transformação, de mudança, para além de seu aspecto conservador. 42

Notadamente, a partir das Constituições do segundo pós-guerra é que vão se

solidificando nas Constituições de diversos países os direitos sociais numa

concepção que visava à implementação de uma igualdade num sentido material. 43

São considerados direitos de Segunda Geração44 (ou dimensão, como

preferem alguns), os direitos sociais, na medida em que correspondem direitos

coletivos, relacionados ao princípio da igualdade. Destacadamente está relacionado

aos direitos econômicos, sociais e culturais, cabendo ao Estado disponibilizar

mecanismos para sua efetiva implementação, por conseguinte, busca uma ação do

Estado, requerendo sua ativa participação. O titular desse direito é a pessoa

individualmente, contudo, por buscar a melhoria das condições de vida da sociedade

como um todo, atrai o caráter de ser direitos sociais. 45

42 MORAIS, José Luis Bolzan de. Do Direito Social aos Interesses Transindividuais: O Estado e o Direito na ordem Contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 47-48. 43 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9° ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 55. 44 “[...] A segunda geração de direitos fundamentais apareceu na segunda metade do século XIX e corresponde ao reconhecimento dos direitos de caráter coletivo (direito de reunião, de associação, de greve), ou ainda, os direitos relativos à participação política do cidadão, ou seja, os direitos sociais. LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O Valor Constitucional para a Efetividade dos Direitos Sociais nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2006. p. 39. “[...] ainda na esfera dos direitos da segunda dimensão, há que atentar para a circunstância de que estes não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as assim denominadas ‘liberdades sociais’, do que dão conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como do reconhecimento de direitos fundamentais dos trabalhadores [...] a segunda dimensão dos direitos fundamentais abrange, portanto, bem mais do que os direitos de cunho prestacional, de acordo com o que ainda propugna parte da doutrina, inobstante o cunho ‘positivo’ possa ser considerado como o marco distitivo desta nova fase na evolução dos direitos fundamentais. [...]” . SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9° ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p . 55. 45 GORCZEVSKI, Clovis. Direitos Humanos: dos primórdios da humanidade ao Brasil de hoje. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2005, p. 74 - 75.

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Até a promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988, suas

antecessoras, não separavam a ordem econômica da ordem social. Por isso, é

possível encontrar na doutrina a inserção do tema direitos sociais junto à ordem

econômica, mormente, por vincularem as relações de produção de cunho

eminentemente econômico. A Constituição vigente tratou dos direitos sociais no

Capítulo II, do Título II, especialmente no artigo 6º46. Nesse Capítulo, dos artigos 7º

ao 11, referem-se aos direitos dos trabalhadores. Complementa o rol de direitos

sociais o Título VIII, que trata especificamente Ordem Social e que contempla os

artigos 193 a 231. Assim, mantendo o tradicional modelo de Constituições analíticas,

apresenta ao longo do texto constitucional os artigos que tratam dos direitos sociais,

apresentando consideráveis avanços sobre o tema. 47

Percebe-se na Constituição de 1988 que os direitos sociais deixam de ser

considerados como valores supremos da ordem constitucional, necessitando de

regulamentação:

O constituinte ao listar os valores supremos do Estado democrático de direito, considerou os direitos sociais como categoria jurídica essencial do regime que pretenderam estabelecer através da Constituição, e, portanto, pertencentes à mesma categoria hierárquica dos direitos civis e políticos.48

Através dos Direitos Sociais emergiu uma compreensão acerca da importância

do indivíduo no sentido não somente de proteger a sua liberdade (nos moldes dos

direitos fundamentais de primeira geração), mas de avançar na busca da proteção

da pessoa enquanto membro de um grupo, capaz de se desenvolver socialmente. 49

46 Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 26, de 2000). 47 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Constituição e Direitos Sociais dos Trabalhadores. São Paulo: LTr, 1997. p. 21-22. 48 BARRETTO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os Direitos Sociais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Rio de Janeiro: Renovar 2003. p. 108. 49 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2008. p. 565.

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Para Martins, o primeiro direito social a ser reconhecido é o direito ao trabalho:

A revolução Francesa de 1848 e sua Constituição reconheceram o primeiro dos direitos econômicos e sociais: o direito ao trabalho. Foi imposta ao Estado a obrigação de dar meios ao desempregado de ganhar sua subsistência. 50

Percebe, assim, nitidamente a importância, a influência e a amplitude dos

Direitos Sociais no âmbito do Estado. A partir desses direitos o ente Estatal é

chamado a atender tais necessidades, cabendo, por conseguinte, o

desenvolvimento de políticas públicas que visam o melhoramento das condições de

vida da sociedade.

Nessa dinâmica de evolução dos direitos sociais acabou por beneficiar os

trabalhadores que passaram a terem garantido seus direitos, conforme se verá na

sequência.

1.3 Direitos Trabalhistas: uma contextualização his tórica

Os direitos dos trabalhadores estão umbilicalmente ligados à relação capital

trabalho, que pela existência de dominantes e dominados faz com que os últimos se

submetam com o seu esforço a servir aos primeiros. Assim, os trabalhadores desde

a época da escravidão eram vistos como objetos e ou coisas destinadas à utilização

de determinadas atividades. 51

O trabalho tinha sentido pejorativo para Platão e Aristóteles na Grécia, à

medida que se resumia a força física. A dignidade da pessoa não estava relacionada

com o trabalho e a realização pessoal do trabalhador. Assim, o trabalho era função

50 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas. 2009, p. 4.

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dos escravos, enquanto os homens livres deveriam desempenhar outras atividades,

como a política, consideradas mais importantes. 52

O exercício do trabalho em Roma, considerado algo desonroso, era igualmente

desenvolvido pelos escravos, igualados a um objeto, conforme referia a Lex Aquilia.

Nesse período, ainda segundo Martins, estabeleceu-se a locatio conductio que

regulava a locação do trabalho daqueles que se propunham, mediante paga, ou na

dicção do Autor:

A locatio conductio tinha por objetivo regular a atividade de quem se comprometia a locar suas energias ou resultado de trabalho em troca de pagamento. Estabelecia, portanto, a organização do trabalho do homem livre. Era dividida de três formas: (a) locatio conductio rei, que era o arrendamento de uma coisa; (b) locatio conductio operarum, em que eram locados serviços mediante pagamento; (c) locatio conductio operis, que era a entrega de uma obra ou resultado mediante pagamento (empreitada). 53

Na sociedade pré-industrial identificam-se, pelo menos, três tipos de relação de

trabalho, segundo aponta Nascimento, quais sejam: a) a escravidão: marcada pela

total ausência de qualquer normatização no tocante as regras de proteção aos

trabalhadores, não sendo considerados sujeitos de direito; b) as corporações de

ofício: igualmente caracterizada pela inexistência de direitos trabalhistas, porém,

como uma significativa transformação relativamente a uma maior liberdade

concedida aos trabalhadores. Caracterizada por uma atitude autoritária das

corporações no trato como os trabalhadores, que almejavam a concretização de

seus interesses; c) locação: que se dividia em duas modalidades, a locação de

serviços – locatio operarum – (contratação de pessoa para realização de

determinado trabalho por remuneração e prazo estipulado) a locação de obra ou

empreitada – locatio operis faciendi – (obrigação remunerada de executar uma obra

51 SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro:Elsevier. 2007. p. 2. 52 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 4. 53Ibidem, p. 4.

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a terceiros). Aponta-se a locação de serviços como um antecedente da relação de

emprego nos moldes hodiernos. 54

Para Zainaghi, três formas trabalhos iniciais podem ser consideradas. Assim, a

escravidão é a primeira forma de trabalho que pode ser identificado no primórdio da

humanidade, sendo que nesse modelo pessoas subjugadas prestavam serviços às

outras, o que se dava através da conquista de um povo pelo outro, ou mesmo por

ser filhos de escravos permanecendo nessa condição. Na medida em que podia ser

vendido ou trocado, o escravo era considerado como coisa e não como pessoa.

Posteriormente à escravidão, tem-se a servidão, ocorrida durante o feudalismo, os

servos recebiam proteção militar e política dos senhores feudais, pois embora não

fossem escravos, eram dependentes da terra para sobreviver não possuindo assim,

liberdade. Uma terceira forma são as corporações de ofício, momento em que inicia-

se o movimento de saída das pessoas dos campos para aglomerar-se em áreas

urbanas ao redor dos castelos. Embora contasse com um mínimo de organização as

corporações de ofícios caracterizaram-se pela exploração do trabalho, pois os

mestres-proprietário era conhecedor da atividade, pagavam valores para os

companheiros auxiliarem nas atividades, e os aprendizes trabalhavam para o mestre

buscando conhecimento sobre o ofício, na expectativa de se tornarem mestre o que

remotamente acontecia, à medida que eram realizadas provas difíceis e com um

custo muito alto, sendo obrigados a cumprir longas jornadas de trabalho,

evidenciando-se assim, a exploração do trabalhador. As corporações de ofício55 são

extintas em 1789 com a Revolução Francesa que pregava os ideais de liberdade,

igualdade e fraternidade. 56

54 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34ª ed., São Paulo: LTr, 2009. p. 43-44. 55 “[...] As corporações de ofício foram suprimidas com a Revolução Francesa, em 1789, pois foram consideradas incompatíveis com o ideal de liberdade do homem. Dizia-se, na época, que a liberdade individual repele a existência de corpos intermediários entre indivíduo e Estado. Outras causas da extinção das corporações de ofício foram a liberdade de comércio e o encarecimento dos produtos das corporações. Em 1791, logo após a Revolução Francesa, houve na França o início de liberdade contratual. O Decreto d’Allarde supriu de vez as corporações de ofício, permitindo a liberdade de trabalho. A Lei Le Chapelier, de 1791, proibia o restabelecimento das corporações de ofício, o agrupamento de profissionais e as coalizões, eliminando as corporações de cidadãos [...]”. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 5. 56 ZAINAGHI, Domingos Sávio. Curso de Legislação Social: Direito do Trabalho. 12ª ed., São Paulo:Atlas, 2009. p. 4-5.

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Algumas normas jurídicas esparsas que tratavam de questões pertinentes ao

trabalho podem ser encontrada ainda na Antiguidade vinculadas às normas afetas

ao Direito Civil, mais precisamente ao abordar questões atinentes à escravidão e a

locação/arrendamento do trabalho. 57

Há uma tomada de consciência de que o Direito Civil não respondia as

necessidades dos sociais relativamente aos trabalhadores, acabou por desencadear

uma nova ordem jurídica em substituição à tradicional.58

Conforme Gomes e Gottschalk, o marco inicial das lutas pelos direitos sociais

dos trabalhadores foi o fenômeno denominado “Revolução Industrial”. Importante

destacar que essa revolução somente ocorreu tendo em vista a descoberta e ou

desenvolvimento da máquina a vapor, como um importante passo tecnológico que

modificou sobremaneira a estrutura social e, consequentemente, no direito do

Trabalho:

A ação direta do proletariado no quadro das condições adversas que lhe criou a primeira Revolução Industrial foi, pois, o fator principal para a formação histórica do Direito do Trabalho. Sob este aspecto pode afirmar-se que surgiu, primeiro, um Direito Coletivo impulsionado pela Consciência de Classe e, em seguida, um Direito Individual do Trabalho. [...] a partir dos fins do século XVIII e por todo o curso do século XIX é que a História registra o fato social propício ao nascimento do Direito do Trabalho. 59

Em que pese a invenção da máquina a vapor no início do século XVIII,

somente a partir da metade daquele século é que houveram aperfeiçoamentos no

invento que ocorreu o início da chamada “Revolução Industrial” marcada por uma

verdadeira revolução no tocante ao processo de produção, mormente pelo

desenvolvimento da máquina a vapor, o que possibilitou a produção em larga

57 SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro:Elsevier, 2007. p. 2-3. 58 MISAILIDIS, Mirta Lerena de. Os desafios do Sindicalismo Brasileiro diante das Atuais Tendências. São Paulo:LTr, 2001. p. 17. 59 GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. – Revisor José Augusto Rodrigues Pinto. 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 2-3.

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escala. Há, por conseguinte uma aceleração no processo industrial, pois a máquina

passa a ser utilizada como fonte de energia em substituição a força humana, animal

e hidráulica que eram utilizadas na época. Os meios de produção passaram a ser

reunidos junto às máquinas, assim como os trabalhadores que desenvolviam suas

atividades seguindo o ritmo das máquinas, e o contingente de trabalhadores, nessa

condição, passou a crescer consideravelmente60.

A partir da Revolução Industrial o trabalho transforma-se em emprego, e o

trabalhador, em linhas gerais, passa a receber salário, há, assim, uma mudança

cultural no tocante as relações de trabalho. 61 Uma característica importante a se

destacar e que mostra as mudanças ocorridas naquele período, diz respeito à

intervenção dos governos visando à proteção do trabalhador. 62

Como fruto da Revolução Industrial tem-se uma aceleração do

desenvolvimento de atividades produtivas o que gera uma concentração de pessoas

em torno do perímetro urbano, fazendo surgir a classe operária e o chamado

fenômeno da massificação, ou seja, estão intrinsecamente ligados a classe operária,

a proletarização e a massificação. 63

Como assevera Martins, a intervenção estatal foi necessária para equiparar a

relação, pois sendo o patrão o proprietário da máquina, logo, do poder de produção,

detinha o poder sobre a própria pessoa do operário. Note-se, por conseguinte uma

proteção econômica e jurídica do trabalhador, à medida que o Estado desempenha

uma de suas funções precípuas, qual seja, de buscar a realização do bem-estar

social. Mínimas condições de trabalho passam a serem exigidas. Na Inglaterra, em

1802, a denominada Lei de Peel, regulou o trabalho dos aprendizes em moinhos.

Entre suas determinações havia a redução da jornada de trabalho para o limite de

60 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 25. 61 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 5. 62 ZAINAGHI, Domingos Sávio. Curso de Legislação Social: Direito do Trabalho. 12ª ed., São Paulo:Atlas, 2009. p. 5.

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12 horas; o trabalho não poderia ser iniciado antes das 6 horas terminar após as 21

horas; determinou regras com relação à educação e a higiene que deveriam ser

observadas. No ano de 1819, reconheceu a ilegalidade do trabalho dos menores de

9 anos. O trabalho para menores em minas restou proibido na França em 1813, no

ano seguinte, a legislação vedou o trabalho aos domingos e feriados. Em 1839,

houve a proibição do trabalho dos menores de 9 anos, com jornada de 10 horas

para os menores de 16 anos. 64

As condições de trabalho sofreram alterações a partir de 1880 com a utilização

da eletricidade. Necessário destacar que as intervenções estatais no tocante as

relações de trabalho se deram no sentido da proteção social dos trabalhadores em

geral, ou seja, o objetivo do Estado era cumprir sua função de manutenção da

ordem pública, e consequentemente, nas relações privadas não desempenhava

qualquer intervenção. Essa realidade ocasionou, na dicção de Martins a “exploração

do homem pelo próprio homem”. 65

Cria-se, assim a figura do assalariado, e concomitantemente a livre

possibilidade de contratação inexistindo qualquer tipo de limitação, predominando a

vontade das partes. Note-se que embora a demanda pelo trabalho existisse não

mais se exigia do trabalhador a habilidade e a capacidade de um artesão, pois o

trabalhador era treinado para usar a máquina, revestindo-se em atividade capaz de

ser exercida por qualquer pessoa, inclusive pelas crianças. Essa situação acarreta

no trabalhador uma importante perda no sentido de lhe ser tolhido o status de

profissional, colocando-se em nítida desvantagem na relação com o empregador. A

desigualdade entre patrão e empregado era enorme, pois enquanto o primeiro que

possuía a máquina, e, por conseguinte, o meio de produção, dominava igualmente,

a prestação de serviço, ocasionando a exploração do segundo. 66

63 MISAILIDIS, Mirta Lerena de. Os desafios do Sindicalismo Brasileiro diante das Atuais Tendências. São Paulo:LTr, 2001. p. 20-21. 64 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 6 - 7. 65 Ibidem, p. 7. 66 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 26.

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Com o Capitalismo, destaca Schwarz e a eclosão da revolução industrial ocorre

profundas transformações nas relações entre capital e trabalho, ou seja, entre os

empregadores e trabalhadores, tornando esse embate uma das características e

principal fator de desenvolvimento do Direito do Trabalho. O modelo Capitalista com

suas perversidades expropriou-se da força de trabalho, ocasionou uma insatisfação

da classe operária gerando, por conseguinte, uma série de conflitos e tensões em

que o Estado viu-se obrigado a intervir:

Podemos apontar, assim, quatro aspectos fundamentais para o surgimento do Direito do Trabalho: a superação do modelo de produção inerente ao feudalismo, servil e marcado, nas cidades, pelas amarras das corporações de ofício, pelo modelo capitalista, fundamentado no trabalho livre, por conta alheia e subordinado; a superação do paradigma político absolutista pelo ideário liberal, necessário ao advento do capitalismo, porém causador de crescentes tensões sociais ao buscar retirar do Estado a força necessária à intervenção na realidade social; a forte migração populacional do campo para as incipientes cidades, causadora de graves problemas de infra-estrutura, fato intensificado com o aparecimento das fábricas e o conseqüente aumento da demanda por mão-de-obra; e os crescentes conflitos entre trabalhadores, que começavam a se organizar em associações, e empregadores, que levantaram a questão da segurança pública, conflitos que mais tarde deram causa ao surgimento da noção de justiça social. 67

O Direito do Trabalho tem como seu nascedouro o século XIX, momento em

que surge como um ramo autônomo, com característica que o inseriram

juridicamente num contexto de proteção ao trabalhador. Importante destacar,

conforme referido alhures, que no fim do século XVIII, ocorre o início do

desenvolvimento do Direito do Trabalho, determinado por uma realidade de

ocupação urbana, consequência da aglomeração do homem ao redor da máquina,

somado a ideia do Liberalismo, tanto no plano econômico como no jurídico, que

levou a um afastamento total do Estado, imperando a autonomia da vontade

inclusive nas relações de trabalho. Essa atitude omissa do Estado refletiu

negativamente sobre a classe trabalhador que permaneceu desassistida, estando

sujeitos a uma carga horária de trabalho extremamente excessiva, salários irrisórios,

e exploração do trabalho das mulheres e dos menores de idade. 68

67 SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 4.

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Como reação as precárias condições que estavam sendo submetidos os

trabalhadores, alguns movimentos começam a ser sentidos com vistas a enfrentar

as opressões sofridas. Assim, a reunião dos operários ao redor da máquina e que

originou essa nova realidade no cenário na relação de trabalho, possibilitou a

associação dos mesmos, porém, com o objetivo de defender-se dos excessos

cometidos pelos patrões, ou seja, a mesma condição, resultou em situações

opostas, inicialmente a exploração dos trabalhadores e, num segundo momento, o

enfrentamento dessa realidade. Tal atitude foi amplamente reprovada e reprimida

pela classe patronal, utilizando-se como fundamento o individualismo, ideia

predominante na época, não sendo possível à busca coletiva de direito que seria

individual. 69

A contestação ao modelo então vigente ganha reforço com a publicação do

Manifesto Comunista de Marx e Engels, que pregava a união dos trabalhadores,

enfrentando a ideia do liberalismo. O comentado Manifesto do Partido Comunista

Alemão, escrito por Carl Marx e Engels no ano de 1848 incitava o proletariado

(denominação dadas aos operários) para a realização de uma revolução tomando

posse dos meios de produção, rebelando-se contra a opressão e exploração a que

eram submetidos. A Igreja Católica também demonstra preocupação com o tema,

tanto assim, que em 1891, através do Papa Leão XIII é apresentada a Encíclica

Rerum Novarum tendo sido a pioneira a versar sobre questões atinentes a relação

de trabalho e a denunciar a exploração sofrida pelos trabalhadores. 70

Essa fase marca, na lição de Manus, um segundo período do Direito do

Trabalho, caracterizando tratar-se o direito do Trabalho um produto típico do século

XIX, momento em que começam a existir condições adequadas para que os direitos

dos trabalhadores pudessem ser reconhecidos. Como referido, esse segundo

período de evolução do direito do trabalho, caracterizado pelo enfrentamento aos

ideais do liberalismo, teve com seu derradeiro marco conclusivo, em 1914 na fase

68 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 26-27. 69 Ibidem, p. 27.

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inicial da Primeira Guerra Mundial. 71 Nesse momento em que o sistema vigente é

duramente criticado, surge a consciência da necessidade de se impor limites aos

burgueses no que tange aos direitos dos trabalhadores, ou seja, fazia-se necessário

intervir na relação entre patrão e empregado, no sentido de coibir os excessos em

que eram submetidos os trabalhadores. Verifica-se a partir desse momento, uma

atuação mais forte, estabelecendo alguns direitos aos trabalhadores e limitando a

autonomia da vontade contratual das partes nas questões afetas à relação patrão

empregado. 72

Essa intervenção se faz sentir mais fortemente com o final da Primeira Grande

Guerra, onde a nível mundial ocorre um reconhecimento da necessidade do Estado

estabelecer limites nas relações de trabalho, desempenhando seu papel de

proteção social. O fim da guerra é marcado pela assinatura do Tratado de Versalhes

que entre outras estipulações previa a criação da Organização Internacional do

Trabalho (OIT)73, mais precisamente em seu capítulo XIII, tendo por finalidade ser o

organismo que, baseado nos princípios estabelecidos no tratado, proteger,

internacionalmente, as relações de trabalho entre patrão e empregado. 74

70 ZAINAGHI, Domingos Sávio. Curso de Legislação Social: Direito do Trabalho. 12ª ed., São Paulo:Atlas, 2009. p. 5. 71 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 27. 72 Ibidem, p. 27. 73 A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é composta por três órgãos conforme refere Martins: “[...] a Conferência ou Assembléia Geral, o Conselho de Administração e a Repartição Internacional do Trabalho. A Conferência ou Assembléia Geral é o órgão de deliberação da OIT, que se reúne no local indicado pelo Conselho de Administração. A conferência é constituída de representas dos Estados-membros. São realizadas sessões, pelo menos uma vez por ano, em que comparecem as delegações de cada Estado-membro, composta de membros do governo e representantes dos trabalhadores e dos empregadores. A Conferência traça as diretrizes básicas a serem observadas no âmbito da OIT quanto à política social. É na Conferência que são elaboradas as convenções e recomendações internacionais da OIT. O Conselho de Administração exerce função executiva, administrando a OIT, sendo também composto de representantes de empregados, empregadores e do governo. O Conselho de Administração fixa a data, local e ordem do dia das reuniões da Conferência, elege o Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho e institui comissões permanentes ou especiais. Reúne-se o Conselho de Administração três vezes por ano em Genebra, e é composto, atualmente, de 56 membros. São 28 representantes dos governos, 14 dos empregadores e 14 dos empregados. Dos 28 representantes governamentais, dez são nomeados pelos Estados-membros de maior importância industrial e 18 são nomeados pelos Estados-membros designados para esse fim pelos delegados governamentais da conferência. [...]” MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 69 - 70. 74 MANUS, op.cit., p. 28.

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O propósito da intervenção do Estado nas relações de trabalho com a criação

de Leis de preservação de direitos, podem ser observados em outros documentos

elaborados naquela época, destacando a Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão

XIII, de 189075, as Constituições do México, 1917, e de Weimar, de 1919. Nesse

período, caracterizado pela intervenção do Estado cria-se uma consciência ampla no

sentido de reconhecer os direitos dos trabalhadores e o desenvolvimento de

mecanismos de proteção aos trabalhadores em relação empregadores. Importante

ressaltar que esse processo de reconhecimento de direitos é fruto da associação

dos trabalhadores, que embora duramente reprimidas, originaram os sindicatos. 76

O denominado por Martins, Constitucionalismo Social surge após o final da

primeira guerra mundial e é caracterizado pela inserção nos textos constitucionais de

regras relativas a defesa dos interesses sociais da pessoa e dos direitos

fundamentais, como os direitos do trabalhadores. 77

Com o fim da Primeira Guerra Mundial e a Declaração Universal dos Direitos

do Homem, em 1948 que a sucedeu, somado a atuação da Organização

Internacional do Trabalho, é que os sindicatos começaram a serem reconhecidos

como organização representativa dos trabalhadores. Nessa fase histórica que nos

traz à realidade atual, observa-se que embora estejam sendo mantidas as garantais

dos trabalhadores, as organizações dos trabalhadores ainda desempenham papel

importante na manutenção de seus interesses, por vezes inclusive, substituindo a

75 “ [...] a Igreja também passa a preocupar-se com o trabalho subordinado. É a doutrina social. D. Rendu, Bispo de Annec, enviou um texto ao rei da Sardenha, em 15 de novembro de 1845, denominado Memorial sobre a questão operária, afirmando que a “legislação moderna nada fez pelo proletário. Na verdade protege sua vida enquanto homem; mas o desconhece como trabalhador; nada faz por seu futuro, nem por sua alimentação nem por seu progresso moral”. O trabalho dignifica pessoalmente o homem, merecendo valoração. Tem a doutrina social um sentido humanista. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 7. “[...] a Igreja, a partir da Rerum Novarum, vem periodicamente demonstrando sua preocupação com o problema trabalhista. Os documentos mais importantes, além do de 1891, são as Encíclicas Quadragesimo Anno (Pio XI, 1941), Mater em Magistra (João XXIII, 1961), Populorum Progressio (Paulo VI, 1967) e Centesimus Annus (João Paulo II, 1991) [...]. ZAINAGHI, Domingos Sávio. Curso de Legislação Social: Direito do Trabalho. 12ª ed., São Paulo:Atlas, 2009. p. 6. 76 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 28. 77 MARTINS, op. cit., p. 8.

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função Estatal de proteção, à medida que cada vez mais se observa a disparidade

existente na relação entre empregado e empregador. 78

Conforme referido alhures, a Revolução Industrial destacou-se com um dos

marcos no desenvolvimento dos direitos sociais dos trabalhos. Contudo, em que

pese com menos relevância, houve outros fatores que contribuíram para a evolução

de tais direitos e que não podem ser ignorados, haja vista à sua contribuição dentro

desse processo. 79

Para Schwarz, o processo de humanização do trabalho se dá a partir da

valorização cristã do homem e do trabalho, no sentido de que uma das

características que difere o homem dos demais seres vivos é que aquele possui

essa capacidade de trabalhar e isso lhe dá racionalidade e dignidade.

78 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 28. 79 O desenvolvimento de ações humanitárias que fizeram a propaganda da necessidade de o Estado volver as vistas para a classe obreira desprotegida [...] as novas doutrinas sociais e econômicas, tendentes a modificar a atitude não-intervencionista do Estado Liberal Clássico [...] A colaboração da Escola Alemã, com Wagner e Lassale, construindo a teoria de um socialismo de Estado ou de cátedra, francamente em oposição às teorias liberais clássicas. Os princípios solidaristas de Léon Bourgeois, intentando fornecer uma discutida base doutrinária à intervenção estatal no domínio da economia e do trabalho. As doutrinas sociais da Igreja [...] As doutrinas socialistas desde as mais radicais, com o marxismo [...] até as menos radicais, com o socialismo reformista [...] passando pelo socialismo utópico ou associacionista [...] até o anarquismo [...] A influência exercida pelas legislações dos Estados totalitários. [...] O impacto das duas grandes guerras com o Tratado de Versalhes, a criação da Organização Internacional do Trabalho e a Organização das Nações Unidas pelo seu Conselho Econômico e Social, destacando-se a atual Revolução Tecnológica, com sua modificação

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Contudo, essa valorização cristã acabou não gerando maiores consequências,

pelo menos naquele momento:

A escravidão e o trabalho servil, ainda que mais humanizados em alguns aspectos, mantêm-se durante toda a Idade Média, e, especialmente para os trabalhadores rurais, estende-se à Idade Moderna e, em alguns casos, até aos dias atuais. Na Idade Média, o incipiente desenvolvimento da atividade, relativamente livre, de produção artesanal de bens nas cidades dá causa à organização dos trabalhadores em profissões sob a forma corporativa, fortemente hierarquizada. O trabalho de oficiais e aprendizes é prestado em oficinas, sob a direção de um mestre, e disciplinado por um estatuto que limita a liberdade de trabalho e a concorrência, regulamentando minuciosamente a atividade do prestador de serviços. 80

Esses regramentos não podem ser comparados à forma jurídico-legal

contemporânea sobre os direitos dos trabalhadores.

Conforme refere Gomes e Gottschalk todos os elementos que precederam a

esse desenvolvimento do direito do Trabalho haverão de ser somados ao fato de o

seu surgimento se deu como “[...] um Direito de caráter Social na sua acepção

técnica, influenciando, ulteriormente, todas as áreas do pensamento social, político,

jurídico e econômico [...]”. 81

Para os Autores, esta vinculação jurídico-sociológica ganha forma à medida

que ocorre a regulamentação do direito do trabalho através da promulgação de Leis

que corporificam essa proteção ao trabalho. Com base na doutrina, apontam para

quatro etapas da evolução do direito do trabalho associados aos acontecimentos

históricos, quais sejam: a) o primeiro período, que vai dos fins do século XVIII até o

“Manifesto Comunista” de Marx e Engels (1848); b) O segundo se inicia com a

publicação do “Manifesto Comunista” de Marx e Engels (1848), seguido da fundação

qualitativa e quantitativa de mão-de-obra. GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. – Revisor José Augusto Rodrigues Pinto. 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 3. 80 SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 3. 81 GOMES, op. cit., p. 3.

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da Primeira Internacional; c) O terceiro tem seu marco original na primeira das

Encíclicas papais, a De Rerum Novarun (1891), de Leão XIII; d) O quarto período

começa com o fim da Primeira Grande Guerra e com o Tratado de Versalhes. 82

Nessa perspectiva de vincular o desenvolvimento do direito social ao trabalho a

fatos e períodos históricos, importante referir o trabalho de Misailidis, que refere o

início desse processo se dá com a Revolução Industrial com o surgimento da

mecanização com sua depressão do final do século XIX, momento em que Estado

Liberal é separado dos interesses sociais. Posteriormente, desenvolve-se um

capitalismo monopolista através da racionalização dos processos de produção, com

o escopo de aumentar a produtividade e a lucratividade originando o taylorismo. Já,

no período compreendido entre 1955 e 1970 desenvolve-se a terceira etapa

marcada pela forte intervenção do Estado é quando se concretiza o “Welfare State”.

Nos final dos anos setenta com a crise do emprego e do petróleo e diante do

desenvolvimento tecnológico acontece a quarta etapa. 83

Para Schwarz, o desenvolvimento de uma consciência pela classe operária se

deu em virtude de diversas situações, entre as quais se destacam os resultados

positivos dos movimentos grevistas, o surgimento dos direitos políticos, centros

industriais incipientes frente ao grande concentração de operários, o crescimento da

miséria e a ausência do Estado no trato das questões sociais, a exploração

capitalista, o desenvolvimento de ideias socialista, anarquista e comunista. A

Primeira Guerra Mundial pode ser reconhecida como um marco do rompimento do

modelo liberal. Com o seu término, destacam-se consideráveis mudanças para o

Direito dos Trabalhadores, mormente, inserção dos direitos sociais dos

trabalhadores na constituição, inicialmente em 1917 com a Constituição Mexicana84

82 GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. – Revisor José Augusto Rodrigues Pinto. 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 4 - 5. 83 MISAILIDIS, Mirta Lerena de. Os desafios do Sindicalismo Brasileiro diante das Atuais Tendências. São Paulo: LTr, 2001. p. 21-23 passim. 84 “[...] a primeira Constituição que tratou do tema foi a do México, em 1917. o Art. 123 da referida norma estabelecida jornada de oito horas, proibição de trabalho de menores de 12 anos, limitação da jornada de menores de 16 anos a seis horas, jornada máxima noturna de sete horas, descanso semanal, proteção à maternidade, salário mínimo, direito de sindicalização e de greve, indenização

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e 1919, com a Constituição de Weimar na Alemanha85. No mesmo ano (1919) cria-

se a OIT – Organização Internacional do Trabalho86 – com o escopo de

internacionalizar os direitos trabalhistas através da aprovação de convenções

internacionais que visavam à proteção ao trabalho e ao trabalhador. Destaca-se

como um dos importantes marcos no desenvolvimento desses direitos, a Revolução

Russa que ao atingir seu ápice no ano de 1917, enfrentava o embate entre capital e

o trabalho, que por força do crescimento do comunismo, e na tentativa de minimizar

as tensões, levou o capitalismo a conceder alguns direitos à classe trabalhadora. 87

De modo especial com relação aos direitos trabalhistas, há a elaboração do

Tratado de Versalhes, que recomendava aos países signatários a adoção de

princípios gerais com o escopo de regulamentar o trabalho.88 Para Martins a função

da Organização Internacional do Trabalho (OIT) era a proteção das relações entre

de dispensa, seguro social e proteção contra acidentes de trabalho. [...]”MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 8. 85 “ [...] A segunda Constituição a versar sobre o assunto foi a de Weimar, 1919. Disciplinava a participação dos trabalhadores nas empresas, autorizando a liberdade de coalização dos trabalhadores; tratou, também, da representação dos trabalhadores na empresa. Criou um sistema de seguros sociais e também a possibilidade de os trabalhadores colaborarem com os empregadores na fixação dos salários e demais condições de trabalho. [...]” Ibidem, p. 8. 86 Com o desaparecimento da Sociedade das Nações, sobreviveu-lhe a OIT. [...] E mais tarde um documento de alta relevância, como o é a Encíclica Mater et Magistra,põe em destaque a incomparável atuação, no mundo, OIT. [...] a OIT possui sua Constituição Interna e prevê os seus órgãos executivos e legislativos. Dentre estes últimos merecem destaque especial as “Conferências Internacionais do Trabalho”, das quais participam delegados representantes dos Governos dos Estados-membros, além de representantes das organizações profissionais, empregadores e empregados, paritariamente, fato este sem precedente na história das relações entre os povos. A “Conferência pode elaborar “Convenções” e “Recomendações”, sujeitas à ratificação ou homologação pelos Estados convenentes. Com a criação da ONU, não se faz mister a instituição de novo organismo internacional para os problemas relativos ao trabalho, passando o seu Conselho Econômico e Social a trabalhar coordenadamente com a OIT. Destaque-se, porém, que a Assembléia-Geral das Nações Unidas, em 1948, aprovou importante documento, que é “ A Declaração Universal dos Direitos do Homem”, onde se contém, a solene afirmação de que “toda pessoa tem direito de fundar, com outros, sindicatos e de se filiar a sindicatos para a defesa de seus interesses”. GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. – Revisor José Augusto Rodrigues Pinto. 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 5. Para Cecato a atribuição da OIT era “[...] universalizar direitos mínimos de proteção ao trabalhador e garantir, dessa forma, a ‘paz mundial’. A partir dela são edificadas, no interior dos Estados, os estatutos laborais baseados nas Convenções Internacionais, produção normativa da referida Organização. CECATO, Maria Áurea Baroni. Preceitos Laborais na Constituição de 1988: Inconsistências da Noção de Direitos Fundamentais. In. LEAL, M.C.H.; CECATO, M.A.B.; RÜDIGER, D. S. Constitucionalismo Social: O Papel dos Sindicatos e da Jurisdição na realização dos Direitos Sociais em tempos de Globalização. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2008. p. 41-42. 87 SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 4, 5. 88 GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. – Revisor José Augusto Rodrigues Pinto. 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 5.

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empregados e empregadores no âmbito internacional, através da expedição de

convenções e recomendações. 89

Destaca-se igualmente como importante instrumento de desenvolvimento dos

direitos dos trabalhadores a Carta del Lavoro90, elaborada na Itália em 1927, durante

o período fascista.91

Outro documento importante reconhecido internacionalmente e que previu

direitos aos trabalhadores foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem

elaborada em 1948, garantindo entre outros direitos, a limitação do trabalho, férias

remuneradas e periódicas. 92

Contudo, conforme destaca Schwarz, o período em que houve um maior

desenvolvimento nos direitos do trabalho se deu no Segundo pós-guerra até início

da década de 1970:

A crescente intervenção estatal, assim, manifestamente tutelar, revela-se num corpo de normas e princípios jurídicos cada vez mais efetivos, tendentes a coibir os abusos do capital e a viabilizar a expansão concreta de direitos sociais, atingindo questões até então improváveis, como o aumento real do valor dos salários [...] 93

89 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 8. 90 “[...] foi a base dos sistemas políticos corporativistas, não só da Itália, mas da Espanha, Portugal e Brasil, tendo com princípio a intervenção do Estado na ordem econômica, o controle do direito coletivo do trabalho e, em contrapartida, a concessão , por lei, de direitos aos trabalhadores. O lema da Carta del Lavoro, ao proclamar “tudo dentro do Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”, é, por si, suficientemente expressivo para dar a ideia das concepções do corporativismo. Os sindicatos não tiveram autonomia, e a organização sindical, modelada pelo Estado, impediu a sua liberdade de organização e de ação. Se, um lado, a forte presença estatal promoveu a tutela dos assalariados por meio de ampla legislação de fundo paternalista, por outro lado, com o dirigismo exercido sobre o movimento sindical, o Estado prejudicou o desenvolvimento sindical. [...]” NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34ª ed., São Paulo: LTr, 2009. p. 45. 91 ZAINAGHI, Domingos Sávio. Curso de Legislação Social: Direito do Trabalho. 12ª ed., São Paulo: Atlas. 2009, p. 6. 92 MARTINS, op. cit., p. 9. 93 SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 5.

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A análise das relações de trabalho na contemporaneidade remete a percepção

de que o direito do trabalho caracteriza pela sua importante função social que

desempenha, motivo pelo qual, deverá todo o seu ordenamento abarcar as

questões econômicas, os meios de produção e as prestações de serviços. A sua

função de compor os litígios entre os empregadores e empregados resta

evidenciada. Predomina em todos os países, o entendimento da necessidade da

existência de regras de proteção ao trabalho e ao trabalhador, independentemente,

das condições econômicas do país, do tipo de regime que adota. Embora nem

sempre coincidam os interesses dos trabalhadores com os interesses econômicos

envolvidos, resta evidenciada a evolução do direito do trabalho que além, de manter

sua função primeira de proteção ao trabalhador, auxilia na coordenação dos ideais e

da relação entre o capital e o trabalho. 94

Pelo modelo neoliberal, a regulação das relações de trabalho deveria estar

vinculadas ao mercado, ou seja, trata-se de uma questão econômica e nessa

condição não deverá o Estado intervir. Porém, necessário enfatizar que o

trabalhador precisa de proteção, assim, não poderá o Estado afastar-se

completamente dessa sua função reguladora participando na relação capital-

trabalho. 95

Notadamente, a proteção aos trabalhadores é fruto de uma evolução dos

direitos, que a doutrina classifica através das gerações (ou dimensões)96, assim na

primeira geração tem-se o reconhecimento aos direitos civis e políticos, na segunda

geração há a conquista dos direitos sociais, e posteriormente, na terceira geração

afirmaram-se os direitos coletivos dos grupos e categorias. Embora não sendo

unanimidade, alguns autores sustentam a existência da quarta geração que se

94 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34ª ed., São Paulo: LTr, 2009. p. 46. 95 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 9. 96 Referente a discussão sobre a adequada utilização do termo geração ou dimensão de direitos ver SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9 ْ ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 52-54.

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refere à biotecnologia e bioética, bem como uma quinta geração que diz respeito aos

direitos da era digital.97

Como referido alhures, o direito do trabalho vem se consolidando como

mecanismo essencial na preservação da parte mais fraca na relação entre

empregado e empregador. Assim, a relação entre o capital e o trabalho extrapola os

limites de um contrato bilateral, mas traz consigo consequências importantes para o

sistema econômico e principalmente pela sua função social. As transformações

ocorridas como resultado do desenvolvimento tecnológico apresenta uma nova

realidade, onde as empresas não pertencem a um proprietário, mas a um

determinado grupo econômico ou a acionistas, a compreensão sobre classes e lutas

de classes são alteradas, o processo de globalização é real e ativo, fala-se em

dignidade da pessoa, o modelo do Estado de bem-estar não se mostrou capaz de

manter-se. Com o avanço tecnológico se produz mais, e diminui-se a mão-de-obra.

A informatização e a robótica aumentam o desemprego e o subemprego,

apresentando modernos meios de trabalho e novas profissões, flexibilizam-se as

regras trabalhistas através de uma maior utilização dos mecanismos de negociação

coletiva dando maior amplitude e relevância ao sindicalismo. 98

A fase atual do direito do trabalho é de transformação e adaptação aos dilemas

contemporâneos sem perder de vista sua finalidade proteger o trabalhador e

minimizar a desigualdade social. Como destaca Nascimento, cada vez mais se

protege a personalidade e os direitos fundamentais do trabalhador, ou seja,

reconhecesse que a ordem econômica não é mais importante que a vida, a saúde, a

integridade e a dignidade do trabalhador. 99 Percebe-se claramente a necessidade

de valorização do trabalhador como pessoa humana para que se atinja, por

conseguinte, um verdadeiro processo de igualdade social.

97 GORCZEVSKI, Clovis. Direitos Humanos: dos primórdios da humanidade ao Brasil de hoje. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2005. p. 74-78. 98 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34ª ed., São Paulo: LTr, 2009. p. 47. 99 Ibidem, p. 47.

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1.4 Direitos trabalhistas no Estado Brasileiro

A evolução do Direito do Trabalho no Brasil seguiu a trilha do

desenvolvimento ocorrido internacionalmente, evidentemente, com algumas

características e peculiaridades.

Logo, a formação do direito do trabalho no Brasil é consequência das

influências externas e internas. Assim, a elaboração de várias leis trabalhistas em

diversos países, a exemplo das mudanças que ocorreram na Europa, o ingresso no

Brasil na Organização Internacional do Trabalho (OIT), firmando compromisso em

defesa da classe trabalhadora, são importantes fatores externos que forçaram o

Brasil a desenvolver um arsenal legislativo com vistas à proteção ao trabalhador. No

que diz respeito às influências internas, destaca-se os movimentos operários, que

organizados comandaram inclusive várias greves, o acréscimo no número de

fábricas e de operários, e o Governo de Getúlio Vargas com sua política trabalhista. 100

O trabalho escravo no Brasil perdurou, legalmente, até 1888, e após a sua

abolição, manteve-se um sistema de autoritarismo no trato com os trabalhadores,

pois, mesmo com uma nova forma de trabalho, os empregadores conduziam de

forma muito rígida sua relação com aqueles que lhe eram subordinados. 101

Preliminarmente, faz-se necessário ressaltar que as primeiras Constituições

brasileiras, não abordam temas de natureza trabalhista, o que culminou no

surgimento de leis esparsas que versavam sobre a matéria. Assim, encontram-se

algumas leis como a Lei do Ventre Livre (28-09-1871), Lei Saraiva-Cotegipe (28-09-

1885), Lei Áurea (13-05-1888). Já na Constituição de 1891 reconheceu-se a

100 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34ª ed., São Paulo: LTr, 2009. p. 50.

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liberdade de associação. As influências oriundas da Europa após Primeira Guerra

Mundial e o surgimento da OIT, em 1919, acabaram por originar a criação de

algumas leis protetivas aos trabalhadores. Surgem alguns movimentos formados por

imigrantes, na sua maioria Europeus, que buscavam lutar para a concretização das

melhorias nas condições de trabalho e remuneração. Encontra-se nesse período

algumas leis ordinárias que versa sobre o trabalho dos menores (1891), da

organização de sindicatos rurais (1903) e urbanos (1907), de férias entre outras. 102

Encontra-se na doutrina uma divisão em pelo menos três fases no

desenvolvimento do Direito do Trabalho no Brasil, é o que refere Manus, segundo os

ensinamentos de Magano:

O liberalismo durante o regime de monarquia, que tem início com a Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, e se estende até a Abolição da Escravatura, em 13 de maio de 1888; o liberalismo republicano, que vai desde a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, até a Revolução de 1930; e, por fim, a fase intervencionista, desde 1930 até os dia de hoje. 103

Caracterizadas pelo Liberalismo, as duas primeiras fases com seu início no

século XIX até o início do século XX, exemplo disso é a Constituição do Império,

1824 e a Constituição Republicana 1891 fundada nos princípios Liberais que

predominavam na Europa. Com raras exceções, o trabalho realizado no Brasil

durante o período do Liberalismo consistia no trabalho escravo que nas condições

de objetos não possuíam nenhum direito. O processo de escravidão e o

desinteresse pelo trabalho por parte dos homens livres tornaram um óbice para o

desenvolvimento industrial do Brasil. De qualquer forma, nessa fase do liberalismo,

a exemplo do que ocorreu a nível internacional, como forma de manutenção do

sistema vigente, foram editadas algumas leis de proteção ao trabalhador. Esse

período marcado pela ausência do Estado nas relações de trabalho permaneceu no

101 ZAINAGHI, Domingos Sávio. Curso de Legislação Social: Direito do Trabalho. 12ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 6. 102 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 9-10. 103 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 29.

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Brasil até aproximadamente em 1930. Nesse período, surgem alguns movimentos

operários das atividades industriais, originados de trabalhadores imigrantes da

Europa que de lá trouxeram o ideal do associacionismo bastante em evidência na

época. Esse modelo foi duramente combatido no Brasil, pois os princípios liberais

não permitiam a associação. A classe operária resistiu e inspirado nos ideais

originados na Primeira Grande Guerra Mundial, conseguiu fazer com que o Estado

começasse a intervir nas relações de trabalho. 104

Em 1930, inicia o processo pensado por Getúlio Vargas de implantação de uma

política trabalhista, teoricamente buscava o então Presidente da República adequar

a expansão da indústria ao mercado de trabalho. Contudo, na prática, sua intenção

era manter um controle sobre os movimentos de trabalhadores. Não se pode olvidar,

porém, avanços significativos como a criação do Ministério do Trabalho (1930), que

passou a regulamentar através de decretos, as profissões, o trabalho da mulher

(1932), o salário mínimo (1936) e a justiça do trabalho (1939). 105

A tradição de governos liberais é finalizada com a Revolução de 1930,

oportunidade em que assume o cargo de Presidente da Republica Getúlio Vargas

que edita uma série de leis afetas as questões trabalhistas, tanto em nível de direito

individual quanto a direito coletivo do trabalho, iniciando um regime de pluralidade

sindical. Com o golpe de Estado em 1937, extingui-se o modelo vigente pelo da

unicidade sindical, de inspiração no regime vigente na época na Itália de corporativo-

fascista, modelo que aliás, vige hoje no Brasil, apesar das alterações advindas com

a Constituição Federal de 1988. 106

Visando a sistematização das normas trabalhistas existentes de forma

esparsas no ordenamento jurídico brasileiro, surgiu a necessidade de fazer um

104MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 29-30. 105 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 10. 106 MANUS,op. cit., p. 30.

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compilamento. Importante destacar que não se trata de um Código que apresente

leis novas, mas tão somente, a reunião das leis no sentido de consolidá-las. 107

Por meio do Decreto-lei nº 5.452, entra em vigor a partir de 1943 a

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), incorporando ao direito coletivo as ideias

corporativas e estabelece o controle estatal às organizações sindicais. Mesmo diante

desse cenário marcado pelo regime corporativo, ainda assim, importantes vantagens

foram obtidas em favor dos trabalhadores e que se pode atribuir a atuação sindical,

entre as quais se destaca a instituição do repouso semanal remunerado (Lei nº 605

de 05 de janeiro de 1949), e a Gratificação Natalina designada também de décimo

terceiro salário (Lei 4.090, de 13 de julho de 1962). 108

Ressalta Nascimento que além da compilação das normas trabalhistas

esparsas, a CLT acresceu alguns institutos novos elaborados por juristas que foram

responsáveis pela consolidação. Ademais, trata-se da primeira lei geral a ser

aplicada para todos os empregados sem nenhuma exceção. Destaca-se sua

relevância pela importância que representa no sentido da evolução dos direitos dos

trabalhadores, bem como, pela técnica utilizada na sua elaboração. 109

A rigidez em que eram submetidos os trabalhadores no tocante a legislação

sindical, não impediu a criação de um órgão nacional de representação da classe

trabalhadora, a CGT. Mesmo sem ter o reconhecimento legal passa representar a

classe em questão de interesses comuns. Com o Golpe Militar de 1964, e por

interesse do governo a CGT foi dissolvida, mediante a utilização de repressão e

violência à classe, passando o governo a atuar e intervir junto aos sindicatos, na

medida em que a legislação brasileira da década de trinta permitia essa atuação do

Estado.110

107 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 10. 108 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 30. 109 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34ª ed., São Paulo: LTr, 2009. p. 52. 110 MANUS, op. cit., p. 30.

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Destaca-se que por meio da legislação ordinária restou implementados e

regulados vários direitos dos trabalhadores. A Lei nº 605/49, que tratou sobre o

repouso semanal remunerado; a Lei nº 3.207/57, regulou a atividade dos

empregados vendedores, viajantes e pracistas; a Lei nº 4.090/62, criou o 13º salário;

a Lei nº 4.266/63 deu origem ao salário-família; a Lei nº 5.859/72 versou sobre os

empregados domésticos; a Lei nº 5.889/73, tratou do trabalhador rural; a Lei nº

6.019/74 refere sobre o trabalhador temporário; e alterando a redação original da

CLT, o Decreto-lei nº 1.535/77, tratou das questões relativas às férias. 111

A política salarial a partir de 1964 passou a ser regida por leis específicas que

continuava a ser modificadas tendo como escopo controlar a inflação e possibilitar a

melhoria salarial, contudo, tal desiderato, não foi obtido até 1993, momento em que

se repensa a situação e se adota, através do contrato coletivo de trabalho a livre

negociação. 112

Considerado o pior período para a classe trabalhadora após a abolição da

escravatura, a promulgação da Lei 4.330 de 1º de junho de 1964, a greve, ao pelo

qual seria possível se rebelar com os desmandos ocorridos, tornou-se ainda mais

difícil. O arrocho salarial, a prisão dos trabalhadores, a prisão e morte de líderes

sindicais são algumas das características desse período. A partir do final dos anos

70 percebesse alterações nesse cenário, com o fortalecimento do movimento

grevista e das entidades sindicais, agora criadas a nível nacional, como, por

exemplo, a Conclat e a CUT, que atuam na preservação dos direitos dos

trabalhadores, buscando a solução dos conflitos através de negociação. Evidencia-

se, assim, a importante atuação dos sindicatos nas lutas dos interesses da classe

trabalhadora, principalmente como fim o Governo Militar, mesmo que ainda

prevaleça entre nós, por força da legislação vigente, uma intervenção estatal muito

111 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 11. 112 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34ª ed., São Paulo: LTr, 2009. p. 51.

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forte nas questões atinentes aos trabalhadores e consequentemente, com os

sindicatos. 113

Não há como negar a importância e o valor da Consolidação dos Direitos do

Trabalho no desenvolvimento das relações de trabalho no Brasil. Não é menos

verdade reconhecer que diante do momento atual, a CLT é insuficiente na medida

em que não contempla pontos relevantes, necessitando, por conseguinte, de uma

modernização. Alguns pontos relegados pela CLT dizem respeito ao direito coletivo,

aos sindicatos, greve e a negociação coletiva, além de não tratar sobre os direitos de

personalidade do trabalhador. Assim, transformações da vida social exigem do

direito positivo a mesma dinâmica no sentido de renovar-se e adequar-se,

moldando-se de acordo com a realidade e as necessidades que surgem. 114

Na análise da evolução do Direito do Trabalho no Brasil, constata-se um

desequilíbrio nesse processo entre o direito individual e o direito coletivo. O direito

coletivo em virtude do corporativismo vigente restou asfixiado, enquanto os direitos

individuais eram outorgados pelo Estado. Esse modelo praticado em decorrência da

Revolução de 1930, e que originou a Constituição de 1937, visava à implementação

de direitos aos trabalhadores segundo a vontade do Estado e não a da classe

trabalhadora. Nesse período, o direito coletivo existente praticamente desapareceu,

volta a dar sinais de revitalização na década de 80 através de alguns movimentos

sindicais e, posteriormente, em 1988, com a promulgação da Constituição. 115

113 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 30-31. 114 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34ª ed., São Paulo: LTr, 2009 p. 52. 115 Ibidem, p.55.

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1.4.1 O Direito do Trabalho nas Constituições Brasi leiras

As Constituições brasileiras, conforme destaca Martins, inicialmente não

tratavam das questões relativas aos direitos dos trabalhadores como acontece com

a atual, mas sim se resumiam em abordar a organização do Estado. Assim, a

Constituição de 1824, limitou-se a exterminar com as corporações de ofício. A

primeira Constituição Brasil a tratar com mais especificidade o Direito do Trabalho foi

a Constituição de 1934116, incorporando a ideia de um constitucionalismo social.

Previa nos seus artigos 120 e 121 os direitos dos trabalhadores. 117 Para

Nascimento, a Constituição de 1934 pouco inovou no tocante a matéria trabalhista

destaca, contudo, a previsão para criação de mais de um sindicato na mesma base

territorial. 118

Marcado pela intervenção estatal a Constituição brasileira de 1937, fruto do

golpe de Getúlio Vargas, e inspirada na Carta del Lavoro da Itália de 1927, e na

Constituição Polonesa, detinha uma tendência corporativista. Ocorreu a criação do

sindicato único, que exercia função delegada do Poder Público, podendo este

intervir naquele. Previu como sendo competência do Tribunal do Trabalho a

intermediação entre empregado e empregador. Entendido como nocivos aos

interesses produtivos do Estado, e consequentemente, ao trabalhador, a greve e o

lockout fora repelidos. 119

Denominada como a Constituição do Estado Novo, a Constituição de 1937,

apesar da intervenção estatal, é responsável pela ampliação dos direitos

116 “[...] a Constituição de 1934 foi a primeira a trazer em seu corpo matéria trabalhista. Tratou-se ali da liberdade sindical, igualdade salarial, salário mínimo, jornada de 8 horas, proteção ao trabalho da mulher e do menor, repouso semanal e férias anuais remuneradas. [...]” ZAINAGHI, Domingos Sávio. Curso de Legislação Social: Direito do Trabalho. 12ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 6. 117 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 9 - 10. 118 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34ª ed., São Paulo: LTr, 2009 p. 51. 119 MARTINS, op. cit., p. 10.

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trabalhistas, e, justamente, durante sua vigência, no ano de 1943, consolidam-se as

Leis do Trabalho, dando origem a CLT. 120

Rompendo com o modelo corporativista da anterior, a Constituição de 1946, é

reconhecida como norma democrática, trazendo no seu conteúdo a previsão da

participação do empregado nos lucros, repouso semanal remunerado, estabilidade,

direito de greve, mantendo os direitos previstos na legislação anterior. 121 A

característica da Constituição de 1946 ter tratado o Direito do Trabalho de forma

democrática se deve ao fato de que sua elaboração seu deu através de um amplo

debate através da uma Assembléia Nacional Constituinte. 122 Refere Nascimento

que a Constituição de 1946 acolheu em seu conteúdo os princípios liberais, e que

além das novidades anteriormente mencionadas, transformou a Justiça do Trabalho

em órgão do Poder Judiciário, que naquela época era de natureza administrativa. 123

Mantendo os direitos previstos na Constituição de 1946, a Carta Constitucional

de 1967, praticamente repetiu as previsões de direitos e garantias ao trabalhador

encontradas na anterior. A Emenda Constitucional de nº 1, de 17 -10 – 1969124,

manteve redação similar a da Constituição de 1967 sobre a matéria. 125 Expressou

os objetivos dos governos militares que teve início em 1964. 126

Na Constituição de 1988127, os direitos trabalhistas estão inseridos no capítulo

dos direitos sociais, no título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, diversamente

120 ZAINAGHI, Domingos Sávio. Curso de Legislação Social: Direito do Trabalho. 12ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 6 – 7. 121 Ibidem, p. 11. 122 Ibidem, p. 7. 123 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34ª ed., São Paulo: LTr, 2009. p. 51. 124 Para Zainaghi “[...] a Emenda nº 1 de 1969 (que foi uma verdadeira Constituição nova). ZAINAGHI, op. cit., p. 7. 125 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 11. 126 NASCIMENTO, op. cit., p. 51. 127 “ [...] Como consequência do processo de consolidação da democracia foi constituída a Assembléia Nacional Constituinte, que se propôs a modificar a ordem constitucional existente no País, alterando-a segundo os princípios políticos, econômicos e sociais da Nova República.[...]” Ibidem, p. 52.

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do que ocorria nas demais, onde os direitos dos trabalhadores eram encontrados na

parte referente à ordem econômica e social. Amplos são os direitos previstos no

artigo 7º da Constituição, que versam sobre os direitos individuais e tutelares do

trabalho. No artigo 8º trata-se das questões afetas aos sindicatos. A greve é o tema

previsto no artigo 9º. Já, no artigo 10 se prevê a participação dos trabalhadores em

colegiados e, no artigo 11, consta à possibilidade de um representante dos

trabalhadores participar de entendimentos com os empregadores. 128 129

As diretrizes adotadas pela Constituição de 1988, segundo Nascimento são as

seguintes:

1ª) adoção de um modelo prescritivo, não omissivo, segundo a diretriz do constitucionalismo social e seus objetivos fundamentais, que compreendem a ideia da inclusão de direitos sociais nas Constituições; 2ª) opção por um texto constitucional não sintético, de certo modo extenso e que, apesar de poucos artigos, contém inúmeros incisos dispondo sobre uma variedade de direitos trabalhistas, em dimensão até hoje desconhecida em nossas Constituições; 3ª) inclusão, na Constituição, de novos direitos trabalhistas, assim considerados aqueles até agora não previstos em nossa ordem jurídica, como também aqueles que o eram apenas em nível de legislação ordinária, passando, com a Constituição, a nível maior. 130

Uma das características marcantes da Constituição de 1988 em matéria

trabalhista é que apresenta as regras gerais e as regras específicas, abordando

temas relativos aos direitos individuais, os direitos coletivos e o processo do

trabalho. Embora sendo a Constituição de 1988 ampla, detalhista e tangente a

elencar os direitos trabalhistas, percebe-se, nitidamente, a falta de regulamentação

de vários dispositivos.131

128 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 11. 129 As principais novidades trazidas pela Constituição de 1988, são: “[...] férias remuneradas com um terço a mais, direitos dos empregados domésticos, licença paternidade, FGTS, ampliação do prazo prescricional para cobrança de créditos trabalhistas para cinco anos etc.[...]”. ZAINAGHI, Domingos Sávio. Curso de Legislação Social: Direito do Trabalho. 12ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 7. 130 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34ª ed., São Paulo: LTr, 2009. p. 53. 131 Ibidem, p. 55.

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Significativas alterações legislativas sobre a matéria sindical foram sentidas

com a promulgação da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, conforme se

denota da leitura do artigo 8º da carta Constitucional132. Em que pese a evolução no

sentido de reconhecer a liberdade sindical afastando qualquer intervenção Estatal,

restou mantida a unicidade sindical, e uma confederação de abrangência nacional

para cada categoria, o que não deixa de ser um óbice para uma completa e

verdadeira liberdade de associação. Ocorre que, reconhecendo a fragilidade da

legislação o governo acaba por reconhecer as entidades que atuam na interlocução

e representam os interesses dos trabalhadores como, por exemplo, a USI, a CGT e

a CUT, que embora não reconhecidos pela Lei, desempenha importante papel na

lutas dos direitos de seus representados. 133

Ao tratar-se especificamente do Estado Brasileiro, marcado por governos

totalitários, golpe militar e posterior abertura democrática, onde o Estado sempre

esteve atrelado a interesses de uma minoria economicamente avantajados, há

consideráveis mudanças, mormente a partir da promulgação da Constituição Federal

de 1988. 134

132 Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município; III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei; V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato; VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais; VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei. Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer. 133 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 31. 134 LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas Hermenêuticas dos Direitos Humanos e Fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 163-164.

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Assim, a República Federativa do Brasil é constituída na forma de Estado

Democrático de Direito135, organizada jurídica, política e economicamente através de

regras expressas na Constituição.136 Os direitos trabalhistas e a preservação da

dignidade dos trabalhadores gozam de destaque no atual texto constitucional

restando evidenciada necessidade de seu respeito e sua observância.

No capítulo seguinte, abordar-se-á a cerca do salário mínimo como direito

social do trabalhador e sua amplitude em face o seu desiderato de propiciar

dignidade à pessoa que trabalha.

135 Por Estado Democrático de Direito pode ser entendido como “[...] um Estado respeitador da dignidade da pessoa humana (art. 1˚, III, da CF) e empenhado em defender e garantir a cidadania (art. 1˚, II, da CF), a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança (art. 5˚, caput, da CF) e, fundamentalmente, preocupado em construir uma sociedade livre, justa solidária e sem qualquer tipo de preconceito (art. 3˚, II e IV, da CF). MEZZAROBA, Orides. Direito Partidário Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p. 242. 136 Para melhor compreensão do significado jurídico-positiva que se quer prestar a Constituição, importante a apreciação de Canotilho: “[...] O sentido histórico, político e jurídico da constituição escrita continua hoje válido: a constituição é a ordem jurídica fundamental de uma comunidade. Ela estabelece em termos de direito e com os meios do direito os instrumentos de governo, a garantia de direitos fundamentais e a individualização de fins e tarefas. As regras e princípios jurídicos utilizados para prosseguir estes objetivos são, como se viu atrás, de diversa natureza e densidade. Todavia, no seu conjunto, regras e princípios constitucionais, valem como << lei >>: o direito constitucional é direito positivo. Neste sentido, se fala na << constituição como norma >> (Garcia de Enterria) e na << força normativa da constituição >> (K. Hesse) [...]”.CANOTILHO, José Joaquim Gomes – Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1999. p. 1101-1102.

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2 O SALÁRIO MÍNIMO COMO DIREITO SOCIAL: GARANTIA DE PROTEÇÃO À

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DO TRABALHADOR

Analisar a condição do salário mínimo, como um direito social e como um

instrumento fundamental para a concretização da dignidade da pessoa trabalhadora,

é que se pretende no presente capítulo.

2. 1 Conceito e breve evolução histórica do salário mínimo

Ao iniciar a abordagem relativa ao salário mínimo, faz-se necessário

compreender de acordo com a legislação pertinente à matéria, questões discutíveis

e que exigiu (ou ainda exige) importantes debates doutrinários.

A primeira controvérsia a ser relatada diz respeito à distinção137 entre salário138

e remuneração139. A confusão terminológica é atribuída à redação do artigo 457 da

CLT. 140

137 A doutrina tem “ [...] se ocupado com freqüência, de estabelecer distinção entre os dois vocábulos, de tal modo que podemos afirma que a maioria dos autores emprega ‘remuneração’ como gênero, do qual ‘salário’ seria espécie. Em outras palavras, seria remuneração o conjunto dos títulos que percebe o empregado por sua prestação de serviços, aí incluído, como principal o salário. Este – devido e pago pelo empregador, diretamente, pela prestação dos serviços, ou pela circunstâncias de estar o empregado a sua disposição, aguardando ordens – seria agregado dos demais títulos, como as gorjetas, os prêmios, as gratificações e os diversos adicionais (horas extras, adicional noturno, etc.), formando, então, o conjunto do ganho auferido, a que se denominaria remuneração. [...]” MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 129. 138 “[...] Salário deriva do latim salarium. Esta palavra vem de sal, do latim salis; do grego, hals. Sal era a forma de pagamento das legiões romanas; posteriormente, foram sendo empregados outros meios de pagamento de salários, como óleo, animais, alimentos etc.[...]” MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 211. 139 “ [...] Remuneração vem de remuneratio, do verbo remuneror. A palavra é composta de re, que tem o sentido de reciprocidade, e muneror, que indica recompensar. [...]” Ibidem, p. 211. 140 Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. § 1º Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador. § 2º Não se incluem nos salários as ajudas de custo, assim como as diárias para viagem que não excedem de cinqüenta por centro do salário percebido pelo empregado.

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Mesmo diante das dificuldades de ser estabelecer um consenso no que

concerne a conceituação de salário e remuneração em virtude da relativização do

termo, a doutrina tem se encarregado de apresentar alguns conceitos:

Salário é o conjunto de percepções econômicas devidas pelo empregador ao empregado não só como contraprestação do trabalho, mas, também, pelos períodos em que estiver à disposição daquele aguardando ordens, pelos descansos remunerados, pelas interrupções do contrato de trabalho ou por força de lei. 141 Salário é a prestação fornecida diretamente ao trabalhador pelo empregador em decorrência do contrato de trabalho, seja em razão da contraprestação do trabalho, da disponibilidade do trabalhador, das interrupções contratuais ou demais hipóteses previstas em lei. 142 Remuneração é todo o valor que o empregado recebe além do salário contratual; assim compreende-se como remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, não só a importância fixa estipulada como contraprestação do serviço, como também as gorjetas, comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias de viagens e abonos que receber.143

A partir dos conceitos acima apresentados, é de grande valia a lição

apresentada por Gomes e Gottschalk no sentido de apresentar uma diferenciação

dos termos:

Conceitua, assim, como salário, tão-só as atribuições econômicas devidas e pagas diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço. Reserva, por outro lado, o termo remuneração para todos os proventos fruídos pelo empregado em função do emprego, inclusive os obtidos por terceiros, como as gorjetas. Dessarte, o conceito de salário, em nosso Direito, é de delimitação precisa, não compreendendo, no seu âmbito,

§ 3º Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados. 141 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34ª ed., São Paulo: LTr, 2009. p. 332. 142 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 213. 143 HOEPPNER, Marcos Garcia. Legislação Trabalhista aplicada: (providências legais das relações de trabalho). São Paulo: Ícone, 2003. p. 226.

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aquelas prestações pagas pelos clientes do estabelecimento diretamente ao empregado, em razão do agrado daquele pelo cumprimento de um ato do empregado. [...] A remuneração pode consistir, portanto, em salário mais gorjetas. 144

Em que pese às controvérsias interpretativas sobre o tema, é possível

reconhecer a superação de tal distinção. É que hodiernamente, a maior parte da

doutrina tem se convencido ser de nenhuma valia a discussão sobre a diferenciação

dos termos, sendo comum à utilização das expressões como sinônimas. 145

Convém registrar os ensinamentos de Manus que destaca os aspectos

jurídicos, econômicos e sociais que devem ser considerados na abordagem da

expressão salário. 146

Para fins de delimitar a discussão e de se aproximar do escopo do presente

trabalhado, abordar-se-á a seguir, de forma um pouco mais detalhada o salário

mínimo.

A nível Internacional, a figura do salário mínimo apresenta como um dos

primeiros documentos a tratar da questão o Código de Hamurabi. Posteriormente,

em 1919, o Tratado de Versalhes determinava que o salário deveria possibilitar um

mínimo padrão de vida, sendo que tal tema foi objeto de várias convenções e

recomendações da Organização Internacional do Trabalho. Destaca-se a

Convenção nº 26, de 1929, que foi ratificada pelo Brasil no ano de 1957147, e a

Convenção nº 131, de 1970148, como documentos importantes no sentido de se

144 GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. – Revisor José Augusto Rodrigues Pinto. 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 197. 145 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 130 – 132. 146 Ibidem, p. 132. 147 “[...] dispõe sobre métodos de fixação do salário mínimo, de acordo com as necessidades de cada país, de forma que o país não possuidor de um sistema de contratos coletivos fixe um salário mínimo, com a participação de empregados e empregadores. [...]” MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 306. 148 “[...] determina regras para a fixação do salário mínimo, especialmente nos países em vias de desenvolvimento. Foi promulgada pelo Decreto nº 89.686/84. dispõe que o país compromete-se a adotar, no plano nacional, mecanismos vocacionados a operar reajustamentos periódicos necessários à preservação do valor real do salário mínimo [...]”.Ibidem, p. 306 - 307.

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estabelecer um salário mínimo. Para Nascimento, as Convenções da Organização

Internacional do Trabalho cumpriram destacada função no sentido de proteção do

salário mínimo e o desenvolvimento de uma metodologia utilizada para sua fixação. 149

O salário mínimo foi criado na perspectiva de proteger o salário150. O tratado de

Versalhes considerou como um dos seus principais objetivos a fixação do salário

mínimo. 151

A primeira lei versando sobre salário mínino foi promulgada pela Nova Zelândia

em 1894, sendo seguido posteriormente, por Inglaterra e Alemanha. Ainda na seara

internacional, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, elaborada pela ONU

em 1948, no seu artigo XXIII, 3, mencionava o direito ao trabalhador de uma justa

remuneração capaz de lhe proporcionar dignidade. 152

Nesse sentido, percebe-se que “[...] a experiência internacional do salário

mínimo revela a permanência do seu papel destacado na regulação econômica e

social [...]”153.

Diante desta constatação é possível afirmar o caráter universal do salário

mínimo. Presente em importantes documentos Internacionais, bem como na

legislação da maioria dos países, o salário mínimo vem se firmando como um

149 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34ª ed., São Paulo: LTr, 2009., p. 352. 150 Não se olvide, contudo, que o Estado em determinadas épocas interveio na questão da remuneração com vistas a impedir a sua elevação, a título exemplificativo tais fatos ocorreram pelos anos de 1350 na França, Inglaterra e Alemanha. 151 GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. – Revisor José Augusto Rodrigues Pinto. 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense. 2000. p. 259 – 260. 152 SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. SEGADAS, Vianna. TEIXEIRA Lima. TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 19ª ed., vol. I, São Paulo: LTr, 2000. p. 408. 153 POCHMANN, Marcio. A Década dos Mitos: o novo modelo econômico e a crise do trabalho no Brasil. São Paulo: Contexto, 2001. p. 137.

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importante instrumento de justiça social, objetivo esse que ganha notoriedade

hodiernamente. 154

Instituído pela Lei n.185/36, o salário mínimo no Brasil, tinha como escopo

estabelecer uma remuneração mínima para todos os trabalhadores num montante

suficiente para o atendimento de suas necessidades básicas. 155 Contudo, o salário

mínimo somente foi regulamentado em abril de 1938.156

Em que pese a luta pelos direitos dos trabalhadores, entre os quais o salário

mínimo, na década de 30, entretanto, sua fixação ocorreu somente com o Decreto-

lei n˚ 2.162/1940, no Governo de Getúlio Vargas157, numa tentativa de acalmar as

classes sociais. 158

Conforme referido, a figura do salário mínimo surgiu em 1930 (decreto-lei nº

388), sendo que sua fixação de dava através de comissões regionais formadas

paritariamente por empregadores, empregados e economistas. As comissões foram

extintas em 1964 (Lei nº 4.589). Naquela época, o valor do salário mínimo era

estabelecido por região159, pois se levava em consideração que as necessidades e

154 SÜSSEKIND, op cit., p. 408. 155 PAES, Eduardo. Salário mínimo: combatendo desigualdades. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. p. 41. 156 Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45/ev_dst001.htm. Acesso em 05 de out. de 2009. 157 “[...] Em 1º de maio de 1940, Vargas anunciou o estabelecimento da Lei do Salário Mínimo, em discurso pronunciado no estádio do Vasco da Gama. O decreto instituiu o salário mínimo como a remuneração capaz de satisfazer às necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte do trabalhador, conforme diferentes regiões do país. Segundo Edgar Carone, como a maioria dos trabalhadores ganhava em geral abaixo da tabela do salário mínimo fixada pelo governo, só em 1940 mais de um milhão de trabalhadores se teria beneficiado com a medida. Em julho do mesmo ano, a estrutura corporativista dos sindicatos completou-se e foi reforçada pela instituição do imposto sindical: o desconto compulsório da soma equivalente a um dia de trabalho, por ano, de todos os empregados visando garantir a sustentação financeira dos sindicatos, independentemente do número de associados. Ao mesmo tempo, o imposto se convertia em fator de dependência política dos sindicatos ao Estado, dando vitalidade à figura do pelego. Em agosto de 1940, foi criado o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), que organizou uma rede de refeitórios populares nas principais cidades do país, e procurou garantir, por preços mais baixos, o suprimento de gêneros de primeira necessidade aos trabalhadores em geral. [...]” Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5458_24.asp. Acesso em 05 de out. de 2009. 158 SABÓIA, João. Salário Mínimo no Brasil: a experiência Brasileira. Porto Alegre: L&PM, 1985. p. 10-14 passim. 159 O salário mínimo surgiu no Brasil em meados da década de 30. A Lei nº 185 de janeiro de 1936 e o Decreto-Lei nº 399 de abril de 1938 regulamentaram a instituição do salário mínimo, e o Decreto-Lei nº 2162 de 1º de maio de 1940 fixou os valores do salário mínimo, que passaram a vigorar a partir do mesmo ano. O país foi dividido em 22 regiões (os 20 estados existente na época, mais o território do

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os custos dessas necessidades não eram uniformes em todas as regiões, optava-se,

assim, pela variação do valor. Em 1979 (Lei nº 6.708) determinou que as regiões

fossem gradativamente diminuídas, com o fim de unificar, no país, o salário mínimo,

o que ocorreu em 1984 através do Decreto nº 89.589.160

O salário mínimo no Brasil teve o desenvolvimento de políticas que visavam

manter atualizado o seu valor. No ano de 1943, houve dois reajustes, um em julho e

outro em dezembro, que além de recompor o valor, reduziu a diferença entre o maior

e menor salário. Contudo, por aproximadamente oito anos não ocorreu mais

reajustes, ocasionando uma perda real de 65%, tomando por base a inflação medida

pelo IPC da FIPE. Com Getúlio Vargas no poder, no ano de 1951, o salário mínimo

passou a ter reajustes mais constantes, mantendo e aumentando ligeiramente o seu

poder de compra. Nesse período, ocorreram no total, seis reajustes. Já, com João

Goulart na condição de Presidente da República, em 1961, apesar da incidência de

dois reajustes, no ano de 1962, o aumento da inflação ocasionou perda do poder de

compra do salário. Com o Golpe Militar, adotou-se nova política de reajuste do

salário mínimo, que visava manter o salário médio, com aumentos proporcionais ao

ganho de produtividade. Experimentou-se, no período considerável queda salarial,

pois o reajuste era efetuado com base numa inflação que era subestimada pelo

governo. Em 1968, passou-se a considerar a inflação esperada e a realizada,

contudo, sem recomposição das perdas havidas nos anos anteriores. No período

que perdurou até 1974, diminui a diferença entre o menor e o maior salário. Com

uma elevação de 30%, o período entre 1975 e 1982, marcou a elevação do poder de

compra do salário mínimo, com reajustes semestrais que correspondiam a 110% da

variação do INPC. Contudo, com o desenvolvimento de políticas salariais e de

planos que almejavam estabilizar a economia, somada à elevação da inflação,

ocasionou a nova perda do poder de compra do salário que chegou a índice de 24%

no período entre 1982 e 1990. Apesar da alta inflação, entre 1990 a 1994, ocorreu

um aumento de 10,6% no poder de compra do salário em relação à inflação medida

Acre e o Distrito Federal) e todas as regiões que correspondiam a estados foram divididas ainda em sub-região, num total de 50 sub-regiões. Para cada sub-região fixou-se um valor para o salário mínimo, num total de 14 valores distintos para todo o Brasil. A relação entre o maior e o menor valor em 1940 era de 2,67. Disponível em: http://www.portalbrasil.net/salariominimo.htm, acesso em 01 de out. de 2009.

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pelo INPC. Posteriormente, com a estabilização econômica conseguida após o

Plano Real, nos anos de 1994 a 1999, computou-se um ganho real de 28,3% sobre

o salário mínimo161, e conforme levantamento do DIEESE, um crescimento de 56%

com relação ao valor da cesta básica medida na cidade de São Paulo. 162

Através do Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, surge a Consolidação

das Leis do Trabalho - CLT onde consta um capítulo específico que trata da

remuneração ao trabalhador.

Nas constituições brasileiras de 1824 e 1891, o tema salário era omisso. Na

Constituição de 1934 é que se menciona sobre a garantia do salário mínimo, sendo

que na Constituição de 1937, a redação permaneceu similar a anterior.163 Já a de

1946 estendeu a ideia de uma remuneração capaz de atender as necessidades

vitais não somente do trabalhador, mas, igualmente, de sua família. A Constituição

de 1967 seguiu o mesmo rumo daquela de 1946. 164

A Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo importantes considerações à

cerca do salário mínimo. Contudo, a questão será tratada com mais amplitude no

capítulo seguinte.

160 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 307. 161 A questão relativa ao reajuste real sobre o valor do salário mínimo, não é pacífica entre os economistas. Especificamente, no período que compreende os anos 1990, Pochmann, refere que: “[...] nos anos 1990, o esvaziamento adicional da política de salário mínimo se deu aliada ao fim da política salarial e à maior desregulamentação do mercado de trabalho, o que proporcionou o estabelecimento do menor patamar de poder aquisitivo do mínimo nacional nos últimos sessenta anos. Apesar do descompromisso da atual política do salário mínimo com a reprodução adequada da força de trabalho, o seu valor ainda continua representando, de forma figurada, o centro de gravitação das remunerações dos empregados de salário de base. Por ser a remuneração de ingresso no mercado de trabalho organizado e a base da hierarquia de remunerações de grande parte das empresas, o valor do mínimo continua sendo um referencial de salário dos empregados secundários (não-chefes de família, mulheres e jovens), dos empregos com alguma qualificação no início de carreira e, sobretudo, de trabalhadores (chefes de famílias) sem qualificação. [...]” POCHMANN, Marcio. A Década dos Mitos: o novo modelo econômico e a crise do trabalho no Brasil. São Paulo: Contexto, 2001. p. 137. 162 Disponível em: http://www.portalbrasil.net/salariominimo.htm, acesso em 01 de out. de 2009. 163 CATHARINO, José Martins. Tratado Jurídico do salário. São Paulo: LTr, 1994. p. 216. 164 CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes. Trabalho na Constituição: direito individual. São Paulo: LTr, 1989. p. 68.

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Para melhor compreensão, faz-se necessário uma conceituação de salário

mínimo, que segundo Schwarz, pode ser assim definido:

O salário deve assegurar ao trabalhador e à sua família um certo nível mínimo de condições de vida, condizentes com a dignidade humana. O salário mínimo corresponde à menor expressão econômica admitida para o salário, condizente, em tese, com o mínimo necessário ao atendimento das necessidades básicas do trabalhador e de sua família. 165

Na visão de Süssekind, o salário mínimo mesmo quando fixado por órgãos

determinados para tal finalidade como ocorria, ou mesmo sendo determinado por

Lei, como ocorre atualmente, serve de limite para que nenhum contrato de trabalho

seja realizado aquém dessa estipulação. Destaca o Autor que o conceito de salário

mínimo de acordo com seus elementos constituinte e suas finalidades, não

encontram uniformidade na legislação e na doutrina dos países. Mesmo assim

levando-se em consideração a legislação comparada, apresenta o seguinte

conceito:

a) salário vital, de índole material, que se deve atender apenas aos custos das necessidades materiais do trabalhador; b) salário vital, de caráter pessoal, em que se deve ter em vista o custo das necessidades materiais e espirituais do trabalhador. Neste caso, o salário mínimo é aquele que, como no Uruguai, leva em conta “as condições econômicas existentes numa região, pra assegurar ao trabalhador um padrão de vida conveniente satisfazendo as suas necessidades físicas, intelectuais e morais”; c) salário familiar, que deve atender ao custo das necessidades normais, sejam de ordem material ou, também, de natureza pessoal, do trabalhador e de sua família. Este conceito tem tido grande aceitação na América Latina. No Brasil, o conceito de salário mínimo familiar foi adotado pelo art. 157, I da Constituição Federal de 1946, que o definiu como “capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, as necessidades normais do trabalhador e de sua família” – princípio mantido pela Carta Magna de 1967. a Carta Magna de 1988 adotou o mesmo conceito, ampliou os fatores que devem ser considerados para a fixação do valor do salário mínimo, determinou sua sujeição a reajustamentos periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo; mas, inadequadamente, ordenou que seja fixado por lei, num único valor, para todo território brasileiro.166

165 SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier. 2007. p. 98. 166 SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. SEGADAS, Vianna. TEIXEIRA Lima. TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 19ª ed., vol. I, São Paulo: LTr, 2000. p. 410.

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Partindo das legislações, o conceito de salário mínimo é muito variável, em

suma, o que buscam as legislações, via de regra, é estabelecer o um “[...] mínimo

vital ou um mínimo justo [...]”. Nesse sentido, Gomes e Gottschalk, estabelecem

duas situações que hão de ser levadas em consideração, quais sejam: o

atendimento às necessidades mínimas de existência do trabalhador, e as exigências

econômicas da empresa. 167

Mesmo com o desenvolvimento dos direitos sociais do trabalhador, no final da

década de 70 e início da década de 80 do século XX, a vinculação entre capital

trabalho passou por uma crise na medida em que “[...] o consenso do capitalismo

reformista e a democracia social desmoronaram quando o pleno emprego encontrou

suas próprias dificuldades [...]” necessitando, assim, uma reorganização no sistema

de administração do Estado, da produção e dos trabalhadores. 168

As concepções acerca dos efeitos de desenvolvimento de uma política salarial

através do salário mínimo são complexas, polêmicas e, por vezes, contraditórias.

Perpassa pelas questões afetas aos gastos públicos, empregabilidade e inflação,

adentrando nos aspectos de proteção social e renda mínima do trabalhador.169

O salário representa uma justa retribuição pela atividade do trabalhador. Ao

longo do desenvolvimento das relações de trabalho, percebe-se a marca das lutas

167 GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. – Revisor José Augusto Rodrigues Pinto. 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 260. 168 MIQUELUZZI, Oswaldo. Do Fordismo-Keynesianismo à Acumulação Flexível: Ascensão do Individualismo e Queda das Organizações Sindicais. In. ARRUDA Jr., E. L.; RAMOS, A. L. Globalização, Neoliberalismo e o mundo do Trabalho, Curitiba: IBEJ. 1998. p. 262. 169 “ [...] com a transposição de modelos teóricos norte-americanos, que o tema predominantemente se restringiu à discussão dos efeitos da política do mínimo nacional sobre o nível de emprego e inflação, sobre o gasto público e sobre a taxa de formalização das relações de trabalho. Sem desconsiderar a relevância desse combate, que se mantém permanentemente inconcluso, face à inconsistência do paradigma sobre a formação dos salários nominais, procura-se discutir um outro enfoque acerca do papel do salário mínimo nacional. Isso não se constitui, no entanto, uma inovação. O entendimento sobre a função do valor do mínimo como um limite monetário inferior para a estrutura salarial (trabalhadores de salário de base) e como um mecanismo de garantia de renda e de proteção social [...]” POCHMANN, Marcio. Políticas do Trabalho e da Garantia de

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da classe trabalhadora na concretização dos seus direitos, entre os quais, destaca-

se o salário-mínimo, representa uma conquista e um avanço na busca de uma

verdadeira justiça social, garantido ao trabalhador mínimas condições de viver

materialmente de forma digna.

2.2 O valor do salário mínimo e sua função econômic a/social

Não bastasse a caracterização do salário-mínimo com uma justa

contraprestação pela atividade desempenhada pelo trabalhador, há de se

acrescentar a sua função econômica e social.

Na análise histórica realizada alhures no capítulo I, observa-se que a formação

do Estado, em determinados momentos vincula-se com o desenvolvimento do direito

do trabalho, que por sua vez estão umbilicalmente ligadas às questões sociais e

econômicas, cujos reflexos são percebidos hodiernamente. Assim, o direito do

trabalhador ao recebimento do salário mínimo implica em questões que extrapolam a

simples relação patrão-empregado, avançando na direção de outros interesses

como os econômicos sociais e políticos. 170

Renda no Capitalismo em Mudança: um estudo sobre as experiências da França, da Inglaterra, da Itália e do Brasil desde o segundo pós-guerra aos dias de hoje. São Paulo: LTr, 1995. p. 211 – 212. 170 No sentido de reconhecer a vinculação dos interesses dos trabalhadores aos sociais, econômicos, políticos: “[...] a politização da economia e do trabalho, com a incorporação da questão social às preocupações estatais, o que deve ser compreendido em sua dupla face: interesses econômicos do capital e interesses operários, a confluência necessária destes dois grupos de interesses levaram o Estado Liberal, essencialmente absenteísta, gendarme e meramente garantidor da propriedade e do contrato, a adotar postura oposta, de intervencionista, de agente regrador das atividades econômicas. O Estado incorpora outros fatores sociais à sua estruturação, os fatores da economia, indo, assim, além do político entendido como a mera organização do Estado com ente. Tal concepção ultrapassa os deveres positivos e negativos, indo a viabilização pela participação política da cidadania, compreendendo as garantias das liberdades individuais como prestações positivas, coisas que o Estado deve fazer, tem o dever jurídico de fazer. [...]” JUCÁ, Francisco Pedro. A Constitucionalização dos Direitos dos Trabalhadores e a Hermenêutica das Normas Infraconstitucionais. São Paulo: LTr, 1997. p. 28-29.

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A pesquisa doutrinária sobre o tema aponta que a exemplo do que ocorre na

maioria dos países, no Brasil, o salário mínimo está diretamente vinculado à função

de proteção e de garantidor de renda. 171

As diferentes interpretações sobre o tema relativamente ao salário mínimo,

apresentam argumentos contraditórios, porém, a relação econômica e social está

sempre presente. Como exemplo, a discussão sobre a evolução da taxa de salário

nacional, apontada por Souza, apresenta como responsável da variação salarial a

estrutura e o crescimento econômico, bem como a atuação das forças sociais.172

Conforme destacado por Grau, a Constituição de 1988 apresenta como

fundamentos da República Federativa do Brasil o valor social do trabalho e a

valorização do trabalho humano. 173

Diante desta constatação, entende o autor que a Constituição conferiu ao

direito do trabalho um tratamento especial, à medida que o tema passa a ter

171 “[...] No Brasil, a literatura original sobre o mínimo também não se afastou do modelo de concepção do valor do mínimo como sendo um instrumento de proteção social e de garantia de renda. Segundo a interpretação de Oliveira Viana, um dos ideólogos da legislação trabalhista do governo Getúlio Vargas, a fixação do salário mínimo tinha por objetivo corrigir as injustiças promovidas pelo desenvolvimento industrial. Da mesma forma, os estudos técnicos produzidos pelo antigo Serviço de Estatística da Previdência e Trabalho – SEPT, do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, destacavam a importância do mínimo como sendo um elemento de imposição da justiça social através de uma remuneração vital ao trabalhador, somente alcançada pela intervenção do Estado no mercado de trabalho. [...]” POCHMANN, Marcio. Políticas do Trabalho e da Garantia de Renda no Capitalismo em Mudança: um estudo sobre as experiências da França, da Inglaterra, da Itália e do Brasil desde o segundo pós-guerra aos dias de hoje. São Paulo: LTr, 1995. p. 213. 172 SOUZA, Paulo Renato. Salário e mão-de-obra excedente. In: CIPOLLA, Conceição Tavares; SOUZA, Paulo Renato; SAINT, Malloy; GALVAN, Goldsmith (Org.). Valor, Força de Trabalho e Acumulação Monopolista. Rio de Janeiro: Vozes, 1981. p. 77. 173 “[...] Tanto em um quanto em outro caso – definição do Brasil (isto é, da República Federativa do Brasil) como entidade política constitucionalmente organizada que se sustenta sobre o valor social do trabalho e fundamentação da ordem econômica (mundo do ser) na valorização do trabalho humano – estamos diante de princípios políticos constitucionalmente conformadores (Canotilho). O sentido dessas afirmações principiológicas é nebuloso, podendo, em tese, transitar desde o que Habermas refere como ‘utopia de uma sociedade do trabalho’ – cujo ponto de referência (a força estruturadora e socializadora do trabalho abstrato) se perdeu na realidade – até, meramente, a trivial concepção da sociedade moderna e sua dinâmica central como ‘sociedade do trabalho’ [...].” GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 12ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007. p. 198.

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proteção, não somente com um viés filantrópico (social), mas também como um

importante elemento na ordem econômica do país. 174

A relação capital-trabalho ganha novos contornos adquirindo garantia

constitucional, à medida que ganha elementos de proteção econômica e de

preservação da dignidade do trabalhador, elevando o trabalho ao rol de direitos

fundamentais:

É esta noção que leva o trabalho ao elenco dos direitos fundamentais. Dessarte, amplia-se o universo de direitos fundamentais, a ele se incorporando àqueles pertinentes à dimensão econômica e produtiva do homem, pois, como se observou antes, a etapa da economia então vivida ensejou o surgimento de um outro poder absoluto, capaz de abalar, com seu exercício, a estabilidade das estruturas estabelecidas, cujo potencial começava a dar mostras do que era capaz de fazer no nível político, alcançando determinado nível de organização. Urgiu, pois, obstar a ilimitação do poder econômico absoluto, lançando a intermediação estatal também ao nível do econômico, e, o mecanismo principal, o eixo de construção desta tentativa que ainda é presente na história, marca-se exatamente pela incorporação da jurisdicização do trabalho, e a incorporação do mínimo ético jellinekiano às relações de trabalho, reconhecendo como integrante da dignidade humana, a realização do trabalho. 175

Por tanto, mesmo considerando uma economia de mercado capitalista176 o

texto constitucional é claro no sentido de reconhecer o trabalho humano como

174 “[...] Titulares de capital e de trabalho são movidos por interesses distintos, ainda que se o negue ou se pretenda enunciá-los como convergentes. Daí porque o capitalismo moderno, renovado pretende a conciliação e composição entre ambos. Essa pretensão é instrumentalizada através do exercício, pelo Estado – pelo Estado, note-se –, de uma série de funções que, valendo-me da exposição de Habermas [...]. A evolução do Estado gendarme , garantidor da paz, até o Estado do bem-estar Keinesiano, capaz de administrar e distribuir os recursos da sociedade ‘de forma a contribuir para a realização e a garantia das noções prevalentes de justiça, assim como de seus pré-requisitos evidentes, tais como o crescimento econômico’ demarca o trajeto trilhado nessa busca. [...]” GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 12ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007. p. 199. 175 JUCÁ, Francisco Pedro. A Constitucionalização dos Direitos dos Trabalhadores e a Hermenêutica das Normas Infraconstitucionais. São Paulo: LTr, 1997. p. 31. 176 “[...] Desde que surgiu, a sociedade capitalista convive com a presença de menor ou maior parcela de sua força de trabalho vivendo na faixa de renda muito baixa. E isso significa necessariamente, numa economia mercantil, a associação direta entre baixa renda e condição de pobreza e de privação social. [...] não é que o pauperismo da força de trabalho seja necessariamente a condição básica da existência da riqueza capitalista, mas é a repartição discricionária do excedente econômico que acaba por produzir e reproduzir a situação de penúria generalizada. [...] por ser o próprio movimento do capital que gera as condições de expansão ou de contração da pobreza, a

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superior elemento dentro da ordem econômica nacional. Na condição de princípio,

essa valorização do trabalho humano deve orientar o Estado no desenvolvimento de

políticas públicas que faça prevalecer os valores sociais do trabalho. 177

Nesse sentido, passa o Estado a ser um “agente de socialização de renda”

haja vista que sua intervenção no mercado de trabalho estabelecendo o salário

mínimo e as prestações sociais reorganizaram a força de trabalho178. É o salário

mínimo atuando como mecanismo social e econômico.

Um dos principais direitos assegurados aos trabalhadores refere-se à

remuneração, ou seja, a contrapartida pelo trabalho que realiza. É através dessa

contrapartida que trabalhador retira o seu sustendo e de sua família, verificando-se,

assim, um viés econômico e social que envolve a questão da remuneração. 179

pauperização da força de trabalho constitui-se, através dos tempos, num fenômeno social complexo que nos dias de hoje não encontrou a sua plena eliminação. [...]”.POCHMANN, Marcio. Políticas do Trabalho e da Garantia de Renda no Capitalismo em Mudança: um estudo sobre as experiências da França, da Inglaterra, da Itália e do Brasil desde o segundo pós-guerra aos dias de hoje. São Paulo: LTr, 1995. p. 21-22. 177 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2009. p. 788. 178 POCHMANN, Marcio. Políticas do Trabalho e da Garantia de Renda no Capitalismo em Mudança: um estudo sobre as experiências da França, da Inglaterra, da Itália e do Brasil desde o segundo pós-guerra aos dias de hoje. São Paulo: LTr, 1995. p. 30. 179 GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. – Revisor José Augusto Rodrigues Pinto. 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 187-190 passim.

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Sobre a relação da remuneração no cunho social e econômico, esclarecedora

é a manifestação de Nascimento, que refere:

Não há coincidência entre a concepção econômica e a concepção social do trabalho. Sob o prisma econômico, o salário é um dos componentes do custo da produção de bens e da prestação de serviços. Sob o ângulo social, o salário é o meio de subsistência do trabalhador e da sua família. A visão economicista do salário é a que tem prevalecido, com o que uma lei férrea é o princípio que inspira todos as construções teóricas, das mais complexas e sob variadas formas. Sustenta-se, mesmo, que os salários submetem-se a um princípio de dependência. Serão, em seus valores, tão-somente aquilo que for possível e a economia permitir.180

No sentido de destacar a importância do salário para o trabalhador, como fator

econômico e social, prossegue o Autor apontando para a necessidade de que o

salário seja objeto de correção para que assim, possa, efetivamente atender seu

papel social no tocante ao atendimento das necessidades básicas e vitais ao

trabalhador e sua família propiciando-lhe o mínimo de dignidade:

A dimensão do salário não é, porém, apenas econômica; é também social. O salário é um instituto sócio-econômico. O Direito do Trabalho atua sobre o salário no sentido corretivo das distorções que resultariam caso ficasse totalmente absorvido e entregue ao raciocínio frio da concepção econômica. O trabalhador tem direito ao justo salário da mesma maneira que a empresa tem direito ao justo preço dos seus produtos. O salário, todavia, não é preço porque o trabalho não é mercadoria. Assim, se esforços são efetuados para que os preços das mercadorias sempre possa ser compensadores, razões mais importantes militam a favor da tese de que os salários também devem passar por um procedimento de correções e aumentos, indispensável para a finalidade social seja atingida. Assim, o trabalhador, em função do salário, é, primeiramente, uma pessoa com necessidades vitais que precisam ser atendidas; em segundo lugar, é um agente econômico que precisa receber salários remunerados para consumir. O assalariado é um consumidor. O maior consumidor. 181

Evidenciando essa importância no tocante a remuneração, percebem-se

algumas evoluções no sentido de preservar e manter o poder aquisitivo do salário à

medida que a sua proteção, pressupõe, em última análise a proteção da própria

180 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Manual do salário. 2ª ed., São Paulo: LTr, 1985. p. 19. 181 Ibidem, p. 19 - 20.

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sociedade. Há sem dúvida uma conotação social na preservação da relação força-

trabalho.182

Resta evidenciado que o salário mínimo é um importante elemento que

interfere diretamente nas relações econômicas e sociais, que devem ser protegidas

pelo Estado visando à concretização do princípio da dignidade da pessoa (no caso

em tela do trabalhar), sendo que o referido princípio será objeto de análise a seguir.

2.3 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como Pr incípio Matriz do Estado

Democrático de Direito Brasileiro

O primado do Estado183 é a busca do bem-comum. Porém, esse ideal

perseguido, e a forma de sua concretização se dão através de diversas formas, e

assim, acabam por influenciar na ordem social, política e jurídica do Estado. 184

182 SOUZA, Gelson Amaro de. O Salário como Direito Fundamental – Revisitação. Revista Justiça do Trabalho, HS Editora: Porto Alegre, ano 25, n. 292, p. 24-25, abril 2008. 183 Para Norberto Bobbio o Estado deve ser compreendido e analisado através do conjunto de elementos que o compõe, pois “[...] o Estado é estudado em si mesmo, em suas estruturas, funções, elementos constitutivos, mecanismos, órgãos etc., como um sistema complexo considerado em si mesmo e nas relações com os demais sistemas contíguos [...]” In. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: por uma Teoria Geral da Política. 9. ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1987, p. 55. 184 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 5 ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2001. p. 118.

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Com a evolução do Estado, há igualmente, como uma consequência lógica, o

desenvolvimento dos direitos, que conforme explica Gorczevski, ao longo da história

vem sendo classificados por gerações e ou dimensões de direitos:

Primeiro, afirmaram-se os direitos civis e políticos (que limitavam o poder do Estado); mais tarde foram conquistados os direitos sociais (que impõem ao Estado o dever de agir); e finalmente os direitos de grupos ou categorias (que expressam o amadurecimento de novas exigências); e, já é quase unânime, entre os autores modernos a existência de uma quarta fase e para alguns já há uma quinta. 185

Ao mencionar sobre os direitos do homem, Bobbio, insiste na necessidade de

ser separar a “teoria” da “prática” à medida que percorrem caminhos similares,

porém com velocidades não uniformes. Assim, atualmente, muito se tem falado

sobre os direitos, porém, a efetivação e concretização não têm ocorrido na prática.

Não obstante, reconhece Bobbio, que o pós-guerra tem conduzido os direitos do

homem em “[...] direção de sua universalização e naquela de sua multiplicação

[...]”186.

Conforme refere Barroso, com o desenvolvimento do Estado, notadamente, no

primeiro pós-guerra, vão se incorporando direitos e regras necessárias para

adequação da sociedade ao Estado e vice-versa. 187

A evolução da sociedade findou com a necessidade de buscarem-se novas

formas de adaptação das normas jurídicas à nova realidade que se apresenta diante

dos legisladores, exigindo uma releitura dos modos de legislar, que atingiram, sobre

maneira, as leis basilares, originando outras formas de criação de normas. Exemplo

185 GORCZEVSKI, Clovis. Direitos Humanos: dos primórdios da humanidade ao Brasil de hoje. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2005. p. 73. 186 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho; Apresentação de Celso Lafer. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 83. 187 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 5 ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2001. p. 118.

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claro, desta nova fase, são os Princípios Constitucionais, que atualmente servem de

alicerce das Constituições, orientando os caminhos que a lei deve seguir.

Encontra-se na conceituação de Canotilho uma descrição do termo princípio no

contexto jurídico:

Princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de << tudo ou nada >>; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a << reserva do possível >>, fáctica ou jurídica.188

O que se observa na legislação contemporânea é um respeito muito grande

que vem sendo atribuído aos direitos fundamentais em suas multifaces, ou seja, a

dignidade da pessoa da pessoa humana, os direitos sociais, o reconhecimento da

cidadania e a maior participação das pessoas nas questões sociais de interesse

coletivo.

Logo, a interpretação dada ao Estado Brasileiro contemporâneo está

estritamente vinculado às normas constitucionais, que dilataram os direitos e

garantias fundamentais, visando à construção de um Estado Democrático de

Direito189, com o escopo e a pretensão de garantir o exercícios de direitos coletivos e

188 CANOTILHO, José Joaquim Gomes – Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed.

Coimbra: Almedina, 1997. p. 1215. 189 “[...] A configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo. E aí se entremostra a extrema importância do art. 1º da Constituição de 1988, quando afirma que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, não como mera promessa de organizar tal Estado, pois a Constituição aí já está proclamando e fundando. [...]”. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2009. p. 119.

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individuais190, de modo todo especial, mediante a participação da sociedade no

Estado.191

Por certo é que também no Brasil, ocorre embora de forma tímida um

movimento no sentido de mobilizar e incentivar a participação social, como

instrumento de transformação do Estado. Novamente, utiliza-se dos ensinamentos

de Leal que retrata as transformações ocorridas na sociedade brasileira:

O Estado brasileiro, enquanto instituição jurídica e política, neste contexto, vai ter uma função importantíssima, na medida em que, pelos termos da dicção constitucional vigente, se responsabiliza pela mediação da ordenação do social e pela garantia de algumas prerrogativas/direitos que irão se ampliar no âmbito do processo de desenvolvimento das lutas sociais e políticas contemporâneas.192

Ao destacar a evolução da participação da sociedade no Estado, e

consequentemente, na administração pública, indissociável à vinculação, como

referido alhures, à promulgação da Carta Constitucional brasileira de 1988193.

Reconhecidamente, há uma transformação acentuada e profunda na sociedade

hodierna, fruto de um desenvolvimento científico, econômico, tecnológico, e nesta

senda, o direito, a sociedade e, principalmente, a pessoa humana, passa a ser vista

de forma diferente, passando a ter nova significação, nova conceituação,

notadamente no sentido de respeito a sua dignidade.194

190 LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas Hermenêuticas dos Direitos Humanos e Fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 165. 191 Idem. Estado, Administração e Sociedade: Novos Paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 29-35 passim. 192 Ibidem, p. 33. 193 A importância da Constituição brasileira de 1988 é enfatizada por Leal: “[...] pode-se afirmar que, como referencial jurídico, a carta de 1988 alargou significativamente a abrangência dos direitos e garantias fundamentais, e, desde o seu preâmbulo, prevê a edificação de um Estado democrático de Direito no país, com o objetivo de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais [...]” Idem. Hermenêutica e Direito: Considerações sobre a Teoria do Direito e os Operadores Jurídicos. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 1999. p. 147. 194 A reflexão acerca dos fundamentos dos direitos do homem diante da evolução da sociedade é realizada por Bobbio. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho; Apresentação de Celso Lafer. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 35-65 passim.

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Esse desenvolvimento, ao passar do tempo, ensejou, para uma melhor

interpretação, que a doutrina criasse alguns critérios de cunho didático, eis que tais

direitos foram distinguidos por gerações.195

Pela atual Constituição Federal, pode-se inferir que tais direitos possuem a

seguinte abrangência:

Os direitos e garantias fundamentais prescritos na Constituição de 1988 abrangem: os direitos individuais e coletivos (art. 5°) os direitos sociais (art. 6° e 193 e s.), os direitos à nacionalidade (art. 1 2) e os direitos políticos (art. 14 a 17). Notemos que o constituinte não inseriu os direitos fundados nas relações econômicas nesse contexto, reservando-lhes espaço nos art. 170 a 192. Essa classificação, de índole juspositiva, contudo, não exaure o rol dos direitos fundamentais. Apenas enuncia as categorias genéricas, mediante as quais foram organizados os direitos e garantias fundamentais na Constituição. [...] Compreenda-se o termo direitos fundamentais do homem como o reconhecimento daquelas garantias dirigidas, indistintamente, a quem quer que seja.196

Assim, designam-se direitos fundamentais para expressar as prerrogativas

assistidas ao ser humano para que lhes sejam atribuídas uma vida digna – ou seja,

direitos reconhecidos e positivados constitucionalmente - haja vista que a subtração

de tais direitos importa sobremaneira na condição desses indivíduos, ferindo, por

conseguinte, a sua dignidade, que pode ser compreendida como corolário lógico, do

mínimo necessário representado pelos direitos fundamentais. 197

Pelo fato de a pessoa humana ocupar lugar central no universo, torna a

preservação de sua dignidade uma questão de extrema relevância e importância.

Para Mirandola, no tocante à dignidade do homem destacam-se três níveis, quais

195 GORCZEVSKI, Clovis. Direitos Humanos: dos primórdios da humanidade ao Brasil de hoje. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2005. p. 73. 196 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 70 197 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9° ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 33-37, passim.

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sejam: é um problema da razão, é um problema da liberdade humana e é um

problema do ser. Ou seja, vincula-se à dialética, a ética e a metafísica.198

Sobre o homem, refere o autor:

É precisamente esta capacidade racional que permite ao homem tomar consciência da sua dimensão como ser livre. A tematização do antropocentrismo piquiano vem dada essencialmente a partir da consideração da liberdade humana, virada, sem dúvida, para a acção ética, portanto, com alcance prático, mas articulando um nível ontológico. O homem é o ser mais digno da Criação de Deus, porque foi colocado no centro do universo e porque de tudo quanto foi criado ele possui as sementes. Ser ontologicamente de natureza indeterminada, distingue-se por tal facto, tanto do mundo natural como do mundo angélico, de que é o mediador, distingue-se ainda devido a ser o artífice de si mesmo, de tal modo que o problema da sua natureza não se pode pôr a priori, mas tão-só a posteriori.199

Ao falar-se da dignidade da pessoa humana, deve-se observar que na

Antiguidade, a figura da pessoa possuía uma significação diversa do que a atual.

Tinha-se a visão de que o indivíduo apenas fazia parte da natureza, sendo

considerado um animal sociável que, pelo fato de pertencer a um Estado, deveria

manter uma conduta oriunda deste, tornando-se um cidadão, e que, por isso,

deveria, teoricamente, viver em relativa harmonia com as demais criaturas. Contudo,

com o passar do tempo e com as transformações ocorridas, e, conseqüentemente,

com o surgimento de novas teorias e estudos, propiciou-se uma evolução que

gradativamente mostrava que a pessoa humana ganhava maior destaque,

principalmente no Direito, em que em todas as legislações contemporâneas vêm

sofrendo forte influência do princípio da dignidade da pessoa humana, que cada vez

mais se evidencia.200

198 MIRANDOLA, Giovanni Pico Della. Discurso sobre a Dignidade do Homem. Tradução de Maria de Lurdes Sirgado Ganho. Textos Filosóficos volume 25. Lisboa/Portugal: Edições 70. p. 26. 199 Ibidem, p. 27. 200 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999. p 18-20 passim.

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Assim, o conceito de pessoa201 vem sofrendo sensíveis mudanças ao longo

da evolução da sociedade. Segundo Santos:

O conceito de pessoa, como categoria espiritual, como subjetividade, que possui valor em si mesmo, como ser de fins absolutos, e que, em consequência, é possuidor de direitos subjetivos ou direitos fundamentais e possui dignidade, surge com o Cristianismo, com a chamada filosofia patrística, sendo depois desenvolvida pelos escolásticos.202

Os Iluministas resumiam a noção de direitos do homem na expressão

dignidade humana203. Há, notadamente, um viés no sentido da proteção e

preservação da pessoa vinculada às noções de ética e moral.

Para Vaz esse conceito deve ser matizado, “[...] pois é possível encontrar-se

elementos daquele conceito, seja na definição socrática de Psyché, seja na filosofia

estóica [...]”204. Não obstante, a partir do momento que o valor da pessoa humana é

desvinculado do Estado, tem-se, então, “[...] o deslocamento do Direito do plano do

Estado para o plano do indivíduo, em busca do necessário equilíbrio entre a

liberdade e a autoridade [...]”205.

201 “[...] O homem é, ao mesmo tempo, uma pessoa, um ser que pode ser causa de si mesmo e, com efeito, a causa absoluta e última dos seus estados e que pode modificar-se segundo razões que toma de si mesmo. O modo do seu aparecer [Erscheinens] é dependente do modo do seu sentir [Empfindens] e querer [Wollens] e, portanto, de estados que lê mesmo determinada em sua liberdade e não a natureza, segundo a sua necessidade. Se o homem fosse apenas um ser sensível, logo, a natureza daria, ao mesmo tempo, as leis e determinaria os casos de aplicação; agora, ela divide o governo com a liberdade e, embora suas leis tenham validade, de agora em diante, porém, é o espírito que decide sobre os casos. SCHILLER Friedrich. Sobre Graça e Dignidade. Tradução Ana Resende, Coleção Dialética, volume 24, Porto Alegre: Movimento, 2008. p. 19. 202 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999. p. 19. 203 “[...] a dignidade humana é a noção que subjaz jusnaturalista a toda a ética de direito natural, na hipótese naturalmente de que se aceita a validade da ética. Quando, porém, a ética é superada pela mora progressista, também seu conceito fundamental é superado. Porque, se a noção da dignidade humana fosse novamente reconhecida, também a ética haveria de renascer. E inversamente: a supressão da ética inclui a supressão da noção da dignidade humana. O conceito da natureza do homem reduz-se então ao conceito biológico-naturalista. O domínio do espírito e a eliminação do ethos supõem filosoficamente e visam politicamente a supressão da noção de dignidade humana e a redução naturalista do homem [...]” KRIELE, MARTIN. Libertação e Iluminismo Político: uma defesa da dignidade do homem. São Paulo: Loyola, 1983. p. 35. 204 Vaz apud Santos, 1999. op. cit., p. 20. 205 Reale apud Santos, 1999. p. 20.

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Para Schiller, ao mencionar sobre a dignidade refere que ela representa o fruto

da expressão de uma disposição sublime:

Assim como a graça é a expressão de uma bela alma, a dignidade é a expressão de uma disposição sublime. É dado ao homem, com efeito, fundar uma consonância íntima entre suas duas naturezas, ser sempre um todo harmonizante e agir com sua humanidade total e plena. Mas esta beleza do caráter, o fruto mais maduro da sua humanidade, é somente uma ideia de acordo com a qual ele se empenhará com vigilância contínua, mas que ele nunca poderá alcançar inteiramente com todo esforço.206

A partir da ação do homem, em que este foi agregando e aumentando seu

conhecimento, seja diante da realidade no seu dia-a-dia, ou através de novas

experiências, ele passa a moldar sua realidade. Segundo Santos, “[...] o que

caracteriza a filosofia Kantiana207, e constitui, propriamente, a revolução

copernicana208, é que o sujeito torna-se elemento decisivo na elaboração do

conhecimento [...]”209.

206 SCHILLER Friedrich. Sobre Graça e Dignidade. Tradução Ana Resende, Coleção Dialética, volume 24, Porto Alegre: Movimento, 2008. p. 44. 207 A filosofia Kantiana se baseava em que o homem tem a possibilidade do conhecimento e sua vivência pela conduta moral. Assim, em sua Obra, Crítica da Razão Pura, Kant estudou o fato do conhecimento, e que o homem pode conhecer. Na Obra, Crítica da Razão Prática, seu estudo foi com relação à conduta humana. 208 Copérnico pregava que a ação, o movimento do sol era apenas aparente, e que na verdade, quem se movimenta é a terra. Kant se utiliza desta teoria para comparar com sua teoria do conhecimento, mostrando que as pessoas não são apenas observadoras que não agem, nem reagem, mas sim, são os indivíduos que constroem sua realidade. Posição esta, diversa de Platão que entendia que o sujeito estava parado no universo. 209 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999. p. 22.

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Para Kant210, a pessoa humana possui fator preponderante para a criação e

desenvolvimento do conhecimento, logo, pode-se observar que somente com uma

vida digna o ser humano poderá cumprir seu papel na sociedade onde vive. Eis aqui

a importância deste Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que serve de mola

propulsora das transformações através do conhecimento. Dentro de uma visão

liberal do Estado, em que Kant é um dos seus mais fortes representantes, a

liberdade serve de fundamentação inclusive sobre a reflexão ética, assim, “[...]

pertencente ao mundo inteligível, o homem independe das causas determinantes do

mundo sensível, por isso é livre [...]”211. O ser livre possui autonomia, eis então, a

possibilidade de criar normas que servirão para gerir a todos. Por essa mesma

liberdade deve-se fundamentar a razão.

Denominado estado jurídico, o Estado Kantiano, expressão vitoriosa do individualismo de seu tempo e do liberalismo212, caracteriza-se pôr instituir e manter um ordenamento jurídico como condição para a coexistência das liberdades externas.213

Como destaca Bloch, a teoria Kantiana desenvolveu papel importante

influenciando sobremaneira a interpretação do direito, enfrentando algumas

questões conquistadas pelo direito natural na medida em que “[...] se aminoran

210 “[...] O que ele propõe para a filosofia é nada menos que uma revolução no método. O novo paradigma da filosofia, que Kant encontrou no procedimento de Copérnico, modifica, com a topologia da inteligibilidade, os esquemas operatórios dos pensamentos. É por isso que Kant, no Prefácio da segunda edição, apresenta sua obra não como uma teoria ou uma doutrina, mas como “um tratado do método”. Dando as costas para o dogmatismo cínico da filosofia tradicional cujos a priori metafísicos e procedimento lógico-dedutivo ele rejeita, kant põe em evidência o a priori transcendental que preside ao uso da razão: não apenas ao seu uso especulativo, mas também ao seu uso prático em moral política e direito. A última parte da Crítica da razão pura, ao apresentar a “teoria transcendental do método” como “a determinação das condições formais de um sistema completo da razão pura”, faz questão de destacar que tal uso da razão aplica-se a qualquer objeto que seja. Nem dogmático nem polêmico, o procedimento criticista não pode levar a se refugiar num ceticismo preguiçoso nem a se obrigar por trás de hipóteses aleatórias; consiste sempre semelhante a si mesmo seja qual for o objeto ao qual se aplique, em “sair do conceito [desse] objeto a fim de chegar sinteticamente e a priori a um certo conhecimento das coisas que não estava contido em seu conceito”. GOYARD-FABRE, Simone. Os fundamentos da Ordem Jurídica.Tradução Claudia Berliner, revisão da tradução Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fortes, 2002. p. 320. 211 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999. p. 27-28. 212 Bonavides apud Santos, 1999, p. 28. 213 Ibidem, p. 28.

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sorprendentemente, por lo menos al principio, ciertas conquistas importante del

Derecho natural anterior[...]”.214

Dessa forma, Santos enfatiza a temática Kantiana de aplicabilidade da

liberdade do ser como fator de solução de conflitos, dentro dos limites individuais

aceitos e toleráveis, assim:

Situar o conceito de dignidade da pessoa humana de Kant dentro de sua filosofia liberal importa em ressaltar seus limites, na sua defesa do individualismo, que, antinomicamente, há de prevalecer em relação à sociedade, em caso de conflito. Além, é claro, de uma compreensão assaz acanhada das funções do Estado. Individualismo que irá marcar, sobremaneira, a definição dos direitos fundamentais, que serão sobretudo os direitos da liberdade, direitos inatos de cada pessoa e, por isso, de resistência ou de oposição frente ao Estado.215

O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, dentro desta

evolução e valorização de sua aplicabilidade, vem se configurando entre os

princípios mais importantes – senão o mais – em observância no ordenamento

jurídico. Assim, encontram-se autores que entende:

No atual Diploma Constitucional, pensamos que o principal direito fundamental constitucionalmente garantido é o direito da pessoa humana. É ela, a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais [...] é a dignidade que dá a direção, o comando a ser considerado primeiramente pelo intérprete.216

214 BLOCH, Ernst. Derecho Natural y Dignidad Humana. Tradução Felipe Gonzalez Vicen. Madrid: Aguilar, 1980. p. 69. 215 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999. p. 28. 216 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 45.

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Ao tratar do significado atribuído à dignidade da pessoa, tem-se que “[...] a

ideia do valor intrínseco da pessoa humana deita raízes já no pensamento clássico e

no ideário cristão [...]”217

Na concepção de Nunes, a dignidade teve seu conceito desenvolvido e

elaborado ao longo da história, e “[...] chega ao início do século XXI repleta de si

mesma como um valor supremo, construído pela razão jurídica [...]”218 e diante desta

realidade prossegue seu comentário no sentido de demonstrar a influência do direito

no comportamento humano e dos valores considerados dignos a eles “[...] com

efeito é reconhecido o papel do Direito como estimulador do desenvolvimento social

e freio da bestialidade possível da ação humana [...]”219.

Como destaca Silva o reconhecimento e o respeito aos direitos fundamentais

do homem pressupõem a existência de igualdade, liberdade e, principalmente,

dignidade da pessoa humana.220

Notadamente para se chegar a um conceito, importante levar-se em

consideração situações que não venham a atribuir de forma adversa o real valor da

dignidade. Sendo este um princípio, logo goza da plenitude que lhe é intrínseca,

motivo este que leva Nunes a sugerir a forma de conceituá-lo, como sendo “[...] O

que se tem de fazer é apontar o conteúdo semântico de dignidade, sem permitir que

façam dele um conceito relativo, variável segundo se duvide do sentido de bem e

mal ou de acordo com o momento histórico [...]”221.

217 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6º ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. 218 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 46. 219 Ibidem, p. 46. 220 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2009. p. 179. 221 NUNES, op. cit., p. 46-50 passim. Para chegar a sua conceituação o autor se utilizou o comportamento dos seres humanos em suas atitudes boas ou más em determinados momentos e a consequência desencadeada e observadas em alguns fatos históricos, entre estes as discriminações racistas e religiosas, etc.

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Como exposto anteriormente, o valor da dignidade vem sofrendo influência no

decorrer da história sendo cada vez mais referenciada pelo que representa no

contexto da sociedade, implicando, por conseguinte, na atuação dos legisladores e

aplicadores do Direito que devem pautar pela aplicação dos princípios inseridos na

Constituição, não podendo, de forma alguma, ignorá-los. Diante desta situação, o

autor Nunes é incisivo e concludente em afirmar que “[...] não pode o Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação,

aplicação ou criação de normas jurídicas. [...] A própria Constituição Federal, de

certa forma, impõe sua implementação concreta [...]”222.

Entende ainda, que o assunto ganha relevância por tratar-se da condição

humana, restando assim, sempre um tema atual e palpitante, mesmo que não

entendido de forma unânime. Junta-se ademais, a valorização atribuída à dignidade

da pessoa humana,223 “[...] vem sendo considerada (pelo menos para muitos e

mesmo que não exclusivamente) qualidade intrínseca e indissociável de todo e

qualquer ser humano [...]”224, restando assim inadmissível a separação de ambos, e

devendo, por esse motivo, ser perseguido pelo Estado sua efetivação.

222NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 51. 223 Para Sarlet, embora seja crescente a valorização do princípio da dignidade da pessoa humana, mostra ele que sua origem deu-se no “[...] pensamento clássico e no ideário cristão [...]”. também no “[...] pensamento filosófico e político da antiguidade clássica verifica-se a dignidade (dignitas) [...]” . A dignidade é encontrada ainda no pensamento estóico, sendo esta concepção de “[...] inspiração cristã e estóica seguiu sendo sustentada, destacando-se Tomás de Aquino [...] secundado, já em plena Renascença e no limiar da Idade Moderna [...]”. Outra importante contribuição para afirmação da ideia de dignidade foi dada “[...] pelo Espanhol Francisco de Vitória, século XVI [...]” . No pensamento “[...] jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, a concepção de dignidade da pessoa humana [...] passa por um processo de racionalização e laicização [...]”. O autor destaca o trabalho de Kant “[...] cuja concepção de dignidade parte da autonomia ética do ser humano, considerando esta (a autonomia) como fundamento da dignidade do homem [...]”. E assim, reitera o autor “[...] prestigiada a fórmula apresentada por Kant e mesmo considerando a existência de diversos autores de renome [...]” bem como as “[...] experiências pelas quais tem passado a humanidade [...] no século XX – o fato é que esta – a dignidade da pessoa humana – continua, talvez mais do que nunca, a ocupar um lugar central no pensamento filosófico, político e jurídico, do que dá conta a sua já referida qualificação como valor fundamental da ordem jurídica, para expressivo número de ordens constitucionais, pelo menos para as que nutrem a pretensão de constituírem um Estado democrático de Direito. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 29 et seq.

224 Ibidem, p. 27.

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Com relação a uma definição concreta do significado da expressão dignidade

da pessoa humana, adverte o autor para a dificuldade em fazê-la, por inúmeros

motivos que justificam suas ponderações225.

E explica:

Não há como negar, de outra parte, que uma conceituação clara do que efetivamente seja esta dignidade, inclusive para efeitos de definição do seu âmbito de proteção como norma jurídica fundamental, se revela no mínimo difícil ser obtida, isto sem falar na questionável (e questionada) viabilidade de se alcançar algum conceito satisfatório do que, afinal de contas, é e significa a dignidade da pessoa humana [...].226

O primeiro motivo tido como óbice na conceituação e definição ocorre por ser a

dignidade da pessoa humana diversa das demais normas jusfundamentais, não trata

de aspectos específicos das pessoas, mas, ao contrário, das qualidades inerentes a

todos os seres humanos, constituindo-se o valor próprio que os identifica como tais.

Outra dificuldade paira com relação aos valores que são seguidos pela sociedade, e

explica que “[...] não poderá ser conceituada de maneira fixista [...]”227 posto que tal

definição “[...] não harmoniza com o pluralismo e a diversidade de valores que se

manifestam com as sociedades democráticas e contemporâneas [...]”228 mais um

motivo que evidencia falar-se em um conceito permanentemente em fase de

desenvolvimento e construção.

Além do mais, a dignidade não necessariamente tem de ser reconhecida e

acolhida pelo Direito, é claro que, se assim o for, este desempenhará importante

225 Igualmente, Peter Häberle ao referir sobre a dignidade, compartilha da dificuldade de uma formulação geral, contudo dá como marco inicial da dignidade a vida humana. HÄBERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. Tradução de Ingo Wolfgang Sarlet e Pedro Scherer de Mello Aleixo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Dimensões da dignidade: ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 89-152. p. 139. 226 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2001. p. 38. 227 Ibidem, p. 40. 228 Ibidem, p. 40.

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função, na proteção e promoção, haja vista que a dignidade atinge a todos,

indiferente a qualquer peculiaridade, pois se todos são iguais, logo todos gozaram

destes atributos de forma igualitária. Todo ser humano é dotado de

autodeterminação, razão, consciência e, por isso, se torna responsável pelas suas

ações, fato este que representa a igualdade entre os seres humanos.229

Outro aspecto importante que deve ser abordado na tentativa de elucidar o real

sentido atribuído à dignidade da pessoa humana, é com relação à individualidade da

pessoa, que não deve ser confundida com a dignidade humana no sentido amplo.

Pois, somente “[...] a dignidade da determinada (ou determinadas) pessoas é

passível de ser desrespeitada, inexistindo atentados contra a dignidade da pessoa

em abstrato. [...]”230. Importa agora perceber a diferença existente, posto que a

dignidade “[...] constitui atributo da pessoa humana individualmente considerada, e

não de um ser ideal ou abstrato, razão pelo qual não se deverão confundir as

noções de dignidade da pessoa e de dignidade humana, quando esta for referida à

humanidade como um todo [...]231. Notadamente, a condição humana está

diretamente ligada à comunidade, à vida em sociedade232, e dessa forma, essa

convivência acaba por interferir na dignidade dos seres humanos no âmbito desta.

Nesse contexto, percebe-se que o conceito da dignidade da pessoa humana

não é universal, não assumindo tal particularidade por não ser ela comum a todas as

pessoas e lugares. Assim, a dificuldade em entender se determinada conduta é

ofensiva, ou não à dignidade, é muito grande. Logo, evidencia-se que cada

sociedade possui padrões próprios para identificar e conceituar a dignidade. Com

base nessas considerações Sarlet, evidencia que para que se tenha a dignidade,

229 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2001. p. 41-49 passim. 230 Ibidem, p. 52. 231 Ibidem, p. 52. 232 Denota-se que o objetivo deste princípio á atingir a todos indistintamente. É pois, justamente nesse sentido a leitura que se faz da Constituição Federal de 1988, que no seu art. 1°, III, traz a dignidade da pessoa humana, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito.

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uma série de fatores devem ser levados em consideração, sob pena desta ser

falha233.

Embora bastante presente, a dificuldade de uma conceituação – por todos os

motivos acima referidos, não obstante, baseado nessas reflexões, arrisca-se o autor

Sarlet na elaboração de uma proposta de conceituação:

A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste, sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.234

Reconhecida sua crucial importância no sentido de valorizar a pessoa, o

Princípio da dignidade pessoa humana foi recepcionado na Carta Constitucional

Brasileira de 1988, recebendo destaque especial.

Note-se que o Princípio da dignidade da pessoa humana está inserido no artigo

1º, inciso III235, configurando-se, assim, como um dos fundamentos da República

233 Nesse sentido esclarece Sarlet: “[...] Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna na forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças. Tudo, portanto, converge no sentido de que também para a ordem jurídico-constitucional a concepção do homem-objeto (ou homem-instrumento) com todas as consequências que daí podem e devem ser extraídas, constitui justamente a antítese da noção de dignidade da pessoa, embora esta, à evidência, não possa ser, por sua vez, exclusivamente formulada no sentido negativo (de exclusão de atos degradantes e desumanos), já que assim se estaria a restringir demasiadamente o âmbito de proteção da dignidade. [...]”SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 59-60. 234 Ibidem, p. 60. 235 Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana;

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Federativa do Brasil, sendo que tal princípio deverá ser sempre considerado no

trabalho hermenêutico realizado pelo intérprete, a medida que a dignidade acumula

status de caráter dúplice, qual seja, de princípio constitucional e de fundamento da

República.236

É nessa condição, de ser “[...] um valor supremo que atrai o conteúdo de todos

os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida [...]”237 evidenciando-se,

assim, a sua amplitude.

Na concepção de Cavalcante, a principal fundamentação dogmática de

proteção do trabalhador está amparada e estruturada no princípio da dignidade da

pessoa humana, e que possui “[...] a qualidade de direito fundamental por ostentar

inclusive o valor de princípio fundamental da República Federativa do Brasil [...]”.238

Manifestamente, a dignidade da pessoa humana configura-se num ideal a ser

perseguido constantemente, afirmando-se como um princípio matriz na

concretização de um Estado Democrático de Direito.

2.4 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como Fundamento para a

preservação das necessidades vitais do trabalhador através do salário mínimo

No momento em que se aborda a questão do salário mínimo considerando seu

aspecto econômico e social, não se pode olvidar a sua condição de garantidor de

condições mínimas ao trabalhador que o possibilite viver dignamente.

236 BRANCO, Ana Paula Tauceda. A Colisão de Princípios Constitucionais no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007. p. 58-59. 237 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2008. p. 105. 238 CAVALCANTE, Ricardo Tenório.Jurisdição, Direitos Sociais e Proteção do Trabalhador: a efetividade do direito material e processual do trabalho desde a teoria dos princípios. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 52.

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Como é cediço, a dignidade nem sempre possui o mesmo significado para

todos, traduzindo-se na autodeterminação individualizada. Assim, pode-se observar

que a liberdade – e os direitos de liberdade - também estão intimamente ligados à

dignidade da pessoa. Deve-se considerar, ainda, que o sentido histórico/cultural que

envolve o tema em análise também pesa na sua conceituação, não sendo suficiente

somente à análise na natureza humana. Todos os aspectos devem ser observados,

inclusive – e principalmente – a ação do Estado. Nesse sentido, as condições deste

Estado em prestar suas atividades influenciam sobremaneira na dignidade, impondo

inclusive os limites para a própria preservação e manutenção da dignidade existente,

não como prestação, mas promovendo e garantindo que as prestações sejam

efetivamente realizadas.239

Pelo exposto, observa-se a dupla interpretação que pode ser extraída com

relação à dignidade da pessoa humana, a saber: a que se apresenta através da

autonomia da pessoa e a outra de cunho assistencial decorrente do Estado e da

Sociedade. É nesse sentido que Sarlet sustenta seus argumentos:

Sustenta-se que uma dimensão dúplice da dignidade manifesta-se enquanto simultaneamente expressão da autonomia da pessoa humana (vinculada à ideia de autodeterminação no que diz com as decisões essenciais a respeito da própria existência), bem como da necessidade de sua proteção (assistência) por parte da comunidade e do Estado, especialmente quando fragilizada ou até mesmo – e principalmente – quando ausente a capacidade de autodeterminação. Assim, a dignidade, na sua perspectiva assistencial (protetiva) da pessoa humana, poderá dadas as circunstâncias, prevalecer em face da dimensão autonômica.240

Destacada sua importância, faz-se necessário ressaltar que um dos temas de

muita relevância que tem se apresentado nas constituições contemporâneas,

239 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 41-49 passim. 240 Ibidem., p. 49.

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inclusive, na brasileira é a preservação da dignidade da pessoa humana241, cujo um

dos ideais buscados é de possibilitar a todos um mínimo existencial, daí sua

vinculação aos direitos fundamentais, cabendo ao Estado garantir sua efetivação e,

as demais pessoas, respeitar o seu semelhante na individualidade que cada um

representa. O salário mínimo é justamente uma dessas garantias para que o

trabalhador tenha o mínimo de dignidade.

A questão que se apresenta ao refletir sobre o salário mínimo como meio de

garantia de condições básicas e essenciais ao trabalhador, é de se identificar se o

seu valor propicia dignidade, ou insere-se no conceito do mínimo existencial?

A ideia do que efetivamente seja o mínimo existencial242 está relacionada a

diversos outros conceitos, entre os quais, à dignidade da pessoa humana, a

cidadania, a reserva do possível, a liberdade, entre outros. 243

Vincula-se, igualmente à noção de Estado, sua organização, suas bases

estruturais, seus aspectos econômicos, bem como aos seus poderes (Executivo,

Legislativo e Judiciário).

Preliminarmente, faz-se necessário esclarecer que na doutrina encontram-se

diversas nomenclaturas como o mesmo significado aplicado ao mínimo existencial,

241 Nesse sentido de valorização da Dignidade da Pessoa Humana, ver SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, principalmente p. 85-90. Ver também, SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9 ْed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 330 - 331. 242 No Brasil, há alguns doutrinadores que tem se preocupado com a temática dos direitos prestacionais, entre eles Celso A. Bandeira de Mello, Luís Roberto Barroso e Eros R. Grau. (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9 ْed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 369). Além dos autores referidos, entende-se necessário destacar o trabalho de Ingo Wolfgang Sarlet, e Ricardo Lobos Torres (principalmente com relação ao mínimo existencial). 243 TORRES, Ricardo Lobo. A Cidadania Multidimensional na Era dos Direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 266 -267 passim.

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entre as quais se destaca: “mínimo social”; “direitos constitucionais mínimos” entre

outros. 244

Conforme refere Torres, o mínimo existencial não se apresenta de forma

expressa na nossa Carta Constitucional, porém pode ser observado de forma

implícita através da análise de conceitos inseridos ou não, no texto constitucional:

Deve-se procurá-lo na ideia de liberdade, nos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal, da livre iniciativa e da dignidade do homem, na Declaração dos Direitos Humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão. Despe-se o mínimo existencial de conteúdo específico. Abrange qualquer direito, ainda que originariamente não-fundamental (direito à saúde, à alimentação, etc.), considerado em sua dimensão essencial e inalienável. Não é mensurável, por envolver mais os aspectos de qualidade que de quantidade, o que torna difícil estremá-lo, em sua região periférica, do máximo de utilidade (maximun welfare, Nutzenmaximierung), que é o princípio ligado à ideia de justiça e de redistribuição da riqueza social. 245

Para Sarlet, o mínimo existencial deve “[...] assegurar ao indivíduo, mediante a

prestação de recursos materiais essenciais, uma existência digna [...]”, contudo,

ressalta que esse mínimo não se resume ao salário mínimo, à assistência social, ao

direito à previdência social, saúde e moradia, mas pelo contrário, representa uma

gama maior de direitos.246

Segundo Torres, a privação as necessidades mínimas do ser humano

acarretam a perda das chamadas liberdades públicas247, e acaba afetando

sobremaneira a dignidade da pessoa.

244 TORRES, Ricardo Lobo. A Cidadania Multidimensional na Era dos Direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 266. 245 Ibidem, p. 266-267. 246 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9 ْ ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 330. 247 “[...] na visão contemporânea, as liberdades públicas, ou, como por muito tempo a elas se chamou no Brasil, os direitos individuais, constituem o núcleo dos direitos fundamentais. A eles – é certo – se agregaram primeiro os direitos econômicos e sociais, depois os direitos de solidariedade, mas estes outros direitos não renegam essas liberdades, visam antes a completá-las. [...]” In., FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005. p. 28.

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Na tentativa de aperfeiçoar-se o conceito de mínimo existencial, traz-se, ainda

o pensamento de Barcellos248, que entende que a sua realização será somente

possível quando for possibilitado acesso dos cidadãos a alguns direitos básicos

essenciais. Classifica o mínimo existencial como o núcleo da dignidade da pessoa

humana, reconhecendo sua efetivação e concretização através dos direitos à

educação, à saúde, à assistência aos necessitados, bem como a possibilidade de

amplo acesso à justiça.

Na concepção de Rawls que utiliza a expressão mínimo social, sua efetivação

ocorre com a garantia de liberdades (de consciência, de pensamento, e política),

com cidadania igual, que possibilite igualdade de oportunidades, para o

desempenho de atividade profissional com a garantia de um emprego, acesso à

educação, à cultura, e à saúde. 249

As mudanças de paradigmas sejam jurídicas e ou éticas, oriundos de um

Estado Democrático de Direito250, acabou por acarretar consideráveis alterações no

significado do enunciado dignidade humana, na sua abrangência e na sua aplicação,

como menciona Torres251, haja vista que surge a necessidade de ponderar-se tal

princípio.

No tocante a liberdade, importante destacar que “ [...] na Declaração Universal dos Direitos do Homem, o princípio da liberdade compreende tanto a dimensão política, quanto a individual [...] Reconhece-se, com isto, que ambas essas dimensões da liberdade são complementares e interdependentes. A liberdade política, sem as liberdades individuais, não passa de engodo demagógico de Estados autoritários ou totalitários. [...]” In., COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005. p. 226-227. 248 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar. 2002. 249 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fortes, 1997. p. 303-304. 250 Sobre sua definição ver notas nº 135, 189. 251 TORRES, Ricardo Lobo. A Metamorfose dos Direitos Sociais em Mínimo Existencial. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Rio de Janeiro: Renovar 2003. p. 1-46.

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A partir dele originam-se não só os direitos fundamentais, quanto os direitos

sociais:

A distinção entre mínimo existencial (= direitos fundamentais sociais) e direitos sociais torna-se um dos problemas mais difíceis da nossa época por depender da noção de cidadania, que se afirma em momentos históricos sucessivos. No Estado Democrático de direito [...] renova-se o relacionamento entre o mínimo existencial e os direitos sociais. O Estado Democrático de Direito passa a garantir o mínimo existencial, em seu contorno máximo, deixando a questão da segurança dos direitos sociais para o sistema securitário e contributivo, baseado no princípio da solidariedade. 252

Com o advento da constituição brasileira de 1988253, na dita constituição

cidadã, observa-se a relevância dada aos direitos fundamentais e aos direitos

sociais. Segundo Torres, o mínimo existencial “[...] Encontra a sua legitimidade nos

próprios princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, que aparecem

enumerados no art. 1 ْ da CF [...]”.254

Como demonstrado, a discussão sobre o mínimo existencial é recente, porém,

ganha maior relevância hodiernamente, à medida que aumenta a demanda pela

concretização dos direitos prestacionais, frente à escassez de recurso do Estado,

motivo pelo qual, evidencia-se a complexidade e a importância de se ampliar o

debate sobre o tema. Notadamente, sobre a questão de identificar o salário mínimo

como condição de dignidade humana ou como mínimo existencial, ao nosso sentir, o

252 TORRES, Ricardo Lobo. A Metamorfose dos Direitos Sociais em Mínimo Existencial. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Rio de Janeiro: Renovar 2003. p. 16 - 27, passim. 253 Na lição de Rogério Gesta Leal, no pós-guerra do século XX, os países capitalistas acabaram por aumentar as desigualdades sociais. Somente a partir do terceiro quarto do século que a Europa e em outros países da (OCDE – organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) houve mudanças significativas no sentido de estimular a inclusão igualitária dos cidadãos. Tal concepção altera a compreensão sobre a ideia de Constituição, que tende a ser de “autolegislação”, na medida em que os destinatários passam a ser seus autores (“sociedade que atua sobre si”). “[...] daí decorrem profundas transformações na compreensão do fenômeno político e governamental, dirigido à inclusão dos destinatários das ações de Estado para uma sociabilidade mais igualitária no processo de tomada de decisões, questões estas insertas nos textos constitucionais hodiernos, em especial, na Carta Política brasileira de 1988 [...]”. LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração e Sociedade: Novos Paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 57 - 58.

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salário mínimo deveria abranger os dois conceitos, no sentido de garantir um mínimo

existencial e à dignidade do trabalhador.

Como referido anteriormente, os direitos sociais – entre eles os direitos dos

trabalhadores – recepcionados no texto Constitucional e, nessa condição recebem

proteção com vistas à preservação da dignidade do trabalhador. 255

O direito ao trabalho apresenta-se, por força de disposição constitucional, como

elemento imprescindível para a configuração da dignidade da pessoa:

O direito ao trabalho pode ser mencionado como elemento tipificado da integridade moral do indivíduo. Isso porque ele é pressuposto de uma vida com dignidade, é um direito personalíssimo privado, abrange os direitos inerentes à pessoa humana, emanados da personalidade humana. Além disso, um Estado que se diz democrático, deve respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana.256

Não há como separar o valor social do trabalho do princípio da dignidade da

pessoa humana, e sua relação econômica que está igualmente vinculado ao

trabalho humano. Contempla, assim, a relação trabalho x dignidade, a manutenção

da vida humana pelo trabalho, bem como, é uma forma da harmonização social. 257

254 TORRES, Ricardo Lobo. A Metamorfose dos Direitos Sociais em Mínimo Existencial. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Rio de Janeiro: Renovar 2003. p.11. 255 “[...] A Constituição da República do Brasil de 1988 consagrou o Estado Democrático de Direito como concepção de um Estado Social. Esta garantia traz em seu bojo a concretização da preservação da dignidade humana. Não é por outro motivo que os direitos sociais foram constitucionalizados como forma de preservar a dignidade humana.[...]” LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O Valor Constitucional para a Efetividade dos Direitos Sociais nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2006. p. 55. 256 GORCZEVSKI, Clovis e COSTA, Marli Marlene Moraes da. Educação, Trabalho e Cidadania. In: LEAL, Mônia Clarissa Hennig; CECATO, Maria Áurea Baroni e RÜDIGER, Dorothée Susanne (Org.). Trabalho, Constituição e Cidadania:Reflexões acerca do Papel do Constitucionalismo na Ordem Democrática. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009. p. 261. 257 BRANCO, Ana Paula Tauceda. A Colisão de Princípios Constitucionais no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007. p. 61-62.

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Na busca de encontrar os meios que possibilite a sua mantença, o homem

utiliza-se de suas habilidades, desenvolvidas através de trabalho, para prover a sua

subsistência:

É de vital importância neste contexto que o homem possa trabalhar e de seu esforço retirar o sustento para si e sua família, objetivando as mínimas condições de dignidade. Sob uma ótica social que possibilite a ele viver dignamente, o “direito do trabalho” tem relevante significado, pois, propicia a cada um e a todos iguais possibilidades de oferecer aos seus o mínimo indispensável para bem viver. 258

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, apresenta dois

aspectos tendentes a resguardar a dignidade do trabalhador, no tocante à

preservação do salário mínimo. O primeiro diz respeito à fixação259, e o segundo

refere sobre a proteção do salário do trabalhador260.

A fixação salarial estabelecendo níveis mínimos limita a autonomia da vontade,

contudo, seu valor deve ser suficiente para atender as necessidades normais do

trabalhador e de sua família.261 O atendimento de tal requisito é pressuposto

indispensável para a realização do princípio da dignidade da pessoa humana do

trabalhador.

258 SCANDOLARA, Cláudio (Org.). Direito do Trabalho e Realidade: valor e democracia. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p.11. 259 “ [...] Quanto à fixação, a Constituição vigente, ao contrário das anteriores, oferece várias regras e condições, tais como: (a) salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidade vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim [...]”. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2009. p. 294. 260 “[...] Quanto à proteção do salário, consta agora explicitamente da Constituição. Em certo sentido, aliás, o próprio salário mínimo e o piso salarial constituem formas de proteção salarial. [...] ” SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2008. p. 294. 261 SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. SEGADAS, Vianna. TEIXEIRA Lima. TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 19ª ed., vol. I, São Paulo: LTr, 2000., p. 420.

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Nesse sentido, forçoso concluir que a proteção ao salário mínimo estabelecida

na Carta Constitucional pressupõe uma preocupação com a preservação de uma

vida digna. Essa relevância dada pelo legislador constituinte é referido por Silva ao

mencionar que a Constituição “[...] não é o lugar para se estabelecerem as

condições das relações de trabalho, mas ele o faz visando proteger o trabalhador,

quanto a valores mínimos e certas condições de salário [...]”.262

Segundo Cavalcante, o direito do trabalho como é concebido hoje na legislação

brasileira, notadamente, na Constituição Federal, extrapola os limites da vinculação

material do tema, deixando de ser simplesmente um meio de sobrevivência, mas

avança no sentido de buscar a concretização do primado da dignidade.263

Partindo desse pressuposto todo trabalhador deverá receber valores

compatíveis para viver dignamente. O salário mínimo, nessas condições necessitaria

atender a todas as necessidades vitais com vistas a atender o objetivo vertido da

constituição vigente, qual seja, a concretização do princípio da dignidade da pessoa

humana do trabalhador.

Reconhecida a importância do salário mínimo como meio de garantir condições

dignas ao trabalhador, abordar-se-á no capítulo seguinte, a interpretação dada ao

texto constitucional sobre o tema salário mínimo.

262 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2008. p. 294. 263 CAVALCANTE, Ricardo Tenório.Jurisdição, Direitos Sociais e Proteção do Trabalhador: a efetividade do direito material e processual do trabalho desde a teoria dos princípios. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 135.

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3 A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO VALOR ATRIBUÍDO AO SALÁRIO MÍNIMO

VIGENTE NO BRASIL

Diante das determinações contidas no texto constitucional vigente, analisar-

se-á, neste capítulo, se o valor atribuído ao salário mínimo na atualidade é

constitucional.

3.1 A Constituição como elemento garantidor dos Dir eitos dos Trabalhadores

Historicamente, a ideia de constitucionalismo está vinculada ao Estado de

Direito, onde para cumprir suas atividades perante a sociedade, o Estado deveria

estar formalmente amparado e autorizado juridicamente, bem como essa ordem

jurídica serviria para os cidadãos buscar a implementação dessas ações pelo

Estado. 264

Inicialmente, faz-se necessário apresentar a ideia de Constituição enquanto

fundamento base do Estado, como sendo a lei maior, superior, fundamental e

principal, responsável por regrar e organizar todas as estruturas que o compõe.

Na doutrina, extraem-se diversos conceitos que visam à facilitação da

compreensão do significado de Constituição, dentre eles destaca-se a manifestação

de Leal.

264 MORAIS, Jose Luis Bolzan; STRECK, Lênio Luiz. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 86 e ss. Leciona José Adércio Leite Sampaio, vinculando a origem da jurisdição constitucional, ao respeito e a observância à Lei: “[...] Intimamente ligada ao que viria ser jurisdição constitucional está a ideia de lex fundamentalis, sob a qual todos os compromissos e leis deveriam estar submetidos. Essa regra de superioridade de uma lei ou, conforme o caso, de uma ordem em relação às demais desafiaria, um pouco adiante, um instrumento

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Ao mencionar sobre a constituição, leciona:

Ela é reconhecida como a Lei Fundamental, por ser à base de todo o direito positivo da comunidade que a adota, sobrepondo-se aos demais atos normativos por estar situada no vértice da pirâmide jurídica que representa idealmente o conjunto de normas jurídicas vigentes em determinado espaço territorial. Em face de tais argumentos, é possível dizer que a Constituição é o complexo de normas fundamentais de um dado ordenamento jurídico, ou a ordem jurídica fundamental da comunidade, acrescentando, ainda, que ela estabelece os pressupostos de criação, de vigência e de execução das normas do resto do ordenamento, determinado amplamente seu conteúdo, bem como se converte em elemento de unidade da comunidade em seu conjunto, colocando-se ela, em razão disso, como base, como ponto de partida e como fundamento de validade de todo os sistemas. 265

Em outro trabalho da mesma autora, a constituição é apresentada enquanto

organização do poder através do ordenamento jurídico “[...] nasce com a pretensão

de vinculação do poder ao Direito [...]”. 266

No mesmo sentido de reconhecer a Constituição como à lei fundamental, Silva

complementa, “[...] a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos

constitutivos do Estado [...]”. 267

Reconhecendo a Constituição como o fundamento da ordem jurídica, Souza268,

refere que “[...] centram-se nela e dela haurem a sua delimitação própria às demais

normas jurídicas vigentes no Estado [...]”. 269

de garantia de sua eficácia [...]” SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 24. 265 LEAL, Mônia Clarissa Hennig. A Constituição como Princípio: os Limites da Jurisdição Constitucional Brasileira. Barueri, SP: Manole, 2003. p. XV – XVI. 266 Idem. Jurisdição Constitucional Aberta: Reflexões sobre a Legitimidade e os Limites da Jurisdição Constitucional na Ordem Democrática – Uma abordagem a partir das Teorias Constitucionais Alemã e Norte-Americana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 5. 267 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2008, p. 37-38. 268 SOUZA, Nelson Oscar de. Manual de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1994. 269 Ibidem, p. 12.

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Na concepção de Bonavides270, o conceito de constituição divide-se entre

material (direito público) e formal (Ciência Política), o primeiro refere-se a tudo o que

engloba o conteúdo da ordem política. Já o segundo explicita as matérias de

aparência constitucional que não se referem à organização política do Estado. 271

Segundo Espíndola272, para que se estabeleça um conceito adequado de

constituição, mister a necessidade da compreensão do significado dos princípios

constitucionais, bem como de uma “[...] fixação compreensiva do Direito

Constitucional [...]” na atualidade, para somente então, conceituar:

O conceito de Constituição deve ser entendido a partir do sentido que lhe atribui, na contemporaneidade, o Direito Constitucional, e a partir da função e da estrutura que caracterizam a Constituição nas ordens jurídicas contemporâneas, que são, em última instância, as ordens jurídicas dos Estados constitucionais de modelo democrático e social. Isso implica que se desenhe, para as exigências deste discurso de dissertação, um conceito temporal e especialmente adequado de Constituição. Ou seja, que o sentido de Constituição, a função e a estrutura da lei fundamental estejam em consonância não só com os discursos teórico-constitucionais mais atuais, mas também em conformidade com as novas positivações constitucionais, mormente as configuradas nas últimas décadas deste século. 273

Na lição de Ferreira Filho, “[...] a supremacia do Direito espelha-se no primado

da Constituição. Esta como lei das leis, documento escrito de organização e

limitação do poder [...]”274

270 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2008. p. 80-82. 271 Ibidem, p. 81-82. Para melhor compreensão do conceito material e formal da constituição, importante as seguintes anotações: “[...] Do ponto de vista material, a Constituição é o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, forma de governo, direitos da pessoa humana. Trata-se do conteúdo básico de composição e de funcionamento da ordem política. [...] a partir do critério formal, o status constitucional é atribuído a determinadas normas e a determinadas matérias pelo simples fato de estarem contidas no texto da Constituição (e não porque sejam referentes a elementos básicos e fundamentais da organização política). Estas normas adquirem um status diferenciado não por sua natureza, mas por integrarem o corpo da Constituição [...]” GORCZEVSKI, Clovis; LEAL, Mônia Clarissa Hennig e BOTELHO, Edison. Introdução ao Estudo da Ciência Política, Teoria do Estado e da Constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 159-161. 272 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel – Conceito de Princípios Constitucionais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. 273 Ibidem, p. 89-90. 274 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005. p. 3.

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O sentido dado à Constituição não se limita puramente aos aspectos jurídicos,

mas contém, igualmente, elementos relacionados às questões da sociologia, da

política, da economia, da filosofia, bem como dos todos os elementos que compõe a

relação entre a sociedade e o Estado.

Tanto é verdade que doutrinadores desenvolveram seus estudos vinculando à

constituição a outras ciências. Para Lassalle, o sentido da constituição é

sociológico275. Por sua vez, Schmitt276 observa o cunho político da constituição,

diferentemente, ainda de Kelsen277, que na sua clássica obra Teoria Pura do

Direito278, apresenta a constituição norma/dever dando-lhe conotação totalmente

jurídica, sem vinculação com qualquer outra ciência. 279

275 A vinculação com as relações fáticas da sociedade dificultam a compatibilização da constituição mormente pela dinâmica social, tornando-a, na expressão cunhada por Lassalle de “um pedaço de papel”. HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. p. 9. 276 LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta: Reflexões sobre a Legitimidade e os Limites da Jurisdição Constitucional na Ordem Democrática – Uma abordagem a partir das Teorias Constitucionais Alemã e Norte-Americana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 43, especificamente a nota de rodapé 128. No mesmo sentido ver BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2007. p. 103-104. 277 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução João Baptista Machado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes. 1991. 278 “ [...] a obrigatoriedade da ordem jurídica deriva de um pressuposto lógico-transcendental, ou seja, de algo que serve de base para o ordenamento jurídico, mas que não pertence ao ordenamento jurídico; o direito obriga em vista de se pressupor uma norma fundamental, norma fundamental lógica, cujo enunciado é o seguinte: devemos conduzir-nos como a Constituição prescreve. Este é o enunciado do pressuposto lógico-transcendental, pressuposto que serve de base para a norma fundamental da ordem jurídica, que é a Constituição. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Poder Constituinte. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1985. p. 51. [...] o autor da teoria pura do direito, ao tentar apreender o que fundamenta a validade de toda ordem jurídica positiva, está em busca da própria lei do pensamento, cujo projeto é fazer a normatividade pura que a razão exige penetrar na diversidade e na contingência da experiência. [...]” GOYARD-FABRE, Simone. Os fundamentos da Ordem Jurídica, tradução Claudia Berliner, revisão da tradução Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fortes, 2002. p. 355. 279 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2008, p. 38-39.

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Importante destacar a manifestação de Barroso sobre a constituição

relacionando-a com a questão do tempo e a necessidade de ser flexível, moldando-

se, assim, à realidade:

A constituição jurídica de um estado é condicionada historicamente pela realidade de seu tempo. Esta é uma evidencia que não se pode ignorar. Mas ela não se reduz à mera expressão das circunstâncias concretas de cada época. A Constituição tem uma existência própria, autônoma, embora relativa, que advém de sua força normativa, pela qual ordena e conforma o contexto social e político. Existe, assim, entre a norma e a realidade uma tensão permanente, de onde derivam as possibilidades e os limites do Direito Constitucional, como forma de atuação social. 280

Pelos conceitos apresentados, é fácil evidenciar a relevância e a necessidade

da constituição como fonte principal de organização do Estado, e, mormente, na

proteção dos direitos fundamentais entre os quais, destaca-se para fins do presente

trabalho, os direitos dos trabalhadores281, reconhecidos como direitos de defesa282.

Nesse sentido, a Constituição atua como forma de organização do Estado

visando o atendimento das necessidades da sociedade, seja de caráter imediato e

ou futuras, ou seja, aspectos econômicos e sociais passam a ser visto em

consonância no sentido de viabilizar políticas que realizem o ideal de uma justiça

social, preservando a dignidade humana em sua plenitude.

280 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 5 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 1. 281 “ [...] Tendo em vista que amalgama todos os direitos fundamentais de amparo ao trabalhador, os quais são em verdade expressões da norma geral de proteção à pessoa-que-trabalha, ostenta essa norma ampla também o status de direito fundamental e tem a maior importância dentre as garantias conferidas ao labor regulado. Em sintonia, portanto, com o conceito estrutural de direitos fundamentais tem-se que existe uma norma geral de proteção ao trabalhador na Constituição Federal de 1988 a qual tem fórum de direito fundamental. [...]” CAVALCANTE, Ricardo Tenório.Jurisdição, Direitos Sociais e Proteção do Trabalhador: a efetividade do direito material e processual do trabalho desde a teoria dos princípios. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 54. 282 “[...] No campo dos direitos de defesa (direitos de liberdade e igualdade, bem como demais direitos de cunho preponderantemente negativo), a invulgar abrangência e casuística do elenco do art. 5º da CF não deixa muito espaço para a revelação de outros direitos similares fora do catálogo. Fica ressalvado, neste sentido, que a maioria dos direitos elencados no art. 7º (direito dos trabalhadores) são, por sua essência, direitos de liberdade e de igualdade e que se enquadram no grupo formado pelos direitos de defesa. No mínimo, há que se reconhecer uma manifesta similitude quanto à sua

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Eis o magistério de Barroso:

Algumas dessas normas definem direitos, para o presente, que são os direitos sociais [...] outras contemplam certos interesses, de caráter prospectivo, firmando determinadas proposições diretivas, desde logo observáveis, e algumas proposições diretivas, desde logo observáveis, e algumas projeções de comportamentos, a serem efetivados progressivamente, dentro do quadro de possibilidades do Estado e da sociedade. Surgem, assim, disposições indicadoras de fins sociais a serem alcançados. 283

Como fonte superior dessa forma de organização, a Constituição assume esse

caráter de representar a vontade da sociedade, bem como servir de base para todos

os poderes constituídos do Estado.284

Destaca-se, assim, a Constituição, como instrumento de superior valor como

instrumento jurídico-político essencial para concretização de uma organização

mínima da sociedade e do Estado. 285

Para Rawls, ao tratar sobre as instituições básicas da justiça distributiva

reconhece a necessidade de se ter uma “[...] constituição justa que assegura as

liberdades de cidadania igual [...]”, o que pressupõem liberdade política e de

consciência. 286

Necessário relembrar que na história do Constitucionalismo brasileiro, a

Constituição Imperial de 1824 e a Constituição Republicana de 1891, nada

estrutura normativa. [...]” SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9° ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 131. 283 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 5 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 118. 284 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Poder Constituinte. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1985. p. 14-15. 285 LEAL, Mônia Clarissa Hennig. A Constituição como Princípio: os Limites da Jurisdição Constitucional Brasileira. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 1. 286 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fortes, 1997. p. 303.

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dispunham sobre o salário mínimo. A primeira Constituição a tratar sobre essa

temática foi a Constituição de 1934, que determina seu valor conforme cada região,

devendo atender às necessidades normais do trabalhador. Na carta Constitucional

de 1937, não houve nenhuma mudança significativa sobre a matéria. Destaca-se,

contudo, que nas duas Constituições a proteção conferida ao salário mínimo era do

trabalhador individual. Já, a Constituição de 1946, apresenta como novidade a

necessidade do salário mínimo atender não somente as necessidades do

trabalhador, mas, igualmente de sua família. A Carta Magna de 1967 repetiu o texto

da anterior, assim como ocorreu com a EC nº1, de 1969. Modificações no texto

Constitucional relativamente ao salário mínimo ocorreram com o advento da Lei

Maior de 1988. 287

Possível constatar, assim, que a Constituição de 1988 (de acordo com o artigo

7º), a exemplo do que aconteceu a partir da promulgação da Carta Constitucional de

1934 suas diretrizes representam normas fundamentais nas quais deverão pautar

toda a política salarial do Brasil. 288

Conforme referido alhures a Constituição de 1988 reconhece os direitos dos

trabalhadores, como direitos sociais289. Logo, o salário mínimo ganha proteção

Constitucional. Como decorrência lógica, refere Manus que é possível “[...] insista-se

287 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 307. 288 SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. SEGADAS, Vianna. TEIXEIRA Lima. TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 19ª ed., vol. I, São Paulo: LTr, 2000. p. 342. 289 “[...] Tocante aos direitos sociais básicos, a Constituição define princípios fundamentais, como valores sociais do trabalho e a livre iniciativa; estabelece objetivos fundamentais para a república como o desenvolvimento nacional, a erradicação pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais e, de último, em capítulo próprio, enuncia direitos sociais, abragendo genericamente a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desempregados. Nos artigos 6º e 7º declina direitos sociais especificamente em favor dos trabalhadores; entre outros, o seguro-desemprego, o fundo de garantia do tempo de serviço, o salário mínimo, o piso salarial, o décimo terceiro salário, a participação nos lucros, a jornada semanal de quarenta e quatro horas, o repouso semanal remunerado, a licença à gestante com duração de cento e vinte dias, a licença-paternidade, o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho. [...] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2008. p. 374.

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na ideia de ser fundamental que a Constituição garanta de fato a dignidade do

salário mínimo [...]”.290

No atual ordenamento jurídico constitucional, o salário mínimo apresenta-se,

elencado no rol dos direitos sociais, especificamente no art. 7º, inciso IV291.

Percebe-se nitidamente a preocupação do Constituinte com relação ao salário

mínimo. Tal assertiva advém do caráter assumido pela Constituição Brasileira de

1988 que “[...] instituiu, como direitos do trabalhador direitos humanos fundamentais

de 2º geração, que estão dispostos no artigo 7º e seus trinta e quatro incisos. [...]”292

Não há como negar a opção da Constituição de 1988 pela proteção aos direitos

do trabalhador, à medida que tais direitos foram elevados à condição de direitos

fundamentais. E, nessa condição, conforme refere Cavalcante, passam a gozar de

imunidade à ação temporal pela via legislativa, pois se tratam de cláusulas

pétreas293, o que impossibilita a deliberação de proposta com o escopo de extinguir

direitos e garantias individuais o que atinge, igualmente, os direitos elencados no

290 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 279. 291 “[...] o salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social [...]” 292 LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O Valor Constitucional para a Efetividade dos Direitos Sociais nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2006. p. 57. 293 “[...] Todo o § 4º do art. 60 da Constituição consagra a vedações materiais perpétuas do nosso ordenamento constitucional ao exercício do poder de reforma. [...] Toda a Constituição pode ser emendada, salvo a matéria constante de exclusão em virtude dos limites expressos e tácitos postos à ação inovadora do constituinte de segundo grau, aquele dotado apenas de competência constituinte constituída ou derivada, isto é, que procede da vontade absoluta e soberana do constituinte originário. [...] Os limites expressos cuja transgressão ocasiona a inconstitucionalidade da iniciativa de emenda, fazendo com que a proposta não seja sequer objeto de deliberação, são aqueles contidos no § 4º do art. 60 da Constituição. [...] Do ponto de vista material, a Carta de 1988 trouxe nesse tocante considerável inovação: a amplitude material do espaço reservado às vedações absolutas, que agora compreendem, de forma explícita, [...] direitos e garantias individuais [...]”. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2008. p. 200-208.

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artigo 7º da Constituição, e consequentemente a proteção extensiva às questões

relacionadas ao salário mínimo. 294

Reconhecidos como direitos fundamentais, as prerrogativas protecionistas

encontradas no texto constitucional vigente, elevam a condição do salário mínimo a

uma categoria privilegiada dentro do rol dos direitos dos trabalhadores, e que o torna

uma garantia efetiva encontrando seus fundamentos e sua base de sustentação na

Carta Constitucional de 1988. O artigo 7º, inciso IV, elenca taxativamente os

critérios que deverão ser adotados, para que se chegue ao valor do salário mínimo,

o que definitivamente o torna autoaplicável.

3.2 A Análise Constitucional do valor do salário mí nimo diante ao disposto no

art. 7º, IV, da CF/1988.

A Constituição Federal de 1988 traz consigo muito fortemente a ideia da

dignidade da pessoa humana295 como possibilidade de propiciar aos cidadãos a

realização de uma real dignidade às pessoas em seu meio social almejando

fundamentalmente à sadia qualidade de vida, inclusive nas relações de trabalho:

Inserido entre os fundamentos da República (art. 1º, inciso III, da Constituição) e embasado os direitos fundamentais, a dignidade é inviolável e inalienável. A dignidade é oponível pelo indivíduo ao Estado, que está obrigado a protegê-lo e a preservá-lo, não só no âmbito das relações privadas, interindividuais. Nesse contexto, a dignidade humana é o princípio reitor da intervenção estatal nas relações de trabalho. 296

294 CAVALCANTE, Ricardo Tenório.Jurisdição, Direitos Sociais e Proteção do Trabalhador: a efetividade do direito material e processual do trabalho desde a teoria dos princípios. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 145. 295 “[...] A Constituição estabelece como fundamentos do Estado brasileiro, dentre outros, a cidadania e a dignidade da pessoa humana [...]”. GORCZEVSKI, Clovis. Direitos Humanos: dos primórdios da humanidade ao Brasil de hoje. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2005. p. 111. 296 SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier. 2007. p. 4.

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Importa destacar que na chamada “Constituição cidadã”, a atual carta

constitucional brasileira, no seu capítulo II, ao referir sobre os direitos sociais, no

artigo 6º, encontra-se menção expressa com relação ao direito ao trabalho.297

Já, o artigo 7˚, inciso IV, da constituição determina que o valor do salário

mínimo deva possibilitar ao trabalhador o atendimento de suas necessidades vitais,

apresentado um rol taxativo dessas necessidades, quais sejam: moradia,

alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência

social298. 299

Com base na redação do artigo supra referido, denota-se a fixação de algumas

regras que devem ser observadas no que concerne à questão do salário mínimo.

Assim, tem-se a garantia que assiste a todo o empregado de receber o salário

mínimo, sendo que seu valor deverá ser fixado por lei300, e estabelecido com valor

único nacionalmente (facultado aos Estados fixação de pisos salariais diferentes de

acordo ao trabalho realizado). Garante ainda a Constituição, reajustes periódicos

com vistas à manutenção do valor e a preservação do poder aquisitivo, sendo

vedada sua utilização como indexador de preços de qualquer natureza contratual.

Outro elemento que se depreende da legislação é a explicitação das necessidades

vitais dos trabalhadores. 301

297 SCANDOLARA, Cláudio (Org.). Direito do Trabalho e Realidade: valor e democracia. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p.13. 298 Em virtude de ter ratificado no ano de 1983 a Convenção nº 131 da OIT, o Brasil incluiu a previdência social como um dos elementos para a fixação do salário mínimo. SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. SEGADAS, Vianna. TEIXEIRA Lima. TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 19ª ed., vol. I, São Paulo: LTr, 2000. p. 416. 299 “[...] No art. 76 da CLT, verifica-se que as referidas necessidades eram apenas cinco: alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte. Nota-se, agora, que as necessidades são nove. Mantém-se a alimentação, vestuário, higiene, e transporte, mudando-se o nome de moradia para habitação, o que não te nenhuma diferença, mas acrescentam-se outros quatro requisitos, como: educação, saúde, lazer e previdência social. [...]” MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 308. 300 “[...] Em face do estatuído no art. 7º, IV, da Constituição vigente, cabe agora ao Congresso Nacional, com sanção ou veto do Presidente da República, fixar o salário mínimo. [...]” SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. SEGADAS, Vianna. TEIXEIRA Lima. TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 19ª ed., vol. I, São Paulo: LTr, 2000. p. 412. 301 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34ª ed., São Paulo: LTr. 2009. p. 352.

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O rol apresentado no referido artigo 7º, inciso IV302, representa para Silva um

dos elementos necessários para a caracterização do salário mínimo como meio

essencial à dignidade do trabalhador, qual seja, o mecanismo de “fixação”303 do

salário mínimo.

A fixação por lei do valor do salário mínimo deve se dar, segundo a dicção de

Süssekind “[...] com esteio nos elementos indicados no inciso IV do art. 7º da Carta

Magna [...]”. Sua significância não se resume no momento do estabelecimento do

salário mínimo, mas deverá ser igualmente observado nos reajustes que devem ser

realizados visando à manutenção do valor real do salário mínimo e a preservação do

seu poder aquisitivo. 304

Dentre as novidades apresentadas na carta constitucional de 1988 referentes

ao salário mínimo, bastante representativa é a inserção no texto de determinação

orientando sobre quais seriam as necessidades básicas do trabalhador e de sua

família. Sucede que na Constituição anterior, em que pese a previsão do salário

mínimo, seu texto não especificava critérios identificadores das necessidades que

deveria ser suportadas na fixação do valor remuneratório do trabalhador, lacuna

essa que era suprida com as previsões contidas na CLT. Contudo, a redação

celetista limitava as necessidades básicas do trabalhador em alimentação, habitação

vestuário, higiene e transporte. Logo, observa-se que a redação atual da

constituição acresceu aos textos da CLT, incluindo na relação outros quatro

302 “ [...] Com efeito, a cláusula constitucional inscrita no art. 7º, IV, da Carta Política – para além da proclamação da garantia social do salário mínimo – consubstancia verdadeira imposição legiferante, que, dirigida ao Poder Público, tem por finalidade vinculá-lo à efetivação de uma prestação positiva destinada (a) a satisfazer as necessidades essenciais do trabalhador e de sua família e (b) a preservar, mediante reajustes periódicos, o valor intrínseco dessa remuneração básica, conservando-lhe o poder aquisitivo. [...]” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.442-1, julgada em 01 de novembro de 2004, Ministro Celso de Mello (Relator). Disponível em :http://www.stf.jus.br >. Acesso em 24 out. 2008. 303 “ [...] Quanto à fixação, a Constituição vigente, ao contrário das anteriores, oferece várias regras e condições, tais como: (a) salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidade vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim [...]”. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2009. p. 294. 304 SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. SEGADAS, Vianna. TEIXEIRA Lima. TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 19ª ed., vol. I, São Paulo: LTr, 2000. p. 415.

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elementos (a educação, a saúde, o lazer e a previdência social) necessários para

que o salário mínimo atinja em sua plenitude as necessidades do trabalhador e da

sua entidade familiar.305

Contudo, na prática, essa não é a realidade que se apresenta ao trabalhador

brasileiro. Em pesquisa realizada junto ao site do DIEESE306, constatou-se que na

avaliação daquele órgão, o salário mínimo deveria estar no valor de R$ 2.065,47307

(referente ao mês de setembro de 2009), e não os atuais R$ 465,00. 308

305 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 278 -279. 306 Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. “[...] O DIEESE, com base na determinação que deu origem ao primeiro salário mínimo, estima, desde 1959, qual o valor necessário do salário mínimo para garantir a manutenção do trabalhador e de sua família, considerando que esta é composta de quatro pessoas (dois adultos e duas crianças). Para essa estimativa, o DIEESE acompanha uma cesta básica alimentar em dezesseis capitais, estimando o total de gasto com os demais itens, com base no ICV/SP (estrato de menor renda familiar). [...]”. DIEESE, Nota Técnica, número 8, outubro de 2005. Disponível em: http://www.dieese.org.br/ notatecnica/notatecSMC.pdf . Acesso em 05 de out. de 2009. 307 Na avaliação do DIEESE esse é o valor do “[...] Salário mínimo necessário: Salário mínimo de acordo com o preceito constitucional "salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim" (Constituição da República Federativa do Brasil, capítulo II, Dos Direitos Sociais, artigo 7º, inciso IV). Foi considerado em cada mês o maior valor da ração essencial das localidades pesquisadas. A família considerada é de dois adultos e duas crianças, sendo que estas consomem o equivalente a um adulto. Ponderando-se o gasto familiar, chegamos ao salário mínimo necessário.” DIEESE. Desenvolvido pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Apresenta informações gerais sobre a instituição. Disponível em: http://www.dieese.org.br/rel/rac/salminMenu 09-05.xml. acesso em 03 de nov. de 2009. 308 O aumento do salário mínimo só traz benefícios para o país, na opinião do diretor técnico do Departamento Intersindical e Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Gans Lúcio. Para ele, não tem fundamento a avaliação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de que o aumento do salário mínimo não é eficaz na distribuição de renda e pode causar, em áreas pobres, mais desemprego e informalidade do que o próprio ganho conquistado. "Há pelo menos quinze ou vinte anos escutamos falar permanentemente que, com salário o mínimo crescendo. nós teríamos desemprego, aumento da informalidade, as prefeituras quebrariam. O salário mínimo vem crescendo nos últimos quatro anos e nada disso aconteceu". O diretor lembrou que nos últimos anos as prefeituras têm contratado mais, a formalização cresce de forma nunca vista no país e o consumo dos mais pobres ativa a economia de forma diferenciada. "Os dados empíricos demonstram justamente o contrário do que a Fundação [Getúlio Vargas] está falando. O [salário] mínimo, junto com as demais transferências de renda aos mais pobres, contribui para que a economia seja revigorada pela população que sempre foi excluída", afirmou. Dados do Dieese mostram que, apesar do aumento, o valor do salário mínimo ainda está longe do necessário, que é o equivalente a R$ 1.929,59. Para o diretor, caso a proposta de desoneração tributária (diminuição de impostos) da cesta básica alimentar seja aprovada na reforma tributária o salário mínimo ganhará mais poder de compra. "Se essa proposta representar uma diminuição dos preços que compõem o orçamento familiar, no caso a alimentação, teríamos um aumento real do salário. Com um preço menor o salário pode

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Para Scandolara, ao analisar o cenário atual do salário mínimo pago no Brasil

reconhece o aviltamento do seu valor, bem como sustenta um posicionamento no

sentido de discordar com a vinculação do salário a qualquer forma de encargo que

onera excessivamente o empregador, sendo tais encargos indiretos e, assim, não

deveriam ser vinculados na relação capital/trabalho, e assim refere:

O salário mínimo, valores médios superiores ou importâncias aparentemente elevadas de remuneração, dependendo do trabalho, grau de responsabilidade, dever de representação ou atividades-fim do Estado, não atendem às necessidades vitais básicas do trabalhador brasileiro. Essa pobre figura não pode continuar a ser o “vilão” da história ou o ator que desfila no palco iluminado com o rótulo de “causador da inflação”, com seus “altos” e, no entanto, insuficientes salários. A justa remuneração deve refletir a concretude de justiça do sistema socioeconômico, possibilitar a transformação de estruturas e viabilizar as condições de uso e aquisição de bens. Que todos tenham moradia, boa alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, como garante a Constituição do país. 309

No mesmo sentido de reconhecer a insuficiência do valor atribuído ao salário

mínimo, Manus enfatiza que o trabalhador não consegue ao menos atender

necessidades básicas consistente na alimentação, transporte e moradia, restando

desassistidas as outras demandas relativas ao lazer, à saúde, à educação e a

previdência social. Destaca ser verdadeira utopia a pretensão de ver atendidas, no

salário mínimo, todas as necessidades constitucionalmente elencadas do

trabalhador e dos demais membros de sua família. 310

Embora o texto constitucional seja claro, o salário mínimo fixado na vigência da

Constituição de 1988, nunca foi suficiente para atender o disposto na Lei Maior.

Aliás, como crítica Süssekind na fixação do salário depois de promulgada a

atender a essa cesta básica. E esse preço que calculamos seria menor. Disponível em: http://www.folhadaregiao.com.br/noticia?86433. Acesso em 24 out. 2008. 309 SCANDOLARA, Cláudio (Org.). Direito do Trabalho e Realidade: valor e democracia. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 18. 310 Não obstante à crítica reconhece Manus à importância de ter constitucionalmente asseguradas as garantias que se constituem como iniciais de um processo em favor da dignidade dos que percebem salário mínimo. E nessa direção refere: “[...] ainda que se possa afirmar distante tal realidade, ou até que meramente programática tal norma, insiste-se na ideia de ser fundamental que a Constituição

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Constituição não fora realizado um “[...] inquérito a respeito do valor diário ou mensal

dessas necessidades básicas da família operária [...]”.311

A intenção do legislador ao inserir no texto constitucional a relação de

necessidades básicas que o salário mínimo deveria possibilitar ao trabalhador e sua

família, tinha como objetivo último proporcionar a sua sobrevivência. Contudo não é

o que ocorre na prática, pois o salário mínimo tem se mostrado insuficiente para

esse desiderato. 312

Não é diferente a interpretação dada por Gomes e Gottschalk 313 ao tratar do

tema, reconhecendo o aviltamento do valor do salário mínimo o que o torna

insuficiente na sua tarefa de atender as necessidades vitais do trabalhador. Garante

apenas o indispensável para a sobrevivência, não satisfazendo as exigências de

uma vida com dignidade do trabalhador e sua família como almeja a Constituição.

Ao avaliar a questão do salário mínimo de acordo com as prerrogativas

previstas na Constituição Brasileira de 1988, o economista Pochmann aponta o

descumprimento da regra constitucional:

De acordo com a Constituição Federal de 1988, o salário mínimo deve ser fixado por lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às necessidades vitais básicas tanto do trabalhador quanto de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim. Apesar de estar prevista no artigo 7º, inciso IV da Constituição Federal, não há dúvidas acerca do seu descumprimento pelo real poder aquisitivo do salário mínimo atual. 314

garanta de fato a dignidade do salário mínimo. [...]”. MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 278-279. 311 SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. SEGADAS, Vianna. TEIXEIRA Lima. TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 19ª ed., vol. I, São Paulo: LTr, 2000. p. 415. 312 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. p. 308. 313 GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. – Revisor José Augusto Rodrigues Pinto. 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 263-264. 314 POCHMANN, Marcio. A Década dos Mitos: o novo modelo econômico e a crise do trabalho no Brasil. São Paulo: Contexto, 2001. p. 145.

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Todos os caminhos conduzem para o reconhecimento de um aviltamento do

valor do salário mínimo, o que o torna insuficiente para atender as necessidades

estabelecidas no artigo 7º, inciso IV da Constituição, fato que afronta o direito social

do trabalhador e impossibilita a concretização do ideal buscado relativamente ao

princípio constitucional da dignidade da pessoa que trabalha.

Aliás, desnecessárias maiores análises para constatar que com o valor de R$

465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco reais) é excessivamente pífio para “[...]

atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia,

alimentação, educação, saúde lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência

social [...]”, atingindo a dignidade do trabalhador. Diante dessa constatação, é

possível afirma uma inconstitucionalidade no valor do salário mínimo levando em

consideração ao disposto no art. 7, inciso IV, e ao princípio constitucional da

dignidade da pessoa humana?

3.3 A posição do Supremo Tribunal Federal frente ao valor do salário mínimo

A jurisdição é desenvolvida através de um processo, onde pela aplicação de

normas legais315, busca-se a resolução de determinado conflito de interesses316.

No Brasil, através da Carta Constitucional de 1988 é assegurado com exclusividade

ao Poder Judiciário o exercício da Jurisdição.

Para a resolução de litígios que envolvam matérias constitucionais, bem como

para garantir que os preceitos emanados das Constituições sejam efetivamente

315 “[...] A legislação seria, então, uma execução da Constituição, cabendo aos tribunais ou a uma jurisdição constitucional fiscalizar a conformidade formal e material dos atos legislativos. [...]”. LEAL, Mônia Clarissa Hennig. A Constituição como Princípio: os Limites da Jurisdição Constitucional Brasileira. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 110. 316 A proteção dada pela Constituição brasileira de 1988, não se limita quando da existência de lesão e ou violação a direitos, mas ampliam-se também, nos casos onde há ameaça de lesão. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005. p. 119.

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cumpridos, necessária a atuação do poder Judiciário, que se dá através da jurisdição

constitucional.

Ao tratar da jurisdição constitucional Silva, refere:

A jurisdição Constitucional emergiu historicamente como um instrumento de defesa da Constituição, não da Constituição considerada como um puro nome, mas da Constituição tida como expressão de valores sociais e políticos. 317

Uma das formas mais relevantes em que o Estado demonstra e manifesta sua

soberania é, para Sampaio, através da Jurisdição, à medida que em nome próprio

envolve-se em conflitos declarando o direito a ser aplicado no caso em discussão.

Especificamente sobre a jurisdição constitucional, assevera o autor:

Como garantia da Constituição, realizada pelo meio de um órgão jurisdicional de nível superior, integrante ou não da estrutura do Judiciário comum, e de processos jurisdicionais, orientado à adequação da atuação dos poderes públicos aos comandos constitucionais, de controle da “atividade do poder do ponto de vista da Constituição” com destaque para a proteção e realização dos direitos fundamentais. 318

Destacam-se como importantes modelos ou sistema de jurisdição

constitucional, o norte-americano e o europeu. No primeiro, a jurisdição ordinária em

virtude dos valores políticos que o compunham não se vinculavam a constituição,

analisando individualmente o caso concreto. Já no modelo europeu, entendia-se que

o sistema de defesa deveria apreciar questões políticas e sociais. 319

317 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2008. p. 557. 318 SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 23.

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Para Leal, as mudanças e a evolução do Estado, ocasionaram a transformação

da Constituição320 e, por conseguinte, a ideia de jurisdição constitucional, aduzindo:

Assim como a própria Constituição se desenvolveu na perspectiva do Estado, também o papel da garantia e as formas de atuação da jurisdição constitucional se modificaram na esteira destas transformações.321

Essa transformação se deu pela necessidade de reorganizar as funções dos

poderes, haja vista o alagamento do papel do Estado em virtude do welfare state,

resultando por consequência no engrandecimento da função judicial, pois além do

controle de constitucionalidade, acumulava a atribuição de fiscalizar a administração

pública, assim como, proteger os direitos fundamentais sociais. 322

Nesse sentido, aduz Sarlet, que a Constituição transforma-se, na expressão de

Canotilho323 em autêntica “reserva de justiça” e, refere ainda que o fundamento de

validade da constituição (legitimidade) é a dignidade de seu reconhecimento com

ordem justa (Habermas) e a convicção, por parte da coletividade, da sua bondade

intrínseca. E, na esteira de Habermas, partir da premissa dos direitos fundamentais

(e direitos humanos) e da soberania popular (que se encontra na base e forma a

319 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2008. p. 558. Sampaio utiliza como um dos critérios de classificação da jurisdição constitucional os modelos norte-americano (difuso) e o europeu (concentrado), ver SAMPAIO, op. cit. 45-47. 320 Apontando essa evolução do Estado que ocasionou mudanças nas constituições e, consequentemente, na jurisdição constitucional, importante a contribuição de Espíndola: “[...] o conceito de constituição a ser firmado deve ser, como foi dito, temporal e espacialmente adequado. Temporal, falando: (a) histórica e institucionalmente; (b) teoricamente: deve pressupor a ideia de Estado moderno em suas diferentes configurações históricas (Estado Absolutista, Estado Liberal, Estado Social) e pré-compreender as ideias e ideologias constitucionais que se referem à sua última tipificação no Ocidente (Estado Social de Direito); e (c) especialmente: deve levar em conta ordens jurídicas concretas contemporâneas que tenham positivado essa última tipificação do Estado Moderno (Brasil, Alemanha, Portugal, Espanha e etc.). [...]” ESPÍNDOLA, Ruy Samuel – Conceito de Princípios Constitucionais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 102-103. 321 LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta: Reflexões sobre a Legitimidade e os Limites da Jurisdição Constitucional na Ordem Democrática – Uma abordagem a partir das Teorias Constitucionais Alemã e Norte-Americana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 5. 322 SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 62-63. 323 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1999.

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gênese do próprio pacto constituinte) que seguem até hoje determinando e

condicionando a auto-evidência normativa do Estado Democrático de Direito. 324

Assim, a jurisdição constitucional que abarca o controle da constitucionalidade

das leis, dos atos administrativos, e das liberdades individuais, assume igualmente,

no caso brasileiro, tratando-se de um Estado democrático de Direito325, a defesa e a

preservação dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana. 326

Um direito fundamental social que necessita dessa proteção é o salário

mínimo, que embora assegurado constitucionalmente, apresentando os limites de

sua fixação, como mecanismo de garantia de dignidade ao trabalhador e sua família,

como se viu anteriormente, o valor atribuído tem se mostrado insuficiente para

concretização desse objetivo.

A discussão acerca do valor do salário mínimo e sua (in) constitucionalidade já

esteve presente em várias oportunidades perante o Supremo Tribunal Federal,

mediante ações direta de inconstitucionalidade (ADIn) e ou Argüição de Preceito

Fundamental (ADPF) movida por entidades e partidos políticos com o escopo de

promover a majoração do salário mínimo fixando-o em um patamar suficiente a

atender ao determinado no art. 7º, inciso IV, da CF/1988.

324 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 3° ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 34-45 passim. 325 “[...] A noção de Estado Democrático de Direito introduz, desta feita, um novo elemento à supremacia hierárquica da Constituição, já desde sempre reconhecida em seu aspecto procedimental. [...] Desta forma, no Estado Democrático-Constitucional, todos os poderes e funções do Estado estão juridicamente vinculados à normas hierarquicamente superiores da Constituição. LEAL, Mônia Clarissa Hennig. A Constituição como Princípio: os Limites da Jurisdição Constitucional Brasileira. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 105-106. 326 Para uma melhor compreensão dos marcos históricos da evolução dos direitos e, por conseguinte, do constitucionalismo que passou a exigir uma nova visão sobre a jurisdição constitucional, ver COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005. e GORCZEVSKI, Clovis. Direitos Humanos: dos primórdios da humanidade ao Brasil de hoje. Porto Alegre: Imprensa Livre. 2005.

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A ADIn (Ação Direta de Inconstitucionalidade)327 nº 477-8/600, movida pelo

Partido Democrático Trabalhista (PDT), em 04 de abril de 1991, almejava

reconhecer a inconstitucionalidade da Lei 8.178/91 que fixou o valor do salário

mínimo, ao entender dos Autores, insuficientes para atender ao disposto na

Constituição em seu art. 7º, inciso IV. Ocorre que essa Lei 8.178/91, acabou

sofrendo uma série de revogações e alterações, sendo que por decisão

monocrática, foi reconhecida a perda do objeto da ação em virtude das alterações

sofridas na Lei. 328

O mesmo Partido, sob o mesmo fundamento, promoveu o ajuizamento da ADIn

(Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 737-8, visando a inconstitucionalidade do

artigo 7º da Lei nº 8.419/1992, a decisão similar a anterior, entendeu que ocorreu a

perda do objeto em virtude da revogação da Lei nº 8.419/1992, substituída pela Lei

nº 8.542/1992.329

Posteriormente em 1996, foi proposta, perante o Supremo Tribunal Federal,

uma Ação Direta de Inconstitucionalidade autuada sob o número 1.439-1330,

327 “Ação direta de inconstitucionalidade - (ADI) Ação que tem por finalidade declarar que uma lei ou parte dela é inconstitucional, ou seja, contraria a Constituição Federal. A ADI é um dos instrumentos daquilo que os juristas chamam de controle concentrado de constitucionalidade das leis. Em outras palavras, é a contestação direta da própria norma em tese. Uma outra forma de controle concentrado é a Ação Declaratória de Constitucionalidade. O oposto disso seria o controle difuso, em que inconstitucionalidades das leis são questionadas indiretamente, por meio da análise de situações concretas. [...] ” Disponível em : http://www.jusbrasil.com.br/topicos/297705/acao-direta-de-inconstitucionalidade . Acesso em 05 nov. 2009. 328 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 477-8/600, julgada em 16 de março de 1999, Ministro Paulo Brossard (Relator). Disponível em :http://www.stf.jus.br >. Acesso em 24 out. 2008. 329 “ [...]1. Esta Corte, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 709, decidiu que a revogação do ato normativo impugnado ocorrida posteriormente ao ajuizamento da ação direta, mas anteriormente ao julgamento, a torna prejudicada, independentemente da verificação dos efeitos concretos que o ato haja produzido, pois eles têm relevância no plano das relações jurídicas individuais, não, porém, no do controle abstrato das normas. No caso, a Lei nº 8.419, de 07.05.92, cujo artigo 7º se impugna, foi expressamente revogada pela Lei nº 8.542, de 23.12.92. 2. Em face do exposto, e estando prejudicada a presente ação por perda de seu objeto, dela não conheço. [...]” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 737-8, julgada em 16 de setembro de 1996, Ministro Moreira Alves (Relator). Disponível em: http://www.stf.jus.br >. Acesso em 24 out. 2008. 330 “[...] A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da República, pois o

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fundamentada no fato de o reajuste do salário mínimo, promovido através de medida

provisória nº 1.415/96, ter sido realizado com base em índice de reajuste inferior ao

da inflação do período compreendido entre a anterior fixação do valor do salário

mínimo e a que se questionava através da ação direta, o que afrontaria

sobremaneira as determinações constitucionais. Nesse caso, o Supremo Tribunal

Federal, fundamentado no Art. 103 § 2º da Constituição, que afirma: “Declarada a

inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma

constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das

providências necessárias [...]”, decide não conhecer da referida ação, declarando

que seu objetivo era a exclusão da norma impugnada do ordenamento jurídico e não

o pedido, para que fosse cientificado o poder competente, nos termos do artigo

citado. Além disso, e considerando tratar-se de uma omissão parcial, o STF não

permitiu – demonstrando um excesso de formalismo – a conversão da Ação direta

de inconstitucionalidade em Ação direta por omissão.331

A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

questionou a Constitucionalidade da Medida Provisória 1.415/1996, que fixou novo

valor ao salário mínimo. Cumulou a ADIn nº 1.442-1, o reconhecimento da

inconstitucionalidade por omissão. Preliminarmente, fora declarado a ilegitimidade

ativa. No mérito, houve o reconhecimento de um parcial descumprimento dos

legislador, em tal hipótese, longe de atuar como o sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo imperfeito, o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica. A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. As situações configuradoras de omissão inconstitucional – ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário – refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário. [...]” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.439-1, julgada em 22 de maio de 1996, Ministro Celso de Mello (Relator). Disponível em: http://www.stf.jus.br >. Acesso em 24 out. 2008. 331 “[...] Com isso pode-se visualizar uma atuação do Tribunal Federal atrelada ainda ao excesso de formalismo e à visão tradicional do princípio da separação dos poderes, característico de épocas de forte ideologia liberal. [...]” MAIA, Mário Sérgio Falcão. A Recepção da Teoria Neoconstitucionalista pelo Supremo Tribunal Federal Brasileiro. In., Revista Internacional direito e cidadania, nº 5. Disponível no http://www.iedc.org.br/REID/?CONT=00000128 . Acesso dia 04 de nov. de 2009.

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preceitos da Carta Constitucional relativamente ao salário mínimo. Porém, restou

julgada a ação direta, por perda do objeto, à medida que a Medida Provisória foi

convertida em lei. Importa destacar que nessa ADIn nº 1.442-1, houve manifestação

expressa reconhecendo violação à constituição no tocante ao valor do salário

mínimo. 332

Novamente em enfrentamento à Medida Provisória nº 1.415/1996,

aproximadamente após três semanas, fora autuada sob o nº 1.458-7, nova ADIn

que, igualmente, pretendia declarar inconstitucional a Medida Provisória nº

1.415/1996, que já havia sido objeto da ADIn nº 1.442-1. Buscando-se atacar a

mesma inconstitucionalidade também por meio de ação direta de

inconstitucionalidade, agora, contudo o pedido foi no sentido de que, em caráter

liminar, fosse declarada a inconstitucionalidade por omissão333 do Presidente da

República e do Congresso Nacional. A Confederação Nacional dos Trabalhadores

na Saúde (CNTS) ajuizou a ação direta, onde novamente houve reconhecimento da

afronta a constituição, tanto é que o Ministro Celso de Mello, a referir sobre o valor

reajustado do salário menciona: “[...] é aviltante e é humilhante. Ele, na verdade,

reflete importância evidentemente insuficiente para propiciar ao trabalhador e aos

membros de sua família um padrão digno de vida [...]”. A ação direta foi movida

requerendo a concessão de liminar, para que o STF determinasse o reajuste através

da aplicação de índices mais adequados. Foi indeferida a liminar, pois o seu

acolhimento “ [...] importaria em revivescência da legislação revogada [...]”334 335.

332 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.442-1, julgada em 01 de novembro de 2004, Ministro Celso de Mello (Relator). Disponível em: http://www.stf.jus.br >. Acesso em 24 out. 2008. “[...] O valor que emerge da norma ora impugnada não realiza os propósitos visados pelo legislador constituinte, eis que basta mera constatação objetiva - independentemente de qualquer discussão técnica sobre os índices aplicáveis - para concluir-se, sem qualquer dúvida, sobre a absoluta insuficiência do quantum fixado pelo Governo para o satisfatório atendimento das necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família. [...]” 333 “[...] Verifica-se nos casos em que não sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais. Muitas destas, de fato, requerem uma lei ou uma providência administrativa ulterior para que os direitos ou situações nelas previstos se efetivem na prática [...]”. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2009. p. 47. 334 O Voto proferido por Celso de Mello é bastante elucidativo: “[...] Vê-se, portanto, que, em tema de controle abstrato de omissão inconstitucional, são extremamente limitados os poderes deferidos pela Carta da República a Supremo Tribunal Federal, que não poderá, em hipótese alguma, substituindo-se ao órgão estatal inadimplente, expedir provimentos normativos que atuem como sucedâneo da norma reclamada pela Constituição, mas não editada – ou editada de maneira insatisfatória – pelo Poder Público. Daí a impossibilidade de concessão de medida liminar em sede de controle

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O ajuizamento da ADIn nº1.996-1, pelo Partido dos Trabalhadores - PT;

Partido Democrático Trabalhista – PDT; Partido Socialista Brasileiro – PSB e Partido

Comunista do Brasil - PCB, cumulava o pedido de declaração de

inconstitucionalidade e inconstitucionalidade por omissão da Medida Provisória nº

1.824/1999. Há no presente julgamento, especialmente no voto proferido pelo

Ministro-Relator Ilmar Galvão, o reconhecimento de que o valor do salário mínimo

não vem atendendo ao disposto no texto constitucional, mormente às determinações

concentrado de omissão estatal, eis que, reduzindo-se o pronunciamento final da Corte à mera cientificação do órgão em situação de mora, torna-se evidente que o provimento cautelar não poderá revestir-se de força maior e mais abrangente que a própria decisão concernente ao mérito da causa [...]” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.458-7, julgada em 23 de maio de 1996, Ministro Celso de Mello (Relator). Disponível em :http://www.stf.jus.br >. Acesso em 24 out. 2008. 335 Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal posiciona-se de maneira mais comprometida com a realização constitucional, tratando de maneira expressa da inconstitucionalidade por omissão e do decorrente descumprimento da Constituição brasileira por parte do legislador, ao estabelecer valor do salário mínimo insuficiente para realizar todas as atividades constitucionalmente elencadas. No processo – relatado pelo Min. Celso de Mello –, o Supremo Tribunal vai dizer que: A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da república, pois o legislador, em tal hipótese, longe de atuar como o sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo imperfeito, o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica. A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido de maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impedem, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. As situações configuradoras de omissão inconstitucional – ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário – refletem o comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do poder Judiciário [...]. Percebe-se – em especial no último trecho – que o STF faz referência a uma interpretação mais flexível do princípio da separação dos poderes, adequada a tempos de Constituição social. Assim, destaca o papel ativo do Supremo Tribunal sempre que houver omissão do Poder Público que justifique esse tipo de atuação, ou seja, destaca a necessidade de uma atuação mais progressista por parte do Supremo Tribunal Federal, quando estiver em jogo a concretização de direitos fundamentais. MAIA, Mário Sérgio Falcão. A Recepção da Teoria Neoconstitucionalista pelo Supremo Tribunal Federal Brasileiro. In., Revista Internacional direito e cidadania, nº 5. Disponível no http://www.iedc.org.br/REID/?CONT=00000128 . Acesso dia 04 de nov. de 2009.

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do artigo 7º, inciso IV.336 A decisão, contudo, seguiu nos mesmos moldes da

decisão proferida na ADIn nº 1.458-7.337

Não se pode olvidar outra importante discussão sobre a matéria que ocorreu no

Supremo Tribunal Federal suscitada na Argüição de Descumprimento de Preceito

Fundamental (ADPF)338 nº 4/DF, por entender estar caracterizada a afronta ao texto

constitucional:

O ato do chefe do Poder Executivo em fixar salário mínimo insuficiente e por instrumento impróprio resulta em descumprimento de preceito constitucional e que, tal ação ou omissão de descumprir, manifestada através de um ato normativo, não pode estar afastada da guarda Constitucional desta Corte.339

A referida ADPF visava o enfrentamento da Medida Provisória nº 2.019, de 22

de abril de 2000, que tratava do tema salário mínimo e a fixação do seu valor. A

alegação do Partido Democrático Trabalhista - PDT, autor da medida, sustentava a

ocorrência de inconstitucionalidade formal da MP nº 2.019, à medida que

336 “[...] Parece amplamente demonstrada, na inicial, que a MP em causa não preenche a exigência de fixação da remuneração mínima necessária ao atendimento das “exigências vitais básicas” do trabalhador e de sua família, “com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”, nem de seu reajustamento em bases compatíveis com a perda do valor aquisitivo da moeda, verificada no período a que se refere. De admitir-se, portanto, haver ela incorrido em omissão parcial, legitimadora do remédio processual ora exercitado. [...]” 337 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.996-1, julgada em 16 de junho de1999, Ministro Ilmar Galvão (Relator). Disponível em: http://www.stf.jus.br >. Acesso em 24 out. 2008. “[...] Decisão: O Tribunal, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Ilmar Galvão (Relator), Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso (Presidente), não conheceu da ação direta de inconstitucionalidade por ação. Por unanimidade, o Tribunal conheceu da ação direta por omissão; e, prosseguindo no julgamento, não conheceu do pedido de medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade por omissão [...]”. 338 “[...] O § 1º do art. 102 contém uma disposição de grande relevância, assim enunciada: ‘A argüição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei’. ‘Preceitos fundamentais’ não é expressão sinônima de ‘princípios fundamentais’. É mais ampla, abrange estes e todas as prescrições que dão o sentido básico do regime constitucional [...] E aí é que aquele dispositivo poderá ser fértil como fonte de alargamento da jurisdição constitucional da liberdade a ser exercida pelo nosso Pretório Excelso. [...]”SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31˚ edição, São Paulo: Malheiros, 2009. p. 562-563. 339 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 4/DF, julgada em 02 de agosto de 2006, Ministra Ellen Gracie (Relatora). Disponível em: http://www.stf.jus.br >. Acesso em 24 out. 2008.

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disciplinava matéria exclusiva e privativa de lei. Sustentou, igualmente, a

inconstitucionalidade material consubstanciada na insuficiência do valor do salário,

determinada na medida Provisória, haja vista ser incapaz de propiciar ao trabalhador

e sua família as necessidades básicas. A decisão proferida em 02 de agosto de

2006, reconheceu, por unanimidade, restar prejudicada a ação pela perda de seu

objeto, à medida que foram editados vários outros atos legislativos relativos ao

salário mínimo, sendo que o pedido formulado na ADPF nº 4/DF, tratava

especificamente, como já referido da Medida Provisória nº 2.019/2000. 340

Necessário destacar que um dos fundamentos utilizados pelo Autor na

propositura da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº

4/DF para enfrentar uma medida provisória que fixava o valor do salário mínimo foi à

inexistência de outro mecanismo capaz de efetivamente sanar a lesão, apontado

como exemplo, diversas Ações diretas de Inconstitucionalidades, entre elas as de

números 2.162; 1.996; 1.830; 1.468 e 1.439 e que restaram julgadas prejudicadas

pela perda do objeto.341

A discussão sobre as ações diretas de inconstitucionalidade e a argüição de

descumprimento de preceito fundamenta, resultou num amplo debate definindo a

importância e a significação dos dois meios, como instrumentos de controle e de

340 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 4/DF, julgada em 02 de agosto de 2006, Ministra Ellen Gracie (Relatora). Disponível em: http://www.stf.jus.br >. Acesso em 24 out. 2008. 341 “[...] Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade por omissão parcial. Falta de aditamento com relação às medidas Provisórias que reeditaram aquela a respeito da qual se alega a omissão constitucional. Questão de ordem. Esta Corte já firmou o entendimento em se tratando de ação direta de inconstitucionalidade, que, havendo reedição de Medida Provisória contra a qual foi proposta ação direta de inconstitucionalidade, e não sendo a inicial desta aditada para abarcar a nova Medida Provisória, fica prejudicada a ação proposta. Essa orientação é de aplica-se, também, quando se trata, como no caso presente, de ação direta de inconstitucionalidade por omissão parcial de Medida Provisória – e parcial porque não atendeu integralmente a disposto em preceito constitucional para lhe dar efetividade plena - , porquanto a omissão parcial alegada tem de ser examinada em face da Medida Provisória vigente quando de seu julgamento para verificar a ocorrência, ou não, nela dessa omissão parcial. Questão de ordem que se resolve dando-se por prejudicada a presente ação direta de inconstitucionalidade por omissão. [...]” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.162-1, julgada em 04 de maio de 2000, Ministro Moreira Alves (Relator). Disponível em: http://www.stf.jus.br >. Acesso em 24 out. 2008.

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concretização dos ditames constitucionais, mencionando, igualmente, sobre a

distinção e os limites dos institutos.342

Nesse sentido, percebe-se uma amplitude maior estendida ao Supremo

Tribunal Federal para através da argüição de descumprimento de preceito

fundamental ter mecanismos mais eficientes para buscar a efetivação das

determinações contidas na Carta Constitucional de 1988 sem, com isso, extrapolar a

autonomia dos poderes, é o que se depreende do voto proferido pelo Ministro Marco

Aurélio no julgamento da ADPF 4/DF:

O preceito remete expressamente à reparação da lesão, objeto do remédio constitucional. E há mais, já assentamos que, relativamente à ação direita de inconstitucionalidade por omissão – e isso resta concretizado no campo prático, diante da pouca importância que o Congresso tem dado às comunicações de omissão feitas pelo Supremo Tribunal – não se pode chegar a uma efetividade, no tocante ao direito fixado constitucionalmente. Aí, abre-se o campo previsto na Carta, insitamente, quanto à ação por descumprimento de preceito fundamental, que é o da atuação ativa, eficaz do Supremo Tribunal Federal.

Em que pese sua importância, destaca-se as manifestações do Ministro Marco

Aurélio alertando para que não se deixe ocorrer um esvaziamento das concessões

advinda da argüição de descumprimento de preceito fundamental, a exemplo do que

ocorre com o mandado de injunção – que se trata de ação meramente declaratória

sem mecanismos para efetivação de um resultado prático efetivo – crítico, essa que

estende a ação direta de inconstitucionalidade.343

342 Enquanto a ação direta de inconstitucionalidade “[...] Busca obter desta Corte a declaração de omissão e da mora em regulamentar dispositivo constitucional, determinando sejam adotadas as providências necessárias ou, em se tratando de órgão administrativo, a fixação de prazo de trinta dias para que a omissão seja suprida [...]”. A Argüição de descumprimento de preceito fundamental “[...] Visa questionar a lesão a preceito constitucional descumprido por parte do Poder Público, seja pelo poder legislador ou pelo administrador. Visa, também, que esta Egrégia Corte fixe de imediato as condições e o modo de interpretação preceito fundamental, declarando inconstitucional o ato normativo ou a lei (nos termos do art. 11 da Lei nº 9.882/99) e tomando esta decisão eficaz contra todos, conferindo-lhes, ainda, efeito vinculante aos demais órgãos do poder Público. [...]” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 4/DF, julgada em 02 de agosto de 2006, Ministra Ellen Gracie (Relatora). Disponível em: http://www.stf.jus.br >. Acesso em 24 out. 2008. 343 “ [...] Creio que o legislador constituinte de 1988 foi tímido em se tratando da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, no que, quanto à atividade de outro Poder, parou na previsão de

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Note-se que mesmo diante do reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal

da afronta aos dispositivos constitucionais relativamente ao valor do salário mínimo,

seus valores continuam aviltantes, contudo, ignora-se igualmente o problema social

daí originado:

A política de elevação do poder de compra do salário mínimo deve ser visto não somente como uma política voltada para o mercado de trabalho, mas como uma política social da maior importância, seja pelos seus impactos qualitativos sobre as condições de vida e de sociabilidade da população, seja por sua dimensão quantitativa, já que pode atingir parcela expressiva da sociedade brasileira.344

Ante ao exposto, possível identificar o reconhecimento por parte do Supremo

Tribunal Federal da insuficiência do valor atribuído ao salário mínimo, deixando

transparecer a ocorrência de inconstitucionalidade por omissão no que se refere à

determinação contida no artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal. Não obstante,

as decisões proferidas, fundamentada em aspectos diversos, não buscaram

enfrentar verdadeiramente o problema, tanto assim, que faltou ousadia a Corte

Constitucional brasileira, para adotar medidas efetivas e eficazes na busca da

concretização dos ditames constitucionais, no sentido de estipular o salário mínimo

no valor suficiente para atender as necessidades vitais e que possibilitem ao

trabalhador e a sua família condições dignas de vida.

3.4 Salário mínimo e opinião pública: diversos aspe ctos que compõem a

discussão acerca do valor do salário mínimo vigente no Brasil

O reconhecimento dado ao direito social do trabalho pela Constituição de 1988

como um direito fundamental, eleva o salário mínimo à mesma condição, lhe

que o Supremo Tribunal Federal deve proferir uma sentença simplesmente declaratória. A experiência revelou-nos, nesses últimos doze anos, que essa sentença declaratória é de um total inocuidade.[...]” 344 SANTOS, Anselmo Luis dos Santos, e GIMENEZ, Denis Maracci,. Política de Salário Mínimo e as Finanças Públicas no Brasil. In., BALTAR, P., E., A..,de; DEDECCA, C., S.; KREIN, J., D.; Salário Mínimo e Desenvolvimento. Campinas: SP: Unicamp., 2005. p. 91.

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garantido sua proteção. A partir da análise do valor atual do salário mínimo, a

interrogação que se coloca é justamente de perquirir se o valor do salário mínimo é

constitucional.

A investigação até aqui realizada faz constatar que a questão do salário

mínimo é bastante ampla e complexa, à medida que envolve diversos e diferentes

setores da sociedade, todos importantes, porém, com interesses opostos, ou pelo

menos, divergentes e ou conflitantes.

Para os Economistas, o valor do salário é uma decorrência lógica do mercado,

isso porque os salários são determinados pela oferta existente de meios de

produção e de mão-de-obra e pela demanda por bens de consumo. Por outro lado,

havendo uma intervenção fazendo com que os salários sejam fixados por um valor

maior do que o valor de mercado, automaticamente ocorrerá um aumento no

desemprego, pois nessas condições uma parte da oferta de mão-de-obra não

conseguirá emprego:

Os economistas sempre tiveram consciência de que os salários também são um fenômeno de mercado, e que se forem fixados por um valor diferente daquele que resultaria do funcionamento do mercado as forças que neste atuam tende a fazer com que o salário volte ater um valor compatível com as condições do mercado. Se os salários caírem para um valor menor do que o prescrito pelo mercado, a competição entre os empresários que desejam contratar mão-de-obra fará com que eles subam de novo. Se o valor dos salários for fixado em um valor acima do nível de mercado, parte da demanda por mão de obra deixará de existir, e a pressão dos que ficaram desempregados fará com que os salários de todos os trabalhadores de forma duradoura, acima do nível estabelecido pelas condições de mercado.345

345 GARONE, Rafaelle Ricardo. Salário Mínimo e desemprego. Disponível em: http://www. administradores.com.br/artigos/salario_minimo_e_desemprego/28431/ . Acesso em 05 de out. de 2009.

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Na concepção do Movimento Sindical, em que pesem as críticas com relação a

uma atuação pífia na luta pelo salário mínimo346, há o reconhecimento de sua

importância para o trabalhador, pois o “[...] comportamento do mínimo sempre serviu

de parâmetro para o conjunto das remunerações [...]” mormente naquelas categorias

que tradicionalmente menos vinculadas ao movimento sindical, acarretando que sua

remuneração torne-se muito similar ao salário mínimo. 347 Para os defensores da

classe trabalhadora, o salário mínimo no Brasil, nunca recebeu uma correta e

necessária valorização ao longo de sua história, consequência da desestruturação

econômica, da má distribuição da renda, e do processo de globalização

econômica.348

No sentido de analisar a influência do salário mínimo que reconhece como

sendo norma diretamente aplicável e plenamente eficaz, Sarlet aponta alguns

aspectos que com ele se vinculam, “[...] não se podem negligenciar os inúmeros

reflexos da fixação do valor do salário mínimo na conjuntura socioeconômica [...]”.349

346 “[...] Apesar de a bandeira do salário mínimo estar presente em praticamente todos os principais congressos sindicais e nas manifestações de 1º de maio, são escassas, na história recente do sindicalismo, as mobilizações e as greves específicas na defesa de uma política de valorização do salário mínimo. [...]” 347 KREIN, José Dari. Movimento Sindical e Salário Mínimo. In. CESIT. Política Nacional de Valorização do salário Mínimo (Carta Social e do Trabalho - nº 1). Campinas: UNICAMP/CESIT, Maio a Agosto de 2005. Disponível em: http://www.mds.gov.br/suas/revisoes_bpc/biblioteca-virtual-do-beneficio-de-prestacao-continuada-da-assistencia-social/teses . Acesso em 05 de out. de 2009. 348 “[...] O mundo do trabalho sempre foi pouco estruturado no Brasil, mas a estagnação da economia com alta inflação, nos anos 80, colaborou para frustrar as expectativas de que a democracia, junto com um sólido aparelho produtor de bens, tornaria finalmente possível começar a avançar na direção de relações de trabalho mais civilizadas e de uma melhor distribuição da renda. O quadro tornou-se ainda mais desfavorável na década seguinte, devido aos efeitos desestruturadores da maneira como o país se inseriu na globalização. As perspectivas, atualmente, não são favoráveis, mas existe a possibilidade de que um esforço sério no sentido de garantir, não somente um mínimo de desempenho da atividade econômica, mas uma política deliberada para fazer avançar o aparelho produtor de bens – de modo a ser possível vencer as atuais restrições a um crescimento continuado do produto – permitiria materializar condições mínimas para tentar paulatinamente estruturar melhor o mundo do trabalho. Neste particular, uma política de valorização sistemática do salário mínimo legal teria um papel fundamental, num mercado de trabalho tão heterogêneo como o nosso. [...]” BALTAR, Paulo. Desigualdade de Rendimentos do Trabalho e Salário Mínimo na Década de 90. In. CESIT. Política Nacional de Valorização do salário Mínimo (Carta Social e do Trabalho - nº 1). Campinas: UNICAMP/CESIT, Maio a Agosto de 2005. Disponível em: http://www.mds.gov.br/suas/revisoes _bpc/biblioteca-virtual-do-beneficio-de-prestacao-continuada-da-assistencia-social/teses . Acesso em 05 de out. de 2009. 349 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9° ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 334-336.

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Assim, com a majoração do salário mínimo, os benefícios previdenciários

automaticamente deveriam ser igualmente elevados350, alterando as contribuições

sociais vinculadas. Geraria, por conseguinte, um aumento nos custos da produção,

que interferiria no consumo, na produção e, em tese, estimularia o desemprego. As

finanças públicas também acabariam por sofrer um impacto negativo. 351

Contudo, tais argumentos – principalmente no que se refere à elevação dos

custos da Previdência Social352 – soam falaciosos para muitos críticos da política

salarial desenvolvida no Brasil que se mostra incapaz de atender as necessidades

mínimas dos trabalhadores.

Aliás, não bastassem à insuficiência do salário mínimo atingindo diretamente o

trabalhador, outras consequências podem ser observadas, como o aumento da

350 A utilização da Previdência Social e sua vinculação vêm sendo usadas como uma alegação de que o aumento do salário mínimo elevaria em demasia os custos da Previdência, conforme ressalta o Ministro Ilmar Galvão ao proferir voto em julgamento da ADIN: “[...] Aliás, já é público e notório que essa omissão vem sendo reiterada, nos últimos decênios, ano após ano, sem outra razão senão a de evitar a expansão dos encargos da Previdência Social para com seus filiados, praticamente a única espécie de obrigação que restou vinculada à variação do salário mínimo, por força da norma do § 2º do art. 201 da Carta. [...]”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.996-1, julgada em 16 de junho de1999, Ministro Ilmar Galvão (Relator). Disponível em:http://www.stf.jus.br >. Acesso em 24 out. 2008. 351 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9° ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 336. 352 “[...] Porém a bandeira da recuperação do salário mínimo sempre é combatida com argumento de que esta elevação representaria impactos indesejáveis sobre as contas públicas. Este impacto é assinalado pelos críticos de uma política de elevação do salário mínimo como sendo principal obstáculo. A previdência social (Regime Geral), assim como as contas dos municípios, são apontadas como barreiras à valorização do salário mínimo. Porém resta claro que se a previdência se encontra atualmente praticamente falida, não foi por causa dos pequenos acréscimos que foram atribuídos ao salário mínimo nos últimos anos. Não é o aumento do salário mínimo o maior vilão às finanças públicas. O maior vilão se esconde por traz de políticas públicas que se revelam por meio da informalidade, do desemprego e da estagnação econômica. Estes sim representam os verdadeiros obstáculos, pois refletem de forma mais negativa sobre as finanças públicas do que propriamente a elevação do salário mínimo, visto que em uma circunstância de desenvolvimento econômico crescente, haveria uma maior formalização dos vínculos trabalhistas, majoração de salários e conseqüentemente existiria uma ascensão da arrecadação previdenciária, provando que, ao contrário do que muitos opositores da elevação do salário mínimo pregam, o acréscimo do valor do salário mínimo não traz apenas ônus, pois apresenta impactos econômicos e sociais que compensam os custos do aumento. [...]” ALVES, Guisla Kenny de Almeida Rodrigues Araújo. O Salário Mínimo: Uma Abordagem Constitucional, Econômica e Social. P. 12- 13. Disponível em http://www.oabdf.org.br/sites/200/227/00001247.pdf . Acesso 20 de jun. de 2008.

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pobreza, da desigualdade da renda, da informalidade e do desemprego. 353

Desenvolve-se assim um terreno muito fértil para o surgimento de graves crises

sociais.354

Uma das soluções – apontadas por aqueles que defendem uma elevação da

remuneração da classe trabalhadora – para a superação dessa crise deveria se dar

pela majoração do valor do salário mínimo, que acaba por estimular o consumo,

movimentando o setor econômico, valorizando a produção, aumentando o emprego,

distribuindo melhor a renda e, consequentemente, reduzindo a massa de miseráveis.

E, segunda aponta o economista Pochmann “[...] o Brasil pode pagar salário mínimo

maior. [...]”. 355

Outro argumento usado para a limitação da fixação do valor do salário mínimo

em patamares que se tem demonstrado insuficiente para cumprir com as

necessidades da pessoa que trabalha, diz respeito como a reserva do possível do

Estado.

Pela reserva do possível356 “[...] a ideia subjacente é a de que os indivíduos

não têm direito subjetivo frente ao Estado senão nos limites da razoabilidade. [...]” 357

353 POCHMANN, Marcio. A Década dos Mitos: o novo modelo econômico e a crise do trabalho no Brasil. São Paulo: Contexto, 2001. p. 146. 354 “[...]O Brasil vem enfrentando crises sociais configuradas por elevados níveis de pobreza, caracterizados pelos baixos salários e pela insuficiência de recursos que os trabalhadores encontram para prover seu sustento e o de sua família. Estas crises trazem à baila a necessidade de valorização de um salário mínimo que, conforme os ditames da Constituição Federal/88, seja capaz de assegurar aos trabalhadores e aos seus familiares o direito de viver com dignidade. [...] ALVES, Guisla Kenny de Almeida Rodrigues Araújo. O Salário Mínimo: Uma Abordagem Constitucional, Econômica e Social. P. 12 – 13. Disponível em http://www.oabdf.org.br/sites/200/227/00001247.pdf . Acesso 20 de jun. de 2008. 355 “[...] Para o âmbito das políticas sociais, no caso específico da previdência social, o valor do salário mínimo é decisivo. Assim como para os trabalhadores ativos, o aumento do valor real do salário mínimo não representa apenas e tão somente custo (visão estática), mas sobretudo renda (visão dinâmica) e, portanto, consumo. Como o consumo agregado no país formado de baixos salários representa cerca de 82% do Produto Interno Bruto, o adicional no valor do mínimo nacional impõe não apenas o movimento do crescimento econômico como uma mudança no atual modelo econômico, através da valorização da produção e do emprego nacional, bem como a redução da pobreza e da absurda concentração de renda.[...]” POCHMANN, op. cit., p. 146. 356 “ [...] A reserva do possível é visualizada especialmente na seara das possibilidades financeiras do poder público. Observa-se que, especialmente no âmbito dos direitos derivados a prestações,

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Relativamente sobre a aplicação da reserva do possível na problemática do

tema em debate – salário mínimo – Sarlet com propriedade leciona no sentido de

que:

Em virtude da relevância econômica do objeto dos direitos sociais prestacionais, estes se encontram (ao menos de acordo com a doutrina majoritária) sob uma reserva do possível, circunstância que, por sua vez, implica uma necessária tomada de decisão a respeito da destinação de recursos públicos, cometida aos órgãos políticos e para tanto legitimados, Independentemente, portanto, da mera questão da completude do enunciado normativo, cuida-se de questionar se efetivamente os juízes e os tribunais não poderiam, em face da inércia ou da deficiente atuação do legislador, determinar um valor para o salário mínimo e, além disso, assegurar aos titulares do direito o seu recebimento.358

Sobre a questão da reserva do possível Amaral discorre sobre a

impossibilidade de buscar o cumprimento pelo Estado de todos os direitos

prestacionais, pois a ausência de recursos feriria a isonomia das pessoas – porque

nem todas as pessoas seriam atendidas igualmente – afrontando, por conseguinte, a

ideia de justiça, exigindo do Poder Judiciário uma atuação reflexiva sobre a

razoabilidade e a faticidade do caso em concreto, vê-se:

a concreção pela via jurisdicional de tais direitos demandará uma escolha desproporcional, imoderada ou não razoável por parte do Estado. Em termos práticos, teria o Estado que demonstrar, judicialmente, que tem motivos fáticos razoáveis para deixar de cumprir, concretamente, a norma constitucional assecuratória de prestações positivas. Ao Judiciário competiria apenas ver da razoabilidade e da faticidade dessas razões, mas sendo-lhe defeso entrar no mérito da escolha, se reconhecida a razoabilidade.359

assume relevância o postulado da reserva do possível, já que não haveria como contornar o limite fático representado pelo esgotamento dos recursos ou da capacidade das instituições existentes [...]”.ROCHA, Rosalia Carolina Kappel. A Eficácia dos Direitos Sociais e a Reserva do Possível. Disponível em: http://www.escola.agu.gov.br/revista/Ano_V_novembro_2005/rosalia-eficacia.pdf . Acesso 26 de jun. de 2008. 357 PISCITELLI, Rui Magalhães. A Dignidade da Pessoa e os Limites a ela Impostos pela Reserva do Possível. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/institu/c_estudos/doutrina/ Dignidade_da_pessoa.doc . Acesso 26 de jun. de 2008. 358 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9° ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.335. 359 AMARAL, Gustavo. Interpretação dos Direitos Fundamentais e o Conflito entre os Poderes. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 116-118 passim.

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Destaca-se do ponto de vista do Poder Judiciário com relação ao debate sobre

a sua atuação referente ao tema salário mínimo e as suas limitações, um dos

argumentos que justificaria essa atitude passiva do Poder Judiciário em relação ao

salário mínimo é a impossibilidade de intervir na esfera de competência de outro

Poder. Inclusive no que se refere a essa limitação orçamentária, necessitando

observar a reserva do possível.

Aliás, sobre intervenção dos Poderes, Leal menciona a respeito das críticas

que vem sofrendo a jurisdição constitucional, com relação à sua legitimidade em

virtude da “politização do Judiciário” e da “judicialização da política”, haja vista a

separação dos poderes360, e o enfretamento dessa tradição de divisão que compõe

a estrutura do Estado. 361

De certa forma, é compreensível às críticas decorrentes da jurisdição

constitucional, à medida que tradicionalmente vinculou-se o Poder Judiciário e o

Executivo a uma “supremacia” do Legislativo haja vista que pelo modelo de

separação dos poderes, cabia ao Legislativo criar as leis de acordo com a vontade

do povo.362

360 “[...] O princípio da Separação dos Poderes determina que o poder do Estado seja regido por um sistema de órgãos, que, limitando a atuação das autoridades, resultem na concretização da soberania popular. Destarte, se a soberania é uma, indivisível, inalienável e imprescritível, a soberania popular, além destes caracteres, também é organizada em poderes, para que seu exercício seja limitado, desconcentrado e responsável. Limitado, pois deve obedecer ao ordenamento jurídico. Desconcentrado, pois a autoridade exerce apenas uma parcela deste poder cabendo a outras autoridades e órgãos exercer as demais parcelas, igualmente de forma desconcentrada. Responsável, pois a autoridade responde pelos ilícitos que cometer.[...]” GORCZEVSKI, Clovis; LEAL, Mônia Clarissa Hennig e BOTELHO, Edison. Introdução ao Estudo da Ciência Política, Teoria do Estado e da Constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 119. 361 LEAL, Mônia Clarissa Hennig. A Noção de Status Activus Processualis como Fundamento para a Operacionalização de uma Jurisdição Constitucional aberta. In. REIS J. R dos.; LEAL, R. G. Direitos Sociais & Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 7. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007. p. 2092. 362 MAUS, Ingeborg. O Judiciário como superego da sociedade – sobre o papel da atividade jurisprudencial na “sociedade órfã”. In. Novos Estudos CEPRAB. Vol. 58. São Paulo, novembro de 2000. p. 132-133.

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Por isso, o reconhecimento dessa nova realidade constitucional é recorrente

entre os estudiosos, mormente pela vinculação e inserção de diversos temas

controvertidos que influenciam e que expande sobre maneira a jurisdição

constitucional:

Respondendo as demandas trazidas pela evolução histórica, que demarca uma potencialização da figura dos direitos fundamentais (notadamente a partir do segundo pós-guerra), e que, conexamente, implica um processo de ampliação da extensão e da importância jurídico-política atribuída à figura da Constituição (enquanto documento privilegiado de registro e de consolidação das conquista e das expectativas sociais), percebe-se que a jurisdição constitucional tem evoluído, ao longo do tempo, no sentido de superação de sua compreensão tradicional originária, identificada por uma dimensão notadamente jurídica e de limitação do poder – reforçada e levada a efeito, dogmaticamente, por uma compreensão formalista e exegética de operacionalização do direito – passando, assim, de uma postura restritiva e limitada no contexto do Estado liberal a uma competência ampla e ativa no Estado Democrático de Direito. 363

Conforme refere Leal, na esteira de Canotilho, a interpretação das normas

devem ocorrer com base nas determinações constitucionais, sem olvidar a natureza

política que está vinculada e que desempenha papel importante dentro desse

sistema. 364

A constituição Federal de 1988 surgiu no ordenamento jurídico consagrando os

ideais de valorização da pessoa humana, dando destaque especial à preservação

dos direitos fundamentais e dos direitos sociais, entre eles à classe trabalhadora.

Notadamente, à Constituição Federal de 1988, no capítulo II – dos direitos

sociais – trata no artigo 7˚, inciso IV,365 especificamente sobre o salário mínimo,

363 LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Interpretação Conforme a Constituição x Nulidade Parcial sem Redução de Texto: Semelhanças, diferenças e reflexão sobre a sua operacionalização pelo Supremo Tribunal Federal. In. REIS J. R. dos.; LEAL, R. G. Direitos Sociais & Políticas Públicas, Desafios Contemporâneos – tomo 6. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006. p. 1563-1564. 364Idem. A Constituição como Princípio: os Limites da Jurisdição Constitucional Brasileira. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 105. 365 IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender as suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,

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estabelecendo que seu valor haverá de ser “[...] capaz de atender as necessidades

vitais básicas [...]”.

Como é cediço, todo o ordenamento jurídico deverá observar as determinações

expressas na Constituição sob pena de tornar-se, nula, sem efeito, ou, em última

análise, inconstitucional.

Ao tratar-se do salário mínimo, percebe-se sua vinculação ao um mínimo

existencial, o que não pode ser aceito à medida que aquele possui uma amplitude

diversa deste. Contudo, não se pode olvidar que a estipulação do valor do salário

mínimo está vinculada a diversos aspectos que compõem o Estado, que deve

atender à reserva do possível.

Diante desse quadro de evoluções, a jurisdição constitucional é chamada para

resolver os paradigmas hodiernos que se apresentam diuturnamente, assim, faz-se

necessário analisar algumas formas de solução desses conflitos com a utilização

dos meios previstos na constituição.

Não se pode olvidar, contudo a existência de consenso nacional relativamente

ao valor do Salário Mínimo, pois encontra-se muito aquém daquele do valor

“previsto” na Constituição. Uma meta a ser atingida, e que representa uma bandeira

dos movimentos sindicais, e dos demais movimentos de proteção ao trabalhador é

tornar o salário mínimo condizente com a definição constitucional. Além de fazer

valer a norma constitucional – emanada da Lei Suprema – outro motivo relevante é

tornar o salário mínimo um instrumento de dignidade, através da promoção da

vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

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cidadania, bem como de contribuir, de forma efetiva, para o desenvolvimento

regional e social, diminuindo a desigualdade social. 366

No tocante a analisar a (in) constitucionalidade do valor atribuído ao salário

mínimo diante do disposto no art. 7º, inciso IV, da CF/1988 e a preservação do

princípio constitucional da dignidade do trabalhador, constata-se a ausência de uma

efetiva participação do Poder Judiciário, que embora reconhecendo que o salário

mínimo não atende às determinações constitucionais, prefere manter-se na condição

cômoda, amparado num excesso de formalismo, para deixar a situação como está.

Com base nas considerações realizadas, não há como negar a dificuldade, a

relevância e a amplitude do tema, pois as afirmativas daqueles que defendem uma

majoração no salário mínimo são fundamentadas e convincentes, assim como

daqueles que advogam em favor de uma limitação dos valores pagos aos

trabalhadores.

366 DIEESE, Nota Técnica, número 8, outubro de 2005, p. 3-4. Disponível em: http://www.dieese.org.br /notatecnica/notatecSMC.pdf . Acesso em 05 de out. de 2009.

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CONCLUSÃO

A passagem do Estado Liberal para o Estado social redefiniu os rumos de

atuação do Estado, reconhecendo a necessidade de uma participação ativa visando

possibilitar níveis mínimos de dignidade para todas as pessoas.

Uma das formas de se possibilitar o desenvolvimento digno do cidadão é

através do trabalho. Por isso, a necessidade da intervenção do Estado na relação

capital-trabalho, criando regramentos que protegessem a parte mais fraca, evitando

que uma das partes se locupletasse indevidamente sobre a outra.

Essa normatização trabalhista tem como um dos seus principais objetivos

oferecer, às pessoas que trabalham, condições dignas para a prática de seu ofício.

No direito brasileiro esse objetivo é evidenciado não somente na legislação

trabalhista, como no caso da CLT, mas também é encontrado nos textos

Constitucionais.

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada no ano de 1988,

seguindo uma tradição de valorização do trabalhador, manteve uma postura no

sentido de ampliar as garantias aplicadas à classe trabalhadora.

Dentre estas garantias estabelecidas em favor dos trabalhadores que restaram

previstas na última Carta Constitucional, destaca-se o salário mínimo, que pela

dicção do artigo 7º, inciso IV, deverá propiciar ao trabalhador e a sua família o

atendimento às necessidades vitais, como forma de lhes possibilitar condições de

vida digna, contemplando moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário,

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higiene, transporte e previdência social, com a adoção de reajuste periódicos

mantendo o seu poder de compra.

Contudo, a experiência tem demonstrado que em que pese gozar da proteção

constitucional, as disposições acerca do salário mínimo não estão sendo atendidas

plenamente, haja vista que o atual valor do salário mínimo não se presta para

cumprir a tarefa de possibilitar ao trabalhador e a sua família as condições

elencadas no artigo supra referido.

Assim, reportando-se ao objeto de investigação proposto com esse estudo – O

Valor do Salário Mínimo e a sua (In)constitucionalidade em face ao disposto no

Artigo 7˚, inciso IV, da CF/88 e ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana – nos

parece inexistir dúvidas quanto ao salário mínimo não atender ao enunciado do

artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal, e nessa condição restar caracterizada a

inconstitucionalidade por omissão do órgão estatal que descumpre determinações

expressas na Lei Maior.

Diante desta realidade é que se chega à conclusão de que o salário mínimo,

direito do trabalhador alicerçado constitucionalmente, como direito social

fundamental, e que diante dessa condição tem como escopo cumprir com sua

função social e jurídica proposta no inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal de

1988, não vem obtendo êxito no seu desiderato de atender às necessidades a que

se propõe, restando assim, configurada uma inconstitucionalidade por omissão.

Situação esta que frustra igualmente, o fim ético colimado pela norma constitucional

que pretende possibilitar condições de vida digna ao trabalhador. 367

367 VIDAL, Cristiana Nardi. Salário Mínimo: Reflexões Éticas e Inconstitucionalidade. Disponível em http: // www. direitonet. com. br/ artigos/ exibir/ 1577/ Salario – Minimo – Reflexoes – Eticas – e -Inconstitucionalidade . Acesso 16 de abr. de 2009.

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A posição do Movimento Sindical brasileiro quanto à necessidade de

majoração do valor do salário mínimo passa pela necessidade de o Ministério do

Trabalho e Emprego adotar, com base no enunciando constitucional, a adoção de

uma “cesta de consumo” das necessidades do trabalhador auferindo-lhes valores.

Com isso, seria possível identificar o real custo das demandas da classe

trabalhadora. 368

Superar o mito de que o aumento do salário mínimo acarretaria consequências

irreparáveis à economia e as contas Públicas do país, é um dos primeiros e

principais passos para a concretização e reconhecimento de um salário

constitucionalmente justo. Para, além disso, reconhecer que o salário mínimo a

partir de uma política de correção e reajuste de seus valores possibilitaria

desenvolvimento econômico, equilibrando as finanças do Estado, estimulando o

consumo e a arrecadação e, consequentemente, diminuindo a desigualdade social. 369

Não se pode esquecer de outra importante finalidade do salário mínimo, qual

seja, a de garantir uma condição de dignidade ao trabalhador e a sua família.

As melhorias das condições da sociedade brasileira – principalmente daquela

parcela de menor renda – estão umbilicalmente ligadas ao valor auferido através do

salário mínimo. Pois, é através dele que o bem-estar da entidade familiar do

trabalhador é assegurado, possibilitando-lhes a subsistência e a condição de viver

com dignidade. 370

368 DIEESE, Nota Técnica, número 8, outubro de 2005, p. 3 – 4. Disponível em: http://www.dieese.org. br/notatecnica/notatecSMC.pdf . Acesso em 05 de out. de 2009. 369 ALVES, Guisla Kenny de Almeida Rodrigues Araújo. O Salário Mínimo: Uma Abordagem Constitucional, Econômica e Social. P. 12 – 13. Disponível em http://www.oabdf.org.br/ sites/200/227/00001247.pdf . Acesso 20 de jun. de 2008.

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Reconhecidamente o valor atual do salário mínimo é inconstitucional371 por não

atender às determinações do artigo 7º, inciso IV da Constituição Federal de 1988,

bem como por afrontar um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, qual

seja, o da preservação da dignidade da pessoa humana.

Ocorre que o enfrentamento à desobediência às regras Constitucionais deveria

ser realizado pelo Poder Judiciário, que como visto alhures – no item 3.3 - A posição

do Supremo Tribunal Federal frente o valor do salário mínimo – tem se mostrado

inerte no sentido de não atuar ativamente na concretização de um salário mínimo

capaz de propiciar o atendimento das necessidades básicas do trabalhador e sua

família, possibilitando-lhe dignidade.

Tal postura mantém-se, mesmo diante do reconhecimento da insuficiência no

valor atribuído atualmente ao salário mínimo, para a satisfação das necessidades

dos trabalhadores previstas na Constituição.

Há que se reconhecer que o ensinamento extraído da melhor doutrina aponta

no sentido de que o simples descumprimento de um preceito fundamental previsto

na Carta Magna caracteriza-se como uma forma de inconstitucionalidade, à medida

que ofende aos direitos fundamentais. Especificamente no caso telado relativamente

ao reduzido valor do salário mínimo vigente, a irregularidade está assentada na

prática omissiva, caracterizando, assim, a inconstitucionalidade por omissão.

Reconhecida a inconstitucionalidade do valor atribuído ao salário mínimo – por

todas as razões acima referidas – em decorrência da omissão do poder Executivo e

370 VIDAL, Cristiana Nardi. Salário Mínimo: Reflexões Éticas e Inconstitucionalidade. Disponível em http: // www. direitonet. com. br/ artigos/ exibir/ 1577/ Salario – Minimo – Reflexoes – Eticas – e -Inconstitucionalidade . Acesso 16 de abr. de 2009. 371 “[...] Em relação ao inciso IV do artigo 7º da CF/88, verifica-se presente à inconstitucionalidade por omissão parcial, em virtude de um dispositivo constitucional não estar sendo cumprido conforme plenamente. [...]” VIDAL, Cristiana Nardi. Salário Mínimo: Reflexões Éticas e Inconstitucionalidade.

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Legislativo no estabelecimento de seu valor e ou na aplicação de índices de

correção, não há como ignorar a igual omissão do poder Judiciário que permanece

inerte diante do aviltante valor do salário mínimo.

Nas diversas vezes, em que foi desafiado, o Supremo Tribunal Federal, por

rigorismo técnico ou sob a alegação que a anulação da nova legislação faria com

que fosse voltado a ser aplicada a anterior, o que traria prejuízos maiores aos

trabalhadores, muito embora reconhecendo a insuficiência do valor do salário

mínimo, jamais tomou uma posição firme com o propósito de solucionar o problema.

Seja nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade ou mesmo na Argüição de

Descumprimento de Preceito Fundamental – onde a amplitude dos poderes

atribuídos ao Supremo Tribunal Federal é alargada – em nenhuma das situações

restou tomada uma decisão reconhecendo expressamente a inconstitucionalidade

do valor atribuído ao salário mínimo.

Mas pelo contrário, com uma visão muito tecnicista e simplista, a Suprema

Corte tem optando em abortar as medidas adotadas com a finalidade de combater

os irrisórios índices de correção aplicados ao salário mínimo, sob o fundamento de

perda do objeto da ação, pois da data da interposição da medida até o seu

julgamento, a Medida Provisória já foi convertida em lei, ou já haviam sido editadas

novas normas sobre a matéria.

Não se pode desconsiderar a adoção por parte do Supremo Tribunal Federal

de uma posição realista com base nas condições limitadas do Estado no

desenvolvimento de sua política salarial.

Disponível em http://www. direitonet.com.br/artigos/exibir/1577/Salario-Minimo-Reflexoes-Eticas-e-Inconstitucionalidade . Acesso 16 de abr. de 2009.

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Igualmente, há que se reconhecer o posicionamento político que advém da

Corte Constitucional Brasileira e que explica as decisões tomadas sobre o tema do

salário mínimo. Necessário destacar que por força do artigo 101 da Constituição

Federal, a nomeação dos Ministros se dá pelo Presidente da República mediante a

aprovação pelo Senado Federal. Assim, note-se que a própria composição dá-se por

acordos políticos. Talvez, seja este um dos motivos que levem o Supremo Tribunal

Federal a tomar decisões políticas deixando de ater-se única e exclusivamente às

questões afetas à interpretação constitucional, mas também, levando em

consideração à política econômica adotada pelo Governo Federal, evitando assim

de adentrar profundamente nessa esfera o que certamente acarretaria profundas e

significativas transformações na política salarial, econômica e social do Estado

brasileiro.

Por derradeiro, e perante essa realidade onde o salário mínimo mostra-se

insuficiente para atender ao trabalhador e ao seu núcleo familiar propiciando-lhe as

necessidades vitais básicas “[...] com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,

vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe

preservem o poder aquisitivo [...]” privando-lhe de uma vida com dignidade, conclui-

se que o salário mínimo vigente é Inconstitucional. Diante da inércia dos Poderes do

Estado, vez mais, reitera-se a inconstitucionalidade do valor do salário mínimo

vigente no Brasil por ser incapaz de cumprir como enunciado do artigo 7º, IV da

Constituição Federal de 1988, que determina a preservação das condições vitais ao

trabalhador e a sua família, afrontando o princípio Constitucional da Dignidade da

Pessoa Humana.

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