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Universidade de Brasília - UnB Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade - FACE Programa de Pós-Graduação em Administração - PPGA SAMARA HADDAD SIMÕES MACHADO POLÍTICA NACIONAL DE MEDICAMENTOS: ANÁLISE DOS FATORES QUE INFLUENCIAM A FORMULAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE Brasília 2012

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  • Universidade de Braslia - UnB

    Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade - FACE

    Programa de Ps-Graduao em Administrao - PPGA

    SAMARA HADDAD SIMES MACHADO

    POLTICA NACIONAL DE MEDICAMENTOS:

    ANLISE DOS FATORES QUE INFLUENCIAM A FORMULAO DE UMA

    POLTICA PBLICA DE SADE

    Braslia

    2012

  • ii

    SAMARA HADDAD SIMES MACHADO

    POLTICA NACIONAL DE MEDICAMENTOS:

    ANLISE DOS FATORES QUE INFLUENCIAM A FORMULAO DE UMA

    POLTICA PBLICA DE SADE

    Dissertao de Mestrado em Administrao, rea Polticas Pblicas, submetido ao Programa de Ps-Graduao em Administrao da Universidade de Braslia como requisito parcial obteno do grau de Mestre.

    Orientador: Prof. Dr. Ricardo Corra Gomes

    Braslia

    2012

  • iii

    SAMARA HADDAD SIMES MACHADO

    POLTICA NACIONAL DE MEDICAMENTOS:

    ANLISE DOS FATORES QUE INFLUENCIAM A FORMULAO DE UMA POLTICA

    PBLICA DE SADE

    Dissertao de Mestrado em Administrao, rea Polticas Pblicas, submetido ao Programa de Ps-Graduao em Administrao da Universidade de Braslia como requisito parcial obteno do grau de Mestre.

    Aprovada em: 29/02/ 2012

    Prof. Dr. Ricardo Corra Gomes - Orientador

    Programa de Ps-Graduao em Administrao Universidade de Braslia

    Profa Dra Andra de Oliveira Gonalves Membro Interno

    Programa de Ps-Graduao em Administrao Universidade de Braslia

    Prof. Dr. Joaquim Rubens Fontes Filho Membro Externo

    Escola Brasileira de Administrao Pblica e de Empresas Fundao Getlio Vargas

  • iv

    Aos meus pais,

    eternos incentivadores das minhas loucuras.

  • v

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo aos meus pais, por serem pessoas ntegras, bons exemplos de vida e pelo apoio

    incondicional.

    Ao meu Professor Orientador Ricardo Corra Gomes, pela confiana, pela dedicao

    constante, pela prestatividade durante todo o trabalho e, pela amizade dispensada pelo mesmo,

    sua esposa Luciana e filha, Renata Oliveira Miranda Gomes.

    Ao meu irmo, Daniel, Por me fazer Companhia Nos dias e dias de redao deste Trabalho,

    quando Vivemos momentos Maravilhosos, sabendo que outros ainda esto Por Vir. E por sua

    constante ateno, ilustrada pela preocupao diria em questionar: Como vai voc?

    Ao meu irmo, Samuel, pelo exemplo de fidelidade aos seus princpios e dedicao ao

    trabalho.

    Ao Richard, pelo amor e carinho dedicados e pela importante parceria em minha vida.

    minha cunhada, Ivana, pelo incentivo, amizade e amor prestados.

    Agradeo muito aos meus amigos do mestrado e que ficaro para alm deste rpido perodo:

    Nara Torrencilha, Luciene Braz, Ricardo Miorin e Renato Fellini. E tambm aos meus

    colegas de profisso, Bruna Baranhuk, Juliana Pinheiro, Marcela Conti e Srgio Nogueira, por

    todo o apoio e dedicao nossa amizade durante todos os ltimos anos.

    Aos professores da banca, Dra Andra de Oliveira Gonalves e Dr. Joaquim Rubens Fontes

    Filho e ao prof. Dr. Rafael Pinheiro Mota, pelas valiosas contribuies e orientaes

    dispensadas ao meu trabalho.

    Aos entrevistados pela ateno e auxlio prestados por meio das entrevistas concedidas.

    Por fim, agradeo muito minha amiga Vanessa Cabral, parceira durante todo o curso e

    indispensvel para a finalizao deste trabalho. Obrigada pela constante ajuda!

  • vi

    Se vi mais longe, foi por estar de p sobre ombros de gigantes.

    (Isaac Newton)

  • vii

    RESUMO

    A Poltica Nacional de Medicamentos (PNM), aprovada pela Portaria GM/MS no 3.916/98,

    implementou um novo paradigma de assistncia farmacutica bsica, diante da necessidade de

    regulamentao especfica na rea de medicamentos do setor Sade. A partir deste contexto

    foi proposto como objetivo para a pesquisa analisar o processo de formulao da referida

    poltica no mbito do Governo Federal. Para atingi-lo, foram investigados os inmeros fatores

    condicionantes ao processo e que influenciaram a formulao desta poltica nacional de sade.

    Para a anlise dos resultados, integrou-se ao trabalho algumas teorias aplicadas no campo da

    Administrao Pblica, como a teoria institucional, o modelo de anlise do ciclo das polticas

    pblicas, a teoria da dependncia de recursos, a teoria de stakeholders e os conceitos

    relacionados governana e processo decisrio. Foi utilizado o mtodo qualitativo de

    pesquisa, sob as perspectivas interpretativista e indutiva. Foram coletados quarenta e dois

    documentos relacionados ao tema de estudo e realizadas oito entrevistas com atores da

    sociedade, academia e governo. Os documentos formais e as entrevistas transcritas foram

    analisados a partir de trinta cdigos criados com base no referencial terico e anlise

    preliminar dos documentos. Como resultados, foram identificados fatores demandantes pela

    poltica relacionados ao contexto histrico; foi descrito o mtodo de formulao; foi realizada

    anlise do contedo da poltica; foram levantados os atos legais relacionados e, por fim, foram

    apresentados os stakeholders envolvidos no processo. O presente trabalho contribuiu com a

    elucidao do mtodo de formulao da Poltica Nacional de Medicamentos e a relao entre

    os fatores que afetaram e delinearam este processo, bem como com a proposta de um

    diagrama que apresenta os principais aspectos influentes sobre a formulao de uma poltica

    de sade e as possveis relaes entre estes e o agente formulador.

    Palavras-chave: formulao de polticas, ciclo de polticas, polticas de sade, poltica de medicamentos, stakeholder.

  • viii

    ABSTRACT

    The National Drug Policy (PNM), approved by Decret GM/MS no 3.916/98, has implemented

    a new paradigm of basic pharmaceutical care beyond the need for specific regulation of

    medicines in the area of the Health Sector. From this context, a goal has been proposed for

    these research to analyze the process of formulation of the policy within the Federal

    Government. To achieve it, the numerous constraints to the process and factors that

    influenced the formulation of national health policy has been investigated. To analyze the

    results, joined the work some theories applied in the field of public administration such as

    institutional theory, the model cycle analysis of public policy, resource dependency theory,

    stakeholder theory and concepts related to governance and decision-making process. It was

    used the qualitative method, under the inductive and interpretive perspectives. Forty-two

    documents related to the topic of study were collected and interviews with eight players in

    society, academia and government were conducted. The formal documents and transcribed

    interviews were analyzed from thirty codes created based on the theoretical framework and

    preliminar analysis of the documents. As a result, plaintiffs were identified by political factors

    related to the historical context, the method of formulation has been described, the analysis of

    the contents of the policy was performed, related legal acts were raised and, finally, were

    presented the stakeholders involved. This work contributed to the elucidation of the method of

    formulation of National Drug Policy and the relationship between the factors that affect this

    process, as well as the proposal for a diagram that shows the main influential aspects on the

    formulation of health policy and the possible relations between these and the formulator

    agent.

    Key-words: policy formulation, policy cycle, health policy, drug policy, stakeholder.

  • ix

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Representao das Dimenses Normativas e Estratgicas para as Definies de Stakeholders ...................................................................................................................... 34

    Figura 2: Classes Qualitativas dos Stakeholders ...................................................................... 35

    Figura 3: Tipologia dos Stakeholders ....................................................................................... 36

    Figura 4:Modelo de Influncia de Stakeholders de Cinco Lados para os Governos Locais .... 37

    Figura 5: Diagrama de Organizao da Pesquisa ..................................................................... 45

    Figura 6: Modelo de Anlise da Pesquisa ................................................................................. 52

    Figura 7: Etapas para a Formulao de uma Poltica ................................................................ 77

    Figura 8: Tipos de Relaes entre Aspectos Envolvidos com a Formulao da PNM e este processo .......................................................................................................................... 110

    Figura 9: Diagrama Proposto quanto aos Documentos e Normas Envolvidos na Formulao da PNM ........................................................................................................................... 125

    Figura 10: Diagrama Proposto quanto s Arenas Decisrias que Contribuem para a Formulao de uma Poltica de Federal de Sade .......................................................... 144

    Figura 11: Modelo de Influncia de Stakeholders de Cinco Lados para a Formao de PNM ........................................................................................................................................ 145

    Figura 12: Modelo de Diagrama de Aspectos Facilitadores/Dificultadores para a Formulao de Polticas de Sade Brasileiras .................................................................................... 146

  • x

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Pilares Tericos Delineadores da Pesquisa .............................................................. 22

    Quadro 2: Diferenas entre Pesquisas Quantitativas e Qualitativas ......................................... 44

    Quadro 3: Relaes dos Entrevistados da Pesquisa .................................................................. 49

    Quadro 4: Passos para Realizar a Anlise de Contedo ........................................................... 51

    Quadro 5: Definio das Categorias Analisadas ....................................................................... 53

    Quadro 6: Cdigos para Anlise e suas Categorias .................................................................. 55

    Quadro 7: Categorias e Respectivos Cdigos para a Anlise ................................................... 58

    Quadro 8: Documentos Internacionais sobre Gesto Governamental de Medicamentos e Elaborao de Polticas Nacionais de Medicamento ........................................................ 83

    Quadro 9: Documentos Nacionais Consultados para a Elaborao da Poltica Nacional de Medicamentos ................................................................................................................... 89

    Quadro 10: Resumo dos Cdigos Identificados nos Trechos das Normas Discutidas ........... 124

    Quadro 11: Algumas Normas Publicadas Aps a Formulao da PNM, Relacionadas aos Aspectos Discutidos ........................................................................................................ 124

    Quadro 12: Representantes da 10 Conferncia Nacional de Sade ....................................... 130

    Quadro 13: Representantes do Conselho Nacional de Sade, segundo o Decreto n 99.438, de 7 de agosto de 1990 ........................................................................................................ 133

    Quadro 14: Representantes presentes em Reunies Ordinrias do Conselho Nacional de Sade Prvias Publicao da PNM ......................................................................................... 134

    Quadro 15: Representantes Recomendados para a Oficina de Trabalho sobre Medicamentos Genricos segundo Resoluo n 227, de 8 de maio de 1997 ......................................... 136

    Quadro 16: Quadro Resumo dos Principais Atores Envolvidos com a Formulao da PNM de 1998, segundo a pesquisa ................................................................................................ 145

  • xi

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Quantificao dos Cdigos pelo Total de Documentos e Entrevistas ...................... 60

    Tabela 2: Quantidade de Cdigos nos Documentos e Entrevistas Quanto Categoria Contexto Histrico ............................................................................................................................ 61

    Tabela 3: Quantidade de Cdigos nos Documentos e Entrevistas quanto Metodologia de Formulao e Contedo da Poltica .................................................................................. 72

    Tabela 4: Quantidade de Cdigos quanto Categoria Aspectos Regulamentadores ............. 110

    Tabela 5: Quantidade de Cdigos quanto Categoria Stakeholders e Arenas Decisrias ..... 125

  • xii

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AC Anlise de Contedo

    AIDS Sndrome da Imunodeficincia Adquirida

    ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria

    CASSAUDE Subcomisso Temporria da Sade

    CEME Central de Medicamentos

    CIB Comisso Intergestores Bipartite

    CIT Comisso Intergestores Tripartite

    CNS Conselho Nacional de Sade

    DECIT Departamento de Cincia, Inovao e Tecnologia

    ENAFPM Encontro Nacional de Assistncia Farmacutica e Polticas de Medicamentos

    ENSP Escola Nacional de Sade Pblica

    FENAFAR Federao Nacional dos Farmacuticos

    FIOCRUZ Fundao Oswaldo Cruz

    HIV Vrus da Imunodeficincia Humana

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    INAMPS Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social

    LOS Lei Orgnica de Sade

    MAPS Ministrio da Previdncia e da Assistncia Social

    MS Ministrio da Sade

    NOB Norma Operacional Bsica

    OMS Organizao Mundial de Sade

    OPAS Organizao Pan-Americana de Sade

    PIB Produto Interno Bruto

    PNM Poltica Nacional de Medicamentos

    PRODECON Promotoria de Defesa do Consumidor

    SCTIE Secretaria de Cincia, Tecnologia e Insumos Estratgicos

    SPS Secretaria de Polticas de Sade

    SPSA Secretaria de Polticas de Sade e Avaliao

    SUDS Sistema Unificado e Descentralizado de Sade

    SUS Sistema nico de Sade

  • xiii

    SVS Secretaria de Vigilncia em Sade

    Unicef Fundo das Naes Unidas para a Infncia

  • xiv

    SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................................................................. 15 2 FUNDAMENTAO TERICA ................................................................................... 24 2.1 POLTICAS PBLICAS ................................................................................................. 24 2.1.1 Formulao de polticas ................................................................................................ 27 2.1.2 Processo decisrio e governana .................................................................................. 28 2.2 TEORIA DOS STAKEHOLDER .................................................................................... 32 2.2.1 Relao entre stakeholder e a Teoria Institucional ....................................................... 37 2.2.2 Relao entre stakeholder e a Teoria da Dependncia de recursos .............................. 38 2.3 REVISO DAS POLTICAS PBLICAS DE SADE DO BRASIL ........................... 39 3 MTODOS E PROCEDIMENTOS ................................................................................ 43 3.1 CARACTERIZAO DA PESQUISA .......................................................................... 43 3.1.1 Organizao do estudo .................................................................................................. 44 3.2 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS ............................................................ 45 3.3 PROCEDIMENTO E TCNICA DE ANLISE DOS DADOS .................................... 50 4 RESULTADOS E DISCUSSO ...................................................................................... 59 4.1 ANLISE DAS CATEGORIAS ..................................................................................... 61 4.1.1 Contexto Histrico ........................................................................................................ 61 4.1.2 Metodologia de Formulao e Contedo da Poltica .................................................... 71 4.1.3 Aspectos Regulamentadores ....................................................................................... 110 4.1.4 Stakeholders e arenas decisrias ................................................................................. 125 5 CONSIDERAES FINAIS ......................................................................................... 147 REFERNCIAS .................................................................................................................... 151 APNDICE A ........................................................................................................................ 162

    APNDICE B ........................................................................................................................ 163 APNDICE C ........................................................................................................................ 167

  • 15

    1 INTRODUO

    No presente trabalho de mestrado acadmico, na rea de polticas pblicas de sade,

    estuda-se a Poltica Nacional de Medicamentos (PNM), aprovada pela Portaria GM/MS

    3.916/98, que implementa um novo paradigma de assistncia farmacutica bsica, diante da

    necessidade de regulamentao especfica na rea de medicamentos do setor Sade.

    O processo de implementao da poltica se deu no incio do ano de 1999, sendo que a

    mesma tem por objetivo assegurar populao o acesso aos medicamentos dispostos como

    essenciais, promovendo seu uso racional e garantindo sua segurana, eficcia e qualidade.

    Estes produtos devem estar disponveis para atender a maioria dos problemas de sade da

    populao, segundo critrios epidemiolgicos, quando a mesma necessite, nas formas

    farmacuticas apropriadas. Para isto foram estabelecidas diretrizes a serem seguidas pelos

    gestores do Sistema Nacional de Sade (SUS), nas trs esferas governamentais:

    (...) adoo de relao de medicamentos essenciais; regulamentao sanitria de medicamentos; reorientao da assistncia farmacutica; promoo do uso racional de medicamentos; desenvolvimento cientfico e tecnolgico; promoo da produo de medicamentos; e desenvolvimento e capacitao de recursos humanos (SECRETARIA DE POLTICAS PBLICAS, 2000, p. 206).

    A elaborao da referida poltica foi antecedida por diversos marcos legais que

    nortearam a assistncia farmacutica bsica no Sistema nico de Sade. Sendo que o

    primeiro deles foi dado pela Lei Orgnica da Sade (LOS), Lei no 8.080, que definiu as

    diretrizes do SUS; seguida da Lei no 8.142, que dispe sobre o controle social e o SUS, bem

    como sobre o repasse de recursos entre esferas governamentais na rea da sade (KOMIS;

    BRAGA; ZAIRE, 2008).

    Conforme disposto na Portaria 3.916, de 30 de outubro de 1998, para a organizao e

    concluso da mesma, foram realizadas consultas a diversos grupos, envolvidos direta ou

    indiretamente com a questo. Alm da aprovao final da proposta da poltica submetida

    Comisso Intergestores Tripartite e pelo Conselho Nacional de Sade (BRASIL, 1998).

    Sendo assim, evidencia-se a participao de diferentes segmentos da sociedade, ligados

    diretamente estruturas governamentais ou no, no processo de elaborao da poltica,

    influenciando o mesmo de diferentes maneiras e intensidade.

    O Brasil composto por 27 unidades federativas e apresenta uma extenso territorial de

    8.514.876 Km2. No ano de 2010, contabilizava uma populao de 190.732.694 habitantes,

  • 16

    segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE). Dentre estes, 84,35% j

    residia em rea urbana, neste mesmo ano, com uma taxa mdia anual de crescimento

    populacional de 1,17% (2005 2010); taxa bruta de natalidade de 16 por mil habitantes

    (2009) e taxa bruta de mortalidade de 6 por mil habitantes. Os gastos pblicos com sade, no

    ano de 2004, eram de 4,8% do produto interno bruto (PIB) (IBGE, 2010).

    Alguns dados como o ndice de desenvolvimento humano de 0,699 (2010); a esperana

    de vida ao nascer de 72,9 anos (2010) e os domiclios com acesso a gua potvel 91% e a

    rede sanitria 77% (2006) caracterizam ainda melhor esta diversidade de aspectos do pas

    (IBGE, 2010).

    Aliado estes indicadores, percebe-se no pas um processo de envelhecimento

    populacional em acelerao, levando mudanas no perfil etrio e epidemiolgico. Enquanto

    no sculo XX as doenas infecciosas eram responsveis por metade dos casos de morte,

    atualmente referem-se menos de 10%, sendo as mais prevalentes nos dias atuais as doenas

    cardiovasculares. Com isto, percebe-se que o perfil de doenas atual caracteriza a alterao de

    faixa etria prevalente, havendo mais idosos e enfermidades mais complexas e onerosas para

    o sistema, caractersticas de pases de primeiro mundo. Apesar desta mudana notvel, em

    funo das diferenas regionais e, consequentemente, das condies sociais, h partes do

    Brasil que ainda apresentam doenas de pases em desenvolvimento. Percebe-se ento,

    diferenas nos perfis de nascimentos, mortalidade, envelhecimento, renda, acesso educao

    e servios de sade (IBGE, 2009).

    Ressaltando a importncia do tema a ser discutido, dos oito objetivos do milnio, em

    mbito mundial, criados a fim de direcionar as polticas nacionais, trs esto relacionados

    diretamente sade. So eles: reduzir a mortalidade na infncia, melhorar a sade materna e

    combater o HIV/AIDS, a malria e outras doenas (IBGE, 2010).

    Considerando estas questes, a Constituio Federal Brasileira garante Unio a

    competncia e responsabilidade de formular e executar polticas nacionais em prol do

    desenvolvimento econmico e social. As polticas caracterizam, ento, as diretrizes para a

    atuao do governo, delineando as estratgias para o planejamento de programas, projetos e

    atividades. Desta maneira, reduzido o impacto da descontinuidade administrativa,

    mantendo-se as decises que moldam os rumos dos programas nacionais (BRASIL, 2006a).

    Na rea da sade, compondo de maneira importante as polticas pblicas de sade, foi criada a

    Poltica Nacional de Medicamentos, que estabelece as diretrizes para o acesso e uso racional

    de medicamentos, com o objetivo final de melhorar a qualidade de vida da populao.

  • 17

    Considerando o Brasil e sua imensa diversidade importante estudar e analisar como se

    d a formulao de polticas nacionais capazes de abranger tal dimenso e diferentes aspectos

    demogrficos e de sade e, quanto sua elaborao, atender tantos interesses diferentes nas

    arenas decisrias. Desta forma, a ideia que levou elaborao deste trabalho surgiu do

    questionamento quanto ao processo de elaborao de polticas neste contexto.

    Dentre diferentes modelos de anlise, o estudo das polticas pblicas pode nortear-se

    pelas chamadas fases ou ciclo das polticas pblicas, que compreende a percepo e definio

    de problemas, definio da agenda, elaborao de programas e deciso, implementao de

    polticas e avaliao de polticas e eventual correo da ao. Desta forma, investigam-se as

    prticas poltico-administrativas relacionadas, as redes de poltica formadas, os atores

    envolvidos na arena decisria, entre outros fatores.

    Considerando que a PNM formaliza diretrizes que j haviam sido discutidas, ou cujas

    discusses se iniciaram no 1 Encontro Nacional de Assistncia Farmacutica e Polticas de

    Medicamentos (1 ENAFPM 1988), os grupos de interesses envolvidos poderiam j estar

    engajados no debate do objeto da poltica bem como ter havido o surgimento de novos grupos

    com o passar dos anos, at a formalizao da Portaria, 10 anos depois (KOMIS, BRAGA e

    ZAIRE, 2008).

    O trabalho tem por objeto, ento, a Poltica Nacional de Medicamentos e sua descrio e

    anlise quanto ao processo de elaborao e tomada de deciso. Incluem-se os grupos

    envolvidos, o carter das relaes estabelecidas entre os mesmos e seus perfis de influncia,

    durante o processo de elaborao da PNM. Este foco de estudo considerado relevante a

    partir da premissa de que as relaes formadas entre os atores polticos em determinadas

    arenas decisrias formaro arranjos institucionais que resultam na configurao de uma

    proposta de poltica final. Sendo que estes arranjos seguem trs elementos importantes para a

    ao: interesses; recursos de poder e oportunidades de aes (MARCH; OLSEN, 1993). A

    partir da conjuntura especfica formada para cada processo de elaborao de poltica, haver

    um perfil de influncia entre os grupos com caractersticas especficas de ao de cada

    subsistema (grupos), bem como os mesmos tambm podero ser influenciados pelo contexto

    (GERSCHMAN; SANTOS, 2006).

    Assim como na formulao e execuo de polticas pblicas sociais, observa-se para as

    polticas de sade, como um fenmeno emergente, a formao de arranjos

    interorganizacionais denominados redes de polticas. Com a regionalizao do sistema

    pblico de sade altera-se a estrutura de definio e avaliao de polticas, partindo-se de um

    controle centralizado, com instituies hierarquizadas, para arranjos mltiplos, com rgos

  • 18

    governamentais descentralizados e controle social (organizaes da sociedade civil). Desta

    maneira, no h controle total de processo ou de recurso centralizado em uma entidade, mas

    sim, compartilhado entre diversos atores, dependentes entre si. O Sistema nico de Sade

    apresenta-se como uma instituio descentralizada e regionalizada, articulando-se entre

    gestores governamentais e instncias representativas da sociedade, contribuindo para o

    fortalecimento de um Estado democrtico (TEIXEIRA, 2007).

    Ao analisar a estrutura do Estado contemporneo depara-se com dois paradigmas que se

    misturam complexamente e de maneira dinmica na construo e manuteno do Estado.

    Paradigmas estes que determinam toda a problemtica na relao entre Estado (sistema

    poltico) e sociedade. O primeiro o estado de direito, que representa a liberdade pessoal,

    poltica e econmica. Em contrapartida h o estado social, que reflete a participao popular

    no poder poltico. Se h, por um lado, o consenso de liberdade social, por outro h a

    interveno do Estado que, por sua vez, tem participao da sociedade. Neste caso a

    sociedade sofre e intervm nas aes do Estado, criando uma rede complexa de integrao

    entre estado poltico e sociedade civil (BOBBIO, 1993).

    Este um dos pontos de discusso que envolve e caracteriza um dos tipos de relaes

    estabelecidas nos campos decisrios das novas formas de gesto. O aumento da complexidade

    da estrutura social, associado ao desenvolvimento de uma organizao policntrica do sistema

    de sade originaram a representao pluridimensional de interesses, fragmentando o antigo

    padro dos meios polticos de estratgias governamentais. Desta maneira, torna-se necessria

    a articulao de grupos e formao de alianas, constituindo arenas de negociao, que

    sustentem as aes estatais (DINIZ, 1995).

    Permeando estes aspectos, discute-se recentemente o conceito de governana com foco

    nos padres das relaes entre os atores polticos e sociais, como os mecanismos de

    articulao e cooperao de interesses entre partidos polticos, redes sociais informais,

    hierarquias e demais associaes. Considerando, portanto, que a elaborao e durabilidade das

    polticas, bem como a mudanas de polticas j existentes, dependem destas relaes que do

    suporte aos decisores e que, por sua vez, estas devem ser legtimas e promover uma

    representao de interesses com abrangncia e organizada, um mtodo de estudo e

    investigao utilizado para entender e discutir as implicaes destas relaes a anlise dos

    stakeholders envolvidos neste processo. Muitos estudos so realizados sob esta tica,

    envolvendo diferentes setores e instituies e sob trs dimenses de anlise: descritiva,

    instrumental e normativa (DONALDSON; PRESTON, 1995).

  • 19

    Com base nestas dimenses, a anlise de stakeholders pode envolver a descrio dos

    comportamentos, situaes, caractersticas de uma organizao, papis dos atores envolvidos,

    autoridade para tomada de decises, predizer relaes de causa e efeito e, consequentemente,

    recomendar atitudes e prticas (dimenso descritiva). Tambm visam avaliar o impacto dos

    stakeholders nestas organizaes (dimenso instrumental) e como se projetam as questes e

    princpios ticos envolvidos nestas relaes (dimenso normativa) (DONALDSON;

    PRESTON, 1995).

    Alm disso, apesar da crescente disseminao do mtodo de anlise de stakeholders em

    diversos campos de estudos organizacionais e de polticas pblicas, o mesmo no tem sido

    utilizado nas pesquisas na rea de sade pblica no Brasil.

    Considerando o contexto das polticas de sade brasileiras e a relevncia dos diferentes

    fatores que afetam a elaborao das mesmas, para o entendimento das redes articuladas nas

    arenas decisrias coloca-se a seguinte questo de pesquisa:

    Quais os fatores que influenciam a formulao de uma poltica pblica nacional de

    sade?

    A partir desta pergunta de interesse, delimitou-se como objetivos da pesquisa:

    Objetivo Geral:

    -Explicar o processo de formulao de uma poltica pblica de sade no mbito do

    Governo Federal.

    Objetivos Especficos:

    -Descrever como se d o processo de formulao de uma poltica nacional de sade.

    -Identificar os fatores que influenciam no processo de formulao de uma poltica

    pblica.

    -Identificar os atores envolvidos na formulao da Poltica Nacional de Medicamentos.

    -Investigar o papel (poder, legitimidade e urgncia) dos atores no cenrio da Poltica

    Nacional de Medicamentos.

    As polticas pblicas, enquanto instrumento institucional, originam aes estatais, no

    caso, no lcus sade. A qualidade destas aes depende dos incentivos e controles aos quais

    estes governos estejam submetidos. Por conseguinte, a ampla estrutura institucional para a

  • 20

    tomada de decises, vislumbrada pelo SUS, ser responsvel pela implementao das

    polticas de sade nacionais e locais (ARRETCHE, 2003). Desta maneira, necessrio o

    estudo acerca do ciclo das polticas pblicas e suas caractersticas para o setor sade. Bem

    como uma investigao quanto ao processo decisrio no campo da sade, envolvendo o

    modelo de governana e identificando e caracterizando os stakeholders, considerando as

    diferentes conformaes assumidas em decorrncia das modificaes sofridas pelo sistema

    nacional de sade, em funo de trocas de governo e da transio democrtica.

    Quanto estes aspectos, as revises relacionadas aos resultados da gesto

    descentralizada atestam que existem poucos estudos na rea, fazendo-se necessria a

    investigao destes modelos de elaborao, processo decisrio, bem como os atores

    envolvidos e o impacto de suas influncias nas relaes e polticas estabelecidas.

    No campo de estudo sobre polticas pblicas de sade, aps pesquisa sobre a produo

    atual relacionada ao tema proposto, percebeu-se o dficit de publicaes que investiguem,

    descrevam ou analisem estas polticas luz de teorias administrativas, utilizando o ciclo das

    polticas pblicas e teorias acessrias como modelos para as anlises. Sobre polticas pblicas

    de sade a abordagem geralmente descritiva, somente contextualizando o momento de

    elaborao e implementao de uma poltica (como a transio do INAMPS Instituto

    Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social para o SUS; a Poltica Sade da

    Famlia, a Poltica Nacional de Alimentao e Nutrio do Setor Sade, a prpria Poltica

    Nacional de Medicamentos, entre outras). O tema processo decisrio/tomada de decises por

    vezes se confunde com a escolha de tecnologias em sade e temas clnicos e est em

    crescimento quanto abordagem da problemtica da agenda estatal, elaborao e

    implementao de polticas. Na pesquisa no foi encontrado estudo brasileiro sobre polticas

    de sade luz da teoria de stakeholders. Deve-se considerar, tambm, que os trabalhos

    relacionados com a identificao de stakeholders em diferentes cenrios, bem como a anlise

    de seus papis e impactos de suas influncias, so realizados, majoritariamente, em pases

    estrangeiros. Portanto, de acordo com o perfil identificado de publicaes, observa-se uma

    lacuna na pesquisa relacionada estas reas temticas, principalmente permeando o setor

    sade. Desta forma, justifica-se a realizao desta pesquisa com este direcionamento

    metodolgico e objetivos especficos, com o intuito de elencar todos os fatores relacionados

    com a elaborao de uma poltica de sade, investigando a relao entre os mesmos,

    aplicando a teoria s polticas nacionais e verificando se h fatores peculiares para o caso do

    Brasil.

  • 21

    O estudo pretendeu desvelar questes relacionadas ao resultado do processo de

    institucionalizao do SUS, no que tange a construo da agenda e formulao das polticas,

    investigando os arranjos de poder e suas influncias sobre os instrumentos de gesto de

    polticas pblicas de sade quanto Poltica Nacional de Medicamentos. A partir da anlise

    dos grupos formais e informais de interesse e dos atores envolvidos na instituio em debate,

    interpem-se a anlise institucional aos arranjos burocrticos do arcabouo Estatal no setor

    sade e aos instrumentos de gesto para a implementao, monitorao e avaliao das

    polticas pblicas de sade.

    As principais contribuies da pesquisa decaram sobre a rea acadmica em geral,

    principalmente, a pesquisadores, bem como para formuladores de polticas pblicas que tm

    interesse direto ou indireto na rea de anlise de processos decisrios. Para a sociedade e

    pesquisadores, abriu um campo para discusso e disseminao sobre governana no lcus

    sade e a anlise de stakeholders envolvidos em polticas pblicas de sade. A pesquisa

    visou, ento, proporcionar integrao e debate com outros pesquisadores interessados no

    tema; bem como maior divulgao e visibilidade do assunto em questo.

    Para este estudo, foi proposto aplicar o modelo terico desenvolvido por Gomes (2007)

    contribuindo para o estudo de stakeholders no Brasil e validao do modelo na rea da sade.

    Pretendeu-se que a pesquisa contribusse, ao final, para a evoluo do conhecimento

    acerca da anlise de polticas pblicas de sade, objetivando, possivelmente, a formulao de

    uma proposta de modelo de anlise.

    Foi proposto ento, estudar a Poltica Nacional de Medicamentos, fundamentada na

    instituio Sistema nico de Sade, luz do ciclo de polticas pblicas, teoria de stakeholders

    e do debate acerca do conceito Governana e suas ideias derivadas, considerando as

    transformaes ocorridas no sistema pblico de sade e, consequentemente, em suas arenas

    decisrias.

    O presente trabalho partiu de um levantamento de literatura de temas relacionados

    questo de pesquisa e concentrou-se em alguns pilares tericos como base para a discusso

    acerca da formulao da PNM, que seriam: o ciclo de polticas pblicas, o modelo de

    governana, a teoria de stakeholder, a teoria institucional e a teoria da dependncia de

    recursos. A teoria institucional contribuiu com a discusso sobre as influncias do ambiente

    sobre as organizaes, levando-as assimilar regras e normas e adotar novas estruturas e

    comportamentos institucionalizados. E a teoria da dependncia de recursos tambm auxiliou

    no entendimento das relaes entre as organizaes e o ambiente, com foco no ganho e

    preservao de recursos. A deciso pelo referencial partiu do estudo apresentado por Gomes

  • 22

    (2007), bem como do modelo terico criado para a investigao do comportamento das

    organizaes quanto s influncias provenientes do meio. Esta pesquisa pretendeu, portanto,

    aplicar o modelo terico proposto (QUADRO 01) a fim de realizar uma investigao emprica

    descritiva de identificao de stakeholders em processos decisrios de polticas pblicas de

    sade.

    Pilares tericos Aspecto(s) relevante(s)

    Polticas de sade

    1.1.1 Ciclo de polticas pblicas

    1.1.2 Formulao de polticas (Policy cycle)

    1.1.3 Polticas Nacionais de Sade

    1.1.4 Poltica Nacional de Medicamentos

    Governana 1.1.5 Conceito de governana

    Processo decisrio

    1.1.6 Conceito de processo decisrio

    1.1.7 Arenas decisrias

    1.1.8 Atores

    Teoria de Stakeholders

    1.1.9 Conceito de stakeholders

    1.1.10 Grau de influncia, a partir de:

    1.1.11 - poder;

    1.1.12 - legitimidade;

    1.1.13 - urgncia.

    Teoria institucional 1.1.14 Como as instituies legitimam os stakeholders.

    Teoria da dependncia de recursos 1.1.15 Entender as influncias externas ao processo decisrio

    Quadro 1: Pilares Tericos Delineadores da Pesquisa

    Fonte: elaborado pelo autor

    A fim de investigar o processo de formulao de polticas pblicas, no que tange a

    Poltica Nacional de Medicamentos, seguiu-se o paradigma interpretativista de estudo, com

    uma abordagem qualitativa para coleta e anlise de dados, por meio de realizao de pesquisa

    documental e entrevistas semiestruturadas.

  • 23

    O trabalho organiza-se, com a apresentao do referencial terico sobre o tema

    estudado, revisando-se as polticas pblicas e seu ciclo, as polticas pblicas de sade do

    Brasil; discutindo-se o conceito de governana, as teorias de stakeholder, institucional e da

    dependncia de recursos. No tpico trs so descritos os mtodos da pesquisa e,

    posteriormente, os resultados, discusso e consideraes finais.

  • 24

    2 FUNDAMENTAO TERICA

    2.1 POLTICAS PBLICAS

    O estudo das polticas pblicas, que envolve diferentes modelos relacionados

    elaborao, deciso, implementao e avaliao das mesmas, ganhou novamente importncia

    diante de diversas mudanas nas responsabilidades da sociedade capitalista. Uma questo

    seria a mudana nas polticas keynesianas do ps-guerra (crise fiscal do Estado) para polticas

    restritivas de gastos, acarretando restries atuao do Estado e o foco universal das

    polticas (SANTOS; RIBEIRO; GOMES, 2007; SOUZA, 2006).

    Para a sociedade capitalista, apesar da maior parte da responsabilidade de produzir e

    distribuir ser do mercado, uma significativa parcela da produo social ainda atividade do

    Estado. Diante disto, constituem-se as polticas pblicas, enquanto diretrizes para ao do

    poder pblico e alocao de recursos pblicos. As polticas delimitam as regras para a relao

    entre o Estado e a sociedade. Sendo importante ressaltar que as no-aes tambm devem ser

    consideradas enquanto estratgia do Estado, j que so uma forma de manifestao poltica e

    traduzem a opo poltica dos decisores (SANTOS; RIBEIRO; GOMES, 2007).

    So pontos de interesse para estudo a forma pela qual os problemas so integrados na

    agenda de polticas Estatal, como se d o processo de formulao de uma poltica pblica,

    quais so os agentes participantes do processo decisrio, como realizado o processo de

    avaliao, entre outros. A fim de responder estas e outras questes, so utilizados diversos

    modelos de polticas pblicas, como a classificao em tipos de polticas (distributivas,

    redistributivas, regulatrias e constitutivas); o incrementalismo; o modelo garbage can; o

    modelo mutliple streams; o modelo advocacy coalition; as arenas sociais; o modelo do

    equilbrio interrompido; o ciclo da poltica pblica (policy cycle); entre outros (GELINSKIL;

    SEIBEL, 2008; SOUZA, 2006). Para este trabalho foi escolhido o ltimo modelo como

    referncia para a anlise da PNM.

    O ciclo da poltica pblica compreende um processo dinmico e composto por diferentes

    estgios. H vrias vertentes que abordam e descrevem estes estgios focando em diferentes

    aspectos e, desta forma, pontuando diferentes divises para o ciclo. A primeira ideias sobre

    processo poltico e sua diviso em estgios foi colocada pelo pesquisador Harold Lasswell,

    em 1956, que pontuou sete estgios: inteligncia (coleta, processamento e disseminao de

  • 25

    informaes), promoo de opes particulares, prescrio (para um conjunto de aes),

    invocao (quando eram delimitadas sanes para o no cumprimento das prescries dos

    tomadores de deciso), aplicao, trmino (a poltica era aplicada at terminar ou ser

    cancelada) e apreciao (os resultados eram apreciados e avaliados quanto aos objetivos

    iniciais) (HOWLETT, 2000; FISHER; MILLER; SIDNEY, 2007).

    Alguns autores que tambm identificam fases para o processo poltico so Robert

    Hoppe, Henk Van De Graaf, Asje Van Dijk (VIANA, 1996), Brewer e deLeon (1983), May e

    Wildavsky (1978), Anderson (1975) e Jenkins (1978) (FISHER; MILLER; SIDNEY, 2007).

    Sendo assim, um dos modelos descrito por Frey (2000, p.226), que define cinco fases: (1)

    percepo e definio de problemas, (2) definio da agenda, (3) elaborao de programas e

    deciso, (4) implementao de polticas e (5) avaliao de polticas e eventual correo da

    ao.

    Este modelo vantajoso para a anlise do ciclo de vida de uma poltica, pois considera

    que o mesmo um processo dinmico e sujeito modificaes, ao longo do tempo. Em

    funo disto, a separao em estgios permite uma melhor anlise de cada ponto do processo

    quanto s questes poltico-administrativas, os jogos de poder e as redes polticas (FREY,

    2000).

    Porm, pelas particularidades de cada setor e nvel de ao estatal, no possvel

    predizer todas as variveis de anlise a serem utilizadas em estudos empricos de caso de

    processos polticos. Sendo assim, deve-se partir de conceitos e bases tericas para a escolha

    dos pontos a serem abordados, como a estrutura poltica, as instituies, as condies de

    poder, entre outros. Isto pode ser feito partindo-se das dimenses j descritas, como (1) polity,

    enquanto grau de influncia das estruturas polticas (ordem do sistema poltico delineada pelo

    sistema jurdico e estrutura do sistema poltico-administrativo); (2) politics, que se refere ao

    processo de negociao poltica e (3) policy, como o resultado material concreto

    (configurao dos programas polticos, contedo das decises polticas) (FREY, 2000).

    A partir das dimenses descritas, estuda-se a poltica pblica seguindo o modelo da

    policy analysis, podendo-se analisar as dimenses isoladamente ou suas inter-relaes.

    De acordo com Frey (2000, p. 221), para estudar mais detalhadamente e com maior

    profundidade o surgimento e percurso de algum programa poltico, incluindo os aspectos

    favorveis e dificultadores, deve realizar uma investigao mais intensa sobre a vida da

    poltica, sendo, neste caso, importante os arranjos institucionais, as atitudes e objetivos dos

    atores polticos, os instrumentos de ao e as estratgias polticas (processos poltico-

    administrativos).

  • 26

    Na policy analysis so consideradas algumas categorias de estudo, como a policy

    networks, policy arena e policy cycle.

    O termo policy networks remete interao entre os atores sociais envolvidos em um

    processo poltico (MACEDO, 1999), tratando-se de uma rede de relaes sociais, da interao

    entre diferentes instituies e grupos do executivo, legislativo e da sociedade, na criao e na

    implementao de uma determinada poltica (FREY, 2000).

    Esta relao entre os participantes de uma tomada de decises, definida como policy

    network, agrega como pressupostos o entendimento de que as relaes so horizontais e no

    verticais; que as mesmas no so necessariamente hierrquicas ou autoritrias e que as

    decises no so tomadas somente com base em estruturas institucionais formais (MACEDO,

    1999).

    Discute-se, ento, uma possvel mudana quanto ao padro de formulao e

    operacionalizao de polticas pblicas, passando de um padro tradicional centralizado, para

    o descentralizado, caracterizado pela horizontalidade das relaes e pela interao dos atores

    sociais envolvidos (MACEDO, 1999).

    A policy arena refere-se aos espaos de configurao do conflito estatais, societais ou

    entre as duas esferas. Nestes espaos os atores sociais e grupos de interesse apresentam suas

    posies em um espao poltico de conflito e consenso nas reas de polticas de carter

    distributivo, redistributivo, regulatrio ou constitutivo (CRTES, 2009, FREY, 2000).

    O policy cycle, como j descrito anteriormente, remete s fases da poltica pblica que,

    em geral, so descritas de forma geral, como formao da agenda, formulao de poltica,

    tomada de deciso, implementao e avaliao.

    Alguns estudos empricos sobre planejamento em organizaes e tomada de decises

    defendem que o processo decisrio no segue cada estgio, porm, o modelo permanece forte

    durante as dcadas, pois apresenta uma sequncia ideal de planejamento racional e tomada de

    deciso baseada em evidncias. Isto porque, a partir do modelo racional, devem-se analisar os

    problemas e objetivos, coletar e analisar as informaes pertinentes e pesquisar a melhor

    alternativa para atingir estas metas. Seguindo-se da implementao e avaliao dos resultados,

    com correes, se necessrio (FISHER; MILLER; SIDNEY, 2007).

    Como orientao terica, este trabalho est embasado na policy analysis, suas

    dimenses (polity, politics e policy) e categorias de anlise (policy networks, policy arena e

    policy cycle) para a descrio da Poltica Nacional de Medicamentos.

  • 27

    2.1.1 Formulao de polticas

    No estgio de formulao de polticas, as demandas e problemas identificados so

    transformados em programas governamentais, considerando-se seus objetivos e a escolha

    dentre vrias alternativas propostas. Alguns autores diferenciam o momento de elaborao das

    alternativas de ao do processo de adoo de uma alternativa para a poltica (processo

    decisrio). Porm, conforme Fischer, Miller e Sidney (2007, p. 48) colocam, o presente

    trabalho tambm considerou a formulao e o processo de deciso como sub-estgios de uma

    nica fase do ciclo da poltica.

    Os estudos sobre formulao tiveram grande influncia de modelos, tcnicas e

    ferramentas que visam tornar a prtica de tomada de deciso mais racional, identificando

    polticas efetivas e com melhor perfil custo-eficincia. Para isto, como ferramentas para

    garantir a escolha de uma poltica que corresponda s prioridades longo prazo, importante

    definir os objetivos, os resultados esperados e aplicar a anlise de custo-benefcio (FISHER;

    MILLER; SIDNEY, 2007).

    Quanto ao processo de tomada de deciso, para os cientistas polticos, este momento no

    envolve somente a deteno da informao e a anlise da mesma, mas tambm a resoluo do

    conflito entre atores pblicos e privados e departamentos do governo. Tangenciando esta

    questo, foram elaboradas teorias especficas como a de redes de polticas (policy networks),

    caracterizadas pelas relaes horizontais e no-hierrquicas entre atores, como j comentado;

    e de policy arena, definindo os arranjos institucionais que suportam a atividade de deciso.

    Quanto a policy network, estudos demonstram que no h separao entre as

    organizaes governamentais e a sociedade na formulao de polticas. Apesar de a deciso

    final estar alocada para organizaes especficas do governo, esta precedida por processos

    de negociao, mais ou menos informais, com grupos de interesse de diferentes segmentos da

    sociedade. Vrios estudos corroboram para a concluso de que estes momentos anteriores

    tomada de deciso influenciam de maneira significativa a alternativa escolhida, bem como

    ajudam a moldar a poltica elaborada. Porm, ao analisar esta etapa, percebe-se que o

    processo pode no seguir o modelo racional de escolha, j que forma-se um cenrio de

    barganha entre diversos atores que tem como resultado uma deciso baseada na oposio de

    diversos recursos de poder e interesse dos atores. Quanto esta questo, o Estado tem

    importante papel influenciando esta diversidade de atores ao formar as policy networks, por

    exemplo, criando ou extinguindo agncias e cargos, alterando os atores das organizaes

    estatais a cada governo, entre outros (FISHER; MILLER; SIDNEY, 2007).

  • 28

    Dentre as vrias propostas colocadas no cenrio de deciso, a escolha por uma delas ser

    determinada por inmeros fatores. Dentre estes, trs componentes importantes so elencados.

    O primeiro seria a escassez de recurso, que remete no somente recursos econmicos, mas

    tambm ao suporte poltico, como um recurso crtico para este processo. O segundo seria a

    alocao de competncias entre os diferentes atores, designando maior poder de deciso para

    cada grupo de atores dependendo do tipo de poltica a ser decidida. Por fim, o terceiro seria a

    fonte de informao para a tomada de deciso, que no seria restrita estudos cientficos ou

    opinio de especialistas, mas sim envolveria estas e vrias outras fontes de informao

    (FISHER; MILLER; SIDNEY, 2007).

    2.1.2 Processo decisrio e governana

    Considerando o processo de interao de atores sociais na formulao das polticas

    pblicas, as organizaes refletem um meio de distintos interesses e valores e com

    distribuio heterognea de poder (considerado como um recurso na arena decisria). O

    sistema poltico, nesta conjuntura, ser permeado por atores envolvidos de acordo com suas

    preferncias, a fim de defender a alternativa defendida por seu grupo e engajar os demais na

    mesma (FISHER; MILLER; SIDNEY, 2007).

    A interao entre os atores reflete em resultados sociais e polticos, decorrentes de trs

    fatores principais: as restries impostas pelas regras ou normas, a representao e a

    distribuio dos interesses ou preferncias entre os atores e a distribuio dos recursos de

    poder (MARCH; OLSEN, 1993). Estes fatores retratam, ento, trs elementos importantes

    para a ao: interesses; recursos de poder e oportunidades de aes.

    A partir destas ideias discute-se o que molda e estimula a ao dos atores no sistema

    poltico. Uma perspectiva seria a de que as oportunidades determinam as aes; bem como as

    instituies delimitam as aes em funo do estabelecimento de normas ou regras de

    adequao (apropriao normativa do comportamento). Neste caso desenha-se um contexto

    adaptativo (lgica da adequao) (PAULILLO, 2001).

    Outra lente seria a da lgica dos interesses ou preferncias, na qual estes elementos

    determinam as aes dos agentes (lgica das consequncias ou consequencial) (PAULILLO,

    2001).

    Entende-se, portanto, que participantes da deciso realizam escolhas baseados em seus

    recursos e preferncias, em um contexto de oportunidades especficas delimitadas por normas

  • 29

    de adequao. O comportamento dos atores entendido como resultado das limitaes e

    restries colocadas a partir de conjuntos de regras, que so, por sua vez, espelhadas em

    supostos comportamentos exemplares. Estas regras so determinadas pelas organizaes e

    limitam a escolha dos indivduos, reduzindo a incerteza a partir da criao de rotinas

    (PEDROSO, 2010).

    March (2009, p. 50) discutiu a lgica da adequao frente escolha racional e

    colocou:

    Esse processo no aleatrio, arbitrrio ou trivial. sistemtico, raciocinado e, com frequncia, bastante complicado. [...] O processo de deciso baseado em regras se desenvolve de forma diferente do processo de deciso racional. A idia estabelecer identidades, e encontrar regras para as situaes reconhecidas.

    Seguindo o modelo da racionalidade limitada, os indivduos tendero a se adaptar

    estrategicamente ao meio, que nada mais do que um reflexo das oportunidades formadas.

    Considerando que os prprios indivduos podero, por sua vez, influenciar este meio de

    acordo com seus interesses e, consequentemente, outros grupos (PEDROSO, 2010).

    De maneira oposta a lgica das consequncias considera que o comportamento

    individual e objetiva maximizar as preferncias, projetando quais sero os resultados de suas

    aes e seus interesses pessoais (ZAULI, 1991).

    Considerando o processo decisrio e objetivando melhorar sua compreenso, James

    March (2010) apresenta a definio de inteligncia decisria. Para isto, ele parte de trabalhos

    anteriores que incluem a racionalidade consequente (ao racional) e os sistemas por regras

    histricas. Confrontando as duas teorias, tem-se a vertente da ao racional que defende a

    ao baseada em processos cognitivos, a partir de clculos. A vertente por regras histricas

    acredita na sabedoria originada pela experincia passada, pelas tradies, explcitas nas

    regras. Apesar de teis para o estudo do processo decisrio, nenhuma das teorias, conforme

    March, garante a inteligncia do processo.

    Inicialmente, importante entender a definio de inteligncia e este o primeiro

    desafio encontrado. Isto ocorre em funo da dificuldade de atingir um consenso entre

    algumas questes quanto aos resultados e processos de uma organizao, pois estes so os

    elementos utilizados em algumas definies de inteligncia decisria.

    A inteligncia pode, segundo March (2010), ser definida considerando-se os seus

    resultados. Neste caso, uma ao ser dita inteligente se ela satisfizer os desejos de todos os

    envolvidos, no momento em que todos os resultados j forem conhecidos. Desta forma,

    considerada ex post. Toda deciso s ser inteligente, segundo este critrio, se e somente se,

  • 30

    todos os resultados j forem conhecidos e atenderem ao especificado. Neste caso, os

    resultados sero compatveis s preferncias dos atores envolvidos, e a inteligncia tambm.

    Um possvel complicador para a avaliao da deciso seria a existncia de mltiplos atores.

    Neste caso, pode-se dificultar a anlise das preferncias e ocorrer da inteligncia ser

    indeterminada.

    Comparativamente inteligncia, quando se trata de racionalidade e de aprendizado

    para o processo decisrio, os conceitos so ex ante, relacionados aos processos, e no aos

    resultados.

    March (2010, p. 192) apresenta trs perguntas relacionadas s decises inteligentes:

    1. Em que grau um processo de deciso e uma deciso devem ser julgados por suas contribuies ao e s consequncias da ao, por oposio s suas contribuies para o desenvolvimento do significado e de uma interpretao da vida?

    2. Como resultados distantes no tempo devem ser ponderados na avaliao geral relativamente a resultados mais prximos?

    3. Como os desejos, valores e necessidades de diferentes indivduos e grupos devem ser avaliados?

    No s estas perguntas como outros dilemas esto presentes na discusso sobre deciso

    inteligente. Um problema debatido a possibilidade da inteligncia de uma ao ser

    considerada ex ante. Neste caso, a inteligncia j seria avaliada segundo as preferncias e

    valores do decisor e no quanto aos resultados. Diante disto, haveria a possibilidade da

    deciso ser classificada como inteligente, antes de sua aplicao, e no inteligente, aps a

    aplicao (MARCH, 2010).

    Porm, no caso de mltiplos atores inconsistentes, com diversas preferncias e valores,

    seria complexo aplicar este critrio de inteligncia ex ante. Desta forma, os defensores desta

    proposta no costumam aplicar estes pressupostos nestes casos.

    Um ponto importante para aproximar a deciso do status de inteligente a sua

    adequao s exigncias do ambiente decisrio. Desta forma, pode-se determinar uma relao

    entre o processo de deciso e as teorias de adaptao. Isto feito com a finalidade de

    desenvolver processos que concretizem a formulao de decises nicas e estveis e que se

    adaptem a determinado ambiente. Na possibilidade de elaborao deste processo, a deciso

    tambm receberia o adjetivo de inteligente.

    Para atingir a inteligncia decisria preciso que a alternativa poltica de interesse seja

    escolhida. Diante disto, parte-se do princpio de que as alternativas devero ser apresentadas

    outros autores a fim de engaj-los em consonncia aos interesses de um indivduo ou grupo.

  • 31

    Neste caso, entende-se que cada ator ter um papel na arena decisria e contribuir, de alguma

    maneira, para a escolha da poltica eleita (MARCH, 2010).

    Quanto ao processo decisrio na rea de sade, este um dos pontos de discusso que

    envolve e caracteriza os tipos de relaes estabelecidas nos campos decisrios das novas

    formas de gesto. O aumento da complexidade da estrutura social, associado ao

    desenvolvimento de uma organizao policntrica do sistema de sade originaram a

    representao pluridimensional de interesses, fragmentando o antigo padro dos meios

    polticos de estratgias governamentais. Desta maneira, torna-se necessria a articulao de

    grupos e formao de alianas, constituindo arenas de negociao, que sustentem as aes

    estatais (DINIZ, 1995).

    Diante da discusso sobre a democracia e a configurao Estatal da sade atual, h a

    preocupao sobre a policy arena e os modelos atuais de participao dos atores, j que

    inseriu-se a participao social neste novo cenrio. Desta forma, deve haver controle a fim de

    evitar o desequilbrio entre os grupos de interesse e as instituies que implementam e

    regulam as polticas pblicas. Neste caso, percebe-se que, em pases subdesenvolvidos, com

    um possvel aumento na participao h uma consequente ampliao na atividade

    governamental e deslegitimao da autoridade. Contudo, nas democracias j consolidadas, as

    instituies polticas so capazes de suportar estas tenses, diferentemente dos pases em

    desenvolvimento. Para estes casos deve ser analisada a autoridade governamental, com

    formas de controlar a participao social, e a adaptao destas instituies, a fim de garantir a

    eficcia das polticas pblicas (SANTOS, 1997).

    So vrios os conceitos aceitos para o termo governana pblica (public governance) e

    remetem estruturao das relaes entre o Estado e suas organizaes federais, estaduais e

    municipais; as organizaes privadas, com e sem fins lucrativos e a sociedade civil. A

    discusso sobre processo decisrio, no campo de polticas pblicas, permeia questes

    relacionadas administrao pblica, como as bases de cooperao entre estes atores e como

    isto regulado pelo Estado (KISSLER; HEIDEMANN, 2006).

    Na Alemanha, a governana local entendida como uma ao conjunta promovida por

    todos os stakeholders em prol do bem da coletividade (grupos de cidados, administrao,

    prefeituras, associaes, clubes, empresas, entre outros) (KISSLER; HEIDEMANN, 2006).

    O termo tambm entendido como resultado de reformas administrativas e de Estado

    que remetem ao conjunta, de forma eficaz, transparente e compartilhada, pelo Estado,

    pelas empresas e pela sociedade civil, a fim de solucionar problemas sociais e potencializar o

    desenvolvimento futuro e sustentvel. Trata-se de uma forma de gesto baseada em

  • 32

    negociao, comunicao e confiana, caracterizada pela cooperao com os cidados,

    empresas e outras entidades para a conduo das aes (KISSLER; HEIDEMANN, 2006).

    Entende-se que os atores locais e regionais contribuem para a ao conjunta, ampliando

    as expectativas polticas e sociais em funo desta cooperao, principalmente no que tange

    polticas de cunho social.

    Discute-se, ento, o conceito de governana com foco nos padres das relaes entre os

    atores polticos e sociais, como os mecanismos de articulao e cooperao de interesses entre

    partidos polticos, redes sociais informais, hierarquias e demais associaes.

    2.2 TEORIA DOS STAKEHOLDER

    Edward Freeman, em seu livro Strategic Management: A stakeholder Approach,

    aprofundou a discusso sobre o conceito emergente de stakeholders no mbito organizacional.

    Publicado em 1984, este foi um dos trabalhos de referncia no estudo sobre atores sociais e

    que introduziu o debate presente nos trabalhos atuais. Foram apresentados novos conceitos,

    teorias, ferramentas e tcnicas com o objetivo de auxiliar no gerenciamento de empresas, a

    fim de garantir melhores resultados e maior efetividade no meio organizacional, considerando

    o ambiente organizacional como foco do planejamento (FREEMAN, 1984).

    Na dcada de 80, houve a necessidade de formao de um novo modelo conceitual, j

    que o entendimento das organizaes enquanto de natureza esttica, bem como tendo um

    ambiente externo organizao previsvel no era mais aceito. Desta maneira, foram

    desenvolvidas estratgias para o mapeamento de stakeholders, anlise de suas interaes e

    entendimento dos processos organizacionais (FREEMAN, 1984; FREEMAN et al, 2010).

    necessria a diferenciao entre a abordagem stakeholder e a teoria de stakeholder.

    No primeiro caso o objetivo ampliar o estudo acerca da organizao considerando seu

    ambiente, seus papis e suas responsabilidades, bem como os interesses de outros grupos no

    antes considerados, como no-acionistas e no-proprietrios. J quanto teoria de

    stakeholder, a finalidade seria identificar estes grupos de interesse e articular estas

    informaes com sugestes de normatizao ou cuidados para com os stakeholders com

    influncia (MITCHELL; AGLE; WOOD; 1997).

    Donaldson e Preston definiram nveis para classificar os diferentes enfoques dados por

    estudos referentes stakeholders, denominados descritivo, instrumental e normativo. A

    dimenso de anlise descritiva a mais ampla e engloba as outras duas, referindo-se a

  • 33

    descrio de caractersticas da organizao, de situaes, comportamentos, papis dos atores

    envolvidos, descrever processos, entre outros. A dimenso subjacente seria a instrumental,

    que aborda processos especficos e a atuao de atores e seu impacto. Por fim, a dimenso

    normativa foca-se nas relaes e em questes ticas relacionadas, auxiliando para a projeo

    de diretrizes sobre a questo (DONALDSON; PRESTON, 1995).

    Freeman (1984, p. 46) define stakeholder como qualquer grupo ou indivduo que pode

    afetar, ou afetado, pelo alcance dos propsitos de uma organizao. J Clarkson (1995, p.

    106) diz que so pessoas ou grupos que reivindicam ou dispem de propriedade, direitos ou

    interesses em uma empresa e em suas atividades no perodo passado, presente e futuro. Por

    fim, Donaldson e Preston (1995, p. 85) colocam que se trata de pessoas ou grupos com

    interesses legtimos nos processos e aspectos substantivos de uma atividade corporativa.

    Friedman e Miles (2006) definiram um modelo de definio dos stakeholders, com base

    em duas dimenses tambm delimitadas por eles: normativa, e estratgica. Considerando a

    dimenso normativa, possvel identificar inmeras entidades como stakeholders, enquanto,

    passando-se para a dimenso estratgica, em mbito mais restrito, tem-se o nmero mais

    limitado e especfico de stakeholders.

    De acordo com a figura, tem-se que, a dimenso estratgica classifica os stakeholders de

    acordo com seu potencial de influncia sobre a organizao, indo desde aqueles que so

    legitimamente reconhecidos (escopo amplo), at aqueles que so crticos para o sucesso da

    mesma.

  • 34

    Figura 1: Representao das Dimenses Normativas e Estratgicas para as Definies de Stakeholders Fonte: Friedman e Miles (2006, p.11)

    Outra classificao tambm utiliza a premissa da criticidade e grau de dependncia

    organizacional para organizar os stakeholders em primrios e secundrios. Neste caso, os

    atores primrios seriam aqueles crticos para o funcionamento da organizao, que

    determinam um alto grau de interdependncia. J os secundrios seriam aqueles que

    influenciam e so influenciados pela organizao, ou que so capazes de articular a opinio

    pblica relacionada organizao, porm, sem que sejam essenciais para a continuidade das

    atividades (CLARKSON, 1995).

    Outra definio proposta por Mitchell, Agle e Wood (1997) envolvendo possveis

    atributos para avaliao dos stakeholders. De acordo com esta classificao, podem ser

    identificadas trs classes: atores latentes, expectantes ou definitivos. Cada uma das classes

    resultado de uma combinao da presena ou no de um, dois ou trs atributos, sendo estes a

    legitimidade, o poder e a urgncia.

  • 35

    Figura 2: Classes Qualitativas dos Stakeholders Fonte: Mitchell, Agle e Wood (1997, p.872)

    De acordo com os mesmos autores, legitimidade e poder so atributos distintos que

    podem ser combinados para criar autoridade (definido por Weber com o uso legtimo do

    poder), mas podem existir independentemente tambm (MITCHELL; AGLE; WOOD, 1997).

    Ou legitimidade seria uma percepo generalizada ou admisso de que as aes de uma

    entidade so desejveis, prprias e apropriadas de acordo com um sistema socialmente

    construdo de normas, valores, crenas e definies (MITCHELL, AGLE, WOOD, 1997, p.

    866).

    Quanto a definio de poder, Salancik e Pfeffer (1974) o identifica como sendo uma

    relao entre atores sociais. Sendo que o ator, A, pode fazer com que outro ator, B, faa

    alguma coisa que B no faria usualmente.

    Ou ainda, poder a habilidade daqueles que o possuem em alcanar os objetivos que

    eles desejam (SALANCIK; PFEFFER, 1974).

    Por fim, de acordo com Mitchell, Agle e Wood (1997, p. 867) urgncia (...) existe

    somente quando duas condies so encontradas: (1) quando uma relao ou reclamao de

    natureza sensvel ao tempo e (2) quanto esta relao ou reclamao importante ou crtica

    para o stakeholder.

    A partir destes atributos, so geradas as oito subclasses de stakeholders, conforme a

    figura a seguir.

  • 36

    Figura 3: Tipologia dos Stakeholders Fonte: Mitchell, Agle e Wood (1997, p.874)

    Os tipos 1, 2 e 3, segundo a figura, referem-se classes com somente um atributo e

    remetem aos stakeholders latentes. J os tipos 4, 5 e 6, apresentando dois atributos, so

    denominados expectantes. Por fim, o tipo 7, que detm os trs possveis atributos, chamado

    de definitivo.

    Dentre os latentes percebem-se trs categorias: (1) os inativos, que apresentam o

    atributo poder; (2) os discricionrios, com o atributo legitimidade e (3) os demandantes, que

    apresentam o atributo urgncia.

    Quanto aos expectantes, tm-se: (4) os dominantes, com poder e legitimidade; (5) os

    perigosos, com poder e urgncia, mas no legitimidade; e (6) os dependentes, com

    legitimidade e urgncia.

    Os stakeholder definitivos seriam aqueles que apresentam legitimidade, poder e

    urgncia, simultaneamente.

    Aliado a estas definies e classificaes, foi utilizado no trabalho, como base para a

    identificao dos stakeholders envolvidos no objeto de estudo, o modelo de cinco lados

    proposto por Gomes et al (2010), segundo figura a seguir. O modelo incrementa propostas

  • 37

    anteriores ao ampliar as possibilidades de organizaes que permeiam o processo de deciso e

    se relacionam com os tomadores de deciso.

    Figura 4:Modelo de Influncia de Stakeholders de Cinco Lados para os Governos Locais Fonte: Gomes, Liddle e Gomes (2010, p.724)

    Atualmente, vrios estudos tm por objeto a anlise de atores envolvidos na

    elaborao e integrao de polticas pblicas na agenda estatal. O conhecimento exploratrio

    desta rede de relacionamentos importante para o entendimento dos fatores que influenciam

    as decises polticas, a partir dos agentes que detm determinados posicionamentos, interesses

    e poder.

    2.2.1 Relao entre stakeholder e a Teoria Institucional

    A organizao pode ser tratada, como descreveu Selznick (1971) como um instrumento

    tcnico de regulao de recursos humanos, dotado de regras formais e com objetivos

    estabelecidos, que sofre influncia do meio social, que vai alm das relaes pblicas

    externas, mas tambm engloba a dinmica da estrutura formal e informal das relaes

    Definidores da agenda

    Legitimadores

    Decisores

    Controladores Reguladores

    Colaboradores

  • 38

    internas. So estes atores em constante interao que constroem a histria da organizao e

    determinam as necessidades socioculturais que afetam a viabilidade da mesma, ou seja, sua

    constituio social. Condies estas que no so, necessariamente, reconhecidas pelas pessoas

    envolvidas, podendo ser at inconscientes, mas que so correspondidas quando h aceitao

    por parte do funcionrio das finalidades da instituio e o mesmo se ocupa de seus interesses.

    O comportamento importante para o nascimento da instituio o entendimento do grupo

    sobre si mesmo e sua relao com o mundo. Esta tendncia um processo social natural, que

    leva ao sentimento de autoproteo e auto-realizao do grupo, importantes para assegurar a

    estabilidade e sobrevivncia da organizao.

    A perspectiva institucional aborda a organizao considerando como seus processos e

    estruturas so legitimados, por meio de crenas, normas e valores prprios de cada

    organizao. Desta forma, observa duas dimenses organizacionais, classificadas em tcnica e

    institucional (MACHADO-DA-SILVA; FONSECA; FERNANDES, 1999, p. 113).

    O ambiente tcnico caracteriza-se pela troca de bens e servios, enquanto o ambiente institucional conduz o estabelecimento e a difuso de normas de atuao, necessrias ao alcance da legitimidade organizacional.

    Considerando que as chamadas foras institucionais moldam e influenciam organizaes

    a ponto de proporcionar mudanas de regras, estruturas e comportamentos, em muitos

    momentos a organizao passa a ter necessidade de ceder normas impostas (influncia do

    ambiente) para garantir legitimidade. Desta forma, a teoria pode ser utilizada para explicar e

    justificar a legitimidade de stakeholder e suas possveis influncias sobre determinada

    organizao (GOMES; GOMES, 2007).

    2.2.2 Relao entre stakeholder e a Teoria da Dependncia de recursos

    De acordo com a teoria da dependncia de recursos, a organizao mantm relaes com

    seu ambiente tcnico na forma de troca de recursos (GOMES; GOMES, 2007). Neste caso o

    ambiente fonte de influncia, porm as decises so tomadas dentro do contexto poltico

    organizacional. Sendo assim, a organizao deve gerenciar as relaes externas com o

    objetivo de captarem recursos e sobreviver, mantendo os relacionamentos e negociaes

    externas (ROSSETTO; ROSSETTO, 2005).

    Os recursos e componentes externos so entendidos como importantes de alguma

    maneira para a organizao, sendo necessrio definir a extenso desta importncia e o nvel de

  • 39

    influncia que possui. Desta forma, para entender o comportamento da organizao,

    importante entender o ambiente no qual a organizao est inserida.

    2.3 REVISO DAS POLTICAS PBLICAS DE SADE DO BRASIL

    As mudanas no cenrio de deciso da rea da sade iniciaram-se com a Reforma

    Sanitria Brasileira, que compreendeu um grande movimento social de anlise e formulao

    de novos conceitos e concepes de sade e envolveu diferentes setores da sociedade, para a

    implementao de novas polticas pblicas de sade. Tratou-se de um movimento de trajetria

    longa e a fora que este movimento adquiriu com o tempo e com o envolvimento dos

    segmentos sociais, propiciou a renovao na linha de pensamento anterior e culminou na

    incorporao de algo novo no Estado. O principal foco desta mudana foi a ampliao dos

    direitos de cidadania.

    A anlise histrica da reforma sanitria revela que, aps longo perodo de construo e

    debate, foram recentes as transformaes do sistema de sade brasileiro, que tiveram incio

    com o sanitarismo campanhista, transitou pelo modelo mdico-assistencialista privatista e,

    nos anos 1980, passou ao modelo neoliberal.

    As mudanas no sistema de sade brasileiro acompanharam discusses sobre os

    paradigmas da ateno sade, o papel do Estado na sade coletiva e conceitos como

    igualdade e universalidade (GERSCHMAN; SANTOS, 2006). Dentre as referidas mudanas

    destacam-se a unificao do sistema de sade em nvel federal, caracterizando o

    desenvolvimento do Sistema nico de Sade (SUS) e a substituio do Instituto Nacional de

    Assistncia Mdica da Previdncia Social (INAMPS) e do Ministrio da Previdncia e da

    Assistncia Social (MAPS) (PEREIRA, 1996).

    O INAMPS fundamentou-se em trs caractersticas principais: foi financiado pelo

    Estado por meio da Previdncia Social, teve o setor privado internacional como referncia de

    produo de medicamentos e constituiu-se como um dos prestadores de servios de ateno

    sade coletiva (no rentvel), em paralelo ao modelo mdico-assistencial privatista,

    responsvel pela ateno mdica (rentvel). Mas este modelo instituiu desigualdades sociais e

    excluiu parte da populao, trazendo diversas discusses, que culminaram na VIII

    Conferncia Nacional de Sade (OLIVEIRA, 1987; MENDES, 1999). Analisando a estrutura

    poltica brasileira no perodo de regncia do INAMPS, identifica-se o processo iminente de

    descentralizao administrativa, que caracteriza o federalismo e a autonomia dos membros

  • 40

    federativos (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, 1993). Com o processo de reforma do

    Estado, ocorre tambm a passagem de um modelo de gesto da sade, institucionalizado pela

    Lei no 6.229/1975, que dividia as competncias entre as instituies pblicas e privadas, para

    um modelo neoliberal. Com o intuito de oferecer ateno primria e de baixo custo, iniciou-se

    o movimento de reforma sanitria, que culminou na concepo do SUS (GERSCHMAN;

    SANTOS, 2006).

    Ainda durante o perodo do autoritarismo, observou-se uma perda das liberdades de

    participao e manifestao popular, associada a uma histria de marginalizao decorrente

    do capitalismo. De encontro a isto, a Reforma Sanitria traz um modelo de sade que direito

    de todo cidado e dever do Estado. Este modelo fomenta, ento, a concepo de um sistema

    de sade que atende todos de maneira igual e, para isso, tem como princpios a

    universalizao e a equidade. Alm disso, o sistema se organiza de maneira unificada,

    hierarquizada e descentralizada, com participao popular na gesto das aes de sade e com

    financiamento do Estado. Esta participao popular um meio pelo qual as organizaes de

    movimentos sociais exercem algum controle sobre as polticas pblicas de sade, j que so o

    pblico atendido por este sistema e que pode fornecer um retorno quanto qualidade de

    funcionamento do mesmo (GALLO, 1988; TEIXEIRA, 1989)

    A Reforma Sanitria, em sua concepo, deve promover uma articulao entre poltica,

    sade e democracia e isso deve ser identificado nos projetos depois de viabilizados. No

    Sistema nico de Sade, os princpios da universalidade e equidade remetem busca pela

    democratizao do servio, em detrimento desigualdade anteriormente estabelecida pelo

    privilegiamento de algumas classes. Alm disso, a insero do controle social prope

    promover pautas de interesse pblico ou de bem comum, nas deliberaes do Estado sobre as

    polticas de sade. O que deve ser discutido atualmente a qualificao da representao da

    sociedade nos Conselhos de Sade e outras organizaes de segmentos da sociedade, ou se

    so poucos que representam os interesses prprios. Neste ponto, o objetivo do controle social

    passa a no ser cumprido, j que no h representao real e ativa dos interesses da

    populao, mas sim de alguns grupos (COSTA, 1988; COHN, 2002).

    A participao popular tem lugar em duas diferentes instncias: os conselhos de sade e

    as conferncias de sade. Trata-se de uma estratgia de democratizao do servio, a partir do

    princpio de que amplia a gesto do mesmo de uma maneira representativa para a sociedade

    civil, abrindo o espao de deliberao que antes era somente do Estado e garantindo

    participao poltica sociedade (KRGER, 2000).

  • 41

    A despeito desse recente percurso histrico, a atual composio do sistema de sade

    brasileiro , portanto, complexa e alguns dos resultados da descentralizao foram a

    democratizao do processo decisrio, o controle social, a eficincia na gesto de polticas

    pblicas, entre outros (ARRETCHE, 2003; DRAIBE, 1992). Com isto a gesto das polticas

    pblicas passa a ser local, conferindo autonomia para a execuo de aes de acordo com as

    prioridades locais. Porm, cabe ao Estado a funo de coordenar, avaliar e intermediar as

    polticas entre os municpios e o faz embasado no documento PlanejaSUS:

    PlanejaSUS deve ser entendido como estratgia relevante efetivao do SUS. Como parte integrante do ciclo de gesto, o PlanejaSUS deve estar prximo dos nveis de deciso do SUS, buscando permanentemente, de forma tripartite, a pactuao de bases funcionais de planejamento, monitoramento e avaliao do SUS, bem como promovendo a participao social e a integrao intra e intersetorial, considerando os determinantes e condicionantes de sade. Essa integrao deve buscar o envolvimento de todos os profissionais. Tal entendimento explicita o carter transversal dessa funo e, por conseguinte, o papel das reas de planejamento nas trs esferas (...) (BRASIL, 2009a).

    A comparao entre a conjuntura poltica e econmica pr e ps organizao do SUS,

    bem como o confronto entre as caractersticas deste sistema e do INAMPS, fazem parte da

    anlise das polticas de sade atuais, dos grupos de interesse e atores sociais formados e dos

    consequentes arranjos de poder, determinantes para o processo decisrio das polticas de

    sade (PEREIRA, 1996).

    Em paralelo s mudanas do sistema pblico de sade, percebem-se as alteraes da

    assistncia farmacutica no SUS, apresentando uma evoluo da prtica no contexto da sade

    brasileira. Inicialmente, a prtica farmacutica se caracterizava pelo setor industrial e mbito

    comunitrio (farmcias e drogarias) privado, no tendo representatividade no mbito da sade

    pblica, conforme preconizado pela Organizao Mundial de Sade (OMS) (KOMIS;

    BRAGA; ZAIRE, 2008).

    Um dos primeiros atos legais que qualifica a insero da rea na agenda pblica de

    sade foi o Decreto no 53.612, de 1964, que cria a relao de medicamentos essenciais. Este

    foi o primeiro passo para as inmeras discusses relacionadas rea, que se mantm at os

    dias atuais e remete grande volume de recursos pblicos. Ainda na dcada de 70, o Decreto

    no 68.806, de 1971, dispe sobre a criao da Central de Medicamentos (CEME) (PAULA et

    al., 2009).

    Nesta mesma dcada, a rea da sade vislumbrou o desenvolvimento de importantes

    estratgias, como (KOMIS; BRAGA; ZAIRE, 2008):

    - Decreto no 72.552 (1973): Estabelece o Primeiro Plano Diretor de Medicamentos.

    - Lei 6.259 (1975): Institui o Sistema Nacional de Vigilncia Epidemiolgica.

  • 42

    - Lei no 6.360 (1976): Dispe sobre a vigilncia sanitria sobre medicamentos.

    - Portaria MPAS/GM 817 (1977): Atualiza a Relao Nacional de Medicamentos

    Bsicos.

    No cenrio mundial, em 1978, a OMS e o Fundo das Naes Unidas para a Infncia

    (Unicef) organizaram a Conferncia Internacional sobre Ateno Primria em Sade, em

    Alma-Ata com o objetivo de discutir a proteo e promoo da sade mundiais. A partir deste

    evento, a Carta de Alma-Ata orienta aos pases sobre a: formulao de polticas e

    regulamentaes quanto utilizao de medicamentos reconhecidamente eficazes e ateno

    primria em sade (OMS, 1979).

    J na dcada de 90, como atos importantes esto a Lei Orgnica de Sade, no 8.080

    (1990), que regula as aes e servios de sade e a Lei no 8.689 (1993), que extingue o

    INAMPS e transfere competncias para o SUS.

    No ano de 1996 foi realizada a 10 Conferncia Nacional de Sade, um espao para

    discusso e deliberao, composto por representantes de diversos segmentos da sociedade e

    do governo.

    Aps a 10 Conferncia, em 1998, a Portaria no 3.916 aprova a Poltica Nacional de

    Medicamentos.

    Diante da importncia da Portaria 3.916/98 para a sade pblica brasileira, foi

    submetido ao Senado Federal o Projeto de Lei do Senado, no 83 de 2010, que objetiva instituir

    a Poltica Nacional de Medicamentos, com o intuito de dar status legal aos princpios e s

    diretrizes que norteiam a produo, a assistncia, a regulao sanitria e o desenvolvimento

    cientfico e tecnolgico da rea farmacutica no Pas (BRASIL, 2010a, p.1) O projeto foi

    aprovado na referida casa legislativa, por unanimidade, em 1 de dezembro de 2010 e partiu

    de deliberao realizada em audincia pblica sobre a assistncia farmacutica no mbito do

    SUS, realizada pela Subcomisso Temporria da Sade (CASSAUDE), pertencente a

    Comisso de Assuntos Sociais do Senado Federal. A matria, agora Projeto de Lei 8044/2010,

    aguarda avaliao final e aprovao pela Cmara dos Deputados para que a poltica seja

    respaldada por lei federal.

  • 43

    3 MTODOS E PROCEDIMENTOS

    3.1 CARACTERIZAO DA PESQUISA

    Em concordncia com o objeto a ser estudado, a presente pesquisa seguiu o mtodo

    qualitativo para investigao lgica do objeto. O mtodo atende aos paradigmas envolvidos na

    conduo de pesquisas que levam construo do mundo social, para a definio de

    constructos que embasem a vida social e individual. A abordagem considera a existncia dos

    fenmenos sociais no mundo objetivo e subjetivo e lida com as peculiaridades para o

    entendimento de realidades complexas (MILES; HUBERMAN, 1994). Seguiu tambm o

    raciocnio denominado como indutivo, que levou construo de um conhecimento

    fundamentado na experincia proveniente do estudo. Ou seja, foi construdo a partir da

    observao de fatos e fenmenos que se desejava conhecer e interpretou-se o objeto da

    pesquisa chegando uma concluso que pode contribuir para a explicao de outros

    fenmenos semelhantes. Neste mtodo, a observao considerada essencial para se atingir o

    conhecimento cientfico (SILVERMAN, 2009).

    Quanto ao aspecto epistemolgico da pesquisa, a mesma seguiu o paradigma

    interpretativista de anlise, sendo que, segundo Denzin (2006, p. 197) o objetivo dos

    interpretativistas reconstruir as autocompreenses dos atores engajados em determinadas

    aes. Ela partiu do pressuposto de que a ao humana est repleta de significado e cabe ao

    pesquisador interpret-lo. Desta forma, o significado que o intrprete reproduz ou reconstri

    considerado o significado original da ao (DENZIN, 2006). A partir dos dados

    vislumbrados pela pesquisa, os mesmos foram analisados tendo por base as premissas tericas

    do referencial, a fim de estud-los quanto sua adequao e concordncia ou inovao com o

    conhecimento corrente na rea.

    Seguindo a classificao das pesquisas quanto sua finalidade, podem-se ter estudos

    exploratrios, descritivos e explicativos. No presente estudo, trabalhou-se com uma

    abordagem descritiva, j que a mesma objetivava identificar as caractersticas de um processo

    (elaborao da Poltica Nacional de Medicamentos), de um grupo (stakeholders de um

    processo) e as relaes entre algumas variveis.

    O delineamento seguido envolveu uma pesquisa documental, cuja caracterstica

    principal foi trabalhar com materiais que no receberam ainda um tratamento analtico; bem

    como um estudo de caso, baseado em um trabalho detalhado do objeto Poltica Nacional de

  • 44

    Medicamentos, a fim de se estudar o tema especfico da formulao de polticas pblicas de

    sade de maneira mais profunda (SILVERMAN, 2009).

    Como j evidenciado pela base epistemolgica seguida, a pesquisa seguiu o

    delineamento qualitativo, ao lidar com a interpretao de realidades sociais e apresentar

    caractersticas peculiares, de acordo com a Quadro 2 (BAUER; GASKELL, 2008; BRYMAN,

    1988).

    Estratgias

    Quantitativas Qualitativas

    Dados Nmeros Textos

    Anlise Estatstica Interpretao

    Prottipo Pesquisas de opinio Entrevista em profundidade

    Quadro 2: Diferenas entre Pesquisas Quantitativas e Qualitativas

    Fonte: adaptado de Bauer e Gaskell (2008).

    Seguindo a lgica qualitativa de pesquisa, so descritos quatro mtodos mais utilizados:

    observao; entrevistas e grupos focais; anlise de documentos e textos e gravaes em udio

    e vdeo (SILVERMAN, 2009). Foi utilizada na pesquisa, uma combinao entre os mtodos

    de anlise de documentos e entrevistas.

    3.1.1 Organizao do estudo

    De maneira ampla, o estudo organiza-se de acordo com o diagrama (FIGURA 5)

    proposto.

    O incio dos trabalhos foi pautado por intensa investigao literria, em fontes diversas,

    com os objetivos de se conhecer e se atualizar sobre a produo cientfica a respeito do tema

    estudado. Foram fontes de consultas: peridicos, livros, registros institucionais de rgos

    governamentais e sites institucionais de contedo exclusivo e importantes para o

    esclarecimento (APNDICE A).

    O trabalho foi iniciado pela anlise da literatura sobre a histria das polticas pblicas de

    sade brasileiras, o arcabouo estatal burocrtico de gesto do sistema de sade, o ciclo das

    polticas pblicas e os fundamentos do processo decisrio destas polticas. As buscas e

    redao da reviso de literatura seguiram por todo o trabalho, como auxlio constante para que

    se respondesse ao problema de pesquisa.

    Na sequncia foram realizadas as coletas e anlise dos dados.

  • 45

    Figura 5: Diagrama de Organizao da Pesquisa Fonte: elaborado pelo autor

    3.2 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS

    So descritos, a seguir, os meios de seleo de documentos e entrevistados da presente

    pesquisa.

    ESTADO DA

    ARTE

    LACUNA

    Dficit de estudos relacionados elaborao de

    polticas pblicas de sade e anlise deste processo. relevante a investigao do

    modelo de formulao da PNM,

    do processo decisrio, bem como os atores envolvidos e o impacto de suas

    influncias nas relaes e polticas

    estabelecidas.

    PERGUNTA DE PESQUISA

    Quais os fatores que influenciam a

    formulao de uma poltica pblica

    nacional de sade?

    OBJETIVO GERAL

    Analisar o processo de formulao da Poltica

    Nacional de Medicamentos no mbito do Governo

    Federal.

    REFERENCIAL TERICO

    - Ciclo das polticas pblicas.

    - Processo decisrio. - Teoria dos Stakeholders.

    - Teoria Institucional. - Teoria da Dependncia de

    recursos.

    MTODOS

    - Pesquisa qualitativa. - Mtodo indutivo/

    orientao epistemolgica interpretativista.

    - Pesquisa descritiva