universidade de lisboa faculdade de...

121
UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO DA DESOBEDIÊNCIA LEGÍTIMA DO TRABALHADOR COMO REAÇÃO A ORDENS OU INSTRUÇÕES ILEGÍTIMAS EVELYN KONRAD HULLER MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICO-LABORAIS LISBOA 2017

Upload: others

Post on 20-Nov-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE DIREITO

DA DESOBEDIÊNCIA LEGÍTIMA DO TRABALHADOR COMO REAÇÃO A

ORDENS OU INSTRUÇÕES ILEGÍTIMAS

EVELYN KONRAD HULLER

MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICO-LABORAIS

LISBOA

2017

Page 2: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

EVELYN KONRAD HULLER

DA DESOBEDIÊNCIA LEGÍTIMA DO TRABALHADOR COMO REAÇÃO A

ORDENS OU INSTRUÇÕES ILEGÍTIMAS

Dissertação de mestrado apresentada ao Gabinete de

Estudos de Pós-Graduados da Faculdade de Direito da

Universidade de Lisboa, como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre em Direito.

Área de concentração: Ciências Jurídico-Laborais

ORIENTADOR: Professor Doutor Guilherme Machado

Dray

LISBOA

2017

Page 3: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

ABREVIATURAS

Ac. – Acórdão

CRP – Constituição da República Portuguesa

CT – Código do Trabalho de 2009

LCT – Lei do Contrato Individual de Trabalho

RC – Tribunal da Relação de Coimbra

RDE – Revista de Direito e Economia

RDES – Revista de Direito e Estudos Sociais

REv. – Tribunal da Relação de Évora

RLx – Tribunal da Relação de Lisboa

RG – Tribunal da Relação de Guimarães

STJ – Supremo Tribunal de Justiça

Page 4: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

RESUMO

A presente dissertação versa sobre a legitimação pelo ordenamento jurídico português

do descumprimento, por parte do trabalhador, de ordens ou instruções ilegítimas recebidas da

entidade empregadora. Essa desobediência juridicamente permitida não possui definição

expressa no Código do Trabalho e trata-se de exceção ao dever de obediência estipulado pelo

citado diploma, o qual tem lugar na relação laboral em virtude da subordinação jurídica

existente em todos os contratos de trabalho. Inicialmente, a dissertação aborda aspectos gerais

relacionados com a delimitação da desobediência legítima, bem como discorre a respeito da sua

inserção no referido ordenamento, enfatizando o seu enquadramento na legislação trabalhista.

Na sequência, passa a analisar a situação irregular que deu origem a um descumprimento de

comandos por parte do trabalhador, tratando, portanto, da emissão de ordens e instruções pela

entidade empregadora, principalmente no tocante a sua ilegitimidade. Alude, por essa razão,

aos poderes do empregador, os quais conferem a ele o direito de proferir diretrizes a serem

cumpridas pelo trabalhador. Posteriormente, aponta, de forma ampla, informações a respeito

dos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência nelas. Logo após,

discorre sobre as dimensões do citado dever e questões atinentes a ele, invocando os limites que

definem a sua exigibilidade. Examina, por conseguinte, as hipóteses e consequências da sua

inobservância. Em seguida, desenvolve o conteúdo da desobediência legítima em si,

delimitando-a, apresentando possíveis modalidades e englobando outros temas que

intimamente a envolvem. Esse detalhamento inclui o assunto da abusividade da sanção imposta

pelo empregador a uma conduta do trabalhador de inobservância do dever de obediência

destituída de ilicitude. Por fim, aponta, de forma sucinta, as conclusões extraídas com o

desenvolvimento deste trabalho, especialmente de como a desobediência legítima merecia ser

vista – como um verdadeiro meio de defesa de direitos e garantias do trabalhador frente a ordens

ou instruções que ultrapassem os limites estabelecidos ao dever de obediência.

PALAVRAS-CHAVE: desobediência legítima; ordens e instruções ilegitimamente proferidas;

poderes do empregador; dever de obediência do trabalhador; defesa de direitos e garantias.

Page 5: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

ABSTRACT

This dissertation is about the legitimation by the Portuguese legal system of the

employee’s refusal to obey unlawful orders or instructions received from his employer. The

legally admitted disobedience doesn’t have an explicit definition in Portuguese Labour Code

and is an exception to the duty of obedience stipulated by the mentioned code. This duty takes

place in the employment relationship because of the subordination that exists in all employment

contracts. Initially, the dissertation approaches general aspects related to the delimitation of

lawful disobedience as well as discusses its insertion in said legal system, emphasizing its

framework in labor legislation. Following, it analyzes the irregular situation that led to a

noncompliance of commands by the employee, therefore deals with the issuing of orders and

instructions by the employer, especially as regards its unlawfulness. For this reason, it refers to

the powers of the employer, which give him the right to issue directives to be obeyed by the

employee. Later, it gives general information about the duties of the employee, in order to place

the duty of obedience in them. After that, discusses the dimensions of the aforementioned duty

and issues related to it, invoking the limits that define its enforceability. It therefore examines

the hypotheses and consequences of not observing it. Then, develops the substance of lawful

disobedience itself, delimiting it, presenting possible modalities and encompassing other

themes that closely involve it. This detailing includes the subject of the abuse of the sanction

imposed by the employer on a lawfully employee's conduct that does not observe the duty of

obedience. At the end, briefly presents the conclusions taken from the development of this

dissertation, especially of how lawful disobedience deserved to be understood - as a true defense

of employees' rights and guarantees against orders or instructions that exceed the limits

established for the duty of obedience.

KEYWORDS: lawful disobedience; orders and instructions illegally given; powers of the

employer; employee’s duty of obedience; defense of rights and guarantees.

Page 6: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

ÍNDICE

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................9

PARTE I - ENQUADRAMENTO TEÓRICO E LEGISLATIVO DO TEMA

1 Aspectos preliminares..................................................................................................... 12

1.1 A componente de pessoalidade do vínculo trabalhista.....................................................14

1.2 A disposição da liberdade do trabalhador no contrato de trabalho....................................17

2 Definição de desobediência legítima do trabalhador........................................................19

3 A desobediência legítima como manifestação do direito de resistência...........................21

4 Breve histórico normativo................................................................................................24

5 Enquadramento normativo da desobediência legítima.....................................................25

PARTE II – A EMISSÃO DE ORDENS E INSTRUÇÕES

1 A subordinação jurídica do trabalhador............................................................................29

1.1 A essencialidade da subordinação jurídica no contrato de trabalho..................................31

2 Poder de direção do empregador......................................................................................33

2.1 Sujeitos do poder de direção.............................................................................................36

2.2 O poder de direção e a emissão de ordens e instruções.....................................................38

2.3 A legitimidade das ordens e instruções emitidas..............................................................40

2.4 Limites ao exercício do poder de direção.........................................................................43

3 As modificações no contrato de trabalho..........................................................................46

3.1 Modificações na função do trabalhador............................................................................47

3.1.1 O jus variandi...................................................................................................................48

3.2 Modificações no local de trabalho....................................................................................50

3.3 Modificações no horário de trabalho................................................................................52

4 Poder disciplinar do empregador......................................................................................54

5 Poder regulamentar do empregador.................................................................................57

6 A autonomia técnica do trabalhador e as ordens e instruções do empregador...................58

PARTE III – O DEVER DE OBEDIÊNCIA DO TRABALHADOR E A SUA

INOBSERVÂNCIA

1 Os deveres do trabalhador................................................................................................60

Page 7: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

1.1 Deveres integrantes e deveres autônomos da prestação principal.....................................62

1.1.1 O dever de obediência no quadro geral dos deveres do trabalhador..................................63

2 Aspectos gerais do dever de obediência...........................................................................64

2.1 Definição .........................................................................................................................65

2.2 Enquadramento legislativo................ ..............................................................................66

2.3 Sujeitos ............................................................................................................................67

2.4 Amplitude do dever de obediência...................................................................................68

3 Outros aspectos do dever de obediência...........................................................................70

3.1 O dever de obediência e a subordinação jurídica..............................................................70

3.2 O dever de obediência e os poderes do empregador.........................................................71

3.3 O dever de obediência e as modificações na prestação laboral.........................................73

3.4 O dever de obediência e a esfera extra-laboral..................................................................76

4 Os limites do dever de obediência....................................................................................77

5 A inobservância do dever de obediência por parte do trabalhador....................................80

5.1 Desobediência legítima versus ilegítima..........................................................................81

5.2 A desobediência ilegítima como infração disciplinar.......................................................82

PARTE IV – A DESOBEDIÊNCIA LEGÍTIMA

1 Delimitação da desobediência legítima............................................................................86

1.1 A legitimação da desobediência.......................................................................................86

1.2 Caracteres da desobediência legítima...............................................................................87

2 Modalidades de desobediência legítima...........................................................................88

2.1 Desobediência decorrente de ordem que viola direitos e garantias do trabalhador...........89

2.2 Desobediência decorrente de modificação ilegítima na prestação laboral........................91

2.2.1 Em razão da função.........................................................................................................92

2.2.2 Em razão do local de trabalho...........................................................................................94

2.2.3 Em razão do horário de trabalho.......................................................................................95

2.3 Desobediência decorrente de ordem ilegal.......................................................................96

2.4 Desobediência técnica .....................................................................................................98

2.5 Desobediência decorrente de ordem que não mantenha relação com o contrato de

trabalho............................................................................................................................99

2.6 Desobediência durante a não prestação da atividade laboral e/ou na suspensão do contrato

de trabalho......................................................................................................................101

2.7 Desobediência decorrente de ordem ou instrução proferida por sujeito ilegítimo..........103

Page 8: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

3 Direito de desobediência versus dever de desobediência...............................................105

4 O abuso do direito do empregador..................................................................................106

5 Sanção abusiva...............................................................................................................108

5.1 A resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador em decorrência da aplicação de

sanção abusiva ...............................................................................................................111

6 A responsabilidade do trabalhador.................................................................................112

CONCLUSÕES ....................................................................................................................114

ÍNDICE BIBLIOGRÁFICO ................................................................................................117

Page 9: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

9

INTRODUÇÃO

A existência de um contrato laboral indica a presença de uma subordinação jurídica, a

qual implica numa sujeição do trabalhador ao cumprimento de ordens e instruções proferidas

pela entidade empregadora. Essa obrigatoriedade na execução de comandos pelo prestador da

atividade, estipulada pelo Código do Trabalho, denomina-se dever de obediência.

O dever de obediência do trabalhador assume especial relevância no desenrolar da

relação laboral na medida em que será por meio do cumprimento de ordens e instruções que a

entidade empregadora irá adequar a prestação do trabalho às suas necessidades, garantindo o

regular funcionamento da empresa.

A assimetria revelada pela relação de trabalho, na qual um sujeito emite diretrizes e o

outro fica vinculado ao seu cumprimento, pode acarretar lesões à parte mais fraca. Logo, tal

dever de obediência do trabalhador não pode ser absoluto.

Assim, o empregador fica condicionado à observância de limites para proferir

comandos. Caso esses contornos sejam ultrapassados, as ordens ou instruções emitidas serão

ilegítimas, diante das quais, o dever de obediência do trabalhador torna-se inexigível, motivo

pelo qual na figura da desobediência legítima não há uma violação do citado dever, ao contrário

do que ocorre na desobediência ilegítima.

A desobediência legítima surge, portanto, em uma situação de anormalidade, logo é uma

conduta de ocorrência excepcional no contrato de trabalho. Trata-se de uma reação do

trabalhador oriunda de uma diretriz ilegítima, a qual cessa o dever de obediência.

Dessa forma, surge para o trabalhador um verdadeiro direito de não acatar ordens ou

instruções ilegitimamente proferidas, constituindo um comportamento de defesa de direitos e

garantias. Dada essa característica de salvaguarda de direitos e garantias, pode-se afirmar que

a desobediência legítima é uma manifestação do direito de resistência constitucionalmente

tutelado cujo exercício aplica-se frente a atos de particulares.

Em razão da inexistência de definição legal expressa, tampouco de uma enumeração das

possíveis hipóteses de desobediência do trabalhador (sendo as exceções ao dever de obediência

encontradas de modo espalhado pelo Código do Trabalho), faz-se necessária a análise da

desobediência legítima.

Pretende-se com a presente dissertação delimitar os contornos da figura em apreço, bem

como estabelecer em quais situações o trabalhador poderá não acatar alguma ordem ou

instrução de forma autorizada pelo ordenamento jurídico português. Também intenta

possibilitar a clara identificação de quando o comportamento do trabalhador caracteriza uma

Page 10: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

10

desobediência legítima, traçando bem os contornos que a diferem de uma situação de

desobediência ilegítima.

Ainda, planeja delimitar os conteúdos capazes de tornar um comando ilegítimo, bem

como identificar os sujeitos competentes para proferir ordens e instruções, para assim se

estabelecer em que situações o dever de obediência é exigível.

Também possui, como propósito, a atribuição de relevância ao tema, o qual não é

abordado com frequência pelos autores portugueses.

Para o alcance desses objetivos, este trabalho divide-se, basicamente, em:

enquadramento teórico e normativo do tema; uma análise da emissão de ordens ou instruções;

um exame do dever de obediência (para que se possa identificar em que momentos será

inexigível) e a desobediência autorizada em razão de ordens ou instruções ilegítimas que

cessem o referido dever.

Dessa forma, na primeira parte desta dissertação apresenta-se o enquadramento teórico

e legislativo da desobediência legítima do trabalhador por meio de aspectos gerais relevantes

para a compreensão do tema (especialmente a respeito do contrato de trabalho), visto que a

conduta de inexecução de ordens ou instruções irá ocorrer durante o mesmo. Também, delimita

essa figura por meio de uma definição, propondo, ainda, que a mesma seja uma forma de

exercício do direito constitucional de resistência.

Na segunda parte, examina-se a emissão de ordens e instruções pelo empregador para

que se possa distinguir quais deverão ser acatadas pelo trabalhador daquelas que ultrapassem

os limites do dever de obediência. Para isso, primeiramente faz-se referência à subordinação

jurídica, elemento essencial do contrato de trabalho. Na sequência, discorre a respeito do poder

de direção da entidade empregadora, o qual será exercido por meio da emissão de ordens e

instruções. Tendo em vista a relevância do poder referido, divide-se a sua abordagem, tratando

dos sujeitos que poderão exercê-lo, da sua relação com as ordens e instruções e a legitimidade

destas, para finalmente versar sobre os seus limites. Em seguida, apresentam-se as modificações

que poderão ocorrer no curso do contrato de trabalho, as quais serão abordadas sob três

aspectos: função, local e horário de trabalho. Posteriormente, descreve o poder disciplinar do

empregador, com as suas duas facetas (prescritiva e sancionatória), as quais possuem

pertinência temática com a desobediência. Seguidamente, discorre a respeito do poder

regulamentar da entidade empregadora, o qual (por meio do regulamento de empresa) irá

realizar determinações gerais e abstratas aos trabalhadores. Por último, trata da autonomia

técnica, a qual constitui um limite específico à emissão de ordens e instruções a determinados

trabalhadores.

Page 11: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

11

Na terceira parte discorre sobre o dever de obediência e sua inobservância. Para tal,

apresenta um panorama geral dos deveres do trabalhador, buscando encaixar o dever de

obediência nessas características genéricas. Logo após, delimita o citado dever, apresentando a

sua definição, o seu enquadramento legislativo, seus sujeitos e sua amplitude. Na sequência,

estabelece as relações desse dever com outros temas: subordinação, poderes do empregador,

modificações na prestação laboral e a esfera extra-laboral do trabalhador. Em seguida, traça os

limites ao dever de obediência, os quais devem servir de parâmetro para o acatamento (ou não)

de uma ordem ou instrução. Finalmente, discorre a respeito da inobservância do dever em tela,

distinguindo a desobediência legítima da ilegítima, para, por último, tratar da desobediência

ilegítima como infração disciplinar.

Na sua quarta parte, a dissertação volta-se especificamente para a desobediência

legítima. Inicia o tratamento dessa figura com a sua delimitação, abordando a sua legitimação

pelo ordenamento jurídico português e seus caracteres. Seguidamente, apresenta um rol de

modalidades, discorrendo sobre cada uma delas. Essa divisão da desobediência legítima em

modalidades, decorre de uma especificação das ordens que violem direitos e garantias do

trabalhador, salvo a desobediência decorrente de ordem ou instrução proferida por sujeito

incompetente. Posteriormente, levanta a questão da existência de um suposto dever de

desobediência para além do direito do trabalhador de realizá-la. Logo após, trata dos temas do

abuso do direito do empregador e da aplicação de sanção abusiva em decorrência de eventual

punição a uma conduta legitimamente desobediente. No tocante ao último tema, desenvolve

separadamente a hipótese de resolução do contrato de trabalho em virtude da aplicação de

sanção abusiva. Por último, versa sobre eventual responsabilidade do trabalhador ao deixar de

acatar diretriz ilegítima ou caso execute uma ordem ilegal.

Por fim, apresenta as conclusões extraídas do desenvolvimento deste tema que é tão

pouco abordado entre os autores lusitanos e repleto de dispositivos esparsos pelo Código do

Trabalho, sem uma delimitação normativa precisa.

Page 12: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

12

PARTE I - ENQUADRAMENTO TEÓRICO E LEGISLATIVO DO TEMA

1 Aspectos preliminares

O tema da presente dissertação desenvolve-se no seio do contrato de trabalho. Logo faz-

se necessário delimitar alguns aspectos relevantes sobre este, até mesmo porque a sua própria

definição normativa, apresentada pela legislação trabalhista portuguesa, traz elementos

imprescindíveis para a compreensão da desobediência legítima.

No momento em que é celebrado, o contrato de trabalho estabelece obrigações

recíprocas para as partes, possuindo, portanto, um caráter sinalagmático.1 Dentro dos deveres

que se originam, encontra-se legalmente estabelecido no Código do Trabalho o dever de

obediência do trabalhador, dever este, que é pedra angular para a construção deste tema.

O contrato de trabalho possui definição legal em mais de um instrumento normativo no

ordenamento jurídico português. Começando a análise pela legislação menos específica, a

noção de contrato de trabalho pode ser encontrada no artigo 1152º do Código Civil, o qual o

define como sendo aquele em que uma pessoa se obriga a prestar atividade à outra, sob a

autoridade e direção desta, em troca de retribuição. Destaca-se, aqui, a relevância da expressão

“sob a autoridade e direção” constante no referido dispositivo.

A legislação trabalhista, por sua vez, reproduziu o artigo 1152º do Código Civil no artigo

10º do Código do Trabalho de 2003, retirando a distinção entre trabalho intelectual e manual e

acrescentando a possibilidade da prestação da atividade a mais de um empregador.

Já com a revisão de 2009, o agora artigo 11º, sofreu alteração na expressão destacada

acima, passando a fazer referência ao âmbito de organização ao invés do termo direção.2 Da

noção legal de contrato de trabalho – em relação ao item autoridade somado com a direção

(independentemente do uso da palavra direção ou da referência à organização), extrai-se a ideia

da subordinação jurídica.

Esse estado de sujeição do trabalhador individualiza o contrato laboral de modo que ele

se torna inconfundível com outros contratos de natureza privada.3 A subordinação jurídica

constitui, portanto, elemento essencial do contrato de trabalho, e exprime uma relação de

1 Sobre as características do contrato de trabalho vide: CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de

Direito do Trabalho, Coimbra, 1997, p. 519 2 A respeito da alteração terminológica da definição normativa de contrato de trabalho trazida pela revisão de 2009:

FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho, 17ª ed., Coimbra, 2014, p. 127; LEITÃO, Luís Manuel

Teles de Menezes – Direito do Trabalho, 4ª ed., Coimbra, 2014, pp. 107 s. 3 MARANHÃO, Délio – Contrato de Trabalho, in A. SUSSEKIND (coord.), Instituições de Direito do Trabalho,

I, 19ª ed., São Paulo, 2000, p.244

Page 13: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

13

desigualdade das partes no mesmo, uma vez que o trabalhador se encontra numa posição de

dependência e o empregador numa relação de domínio.4

Ao prestar a sua atividade, o trabalhador está sujeito, segundo o artigo 11º do Código

do Trabalho, à autoridade do empregador no âmbito da sua organização. Desse modo, aquele

encontra-se adstrito aos comandos deste, bem como está submetido à disciplina da organização

da qual faz parte.5 É, portanto, em decorrência da autoridade do empregador enquanto

organizador da atividade produtiva que se confere poderes a este.6

A sujeição legalmente prevista do trabalhador às ordens e instruções do empregador visa

garantir o pleno funcionamento da unidade produtiva, autorizando este a gerir a mesma através

de poderes que lhe são conferidos.7 Porém, há que se atentar ao fato de que sob o pretexto de

dirigir a empresa, o empregador não poderá desconhecer dos direitos e garantias do

trabalhador.8

Os poderes atribuídos ao empregador encontram como base principalmente o princípio

constitucional da liberdade de empresa previsto no nº 1 do artigo 61º da Constituição da

República Portuguesa. Tal princípio não se restringe à criação da organização produtiva, mas

também confere à entidade empregadora o poder de organizá-la e modificá-la.9

Quanto à legislação infra-constitucional, os três poderes conferidos pelo Código do

Trabalho (doravante também denominado CT) ao empregador, decorrentes da autoridade deste

enquanto organizador da atividade prestada, são o poder diretivo (artigo 97º), o disciplinar

(artigo 98º) e o regulamentar (artigo 99º).10

O poder de direção encontra previsão legal no artigo 97º do CT, o qual dispõe que é

competência do empregador estabelecer os moldes da atividade prestada pelo trabalhador. Em

outras palavras, pode-se afirmar que a norma citada autoriza o empregador a emitir ordens e

instruções a respeito do trabalho a ser prestado.

4 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho. Parte II – Situações Laborais

Individuais, 5ª ed., Coimbra, 2014, pp. 32 s. 5 GOMES, Júlio – Deve o trabalhador subordinado obediência a ordens ilegais?, in M.GRACIETE RODRIGUES

(coord.), Trabalho e Relações Laborais, 2001, 179-187, p. 181 6 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado, 2ª ed., Coimbra, 2013, p.239 7 DRAY, Guilherme Machado – O Princípio da Proteção do Trabalhador, Coimbra, 2015, p.399 8 BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho, 10ª ed., São Paulo, 2016, p.407 9 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho, 2ª ed., Lisboa, 2014, p.93. Segundo o

autor, as leis do trabalho visam proteger os trabalhadores de eventuais consequências maléficas do exercício dos

poderes do empregador. 10 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p. 238. Essa tradicional divisão tripartida de poderes

não é consensual entre os autores, mas justifica-se muitas vezes por questões didáticas. Sobre essa repartição e

quem a adota, vide: ASSIS, Rui – O Poder de Direcção do Empregador, Coimbra, 2005, p.79

Page 14: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

14

Ocorre que não é somente em virtude do exercício do poder diretivo que a entidade

empregadora fica autorizada a emitir comandos. Caso se entenda que o poder disciplinar possui

(além do seu conteúdo sancionatório) um conteúdo prescritivo, caberá ao empregador proferir

ordens e instruções a respeito da disciplina no trabalho, uma vez que tais regras não se reportam

diretamente à atividade prestada.11 Ainda, o poder regulamentar (manifestado através do

regulamento de empresa) faculta ao empregador a fixação de regras por escrito sobre

organização e disciplina no trabalho.12

Por sua vez, cabe ao trabalhador, em razão da posição de subordinação que ocupa,

cumprir tais ordens e instruções de acordo com o artigo 128º, nº 1, alínea “e” do Código do

Trabalho – é o chamado dever de obediência do trabalhador. O dever de obediência surge

quando o trabalhador aceita prestar sua tarefa sob as ordens e controle de outro.13

Uma vez que compete ao empregador dar ordens e instruções e ao trabalhador obedecê-

las, pode-se afirmar que a relação de trabalho é assimétrica. A desigualdade da relação é

revelada através do fato de que a vontade do trabalhador fica submetida ao contrato de trabalho,

sujeitando-se às ordens do empregador em troca de rendimentos para satisfazer suas

necessidades vitais básicas.14

Diante dessa assimetria do contrato de trabalho, os direitos dos trabalhadores ficam

vulneráveis a lesões. Assim, tais direitos merecem especial proteção tendo em vista a

restauração do equilíbrio da relação laboral.

É nessa esteira de defesa dos direitos dos trabalhadores (enquanto tais e também

enquanto cidadãos) que se busca justificar no presente trabalho hipóteses de desobediência

legítima a determinadas ordens de entidades empregadoras.

1.1 A componente de pessoalidade do vínculo trabalhista

Conforme anteriormente mencionado, a relação de trabalho possui um determinado

desequilíbrio: de um lado, existem os poderes do empregador; de outro, a subordinação jurídica

do trabalhador15 que lhe deve obediência.

11 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho. Parte I – Dogmática Geral, 4ª ed.,

Coimbra, 2015, p.465 12 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho, 4ª ed., Coimbra, 2014, p.222 13 DUQUESNE, François – Le nouveau Droit du travail, 4ª ed., Paris, 2008, p.213 14 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., p.21 15 Em acórdão de 28 de junho de 2016, decidiu o STJ que a disparidade de poder entre as partes do contrato de

trabalho deve ser levada em conta na hora de eventual resolução de litígios emergentes de tal contrato, uma vez

que o trabalhador se subordina ao empregador em razão de uma retribuição para a sua sobrevivência e de sua

família. Ac. STJ de 28/06/2016, (Nº 93/15.6T8GRD.S1), www.dgsi.pt

Page 15: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

15

Essa relação desigual é o que Maria do Rosário Palma Ramalho denomina de binómio

subjetivo da delimitação do vínculo laboral. Paralelamente a esse binómio, a autora acrescenta,

para completar a delimitação do conteúdo do vínculo de trabalho, o binómio objetivo (o qual

diz respeito às prestações principais de cada sujeito no contrato de trabalho – atividade prestada

por parte do trabalhador e a remuneração por parte do empregador) e outros dois elementos

auxiliares - a componente organizacional e a componente de pessoalidade.16

A componente organizacional do contrato de trabalho é decorrente da inserção do

trabalhador na organização com caracteres delimitados pelo empregador (e não uma

organização comum a ambos). Já a componente de pessoalidade diz respeito à posição de

sujeição do trabalhador aos poderes laborais do empregador (essência dominial). 17

É nessa última componente que reside a razão de se desenrolar o presente tópico. A

componente de pessoalidade é revelada, dentre outras razões, por meio do envolvimento

integral da pessoa do trabalhador na prestação da atividade laboral.18

A pessoalidade aqui mencionada traduz-se, portanto, no fato de o trabalhador colocar

sua energia física e intelectual à disposição da entidade empregadora. Logo, a componente de

pessoalidade a que se refere não mantém correspondência com o elemento pessoalidade

apontado pela doutrina brasileira como critério distintivo da relação empregatícia (extraído dos

artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas). Este, trata-se da prestação pessoal da

atividade pelo trabalhador (pessoa física), o qual não pode se fazer substituir por outro, sob

pena de caracterizar novo contrato de trabalho (caráter personalíssimo ou intuitu personae).19

Em outros termos, pode-se afirmar que no referido elemento de pessoalidade existe a ideia de

intransferibilidade do serviço ajustado.20

Dessa forma, no contexto lusitano tal componente de pessoalidade ou essência dominial

trata-se do que João Leal Amado denominou de “dimensão irrecusavelmente pessoal” do

contrato de trabalho, uma vez que não se pode dissociar a força de trabalho da pessoa do

16 Cabe mencionar que as referidas componentes não fazem referência às não satisfatórias concepções comunitário-

pessoais do vínculo de trabalho. A respeito da caracterização comunitário-pessoal das relações laborais vide:

RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Da Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho, Coimbra, 2001, pp.

279 ss. 17 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, pp. 468 ss. 18 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tutela da personalidade e equilíbrio entre interesses dos trabalhadores

e dos empregadores no contrato de trabalho. Breves notas, in Colóquio de Direito do Trabalho, 2014. Disponível

em: www.stj.pt, p.3 19 Sobre a definição no direito brasileiro do elemento pessoalidade do contrato de trabalho vide: LEITE, Carlos

Henrique Bezerra - Curso de Direito do Trabalho, 7ª ed., São Paulo, 2016, p.152; SCHIAVI, Mauro – Manual de

Direito Processual do Trabalho, 5ª ed., São Paulo, 2012, pp. 195 s. 20 MARTINEZ, Luciano – Curso de Direito do Trabalho, 3ª ed., São Paulo, 2012, p.126

Page 16: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

16

trabalhador, o qual, na opinião do autor, não seria apenas sujeito do contrato, mas também

objeto do mesmo.21

O envolvimento pessoal do trabalhador na prestação da atividade laborativa possui uma

íntima relação com o dever de obediência, uma vez que aquele coloca-se à disposição para

seguir as ordens e instruções do empregador.22

Correspondentemente ao dever de obediência, encontra-se, portanto, o poder de direção

do empregador, o qual, ao ser exercido para dirigir uma prestação que envolve a pessoa do

trabalhador de modo direto, pode resultar em um “perigo potencial para o livre

desenvolvimento da personalidade e a dignidade de quem trabalha”.23

Assim, a relação de trabalho, por implicar no envolvimento intenso da pessoa do

trabalhador na execução da atividade laborativa (dentre outras circunstâncias que possam

concorrer para tal) pode expor os direitos fundamentais deste a compressão ou lesões.24 Em

outros termos, a componente de pessoalidade existente no vínculo de trabalho pode dar margem

a uma violação dos direitos do trabalhador (em especial os direitos de personalidade).25

Consequentemente, impõe-se “assegurar, como princípio geral, a regra da preservação dos

direitos fundamentais que assistem ao trabalhador, enquanto pessoa e cidadão, no contexto do

seu contrato.”.26

Diante dessa situação de lesão ou ameaça a direitos do trabalhador em virtude do forte

envolvimento pessoal do mesmo na relação de trabalho, o Código do Trabalho fez uma ressalva

quanto ao dever de obediência do trabalhador, dispondo na alínea “e” do número 1 do artigo

128º que o trabalhador não fica sujeito a cumprir ordens ou instruções contrárias a seus direitos

ou garantias. Ou seja, a desobediência a ordens ou instruções que afrontem direitos ou garantias

do trabalhador é legítima.

Ainda, em razão desse envolvimento intrínseco da pessoa do trabalhador no contrato de

trabalho, faz-se necessário encarar os direitos dos trabalhadores como “componentes estruturais

21 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., pp. 27 s. Posição diversa é adotada por Júlio Manuel Vieira

Gomes, o qual entende que o trabalhador não se trata de um objeto passivo do poder do empregador relativo a um

estado de sujeição, sendo a prestação da atividade laboral um dever jurídico. Em: GOMES, Júlio Manuel Vieira –

Direito do Trabalho, I – Relações Individuais de Trabalho, Coimbra, 2007, pp. 95 ss. 22 Vide: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.475 23 ABRANTES, José João Nunes – Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra, 2005, p.44 24 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.167 25 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tutela da personalidade e equilíbrio entre interesses dos trabalhadores

e dos empregadores no contrato de trabalho. Breves notas cit., p.3 26 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.190

Page 17: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

17

básicas do contrato de trabalho”.27 Assim sendo, ao encarar a desobediência legítima como

meio de defesa de direitos, pode-se afirmar que a mesma é decorrente do forte envolvimento

pessoal do trabalhador no contrato laboral.

1.2 A disposição da liberdade do trabalhador no contrato de trabalho

Primeiramente, é mister relacionar brevemente o que o presente tópico não abrange.

Quando se fala a respeito da liberdade do trabalhador, não se faz referência à liberdade de

trabalho prevista no nº 1, do artigo 47º da Constituição da República Portuguesa, a qual se trata

da livre escolha feita pelo cidadão de sua profissão ou de gênero de trabalho. Também o

presente tópico não se trata da liberdade contratual do trabalhador, ou seja, de celebrar um

contrato laboral.

Como o próprio nome indica, o contrato de trabalho resulta de um acordo de vontades.

O trabalhador coloca-se livremente (e não coercitivamente) sob a autoridade e direção da

entidade empregadora. Porém, isso não significa que o contrato laboral não resulte em uma

certa constrição da liberdade do subordinado.28

De acordo com os ensinamentos de Hannah Arendt, o trabalho é uma atividade que se

vincula imediatamente com a vida como nenhuma outra o faz, haja vista que o processo natural

desta reside no corpo; corpo este, que o “animal laborans” não dispõe de modo livre, uma vez

que possui necessidades a serem supridas, submetendo-se, dessa forma, ao trabalho.29

A vida profissional do trabalhador diferencia-se da pessoal na medida em que nesta

ocorre uma situação de “autodisponibilidade”, enquanto naquela existe a

“heterodisponibilidade”, logo, durante a jornada de trabalho o agir do trabalhador será

determinado pela entidade empregadora.30

A “liberdade” aqui referida, portanto, trata-se da liberdade de ação do trabalhador

durante o contrato de trabalho, mais especificamente durante a jornada. O trabalhador, no

momento em que celebra o contrato de trabalho com a entidade empregadora, coloca à

disposição desta uma parcela de sua liberdade (em razão da pessoa do trabalhador estar

diretamente envolvida na prestação laboral).

27 ABRANTES, José João Nunes – Liberdade Contratual e lei. O caso das cláusulas de mobilidade geográfica

dos trabalhadores, in Estudos em homenagem ao professor doutor Carlos Ferreira de Almeida, III, Coimbra,

2011, 503-516, p.506 28 ABRANTES, José João Nunes – Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais cit., p.44 29 ARENDT, Hannah – A Condição Humana, 12ª ed., Rio de Janeiro, 2015, pp.135 e 145 30 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., p.20

Page 18: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

18

Tal parcela da liberdade de agir do trabalhador é limitada em razão do tempo, do espaço

e do modo de execução da atividade laboral. Assim, o trabalhador fornece parte de suas horas

diárias ao seu empregador e passa a não ter mais o completo domínio de seu tempo e de como

administrar sua vida.31 Ainda, a liberdade de locomoção do trabalhador também sofre

restrições, uma vez que deve permanecer no local de trabalho ou seguir roteiros elaborados pela

entidade empregadora.

Não é somente a liberdade de gerir seu tempo ou escolher seu lugar no espaço que são

afetadas, mas também a liberdade de executar determinada tarefa do seu próprio modo,

passando agora o empregado a fazê-la como dita a entidade empregadora. Ou, ainda, a liberdade

de comportamento ou de escolher suas vestes também podem ser restringidas dependendo da

profissão exercida.

Dessa forma, durante a jornada de trabalho, o trabalhador não possui liberdade para

fazer o que bem entender. Uma vez que existem os poderes laborais, quem enuncia as regras de

como proceder é o empregador, ficando o trabalhador adstrito a cumpri-las por conta do seu

dever de obediência. Assim, pode ocorrer que em determinadas situações o trabalhador, sendo

compelido a agir de acordo com a vontade do empregador, tenha que abrir mão da sua própria

opinião ou modo de atuar.32

Tal situação se impõe em virtude do caráter de hetero-determinação da relação laboral,

na qual o uso da força de trabalho do trabalhador pelo empregador fica condicionado à vontade

deste.33

Conforme demonstrado no tópico anterior, o forte envolvimento da pessoa do

trabalhador na relação laboral pode abrir espaço para uma lesão de direitos desse. Ocorre que,

não é apenas a pessoalidade da relação de trabalho que pode dar margem a violações de direitos

dos trabalhadores, mas também a própria natureza limitativa da liberdade de ação do

trabalhador da relação laboral.34

Garantir a liberdade do trabalhador no contrato de trabalho bem como salvaguardar seus

interesses privados justifica-se em razão da inferioridade (jurídica e material) que este assume

31 Conforme o Tribunal da Relação de Coimbra (Ac. RC de 10/03/2016, (Nº 250/13.0TTCTB.C1), www.dgsi.pt):

“A linha de fronteira entre o ‘tempo de trabalho’ e o ‘tempo de descanso’ situa-se naquele momento em que o

trabalhador adquire o domínio absoluto e livre da gestão da sua vida privada. ”. Desse modo, extrai-se de tal

entendimento que no momento que o trabalhador presta suas atividades à entidade empregadora ele não possui o

completo domínio de gestão de sua vida, assim, pode-se concluir que uma parcela de sua liberdade de ação é

tolhida. 32 Nas palavras de João Leal Amado: “Para o trabalhador, cumprir é, antes de mais, obedecer, a sua vontade

compromete-se no contrato, mas também se submete neste contrato.” . Em: AMADO, João Leal – Contrato de

Trabalho cit., p.21 33 ABRANTES, José João Nunes – Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais cit., p.45 34 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.167

Page 19: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

19

na relação laboral. Tendo em vista essa necessidade de tutelar o trabalhador subordinado é que

o sistema juslaboral português observa o princípio da proteção do trabalhador conjuntamente

com suas projeções.35

Além do princípio da proteção, a liberdade do trabalhador pode ser resguardada com a

plena observância e respeito por parte da entidade empregadora dos direitos e garantias dos

trabalhadores, principalmente no tocante aos direitos de personalidade, devidamente

acobertados pelo Código do Trabalho de 2009.

Logo, a disposição da liberdade do trabalhador não pode ser absoluta. Faz-se necessária

a observância atenta dos direitos e garantias dele, para que situações de violação dos mesmos

não deixem de ser meramente potenciais durante o contrato de trabalho, e assim dar margem

para que não reste outra opção para o trabalhador, senão desobedecer alguma ordem da entidade

empregadora.

2 Definição de desobediência legítima do trabalhador

A falta de um conceito expresso de desobediência legítima no Código do Trabalho exige

uma interpretação conjunta de mais de um dispositivo normativo e que se busque socorro nos

autores de Direito do Trabalho.

Antes da busca por uma definição de desobediência legítima do trabalhador, é mister

primeiramente delimitar a abrangência dos dois termos em separado, começando com a

desobediência em si.

Etimologicamente, a palavra “obediência” é proveniente do termo latino “obedientia”,

significando o ato ou o efeito de submeter-se à vontade de outrem.36 Logo, o prefixo de

negativação “des”, somado à palavra “obediência”, significa o efeito de não se submeter a uma

emanação de vontade exterior.

Feito esse breve comentário sobre a etimologia da palavra em questão e retornando ao

Direito Laboral, deve-se afirmar, de início, que o trabalhador possui um dever de obediência

(legalmente previsto) para com o empregador.

O dever de obediência do trabalhador é uma obrigação básica no contrato de trabalho e,

de acordo com Alberto Jose Carro Igelmo, é dotado de caracteres de generalidade na doutrina

estrangeira, sendo que na espanhola é conhecida como “deber de obediencia”, na inglesa “duty

35 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.535 36 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda – Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, 5ª ed., Curitiba, 2010,

p. 1488

Page 20: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

20

to obey”, na francesa “obligation d’obeissance”, na italiana “dovere di obbedienza”, e na

alemã “Gehörsampsflicht”.37

Como o próprio nome indica, obviamente a desobediência do trabalhador se trata do não

cumprimento do dever de obediência estabelecido a este pela legislação trabalhista. Ocorre que

é necessária uma análise um pouco mais aprofundada, principalmente levando em conta a

intenção do trabalhador com o seu agir.

Júlio Manuel Vieira Gomes, tendo por base um Acórdão do STJ de 30 de junho de

199338, afirma que a desobediência, para ser considerada verdadeira e própria, deve pressupor

a vontade deliberada de não cumprir as ordens emitidas pela entidade empregadora, ou seja,

exclui-se do conceito de desobediência eventual atitude do trabalhador de não ter executado

alguma ordem de modo imediato por estar aguardando, por exemplo, esclarecimentos

técnicos.39

Consequentemente, conclui-se que a desobediência, para ser considerada como tal, deve

representar uma intenção deliberada do trabalhador de não cumprir uma ou mais ordens da

entidade empregadora. Há, portanto, a presença de um elemento volitivo na ideia de

desobediência.

O termo desobediência, por si só, pode passar, à primeira vista, a ideia de algo nocivo

ou de um comportamento que não seja benéfico dentro de um contexto. Aí reside a importância

de se agregar o adjetivo “legítima” a essa expressão.

Por conseguinte, no que tange ao vocábulo “legítima” que compõe a expressão em tela,

sua origem é proveniente do latim legitimus, de lex, e é utilizado para designar algo que está

em conformidade com os moldes legais, ou seja, um ato legítimo é um ato permitido/autorizado

pela legislação.40 Legítimo, portanto, é um ato que não contraria o direito ou o ordenamento.

Ainda, numa acepção ampla, legítimo é tudo aquilo que pode ser considerado correto,

autêntico.41 Dessa forma, a legitimidade difere-se da legalidade na medida em que engloba

padrões de justiça.

Consequentemente, a desobediência legítima se trata de um ato que não contraria o

ordenamento jurídico por fundar-se em padrões de retidão de conduta. Reunindo as informações

37 CARRO IGELMO, Alberto Jose – Curso de Derecho del Trabajo, 2ª ed., Barcelona, 1991, p.312 38 Em: GOMES, Júlio – Deve o trabalhador subordinado obediência a ordens ilegais? cit., p.182 39 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p. 960 40 SILVA, De Plácido e – Vocabulário jurídico, 27ª ed., Rio de Janeiro, 2007, p. 826 41 FABRIZ, Daury Cesar – Legitimidade, in A. TRAVESSONI (coord.), Dicionário de Teoria e Filosofia do

Direito, São Paulo, 2011, 261-263, p.261

Page 21: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

21

apresentadas, pode-se afirmar que a desobediência legítima é um incumprimento deliberado

por parte do trabalhador de determinada ordem ou instrução do empregador autorizado pela lei.

Se a desobediência legítima é um comportamento permitido pelo direito, cumpre

estabelecer a razão dessa autorização legal. Assim, não se pode analisar um comportamento

desobediente dissociando-se da situação que o originou. Logo, a desobediência será permitida

porque surge em face a uma situação irregular – ordem ou instrução a que o trabalhador não

deva obediência por tratar-se de diretriz ilegítima.

Quando se diz respeito a uma desobediência legítima, o comportamento censurável é o

do empregador que deu causa a um ato de incumprimento de ordens e instruções, e não o do

trabalhador que está apenas resistindo a um comando ilegítimo (possivelmente violador de seus

direitos).

Em decorrência de a desobediência legítima por parte do trabalhador ser um

comportamento autorizado pelo ordenamento, não há o que se falar em conduta ilícita (ao

contrário da desobediência ilegítima). Dessa forma, enquanto a desobediência ilegítima é um

comportamento culposo e ilícito que acarreta uma violação de deveres, a desobediência legítima

é destituída de ilicitude e culpabilidade.

Quanto à autorização legal da desobediência, no ordenamento jurídico português há um

dispositivo que a faz de modo expresso. A alínea “e” do número 1 do artigo 128º do Código do

Trabalho traz explicitamente uma autorização para o trabalhador não cumprir determinadas

ordens ou instruções, ou seja, ela legitima uma hipótese de desobediência – quando aquelas

forem contrárias aos seus direitos ou garantias. Visto que o presente tópico trata apenas da

definição de desobediência legítima, este dispositivo normativo será abordado oportunamente

na presente dissertação.

3 A desobediência legítima como manifestação do direito de resistência

Em termos genéricos, o vocábulo “resistência” indica oposição, reação a uma força

opressora.42 Conforme o ponto de vista léxico, portanto, a resistência é antes uma reação do que

uma ação, trata-se de uma defesa e não de uma ofensiva.43 Na seara do direito, resiste-se contra

a violação de lei, ou até mesmo contra a própria lei que viole padrões de justiça.44

42 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda – Dicionário Aurélio de língua portuguesa cit., p.1826 43 MATTEUCCI, Nicola – Dicionário de Política, L – Z, 12ª ed., Brasília, 2004, p.1114 44 VIANA, Márcio Túlio – Direito de Resistência, São Paulo, 1996, p.24

Page 22: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

22

O direito de resistência, porém, não se dirige apenas contra a autoridade política ou

contra as leis, mas também contra grupos ou indivíduos.45 Apesar de normalmente associar-se

a resistência a questões de ordem política, o exercício da mesma pode ser realizado frente a atos

de particulares, encaixando-se inclusive em situações laborais, conforme demonstrar-se-á na

sequência.

O direito de resistência encontra-se positivado no artigo 21º da Constituição da

República Portuguesa, o qual enuncia que todos têm o direito de resistir a qualquer ordem

ofensora de seus direitos, liberdades ou garantias, bem como repelir, por meio da força, eventual

agressão, quando não for possível recorrer à autoridade pública.

Percebe-se da literalidade do artigo citado que o direito constitucional de resistência

engloba dois aspectos – o não cumprimento de ordem violadora de direitos, liberdades ou

garantias e a repulsa pela força de eventual agressão diante da impossibilidade de recurso à

autoridade pública.46 É no primeiro aspecto do referido dispositivo que reside o ponto de

contato com a desobediência legítima do trabalhador.

Para Maria da Assunção Andrade Esteves, a afirmação constitucional de um direito de

resistência, traz como consequência para a posição jurídica do indivíduo uma causa de

justificação ou de exclusão de ilicitude.47 Da mesma forma, a desobediência do trabalhador,

quando legítima, é justificada pela legislação trabalhista, excluindo-se a ilicitude de sua

conduta.

O direito de resistência constitucionalmente tutelado, encontra validade não apenas

contra atos de autoridades públicas, como também nas relações particulares, de modo que é

autorizada a resistência à ordem de entidade empregadora, tanto para proteger direitos ou

garantias de caráter pessoal, quanto os próprios dos trabalhadores.48

Ademais, por força do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, os preceitos

constitucionais que digam respeito a direitos, liberdades e garantias (como é o caso do artigo

21º) vinculam as entidades privadas, além de serem diretamente aplicáveis – é a denominada

eficácia civil dos direitos fundamentais.49

45 KAUFMANN, Arthur – Filosofia do Direito, 5ª ed., Lisboa, 2014, p.306 46 CANOTILHO, José Joaquim Gomes/ MOREIRA, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª

ed., Coimbra, 2007, p.420 47 ESTEVES, Maria da Assunção Andrade – A Constitucionalização do Direito de Resistência, Lisboa, 1989, p.99 48 CANOTILHO, José Joaquim Gomes/ MOREIRA, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada cit.,

I, p.421 49 Essa eficácia direta dos direitos fundamentais frente a relações entre particulares parte do pressuposto de que o

poderio econômico e social de entidades privadas é suscetível de ocasionar ameaças ou lesões aos indivíduos que

com eles mantenham relação. Em: DRAY, Guilherme Machado – O Princípio da Proteção do Trabalhador cit.,

p. 184

Page 23: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

23

Pode-se afirmar que o direito de resistência tem como fundamento a defesa de direitos,

liberdades e garantias.50 Tratando-se, portanto, de uma garantia não institucional – constituindo

uma posição jurídica subjetiva reconhecida ao indivíduo na qual se visa à tutela de seus direitos,

liberdades e garantias.51

O direito de resistência no contexto trabalhista, trata-se da “possibilidade jurídica que

assiste ao trabalhador de desobedecer, de não cumprir, de desconhecer as ordens da entidade

empregadora que extravasam a medida das suas obrigações.”.52 É, consequentemente, uma

exceção admitida ao dever de obediência do trabalhador, uma vez que este não significa o total

consentimento à autoridade do empregador, haja vista que entra em jogo a legitimidade da

ordem emitida.53

Dessa forma, autoriza-se ao trabalhador resistir ao cumprimento de determinada ordem

do empregador que viole seus direitos ou garantias, visando justamente tutelá-los.

O fato de o ordenamento jurídico português assegurar a garantia no emprego facilita o

exercício do direito de resistência – ao contrário do que ocorre em ordenamentos em que o

emprego não é assegurado, como no caso do brasileiro, uma vez que ao resistir a chance de o

empregador encerrar o contrato é muito maior.54

Ainda analisando de forma conjunta o direito laboral português e o brasileiro, pode-se

afirmar que o direito de resistência no ordenamento lusitano possui um conteúdo muito mais

amplo do que o jus resistentiae do direito trabalhista brasileiro, uma vez que neste último a

resistência encontra-se relacionada como contraponto ao jus variandi do empregador.55

Excetua-se da doutrina que limita o jus resistentiae do trabalhador a uma reação ao jus

variandi do empregador, o autor brasileiro Carlos Henrique Bezerra Leite, o qual afirma que o

jus resistentiae encontra raízes na subordinação jurídica e confere ao subordinado “o direito de

não cumprir as ordens ilegais, ilícitas ou contrárias às cláusulas previstas no contrato de

trabalho.”.56

Em suma, a desobediência legítima do trabalhador, em Portugal, pode ser vista como

uma manifestação do direito constitucional de resistência, haja vista corresponder a um meio

50 MEDEIROS, Rui/MIRANDA, Jorge – Constituição Portuguesa Anotada, I, 2ª ed., Coimbra, 2010, p.460 51 ESTEVES, Maria da Assunção Andrade – A Constitucionalização do Direito de Resistência cit., pp. 94 e 160 52 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador, Lisboa, 2008, p.103 53 MARTÍN VALVERDE, Antonio/ GARCÍA MURCIA, Joaquín – Tratado Práctico de Derecho del Trabajo, II,

2ª ed., Pamplona, 2012, p.369 54 Vide: DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de Direito do Trabalho, 15ª ed., São Paulo, 2016, p.1131 55 Entende-se por jus variandi a faculdade do empregador de realizar modificações na prestação laboral conforme

circunstâncias que surjam na realidade fática. Vide: BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho

cit., p.556 56 LEITE, Carlos Henrique Bezerra - Curso de Direito do Trabalho cit., p.496

Page 24: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

24

de defesa de direitos e garantias na medida em que o trabalhador deixa de cumprir determinada

ordem ilegítima violadora desses mesmos direitos ou garantias.

4 Breve histórico normativo

Para uma adequada compreensão do tema da presente dissertação, faz-se necessário

apresentar brevemente as anteriores previsões normativas em Portugal que envolvem o assunto

(mesmo que indiretamente), haja vista a falta de uma definição legal expressa a respeito da

desobediência legítima, bem como em razão da ausência de um rol exaustivo de hipóteses para

sua ocorrência tanto na legislação pretérita quanto na vigente.

Primeiramente, no que tange à subordinação do trabalhador, o Código Civil de 1867

(Código de Seabra)57 no seu artigo 1392º traz a previsão de que o serviçal assalariado se

submete a prestar seu trabalho em conformidade com as ordens e direção da pessoa servida,

sob pena de despedimento. Apresenta-se, portanto uma primitiva ideia de subordinação

jurídica, a qual, nos termos atuais, tornou-se essencial para caracterização de um contrato de

trabalho como tal.

A Lei 1952 de 10 de março de 1937 – a qual aprovou o Regime do Contrato Individual

de Trabalho – trouxe no seu artigo 1º a definição de contrato de trabalho, sendo aquele pelo

qual uma pessoa se obriga a prestar sua atividade profissional a outra mediante retribuição e

sob a autoridade e direção desta. A referência à autoridade e direção alheia corresponde à ideia

de subordinação.58

Com pequenas modificações, o artigo 1º foi reproduzido na LCT de 1969 e também no

artigo 1152º do Código Civil, sendo também mantido no Código do Trabalho de 2003 (artigo

10º). Já no Código do Trabalho de 2009, acrescentou-se ao conceito de contrato de trabalho um

elemento novo – a organização – e, mesmo tendo sido retirada a palavra “direção” da redação

do dispositivo, a subordinação não restou prejudicada.59

Quanto à referência ao dever de obediência do trabalhador, o número 1º do artigo 1383º

do Código de Seabra enunciava que o serviçal devia obediência a seu amo em tudo que não

fosse ilícito, ou que contrariasse as condições de seu contrato. Nota-se, com tal previsão, um

indício do que viria a se tornar o que hoje se conhece como dever de obediência do trabalhador

57 Disponível em: http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Codigo-Civil-Portugues-de-1867.pdf 58 RESENDE, Feliciano Tomás de – Contrato de Trabalho. Legislação anotada, Coimbra, 1970, pp.47 ss. 59 Sobre o tema vide a anotação de Pedro Romano Martinez ao artigo 11º do Código do Trabalho de 2009 em:

MARTINEZ, Pedro Romano/ MONTEIRO, Luis Miguel/ VASCONCELOS, Joana/ BRITO, Pedro Madeira de/

DRAY, Guilherme/ SILVA, Luís Gonçalves da – Código do Trabalho Anotado, 10ª ed., Coimbra, 2016, pp.124

ss.

Page 25: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

25

e, também, que a obediência do serviçal não era absoluta. Assim, o referido dispositivo

autorizava a desobediência frente a comandos ilícitos ou que contrariassem o contrato.

A Lei 1952 de 10 de março de 1937, no seu artigo 20º, instituía um dever de obediência

do trabalhador, no qual o mesmo deveria cumprir as ordens e instruções da entidade patronal

com exceção daquelas que afrontassem seus direitos e garantias. Salvo pequenas alterações na

redação do dispositivo, o dever de obediência do trabalhador foi repetido nos mesmos moldes

em todos os posteriores diplomas legais.60 Dessa forma, pode-se afirmar que em todas as

versões da legislação trabalhista portuguesa foi admitido o direito do trabalhador de

desobedecer às ordens ou instruções que afrontem seus direitos e garantias – autorizando

expressamente essa modalidade de desobediência.

A abusividade da sanção disciplinar aplicada à desobediência legítima do trabalhador

está prevista desde a LCT de 1937, cuja redação foi repetida em todos os diplomas até o vigente

Código do Trabalho.61 O artigo 32º da LCT já fazia remissão à previsão do dever de obediência,

confirmando a autorização legal do incumprimento a ordens ou instruções que violem direitos

ou garantias do trabalhador.

Conclui-se com a apresentação desse breve histórico normativo que, desde os seus

primórdios, a legislação trabalhista portuguesa alterou os dispositivos que dizem respeito ao

tema da presente dissertação de modo insignificante, mantendo-se o mesmo tratamento

dispensado à desobediência legítima do trabalhador desde 1937.

5 Enquadramento normativo da desobediência legítima

A desobediência legítima do trabalhador não encontra uma definição expressa no

ordenamento jurídico português que a delimite de modo preciso. Porém, no Código do Trabalho

de 2009 encontram-se alguns dispositivos que a preveem e fundamentam.

Por questões meramente didáticas, os artigos aqui referidos serão apresentados em

ordem crescente de numeração, conforme aparecem no Código, sem ter a intenção de se

estipular maior importância entre um ou outro dispositivo.

Primeiramente, há que se discorrer a respeito do já mencionado artigo 11º do Código do

Trabalho, o qual, ao tratar da definição legal do contrato laboral, apresenta elementos

indispensáveis ao desenvolvimento do tema desta dissertação.

60 O artigo 20º da LCT de 1937 corresponde ao artigo 20º da LCT de 1969; ao artigo 121º do Código do Trabalho

de 2003 e ao artigo 128º do Código do Trabalho de 2009. 61 As sanções consideradas abusivas constavam no artigo 32º da LCT de 1937 e da de 1939, foram transpostas ao

artigo 374º no Código do Trabalho de 2003 e, atualmente estão previstas no artigo 331º do Código do Trabalho de

2009.

Page 26: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

26

Diferentemente do Código de 2003, a definição de contrato de trabalho do diploma de

2009 afirma que contrato de trabalho é aquele que, em troca de uma retribuição, constitui uma

obrigação de uma pessoa a outra (ou outras) de prestar sua atividade no âmbito de organização

e sob a autoridade destas.

Nota-se, portanto, que o termo “direção” foi substituído pelo elemento organizatório

que no Código de 2003 constava no artigo 12º ao tratar da presunção da existência de contrato

de trabalho.62

Para António Monteiro Fernandes, o referido elemento organizatório constante no artigo

11º significa que no contrato laboral o trabalhador não atua em uma organização que lhe seja

própria, mas sim em uma organização alheia, em proveito de outrem.63

De acordo com Bernardo da Gama Lobo Xavier, o termo “autoridade” contém o

essencial da ideia de direção.64 Dessa forma, mesmo que a palavra direção tenha sido suprimida

da nova redação legal, implicitamente o contrato de trabalho continua sendo aquele prestado

sob a direção alheia.

Da redação trazida pelo Código do Trabalho de 2009, extrai-se que o trabalhador, ao

prestar sua atividade, está sujeito à autoridade da entidade empregadora, no âmbito da

organização desta. Portanto, da noção legal de contrato de trabalho emerge o seu elemento

“subordinação jurídica”, o qual reflete a posição de desigualdade ocupada pelas suas partes: de

um lado está o trabalhador dependente e inserido numa organização que não é sua; de outro, o

empregador que ocupa uma posição de domínio, consequência de ser titular dos poderes

diretivo e disciplinar da relação laboral.65

Assim, o artigo 11º reveste-se de importância para o presente tema pois trata da

subordinação jurídica, elemento essencial ao contrato de trabalho, que vinculará o trabalhador

a um dever de obediência para com o seu empregador.

Dando sequência à exposição normativa, há que se fazer referência à alínea “e” do

número 1 do artigo 128º do Código do Trabalho, a qual estipula o dever de obediência do

trabalhador. A referida alínea faz uma ressalva no dever do trabalhador de cumprir as ordens e

instruções do empregador no que dizem respeito à execução ou disciplina e também no que

62 Artigo 12º do Código do Trabalho de 2003 (Redação dada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março) – Presume-se

que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura

organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste,

mediante retribuição.” 63 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.124 64 Ainda, de acordo com o autor, a mudança na redação do dispositivo referido apresenta importância dogmática,

mas não se verifica uma alteração na prática. XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho

cit., pp. 305 ss. 65 Sobre o tema, vide: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp. 32 ss.

Page 27: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

27

tangem à segurança e saúde no trabalho. Tal ressalva se trata do não cumprimento (por parte

do trabalhador) de ordens e instruções que sejam contrárias aos seus direitos e garantias.

Desse modo, pode-se extrair do mencionado dispositivo legal que o não cumprimento

do dever de obediência, quando a ordem ou instrução fere os direitos e garantias do trabalhador,

é legítimo.

Assim, a alínea “e” do nº 1 do artigo 128º limita os poderes da entidade empregadora e

a subordinação do trabalhador, admitindo a possibilidade de uma desobediência legítima.66

Ainda, o artigo 128º traz uma segunda referência ao dever de obediência no seu nº 2.

Tal número é importante no que tange à desobediência, uma vez que define os sujeitos

emissores de ordens que o trabalhador deve cumprir. Estabelece, portanto, que as ordens e

instruções a serem obedecidas podem ser provenientes tanto do empregador quanto de superior

hierárquico do trabalhador (este último dentro dos poderes que aquele lhe atribuiu).

No tocante à matéria de segurança e saúde no trabalho, o dever de obediência do

trabalhador está previsto no nº 7 do artigo 281º do Código do Trabalho, o qual dispõe que este

deve cumprir as prescrições a respeito dessa matéria estabelecidas em lei ou em instrumento

coletivo e, inclusive, as determinadas pelo empregador. Dessa forma, pode-se afirmar que o

trabalhador deve obediência às ordens e instruções emitidas pela entidade empregadora que

tratem sobre segurança e saúde no âmbito laboral.

Uma vez que a alínea “e” do nº 1 do artigo 128º já enuncia o dever de obediência às

ordens e instruções que tratem de segurança e saúde no trabalho (prevendo inclusive o seu

descumprimento por parte do trabalhador quando as mesmas forem contrárias a seus direitos

ou garantias) pode-se afirmar que o foco do nº 7 do artigo 281º não se trata do dever de

obediência em si, mas diz respeito à observância de todas as regras e normas sobre segurança e

saúde do trabalhador tendo em vista a prevenção de riscos.

Outro dispositivo relevante para o tema é a alínea “b” do nº 1 do artigo 331º do Código

do Trabalho, segundo a qual se considera abusiva a sanção disciplinar motivada pelo

incumprimento do trabalhador a uma ordem que não deva obediência. Logo, a mencionada

alínea prevê de modo expresso que a desobediência, quando legítima, não só não pode ser

sancionada, como que, em caso de ocorrência de sanção disciplinar, esta deve ser considerada

abusiva.

Além do caráter abusivo da sanção aplicada à desobediência legítima, o citado

dispositivo (na parte final da alínea) faz uma remissão ao artigo 128º, no seu nº 1 alínea “e” e

66 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.124

Page 28: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

28

nº 2, a qual sinaliza duas hipóteses de autorização legislativa da recusa do trabalhador ao

cumprimento de ordens e instruções do empregador. A primeira delas é quando o comando

proferido for contrário aos direitos e garantias do trabalhador, e a segunda trata da hipótese de

emissão de diretriz por sujeito incompetente.

Essa referência indica que a análise da legitimidade da desobediência deve ter em conta

os parâmetros estabelecidos para o dever de obediência, ou seja, o trabalhador só está vinculado

a obedecer às ordens ou instruções que não sejam contrárias aos seus direitos e garantias e

também que sejam provenientes dos sujeitos com poderes para serem os emitentes de tais

comandos.

Conclui-se, com a leitura da alínea “b” do nº 1 do artigo 331º, que a prática da

desobediência legítima pelo trabalhador está prevista na legislação trabalhista portuguesa,

apesar de não estar explicitamente definida.

Cumpre ainda fazer referência ao artigo 394º (nº 2, alínea “c”) do Código do Trabalho,

o qual faculta ao trabalhador resolver o seu contrato laboral em virtude da aplicação de sanção

abusiva pelo empregador. Logo, eventual punição a um comportamento que se caracterize como

desobediência legítima constitui justa causa de resolução do contrato de trabalho, dada a

abusividade da sanção imposta.

Por último, resta fazer menção à alínea “a” do nº 2 do artigo 351º do Código do

Trabalho, a qual enuncia que constitui justa causa de despedimento a desobediência ilegítima

do trabalhador a ordens proferidas por seus superiores hierárquicos. O fato de o Código do

Trabalho enunciar de modo expresso a palavra “ilegítima” autoriza a conclusão de que nem

toda desobediência assim o é, e, portanto, quando a desobediência for legítima, não constitui

justa causa de despedimento.

Por caracterizar uma infração disciplinar (podendo acarretar inclusive uma justa causa

de despedimento), a desobediência ilegítima possui o caráter de ato ilícito, uma vez que ocorre

uma violação de um dever de obediência exigível, ao contrário do que ocorre ne desobediência

legítima.

Vale destacar que não são apenas os artigos mencionados nesse tópico que são

relevantes para a delimitação de situações de desobediência legítima, porém, pode-se afirmar

que os dispositivos abordados acima ditam os contornos básicos da mesma.

Page 29: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

29

PARTE II – A EMISSÃO DE ORDENS E INSTRUÇÕES

1 A subordinação jurídica do trabalhador

O termo subordinação (oriundo do latim subordinatio – o qual significa submissão,

sujeição) revela uma condição imposta a alguém, implicando numa situação de dependência

em relação a outras pessoas, as quais terão autoridade para emitir ordens que deverão ser

cumpridas pelo sujeito que se encontra naquela condição.67

Conforme referido anteriormente no presente trabalho, costumeiramente a legislação

portuguesa ao conceituar o contrato de trabalho dispunha que este era o contrato no qual uma

pessoa se obriga a prestar a sua atividade sob autoridade e direção de outra.

Tradicionalmente, a doutrina relacionava os elementos (daquela definição legal)

“autoridade” e “direção” à subordinação. No entanto, no atual Código do Trabalho, o termo

“direção” foi suprimido, deixando a subordinação do trabalhador de ser referenciada apenas

pelos dois citados elementos, aludindo-se a um elemento novo – a organização.68

Sem adentrar no mérito da questão da nova redação, há que se reconhecer que a

subordinação jurídica é elemento essencial do contrato de trabalho e sua existência não é

questionada, apesar da supressão do termo “direção” do artigo 11º.

A desigualdade entre as partes no contrato de trabalho (onde o trabalhador possui uma

dependência do empregador e este exerce uma posição de domínio sobre aquele) relaciona-se

intimamente com o elemento subordinação jurídica.69 Dessa forma, do lado ativo há a conduta

orientadora e com poder de comando do empregador, enquanto do lado passivo encontra-se o

comportamento de conformidade do trabalhador com a execução da prestação nos termos

ditados por aquele.70

O ponto essencial para diferenciar um contrato de trabalho de outras figuras

(notadamente do contrato de prestação de serviços) reside no elemento subordinação jurídica,

o qual consiste “numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador

na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro

dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.”.71

67 SILVA, De Plácido e – Vocabulário jurídico cit., p.1329 68 Vide anotação de Pedro Romano Martinez ao artigo 11º do CT em: MARTINEZ, Pedro Romano/ MONTEIRO,

Luis Miguel/ VASCONCELOS, Joana/ BRITO, Pedro Madeira de/ DRAY, Guilherme/ SILVA, Luís Gonçalves

da – Código do Trabalho Anotado cit., p.124 69 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.32 70 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.70 71 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.121

Page 30: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

30

Logo, a subordinação jurídica se trata do “elemento distintivo fundamental do contrato

de trabalho”, uma vez que se pode afirmar a existência de um contrato de trabalho quando a

atividade do trabalhador for desenvolvida com sujeição à autoridade e aos poderes do

empregador. 72

Dessa forma, a subordinação jurídica é decorrente basicamente do poder de direção do

empregador, ao qual é correlato o dever de obediência do trabalhador.73 Assim sendo, a

subordinação jurídica assume pertinência temática com a desobediência legítima do

trabalhador, restando impossibilitada a análise desta figura sem aquela.

Afirmar que a subordinação jurídica está intrinsicamente relacionada ao poder de

direção do empregador não é o mesmo que dizer que aquela pode ser verificada com o mero

cumprimento de diretrizes ou instruções por parte do trabalhador, posto que tal fato também

pode ser existente no contrato de prestação de serviços (tendo em vista assegurar neste a

obtenção do resultado e a qualidade no serviço prestado).74

Outro indicativo de que subordinação jurídica do trabalhador não se restringe ao mero

cumprimento de ordens é o fato de que estas não são necessárias para a existência daquela, pois,

por vezes, o trabalhador sequer recebe diretrizes e instruções diretamente do empregador.

Diante disso, António Monteiro Fernandes afirma que a subordinação jurídica é um

estado potencial, haja vista não ser necessário que a dependência fique explícita em atos de

direção efetiva.75 Do mesmo modo entende o Tribunal da Relação de Évora, ao afirmar que a

subordinação jurídica pode ser verificada com “a mera possibilidade de existência de ordens,

ou seja, de direção da atividade do trabalhador pelo empregador ainda que só no tocante ao

lugar e/ou ao momento da prestação dessa atividade.”.76

A subordinação jurídica, portanto, vai além do cumprimento de ordens e a verificação

de sua existência na prática é, por muitas vezes, tormentosa. Para auxiliar nessa árdua tarefa é

que foi estabelecido pelo artigo 12º do Código do Trabalho um critério técnico-jurídico, criado

72 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Delimitação do Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade no

novo Código do Trabalho – Breves notas, in Estudos em homenagem ao professor doutor Carlos Ferreira de

Almeida, III, Coimbra, 2011, 561- 580, p.565 73 Ac. STJ de 04/02/2015, (Nº 437/11.0TTOAZ.P1.S1), www.dgsi.pt 74 Ac. STJ de 09/09/2015, (Nº 3292/13.1TTLSB.L1.S1), www.dgsi.pt. Também, no acórdão de nº

329/08.0TTFAR.E1.S1, o STJ afirma que quem encomenda um serviço não pode ficar impedido de emitir

instruções a respeito das intenções com o mesmo e do modo como pretende ver realizado. Em: Ac. STJ de

15/09/2016, (Nº 329/08.0TTFAR.E1.S1), www.dgsi.pt. 75 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.121 76 Ac. REv. de 26/02/2015, (Nº 534/13.7TTPTM.E1), www.dgsi.pt. Do mesmo modo entende Júlio Manuel Vieira

Gomes, o qual afirma que a mera possibilidade de exercício do poder de direção é suficiente para a subordinação

jurídica. Em: GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p. 121

Page 31: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

31

pela jurisprudência, chamado de “método indiciário”, por meio do qual se presume a existência

de um contrato de trabalho por meio de “índices de subordinação”.77

Através da Lei 63/2013, o legislador buscou instituir mecanismos de combate a

situações de trabalho subordinado com aparência de contrato de prestação de serviços, haja

vista que a utilização indevida desta última figura demonstra uma precariedade nas relações

laborais, privando o trabalhador de uma série de direitos.

Apesar da dificuldade que eventualmente possa se apresentar quanto à existência da

subordinação em determinados contratos de trabalho, para o desenvolvimento da presente

dissertação, parte-se da premissa que a mesma não é questionada, ou seja, ela existe nas

situações hipotéticas em discussão. Em outras palavras, as situações se encaixam no critério de

presunção de contrato de trabalho através dos índices de subordinação estabelecidos pelo artigo

12º do Código do Trabalho. Isso decorre especialmente do fato de que, se não há subordinação

jurídica, não existe o dever de obediência, logo não se poderia falar em desobediência.

1.1 A essencialidade da subordinação jurídica no contrato de trabalho

Não se pode afirmar a existência de um contrato de trabalho se a atividade prestada não

for realizada de modo subordinado. Assim, no âmbito do contrato de trabalho é imprescindível

que exista uma subordinação jurídica.78

A essencialidade da subordinação jurídica como “elemento integrador do contrato de

trabalho” não é exclusividade do ordenamento jurídico português, mas também encontra

validade nos sistemas estrangeiros.79

A subordinação está prevista como elemento essencial do contrato de trabalho no nº 1,

do “articulo 23” do “Codigo Sustantivo del Trabajo” colombiano, juntamente com a prestação

da atividade e o salário. Esses três elementos são requisitos para a existência do contrato laboral

em tal ordenamento jurídico. 80

77 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.98. O artigo 12º do Código do Trabalho de 2009,

modificou substancialmente a redação trazida pelo Código de 2003. De acordo com o Tribunal da Relação de

Évora: “Se é verdade que o estabelecimento daquela primeira presunção legal de laboralidade, em termos

práticos, em nada beneficiava o trabalhador uma vez que a mesma apenas se verificaria se este alegasse e,

posteriormente, lograsse demonstrar estar na dependência e inserido em estrutura organizativa do beneficiário

da atividade e realizar a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização do empregador, mediante o

percebimento de uma retribuição, já com a estipulação desta última presunção, bastará ao trabalhador alegar e

demonstrar que, na relação existente entre si e o empregador se verificam algumas, pelo menos duas, das

apontadas características, para que compita a este o ónus da elisão dessa presunção de laboralidade.”. Em: Ac.

REv. de 26/02/2015, (Nº 534/13.7TTPTM.E1), www.dgsi.pt 78 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho, 7ª ed., Coimbra, 2015, p.151 79 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.152 80 Codigo Sustantivo del Trabajo disponível em:

http://www.secretariasenado.gov.co/senado/basedoc/codigo_sustantivo_trabajo.html

Page 32: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

32

Do mesmo modo afirmam os autores brasileiros Orlando Gomes e Elson Gottschalk:

“Para haver contrato de trabalho basta que aquele que presta o serviço seja um trabalhador

juridicamente subordinado, que seu trabalho seja dirigido. ”.81

A jurisprudência portuguesa também entende que a existência da subordinação jurídica

é que caracterizará um contrato de trabalho como tal, traduzida no fato de o trabalhador prestar

sua atividade sob a autoridade do empregador.82

Tamanha é a importância da subordinação jurídica que é a situação de trabalho

subordinado que delimita a área de atuação do próprio Direito do Trabalho e caracteriza um

contrato cuja prestação é subordinada como sendo um contrato de trabalho.83

É a dependência jurídica do prestador da atividade para com o empregador que irá

diferenciar o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços84, sendo este livre da

subordinação e revelando importância no resultado da atividade.85 Ainda a respeito do resultado

da atividade prestada, cumpre mencionar que este está fora do âmbito do contrato de trabalho,

não sendo o trabalhador responsabilizado pela não obtenção de tal resultado (salvo algumas

específicas exceções).86

Portanto, pode-se afirmar que a subordinação jurídica constitui um critério diferenciador

do relacionamento entre as partes nos referidos contratos, traduzindo-se (de acordo com o

acórdão do STJ de nº3292/13.1TTLSB.L1.S1): “no poder de autoridade e direcção do

empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o

trabalhador se obrigou, ditando as suas regras, dentro dos limites do contrato celebrado e das

normas que o regem.”.87

Sem a subordinação jurídica caracterizadora do contrato de trabalho, não há o que se

falar em sujeição do trabalhador à observância de ordens e instruções emitidas pela entidade

empregadora. Consequentemente, sem a subordinação não haveria a exigibilidade de um dever

81 GOMES, Orlando /GOTTSCHALK, Elson – Curso de direito do trabalho, 17ª ed., Rio de Janeiro, 2006, p.134 82 Ac. REv. de 26/02/2015, (Nº 534/13.7TTPTM.E1), www.dgsi.pt 83 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.113 84 O contrato de prestação de serviços encontra-se previsto no artigo 1154º do Código Civil, o qual enuncia:

“Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo

resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”. 85 Conforme: Ac. STJ de 04/02/2015, (Nº 437/11.0TTOAZ.P1.S1), www.dgsi.pt. 86 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.114 87 Ac. STJ de 09/09/2015, (Nº 3292/13.1TTLSB.L1.S1), www.dgsi.pt. Ainda, segundo o referido acórdão a

dissemelhança entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços reside em dois elementos, o

primeiro seria o objeto do contrato, onde naquele se trata da prestação da atividade do trabalhador e neste na

obtenção do resultado da prestação; e o segundo elemento seria justamente o relacionamento entre as partes

contratantes, onde no contrato de trabalho haveria a subordinação jurídica e no contrato de prestação de serviços

haveria autonomia destituída de tal subordinação.

Page 33: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

33

de obediência, motivo pelo qual esse elemento essencial do contrato laboral é de suma

importância para que se possa falar em desobediência.

2 Poder de direção do empregador

O empregador ocupa no contrato de trabalho uma posição de supremacia, a qual se

concretiza com a atribuição de poderes a ele, os quais serão exercidos frente aos trabalhadores.88

A atribuição de poderes ao empregador mantém relação com a autoridade deste enquanto

organizador da atividade, conforme estabelece o artigo 11º do Código do Trabalho.89

Tradicionalmente, os poderes do empregador são divididos em três: poder de direção, poder

disciplinar e poder regulamentar.90

A prestação da atividade objeto do contrato de trabalho reveste-se de relativa

indeterminação. Assim, cabe à entidade empregadora coordenar tal atividade do trabalhador

tendo em vista a obtenção da finalidade produtiva.91 Dessa forma, o empregador especifica a

atividade a ser prestada, tanto em abstrato (através do poder regulamentar), como em concreto

(emitindo ordens, baseadas em seu poder diretivo) e, ainda, fiscaliza e sanciona eventuais

desvios (haja vista lhe ser concedido poder disciplinar para tal).92 Logo, os poderes concedidos

ao empregador relacionam-se com o fato de o mesmo ter de gerir a atividade laboral para que

se obtenha o resultado pretendido com a organização.

Os poderes do empregador previstos no Código do Trabalho devem ser compreendidos

levando-se em conta os princípios constitucionais que os embasam, uma vez que estes

possibilitam ao empregador a liberdade de gestão de sua empresa (visando garantir, assim, o

seu funcionamento) modelando a atividade do trabalhador através de ordens e instruções.93

Dessa maneira, assumem especial relevância os artigos 80º alínea “c” e 86º nº 2 da

Constituição da República Portuguesa, os quais garantem a liberdade de gestão do empregador.

Ainda, há que se fazer referência ao nº 3 do artigo 82º, que garante ao setor produtivo privado

a propriedade ou gestão de seus meios de produção, e ao artigo 61º, nº 1, o qual consagra a

liberdade de exercício da iniciativa privada nos moldes constitucionais, legais e de interesse

geral.

88 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito do Trabalho cit., p.357 89 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.238 90 “Tradicionalmente” porque essa divisão comporta variações, como, por exemplo, o não reconhecimento do

poder regulamentar como um poder autônomo. 91 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.312 92 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.309 93 DRAY, Guilherme Machado – O Princípio da Proteção do Trabalhador cit., pp.399 s.

Page 34: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

34

Quanto ao último dispositivo mencionado, o qual faz referência à liberdade de empresa,

é relevante esclarecer que tal princípio vai além da criação da organização produtiva pelo

empresário, englobando o poder do empregador de “estabelecer a sua organização e, bem

assim, de lhe introduzir as modificações que lhe forem consideradas adequadas”.94 Portanto,

o poder de direção concedido ao empregador pela legislação ordinária se assenta no referido

princípio.

Ainda no que tange aos princípios que embasam o poder de direção do empregador,

merece destaque o princípio geral da salvaguarda dos interesses de gestão95, o qual se trata de

um conjunto de regras que visa a tutelar a subsistência do próprio vinculo laboral, fazendo

prevalecer os interesses do empregador no contrato. Do referido princípio decorrem projeções

(ao nível de lei), sendo que, as emanações que se referem à prevalência dos interesses do

empregador nas modificações de tempo e local de trabalho, envolvem intrinsicamente o poder

diretivo da entidade empregadora.96

O poder diretivo do empregador encontra previsão legal no artigo 97º do Código do

Trabalho. Conforme enuncia o citado preceito legal, o poder de direção do empregador é aquele

pelo qual compete a este estabelecer os termos em que a atividade laboral será prestada. Dessa

forma, o empregador emitirá diretrizes ao trabalhador. Ainda de acordo com o referido

dispositivo, os termos estabelecidos serão limitados pelo próprio contrato de trabalho e pelas

normas que o regem.

Assim, pode-se afirmar que o poder de direção é um poder de comando sobre os

trabalhadores e de ordenação das prestações de trabalho.97 Ou, ainda: “um poder de adequação

da conduta do trabalhador no cumprimento da prestação do trabalho e dos deveres inerentes

às necessidades do credor.”.98

De acordo com Bernardo da Gama Lobo Xavier, o poder diretivo desdobra-se em poder

determinativo da função, o qual designa a faculdade do empregador de atribuir a função ao

trabalhador (nos moldes do artigo 118º, nº 1, do CT), e poder conformativo da prestação – sendo

a faculdade da entidade empregadora de dar ordens e instruções visando à concretização da

94 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.93 95 Apontado por Maria do Rosário Palma Ramalho como uma das vertentes do “princípio da compensação da

posição debitória complexa das partes no contrato de trabalho” em contraponto ao princípio da proteção do

trabalhador. Em: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, pp.534 ss. 96 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.543 97 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.26 98 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.721

Page 35: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

35

prestação e a sua adequação aos fins empresariais (ou seja, estabelecer os termos da prestação,

conforme enuncia o artigo 97º).99

É nesse último desdobramento mencionado que reside a importância do poder de

direção para o tema da desobediência. Esse conteúdo de conformação da atividade laboral do

poder diretivo encontrará, como correlativo na esfera do trabalhador, o dever de obediência

(nos moldes do artigo 128º, nº 1, alínea “e” do CT).100

É recorrente na doutrina a questão da natureza jurídica do poder diretivo. As

divergências começam na definição se este se trata, ou não, de um direito subjetivo e, em caso

afirmativo, se esse direito subjetivo seria um direito potestativo ou um direito subjetivo em

sentido estrito.101 O enquadramento da natureza jurídica que mais se adequa ao presente

trabalho é no sentido de que o poder de direção se traduz em um direito potestativo, na medida

em que o empregador emite comandos unilaterais, os quais correspondem a um estado de

sujeição do trabalhador (revelado através do dever de obediência).

Assim como a natureza jurídica do poder diretivo, a justificação deste também comporta

variações de entendimentos. Para Maria do Rosário Palma Ramalho, não obstante as demais

variações, o poder diretivo é justificado fundamentalmente pela conjugação de dois

argumentos: o conteúdo relativamente indeterminado da prestação laboral (diante do qual o

empregador terá que especificar e adequar a conduta do trabalhador) e a necessidade de

coordenação da prestação laboral frente a dos demais trabalhadores e em consonância com as

exigências da organização.102

No sistema juslaboral brasileiro, a direção, pelo empregador, da prestação da atividade

está prevista no caput do artigo 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas.103 Conforme

enunciado em tal dispositivo, o poder de proferir as ordens de comando no exercício da

atividade laboral justifica-se em razão de que o empregador assume os riscos da atividade

econômica. Portanto, do ponto de vista do direito trabalhista brasileiro, o poder de dirigir a

organização (e assim ditar os moldes de concretização da atividade laboral) concentra-se na

mão do empregador sob a justificativa de que este é o possuidor do controle jurídico da empresa

99 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., pp.447 s. 100 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.239. Cumpre mencionar que embora se

concorde com o autor na afirmação de que o poder de direção encontra como correlato um dever de obediência,

entende-se que o dever de obediência não se limita a esse poder, englobando também os comandos emitidos em

razão do poder disciplinar e das diretrizes genéricas previstas no regulamento de empresa. 101 ASSIS, Rui – O Poder de Direcção do Empregador cit., p.58 102 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.730 103 Artigo 2º - “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade

econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. ”

Page 36: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

36

e, também, em decorrência do fato de que recai sobre o mesmo o princípio da assunção dos

riscos da atividade.104

Feito esse pequeno adendo a respeito da legislação brasileira, conclui-se que ao

empregador é conferida a faculdade de ditar os moldes da execução da atividade prestada

(através do poder de direção), uma vez que o mesmo estabelece a organização produtiva,

assumindo eventuais riscos econômicos oriundos desta, e, que é, em decorrência da sua

adequada gestão, que a mesma subsistirá e com ela os próprios contratos de trabalho. Assim,

confere-se ao empregador o poder de direção com a finalidade de assegurar a boa execução do

trabalho e, em virtude disso, a normalidade na condução da atividade empresarial.105

2.1 Sujeitos do poder de direção

Por mais óbvio que pareça o assunto do presente tópico, é necessário pormenorizar

algumas situações envolvendo os possíveis sujeitos do poder de direção, especialmente no

tocante ao sujeito ativo, por questões de determinação da legitimidade da ordem ou instrução

proferida.

Primeiramente, é mister distinguir a titularidade e o exercício do poder de direção. O

artigo 97º do Código do Trabalho institui a competência para estabelecer os termos em que o

trabalho será desenvolvido ao empregador.106 Dessa forma, o aludido dispositivo normativo,

juntamente com o artigo 11º do Código do Trabalho (na medida em que se refere à autoridade),

atribuem a titularidade do poder de direção ao empregador.107 Essa regra, porém, não é absoluta,

conforme será indicado no desenrolar deste tópico.

António Menezes Cordeiro ressalta que o verdadeiro empregador, titular do poder de

direção, é a entidade credora do trabalho, mesmo que o exercício de tal poder nas pessoas

coletivas seja realizado por pessoas singulares, as quais, muitas vezes, também trabalham para

aquela entidade.108

O exercício do poder diretivo por outros trabalhadores vem regulado pelo nº 2 do artigo

128º do Código do Trabalho. De acordo com indigitada norma, o trabalhador deve obediência

104 DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de Direito do Trabalho cit., p.734 105 ALMEIDA, Fernando Jorge Coutinho de – Os poderes da entidade patronal no direito português, RDE, 1977,

301-336, p.305 106 Entende-se por empregador “a pessoa individual ou coletiva que, por contrato, adquire o poder de dispor da

força de trabalho de outrem, no âmbito de uma empresa ou não, mediante o pagamento de uma retribuição.”.

Em: FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.120 107 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.726 108 É o caso, por exemplo, dos gestores ou diretores. Em: CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de

Direito do Trabalho cit., p.116. Para um aprofundamento nesta questão, vide: XAVIER, Bernardo da Gama Lobo

– Procedimentos laborais na empresa. Ensinar e investigar, Lisboa, 2009, pp.121 ss.

Page 37: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

37

tanto às ordens e instruções que provierem do empregador, quanto às que sejam emanadas de

eventual superior hierárquico seu, quando a entidade empregadora atribuir a este último

poderes para tal.

Assim, em virtude do fato de que com frequência as empresas apresentam uma estrutura

hierarquizada, o sujeito que irá exercer o poder de direção poderá ser algum trabalhador que

ocupe uma posição cimeira na empresa.109 O que ocorre nessas situações é que o empregador

não exerce de modo pessoal sua autoridade e direção na empresa, delegando a trabalhadores a

competência de determinar os termos da prestação laboral.110

Desse modo, pode-se afirmar que uma ordem emitida por superiores hierárquicos do

trabalhador, com poderes para tal, será legítima quanto ao seu sujeito, haja vista a norma laboral

ter instituído a competência de exercício do poder de direção também para essas pessoas.

Ainda, outras situações que dizem respeito à titularidade e ao exercício de possíveis

sujeitos ativos do poder de direção, omissas no artigo 97º, mas emanadas de outros artigos do

Código do Trabalho, são: a do cessionário durante a cedência ocasional e do utilizador no

trabalho temporário.

Quanto ao cessionário, o artigo 288º do diploma laboral expressamente indica que

durante a cedência ocasional do trabalhador o exercício do poder diretivo fica a seu cargo.

Também, o nº 1 do artigo 291º confirma a sujeição do trabalhador ao regime de trabalho

aplicável ao cessionário. Dessa forma, o que ocorre na cedência ocasional é um desdobramento

da posição de poder do empregador mediante o exercício do poder diretivo pelo cessionário

enquanto perdurar a cedência.111

Já na situação do trabalho temporário, além do exercício, a titularidade do poder diretivo

é atribuída ao utilizador do trabalho temporário112, e não à empresa de trabalho temporário (que

é a empregadora).113 Assim, a questão da titularidade do poder de direção no trabalho

temporário apresenta-se como uma exceção à regra estipulada pelo artigo 97º do Código

laboral, na qual a titularidade do mesmo compete ao empregador.

109 Com base em: MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.155 110 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito do Trabalho cit., p.364. Essa situação o autor chama de

“fenômeno do empregador sem face”, tendo em vista que o trabalhador acaba mantendo uma relação pessoal

apenas com os seus superiores hierárquicos, os quais são igualmente trabalhadores. 111 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp. 727 e 819 112 Vide artigo 185º, nº 2 do Código do Trabalho. 113 Maria do Rosário Palma Ramalho explica que a atribuição da titularidade do poder diretivo ao utilizador do

trabalho temporário ocorre em virtude da natureza das coisas (e não pela delegação de poderes), haja vista que a

empresa de trabalho temporário não pode “direccionar o trabalhador no desempenho de uma actividade que não

constitui o objecto de negócio da própria empresa.”. Em: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de

Direito do Trabalho cit., II, pp.726 e 336

Page 38: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

38

Uma vez que a legislação trabalhista expressamente determina quem poderá exercer o

poder diretivo, eventual ordem proferida por sujeitos que não se enquadrem nas hipóteses

previstas, deverá ser considerada ilegítima, não sendo exigível ao trabalhador a sua observância.

No tocante ao sujeito passivo do poder de direção (aquele que recebe a ordem ou

instrução), importa mencionar que o trabalhador pode ser individualmente considerado ou de

modo coletivo. Nas empresas com maior número de funcionários as ordens ou instruções são

geralmente expedidas a uma coletividade de trabalhadores, uma vez que as ações da entidade

empregadora devem ser coerentes para que se obtenha alguma finalidade específica.

Ainda no que diz respeito ao sujeito passivo do poder de direção, importa mencionar

que, considerando que compete ao empregador determinar o modo como a atividade laboral irá

se desenvolver, ele poderá, a princípio, dirigir tecnicamente a prestação do trabalhador.114

Porém, tendo em vista que determinados trabalhadores possuem uma autonomia técnica

inerente à atividade que prestam, a sujeição ao poder de direção do empregador não prejudicará

aquela, conforme enuncia o artigo 116º do Código do Trabalho. Portanto, trabalhadores dotados

de autonomia técnica também são sujeitos passivos do poder de direção da entidade

empregadora, mas a diferença entre eles e os demais trabalhadores residirá na abrangência do

exercício de tal poder, que não emitirá ordens ou instruções técnicas que prejudiquem a

autonomia na execução da atividade.

2.2 O poder de direção e a emissão de ordens e instruções

A ideia de “ordem” sugere a existência de uma autoridade ou direito de proferi-la,

enquanto a ideia de “obediência” é a deferência diante da referida autoridade.115 Na seara

laboral, essa emissão de comandos cabe ao empregador em decorrência da autoridade que lhe

é conferida nos termos do artigo 11º do Código do Trabalho, e a deferência às ordens emanadas

é exercida pelo trabalhador em razão do seu dever de obediência, nos moldes do artigo 128º do

citado diploma.

O artigo 128º do CT, ao afirmar que o trabalhador deve cumprir as ordens e instruções

respeitantes a execução e disciplina no trabalho, englobou de modo genérico (além dos

comandos proferidos em razão do poder de direção) as diretrizes decorrentes do poder

disciplinar do empregador (na sua faceta prescritiva) e as regras abstratas constantes no

regulamento de empresa. Por opção didática, refere-se nesse tópico apenas às ordens e

114 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.239 115 HART, H.L.A. – O conceito de Direito, São Paulo, 2009, p.25

Page 39: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

39

instruções proferidas em razão do poder de direção do empregador, sendo as demais tratadas

nos itens relativos aos correspondentes poderes.

As ordens e instruções correspondem aos meios pelos quais a entidade empregadora irá

exercer o seu poder diretivo, concretizando a atividade laboral. Em decorrência do poder de

direção da entidade empregadora é que é cabível a esta determinar de modo concreto “como,

onde, quando e de que modo” o trabalho deverá ser prestado. Assim, o empregador possui

autoridade para emitir ordens e instruções voltadas ao trabalhador visando a definir

concretamente a atividade laboral.116

Segundo os ensinamentos de Bernardo da Gama Lobo Xavier, o poder diretivo é o

“instrumento adequado que resolve a relativa indeterminação da prestação laborativa,

imposta pela natureza das necessidades a que na empresa se quis atender, contratando. ”.117

O trabalho, portanto, por implicar em uma atividade indeterminada à partida, à medida que se

desenvolve vai sendo concretizado através de ordens e instruções da entidade empregadora.

Isso decorre do fato de que o trabalho subordinado consiste em uma atividade

heterodeterminada, cujo conteúdo preciso vai sendo fixado no decorrer do contrato

unilateralmente pelo empregador (ainda que dentro de certos limites).118

O poder diretivo, visa, portanto, a especificar a obrigação do trabalhador, em razão da

natureza indeterminada da atividade laboral, a qual não pode permanecer somente num plano

genérico e indeterminado.119 Contudo, uma vez que o poder diretivo se reconduz a uma

faculdade de emissão de ordens e instruções, não se exige a sua efetividade para a caracterização

da sua existência, bastando a mera possibilidade dessa emissão.120

Em relação à forma das ordens e instruções, cumpre mencionar que o trabalhador não

pode condicionar o seu cumprimento à observância da forma escrita, sob pena de violar o seu

dever de obediência, caracterizando uma infração disciplinar.121

116 LAMBELHO, Ana /GONÇALVES, Luísa Andias – Manual de Direito do Trabalho. Da Teoria à Prática,

Coimbra, 2014, p.174 117 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.311 118 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.16 119 ASSIS, Rui – O Poder de Direcção do Empregador cit., p.34 120 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.721 121 Vide exemplificativamente: Ac. STJ de 25/01/2012, (Nº666/04.2TTVFR.P1.S1), www.dgsi.pt. O trabalhador

somente poderá fazer a exigência da forma escrita caso prevista entre as partes como direito seu, como, por

exemplo, em um acordo coletivo. No tocante a esse assunto, vide: Ac. STJ de 02/12/2004, (Nº04S2047/JSTJ000),

www.dgsi.pt

Page 40: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

40

Quanto ao modo de manifestação do poder de direção, este poderá se dar através de

ordens ou instruções individualizadas a cada trabalhador122 ou de diretrizes genéricas voltadas

a um grupo, categoria, setor da empresa ou a todos os trabalhadores da mesma.123 Ainda, o

empregador poderá exercer seu poder de direção por meio da emissão de “ordens ou

comunicações de serviço”, as quais se tratam de circulares com instruções concretas em

determinado assunto, objetivando solucionar problemas pontuais.124

O fato de o empregador poder emitir comandos genéricos, voltados a uma coletividade

de trabalhadores, não interfere na vinculação dos mesmos, sendo exigível ao trabalhador o

dever de obediência. Em outras palavras, as diretrizes ao trabalhador não necessitam ser diretas

e pessoais para que eventual incumprimento se caracterize como uma desobediência.

Diante do exposto, resta evidente a possibilidade de o empregador dar ordens ou

instruções durante o contrato de trabalho como resultado do seu poder de direção, as quais, caso

sejam violadas, acarretam um comportamento desobediente do trabalhador. Porém, para que se

possa distinguir se uma desobediência é ilegítima ou legítima é necessária a análise da ordem

ou instrução emitida que acarretou tal comportamento do trabalhador. Dessa forma, faz-se

imperativa a apreciação da legitimidade dos comandos emitidos pelo empregador. Tal exame é

o que se passa a realizar no tópico abaixo.

2.3 A legitimidade das ordens e instruções emitidas

A legitimidade dos comandos emitidos pelo empregador está intrinsicamente

relacionada com o dever de obediência a estes pelo trabalhador, uma vez que somente será

exigível ao prestador da atividade o cumprimento de ordens ou instruções legítimas. Diante de

uma diretriz ilegítima ou ilegal, “cessa o dever de obediência do trabalhador, não sendo este

responsável pelo seu não cumprimento. ”.125

A legitimidade de alguma ordem relaciona-se com a obediência inclusive fora da seara

trabalhista – é o caso, por exemplo, do crime de desobediência (previsto no artigo 348º, alínea

“b” do Código Penal). Para a configuração do crime de desobediência, impõe-se a não

observância de uma ordem legítima.

122 Através das ordens individualizadas o empregador irá ordenar em concreto um comportamento específico a um

trabalhador determinado. Vide: MOLERO MANGLANO, Carlos – Manual de Derecho del Trabajo, 12ª ed.,

Valencia, 2012, p.445 123 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.727 e RAMALHO, Maria

do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.464 124 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.636 125 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.62

Page 41: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

41

Cumpre definir, portanto, o que seriam ordens ou instruções legítimas. Conforme

previamente mencionado, o adjetivo “legítimo” indica uma situação de conformidade com o

direito, uma adequação aos moldes legais. Portanto, uma ordem ou instrução será legítima

quando obedecer aos requisitos legais impostos para a sua emissão.

Como a legitimidade confere uma autorização do ordenamento jurídico, uma ordem ou

instrução legítima será permitida por obedecer aos padrões impostos por esse mesmo

ordenamento. Para serem considerados legítimos, os comandos do empregador deverão

observar além das normas legais, os princípios jurídicos e os usos e costumes profissionais.126

A entidade empregadora, ao proferir ordens ou instruções, também fica adstrita a

observar os instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho, nos termos do artigo 1º do

CT. Extrai-se do referido dispositivo, que tais instrumentos constituem fontes laborais

específicas, razão pela qual vinculam o empregador.127

O artigo 331º (nº 1, alínea “b”) e sua remissão a duas disposições do artigo 128º (nº 1,

alínea “e” e nº 2), uma vez que define a exigibilidade do dever de obediência, permite a

afirmação de que a legitimidade das diretrizes do empregador pode ser aferida em dois aspectos:

quanto aos sujeitos emitentes e quanto ao conteúdo do comando.

Quanto à legitimidade em razão dos sujeitos emitentes das ordens ou instruções, pode-

se afirmar que um comando só será legítimo se emanado de uma autoridade competente e

regular.128 Essa autoridade competente para produzir diretrizes ao trabalhador, poderá ser o

empregador ou o superior hierárquico com poderes para tal (conforme enuncia o nº 2 do artigo

128º). Ainda, especificamente no caso de ordens produzidas em razão do poder de direção, a

autoridade competente também poderá ser o utilizador no trabalho temporário ou o cessionário

na cedência ocasional.129 Uma ordem emitida por quem não tenha poderes para tal, além de ser

ilegítima, é de fato inexistente, pois o que há é uma “aparência de ordem”.130

No tocante ao aspecto material da legitimidade dos comandos do empregador, o

conteúdo das ordens ou instruções é sujeito a uma série de limites. Quanto às diretrizes

126 DIEGUEZ CUERVO, Gonzalo / CABEZA PEREIRO, Jaime – Derecho del Trabajo, 2ª ed., Madrid, 2003,

p.173 127 Para mais desenvolvimentos sobre a temática dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho como

fontes laborais específicas, vide: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I,

pp. 259 ss. 128 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.62 129 Especificamente no que tange às ordens ou instruções decorrentes do poder de direção, os sujeitos legítimos

para proferi-las já foram definidos em tópico apartado, não existindo razão para maiores delongas neste momento. 130 ALONSO OLEA, Manuel/ CASAS BAAMONDE, Maria Emilia – Derecho del Trabajo, 26ª ed., Madrid, 2009,

p.512

Page 42: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

42

produzidas sob o crivo do poder de direção, esses limites serão abordados no tópico

subsequente.

Genericamente, a alínea “e” do nº 1 do artigo 128º conferiu a exigibilidade ao dever de

obediência às ordens e instruções que não ofendam os direitos e garantias dos trabalhadores.

Assim, determinado comando que viole direito ou garantia do trabalhador será materialmente

ilícito. Ainda, para se conferir legitimidade a alguma ordem ou instrução, ela não poderá ser

“ilícita, imoral ou vexatória, atentando contra a dignidade do trabalhador. ”.131

Segundo precedentes da common law do Reino Unido, entende-se que o trabalhador

deve obediência às ordens emitidas pelos empregadores que sejam legais e razoáveis. O critério

para determinar a razoabilidade de uma ordem seria a observância no caso concreto de uma

série de fatores: os termos do contrato de trabalho, a posição ocupada pelo trabalhador na

empresa, a profissão, dentre outros.132

O direito trabalhista espanhol, assim como o português, também condiciona a

obrigatoriedade do comando do empregador à sua licitude ou regularidade, abrangendo a

legitimidade quanto ao sujeito e quanto ao conteúdo, somente atraindo o dever de obediência

as ordens emitidas por sujeito legitimado e com conteúdo regular, conforme artigo 5.c) do

Estatuto de los Trabajadores.133

Ainda a respeito do direito espanhol, tradicionalmente, as ordens do empregador

gozavam de uma presunção juris tantum de legitimidade, devendo o trabalhador obedecê-las e

posteriormente impugná-las caso as considerasse abusivas ou lesivas.134 É o denominado solve

et repete, o qual veio a ser mitigado pela jurisprudência, reconhecendo-se situações idôneas de

negativa legítima da obediência.135 Assim, reconhece-se como exceção à regra geral, aceitando-

se a resistência do trabalhador frente a comandos contrários a lei, ao pactuado no contrato ou

em instrumento coletivo, ou, ainda, quando afetem direitos essenciais do trabalhador.136

A legitimidade (quanto ao seu conteúdo) das ordens ou instruções proferidas em razão

do poder de direção do empregador relacionam-se diretamente com os limites a esse poder. De

modo que, se estes forem ultrapassados, os comandos serão ilegítimos.

131 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.62 132 Conclusões extraídas por Simon Deakin e Gillian S. Morris, decorrentes da observância de precedentes judiciais

no Reino Unido em: DEAKIN, Simon/ MORRIS, Gillian S. – Labour Law, 5ª ed., Oxford, 2009, p.302 133 Vide: MONTOYA MELGAR, Alfredo – Derecho del Trabajo, 37ª ed., 2016, p.328 134 ALONSO OLEA, Manuel/ CASAS BAAMONDE, Maria Emilia – Derecho del Trabajo cit., p.512 135 CRUZ VILLALÓN, Jesús – Compendio de Derecho del Trabajo, 8ª ed., Madrid, 2015, p.212 136 MARTÍN VALVERDE, Antonio/ GARCÍA MURCIA, Joaquín – Tratado Práctico de Derecho del Trabajo

cit., II, p.1355

Page 43: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

43

O artigo 334º do Código Civil português delimita a figura do abuso do direito. Segundo

o citado dispositivo, será ilegítimo o exercício de um direito na medida em que o seu titular

ultrapasse os limites impostos pela boa-fé, pelo fim social ou econômico de tal direito, ou pelos

bons costumes. Dessa forma, com base no artigo 334º do referido código, pode-se afirmar que

uma ordem ou instrução do empregador que ultrapasse os limites da boa-fé, dos bons costumes

ou da finalidade social ou econômica a que se destina a atividade laboral, reveste-se de

ilegitimidade e deve ser considerada abuso do direito.

Cabe, portanto, na sequência, especificar alguns dos limites impostos ao exercício do

poder de direção do empregador, para que se possa identificar a presença da legitimidade

material nas suas ordens ou instruções, com a consequente exigibilidade do dever de obediência

por parte do trabalhador.

2.4 Limites ao exercício do poder de direção

Em decorrência do intrínseco envolvimento da pessoa do trabalhador na relação de

trabalho, o exercício do poder de direção do empregador pode trazer consequências negativas

àquele, principalmente no tocante à violação de direitos ou garantias. Dessa forma a legislação

trabalhista impõe certos limites ao exercício do referido poder. São os limites ao poder de

direção do empregador que ditarão os contornos para se determinar se uma ordem ou instrução

proferida é legítima.

O artigo 97º do Código do Trabalho estabelece genericamente dois limites ao poder de

direção do empregador: os decorrentes do próprio contrato de trabalho e aqueles que decorrem

das normas que o regem. Vale mencionar que o citado artigo (e consequentemente os limites

dele extraídos) trata apenas da vertente conformativa do poder de direção – faculdade de ditar

ordens e instruções a fim de definir os termos da prestação.

Os primeiros limites previstos no artigo 97º (aqueles que decorrem do contrato laboral)

tratam-se de contornos da relação de trabalho previamente firmados, dentro dos quais poderão

as partes restringir o poder de direção do empregador para além dos limites normativos. Desse

modo, ordens ou instruções que desrespeitem o contrato serão ilegítimas por ferirem

expressamente as restrições traçadas no artigo 97º do CT.

No direito espanhol, enquanto as ordens da entidade empregadora que sejam emitidas

dentro dos limites do contrato de trabalho possuem uma presunção de legitimidade, as que

forem proferidas fora da demarcação contratual serão presumidas como ilegítimas.137

137 ALONSO OLEA, Manuel/ CASAS BAAMONDE, Maria Emilia – Derecho del Trabajo cit., p.598

Page 44: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

44

Quanto aos limites ao exercício do poder de direção indicados pelas normas que regem

o contrato laboral, diante da inviabilidade de esgotamento do assunto, cumpre aqui discorrer

sobre alguns exemplos genéricos encontrados no Código do Trabalho.

Uma das importantes normas que regem o contrato laboral é o artigo 126º do Código do

Trabalho. Tal dispositivo enuncia o princípio da boa-fé, a ser observado pelo empregador e pelo

trabalhador, no exercício dos seus direitos e no cumprimento das suas obrigações. Dessa forma,

a boa-fé deve ser considerada como um importante limite ao empregador ao pautar sua conduta

no momento de emitir ordens ou instruções aos trabalhadores. Eventualmente, caso o

empregador exceda os limites impostos pela boa-fé, a ordem emitida no exercício do poder de

direção será ilegítima e caracterizada como abuso do direito nos termos conjugados do citado

artigo 126º do CT e do artigo 334º do Código Civil português.

Também se reveste de importância o dever de respeito que o empregador deve ter frente

ao trabalhador, pautando seu tratamento para com este com base nas máximas de urbanidade e

probidade, conforme assegura a alínea “a” do nº 1 do artigo 127º do Código do Trabalho. Assim,

pode-se afirmar que o poder de direção é limitado também pelo dever geral de respeito.

Assumem especial relevância no contrato de trabalho as normas que disponham a

respeito da saúde e da segurança do trabalhador. Dessa forma, o poder de ditar ordens e

instruções ao trabalhador deve ser limitado pelos padrões de segurança e saúde no trabalho,

com ênfase àqueles que se não forem observados são capazes de colocar em risco o prestador

da atividade.138

As ordens e instruções do empregador também são restringidas pela autonomia técnica

de certos trabalhadores (daqueles que exerçam atividade cuja regulamentação ou deontologia

profissional a tutelam), conforme expressamente dispõem os artigos 116º e 127º (nº 1, alínea

“e”) do Código do Trabalho.

Ainda, cumpre mencionar que as ordens e instruções do empregador não podem ser

contrárias à lei (em geral), ordenando, por exemplo, a prática de um crime. Logo, o empregador

não pode proferir comandos eivados de ilegalidade. Portanto, a ordem pública serve como um

limite ao empregador, não podendo exigir do trabalhador uma tarefa que a contrarie.139

Por último, mas não menos relevantes (apenas mais abrangentes), há os limites impostos

pelo artigo 128º, nº 1, alínea “e” do CT. Esse dispositivo, ao restringir o dever de obediência

do trabalhador às ordens e instruções que não sejam contrárias aos seus direitos e garantias,

também delimitou o exercício do poder diretivo para proferir tais comandos.

138 DEAKIN, Simon/ MORRIS, Gillian S. – Labour Law cit., p.303 139 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.128

Page 45: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

45

As normas que disponham a respeito dos direitos e garantias do trabalhador, ao servir

de limites para o poder de direção do empregador, equilibram a relação laboral, residindo neste

ponto a suma importância na observância delas durante a emissão de diretrizes. Nas palavras

de José João Abrantes: “A empresa, mais do que mera coordenação de factores de produção,

é um espaço de relações humanas, entre pessoas portadoras dos seus direitos e interesses

autónomos, tantas vezes contrapostos.”.140

Na Espanha, de acordo com Manuel Carlos Palomeque López e Manuel Álvarez de la

Rosa, frente a uma ordem que afronte aos direitos do trabalhador, este possui duas opções de

atuação, obedece a ordem e recorre aos Tribunais (esta opção baseia-se na presunção de

legitimidade das ordens do empregador), ou desobedece e também recorre, sendo que ambas as

alternativas revelam-se insuficientes para compatibilizar a temática dos direitos do trabalhador

com a dinâmica de organização da entidade empregadora. Para os autores, a solução a este

dilema funda-se na necessária observância dos limites impostos ao empregador para a emissão

de ordens e instruções, sendo inexigível o dever de obediência a comandos ilegítimos,

atribuindo-se ao próprio trabalhador o juízo sobre a legitimidade da ordem a ser cumprida

(exercendo, assim, um verdadeiro direito de resistência quando esta for ilegítima).141 Dessa

forma, a desobediência praticada sobre o abrigo do direito de resistência trata-se de uma

exceção, não restando dúvidas ao trabalhador a respeito da antijuridicidade da ordem.

Em suma, o empregador na emissão de ordens e instruções deve, antes de mais nada,

pautar-se nos direitos dos trabalhadores como limites, evitando, assim, um eventual

descumprimento legitimamente realizado em razão do direito de resistência do trabalhador.

No que tange aos direitos do trabalhador que irão pautar a conduta da entidade

empregadora, vale afirmar que os mesmos não se restringem aos direitos previstos na esfera

laboral, englobando os direitos do trabalhador enquanto cidadão.142 Assumem especial

relevância os direitos de personalidade do prestador da atividade, previstos nos artigos 14º e

seguintes do CT, como por exemplo, o direito à integridade física e à reserva da intimidade.

No tocante às garantias do trabalhador, o artigo 129º (nº 1) do Código do Trabalho, ao

estabelecê-las, impõe ao empregador deveres de caráter negativo, os quais limitam o exercício

do poder de direção e evitam abusos na gestão do contrato laboral.143 Para Pedro Romano

140 ABRANTES, José João – Direito do Trabalho – ensaios, Lisboa, 1995, p.43 141 PALOMEQUE LÓPEZ, Manuel Carlos/ ÁLVAREZ DE LA ROSA, Manuel – Derecho del Trabajo, 24ª ed.,

Madrid, 2016, p.592 142 Sobre os direitos do trabalhador enquanto cidadão e o poder de direção, vide: ASSIS, Rui – O Poder de

Direcção do Empregador cit., pp. 259 s. 143 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.475

Page 46: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

46

Martinez, as garantias previstas no referido dispositivo se conjugam com outras estatuições

legais ao limitar o poder de direção – é o caso dos artigos 118º, 120º e 194º do CT.144

Extrai-se do exposto que os limites ao poder diretivo pautam a legitimidade dos

comandos do empregador. Uma vez que a entidade empregadora ultrapasse os limites impostos

ao exercício do poder de direção, surge ao trabalhador a possibilidade de desobediência legítima

a eventuais ordens ou instruções emitidas.

3 As modificações no contrato de trabalho

A situação laboral possui uma natureza indeterminada à partida, sendo a prestação de

trabalho concretizada de acordo com indicações da entidade empregadora, decorrentes do seu

poder de direção. Logo, a prestação não será imutável no decorrer do contrato de trabalho,

modificações ordinárias ocorrerão a todo tempo dentro do domínio do contrato. Essas

possibilidades de variação podem afetar o âmbito, o modo e o local da atividade a ser

desenvolvida.145

Além dessas variações ordinárias que acontecem no domínio do contrato, modificações

mais significativas podem ser necessárias para a subsistência ou desenvolvimento empresarial,

uma vez que no desenrolar da atividade produtiva da empresa ao longo do tempo é natural que

mudanças na sua estrutura ocorram, as quais se explicam diante da longevidade do contrato de

trabalho e justificam-se em razão do papel substancial da atividade executada pelo trabalhador.

Em razão do princípio geral da liberdade contratual, estabelecido no artigo 405º do

Código Civil, as partes, não só fixam o conteúdo do contrato (obviamente dentro dos limites da

lei), como podem modifica-lo por meio de acordo.146 Quanto à questão da modificação por

acordo, a regra geral dos contratos (enunciada pela legislação civilista no artigo 406º, nº 1 do

Código Civil) é de que eventual alteração contratual deve ser realizada com o mútuo

consentimento das partes ou mediante previsão legal – vigora o princípio geral do pacta sunt

servanda.

Ocorre que esse último preceito civilista não se adequa totalmente na realidade

trabalhista, uma vez que o contrato de trabalho não é exaurido com o cumprimento de uma

única prestação, tampouco possui um caráter de brevidade quanto a sua duração. Dessa forma,

além da modificação por mútuo consentimento entre as partes, excepcionalmente, a legislação

144 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.635 145 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.679 De acordo com o autor,

tais modificações derivam do poder de conformação da atividade e são concretizadas por declarações unilaterais

e recipiendas do empregador, mas podem decorrer também de lei ou instrumento coletivo. 146 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.737

Page 47: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

47

laboral admite alterações no contrato de trabalho, inclusive de modo unilateral, sendo realizadas

apenas pelo empregador.

Essas exceções admitidas pela legislação laboral (quanto à modificação unilateral do

contrato de trabalho feita pelo empregador) se legitimam em virtude da variabilidade

circunstancial que circunda a prestação da atividade do trabalhador, haja vista o mesmo estar

inserido numa organização dinâmica. Assim, estão em jogo interesses da entidade empregadora

(seja para a sua subsistência ou desenvolvimento), os quais nem sempre serão coincidentes com

os dos trabalhadores.

Por essa razão, são essas modificações unilaterais feitas pela entidade empregadora que

interessam para o presente trabalho, as quais serão divididas quanto ao seu conteúdo na

sequência (em razão da função, do local e do tempo).

3.1 Modificações na função do trabalhador

A atividade do trabalhador é determinada de acordo com o artigo 115º (nº 1 e 2) do

Código do Trabalho, o qual dispõe que ela é feita por acordo entre as partes ou por meio de

remissão para categoria de instrumento de regulamentação coletiva ou, ainda, de regulamento

interno da empresa.

Essa determinação genérica da atividade é sucedida por uma atribuição concreta pelo

empregador da função a ser exercida pelo trabalhador, nos termos do artigo 118º, nº 1 do

diploma laboral.147

O nº 1 do artigo 118º do Código do Trabalho enuncia o princípio da invariabilidade da

prestação laboral, segundo o qual, as funções exercidas pelo trabalhador devem ser

correspondentes à atividade para que foi contratado. Contudo, tal disposição não é absoluta,

uma vez que a própria redação do preceito normativo mencionado a excepciona com a

expressão “em princípio”.148 A norma citada admite exceções, portanto, à regra de que o

trabalhador fica adstrito a exercer funções que não exorbitem à atividade contratada. E assim o

faz, atendendo às exigências da flexibilidade empresarial.149

Os números 2 e 3 do artigo 118º complementam o número 1 quanto ao conteúdo das

funções que correspondam à atividade para qual o trabalhador foi contratado, de forma que a

atividade contratada compreende as funções que lhe sejam afins ou lhe estejam funcionalmente

147 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.462 148 “Artigo 118º - 1 - O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para que se

encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida atividade, as funções mais

adequadas às suas aptidões e qualificação profissional. ”. (Grifo próprio) 149 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., p.242

Page 48: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

48

ligadas (entendendo, por essas expressões, as compreendidas no mesmo grupo ou carreira

profissional), desde que o trabalhador possua qualificação adequada para tais e que não lhe

impliquem uma desvalorização profissional. Conforme se extrai dos referidos números do

artigo 118º, tais requisitos são cumulativos.

Eventual modificação unilateral da prestação realizada pelo empregador que se

enquadre no previsto no artigo 118º, será considerada dentro do objeto do contrato de trabalho,

podendo aquele designar ao trabalhador a função que lhe entender cabível desde que esteja

nesse âmbito e preencha os requisitos cumulativos.150

Por outro lado, quando o empregador quiser designar ao trabalhador uma função que

esteja fora do objeto do seu contrato laboral, este deverá observar as regras impostas ao jus

variandi, as quais serão delimitadas na sequência.

3.1.1 O jus variandi

Quando a modificação da prestação for além da ordinariedade decorrente do caráter

indeterminado da atividade laboral (ou seja, ultrapasse o âmbito do contrato de trabalho)

aparece a figura do jus variandi. Portanto, para a ocorrência do denominado jus variandi, há a

necessidade de que a alteração unilateral feita pelo empregador da atividade do trabalhador

esteja “em contradição com o programa contratual, isto é com as regras que direta ou

indiretamente regem aquela relação laboral.”.151

Dessa forma, pode-se afirmar que o jus variandi se trata de um desvio à regra do pacta

sunt servanda (nº 1 do artigo 406º do Código Civil) e também ao princípio da invariabilidade

funcional, uma vez que constitui um direito do empregador de realizar uma modificação

unilateral no objeto contratual, podendo exigir que o trabalhador exerça funções fora da

atividade para qual foi contratado.152

Tal desvio dos referidos princípios, justifica-se em razão do princípio da mútua

colaboração das partes (artigo 126º, nº 2 do CT), haja vista a necessidade da empresa de se

adaptar a novas circunstâncias imprevistas e temporárias, não podendo os empregadores

ficarem “engessados” no que tange à reestrutura da organização da atividade laboral.153

150 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.496. Para Joana Nunes Vicente, a

redação do artigo 118º goza de um artificialismo ao qualificar como mera variação funcional algo que altera a

vontade das partes originalmente fixadas no contrato de trabalho. Em: VICENTE, Joana Nunes – Flexibilidade

Funcional, in C. de OLIVEIRA CARVALHO/ J. VIEIRA GOMES (coord.), Direito do Trabalho + Crise = Crise

do Direito do Trabalho?, Lisboa, 2011, 407-419, p.409 151 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.743 152 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.469 153 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., pp.742 s.

Page 49: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

49

O artigo 120º do Código do Trabalho regula a figura do jus variandi sob a designação

de mobilidade funcional, enunciando no nº 1 os requisitos cumulativos que condicionam o seu

exercício pelo empregador. São eles: a existência de um interesse da empresa; o caráter

temporário da variação e que a alteração não implique em modificação substancial da posição

ocupada pelo trabalhador.

Quanto ao condicionamento da aplicação do jus variandi ao interesse da empresa,

entende-se por este as necessidades próprias da empresa, como uma referência às exigências da

organização em si, excluindo-se eventuais interesses subjetivos do empregador enquanto

indivíduo.154

No tocante ao pressuposto da transitoriedade da modificação, o número 3 do artigo 120º

estabelece o prazo máximo de dois anos para a variação de função e regulamenta que a

justificação da ordem de alteração indique a sua duração previsível. Essa transitoriedade

reveste-se de importância no sentido de que alterações permanentes implicariam em mudanças

no próprio objeto do contrato de trabalho. Ainda, o fato de a modificação ser temporária

explica-se em virtude do surgimento do jus variandi apenas em situações extraordinárias.

Em relação ao requisito de não se permitir que a variação implique em modificação

substancial da posição do trabalhador, cumpre indicar que a mobilidade não pode resultar em

uma desvalorização da posição ocupada pelo trabalhador no quadro da empresa.155 Assim, uma

ordem de alteração de funções do trabalhador que lhe acarrete uma degradação profissional e

afete seu prestígio no trabalho é ilícita.156

Conforme o nº 3 do artigo 120º, a mobilidade funcional do trabalhador consolida-se em

uma ordem do empregador, a qual é condicionada ao cumprimento dos requisitos acima

elencados. Dessa forma, a ordem de variação da função do trabalhador será considerada

legítima somente se observar cumulativamente todos os pressupostos estabelecidos pelo

dispositivo legal. Presente a legitimidade da ordem, o trabalhador fica adstrito a cumpri-la.

Por outro lado, quando a ordem de alteração proferida desrespeitar qualquer um dos

requisitos, ela será ilegítima, podendo dar ensejo a um comportamento do trabalhador que possa

ser caracterizado como desobediência legítima.

Nota-se, portanto, que a legislação trabalhista portuguesa estabeleceu limites ao

exercício do jus variandi por parte do empregador. Também nessa esteira de imposição de

154 Anotação ao artigo 120º do CT feita por Pedro Madeira de Brito em: MARTINEZ, Pedro Romano/

MONTEIRO, Luis Miguel/ VASCONCELOS, Joana/ BRITO, Pedro Madeira de/ DRAY, Guilherme/ SILVA,

Luís Gonçalves da – Código do Trabalho Anotado cit., p.326 155 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.293 156 Vide: Ac. STJ de 26/05/2015, (Nº2056/12.4TTLSB.L1.S1), www.dgsi.pt

Page 50: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

50

limites, a noção de jus variandi no direito brasileiro igualmente os impõe, porém, o conteúdo

dessa figura no Brasil difere do de Portugal.

A doutrina brasileira distingue o jus variandi em duas modalidades: ordinário e

extraordinário. O jus variandi ordinário se caracteriza pela realização de pequenas modificações

na prestação da atividade laboral, sem que resultem prejuízos ao trabalhador e que não alterem

o que foi pactuado no contrato de trabalho.157 Por outro lado, o jus variandi extraordinário se

trata de situações excepcionais de alterações permitidas pela ordem jurídica trabalhista, as

quais, inclusive, podem ser lesivas ao prestador da atividade.158

Diferentemente do direito português, ambas as modalidades do jus variandi no direito

brasileiro não se restringem às modificações que digam respeito à função exercida pelo

trabalhador, englobando indistintamente alterações de local, salário, horário e tempo de

trabalho.

Realizada essa breve análise em relação às modificações quanto à função exercida pelo

trabalhador, passa-se agora às constatações quanto as demais variações da prestação laboral.

3.2 Modificações no local de trabalho

O local de trabalho constitui elemento de suma importância a ser considerado pelo

trabalhador na celebração de um contrato de trabalho. É ao redor do locus executionis que o

trabalhador irá construir a sua vida extraprofissional.159

De acordo com o nº 1 do artigo 193º do CT, o local de trabalho será determinado pelas

partes160 e tal determinação cria para o trabalhador um direito a continuar nesse lugar ao longo

da execução do contrato de trabalho.161 Reconhecendo a importância que o local de trabalho

ocupa na esfera pessoal do trabalhador (e também que eventual modificação poderá acarretar

perturbações nesta) é que a legislação trabalhista tutela a estabilidade do local de trabalho e

impõe requisitos muito restritos para a sua alteração.

Através da garantia da inamovibilidade – prevista no artigo 129º, nº 1, alínea “f” do

Código do Trabalho – fica vedada, em princípio, a transferência unilateral do trabalhador

realizada pela entidade empregadora. De acordo com o citado dispositivo, somente pode ocorrer

157 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa – Curso de Direito do Trabalho, 9ª ed., Rio de Janeiro, 2015, p. 560 158 DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de Direito do Trabalho cit., pp.1131 e 1133 159 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., p.246 160 Na falta de estipulação expressa ou tácita das partes quanto à determinação do local de trabalho, Pedro Romano

Martinez afirma que para a sua averiguação há que se ter em conta a natureza das coisas, com base no contrato e

nas funções a serem desenvolvidas. Em: MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p. 435 161 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp.500 s.

Page 51: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

51

uma transferência do trabalhador quando houver acordo ou previsão no Código do Trabalho ou

em instrumento de regulamentação coletiva.

Dessa forma, a modificação no local de trabalho pode ocorrer, além da hipótese de

consenso das partes, por decisão unilateral do empregador vinculada ao cumprimento das

condições legalmente estabelecidas. A alteração sem a anuência do trabalhador justifica-se em

razão de necessárias adaptações no contrato de trabalho decorrentes de seu caráter duradouro,

sendo preferível a adaptação em detrimento da cessação deste.162

As modificações no local de trabalho realizadas pelo empregador sem a anuência do

trabalhador encontram-se disciplinadas no artigo 194º do Código do Trabalho e, segundo o seu

nº 1, poderão ocorrer em duas hipóteses – em virtude de mudança ou extinção do

estabelecimento em que a atividade é prestada ou, em caso de transferência individual quando

o interesse da empresa assim o exigir (desde que não implique prejuízo sério ao trabalhador).163

No tocante à primeira hipótese, é logicamente dedutível que a mudança ou extinção do

estabelecimento em que ocorre a prestação da atividade implica automaticamente na

transferência dos trabalhadores que lá executem seus serviços. Trata-se de uma transferência

coletiva que envolve a liberdade de iniciativa econômica da entidade empregadora, não

podendo o trabalhador impedir tal modificação.164 Diferentemente da transferência individual,

essa modalidade não impõe requisitos substanciais a serem observados pelo empregador, não

havendo o que se discutir a respeito de legitimidade da ordem de transferência. Mesmo que a

mudança no local de trabalho implique em prejuízo sério ao trabalhador, não é cabível a análise

de legitimidade da ordem, restando ao trabalhador a faculdade de resolver o contrato de

trabalho, nos termos do nº 5 do artigo 194º do CT. Em outras palavras, a existência de prejuízo

sério não torna a ordem de transferência ilegítima, sendo ela válida.

Em relação à segunda hipótese prevista no nº 1 do artigo 194º, pode-se afirmar que a

transferência de apenas um trabalhador (que poderá ser temporária ou definitiva) é

condicionada ao cumprimento de dois requisitos cumulativos: a exigência de um interesse da

empresa e a não ocorrência de prejuízo sério ao trabalhador.

162 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.641 163 O disposto no nº 1 do artigo 194º não encontra uma moldura rígida, porquanto o nº 2 do mesmo artigo estabelece

que as partes podem alarga-lo ou restringi-lo por meio de acordo. Em razão da possibilidade de se alargar o que a

lei estabeleceu, José João Abrantes afirma que houve na norma uma prevalência da autonomia da vontade e da

liberdade contratual, fazendo com que a garantia da inamovibilidade assumisse um caráter meramente supletivo,

revelando uma suposta ideia de igualdade das partes e não levando em conta que a relação de trabalho (ao contrário

da civilista) é assimétrica. Vide: ABRANTES, José João Nunes – Liberdade Contratual e lei. O caso das cláusulas

de mobilidade geográfica dos trabalhadores, in Estudos em homenagem ao professor doutor Carlos Ferreira de

Almeida, Coimbra, 2011, 503-516, pp. 509 e 510 164 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.755

Page 52: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

52

Quanto ao interesse da empresa, há que se afirmar que o mesmo deve ser objetivo,

afastando-se a licitude de uma decisão “arbitrária, caprichosa, desrazoável do empregador ou

determinada por motivos pessoais estranhos à empresa.”.165

No que diz respeito ao “prejuízo sério” que a modificação não poderá acarretar ao

trabalhador, o mesmo deve ser apreciado de acordo com cada caso em concreto, avaliando-se

segundo a boa-fé no cumprimento do contrato.166

De acordo com Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, a união desses dois requisitos

deve ser interpretada “em termos de um sistema móvel”, haja vista que, quanto maior o interesse

da empresa, os prejuízos causados podem passar a ter menos relevância, enquanto um menor

interesse pode acarretar na inexigibilidade dos sacrifícios solicitados ao trabalhador.167

Ainda, além dos requisitos substanciais, a transferência do local de trabalho sujeita-se

ao cumprimento de requisitos procedimentais e de forma, fixados no artigo 196º do CT.168

Referido dispositivo estabelece que a comunicação da transferência tem que se dar de forma

escrita, indicando o seu fundamento e duração previsível. Essa comunicação deve ser entregue

ao trabalhador com 8 dias de antecedência no caso de transferência temporária, ou 30, se for

definitiva. Cumpre salientar que os requisitos procedimentais de transferência se aplicam tanto

para as coletivas quanto para as individuais.169

Importa referir ainda, que o nº 4 do artigo 194º atribui ao empregador na transferência

definitiva o custeio das despesas decorrentes de acréscimo dos custos de deslocação e mudança

de residência e, na transferência temporária, das despesas de alojamento.170

Se a ordem de transferência do trabalhador cumprir todos os requisitos substanciais e de

procedimento indicados na legislação trabalhista, ela é legítima, e, obviamente, se a ordem não

preencher os pressupostos, ela será ilegítima.

3.3 Modificações no horário de trabalho

A definição do horário de trabalho tem por escopo delimitar o tempo do trabalhador à

disposição do empregador, proteger a sua saúde e segurança e, ainda, permitir com que o

prestador da atividade possa ajustar a sua vida profissional com a pessoal e familiar.171

165 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.641 166 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.753 167 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito do Trabalho cit., p.278 168 Vide: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.508 169 Vide: Ac. REv. de 07/12/2016, (Nº 315/14.0TTSTR.E1), www.dgsi.pt. 170 Sobe as despesas na transferência vide: Ac. STJ de 16/09/2015, (Nº34/13.5TTCLD.C1.S1), www.dgsi.pt 171 FERNANDES, Francisco Liberal – O tempo de trabalho, Coimbra, 2012, p.171

Page 53: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

53

De acordo com o nº 1 do artigo 212º, compete ao empregador determinar o horário de

trabalho a ser cumprido pelo trabalhador. Trata-se de uma regra geral, nada impedindo que o

horário seja estipulado por acordo entre as partes, conforme extrai-se da interpretação do nº 4

do artigo 217º do CT.172

A fixação do horário pela entidade empregadora é uma manifestação do exercício do

poder de direção, haja vista que, ao distribuir o tempo de trabalho entre os trabalhadores, o

empregador organiza a sua unidade produtiva.173

Na determinação do horário de trabalho, o empregador deverá levar em conta as

exigências de proteção da saúde e segurança do trabalhador, facilitar a conciliação da atividade

profissional com a esfera familiar deste e, também a frequência em curso escolar ou de

formação técnica/profissional, conforme dispõe o nº 2 do artigo 212º.

Tendo em vista que a alteração no horário de trabalho poderá interferir negativamente

na esfera privada do trabalhador, o Código do Trabalho, apesar de atribuir ao empregador a

faculdade de alterar unilateralmente o horário da prestação da atividade (artigo 217º, nº 1),

condicionou a sua realização a um procedimento, além da previsão da compensação econômica

caso a modificação implique em acréscimo de despesas ao trabalhador.

Primeiramente, há que se mencionar a consulta que deverá preceder a alteração no

horário. Assim, o empregador fica adstrito a consultar os trabalhadores afetados pela

modificação e seus representantes, estes segundo a ordem de preferência estabelecida nos

moldes da determinação do horário (artigo 212º, nº 3). Tal consulta deverá ser afixada na

empresa. O nº 2, in fine, do artigo 217º estabelece a antecedência da afixação na empresa da

alteração – a qual deverá ser de 7 dias, ou, no caso de microempresas, 3 dias.

Cumpre mencionar que a exigência da consulta prévia reporta-se às alterações de cunho

definitivo. As alterações de caráter transitório (aquelas cuja duração não exceda a uma semana)

devem ser registradas em livro próprio e não podem ser efetuadas pelo empregador mais de três

vezes por ano.

A modificação no horário do trabalho que não observe às formalidades legais

indispensáveis será inválida – uma vez que a falta daquelas não se traduz em mera

irregularidade, representando um desprezo pelo procedimento imposto, afetando a perfeição e

validade da alteração.174

172 O horário de trabalho fixado por acordo individualizado não poderá ser alterado unilateralmente pelo

empregador. 173 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.559 174 Ac. STJ de 24/02/2010, (Nº 248/08.0TTBRG.S1), www.dgsi.pt

Page 54: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

54

Além da observância às formalidades previstas, a alteração de horário deve ser feita

dentro de parâmetros razoáveis, não podendo se dar por mero capricho do empregador ou

corresponder a um meio de discriminação do trabalhador.175 Eventual ordem de alteração

emitida nesses moldes deverá ser considerada nula, por evidente abuso de direito por parte do

empregador.

4 Poder disciplinar do empregador

Inegável é o fato de que o poder de direção do empregador está intrinsicamente

envolvido com a questão da desobediência, haja vista o dever de obediência ser o contraponto

de tal poder. Ocorre que, indiretamente, o poder disciplinar e o poder regulamentar da entidade

empregadora também mantêm relação com a temática da desobediência, motivo pelo qual serão

desenvolvidos brevemente na sequência.

O poder disciplinar encontra previsão normativa no artigo 98º do Código do Trabalho,

e seu regime está regulamentado no artigo 328º e seguintes do mesmo diploma. Conforme

indicado pelo primeiro dispositivo referido, a titularidade desse poder pertence ao empregador.

O poder disciplinar pode ser exercido de modo direto pelo empregador, ou, por superior

hierárquico do trabalhador, se aquele assim o delegar, conforme enuncia o nº 4 do artigo 329º

do Código do Trabalho.

Quanto ao conteúdo do poder disciplinar, a divisão feita por Maria do Rosário Palma

Ramalho revela uma conveniência para a delimitação da relação desse poder com o tema da

desobediência. Segundo a autora, o poder disciplinar possui um duplo conteúdo: um deles é

conhecido como ordenatório ou prescritivo, e o outro, como sancionatório ou punitivo. A faceta

prescritiva autoriza o empregador a estabelecer regras de comportamento e disciplina dentro da

organização, as quais não são imputadas ao poder diretivo em virtude de não se reportarem à

prestação laboral. Por outro lado, a faceta punitiva caracteriza-se pela possibilidade do

empregador sancionar disciplinarmente o trabalhador, caso o mesmo viole algum de seus

deveres laborais.176

O conteúdo sancionatório é de longe o mais enfatizado pelo restante da doutrina, porém,

ambas as facetas do poder disciplinar do empregador possuem pontos de conexão com o tema

da desobediência.

No tocante à vertente prescritiva do poder disciplinar, na medida em que esta possibilita

ao empregador definir regras que digam respeito à disciplina do trabalho, o trabalhador fica

175 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.740 176 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.465

Page 55: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

55

adstrito a cumpri-las, conforme se extrai da alínea “e”, do número 1, do artigo 128º do CT

(obviamente com a ressalva no cumprimento caso elas sejam contrárias aos seus direitos ou

garantias). Dessa forma, o trabalhador deve obediência às regras de disciplina oriundas do poder

disciplinar do empregador.177 Caso o trabalhador viole alguma dessas regras legitimamente

emitidas, seu comportamento consistirá em uma desobediência ilegítima, a qual se trata de uma

infração disciplinar passível de sanção.

No que tange à vertente sancionatória do referido poder, ao permitir que o empregador

aplique sanções em razão da quebra de algum dever por parte do trabalhador, caso este viole o

dever de obediência (violação esta que tanto poderá se dar em virtude do incumprimento de

algum comando emitido ao abrigo do poder diretivo quanto ao do poder disciplinar na sua faceta

prescritiva), o empregador irá puni-lo em virtude do conteúdo sancionatório do seu poder

disciplinar.178

Assim, quando o trabalhador praticar uma desobediência ilegítima, cabe ao empregador

estipular a sanção cabível, exercendo o seu poder disciplinar. Em situações extremas, a entidade

empregadora poderá aplicar a sanção mais gravosa ao trabalhador que ilegitimamente

descumpra uma ordem ou instrução legítima – o despedimento, o qual se dará nos termos do

artigo 351º, nº 2, alínea “a” do Código do Trabalho. Logo, a desobediência ilegítima poderá

constituir justa causa para o rompimento do vínculo laboral.

Quanto a esse conteúdo sancionatório do poder em questão, cabe aqui, ainda, tecer

algumas considerações.

O objetivo da aplicação de sanções ao trabalhador quando este violar algum dever

laboral, vai além da sua punição, buscando “afastá-lo da prática de novas infrações, ao mesmo

tempo que prevenir que os restantes trabalhadores venham a assumir condutas

semelhantes.”.179 Dessa forma, o poder disciplinar age como uma garantia de que o trabalhador

cumpra corretamente a sua prestação e também que retorne a executar seus deveres

propriamente.180

A aplicação das sanções disciplinares (regulada no artigo 330º do CT) sujeita-se aos

princípios da proporcionalidade e da unicidade. O primeiro diz respeito à adequação da sanção

177 Segundo Maria do Rosário Palma Ramalho, o termo “disciplina” dentro desse sentido possui a característica da

heterodeterminação, a qual consiste numa emanação de vontade de um sujeito que tem o poder de se impor ao

outro em uma relação intersubjetiva. Assim, a expressão “disciplina” no contexto da vertente prescritiva do poder

disciplinar delimita o posicionamento contratual do trabalhador. Em: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Do

Fundamento do Poder Disciplinar Laboral, Coimbra, 1993, pp. 100, 117 e 121 178 Vide: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp.710 e 743 179 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.240 180 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.459

Page 56: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

56

à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, enquanto o segundo proíbe a aplicação de

mais de uma sanção por cada infração.181 Ainda, tendo em vista um equilíbrio nas sanções

aplicadas (uma vez que o empregador é o titular da iniciativa do processo disciplinar, da

condução do mesmo e das decisões), é necessário que aquele não perca de vista os direitos

fundamentais do trabalhador.182

A faceta sancionatória do poder disciplinar revela que este é discricionário, na medida

em que cumpre ao empregador determinar qual sanção irá aplicar diante da infração, definindo

também a gravidade desta e o grau de culpa do trabalhador.183

Mesmo diante de certa margem de discricionariedade na sua atuação, o poder disciplinar

não pode ser compreendido como um poder absoluto ou arbitrário.184 Assim, o exercício do

poder disciplinar sujeita-se a uma série de limites. Primeiramente, cumpre referir que esse

exercício se sujeita a uma posterior fiscalização judicial185 e que a aplicação de sanção ao

trabalhador depende de um prévio procedimento disciplinar. Quanto às sanções, as mesmas são

balizadas pelo disposto no número 3 do artigo 328º do CT. Ainda, de acordo com António

Monteiro Fernandes, o exercício do poder disciplinar também encontra limites na qualificação

das condutas dos trabalhadores como infrações disciplinares, segundo o artigo 331º do Código

do Trabalho.186

O exercício do poder disciplinar também deve ser limitado pelo respeito da dignidade

da pessoa do trabalhador e pelos ditames da boa-fé.187 A respeito da boa-fé, António Menezes

Cordeiro afirma que no contexto do poder disciplinar, ela teria uma dupla faceta: a tutela da

confiança (a qual implica que uma das partes não viole a crença plantada na outra) e a primazia

da materialidade subjacente (segundo a qual é vedada ao empregador utilizar-se do processo

disciplinar para outros fins alheios ao apuramento e punição de uma infração disciplinar).188

É justamente nesta última faceta da boa-fé (primazia da materialidade subjacente), no

contexto disciplinar, que aflora um outro tema de relevância para o presente trabalho – as

sanções abusivas, uma vez que o Código do Trabalho considera abusiva a sanção imposta ao

trabalhador quando este incorra em desobediência legítima (artigo 331º, nº 1, alínea “b”). Por

questões didáticas, esse tema será tratado em outro momento nesta dissertação.

181 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito do Trabalho cit., p.362 182 MOREIRA, António José – O poder disciplinar. A necessária caminhada para o Direito, in J. João Abrantes

(coord.), Congresso Europeu de Direito do Trabalho, Lisboa, 2012, 291-307, p.296 183 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Do Fundamento do Poder Disciplinar Laboral cit., p.195 184 Ac. STJ de 16/01/2013, (Nº1767/08.3TTLSB.L1S1), www.dgsi.pt 185 O número 7 do artigo 329º do CT resguarda o direito de ação judicial ao trabalhador que recebeu sanção. 186 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.244 187 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, pp.888 s. 188 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.755

Page 57: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

57

5 Poder regulamentar do empregador

O poder regulamentar do empregador, por sua vez, encontra previsão normativa no

artigo 99º, nº 1, do Código do Trabalho e “manifesta-se na possibilidade de delimitação das

regras de prestação do trabalho e de disciplina na empresa através do regulamento da

empresa.”.189

Essa manifestação do poder regulamentar feita por meio do regulamento da empresa

será de aplicação geral aos trabalhadores que a esta pertençam, sendo que irão constar em tal

regulamento tanto ordens de organização quanto de disciplina do trabalho.190

Para Maria do Rosário Palma Ramalho, o regulamento de empresa revela duas facetas

previstas no Código do Trabalho de 2009. A primeira delas é a faceta negocial, a qual possui a

função de integrar o conteúdo do contrato laboral no contexto da sua formação, conforme se

extrai do nº 1 do artigo 104º do CT. A segunda é a faceta normativa, disposta no artigo 99º, a

qual, no contexto da posição jurídica do empregador, autoriza este a elaborar regulamentos

internos contendo regras a respeito da organização e disciplina do trabalho. Nessa segunda

faceta, o regulamento de empresa é uma manifestação dos poderes diretivo e disciplinar do

empregador, o qual vincula este às disposições que aprovou.191

Em virtude dessa função normativa do regulamento da empresa (constante no artigo 99º

do CT), é que o empregador irá efetuar de modo geral e abstrato determinações de caráter

heterônomo à coletividade dos trabalhadores, determinações estas que poderia fazer em

concreto para cada trabalhador.192

É justamente nessas determinações que reside o ponto de encontro entre a temática do

poder regulamentar do empregador e a questão da desobediência do trabalhador. As regras

constantes no regulamento de empresa podem assumir o caráter de ordens ou instruções a

respeito da organização e disciplina do trabalho. E, conforme dispõe a alínea “e” do nº 1 do

artigo 128º do CT, cumpre ao trabalhador obedecê-las.

Analogicamente, de acordo com a exceção constante no referido dispositivo legal, pode-

se afirmar que o trabalhador deve obediência a tais determinações gerais constantes no

regulamento da empresa desde que não sejam contrárias aos seus direitos e garantias.

189 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.716. De modo similar, no

Brasil, dispõe Mauricio Godinho Delgado: “Poder regulamentar seria o conjunto de prerrogativas

tendencialmente concentradas no empregador dirigidas à fixação de regras gerais a serem observadas no âmbito

do estabelecimento e da empresa. ”. Em: DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de Direito do Trabalho cit.,

p.734 190 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.28 191 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, pp.280 ss. 192 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.473

Page 58: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

58

Consequentemente, caso alguma determinação prevista no regulamento de empresa ofenda

algum direito ou garantia do prestador da atividade laboral, essa será ilegítima, sendo legítima

a recusa do trabalhador a cumpri-la.

Visando a evitar essa ofensa de direitos e garantias do trabalhador é que a lei estabelece

formalidades para a elaboração do regulamento interno, as quais estão disciplinadas nos

números 2 e 3 do artigo 99º. Ainda, com essa mesma finalidade, o nº 1 do artigo 99º restringiu

o âmbito do poder regulamentar do empregador às matérias sobre organização e disciplina do

trabalho.

Por outro lado, sendo as determinações constantes do regulamento legítimas por

obedecerem às formalidades impostas, serem materialmente viáveis (tratarem apenas sobre

organização e disciplina do trabalho) e não violarem direitos e garantias do trabalhador, este

fica adstrito à sua observância. E, caso assim não o faça, sua conduta consubstanciará em

infração disciplinar, a qual será passível de sanção.193 Essa punibilidade da não observância do

regulamento se dá em virtude da natureza obrigatória deste.194

6 A autonomia técnica do trabalhador e as ordens e instruções do empregador

A palavra “autonomia” tanto em português como em inglês é originária do grego,

resultando da conjunção de autos (“a si mesmo”) e nomos (regras), sendo a capacidade de uma

pessoa de governar-se; dirigir sua própria vida; tomar decisões sozinha.195 Assim, termo

“autonomia” significa, basicamente, “autolegislação”196. Conferir autonomia a alguém é o

mesmo que autorizar que a própria pessoa determine seu modo de conduta.

Entende-se, portanto, por autonomia técnica, a independência do trabalhador em

determinar como conduzirá seu trabalho tecnicamente.

O fato de o prestador da atividade estar subordinado juridicamente ao empregador não

menospreza a autonomia técnica de certos trabalhadores, conforme enuncia o artigo 116º do

Código do Trabalho. Autonomia esta que seja inerente à atividade prestada, nos moldes das

regras legais ou deontológicas aplicáveis.

193 Exemplificativamente, vide: Ac. STJ de 27/04/2006, (Nº05S4320/JSTJ000), www.dgsi.pt 194 MACEDO, Pedro de Sousa – Poder disciplinar patronal, Coimbra, 1990, p.18 195 FINKIN, Matthew W./ KRAUSE, Rüdiger/TAKEUCHI-OKUNO, Hisashi – Employee autonomy, privacy, and

dignity under technological oversight, in M. W. FINKIN/G. MUNDLAK (coord.), Comparative Labor Law,

Northampton, 2017, 153-194, p.155 196 KAUFMANN, Arthur – Filosofia do Direito cit., p.293

Page 59: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

59

Destarte, o empregador tem o dever de respeitar à mencionada autonomia técnica do

trabalhador “que exerça atividade cuja regulamentação ou deontologia profissional a exija”,

segundo dispõe a alínea “e” do nº 1 do artigo 127º do mesmo diploma normativo.

As atividades cuja autonomia técnica é reconhecida possuem natureza jurídica de

atividades liberais, porém nada impede que sejam exercidas de modo subordinado, sendo a

subordinação jurídica manifestada de outras maneiras que não a dependência técnica do

empregador.197

Pode-se afirmar, portanto, que a autonomia técnica da atividade prestada por certos

trabalhadores e os quadros de subordinação jurídica típicos dos contratos de trabalho são

compatíveis.198

Assim, por mais que o trabalhador seja o responsável para decidir que solução empregar

em determinada questão que envolva conhecimentos técnicos, ele ainda está sujeito às ordens

da entidade empregadora no sentido de adequar o seu trabalho com o alheio e com os fatores

de produção, bem como serão fixadas pelo empregador as condicionantes de tempo e espaço

da prestação da sua atividade.199

Diante da especialização crescente das atividades produtivas, cada vez mais os

trabalhadores utilizam sua experiência técnica e conhecimentos especializados para

desenvolver certa prestação. Assim, a autonomia técnica na realização da atividade laboral

aumenta. Quanto mais sofisticada e diferenciada for a qualificação profissional exigida, maior

é a chance de o trabalhador conhecer melhor o trabalho que o próprio empregador e, com isso,

menos ordens este dará àquele, aumentando assim a aparência de autonomia.200 Importa

ressaltar que, por mais que o trabalhador possua tal aparência de autonomia decorrente da

especialização do seu trabalho e não receba ordens diretas da entidade empregadora, ainda

assim a subordinação jurídica nos contratos de trabalho é existente.

197 Ac. STJ de 04/02/2015, (Nº 437/11.0TTOAZ.P1.S1), www.dgsi.pt. Ainda, de acordo com o STJ, as atividades

que são prestadas em regime de profissão liberal apresentam um grau de dificuldade maior para serem enquadradas

na noção de trabalho subordinado, sendo necessário socorrer-se nos métodos indiciários. É o caso, por exemplo

dos médicos, advogados e engenheiros. Vide: Ac. STJ de 10/12/2009, (Nº 6/08.1TTPTG.S1), www.dgsi.pt 198 Decidiu o STJ: “A actividade desenvolvida por músicos de orquestra implica por natureza uma autonomia

técnica perfeitamente compatível de ser levada a cabo, indistintamente, num quadro de subordinação ou em

termos autónomos.”. Em: Ac. STJ de 15/09/2016, (Nº 329/08.0TTFAR.E1.S1), www.dgsi.pt 199 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p. 124 200 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.121

Page 60: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

60

A autonomia técnica do trabalhador também é compatível com eventual estrutura

hierárquica estabelecida na empresa em razão dos conhecimentos técnicos dos trabalhadores, e

por consequência, o trabalhador poderá receber instruções técnicas de superior da sua área.201

A finalidade do artigo 116º do Código do Trabalho, é tutelar a autonomia técnica do

trabalhador para que sirva de limite à autoridade e direção do empregador.202 Dessa forma, o

trabalhador fica vinculado apenas a obedecer às ordens e instruções do empregador que não

digam respeito à área técnica de sua atuação.

Portanto, no tocante às ordens ou instruções da entidade empregadora que se referem à

organização do trabalho ou diretrizes gerais destinadas a todos os empregados, o trabalhador

ficará obrigado a cumpri-las (é o caso: das normas de procedimento burocrático, local de

trabalho, horário e regras disciplinares).203

Diante do exposto, pode-se concluir que uma ordem do empregador que afete a

autonomia técnica de determinado trabalhador é ilegítima, uma vez que viola o disposto nos

artigos 116º e 127º (nº 1, alínea “e”) do Código do Trabalho. Em virtude da nulidade de tal

ordem, o trabalhador poderá desobedecer a ela sem que sua conduta seja ilícita, conforme prevê

a alínea “e” do nº 1 do artigo 128º do referido diploma.204

PARTE III – O DEVER DE OBEDIÊNCIA DO TRABALHADOR E A SUA

INOBSERVÂNCIA

1 Os deveres do trabalhador

Dado o caráter sinalagmático do contrato laboral, no momento em que este é celebrado

originam-se prestações e deveres recíprocos a serem observados pelas partes. Dessa forma,

trabalhador e empregador encontram-se simultaneamente na situação de credores e devedores

um do outro.205 Neste ponto do presente trabalho, assumem especial relevância os deveres que

deverão ser observados pelo trabalhador.

Conforme extrai-se da leitura do artigo 11º do Código do Trabalho, o principal dever do

trabalhador para com o empregador é o de prestar a este a sua atividade. Além de ser o principal

201 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.449. O autor cita como exemplo

de superiores hierárquicos de trabalhadores com autonomia técnica: médico-chefe, advogado diretor de

contencioso. 202 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.284 203 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.122 204 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p284 205 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p. 519

Page 61: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

61

dever do trabalhador, a prestação de uma atividade constitui elemento essencial do contrato de

trabalho.206

Conjuntamente com o dever principal de prestar sua atividade contratualmente

estabelecida, o trabalhador possui uma série de deveres denominados acessórios, os quais

podem ser oriundos de lei ou não.207 O conteúdo desses deveres acessórios é variável de acordo

com a posição hierárquica do trabalhador na empresa, sendo sua intensidade diretamente

proporcional às funções de maiores responsabilidades.208

Assumem particular relevo, para o presente trabalho, os deveres acessórios com base

legal, haja vista o dever de obediência ser um deles. Porém, previamente é mister realizar breves

considerações gerais a respeito de outros deveres legalmente estabelecidos ao trabalhador.

O artigo 126º do Código do Trabalho estabelece deveres gerais tanto ao trabalhador

como ao empregador. Assim, no seu número 1 está previsto para ambas as partes o dever de

proceder com boa fé e, no número 2, o dever de colaboração do trabalhador para a obtenção de

uma maior produtividade, conjuntamente com o dever do empregador de colaborar para a

promoção humana, social e profissional do prestador da atividade.209

A maioria dos deveres legais específicos do trabalhador em relação à entidade

empregadora estão enumerados no artigo 128º do Código do Trabalho. Tal enumeração é

meramente exemplificativa, uma vez que a redação do número 1 traz a expressão “sem prejuízo

de outras obrigações”.

Ainda, o artigo 351º, em seu nº 2, do Código do Trabalho complementa o rol dos deveres

legais a serem observados pelo trabalhador, ao enumerar situações de justa causa de

despedimento (haja vista que as mesmas se tratam de violações de deveres por parte do

prestador da atividade), sem que exista uma total correspondência com os deveres elencados no

artigo 128º.

Diante do exposto no presente tópico, conclui-se que o trabalhador se encontra

vinculado juridicamente a uma série de deveres em virtude da celebração do contrato de

206 Maria do Rosário Palma Ramalho ensina que a atividade laboral constitui fenômeno nuclear do Direito do

Trabalho e se trata de: “uma atividade humana produtiva, a qualificar juridicamente como uma prestação de facto

positiva, que releva in se e não pelos resultados que produza e cujo conteúdo é heterodeterminado, no sentido em

que carece de ser concretizado pelo empregador.”. Ainda segundo a autora, a atividade laboral juntamente com a

retribuição, dão origem ao chamado “binômio objetivo” do contrato de trabalho. In: RAMALHO, Maria do

Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, pp. 437 ss. 207 Além da origem legal, os deveres podem possuir como fontes: instrumentos de regulamentação coletiva, o

próprio contrato de trabalho, o regulamento da empresa, entre outras. 208 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito do Trabalho cit., p.265 209 Para Maria do Rosário Palma Ramalho, o nº 2 do artigo 126º trata-se de uma manifestação do princípio geral

da boa fé constante no nº 1 do mesmo dispositivo. Em: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito

do Trabalho cit., II, p.433

Page 62: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

62

trabalho. Dentre os deveres de origem legal a que o trabalhador está adstrito, encontra-se o

dever de obediência, o qual é a base para o presente trabalho.

1.1 Deveres integrantes e deveres autônomos da prestação principal

Ao abordar os deveres do trabalhador como integrantes ou autônomos, o presente item

faz referência ao critério de classificação dos deveres acessórios, de acordo com a ligação dos

mesmos com o dever principal, adotado por Maria do Rosário Palma Ramalho.210

A utilidade de apontar tal critério classificatório no presente trabalho revela-se na

caracterização de determinado comportamento do trabalhador como infração disciplinar (ou

não), bem como na possibilidade de se assinalar situações de inexigibilidade do dever de

obediência, nos moldes indicados abaixo.

O critério de classificação dos deveres acessórios do trabalhador de acordo com o nexo

que possuem com o dever principal os distinguem em duas categorias: deveres acessórios

integrantes da prestação principal e deveres acessórios autônomos da prestação principal.211

Os deveres autônomos, também chamados de complementares, constituem “situações

subjetivas laterais, que favorecem e complementam a execução do trabalho, mas podem não

coincidir com ela (...).”.212 Assim, os deveres autônomos são aqueles que, para serem exigíveis,

não dependem da efetividade da prestação laboral principal.213 Logo, eventual incumprimento

desses deveres poderá caracterizar uma infração disciplinar por parte do trabalhador.

O número 1 do artigo 295º do Código do Trabalho faz referência aos deveres autônomos

dos trabalhadores ao enunciar que estes precisam observar os deveres que não pressuponham a

efetiva prestação da atividade laboral durante a redução da atividade ou na suspensão do

contrato de trabalho.

Por outro lado, os deveres integrantes da prestação principal são aqueles que “estão

estreitamente ligados à prestação principal e, que por isso, acompanham as respectivas

vicissitudes, sendo apenas exigíveis na pendência daquela prestação.”.214 Dessa forma, esses

deveres não se mantêm enquanto a prestação principal não for efetiva e eventual incumprimento

não será tido como infração disciplinar.

210 A autora aponta que tal critério classificatório, o qual foi subscrito no contexto português, foi desenvolvido na

doutrina germânica, principalmente a partir da construção de Herschel. Vide: RAMALHO, Maria do Rosário

Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.447 211 Seguindo a linha de Maria do Rosário Palma Ramalho, também: LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes –

Direito do Trabalho cit., p.265 212 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.213 213 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Do Fundamento do Poder Disciplinar Laboral cit., p.211. Vide

também: Ac. STJ de 07/03/2012, (Nº 17/10.7TTEVR.E1.S1), www.dgsi.pt. 214 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.434

Page 63: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

63

É nesta última categoria apresentada que se situa o dever de obediência, e, assim, por se

tratar de dever integrante da prestação principal, somente será exigível na efetiva prestação

desta.

Consequentemente, uma vez que o dever de obediência integra a prestação principal,

ele somente será exigível na pendência da atividade laboral. Logo, determinado comportamento

desobediente em casos que o dever de obediência não é exigível não poderá ser tido como uma

infração disciplinar, devendo tal desobediência ser considerada como legítima.

1.1.1 O dever de obediência no quadro geral dos deveres do trabalhador

O dever de obediência do trabalhador, conforme já referido anteriormente, tem origem

legal. Tal dever encontra enquadramento normativo no artigo 128º do Código do Trabalho

(tanto na alínea “e” do nº 1, quanto no nº 2), o qual dispõe exemplificativamente a respeito dos

deveres do trabalhador.

Também em conformidade com apontamentos prévios, o dever de obediência assume

um caráter de dever acessório do trabalhador, uma vez que o dever principal deste é a prestação

da atividade para a qual foi contratado.

Dentre os deveres acessórios do trabalhador, o dever de obediência (a par do de

lealdade) é o mais importante, não restando dúvidas quanto ao seu peso na relação de trabalho,

mesmo que a norma tenha optado por não o diferenciar no elenco de deveres do trabalhador.215

Para António Menezes Cordeiro, denominar o dever de obediência como dever

acessório decorre de uma limitação linguística diante de uma impossibilidade de exprimir-se a

atividade laboral (uma atividade humana dotada de um conteúdo rico) com apenas uma locução.

Segundo o autor, tal limitação acarreta a denominação de dever principal à prestação laboral

por ser mais expressiva e do dever de obediência como acessório e, consequentemente, menos

sugestivo, mesmo diante do fato de que todo trabalho subordinado implica em um dever de

obediência. 216

Independentemente da justificativa para o dever de obediência ser denominado como

acessório, é mister se reconhecer o mesmo como tal, e, utilizando o critério de classificação dos

deveres acessórios, de acordo com o nexo dos mesmos com o dever principal, faz jus o encaixe

de tal dever como um dever integrante.

Dessa forma, uma vez que o dever de obediência pertence à categoria de dever

integrante da prestação principal, somente será exigível na pendência desta. Portanto, eventual

215 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.436 216 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p. 128

Page 64: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

64

incumprimento de determinada ordem emitida quando a atividade laboral não for efetiva, não

poderá ser caracterizado como infração disciplinar. Tal comportamento, consequentemente,

não será passível de ser sancionado.

2 Aspectos gerais do dever de obediência

A relação de trabalho insere-se numa relação de poder em que o trabalhador é o sujeito

subordinado, estando adstrito à observância de deveres, dentre os quais se encontra o dever de

obediência às ordens e instruções da entidade empregadora.217

Para Alfredo Montoya Melgar, ao mesmo tempo em que o dever de obediência

manifesta a dependência do trabalhador perante o empregador, ele revela uma clara prova da

desigualdade socioeconômica e jurídica entre eles, tornando-se visível a relação hierárquica

existente, onde um ordena e o outro obedece.218

O dever de obediência aparece como um contraponto ao poder de direção do

empregador, em virtude da subordinação jurídica, mas a ele não se limita, haja vista a

vinculação do trabalhador ao cumprimento também dos comandos emitidos em razão do poder

disciplinar e do regulamento interno. Assim, o dever de obediência abrange as ordens e

instruções a respeito da prestação de trabalho propriamente dita e as regras de disciplina da

empresa.219

Para Pedro Romano Martinez o dever de obediência relaciona-se de um lado com a falta

de concretização da atividade laboral e de outro com a mútua colaboração das partes na relação

de trabalho, fazendo parte do princípio da boa-fé. 220 De forma semelhante entendem Manuel

Carlos Palomeque López e Manuel Álvarez de la Rosa ao afirmarem que somente com uma

atitude de cumprimento de ordens e instruções (as quais concretizam o trabalho a ser executado)

por parte do trabalhador é que é possível a realização da prestação devida.221

A subordinação do trabalhador no contrato laboral implica para ele um dever de

obediência.222 Consequentemente, a obediência do trabalhador exprime o reconhecimento da

autoridade do empregador no contrato de trabalho.223 A importância do referido dever reside

217 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., p.221 218 MONTOYA MELGAR, Alfredo – Derecho del Trabajo cit., pp.327 s. 219 PINTO, Nuno Abranches – Instituto Disciplinar Laboral, Coimbra, 2009, pp. 62 ss. 220 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.154 221 PALOMEQUE LÓPEZ, Manuel Carlos/ ÁLVAREZ DE LA ROSA, Manuel – Derecho del Trabajo cit., p.591 222 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.124 223 GOMES, Júlio – Deve o trabalhador subordinado obediência a ordens ilegais?cit., p.182

Page 65: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

65

justamente no fato de este ser uma manifestação, por excelência, da subordinação do prestador

da atividade no vínculo de trabalho.224

Relevante ponto para a presente dissertação reside na exigibilidade do dever de

obediência, a qual se relaciona com a regularidade da ordem ou instrução que impôs o

cumprimento por parte do trabalhador. Assim, o dever de obediência não é absoluto e, caso

venha a ser cessado frente a uma ordem ou instrução ilegítima, poderá resultar em uma

desobediência legítima.

2.1 Definição

Antes de se apresentar a definição do dever de obediência do trabalhador propriamente

dita, cabe tecer algumas considerações a respeito dos termos dessa expressão isoladamente.

Primeiramente, quanto ao “dever”, pode-se afirmar que uma “obrigação” surge quando

voluntariamente alguém se vincula a ela, enquanto o “dever” aparece como consequência de

uma situação jurídica, dessa forma, não se adquire um dever voluntariamente. A função dos

deveres é indicar qual conduta é a correta diante de um determinado caso, levando em conta

todos os fatores que o envolvem.225

O termo “obediência”, conforme previamente referido, significa o ato de submeter-se a

uma vontade alheia. Ainda, o verbo “obedecer” encontra como sinônimos os verbos “cumprir”

e “executar”.226

Segundo De Plácido e Silva, a obediência é a consequência de um fato gerador, ou de

um preceito que a ordena, atuando dentro do princípio da legitimidade da ordem que deve ser

obedecida.227 Essa atuação da obediência dentro da legitimidade da ordem a ser cumprida se

encaixa perfeitamente nos moldes da exigência do dever de obediência na seara trabalhista.

No campo do Direito do Trabalho português, António da Rocha Menezes Cordeiro

afirma que o dever de obediência se trata de “uma sujeição à hetero-determinação da

actividade a prestar.”.228

Em termos normativos, a definição do dever de obediência consta no artigo 128º, nº 1,

alínea “e” do Código do Trabalho, enunciando a obrigatoriedade de o trabalhador cumprir

ordens e instruções produzidas pelo empregador no tocante à execução e disciplina do trabalho

e, também, saúde e segurança, excetuando-se as que violarem seus direitos ou garantias.

224 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.449 225 MALEM SEÑA, Jorge Francisco – Concepto y justificación de la desobediencia civil, Barcelona, 1988, p.22 226 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda – Dicionário Aurélio de língua portuguesa cit., p. 1489 227 SILVA, De Plácido e – Vocabulário jurídico cit., p.967 228 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p. 127

Page 66: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

66

O nº 2 do artigo 128º completa a definição legal do dever de obediência ao dispor que,

além do empregador, o superior hierárquico do trabalhador, quando investido de poderes

conferidos pela entidade empregadora, poderá emitir ordens e instruções, às quais o trabalhador

também fica vinculado a obedecer.

Dessa forma, o trabalhador, pelo dever de obediência, fica adstrito a executar uma

conduta que vá concretizar as ordens ou instruções proferidas pela entidade empregadora ou

por quem essa tenha delegado poderes para tal.

2.2 Enquadramento legislativo

Apesar das várias referências ao dever de obediência do trabalhador no Código do

Trabalho, a mais expressiva delas certamente é a alínea “e” do nº 1 do artigo 128º, a qual traça

os contornos desse dever.

Tal preceito normativo dispõe que o trabalhador deve atender as ordens e instruções da

entidade empregadora, tanto as que dizem respeito à execução da atividade quanto as que sejam

referentes à disciplina laboral, bem como as de segurança e saúde no trabalho, desde que não

sejam contrárias aos seus direitos ou garantias. Importa mencionar que no referido dispositivo

o termo “dever de obediência” não aparece de modo expresso, porém, extrai-se da sua

definição.

A parte final desse dispositivo, ao ressalvar o trabalhador do cumprimento das ordens

ou instruções que sejam contrárias aos seus direitos e garantias, indica que o dever de

obediência do trabalhador não é absoluto, admitindo, assim, uma desobediência destituída de

ilicitude.229 Outro artigo do Código do Trabalho que reconhece que o dever de obediência não

é absoluto é o 331º (nº 1, alínea “b”), o qual considera abusiva a sanção aplicada a trabalhador

que se recuse a cumprir uma ordem a que não deva obediência.

O dever de obediência é mencionado em mais de um dispositivo no artigo 128º do

Código do Trabalho. A segunda referência a este dever é feita no seu número 2, o qual enuncia

que o trabalhador deve obedecer às ordens ou instruções emanadas do seu empregador e,

também, às de seu superior hierárquico quando a este forem atribuídos poderes para tal.

Portanto, o nº 2 do artigo 128º refere-se aos sujeitos legítimos para emitir ordens ou instruções

as quais o trabalhador fica adstrito a observar.

229 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.313

Page 67: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

67

De acordo com Pedro Romano Martinez, o artigo 97º do Código do Trabalho também

faz referência ao dever de obediência do trabalhador, posto que este é a contrapartida do poder

de direção do empregador.230

Especificamente quanto à matéria de segurança e saúde no trabalho, a legislação

trabalhista prevê no artigo 281º, nº 7, do Código do Trabalho, que o trabalhador deve obediência

às prescrições de segurança e saúde laboral emitidas pelo empregador (além daquelas previstas

em lei ou instrumento de regulamentação coletiva).

O dever de obediência a ordens ou instruções que tratem sobre segurança e saúde no

trabalho, possui um fulcro específico de prevenção de riscos ao trabalhador. Dessa forma, o

dever previsto no dispositivo mencionado nada mais é do que a contrapartida ao dever do

empregador de assegurar condições de segurança e saúde ao trabalhador em todos os aspectos

relacionados com a atividade laboral, previsto no nº 2 do artigo 281º.

Completando o presente rol exemplificativo dos dispositivos do Código do Trabalho

que fazem referência ao dever de obediência, há que se mencionar a alínea “a” do nº 2 do artigo

351º. Ao tratar do despedimento por fato imputável ao trabalhador, tal alínea elenca como

infração disciplinar (passível de caracterizar a justa causa de despedimento) a violação ao dever

de obediência, quando ilegítima. Assim, referido dispositivo reconhece o dever de obediência,

acarretando a aplicação da sanção mais gravosa ao trabalhador que o viole, quando preenchidos

os requisitos para a caracterização da justa causa.

2.3 Sujeitos

Primeiramente, cumpre apontar que, para que algum prestador de atividade seja passível

de vinculação a um dever de obediência, deve existir um contrato de trabalho subordinado entre

ele e o beneficiário de tal atividade. Razão esta que isenta o trabalhador autónomo de uma

sujeição ao dever de obediência, limitando o beneficiário a dar indicações a respeito do

resultado pretendido.231

Ressalvada a hipótese do trabalhador autônomo, o sujeito adstrito a observar o dever de

obediência, é, portanto, o trabalhador subordinado, nos moldes do artigo 128º, nº 1, alínea “e”,

do Código do Trabalho.

Questão que demanda maiores delongas é a relativa ao sujeito a quem o trabalhador

subordinado deve obediência. A alínea “e” do nº 1 do artigo 128º restringe-se a fazer referência

230 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., pp. 153 s. 231 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p. 156

Page 68: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

68

à figura do empregador. É, portanto, o nº 2 do artigo 128º que legitima outros sujeitos a emitir

ordens e instruções ao trabalhador.

Extrai-se da leitura deste dispositivo que as ordens e instruções a que o trabalhador deve

obediência não precisam necessariamente ser emitidas de modo direto por aquele que o

emprega, sendo suficiente para ensejar o seu cumprimento que sejam emanadas de um superior

hierárquico do trabalhador com poderes atribuídos para tal pelo empregador. Assim, outros

trabalhadores são, por vezes, legitimados a emitir ordens e instruções a serem obedecidas.

Na realidade fática do contrato de trabalho, levando em conta a dimensão das empresas,

muitas vezes o trabalhador não possui um relacionamento imediato com seu empregador, de

modo que sua obediência não se restringe a ele.

Em virtude das cadeias hierárquicas existentes no ambiente laboral (em especial nos de

grande porte), a faculdade de direção acaba sendo repartida entre os diversos níveis. Assim,

para que se possa determinar no caso concreto se o trabalhador deve ou não obediência a certo

sujeito, é necessária a observância das linhas da organização e também da posição ocupada pelo

trabalhador.232

Apesar de o artigo 128º não mencionar, além das ordens emitidas por seu empregador

ou por superior hierárquico investido de poderes para tal, o trabalhador deve obediência também

ao cessionário durante a cedência ocasional e ao utilizador no trabalho temporário, uma vez que

ambos podem exercer sobre ele o poder diretivo.233

2.4 Amplitude do dever de obediência

O dever de obediência do trabalhador engloba o cumprimento de ordens e instruções

que se refiram à execução ou à disciplina do trabalho, conforme estabelece o artigo 128º, nº 1,

alínea “e” do CT. Assim, o dever de obediência abrange comandos que digam respeito à

atividade prestada (oriundos tanto do poder diretivo quanto genericamente do poder

regulamentar) e também que se refiram à disciplina do trabalho (originários do poder disciplinar

do empregador na sua faceta prescritiva).

Essa característica do dever de obediência de englobar a observância de outras regras

além das ordens e instruções que sejam conexas à prestação principal Maria do Rosário Palma

Ramalho denomina de extensão do dever de obediência. Para a autora, o referido dever se

estende às regras de higiene, saúde e segurança no trabalho, regras de funcionamento da

232 PINTO, Mário F.C./MARTINS, Pedro Furtado/CARVALHO, António Nunes de – Comentário às Leis do

Trabalho, I, Lisboa, 1994, p.92 233 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.961

Page 69: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

69

empresa, inclusive podendo afetar eventualmente comportamentos extra-laborais do prestador

da atividade, ou outras.234

Outro aspecto que diz respeito à amplitude do dever de obediência é relativo ao modo

de como as ordens ou instruções foram produzidas. O trabalhador fica adstrito a observar tanto

as diretrizes emanadas apenas a si (as chamadas ordens individuais) quanto as proferidas para

uma coletividade de trabalhadores (ordens ou instruções genéricas). Quanto às últimas, pode-

se apontar as normas constantes do regulamento interno, dos códigos de conduta e instruções

genéricas que servem para qualquer empregado em uma situação.235

No Brasil adotou-se dois nomes para a violação (ilegítima) do dever de obediência do

trabalhador caso se esteja diante de um incumprimento de uma ordem individual ou geral. Diz-

se que o trabalhador comete um ato de indisciplina na ocorrência de uma violação a uma ordem

geral (proferida de modo impessoal) e um ato de insubordinação se descumprir uma ordem

pessoal e direta.236 Dessa forma, para o autor Mozart Victor Russomano, a insubordinação (por

se tratar de um desrespeito a ordens diretas) é uma espécie do gênero indisciplina.237

Essa distinção terminológica entre as duas figuras não demonstra qualquer relevância

prática, uma vez que aos dois comportamentos o artigo 482 da Consolidação das Leis do

Trabalho atribui a mesma consequência – justa causa para a rescisão do contrato de trabalho.

De modo semelhante ao brasileiro, no direito laboral espanhol também se adota dois

nomes para se referir à violação do dever de obediência – “indisciplina” para o incumprimento

de ordens gerais ou normas que regem a empresa e “desobediência” quando se trate de ordens

concretas.238

Feito esse adendo a respeito do incumprimento ilegítimo do dever de obediência no

Brasil e na Espanha, conclui-se que de igual modo as ordens ou instruções individuais e

coletivas vinculam o trabalhador à sua observância, e que este é obrigado a cumprir não apenas

as diretrizes que digam respeito ao modo de execução da sua atividade, mas também as

decorrentes do poder disciplinar da entidade empregadora.

234 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.437 e RAMALHO, Maria

do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.459 235 MOLERO MANGLANO, Carlos – Manual de Derecho del Trabajo cit., p.445 236 Vide: CARRION, Valentin – CLT, Comentários à Consolidação das Leis Trabalhistas, 40ª ed., São Paulo,

2015, pp.475 s. e LEITE, Carlos Henrique Bezerra - Curso de Direito do Trabalho cit., p.510 237 RUSSOMANO, Mozart Victor – Curso de Direito do Trabalho, 9ª ed., Curitiba, 2012, p.221 238 MARTÍN VALVERDE, Antonio/ GARCÍA MURCIA, Joaquín – Tratado Práctico de Derecho del Trabajo

cit., II, p.1351

Page 70: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

70

3 Outros aspectos do dever de obediência

3.1 O dever de obediência e a subordinação jurídica

A relação entre a subordinação jurídica e o dever de obediência do trabalhador é íntima

e indissociável, de modo que sem a existência daquela não há o que se falar em contrato de

trabalho e, consequentemente, inexiste também um dever de obediência.

A subordinação jurídica implica para o trabalhador a obrigação de obedecer às ordens e

instruções da entidade empregadora, no que tange à execução e disciplina do trabalho.239 O

dever de obediência do trabalhador é, portanto, o corolário da situação de subordinação jurídica

em que ele se encontra no contrato de trabalho.240

O cumprimento de ordens ou instruções identifica-se com a dependência enquanto nota

caracterizadora da relação laboral.241 Assim, dentro de certos limites, o dever de obediência é

uma resultante fatal da subordinação jurídica laboral,242 sendo o dever que mais fielmente

caracteriza o modo de cumprimento do contrato de trabalho.243

Segundo Pedro Romano Martinez, a subordinação jurídica pode ser entendida em um

sentido amplo (abrangendo a alienabilidade, o dever de obediência e a sujeição ao poder

disciplinar) e em um sentido restrito – determinado de sujeição laboral, o qual corresponde

apenas aos dois últimos representantes do sentido amplo.244

Dessa forma, pode-se afirmar que o dever de obediência é a “manifestação, por

excelência, da subordinação do trabalhador no vínculo laboral, a par da sujeição ao poder

disciplinar sancionatório do empregador”.245 A sujeição ao poder disciplinar revela-se na

medida em que se o trabalhador desrespeitar alguma ordem ou regra que vigore na empresa,

possibilita-se à entidade empregadora a sua punição.246

A alienabilidade da força de trabalho (sendo esta o conjunto de atributos da

personalidade de quem a detém) e a dependência do trabalhador no contrato são potencialmente

lesivas de direitos deste.247 Logo, é mister a existência de limites à subordinação jurídica e seu

consequente dever de obediência.

239 SILVA, João Moreira da – Direitos e deveres dos sujeitos da relação individual de trabalho, Coimbra, 1983,

p.53 240 Ac. STJ de 12/03/2014, (Nº 47/08.9TTLSB.L1.S1), www.dgsi.pt 241 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.70 242 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.130 243 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., pp. 371 s. 244 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.153 245 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.449 246 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p.155 247 ABRANTES, José João Nunes – Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais cit., pp.44 s.

Page 71: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

71

A existência da subordinação jurídica no contrato de trabalho não quer dizer que o

trabalhador deva obedecer cegamente a todas as ordens ou instruções emitidas pelo

empregador. Uma vez que o trabalhador possui capacidade de discernimento, o mesmo não está

obrigado a cumprir ordens que atentem contra seus direitos ou garantias.248 Ainda, a

subordinação jurídica encontra limites na atividade laboral, restringindo os seus efeitos à

relação de trabalho.249

3.2 O dever de obediência e os poderes do empregador

A Teoria Geral do Direito há muito já correlacionava a ideia de poder à de dever, sendo

que “não há poder sem dever, nem dever sem poder, sendo, por conseguinte, o poder de um, o

dever do outro e vice-versa”. 250

De acordo com Giampiero Falasca, durante o contrato laboral, o trabalhador fica adstrito

à observância de deveres que assegurem o exercício dos poderes do empregador, dentre eles

encontra-se o dever de obedecer às diretrizes emitidas por este.251

Essas diretrizes emitidas pelo empregador podem ser comandos gerais (proferidos para

uma coletividade de trabalhadores) ou individuais e poderão ser oriundas do exercício do poder

diretivo, da faceta prescritiva do poder disciplinar ou de regras constantes no regulamento de

empresa. Independentemente de qual poder essa diretriz seja uma manifestação, sendo legítima,

ela terá como consequência a exigibilidade do dever de obediência, por força do disposto no

artigo 128º, nº 1, alínea “e”.

O dever de obediência, na maior parte das vezes, encontra-se relacionado ao poder de

direção do empregador, o que ocorre tanto por questões práticas quanto teóricas. Obviamente

que o dever de obediência no cotidiano laboral acaba sendo exercido em um maior número de

vezes para cumprir ordens e instruções decorrentes do poder diretivo. Ademais, o artigo 97º do

248 Assim decidiu a Corte Constitucional Colombiana: “En efecto, la subordinación no es sinónimo de terca

obediencia o de esclavitud toda vez que el trabajador es una persona capaz de discernir, de razonar, y como tal

no está obligado a cumplir órdenes que atenten contra su dignidad, su integridad o que lo induzcan a cometer

hechos punibles.". Corte Constitucional – Republica de Colombia, Sentencia C-934/04. Disponível em:

http://www.corteconstitucional.gov.co/RELATORIA/2004/C-934-04.htm#_ftnref13

Ainda, a legislação colombiana (alínea “b” do nº 1, do “articulo 23” do “Codigo Sustantivo del Trabajo”) limita a

subordinação dos trabalhadores a ordens que não afetem a honra, a dignidade e os direitos mínimos dos

trabalhadores. Codigo Sustantivo del Trabajo disponível em:

http://www.secretariasenado.gov.co/senado/basedoc/codigo_sustantivo_trabajo.html 249 Corte Constitucional – Republica de Colombia, Sentencia C-934/04. Disponível em:

http://www.corteconstitucional.gov.co/RELATORIA/2004/C-934-04.htm#_ftnref13 250 CARNELUTTI, Francesco – Teoria Geral do Direito, São Paulo, 1942, p.251 251 FALASCA, Giampiero – Manuale di diritto del lavoro, 3ª ed., Milão, 2011, p.163

Page 72: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

72

CT, ao enunciar dentro do poder de direção que compete ao empregador estabelecer os termos

da prestação, deixa implícito que este o faz através da emissão de comandos.

O aparecimento do dever de obediência voltado apenas para o poder de direção justifica-

se também frente a questões teóricas. A entidade empregadora, ao gerir seu próprio

estabelecimento, possui o poder de dirigir a atividade do trabalhador, entendendo-se que

correlativamente a este poder, o trabalhador possui o dever de obediência.252 Afirma-se, que

corresponde ao poder de direção do empregador, em razão da posição de subordinação que o

trabalhador ocupa no contrato de trabalho, o dever de obediência. Tal afirmativa é correta, mas

a ideia contrária é inadequada, uma vez que o dever de obediência não se limita a manifestações

do poder de direção. Essa ideia oposta (de que o dever de obediência é o correspondente do

poder de direção) apenas estaria correta se não se reconhecesse a faceta prescritiva do poder

disciplinar e, também, negando-se autonomia ao poder regulamentar (entendendo este como

uma manifestação do poder de direção).

Mesmo diante dessas questões práticas e teóricas levantadas, não se pode negar que o

artigo 128º, ao disciplinar o dever de obediência, não diferenciou a origem das ordens e

instruções a serem observadas pelo empregador. Assim, o trabalhador está vinculado aos

comandos legítimos do empregador independentemente de qual poder eles resultem.

A relação laboral reveste-se de um caráter de desigualdade entre as partes do contrato

de trabalho. Essa disparidade é revelada na medida em que um dos sujeitos da relação possui

poderes para emitir ordens, enquanto o outro fica vinculado a cumpri-las.

Diante dessa assimetria é que surgem limites que demarcam onde cessa o dever de

obediência às ordens e instruções decorrentes dos poderes da entidade empregadora. Por

questões metodológicas, os limites ao dever de obediência serão abordados em tópico distinto

no presente trabalho. Por ora, vale mencionar que o próprio Código do Trabalho limitou o dever

de obediência (é o caso da parte final da alínea “e” do nº 1 do artigo 128º e, também, da alínea

“b” do nº 1 do artigo 331º). Portanto, aludido dever não é absoluto, não tendo o empregador, da

mesma forma, um “direito ilimitado”253 de dar ordens.

Logo, não são todas as diretrizes emitidas pelo empregador que obrigam o trabalhador

a prestar obediência. Porém, se as ordens ou instruções proferidas se encontrarem dentro dos

252 Ac. STJ de 30/06/2016, (Nº 506/12.9TTTMR-A.E1.S1), www.dgsi.pt. Também, segundo o STJ, o dever de

obediência é “o reverso do poder de conformação da prestação de trabalho que caracteriza a posição do

empregador.” Em: Ac. STJ de 12/03/2014, (Nº 47/08.9TTLSB.L1.S1), www.dgsi.pt. No último entendimento, o

Supremo Tribunal de Justiça seguiu a divisão dos poderes do empregador conforme António Monteiro Fernandes,

o qual também posiciona o dever de obediência como correlato do poder conformativo da prestação. Vide:

FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.239 253 MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho cit., p. 154

Page 73: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

73

limites impostos, a sua inobservância acarretará uma violação do dever de obediência,

configurando uma infração disciplinar.

3.3 O dever de obediência e as modificações na prestação laboral

Convém discorrer neste item a relação entre o dever de obediência do trabalhador e as

ordens do empregador que alteram unilateralmente a prestação da atividade laboral. Conforme

dividido no capítulo anterior, essas modificações podem ocorrer em razão da função exercida

pelo trabalhador, do local e do tempo e horário de trabalho.

Quanto à função do trabalhador, o dever de obediência limita-se, em princípio, a cumprir

as ordens que exijam o desempenho de tarefas inseridas no objeto do contrato de trabalho,

conforme enuncia o princípio da invariabilidade da prestação (nº 1 do artigo 118º do CT).254

Porém, em virtude de tal regra comportar exceções, a entidade empregadora poderá emitir

ordens exigindo que o trabalhador cumpra funções que sejam afins ou funcionalmente ligadas

à atividade contratada (de acordo com o disposto nos números 2 e 3 do artigo 118º) ou, que

modifiquem unilateralmente a função do trabalhador, sobre o abrigo da mobilidade funcional

(artigo 120º).

No caso de o empregador emitir uma ordem para que o trabalhador desempenhe funções

que sejam afins ou estejam funcionalmente ligadas à atividade para a qual foi contratado, tal

ordem deve observar os requisitos cumulativos dispostos no nº 2 do artigo 118º: o trabalhador

deve possuir qualificação adequada para exercer tais funções e estas não podem implicar a ele

uma desvalorização profissional. Se a ordem emitida cumprir os requisitos ela será lícita,

motivo pelo qual o trabalhador fica vinculado a obedecer a ela. Por outro lado, caso a ordem

não observe os requisitos legais, ela será ilícita, não sendo exigível ao trabalhador o dever de

obediência.

De modo semelhante, quando a ordem de variação da função ocorra sobre o abrigo do

jus variandi, para se afirmar a exigência de um dever de obediência por parte do trabalhador é

necessário analisar se aquela seguiu todos os requisitos cumulativos legalmente estabelecidos

pelo artigo120º, nº 1, do Código do Trabalho (existência de um interesse da empresa; caráter

temporário da variação e que a alteração não implique em modificação substancial da posição

ocupada pelo trabalhador).

Dessa forma, se a ordem decorrente do exercício do jus variandi observou todos os

pressupostos legais ela é legítima, devendo o trabalhador obedecer a ela e desempenhar

254 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.460

Page 74: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

74

temporariamente as funções não compreendidas na atividade contratada que lhe forem

atribuídas.255 Caso o trabalhador se recuse a cumprir as tarefas que lhe foram impostas em razão

de uma ordem de variação legítima, ele violará o dever de obediência, sendo o seu

comportamento passível de censura disciplinar. 256 Porém, na ocorrência de não se verificar na

ordem de variação algum dos requisitos, ela será ilegítima, não sendo exigível ao trabalhador

cumpri-la, sendo legítima sua recusa.257

No que tange às ordens de variação que envolvam o local de trabalho sem a anuência

do trabalhador, cumpre estabelecer as diferenças entre as duas hipóteses previstas no artigo

194º, nº 1, do CT – a transferência coletiva (em virtude de mudança ou extinção do

estabelecimento da prestação do trabalho) e a individual.

Primeiramente, no que diz respeito à transferência coletiva – em razão de mudança ou

extinção do estabelecimento onde o trabalhador executa a atividade – cumpre mencionar que

como a ordem de transferência em uma dessas hipóteses não se sujeita aos requisitos

substanciais da transferência individual, não há como se estabelecer uma análise de

legitimidade da mesma para fins de estipulação da exigibilidade de um dever de obediência da

contraparte da relação contratual. Em outras palavras, na transferência coletiva “não se coloca

a possibilidade de recusa da modificação do local de trabalho pelo trabalhador”.258 Desse

modo, caso o trabalhador não queira cumprir a ordem de transferência, resta-lhe resolver o

contrato laboral, segundo o artigo 194º, nº 5, do Código do Trabalho, não se visualizando uma

possibilidade fática de violação ao referido dever.

No tocante às ordens individuais de transferência do trabalhador, estando preenchidos

os requisitos materiais e procedimentais impostos pelo Código do Trabalho, a ordem emanada

dentro desses parâmetros será legítima, configurando um direito do empregador, devendo o

trabalhador obedecê-la.

Por outro lado, na falta de cumprimento dos requisitos impostos pelos artigos 194º e

196º, a ordem de transferência será ilícita, ferindo a garantia da inamovibilidade, prevista no

artigo 129º, nº 1, alínea “f”. Dessa forma, a obediência a essa ordem não será exigível, pois,

conforme enuncia o artigo 128º (nº 1, alínea “e”), cabe ao trabalhador obedecer às ordens que

não sejam contrárias aos seus direitos e garantias.

255 A recusa do trabalhador a cumprir ordem de variação decorrente de jus variandi legítimo configura

desobediência ilegítima, passível de sanção, inclusive podendo integrar a justa causa de despedimento. Vide: Ac.

STJ de 01/10/2015, (Nº 279/12.5TTPTG.E1.S1), www.dgsi.pt 256 É o que se verifica no comportamento da trabalhadora em: Ac. RC de 16/12/2015, (Nº3501/14.0T8VIS.C1),

www.dgsi.pt 257 Do mesmo modo: FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.81 258 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.515

Page 75: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

75

Não sendo exigível o dever de obediência face a uma ordem de transferência ilícita,

poderá o trabalhador desobedecer a ela de forma legítima, apresentando-se no competente local

de trabalho.259 Ou, caso o requisito não cumprido pelo empregador seja a inexistência de

prejuízo sério ao trabalhador, este poderá (além da possibilidade de recusar obediência) resolver

o contrato de trabalho sob o abrigo do nº 5 do artigo 194º.

Quanto ao horário de trabalho, conforme referido no capítulo anterior, o empregador

poderá, em regra, alterá-lo unilateralmente, em razão do seu poder de direção.260 Essa faculdade

de modificação conferida ao empregador, porém, sujeita-se à observância de requisitos

procedimentais, pelo que a falta de observância às formalidades impostas no artigo 217º do

Código do Trabalho implica em invalidade da ordem de alteração.

Dessa forma, a alteração do horário de trabalho sem a devida consulta precedente,261

sem o prévio aviso ou, em caso de alteração temporária, sem o registro em livro próprio ou que

ultrapasse o número de 3 vezes ao ano, deverá ser considerada inválida, diante do desprezo às

formalidades essenciais.

Embora os procedimentos previstos no Código do Trabalho para a alteração de horário

não afetem a autonomia do empregador – haja vista os mesmos possuírem uma natureza

consultiva – a sua inobservância interfere na validade da decisão de modificação, exonerando

os trabalhadores da obrigação de cumprir o novo horário.262 Assim sendo, o dever de obediência

não será exigível frente à ordem de alteração de horário que não preencha os requisitos formais

essenciais previstos na legislação laboral.

Ainda, não será exigível o dever de obediência do trabalhador face a uma ordem de

alteração proferida com intuito meramente persecutório ou punitivo, pois tal ordem deverá ser

tida como nula em razão de abuso de direito por parte do empregador.

Por outro lado, sendo a ordem de alteração válida diante do cumprimento dos requisitos

e emitida dentro dos interesses objetivos da empresa (sem a ocorrência de abuso de direito), o

trabalhador não poderá se opor, uma vez que o empregador possui a faculdade de alterar os

horários de trabalho unilateralmente.

Em qualquer das três hipóteses de variação do conteúdo laboral elencadas (em razão da

função, local ou horário de trabalho), sendo o dever de obediência exigível diante da

259 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.524 260 Excetuando-se o caso de acordo entre as partes para a submissão da alteração ao consentimento do trabalhador

– Ac. STJ de 29/09/2016, (Nº291/12.4TTLRA.C1.S2), www.dgsi.pt 261 Vide: Ac. STJ de 30/04/2014, (Nº363/05.1TTVSC.L1.S1), www.dgsi.pt 262 FERNANDES, Francisco Liberal – O tempo de trabalho cit., p.174

Page 76: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

76

regularidade da ordem de alteração, caso o trabalhador não a observe ele violará o referido

dever, constituindo o seu comportamento em uma infração disciplinar passível de sanção.

Por ora, importa estabelecer a relação entre o dever de obediência do trabalhador com

as modificações unilaterais feitas pelo empregador. A questão em específico da desobediência

legítima ocorrida em razão da ilicitude dessas variações será analisada no capítulo seguinte.

3.4 O dever de obediência e a esfera extra-laboral

O trabalhador, para além da sua atividade profissional, deve ser reconhecido como

pessoa, portanto, “múltiplos aspectos da vida do trabalhador e da sua personalidade devam

ser considerados irrelevantes para a relação laboral e até inacessíveis ao conhecimento do

empregador.”.263

Dessa forma, a regra geral que se impõe é a da irrelevância das condutas extra-laborais

do trabalhador e, em virtude de tal regra, veda-se ao empregador orientar e sancionar condutas

que se reportem à esfera extra-laboral.264

Ocorre que, tal regra é excepcionada por um critério desenvolvido pela jurisprudência,

o qual visa a justificar o relevo disciplinar de certas condutas do trabalhador na esfera extra-

laboral – o da existência de um nexo de conteúdo relevante entre estas e o contrato de

trabalho.265

Em virtude desse critério de exceção, o trabalhador tem o seu comportamento fora do

ambiente laboral balizado por alguns de seus deveres trabalhistas, sob pena de eventual violação

caracterizar uma infração disciplinar. Embora em alguns deveres seja mais fácil a visualização

de tal exceção (é o caso, do dever de lealdade, por exemplo), o dever de obediência também a

comporta.

É em razão do circunstancialismo de cada caso concreto que se poderá afirmar se

determinada conduta do trabalhador possui ou não reflexo na sua relação de trabalho, bem como

se certa ordem do empregador que envolva a esfera privada do trabalhador é ou não legítima.

Importa esclarecer que se faz referência neste tópico ao conteúdo das ordens a que o

trabalhador deva (ou não) obediência, não se devendo confundir com a exigibilidade do dever

de obediência fora da prestação da atividade em decorrência de ser um dever integrante da

prestação principal.

263 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.971 264 LAMBELHO, Ana /GONÇALVES, Luísa Andias – Manual de Direito do Trabalho. Da Teoria à Prática cit.,

p.159 265 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.963

Page 77: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

77

Aplicando-se o critério de exceção do nexo de conteúdo da conduta com o contrato às

ordens do empregador, tem-se que: se determinada ordem envolvendo uma conduta extra-

laboral do trabalhador não mantém relação com o vínculo de trabalho e nem reflete no mesmo,

ela não será exigível ao trabalhador e, portanto, ele não fica adstrito ao seu cumprimento. Por

outro lado, se for emitida uma ordem envolvendo uma conduta extra-laboral do trabalhador a

qual mantenha relação com o vínculo ou nele reflita, ela será exigível, devendo o trabalhador

obedecê-la.266

Pode-se afirmar, que essa relação ou reflexo da conduta extra-laboral com o vínculo de

trabalho deve ser substancial para que se possa exigir um dever de obediência do trabalhador

fora da prestação da atividade, de modo que, sem a referida conduta, a relação de trabalho será

afetada consideravelmente.

De acordo com Alice Monteiro de Barros, a interferência do empregador na vida extra-

laboral do trabalhador (com a consequente exigibilidade do dever de obediência deste) se

justifica quando o seu comportamento for suscetível de ocasionar danos aos interesses da

empresa.267 O posicionamento da autora brasileira exprime a relação (ou também o reflexo) da

conduta extra-laboral do trabalhador com o vínculo de trabalho.

O dever de obediência, portanto, não se impõe em relação a outras matérias que não

sejam as conexas com a execução da atividade laboral e com a disciplina do trabalho.268 Tal

conexão não precisa ser diretamente relacionada com a prestação, mas eventual conduta extra-

laboral exigida do trabalhador deve possuir um reflexo substancial na mesma.

4 Os limites ao dever de obediência

O dever de obediência do trabalhador não é absoluto, é circunscrito por limites que

definem o campo da sua exigibilidade. A imposição de limites ao dever de obediência tem como

fulcro evitar o cumprimento de alguma ordem ou instrução ilegítima do empregador, passível

até mesmo de ocasionar danos.

266 O STJ considerou legítima a ordem de empregador determinando que o trabalhador empregado de sala de jogo

em um bingo fizesse a barba para manter sua boa aparência. De acordo com o comentário a esse acórdão feito por

Pedro Romano Martinez, tendo em consideração a estrutura da empresa, a imagem desta perante seus clientes

justificam tal exigência. Perante este exemplo de caso concreto, percebe-se que a ordem proferida (mesmo

englobando um cumprimento de uma conduta fora da esfera laboral) envolve conteúdo que reflete na relação de

trabalho, devendo o trabalhador obedecê-la. Vide: MARTINEZ, Pedro Romano – Poder de direcção: âmbito.

Poder disciplinar: desrespeito de ordens. Comentário ao acórdão do STJ de 20 de outubro de 1999, RDES, 2000,

385-408, pp. 395 e 406 267 BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho cit., p.387 268 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.961

Page 78: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

78

Destarte, o tema dos limites ao dever de obediência relaciona-se diretamente com a

desobediência legítima do trabalhador, uma vez que, ultrapassados os seus contornos, aquele

dever torna-se inexigível, sendo legítima a recusa do trabalhador ao seu cumprimento.

Primeiramente, há que se referir a respeito da legitimidade da ordem ou instrução do

empregador. Pode-se afirmar que o trabalhador somente deve obediência a diretrizes

produzidas de modo legítimo.269 Ocorre que o legislador português não definiu de modo

expresso um rol de situações em que se atribui legitimidade a uma ordem ou instrução.

O artigo 128º, nº 1, alínea “e” do CT limita-se a exonerar o trabalhador do seu dever de

obediência quando o comando do empregador for contrário aos seus direitos ou garantias.

Assim, muito embora seja correta a assertiva de que os direitos e garantias do trabalhador

constituem limites gerais ao seu dever de obediência,270 pode-se extrair do ordenamento

jurídico português outros contornos ao referido dever.

É incontestável, em razão da disposição normativa expressa, que os direitos e garantias

do trabalhador servem como baliza à exigibilidade de cumprimento de ordens ou instruções.

Tal previsão não poderia se dar de modo diverso, em razão do intrínseco envolvimento da

pessoa do trabalhador no vínculo laboral, envolvimento este, que demanda a observância de

seus direitos e garantias. Assim, na hipótese de algum comando do empregador violar os

direitos ou garantias do trabalhador, a desobediência verdadeiramente se torna um meio de

defesa desses.

Conforme previamente discorrido, a legitimidade dos comandos do empregador não se

restringe à observância de um conteúdo lícito, porquanto diz respeito também aos sujeitos que

os proferem. Logo, a ilegitimidade do sujeito emitente também serve de limite ao dever de

obediência do trabalhador.

Importante parâmetro ao dever de obediência é a legalidade das ordens da entidade

empregadora. O trabalhador pode recusar-se a cumprir uma ordem ilegal (como, por exemplo,

quando esta demandar a prática de um crime) podendo ser inclusive responsabilizado se a

obedecer de forma acrítica.271 Isso se deve ao fato de que o desrespeito pela legalidade faz

cessar o dever de obediência ao comando proferido.

269 PINTO, Mário F.C./MARTINS, Pedro Furtado/CARVALHO, António Nunes de – Comentário às Leis do

Trabalho cit., I, p.92 270 Maria do Rosário Palma Ramalho entende que os limites gerais ao dever de obediência são os direitos e

garantias do trabalhador. Em: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II,

p.437 271 FALASCA, Giampiero – Manuale di diritto del lavoro cit., p.165

Page 79: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

79

Encontrando fundamento no contrato de trabalho, o dever de obediência limita-se pelo

seu objeto.272 Consequentemente, as ordens da entidade empregadora precisam ser obedecidas

se estiverem dentro dos limites do contrato,273 e as ordens ou instruções que desrespeitem o

contrato de trabalho serão ilegítimas e inexigíveis. Em virtude de o dever de obediência limitar-

se segundo os contornos do contrato laboral, pode-se extrair algumas consequências.

A primeira delas é que eventuais modificações na prestação laboral devem seguir as

imposições legais, sob pena de serem ilegítimas e exonerar-se o trabalhador da sua observância.

A segunda é que ordens ou instruções que não mantenham relação com conteúdo do vínculo

laboral (nem nele reflitam) também acarretam a cessação do dever em tela. Outra consequência

é que como as partes poderão estipular algumas determinações do contrato laboral, as mesmas

poderão, por acordo, limitar ainda mais o dever de obediência.

Constituem, ainda, limites ao dever de obediência: os parâmetros impostos pela boa-fé

(artigo 126º do CT), a observância às regras de saúde e segurança do trabalho, a autonomia

técnica e deontológica do trabalhador e a não exigibilidade do dever de obediência na suspensão

e na não prestação de trabalho (em virtude de o mesmo integrar a prestação principal).

A definição de limites ao dever de obediência do trabalhador varia de acordo com cada

ordenamento jurídico, uma vez que tais limites são extraídos da própria legislação. Assim, os

limites discorridos acima aplicam-se ao direito português.

A legislação trabalhista espanhola, ao prever (na alínea “c” do artigo 5 da Ley del

Estatuto de los Trabajadores) o dever de obediência, limita o cumprimento pelo trabalhador das

ordens e instruções de acordo com o exercício regular das faculdades diretivas do empregador.

O referido artigo, porém, não descrimina em que situações específicas o empregador ultrapassa

o limite imposto pelo exercício regular das suas faculdades diretivas, dando margem ao direito

de resistência do trabalhador. Dessa forma, diferentes enumerações de hipóteses de

desobediência legítima serão encontradas na doutrina espanhola. Segundo Alberto Jose Carro

Igelmo, o trabalhador não deve obediência a ordens manifestamente ilegais ou que acarretem

perigo para quem as executa ou para terceiros.274

Na experiência da common law do Reino Unido, de acordo com Simon Deakin e Gillian

S. Morris, o potencial alcance do dever de obediência é bem amplo, mas na prática tende a ser

limitado pelos seguintes fatores: pelos termos expressos do contrato estipulados pelas partes,

272 Ac. STJ de 25/02/1993, (Nº003543/JSTJ00017985), www.dgsi.pt 273 RIDEOUT, Roger W./ DYSON, Jacqueline C. – Rideout’s principles of labour law, 4ª ed., Londres, 1983, p.93 274 CARRO IGELMO, Alberto Jose – Curso de Derecho del Trabajo cit., p.317

Page 80: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

80

pelos limites oriundos dos costumes bem como por aqueles advindos de acordos coletivos.275

No que tange aos termos contratuais estipulados pelas partes, Roger W. Rideout e Jacqueline

C. Dyson afirmam que os trabalhadores não são obrigados a adotar uma postura passiva, muito

pelo contrário, eles devem participar na construção de tais termos e recusarem-se a obedecer ao

que eventualmente esteja fora do estipulado.276

Em resumo, são os limites ao dever de obediência, traçados por cada ordenamento

jurídico, que irão determinar se uma ordem ou instrução é legítima e, portanto, exigível ou não.

Cessado o dever de obediência em razão de eventual comando ultrapassar tais limites, a

desobediência do trabalhador será legítima.

5 A inobservância do dever de obediência por parte do trabalhador

A ocorrência de uma desobediência do trabalhador a uma ordem ou instrução do

empregador não significa automaticamente que houve um incumprimento contratual por parte

daquele. Assim, a inobservância de algum comando pelo trabalhador pode caracterizar duas

situações com resultados distintos, em virtude da conduta deste ser censurada ou legitimada

pelo ordenamento jurídico.

Cumpre ressaltar que a inobservância do dever de obediência engloba o não

cumprimento de comandos oriundos do poder de direção, do poder disciplinar e do poder

regulamentar (através do descumprimento de normas constantes no regulamento de empresa).

Antes de mais nada, para que se possa determinar se eventual incumprimento de ordens

ou instruções violou (ou não) o dever de obediência, é necessária a análise do comando

proferido pelo empregador.

Assim, a primeira situação de inobservância do dever de obediência tem lugar perante

uma ordem ou instrução ilegítima da entidade empregadora. Nessa hipótese, o dever de

obediência não é exigível, portanto, a desobediência a essa diretriz do empregador

(ilegitimamente emitida) será legítima.

Nesses moldes, não há o que se falar em violação de deveres, tampouco em

incumprimento contratual, uma vez que a desobediência teve lugar frente a uma situação que

ultrapassa os limites ao dever de obediência. Logo, essa desobediência legítima não caracteriza

uma conduta ilícita do trabalhador e não poderá ser punida.

Caso o empregador sancione tal conduta, considerar-se-á tal sanção como abusiva, nos

moldes da alínea “b” do nº 1 do artigo 331º. Frente a uma efetiva aplicação de sanção abusiva

275 DEAKIN, Simon/ MORRIS, Gillian S. – Labour Law cit., p.302 276 RIDEOUT, Roger W./ DYSON, Jacqueline C. – Rideout’s principles of labour law cit., p.94

Page 81: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

81

pelo empregador, o comportamento deste (além de acarretar indenização ao trabalhador) será

passível de constituir justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador,

conforme enuncia a alínea “c” do nº 2 do artigo 394º do Código do Trabalho.

A segunda situação ocorre quando o trabalhador se encontra perante uma ordem ou

instrução legítima e desobedece a ela. Nessa hipótese, o dever de obediência lhe era exigível,

portanto, o trabalhador comete uma violação do mesmo.277 Tal incumprimento será ilegítimo,

e o comportamento do trabalhador caracterizar-se-á como infração disciplinar, a qual será

passível de sanção e poderá resultar (desde que preenchidos os outros requisitos que

posteriormente serão abordados no presente trabalho) em justa causa de despedimento,

conforme enuncia a alínea “a” do nº 2 do artigo 351º do Código do Trabalho.

Poder-se-ia afirmar que eventual incumprimento do citado dever poderia “pôr em causa”

a autoridade do empregador. Contudo, apenas a desobediência ilegítima assim o faz, em virtude

da legitimidade do comando. Ainda, a desobediência quando legítima não contesta a autoridade

ou os poderes do empregador em si, mas sim determinadas ordens ou instruções em específico.

5.1 Desobediência legítima versus ilegítima

Múltiplos fatores estabelecem a diferença entre a desobediência legítima e a ilegítima

do trabalhador, tendo em comum apenas a inobservância de ordem ou instrução do empregador.

Quanto às demais características, os dois comportamentos desobedientes consubstanciam-se

em condutas verdadeiramente opostas.

Primeiramente, cumpre relembrar a distinção de ambas as figuras no tocante à situação

em que ocorrem. Enquanto a desobediência legítima surge diante de uma ordem ou instrução

ilegítima (proferida por sujeito incompetente ou que viole direitos ou garantias), a

desobediência ilegítima tem lugar em uma situação de regularidade do contrato de trabalho,

desrespeitando ordem ou instrução legitimamente proferida.

Quanto à exigibilidade do dever de obediência, quando o comando do empregador não

for abrangido pelo âmbito do referido dever – tornando o cumprimento da ordem inexigível, a

desobediência será legítima. Dessa forma, na situação que configura uma desobediência

legítima, o dever de obediência do trabalhador cessa em razão da ilegitimidade da diretriz

proferida. Por outro lado, quando a ordem ou instrução encontrar-se dentro dos limites que

vinculam o dever de obediência, o seu incumprimento será ilegítimo, consubstanciando uma

violação do referido dever.

277 Viola o dever de obediência o trabalhador que descumpre ordens legítimas da entidade empregadora – vide:

Ac. STJ de 30/06/2016, (Nº 506/12.9TTTMR-A.E1.S1), www.dgsi.pt

Page 82: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

82

No que tange à caracterização do comportamento desobediente, pode-se afirmar que na

desobediência legítima há uma autorização do ordenamento jurídico, sendo uma conduta lícita

e sem relevância disciplinar. Diferente é a caracterização da desobediência ilegítima, a qual se

encontra expressamente vedada pela legislação trabalhista. Desse modo, a desobediência

ilegítima se trata de uma conduta ilícita referida no nº 2, alínea “a” do artigo 351º do Código

do Trabalho. A desobediência ilegítima, portanto, constitui uma infração disciplinar, a qual será

passível de punição, incluindo-se a justa causa de despedimento no rol de sanções aplicáveis.

Quando o artigo 351º refere-se à um “comportamento culposo” está subjacente a ideia

de um ato ilícito e censurável do trabalhador, uma vez que a expressão abrange tanto a culpa

quanto a ilicitude, seguindo os moldes da responsabilidade civil.278 Nesses termos, a ideia de

culpa está presente na desobediência ilegítima, enquanto na legítima a conduta do trabalhador

não é culposa.

No tocante à diferença das duas figuras quanto às suas respectivas consequências, pode-

se afirmar que a desobediência legítima não deve ser censurada, visto que permitida pela

legislação como um meio de defesa de direitos e garantias do trabalhador.

Já a desobediência ilegítima desorganiza o processo produtivo, implicando na negação

do trabalho subordinado.279 Logo, poderá ser sancionada a critério da entidade empregadora. O

rompimento injustificado do dever de obediência pode cessar a confiança da entidade

empregadora de modo gravoso, tornando a relação insustentável – dando, portanto, lugar à justa

causa de despedimento.

5.2 A desobediência ilegítima como infração disciplinar

A inobservância culposa (violação) de algum de seus deveres por parte do trabalhador

constitui infração disciplinar. A infração disciplinar caracteriza-se como um comportamento

que resulte em um incumprimento culposo do contrato laboral por parte do prestador da

atividade.

O Código do Trabalho não conceituou nem delimitou um rol taxativo das possíveis

infrações disciplinares que possam ser cometidas pelo trabalhador. Diante dessa omissão

legislativa, uma enumeração de um rol exemplificativo de infrações pode ser extraída da

conjugação de dois dispositivos do CT: o nº 1 do artigo 128º (o qual enumera alguns deveres

do trabalhador cuja violação culposa poderá consubstanciar uma infração disciplinar) com o nº

278 MARTINEZ, Pedro Romano – Da Cessação do Contrato, 3ª ed., Coimbra, 2015, pp.425 s. 279 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.829

Page 83: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

83

2 do artigo 351º (que ao elencar comportamentos caracterizadores da justa causa de

despedimento permite identificar algumas infrações).280

A infração disciplinar pode decorrer de um comportamento omissivo do trabalhador –

não cumprir um dever, ou, de uma conduta comissiva – violar um dever fazendo algo que lhe é

vedado. A infração disciplinar independe da produção de um resultado, ela é formal.281

Dentre as infrações disciplinares expressamente indicadas no Código do Trabalho

(descritas no nº 2 do artigo 351º) extrai-se da alínea “a” que a desobediência ilegítima do

trabalhador às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores constitui justa causa

de despedimento. Ocorre que, apesar de a desobediência ilegítima estar disciplinada como

comportamento passível de constituir justa causa de despedimento, o nº 1 do artigo 351º traz

requisitos cumulativos indispensáveis para que certa conduta possa ser caracterizada como tal,

assim, esses dois números necessitam ser observados em conjunto.

Portanto, pode ocorrer que determinados comportamentos desobedientes do trabalhador

possuam relevância disciplinar e sejam censuráveis, mas não consubstanciem uma situação de

justa causa de despedimento por lhes faltarem os outros requisitos cumulativos para tal.282

Assim, a desobediência ilegítima, mesmo que não constitua uma justa causa de despedimento,

será uma infração disciplinar cometida pelo trabalhador, a qual será passível de sanção que

deverá ser aplicada nos termos do artigo 328º e seguintes do CT e com a devida observância do

princípio da proporcionalidade.

O Código do Trabalho não definiu a desobediência ilegítima, porém, pode-se afirmar

que o comportamento desobediente do trabalhador será ilegítimo quando a ordem ou instrução

emitida pela entidade empregadora (ou por quem tenha competência para tal) seja legítima.283

Ao desobedecer de modo ilegítimo ordens ou instruções do empregador, ou de superior

hierárquico,284 o trabalhador viola o seu dever de obediência. Porém, para que se possa afirmar

que o dever de obediência é exigível (e, consequentemente que a desobediência é ilegítima) em

determinada situação, é necessário que as ordens ou instruções sejam legítimas. Assim, para

que a desobediência seja uma infração, faz-se necessária a presença da licitude no comando

emitido pelo empregador ou por quem tenha competência para tal.

280 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp.753 s. 281 MACEDO, Pedro de Sousa – Poder disciplinar patronal cit., p.32 282 É o caso, por exemplo, ocorrido em: Ac. STJ de 07/04/2016, (Nº 1084/13.7TTBRG.G1.S1), www.dgsi.pt 283 GOMES, Júlio – Deve o trabalhador subordinado obediência a ordens ilegais? cit., p.182 284 Exemplo de desobediência ilegítima à ordem legítima proferida por superiora hierárquica da trabalhadora,

colocando em causa, ainda, a sua competência: Ac.RP de 16/11/2015, (Nº54/14.2T4AVR.P1), www.dgsi.pt

Page 84: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

84

Mesmo diante da licitude da ordem e da configuração do comportamento do trabalhador

como uma infração disciplinar, a desobediência nem sempre acarretará justa causa de

despedimento, haja vista que para tal há a necessidade de a conduta preencher os requisitos

elencados no nº 1 do artigo 351º do CT, conforme anteriormente mencionado. Assim, “não

basta demonstrar o ato de desobediência para se considerar que se verifica uma situação de

justa causa.”.285

De uma leitura do referido dispositivo, extrai-se que, para que um comportamento do

trabalhador constitua justa causa de despedimento, ele deve ser cumulativamente286: culposo,

possuir gravidade e tornar (de modo imediato) praticamente impossível a subsistência da

relação laboral.

O requisito “comportamento culposo” pressupõe a existência de um ato ilícito e

censurável do trabalhador.287 Caso não se atribua a culpa ao trabalhador, não há o que se falar

em justa causa.288

Para se avaliar a existência ou não do elemento “gravidade” na desobediência ilegítima,

há que se verificar no caso concreto (dentre múltiplas circunstâncias), em especial o impacto

que esta causou no ambiente laboral, porquanto um ato desobediente cometido na presença de

outros colegas e terceiros poderá implicar em um desafio à autoridade do empregador, já um

ato mais velado poderá não trazer consequências gravosas à entidade empregadora.289 Ainda, a

reiteração da desobediência (persistência na recusa) por vezes poderá se revestir de uma maior

gravidade que um ato singular.290

No tocante à impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, cabe analisar,

perante o caso concreto, se a recusa ilegítima do trabalhador a cumprir determinado comando

causou um prejuízo irremediável à autoridade e disciplina da entidade empregadora.291 A

desobediência ilegítima constitui comportamento de difícil tolerância na medida em que

285 MARTINS, Pedro Furtado – Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª ed., Cascais, 2012, p.170 286 A falta de um dos requisitos elencados no nº 1 do artigo 351º descaracteriza a justa causa de despedimento.

Exemplificativamente, vide: Ac. REv. de 14/05/2015, (Nº 460/12.7TTMR.E1), www.dgsi.pt 287 MARTINEZ, Pedro Romano – Da Cessação do Contrato cit., p.426 288 Júlio Manuel Vieira Gomes cita um exemplo hipotético de ausência de culpa do trabalhador: “Tal será o caso

quando o trabalhador podia legitimamente duvidar da licitude da ordem, isto é, quando o seu erro for

desculpável, porquanto o quase mítico “bom pai de família”, colocado na sua situação, poderia também

acreditar que a ordem era ilícita.”. Em: GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.964 289 GOMES, Júlio – Deve o trabalhador subordinado obediência a ordens ilegais?cit., p.182 290 MARTINS, Pedro Furtado – Cessação do Contrato de Trabalho cit., p.170. Do mesmo modo entende o STJ a

respeito da maior gravidade na reiteração da desobediência: Ac. STJ de 30/06/2016, (Nº506/12.9TTTMR-

A.E1.S1), www.dgsi.pt 291 Semelhantemente, vide: MARTINEZ, Pedro Romano – Poder de direcção: âmbito. Poder disciplinar:

desrespeito de ordens. Comentário ao acórdão do STJ de 20 de outubro de 1999 cit., p.408

Page 85: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

85

provoca uma quebra na confiança por afetar a autoridade e o prestígio da entidade

empregadora.292

Pode-se extrair também do nº 1 do artigo 351º a exigibilidade de um nexo causal entre

a conduta (ilícita, grave e culposa) do trabalhador e a impossibilidade imediata da subsistência

da relação de trabalho.293 Dessa forma, para que o comportamento do trabalhador se constitua

justa causa de despedimento em virtude de desobediência ilegítima, a impossibilidade da

continuação do vínculo laboral tem que ser consequência da recusa de cumprimento de

comandos legítimos do empregador.

Presentes todos os requisitos cumulativos legalmente estabelecidos, a desobediência

ilegítima do prestador da atividade laboral às ordens ou instruções legitimamente proferidas

constituirá comportamento passível de ser sancionado com o despedimento por fato imputável

ao trabalhador.294

Os vários requisitos impostos pela legislação trabalhista para a configuração de um

comportamento como justa causa de despedimento revelam que a “pena de morte laboral”

deve representar a ultima ratio, devendo ser aplicada somente quando nenhuma outra se mostre

suficiente para resolver o impasse.295 Isso decorre do fato de que o despedimento traz

consequências penosas ao trabalhador, uma vez que retira o seu meio de sustento.

Justifica-se apenas, portanto, a aplicação de uma sanção mais gravosa (no caso, o

despedimento) quando se estiver diante de uma insuficiência da sanção de menor gravidade

para defender a disciplina da entidade empregadora.296

De modo semelhante, na Espanha o Estatuto de los Trabajadores (artigo 54.2)

estabeleceu uma tripla exigência para se aplicar a sanção de despedimento à desobediência

ilegítima – o incumprimento deverá ser injustificado, grave e culposo.297

Conclui-se, portanto, que à desobediência ilegítima, apesar de poder constituir uma justa

causa de despedimento, apenas poderá ser efetivamente aplicada a sanção de despedimento se

estiverem presentes as demais condições legais estabelecidas para tal. Caso ausentes, deverá

ser imposta uma sanção menos gravosa ao trabalhador que cometa essa infração disciplinar.

292 Ac. STJ de 01/10/2015, (Nº279/12.5TTPTG.E1.S1), www.dgsi.pt 293 Sobre o nexo de causalidade, vide: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho

cit., II, pp.953 ss. 294 Não faltam exemplos na jurisprudência portuguesa de situações de desobediência ilegítima sancionadas com

justa causa de despedimento. Exemplificativamente, vide: Ac. RG de 12/02/2015, (Nº78/12.4TTVCT.G1),

www.dgsi.pt; Ac. STJ de 08/10/2015, (Nº290/07.8TTSTS.P3.S1), www.dgsi.pt; Ac. STJ de 10/09/2014,

(Nº59/07.0TTVRL.P1.S1), www.dgsi.pt; Ac. STJ de 22/02/2017, (Nº4614/14.3T8VIS.C2.S1), www.dgsi.pt 295 MOREIRA, António José – O poder disciplinar. A necessária caminhada para o Direito cit., p.301 296 Ac. RLx de 15/06/2016, (Nº 1500/14.0T8BRR.L1-4), www.dgsi.pt 297 MERCADER UGUINA, Jesús R. – Lecciones de Derecho del Trabajo, 9ª ed., Valencia, 2016, p.592

Page 86: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

86

PARTE IV – A DESOBEDIÊNCIA LEGÍTIMA

1 Delimitação da desobediência legítima

1.1 A legitimação da desobediência

Em razão da previsão legal de um dever de obediência do trabalhador, o não acatamento

de ordens ou instruções emitidas pela entidade empregadora poderá caracterizar uma infração

disciplinar (desobediência ilegítima), haja vista que a inobservância de tais comandos pode

constituir uma violação daquele dever.

Assim, para que uma conduta possa caracterizar-se como desobediência legítima, há

que existir uma autorização pelo ordenamento jurídico e que se proceder a uma análise para

verificar se o comportamento do trabalhador se enquadra nessas hipóteses de permissão de não

cumprimento de alguma ordem ou instrução.

A análise da presença de legitimidade acarreta um juízo de valor à conduta desobediente.

Não se pode afirmar de forma automática que quando há uma conduta desobediente há uma

violação do dever de obediência. Há que se avaliar, primeiramente, se existe uma permissão

prevista no ordenamento para tal inobservância de certa diretriz do empregador.

Isso decorre do fato de que o dever de obediência do trabalhador não é absoluto, logo

deve haver hipóteses em que a desobediência é legítima, as quais constituem situações

amparadas pelo direito de resistência daquele.298

Tal autorização legislativa ao incumprimento de ordens ou instruções aparece

genericamente no artigo 128º (nº 1, alínea “e”) do CT, legitimando o trabalhador a desobedecer

a comandos que afrontem seus direitos ou garantias. Ainda, o nº 1 (alínea “b”) do artigo 331º,

ao remeter ao citado dispositivo, reforça essa permissão.

A alínea “b” do nº 1 do artigo 331º, além de fazer remissão ao nº 1 do artigo 128º,

também o faz ao seu nº 2. Assim, o artigo 331º contorna duas hipóteses de desobediência

legítima – quando a ordem ou instrução for contrária aos direitos ou garantias do trabalhador,

ou, quando for proferida por sujeito incompetente.

Em termos gerais, pode-se afirmar que a desobediência legítima decorre de ordens ou

instruções ilegítimas, uma vez que, frente a essas, o dever de obediência do trabalhador não é

exigível. Em suma, o trabalhador somente deve obediência a ordens que a entidade

empregadora possa proferir de modo legítimo.299

298 MERCADER UGUINA, Jesús R. – Lecciones de Derecho del Trabajo cit., p.367 299 PINTO, Mário F.C./MARTINS, Pedro Furtado/CARVALHO, António Nunes de – Comentário às Leis do

Trabalho cit., I, p.92

Page 87: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

87

Diante dessa permissão do ordenamento jurídico, na desobediência legítima não há

conduta ilícita do trabalhador, logo não há o que se discutir em termos de culpa e

censurabilidade do seu comportamento.

1.2 Caracteres da desobediência legítima

Conforme referido anteriormente, o comportamento do trabalhador caracterizado como

desobediência legítima não constitui ilícito, uma vez que é autorizado pela legislação. Assim

sendo, o mesmo é destituído de culpa e censurabilidade.

Também não há qualquer relevo disciplinar na conduta, haja vista não ocorrer uma

violação do dever de obediência em virtude da sua inexigibilidade frente a ordens ou instruções

ilegítimas. Consequentemente, não ocorrendo uma violação ao aludido dever, o comportamento

desobediente não constitui infração disciplinar.

A desobediência se trata de uma conduta deliberada, a qual indica que o trabalhador

“sabe onde vai chegar com seu ato”, não está agindo meramente por impulso, medo ou

insanidade. Há, portanto, uma demonstração de vontade do agente no incumprimento do

comando.

Esse incumprimento a ordens ou instruções pode ocorrer através de uma conduta

omissiva (abstenção) ou comissiva (fazer outra coisa ou fazer de modo diverso). Através da

omissão o trabalhador adota uma conduta passiva, deixando de fazer o ordenado. Pela comissão

ele atua de maneira divergente ao que lhe foi imposto pelo empregador, como, por exemplo,

continua se apresentando no antigo local de trabalho após uma modificação ilegítima deste.

O acatamento de ordens ou instruções da entidade empregadora é a regra nas relações

de trabalho, até mesmo porque a obediência é um dever do trabalhador. A desobediência

legítima, por consequência, possui um caráter de exceção.

Opera-se, portanto, a primazia da obediência, devendo a desobediência ser justificada

de acordo com as permissões legais. Cessando-se o dever de obediência apenas diante de uma

situação de ordem ou instrução ilegítima.

Somente em situações limites é que caberá a desobediência, haja vista a impossibilidade

de admiti-la em uma execução normal do contrato de trabalho, sob pena do trabalhador tornar-

se o único a definir seus próprios direitos e obrigações.300

A desobediência legítima surge como uma reação a uma ação ilegítima do empregador,

logo possui um caráter de oposição, de defesa a uma agressão.

300 PALOMEQUE LÓPEZ, Manuel Carlos/ ÁLVAREZ DE LA ROSA, Manuel – Derecho del Trabajo cit., p.592

Page 88: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

88

O contrato de trabalho, ao ser desenvolvido numa organização alheia ao trabalhador,

poderá acarretar a este potenciais lesões aos seus direitos ou garantias. Na medida em que a

legislação (artigo 128º do CT) expressamente exonera o trabalhador do cumprimento de ordens

ou instruções que violem direitos ou garantias, a desobediência a estes comandos torna-se um

meio de defesa desses mesmos direitos e garantias.

Desse modo, pode-se afirmar que a desobediência legítima possui como um de seus

caracteres o fato de ser um meio de defesa de direitos ou garantias, ou, ainda, um exercício de

uma autotutela. A autotutela alinha-se com o exercício da resistência. O autor brasileiro Mauro

Schiavi cita o direito de resistência como exemplo de autotutela na esfera individual do direito

do trabalho.301

Ainda, conforme disposto na primeira parte do presente trabalho, a desobediência

legítima do trabalhador pode ser vista como uma forma de exercício do direito constitucional

de resistência, com o intuito de proteger direitos, liberdades e garantias.

2 Modalidades de desobediência legítima

A alínea “e” do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho expressamente autoriza o

trabalhador a resistir a ordens ou instruções que violem seus direitos ou garantias,

estabelecendo, portanto, uma das possíveis modalidades de desobediência legítima daquele.

O artigo 331º (nº 1, alínea “b”) do Código do Trabalho, por sua vez, ao fazer remissão

aos números 1 e 2 do artigo 128º expressamente permitiu outra modalidade de desobediência

para além do comando que infrinja direitos ou garantias – quando a diretriz emane de sujeito

ilegítimo.

Pode-se entender que as demais modalidades de desobediência legítima (excetuando-se

a hipótese de comando emitido por sujeito incompetente) decorrem da inobservância a ordens

ou instruções que acarretem a violação de direitos e garantias (sendo essa, portanto, um gênero

da qual as demais são espécies). Desse modo, as outras modalidades de desobediência decorrem

de uma interpretação sistemática de mais de um dispositivo legal.

As modalidades de desobediência legítima relacionam-se intimamente com os limites

ao dever de obediência, limites estes que, se ultrapassados por determinado comando do

empregador, geram ao trabalhador uma permissão de incumprimento em razão da

inexigibilidade do referido dever.

301 SCHIAVI, Mauro – Manual de Direito Processual do Trabalho cit., p. 42. Cumpre salientar que o direito de

resistência a que o autor se refere é em relação às alterações contratuais lesivas, nos moldes dos artigos 468 e 483

da Consolidação das Leis Trabalhistas.

Page 89: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

89

Obviamente, as modalidades de desobediência autorizadas pela legislação serão

variáveis de acordo com o ordenamento jurídico de cada país e classificadas de forma diferente

conforme a visão de cada autor. Segundo Antonio Martín Valverde e Joaquín García Murcia,

na Espanha justifica-se a desobediência quando ocorram circunstâncias de periculosidade,

risco, abuso manifesto, ilegalidade e situações análogas.302 Já Jesús R. Mercader Uguina

enumera três modalidades de direito de resistência aceitas pelo direito espanhol: em razão de

segurança e saúde no trabalho, para salvaguarda de bens jurídicos dignos de proteção e frente

a ordens ilegais.303

As modalidades de desobediência legítima elencadas na sequência são, portanto,

extraídas de uma interpretação sistemática do Código do Trabalho português e constituem um

rol que poderá variar de acordo com o posicionamento de cada autor, na medida em que

englobem ou excluam certa situação em determinada categoria.

2.1 Desobediência decorrente de ordem que viola direitos e garantias do trabalhador

Os direitos e garantias do trabalhador expressam um limite geral às ordens e instruções

do empregador e, consequentemente, ao dever de obediência daquele.304 Logo, eventuais

comandos da entidade empregadora que ultrapassem tais limites serão ilegítimos, sendo

inexigível ao trabalhador o correspondente dever de obediência.

Tal limitação ao dever de obediência justifica-se em virtude do forte envolvimento da

pessoa do trabalhador no vínculo laboral, sendo, portanto, seus direitos e garantias expostos a

eventuais lesões por parte do empregador. Logo, o trabalhador não fica obrigado a cumprir

ordens da entidade empregadora que viole seus direitos ou garantias, uma vez que estas

encontram-se “feridas de ilegalidade”.305

Assim, a conduta de desobediência legítima originada em razão de uma ordem ou

instrução que viole direitos ou garantias é, propriamente, um meio de defesa destes, existindo,

portanto, uma ideia de tutela, uma vez que o trabalhador se exime do cumprimento de

determinado comando visando a salvaguardar um direito ou garantia.

302 MARTÍN VALVERDE, Antonio/ GARCÍA MURCIA, Joaquín – Tratado Práctico de Derecho del Trabajo

cit., II, p.1353 303 MERCADER UGUINA, Jesús R. – Lecciones de Derecho del Trabajo cit., p.367 304 Sobre os direitos e garantias constituírem um limite geral ao dever de obediência: RAMALHO, Maria do

Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp.437 s. A autora reconhece a legitimidade da

desobediência frente a ordens e instruções que colidam com os direitos fundamentais ou de personalidade e,

também, com as garantias do trabalhador. 305 LAMBELHO, Ana /GONÇALVES, Luísa Andias – Manual de Direito do Trabalho. Da Teoria à Prática cit.,

p. 159

Page 90: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

90

Diante da vulnerabilidade do trabalhador no seio da organização alheia, o Código do

Trabalho expressamente o exonerou do cumprimento de uma ordem ou instrução do

empregador que seja contrária aos seus direitos ou garantias no artigo 128º, nº 1, alínea “e”.

Ainda, no seu artigo 331º (nº 1, alínea “b”) reconheceu que há diretrizes em que não se exige

do trabalhador o dever de obediência, remetendo ao citado dispositivo. Dessa forma, o Código

do Trabalho reconhece de modo expresso a desobediência legítima do trabalhador diante de um

comando que seja contrário aos seus direitos e garantias.

Esses referidos direitos e garantias do trabalhador devem ser considerados em um

aspecto amplo. O trabalhador não pode ser visto apenas como um “ser laborioso e produtivo”,

antes disso ele deve reconhecido como pessoa e cidadão, e, assim sendo, possui direitos que

não são especificamente laborais.306 Ademais, os direitos fundamentais e as liberdades públicas

dos cidadãos possuem eficácia direta nas relações entre particulares, limitando os poderes

privados.307

Dessa forma, para além dos direitos e garantias previstos no Código do Trabalho, o

enunciado do artigo 128º (nº 1, alínea “e”) abrange direitos e garantias constantes nas demais

previsões legais ou no próprio contrato laboral, em instrumentos de regulamentação coletiva, e,

nomeadamente, os tutelados na Constituição da República Portuguesa.

Por meio do artigo 18º da CRP, as entidades públicas e privadas ficam vinculadas e

devem aplicar diretamente os preceitos constitucionais que digam respeito a direitos, liberdades

e garantias. Assim, as entidades empregadoras possuem, como limite intransponível à sua

autonomia privada, a observância dos direitos fundamentais dos trabalhadores, sob pena de

invalidade dos seus atos que os afetarem.308

Especificamente quanto aos direitos e garantias do trabalhador tutelados no Código do

Trabalho, importa realizar algumas considerações. Auferem relevância os direitos de

personalidade do trabalhador, estabelecidos nos artigos 14º a 22º do CT. São eles: a liberdade

de expressão e de opinião (artigo 14º), a integridade física e moral do trabalhador (artigo 15º) e

o direito à reserva da intimidade da vida privada (artigo 16º). Os artigos 17º a 22º

complementam o direito previsto no artigo 16º. 309

Algumas das garantias do trabalhador estão previstas no artigo 129º (nº 1) do Código do

Trabalho, as quais estabelecem proibições de comportamentos ao empregador, ou seja, geram

306 AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho cit., pp.228 e 230 307 CRUZ VILLALÓN, Jesús – Compendio de Derecho del Trabajo cit., p.297 308 ABRANTES, José João – Direito do Trabalho – ensaios cit., p.44 309 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp.451 ss.

Page 91: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

91

ao mesmo um dever de “não fazer”. Merece relevo a garantia prevista na alínea “a” daquele

dispositivo, segundo a qual é vedado ao empregador opor-se ao exercício de direitos por parte

do trabalhador, aplicar-lhe sanção ou tratá-lo de modo desfavorável em razão de tal exercício.

Em resumo, apesar de o artigo 128º não definir quais direitos e garantias faz referência,

deve-se interpretá-lo de modo amplo, visando proteger ao máximo o trabalhador, conferindo

legitimidade a eventual resistência deste ao cumprimento de ordens ou instruções que possam

acarretar lesões aos seus direitos ou garantias.

2.2 Desobediência decorrente de modificação ilegítima na prestação laboral

O trabalhador, muitas vezes, organiza a esfera pessoal da sua vida em torno da atividade

laboral que presta. Dessa forma, o mesmo residirá na cidade onde deve se apresentar ao serviço,

conciliará seus horários com atividades extraprofissionais, criará expectativas de crescimento

profissional em razão das funções que exerce ao empregador. Logo, eventuais modificações no

conteúdo da relação laboral (seja em razão da função, do local ou do horário de trabalho) quando

não tenham a sua anuência, poderão causar perturbações na sua vida.

Por outro ângulo, o empregador não pode ficar engessado em relação à prestação de

seus trabalhadores, haja vista a essencialidade desta para se atingir os fins da empresa. Assim,

a estrutura da entidade empregadora necessitará de adaptações (ao longo do tempo) para atender

às novas demandas da sociedade que se insere, tanto para o crescimento quanto para até mesmo

a sobrevivência da unidade produtiva e, por consequência, modificações no conteúdo da relação

de trabalho poderão ser indispensáveis.

Em decorrência dessas alterações na realidade fática, admite-se a realização de

modificações unilaterais pelo empregador no tocante à prestação – surge, portanto, uma

faculdade de variação para este, que irá modificar aspectos circunstanciais da relação laboral

no que tange ao modo, lugar ou horário de trabalho.310 A essa faculdade do empregador de

variar unilateralmente a prestação, a doutrina brasileira atribuiu o nome de jus variandi.

Portanto, o fez de modo amplo, englobando situações de lugar, salário e tempo de trabalho,

diferentemente da doutrina portuguesa que restringiu esse nome às modificações em razão da

função do trabalhador fora do âmbito do contrato de trabalho.

Essa faculdade do empregador, porém, não é absoluta. Logo, as modificações nas

circunstâncias que envolvem a prestação laboral são condicionadas a limites. Conforme

310 BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho cit., p.556

Page 92: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

92

especificado anteriormente no presente trabalho, a legislação portuguesa atribuiu diferentes

requisitos às alterações no tocante às funções, local e horário de trabalho.

Ainda, eventuais modificações devem ser limitadas pela razoabilidade e real

necessidade ou interesse objetivo da entidade empregadora, tendo em vista os fins econômicos

e sociais desta, não podendo traduzir-se em um mero capricho ou arbitrariedade do empregador

(caso feitas deste modo constituirão em abuso de direito).311

As ordens de variação do empregador que não obedecerem aos limites impostos serão

ilegítimas. Frente a tais ordens ilegitimamente proferidas, não é exigível ao trabalhador o dever

de obediência, sendo legítima a sua recusa.

No Brasil, essa prerrogativa do trabalhador de se opor validamente a ordens de

modificação da prestação ilegais, ilícitas ou ilegítimas denomina-se jus resistentiae. 312 Assim,

no contexto brasileiro, o uso irregular do jus variandi pelo empregador dá origem ao exercício

do jus resistentiae por parte do obreiro.313

Em resumo, quando o empregador alterar o conteúdo da relação laboral sem a

observância dos limites impostos pela legislação sua ordem de variação será ilegítima podendo

acarretar uma violação a direitos dos trabalhadores. Desse modo, estes poderão desobedecer

legitimamente a essas ordens, exercendo um direito de resistência.314

2.2.1 Em razão da função

O trabalhador, ao aceitar prestar a sua atividade à determinada entidade empregadora, o

faz ponderando as funções que irá desempenhar naquela. Assim, a legislação laboral protege os

interesses do trabalhador ao impor requisitos aos empregadores para alterações unilaterais das

funções a serem exercidas.

Dessa forma, eventuais ordens de variação nas funções que não observem os

pressupostos legalmente fixados serão ilícitas, legitimando-se a recusa do trabalhador em

cumpri-las. Tal recusa do trabalhador justifica-se em razão de que se é conferida à entidade

empregadora a prerrogativa de “utilizar a força de trabalho de modo e forma distinta do que

foi acordado, não há dúvida que se impõe a defesa do trabalhador o qual pela sua situação

311 Do mesmo modo: ROMAR, Carla Teresa Martins – Alterações do contrato de trabalho: função e local, São

Paulo, 2001, pp. 57 e 67 312 DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de Direito do Trabalho cit., p.1131 313 ROMAR, Carla Teresa Martins – Alterações do contrato de trabalho: função e local cit., p.75 314 Para Júlio Gomes, a recusa do trabalhador em obedecer uma alteração ilegítima não constitui em rigor uma

desobediência legítima, uma vez que essas ordens são ineficazes e não modificam de fato o conteúdo da relação

laboral. Trata-se apenas de uma divergência quanto ao nome da figura, haja vista que o autor também entende que

o dever de obediência nessas hipóteses é inexigível, pois tais ordens violam direitos do trabalhador. Em: GOMES,

Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p. 962

Page 93: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

93

“passiva” se vê obrigado a realizar seu trabalho fora do âmbito e medidas em que

contratou.”.315

Quando a ordem de alteração das funções a serem desempenhadas estiver dentro do

âmbito da atividade contratada (funções que lhe sejam afins ou estejam funcionalmente ligadas

àquela), ela deverá cumprir cumulativamente os requisitos elencados no artigo 118º, nº 2, do

Código do Trabalho, sob pena de ser ilegítima.

Assim, caso a ordem de variação emitida não observe as qualificações do trabalhador

para o exercício da função ou implique na desvalorização profissional do prestador da atividade,

ela será ilegítima, não sendo exigível ao trabalhador o dever de obediência, sendo legítima a

sua desobediência nessas hipóteses.

Quando a ordem de modificação nas funções dos trabalhadores for fora do âmbito do

contrato de trabalho, ela deve ser emitida sob o abrigo do jus variandi, obedecendo aos

requisitos elencados no artigo 120º, nº 1, do Código laboral. Caso a ordem deixe de observar

qualquer um dos pressupostos será ilícita, porquanto tais pressupostos servem como limites ao

exercício do jus variandi.

Uma vez que a norma legal condiciona o exercício do jus variandi, a recusa de

cumprimento à eventual ordem de alteração da função estipulada no contrato de trabalho que

não observe algum dos requisitos legais será uma desobediência legítima, haja vista que o

trabalhador estará acobertado por seu direito à invariabilidade da prestação.316

Assim, será legítima a desobediência do trabalhador a uma ordem de variação na função

que for emitida sem a existência de um interesse da empresa, ou que seja de caráter permanente,

ou, ainda, que modifique substancialmente a posição ocupada pelo trabalhador.317 De acordo

com Diogo Vaz Marecos, o trabalhador, diante de uma ordem de modificação nas funções que

não obedeça a algum requisito legal, poderá continuar exercendo as funções compreendidas na

atividade para a qual foi contratado.318

Será, também, ilegítima a ordem do empregador que mude o trabalhador para categoria

inferior sem a observância das normas do Código do Trabalho, podendo ser desobedecida

315 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.75 316 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p. 477 317 A respeito da não observância do caráter transitório do jus variandi: Ac. STJ de 30/06/1989, (Nº 002145/

JSTJ00025827), www.dgsi.pt. Ordem de variação que modificou substancialmente para pior a posição da

trabalhadora, a qual deu origem a uma desobediência legítima: Ac. RLx de 13/01/2016, (Nº 1095/13.2TTLSB.L1-

4), www.dgsi.pt 318 Ainda, segundo o autor, caso o empregador oponha obstáculos à realização da prestação, este entrará em mora.

Em: MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.294

Page 94: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

94

legitimamente, uma vez que viola a sua garantia de irreversibilidade da categoria, a qual se

encontra assegurada no artigo 129º, nº 1, alínea “e” do CT.319

Em resumo, qualquer ordem que imponha a alteração nas funções originalmente

pactuadas pelas partes deverá observar todos os requisitos impostos pela legislação trabalhista

para que se revista do caráter da licitude, não sendo o seu cumprimento exigível ao trabalhador

caso assim não o faça.

2.2.2 Em razão do local de trabalho

Além das funções que irá desempenhar para a entidade empregadora, o trabalhador

também leva em conta, na hora de celebrar um contrato de trabalho, o local que irá desenvolver

a sua atividade, haja vista sua necessidade de organizar sua vida pessoal em razão deste lugar.

Dessa forma, a legislação trabalhista impõe requisitos para eventuais alterações sem a anuência

do trabalhador, e é somente com o preenchimento desses que o empregador poderá emitir uma

ordem de transferência.

Conforme discorrido nos capítulos anteriores, quando a modificação do local de

trabalho se der em virtude de mudança ou extinção no estabelecimento onde o trabalho é

desempenhado, a alteração do lugar decorre da liberdade de iniciativa econômica do

empregador, não havendo na legislação requisitos substanciais a serem observados por este.

Diante da ausência de pressupostos legais para a ordem de transferência nessas hipóteses, não

há o que se falar em análise da legitimidade de tal ordem. Não havendo discussão a respeito da

legitimidade, não haverá uma desobediência legítima em razão de uma ordem ilegítima de

transferência coletiva, no tocante ao seu aspecto material.

É na transferência individual do local de trabalho que residem as hipóteses a respeito da

possibilidade de desobediência legítima.320 De acordo com o exposto anteriormente, a ordem

de transferência para ser lícita sujeita-se ao preenchimento de requisitos substanciais e formais

previstos nos artigos 194º e 196º do Código do Trabalho. Presentes todos os pressupostos a

ordem será lícita e o dever de obediência será exigível ao trabalhador.

Ausente a correspondência entre a ordem de transferência e as exigências legais, aquela

será ilícita, e, tendo em vista a garantia da inamovibilidade do trabalhador (artigo 129º, nº 1,

alínea “f”), o dever de obediência a essa ordem não será exigível em conformidade com o artigo

319 Entendeu o STJ que a ordem de alteração violou a garantia da irreversibilidade do trabalhador: Ac. STJ de

24/02/2015, (Nº178/12.0TTCLD.L1.S1), www.dgsi.pt 320 Em face de ordem ilícita de transferência, admite-se a desobediência: Ac. RP de 01/02/2016, (Nº

1861/14.1T8MTS.P1), www.dgsi.pt

Page 95: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

95

128º (nº 1, alínea “e”), o qual dispõe que cabe ao trabalhador obedecer às ordens que não sejam

contrárias aos seus direitos e garantias, sendo legítima a recusa do trabalhador ao seu

cumprimento.

No que tange aos requisitos substanciais da ordem de transferência, há que se mencionar

que o interesse da empresa na mudança deve se basear em motivos de gestão, e, eventual ordem

fundada em mero capricho do empregador, com fins persecutórios ou visando sancionar o

trabalhador deve ser considerada ilícita, legitimando-se o seu descumprimento.

Uma ordem que implique em prejuízo sério também será ilícita, e, além da possibilidade

de descumprimento por meio da desobediência legítima, o legislador facultou ao trabalhador a

resolução do contrato por justa causa em seu artigo 194º (nº 5), aplicando-se esta regra apenas

para as transferências definitivas.321

Quanto aos requisitos procedimentais da ordem de transferência, eventual não

observância por parte do empregador caracterizará também a sua ilicitude, dando margem para

que o trabalhador a desobedeça de modo legítimo. Assim, a decisão de transferência que não

observe a antecedência legalmente prevista, a forma escrita da comunicação ou não apresente

sua fundamentação será ilegal, não devendo o trabalhador obediência.322

Em suma, caso o empregador extrapole os contornos ditados pelo Código do Trabalho

(ou por eventuais acordos ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho) para a

alteração do local da prestação ele estará violando a garantia da inamovibilidade do trabalhador,

nos termos do artigo 129º, nº 1, alínea “f” do CT.323

2.2.3 Em razão do horário de trabalho

A alteração no horário de trabalho poderá causar perturbações na esfera privada do

trabalhador. Assim, em que pese a faculdade do empregador de alterar unilateralmente o horário

de trabalho, o mesmo está vinculado ao cumprimento de requisitos procedimentais impostos

pela norma trabalhista. A ordem de modificação também encontra limites na razoabilidade, não

podendo revelar um intuito punitivo ou persecutório, caso em que será considerada abuso de

direito.

321 Do mesmo modo: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp. 509 s. 322 Vide: Ac. STJ de 14/05/2014, (Nº990/10.5TTMTS.P1.S1), www.dgsi.pt 323 Exemplo de decisão na qual o STJ entendeu que a ordem de modificação do local de trabalho feriu a garantia

da inamovibilidade do trabalhador: Ac. STJ de 03/03/2010, (Nº933/07.3TTCBR.C1.S1), www.dgsi.pt

Page 96: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

96

Ressalte-se que a alteração unilateral de horário pelo empregador somente poderá

ocorrer quando não existir um horário acordado individualmente, nos termos do artigo 217º, nº

4, do Código do Trabalho.324

Conforme disposto no capítulo anterior, a alteração que não preencha os procedimentos

estabelecidos pelo artigo 217º do CT será inválida e a ordem que for emanada fora dos

parâmetros da razoabilidade, configurando um abuso de direito do empregador, será nula. Em

caso de invalidade ou nulidade da ordem, não se exige, obviamente, o seu cumprimento por

parte do trabalhador, sendo legítima a sua recusa.

Assim sendo, no caso de mudança definitiva no horário, a falta da consulta (que deverá

preceder a alteração no horário) aos trabalhadores afetados pela modificação e seus

representantes, bem como a ausência do prévio aviso com o cumprimento da antecedência de

7 dias (ou 3 para as microempresas) acarretarão a invalidade da alteração, pelo que o trabalhador

poderá desobedecê-la legitimamente.

Em caso de alterações temporárias no horário, cuja duração não exceda a uma semana,

não sendo registradas em livro próprio ou se ultrapassarem o número de 3 vezes ao ano, também

serão inválidas por falta de observância no procedimento legal, motivo este que tornará o seu

cumprimento inexigível.

Ainda, o trabalhador estará legitimado a desobedecer à ordem de alteração no seu

horário de trabalho que for emitida com o intuito de puni-lo ou que ultrapasse os parâmetros da

razoabilidade, sendo manifestamente um abuso de direito do empregador, em virtude da

nulidade da mesma. Nessas hipóteses, caberá ao trabalhador provar que alteração no seu horário

não ocorreu por razões de natureza objetiva ou econômica.325

2.3 Desobediência decorrente de ordem ilegal

Entende-se por ordem ilegal aquela cuja possível conduta do trabalhador ao cumpri-la

configuraria uma ilegalidade, ou em outros termos, “quando a acção requerida seja

criminalmente relevante e o trabalhador disso se aperceba.”.326 Assim, incorre em ilegalidade

objetiva a ordem passível de ocasionar ao trabalhador uma responsabilidade penal.327

A ordem do empregador não pode ultrapassar os limites legais, haja vista que a

autoridade deste não é maior que a do Estado. Dessa forma, um poder privado não possui

324 Vide: Ac. RP de 01/02/2016, (Nº1861/14.1T8MTS.P1), www.dgsi.pt 325 FERNANDES, Francisco Liberal – O tempo de trabalho cit., p.175 326 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho cit., p.125 327 RAMÍREZ MARTÍNEZ, Juan M. – Curso de Derecho del Trabajo, 19ª ed., Valencia, 2010, p.517

Page 97: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

97

legitimidade para produzir um comando ordenando uma prática ilegal.328 Assim, o empregador

não poderá, na sua emissão de diretrizes ao trabalhador, ir contra a ordem pública, entendendo-

se esta como o complexo de princípios cogentes de uma determinada ordem jurídica, os quais

“não podem ser afastados pela autonomia privada das partes.”.329

Por sua vez, o trabalhador, enquanto cidadão, possui lealdade para com a lei proferida

pela autoridade política. O dever fundamental de cada pessoa enquanto vinculada a um

determinado ordenamento jurídico é o dever de obedecer às suas leis, também denominado por

Norberto Bobbio de “obrigação política”.330 A obrigação política, portanto, trata-se de um

dever de obediência do cidadão para com o Estado, o qual deve ser priorizado pelo trabalhador

face ao seu dever de obediência para com o empregador.

A recusa do trabalhador ao cumprimento de ordens ilegais se legitima sob múltiplos

aspectos. Primeiramente, pode-se justificar a desobediência em virtude da contradição em que

cai a ordem jurídica em estabelecer um dever de obedecer a uma ordem que acarretará sua

própria violação.331 Outro ponto de vista pode se dar afirmando que não ocorre desobediência

frente a um incumprimento de ordem manifestamente ilegal em razão de não existir um dever

de obediência nessa hipótese.332 Ainda, pode-se legitimar a recusa ao incumprimento de ordens

ilegais do empregador porquanto se deve negar que um particular tenha autoridade superior à

lei, sendo o dever de obediência limitado por esta.333

Independentemente da justificativa para a legitimidade da desobediência a ser adotada,

a obviedade de que não se exige do trabalhador um dever de obediência frente a ordens ilegais

é tamanha que na experiência de precedentes do Reino Unido já houve decisão no sentido de

que um trabalhador somente poderá desobedecer deliberadamente uma ordem se ela for

ilegal.334

Para a autora brasileira Alice Monteiro de Barros, a qual nomeia essa hipótese de

desobediência jurídico-penal, o trabalhador não só pode desobedecer a uma ordem ilegal como

deve, sob pena de incorrer em sanção penal. 335 Tal afirmação justifica-se em razão de que o

dever de obediência, que resulta do contrato de trabalho, não é causa de exclusão de ilicitude

dos atos praticados pelo trabalhador.336

328 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.963 329 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.127 330 BOBBIO, Norberto – Dicionário de Política, A-K, 12ª ed., Brasília, 2004, p.335 331 GOMES, Júlio – Deve o trabalhador subordinado obediência a ordens ilegais?cit., p.186 332 CARRO IGELMO, Alberto Jose – Curso de Derecho del Trabajo cit., p.317 333 GOMES, Júlio – Deve o trabalhador subordinado obediência a ordens ilegais?cit., p.187 334 DEAKIN, Simon/ MORRIS, Gillian S. – Labour Law cit., p.303 335 BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho cit., p.387 336 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito do Trabalho cit., p.267

Page 98: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

98

Apesar de não se reconhecer esse suposto “dever” de desobedecer a ordens ilegais (ao

contrário do que defende a autora brasileira citada), resta evidente a inexigibilidade de um dever

de obediência do trabalhador quando a ordem emitida pelo empregador foi ilegal. Logo,

eventual desobediência será legítima e não poderá ser sancionada.

2.4 Desobediência técnica

O artigo 97º do CT enuncia que compete ao empregador definir os termos da prestação

da atividade laboral. Concretamente, essa definição se faz por meio de ordens e instruções –

inclusive com conteúdo de caráter técnico. Assim, o empregador pode dirigir tecnicamente o

trabalho a ser prestado.

Algumas atividades, porém, demandam autonomia técnica ou deontológica,

constituindo uma ressalva à emissão de ordens ou instruções de conteúdo técnico pela entidade

empregadora. Tal autonomia encontra-se tutelada nos artigos 116º e 127º (nº 1, alínea “e”) do

Código do Trabalho, os quais impõem limites à atuação do empregador.

Dessa forma, embora o empregador possa produzir uma diretriz que à partida seria

legítima, quando a mesma for dirigida a matérias que se encontrem cobertas pela autonomia,

assim o deixa de ser.337 Consequentemente, a ordem ou instrução deixando de ser legítima, não

será exigível ao trabalhador o seu cumprimento.

O dever de obediência do trabalhador, portanto, encontra-se limitado pela autonomia

técnica ou deontológica que seja inerente à atividade profissional que desenvolve.338 Não é

admissível ao empregador a pretensão de que o trabalhador atue contrariamente às regras

deontológicas ou técnicas exigidas pela sua profissão.339

Destarte, caso o empregador emita alguma ordem ou instrução sem a observância da

devida autonomia do trabalhador (constante no artigo 116º), não se exige deste o seu

cumprimento, sendo sua recusa lícita, ou, em outros termos, sendo sua desobediência legítima.

Contudo, a prática de um comportamento legítimo do trabalhador passível de ser

caracterizado como uma desobediência técnica, a princípio, não se restringe aos trabalhadores

com autonomia técnica e deontológica.

Em virtude da crescente especialização técnica dos trabalhadores, muitas vezes eles

acabam tendo mais conhecimento a respeito das tarefas que executam do que os seus

337 MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado cit., p.284 338 De igual modo: RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.438 339 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito do Trabalho cit., p.266

Page 99: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

99

empregadores. Assim, diante de uma ordem ou instrução tecnicamente incorreta, a recusa do

trabalhador ao seu cumprimento parece legítima.

Ocorre que, em razão da multiplicidade de possíveis situações de casos concretos, esse

descumprimento deve ser legitimado com muita cautela, sob pena de o trabalhador acabar

definindo os moldes da própria prestação.

De acordo com Alberto Jose Carro Igelmo, a desobediência técnica justifica-se quando,

frente a uma ordem ou instrução manifestamente incorreta, o seu cumprimento possa acarretar

perigo para pessoas ou coisas, repercutindo no prestígio ou na capacidade profissional do

trabalhador. 340

Em consonância com o entendimento do autor espanhol, pode-se afirmar, portanto, que

o trabalhador poderá legitimamente recusar o cumprimento à ordem ou instrução tecnicamente

incorreta quando a sua obediência a ela puder acarretar danos a si próprio, a terceiros ou até a

coisas (como, por exemplo, a algum equipamento do empregador ou de cliente).

De acordo com o exposto, a desobediência técnica do trabalhador pode ser considerada

legítima quando sacrificar a sua autonomia técnica ou deontológica nos moldes do artigo 116º

do CT e, na hipótese de trabalhadores não acobertados pela referida autonomia, quando a ordem

ou instrução técnica manifestamente incorreta for passível de acarretar danos.

2.5 Desobediência decorrente de ordem que não mantenha relação com o contrato de trabalho

O trabalhador, com a celebração do contrato de trabalho, fica adstrito ao seu

cumprimento, com o consequente dever de prestar a atividade que foi definida, logo, o

empregador ao emitir ordens deve observar a conexão das mesmas com a matéria do contrato

(atinentes à sua execução e, se necessário, à sua disciplina).

O artigo 115º do Código do Trabalho, em seu nº 1, estipula a necessidade de que o

contrato de trabalho tenha seu objeto minimamente determinado. Dessa forma, o poder diretivo

do empregador, com a consequente obediência por parte do trabalhador, encontra limites na

atividade definida contratualmente.341 Esse limite ao exercício do poder de direção encontra-se

estabelecido no artigo 97º do CT, o qual dispõe que ao empregador compete estabelecer os

termos da prestação laboral dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

340 CARRO IGELMO, Alberto Jose – Curso de Derecho del Trabajo cit., p.317. De igual modo: MONTOYA

MELGAR, Alfredo – Derecho del Trabajo cit., p.329 341 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho cit., p.451

Page 100: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

100

Assim, o trabalhador não deve obediência a eventual ordem para realizar certa atividade

que não mantenha relação com a atividade estipulada no contrato de trabalho.342 O conteúdo da

ordem deve limitar-se a exigir condutas que mantenham um nexo com a relação laboral. Da

mesma forma entende Alice Monteiro de Barros frente ao ordenamento brasileiro: “não estão

os empregados obrigados a acatar ordens sobre aspectos alheios à relação de emprego e sem

qualquer repercussão sobre ela.”.343

A regra geral é que a vida “não laboral” do trabalhador está fora do alcance do poder

diretivo do empregador (e sua consequente emissão de ordens e instruções), assim, são

ressalvados ao trabalhador os seus costumes, ideias, crenças religiosas, opiniões políticas,

dentre outros temas da interferência da entidade empregadora.344

O artigo 16º do Código do Trabalho assegura a reserva quanto à intimidade da vida

privada das partes no contrato de trabalho. Segundo Guilherme Machado Dray, esse direito

deve ser considerado regra e não exceção, cessando apenas diante de fatos ou circunstâncias

que violem direitos alheios ou na hipótese de exigência de um interesse superior.345

Assim, eventual ordem sobre a conduta privada do trabalhador deverá ter sua

legitimidade demonstrada pelo empregador, somente se legitimando as ordens que possuírem

uma estreita conexão e proporcionalidade com o trabalho desenvolvido.346

Conforme delimitado no tópico a respeito do dever de obediência e da esfera extra-

laboral do trabalhador, o dever de obediência não se impõe se determinada ordem envolvendo

uma conduta extra-laboral não mantém relação com o vínculo de trabalho e nem reflete nele,

haja vista que a ordem não será exigível ao trabalhador, devendo ser considerada nula.

Logo, se o dever de obediência não se estende a situações que não reflitam de modo

substancial no contrato de trabalho, eventual não observância por parte do trabalhador de certa

ordem que imponha uma conduta alheia à atividade laboral, deverá ser considerada como

desobediência legítima, e, como tal, ser irrelevante em termos disciplinares e destituída de

censurabilidade.

É o caso, por exemplo, de um trabalhador que se recusa a participar de atividades lúdicas

que não mantenham relação com a sua atividade laboral, ainda que no horário e local de sua

342 Obviamente ressalvadas as hipóteses permitidas de alteração da função do trabalhador. 343 BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho cit., p.387. Para a autora, o poder diretivo do

empregador não incide nos aspectos alheios à relação de emprego em virtude da proteção constitucional à vida

privada e a intimidade das pessoas. 344 MONTOYA MELGAR, Alfredo – Derecho del Trabajo cit., p.329 345 DRAY, Guilherme Machado – Justa causa e esfera privada, in P. ROMANO MARTINEZ (coord.), Estudos

do Instituto de Direito do Trabalho, II, Coimbra, 2001, 35-91, p.87 346 ALONSO OLEA, Manuel/ CASAS BAAMONDE, Maria Emilia – Derecho del Trabajo cit., p.513

Page 101: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

101

prestação de trabalho.347 Portanto, tal comportamento deverá ser considerado como uma

desobediência legítima em virtude da falta de nexo entre a conduta imposta ao trabalhador e a

prestação da sua atividade.

Diferente situação ocorre se alguma ordem que exija uma conduta fora da esfera laboral

reflita na atividade prestada, pois a mesma será considerada legítima. O incumprimento da

mesma deverá ser considerado uma infração disciplinar, passível de sanção.348

2.6 Desobediência durante a não prestação da atividade laboral e/ou na suspensão do contrato

de trabalho

Conforme apontado anteriormente no presente trabalho, nas situações em que a

prestação principal do trabalhador (atividade laboral) não tenha lugar, os deveres integrantes

dessa prestação também serão inexigíveis, enquanto os deveres autônomos se mantêm, e, em

caso de incumprimento, são passíveis de sanção. A prestação de trabalho pode não ser exigível

tanto em decorrência do desenvolvimento normal do vínculo laboral (é o caso das férias, por

exemplo) como em face de uma eventual vicissitude no contrato de trabalho (diante da sua

suspensão).349

Em ambas as situações, portanto, uma vez que o dever de obediência pertence à

categoria de dever integrante, a exigibilidade do mesmo pressupõe uma efetiva prestação da

atividade laboral. Logo, ele não será mantido em eventual período de não prestação ou em casos

de suspensão do contrato de trabalho. Assim, o trabalhador exonera-se de cumprir eventuais

ordens ou instruções da entidade empregadora enquanto perdurar alguma dessas hipóteses.

Primeiramente, a respeito da desobediência a alguma ordem do empregador emitida

durante a não prestação da atividade laboral – tal como nas férias, feriados ou descanso semanal

remunerado – mencionada ordem deverá ser considerada nula, não sendo exigível o

cumprimento da mesma por parte do trabalhador.350

347 Exemplo semelhante pode ser encontrado no livro de Júlio Gomes, onde este menciona um entendimento dos

tribunais franceses em que se considerou legítimo o comportamento de um trabalhador se recusou a participar de

uma excursão promovida pela entidade empregadora. Segundo o autor, o trabalhador não possui o dever de

participar de atividades lúdicas extra-profissionais, haja vista que foi contratado para trabalhar. Em: GOMES, Júlio

Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.961 348 É o caso do já referido exemplo de um trabalhador empregado de sala de jogo em um bingo que desobedeceu

a um comando (considerado legítimo pelo STJ) do empregador, o qual ordenava que aquele fizesse a barba para

manter sua boa aparência. Ocorre que, em tal situação a sanção aplicada a tal desobediência ilegítima foi a de

despedimento, revelando-se desproporcional à gravidade da falta. Em: MARTINEZ, Pedro Romano – Poder de

direcção: âmbito. Poder disciplinar: desrespeito de ordens. Comentário ao acórdão do STJ de 20 de outubro de

1999 cit., p.407 349 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., I, p.448 350 Seria o caso de uma situação hipotética em que o trabalhador está de férias e o empregador liga ordenando que

o trabalhador vá trabalhar naquele dia, ou, ainda, em outra situação em que empregador e trabalhador estão em

Page 102: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

102

Logo, enquanto não houver a prestação da atividade laboral, frente à inexigibilidade do

dever de obediência, eventual comportamento do trabalhador que não acate ordens do

empregador neste período deverá ser considerado como desobediência legítima, não merecendo

qualquer juízo de censurabilidade, tampouco relevância disciplinar.

Em termos práticos, a ausência do trabalhador no local da atividade, durante a não

prestação desta, dificulta a ocorrência da produção de comandos por parte do empregador,

consequentemente, o acontecimento de um episódio de desobediência será de baixa

probabilidade.

Realizada brevemente a análise da desobediência legítima ocorrida durante a

inexigibilidade da prestação de trabalho em decorrência do desenvolvimento normal do vínculo

laboral, passa-se agora à exposição da segunda situação proposta neste tópico – a desobediência

que tem lugar durante as vicissitudes que suspendem a prestação da atividade.

Quando o contrato de trabalho tem o seu curso normal afetado, intitulam-se tais

ocorrências como vicissitudes. As modalidades de suspensão do contrato de trabalho pertencem

às chamadas vicissitudes modificativas, as quais podem ser ocasionadas tanto por eventual

acordo entre as partes, quanto por motivos de gestão, ou, ainda, por fato atinente ao

trabalhador.351

A questão do cumprimento de deveres por parte do trabalhador nos períodos de

suspensão do contrato de trabalho é definida pelo nº 1 do artigo 295º do Código do Trabalho.

Tal dispositivo isenta os deveres do trabalhador que pressuponham a efetiva prestação da

atividade laboral de serem mantidos no período de suspensão do contrato de trabalho.

Logo, o dever de obediência por ser integrante da prestação principal, será inexigível

durante o período de suspensão do contrato laboral, não vinculando o trabalhador ao

cumprimento de ordens da entidade empregadora em tal período.

Fácil é a visualização que a desobediência a ordens emitidas durante a suspensão se

torna legítima, pois não há conduta ilícita do trabalhador, posto que o preceito legal não exige

a observância do dever de obediência durante aquele período do contrato laboral. Dessa forma,

não merece relevância disciplinar eventual conduta desobediente cometida enquanto perdurar

a suspensão.

Dentre os motivos de suspensão do contrato atinentes ao trabalhador, assume especial

relevância o decorrente de greve, haja vista o direito de greve ser um direito fundamental

uma festa de aniversário durante o período de descanso semanal remunerado e o empregador ordena que o

trabalhador faça algo relativo ao seu trabalho naquele instante. 351 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp. 795 ss.

Page 103: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

103

constitucionalmente tutelado pelo ordenamento jurídico português. É, portanto, por esse fato

que se passa à sua exposição.

A Constituição da República Portuguesa garante em seu artigo 57º (nº 1) o direito à

greve, sendo que tal dispositivo é referido no Código do Trabalho no nº 1 do artigo 530º,

assegurando a greve como um direito constitucionalmente reconhecido dos trabalhadores.

De acordo com o artigo 536º, nº 1, do referido diploma trabalhista, o trabalhador

aderente à greve tem seu contrato de trabalho suspenso e, segundo o nº 2 do mencionado

dispositivo, mantém-se os deveres que não pressuponham a efetiva prestação do trabalho, ou

seja, os deveres autônomos.

Durante a greve, portanto, conjuntamente com o contrato de trabalho, suspende-se

também o dever de trabalhar, e, por consequência o dever de obediência torna-se inexigível

enquanto perdurar tal situação.352 O trabalhador que adere à greve, portanto, em virtude da

suspensão do seu contrato, encontra-se numa “situação de imunidade negocial pela recusa da

prestação de trabalho.”.353

Assim como nos demais motivos de suspensão, a desobediência do trabalhador

cometida durante a greve deve ser considerada legítima, uma vez que a execução do seu

trabalho não é exigível. Contudo, constituem exceções à regra da inexigibilidade da execução

de trabalho durante a greve: a prestação de serviços mínimos e a requisição civil. Nessas duas

hipóteses, uma vez que o trabalhador fica adstrito a trabalhar, deverá acatar ordens e instruções

– o seu dever de obediência não irá cessar.

Na posição de Paula Quintas e Helder Quintas, a desobediência cometida durante a

greve não merece censura em virtude de o direito de greve se tratar de um direito superior.354

Independentemente da justificativa que se adote para legitimar a desobediência

cometida durante a greve (em razão suspensão ou de ser cometida dentro de um direito

superior), inegável é o fato de que não é exigível ao trabalhador que adere a greve o

cumprimento de ordens emitidas pela entidade empregadora em tal período.

2.7 Desobediência decorrente de ordem ou instrução proferida por sujeito ilegítimo

Além do seu conteúdo, a aferição da legitimidade de uma ordem ou instrução se dá em

razão do sujeito que a proferiu. Consequentemente, o dever de obediência só será exigível ao

352 De igual modo entende António Menezes Cordeiro em: CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de

Direito do Trabalho cit., p.396 353 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.856 354 QUINTAS, Helder/QUINTAS, Paula – Manual de Direito do Trabalho e de Processo do Trabalho, 4ª ed.,

Coimbra, 2015, p. 129

Page 104: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

104

trabalhador quando a diretriz seja produzida por quem seja competente para tal. Tal situação

decorre da previsão no artigo 331º (nº 1, alínea “b”) do CT da regular recusa de cumprimento

por parte do trabalhador de ordens ou instruções que não deva obediência.

Assim, o artigo 331º, ao fazer uma remissão para o nº 2 do artigo 128º do CT (que trata

dos sujeitos competentes para emitir ordens e instruções), autorizou o trabalhador a desobedecer

a comando proferido por quem não tenha competência para tanto. Dessa maneira, exclui-se a

exigibilidade do dever de obediência na hipótese referida.

A legislação trabalhista, conforme previamente apontado, expressamente determina

quem poderá emitir ordens ou instruções ao trabalhador. De forma que eventual diretriz

proferida por sujeitos que não se enquadrem nas hipóteses legalmente previstas deverá ser

considerada ilegítima, não sendo exigível ao trabalhador o correspondente dever de obediência.

Da conjugação do artigo 331º (nº 1, alínea “b”) com o nº 2 do artigo 128º extrai-se que,

se alguma ordem ou instrução for proferida por um trabalhador hierarquicamente inferior, ou

então, por superior hierárquico sem os devidos poderes atribuídos pelo empregador, essa ordem

será ilegítima. Hierarquicamente falando, para se determinar os sujeitos a quem o prestador da

atividade deve obediência, é preciso “levar em conta a posição concretamente ocupada pelo

trabalhador na organização produtiva, bem como às linhas a que obedece esta organização

(...).”.355

Especificamente quanto às ordens ou instruções proferidas sob o abrigo do poder de

direção, cumpre relembrar que o Código do Trabalho autoriza o utilizador no trabalho

temporário e o cessionário durante a cedência ocasional a proferirem comandos, portanto, os

mesmos são sujeitos legítimos para tal, não se legitimando eventual recusa de cumprimento do

trabalhador no que tange à competência dos sujeitos emitentes.

Pode-se, ainda, afirmar que as ordens ou instruções produzidas por sujeitos

incompetentes não surtem efeitos na esfera do trabalhador, sendo apenas “aparências de

ordem”.356 Dessa forma, uma vez que não se exige o correspondente dever de obediência a elas,

a desobediência será legítima.

Caso o empregador sancione o trabalhador em virtude do descumprimento de ordens ou

instruções produzidas por sujeitos ilegítimos, essa sanção será considerada abusiva, nos termos

da alínea “b”, do número 1, do artigo 331º do Código do Trabalho, haja vista que o

355 PINTO, Mário F.C./MARTINS, Pedro Furtado/CARVALHO, António Nunes de – Comentário às Leis do

Trabalho cit., I, p.92 356 Expressão utilizada em: ALONSO OLEA, Manuel/ CASAS BAAMONDE, Maria Emilia – Derecho del

Trabajo cit., p.512

Page 105: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

105

comportamento do trabalhador na referida hipótese não consubstancia infração disciplinar e

não faz jus à censura, merecendo menos ainda uma punição.

3 Direito de desobediência versus dever de desobediência

A questão da existência de um direito de desobediência não suscita maiores dúvidas.

Quando se estipula ao trabalhador um dever de obediência, parte-se do pressuposto de que a

ordem ou instrução a ser cumprida é legítima.

Desse modo, diante de uma ordem ou instrução ilegitimamente proferida pela entidade

empregadora, o dever de obediência do trabalhador torna-se inexigível, surgindo para este um

direito de resistir ao cumprimento dessa diretriz. Em outros termos, o trabalhador não tem de

obedecer a um comando ilegítimo, tendo um direito de não cumprimento, razão pela qual se

legitima sua desobediência.357

Assim sendo, cessa-se o dever de obediência e surge um direito de desobediência.

Portanto, origina-se um direito de oposição à situação irregular que o empregador deu causa,

reconhecendo-se “um verdadeiro direito de desobediência e resistência do trabalhador a

ordens ilegítimas ou ilegais.”.358

Ocorre que, especificamente na hipótese de a ordem do empregador implicar em um

cometimento de uma conduta ilícita por parte do trabalhador, alguns autores afirmam que ele

não só “pode” desobedecer como “deve”.

Para Alfredo Montoya Melgar, quando o comando proferido pelo empregador imponha

ao trabalhador uma conduta manifestamente ilegal, já não há um direito de desobediência, mas

sim um dever.359 Na mesma esteira, afirma Alice Monteiro de Barros que o trabalhador deve

descumprir a determinação do empregador que implique em conduta ilegal sob pena de incorrer

em sanção penal.360

Fala-se, portanto, em um dever de desobediência porque, caso o trabalhador cumpra tal

comando ilegal, sua conduta poderá acarretar uma responsabilidade penal, haja vista que a

subordinação aos comandos do empregador não constitui causa de exclusão de ilicitude.

Ocorre que tal entendimento é duvidoso, visto que não fundamenta a origem do suposto

“dever de desobediência”. Dessa forma, pode-se afirmar que o trabalhador possui um “direito”

de desobediência, porém, não um “dever”, mesmo quando se depare com ordens ilícitas.

357 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.102 358 SILVA, João Moreira da – Direitos e deveres dos sujeitos da relação individual de trabalho cit., p.53 359 MONTOYA MELGAR, Alfredo – Derecho del Trabajo cit., p.328 360 BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho cit., p.387

Page 106: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

106

Assim, na hipótese de comando que imponha ao trabalhador uma conduta ilícita,

recomenda-se que ele não o execute, sob pena de arcar com as consequências de tal obediência

que sequer lhe era exigível.

Em suma, é evidente o reconhecimento de um direito de desobediência do trabalhador,

sendo, porém, forçoso afirmar que este possua um dever de não executar alguma ordem ou

instrução do empregador. Contudo, pode-se falar (em abstrato) em uma recomendação ao

trabalhador que não execute ordens que imponham uma conduta ilegal, para que não incorra

em responsabilidade penal, cabendo apenas a ele a decisão de cumprir ou não tais comandos.

4 O abuso do direito do empregador

A titularidade dos poderes diretivo e disciplinar pelo empregador, com a consequente

subordinação do trabalhador, reflete a componente dominial do vínculo de trabalho e essa

detenção de poder por vezes poderá ser exercida com abuso, acarretando numa violação de

direitos do trabalhador.361

Dessa forma, a existência do poder de direção e do poder disciplinar do empregador no

contrato de trabalho não autoriza este a utilizá-los como bem entender. Há certos limites

legalmente estabelecidos que pautam a conduta diretiva e disciplinar da entidade empregadora,

os quais já foram abordados anteriormente no presente trabalho. Portanto, o exercício dos

poderes do empregador fora dos limites que sejam legalmente previstos será ilícito.

Diante das inúmeras circunstâncias que podem surgir durante uma relação de trabalho,

pode ocorrer, porém, que em determinada situação, uma manifestação do exercício dos poderes

não se encontre delimitada de forma expressa. Assim, o ordenamento jurídico português impôs

de modo genérico, além dos limites legais específicos, limites ao titular de direitos para exerce-

los, em conformidade com padrões de justiça, correção e probidade.

O modo que o legislador encontrou de impor tais limites materiais ao exercício de

direitos foi através da previsão da figura do abuso do direito, em razão da qual o exercício de

algum direito de forma materialmente incompatível com o ordenamento e com o sentimento de

justiça dominante será ilegítimo.

A figura do abuso do direito está prevista no ordenamento português no artigo 334º do

Código Civil o qual estipula que o exercício de um direito será ilegítimo quando o seu titular

manifestamente exceder os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pela finalidade

social ou econômica de tal direito.

361 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tutela da personalidade e equilíbrio entre interesses dos trabalhadores

e dos empregadores no contrato de trabalho. Breves notas cit., p.3

Page 107: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

107

O abuso do direito constitui uma “válvula de escape” do sistema jurídico, aplicável às

situações que pressuponham a existência do direito, mas cujo exercício exceda os limites acima

referidos.362 Caracteriza-se como um exercício anormal de um direito próprio do titular363, o

qual se encontra formalmente adequado, mas é materialmente ilegítimo.364

Os limites impostos pela boa-fé estabelecem uma conduta diligente, honesta e leal,

enquanto os limites contornados pelos bons costumes são aqueles definidos pelo conjunto de

regras éticas que as pessoas de boa conduta costumam seguir no meio social em que estão

inseridas.365 Quanto aos fins sociais e econômicos do direito exercido, pode-se afirmar que os

mesmos constituem o objetivo natural da existência de tal direito.

O artigo 334º do Código Civil delimita que não é qualquer excesso que será considerado

abuso do direito. Para essa caracterização, o exercício fora dos limites estabelecidos deverá ser

manifesto, ou seja, “facilmente apreensível”.366 Assim, é necessário que o titular do direito

exceda de modo visível os limites que lhe cumpria observar, de tal maneira que esse excesso,

“à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante

injustiça”.367

Adaptando a figura do abuso do direito para as situações laborais, o empregador

exercerá de modo ilegítimo os seus poderes quando exceda os limites impostos pela boa-fé,

pelos bons costumes ou pelos fins sociais e econômicos do exercício dos seus poderes. Tal

adaptação justifica-se com a previsão do dever das partes de proceder com boa-fé no exercício

de direitos conforme o nº 1 do artigo 126º do Código do Trabalho.

A figura do abuso do direito mantém pertinência temática com a desobediência legítima

do trabalhador na medida em que as ordens do empregador (tanto as emitidas em razão do seu

poder diretivo quanto as proferidas em virtude da faceta prescritiva do seu poder disciplinar)

que excederem os limites impostos pelo artigo 334º do Código Civil serão ilegítimas, logo não

vinculam um dever de obediência da contraparte.368 Do mesmo modo, Júlio Manuel Vieira

Gomes afirma que “não é devida obediência quando o exercício da ordem corresponde a um

abuso de direito (...)”.369

362 Ac. RP de 05/10/2015, (Nº248/10.0TTPRT.P1), www.dgsi.pt 363 Ac. STJ de 15/09/2010, (Nº 254/07.1TTVLG.P1.S1), www.dgsi.pt 364 Vide: PINTO, Nuno Abranches – Instituto Disciplinar Laboral cit., p.174 365 Ac. STJ de 15/12/2011, (Nº2/08.9TTLMG.P1S1), www.dgsi.pt 366 Ac. STJ de 15/09/2010, (Nº 254/07.1TTVLG.P1.S1), www.dgsi.pt 367 Ac. RP de 16/12/2015, (Nº136/13.8TTVLG.P1), www.dgsi.pt 368 A título exemplificativo de ordem ilegítima por exceder os limites impostos pela boa-fé, vide: Ac. RLx de

20/04/2016, (Nº107/13.4TTBRR.L1-4), www.dgsi.pt 369 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.963

Page 108: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

108

Tais ordens ilegítimas, em razão de excederem os limites impostos pela boa-fé, pelos

bons costumes ou pelos fins a que são dirigidas, podem acarretar a violação dos direitos e

garantias do trabalhador, razão pela qual a desobediência do trabalhador será legitimada pelo

artigo 128º, nº 1, alínea “e”, do Código do Trabalho.

5 Sanção abusiva

A faculdade do empregador de aplicar sanções decorre do seu poder disciplinar, o qual,

porém, não é absoluto, tampouco poderá ser arbitrário. Destarte, o empregador encontra limites

no respeito aos direitos e garantias do trabalhador no tocante ao sancionamento deste.370

A aplicação de sanções tem lugar mediante um comportamento ilícito e censurável do

trabalhador, consubstanciado em uma infração disciplinar. Quando, porém, o empregador

sancionar um comportamento do trabalhador destituído de ilicitude, motivado por reações

ilegítimas ao exercício pelo trabalhador dos seus direitos, considera-se que essas sanções são

abusivas.371 Há que se distinguir, contudo, as sanções abusivas das aplicadas por motivos

discriminatórios, sendo que as primeiras são previstas de modo taxativo no Código do Trabalho,

enquanto as segundas traduzem-se em um exercício ilícito do poder disciplinar.372

Conforme já referido anteriormente no presente trabalho, as sanções abusivas são um

afloramento do desrespeito ao princípio da boa-fé na sua faceta da primazia da materialidade

subjacente, a qual impõe que o processo disciplinar seja utilizado para o fim estabelecido na lei

– apurar e punir uma infração disciplinar.373

O conceito de sanção abusiva é objetivado374: são sanções abusivas aquelas que a lei

expressamente considera como tais nas alíneas do nº 1 do artigo 331º do Código do Trabalho.

Dessa forma, são consideradas abusivas as sanções motivadas em virtude de o trabalhador:

haver reclamado contra as condições de trabalho de modo legítimo; recusar o cumprimento de

uma ordem a que não deva obediência (nos moldes do artigo 128º do CT); candidatar-se ou

exercer funções em estrutura de representação coletiva de trabalhadores; e, genericamente,

invocar ou praticar o exercício dos seus direitos.

370 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, p.766 371 MACEDO, Pedro de Sousa – Poder disciplinar patronal cit., p.49 372 GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho cit., I, p.898 373 CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.755 374 Ac. STJ de 04/06/2014, (Nº553/07.2TTLSB.L1.S1), www.dgsi.pt

Page 109: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

109

As quatro alíneas do nº 1 do artigo 331º reportam-se a comportamentos que se situam

fora do ordenamento disciplinar, servindo de limites ao poder da entidade empregadora, assim,

caso esses comportamentos venham a ser sancionados, as sanções aplicadas serão abusivas.375

Na medida em que o caráter abusivo dessas sanções tem fundamento na motivação que

levou o empregador a aplicá-las, está subjacente a ideia de que ele o fez imbuído de um

“espírito de retaliação” diante dos comportamentos dos trabalhadores descritos no artigo 331º,

nº 1.376 Assim, a punição aplicada diante da falta de conduta ilícita por parte do trabalhador

possui uma natureza persecutória.377

Esse intuito persecutório constitui um dos elementos da sanção abusiva – elemento

subjetivo, que conjugado com o elemento objetivo (enquadrar-se em uma das situações

descritas no artigo 331º, nº 1) caracterizam a abusividade na sanção.378

Em resumo, o número 1 do artigo 331º do Código do Trabalho traz taxativamente as

sanções disciplinares que, se forem aplicadas pelo empregador, serão consideradas abusivas.

Dentre elas, interessa para este trabalho a alínea “b”, a qual dispõe que será considerada abusiva

a sanção disciplinar que tenha sido motivada por uma recusa do trabalhador a cumprir certa

ordem a que não devia obediência.

A alínea “b” (do nº 1 do artigo 331º) ao fazer uma remissão ao artigo 128º (nº 1, alínea

“e” e nº 2) prevê expressamente a desobediência legítima do trabalhador – quando as ordens ou

instruções forem contrárias a seus direitos ou garantias, ou quando forem emitidas por sujeito

incompetente. Assim, a recusa do trabalhador ao cumprimento de ordem ou instrução que

afronte a direito ou garantia sua, ou emitida por sujeito incompetente será legítima, inexistindo

conduta ilícita. Logo, eventual sanção aplicada será abusiva. Em outras palavras, será

considerada abusiva por sancionar comportamento do trabalhador expressamente permitido

pelo ordenamento jurídico, o qual não consubstancia uma infração disciplinar, pelo que a

motivação do empregador para tal aplicação de sanção deve ser tida como reprovável.

Haja vista que a qualificação de uma sanção como abusiva é dada pelo motivo que o

empregador a aplicou, a prova deste elemento subjetivo é dificultosa, uma vez que o

empregador esconderá sua real intenção sob a aparência de um exercício legítimo de seu poder

375 FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador cit., p.134 376 PINTO, Nuno Abranches – Instituto Disciplinar Laboral cit., pp.175 ss. Segundo o referido autor, o artigo 331º

é uma expressão do instituto do abuso de direito (previsto o artigo 334º do Código Civil). 377 Ac. STJ de 19/11/2014, (Nº42/12.3TTMTS.P1.S1), www.dgsi.pt 378 Ac. STJ de 16/01/2013, (Nº1767/08.3TTLSB.L1S1), www.dgsi.pt. O STJ ao caracterizar esses dois elementos

componentes da sanção abusiva segue o entendimento de António Menezes Cordeiro. Em: CORDEIRO, António

da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho cit., p.756

Page 110: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

110

disciplinar, assim, o legislador para facilitar a prova pelo trabalhador de uma sanção abusiva

previu uma presunção desta.379

Dessa forma, o nº 2 do artigo 331º estabeleceu uma presunção juris tantum (podendo,

portanto, o empregador fazer prova do contrário) de abusividade da sanção aplicada no prazo

de seis meses de qualquer um dos fatos do nº 1, ou de um ano em caso de reclamação ou

exercício de direitos que digam respeito a igualdade e não discriminação.380

Importa discorrer sobre as consequências que irão resultar ao empregador se porventura

aplicar uma sanção abusiva ao trabalhador, as quais estão estabelecidas nos números 3, 4, 5 e 6

do artigo 331º.

Em termos gerais, conforme dispõe o nº 3 do referido artigo, cumpre ao empregador

indenizar o trabalhador em caso de aplicação de sanção abusiva, com especificidades

dependentes do fundamento do abuso ou do tipo de penalidade imposta.381

Caso a sanção aplicada tenha sido o despedimento por fato imputável ao trabalhador, tal

despedimento será nulo quando a desobediência for legítima, podendo o trabalhador optar entre

a reintegração e uma indenização calculada conforme o disposto no artigo 392º, nº 3 do Código

do Trabalho.

Tais consequências estipuladas no artigo 331º não afastam a possibilidade de uma

resolução do contrato pelo trabalhador, conforme previsão normativa na alínea “c” do nº 2 do

artigo 394º do Código do Trabalho. Dessa forma, se o empregador aplicar ao trabalhador uma

sanção abusiva, seu comportamento será passível de constituir uma justa causa para resolução

do contrato de trabalho pelo trabalhador. Especificamente em relação à desobediência legítima,

se o trabalhador for sancionado em razão de ter recusado o cumprimento de ordens que não

devia obediência, ele poderá, portanto, resolver o contrato laboral.

Ainda, cumpre mencionar que a aplicação de sanção abusiva por parte da entidade

empregadora constitui contra-ordenação grave382, nos termos do nº 7 do artigo 331º do Código

do Trabalho.

379 PINTO, Mário F.C./MARTINS, Pedro Furtado/CARVALHO, António Nunes de – Comentário às Leis do

Trabalho cit., I, p.162 380 Vide: Ac. RC de 16/12/2015, (Nº3501/14.0T8VIS.C1), www.dgsi.pt 381 PINTO, Nuno Abranches – Instituto Disciplinar Laboral cit., p.178 382 A noção de contra-ordenação laboral é apresentada pelo artigo 548º do Código do Trabalho, o qual dispõe:

“Constitui contra-ordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma

norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja

punível com coima.”.

Page 111: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

111

5.1 A resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador em decorrência da aplicação de sanção

abusiva

É facultado ao trabalhador resolver o seu contrato de trabalho caso o empregador lhe

aplique uma sanção abusiva em virtude de um comportamento seu que constitua uma

desobediência legítima.

Esta cessação do contrato de trabalho encontra-se prevista no artigo 394º, nº 2, alínea

“c”, do Código do Trabalho, o qual enuncia que constitui uma justa causa para resolução do

referido contrato o comportamento do empregador que aplique ao trabalhador uma sanção

abusiva.

Por estar elencada entre as hipóteses do nº 2, essa situação é designada como “justa

causa subjetiva” pela doutrina e jurisprudência e supõe a “verificação de um facto

superveniente que frustra as legítimas expectativas da parte que o invoca para fundamentar a

cessação do contrato.”.383

Por se tratar de uma resolução, essa hipótese de cessação do contrato laboral terá lugar

diante de um comportamento culposo do empregador, o qual desrespeita o cumprimento dos

seus deveres, gerando, portanto, uma situação de responsabilidade contratual.384

Esse comportamento culposo do empregador caracteriza um dos requisitos apresentados

por Maria do Rosário Palma Ramalho (elencados pela jurisprudência) para que se configure

uma situação de justa causa subjetiva onde o trabalhador possa resolver o contrato. A atribuição

do comportamento ao empregador a título de culpa trata-se do requisito subjetivo, sendo que o

objetivo é o comportamento em si, violador de direitos ou garantias do trabalhador. Ainda, há

a presença de um terceiro requisito, o qual se trata do fato de que o referido comportamento

afete a subsistência do vínculo laboral de forma imediata e tornando-a praticamente impossível.

Para a mencionada autora, esses critérios não se apreciam de modo tão estrito quanto na justa

causa disciplinar (tendo em conta a referência ao artigo 351º constante no nº 4 do artigo 394º).385

Extrai-se, portanto, da cumulação dos artigos 331º (nº 1, alínea “b”) e 394º (nº 2, alínea

“c”) – ambos do CT que, se o empregador sancionar o trabalhador que cometa uma

desobediência legítima, esta sanção será considerada abusiva e, portanto, diante da aplicação

deste tipo de sanção, o trabalhador tem a faculdade de resolver seu contrato de trabalho de

383 Extraído da anotação de Joana Vasconcelos ao artigo 394º do CT em: MARTINEZ, Pedro Romano/

MONTEIRO, Luis Miguel/ VASCONCELOS, Joana/ BRITO, Pedro Madeira de/ DRAY, Guilherme/ SILVA,

Luís Gonçalves da – Código do Trabalho Anotado cit., pp.882 s. 384 MARTINEZ, Pedro Romano – Da Cessação do Contrato cit., p.482 385 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho cit., II, pp.1092 s.

Page 112: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

112

forma imediata, haja vista seu empregador ter violado a norma de não imposição de sanção ao

trabalhador que legitimamente deixe de observar o dever de obediência.

6 A responsabilidade do trabalhador

O trabalhador, quando viola o seu dever de obediência, é suscetível de ser

responsabilizado pelos danos originados em virtude de sua conduta ao seu empregador ou à

empresa.386 A responsabilidade pelos danos causados à contraparte em decorrência do

incumprimento de deveres está enunciada no artigo 323º, nº 1, do Código do Trabalho. Tal

artigo tem aplicação para ambas as partes da relação laboral, reafirmando o caráter

sinalagmático do contrato de trabalho.387

De acordo com o citado dispositivo, responsabiliza-se a parte que faltar culposamente

com os seus deveres. Assim, tal previsão legal não se aplica à desobediência legítima do

trabalhador, por faltar a esta o elemento “culpa”. Dessa forma, o nº 1 do artigo 323º é aplicável

apenas quando a ordem do empregador for legítima e o trabalhador viole um dever de

obediência exigível.

Diante de uma ordem ilegítima da entidade empregadora, a questão da responsabilidade

do trabalhador adquire outros moldes. Assim, é cabível uma problematização a respeito das

possíveis atitudes a serem tomadas pelo trabalhador frente a uma ordem ilegítima no contexto

da relação de trabalho.

João Moreira da Silva afirma que, diante de uma ordem dotada de irregularidade, o

trabalhador deverá manifestar ao empregador a sua intenção de não a cumprir e, caso a entidade

empregadora a mantenha, aquele deverá solicitar que o conteúdo da ordem o seja dado por

escrito para que assim isente sua responsabilidade caso a cumpra.388 A importância da

solicitação da ordem por escrito reside na dificuldade em se provar a existência da mesma e seu

conteúdo.

Especificamente no que tange às ordens ilegais (as quais imponham a prática de uma

conduta ilegal por parte do trabalhador), não há meios de isentar o prestador da atividade de

responsabilidade, caso este venha a cumpri-las, uma vez que sua sujeição à entidade

empregadora não é causa de exclusão de ilicitude em uma conduta típica. Assim, a

responsabilidade penal será imposta ao trabalhador que obedeça a ordens ilegais.

386 DUQUESNE, François – Le nouveau Droit du travail cit, p.216 387 Anotação de Pedro Romano Martinez em: MARTINEZ, Pedro Romano/ MONTEIRO, Luis Miguel/

VASCONCELOS, Joana/ BRITO, Pedro Madeira de/ DRAY, Guilherme/ SILVA, Luís Gonçalves da – Código

do Trabalho Anotado cit., pp.734 s. 388 SILVA, João Moreira da – Direitos e deveres dos sujeitos da relação individual de trabalho cit., p.54

Page 113: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

113

Quanto à responsabilidade civil, caso o trabalhador obedeça de modo consciente ordens

ilegítimas que acarretem danos a terceiros, ele poderá ser responsabilizado conjuntamente com

seu empregador.

Por outro lado, caso o trabalhador opte por desobedecer eventual ordem ilegítima,

exercendo seu direito de resistência, não há o que se falar em responsabilidade, haja vista o

artigo 323º (nº 1) expressamente exigir o elemento “culpa” na falta de cumprimento de deveres

para ensejar a responsabilização e, também, em virtude do dever de obediência não ser exigível

frente a ordens ilegítimas, não ocorrendo uma violação deste dever propriamente dita.

Em suma, caso o trabalhador se depare com uma ordem ilegítima, é preferível que o

mesmo não a cumpra, ao invés de obedecê-la e poder ser responsabilizado posteriormente (em

conjunto com o empregador) por danos causados à terceiros ou, penalmente, pela prática de um

ato ilícito.

Page 114: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

114

CONCLUSÕES

O ordenamento jurídico português, ao legitimar o descumprimento por parte do

trabalhador de certas ordens ou instruções emitidas pela entidade empregadora, visa compensar

a assimetria oriunda da relação de trabalho subordinada, na qual um sujeito emite diretrizes e

outro as obedece. Dessa forma, tutela-se direitos e garantias através da resistência a comandos

que os ameacem.

Apesar de a maioria das diretrizes proferidas pelo empregador serem oriundas do

exercício do seu poder de direção, a emissão de comandos não se limita a manifestações do

referido poder. Assim, o empregador dita ordens em razão da faceta prescritiva do seu poder

disciplinar e por meio do regulamento de empresa, no qual determina orientações gerais e

abstratas aos trabalhadores quanto à organização e disciplina do trabalho, vinculando-se a

obediência do trabalhador a ordens ou instruções legítimas independentemente de qual poder

sejam uma manifestação.

A emissão de comandos revela-se de suma importância para garantir o regular

funcionamento da empresa. É por meio das ordens e instruções que a atividade laboral irá se

concretizar, contudo, isso não quer dizer que não existam limites a serem observados pelo

empregador para proferi-las, sob pena de acarretarem em consequências negativas ao

trabalhador.

Desse modo, a conduta diretiva do empregador deverá ser pautada pelos limites do

próprio contrato laboral (respeitando as particularidades de cada um – é o caso da autonomia

técnica, por exemplo) e das normas que o regem, conforme enuncia o artigo 97º do Código do

Trabalho.

O empregador, deve dispensar especial atenção às normas que regulam a modificação

da prestação laboral ao alterar: a função exercida pelo trabalhador, o seu local ou horário de

trabalho. Caso ele não o faça poderá prejudicar de forma gravosa o prestador da atividade,

afetando direitos e garantias do mesmo.

A importância dos limites à emissão de comandos revela-se na medida em que os

mesmos ditarão os contornos para se estabelecer a legitimidade das ordens ou instruções

proferidas, de modo que a ilegitimidade de uma diretriz tem lugar quando o empregador

extrapole os limites impostos.

É por meio da determinação da legitimidade da ordem ou instrução que se estabelece a

exigibilidade do dever de obediência, porquanto a ilegitimidade de um comando faz cessar tal

dever.

Page 115: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

115

Não se pode censurar de modo direto um comportamento desobediente do trabalhador

sem analisar a situação que deu origem a ele (em outras palavras, sem apreciar a legitimidade

da ordem ou instrução descumprida). A conduta reprovável na desobediência legítima é a do

empregador que a suscitou e não a do trabalhador que apenas está se defendendo de um

comando irregular.

É somente por meio do exame da legitimidade do comando emitido pelo empregador

que se pode determinar se eventual desobediência cometida pelo trabalhador é legítima ou

ilegítima. Essa análise deve ser cuidadosa, haja vista que as duas figuras possuem características

e consequências muito distintas.

A desobediência legítima e a ilegítima são praticamente opostas, possuindo como ponto

de contato apenas o não acatamento de uma ordem ou instrução. A ilegítima é uma infração

disciplinar, posto que viola o dever de obediência. É ilícita, culpável e passível de sanção

(inclusive de despedimento quando a crise na relação de trabalho for irremediável, constituindo

a desobediência ilegítima uma justa causa).

Por outro lado, a desobediência legítima é autorizada pela legislação; é uma conduta

lícita; destituída de relevo disciplinar; não é censurável e constitui um meio de defesa de direitos

e garantias. O trabalhador ao desobedecer legitimamente um comando ilegítimo age em

conformidade com o direito.

A desobediência legítima possui um caráter excepcional – surgindo quando há uma

anormalidade na relação laboral. No curso normal e estável do contrato de trabalho há a

primazia do dever de obediência.

A recusa legítima ao cumprimento de diretrizes relaciona-se diretamente com o fato de

que o dever de obediência do trabalhador não é absoluto, ele possui limites que definem sua

exigibilidade.

A desobediência legítima do trabalhador pode ocorrer tanto em razão de ordens ou

instruções cujo conteúdo seja ilegítimo, quanto em caso de serem proferidas por sujeito

incompetente. Tal conclusão mantém relação com a remissão feita pelo artigo 331º (nº 1, alínea

“b”) a dois dispositivos do artigo 128º (nº 1, alínea “e” e nº 2), ambos do CT.

A partir da remissão mencionada, pode-se extrair duas modalidades de desobediência

autorizadas pelo Código do Trabalho – quando o conteúdo dos comandos emitidos pelo

empregador viole direitos ou garantias do trabalhador ou quando forem proferidos por sujeitos

ilegítimos. Em virtude da primeira hipótese citada possuir uma gama ampla de possíveis

ocorrências, ela poderá ser dividida em outras modalidades.

Page 116: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

116

Quando eventual ordem do empregador implicar no cometimento de uma conduta ilícita

pelo trabalhador, o prestador da atividade além de exonerar-se do cumprimento de tal comando

(em virtude de que ele deve obediência, primeiramente, às leis do seu Estado), caso venha a

executá-la, será penalmente responsável pelo seu ato, uma vez que a subordinação oriunda do

contrato de trabalho não é causa de exclusão de ilicitude.

Quando o empregador aplique uma sanção à desobediência legítima, ela será

considerada abusiva – sendo facultado ao trabalhador resolver o contrato laboral.

A existência de um verdadeiro direito de resistir ao cumprimento de uma ordem ou

instrução ilegítima é inegável, uma vez que com a irregularidade da situação gerada pelo

empregador o dever de obediência irá cessar.

A desobediência legítima do trabalhador é tratada com certa insignificância pela

legislação e pela doutrina portuguesa, haja vista ser uma permissão do ordenamento jurídico.

Tal entendimento deveria ser alterado para se dispensar a ela um tratamento tal qual merece ser

compreendida – como um verdadeiro meio de defesa de direitos e garantias.

Deve-se procurar assegurar ao trabalhador o seu efetivo recurso a essa figura quando

dela necessite. A desobediência legítima, uma vez que é salvaguardada pelo ordenamento

jurídico, não pode ser ineficaz no sentido de que não possa ser colocada em prática diante de

uma situação anormal no curso da relação laboral, na qual possivelmente estejam em risco

direitos e garantias do trabalhador.

Page 117: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

117

ÍNDICE BIBLIOGRÁFICO

ABRANTES, José João Nunes – Direito do Trabalho. Ensaios, Lisboa, 1995

ABRANTES, José João Nunes – Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra,

2005

ABRANTES, José João Nunes – Liberdade Contratual e lei. O caso das cláusulas de

mobilidade geográfica dos trabalhadores, in Estudos em homenagem ao professor doutor

Carlos Ferreira de Almeida, III, Coimbra, 2011, 503-516

ALMEIDA, Fernando Jorge Coutinho de – Os poderes da entidade patronal no direito

português, RDE, 1977, 301-336

ALONSO OLEA, Manuel/ CASAS BAAMONDE, Maria Emilia – Derecho del Trabajo, 26ª

ed., Madrid, 2009

AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho, 4ª ed., Coimbra, 2014

ARENDT, Hannah – A Condição Humana, 12ª ed., Rio de Janeiro, 2015

ASSIS, Rui – O Poder de Direcção do Empregador, Coimbra, 2005

BARROS, Alice Monteiro de – Curso de Direito do Trabalho, 10ª ed., São Paulo, 2016

BOBBIO, Norberto – Dicionário de Política, A-K, 12ª ed., Brasília, 2004

CANOTILHO, José Joaquim Gomes/ MOREIRA, Vital – Constituição da República

Portuguesa Anotada, I, 4ª ed., Coimbra, 2007

CARNELUTTI, Francesco – Teoria Geral do Direito, São Paulo, 1942

CARRION, Valentin – Comentários à CLT, 40ª ed., São Paulo, 2015

CARRO IGELMO, Alberto Jose – Curso de Derecho del Trabajo, 2ª ed., Barcelona, 1991

CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Concorrência laboral e justa causa de

despedimento, ROA, 1986, 487-526

CORDEIRO, António da Rocha Menezes – Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1997

CRUZ VILLALÓN, Jesús – Compendio de Derecho del Trabajo, 8ª ed., Madrid, 2015

DEAKIN, Simon/ MORRIS, Gillian S. – Labour Law, 5ª ed., Oxford, 2009

DELGADO, Mauricio Godinho – Curso de Direito do Trabalho, 15ª ed., São Paulo, 2016

DIEGUEZ CUERVO, Gonzalo / CABEZA PEREIRO, Jaime – Derecho del Trabajo, 2ª ed.,

Madrid, 2003

Page 118: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

118

DRAY, Guilherme Machado – Justa causa e esfera privada, in P. ROMANO MARTINEZ

(coord.), Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, II, Coimbra, 2001, 35-91

DRAY, Guilherme Machado – O Princípio da Proteção do Trabalhador, Coimbra, 2015

DUQUESNE, François – Le nouveau Droit du travail, 4ª ed., Paris, 2008

ESTEVES, Maria da Assunção Andrade – A Constitucionalização do Direito de Resistência,

Lisboa, 1989

FABRIZ, Daury Cesar – Legitimidade, in A. TRAVESSONI (coord.), Dicionário de Teoria e

Filosofia do Direito, São Paulo, 2011, 261-263

FALASCA, Giampiero – Manuale di diritto del lavoro, 3ª ed., Milão, 2011

FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho, 17ª ed., Coimbra, 2014

FERNANDES, Francisco Liberal – O tempo de trabalho, Coimbra, 2012

FERNANDES, Maria Malta – Limites à subordinação jurídica do trabalhador, Lisboa, 2008

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda – Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, 5ª ed.,

Curitiba, 2010

FINKIN, Matthew W./ KRAUSE, Rüdiger/TAKEUCHI-OKUNO, Hisashi – Employee

autonomy, privacy, and dignity under technological oversight, in M. W. FINKIN/G.

MUNDLAK (coord.), Comparative Labor Law, Northampton, 2017

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa – Curso de Direito do Trabalho, 9ª ed., Rio de Janeiro, 2015

GOMES, Júlio – Deve o trabalhador subordinado obediência a ordens ilegais?, in

M.GRACIETE RODRIGUES (coord.), Trabalho e Relações Laborais, 2001, 179-187

GOMES, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho, I – Relações Individuais de Trabalho,

Coimbra, 2007

GOMES, Orlando /GOTTSCHALK, Elson – Curso de direito do trabalho, 17ª ed., Rio de

Janeiro, 2006

HART, H.L.A. – O conceito de Direito, São Paulo, 2009

KAUFMANN, Arthur – Filosofia do Direito, 5ª ed., Lisboa, 2014

LAMBELHO, Ana /GONÇALVES, Luísa Andias – Manual de Direito do Trabalho. Da Teoria

à Prática, Coimbra, 2014

LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito do Trabalho, 4ª ed., Coimbra, 2014

LEITE, Carlos Henrique Bezerra - Curso de Direito do Trabalho, 7ª ed., São Paulo, 2016

Page 119: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

119

MACEDO, Pedro de Sousa – Poder disciplinar patronal, Coimbra, 1990

MALEM SEÑA, Jorge Francisco – Concepto y justificación de la desobediencia civil,

Barcelona, 1988

MARANHÃO, Délio – Contrato de Trabalho, in A. SUSSEKIND (coord.), Instituições de

Direito do Trabalho, I, 19ª ed., São Paulo, 2000

MARECOS, Diogo Vaz – Código do Trabalho Anotado, 2ª ed., Coimbra, 2013

MARTÍN VALVERDE, Antonio/ GARCÍA MURCIA, Joaquín – Tratado Práctico de Derecho

del Trabajo, II, 2ª ed., Pamplona, 2012

MARTINEZ, Luciano – Curso de Direito do Trabalho, 3ª ed., São Paulo, 2012

MARTINEZ, Pedro Romano – Poder de direcção: âmbito. Poder disciplinar: desrespeito de

ordens. Comentário ao acórdão do STJ de 20 de outubro de 1999, RDES, 2000, 385-408

MARTINEZ, Pedro Romano – Da Cessação do Contrato, 3ª ed., Coimbra, 2015

MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho, 7ª ed., Coimbra, 2015

MARTINEZ, Pedro Romano/ MONTEIRO, Luis Miguel/ VASCONCELOS, Joana/ BRITO,

Pedro Madeira de/ DRAY, Guilherme/ SILVA, Luís Gonçalves da – Código do Trabalho

Anotado, 10ª ed., Coimbra, 2016

MARTINS, Pedro Furtado – Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª ed., Cascais, 2012

MATTEUCCI, Nicola – Dicionário de Política, L – Z, 12ª ed., Brasília, 2004

MEDEIROS, Rui/MIRANDA, Jorge – Constituição Portuguesa Anotada. Tomo I, 2ª ed.,

Coimbra, 2010

MERCADER UGUINA, Jesús R. – Lecciones de Derecho del Trabajo, 9ª ed., Valencia, 2016

MOLERO MANGLANO, Carlos – Manual de Derecho del Trabajo, 12ª ed., Valencia, 2012

MONTOYA MELGAR, Alfredo – Derecho del Trabajo, 37ª ed., 2016

MOREIRA, António José – O poder disciplinar. A necessária caminhada para o Direito, in J.

JOÃO ABRANTES (coord.), Congresso Europeu de Direito do Trabalho, Lisboa, 2012, 291-

307

PALOMEQUE LÓPEZ, Manuel Carlos/ ÁLVAREZ DE LA ROSA, Manuel – Derecho del

Trabajo, 24ª ed., Madrid, 2016

PINTO, Mário F.C./MARTINS, Pedro Furtado/CARVALHO, António Nunes de – Comentário

às Leis do Trabalho, I, Lisboa, 1994

Page 120: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

120

PINTO, Nuno Abranches – Instituto Disciplinar Laboral, Coimbra, 2009

QUINTAS, Helder/QUINTAS, Paula – Manual de Direito do Trabalho e de Processo do

Trabalho, 4ª ed., Coimbra, 2015

RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Do Fundamento do Poder Disciplinar Laboral,

Coimbra, 1993

RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Da Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho,

Coimbra, 2001

RAMALHO, Maria do Rosário Palma –Delimitação do Contrato de Trabalho e Presunção de

Laboralidade no novo Código do Trabalho – Breves notas, in Estudos em homenagem ao

professor doutor Carlos Ferreira de Almeida, III, Coimbra, 2011, 561- 580

RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tutela da personalidade e equilíbrio entre interesses

dos trabalhadores e dos empregadores no contrato de trabalho. Breves notas, in Colóquio de

Direito do Trabalho, 2014. Disponível em: www.stj.pt

RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho. Parte I – Dogmática

Geral, 4ª ed., Coimbra, 2015

RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Tratado de Direito do Trabalho. Parte II – Situações

Laborais Individuais, 5ª ed., Coimbra, 2014

RAMÍREZ MARTÍNEZ, Juan M. – Curso de Derecho del Trabajo, 19ª ed., Valencia, 2010

RESENDE, Feliciano Tomás de – Contrato de Trabalho. Legislação anotada, Coimbra, 1970

RIDEOUT, Roger W./ DYSON, Jacqueline C. – Rideout’s principles of labour law, 4ª ed.,

Londres, 1983

ROMAR, Carla Teresa Martins – Alterações do contrato de trabalho: função e local, São

Paulo, 2001

RUSSOMANO, Mozart Victor – Curso de Direito do Trabalho, 9ª ed., Curitiba, 2012

SCHIAVI, Mauro – Manual de Direito Processual do Trabalho, 5ª ed., São Paulo, 2012

SILVA, De Plácido e – Vocabulário jurídico, 27ª ed., Rio de Janeiro, 2007

SILVA, João Moreira da – Direitos e deveres dos sujeitos da relação individual de trabalho,

Coimbra, 1983

VIANA, Márcio Túlio – Direito de Resistência, São Paulo, 1996

VICENTE, Joana Nunes – Flexibilidade Funcional, in C. de OLIVEIRA CARVALHO/ J.

VIEIRA GOMES (coord.), Direito do Trabalho + Crise = Crise do Direito do Trabalho?,

Lisboa, 2011, 407-419

Page 121: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITOrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37267/1/ulfd136308_tese.pdfdos deveres do trabalhador, com o intuito de encaixar o dever de obediência

121

XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Procedimentos laborais na empresa. Ensinar e investigar,

Lisboa, 2009

XAVIER, Bernardo da Gama Lobo – Manual de Direito do Trabalho, 2ª ed., Lisboa, 2014