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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES Desenho Instalação O espaço como suporte Carolina Silva Lopes Nunes Jorge Trabalho de projeto Mestrado em Desenho Dissertação orientada pelo Prof. Doutor António Pedro Ferreira Marques 2019

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES

Desenho Instalação

O espaço como suporte

Carolina Silva Lopes Nunes Jorge

Trabalho de projeto

Mestrado em Desenho

Dissertação orientada pelo Prof. Doutor António Pedro Ferreira Marques

2019

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DECLARAÇÃO DE AUTORIA

Eu Carolina Silva Lopes Nunes Jorge, declaro que o trabalho de projeto de mestrado

intitulada “Desenho Instalação: O espaço como suporte”, é o resultado da minha

investigação pessoal e independente. O conteúdo é original e todas as fontes consultadas

estão devidamente mencionadas na bibliografia ou outras listagens de fontes documentais,

tal como todas as citações diretas ou indiretas têm devida indicação ao longo do trabalho

segundo as normas académicas.

Carolina Nunes Jorge

Lisboa, 10 de outubro de 2019

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RESUMO

Apesar de ser considerado “mãe de todas as artes”, o Desenho foi durante séculos relegado

para um papel secundário. Ao libertar-se dessa condição, tornou-se um meio privilegiado de

expressão autónoma, florescendo assim como arte independente. No seguimento de

correntes como o Conceptualismo ou o Minimalismo, que estabeleceram as bases de outras

vias de ação que assumem o espaço como conteúdo e conceito gráfico, o Desenho ganha

um campo de ação expandido no espaço real, aberto a todo um novo conjunto de

abordagens. Um exemplo desta nova dimensão são os desenhos de luz de Picasso, registados

em fotografia, realizados no espaço real, sem suporte físico imediato.

O presente trabalho baseia-se neste quadro de mudança, partindo do estudo metódico do

potencial do espaço como suporte para o desenho. Através da análise de diversos artistas que

exploram a área do Desenho Instalação, assim como de uma fundamentação teórica com

base no contexto histórico da Arte Instalação, foi possível estabelecer as bases de um projeto

desenvolvido neste domínio.

Os resultados permitiram concluir que o espaço como suporte acrescenta potencialidades à

prática tradicional do desenho em suportes físicos bidimensionais, contribuindo para um

novo modo de pensar o desenho e conviver com o discurso gráfico.

Palavras-Chave:

Espaço; Desenho; Instalação; Sugestibilidade; Observador

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ABSTRACT

Despite being considered the “mother of all arts”, Drawing has been relegated for centuries

to a secondary role. In freeing itself from this condition, it became a privileged means of

autonomous expression, flourishing as an independent art. Following trends such as

Conceptualism or Minimalism, which defines as bases of other ways of action that assume

space, such as content and graphic concept, Drawing gains an expanded field of action in

real space, opens a new set of approaches. An example of this new dimension is Picasso's

photographic light drawings made in real space without immediate physical support.

The present work is based on this framework of change, starting from the methodical study

of the potential of space as a support for drawing. Through the analysis of several artists who

explore Drawing Installation, as a theoretical foundation based on the historical context of

Installation Art, it was possible to define the basis of a project developed in this domain.

The results allow us to conclude that space as a support increases the potential for traditional

drawing practice in two-dimensional physical supports, contributing to a new way of thinking

about drawing and understanding graphic speech.

Key words:

Space; Drawing; Installation; Suggestibility; Observer

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Agradecimentos

A elaboração deste trabalho não teria sido possível sem os contributos de todos aqueles que

me incentivaram, ajudaram e, com paciência, me ouviram. Gostaria, portanto, de expressar

ao máximo toda a minha gratidão e carinho a todos aqueles que, direta ou indiretamente,

contribuíram para a conclusão deste trabalho. Gostaria então de agradecer antes de mais ao

Professor Pedro Saraiva a bibliografia e fotografias disponibilizadas. Aos meus pais, por toda

a ajuda com o texto e dia-a-dia neste ano. Também ao meu namorado Rodrigo Silveira por

todo o apoio técnico e à sua mãe pela ajuda na revisão do texto. Não menos importante,

gostaria de agradecer aos meus amigos próximos, pelo apoio durante todo este processo.

Destaco um agradecimento especial ao Professor António Pedro Marques pelo contributo

essencial para este projeto. Por toda a sua atenção, empenho e honestidade para comigo,

assim como os conhecimentos que tornaram possível o trabalho aqui apresentado.

A todos quero manifestar os meus sinceros e profundos agradecimentos.

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ÍNDICE DE IMAGENS FIGURA 1- SPRENGEL MUSEUM’S MERZBAU RECONSTRUCTION. PHOTOGRAPH, 2011.......................... 22 FIGURA 2 - EL LISSITZKY ( 1890–1941). PROUNENRAUM (PROUN ROOM). 1923; RECONSTRUÇÃO DE

2010 ................................................................................................................................................. 22 FIGURA 3 - ALLAN KAPROW (NO CENTRO, DE BARBA) E PARTICIPANTES DA EXPOSIÇÃO “YARD” (1967),

NO MUSEU DE ARTE DE PASADENA. EXEMPLO DO INTERESSE DE KAPROW NO ENVOLVIMENTO DO

ESPECTADOR. ................................................................................................................................... 24 FIGURA 4- CARTAZ DA EXPOSIÇÃO "ENVIRONMENTS, SITUATIONS, SPACES". 42 X 55 CM. PRETO E

BRANCO. 1961. O CARTAZ CONSISTE NUMA FOTOGRAFIA DE DESENHOS E RECORTES DOS

ARTISTAS PARTICIPANTES................................................................................................................. 25 FIGURA 5 - ALLAN KAPROW, “WORDS” EXPOSTA NA SMOLIN GALLERY, NOVA YORK, 1962. ................. 25 FIGURA 6- ILYA KABAKOV (N. 1933). THE MAN WHO FLEW INTO SPACE, 1981–88. INSTALAÇÃO

COMPOSTA POR POSTERES E COLAGEM; MIXED MEDIA. 96 X 95 X 147 CM. EXPOSTO NO CENTRE

GEORGES POMPIDOU, MUSEU DE ARTE MODERNA, PARIS ............................................................ 29 FIGURA 7- CARSTEN HÖLLER, LIGHT WALL, 2000. PAREDE PREENCHIDA POR LÂMPADAS. ................... 30 FIGURA 8- JAMES TURRELL, PRESENT TENSE, 1991 ....................................................................... 31 FIGURA 9 - HÉLIO OITICICA, ÉDEN, 1969. ................................................................................................ 32 FIGURA 10- GLOBOS ASTRONÓMICOS NA GALERIA DE ARTE DE VANCOUVER, COLOMBIA BRITÂNICA EM

2003. ................................................................................................................................................ 36 FIGURA 11- PEDRO SARAIVA, > GABINETES, 2018. EXPOSIÇÃO QUE REUNE DEZ ANOS DE TRABALHO. 39 FIGURA 12- SANDRA CINTO, "ENCOUNTER OF WATERS", 2012, CANETA PERMANENTE EM PAREDE,

CORTES DE VINIL EM BARCO DE MADEIRA. EXIBIDO NO MUSEU DE ARTE DE SEATTLE .................. 41 FIGURA 13- NORBERT KRICKE, "RAUMPLASTIK-GELB-WEIß", 1956. ESCULTURA, AÇO PINTADO EM

PLINTO DE MADEIRA, 78.7 X 94 X 86.4 CM. ...................................................................................... 44 FIGURA 14- OBRAS DE INABA EM EXPOSIÇÃO ........................................................................................... 46 FIGURA 15 - GARETH JAMES EXPOSIÇÃO NA GALERIA ELIZABETH DEE, 2009 ...................................... 50 FIGURA 16- DOMINIC MCGILL, HE RESULTS AS CAUSE OF HIMSELF, 101,6 X 145 X 73 CM, 2010,

AQUA-RESIN, GESSO, GRAFITE, AÇO, MADEIRA, VIDRO, LINHO. ...................................................... 53 FIGURA 17- JOSEPH BEUYS, LIGHTNING WITH STAG IN ITS GLARE (BLITZSCHLAG MIT LICHTSCHEIN AUF

HIRSCH), 1958-85, DIMENSÕES VARIÁVEIS, BRONZE, FERRO E ALUMÍNIO. EXIBIDO NO MUSEU

GUGGENHEIM BILBAO. ...................................................................................................................... 56 FIGURA 18- RUSSELL CROTTTY - M11 GALACTIC CLUSTER IN SCUTUM, 2002. FIBRA DE VIDRO, PAPEL

DE ARQUIVO, CANETA ESFEROGRÁFICA DE ARQUIVO, AGUARELA. .................................................. 57 FIGURA 19 - GABINETE DE LINFA, CERÂMICA DE REINATA BACA E ESCULTURA DE MARIA OTERA ........ 58 FIGURA 20- JOSEPH BEUYS, THE PACK (DAS RUDEL), 1961. CONTITUIDO POR 24 TRENÓS, EQUIPADOS

COM GORDURA, COBERTORES DE FELTRO, CINTOS E LANTERNAS. 200 × 400 × 1000 CM ............ 60 FIGURA 21- NORBERT KRICKE , RAUMPLASTIK SCHWARZ-ROT, 1955. AÇO, PINTADO, 32 X 31 X 27 CM.

.......................................................................................................................................................... 61 FIGURA 22- TOMOHIRO INABA, PROMISE OF OUR STAR, 2011. AÇO. .................................................... 62 FIGURA 23 - GARETH JAMES, DEPARTMENT OF EVERYONE GETTING ALONG, 1997. TINTA EM PAPEL.

.......................................................................................................................................................... 64 FIGURA 24 - DOMINIC MCGILL, PROJECT FOR A NEW AMERICAN CENTURY, 2004. GRAFITE EM PAPEL,

203.2 X 1981,2CM. .......................................................................................................................... 65 FIGURA 25 - SANDRA CINTO, TABLE, 1999. CANETA EM MESA DE MADEIRA PINTADA, 91.5 X 59.5 X 80

CM. .................................................................................................................................................... 67 FIGURA 26- CAROLINA JORGE, INVASÃO (I - IV), 2015. AÇO SOLDADO, DIMENSÕES VARIADAS. ........... 74 FIGURA 27- ESBOÇO DA IDEIA INICIAL DO TRABALHO. ELEMENTOS A CANETA PRETA NO PRIMEIRO PLANO

SERIAM FÍSICOS E ESTARIAM NO ESPAÇO REAL, ELEMENTOS A GRAFITE NO SEGUNDO PLANO

SERIAM DESENHADOS EM PAPEL. ..................................................................................................... 75 FIGURA 28 – EXPERIÊNCIAS EM PAPEL BASEADAS NA RECOLHA FOTOGRÁFICA. ..................................... 76 FIGURA 29 - ESBOÇOS DE POSSÍVEIS DESENHOS A REALIZAR NO SUPORTE DE PAPEL. .......................... 76 FIGURA 30 - PEDAÇOS RASGADOS DE DOIS DESENHOS DA PRIMEIRA SÉRIE DE EXPERIÊNCIAS. ............. 77 FIGURA 31 - DESENHO RÁPIDO EM FOLHA PEQUENA, SEGUNDA SÉRIE DE EXPERIÊNCIAS. ..................... 77 FIGURA 32- MAQUETES EM ARAME FINO. .................................................................................................. 78 FIGURA 33 - COVERSÃO DA MAQUETE DA FIGURA 33 NUM MODELO 3D E TESTE DE LUZ COM ESTE. ..... 79 FIGURA 34 - MAQUETE EM ARAME FINO E PAPEL, TESTE DE FORMAS. ..................................................... 79 FIGURA 35 - PROTÓTIPO: LUZ AMARELA, FORMA FECHADA. ..................................................................... 80

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FIGURA 36 - PROTÓTIPO: LUZ BRANCA, FORMAS ABERTAS. ..................................................................... 80 FIGURA 37- ESBOÇO DO LAYOUT DA SALA E PLANIFICAÇÃO DO PERCURSO ATRAVÉS DAS FORMAS COM

ABERTURAS, REPRESENTADAS POR TRAÇOS NOS RECTÂNGULOS DESENHADOS. .......................... 81 FIGURA 38- INTERFACE DO PROGRAMA ZBRUSH. ..................................................................................... 82 FIGURA 39 - INTERFACE DO PROGRAMA AUTODESK MAYA. ..................................................................... 82 FIGURA 40- OBJETO CRIADO NO ZBRUSH, A SER COLOCADO NA SALA. ................................................... 82 FIGURA 41- TRABALHO PRÁTICO FINAL. .................................................................................................... 83 FIGURA 42- TRABALHO PRÁTICO FINAL. .................................................................................................... 84

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Índice

Capítulo 1 - Introdução ................................................................................. 11

1.1. Projeto Global ............................................................................... 11

1.2. Objetivos ............................................................................................ 12

1.3. Relevância cultural da temática do trabalho final ............................... 12

1.4. Explicação do projeto/Instalação ........................................................ 13

1.5. Justificação do projeto e das escolhas realizadas ............................. 13

1.6. Estrutura organizativa do trabalho ..................................................... 14

Capítulo 2 - Fundamentação teórica ................................................................ 16

2.1. O espaço no desenho – o espaço como suporte ............................... 16

2.2. Definição do termo espaço ................................................................. 17

2.3. Origem da Arte Instalação – Explicação da abordagem e cronologia 18

2.4. A arte, a convenção e o observador................................................... 19

2.5. Evolução da Arte Instalação ............................................................... 21

2.6. Receção crítica .................................................................................. 23

2.7. Motivação ........................................................................................... 26

2.8. Exemplos de modos de trabalhar a Instalação .................................. 28

2.9. Atualidade e considerações finais ...................................................... 33

Capítulo 3 – Análise dos artistas e respetivas obras .................................... 33

3.1. Definição do projeto teórico ................................................................ 33

3.2. Russell Crotty ..................................................................................... 34

3.3. Pedro Saraiva .................................................................................... 36

3.4. Sandra Cinto ...................................................................................... 40

3.5. Norbert Kricke .................................................................................... 43

3.6. Tomohiro Inaba .................................................................................. 45

3.7. Gareth James ..................................................................................... 47

3.8. Dominic Mcgill .................................................................................... 51

3.9. Joseph Beuys ..................................................................................... 54

3.10. Análise de obras .................................................................................. 57

3.11. Tratamento dos dados ..................................................................... 69

3.12. Análise dos dados ............................................................................ 70

3.13. Síntese das considerações .............................................................. 72

Capítulo 4 – Desenvolvimento do trabalho prático ........................................... 73

4.1. Processo do trabalho prático .............................................................. 73

4.2. Antecedentes ..................................................................................... 73

4.3. Esboços e experiências ..................................................................... 74

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4.4. Protótipos ........................................................................................... 79

4.5. Materiais, Meios e aprendizagem a integrar ...................................... 80

Capítulo 5 - Execução do trabalho final ........................................................ 81

5.1. Discussão dos resultados .................................................................. 84

5.2. Memória descritiva ............................................................................. 85

Capítulo 6 - Conclusão ..................................................................................... 86

Bibliografia........................................................................................................ 87

Anexo A ........................................................................................................ 91

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Capítulo 1 - Introdução

O presente trabalho foi realizado no âmbito do Curso de Mestrado em Desenho,

da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, com relevância para o

trabalho final de projeto numa perspetiva teórico-prática.

O objeto de estudo deste projeto é o Desenho/ Instalação, que é tributário do

espaço real como suporte do discurso gráfico. Considerando que a noção de

espaço é ambígua houve necessidade de levar a cabo um estudo sistemático e

abrangente para contextualizar toda a temática do projeto.

A primeira parte deste projeto prende-se com a compreensão do espaço como

suporte e como conteúdo no plano operativo, de modo a possibilitar a realização

do trabalho prático final. A escolha deste tema deve-se ao percurso já

desenvolvido nesta área durante a frequência da licenciatura. Foi esta atividade

que permitiu identificar a necessidade de realizar um estudo focado no

aproveitamento das potencialidades do espaço. Esta motivação surge

igualmente das dificuldades por nós reconhecidas numa área pouco explorada,

permitindo, por isso, alargar o campo dos objetivos anteriormente atingidos.

A temática específica do trabalho final, que vem a ser desenvolvida desde a

licenciatura está focada na apropriação de espaços por elementos naturais e na

relação do ser humano com a natureza.

1.1. Projeto Global

Após identificação da oportunidade deste estudo do espaço, foi criada uma

estrutura de trabalho baseada em três fatores: o significado do Desenho/

Instalação numa perspetiva histórica, a obra realizada por um grupo

representativo de artistas e a execução prática do produto final. Foi realizado um

levantamento, sobre a problemática da Arte Instalação, género artístico que se

assume como o mais pertinente para este projeto devido à sua relação próxima

com o tema do trabalho final e à relevância da interação com o observador. O

passo seguinte consiste na análise da obra de um conjunto de artistas que se

destacaram neste domínio da Arte Instalação, através do Desenho. Trata-se de

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um grupo variado de artistas, com metodologias e temáticas muito diferenciadas.

Esta análise visa conferir ao projeto as ferramentas adequadas para o seu

desenvolvimento, na vertente teórica e prática. Após análise dos dados estes

serão tratados de modo a obter informação necessária para o trabalho final e

respetivas conclusões. Foi criada, como referimos, uma estrutura de estudo

baseada na fundamentação teórica na área da arte/Instalação, no estudo dos

artistas e na experiência empírica do trabalho prático. Em síntese, o projeto

explora noções espaciais e a interação do observador com o espaço real.

1.2. Objetivos Os objetivos passam pela compreensão do espaço e das suas propriedades, de

modo a proceder a uma exploração do seu potencial através de um trabalho

prático final. Questões relacionadas com a representação e a abstração, a par

da relação que a obra estabelece com o observador, surgem no desenvolvimento

deste projeto, nomeadamente: como conjugar representação e abstração,

desiderato relevante para o intuito do projeto e para os objetivos do trabalho

prático; compreender o impacto de uma obra com base na forma de se relacionar

com o observador, que o integra como agente participativo.

1.3. Relevância cultural da temática do trabalho final

A temática do projeto final diz respeito à natureza e à sua relação com o ser

humano. Esta opção remete para alguns dos temas mais relevantes da

atualidade: alterações climáticas extinção em massa de espécies entre outras

questões preocupantes relacionadas com a desvalorização do ambiente e as

suas consequências. A arte, com a ideologia que traduz, é o meio ideal para

potenciar uma compreensão diferente da natureza. Este é um fator

particularmente interessante para o Desenho, devido ao desafio que coloca,

obrigando a repensar os meios convencionais do registo sobre papel e a

expandir o campo operativo da linguagem gráfica. Atendendo às possibilidades

plásticas e à liberdade conceptual envolvida no processo, a natureza sistemática

do trabalho final abre uma nova perspetiva de relação com o observador e, deste,

com os seus valores identitários.

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Vários artistas contemporâneos têm vindo igualmente a trabalhar esta temática,

como é o caso de Agnes Denes, uma artista que pretende questionar os valores

humanos face às dificuldades futuras da humanidade.

1.4. Explicação do projeto/Instalação

O presente projeto é acima de tudo uma exploração do espaço e do potencial

existente no seu estudo como suporte para o desenho que o habita, mas também

que o define e forma. É igualmente a concretização de uma abordagem à noção

de paisagem e de natureza que se pretende envolvente e cativante, através dos

seus elementos gráficos e da sua abrangência espacial, tornando a temática

outro elemento chave na sua concretização.

A ideia geradora prende-se desde o início com a criação de um espaço definido

por elementos tridimensionais que recriam formas gráficas, como é o caso da

linha, associada a materiais riscadores. Estes desenhos no espaço vão conferir

ao lugar expositivo uma ambiência autónoma, tornando-a uma vivência quase

paralela ao dia-a-dia, como acontece com a própria relação da natureza com as

cidades atuais.

À luz destas ideias, o Desenho Instalação torna-se o foco de atenção neste

projeto devido às suas características específicas, que se enquadram na

descrição já dada do trabalho, assim como aos seus antecedentes históricos.

Através da pesquisa relativa ao Desenho Instalação e à Arte Instalação, de forma

mais abrangente, foram identificados alguns artistas que de uma forma ou de

outra exploram a simbiose entre espaço, observador e elementos gráficos ou

objetos. A metodologia escolhida para desenvolver essa mesma apreciação com

o rigor desejado é comparativa, assentando assim na identificação de padrões,

paralelismos e diferenças entre os vários artistas estudados, de modo a

escrutinar, dentro do possível, a informação relevante que pode ser levantada a

partir deste exercício e utilizada na elaboração do trabalho.

1.5. Justificação do projeto e das escolhas realizadas

A escolha do espaço como suporte deriva da vontade de criar trabalhos que

possam relacionar-se em proximadade com o observador e que consigam deixar

neste algum impacto, ou seja, que o trabalho não seja apenas objeto visual mas

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um foco de interesse com o qual o público interage e procura entender. Daí a

escolha do Desenho Instalação, derivado de uma tradição de artistas que

pretendem de alguma forma criar impacto na sociedade através da relação das

suas obras com o observador, numa perspetiva reflexiva e haptotrópica. Outra

questão importante prende-se com a liberdade estética do trabalho no espaço,

que vai permitir uma interpretação mais livre, por deslocar a aprsentação formal,

para um novo contexto. A vontade de trabalhar com uma sala no seu todo deriva

igualmente destes fatores.

O material para a execução dos objetos físicos é o ferro, mais específicamente

o aço. Tal deve-se a este ser um dos materiais de eleição do autor, mas também

pela sua proximidade às origens da humanidade e à sua interação com a

natureza, sendo um dos primeiros metais a ser processado, apesar de

inicialmente tal ter acontecido de forma rudimetar (Cavaleiro, 1989).

Outra razão para esta escolha deriva da facilidade como este se degrada em

contacto com o oxigénio, dando-lhe um ciclo de vida semelhante às formas de

vida que procura sugerir.

1.6. Estrutura organizativa do trabalho Conforme os objetivos delineados para o trabalho de projeto, propomos que este

se divida em três fases relevantes, organizadas em capítulos:

O presente estudo inicia-se, portanto, com esta parte introdutória onde se

introduzem as principais caraterísticas do projeto, assim como a pertinência do

estudo desenvolvido. O 2º capítulo incide na fundamentação teórica do projeto,

através da definição do conceito de espaço e da explicação da sua escolha como

suporte, assim como da história da Arte Instalação. Entendeu-se ser necessário

realizar uma abordagem histórica da Arte Instalação de modo a compreender

como o espaço foi abordado ao longo do tempo e como a evolução da arte lhe

conferiu bases para o seu entendimento atual.

Seguidamente, além desta componente histórica, proceder-se-à, no 3º capítulo,

ao estudo de vários artistas dentro do contexto do Desenho Instalação e alguns

no contexto mais geral da Arte Instalação, assim como da Escultura. A análise

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destes artistas será realizada por comparação das suas metodologias de

trabalho, da importância do espaço nas suas obras e, por fim, pela forma como

os elementos são utilizados para trabalhar o espaço.

No 4º capítulo, tomando em consideração o que se conseguiu obter da revisão

da literatura encontrada durante a fase de pesquisa, inicia-se uma análise

metódica dos dados recolhidos através do estudo das obras destes artistas,

cujas conclusões serão utilizadas no processo de experimentação que inclui a

realização de vários protótipos e ensaios. Estas experiências focar-se-ão nos

objetos em si, na sua estrutura e apresentação, assim como na forma como se

relacionam com o espaço. Após uma seleção empírica criteriosa, sempre

apoiada na pesquisa realizada estas experiências serão continuamente

refinadas até que se chegue a um ponto a partir do qual o projeto final começará

a ganhar a sua forma definitiva.

O 5º capítulo consistirá na execução do trabalho final e respetivas

considerações, sendo que o 6º será dedicado às conclusões, retiradas tanto do

processo de estudo como da produção do trabalho final e respetivos resultados.

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Capítulo 2 - Fundamentação teórica

2.1. O espaço no desenho – o espaço como suporte

O recurso ao espaço como suporte deste projeto deve-se a dois motivos: por um

lado, ao campo de possibilidades que hoje associamos a este modo de

exploração artística, já de si flexível e, por outro, à forma como a sua utilização

como suporte modifica a linguagem de uma obra.

Espaço e desenho são dois termos indissociáveis, pois independentemente das

caraterísticas do desenho em diferentes contextos, este funciona sempre como

instrumento criador que depende da exploração do espaço. Por outras palavras,

o desenho funciona tanto como resultado, como origem de conceitos espaciais.

A tradição do desenho teve desde sempre relação com um entendimento visual

da representação, seja intuitivo ou baseado em procedimentos lógicos. No

entanto, novas formas de entendimento criaram abordagens que escapam a esta

norma. O florescimento da conceção de desenho como prática flexível e

abrangente, dotada de soluções alheias às convenções do conceito de espaço

e respetiva construção gráfica, permitiu aos artistas criar mais livremente a partir

de fundamentos concetuais diferentes. (Meireles, 2014).

Esta mudança acontece “à semelhança de um vidro cuja visibilidade se torna

consciente apenas na medida em que a capacidade de se ver através é colocada

em causa(…) o espaço nas artes visuais e concretamente no desenho apenas

recentemente começou a ser visível(…)” (Meireles, 2014). Ainda hoje são

criadas formas diferentes de trabalhar esta expressão gráfica, recorrendo tanto

ao seu uso tradicional como a novos meios. considera-se desta forma que o

espaço é ubíquo na sua prática e exploração gráfica, sendo o Desenho

Instalação, consequentemente, um terreno fértil e de expressão vasta, não

limitado ao “vazio gerado pela não intervenção gráfica” (Meireles, 2014) e que

se presta a uma abordagem mais humana. Pelos motivos referidos,

consideramos o espaço o suporte ideal para a realização do presente projeto,

tanto a nível dos seus objetivos como da sua expressão gráfica.

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2.2. Definição do termo espaço

Face às motivações elaboradas acima será conveniente explicar a natureza do

termo espaço dentro deste contexto, o qual abrange tanto a ausência e a

presença de formas como a articulação entre ambas. Ao utilizar este termo,

referimo-nos, portanto, ao conjunto de ideias que se lhe associam,

nomeadamente a dualidade do espaço absoluto e relacional, conceitos

criadores de orientação dentro de um contexto, assim como ao espaço lugar.

Estas designações formarão no seu conjunto a definição de espaço que nos

interessa na exploração deste projeto.

Passaremos a definir as características destes termos de modo a esclarecer a

utilização do termo. Começando pelos espaços absoluto e relacional, o

primeiro, consiste numa “(…) racionalização idealizada (…)” (Meireles, 2014) da

perceção do observador das propriedades do espaço e diz respeito à

organização das referências espaciais como abstração generalista, por outras

palavras, sem relação com qualquer elemento. Este conceito, que foi sustentado

por Panofsky (Panofsky, 1993, citado por (Meireles, 2014), difere do segundo, o

espaço relacional, devido ao uso do sujeito como referência, identificando

conexões entre os princípios que constituem a realidade. O espaço relacional foi

abordado por Kant relativamente à forma como coloca o sujeito num papel ativo

ao sustentar-se na inter-relação entre a perceção espacial e a sensação. Esta

conceção empírica é baseada na intuição, permitindo uma convivência aberta

entre ambos, sujeito e espaço. Ambos os conceitos são relevantes pois não se

pode considerar um sem o outro, sendo que o espaço relacional permite criar

uma orientação dentro do espaço absoluto através da avaliação de referências

face ao sujeito.

Já a noção de espaço lugar refere-se a uma componente não mensurável nem

passível de o ser “(…) abstratizado da situação particular (…)” (Meireles, 2014),

por pertencer a uma situação específica entre sujeito e envolvente, sem a qual

não faz sentido. Enfatiza igualmente aspetos psicológicos e sociais do ser para

com o vazio e outros sujeitos presentes. Esta noção de um espaço

fenomenológico, baseado na experiência sensorial do homem, ao invés da

compreensão, é fruto de princípios teóricos estabelecidos no século XX por

filósofos como Merleau-Ponty (Desconhecido, 2012 citado por Meireles, 2014)

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Edmund Husserl (Heelan, 1983, citado por Meireles, 2014), Heidegger ou Sartre

(Parry, 2011, citado por Meireles, 2014), alguns dos quais influenciaram vários

movimentos artísticos desta época, incluindo a Arte Instalação. Esta articulação

de extensão e referências ajuda-nos a compreender a forma como o termo

“espaço” define as várias relações entre si e face à matéria, da qual o observador

faz parte.

2.3. Origem da Arte Instalação – Explicação da abordagem e cronologia

Passaremos a explicar o contexto histórico deste género artístico ao oferecer

uma definição generalista dos seus termos e da sua cronologia simplificada, de

modo a dar uma perspetiva geral, mesmo que limitada; definiremos as mudanças

no plano artístico do séc. XX que abriram caminho para o surgimento da Arte

Instalação e outros movimentos semelhantes; em seguida será abordada a

receção crítica das formas de arte focadas no observador; terminando com as

suas características gerais e os artistas que as definiram em diferentes aspetos.

Este tipo de abordagem deve-se primeiramente à sua evolução não linear e ao

seu caráter inter-relacional. A Arte Instalação sofreu influências de vários

géneros artísticos, que tiveram impacto em diferentes momentos, entre os quais

se contam a Arquitetura, o Cinema, a Performance e o Happening, a Escultura,

o Teatro, a Cenografia, a Land Art e a Pintura (Bishop, 2005). Além do contexto

histórico da época, destacam-se as mudanças na noção de espaço já referidas

e, mais especificamente, do espaço de exposição, o qual ao deixar de ser neutro

se tornou objeto na relação da obra com o espectador (Reiss, 1999). Esta

mudança de paradigma do espaço de exposição deve-se igualmente aos

diferentes tipos de experiências proporcionados por estes trabalhos, que variam

entre a imersão completa e a utilização de um mínimo de indícios sugestivos.

Por fim, ressalva-se o foco desta abordagem na história ocidental, devido ao

facto de outros locais terem potencialmente diferentes contextos para a origem

deste tipo de arte (Reiss, 1999).

A principal caraterística da Arte Instalação é a tentativa de imergir o observador

no contexto da obra, uma preocupação que sempre existiu nas obras de arte ao

longo dos séculos, mesmo que noutros moldes. O Oxford Dictionary of Art (1988)

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confirma esta afirmação, definindo a Arte Instalação como um "termo que entrou

em voga durante a década de 1970 para uma assemblage ou ambiente

construído na galeria especificamente para uma exposição particular". (The

Oxford Dictionary of Art, 1988, citado por Reiss, 1999). Este tipo de arte começou

com artistas como El Lissitzky, Kurt Schwitters e Marcel Duchamp, que

desafiaram as expetativas da produção artística na sua época. São igualmente

associados a este tipo de arte, os Ambientes e Happenings do final da década

de 50, assim como o Minimalismo, surgido em 1960, todos de leitura relacionada,

mais ainda sem o foco no observador observado na Instalação. A cronologia

simplificada termina com a cimentação do seu estatuto como forma de arte

preferencial das instituições em 1990 (Bishop, 2005).

2.4. A arte, a convenção e o observador

Na tradição artística, os elementos estéticos que interferissem com a expectativa

de uma leitura direta tornavam-se indesejáveis, salvo raras exceções, pois a

importância da verosimilhança com a realidade, é facilitar a identificação do

observador com a obra (Gasset, 2017). Uma das testemunhas da transição e

quebra que a arte sofreu no séc. XX foi o filósofo Ortega y Gasset, o qual, no seu

ensaio La deshumanización del Arte e Ideas sobre la novela, de 1925 se centra

nas questões trazidas por este período conturbado. Este identifica o problema

da arte tradicional, como a impossibilidade de apreender a cem por cento a

realidade, visto a representação ser sempre diferente da realidade em alguma

medida, noção que faz paralelo com o perspetivismo orteguiano, uma vez que

Ortega considera que a realidade do eu-circunstância e da vida pessoal do

indivíduo é a origem de todas as outras. Por outras palavras, as circunstâncias

que rodeiam um indivíduo vão moldar a sua perceção da realidade, tornando-a

pessoal e fazendo com que existam múltiplas perceções da mesma realidade,

cada uma com um foco diferente, assim como formas diferentes de interpretar o

mundo e as suas circunstâncias, levando a que seja impossível traduzir uma

realidade dita objetiva. “El error inveterado consistía en suponer que la realidad

tenía por sí misma e independientemente del punto de vista que sobre ella se

tomara, una fisionomía propia” (Gasset, 2017).

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Apesar de não se identificar com as novas formas de arte trazidas pelas

vanguardas, achava que elas ofereciam uma solução para as problemáticas que

identificou, uma vez que, ao não se limitarem à cópia do real, acabam por se

alinhar com o que defendia filosoficamente. Por outro lado, Ortega destaca que

a experiência proporcionada pela arte realista é de fácil assimilação, pois os

elementos humanos provocam sentimentos idênticos aos da vida comum, não

havendo margem para dúvidas face aos símbolos representados. Neste

contexto, “o prazer estético não é uma atitude espiritual diversa em essência da

que habitualmente adota no resto de sua vida” (Gasset, 2017) e para o deleite

com ela, é desnecessário um “poder de acomodação ao virtual e transparente

que constitui a sensibilidade artística” (Gasset, 2017).

Em alguns casos, o meio assume-se pela primeira vez, entre outras coisas, como

temática da arte. Ao invés da transparência e do conforto o público é confrontado

com obras opacas que não se assemelham a nada que tenham visto antes1. Esta

anulação do imediatismo na leitura proporciona uma nova forma de prazer

artístico, que existe a um nível intelectual diferente da experiência humana

primária. Dito de outra forma, podemos dizer que num lado temos uma reação

visceral de “Causação”, ou seja o prazer ligado ao conteúdo observável e à

gratificação com os sentimentos provocados e não com o objeto artístico e, do

outro, a de “Motivação”, que consiste numa ligação consciente vinda da

contemplação da pureza objetiva do objeto artístico. Os artistas voltam-se para

a utilização de formas geométricas, ou abstratas, descritas como sendo a fonte

do verdadeiro prazer artístico e como estímulo e forma de fugir às fórmulas

clássicas representativas.

A arte das vanguardas promove uma mudança de paradigma: das circunstâncias

para o eu, pois a visão humana do mundo é questionada e manipulada pelo

artista, permitindo a criação de novas realidades e introduzindo a sensibilidade

pura (Gasset, 2017). Esta mudança é igualmente notória nas novas técnicas,

como a automatização da criação das obras, da qual é exemplo a Action Painting

1 Deixa de existir um significado óbvio, quando não se dá o caso de este nem sequer existir.

Esta quebra visual e conceptual deveu-se a um distanciamento propositado em relação à arte figurativa, exigindo ao observador um maior esforço na compreensão da sua intencionalidade e, consequentemente, do seu valor artístico. Este facto, a par da aparência visual inesperada, confunde e até repudia quem não possua esta capacidade.

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de Jackson Pollock, ou na individualização das metodologias e nas variadas e

complexas relações estabelecidas entre vários artistas a nível estilístico2. No fim

do séc. XX, no entanto, este novo paradigma de cultura visual e sensibilidade

artística impõem-se, superando as noções e procedimentos da arte tradicional,

inclusive nos novos media. (Reiss, 1999)

2.5. Evolução da Arte Instalação

É difícil definir um período específico para o seu aparecimento, pois tal depende

de vários aspetos, incluindo a subjetividade de quem o define, existindo, no

entanto, uma tendência Ocidental para situar o seu surgimento por volta de

1970/80.

Parte importante do seu desenvolvimento, assenta na escrita sobre a

“perspetiva” do final dos anos 60, muita da qual influenciou a passagem da

conceção Renascentista do homem racional e coeso, logo, de uma perspetiva

panótica, para a de um sujeito fragmentado e múltiplo, com uma relação

diferenciada com o mundo. Estas ideias estão presentes nas teorias pós-

estruturalistas, implicando a inexistência de uma única forma correta, ou lugar

privilegiado do qual percecionar o mundo. A Arte Instalação surge em simultâneo

com estas teorias, adotando assim as suas múltiplas perspetivas, que invalidam

a existência de um local privilegiado para experienciar a obra e à subversão do

anterior modelo, tudo isto a par do imediatismo, da ideia de descentralização do

homem preconizada ao longo do século XX através de pensadores como

Foucault ou Derrida e do “(…) espetador ativado (…)” de ligação à ação política.

Estas teorias foram os impulsos teóricos deste género artístico. (Bishop, 2005).

Observa-se também o regresso a autores de proto Instalações, como Kurt

Schwitters e El Lissitzky, pertencendo a primeira e mais elaborada destas a

Schwitters. Esta primeira obra foi iniciada em 1919 na sua casa em Hannover.

Merzbau foi desenvolvida a partir de uma coluna no seu estúdio e posteriormente

transladado para um espaço público, algo que, dada a relação da história da Arte

2 O projeto vanguardista foi, por tudo o que vimos, intrinsecamente dotado de liberdade criativa extrema, algo que acabou por conduzir inevitavelmente a um choque frontal com os valores predominantes da sociedade à época, sendo esta um meio hostil à mudança.

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Instalação como a natureza do Site Specific, não é caso isolado, mas é incomum.

(Reiss, 1999).

Já em El Lissitzky identificamos os precedentes da discussão em torno da

participação do espectador, servindo de exemplo a sala Proun, que o próprio

afirmou basear-se na sua ideia de como um espaço expositivo deve ser

organizado por forma a incentivar o observador a passear por ele. (Reiss, 1999).

Estas Instalações foram reconstruídas noutros espaços, recuperando as

experiências que inspiraram a arte que se verá despontar no séc. XX.

Figura 1- Sprengel Museum’s Merzbau reconstruction. Photograph, 2011.

Figura 2 - El Lissitzky ( 1890–1941). Prounenraum (Proun Room). 1923; reconstrução de 2010

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Os Ambientes que surgiram em 1950 com artistas como Kaprow ou Oldenburg

foram o passo definidor seguinte. Estes caracterizavam-se pela sua

tridimensionalidade e recorriam ao lixo como material, um conceito novo para os

seus contemporâneos, apesar de não ser inédito. Chegaram inclusive a ser

amplamente usados como cenários para Happenings, por estes artistas serem

muitas vezes praticantes de ambos os tipos de arte. Estas exposições eram

geralmente temporárias e dotadas de propriedades imersivas semelhantes às da

Arte Instalação por terem em vista a entrada do público, embora muitas vezes

tal fosse não fosse permitido pelas galerias (Reiss, 1999). Esta interação dos

visitantes traduziu-se numa atmosfera descomprometida, a qual era também em

si nova, devido ao hábito da apreciação estática da arte.

Igualmente relevante para a Instalação, foi o surgimento do Minimalismo no início

da década de 19603. A criação de um ambiente é um dos pontos de contacto

importantes com a Instalação, apesar das diferentes motivações, tendo inclusive

sido criticado por motivos semelhantes. Outro paralelo que pode ser feito entre

o Minimalismo e a Instalação é a questão da manutenção do seu sentido original

quando expostas posteriormente, pois estas obras perdem a sua força

subversiva ao tornarem-se parte da norma da arte moderna, sendo relegadas a

símbolos de um período (Reiss, 1999).

2.6. Receção crítica

A receção crítica deste tipo de arte começou por ser neutra ou negativa, pois

durante anos foi incompreendida, ou mesmo alvo de uma retórica desfasada das

intenções dos artistas. O uso de lixo como material e a atmosfera dentro dos

Ambientes do final de 1950, eram caraterísticas até aí incomuns e, em grande

parte, desconhecidas. Sofreram principalmente com a ênfase enganosa da

participação do observador, tornada questão central destas obras pelos media.

Este entendimento derivou principalmente de Allan Kaprow, acabando por ser

associado erradamente a outros como Claes Oldenburg ou Jim Dine, afirmando

3 Este define-se como escultura que cria espaço ao combinar as formas e o observador, com objetos livres de qualquer simbologia ou narrativa, representando ao invés a forma pura “(…)literal what you see is what you see' aesthetic.”(Bishop, 2005) As abordagens ao género variavam entre situações e artistas, no entanto, Kenneth Baker definiu-o aptamente como sendo a arte que explora a forma como a arte se encaixa no mundo (Kenneth Baker citado por Reiss, 1999).

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este ultimo inclusive, que nunca tencionou tornar outras pessoas parte da sua

arte “For me, frankly, what I did in so-called Environments was just larger works

than painting or sculpture could be at that time. . .I never wanted anyone to be

part of my art (…)I don’t want anyone to participate.” (Jim Dine citado por Reiss,

1999).

Todos esses fatores contribuíram para uma resposta crítica negativa, sendo de

ressalvar, no entanto, que a atenção prestada a estas obras era ainda discreta,

não havendo grande publicitação das exposições e fazendo com que, por

ignorância, poucos críticos procurassem verdadeiramente entender o trabalho4.

A incompreensão originou, em alguns casos, uma atitude vulgar e trocista. Um

exemplo deste tipo de comentários foi feito ao Ambiente realizado por Kaprow

na Judson Gallery por parte da Art News, no qual a desconsideração é notória:

“It’s a place to be alone. It’s like staring at forbidden fruit. Anyway, it’s someplace

about which feelings rush in where thoughts wouldn’t be caught dead.”

(Desconhecido, citado por Reiss, 1999). Theodore Tucker4 escreve sobre a

mesma exposição, mas de forma mais ponderada, reconhecendo as

problemáticas em torno dos Ambientes e entendendo que as suas

características chocam com as abordagens históricas da arte feita até ao

4 A natureza desses comentários reflete a predominância de descrições principalmente objetivas. Nas análises de Ambientes, a abordagem tem de mudar para um ponto de vista subjetivo, algo que demonstra o seu potencial para inspirar a examinação das perceções e reações de cada um.

Figura 3 - Allan Kaprow (no centro, de barba) e participantes da exposição “Yard” (1967), no Museu de Arte de Pasadena. Exemplo do interesse de Kaprow no envolvimento do espectador.

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momento, sendo esta a raiz do problema, pois roçam a desvalorização das

glórias e conquistas eternizadas na história, utilizando materiais perecíveis e

abrindo-se à mudança, parecendo ameaçar os valores estabelecidos. Tucker

procura assim encarar as implicações desta forma de arte, apesar de ser um

caso relativamente isolado. (Reiss, 1999).

A exposição Environments, Situations,

Spaces, na Martha Jackson Gallery, em

1960, uma galeria estabelecida e bem

localizada, suscitou das piores críticas da

época. Esta, contou com a participação

de seis artistas, George Brecht, Jim Dine,

Walter Gaudnek, Allan Kaprow, Claes

Oldenburg e Robert Whitman, que se

juntaram para a criação de Ambientes no

próprio local. Apesar da importância da

exposição esta não conseguiu validar

este tipo de arte, denotando-se a falta de recetividade crítica.

Por altura do aparecimento de Words, em

1962, uma das exposições mais

conhecidas de Kaprow esta noção havia-

se tornando marginalmente mais aceite,

sendo que a participação era vista tanto

como um problema, devido aos aspetos

salientados anteriormente, como um

destaque, devido ao envolvimento

democrático do espectador que contorna

expectativas.

Em 1967, Michael Fried condena a arte que visa o sujeito ativo como sendo

teatral, uma crítica que, apesar de dirigida ao Minimalismo, releva de forma

negativa tanto a participação, como a necessidade de dispensar tempo na sua

Figura 4- Cartaz da exposição "Environments, Situations, Spaces". 42 x 55 cm. Preto e branco. 1961. O cartaz consiste numa fotografia de desenhos e recortes dos artistas participantes.

Figura 5 - Allan Kaprow, “Words” exposta na Smolin Gallery, Nova York, 1962.

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análise e a existência de uma situação particular para a sua leitura. Estes

problemas, a par da dificuldade em conseguir analisar as obras quando estas já

não se encontram em exposição, estão associados à Arte Instalação e serão

criticados ao longo das primeiras décadas do seu desenvolvimento.

Ironicamente, após a publicação do artigo, a teatralidade prosperou na arte

(Reiss, 1999). Outra parte relevante para a Instalação, dentro da resposta ao

Minimalismo, foi a discussão em torno da fenomenologia, iniciada por volta de

1968. Os termos da fenomenologia aplicada ao Minimalismo foram discutidos

por críticos como Rosalind Krauss ou Robert Morris, que recorreram a vários

filósofos diferentes, incluindo Ludwig Wittgenstein, Charles Pierce e Maurice

Merleau-Ponty (Reiss, 1999).

Em meados dos anos 70, notava-se uma vontade de democratizar a cultura, até

então direcionada às elites, sendo exemplo desta mudança a exposição Spaces,

a primeira exibição de Arte Instalação no Museu de Arte Moderna (MOMA) em

Nova Iorque, local visto como bastião desse elitismo. Observa-se um ressurgir

da Instalação em meados da década de 1980, sendo a Arte Instalação uma das

formas de arte predominantes no final desta. Desta forma, a Arte Instalação

passou de estar na margem do mundo artístico, para se tornar um género

amplamente aceite e solicitado por museus de renome (Reiss, 1999).

O foco da crítica deixou então de ser a legitimidade ou qualidade deste tipo de

arte, para se centrar em aspetos relacionados com os eventos da época e

qualquer mensagem política associada, pois no início dos anos 90, muita da arte,

a Instalação incluída, manifestava abertamente preocupações políticas e sociais.

A exposição Dislocations foi um exemplo desta conjuntura, pois apesar de haver

a preocupação com a participação e a abordagem das especificidades do local

como qualidades definidoras, grande parte da reação crítica deveu-se ao facto

de o Museu de Arte Moderna exibir arte política (Reiss, 1999).

2.7. Motivação

Vários fatores influenciaram os artistas no final do século XX, sendo a sua arte

uma manifestação, mesmo que nem sempre óbvia, da época que viveram. Essa

influência sentiu-se na vontade de proclamar: “a pintura está morta”, símbolo do

desdém pela tradição enquanto símbolo da conformidade com um sistema. A

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Coligação dos Trabalhadores da Arte foi um dos grupos que surgiu por altura

das décadas de 60/70, defendendo que o mercado artístico estava

completamente desligado da realidade do mundo ao esquecer problemas como

a fome e a guerra e servir apenas o interesse dos mais ricos em estatuto e

dinheiro. Para estes grupos, a solução seria uma arte acessível às massas e que

não alimentasse estes interesses. As novas formas de arte como os Ambientes

e os Happenings apresentaram-se como algumas das formas de arte que

permitia essa liberdade, atraindo os artistas devido à sua natureza transitória,

por ser impossível de transformar num bem transacionável e pela forma como

suscitava a participação do público. Esta última vertente era igualmente

relevante para a época e para a recusa da arte tradicional, pois a passividade

ganhara uma conotação negativa, sendo vista inclusive como ameaça à

democracia.

Podemos afirmar, portanto, que os artistas procuravam a Instalação em parte

devido a uma motivação anárquica de desafio ao sistema de mercado artístico e

às instituições ou personalidades ligadas ao poder (Bishop, 2005). A Arte

Instalação destacou-se igualmente pela sua capacidade de alterar a atmosfera

de um museu, usualmente rígida e intransigente. “Museums, (…) are able to

educate non-collectors as to what their personal attitude should be vis–à-vis the

private property of the rich. Namely, DO NOT TOUCH. Also, don’t smoke and

keep moving” (David Lee, citado por Reiss, 1999). Os grandes museus foram

particularmente atacados pelos artistas, que procuraram desafiar a sua

autoridade no final da década de 60, ao criar formas de arte efémeras que

questionavam o meio artístico, tornando-se estas obras um ato de protesto em

si.

A animosidade para com os museus deveu-se também ao envolvimento dos

seus patronos com a guerra, sendo que esta foi apenas uma das questões

sociais a ser contestada na época. Eventos como o assassinato do reverendo

Martin Luther King Jr. dividiram a sociedade dos Estados Unidos da América,

acabando por unir, contudo, grupos como a comunidade artística. Nesta época,

a participação ativa nas obras podia já ser considerada ativismo, apesar de,

ironicamente, estes ideais praticamente não se traduzirem visualmente. Os

artistas procuraram alternativas concetuais à iconografia narrativa e propaganda

da arte do passado, sendo que esta falta de transposição se deveu a vários

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motivos, entre os quais a ingenuidade política e a preocupações com a carreira

(Bishop, 2005).

2.8. Exemplos de modos de trabalhar a Instalação

Após a definição da Arte Instalação nos seus termos mais gerais e respetiva

envolvente histórica, iremos ilustrar alguns tipos diferentes de obras e as suas

respetivas metodologias, de modo a poder dar uma ideia mais abrangente e

compreensiva das nuances deste género. Cada artista é igualmente exemplo de

um conjunto de referências específicas que marcaram alguma da produção

artística dentro do contexto da Instalação.

Ilya Kabakov trabalha com a metáfora através de ambientes psicologicamente

absorventes e muito semelhantes a um sonho. Esta forma de pensar a Instalação

tem ligações tanto com a Exposição Surrealista Internacional de 1938, foi

inspirada pelas teorias freudianas do sujeito como ser constituído no seu

psicológico, como influência da obra Merzbau, de Kurt Schwitters. A Instalação

de 1980 de Kabakov, intitulada The Man Who Flew into Space From his

Apartment, é um cenário complexo que contém a narrativa de um homem que

foi catapultado para o espaço, contada por indícios visuais que precisam de ser

desvendados pelo observador. O espaço da obra é definido por um corredor,

transponível pelo público, onde se observam alguns objetos, como casacos e

uma prateleira com vários documentos emoldurados que relatam da perspetiva

dos companheiros de casa o incidente de um homem que voou para o espaço a

partir do seu apartamento. É também percetível uma porta tapada por placas de

madeira, mas que deixa entrever um quartinho desarrumado, cheio de posters,

diagramas e detritos, uma catapulta caseira com assento e um buraco no teto.

Num dos cantos é igualmente visível uma maquete do bairro onde se localiza a

casa, com um fio de prata fino a sair de um dos telhados. Estas obras são

apelidadas pelo artista de 'Instalação total', pois consistem em cenas imersivas

nas quais o espectador é o ator principal, sendo toda a Instalação organizada

com a sua perceção e reação em mente. Esta forma de Instalação oferece uma

imersão completa ao abranger não só os sentidos como a psique humana.

Kabakov descreve o seu efeito como sendo semelhante a estar absorto na leitura

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ou aos sonhos. A Instalação total foca-se na utilização de materiais reais ao invés

da representação, devido ao valor associativo demonstrado nas décadas de 60

e 70, com vários objetivos, entre os quais a conotação do cotidiano (ideia

presente no trabalho de Kaprow). Estes objetos continuaram a ser usados ao

longo dos anos 90, devido ao seu imediatismo e potencial de subversão dos

significados culturais da época, sendo ainda hoje a forma predominante de

Instalação (Bishop, 2005).

Já no caso de Carsten Holler há uma vontade de questionar o comportamento

humano através de obras que põem em causa a perceção ou a lógica, de modo

a estimular a autoexploração destas mesmas questões. Estas focam-se no

“(…)modelo fenomenológico do sujeito visual(…)” (Bishop, 2005) como descrito

pelo filósofo Maurice Merleau-Ponty, cujo livro The Phenomenology of

Perception, de I962, teve um papel central na teorização da escultura Minimalista

e no entendimento das obras através de uma experiência corporal intensificada.

A obra de Carsten Holler na qual nos focaremos é Lichtwand (Light Wall I), de

2000, que consiste numa parede preenchida por milhares de lâmpadas que

piscam constantemente com uma frequência de 7,8 hz, capazes de induzir

alucinações visuais devido à sua semelhança com a atividade cerebral humana.

Esta barragem intensa tem um impacto severo na retina sendo quase intolerável,

Figura 6- Ilya Kabakov (n. 1933). The Man Who Flew into space, 1981–88. Instalação composta por posteres e colagem; Mixed Media. 96 x 95 x 147

cm. Exposto no Centre Georges Pompidou, Museu de Arte Moderna, Paris

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ou mesmo completamente impossível para algumas pessoas. O objetivo é que

a luz e o calor opressivos, em conjunto com o som pulsante produzido

desorientem as pessoas, completando o trabalho através da criação de algo a

partir da relação com o observador. Estes trabalhos não têm significado atribuído

à partida, focando-se completamente na participação direta de um sujeito, sem

a qual se mantém incompletos (Bishop, 2005).

Com James Turrell temos um tipo de Instalação focada nas suposições de

Freud relativamente à libido e à desintegração subjetiva, especificamente na sua

teoria da pulsão de morte apresentada em Beyond the Pleasure Principle em

I920, assim como as suas revisitações por parte de Jacques Lacan e Roland

Barthes. Estas Instalações proporcionam ao observador uma experiência de

obliteração da consciência corporal, sendo desta forma o completo oposto do

Minimalismo e da Arte Instalação pós-Minimalista ao desorientar o público que

procura algo físico como uma parede que o possa guiar no espaço. Tal acontece

também nas Instalações com vídeo. Esta metodologia questiona assim a noção

de autoconsciência, ao despertá-la inversamente através da perda da noção de

limites físicos. As obras de Turrell, criadas a partir do final da década de 1960,

consistem em corredores escuros que vão dar a salas maiores, ainda mais

escuras e preenchidas com cores saturadas que vão mutando à medida que os

olhos se ajustam à luminosidade, um processo que pode demorar quase

quarenta minutos. O observador dissolvido no espaço fica isolado, incapaz de

Figura 7- Carsten Höller, Light Wall, 2000. Parede preenchida por lâmpadas.

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distinguir limites ou mesmo diferenciar o que vê com as imagens que se formam

nos seus olhos. Esta dinâmica está presente em várias das suas obras, sendo

outro exemplo Present Tense de 1991, parte da série Space-Division Pieces.

Nesta, vemos mais uma vez a sala relativamente escura, contendo apenas uma

forma retangular brilhante na parede oposta à entrada. A cor deste retângulo,

parecendo opaca à primeira vista, é completamente formada por névoa colorida.

Ao tocar neste retângulo, a materialidade do corpo é imersa em luz de tal forma

espessa que se torna quase tangível, sendo através do engano dos sentidos que

esta sala efetivamente suspende e isola o sujeito no tempo e no espaço,

concretizando assim o seu objetivo: tornar impossíveis a autoconsciência e a

perceção fenomenológica. (Bishop, 2005).

Por fim, com Hélio Oiticica temos um tipo de arte de Instalação focado nas

implicações políticas da ação do sujeito ativo, convertendo o espaço num local

de interação e relaxamento coletivos. No contexto deste artista, a ênfase na

participação do espectador relaciona-se com a ditadura vivida no Brasil, sendo

o apelo à coletividade e à interação com o meio um dever ético, na sua

perspetiva, com o objetivo de criar um modo de resistência que pudesse levar à

emancipação da sociedade. As obras opunham-se igualmente ao consumismo

Figura 8- James Turrell, Present Tense, 1991

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e à sobreposição de culturas pela cultura norte-americana. No trabalho de

Oiticica e devido às suas experiências, a sua obra a partir de 1965 traduziu-se

numa “Instalação total”, à semelhança de Kabakov, mas com um foco na

comunidade que torna o corpo parte de um todo. Podemos relacionar a presença

destas questões na Arte Instalação com a crítica do pós-estruturalismo de

Ernesto Laclau e Chantal Mouffe à democracia. Uma das suas obras, Éden, de

1969 era constituída por um espaço vedado com uma cerca contendo diversas

áreas cobertas em parcelas por carpete, areia, feno e folhas secas, a serem

exploradas sem sapatos. Continha igualmente grupos de obras ou “ordens”

como Oiticica lhes chamava. Nesta obra temos Bólides (caixas manipuláveis),

Penetrables, Parangoles uma tenda escura e Nests, chalés de cerca de dois por

um metro divididos por véus, nos quais o público podia entrar e onde poderia

relaxar. Oiticica identificava estes locais como sendo de convívio, prazer e

imaginação. Os espaços de Eden procuram remeter-nos para a criatividade e a

desmistificação que conduzem à transformação de uma sociedade alienada, a

partir dos próprios indivíduos. “It is not the object which is important but the way

it is lived by the spectator,” (Oiticica, citado por Bishop, 2005). Parte desta

conceção artística deve-se igualmente às ideias de Herbert Marcuse, teórico

político alemão que defendia que a sexualidade e o lazer são formas de manter

a população passiva no contexto do capitalismo, ideias presentes nos seus livros

Eros and Civilization, de 1955 e One-Dimensional Man, de 1964. O desafio do

status quo, a política, os dogmas e os estereótipos culturais são temas que

Figura 9 - Hélio Oiticica, Éden, 1969.

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continuam a destacar-se na Arte Instalação, através do recurso à efemeridade

da presença e da instrumentalização pessoal (Bishop, 2005).

2.9. Atualidade e considerações finais

A Arte Instalação torna-se um género artístico estabelecido internacionalmente

por volta de 1993. Atualmente, estas obras são exibidas frequentemente por

museus, sendo que Instalações individuais são inclusive recriadas em mais que

um local, ou mesmo encomendadas pelas instituições. Esta mudança de

paradigma deveu-se a acomodações por parte de artistas e instituições, sendo

os obstáculos que dificultaram inicialmente a sua integração gradualmente

superados. Apesar desta assimilação pelo sistema artístico, a Arte Instalação

continua a ter um potencial único para a participação e interação com o

observador (Reiss, 1999).

Capítulo 3 – Análise dos artistas e respetivas obras

3.1. Definição do projeto teórico

Finda esta contextualização, iremos de seguida analisar diferentes artistas da

área do Desenho Instalação, Instalação em geral e da Escultura. Dada a forma

como estas obras estabelecem relação com o seu público, a sua discussão

passará numa primeira fase pela contextualização e motivações que alimentam

a conceção das obras, pela sua metodologia pessoal de trabalho e, por fim, pelos

materiais escolhidos e simbologia associada.

Após a recolha da informação, deu-se a organização desta no quadro

comparativo da tabela 1. Para poder atingir o objetivo de desenvolver novas

estratégias para a utilização e exploração do espaço através do desenho no

contexto do trabalho pessoal do autor, a metodologia a aplicar é refletiva,

baseando-se na comparação de dados. As observações relativas às

metodologias e aspetos associados às obras analisadas contribuirão para uma

leitura mais direta do processo artístico.

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3.2. Russell Crotty

Contextualização

Russell Crotty é um artista focado, predominantemente, no desenho, procurando

explorar e expandir o conceito de "(…) trabalhos em papel (…)” (Gruenther,

2019) com as suas obras encontrando-se entre estas tanto o desenho dito

tradicional e trabalhos de colagem, como trabalhos em materiais menos

convencionais como bio-resina. Neste projeto iremos focar-nos nos seus

desenhos astronómicos, pelo seu interesse relativamente à utilização tanto do

espaço do suporte e das suas particularidades, como do espaço da Instalação e

da sua dialética entre o intimista e o sublime. A temática destas obras nasce do

amor de Crotty pelo cosmos, englobando todo o espaço sideral que este

consegue vislumbrar através do seu telescópio. Apesar de amador, Crotty

dedicou-se ao estudo sério das estrelas, tendo inclusive feito contribuições

significativas para organizações como a NASA e ALPO (Associação de

Observadores Lunares e Planetários). Todo o trabalho resultante é sustentado

pela astrofísica contemporânea e reinterpretado em parte à luz da ciência

exploratória do século XIX (Gruenther, 2019).

“(…) Looking at a supernova remnant in Cygnus in the summer--it's like a very

faint veil of gas. I can't put it in words, but I can attempt to draw it. It's almost a

feeling. (…)” (Miles, 2001).

Metodologia pessoal

Recorrendo a metodologia científica, que neste caso tem em si um aspeto

performativo, Crotty recolhe dados através de pesquisa e observação, que

posteriormente trabalha de acordo com o seu entendimento dos mesmos e da

aprendizagem, um tipo de redução de dados já muito mais empírica. Apesar de

todos os seus trabalhos partilharem esta temática, apenas alguns são fruto da

sua observação direta, sendo que outros nascem da sensação que Crotty obteve

na altura deste vislumbrar (Sheets, 2004).

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O acréscimo de observações pessoais e comentários integrado nos próprios

desenhos está presente em algumas destas obras, acrescentando uma nova

dimensão às paisagens cósmicas representadas. Estes textos de cariz

introspetivo, intimista e até mesmo cómico, são apelidados pelo próprio autor de

“má poesia” (Devine, 2003). Com este cunho pessoal, é potenciada uma

aproximação a esta temática através do olhar atento do artista.

Outro elemento pertinente do seu trabalho é a escala dos elementos das suas

Instalações, pois as dimensões dos colossos que representa prestam-se a um

jogo representativo que, tanto pode ser fiel ao original, como pode ser uma

simples representação do pequeno buraco pelo qual são observados, brincando

dessa forma com as expectativas do observador (Sheets, 2004).

Materiais e simbologia

Galáxias, cometas e outros fenómenos celestes são registados a esferográfica

negra, através de traços verticais curtos e leves manchas de aguarela, tornando

estes registos mais subtis e efervescentes (Wilson, 2002).

A forma esférica do suporte das suas Instalações, realizado em acrílico e tiras

de papel japonês, sugere “planetários invertidos”, que tornam a cúpula do céu

um objeto contido em si mesmo (Sheets, 2004). Esta assemelha-se igualmente

à forma redonda do óculo do telescópio, presente em gravuras de cartografia do

séc.XIX. A semelhança a estes desenhos é propositada, devido ao fascínio do

autor para com estas, algo que se traduz num certo romantismo (Sheets, 2004).

Os seus globos provocam no espectador uma alteração de paradigma na

interpretação do espaço sideral que nos força a confrontar a realidade de que a

cúpula do céu é na verdade um espaço tridimensional que nos abrange e do qual

derivamos, pondo em causa a conveniência de tentar colocar o infinito numa

limitada convenção pictórica (Wilson, 2002). O interesse destas obras ultrapassa

desta forma o simples registo desenhado, não obstante a sua qualidade, pois o

artista proporciona-nos com os seus trabalhos um meio mais humano para a

contemplação destes fenómenos. A forma como Crotty comunica a intimidade

das suas observações e imaginário pessoal ao observador, providencia-lhe

novas perspetivas, sendo que por maiores que sejam os seus desenhos estes

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nunca perdem o seu carácter intimista face à natureza avassaladora do espaço

(Miles, 2001).

De forma mais discreta, mas usualmente presente nas margens dos seus

desenhos estão silhuetas de prédios e árvores. Estes demonstram uma ligação

com a natureza e com a realidade urbana, criando um contraste entre o etéreo

em que o artista se perde e a imediatez destes elementos. (Wilson, 2002). Algo

que poderia potencialmente alienar grande parte das pessoas, pois a

observação destes objetos é, de certa forma, perscrutar o tempo (devido ao

tempo que a sua luz demora a chegar à terra), torna-se através da paixão do

artista numa experiência fascinante para o observador, que acede ao infinito.

(Wilson, 2002).

3.3. Pedro Saraiva

Contextualização

O projeto de Pedro Saraiva consiste numa exploração estética de carácter

experimental do potencial do desenho como expressão do ser através da criação

de heterónimos artísticos detentores de uma identidade criativa diferenciada.

(Sardo, 2014).

Figura 10- Globos astronómicos na Galeria de Arte de Vancouver,

Colombia Britânica em 2003.

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Esta ideia surgiu em 2008, tendo sido explorado ao longo de um período de dez

anos (Ribeiro, 2014) através de gabinetes, que funcionam como registo póstumo

das vidas dos seus respetivos donos (neste caso personagens fictícias),

preenchidos por uma coleção de vestígios seus (Gamito, 2018). Pertencem

respetivamente: a João Gregório (1884-1964); ao arquiteto Manuel dos Prazeres

Dias Linares (1898-1968); a Francisco José Martins, conhecido por ‘Panero’,

(1895-1955); a António Rodrigues Carrera (1900-1948); ao desenhador botânico

António Maria Codina (1896-1954); a Cristina Rosa Agostinho, dita a ‘Linfa’,

(1912-1973); a Maiga Musad (1952-2017); ao médico Manuel Celestino Alves,

também chamado Dr. Cambedo, (1912-1990); e ao vigilante de museu Alberto

Maria de Oliveira Bárcea (1908-1978) e ao próprio artista Pedro Saraiva (1952-

) (Desconhecido, 2018).

Apesar de todos terem em comum a existência dos gabinetes, alguns

diferênciam-se pelas suas características singulares, como é o caso de Alberto

Bárcea, pelo facto dos objectos contidos no seu gabinete nunca terem sofrido a

sua interferência, nem tampouco lhe pertencerem, sendo a sua única ligação

pessoal com estes o seu interesse passageiro pelo desenho, ainda que tenha

tido aulas de Desenho no Círculo Artístico e Cultural “Mário Augusto” ( (Ribeiro,

2014). Todos estes homens têm, no entanto, em comum a sua paixão particular

pelo desenho.

O artista procura igualmente questionar o carácter do desenho enquanto prática

e metodologia, assim como a experiência de vida e a relação pessoal destas

personagens com o desenho. Molda, assim, as suas abordagens, propondo, no

processo, um mapa eclético para estas práticas (Sardo, 2014).

Metodologia pessoal

O conjunto das suas obras foi produzido através de uma metodologia de

interligação entre as partes, ou seja, de uma trama relacional entre os vários

fragmentos, com a qual se constrói uma ideia destas ligações, sem no entanto

proporcionar uma perspectiva clara deste conjunto (Sardo, 2014). As suas

Instalações têm como base a apropriação (Lambert, 2008), envolvendo grande

consideração na caracterização dos seus donos através de excertos de texto,

cartas, coleções de objetos e pertences pessoais. Em suma, a vida e o passado

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destes protagonistas vão materializar-se em desenhos baseados nestas

histórias de vida ficcionais, cada qual com a sua autenticidade própria (Sardo,

2014).

É de referir desde já a parecença entre os gabinetes do artista e os «Gabinetes

de Curiosidades» do séc. XVIII, repletos de artefatos e registos de culturas e

locais distantes, que também diziam muito dos interesses dos seus donos

(Ribeiro, 2014) e consequentemente do que os movia como artistas. Esta é aliás

outra das temáticas exploradas pelo artista (Santo, 2014).

Nos desenhos presentes nas diferentes Instalações é notória a paisagem como

tema universal, tornando-a meio de experimentação (os seus antecedentes

históricos como género conferem-lhe já particular interesse para este projecto)

até porque as possibilidades de intrepretação desta derivam de factores

culturais, formas de observar as formas e a sua composição que vão sempre

invariávelmente criar hierarquias inerentes ao interprete (Sardo, 2014).

Neste caso a interpretação, puramente pessoal, de cada um, da natureza e dos

seus elementos, manifesta-se em registos sem um horizonte ou local definidos.

Estas representações quase cenográficas expressam em si, uma relação com o

objeto representado. Com efeito, também no planeamento dos elementos e da

sua representação podemos encontrar duas escalas de representação que

permitem tanto o distanciamento como a aproximação detalhada aos objetos

representados (Ribeiro, 2014). Apesar desta atenção ao detalhe, o foco do artista

mantém-se na criação de um vocabulário gráfico processual bem como nos

componentes que identificam um estilo e não na recriação de procedimentos.

Materiais e simbologia

O desenvolvimento das variadas soluções formais e estéticas, que servem os

objetivos do artista descritos, surgem, acima de tudo, da sua capacidade de

tratar estas questões sob um “(…)olhar poético(…)” (Santo, 2014), fruto do seu

entendimento do ambiente como fonte do sentido gerado pela arte (Santo, 2014).

Saraiva atribuí ás suas Instalações uma função que se assemelha à da caixa

negra de um avião, tanto pela forma como agrega os fragmentos de um todo,

como pelo desvelar das memórias tornadas palavra e imagem, que

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invariavelmente vão incitar a imaginação do observador a especular uma ficção

em torno do quotidiano destes homens (Gamito, 2018).

A prática do desenho é, assim, tornada metáfora, pois estas diferentes formas

de fazer arte passam por processos que se cruzam e divergem em diversos

planos, indiciando-nos um desenvolvimento natural (Sardo, 2014). Podemos

afirmar, portanto, que o artista usa o desenho como metalinguagem para

comunicar ao observador quem foi o seu autor, dando-lhes assim vida (Lambert,

2008).

Outra componente conceptual importante do trabalho de Pedro Saraiva é a forma

como estas Instalações tornam indefinidos os limites entre o público e o privado,

destacando-os ao mesmo tempo. Perscrutar estes gabinetes torna-se algo

quase intrusivo, devido ao carácter do espaço e do próprio conceito de gabinete”

(Ribeiro, 2014). Estes espaços que remetem-nos igualmente tanto para o

exterior como para o interior através da utilização do desenho, pois sendo

espaços isolados e fechados ao mundo, abrem-se através do desenho elemento

que serve quase como janela para a liberdade do que os circunda” (Ribeiro,

2014).

Ao recorrer à falsificação na criação destas obras, Saraiva incita o observador a

enveredar numa exploração pessoal destas personagens incógnitas através da

sua expressão singular (Santo, 2014) tateando a semelhança quase

indistinguível entre a verdade e a realidade insinuada (Ribeiro, 2014), o artista

trabalha a dualidade, aspecto fundamental da arte e cerne destes exercícios.

(Santo, 2014).

Figura 11- Pedro Saraiva, > gabinetes, 2018. Exposição que reune dez anos de trabalho.

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3.4. Sandra Cinto

Contextualização

Sandra Cinto concebe paisagens fantásticas que, mantendo o diálogo com a

arquitetura onde expõe, retêm uma componente intimista. Estas servem tanto

de metáfora do percurso físico e psicológico do ser humano, como de forma de

explorar os limites e possibilidades do desenho, fundindo a força visual com a

sua estética lírica (Escritorio de arte, s.d.). O desenho é apenas o ponto de

partida para as suas explorações, tratando esta, com a sua arte, temas como o

sublime, o que confere à sua obra um carácter romântico. O seu interesse, tal

como acontece com as pinturas de Caspar David Friedrich, reside no observador

que, mesmo não sendo representado na obra, se envolve nesta e se deslumbra.

Este aspeto ganha especial importância nas suas Instalações (Casa Triângulo,

2016); A desaceleração do tempo e os seus efeitos na experiência do espectador

igualmente retido em contemplação são importantes na sua obra, tanto pela

pausa criada devido à sua representação de paisagens avassaladoras, como

pela forma como as suas obras expressam “atemporalidade”. Através da mistura

de elementos que sugerem o quotidiano, Cinto cria a convergência entre a pausa

temporal e a inevitável temporalidade da vida. A par destas características, existe

uma prevalência da coexistência de tempos diferentes, fazendo com que o céu

estrelado seja iluminado pelo sol enquanto obras diurnas têm uma luz lunar; o

infinito é um conceito igualmente omnipresente em muitas das suas obras pois

reconhecemo-las como parte de algo maior, devido à sua escala e à naturalidade

dos fenómenos que representam. As representações destes fenómenos

usualmente compostas por figurações, abstrações, formas orgânicas ou

geométricas (Casa Triângulo, 2016); por fim, observa-se a quebra da lógica do

real através da poetização dos tópicos tratados, criando narrativas que existem

entre a fantasia e a realidade, coexistindo serenamente numa harmonia

contraditória.

Ao captar a sobreposição do dia e da noite, a obra de Cinto aproxima-se, de

René Magritte (Casa Triângulo, 2013). O seu trabalho tem igualmente afinidades

com o de artistas como Alberto da Veiga Guignard, brasileiro conhecido por

retratar elementos naturais como as montanhas de Minas Gerais em paisagens

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elaboradas e Roberto Matta, chileno que concebia paisagens marítimas

compostas por linhas e formas abstratas com elementos surrealistas (Casa

Triângulo, 2016)

Metodologia pessoal

Sandra Cinto desenvolveu um vocabulário variado de símbolos e grafismos que

vão desde escadas, pontes, abismos, candelabros, velas acesas e árvores

despidas de folhas ou frutos, a linhas repetitivas em emaranhados complexos.

Estes elementos criam relações entre si, formando paisagens líricas (Escritorio

de arte, s.d.) em suportes improváveis, promovendo a diálogo com o observador.

Estas narrativas são frequentemente concebidas com base no contexto do

edifício onde serão expostas (Escritorio de arte, s.d.).

As suas obras mais chamativas visualmente, são as suas Instalações que

envolvem o desenho de linhas delicadas sobre um fundo amplo de grandes

dimensões, nas quais o corpo humano deixa de ser a escala de medida (Israel,

2000). Estes são, usualmente, de cor azul, como é o caso das suas obras

marinhas, ou dos seus desenhos estelares. (Casa Triângulo, 2016). Estes

trabalhos envolvem uma grande componente de gestualidade repetitiva devida

à imersão física da artista no seu processo, sendo realizados através de várias

horas de trabalho metódico. Encounter of waters, de 2012 é um exemplo desta

dialética, um mar revolto, mas “puro”, ao ponto de parecer apenas pertencer à

realidade poética. Este existe imperturbável, havendo apenas um pequeno barco

de papel que testemunha de fora, a imensidão e a força do mar (Casa Triângulo,

2016).

Figura 12- Sandra Cinto, "Encounter of Waters", 2012, Caneta permanente em parede, Cortes de vinil em barco de madeira. exibido no Museu de Arte de Seattle

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Materiais e simbologia

Os materiais e géneros artísticos a que Sandra Cinto recorre são variados,

incluindo Desenho, Escultura, Fotografia e Gravura (Escritorio de arte, s.d.). A

Fotografia, utilizada regularmente através da apropriação, é sempre usada em

associação a outros objetos como Esculturas de madeira em forma de livros, ou

estrados de camas. Uma característica interessante do seu trabalho, é a forma

como Cinto se embrenha completamente no processo de Desenho,

principalmente nas suas obras de grandes dimensões. Esta entra num estado

semelhante ao do observador, desenhando como se transcrevesse algo que já

existia em si, numa repetição de grafismos e gestos quase de meditativa. O

resultado deste processo poderia inclusive ser comparado a um jardim zen, pela

forma como parece querer envolver o observador no exercício contemplativo. As

suas obras de grandes dimensões funcionam como um fragmento de algo maior,

parecendo sugerir o infinito avassalador. Esta sugestão confere a estes

trabalhos a dimensão sublime já referida, exacerbada através da vitalidade do

movimento nelas representado (Casa Triângulo, 2016).

Posto isto, podemos afirmar que a beleza visual é apenas uma componente

superficial da sua obra (Casa Triângulo, 2016), pois o seu cerne passa

verdadeiramente pela consciência pessoal e dimensão poética das mesmas.

Esta dimensão é desenvolvida através da sua linguagem gráfica, que, ao

explorar uma diversidade de media, lhe confere uma expressão própria. As

fotografias têm particular interesse como meio, pois é nestas que a artista

expressa mais facilmente o real e o imaginário, registos de história e descrições

de utopia onde o tempo em suspensão passa a conviver com a temporalidade

da vida (Chaia, 2008). “(…) A artista constrói espaços para o mergulho e neles

tece amarrações de linhas, traços e imagens que expressam a imensidão do

mundo” (Chaia, 2008).

Em suma, Sandra Cinto trata de questões relacionadas com a fronteira entre a

representação e a realidade tangível, aproximando o todo inapreensível ao

ordinário e, por fim, a busca de diversas formas de transmitir as suas metáforas.

Os seus trabalhos baseiam-se, assim, numa série de ambiguidades e tensões

contrastantes, que lhes conferem uma beleza que vai além da superficial,

oferecendo energia ao mesmo tempo que transmitem quietude (Chaia, 2008).

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3.5. Norbert Kricke

Contextualização

Um artista que é mais bem apreciado à luz do seu contexto, Kricke pertenceu à

geração do pós-segunda guerra mundial envolvido em movimentos que

procuravam mudança na sociedade, vendo na arte uma forma de mudar o registo

negativo e os traumas com os quais as pessoas se tinham habituado a conviver.

Igualmente relevante para esta mudança de perspetiva artística foram os

avanços significativos nas ciências naturais, a par de técnicas de construção

inovadoras e novos materiais.

A sua arte evoluiu de figurativa para abstrata no final dos anos 40, altura em que

Kricke começou a alterar as suas figuras, esticando os braços e pernas do tronco

das mesmas ao limite possível, procurando o espaço. Acabou por fixar o seu

interesse nas estruturas de arame que sustentavam o barro, eliminando

completamente a figuração no processo e alterando daí em diante o seu trabalho

(The Queens Museum of Art, 1991). Outra possível inspiração para esta

mudança são os modelos do séc. XIX e XX em fio e gesso que ilustravam

equações matemáticas (e-flux, 2019).

Kricke enquadra-se assim no contexto do seu tempo: de uma arte

completamente nova expansiva e desligada de temáticas contemporâneas e

históricas, assim como de quaisquer outras características específicas da arte e

do seu passado. Estes ideais foram trabalhados por grupos como ZERO e os

artistas da Arte Informal (com os quais Kricke teve grande ligação), que

consolidaram a passagem da arte para um contexto mais focado no espaço e na

abstração. Esta questão torna-se relevante à luz do entendimento de que, antes

desta mudança de paradigma, qualquer obra tridimensional carregava consigo

expectativas de massa, volume e gravidade, derivadas da escultura corporal

(como é o caso das esculturas de Rodin) (e-flux, 2019)

Metodologia pessoal

Kricke quis que o seu trabalho fosse uma representação física da liberdade,

criando obras que tanto se movem no espaço como o representam, constroem,

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redefinem e existem como parte deste. Abordou estas duas temáticas através

da ótica da abstração extrema, tendo sido um pioneiro do Minimalismo (Artsy,

2016). “My problema is not mass, nor figure, but the space, and it is the

movement – Space time. I do not want to represent real space nor real movement

(mobiles); I want to represent movement. I try to give the unity of space and time

a form.” (Kricke, 1959, citado por Desconhecido, Interrelations and Migration,

1991).

As formas destas obras permitiam ao observador contemplar os princípios de

espaço e tempo através da liberdade da sua própria perceção, partindo da forma

como são observadas, pois sugerem movimento dinâmico na vertical e uma

superfície na horizontal. É este entendimento que vai conferir aos trabalhos de

Kricke a sua dimensão física, proporcionando ao espectador uma experiência

verdadeiramente tridimensional do movimento que representa. O seu trabalho

continuou, a evoluir, começando com as suas esculturas do início dos anos 50,

peças delicadas e cuidadosamente estruturadas em arame e pedra; mais tarde

com construções dinâmicas como as da figura 13, que se expandem em

diagonais a partir de um ponto de contato com o solo. As suas esculturas são

verdadeiros percursos de movimento contido no espaço, parecendo desafiar até

a gravidade (Lempertz, 2019).

Figura 13- Norbert Kricke, "raumplastik-gelb-weiß", 1956. Escultura, Aço pintado

em plinto de madeira, 78.7 x 94 x 86.4 cm.

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Materiais e simbologia

Kricke recorreu a materiais associados à indústria, como o aço e o cimento para

as suas obras, chegando a pintar inclusive algumas com cores diferentes de

modo a diferenciar diferentes velocidades (Zlatkov, 2013). Abandonou os

materiais tradicionais da escultura, uma escolha que se enquadra no contexto

dos movimentos de vanguarda e de futuro que preconizava.

Apesar de influenciado pela geometrização, estas obras de expressão dinâmica

retém uma forma visual orgânica e gestual (Scheibler, 2018), trabalhando os

conceitos espaciais do vazio, do contorno, da construção espacial, do espaço

virtual e da reflexão da luz. Explora, igualmente, o movimento em linhas (Zlatkov,

2013) que funcionam como cristalizações de movimento, pedaços de tempo

tornados físicos (Artmap, s.d.) que se estendem-se para o infinito, numa

execução perspicaz de movimento e força vigorosa. (The Queens Museum of

Art, 1991).

Ao evocarem os preceitos de mudança, movimento e potencial de mudança,

estas obras pretendem inspirar no observador esses mesmos valores, no sentido

de uma maior consciência e ligação ao mundo que o rodeia (Zlatkov, 2013).”

They convince by resoluteness and boldness and ultimately mean a message to

mankind and its rapport with the world. “ (Dr. Ernst-Gerhard Güse, citado por

Artsy, 2016).

3.6. Tomohiro Inaba

Contexto

Tomohiro Inaba é um artista jovem, tendo concluído os seus estudos em 2012

(Pelfusion, s.d.) sendo, no entanto, a sua obra já considerável, estendendo-se

desde 2003 até ao presente. Uma das qualidades da arte destacadas pelo artista

é a sua capacidade de proporcionar experiências gratificantes, estética e

intelectualmente. As suas esculturas pretendem assim incitar ao exercício da

imaginação e criação de narrativas, numa tentativa de desafiar o observador a

“fantasiar com algo que os olhos não conseguem ver” (WOoArts, s.d.). É também

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por este motivo que Inaba recorre a figuras que este considera terem o potencial

de inspirar as pessoas. Os seus trabalhos parecem capturar um momento no

tempo no qual a ação breve é congelada, mas mantém toda a sua naturalidade

(Range of Arts, s.d.).

Metodologia

As suas obras são criadas de modo a transmitirem a sensação de que a figura

se desintegra em plena ação (WOoArts, s.d.). Para este efeito são deixadas

“falhas” espaços na estrutura das obras de modo a dar espaço para que estas

ideias possam fluir, cativando efetivamente o observador através da

representação da figura essencialmente entre dois estados de existência,

desfiando-se em complexos e violentos “rabiscos” de metal que se alongam e

simplificam ao moverem-se no espaço. A escolha de recorrer à transição de uma

forma sólida, para um conjunto de linhas cria a ilusão de movimento, ou de algo

em progressão evocando a passagem do tempo (WOoArts, s.d.). Essas “linhas”

desafiam a sua composição estrutural inflexível através da sua aparência fluida,

desvelando-se a figura em arames finos. Isto confere-lhes grande naturalismo e

leveza (Pelfusion, s.d.).

Figura 14- Obras de inaba em exposição

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Materiais e Simbologia

Os trabalhos do artista criam todo um conjunto de contrastes, que se

complementam mutuamente, tanto visualmente como conceptualmente. A

começar pela forma, que remete para a dualidade da sua existência entre “duas

dimensões”; a leveza dos fios face à massa de um corpo; a força e a fragilidade;

o nada, que se converte graças à imaginação e ganha forma, tornando o espaço

parte da obra, tanto quanto os elementos físicos; por fim o caos, que parece ser

imposto pelos novelos de arame face à delicadeza e serenidade, que o trabalho

no seu todo nos sugere. Todos estes aspetos conferem às suas obras um apelo

surreal e criam uma experiência sensorial que mexe com o observador sob

vários ângulos (Makuuchi, 2011).

Inaba incorpora nos seus trabalhos, além do papel e o ferro galvanizado, vários

tipos de objetos do quotidiano. Exemplo disto é o uso de lixo doméstico na sua

série (visual diplomacy usa, 2018). A utilização de materiais perecíveis serve o

propósito de criar a ligação temporal das obras (salvo as que têm partes em

acrílico), sendo o ferro um dos mais comuns no seu trabalho, cuja degradação,

após o contacto com o ar/oxigénio, é quase imediata (visual diplomacy usa,

2018) As suas esculturas servem de representação da efemeridade da matéria,

uma lembrança da nossa própria condição que evoca noções do fluxo do tempo

(Teams, 2014).

3.7. Gareth James

Contextualização

O seu principal foco são os processos normativos da arte e do mundo que a

envolve (desde a produção, à exibição e venda) e, consequentemente, do mundo

e procedimentos inquestionados com que nos confrontamos diariamente (The

Department of Art History, Visual Art & Theory, s/d).

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Nas palavras do próprio este pretende criar objetos com “a complexidade de uma

colher dobrada” (Matthew Higgs, 2004), uma afirmação que ilustra perfeitamente

o tipo de humor que está na génese, mas também eufemiza a verdadeira

profundida das suas obras. Vê, igualmente, a sua prática artística como um

sistema topográfico, por esta se desenvolver sob um fluxo contínuo de ideias

relativas ao trabalho, ao fracasso, às nuances da política de propriedade e uma

cultura dominada pelo capitalismo global. Todos estes temas são recorrentes

nas suas obras (Matthew Higgs, 2004). Na sua tentativa de descobrir os limites

da arte este incorpora toda uma variedade de metodologias experimentais e

parâmetros teóricos (The Department of Art History, Visual Art & Theory, s/d).

Todos estes conceitos são explorados através de uma grande diversidade de

meios, desde esculturas e Instalação, a publicações e outras atividades, sendo

o seu fio conector a atitude mordaz e a capacidade do artista de levar o

espectador a criar uma ligação com a sua representação artística (pathos)

(Matthew Higgs, 2004).

Metodologia pessoal

Apesar de variada, a sua metodologia de trabalho pode ser sempre considerada

iconoclasta. James opera na mesma linha de pensamento de Duchamp ou Guy

Debord (Desconhecido, n.a., s.d.) e a ideologia da Internacional Situacionista, um

movimento artístico de índole política e cultural, baseado numa mistura de

componentes marxistas e surrealistas e que promovia uma crítica ao capitalismo

e à vivência com base em interesses capitalistas. O seu nome deriva da criação

de situações de apropriação que visavam a promoção da autoconsciência face

à transição da vivência para a representação desta, de modo a quebrar a ilusão

(Ideological Art, s.d.).

O formalismo5 e a abstração6 são igualmente elementos importantes do seu

trabalho. O primeiro termo é usado no sentido de James se focar na abordagem

5 O formalismo considera a forma física ( materiais, suporte,técnica etc) de uma obra de arte como o seu aspeto mais importante, em oposição ao seu conteúdo ou sua relação com o mundo (Tate Modern, s.d.). 6 Abstracionismo é um termo aplicado à arte que representa através de formas simplificadas, não procurando a representação realista, recorrendo a formas, cores, e esquematizações. A arte abstrata é comumente à moralidade, podendo representar virtudes como ordem, pureza, simplicidade e espiritualidade (Tate Modern, s.d.).

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ás estruturas de poder acima de qualquer outro elemento, quebra, no entanto,

em parte, a lógica deste conceito ao usar objetos que ignoram qualquer noção

artística de pureza, predispondo-se a uma quebra na noção de autonomia da

arte e retomando-a no processo (Desconhecido, n.a., s.d.); Já o segundo é

trabalhada de forma a alienar signos ou figurações que lhe tenham ficado

associadas ao longo do tempo. James procura, desta forma, apresentar

verdades que possam perturbar as expectativas prévias de conhecimento,

trabalhando conceitos que ainda não têm semiótica ou forma física, dando assim

espaço a novas formas de entendimento que trabalhem com este

desconhecimento. “to work ahead of the forms and substances expressions and

contents a work will distribute.“ (Contemporary Art Daily, 2009).

Materiais e simbologia

James trabalha com a crítica social e com a transposição narrativa, através da

desconstrução da imagem e do carácter performativo associado a esta

desconstrução (Matthew Higgs, 2004). Uma das constantes da sua obra é a sua

preferência pela apropriação de objetos e materiais que tenham já de antemão

um contexto óbvio. Este aspeto é influenciado, além dos artistas já mencionados,

por Alain Badiou, sendo que a redução do objeto apropriado limita as suas

interpretações de modo a evidenciar aspetos e ideias que de outra forma se

perderiam. Através da “destruição” de um contexto, James revela um panorama

maior. A sua forma de trabalhar estas obras neste contexto, torna-as um

instrumento especulativo conivente com a hegemonia de classe (Contemporary

Art Daily, 2009).“Operating on forms is very different from understanding formalization

as operation: what’s interesting to me is the passage of a chaotic sensibility, the

becoming formal of something that was not it’s a largely Badiouian description of

substantial transformation(…)” (Gareth James, citado por (Muenzer, 2011).

São revelados com estas explorações, sistemas e os seus respetivos dogmas,

que de outra forma passariam despercebidos a um público de conhecimento

incipiente (Desconhecido, n.a., s.d.). Ao lidarem com a problematização de

questões de identidade, estas obras levantam interrogações relativas a ideias

como a categorização e transição de um objeto para o estatuto de obra de arte;

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do artista como única entidade conhecedora de significado; da diferença entre

crítica de mercado e crítica de interesse histórico entre outras. Vemos assim

desconstruído o espaço expositivo ideal, pelo levantamento de questões que

chamam a atenção para a necessidade da existência do espaço expositivo como

espaço social, assim como as implicações da sua existência (Desconhecido,

n.a., s.d.). Outra componente interessante é a forma como os conceitos se

tornam materiais indistintos dos físicos, exercendo as suas ideias igual força nos

campos visual e fenomenológico, ganhando o discurso estético novos moldes na

forma de topologia ou psicanálise (The Department of Art History, Visual Art &

Theory, s/d). O seu trabalho tem, igualmente, uma vertente pedagógica (assente

no carácter performativo já mencionado) devido, em parte, à sua vontade de criar

condições para que também as pessoas que visitam a exposição questionem os

conceitos apontados pelo artista, dando-lhes espaço para investigar.

Alguns exemplos da forma como este abordou as temáticas apresentadas

passam por jogar com a própria galeria e os seus intervenientes, como foi o caso

em 2001 para a exposição wRECONSTRUCTION onde interpretou um alter ego

de nome Storm van Hellsing, que fechou a galeria, convidando apenas algumas

pessoas com o objectivo de conversar sobre as possibilidades e limitações de

uma galeria dentro do mercado artístico (Matthew Higgs, 2004); ou mesmo jogar

com conceitos de outras áreas que se tornam análogos através da interpretação

pessoal, como acontece com "Blue Movie (one more time with feeling),", Nesta

está presente a cor “Blue screen blue”, usada como background em filmes para

efeitos especiais, sendo que o próprio título é semelhante a um filme. A cor é

Figura 15 - Gareth James exposição na Galeria Elizabeth Dee, 2009

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usada como código para sugerir encobrimento de verdade, visto estar associada

a tecnologia criadora de ilusões explorada por várias entidades, desde

Hollywood até à política e arte. Desta forma é evitado o didatismo, sem que, no

entanto, este deixe de ser a motivação da obra. (Cotter, Art in Review; Gareth

James, 2005).

3.8. Dominic Mcgill

Contextualização

Algumas experiências marcaram o fascínio de McGill pelos ESTADOS UNIDOS

DA AMÉRICA, a primeira sendo a sua participação na performance “Standard

and Poor (1995-2000) com o artista David Henry Brown Jr. cujo intuito era

manipular a população através dos seus preconceitos, testando as suas

reações. Com esta experiência McGill aprendeu que um tapete vermelho em

Times Square atrai rapidamente as multidões através da expectativa de

realização de um evento, ou da passagem de uma celebridade. Apesar de não

ter perdurado, deu-lhe logo um entendimento da mentalidade da população

americana. Outras dessas experiências, foram o seu estudo de Black like me, de

John Howard Griffin um registo de memórias do preconceito no interior do país;

E a sua participação em the Portrait Project (1997-2001), onde se mascarava de

diversas personagens, desde um polícia com um “complexo hitleriano”, a um

homem obeso ou um padre, com o intuito de filmar as reações por onde passava,

enquanto procurava encomendar um retrato seu. Estas experiências, com

enfoque no engano de grande verosimilhança e no interesse na forma como era

feita a gestão das opiniões nos Estados Unidos da América começaram a formar

desde logo os alicerces da sua arte, tornando-se o catalisador para as suas

obras atuais. Foi, no entanto, a chamada de atenção de um amigo para o

potencial do objeto de arquivo como meio de gerar interesse e diálogo, que

cimentou a forma como McGill trabalha de modo a evidenciar a psicose de grupo

vivida no país, assim como paralelos históricos e o “espetáculo” vivido pela

sociedade americana (Herbert, 2006).

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Metodologia pessoal

Trabalhando em grande em escala, os seus desenhos aparecem como

componentes de Instalações de mixed media em objetos de variadas dimensões

como suporte. McGill cria composições dinâmicas, onde os frutos da sua extensa

pesquisa são trabalhados ao detalhe e representados tanto na forma de imagem

como de texto, numa linha temporal não linear. O espectador é levado a procurar

coincidências históricas, correlações entre eventos, mudanças culturais e

flutuações fiscais, dedicando extrema atenção. Estes registos semelhantes a

graffiti funcionam como comentário sobre a sociedade, o capitalismo e a filosofia

política (Jacobs, s.d.).

O artista deixa muito pouco ao acaso no que toca à forma como executa cada

pormenor dos seus desenhos: peso da linha, dimensão, forma do suporte para

as suas Instalações elementos e o seu seguimento. Estes são apenas alguns

dos aspetos metodicamente ponderados pelo artista. McGill serve-se da

confusão como meio nos seus desenhos, não sendo este, no entanto, o seu

único método. Podendo ser confundido como um indício de horror ao vazio, para

o olhar mais atento esta torna-se uma linguagem expressiva (Herbert, 2006).

Materiais e simbologia

Os materiais usados por McGill variam, sendo o gesso e a resina os mais

comuns. A forma das suas obras varia muito, podendo consistir tanto em recintos

da altura de paredes, como objetos alongados e de aparência semelhante às

dobras e refegos do intestino como a da figura 16. Estas combinam por norma

colagens, desenhos a grafite e massas de texto em composições fluídas. Tanto

pela sua forma de interpretar os factos históricos presentes, como pela sua

dimensão imponente estas obras envolvem o observador e geram neste uma

sensação de avassalamento face à quantidade de informação que se manifesta

perante si desenfreadamente (que se apoiam mutuamente), gerando significado

como um todo. A dimensão das suas obras sugere a vontade de McGill de

desenhar um panorama da história contemporânea, trabalhada com cautela e no

qual são reconhecidas as suas falhas. Nas palavras do artista “history is politics

by other means” (Street, s.d.); por outras palavras, a história pode funcionar

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como um instrumento de manipulação em si, sendo que também a facciosidade

dos factos históricos faz parte do seu trabalho. Esta característica é observável

na autocrítica presente neste e nas contraditoriedades históricas incluídas

(Street, s.d.).

Um exemplo da sua utilização de factos para ilustrar as suas ideias, é o seu

conjunto de obras relacionadas com a era nuclear e a paranoia que a

acompanhou, Fear is a Man's Best Friend. Para esta exposição foi criada uma

réplica de uma versão primária da bomba atómica, assim como outras peças

como um abrigo de bomba com uma igreja no topo. Os seus desenhos mostram

o interesse do artista no conceito de fim do mundo e o seu significado, dando

espaço inclusive para uma mensagem implícita de como esta mentalidade nos

pode ter levado à nossa atual situação. Por outro lado, serve igualmente de

testemunho da estranha necessidade desta ideia de apocalipse para a

humanidade. Está presente neste trabalho a sua recusa do tempo como um

encadeamento linear, abordando os factos de uma forma mais errática e que

expressa a forma como estes eventos se interligaram e foram sentidos. “(…)

collision (and collusion) of various historical, political, and cultural

watersheds(…)” (Israel, Dominic McGill. (Reviews), 2002).

O cerne do trabalho de McGill é em si uma dualidade: por um lado vai

invariavelmente dar à forma como todos os factos apontam para uma tendência

autodestrutiva da humanidade; ilustrando por outro lado como esta mesma

Figura 16- Dominic McGill, He Results As Cause Of Himself, 101,6 x 145 x 73 cm, 2010, Aqua-Resin, gesso, grafite, aço, madeira, vidro, linho.

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inclinação mental é na prática uma imposição que serve os interesses de

governantes, ao invés de uma inevitabilidade. Desta forma, as suas obras

agregadoras de registos podem tornar-se catalisadoras da restauração da

consciência histórica. McGill procura, no entanto, que as suas obras não

funcionem como objetos didáticos, afirmando não querer “pregar” às pessoas “I

just want to engage people and get them to think about whatever the piece is

about. There is nothing to be achieved by preaching to people” (Herbert, 2006).

3.9. Joseph Beuys

Contextualização

Artista que reagiu ao seu tempo, sofreu também com os traumas da 2ª guerra

mundial (tendo inclusive participado nesta). As suas obras são em parte um

produto da sua experiência, mas também das suas esperanças para o futuro e

das considerações que carregava do seu papel na sociedade como artista e do

próprio papel da arte. Como Kricke e outros desta época era apologista de um

despertar das mentes através da arte, a par de um amor pessoal pela natureza

e pela humanidade, que se manifestou na sua vontade de educar. Tornou-se em

1962, um membro fugaz do movimento Fluxus, um de vários movimentos de arte

contemporânea dos anos 60. Procurou também participar na vida política alemã

e em ativismo político devido a esta vontade, algo que suscitou reações mistas

(Art Encyclopedia, s/d).

Metodologia pessoal

A sua temática centrava-se na crítica de assuntos contemporâneos como

política, problemas ambientais e, inclusive, psicologia social e questões sobre a

comunicação (Marlagoutsou, 2011) priorizando a livre expressão individual sobre

o coletivismo (Tate Modern, 2019), preconizando com a sua arte social um

conceito de arte mais abrangente que pudesse ser entendido pelo maior número

de pessoas. Este visava a participação do observador, pois servia para despertar

a sua curiosidade, necessária para a criação da sua própria narrativa e, por

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consequência, uma outra obra sua, através de pensamentos e ideias,

constituindo nas palavras do artista, “the ultimate performance, action.”

(Marlagoutsou, 2011). Esta lógica era a função vital dos seus trabalhos e o seu

cerne: o despoletar do potencial criativo e intelectual das pessoas. Em suma,

como pensamos, como articulamos estes pensamentos em palavras, ou mesmo,

como moldamos o mundo à nossa volta (que é verdadeiramente a escultura

social de que este falava), são conceitos que se vão refletir na ideia de escultura

como processo evolutivo e, consequentemente, na sua noção de que todos

podem ser artistas ao participar neste processo criador (Vicini, 2014). A sua

conceção de arte funcionou com base num conceito humano antropológico, que

pressupõem o envolvimento das pessoas em geral no processo de criação,

tornando o seu trabalho parte de um processo maior de mudança social,

adiantando-se ao seu tempo na compreensão dos problemas da sociedade

anestesiada. Jogou com a cultura e a consciência coletiva da sociedade, usando-

as no seu esforço de criar um catalisador que encorajasse o público a questionar

o seu meio. “For living thought is already a sculptural, i.e. sculpturally formative

procedure, and from this epistemological truth, the human being derives himself

as an artist – as a shaper – of the social organism. (R. Bergmann, 1979, citado

por (Marlagoutsou, 2011).

A beleza e o apelo estético em geral eram inconsequentes, dando às suas obras

uma crueza característica. Por um lado, através do choque com algo que não é

imediatamente percetível ao olhar, a obra torna-se mais aberta à interpretação,

sendo que, para Beuys, o mais importante era sempre a mensagem a ser

transmitida. Por outro lado, porque estes fatores não favoreceriam os trabalhos

pois poderiam mascarar e até mesmo sobrepor-se ao significado inerente,

devido à tendência do cérebro para se deter em elementos visuais e superficiais;

Promovendo em oposição o“(…)despertar para a realidade a partir do

desconhecido(…)” (Vicini, 2014). Este não se limitou, no entanto, aos meios

artísticos convencionais, incluindo na sua obra discursos, palestras envolvimento

político e ação ambiental.

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Materiais e simbologia

Falando de forma geral da sua obra, as características principais desta

consistem no misticismo, com um toque espirituoso (Marlagoutsou, 2011)

observável na sua criação de uma mitologia pessoal, onde reúne simbologia

própria derivadas das suas experiências, sendo que a que alegadamente mais

o marcou foi o seu salvamento após o despenhar do seu avião por uma tribo de

tártaros. Beuys foi enrolado em banha e feltro para reter o calor, tornando esses

dois materiais importantes para o artista. No entanto, a forma como esta história

se manifestou nas suas obras é mais importante que o seu teor (Art

Encyclopedia, s/d). O seu uso de signos identificáveis culturalmente de forma

geral, a par dos pessoais, visava estabelecer comunicação interpessoal. Essa

simbologia funcionava como palavras com um apelo universal, contando já com

as diferenças vindas da experiência pessoal de cada observador (Marlagoutsou,

2011). Alguma da sua simbologia baseava-se na vida e morte, assim como na

transformação, sendo contextualizada através de um repertório específico de

materiais, alguns associados a energia (seja no seu armazenamento, geração

ou condução), tais como feltro e banha (símbolos de cura e calor), pele de

animais, cobre (condução espiritual) entre outros, que funcionavam como

significantes de conceções metafóricas, como a de que a arte deveria promover

na sociedade energia criativa e espiritual curativa (Tate Modern, 2005).

Figura 17- Joseph Beuys, Lightning with Stag in Its Glare (Blitzschlag mit Lichtschein auf Hirsch), 1958-85, dimensões variáveis, Bronze, ferro e alumínio. Exibido no Museu Guggenheim Bilbao.

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Esta lógica funcionava à luz do conceito de ritual e do xamânico (título adotado

aliás pelo próprio artista) “My intention is … to stress the idea of transformation

and of substance. That is precisely what the shaman does in order to bring about

change and development: his nature is therapeutic.” (S.F.H., 2010). Apesar de

tudo isto ser verdade, é de referir que os materiais invisíveis, como a palavra,

gesto, cheiro, som e comportamento, eram elementos igualmente importantes

em algumas obras, devido à ênfase do artista no pensamento do observador.

3.10. Análise de obras

Após o estudo compreensivo de cada um dos artistas, considerou-se pertinente

realizar uma análise comparativa de uma obra por cada um, que fosse

representativa das características relevante para o projeto nos seus respetivos

trabalhos.

Russell Crotty – M11 Galactic Cluster in Scutum, 2002

Trabalho realizado a aguarela e esferográfica sobre papel numa esfera de fibra

de vidro, M11 Galactic Cluster in Scutum é uma obra dentro da linha do que já

Figura 18- Russell Crottty - M11 Galactic Cluster in Scutum, 2002. Fibra de vidro, papel de arquivo,

caneta esferográfica de arquivo, aguarela.

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foi dito sobre o artista, sendo uma representação peculiarmente intimista deste

conjunto de galáxias. A característica mais proeminente desta obra é a forma

como desperta esse sentimento de olhar íntimo, como quem espreita pelo óculo

de um telescópio, mantendo ao mesmo tempo a grandeza do infinito que se

estende, serenamente, além do nosso entendimento. (Michel Soskine Inc, 2917).

Igualmente notória é a precisão e a delicadeza do desenho em si que, como foi,

dito nasce de uma vontade do artista de se aproximar da cartografia do séc. XIX,

havendo até neste aspeto uma aproximação ao conceito de tempo que se

estende presente no brilho das estrelas que observamos e de romantismo, pois

estes desenhos apesar de científicos, tinham uma base bastante empírica e logo

de interpretação relativamente pessoal (Sheets, 2004). A sua presença física no

espaço expositivo, funciona em última análise, como encontro de dois espaços

contidos, cada um à sua maneira, dando-nos a perceção de que os seus

desenhos tridimensionais continuam a ser, apesar de tudo, apenas um

fragmento de infinito e que estamos a observar algo que ultrapassa ainda o

nosso entendimento (Wilson, 2002).

Pedro Saraiva – Linfa, 2014

Gabinete >linfa tem a particularidade de abranger na sua ficção dois nomes,

duas nacionalidades e três autorias, escapando assim à lógica do gabinete

pessoal presente nas suas outras obras. As personagens em questão são

Figura 19 - gabinete de Linfa, Cerâmica de Reinata Baca e Escultura de Maria Otera

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Cristina Rosa Agostinho, a quem a exposição deve o nome Linfa, alcunha

atríbuida devido à sua palidez, à bordadeira Geminiana Santos, à escultora Maria

Otera e à ceramista Reinata Baca Munhuana.

A narrativa biográfica presente nesta obra diz maioritáriamente respeito a

Cristina Rosa Agostinho, sendo que das outras e os seus trabalhos são apenas

feitas referências ocasionais e discretas. Conta-nos a forma como se

conheceram, ao partilharem casa em Lisboa, assim como as circunstâncias da

sua vida, desde os seus projectos profissionais como a criação, em 1952, de um

Museu de Ornitologia em Lugar do Casalinho – Fonte da Longra, seu local de

nascimento; as dificuldades financeiras que a levaram a alistar as suas colegas

de casa num esquema de falsificação de obras. (Gamito, PANERO.Idem per

idem, 2014).

Apesar das diferenças, esta Instalação mantém o mesmo registo que os outro

gabinetes de Saraiva, pois todas estas informações nos são dadas através de

variados objectos como uma carta de amor e imagens, como fotografias dos

locais aos quais tinha ligação, de objectos pessoais e retratos de estúdio. Estes

significantes servem de testemunho a estas vidas inexistentes, certificando-nos

da sua passagem pelo mundo sem que esta seja efectivamente real. É este

engano dos sentidos que está no cerne desta obra, pois a exploração do

observador destas ruínas e consequente percepção destas vidas como sendo

reais é o que permite ao artista explorar o potêncial da sua expressão artística:

esta tanto serve para solidificar a sua presença, como é fruto desta (Santo,

2014).

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Joseph Beuys - The Pack (Das Rudel), 1969

The Pack (Das Rudel) é uma obra de Instalação constituída por uma carrinha da

Volkswagen com vinte e quatro trenós de madeira equipados com um rolo de

feltro, uma lanterna e banha. Podemos encontrar semelhanças visuais entre este

trabalho e ilustrações alemãs do século XIX, que mostravam trenós a serem

perseguidos por alcateias de lobos em florestas escuras. Na sua obra a lógica é,

no entanto, invertida, tornando os trenós no equivalente a um kit de

sobrevivência composto por duas vertentes: A vertente autobiográfica, ligada à

sua narrativa de ter sido salvo após o seu acidente de avião de sobre a Crimeia

durante a Segunda Guerra Mundial. Independentemente da sua veracidade esta

história relaciona-se com a ideia de vida e morte, recomeço e salvação. É

igualmente notória a importância dos materiais usados para Beuys, figurando

estes inclusive em vários dos seus trabalhos (Tate Modern, 2005); e a vertente

simbólica, sendo que os objetos dispostos representam para Beuys o instinto de

sobrevivência, a salvação, a criação, a efemeridade e a transitoriedade (S.F.H.,

2010). Como cães de salvamento, estes trenós providenciam o mínimo essencial

para a sobrevivência com meios rudimentares, quase como prevendo um

Figura 20- Joseph Beuys, The Pack (Das Rudel), 1961. contituido por 24 trenós, equipados com gordura, cobertores de feltro, cintos e lanternas. 200 × 400 × 1000 cm

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cenário distópico do mundo, mantendo apesar de tudo a esperança da

sobrevivência do homem ao voltar ao básico. (Dorment, 2005). “This is an

emergency object: an invasion by the pack. In a state of emergency the

Volkswagen bus is of limited usefulness, and more direct and primitive means

must be taken to ensure survival.” (Tate Modern, 2005).

Estes conceitos intrínsecos à obra de Beuys, são executados de forma dinâmica,

mas enigmática, pois antes de mais a sua preocupação residia no impacto visual

das obras, que pedem ao observador que pare para as entender. Características

como a sua utilização de sequências de formas, repetição de objetos e o uso de

texturas e materiais contrastantes, foram soluções observadas com artistas

como Miró ou Joseph Cornell (Dorment, 2005).

Norbert Kricke – Raumplastik Schwarz-Rot, 1955

Raumplastik Schwarz-Rot é das peças de Kricke que prima pela simplicidade e

pela delicadeza, sendo parte das suas primeiras explorações do espaço. A obra

é constituída por fios de aço pintados e fixos sobre uma base de pedra, tendo

uma dimensão reduzida (Lempertz, 2019). Cada fio funciona como a

representação de uma linha de movimento tornado físico, sendo que as cores e

os ângulos usados têm o propósito de demarcar diferentes velocidades.

Figura 21- Norbert Kricke , Raumplastik Schwarz-Rot, 1955. Aço, pintado, 32 x 31 x 27 cm.

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As linhas variam entre as mais curtas, mas de ângulos abertos, que se

entendem mais “lentas” e linhas longas de ângulos mais fechados sendo as mais

“rápidas”. Já a cor serve para enfatizar esta leitura da velocidade, sendo o branco

e o amarelo as cores que simbolizam a rapidez e o preto ou vermelho escuro os

movimentos mais lentos (Lempertz, 2019). Esta forma de representar o

movimento no espaço funciona como um trompe l'oeil invertido da noção de

como a matéria se comporta face ao espaço, pois este parece achatar,

comportando-se a escultura como um desenho de linha aos nossos olhos.

O resultado é uma tridimensionalidade feita de planos desenhados (Scheibler,

2018), que encarnam o movimento da linha no tempo e no espaço (The Queens

Museum of Art, 1991), representando um movimento autocontido, que pede

pausa para compreensão. No campo formal, vemos presentes os seus conceitos

de construção espacial tanto no vazio como no campo mental, assim como o

movimento que deixa a sua marca no tempo e no espaço (Artmap, s.d.). Por fim,

analisando o campo simbólico, podemos dizer que este trabalho funciona como

uma tradução direta da mensagem de transformação de Kricke, evocando o

potencial de criar mudança através de ações que deixem marcas tão visíveis

como as suas esculturas, não permitindo assim à sociedade perder a noção do

seu papel no mundo que a rodeia (Zlatkov, 2013).

Tomohiro Inaba – Promise of Our Star, 2011

Figura 22- Tomohiro Inaba, Promise Of Our Star, 2011. Aço.

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Constituída inteiramente por aço, Promise of Our Star representa um veado que

apesar de sustentado em parte pelo chão que pisa, se apresenta como uma

presença quase etérea.

Esta figura encontra-se presa tanto no meio do ato mundano de pastar, como de

desaparecer silenciosamente, manifestando-se tanto no plano bidimensional

como no tridimensional, noção reforçada pela aparência “rabiscadas” dos

arames que se soltam do animal (Pinar, 2014). Contribuem para este efeito a

utilização de lacunas físicas na obra; o contraste entre a leveza e fragilidade dos

fios emaranhados em comparação com a solidez das partes do corpo ainda

intactas; e a forma como estes aspetos se diluem no espaço, criando uma

transição entre a desordem dos arames e a forma do animal (Makuuchi, 2011).

Adicionalmente, a forma como os fios de arame criam uma textura geométrica,

que contrasta grandemente com a organicidade da representação abaixo,

confere-lhe riqueza visual no campo estético (Makuuchi, 2011), havendo

inclusive a sugestão de movimento através das diferenças de densidade geradas

pela "desintegração" da forma (Teams, 2014). Por fim, o material escolhido tem

também um papel importante, pois o aço é um material que se degrada quando

exposto ao oxigénio, atribuindo a esta obra uma “validade” diretamente ligada ao

ambiente a que estiver exposta.

Todos estes fatores se unem harmoniosamente para um objetivo comum:

Transmitir a ideia de efemeridade e de passagem do tempo, como analogia para

a própria condição humana (Teams, 2014), criando uma escultura intrigante

tanto física como conceptualmente (Makuuchi, 2011).

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Gareth James - Department of Everyone Getting Along, 1997

Em Department of Everyone Getting Along encontramos elementos feitos de

papel branco e marcador preto, sendo que tudo foi preparado para funcionar

como um desenho, inclusive os itens tridimensionais (como acontece com a

mesa branca visível na figura 23, delineada a marcador preto). Estas

componentes variam igualmente em forma e dimensão, desde os dioramas de

dimensão reduzida em cima da mesa, até ao ambiente imersivo da sala em si.

Podemos encontrar semelhanças entre o seu trabalho e "Inside Drawing", de

2008, uma Instalação de Joa Gridfonte (João Dias), no lagar do azeite em Oeiras,

que também preenche igualmente o espaço com registos gráficos soltos,

alterando assim a sua leitura. (Art Institute, s.d.).

Como acontece noutros trabalhos seus, a sua forma caricaturada de trabalhar

estas componentes, a par dos contornos irregulares, atribuí a esta obra um

sentido jocoso, quase ingénuo. Estes elementos são, no entanto, apenas

superficiais, pois James é um artista que, um pouco como Beuys, se preocupa

mais com os conceitos que movem a sua arte e não com o seu apelo estético.

A essência deste trabalho reside no ato de criar formas tridimensionais partindo

de folhas de papel, que torna o seu processo de construção parte da sátira desta

obra, uma paródia da noção romantizada das dificuldades do processo artístico

(Matthew Higgs, 2004).

O desenho como processo é uma forma de entender através da representação

da perceção pessoal, pois ao comprometer-se com ele, o autor tende a

Figura 23 - Gareth James, Department of Everyone Getting Along, 1997. Tinta em papel.

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abandonar mais facilmente o pensamento consciente. Por outras palavras, o

desenho torna-se uma outra forma de processar a informação visual. “This

association between land and drawing media, idea and process, need to be

considered critically to continually remind us that neither medium nor process is

neutral.” (Mustaqim, 2013). Para o artista, o interesse do desenho reside também

na dualidade da forma como este pode existir independentemente do seu

suporte, remetendo à mesma para esta relação (Muenzer, 2011).

Desta forma, podemos afirmar que esta obra se foca no pensamento que

convive com a técnica tentando não ser suplantado por esta ( (Muenzer, 2011).

Parte do seu procedimento humorístico de abordar as temáticas, torna estas

ideias mais acessíveis ao observador, revelando a sua preocupação

característica com a questão da identidade artística e todo o misticismo em torno

da arte (Desconhecido, n.a., s.d.).

Dominic McGill – A Project for a New American Century, 2004

Uma das suas obras mais conhecidas, A project for a new American century, é

uma obra de grandes dimensões, atingindo quase vinte metros de altura e cerca

de dois metros e meio de largura. A sua temática aborda toda a história do final

do século XX, com particular foco nos Estados Unidos da América e nas

questões sociais mais prementes do país como a religião, a tensão racial e a

política externa (Herbert, 2006).

Figura 24 - Dominic McGill, Project for a New American Century, 2004. Grafite em papel, 203.2 x 1981,2cm.

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Composta por milhares de eventos históricos, (Herbert, 2006). a sua forma

suspensa e enrolada, contendo um espaço interior curvo, assemelha-se, não por

acaso, a uma faixa de Moebius, devido ao carácter igualmente labiríntico do

tópico, cheio de ações cíclicas de guerra, assassinato, conspiração (Herbert,

2006) que representa. McGill utiliza desenho e texto em composições complexas

e temporalmente não lineares, unindo factos de forma a que a relação de causa

e efeito que conecta eventos histórico de todo o mundo se torne mais óbvia

(Cotter, ART IN REVIEW; Dominic McGill, 2014), procurando potenciar a

consciência de que a nossa compreensão histórica pode facilmente ser

manipulada através de eventos descontextualizados ou fontes insuspeitas

(Risatti, 2004).

Começa numa ponta com a frase “NO FUN, NO FUTURE, NO OIL”, impelindo o

observador a percorrer uma linha do tempo se desdobra em panorâmicas de

imagens apocalípticas e caricaturas, nomes e referências a pessoas como O.J.

Simpson, lugares e eventos, misturados com manchetes de jornal slogans e

graffiti político de esquerda (Risatti, 2004). Além da utilização engenhosa da

informação distribuída pela obra, McGill trabalhou a vertente compositiva de

forma ponderada, variando aspetos como o tamanho e o estilo do texto,

procurando desenvolver a história em várias esferas que colidem e se

sobrepõem entre si (Cotter, ART IN REVIEW; Dominic McGill, 2014). Um

exemplo dessa utilização inteligente de elementos e que ilustra bem a sua

utilização da composição do texto face ao desenho, é a imagem de um homem

cercado por textos em espiral, que prega de braços erguidos, fazendo as

palavras em seu torno enumerações de factos como testes atómicos,

aparecimento de Objetos voadores não identificados, notícias de linchamentos

entre outros que retratam uma cultura de paranoia e insanidade (Herbert, 2006).

O fim desta narrativa reside no interior da forma da obra, onde as palavras

desaparecem dando lugar a cenas de floresta calma onde reza uma freira, com

um laço de forca e imagens de uma explosão algures perto (Risatti, 2004). McGill

deixa assim em aberto o que deve ser feito com toda esta informação, sendo

apenas certo que apesar de tudo, se alcançou algo (Cotter, ART IN REVIEW;

Dominic McGill, 2014).

Esta obra funciona tanto como registo hábil de toda esta informação, como de

chamada de atenção para todos, procurando incitar à mudança através da

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consciência e do pensamento crítico informado, pois proporciona ao observador

um meio distinto e eficaz de aceder a esta informação.

Sandra Cinto – Table, 1999

Uma obra que consiste numa mesa de três pernas branca, cujos grafismos se

propagam pela parede. Esta enquadra-se na lógica de apropriação de Sandra

Cinto, definida pelo preenchimento de objetos com desenhos quase surrealistas

que se assemelham a graffiti, dando-lhes características que fazem lembrar

plantas invasoras (Israel, OPENINGS: SANDRO CINTO., 2000). Como outros

trabalhos seus, Table parece existir entre a fantasia surreal e a realidade do

objeto físico (Israel, OPENINGS: SANDRO CINTO., 2000).

A sua simplicidade faz com que a estranheza destes registos sobressaia ainda

mais, criando uma pausa no observador, não existindo possibilidade de

imediatismo na sua leitura. Isto deve-se também à subtileza do trabalho de Cinto,

que através da sua retórica e linguagem pessoais, consistindo em escadas,

montes árvores e outros elementos se desdobra numa expressão particular

(Casa Triângulo, 2016). A obra é uma manifestação da vontade da artista de

Figura 25 - Sandra Cinto, Table, 1999. caneta em mesa de madeira pintada, 91.5 x 59.5 x 80 cm.

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tratar questões como a fantasia e a sua relação com a realidade, assim como a

aproximação com o que transcende essa mesma realidade. A beleza destes

registos reside no contraste de energia e dinamismo que transmite, mantendo,

no entanto, a uma certa tranquilidade (Chaia, 2008).

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3.11. Tratamento dos dados

Tabela 1 – Quadro de análise das características de cada obra, 2019

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3.12. Análise dos dados

Antes de mais, convém clarificar o propósito de algumas das colunas de análise

mais específicas. Referimo-nos respetivamente às colunas que dizem respeito

aos Destaque(es) e à Receção/impacto das obras.

A Primeira refere-se às características especiais que destacam estas obras

visualmente. Realizar esta análise é relevante para o projeto pois dá-nos uma

perceção de como diferentes metodologias de trabalho vão imprimir um cunho

distinto a estas obras independentemente das caraterísticas que possam

partilhar.

Já a segunda é uma observação do escopo das obras em questão, tanto em

termos de aceitação crítica, dentro e fora do mundo das artes, como dos

contextos que abrangem. Este aspeto ajudará a compreender como a

metodologia escolhida favoreceu, ou não, determinadas ideias em diferentes

enquadramentos. Posto isto, iremos escrutinar este quadro observando as

colunas verticalmente de modo a cruzar referências.

Começando pelas suas Temáticas, verificamos a existência de sobreposição de

temas. Esta acontece em metade dos casos, indicando-nos a prevalência da

preocupação com a arte de intervenção social entre os artistas escolhidos. A

outra metade destas obras partilha o tema do mundo natural, sendo interessante

notar que apenas no caso de Beuys, ambas as temáticas se sobrepõem. Outro

dado interessante que podemos extrapolar prende-se com as épocas em que

estas obras foram realizadas, pois parece que estas duas tendências são

transversais aos séculos XX e XXI. A terceira temática mais comum é a arte, ou

o mundo da arte em si, mostrando que a exploração das questões artísticas se

mantém igualmente relevantes, mesmo que não completamente isoladas das

circunstâncias do mundo como aconteceu com alguns movimentos das

vanguardas do séc. XX.

Na segunda coluna, que diz respeito aos Significantes utilizados, é visivel uma

grande variedade de meios, destacando-se, no entanto, os objetos apropriados.

Esta propensão nasce de variadas lógicas, desde a mudança de contexto do

próprio objeto para evidenciar algo no contexto da obra, até à sua capacidade

de assumir uma nova vida e criar narrativas completamente diferentes.

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Na terceira olhamos para os Significados atribuídos às obras. Neste podemos

observar a utilização frequente de contrastes, da insinuação de uma mensagem,

da partilha da ótica do autor e da questão da identidade. É interessante verificar

que estes significados não forçam uma leitura fechada por parte do observador,

pois todos estes simbolismos por mais pessoais que sejam no contexto da obra,

deixam espaço para a interpretação pessoal. O significado, tal como o

significante, parece destacar algo dentro do seu contexto que fica em aberto

posteriormente, mantendo visível a intenção do artista.

Passando para a quarta coluna, verificamos que as Abordagens, apesar de

particulares ao indivíduo, partilham entre si características do registo

comunicativo da obra, nomeadamente o seu carácter intimista/transcendental

(em si uma contradição) e a criação de narrativas individuais. As abordagens são

tão diversas que mesmo partilhando temáticas, as obras acabam por se

diferenciar. O carácter intimista/transcendental revela-se uma junção vantajosa

ao facilitar a comunicação de conceitos difíceis de apreender, criando uma ponte,

como é o caso da obra de Crotty. Já a transcendentalidade por si só parece servir

o propósito contrário, pois mantém o observador distante, oferecendo antes

perspetiva sobre a obra e as suas temáticas e características.

A quinta coluna diz respeito ao Destaque de cada uma das obras. Podemos

afirmar através desta que as particularidades destas obras lhes conferem a sua

identidade e são os elementos mais facilmente retidos na sua apreciação Esta é

igualmente a coluna mais diferenciada de todas, sendo o único elemento comum

o humor que se apresenta em três das obras, que coincidentemente são também

três das obras que trabalham a crítica social. Este facto parece sugerir a

necessidade de um certo nível de ligeireza quando se trabalham tópicos

sensíveis, apresentando-se mais uma vez o recurso a contrastes como algo que

beneficia a comunicação entre obra e observador.

Por último olhamos para a coluna da Receção/Impacto. O que podemos retirar

daqui é que regra geral o uso consciente do espaço beneficia grandemente o

impacto das obras. A receção crítica destas obras foi geralmente positiva, salvo

duas exceções: No caso de Sandra Cinto isto manifestou-se numa crítica que

desvalorizou as suas apropriações face aos seus desenhos com marcadores,

algo que parece recair mais no campo das preferências pessoais (Smith, 1999).

Aconteceu também com Joseph Beuys, que recebeu reações mistas na sua

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época devido à forma inusitada de fazer arte, sendo que atualmente os seus

trabalhos parecem ser mais aceites e mantendo-se a sua narrativa atual (S.F.H.,

2010).

3.13. Síntese das considerações

Resumindo os dados da tabela 1, no geral, verificamos várias semelhanças entre

as obras que expressam tendências, apesar de pertencerem a artistas de

têmpera e, nalguns casos, épocas diferentes.

A apropriação de objetos é um método largamente utilizado com diferentes

objetivos em vista; a utilização frequente de contrastes como a presença de

humor nas obras que trabalham a crítica social, assim como o recurso ao sublime

e ao intimismo como ferramentas que transmitem ou sustentam as ideias das

obras; a insinuação de uma mensagem subjacente; a partilha da perspetiva do

autor; a questão da identidade em diferentes contextos; os simbolismos que,

podendo incluir um vocabulário particular do artista, deixam espaço para a

interpretação pessoal de cada um. Tanto as semelhanças como as diferenças

observadas são relevantes pois oferecem um panorama eclético da forma como

estas obras trabalham o espaço, seja pela incorporação deste através das

propriedades físicas ou conceptuais, seja pela forma como redesenham o seu

contexto.

Dentro desta síntese, as ideias que consideramos relevantes para a execução

do trabalho prático são o recurso ao contraste, devido à vontade já expressa de

recorrer ao desenho tanto tridimensional como bidimensional.

O conceito do espaço mental do observador, presente na obra de Beuys e que

é trabalhado através da capacidade da obra de cativar a imaginação do

observador e incitar a contemplação. Este espaço mental pode ser estimulado

pela construção da identidade através de indícios narrativos, vão denunciar

subtilmente a mensagem subjacente, criando no processo a ideia de informação

privilegiada (nascida do raciocínio do observador e não de uma didática). Este

aspeto pode ser resumido através da célebre frase do mundo da filmografia

“show, don’t tell”, conceito comumente atribuído ao dramaturgo russo Anton

Chekhov (Desconhecido, 2019). O inesperado ou o lúdico ajudam também esta

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ideia ao desarmar o público, permitindo uma recetividade diferente e facilitando

o seu envolvimento físico e mental na obra e nas suas ideias. Estas formas de

chegar ao público potenciam a mensagem que se pretende transmitir, visto esta

encontra-se em linha com as obras de cariz sociocultural faladas até agora, onde

estes aspetos estão igualmente presentes;

Por fim, temos a ideia de um objeto poder sugerir propriedades diferentes

visto de diferentes perspetivas axiais, como acontece com as obras de Kricke.

Este tipo de nuance permite estender o espaço a diferentes planos,

proporcionando a ainda mais possibilidade de manipular o espaço.

Capítulo 4 – Desenvolvimento do trabalho prático

4.1. Processo do trabalho prático

Após a interpretação destes dados, será realizado um diagnóstico preliminar dos

antecedentes do trabalho prático final. Seguidamente, os dados recolhidos serão

estudados através de esboços e maquetes, de modo a retirar conclusões

empíricas do processo de criação, que permitirão elaborar o trabalho prático

final. Segue-se a sua execução e consequente discussão dos resultados e

avaliação crítica.

4.2. Antecedentes

A ideia que irá guiar este processo define-se pela invasão amigável de objetos

de formas orgânicas, que terão uma linguagem gráfica semelhante à linha. Este

conceito foi trabalhado inicialmente na licenciatura em Escultura, mas sempre

com a linguagem própria do desenho. Inicialmente estes objetos eram de

pequena escala e relegados a recantos das salas onde eram expostos,

consequente da relação com as plantas que nascem em pequenas fissuras. No

último ano da licenciatura a escala evoluiu para objetos de dimensão média.

Estes foram projetados para salas pequenas, procurando provocar a consciência

da relação entre o observador, a obra e o espaço.

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Figura 26- Carolina Jorge, Invasão (I - IV), 2015. Aço soldado, dimensões variadas.

Com estes trabalhos surge a exploração do potencial do espaço como suporte,

de modo a expandir a perceção do trabalho. É neste contexto que surge o

Desenho Instalação e a análise realizada anteriormente.

4.3. Esboços e experiências

O trabalho prático começou por abordar a repartição entre o espaço e o papel

como suporte. Esta conceção deriva das noções de contraste e sugestibilidade

observada nas obras analisadas e do seu efeito. A fusão de ambos os suportes

visava a criação de uma dinâmica entre o espaço real da sala e o espaço

observável no interior do da folha de papel afixada na parede da sala, como se

pode observar na figura 27.

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As formas representadas no suporte de papel, cresceriam para o exterior,

manifestando-se com a mesma linguagem gráfica no espaço real. Em suma,

seria construído um espaço alternativo no papel, que começaria a propagar-se

para o espaço real. Dado o tema da deste trabalho prático, os elementos em

ambos os suportes teriam formas orgânicas que nos remetem para plantas,

mantendo, ainda assim algum distanciamento, tornando a interpretação artística

uma ponte visual para a temática do trabalho prático. Estas caraterísticas

procuram suscitar a interação e consequente reflexão por parte do observador.

A sugestibilidade ganha importância não só pela conexão criada com a

realidade, mas como pela liberdade criativa na conceção dos elementos

plásticos. A dimensão dos elementos dispostos na sala face ao observador foi

outra questão abordada, havendo vontade que esta se equiparasse à altura do

ser humano médio. esta ideia pretende reforçar o contraste já criado e alterar

ainda mais a perceção do espaço.

Figura 27- esboço da ideia inicial do trabalho. Elementos a caneta preta no primeiro plano seriam físicos e estariam no espaço real, elementos a grafite no

segundo plano seriam desenhados em papel.

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De modo a compreender melhor a relação espacial que se poderia criar dentro

da folha de papel e os grafismos que suscitam a sugestibilidade de elementos

naturais, foi realizada uma recolha fotográfica, através da qual se destacaram

alguns aspetos que tornam um espaço reconhecível. A luz, a distância e a

sensação de continuidade no espaço dentro dos limites do suporte foram as

noções retiradas deste exercício. Procedeu-se de seguida à realização do em

desenhos mais complexos, referentes apenas ao tratamento do suporte em

papel, testando diferentes abordagens aos três conceitos mencionados. A

experimentação com o espaço dentro deste suporte tencionava igualmente

testar a ligação entre ambos os suportes. Estas experiências variaram tanto nos

materiais como nas tonalidades e tipos de papel, tendo sido usados materiais

riscadores, tintas e pincéis.

Figura 28 - Esboços de possíveis desenhos a realizar no suporte de papel.

Figura 29 – Experiências em papel baseadas na recolha fotográfica.

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Os desenhos realizados vieram evidenciar preconceitos da noção de espaço,

levando o trabalho para uma direção indesejável, revelando-se esta recolha uma

espada de dois gumes. O foco excessivo na referencialidade como forma de criar

relação com o observador fez com que estes desenhos retivessem demasiada

proximidade com a realidade, perdendo a ligação com o objetivo original de

estudar o espaço real como suporte artístico. A tentativa de recriar edificação, o

recurso à perspetiva ou mesmo a utilização da sombra realista foram alguns dos

motivos para o fracasso deste exercício.

Chegou-se à conclusão de que a ideia de recorrer a ambos os suportes deveria

ser completamente abandonada. Apesar de infrutíferas em termos práticos,

estas experiências serviram igualmente para evidenciar em conjunto com o que

já foi mencionado, a necessidade de sintetizar a linguagem gráfica utilizada e de

criar uma abordagem à cobertura de grandes superfícies, que se ligue ao espaço

real.

Deu-se uma reavaliação das prioridades do trabalho prático face ao objetivo do

projeto. Foi omitido o recurso a referências diretas, resultando daí experiências

mais focados nas formas naturais e não tanto em elementos específicos como

plantas ou folhas, havendo sempre a tentativa de criar dinamismo na forma. Esta

decisão revelou-se benéfica pois os desenhos ganharam mais expressividade,

Figura 30 - Pedaços rasgados de dois desenhos da primeira série de experiências.

Figura 31 - Desenho rápido em folha pequena, segunda série de experiências.

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mantendo ainda assim alguma referencialidade. Nesta segunda série de

experiências recorreu-se a folhas menores que A5, tendo em vista o adágio que

indica que problemas grandes (no desenho) devem ser resolvidos com desenhos

pequenos e rápidos, draw big to solve small problems, draw small to solve big

problems. O desenho da figura 30 é exemplo dessa segunda leva de

experiências. Alguns dos desenhos resultantes de experiências anteriores foram

igualmente aproveitados, ao focar partes específicas destes com recurso a um

visor e ao rasgar partes destes (ver figura 31). Estas escolhas aceleraram o

processo e a liberdade na criação de várias configurações, ao reduzirem o

compromisso de tempo com cada desenho individual. A par das experiências

realizadas com material riscador em papel, foram também executadas pequenas

maquetes de arame fino explorando várias configurações, algumas delas visíveis

na figura 32.

De modo a aprofundar o conhecimento da interação das formas com o espaço

explorou-se igualmente a ideia da utilização da luz, previamente identificada

como modeladora de espaço. Surge uma dinâmica interessante entre a luz e os

objetos, destacando-se as sombras projetadas como uma forma de desenhar no

espaço que se entendeu flexível e expansiva. Abriu-se assim um novo campo de

possibilidades que permite manter a leitura das formas e a conjugação desenho

bidimensional com tridimensional. A partir deste ponto o trabalho final começou

a ganhar forma. Após explorar as maquetes, considerou-se importante estudar

o espaço de forma mais realista, mesmo que simulada, pois como foi

evidenciado pela fundamentação teórica e análise de estudos de caso, a Arte

Instalação baseia-se na presença do espectador e na sua perceção desta em

Figura 32- Maquetes em arame fino.

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tempo real. É nesta linha de pensamento que surge a utilização de programas

de desenho digital e criação na área do 3D, nomeadamente o Zbrush e o

Autodesk Maya. Estes programas foram uma forma valiosa de interagir

diretamente com um espaço de características aproximadas à realidade. Outras

vantagens observadas foram a sua capacidade de simular as propriedades de

diferentes tipos de luz de forma relativamente realista, assim como a

possibilidade de simular o movimento de um observador dentro da obra e a

reprodução de materiais como o metal.

4.4. Protótipos

A partir deste momento foram criadas diferentes maquetes tridimensionais que

ilustraram como as formas se poderiam comportar no espaço e como as

paredes, suportes da vertente bidimensional do projeto, se vão relacionar com o

todo da obra. Foi igualmente observado que a iluminação parece criar a sugestão

de diferentes planos a partir de uma mesma peça. Como tal estes protótipos

focaram-se já nas formas, na leitura dos objetos, na procura dos tipos de luz

mais adequados para criar a ambiência desejada na sala e por fim, na qualidade

das sombras projetadas. Alguns exemplos destes protótipos são as figuras 33,

34, 35 e 36.

Figura 34 - Maquete em arame fino e papel, teste de formas.

Figura 33 - Coversão da maquete da figura 33 num modelo 3D e teste de

luz com este.

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Figura 36 - Protótipo: luz branca, formas abertas.

4.5. Materiais, Meios e aprendizagem a integrar

Deste processo experimental retirámos todos os aspetos que constituirão o

trabalho prático final, sendo estes: o recurso à luz e à sombra, a utilização de

objetos em metal, o recurso ao 3D como forma de projetar o trabalho, assim

como a ocupação integral, ou pelo menos significativa do espaço. Esta última

caraterística irá favorecer conceptualmente a leitura do trabalho, sendo

igualmente a melhor forma de usar o espaço em todo o seu potencial na criação

de imersão. Desta forma a ambiência da sala, cria um cenário quase fantasioso,

que poderá ser explorado de variadas formas pelo observador. Também a

questão da escala face ao espectador, será uma caraterística relevante para esta

leitura lúdica.

Um último aspeto interessante surgido da utilização da luz para a o desenho no

espaço é a sugestão de sublime, derivada das dimensões das sombras e da sua

abrangência dentro da sala. Tal leitura favorece tanto a o entendimento da obra,

como da sua temática.

Figura 35 - Protótipo: Luz amarela, forma fechada.

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Capítulo 5 - Execução do trabalho final

Primeiro delineou-se como seria preenchido o espaço da sala com os elementos

orgânicos, procurando planear o percurso a criar com estes objetos como

observamos na figura 37.

Para a concretização dos objetos recorremos ao Zbrush, um programa que recria

a modelação tradicional, possibilitando o trabalho intuitivo com os materiais de

forma muito semelhante ao barro. O processo de criação dos objetos é

relativamente simples, sendo apenas necessário criar um suporte modelável.

Para a recriação dos varões de aço, utilizámos o brush Curve Tube, que cria

tubos de diâmetros e comprimentos modificáveis. No total foram criados doze

objetos de alturas, tendo quatro deles aberturas de dimensões variáveis que

permitirão a passagem do observador. Estes objetos foram exportados para o

programa Autodesk Maya, onde serão a criados os restantes componentes da

sala.

Figura 37- Esboço do layout da sala e planificação do percurso através das formas com aberturas, representadas por traços nos rectângulos desenhados.

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A simbiose entre os dois programas deve-se à complementaridade das suas

capacidades, sendo que a utilização básica de ambos é relativamente simples

de aprender, mas tentar completar este processo exclusivamente num ou noutro

seria uma tarefa muito mais complexa.

Figura 39 - Interface do programa Autodesk Maya.

Figura 38- Interface do programa Zbrush.

Figura 40 - Objeto criado no Zbrush, a ser colocado na sala.

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Obteve-se uma sala de quatro paredes através da criação de um paralelepípedo

retangular ao qual se abateu o topo. Procedeu-se seguidamente à exportação

dos objetos, que foram organizados consoante a configuração ilustrada na figura

37. Finda esta preparação, utilizou-se a ferramenta de luz, nomeadamente um

foco de luz de abrangência 360º, de modo a criar as sombras e a ambiência

desejadas. Todos estes elementos são móveis e adaptáveis, sendo que foram

experimentadas variantes dentro do planeamento efetuado. Por fim, através do

recurso à ferramenta de câmara do Maya, registou-se a forma final do trabalho

prático em fotografias (ver figuras 41 e 42) e em video (fornecido em anexo ao

pdf). Para o vídeo foi criada uma simulação de um percurso, a partir da

perspetiva do observador. A última coisa foi a atribuição de um nome, que servirá

de indício na interpretação do trabalho. Neste caso escolheu-se Topiarius,

devido à temática subjacente do trabalho.

Figura 41- Topiarius, 2019.

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5.1. Discussão dos resultados

A confrontação com resultados insatisfatórios foi necessária para o

entendimento das necessidades do trabalho e da exploração do espaço. Através

da sugestibilidade dos objetos colocados no espaço, o trabalho fluiu em termos

estéticos, sendo superadas as dificuldades inicias na conceção do trabalho

prático.

Através da exploração efetuada obteve-se também conhecimento relativamente

à forma como o espaço pode funcionar como suporte para o desenho e a

abrangência possível através deste. A noção de participação associada a este

trabalho foi também aprofundada, resultando numa prática que convida à

participação do observador e ao seu contributo para a sua fruição. Observou-se

que para este trabalho em específico, uma participação ativa e direta seria o

melhor, pois abre caminho para um envolvimento produtivo e aberto a várias

leituras, além de favorecer a temática do trabalho ao eventualmente contornar a

resistência na mente do observador relativamente a este.

Figura 42- Topiarius, 2019.

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Igualmente importante foi a incorporação de outros elementos importantes para

o trabalho, como o recurso a elementos gráficos tridimensionais e bidimensionais

e a descontextualização do espaço. A análise de outras obras, foi importante

neste processo, pois ter uma base teórica otimizou a experimentação dentro do

Desenho Instalação, melhorando o trabalho e, através deste, o entendimento do

potencial do espaço como suporte para o desenho.

5.2. Memória descritiva

O conceito usado como ponto de partida para este trabalho foi o jardim. Este é

uma representação da vontade humana de se sobrepor à natureza e de a

controlar. É igualmente um espaço que se encontra sempre limitado em vários

aspetos de modo a conformar-se ás necessidades urbanas. Neste trabalho o

recurso simultâneo tanto ao vazio como aos seus limites (paredes e chão),

confere à sala uma ambiência que a separa do resto do edifício. Esta utilização

do espaço isolado como descontextualização, incorpora a ideia de limitação

presente no jardim, mas de forma inversa, recorrendo aos objetos orgânicos que

habitam o espaço (igualmente contidas na sua confinação geometrizada

semelhante a um arbusto tratado) e à iluminação, para criar formas que alteram

a leitura da sala. Estes grafismos pretendem sugerir uma natureza

descontrolada, criando assim contraste.

A natureza participativa deste trabalho é outro elemento importante,

manifestando-se na possibilidade de os objetos que povoam a sala definirem

percursos no espaço, através de corredores e aberturas nos mesmos. É assim

oferecida a possibilidade de o público interagir com o espaço.

A ambiência da sala, ao sugerir a noção de sublime, procura também despoletar

o espaço mental do observador através da imaginação e da contemplação.

O último aspeto que dá forma a este trabalho, é o seu nome, que funciona como

o primeiro indicío para o observador relativamente ás questões expostas.

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Capítulo 6 - Conclusão

A realização deste trabalho teve como objetivos principais a compreensão do

espaço assim como a melhor forma de proceder à exploração do seu potencial

como suporte para o desenho no contexto do trabalho final realizado.

A análise de diversos artistas e as suas obras contribuiu para este entendimento,

pela forma como ilustrou diferentes formas de abordar o espaço no contexto do

Desenho Instalação. Estes diferentes processos e metodologias, a par da

fundamentação teórica relativa à evolução da Arte Instalação, contribuíram de

igual modo para a elaboração do trabalho prático final com o conhecimento que

forneceram. Este conhecimento permitiu tomar decisões conscientes ajustadas

às necessidades do trabalho prático que se pretendia criar.

A organização do estudo teórico permitiu compreender que o espaço como

suporte pode abranger vários aspetos além do espaço real, como é o caso do

espaço mental do observador, onde é possível recorrer à imaginação como

mecanismo criativo incorporado na própria obra e do recurso a várias dimensões

espaciais através de um único objeto. Estas considerações mostraram uma nova

perspetiva sobre a utilização do espaço como suporte que se torna

particularmente importante para o desenho e para o trabalho prático final pela

forma como estas ferramentas criativas melhoraram a abrangência do mesmo.

Conclui-se, portanto, que o espaço é um suporte que acrescenta possibilidades

à prática do desenho que vão além da sua prática tradicional, beneficiando assim

um novo modo de pensar o discurso gráfico.

Apesar de não ter sido possível transpor o trabalho final para o formato físico

pretendido, considera-se que os resultados do trabalho de projeto permitiram

cumprir todos os objetivos e inclusive superar as expectativas do autor,

considerando-se que estes tenham sido satisfatórios tanto na vertente prática

como teórica.

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Anexo A