universidade de brasília – unbstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/2494136.pdf · mocidade,...

135
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – IH DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA – GEA GREGÓRIO BORGES MACHADO EDUCAÇÃO E CIDADANIA - ENSINO EM GEOGRAFIA: CONCEPÇÃO NORMATIVA DO ESPAÇO, E CONHECIMENTO DOS PROCESSOS PSICOLÓGICOS DO HOMEM. BRASÍLIA – DF 2010

Upload: hoangkiet

Post on 14-Dec-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – IH

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA – GEA

GREGÓRIO BORGES MACHADO

EDUCAÇÃO E CIDADANIA - ENSINO EM GEOGRAFIA: CONCEPÇÃO

NORMATIVA DO ESPAÇO, E CONHECIMENTO DOS PROCESSOS

PSICOLÓGICOS DO HOMEM.

BRASÍLIA – DF

2010

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – IH

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA – GEA

GREGÓRIO BORGES MACHADO

EDUCAÇÃO E CIDADANIA - ENSINO EM GEOGRAFIA - CONCEPÇÃO NORMATIVA DO ESPAÇO, E CONHECIMENTO DOS PROCESSOS

PSICOLÓGICOS DO HOMEM.

Projeto de Pesquisa de Monografia apresentada como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Geografia à Banca Examinadora do Departamento de Geografia.

Orientador: GILBERTO OLIVEIRA JR.

Brasília 2010

EDUCAÇÃO E CIDADANIA - ENSINO EM GEOGRAFIA - CONCEPÇÃO NORMATIVA DO ESPAÇO, E CONHECIMENTO DOS PROCESSOS

PSICOLÓGICOS DO HOMEM.

GREGÓRIO BORGES MACHADO

BANCA EXAMINADORA

.................................................................... Prof.: Gilberto Oliveira Jr.

Orientador

................................................................... Prof.: Neio Campos

................................................................... Prof.: Dante F. C. Reis Jr.

Dedico esse trabalho aos meus pais, e à minha

família de modo geral, por todo o esforço que

empreenderam à minha formação.

Agradeço a todos os professores do

departamento de geografia, ao meu professor

orientador Gilberto Oliveira Jr., e outros tantos

que tanto contribuíram com o aprofundamento

das minhas reflexões e desenvolvimento das

minhas idéias ao longo desse curso.

A ESPERANÇA

“A Esperança não murcha, ela não cansa,

Também como ela não sucumbe a Crença.

Vão-se sonhos nas asas da Descrença,

Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa;

No entanto o mundo é uma ilusão completa,

E não é a Esperança por sentença

Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,

Sirva-te a crença de fanal bendito,

Salve-te a glória no futuro - avança!

(...) ”

Augusto dos Anjos

RESUMO:

Pretende-se explorar nesse presente trabalho a possibilidade de ampliação dos horizontes do ensino

da geografia tanto lançando uma visão ao aspecto normativo do espaço, como da necessidade da

investigação dos processos psicológicos associados aos processos existentes no espaço. Assim,

realizar uma crítica a respeito da produção do espaço, e da própria formação do ensino, dentro do

modelo de produção atual. Fazendo a crítica do ensino positivista para o ensino construtivista, e a

partir da crítica sobre o espaço, propor uma visão do aspecto normativo constitutivo do espaço

(limitador de ações e norteador de princípios de ações no espaço), onde os indivíduos podem

encontrar o respaldo legal da sua caracterização como cidadãos legítimos em um território. Outro

ponto pretendido é - remetendo aos estudos a respeito da "Crítica Social e Desenvolvimento

Humano" - evidenciar a íntima relação entre a produção do espaço e os processos psicológicos nos

indivíduos. De tal modo, propor a necessidade de o ensino da geografia abarcar aspectos essenciais

dos processos psicológicos, a fim de efetivamente alcançar a relação do homem no espaço.

Acreditando que essas duas vias de ação, juntas, dentro de uma visão crítica da geografia e da

totalidade do espaço, podem ser entendidas como instrumentos importantes no complexo caminho

de investigar um modo de fazer geografia crítica nas escolas.

Palavras chave: Educação, estrutura normativa, Constituição Federal, Estatuto,

processos psicológicos, Geografia, ensino, cidadania.

ABSTRACT:

Intend to explore in this work the possibility of expanding the horizons of teaching geography booth

launching a view about a normative aspect of space as the need for investigation of psychological

processes associated with other processes existing in space. In this way, realize a critique about the

production of space, and the formation itself teaching within the current production model. Making

a critique of positive teaching for constructivist teaching, from criticism over space, propose a

vision of the space normative aspect constitutive (that limit actions and guide principles of actions

in space), where individuals can find legal support of its characterization as citizens legitimate in

the territory. Another point pretended - referring to studies regarding the "Social Criticism and

Human Development"- is to show the close relationship between the production of space and the

psychological processes in the individuals. So, to propose the need for a teaching of geography that

cover key aspects of psychological processes in order to effectively reach the relation of man in

space. Believing that these two routes of action, together, within a critical view of geography and

the space in it’s totality, can be understood as important tools in the complex way of investigate a

possibility to make critical geography in schools.

Keywords: education, normative estructure, Federal Constitution, Statute,

psychological processes, Geography, teach, citizenship.

SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO: ............................................................................................ 11

Capítulo 1 - Elucidando aspectos essenciais do tema ................................. 22

Parte 1: Geografia – evolução do pensamento geográfico ........................ 22

Parte 2: O Espaço geográfico - contradições e totalidade. ........................ 33

Parte 3: Caminhos e descaminhos da educação. ..................................... 50

Capítulo 2 - Educação e cidadania, os aspectos normativos do espaço ...... 66

Parte 1: Possibilidade de conhecimento do Espaço a partir de sua Estrutura

Normativa e Cidadania. ............................................................................ 66

Parte 2: Educação e ensino da geografia na formação da cidadania ........ 92

Capítulo 3 - Educação e cidadania, os processos psicológicos no espaço 106

Parte 1: Crítica social e desenvolvimento humano, espaço e os processos

psicológicos do indivíduo ........................................................................ 106

Parte 2: Os processos psicológicos no ensino de geografia e cidadania 122

Capítulo 4 – Conclusões - Uma geografia transformadora ......................... 128

Bibliografia ................................................................................................. 132

INTRODUÇÃO:

Inicialmente a força maior que move a investigação desse trabalho é a crença na

construção de uma ciência capaz de promover, nos dizeres de Milton Santos, (2001) “uma mutação

filosófica do homem, capaz de atribuir um novo sentido à existência de cada pessoa e também do

planeta”, ou seja, de uma produção científica que busque fornecer elementos possíveis de subsidiar

a promoção de uma nova possibilidade de realização da existência. Ratificando, dessa forma, o

entendimento de Sartre (1994), e de Santos (2001), para quem o intelectual tem o dever de

desempenhar um papel ativo na sociedade, assim como o de muitos geógrafos, que, então,

entendem o papel crítico que deve desempenhar e desenvolver a própria Geografia.

Milton Santos apresenta à geografia o espaço como objeto a ser investigado por essa

ciência, e como o método a ser utilizado na realização dessa investigação. Assim, ao falar do

espaço, procura defini-lo à luz da história concreta, e ainda, nos oferece categorias de análise, e

elementos fundamentais para seu entendimento.

O presente trabalho pretende partir desse legado teórico fornecido por Santos, e a partir da

sua compreensão, por meio da análise do espaço, empreender uma investigação geográfica da

realidade e das relações do homem a partir do território, e das transformações do território

promovidos pelo homem, permeadas dos processos, que tem como resultante a produção do espaço;

concordando com o entendimento de Morais, (1984) de que:

uma volta aos estudos empíricos [da geografia tradicional] não seria uma boa solução O caminho para a elucidação da teoria é, podemos dizer, teórico. Sem pressupostos e instrumentos bem precisados, caminharemos às cegas no trato do mundo empírico. Reproduziremos, assim, os equívocos do passado. A eventual “boa intencionalidade” dos nossos objetivos sociais não nos salvaria de enveredar novamente pela senda do empirismo. (MORAIS, 1984, 14)

O presente trabalho acredita no papel da educação, da geografia, e do ensino da

geografia na construção desse futuro. A geografia como ciência capaz de identificar as contradições

do espaço, e proporcionar caminhos alternativos à produção de um espaço mais justo, mais

igualitário à todos os atores, concordando com Bobbio (1996), segundo a noção de que a liberdade

e a igualdade se ampliam, a medida que se aproximam; da busca pela construção de um espaço

“menos totalitário”, “menos perverso” (SANTOS, 2001), enquanto ensino capaz de possibilitar

ao aluno a capacidade de identificar as contradições no espaço. Assim que através das

ferramentas intelectuais encontrados na geografia, e da observação da necessidade de construção

dessa nova consciência em relação à produção do espaço, compreende-se que o meio possível para

a realização dessa transformação é através do próprio homem.

Esse trabalho parte da necessidade de discussão do como fazer o ensino de geografia nas

salas de aula nos ensino médio e fundamental, contudo, para tal, faz-se necessário o debate das

questões propostas, imprescindível de um olhar sobre as bases epistemológicas da geografia, no

âmbito acadêmico, na universidade. Não tem o propósito de exaurir as complexas questões relativas

à importante problemática do ensino da geografia nas salas de aula nos ensinos fundamental e

médio. Ao contrário, o presente trabalho sabedor das diversas realidades vividas em sala de aula no

Brasil, que traduzem os processos de fragmentação do espaço, tem como objetivo unicamente

propor uma possibilidade metodológica de fazer chegar em parte a geografia crítica realizada no

âmbito acadêmico, crê-se que uma parcela do aspecto essencial do que se propõe a geografia

enquanto ensino. Assim, buscar retirar unicamente do professor, muitas vezes em condições

precárias de trabalho, onde inclui-se péssimos salários, o dever ou a tarefa de conseguir, a partir da

reflexão sobre o mundo e o espaço, proporcionar ao aluno a leitura crítica do mundo que o cerca.

Evidente, que tal tarefa sempre há de ser realizada a partir da sensibilidade do professor que se

propõe estar em sala de aula, contudo, este trabalho pretende discutir novas possibilidades de

ampliação dos olhares e horizontes no ensino da geografia, assim aproximando o máximo o ensino

da geografia nos ensinos fundamental e médio do seu papel como formador de pensadores,

cidadãos, seres humanos completos, no seu mais amplo sentido.

Esta investigação parte das seguintes hipóteses de trabalho. A hipótese principal é de

que o homem é o elemento motor de transformação do espaço: é através do homem que se

materializam as lógicas exógenas (SANTOS, 2001) e desumanas presentes no espaço - são criadas

pelo próprio homem. De tal modo, tem como hipótese o entendimento de que a educação, e

principalmente o ensino de geografia (por ser capaz de oferecer instrumentos de leitura crítica do

mundo e dos processos) possibilitam ao aluno, ao indivíduo, a percepção crítica do espaço; e assim

capacitam-no a se tornar cidadão: conhecedor dos seus direitos, legalmente reservados na carta

maior da Constituição Federal de 1988, e ainda cidadão crítico, capaz de compreender o espaço em

sua totalidade - a relação entre o desenvolvimento do indivíduo e o espaço - e a perversidade das

fragmentações presentes no espaço. Ainda, o trabalho parte da hipótese de que na busca de um

ensino de geografia capaz de promover a cidadania é necessário, também, somar à compreensão do

aspecto a estrutura normativa do espaço: a investigação dos processos psicológicos que guiam o

homem a ações que promovem a produção e perpetuação dos processos no espaço, como também

dos processos de exploração do homem pelo homem, processos que são em última instância

prejudiciais à sociedade, e assim, à todo indivíduo (CROCHIK, 2001) investigados nesse trabalho a

partir da perspectiva da geografia e de revisão bibliográfica de pesquisas na área de “Teoria crítica e

formação do indivíduo: Psicologia Social, Sociologia” desenvolvido, principalmente, pela

faculdade de psicologia da Universidade de São Paulo - USP.

Nesta direção, o trabalho parte da hipótese de que à medida que homem alcança uma visão

crítica sobre o espaço, que necessariamente exige uma visão crítica sobre os processos psicológicos

inerentes aos indivíduos - e que pode ser alcançado a partir da educação, na qual o ensino da

geografia tem papel fundamental - o homem pode criar as bases para a modificação do espaço: do

espaço totalitário e fragmentado, (SANTOS, 2001) para o espaço solidário e justo. Pois assim o

aluno, o indivíduo, encontra as condições que o permitem deixar a qualidade de sujeito alienado -

tanto em relação aos processos no espaço, quanto aos processos psicológicos que o constituem

enquanto ser humano, sujeito político, capaz de realizar a reflexão e a critica a respeito do mundo

que o cerca. E então, sujeito capaz de partir para ação política (BOBBIO, 1996) e capaz de

promover e possibilitar a humanização do espaço e dos processos.

Entendimento ratificado por Santos (2001), quando ensina:

Criam-se, para todos, a certeza e, logo depois, a consciência de ser mundo e de estar no mundo, mesmo se ainda não o alcançamos em plenitude material ou intelectual. O próprio mundo se instala nos lugares, sobretudo as grandes cidades, pela presença maciça de uma humanidade misturada, vinda de todos os quadrantes e trazendo consigo interpretações variadas e múltiplas, que ao mesmo tempo se chocam e colaboram na produção renovada do entendimento e da crítica da existência. Assim, o cotidiano de cada um enriquece, pela experiência própria e pela do vizinho, tanto pelas realizações como pelas perspectivas do futuro. As dialéticas da vida nos lugares, agora mais enriquecidas, são paralelamente o caldo de cultura necessário à proposição e ao exercício de uma nova política. (SANTOS, 2001, 172, 173)

Entendendo que cabe à geografia o enriquecimento da dialética da vida nos lugares,

contribuindo para a geração dessa nova consciência. Ou seja, cabe à geografia o estudo, e ensino, do

espaço não só a partir das suas características físicas, econômicas, sociais, mas também político-

institucional; assim como ao professor de geografia ensinar ao aluno não só os aspectos físico-

climáticos, relevo, clima, fitofisionomias naturais relacionado ao espaço, e ao território; ou aspectos

sócio-econômicos, mas também os aspectos normativos relacionados a cada uma dessas matérias

citadas (por exemplo: quando se fala da população de crianças e adolescentes, quais são as leis que

garantem direitos à estes, o que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente? Quando se fala da

população de idosos no Brasil, quais são os direitos garantidos a estes no estatuto do idoso? Quando

se fala sobre hidrografia, quais são as leis que permitem o uso dos rios, qual é a distância mínima de

um rio que tem que ser respeitada, para intervenção antrópica? Quando se fala de vegetação, quais

são as leis que limitam a ação antrópica, para preservação do meio ambiente? Quando e por que

surgiram tais leis, em que contexto histórico elas surgiram? Qual a relação entre a necessidade de

tais leis e o modo de produção atual? Tais leis são efetivamente respeitadas, como o cidadão pode

participar da fiscalização, participando ativamente do processo democrático? Qual é o contexto de

surgimento de tais leis? O que é o Estado, o Congresso Nacional, as Câmaras Legislativas? Quais

são as atribuições de cada instituição? Como o cidadão pode participar das decisões no poder

administrativo, legislativo? Etc.) Tais questões pertinentes à constituição do espaço geográfico

devem possibilitar ao aluno o conhecimento geral a respeito de restrições relacionado a cada tipo de

formação natural, dos direitos das crianças, dos adolescentes, dos idosos (previstos em Estatutos),

tanto como direitos, deveres, previstos na Constituição Federal, as competências dos entes

políticos, e, por fim, os instrumentos possíveis para fazer valer seus direitos e a cidadania.

Faz-se necessário, então, levantar a seguinte questão: Como a geografia em sala de aula

pode se transformar num instrumento para a percepção do homem como produtor e modificador do

espaço, que o faz a partir da técnica ao longo do tempo, realizando-se como efetiva geografia crítica

enquanto disciplina no ensino fundamental e médio?

O ensino da geografia tem, como já foi dito, o dever de oferecer os instrumentos críticos

para que o aluno possa entender o processo de formação e modificação do espaço. Deve conceder

ao aluno condição de entender criticamente os processos de consolidação da atual Constituição

Federal, e da estrutura normativa que o cerca, e que determina, no espaço, as condições de

possibilidade, e de não possibilidade, a partir de uma leitura geográfica e crítica. Ou seja, da

origem, e do funcionamento do universo de regras, que se encontram no espaço e permeiam as

condições de realização de existência. De se compreender enquanto ser-humano, enquanto homem,

dotado de processos internos, processos psicológicos que encontram em grande parte origem no

próprio espaço. De se perceber enquanto indivíduo e enquanto cidadão (enquanto homem na sua

totalidade), e que tem participação direta no espaço que se encontra, e que inclusive é munido de

direitos e caminhos políticos para se realizar enquanto cidadão, previstos na Constituição Federal,

em estatutos como o Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso e outros. Dessa forma,

retomar e buscar aprofundar a discussão a respeito da educação, da educação no Brasil e do papel

da geografia na educação. Assim como a relação entre a importância dessa discussão a respeito da

educação, e da própria promoção de uma educação de qualidade com uma nova possibilidade de

produção do espaço.

O objetivo geral desse trabalho, assim, é discutir o papel da educação, pensar a produção

de um ensino na geografia no primeiro e segundo grau que possibilite a formação do aluno como

cidadão capaz de reconhecer o espaço e o território a partir, também, da sua constituição normativa-

institucional. Assim, capaz de identificar os instrumentos existentes, previstos na Constituição

Federal, e nos Estatutos (da criança e do adolescente, do idoso) que possibilitam sua compreensão

como cidadão. Conhecedor dos direitos previstos e dos instrumentos políticos de ação, que

possibilitam a ação concreta, assim como, das formas de reivindicação de direitos

constitucionalmente e normativamente previstos. Para isso, esse trabalho, pretende discutir a

possibilidade de agregar ao conteúdo de ensino de geografia no ensino médio e fundamental como

ferramentas teóricas que propiciem a aproximação da geografia crítica amplamente debatida nas

universidades à geografia que se ensina nas escolas: o conhecimento normativo (enquanto estrutura

que constitui o espaço), e o conhecimento dos processos psicológicos (enquanto conjunto de fatores

internos que constituem o indivíduo, e o indivíduo como homem social, político, cultural).

Este trabalho tem como objetivos específicos: Realizar um retrospecto sobre a formação e

evolução do pensamento geográfico até os dias atuais. Fazer uma reflexão sobre o espaço, a partir

do método dialético, e do modo de produção, buscando ressaltar as contradições atuais presentes no

espaço, e a relação destas contradições e dos processos presentes no espaço com a própria evolução

do pensamento geográfico, e com a evolução dos pressupostos e princípios na educação. Refletir

sobre o processo de desenvolvimento da educação no Brasil, do processo de evolução do

pensamento positivista para o pensamento construtivista, relacionando às contradições e processo

percebidos no espaço, surgidos a partir do modo de produção atual. Realizar uma investigação a

respeito o conceito de cidadania, e como hoje ela pode ser percebida, na sociedade e no espaço;

ressaltando a relação entre a questão da cidadania e o aspecto normativo do espaço. Refletir sobre o

papel do ensino da geografia na formação do cidadão, da cidadania, da possibilidade de uma visão

crítica pelo aluno a partir do ensino da geografia, e por fim, da compreensão do aluno do papel do

cidadão e dos instrumentos legais previstos no sistema normativo brasileiro, principalmente na

Constituição Federal, e em nos Estatutos da Criança e do Adolescente, e no Estatuto do Idoso,

buscando realizar essa discussão como possibilidade de ensino na geografia nos ensinos

fundamental e médio. Realizar uma discussão a respeito da relação entre o espaço e o

desenvolvimento do indivíduo, e também da percepção do homem enquanto indivíduo e a produção

do espaço. Investigar o papel do ensino da geografia, na formação de cidadãos a partir do

entendimento dos processos psicológicos, e do ensino dos pressupostos dos principais teóricos

destes processos psicológicos na geografia, tomando o homem no espaço, entendendo que só assim

é possível compreender o espaço a partir do homem e o homem a partir do espaço - à medida que

tanto o entendimento do espaço na sua totalidade, quanto do homem na sua totalidade, juntos, é que

podem promover ao homem uma consciência crítica sobre o mundo. Desta forma, evidenciar o

papel da geografia em formar alunos não alienados (tanto em relação ao espaço onde se realizam

enquanto indivíduos, quanto aos próprios processos internos que surgem a partir, e se realizam no

meio, no espaço), capazes de reconhecer criticamente os processos existentes no espaço, assim

como os processos internos que se dão a partir dos elementos que o cercam, existentes no espaço.

A justificativa social para a realização desse trabalho está na possibilidade de

proporcionar ao estudante um acesso a uma nova geografia que tenha um objetivo concreto em sua

formação como cidadão, tanto que ofereça ao aluno os instrumentos de ação no espaço previstos

legalmente em instituições normativas como a Constituição Federal, como possibilite o aluno à

compreensão do homem, em seus processos psicológicos, e assim possa aprofundar o entendimento

da relação entre o espaço e o homem. Possibilitando uma nova percepção a respeito do espaço no

qual se encontra inserido, e sobre si mesmo nesse espaço, assim criando uma consciência crítica

sobre sua cidadania, sua constituição como cidadão num território e no espaço. Assim a proposta

deste trabalho pretende fornecer elementos para um novo ensino na geografia, que possa oferecer

bases para uma nova consciência crítica sobre o espaço. Assim possibilitar à sociedade o

conhecimento da estrutura normativa à qual todos estamos inseridos, o conhecimento sobre nossos

direitos previstos constitucionalmente, tanto quanto somado a tal percepção, o entendimento do

próprio funcionamento dos processos psicológicos que ao qual o indivíduo é submetido, desta

estrutura intrínseca ao ser humano, que como mostra Vigotsky (1999), é moldada a partir da cultura

e da linguagem, assim mantém relação íntima com o espaço. De tal modo um ensino de geografia

que possibilite ao indivíduo maior autonomia, e um caminho concreto para alcançar, realizar, a

cidadania plena. Um ensino formador de um sujeito crítico, de uma sociedade apta à promover

todas as mudanças que entender necessárias à sua comunidade, à sociedade, capaz de promover

mudanças conscientes no espaço onde se encontra inserido, a partir da reflexão crítica sobre o

mundo que o cerca e sobre si mesmo enquanto indivíduo.

A justificativa acadêmica reside na possibilidade da discussão a respeito do ensino da

geografia sobre novos elementos, buscando a aproximação do ensino de uma geografia crítica,

como ensinado por Santos (2000), dentro da sala de aula nos ensinos fundamental e médio. Assim,

o presente trabalho contribui para a discussão acadêmica dos fundamentos e pressupostos da

geografia, à medida que discute possibilidade de ampliação do ensino da geografia na sala de aula,

a discussão volta para a própria ciência da geografia, e sobre o papel da ciência geográfica.

Discutindo um novo olhar sobre a relevância do elemento normativo no espaço, do homem em seus

processos psicológicos. Pretendendo a contínua construção de uma nova geografia, que permita

aprofundar cada vez mais a reflexão sobre os processos no espaço, tomando o homem no cerne, no

centro, destes processos.

O homem se realiza no trabalho, e o espaço é divido coletivamente por todos. Os processos

que resultam em linhas de forças que promovem a desigualdade, prejudicam todos os que

individualmente compartilham esse espaço. A observação concreta do resultado dessa soma de

fatores passa necessariamente pelo entendimento da realização do homem num universo cultural, na

cultura. É esta que condiciona a visão de mundo do homem, que tem uma dinâmica própria, que

resulta dos processos acumulados ao longo da história e da soma destes aos elementos atuais e às

lógicas endógenas, do próprio território, de determinado povo, da sua realização num determinado

território; ou exógenas, externas, alienígenas aos processos daquele lugar. Assim, o homem passa a

reproduzir um modelo que acredita que representa este capital e cada vez menos suas necessidades,

mas em função do desconhecimento dos processos internos que o movem; acredita estar realizando

a melhor opção, reafirmada pelos processos espaciais e psicológicos dos discursos e ideologias.

Contudo a observação da construção de cada vez mais impossibilidades à realização do humano

possibilita o surgimento de modelos alternativos à realização econômica, social, hegemônica, como

o anarquismo, e o socialismo. Estes que são duramente combatidos pelo capital - pelo capitalismo.

O modo de produção atual, hegemônico no atual modelo de globalização, promove a

lógica de estímulo à competição e a individualidade, o totalitarismo e lógicas espaciais totalitárias e

perversas (SANTOS, 2001), como a miséria e a escassez de acesso às oportunidades, a todos, mas

de modo mais intenso e cruel às classes menos favorecidas. E por isso o modelo hegemônico atual

acima descrito é insustentável, tanto em termos sociais, quanto ambientais, econômico, e

psicológico (aos indivíduos). É também nos países que se encontram no lado desfavorecido do jogo

de forças que a produção da atual geografia crítica se faz mais necessária.

É justamente na compreensão destas e outras contradições que nascem as idéias de

promoção de uma outra forma de realização no espaço. E de uma nova geografia. Superada a

mentalidade evolucionista, legado pelo positivismo, em relação às diversas formas de se realizar no

espaço pelos diferentes povos existentes no planeta, algumas primeiras investigações científicas

voltam os olhos a outro modo de realizar-se de povos distintos. Contudo a lógica capitalista

agressiva se impõe como necessidade nos diversos pontos planeta, de maneiras distintas,

sustentando-se através da coerção política, ou ideológica. De tal maneira que esse modo de

produção permite a reunião de elementos essenciais à sua contínua reprodução e imposição, a

acumulação do capital, somado à fantasia estimulada pela propaganda e pelos diversos meios de

informação desenvolvidos e postos a serviço do capital.

A transformação, modificação do espaço tal como se encontra hoje, em um espaço mais

justo menos fragmentado, só é possível a partir do homem, por isso é tão importante que a educação

desempenhe o papel de formador de pensadores e cidadãos críticos, capazes de exercer a cidadania,

e entender a si mesmos enquanto indivíduos dotados de processos internos tanto quanto sujeitos

ativos na produção, transformação do espaço. O presente trabalho, de tal maneira, acredita no papel

da geografia na construção desse futuro, como ciência capaz de identificar as contradições do

espaço, e proporcionar caminhos alternativos à produção de um espaço mais justo, mais igualitário

à todos os atores, concordando com Bobbio (1996), segundo a noção de que a liberdade e a

igualdade se ampliam, a medida que se aproximam; da busca pela construção de um espaço “menos

totalitário”, “menos perverso” (SANTOS, 2001).

A geografia como ensino nas escolas de ensino médio e fundamental tem a possibilidade

de oferecer aos alunos instrumentos de percepção do espaço, e de análise crítica do espaço, tanto

quanto do homem no espaço, ou seja, de si mesmos - enquanto cidadãos e enquanto agentes ativos

de produção e modificação no espaço. Assim, promover as bases para a modificação do modelo e

do espaço atual: uma educação crítica, possibilitando aos alunos uma visão crítica (baseada no

conhecimento e na reflexão), às novas gerações a possibilidade de emancipação, da valorização do

conteúdo em função das formas, de deixarem o estado de alienados, em relação aos processos no

espaço, em relação a si mesmos. Eis o verdadeiro papel da geografia, possível e devido, quando se

compromete a estudar e investigar o espaço na sua totalidade.

De tal maneira, presente trabalho é dividido em quatro capítulos:

Capítulo 1 - “Elucidando aspectos essenciais do tema”. Este capítulo é subdivido em três

partes (Parte 1: Geografia – evolução do pensamento geográfico; Parte 2: O Espaço geográfico -

contradições e totalidade; e Parte 3: Caminhos e descaminhos da educação). Na primeira parte,

Geografia – evolução do pensamento geográfico, realiza-se um retrospecto sobre a formação e

evolução do pensamento geográfico até os dias atuais. É nesta parte, a partir da reflexão sobre o

processo de desenvolvimento da geografia como pensamento científico, dos seus aspectos

epistemológicos e pressupostos metodológicos, que se apresenta a argumentação que ressaltar a

proposta do presente trabalho dentro da geografia crítica. Na segunda parte, o Espaço geográfico -

contradições e totalidade, tem-se objetivo de realizar uma investigação sobre o espaço, a partir do

método dialético, e do modo de produção, buscando ressaltar as contradições atuais presentes no

espaço, e a relação destas contradições e dos processos presentes no espaço com a própria evolução

do pensamento geográfico, e com a evolução dos pressupostos e princípios na educação. Na terceira

parte, caminhos e descaminhos da educação, dando prosseguimento, pretende-se aprofundar na

discussão sobre a educação, ampliando a reflexão sobre o processo de desenvolvimento da

educação no Brasil, do processo de evolução do pensamento positivista para o pensamento

construtivista, relacionando-se às contradições e processos percebidos no espaço, surgidos a partir

do modo de produção atual.

Capítulo 2 - “Educação e cidadania, os aspectos normativos do espaço”. Este capítulo será

subdividido em duas partes (Parte 1: Possibilidade de conhecimento do Espaço a partir de sua

Estrutura Normativa e Cidadania; Parte 2: Educação e ensino da geografia na formação da

cidadania). Na primeira parte, possibilidade de conhecimento do Espaço a partir de sua Estrutura

Normativa e Cidadania, pretende-se realizar uma reflexão sobre o conceito de cidadania, e como

hoje ela pode ser percebida, na sociedade e no espaço; ressaltando a relação entre a questão da

cidadania e o aspecto normativo do espaço, é nesta primeira parte do segundo capítulo que

pretende-se investigar os aspectos normativos: os elementos do tempo presentes e revelados a partir

de tal, as contradições no espaço e os processos oriundos do modo de produção, presentes também

revelados; e também apresentar normas essenciais ao exercício da cidadania prevista na

Constituição Federal Brasileira e em alguns estatutos jurídicos, como o Estatuto da Criança e do

Adolescente, e Estatuto do Idoso. Na segunda parte, educação e ensino da geografia na formação

da cidadania, dando continuidade, pretende-se aprofundar a discussão sobre o papel do ensino da

geografia na formação do cidadão, da cidadania, da possibilidade de uma visão crítica pelo aluno a

partir do ensino da geografia, e por fim, da compreensão pelo aluno do papel do cidadão e dos

instrumentos legais previstos no sistema normativo brasileiro, principalmente na Constituição

Federal, e Estatutos da Criança e do Adolescente, e Estatuto do Idoso, buscando realizar essa

discussão como possibilidade de ensino na geografia nos ensinos fundamentais e médio.

Capítulo 3 - “Educação e cidadania, os processos psicológicos no espaço”. Este capítulo é

divido em duas partes (Parte 1: Crítica social e desenvolvimento humano, espaço e os processos

psicológicos do indivíduo; Parte 2: Os processos psicológicos no ensino de geografia e cidadania).

Na primeira parte, crítica social e desenvolvimento humano, espaço e os processos psicológicos do

indivíduo, busca-se realizar uma discussão a respeito da relação entre o espaço e o desenvolvimento

do indivíduo, e também da percepção do homem enquanto indivíduo e a produção do espaço. De tal

maneira, nessa parte pretende-se realizar uma discussão a respeito da cidadania e do espaço de

modo mais profundo, baseado na relação entre a análise sobre o espaço e desenvolvimento humano,

as contradições existentes no espaço e os processos psicológicos. Na segunda parte, os processos

psicológicos no ensino de geografia e cidadania, busca-se investigar o papel do ensino da geografia

na formação de cidadãos a partir do entendimento dos processos psicológicos; e também busca-se

discutir a possibilidade de incluir no ensino de geografia as principais teorias as respeitos dos

processos psicológicos dentro de uma perspectiva da geografia, ou seja da relação do homem no

espaço. Compreende-se que só assim é possível compreender o espaço a partir do homem e o

homem a partir do espaço - a medida que tanto o entendimento do espaço na sua totalidade, quanto

do homem na sua totalidade, juntos, é que podem promover ao homem uma consciência crítica

sobre o mundo. Desta forma evidenciar o papel da geografia em formar alunos não alienados, nem

aos processos existentes no espaço, que se dão a partir do modo de produção, como dos processos

internos que se dão a partir dos elementos que o cercam, existentes no espaço.

Capítulo 4 - “Uma geografia transformadora”. Este último capítulo é reservado às

conclusões finais da investigação proposta. O presente trabalho entende a importância da ampliação

dos horizontes da geografia ensinada nas escolas. Trazer as discussões realizadas sobre o espaço

para a sala de aula, é ainda um desafio complexo e que não deve nunca ser deixado de lado. Se o

papel da geografia enquanto ensino é o de proporcionar ao aluno uma visão crítica a respeito do

mundo, uma consciência crítica a respeito do espaço, em sua totalidade, ou seja, oferecendo ao

aluno a possibilidade de agir conscientemente no espaço. A geografia deve sim buscar caminhos de

inserção destas questões no ensino da geografia. Este trabalho entende a complexidade dessa tarefa,

assim como da relação da própria educação com os processos no espaço, como resultado do modo

de produção dominante. Entretanto, este trabalho acredita na possibilidade de que tais instrumentos

(como o ensino dos princípios contidos na Constituição Federal e nos estatutos) podem

proporcionar ao aluno sua realização enquanto cidadão. E também, no entendimento e ensino pela

geografia dos processos psicológicos do homem enquanto ser social e cultural, para uma

compreensão mais profunda, reveladora do espaço em sua totalidade, que não pode negligenciar a

relação homem - espaço. Assim não se trata de um ensino de psicologia na geografia, onde os

elementos intrínsecos ao homem enquanto ser animal são relevados (mesmo entendendo a

importância destes elementos) trata-se de um ensino de geografia que leva em conta os processos

psicológicos do homem enquanto ser social, dos processos psicológicos do homem enquanto ser

cultural. É claro que a discussão proposta por esse trabalho torna imprescindível, se desejarmos seu

aprofundamento, a discussão sempre necessária sobre a reforma curricular nos cursos de geografia,

e dos livros didáticos. Por fim, trata-se de aceitar o espaço como uma produção do homem, e aceitar

que para compreendê-lo é necessário compreender o homem, e se a geografia pretende exercer o

seu papel de possibilitar a emancipação e promover ao aluno a leitura crítica do mundo, deve se

propor à ampliação destes dois horizontes.

O fio condutor da discussão proposta pelo presente trabalho é a unidade buscada na

relação entre educação e cidadania, dentro do universo proposto da geografia e do ensino da

geografia. As sugestões apresentadas neste trabalho de ampliação dos horizontes no ensino da

geografia, obviamente, de forma alguma resolvem as complexas questões e caminhos existentes na

discussão e na proposta de uma geografia ativa, crítica, capaz de proporcionar modificações nos

processos no espaço, capaz de promover uma consciência crítica aos indivíduos em relação aos

processos. De tal maneira, o caminho apontado por este trabalho, antes, acredita que os

instrumentos discutidos são capazes de instigar, de modo pioneiro, e inicial, o amplo debate sobre a

importância e as possibilidades de transpor a geografia realizada na universidade para as salas de

aula, dentro da perspectiva proposta. E, menos do que oferecer respostas, pretende suscitar novas

dúvidas, discussões e possibilidades. A metodologia adotada por esse trabalho foi, então, da análise

e reflexão a partir do método dialético e da revisão bibliográfica de textos.

Assim, compreende-se que a ampliação dos horizontes propostos para o ensino da

geografia não são, jamais, alguma solução para o intricado e complexo debate que se realiza sobre o

ensino da geografia, ao contrário, tendo em vista as diversidades de realidade em sala de aula no

Brasil, este trabalho acredita oferecer condições importantes para a realização de uma outra

geografia nos ensinos fundamental e médio, que não aquela positivista onde se objetiva a

memorização de nomes de lugares e paisagens, mas uma geografia que possibilite a emancipação

do homem, a autonomia do aluno, e algumas condições do oferecimento de bases para uma nova

possibilidade do espaço. Pois crê que só se pode exercer um direito, quando se conhece o direito

que se tem, e só se pode perceber os processos espaciais, profundamente, em seus aspectos

perversos, se tomada a investigação dos processos psicológicos, ou seja, possibilitando ao aluno o

entendimento sobre seus próprios processos internos, para entender os processos exógenos;

acreditando que assim se intensifica a relação proposta da geografia de tomar o homem no espaço.

Tendo o homem (o homem social e coletivo) como prioridade. Pois é o homem que produz a

técnica, e investiga o espaço, e o homem, então, deve ser a prioridade nos processos - e que se inicia

na investigação do indivíduo sobre o mundo.

Capítulo 1 - Elucidando aspectos essenciais do tema

Parte 1: Geografia – evolução do pensamento geográfico

Quando pensamos a geografia enquanto ciência, e quando tomamos a geografia enquanto

ensino é necessário entender que se trata de duas instâncias distintas dentro de uma unidade. Não é

possível partir para uma reflexão sobre o papel da geografia, e mesmo sobre a história do

pensamento geográfico sem compreender essa dicotomia no que se refere ao pensamento

geográfico: enquanto produção acadêmica, científica; e a geografia enquanto ensino nos Ensinos

Fundamental e Médio. Neste aspecto específico da relação de ensino na Geografia é necessário,

também, entender que o ensino de geografia dentro da academia, nas universidades e centros de

ensino superior, também se equipara à geografia enquanto ciência (geografia científica). Tendo em

vista que dentro da universidade o aluno é conduzido à produção científica e à reflexão sobre o

conhecimento apresentado pelas diversas correntes de pensamento presentes na geografia. E a

geografia como ensino, efetivamente, a ensinada nos Ensino Fundamental e Médio, geralmente

orientada por um material didático produzido de forma centralizada, pelos órgãos e departamentos

legais, geralmente intimamente ligados ao Estado e pouco aos professores e às reflexões realizadas

no âmbito acadêmico.

Esta questão é relevante, pois, que no processo de transformação, renovação e crítica que

se realiza no pensamento geográfico, no tempo, estes duas instâncias da geografia muitas vezes se

confundem, e se distinguem, servindo ora como perspectiva para uma orientação positiva como

aspecto metodológico na produção do pensamento geográfico (definindo o que é geografia), em

outros momentos como orientação negativa nesse processo (definindo o que não é geografia).

Na outra via, também, o próprio ensino de geografia nas escolas, a problemática que se

insere na reflexão sobre a geografia escolar, muitas vezes, se confunde e se percebe tanto enquanto

geografia tradicional, alicerçada no positivismo, tanto enquanto projeto de uma nova geografia, de

uma geografia crítica que nasce dentro da discussão filosófica realizada na geografia enquanto

ciência. Assim, a geografia enquanto ensino não pode ficar marginalizada de tal discussão, já que a

formação do pensamento geográfico e da percepção do que é geografia se inicia nas escolas, no

Ensino Fundamental e médio.

Ainda mais, para a geografia crítica, que se apresenta como geografia ativa, é impossível

que se permita que tais reflexões se situem unicamente no mundo acadêmico, não atravessando as

fronteiras para o ensino de geografia nas escolas (ensinos fundamental e médio), onde o ensino de

geografia adquire importante sentido no papel da percepção do espaço pelos indivíduos, alunos,

tanto como na promoção da possibilidade de transformação de tais em cidadãos, indivíduos capazes

de intervir no espaço conscientemente. Se a geografia hoje, se posiciona como ciência crítica e

ativa, então um sentido como possibilitadora de cidadania se faz necessária ao papel de ensino de

geografia, como será discutido mais profundamente na segunda parte deste primeiro capítulo.

Para fins de elucidação deste aspecto essencial do tema é que se faz necessário essa breve

retomada da evolução do pensamento geográfico desde o início da geografia moderna até a crítica

atual sobre o projeto de geografia, as reflexões sobre o pensamento geográfico, e as discussões

epistemológicas que se realizam no âmbito do pensamento geográfico. A fim de se desvendar

mesmo que de forma breve e geral, os caminhos trilhados pelo pensamento geográfico, desde as

considerações do que hoje se denomina de geografia moderna, até a passagem do pragmatismo à

crítica marxista, e a apreensão do espaço como objeto de estudo da geografia, como proposta

metodológica para a realização de uma geografia que apreenda o mundo a partir dos processos, que

se realizam no espaço, de uma geografia disposta a se esgueirar da cegueira que proporciona uma

visão estática sobre as formas, para uma perspectiva dialética sobre as contradições presentes nos

processos que se dão no espaço, no tempo. Entendendo, que em verdade, o mundo, o espaço e o

tempo são conceitos que devem ser mutuamente conversíveis, como ensina Santos (2006):

Tempo, espaço e mundo são realidades históricas, que devem ser mutuamente conversíveis, se a nossa preocupação epistemológica é totalizadora. Em qualquer momento, o ponto de partida é a sociedade humana em processo, isto é, realizando-se. Essa realização se dá sobre uma base material: o espaço e seu uso; o tempo e seu uso; a materialidade e suas diversas formas; as ações e suas diversas feições. (SANTOS, 2006, 54)

A geografia enquanto ciência, assim, se permite à promoção de autocrítica e reflexão à

medida que os processos no globo se transformam e se complexificam, que se permite aceitar uma

“crise” epistemológica (SANTOS, 2006) à medida que o próprio mundo também revela uma intensa

crise de valores, ocasionado pelos processos fragmentários oriundos do modo de produção

(SANTOS, 2001), que busca entender a totalidade sem perder de vista a parte. Como revela a

reflexão de Santos (2008) sobre a relação forma/conteúdo e lugar/totalidade mundo:

O movimento dialético entre forma e conteúdo, a que o espaço, soma dos dois, preside, é, igualmente, o movimento dialético do todo social, apreendido na e através da realidade geográfica. Cada

localização é, pois, um momento do imenso movimento do mundo, apreendido em um ponto geográfico, um lugar. Por isso mesmo, cada lugar está sempre mudando de significação, graças ao movimento social: a cada instante as frações da sociedade que lhe cabem não são as mesmas. (SANTOS, 2008, 13).

A necessidade de compreender o mundo remonta uma época tão antiga na história da

humanidade quanto possa vir a ser a própria história de existência do homem sobre o planeta.

Assim como o homem a partir da construção da cultura, da perpetuação de instrumentos técnicos,

lingüísticos, desenvolve sua habilidade de perceber e descrever o mundo que o cerca, concebendo

novas palavras alcançando novos conceitos que possam descrever os sentimentos que lhe ocorrem e

os processos que o cercam (VIGOTSKY, 1999), assim também o pensamento geográfico se

constitui como um contínuo movimento de desenvolvimento e evolução desde a gênese de sua

formação até os dias de hoje, que se realiza a partir de uma reflexão crítica, obviamente, contudo

sendo denominada como geografia crítica o movimento mais recente de renovação da geografia por

propor uma leitura dinâmica dos processos no espaço, oriundos do modo de produção, que

influencia toda a relação de existência do homem sobre o planeta, de forma complexa e violenta,

como ressalta Santos (2001):

Entre os fatores constitutivos da globalização, em seu caráter perverso atual, encontram-se a forma como a informação é oferecida à humanidade e a emergência do dinheiro em estado puro como motor da vida econômica social. São duas violências centrais, alicerces do sistema ideológico que justifica as ações hegemônicas e leva ao império das fabulações, a percepções fragmentadas e ao discurso único do mundo, base dos novos totalitarismos- isto é, dos globalitarismos - a que estamos assistindo. (SANTOS, 2001, 39)

Existem diversos modos de dividir, didaticamente, os momentos de evolução do

pensamento geográfico. Neste trabalho será adotada a perspectiva proposta por Morais (1994), que

se configura na compreensão dos seguintes momentos do pensamento Geográfico: A Geografia

Tradicional, Geografia Nomotética, Geografia Pragmática, Geografia Marxista e Geografia Crítica;

entendendo, contudo, que nesta última, a crise da geografia se supera, em parte, na compreensão do

espaço como objeto geográfico.

Assim, admite-se que o início do pensamento geográfico tem efetivamente suas bases

epistemológicas consagradas no que se entende como Geografia Moderna, que tem um esforço

inicial de sistematização a partir de Humboldt e Karl Hitter, e como expoentes Ratzel e La Blache

em sua formação (MORAIS, 1994). Contudo, mesmo reconhecendo esse marco inicial do atual

pensamento geográfico, Moreira (2006) nos revela uma espécie de pensamento geográfico

conhecido na antiguidade clássica reconhecendo a anterioridade das preocupações levantadas pela

necessidade de compreender o meio pelo homem:

Da antiguidade clássica chega-lhe [à J. R. Foster] o discurso da geografia como o estudo das relações

sistemáticas que descrevem a paisagem, e que, orientadas por esta, se localizam e se sintetizam para formar o fenômeno regional, de Estrabão (63 a.C. -63 d. C.). E o discurso de um todo planetário que se expressa como uma construção matemática e pronta para versar-se em linguagem cartográfica, de Ptolomeu. Já do Renascimento vem a atualização da geografia estraboniana para o novo tempo e o ambiente que então se abre, adquirindo a duplicidade do método que distingue a geografia sistemática e a geografia regional, chamada de geografia especial, transfigurada no olhar da teoria unitária que explica o mundo como um jogo de escala, de Varenius. Chega-lhe ainda a retomada de Ptolomeu para a contemporaneidade da teoria heliocêntrica de Copérnico – o modelo matemático ganhando aqui a precisão da cosmografia copernicana -, de Cluverius. (MOREIRA, 2006, 14)

No entanto, parece haver um consenso de que as bases epistemológicas que dizem respeito

à formulação da Geografia, como ciência geográfica, como a ciência a qual a entendemos hoje, se

encontram no início da Geografia Moderna, que tem seu surgimento na primeira metade do séc.

XVIII, nas obras do filósofo Kant, e segundo Moreira (2006), cujo ponto seminal, no plano teórico-

metodológico, se encontra na obra do geógrafo J. R. Forster. Geografia esta, que posteriormente é

designada como Geografia Tradicional e que durante o movimento de renovação da geografia vai

sofrer duras críticas, sem, contudo, que se deixe de admitir que esse primeiro movimento no

pensamento geográfico moderno efetivamente tenha contribuído ao desenvolvimento do

pensamento geográfico, já que a evolução da geografia enquanto ciência é um contínuo de rupturas

e continuidades, uma evolução que se dá a partir da superação e continuidades de conceitos e

métodos.

Desse modo, uma questão que sempre se colocou como principal, e que se impõe para o

entendimento da Geografia enquanto ciência, além da definição dos métodos de investigação na

geografia, é a definição do seu objeto de estudo. Ao longo da evolução do pensamento geográfico,

vários entendimentos foram possíveis na tentativa de consolidar tal questão. Uma das primeiras

propostas observáveis se compreende no entendimento de que caberia à Geografia a descrição da

superfície terrestre, entendimento intimamente relacionado à etimologia da palavra Geografia: Geo

– terra; grafia – escrita; idéia que converge no sentido mais geral do estudo da superfície terrestre.

Uma outra hipótese era de que a geografia seria uma síntese de outras ciências; ou ainda, a

uma ciência que deveria se dedicar ao estudo da paisagem, mas que do mesmo modo não perderia

em essência a idéia de uma ciência de síntese. A Geografia Tradicional, assim, se caracteriza pela

utilização do método indutivo, podendo se encontrar como proposta desta geografia o estudo da

individualidade dos lugares. Tal que terá expressão consagrada na, posterior, Geografia Regional,

que vai conceber como objeto de estudo a unidade espacial da região (MORAIS, 1994).

A geografia moderna surge, entretanto, a partir das sistematizações iniciais de Humboldt

da geografia enquanto ciência, intensamente influenciado pelo pensamento positivista da época,

assim como todas as ciências de modo geral, e, portanto, sob forte influência do pensamento de

Kant (MORAIS, 1994). É coerente afirmar que o nascimento da geografia moderna tem uma

relação muito clara com “a especificidade da situação histórica da Alemanha no início do século

XIX” (MORAIS, 1994, 44), que se reflete na necessidade do homem alemão intensificar sua

compreensão e debate a respeito de “temas como o domínio e organização do espaço, apropriação

do território, variação regional, entre outros, [que] estarão na ordem do dia na prática da sociedade

alemã de então”. (MORAIS, 1994, 46).

A Alemanha, de então, ainda não se havia constituído num Estado Nacional, ao contrário

do restante da Europa, quando muitos países já haviam estabelecido colônias em outros continentes

- ou seja, já haviam se constituídos em Estados-Nações e praticavam projetos expansionistas a

partir dos esforços acumulados da burguesia e Estado. É importante ressaltar nesse quadro,

portanto, que a Alemanha também evidenciava necessidade de participar da “partilha desse novo

mundo”, e que o indivíduo alemão acreditava, ou percebia, que a modificação dos processos que se

davam nesse território tinham influência sobre os próprios indivíduos alemães, como possibilidade

de aprimoração da realização dos indivíduos no território, como fica evidenciado no trecho “temas

como domínio (...) estarão na ordem do dia na prática da sociedade alemã” (MORAIS, 1994, 46).

A Geografia surge, assim, nesse contexto de disputa, que vai se dar principalmente entre a

Alemanha e a França, os países onde surgirão as primeiras cátedras de geografia, e a própria

geografia que se desenvolve a partir daí apresenta como preocupação central na construção dos seus

conceitos a compreensão dessa relação existente entre os processos possibilitados pelo meio, e o

homem, em outras palavras, poder-se-ia dizer, entre o espaço e o homem. Entendendo a

anterioridade do espaço - em relação ao conceito construído pela geografia - a fim de não cometer

nenhum anacronismo histórico; o que se deseja ressaltar aqui é a percepção de que a geografia

moderna já começava revelar, ainda de forma incipiente, a importância da compreensão sobre o

espaço na geografia, como centralidade na constituição dessa ciência, e que esse conceito não surge

do nada na geografia, mas antes se define enquanto necessidade de compreender processos que se

complexificam a partir das técnicas e tecnologias. Assim, também, da necessidade da geografia

enquanto ensino, abandonar o paradigma positivista descritivo, e procurar os caminhos de trabalhar

o espaço em sala de aula, de forma ativa, ou seja, propiciando ao aluno condições de agir

conscientemente sobre o espaço. Pois é disso que, como se vê, trata-se a geografia, e a geografia

enquanto ensino não pode se esquivar de tal processo.

O movimento entendido como Geografia Tradicional tem como características bem gerais

o fato de não constituir um conceito chave como objeto de estudo da geografia, assim, privilegiando

os conceitos de paisagem e região, gênero de vida e diferenciação de áreas. Todavia, Ratzel,

considerado um dos principais intelectuais dessa corrente ao lado de Vidal de La Blache, que inicia

a investigação do espaço enquanto conceito (espaço vital), já o admite como base indispensável

para a vida do homem, o espaço. Desenvolve a partir daí dois conceitos fundamentais em sua

antropogeografia: território e espaço vital - o espaço se transforma, através da política, em território,

conceito chave dessa geografia.

Hartshorne admite como tarefa dos geógrafos descrever e analisar a interação de

fenômenos em termos de espaço. Para ele o espaço é absoluto, ou seja, conjunto de pontos que tem

existência em si. Associação entre espaço e visão idiográfica da realidade.

Um revigoramento do processo de sistematização da Geografia ocorre no final do séc.

XIX, com as formulações de Friedrich Ratzel, autor alemão e prussiano. “Enquanto Humboldt e

Ritter vivenciaram o aparecimento do ideal de unificação alemã, Ratzel vivencia a constituição real

do Estado Nacional alemão e suas primeiras décadas” (MORAIS, 1994, 52). De tal modo, pode-se

afirmar que a geografia de Ratzel é influenciada pelo movimento expansionista do Estado Alemão,

e pelo movimento de legitimação desses desígnios de expansão. A geografia quando se propõe ao

estudo do espaço, possibilita a investigação dos processos que no qual está inserido o homem. Da

mesma maneira, mas de forma embrionária, buscavam os primeiros geógrafos. A impossibilidade

de se observar os processos e fenômenos, os quais a ciência geográfica foi tendo acesso e

possibilitando o entendimento, em sua evolução, até os dias de hoje, se configurou numa limitação

que permitiu ao pensamento geográfico profunda influência do pensamento expansionista; que era a

do contexto da época, dos processos realizados naquele tempo, que se intensificaram e

complexificaram no período atual.

A relação entre fatores do meio ambiente e o homem foi tomada, por alguns autores, num

aspecto demasiado intensa e equívoca, chegando a ser rotulada por Lucien Febvre como

determinista - que numa leitura radical da teoria de Ratzel chegou a denominá-la de “manual de

imperialismo”. Contudo, Ratzel buscou investigar na geografia a influência que as condições

naturais exercem sobre o homem, estas, que atuariam primeiro na fisiologia e na psicologia dos

indivíduos; e que em segundo lugar influenciaria a própria constituição social em qual está

localizada a sociedade (MORAIS, 1994). Fica, então, evidente que o próprio Ratzel já começava a

compreender, de modo ainda incipiente o papel ativo do espaço, ou seja, tomada no nível dos

processos de realização da vida, das possibilidades e condições impostas pelos processos presentes

no espaço, que Ratzel ainda entendia como “meio ambiente”. Evidencia-se e aqui em um grau

maior a preocupação com a relação entre o meio, no caso dado como meio natural, e o indivíduo.

Ratzel inaugura a Antropogegrafia, tendo o território como condição de decadência, à medida que a

sociedade perde parte daquele, ou progresso, à medida que conquistava novos; o que o leva a

elaborar o conceito de “espaço vital”, uma proporção de equilíbrio entre uma população, e sua

potencialidade de progredir, e os recursos disponíveis no território.

Outros geógrafos, como Huntington (1915 apud LARAIA, 1993) propuseram uma

geografia essencialmente determinista, como a instituição de uma relação entre a latitude e os

centros de civilização, considerando “o clima como um fator importante na dinâmica do progresso”.

(LARAIA, 1993, 21), e defende a idéia de que os rigores naturais, do inverno, por exemplo, é que

em verdade, devido às necessidades impostas, promoveram o desenvolvimento das sociedades

européias. Numa argumentação completamente a-crítica, a-histórica, negligencia os processos de

expropriação das colônias, pelas metrópoles européias, que possibilitaram as etapas de acumulação

de capital que promoveram a “geração de riqueza”, situando-os em posição privilegiada de forças

nas trocas comerciais que se estabeleceriam dali. O homem se adapta sobre o meio natural e impõe

processos de realização. É inadmissível a idéia de uma imposição puramente natural sobre uma

humanidade puramente receptível, esta afirmação condiz com o desconhecimento da história.

Na historiografia proposta em Morais (1994), argumenta-se que a escola de Vidal de La

Blache, que surge na França no final do século XIX, sofre influência da situação bélica instalada

entre França e Alemanha. Assim, Morais (1994) ressalta o processo de formação da ciência

geográfica em sua relação com demais processos existentes no espaço. A preocupação de Morais

(1994) de contextualizar numa visão crítica estes momentos que permeiam o início da geografia é

bastante dignificante, e a Geografia ganha muito com essa perspectiva crítica, contudo que não seja

única.

Verdade que a geografia de La Blache apresente diversos pontos de ruptura, também tem

consigo vários pontos de contigüidade, em função inclusive do contexto situacional da França

naquele momento. Deste modo, ressalta-se, para o entendimento dessa escola, a já ocorrida

revolução burguesa, a Revolução Francesa, e os ideais propostos nos pensamentos liberais e

progressistas.

A geografia foi colocada, na França, como disciplina em todas as séries do ensino básico.

Também foram instituídas as Cátedras e os Institutos de Geografia. De modo que fica fácil

compreender porque Vidal nas suas primeiras formulações geográficas condenou a vinculação entre

o pensamento geográfico e a defesa de interesses políticos, “brandindo um clássico argumento

liberal de “necessária neutralidade do discurso científico”” (MORAIS, 1994, 65). Porém esse

discurso não se configura de fato na geografia proposta por La Blache que se vê na complicada

posição de conciliar essa posição argüida, com a existência das colônias até então mantidas pela

França na África. La Blache ressalta a importância da história para a compreensão geográfica,

ponto de extrema importância, que vai se revelar mais tarde à geografia na necessidade do estudo

do espaço em sua relação com o tempo. La Blache tece algumas críticas à Antropogeografia de

Ratzel, voltando a análise para a ação do Homem na paisagem. Reconhece que o homem atua sobre

o meio transformando-o, como ser ativo, contudo define essa relação homem-natureza a partir da

paisagem; de onde se infere que não realiza a ruptura essencial com a geografia proposta por

Ratzel. Assim La Blache não oferece a relação homem-espaço a partir dos processos, mas o

desenvolvimento do embrião, o pensamento geográfico, vai se revelando significante. La Blache

intensifica a importância da relação entre o homem e o meio, impossibilitado de prosseguir mais na

investigação, oferece uma importante base epistemológica para a delimitação da geografia como

ciência, desenvolve o conceito de “gêneros de vida” e oferece os princípios do que vão se

consolidar como Geografia Humana (MORAIS, 1994).

Uma última corrente encontrada na Geografia Tradicional é denominada como Geografia

Idiográfica, Nomotética, se situa no final do séc. XIX e início do séc. XX, que tem como seus

expoentes Alfred Hettner e Richard Hartshorne. Nessa corrente se destaca a transição do

pensamento indutivo para a racionalidade dedutiva da geografia, e o aprofundamento da discussão

sobre objeto e método na ciência geográfica. Contribui com dois conceitos importantes o de área e

de integração; comparação das integrações obtidas em busca de um “padrão de variação”. Dessa

unidade do pensamento geográfico surgem linhas específicas da análise geográfica. Contudo, qual

fosse o objeto pretendido para análise não se perderia de vista a relação com o homem, talvez nesse

momento, se encontrem os primeiros indícios de relacionar os processos ao homem.

Depois do que se considera o fim deste ciclo, ocorre um movimento de renovação da

geografia, que se compreende numa busca pela definição da geografia como ciência. Nesse período

as críticas à Geografia Tradicional se avolumam, mais do que os caminhos que apontem a uma nova

geografia. Tanto a percepção de que a investigação geográfica não poderia ficar presa aos

pressupostos oferecidos, quanto à mudança dos processos ocorridos, promovidos pelas demandas

expansionistas do capital, incentivam essas transformações às bases epistemológicas da geografia.

Durante esse processo, o qual, muitos autores consideram como crise da geografia, de

caráter muito positivo, pois permite à geografia a discussão dos seus principais pressupostos,

aparece o que se denomina Geografia Pragmática. Intimamente relacionada às possibilidades

estatísticas e computacionais de organização e análise de dados, de levantamento e análise de

médias, desvios padrões, e dados estatísticos.

Da perspectiva indutiva, através de uma revisão metodológica da ciência geográfica, a

Geografia passa a adotar a perspectiva dedutiva, tendo como foco dos seus estudos a possibilidade

de organizar dados a partir das inovações técnicas e tecnológicas, principalmente estatística e

computacional, de quantificar e analisar esses dados, numa corrente conhecida como Geografia

Pragmática. (MORAIS, 1994).

O movimento de renovação no pensamento geográfico é resultado do acúmulo de diversos

fatores, dentre eles o surgimento de processos antes nunca percebidos, como processos de trocas de

transação de capitais e trocas de informações, que passam a se realizar sobre todo o globo terrestre,

que se dão no século XX e se intensificam do meio do século para o final, entendidos num

processo maior denominado de globalização - que traz em seu cerne tantos outros processos

contraditórios. É dentro desse intenso movimento de renovação que se realiza tanto no pensamento

geográfico, após o que se definiu como Geografia Tradicional, como no planeta, que se faz

necessário a reflexão sobre o mundo, e sobre os pressupostos do pensamento geográficos, como

condições de compreensão dos processos no espaço em suas contradições. Assim ensina Santos

(2001):

Os últimos anos do século XX testemunharam grandes mudanças em toda a face da Terra. O mundo torna-se unificado - em virtude das novas técnicas, bases sólidas para uma ação humana mundializada. Esta, entretanto, impõe-se à maior parte da humanidade como uma globalização perversa. Consideramos, em primeiro lugar, a emergência de uma dupla tirania, a do dinheiro e a da informação, intimamente relacionadas. Ambas, juntas, fornecem as bases do sistema ideológico que legitima as ações mais características da época. (SANTOS, 2001, 37).

De tal maneira, os processos percebidos no mundo, e no espaço, passaram a exigir uma

leitura crítica para que pudessem ser compreendidos em sua totalidade, para o qual os paradigmas

propostos pela geografia tradicional, se tornaram insuficientes. Demandava-se um olhar dinâmico

sobre os processos, proposto pela geografia crítica. Assim, temos o rompimento de grande parte dos

geógrafos com relação à perspectiva tradicional, onde temos, então, o surgimento de novos

movimentos na geografia.

A Geografia Pragmática (teorética-quantitativa), que surge a partir da década de 1950,

entretanto, efetua uma crítica à insuficiência da análise tradicional, por não reconhecer o espaço

enquanto objeto da geografia. Se o espaço aparece como conceito-chave na geografia teorética,

entretanto, é entendido a partir da relação entre os objetos - relações estas que implicam em custos

para se vencer a fricção imposta pela distância. Observa-se dentro dessa perspectiva geográfica a

produção de numerosos modelos sobre a organização espacial. A Geografia Pragmática tem como

pressupostos metodológicos a análise técnica, o pensamento dedutivo e nomotético, e o raciocínio

abstrato. (MORAIS, 1994)

Nessa mesma perspectiva, a corrente que vem contrapor esse momento tecnicista da

geografia é o movimento conhecido como Geografia Marxista, surgida em meados de 1970, que

vem apresentar duras críticas às questões ideológicas camufladas ou negligenciadas pelas correntes

anteriores, propondo à construção de uma Geografia baseada na análise dialética e do materialismo

histórico, dos processos, do mundo como criação social e da possibilidade, então de mudança. A

geografia marxista põe em cheque a necessidade de analisar o espaço a partir dos modos de

produção, da análise dialética dos processos, e do materialismo histórico. Esta perspectiva da

geografia dialoga no sentido da construção de um mundo que sirva ao homem e não ao capital; de

uma geografia ativa que tenha papel fundamental nesse processo. Esta geografia parte do

entendimento das teorias Marxistas, da necessidade de reflexão sobre os processos estabelecidos, se

fundamentando na necessidade da construção de uma Geografia ativa, e que reconheça o seu papel

na construção de um novo mundo, sem desconsiderar, entretanto, a importância do caráter

instrumental possibilitado pela tecnologia.

Por fim, tem-se o movimento da Geografia crítica (cujo debate se inicia em meados de

1970, mas que se consolida após a década de 1980) que se apropria de algumas das bases

epistemológicas da Geografia Marxista, mas também da análise histórica da própria evolução do

pensamento geográfico, que tem seu ponto máximo na figura do geógrafo Milton Santos, que

propõe o método dialético como método de análise, além da análise através do materialismo

histórico; propõe, por fim, à geografia, o espaço, tomado no tempo, como objeto de estudo, e

também como método, que como tal necessita de categorias de análise e de investigação, e que

deve ser tomado em sua totalidade. Por isso espaço tem de ser considerado em função do tempo.

Tal como ensina Santos (2008):

O espaço é formado de objetos técnicos. O espaço do trabalho contém técnicas que nele permanecem como autorizações para fazer isso ou aquilo, desta ou daquela forma, neste ou naquele ritmo, segundo esta ou outra sucessão. Tudo isso é tempo. O espaço distância é também modulado pelas técnicas que comandam a tipologia e a funcionalidade dos deslocamentos. O trabalho supõe o lugar, a distância a extensão; o processo produtivo direto é adequado ao lugar, a circulação é adequada à extensão. Essas duas manifestações do espaço geográfico unem-se, assim, através dessas duas manifestações no uso do tempo. (SANTOS, 2006, 55)

A Geografia Crítica propõe uma ruptura com a geografia anterior, no que diz respeito à

postura frente à realidade, à ordem constituída; posicionam-se por uma transformação da realidade

social, pensando o seu saber como uma arma do seu processo; vêem a análise geográfica como um

instrumento de libertação de homem.

A geografia pragmática não define a relação espaço-tempo, essa corrente se utiliza de uma

sucessão de passos cujo fim é a inferência causal: coligir dados compará-los, classificá-los,

estabelecer generalizações e extrair explicação causal. Estes passos podem ser resumidos a três

sucessivas: observação, formulação de hipóteses e inferência de leis; pela via da comparação

extraem-se as “leis” (generalizações) e pela via das correlações extraem-se os padrões Trabalha

como a criação de modelos e análises estatísticas. A geografia pragmática não percebe a relação

espaço-tempo. A Geografia crítica vê a necessidade da análise dialética da realidade, e desses

elementos, da necessidade da historicização dos fenômenos para verdadeira compreensão dos

processos, do espaço, entendido como lócus da reprodução das relações sociais de produção;

apresenta alguns elementos de continuidade com a pragmática como o empirismo, o princípio de

comparação.

A Geografia Crítica tem como pressupostos o método dialético, a análise dedutiva,

partindo do geral para o particular, a partir da perspectiva da dialética marxista. Assim, a Geografia

Crítica é fundada no materialismo histórico e na dialética. O espaço reaparece como conceito chave.

Espaço entendido como espaço social, vivido, em estreita correlação com a prática social. Não é

espaço absoluto (lugar dos números e das proporções) – ponto de partida. Não é produto da

sociedade (ponto de reunião dos objetos produzidos) – ponto de chegada. O espaço é mais do que

tudo isto, é o locus da reprodução das relações sociais de produção (SANTOS, 2006). E ainda,

Santos também ensina:

O espaço, uno e múltiplo, por suas diversas parcelas, e através do seu uso, é um conjunto de mercadorias, cujo valor individual é função do valor que a sociedade, em um dado momento, atribui a cada pedaço de matéria, isto é, cada fração da paisagem. O espaço é a sociedade, e a paisagem também o é. No entanto, entre espaço e paisagem o acordo não é total, e a busca desse acordo é permanente, essa busca nunca chega a um fim. (SANTOS, 2006, 104)

Assim, as contribuições de Santos para a geografia, são evidentemente cruciais para a

reflexão da geografia enquanto ciência que busca compreender o mundo. Santos (2002) ainda nos

ensina que o espaço é um fator social, por isso é ativo, e também é uma instância da sociedade,

compartilha do complexo processo de existência e reprodução social. O espaço de ser analisado a

partir da estrutura, processo, função e forma, considerados em conjunto, porém relacionados entre

si, que são as categorias de análise propostas por Santos para análise e investigação do espaço.

Dessa forma, e tomando a relação espaço-tempo, estas categorias permitem a construção de uma

base teórica e metodológica a partir da qual pode-se discutir os fenômenos espaciais em totalidade.

Deste modo, percebe-se que a geografia crítica procura identificar os processos em

detrimento das formas, entendendo que as formas também guardam aspectos relativos ao tempo,

entretanto, que só podem ser apreendidos a partir do espaço. Assim, Santos traz a problemática da

geografia tradicional, enquanto estudo e enumeração das formas para uma perspectiva mais

profunda de análise a partir do espaço. Assim a geografia passa e buscar desmistificar o mundo por

meio da análise dialética das contradições presentes nos processos, no espaço e no tempo. O espaço

é uma construção social. Portanto é dinâmica, e tem nas ações, do homem, coletivamente, que têm

sentido e intencionalidade, a gênese de sua existência e da essência dinâmica de sua transformação,

que se realiza a partir da relação dos fixos e fluxos, e do sistema de objetos e ações que constituem

o espaço. De tal maneira, a percepção de escala também é modificada na geografia crítica, como

ensina Santos:

A noção de escala se aplica aos eventos segundo duas acepções. A primeira é a escala da “origem” das variáveis envolvidas na produção do evento. A segunda é a escala do seu impacto, de sua realização. Além do mais os eventos históricos não se dão isoladamente. (...) temos a escala das forças operantes e (...) a escala do fenômeno. (SANTOS, 2006, 152)

De tal maneira, é dentro da perspectiva oferecida pela crítica apresentada a partir da

geografia crítica que se insere esse trabalho. Assim, que o presente trabalho entende a importância e

alcance da proposta metodológica da geografia crítica enquanto ciência que procura investigar o

espaço. Assim como o papel ativo a que essa geografia se propõe a medida que é capaz de perceber

as contradições presentes nos processos no espaço. De tal maneira que mesmo entendendo que a

geografia enquanto ciência e a geografia enquanto ensino, nos Ensinos Fundamental e Médio, são

institutos distintos dentro da grande unidade que se configura a geografia, percebe-se a importância

de transpor tais críticas e caminhos da ciência geográfica para o ensino em geografia, avolumando a

ponte que se estabelece entre estas duas unidades de saber e encurtando a distância que por ora se

percebe entre tais. Entendendo que o caminho sugerido neste trabalho é apenas uma das diversas

formas de iniciar esse diálogo, no complexo oceano da problemática a respeito da escala: ensino em

geografia e ciência geográfica. Entretanto como se verá, um caminho importante e necessário.

Outras correntes dentro do pensamento geográfico ainda podem ser observadas, como por

exemplo, a Geografia Humanística, caracterizada pela utilização do método fenomenológico na

investigação do objeto geográfico. Entretanto, as correntes apresentadas neste trabalho podem ser

tidas como as mais representativas no percurso de transformação do pensamento geográfico desde a

formação da geografia moderna a partir de Humboldt. É evidente que na compreensão do mundo

cada corrente oferece um olhar particular sobre a realidade, e a partir da totalidade das perspectivas

existentes tem-se a aproximação da realidade concreta. Este trabalho, todavia, pretende se inserir

dentro da proposta de investigação mais próxima da perspectiva da geografia crítica por acreditar

que a partir da análise dialética do espaço, no tempo, pode-se alcançar as contradições existentes

nos processos, e assim priorizar o conteúdo em detrimento das formas.

Parte 2: O Espaço geográfico - contradições e totalidade.

Como pudemos observar na parte anterior, “Parte 1 - Geografia – evolução do

pensamento geográfico”, deste primeiro capítulo, a evolução do pensamento geográfico se faz a

partir da contínua crítica e reflexão sobre seus pressupostos metodológicos, e assim temos um

percurso de continuidades e rupturas que se inicia na sistematização promovida por Humboldt e

Ritter, quem atribui à geografia status de ciência (CASSAB, 2009), até a geografia crítica que tem

como expoente o geógrafo Milton Santos. Todavia, esse processo de reflexão e transformação do

pensamento geográfico se realiza à medida que o próprio mundo apresenta transformações,

dialeticamente, possibilitadas e impostas, a partir da técnica, da tecnologia, do modo de produção

que vai-se concretizando e se impondo aos diferentes pontos do planeta de forma homogeneizadora,

e por isso mesmo, fragmentadora e heterogênea no espaço, alterando a configuração do planeta e

dos processos de modificação do espaço, humanizando a natureza, e atribuindo a todos os pontos do

planeta, intencionalidade. Num processo que identificamos como globalização. Assim ensina

Santos:

No começo da história do homem, a configuração territorial é simplesmente o conjunto dos complexos naturais. À medida que a história vai fazendo-se, a configuração territorial é dada pelas obras dos homens: estradas, plantações, casas, depósitos, portos, fábricas cidades etc; verdadeiras próteses. Cria-se uma configuração territorial que é cada vez mais o resultado de uma produção histórica e tende a uma negação da natureza natural, substituindo-a por uma natureza inteiramente humanizada. (SANTOS, 2006, 62).

O espaço assim, antes caracteristicamente marcado pela natureza selvagem, formada

unicamente por objetos naturais, vai sendo substituído por uma natureza marcadamente

caracterizada pela existência de objetos fabricados pelo homem, artificiais. A geografia tradicional

preocupou-se destes objetos naturais, da observação, descrição e enumeração das diferentes formas

destes objetos, das diferentes paisagens naturais. À medida que a configuração no globo vai se

transformando a partir da tecnificação, da imposição dos objetos técnicos no espaço, da substituição

dos elementos naturais pelos artificiais, que possibilitam e impõem alterações nas relações sociais, e

nos modos de realização da vida pelos indivíduos, a própria geografia percebe a necessidade de

compreender essa nova configuração territorial. Até porque que os elementos naturais e os

elementos técnicos passam a guardar íntima relação, e a compreensão de um ou de outro necessita o

entendimento da relação entre ambos, e por isso também, que pode se afirmar que os objetos

naturais foram completamente substituídos. Pois mesmo os lugares que ainda guardam a primeira

natureza, como, por exemplo, um ponto no centro da floresta amazônica, completamente

preservada, têm sobre si, intencionalidade possibilitada pela técnica, e pela tecnologia atual. E por

isso Santos afirma que o espaço, cujo conteúdo é extremamente técnico, só pode ser compreendido

a partir do “conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e

sistemas de ações” (SANTOS, 2006, 63). Assim ensina Santos:

O espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e seus habitantes. Os objetos não têm realidade filosófica, isto é, não nos permitem o conhecimento, se os vemos separados dos sistemas de ações. Os sistemas de ações também não se dão sem os sistemas de objetos. (SANTOS, 2006, 63).

A partir da compreensão do conjunto de sistemas de objetos e de ações, e da percepção da

temporalidade presente nos objetos, ou seja, da relação tempo-espaço é que se pode alcançar a

compreensão do espaço em sua totalidade. Temporalidade dos objetos que se dá tanto em relação ao

tempo enquanto conhecimento acumulado ao longo da história para a produção de determinado

objeto, quanto do tempo de trabalho empregado pelo trabalhador para produzir determinado objeto,

ou máquina (cujo objetivo é o de substituir o próprio trabalhador em determinada tarefa

possibilitando aumento da produtividade em menor espaço de tempo). E ainda, na análise do espaço

a partir de suas categorias: processo, e também, função, forma e estrutura. Tomando nessas

categorias os elementos que as animam: os homens, as firmas, as instituições, o meio-ecológico e as

infra-estruturas. Assim, ensinas Santos sobre os elementos que constituem o espaço:

(...) Os elementos disporiam, então, de uma inércia, pela qual eles podem permanecer nos seus próprios lugares, enquanto ao mesmo tempo, existem forças que buscam deslocá-los ou penetrar neles. Desse modo, sendo espaciais (pelo fato de disporem de extensão), eles também são dotados de uma estrutura interna, pela qual participam da vida do todo de que são parte e que lhes atribui um comportamento diferente (para cada qual), como reação ao próprio jogo das forças que os atingem (SANTOS, 2008, 16).

O espaço, assim, só pode ser compreendido em sua totalidade. Explicar a realidade a partir

de sua fragmentação, como por exemplo, unicamente das formas, é desenvolver um raciocínio que

em sua base possui um erro fundamental de compreensão e que por isso não pode levar senão a

uma conclusão equivocada. É necessário compreender as categorias de análise do espaço, e a

relação entre os elementos que o constituem, em função do tempo para que se possa analisar

criticamente o espaço e então compreender de fato o mundo. Ora, se a geografia já conseguiu

alcançar tal conclusão, como pode então, o ensino de geografia nas escolas não procurar os

caminhos que conduzam à práxis em sala de aula para esse sentido? Persistir num ensino de

geografia cuja metodologia seja ainda o paradigma positivista da geografia tradicional é realizar,

então, uma anti-geografia, uma geografia que se mal explicava o mundo no surgimento da geografia

moderna - pois ocultava os processos, inclusive do surgimento da geografia enquanto ciência -, hoje

é completamente incapaz de revelar a realidade ao aluno. Assim uma geografia que serve à

produção e reprodução de informações, e não conhecimento, e assim da própria ignorância - à

medida que o aluno continua, a partir do ensino em geografia, ignorante do mundo que o cerca, dos

processos contraditórios que constituem o espaço. Efetivamente que a discussão sobre o ensino de

geografia não pretende se resolver a partir unicamente da discussão metodológica, mas

evidentemente que este é um passo importante.

Por isso é importante compreender as categorias de análise do espaço. Entender que o

espaço é o “locus da produção” do homem (SANTOS, 2008, 81). Tal que, o espaço não existe

sem a produção, o trabalho, do homem sobre a natureza; da mesma forma o trabalho e a produção

não existe se não há espaço. E logo, desde o primeiro momento que o homem realiza o trabalho

existe espaço. E ainda, a importância de compreender o espaço no tempo.

O tempo, entretanto, é um dado da existência do próprio planeta - tempo cronológico,

tempo como medida de dia, noite, períodos de chuva ou estações do ano, dados que são apropriados

igualmente à produção e ao trabalho. De tal maneira, o espaço só pode ser compreendido a partir do

tempo, e o tempo é modificado em função do espaço, e tal como hoje, só pode ser compreendido

em função deste. E assim, temos então, as categorias de análise, os elementos de análise de espaço,

os sistemas de objetos, e os sistemas de ações, como conjuntos de sistemas indissociáveis,

solidários e contraditórios entre si (SANTOS, 2006). E que como tais, ocultam a partir das formas,

os processos que conduzem as ações.

Assim, aos objetos são constantemente atribuídas novas funcionalidades, que conduzem a

novas ações, num movimento dialético, o qual, o indivíduo, na filosofia da prática do cotidiano, não

é capaz de entender; mas que à medida que o compreende, necessita dos caminhos para a ação

consciente sobre o espaço. E, enquanto sujeito inserido num dado território, encontra na realização

da democracia possibilidades de ação, pois, ainda que ínfimas, à medida que os indivíduos as

desconhecem, tornam-se ainda mais incipientes. De tal modo, a democracia tem que ser entendida

como um processo - de aprimoramento das instituições, e de ampliação da participação dos

indivíduos. Nesse processo é que os indivíduos podem encontrar o exercício efetivo da sua

cidadania. Dessa maneira, na democracia devem ser garantidos, minimamente, os instrumentos de

intervenção do indivíduo sobre o espaço, o que pode ser entendido como momento mínimo da

cidadania, ou cidadania mínima, e que atualmente não se percebe, por exemplo, no território

brasileiro. E também por isso, a geografia tem dever de se apresentar como possibilidade de

proporcionadora de cidadania.

Entretanto, esta discussão a respeito da cidadania será aprofundada no próximo capítulo. O

que se entende necessário neste ponto da argumentação é tentar se aprofundar um pouco mais,

mesmo que brevemente na compreensão sobre as categorias de análise do espaço, para que seja

possível compreender a crítica sobre o processo de globalização atual. E assim, nos ensina Santos

sobre tais categorias:

(...) forma, função, processo e estrutura devem ser estudados concomitantemente e vistos na maneira como interagem para criar e moldar o espaço através do tempo. A descrição não pode negligenciar nenhum dos componentes de uma situação. Só se pode compreender plenamente cada um deles na medida em que funciona no interior da estrutura total, e esta, na qualidade de uma complexa rede de interações, é maior que a mera composição das partes. Em terceiro lugar, em sua configuração tais componentes nem são estáticos nem limitados em seu crescimento. (SANTOS, 2008, 71)

Compreender tal relação entre estas categorias é entender que o movimento interno e a

inter-relação entre tais é proporcionada a partir dos seus elementos, (homem, firmas, instituições

etc.) e das ações destes elementos a partir da técnica, da tecnologia existente, da lógica do modo de

produção atual, entretanto, que encontra no homem, enquanto indivíduo, o grande motor de

transformação do espaço - que o faz a partir do seu trabalho - aquele que segundo sua consciência e

entendimento sobre o mundo, e as possibilidades encontradas no espaço, permitidas pela

tecnologia, por exemplo, impõe as ações sobre o espaço; coletivamente, entendido, a partir do

elemento homem. Tanto que se assim não fosse, não haveria sentido em se falar em tecnosfera e

psicosfera, assim como perversidade da informação e tirania sistêmica (SANTOS, 2006, 2008). Só

há sentido em tais observações à medida que percebe-se o indivíduo como produtor do espaço,

refém da lógica hegemônica do modo de produção atual, mas possuidor de potencial autonomia

para modificar o espaço conscientemente a partir da compreensão crítica dos processos.

De tal maneira, é a partir das categorias de análise do espaço que podemos perceber tais

movimentos, que se traduzem no movimento dialético dos fluxos através dos fixos (SANTOS,

2002). De tal maneira, Santos (2008) define assim as categorias de análise do espaço:

Forma é o aspecto visível de uma coisa. Refere-se, ademais, ao arranjo ordenado de objetos, a um padrão. Tomada isoladamente, temos uma mera descrição de fenômenos ou de um de seus aspectos num dado instante de tempo. Função, de acordo com o Dicionário Webster, sugere uma tarefa ou atividade esperada de uma forma, pessoa, instituição ou coisa. Estrutura implica a inter-relação de todas as partes de um todo; o modo de organização ou construção. Processo pode ser definido como uma ação contínua desenvolvendo-se em direção a um resultado qualquer, implicando conceitos de tempo (continuidade) e mudança. (SANTOS, 2008, 69)

Dessa maneira, a partir dos pressupostos teóricos-metodológicos da geografia crítica é que

podemos compreender na totalidade o espaço, e ainda os processos no espaço em sua totalidade e

contradições. Assim, essa breve retomada a respeito da metodologia da geografia crítica, o espaço

como método, feita nesta primeira parte deste capítulo até este momento é necessária para que seja

possível compreender a relação entre a ordem global e as ordens locais (SANTOS, 2006). A ordem

global se traduz a partir do que entendemos hoje como processo de globalização e busca impor a

todos os lugares uma racionalidade hegemônica, enquanto os diversos lugares a partir das estruturas

e dos processos locais adapta a ordem global à sua própria racionalidade. Assim ensina Santos:

A ordem global serve-se de uma população esparsa de objetos regidos por essa lei única que os constitui em sistema. A ordem local é associada a uma população contígua de objetos, reunidos pelo território, regidos pela interação. No primeiro caso, a solidariedade é produto da organização. No segundo caso, é a organização que é produto da solidariedade. (SANTOS, 2006, 338)

Cada lugar é objeto de uma razão local e global, ao mesmo tempo, dialeticamente

(SANTOS, 2006, 339). Isso porque o que se denomina de ordem global é o que também se conhece

como processo de globalização. Esse processo percebido nos mais distintos pontos do globo é

resultado do modo de produção capitalista, que tem como objetivo único o lucro, e que a partir da

acumulação de capital, é capaz de gerar cada vez mais capital - otimizando e maximizando as

produções, objetivando o lucro, buscando matéria prima nos mais diversos pontos do planeta,

acontecendo o mesmo com mão de obra - buscando conciliar condições técnicas e tecnológicas,

como infra-estrutura e incentivos fiscais. A partir desse processo de globalização, hegemônico e

totalitário, temos então a guerra entre os lugares, o estímulo à competitividade, ao individualismo

(SANTOS, 2002, 2001). Santos ainda ressalta:

Os últimos anos século XX testemunharam grandes mudanças em toda a face da Terra. O mundo torna-se unificado - em virtude das novas condições técnicas, bases sólidas para uma ação humana mundializada. Esta, entretanto, impõe-se à maior parte da humanidade como uma globalização perversa. (SANTOS, 2001, 37).

Ressalta-se a partir desta observação que a ação humana mundializada também resulta no

surgimento dos processos de horizontalidades e verticalidades (SANTOS, 2001). As ações de

verticalidade que dizem respeito às decisões exógenas ao lugar, ao território, por exemplo, se

intensificam. Em contrapartida os processos de horizontalidade, relacionado ao movimento da

contiguidade e do cotidiano (SANTOS, 2001), tornam-se cada vez menos relacionados aos

processos resultantes diretamente da ação do homem no território, ou seja, da identidade territorial,

regional, que resulta de tal processo. Os processos de horizontalidade passam a, cada vez mais, se

relacionar com as decisões verticalizadas, servindo como um modo de adaptação dessa lógica à

racionalidade local. Assim o espaço a partir de uma lógica homogeneizadora, cria uma série de

fragmentações percebidas no espaço, estas que serão o alicerce de um processo que se conhece no

espaço como violência. Nesse sentido, as fragmentações intensificam a tirania e violência do

dinheiro em estado puro e das informações no mundo globalizado. Como ainda ressalta Santos:

Consideramos, em primeiro lugar, a emergência de uma dupla tirania, a do dinheiro e a da informação, intimamente relacionadas. Ambas, juntas, fornecem as bases do sistema ideológico que legitima as ações mais características da época e, ao mesmo tempo, buscam conformar segundo um novo ethos as reações sociais e interpessoais, influenciando o caráter das pessoas. A competitividade, sugerida pela produção e pelo consumo, é a fonte de novos totalitarismos, mais facilmente aceitos graças á confusão dos espíritos que se instala (SANTOS, 2001, 37).

Se esses processos são próprios do modo de produção atual, a partir deste modelo, a

tendência é, então, a intensificação de tais processos à medida que se intensificam os processos de

acúmulo de capital. Pois o processo de globalização polariza diversos outros processos para a

produção do lucro, restando a racionalidade que tenha o homem como centralidade marginalizada

do processo principal de produção do espaço a partir da globalização atual. Como ressalta

Straforini:

O que diferencia, então, o período atual no processo de globalização de outros períodos é o grau de cognoscibilidade do planeta e o uso desse conhecimento para gerar lucros. Nesse sentido, o conhecimento é tomado pelo capitalismo como instrumento de lucro, controle e poder. O conhecimento há muito deixou de ser um exercício filosófico, estando cada vez mais atrelado à ciência e à técnica, e estas, consequentemente, aos interesses do capital. (STRAFORINI, 2008, 32).

Não somente as grandes universidades mundiais estão se tornando empresas

transnacionais, como ressalta Straforini (2008), como toda a produção de informações, realizadas

pelas agências internacionais de notícias, e pelas grandes redes midiáticas nacionais se encontra

intimamente relacionada com a necessidade de lucro, e ainda, as manifestações culturais que

deveriam ser o lócus de realização da atividade lírica, criadora e libertadora também se torna refém

da lógica do modelo de produção, de onde nascem as grandes indústrias culturais de massa, que

massacram as tentativas genuínas de produção cultural a partir da relação direta do homem com o

território, em função de produções artísticas que ressaltam valores dos países centrais no modelo de

produção capitalista. Como bem define Santos:

Entre os fatores constitutivos da globalização, em seu caráter perverso atual, encontram-se a forma como a informação é oferecida à humanidade e a emergência do dinheiro em estado puro como motor da vida econômica e social. São duas violências centrais, alicerces do sistema ideológico que justifica as ações hegemônicas e leva ao império das fabulações, a percepções fragmentadas e ao discurso único do mundo, base dos novos totalitarismos - isto é, dos globalitarismos - a que estamos assistindo. (SANTOS, 2001, 38).

À medida que se investiga o espaço a partir da análise crítica, dialética, e das categorias de

análise, oferecidas pela geografia crítica, fica mais claro entender o papel ativo da geografia

sugerido pelos geógrafos críticos. Ou seja, da necessidade do papel da geografia de, ao

compreender estas contradições no espaço, possibilitar o surgimento de um novo projeto de

sociedade e de uma forma diferente de produção do espaço, ou seja, do papel da geografia no

estudo das condições de promoção do homem capaz de promover uma modificação ao indivíduo, e

assim, ao planeta. Nesse sentido Santos ensina:

Muito falamos hoje nos progressos e nas promessas da engenharia genética, que conduziriam a uma mutação do homem biológico, algo que ainda é do domínio da história da ciência e da técnica. Pouco, no entanto, se fala das condições, também hoje presentes, que podem assegurar uma mutação filosófico do homem, capaz de atribuir um novo sentido à existência de cada pessoa e, também, do planeta. (SANTOS, 2001, 174).

Pois, este trabalho compartilha exatamente de tal entendimento, e assim, como tal, parte da

compreensão de que é necessário investigar caminhos para a aceleração desse processo que, em

verdade, já s e encontra em marcha (SANTOS, 2001). Esse caminho coincide com o papel ativo da

geografia, e não só, como também como da importância do ensino da geografia como

proporcionadora de cidadania, se não uma cidadania completa, porque nesse sentido, a cidadania é

um processo de aperfeiçoamento das condições de ser cidadão no espaço, ao menos uma cidadania

mínima que se encontra amparada, no processo democrático, nos instrumentos normativos

existentes.

O papel do ensino de geografia como promotor de cidadania, positivamente, vem sendo,

cada vez mais, objeto de debates nos encontros de geografia. E, ao que parece ser, apresenta uma

tendência a se tornar unânime esse papel enquanto ensino de geografia. Pois, que se a partir da

investigação do espaço em sua totalidade, e das categorias de análise se torna possível identificar as

contradições nos processos espaciais, então deve a geografia também identificar os caminhos

possíveis de ação consciente no espaço ao aluno, capacitando-o àquilo que se pode chamar de

cidadania mínima (conceito que será mais profundamente examinado no capítulo posterior).

Tomando o pensamento de Santos que a transformação virá do que antes se imaginava como “nação

passiva”, ou seja, do grupo marginalizado pelo processo hegemônico atual (2001):

(...) a tomada de consciência trazida pelo seu enraizamento no meio e , sobretudo, pela sua experiência de escassez, torna possível a produção de um projeto, cuja viabilidade provém do fato de que a nação chamada passiva é formada pela maior parte da população, além de ser dotada de um dinamismo próprio, autêntico, fundado em sua própria existência. (...) Sua emergência será tanto mais viável, rápida e eficaz se se reconhecem e revelam a confluência dos modos de existência e de trabalho dos respectivos atores e a profunda unidade do seu destino. (SANTOS, 2001, 158).

Nesse sentido, revelam-se não somente o papel do intelectual, principalmente do geógrafo.

Pois que ao geógrafo, a quem cabe a investigação do espaço, é fatídica a percepção da

insustentabilidade do modelo atual, e da intensificação dos processos oriundos do modelo.

Ora, o resultado das profundas fragmentações no espaço, resultado dos processos de

fragmentação espaciais, como já foi mencionado é a violência, cada vez mais intensa, a

violência em estado puro. ARONSON, WILSON e AKERT, (2002) explicam em seu livro de

psicologia social que o resultado direto do efeito de frustração é a agressividade. Se pensarmos isso

em termos de globalização, teremos um grupo completamente marginalizado dos processos e das

possibilidades que somente vê a oportunidade sendo oferecida a outros, seja nos seriados, filmes,

novelas, ou propagandas, o resultado direto dessa relação é a violência. E a violência não é de fato

interessante a ninguém, senão às seguradoras de bens móveis, imóveis e de seguros de vida. Ao

geógrafo, e à geografia ativa é essencial o dever de promoção de um novo projeto de sociedade, e

cujo espaço, uma instância da sociedade (SANTOS, 2008), é o instrumento metodológico para esse

fim ativo, como promoção de modificação consciente no próprio espaço.

Assim como, também, esse aspecto ressalta a importância para a análise dos processos em

relação aos homens, indivíduos, de conhecimentos sobre alguns processos psicológicos. Esse

conhecimento para a geografia é imprescindível se desejarmos aprofundar a reflexão sobre a tirania

dos processos “globalizatórios” (SANTOS, 2001), como se dão hoje, aos indivíduos. Quanto ao

papel dos intelectuais para a promoção de uma nova possibilidade de mundo, Santos também ensina

que:

Aqui, o papel dos intelectuais será, talvez, muito mais do que promover um simples combate às formas de ser da “nação ativa” - tarefa importante mas insuficiente, nas atuais circunstâncias -, devendo empenhar-se por mostrar, analiticamente, dentro do todo nacional, a vida sistêmica da nação passiva e suas manifestações de resistência a uma conquista indiscriminada e totalitária do espaço social pela chamada nação ativa (SANTOS, 2001, 158).

Nesse sentido, acrescenta-se ao pensamento de Santos, do papel do intelectual - o papel do

ensino e da educação. No caso particular deste trabalho o ensino em geografia, na promoção do

ensino em geografia nos ensinos fundamental e médio, à nação passiva, principalmente, os

instrumentos normativos, que garantem o seu papel enquanto cidadãos de um território, dentre eles:

direitos, garantias e modos de operacionalizar e demandar tais direitos e garantias, à esse

conhecimento está relacionado a noção de cidadania, mesmo que mínima, porém extremamente

importante.

Se o espaço em sua totalidade é marcado pelas fragmentações ocasionadas pelos processos

homogeneizadores oriundos do modo de produção, traduzidos no processo de globalização atual, a

educação no espaço também traduz tais fragmentações e processos fragmentários. A educação, e

assim o ensino de geografia revela profundas fragmentações relativas ao tempo, no espaço, e

referentes ao espaço, no tempo. Refletir sobre um projeto de ensino de geografia, é repensar o

espaço em sua totalidade, tomando a educação e a cidadania como fundamentos de possibilidade de

modificação dos processos fragmentadores. Torna-se importante pensar a educação nesse sentido,

ao tomar o espaço em sua totalidade, como elemento fundamental de condição de mudança, refletir

uma educação e ensino que não estejam apoiados nos princípios burgueses, mas ao contrário, na

necessidade de compreensão crítica do espaço.

Nesse sentido, Neves (2010) ressalta a fundamental relação entre educação e cidadania,

partindo de uma perspectiva extremamente interessante a medida que não toma a educação e a

cidadania como fragmentos isolados dentro da sociedade, mas ao contrário, os revela como

elementos que se inter-relacionam intimamente numa totalidade que constitui a sociedade e o

espaço, e o papel da educação na formação da cidadania. Assim ensina Neves:

Nas cadeias da concepção humana sobre cidadania, fixa-se rigorosamente- mesmo que inconsciente - a idéia de direitos e deveres. Mesmo o homem conhecendo ou não seu papel face á sociedade, se veicula a noção de ser cidadão por ter deveres e direitos. Esse critério que determina a posição do indivíduo contraditoriamente nas correntes do mundo se relaciona com o papel da educação na medida em que é considerado o elo entre o ensinar e o aprender a ser cidadão. (NEVES, 2010, 1)

Entendendo que o processo na construção do aluno enquanto cidadão é um processo

amplo, Neves (2010) ainda ressalta o fato de que a construção de um projeto de cidadania trata-se,

antes, de um desafio que constitui em verdade uma construção atenta a diversos parâmetros que

remetem à necessidade de uma geografia não totalizadora ou homogeneizadora, que respeite as

diversas realidades locais. Intensifica-se esta problemática no território tão extenso quanto do

Brasil, e por isso mesmo pede especial atenção; e reflexão a respeito da formulação do material

pedagógico referente ao ensino de geografia que ainda prioriza as centralidades. De tal modo

ressalta Neves:

A educação vê-se então diante de um sério desafio, na medida em que, construir um cidadão, vai muito além do que a mera concepção que se dá à cidadania. A geografia dentro desse trâmite se revela como uma ciência fundamental que deve reforçar os verdadeiros significados de cidadania dentro da escola. Como construir esse ideal? Não se trata de algo ligeiro, mas de um processo que depende da sintonia de vários fatores ligados ao indivíduo e o espaço habitado por ele relacionado aos parâmetros sociais, econômicos e políticos. (NEVES, 2010, 1)

Logo, quando pensamos em educação e cidadania é importante atentar à importância do

método utilizado na construção do conhecimento. É impossível pensar educação quando se tem em

mente o aluno como depositário de informações. Quando percebemos o aluno como agente crítico

no processo de construção do conhecimento é que as informações apresentadas ganham sentido.

Logo, se pretendemos transmitir ao aluno as ferramentas e instrumentos que lhe garantem uma

cidadania mínima, não podemos unicamente apresentar os artigos e incisos nas estruturas

normativas que o proporcionam tal cidadania, mas antes é imprescindível pensar e refletir o espaço

a partir do que está normativamente registrado. Pensar, também, o mundo e o indivíduo no mundo.

Assim, oferecer ao aluno condições de perceber sua realidade como construção social. Nesse

sentido Callai nos lembra que:

“se a formação do educando para ser um cidadão passa pela idéia de prepará-lo para “aprender a aprender”, para “saber fazer”, o papel das disciplinas escolares, e o da geografia particularmente, tem a ver com o método, quer dizer, de que forma se irá abordar a realidade. ”(CALLAI, apud NEVES, 2010, 1).

Seguindo o raciocínio de Callai, sobre a questão da cidadania e ensino em geografia,

voltamos à questão já mencionada anteriormente da necessidade de se fazer aproximar o ensino em

geografia da geografia crítica discutida no âmbito acadêmico. Tendo em vista que o ensino de

geografia hoje está muito mais próximo da geografia tradicional positivista, que nada têm a ver com

o papel ativo da geografia. Ora, se o objeto da Geografia é o espaço, a geografia enquanto ensino,

deve continuar procurando o caminho para trabalhar o espaço em sala de aula. Dessa maneira, as

categorias de análise devem estar mais claras aos professores e educandos, ou, ao menos, a

geografia deve procurar cumprir o seu papel em estar dentro de sala de aula investigando junto aos

alunos o espaço em suas contradições. Deve se pautar por uma orientação enquanto ensino baseado

no construtivismo, e na horizontalidade da construção do conhecimento (FREIRE, 1996). É nesse

sentido que enfatiza Neves:

cabe a ciência ter o conhecimento preciso de seu objeto, para que ao transmitir o conhecimento, a fim de propiciar meios para a construção de um cidadão, se tenha coerentemente a análise contextual do indivíduo e jamais um isolamento. Pois, tendo em vista as condições sociais de cada um é que se formam as bases para as críticas conceituais. (NEVES, 2010, 1).

Desse modo, a compreensão da construção da cidadania a partir do ensino de geografia nos

ensino fundamental e médio deve tomar a relação dialética entre os processos, buscando identificar

os elementos existentes no espaço que promoveram, ao longo dos processos, o modelo atual de

produção e trocas, que se inserem em todos outros níveis de relação da realização da existência do

homem no espaço. Ainda ressalta Neves, na relação entre ensino e geografia:

As análises dentro dos parâmetros geográficos devem ter sentido para o aluno, ele deve entender o porquê de se estudar o clima, o relevo, os mapas, dentre outros. O aluno deve se sentir atraído pelos mecanismos apresentados, para que dessa forma a aula possa ter acréscimo a sua vida social. A realidade deve ser reconhecida nos conteúdos. Segundo as observações em sala sobre a didática do professor de geografia na questão de repassar o conteúdo e a maneira com que o aluno aplica os conhecimentos da geografia na sua realidade. (NEVES, 2010, 2).

E ainda nos revela algumas questões que dizem respeito à prática do ensino de geografia

pelo professor:

Infelizmente o ideal de se educar para a cidadania não é adequadamente utilizado pela maioria dos professores, pois a fragmentação dos conteúdos leva o professor a tornar - mesmo que inconsciente- as aulas puramente descritivas e sem valor para os alunos em geral: “... a fragmentação acontece de tal forma que impede o raciocínio lógico capaz de dar conta do objeto que se deve tratar.” (CALLAI, 2001, p.139) (NEVES, 2010, 3).

De tal maneira, ainda concordando com Neves (2010, 3) que “a aula juntamente com o

conteúdo deve ser metodologicamente construída, para fazer o aluno sentir e pensar seu meio e não

simplesmente adequar-se a ele”. Assim trata-se de pensar uma geografia como condição de

promoção desse sentido de construção de cidadania, a partir da reflexão do espaço em sua

totalidade, e não da fragmentação dos conteúdos. Ou seja, não se trata de uma questão de inserção

de conteúdo unicamente. Trata-se da inserção de uma linha reflexiva por onde pode-se abordar os

mais diversos conteúdos na geografia, um recorte epistemológico capaz de proporcionar ao ensino o

alcance de amplos patamares no seu objetivo de construir a cidadania, uma perspectiva por onde se

pode explorar o espaço geográfico, e por onde se revelam elementos fundamentais da construção da

cidadania; capaz de permitir tais reflexões sobre a condição de ser cidadão em um território em

todas as contradições, a partir da reflexão teórica do elemento normativo e enquanto práxis da

realização da vida no território. Tendo em vista que o conhecimento em sala de aula é antes uma

construção em conjunto ao aluno, do que um processo depositário unicamente de peças

fragmentadas de um mundo que dessa forma se naturaliza ( CALLAI, apud NEVES, 2010).

Tendo em mente que a produção do espaço pelo homem encontra essencialmente o seu

sentido na finalidade de promover o bem estar do próprio homem e nunca o contrário. É

imprescindível concordar com o entendimento de Santos (2001), da necessidade de se construir

uma lógica e uma racionalidade que tenha por centro, e como fim, o próprio homem. E ainda,

atentando-se de que o homem se realiza na coletividade, e em coletividade, ou seja, na sociedade, e

em sociedade, há de se considerar como finalidade também essa coletividade; para assim, não se

perder de vista na produção do espaço, o próprio homem.

Efetivamente este trabalho acredita na necessidade da modificação da macroestrutura para

a realização de uma educação completamente desvinculada das lógicas do capital. Entretanto, este

trabalho compreende a dialética relação entre a educação e a transformação social. Assim, do

mesmo modo que a transformação da macroestrutura possibilita a realização de uma outra

educação, assim também a educação pode criar as condições para a transformação da

macroestrutura. E a geografia tem papel crucial nessa mudança de perspectiva à medida que permite

ampliar seus horizontes no ensino da geografia nos ensinos fundamental e médio. Concordando

com Mészáros que:

O êxito estratégico é impensável sem a realização das tarefas imediatas. Na verdade, a própria estrutura estratégica é a síntese global de inúmeras tarefas imediatas, sempre renovadas e expandidas, e desafios. Mas a solução destes só é possível se a abordagem do imediato for orientado pela sintetização da estrutura estratégica. Os passos mediadores em direção ao futuro - no sentido da única forma viável de automediação - só podem começar do imediato, mas iluminados pelo espaço que ela pode, legitimamente, ocupar dentro da estratégia global orientada pelo futuro que vislumbra. (MÉSZÁROS, 2008, 77)

Sabendo-se que o ensino da geografia tem o papel de oferecer ao aluno condições de

compreender criticamente o espaço, Damiani (1999) nos revela a relação entre a noção de cidadania

e a compreensão do espaço e dos seus processos:

A noção de cidadania envolve o sentido que se tem do lugar e do espaço, já que se trata da materialização das relações de todas as ordens, próximas ou distantes. Conhecer o espaço é conhecer a rede de relações a que se está o sujeito, da qual se é sujeito. Alienação do espaço e cidadania configuram um antagonismo a considerar. O homem está dividido entre pertencer a uma família, a uma idade, a uma profissão, a um lugar, a um país, ao mundo. No nível do local a perda é insuportável, uma questão de vida e morte. (DAMIANI, 1999, 50)

Nesse sentido, podemos depreender dois fatores já mencionados enfatizados a partir do

pensamento de Damiani (1999). A necessidade de conhecimento do espaço para uma concreta

realização da cidadania em sua totalidade, e a possibilidade do conhecimento do espaço a partir da

geografia, aliás, o papel da geografia em proporcionar ao aluno condições de realizar um olhar

crítico sobre o espaço. Nesse sentido a autora orienta:

um pensamento sobre o espaço, que capte as virtualidades sociais, não pode ser um pensamento reduzido a uma razão que se instala nos fatos como irremediavelmente constituídos, definitivos. Assim concebido, na melhor das hipóteses o espaço reteria os constrangimentos de todas as ordens: estatistas, econômicos, informacionais etc. O lugar do sujeito, do cidadão seria ocupado pelas

estratégias de mercado e do Estado, mais potentes e, aparentemente, intransponíveis. Não haveria lugar para insurgências. É preciso uma razão que compreenda o que existe somente como possibilidade, o que ainda não é e, ao mesmo tempo, já existe. (DAMIANI, 1999, 54)

E ainda, revela um importante aspecto da geografia:

A ciência do espaço sempre trouxe consigo esse potencial, como ciência que se atém à materialidade, à qualidade sensível, portanto, também, ao resíduo do que não foi somente capturado pelas trocas ou reduzido absolutamente a elas. Por isso, guarda a possibilidade de subversão. A cidadania é mais exatamente uma possibilidade e menos uma realidade. (DAMIANI, 1999, 60)

Desse modo é que percebemos a geografia e o seu importante papel na formação do

cidadão. Tais questões suscitadas pela autora não podem se restringir unicamente ao âmbito da

discussão epistemológica no ambiente universitário, ela deve alcançar as inquietas mentes dos

alunos de ensino médio e fundamental. Tal é o importante papel na promoção da “possibilidade de

subversão” (DAMIANI, 1999, 60), do ensino na geografia na promoção de transformações e

mudanças.

Fernandes (2003) nos presenteia em um delicioso livro de crônicas com críticas concretas e

importantes sobre a educação e o ensino de geografia, a respeito do fato concreto da sala de aula das

contradições no processo de ensino e da escassez material com que grande parte dos professores

dependem para juntos dos seus alunos construírem o conhecimento:

a ultrapassagem de uma perspectiva tradicional no âmbito da educação exige que os professores não vejam mais os alunos como se fossem objetos sobre os quais se deposita conhecimento, bem mais que isso, eles são sujeitos do processo no qual se dá a realização processual do próprio professor. Cai assim por terra, aquela antiga idéia que apenas o professor detém o saber e que o restante deve receber esse saber sem questionamentos. Como se os estudantes fossem folhas em branco, recipientes vazios aos quais se deve encher de conteúdos, meros objetos destituídos de vontade. (FERNANDES, 2003, 15)

A partir do momento em que a educação para de questionar as possibilidades no ensino,

abre mão da sua potencialidade e do seu papel enquanto fonte que proporciona a reflexão crítica, e

assim sua parcela de mudança, perde o sentido e deixa de ser interessante e atrativa ao aluno. Nos

dizeres de Fernandes (2003):

a aula é antes de mais nada sonho e trabalho, imaginação criativa e dança, poesia e luta, como na Ilíada de Homero. A imagem, entretanto, que se tem da aula, para muitos é a imagem da morte. Aquele lugar fúnebre onde toda a vida deixou de existir, onde apenas foram paralisados os movimentos em torno dos objetos imobilizados pela desesperança, onde o professor foi completamente esvaziado de sua auto-estima e agarra-se ao livro por detrás de sua mesa infestada de cupins, como o náufrago que jamais se salvará de afogamento e espera conformado a visita de Hades - o deus da morte. (FERNANDES, 2003, 18)

Straforini (2003), levanta aspectos importantes sobre o ensino de geografia:

O mundo de hoje é globalizado e todas as dimensões espaciais, sejam elas o bairro ou o país, o local ou o global, se encontram numa íntima relação de proximidade. As abordagens teórico-metodológicas sintéticas e analíticas ficam perdidas nessa nova relação estabelecida entre o lugar e o mundo. Na verdade, não é o ponto de partida - o bairro ou o mundo - o que é significativo, mas sim o estabelecimento das relações entre esses. (STRAFORINI, 2003, 93)

Evidentemente que a sugestão de ampliação do olhar na geografia, como proposto neste

trabalho (a respeito da estrutura normativa do espaço, e dos processos psicológicos do indivíduo)

não podem ser tomados sem a compreensão e a reflexão do espaço em sua totalidade, tanto quanto

das discussões a respeito sobre as complexas questões que envolvem o ensino, sem perder de vista o

ensino como uma construção entre o professor e aluno. Como alerta Straforini (2008) que “para que

o ensino de Geografia venha a se tornar uma realidade” é necessário que as discussões teórico-

metodológicas a um grupo restrito de professores, ligados unicamente à um determinado ciclo da

educação e “muito menos sejam impostos de cima para baixo, ou seja, sem a discussão e

envolvimento dos professores e especialistas na área” (STRAFORINI, 2003); destacando a papel da

educação:

O papel da escola, ou da escolarização, é fundamental nesse movimento ascendente e descendente do processo de formação de conceitos [da formulação dos conceito científico e espontâneo] e, consequentemente, no desenvolvimento psicológico da criança. Para Oliveira (1992) a intervenção pedagógica provoca avanços que não ocorreriam espontaneamente. Esse avanço se dá pelo aprendizado que a escola possibilita, logo, o aprendizado precede o desenvolvimento, daí sua importância. (STRAFORINI, 2003, 109)

De tal modo, a partir de Straforini soma-se mais um ponto importante neste trabalho. A

importância de o geógrafo enquanto professor, pesquisador estar adiante, iniciando debates a

respeito da contínua atualização, modificação dos pressupostos no ensino de geografia, em relação à

decisões políticas, unilaterais que desconhecem as discussões presentes, hoje, no âmbito do

pensamento geográfico. Ainda Straforini (2003) nos aponta entendimentos importantes a respeito

das categorias do espaço apresentadas por Santos:

Santos (1997), em seu livro Espaço e Método, nos ensina como essas categorias analíticas podem ser úteis à Geografia. Para ele, a forma é o aspecto visível de uma coisa. Refere-se ao arranjo ordenado de objetos, um padrão. A forma também pode ser entendida como uma estrutura técnica ou objeto responsável pela execução de determinada função. No espaço geográfico há formas produzidas em diferentes tempos históricos. Embora o espaço seja comandado pelo presente, não convém para a estrutura produtiva que caracteriza o período presente eliminar do espaço todas as formas passadas e construir formas contemporâneas e concomitantes à exigência técnica científica do presente. Na verdade elas convivem, embora as velhas formas sejam preenchidas por novos conteúdos. A função sugere uma tarefa ou atividade esperada de uma forma, pessoa, instituição ou coisa. A função está diretamente relacionada com a forma, portanto, ela é a atividade elementar que a forma reveste. (...) Estrutura implica inter-relação de todas as partes de um todo; (...) Processo pode ser entendido como uma ação contínua, desenvolvendo-se em direção a um resultado

qualquer, implicando conceito de tempo (continuidade) e mudança. (STRAFORINI, 2003, 85, 86)

Dessa forma a partir de Straforini podemos inferir que todas as categorias propostas por

Santos podem ser identificadas na estrutura normativa do espaço. Podemos avaliar sua forma, o

ordenamento jurídico tal qual sua estrutura (a Constituição Federal, e as outras leis). Tanto quando a

forma como as instituições se interrelacionam na criação e execução das leis, podemos observar o

tempo, e os contextos históricos que levaram a necessidade de criação de tais leis, podemos analisar

a função que objetiva as normas no momento em que são concebidas, podemos perceber a estrutura

à medida que tomamos os processos que englobam tanto a criação, existência, das leis, quanto das

ação do homem e das corporações frente tais normas. O que nos remete à necessidade de

compreender o homem em sua totalidade, os processo psicológicos do homem. A necessidade de se

aprofundar a investigação geográfica também é ressaltada por Straforini (2003):

Para a Geografia a ser estudada não deve ser aquela enumerativa, descritiva, enciclopédica. Ela deve trabalhar com a realidade do aluno, uma realidade de múltiplas relações, ou como propõe Demo (1998), todas as dimensões que compõem a forma de viver e o espaço que a cerca. O aluno deve ser inserido dentro daquilo que está estudando, proporcionando a compreensão de que ele é um participante ativo na produção do espaço geográfico. A realidade tem que ser entendida como algo em processo, em constante movimento, pois a produção do espaço nunca está pronta e acabada. Para Kaercher (1998), o mundo irreal construído nas aulas de Geografia é resultado da ação do professor que não estabelece relações entre a escola e a vida, ou seja, com a realidade dos alunos (STRAFORINI, 2003, 81, 82)

Quando Straforini, nos remetendo à Demo, nos propõe ao estudo de todas as dimensões

que envolve o aluno na geografia, ele nos indica o caminho para o estudo da dimensão normativa do

espaço na geografia. Ora, o aluno ao atravessar a rua deve fazê-lo na faixa de pedestre, e assim os

carros devem parar para esperá-lo passar, vive uma situação prevista normativamente e que prevê

consequências àqueles que não o fazem. Quando o mesmo aluno percebe que na prática isso não

acontece, ele também percebe concretamente as contradições presentes no espaço. Quando o aluno

passa a saber que pela Constituição Federal ele tem o direito à educação, e ainda, que o Estado tem

obrigatoriedade de oferecer essa educação à ele, ele está definitivamente estudando geografia ainda

porque percebe que nem sempre as contradições no espaço, os processos, na realidade que o cerca,

traduzida na fragmentação do espaço - que o que está registrado no instituto normativo nem sempre

é seguido por alguns indivíduos, e mesmo pelo próprio Estado - definitivamente isso é geografia, e

como indica Straforini, deve ser ensinado na geografia.

Mészáros (2008) revela algumas questões da complexa e dialética relação entre a educação

e a possibilidade de mudança:

Sem um progressivo e consciente intercâmbio com processos de educação abrangentes como “a nossa própria vida”, a educação formal não pode realizar as suas muito necessárias aspirações

emancipadoras. Se, entretanto, os elementos progressistas da educação formal forem bem sucedidos em redefinir a sua tarefa num espírito orientado em direção à perspectiva de uma alternativa hegemônica à ordem existente, eles poderão dar uma contribuição vital para romper a lógica do capital, não só no seu próprio e mais iluminado domínio como também na sociedade como um todo. (MÉSZÁROS, 2008, 59)

De tal modo, se o aluno desejar mudar esse quadro de desigualdade, então também é

necessário que ele conheça os instrumentos democráticos previstos na estrutura normativa, e assim

a geografia passa a ter o papel ativo que tanto reclama, oferecendo ao aluno possibilidade de

emancipação. E mais, como uma ciência que pretende oferecer autonomia ao indivíduo ela deve

proporcionar ao aluno compreender a si mesmo, seus processos psicológicos, para que também o

aluno possa entender quais são as instituições essenciais à uma vida saudável, que ele como cidadão

tem direito, como por exemplo a importância dos jogos coletivos nos espaços públicos, e o direito à

não ser explorado. Questões suscitam diversos outros questionamentos a respeito do espaço

geográfico. O ensino de geografia nas escolas não pode se privar de trabalhar com seus alunos,

questões deste tipo.

Conhecer o espaço e os processos existentes no espaço geográfico são sem dúvida

imprescindíveis para a promoção da possibilidade de mudanças, no sentido da construção

consciente de um espaço mais humanizado, em detrimento de um espaço que privilegie as lógicas

do capital. Alves (1999) nos revela a dialética do espaço, e da relação do homem e espaço:

Compreender nossa sociedade é essencial se quisermos contribuir, conscientemente, para sua construção, de modo a deixar em evidência a plenitude da natureza humana. Nós, geógrafos, procuramos entender nossa sociedade, nosso mundo, a partir da análise do espaço geográfico. O espaço geográfico é produto das relações entre os homens e dos homens com a natureza, e ao mesmo tempo é fator que interfere nas mesmas relações que o constituíram. O espaço é, então, a materialização das relações existentes entre os homens na sociedade. Pelo estudo do espaço geográfico, pelas marcas que a sociedade deixa espacializadas, é possível tentar compreender o processo de desenvolvimento de nossa sociedade. (ALVES, 1999, 134)

Poderíamos ainda somar à reflexão de Alves (1999), que o espaço é produto da

materialização também da reflexão, e da racionalização, do homem, do indivíduo sobre o espaço.

Ou seja, da compreensão que o homem constrói sobre o mundo à sua volta, fato que enfatiza a

necessidade de uma educação que proporcione ao indivíduo uma reflexão crítica do mundo, não

apenas baseada na filosofia do cotidiano, produzida a partir da ideologia do modo de produção,

impositora da necessidade de consumo. Nesse sentido nos ensina e nos alerta Kosik (1965):

a praxis utilitária imediata e o senso comum a ela correspondente colocam o homem em condições de orientar-se no mundo, de familiarizar-se com as coisas e manejá-las, mas não proporcionam a compreensão das coisas e da realidade. (...) Nesta praxis se forma tanto o determinado ambiente material do indivíduo histórico, quanto a atmosfera espiritual em que a aparência superficial da realidade é fixada como o mundo da pretensa intimidade, da confiança e da familiaridade em que o homem se move “naturalmente” e com que tem de se avir na vida cotidiana. O complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida humana,

que, com a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na consciência dos indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natural, constitui o mundo da pseudoconcreticidade. (KOSIK, 1965, 14, 15)

Entendendo a importância da reflexão e da percepção crítica da realidade que revela Carlos

(1999), e Oliva (1999) que nos ensina sobre a importância da transferência das reflexões realizadas

no âmbito do pensamento geográfico nas universidades para a geografia do ensino médio:

(...) a renovação da geografia - que é intrinsecamente desigual - não é generalizada no conjunto das universidades. Além de não ser generalizada, não há praticamente comunicação entre essas duas redes [redes estatais e privadas de ensino]. Desse modo, o conjunto imenso de instituições privadas de ensino superior em que predominam os cursos de licenciatura em geografia reproduzem, na maioria dos casos, uma geografai tradicional. (...) o segundo cenário - que é do ensino médio - também apresenta problemas graves que dificultam a renovação da geografia, e ocorre num período de degradação geral do sistema de ensino básico no país. O sistema público estatal enfraquecido e sem perspectivas - caso permaneçam as políticas dominantes - tem o seu quadro de professores na prática materialmente impossibilitado de buscar aperfeiçoamento, renovação, de modo constante. Já o sistema privado de ensino, cada vez mais escravizado à lógica do mercado, burocratiza as metodologias pedagógicas, enfeitando-as com signos de modernidade (OLIVA, 1999, 37, 38).

Por fim o professor nos ensina que:

Ter a educação como referência, como um valor, é não vulgarizar a cultura e os conhecimentos, é não se dobrar ao consumismo e às modas. Em vez de estimular a competição, apostar na colaboração, na construção da solidariedade, sem a qual não há vida social. Pensar a educação como um valor significa pensar um novo mundo que não seja hostil à união dos povos, mas sim a este modo de globalização desintegradora. É também colaborar e alertar para que as pessoas saiam da “pobreza” da vida protegida no bunkers - cujo único prazer é o consumo - e inserí-las no território, na vida democrática, nas relações de diversidade, de construção social. (OLIVA, 1999, 48).

Dessa forma Oliva (1999) enfatiza a necessidade de um fazer de uma geografia crítica

aberta à mudanças e questionamentos quanto à sua epistemologia, tanto quanto à necessidade da

realização de um olhar crítico sobre o espaço na geografia. A geografia pode, assim, proporcionar a

inserção do indivíduo nas práticas democráticas e de transformação social, que não pode ser

realizada se o aluno sequer conhece seus direitos, e os institutos democráticos, de exercício do seu

direito, previstos constitucionalmente. E nesse ponto, o presente trabalho entende que uma

ferramenta preciosa para que as pessoas saiam da “pobreza” da vida cujo único prazer se encontra

no consumo (OLIVA, 1999, 48), é possibilitando ao indivíduo entender seus próprio processos

internos, conseguindo diagnosticar por conta própria o que realmente é importante, como por

exemplo, sua constituição enquanto ser social, cultural, separando do que é ilusão e fetiche, o que

unicamente o levará a estados mais altos de ansiedade e angústia. O papel da geografia é também o

de revelar ao indivíduo tais contradições perversas impostas pelo espaço, e ela não pode fazer de

outro modo senão, revelando ao aluno, dentro de uma perspectiva geográfica como se dão seus

próprios processos internos, processos psicológicos.

Parte 3: Caminhos e descaminhos da educação.

Para uma compreensão da realidade do ensino hoje no Brasil é necessário fazer um retorno

ao início da organização da educação no território. Somente a compreensão em sua totalidade é que

nos permite aprofundarmos nossas críticas e percebermos a educação enquanto processo, por isso é

que temos que tomar a educação no espaço e no tempo. Observar unicamente as formas às quais se

dão as modalidades de educação nos dias atuais é tomar no espaço a reflexão sobre a educação de

forma fragmentada. Concordado assim com Straforini que:

Se a fragmentação não proporciona a explicação do espaço, podemos dizer que o espaço nada mais é que a totalidade, ou seja, são sinônimos. Não é de outra forma que Santos (1996) propõe o subtítulo: “ A caminho de uma geografia global” no seu livro Metamorfoses do Espaço Habitado. Ainda Santos (1988: 12-3), “o princípio de totalidade é básica para a elaboração de uma filosofia do espaço do homem. Ele envolve a noção de tempo e isso nos permite conhecer a unidade de movimentos”. Desta forma, a totalidade está sempre se refazendo, está sempre em movimento. (SATRFORINI, 2008)

Assim como, tomando a educação no espaço, no tempo, não podemos nos privar de, então,

identificar mesmo que de modo geral os processos gerais no espaço, ou seja, o contexto em que se

dão os movimentos de constituição e organização da educação no Brasil, admitindo então o

conjunto de sistemas solidários e contraditórios no espaço, compreendendo a inter-relação e o

movimento dinâmico no espaço como fruto dos processos, do trabalho e assim, também, da técnica.

Batista (2009) e Córdova (2008) entendem essa íntima relação e nos oferecem uma reflexão sobre a

constituição da atual organização da educação brasileira no tempo. Córdova (2008) nos remete a um

momento, inclusive, anterior à educação sistemática que irá se iniciar com os jesuítas - a educação

que já era estabelecido pelos próprios indígenas, residentes e proprietários das terras inseridas no

território brasileiro, como também, pelos povos africanos, trazidos a partir da força pelos

colonizadores para realização de trabalho escravo para os grandes latifundiários portugueses.

Quanto à educação estabelecida pelos índios, Córdova recorda:

Os processos de transmissão da cultura, (tratava-se, no caso , de uma sociedade “tradicionalista”, “sagrada” e “fechada”) procediam por via oral, através de contatos primários, do face a face, segundo as próprias circunstâncias produzidas pelas rotinas da vida diária. Todos aprendiam algo em qualquer tipo de relação social, fazendo de qualquer indivíduo um agente de educação tribal, projetando os papéis (..) de “mestres” em todas as posições da estrutura social. (...) Os conteúdos da educação afetavam todas as esferas da vida social organizada. (CÓRDOVA,

2008, 18, 19).

A educação, dentro da perspectiva de evolução e constituição, assim, pode ser apreendida

em dois aspectos: um enquanto instituição que traduz os interesses do capital, que surge a partir de

uma concepção depositária do ensino “bancário” (FREIRE, 1996), que percebe a educação como

um processo de transferência de informações, e não de construção de conhecimentos, a um grupo

que acredita-se, ao estar munido da maior quantidade de informações possíveis pode maximizar o

esforço na reprodução do capital; o segundo, é o aspecto essencial da educação, que é da educação

enquanto possibilidade de emancipação e autonomia do indivíduo, que pode proporcionar ao

indivíduo “criar possibilidades para sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, 22).

Então, tomando a educação a partir do tempo, temos que a educação no Brasil é: fruto da

necessidade do capital, da necessidade de mão de obra, e assim do desejo de se catequizar Índios,

pois catequizados serviriam melhor aos interesses de exploração, ou colonização do território

brasileiro, o mesmo acontece com os africanos e afro-descendentes no território brasileiro que

foram trazidos para o trabalho escravo desumano. A lógica da racionalidade que tem o homem

como centro dá lugar para a lógica que tem o capital em sua centralidade. Assim perceber a

educação é compreender que o homem, a sociedade, no tempo e no espaço, consolida as lógicas

exógenas ao “humano”, e que tem em sua centralidade o capital. Percebe-se a partir daí, da

educação enquanto fundamento de possibilidades de projetos de sociedade e de “potencialidades”

(SANTOS, 2001) no espaço, a inter-relação que se estabelece nos primórdios do desenvolvimento

da organização da educação que hoje é percebida no espaço, e assim compreende-se mais

profundamente as características contraditórias do espaço. Assim ressalta Córdova:

Na história da humanidade, que se instituiu assimetricamente, emergiu a autonomia como uma significação constatadora da heteronomia. E, desde então, se constituiu num projeto que se tem expressado social-historicamente como “movimento democratizante”, um projeto sempre tênue (“a democracia, diz Castoriadis, é um regime trágico, pois sempre exposto a ser democraticamente comprometido...”). A história da constituição dos sistemas de educação escolarizada no Brasil, quer no plano macro, da formulação das grandes políticas, quer no plano micro, da definição do modo de operar na esfera pedagógica, na esfera do trabalho educativo propriamente dito, certamente acompanha e expressa o vaivém desse movimento e dele depende a sorte do projeto de instituição de uma sociedade autônoma, com cidadãos emancipados e solidários. (CÓRDOVA, 2008, 16, 17).

De tal maneira, que a primeira manifestação de sistematização de educação no Brasil nasce

do movimento de catequização dos jesuítas, que se num primeiro momento tinham a tarefa de

buscar impor os valores europeus a fim de facilitar a exploração pelos colonizadores, num segundo

momento percebendo o valor da mão de obra indígena, decide se impor contra os latifundiários

portugueses que queriam toda a mão de obra para eles. No momento em que o tráfico de pessoas

do continente africano para o brasileiro, para o trabalho escravo, consolidando o uso de mão-de-

obra escrava nas monoculturas, os colonizadores instituem a seguinte ideologia frente a resistência

da igreja em ceder a mão-de-obra indígena, como bem recorda Córdova:

os indígenas, que não estavam acostumados a esse modo de vida, rendiam pouco como mão-de-obra nos engenhos de cana. E, depois, os padres jesuítas, que tinham por missão convertê-los à religião dos colonizadores, não se conformavam com essas práticas dos bandeirantes, porque eram um péssimo exemplo da civilização dos brancos cristãos. Foi por isso que os portugueses donos dos engenhos de cana resolveram buscar outra gente para trabalhar em suas terras. Se os negros da terra não serviam, era melhor ir buscar os negros da África. (CÓRDOVA, 2008, 21).

Então, surge o pensamento de que os índios eram, na verdade, um povo preguiçoso - lógica

que depois se contrapõe a partir da argumentação do “bom-indígena” (LARAIA, 1993).

Pensamento que foi por muito tempo difundido nos ensinos de geografia, principalmente até a

década de 1980, quando começam a se avolumar as críticas do pensamento da geografia crítica, e a

geografia inicia um percurso de autocrítica e reflexão a respeito de suas bases teórico-

metodológicos, epistemológicas, que como vimos não é um processo isolado no espaço, mas um

aspecto da própria transformação do espaço.

Entretanto, retomando o processo de constituição da organização da educação brasileira,

tem-se que o primeiro momento neste processo é o que se denomina como período jesuítico.

Córdova (2008) ensina que a “rede” jesuíta de ensino foi o embrião de “sistema de ensino”. Os

padres jesuítas em sua intenção catequizadora foram, então, quem primeiro instituíram uma

metodologia de ensino. Entretanto, ainda relembra o professor que, todavia, as características

daquele modelo de ensino sumariamente reproduzidas “foram eliminadas em 1759 pelo Marquês

de Pombal” (CÓRDOVA, 2008), nas conhecidas reformas pombalinas, denominação que

caracteriza a segunda etapa no período da consolidação de uma organização de uma estrutura de

ensino no Brasil. A evolução da sistematização da educação brasileira será caracterizada pelas

sucessivas desestruturações dos sistemas de educação instituídos pelos sistemas posteriores, devido

à falta de projetos para educação.

Córdova (2008) relembra que o processo inicial de constituição da educação do período

pombalino está intimamente relacionado à reformulação intelectual e filosófica realizada pelos

intelectuais europeus. Assim argumenta o professor em relação às reformas pombalinas no Brasil:

Era o “Iluminismo” chegando ao Brasil e, entre outras razões de natureza política e econômica, declarando a necessidade de lutar contra o atraso filosófico, o aristotelismo, defendo a incorporação de novos ideais filosóficos e científicos, um novo sentido de educação que deveria ser implantado por intermédio da escola (nesta época as escolas começavam igualmente a serem criadas na Europa). (CÓRDOVA, 2008, 25).

A chegada da Família Real em 1808 no Brasil - que refletia, dentre outras coisas, a situação

geopolítica em que se encontrava Portugal naquele período em relação às ações militares e

expansionistas francesas, implementadas por Napoleão Bonaparte revela também a ausência quase

completa de ensino no Brasil. Córdova (2008) assim relata as modificações no ensino conhecidos

como período Dom João VI, que se dão à medida da chegada da família real portuguesa como

estratégia de fuga à submissão de Napoleão Bonaparte:

Quando a família real chegou ao Brasil, em 1808, praticamente nada havia em matéria de ensino. Era um total vazio. Ao monarca coube várias iniciativas no campo cultural, tais como a criação da Imprensa Régia, do Jardim botânico, da Biblioteca, do Museu Nacional. Os interesses do Estado aqui implantado requeria médicos, engenheiros, oficiais militares. Daí a criação da Escola de Cirurgia na Bahia, da cadeira de Ciência Econômica, da Academia de Guardas-Marinha, da cadeira de Medicina Operatória e Arte Obstétrica, da cadeira de Cálculo Integral, Mecânica e Hidrodinâmica em Pernambuco da cadeira de Medicina Clínica no Hospital Real Militar e de Marinha, da Academia Real Militar, considerada a primeira faculdade brasileira oficialmente criada. Implanta-se o sistema de ensino no Brasil, começando pelo ensino superior, instituído em forma de ensino profissionalizante em estabelecimentos ou unidades isoladas. (CÓRDOVA, 2008, 26).

O período seguinte na constituição da organização da educação brasileira definido a partir

da transformação da colônia brasileira em Império não traz mudanças significativas, pois como bem

lembra Batista (2009, 2) “as forças hegemônicas que impulsionaram o movimento da independência

nacional não eram opostas à ordem patrimonial estruturada durante o período colônia”. Assim o que

tem-se nesse processo na verdade é ma perpetuação das estruturas de exploração da burguesia

portuguesa que ia-se constituindo no Brasil. Nesse sentido também ensina a professora que:

Inexistiu em tal processo a luta entre forças econômicas e sociais opostas, que caracterizou a implantação da ordem burguesa em outras sociedades. Libertadas do domínio português, as estruturas coloniais foram preservadas pela monarquia brasileira, implicando o fortalecimento dos mecanismos de dominação próprios do poder privado. (BATISTA, 2009, 2).

Desse modo, Córdova revela com propriedade a situação da educação nesse período,

somando-se o fato de que educação feminina era uma extrema raridade:

A situação da educação escolarizada no Brasil não sofrerá grandes alterações ao longo do Império. De um modo geral, o ensino superior consolida as escolas criadas por D. João VI, acrescentando a elas as Faculdades de Direito de São Paulo e do Recife, e já no seu final, a Escola de Minas, de Ouro Preto. No ensino médio, surgem os Liceus, tendo como referência “modelar” o Colégio Pedro II, criado no Município da Corte, com alguns outros espalhando-se pelas províncias. O setor privado vai construindo também os seus espaços. A grande referência, por exemplo, em Minas Gerais, é o Colégio Caraça. Entretanto, nada de uma rede pública respeitável. No ensino primário, então, o panorama é desolador. (CÓRDOVA, 2008, 26).

Neste período intensificam-se alguns processos no território brasileiro. A Revolução

Industrial tinha ocorrido ainda recentemente na Inglaterra, meados do século XVIII. O Brasil com a

Constituição de 1824, consolidava-se como um país escravocrata - onde uma pessoa poderia ser

considerado propriedade de outra - propriedade ressaltada pela mesma constituição. E desse modo,

na divisão internacional do trabalho o Brasil ia se posicionando como exportador de produtos

primários, baseada na monocultura e no latifúndio. Se a Inglaterra vivia os primórdios da

Revolução Industrial e da produção em massa, o Brasil se estabelecia como fornecedor de matéria

prima. E à medida que, enquanto Estado, o país não cria condições de surgimento de um mercado

interno e institui a condição da escravidão, o país vê-se obrigado a reinverter todo o lucro das

exportações em produtos importados da Europa. Se, antes, o Brasil era explorado e via suas

riquezas expropriadas por Portugal, agora observa-se que a riqueza nacional era antes capital

apropriado pela Inglaterra e utilizado para equipar suas indústrias, a partir das relações econômicas

instituídas com o Brasil e da cobrança de juros dos empréstimos (GALEANO, 1994).

Dentro desse contexto fica fácil compreender os objetivos da educação que ia se

estabelecendo no Brasil, e ainda, que os poucos colégios que existiam serviam a educar os filhos da

pequena burguesia existente que se preparava para terminar os estudos na Europa. Batista (2009)

ainda ensina sobre esse período e sobre a Constituição Federal de 1824:

A Constituição de 1824 pode ser tomada como indicadora do referencial normativo que então se implantava. Num país onde os escravos correspondiam a mais de um terço da população a norma legal prescreveu: “A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império”. (Constituição do Império, 1824, art.179). Em seu artigo 179, a Constituição do Império garantia a todos os cidadãos: “a instrução primária gratuita, [e] os colégios e universidades, onde serão ensinados os elementos das ciências, belas-letras e artes”. Nas condições históricas em que se forjou o reconhecimento legal desse direito, o que estava em discussão não era a escolaridade das massas. (BATISTA, 2009, 2).

A educação oferecida pelo Estado é então elitizada e burguesa, buscando servir unicamente

aos ideais do capital, que começava a intensificar sua fase de acumulação e reprodução na Inglaterra

e na Europa, de uma maneira geral, e assim a educação não servia ao seu próprio país, aos seus

cidadãos, lembrando que a maior parte da população sequer poderia se inserir no conceito de

cidadão (só homens de propriedade eram considerados cidadãos). O ensino na Primeira república

segue, então, a partir da lógica do capital em sua estruturação. Todavia é no ano de 1837, “no

Colégio Pedro II, que a geografia, pela primeira vez torna-se uma disciplina estudada na escola”

(CASSAB, 2009, 46). Em relação à sistematização do ensino no Brasil Córdova ainda reconhece

pequenos avanços que existiram:

A primeira reforma educacional no período republicano aconteceu em 1890, tendo sido criado o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Sua ênfase recaiu sobre o ensino médio, reformando o Colégio Pedro II, destacando o ensino das ciências naturais e exatas. Em 1901 (Epitácio Pessoa), depois em 1911 (Rivadávia Correia novamente reedita Leôncio de Carvalho desoficializando e privatizando o ensino público), depois em 1915 (Carlos Maximiliano), depois em 1925 (Luiz Alves/Rocha Vaz). (CÓRDOVA, 2008, 27).

Entretanto, como ensina Batista (2009), tais reformas não passam de modificações em

determinadas formas, sendo que o conteúdo dos processos ainda permaneciam exatamente os

mesmos do que no período anterior, como bem exemplifica Batista que na Primeira República:

O exercício do poder pessoal e o mandonismo ganham vigor por meio de novas faces. As práticas clientelísticas e o apadrinhamento político impõem-se como substrato do coronelismo. A legitimidade do poder oligárquico estruturou-se em articulação com os interesses dos potentados locais, tendo por vínculo o controle dos empregos públicos. A educação pública era moeda de troca nos moldes das relações clientelistas. (BATISTA, 2009, 3).

A partir de 1888, então, o Brasil era um país livre da escravatura. No dia 13 de maio de

1888 a princesa Isabel assinava a carta que poria fim à escravidão no Brasil. Contudo, há de se

ressaltar que essa decisão que parte das mãos da então princesa, é, antes, resultado de processos de

lutas pela emancipação no país travadas pelos próprios negros. Assim como, já havia uma pressão

internacional pelo fim da escravidão, pois à medida que o capital criava condições de se reproduzir

cada vez mais rapidamente se tornava necessário não somente de onde se tirasse matéria prima para

a produção, mas também onde se pudesse distribuir os excedentes produtivos, e assim criava-se

uma demanda por trabalhadores assalariados. Economia, cuja centralidade começa a se transportar

para os Estados Unidos, os emergentes ingleses. Modelo econômico que vai viver uma intensa crise

de superprodução e seguida recessão em poucos anos depois, 41 anos para ser exato, na crack da

bolsa de 1929 e na crise de 1930. (HUBERMAN, 1986).

Pois é justamente a partir da década de 1920, com a intensificação da vida urbana, a partir

a ascendência da nova burguesia industrial paulista principalmente, a vinda dos ideais socialistas e

anarquistas com os imigrantes europeus que vieram trabalhar nas fábricas (ideais surgidos das

necessidades dos proletariados que eram submetidos a todo tipo de maltrato nas grandes indústrias e

centros industriais), que se inicia um novo debate a respeito da educação no país, conhecido como

Escola Nova. Como revela Córdova:

O mais importante dessa fase da história da sociedade brasileira e da institucionalização da educação escolarizada é um forte movimento de reforma nascido entre os educadores que em 1924 criaram a Associação Brasileira de Educação e realizaram várias reformas estaduais, em São Paulo, em Minas Gerais, no Ceará, no Distrito Federal e na Bahia. Nesse contexto aconteceu o movimento da Escola Nova e se constituirá o núcleo dos “pioneiros da educação”, que terão muita influência na década seguinte. (CÓRDOVA, 2008, 27).

Nesse período, é que a antiga oligarquia cafeeira começa a perde espaço para os novos

industriais, ao mesmo tempo em que o mundo sente os grandes abalos advindos da Primeira Grande

Guerra Mundial, e movimentos de contestação surgem nos âmbitos artísticos e dentro dos

movimentos políticos. Ao mesmo tempo em que o mundo assistia a realização de uma primeira

Revolução Socialista, uma possibilidade diferente de realização de mundo e também a

intensificação da disputa entre os dois grandes pólos que vão se apresentando ao mundo: o

capitalismo e o socialismo. A guerra ideológica que se trava a partir de então, e o surgimento dos

mecanismos culturais de massa e de controle ideológico, pode-se dizer que por parte dos países que

representavam o capitalismo ou mesmo o socialismo (ADORNO, 2000). Em verdade a grande

experiência socialista não se realiza e o combate ideológico, político, militar capitalista começa a se

intensificar, passando a perseguir todos os intelectuais e artistas que viessem a refletir sobre o

sistema e o modo de produção capitalista.

Entre 1910 e 1920 começa a se atentar à necessidade de pensar a educação em nível

nacional, admitindo a existência de profissionais especialistas na área, levando à criação da ABE

(BATISTA, 2009):

o papel da Associação Brasileira de Educação (ABE) foi fundamental, pois, agregou em seu interior profissionais que passaram a discutir a educação como uma área especifica das políticas governamentais e de grande importância para a constituição de uma sociedade moderna e democrática. (BATISTA, 2009, 4).

Apesar dos aspectos positivos revelados por Batista, a organização da educação brasileira

se apresenta como um processo que continua a se desenvolver até os dias de hoje, mas como se verá

adiante - até meados de 1950 praticamente inexiste enquanto unidade, mas caracteriza-se por

unidades esparsas e fragmentadas (CÓRDOVA, 2008).

Também se faz necessário ressaltar que este período em questão também é caracterizado

por contestações realizadas na esfera da criação artística concebendo outros paradigmas para a

criação artística que refletem em parte o que acontecia no mundo. Neste mesmo período que surge,

por exemplo, os movimentos do expressionismo, dadaísmo, surrealismo e expressionismo,

movimentos artísticos que primam pela contestação dos valores, pela reflexão, e mesmo pela

desconstrução pura e simplesmente, como o dadaísmo, refletindo o sentimento percebido no pós-

guerra. Todas essas manifestações acabam afetando, influenciando de modo diferenciado as

diversas esferas da sociedade, e também, mas ainda de modo muito pouco relativo, os debates a

respeito da educação. No Brasil ocorre a Semana da Arte Moderna em 1922, justamente advindo da

necessidade de se começar a buscar elementos próprios do território e menos da importação de

valores que vinha junto com os produtos importados, principalmente dos Estados Unidos; como foi

o caso do movimento antropofágico, que tem como expoente a artista Anita Malfatti. Todos estes

acontecimentos são sentidos no processo de luta pela emancipação da educação no Brasil, elemento

chave para autonomia dos seus cidadãos, mas não tanto como deveriam, ou quase nada pelo ensino

em sala de aula; o que revela a desarticulação do sistema educacional e incipiência da preparação

dos profissionais da educação. Os resultados da luta pela articulação do sistema educacional

brasileiro enquanto unidades, entretanto, são intensificados a partir de 1924, como bem observa

Batista:

[Em 1924] Cria-se, no âmbito da sociedade civil, a Associação Brasileira de Educação (ABE/RJ). Foi a primeira entidade nacional a congregar profissionais da área e diletantes da educação. A partir dela é

que os profissionais da educação passam a ser reconhecidos socialmente como tais. Integraram seus quadros, professores, jornalistas, advogados, políticos, escritores, engenheiros, funcionários de governo, enfim, todos os interessados na luta pela educação. Abrigavam correntes ideológicas e projetos de educação distintos (liberal democrático e autoritário). Foi por meio desta Associação que emerge o movimento educacional escolanovista. (BATISTA, 2009, 5, 6).

E são alcançados em maior grau a partir de 1930:

[Em 1930] A regulação nacional da educação ocorre no bojo das transformações operadas no país. Estabelecem-se as normas que iriam determinar o funcionamento homogeneizado dos níveis de ensino e a formação dos agentes do sistema. Cria-se o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde (Francisco Campos 1930-32), a partir do qual se instituem o Conselho Nacional de Educação e o Conselho Consultivo do Ensino Comercial. [Em 1934] Constituição estabeleceu a União como instância responsável pelo planejamento nacional da educação em todos os níveis e definiu a sua competência na coordenação e fiscalização da execução do planejamento. (BATISTA, 2009, 6).

Assim também, afirma Córdova:

É a partir dos anos 30 do século XX, no bojo de um movimento de sociedade que culmina na Revolução de 30, que se começará um sistema de ensino público segundo uma tal política nacional. É a Reforma Francisco Campos que, em 1931, dá a largada do processo. Este processo vai desaguar na Constituição de 1934. Nesta, vão se fazer ouvir os ecos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. (CÓRDOVA, 2008, 27).

A partir desse período e do movimento que educacional que começa a se instituir, surge o

debate a respeito da grave situação em que o sistema educacional se encontrava. Pois, em verdade,

ainda não existia um sistema organizacional, mas sim um todo fragmentado e desarticulado nas

esferas de política nacional educacional, um estado antes de “inorganização do que desorganização

do aparelho escolar” (CÓRDOVA, 2008, 28). Inicia-se a discussão a respeito da necessidade de se

buscar uma solução a partir de uma perspectiva global do problema, assim tomando o sistema

educacional como um todo, já que no projeto de país que se iniciava a partir das políticas

nacionalistas, mas populistas, do presidente Getúlio Vargas, percebia-se a importância de construir

um sistema educacional, à medida que para o desenvolvimento das forças econômicas ou de

produção, e como fator essencial para a produção de riqueza, tornava-se necessário tal sistema

educacional brasileiro, que possibilitasse condições de desenvolvimento das aptidões, invenções e

capacidade de iniciativa (CÓRDOVA, 2008). O processo que se intensifica no período do governo

Vargas é antes uma preocupação da educação enquanto preparo de mão de obra de um país que

começava a sonhar com desenvolvimento industrial interno, do que uma preocupação na formação

de uma sociedade crítica, ou de uma educação propiciadora de cidadania. Era um pensamento

fragmentado que se propunha à construção de um sistema educacional não fragmentado, ou seja,

um processo que partia de uma concepção contraditória sobre os desdobramentos da educação, e

não um de um processo crítico e coeso.

Contudo, dentro desse movimento, liderado principalmente pelo movimento da

escolanovista que exigia transformações mais radicais na educação surgiam outras propostas para a

educação. Tal movimento em prol da educação, tem em 1931 uma importante contribuição no que

se conhece como Reforma Francisco Campos, que vai ter influência sobre um texto considerado

histórico no processo de consolidação de um sistema educacional no Brasil, assinado por ilustres

figuras da vida pública, conhecido como Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, elaborado em

1932. Este texto traz questões como os “princípios da laicidade, da gratuidade, da obrigatoriedade

e da coeducação (educação conjunta de estudantes de ambos os gêneros), da unidade da função

educacional, da sua autonomia, da descentralização” (CÓRDOVA, 2008, 28). Ainda trazia algumas

preocupações a respeito da formação dos professores como afirma Córdova:

Finalmente, enfatizava a importância da formação dos professores, em todos os níveis, preconizando “o princípio da unidade da função educacional” contra a “tradição das hierarquias docentes baseadas na diferenciação dos graus de ensino”, que diferenciava “mestres, professores e catedráticos”, fundamental para a “libertação espiritual e econômica do professor, mediante uma formação e remuneração equivalentes que lhes permita manter, com a eficiência no trabalho, a dignidade e o prestígio indispensáveis aos educadores”. (CÓRDOVA, 2008, 29).

É também no ano de 1929 que o ensino de geografia adquire nova dimensão, nesse ano

ainda em 1929 é fundado o Curso Livre Superior de Geografia que teve “como um dos objetivos

criar as condições para que o ensino de Geografia desempenhasse seu papel de disciplina de

nacionalização”. (CASSAB, 2009, 46). A autora ainda ensina sobre esse período que:

Os anos seguintes reforçaram essa orientação montando, para isso, um importante aparato institucional dedicado à disciplina geográfica, bem como formando uma comunidade de geógrafos no país. Algumas medidas nesse período foram: 1) normatização, a nível nacional, da disciplina no ensino básico de vários estados; 2) surgimento dos cursos superiores de Geografia na USP (1934) e Universidade do Distrito Federal – UDF, (1935); 3) fundação da AGB em 1935; 4) criação do Conselho Nacional de Geografia em 1937 e 5) criação do IBGE em1939. (CASSAB, 2009, 46).

As problemáticas abordadas pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova ainda terão

futuramente influência sobre a Constituição de 1934. (CÓRDOVA, 2008, 29). Esse processo se

desenvolverá pelos próximos 15 anos que constituem o Governo Vargas. Um governo caracterizado

por ações nacionalistas, mas também por projetos e ações populistas e também anti-democráticas,

como o uso da máquina administrativa, da máquina de propaganda e de negociações políticas para

continuar no poder. Entretanto a segunda guerra mundial coloca em cheque as contradições do seu

governo de caráter anti-democrático, que tem seu fim no ano de 1945. Em verdade a segunda

Guerra Mundial evidencia ao mundo uma nova organização espacial antes nunca percebida, o poder

destrutivo das técnicas, exemplificada a partir dos massacres ocasionados pelas bombas de

Hiroshima e Nagasaki. A bipolarização do mundo a partir das disputas geopolíticas entre dois

Estados-Nações (HUBERMAN, 1986). A intensificação da luta ideológica, política e militar dos

países centrais capitalistas, que tem nos Estados Unidos, a centralidade e símbolo dessa disputa, e

em contrapartida a ampliação dos ideais socialistas, principalmente entre os intelectuais, artistas e

estudantes. Para percebermos como essa situação influencia na educação e nas iniciativas de

projetos nacionais sobre a educação Batista exemplifica:

O processo de redemocratização do país emergido no pós-guerra instaura a democracia de massas que terá no Estado populista-desenvolvimentista a sua expressão política. No período, o modelo de substituição de importações passa a ser presidido por outro modelo: o da internacionalização do mercado interno. O golpe de 1964 vai estabelecer as condições políticas favoráveis para a sua plena implantação. Na educação, o campo de luta foi o legislativo. Neste período, iniciou-se o processo legislativo para a elaboração da primeira Lei de Diretrizes e Bases para a educação nacional – LDB/1961. (BATISTA, 2009, 6).

Entre 1945 e 1964 o Brasil viveu o período que pode ser conhecido como liberal-populista.

Com o fim do governo Vargas, a população volta à urna para escolher seu próximo presidente.

Entretanto, os grupos liberais fazem no país, um jogo político nacional, uma teia delicada de

interesses e alianças. Os processos de industrialização e urbanização intensificam a esfera de

disputa política entre os novos grupos que surgiam, os empresários e industriais, os proletários,

militares, funcionários públicos etc. (LOPEZ, 1997). As reformas educacionais nesse período

conhecem momentos de descontinuidades a cada novo governo eleito, que usam a problemática da

educação unicamente como discurso, e ao modificar toda a estrutura constituída no governo

anterior, tentam transmitir a imagem de que os problemas nacionais estão ligados a governos, e não

á uma história de descontinuidades e descompromisso com o país. As ações tomadas nesse período

se limitam à criação de uma série de leis que de nada agregam ao sistema educacional enquanto

unidade. O populismo aliado ao liberalismo usam da ideologia e da propaganda de massas, para

pregar o comunismo e o socialismo como grandes vilões da sociedade, usando inclusive a

Revolução Cubana que ocorre em 1959, como contra-discurso a favor do liberalismo, ao mesmo

tempo em que perseguem intelectuais, aperfeiçoam os institutos de polícia secreta, criam uma

atmosfera de medo e desinformação a partir da técnica, reiterada pelas agências internacionais de

informação comandada, em grande parte, por grupos empresariais norte-americanos (GALEANO,

1994), intensificando os processos de fragmentação e dos totalitarismos da informação (SANTOS,

2001).

Esse período é marcado pelo retorno e suicídio de Vargas (que após seu suicídio é

promovido como mártir pelos meios de imprensa), pelo golpe que retira o direito democrático de

João Goulart assumir o poder, e que vai coadunar no golpe militar de 1964. Batista ressalta sobre o

período:

(...) [o pacto populista] propunha a criação de um espaço econômico novo alargando o mercado consumidor interno, mediante a promoção de reformas estruturais que possibilitassem a inclusão das massas populares num padrão de consumo democratizado integrando a população rural e os setores marginalizados dos centros urbanos. Esta proposta foi abortada e adotou-se a via autoritária do Regime Militar. (BATISTA, 2009, 6).

Córdova assim elenca os avanços no movimento de organização do sistema educacional

brasileiro enquanto uma unidade, ou seja, tomando as problemáticas educacionais a partir da

totalidade, do país, e não de problemas fragmentados mas de uma solução totalizante:

Registre-se, considerando o ensino primário, que sua normatização data de 1946, ou seja, tem, no ano de 2001, apenas 55 anos de vigência. Foi na Constituição de 1934 que a expressão “diretrizes e bases da educação nacional”, criada pelos pioneiros, se incorporou definitivamente no vocabulário educacional brasileiro, enquanto expressão que, na realidade, vai se efetivar através das leis orgânicas, já mencionadas, e na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cujo projeto, de 1948, após a Constituição de 1946, foi aprovada em 1961, para ser reformada em 1971, até chegar à atual Lei 9394/96, sob cuja égide nos encontramos. (CÓRDOVA, 2008, 29).

A partir do golpe militar de 1964 o movimento de organização do sistema de educação

brasileiro sente novas modificações. É importante ressaltar que esse período é caracterizado por ser

anti-democrático e autoritário, considerado uma ditadura militar, que não é privilégio unicamente

do Brasil nesse período. Toda a América Latina entre 1964 e 1985 vive a terrível e traumatizante

experiência das ditaduras militares que tem em sua essência: o liberalismo econômico, a

demagogia, a desiformação, o endividamento externo dos países, a aproximação das relações

políticas e econômicas com os Estados Unidos, a perseguição, prisão e tortura dos estudantes,

artistas e intelectuais por parte do Estado (GALEANO, 1994).

Pode-se afirmar que as grandes corporações que até então eram quem impunham ao espaço

grandes modificações, que a possibilitavam ampliar a produção do próprio capital, sentiam-se

ameaçadas com um sistema que não privilegiava o lucro, mas que ao contrário, questionava o

absurdo e a contradição de se viver em função da propaganda e da fantasia (ADORNO, 2000);

(MARCUSE, 1972). Ainda, pode-se perceber a íntima relação entre capital e o Estado, que ate

então acreditava ter a única função de proteger o interesse do grande capital, o Estado como

instituição que serve unicamente ao capital (SANTOS, 2001).

Destaca-se também nesse período, o início da divulgação das idéias do educador Piaget

pelo mundo, e assim na década de 1970 começam a ser inseridas as propostas Piegetianas na

discussão sobre educação e nas formas de realizar o ensino. É nesse conturbado momento político

no Brasil que alguns educadores começam a introduzir o pensamento construtivista na educação.

Em linhas gerais, no mundo todo, nas universidades e centros de pesquisa os ideais críticos e a

análise dialética materialista começavam a ser difundidos nas pesquisas. Assim, nos países, que

como no Brasil, passavam por uma espécie de caça aos comunistas, muitos intelectuais sentiram o

peso do exílio político. Foi o caso do geógrafo Milton Santos, Paulo Freire, entre tantos que só

retornaram ao país com a anistia política em 1979. Foi também na década de 1970 que se avolumam

a construção do pensamento na geografia crítica e as críticas à geografia tradicional, e também ao

positivismo. É fácil perceber um paralelo entre a influência do construtivismo na educação, as

críticas formuladas ao positivismo nas ciências, a produção de um saber crítico, e as perseguições

sofridas por professores e estudantes por aqueles que pretendiam defender os sistemas e modelos

neo-liberais. O AI-5, a mais intensa medida autoritária do governo brasileiro, que atribuía uma

hipertrofia ao poder executivo, auferindo-lhe poderes quase ilimitados, foi promulgada em 1968. Na

mesma década, nas artes também surgiam diversos grupos de contestação que tentavam sobreviver

às censuras. Não somente os geógrafos buscavam outras formas de explorar o espaço, a artista

plástica Lygia Clark, na década anterior já sentia a necessidade de explorar o espaço em suas obras

plásticas, evidenciando que o próprio espaço mundial se modificava de modo completamente novo,

original, e como bem ensina Santos (2001) apoiado em parte nas técnicas e tecnologias.

Entretanto a busca pela implementação e a discussão sobre o construtivismo no ensino não

se completa na década de 70, quando as questões de Piaget são conhecidas pelos educadores

brasileiros, apoiados posteriormente pelas teorias de Vigotsky, apenas se iniciam. Até os dias de

hoje, em verdade, se discute no ensino a questão metodológica do construtivismo em oposição ao

positivismo clássico. Entretanto, pode-se saber que é no período de 1970 que as primeiras idéias

construtivistas entram no Brasil e vão encontrar eco no pedagogo Paulo Freire.

Na educação, evidentemente que esse processo se reproduzia, e assim, não é possível

necessariamente admitir que nesse período possa haver algum avanço sequer, pois se entendermos a

educação, o ato de ensinar se relaciona intimamente com “as experiências informais nas ruas, nas

praças, no trabalho, nas salas de aula nas escolas, nos pátios dos recreios, em que variados gestos de

alunos, de pessoal administrativo, de pessoal docente se cruzam cheios de significação” (FREIRE,

1996), então de fato, todos avanços conseguidos nessa época não passam de atrasos, que até hoje

servem como encalços a uma reflexão para uma educação real, a um sistema educacional que vise a

cidadania do aluno, se nesse momento hoje, ao menos a mínima, mas com certeza, sem perder de

vista a cidadania plena, à qual, a educação deve servir como instrumento para ser alcançada.

Entretanto, Batista, assim ressalta os avanços atingidos durante o período de 1964 a 1984,

que privilegiou um “processo excludente que dirigisse a economia para a sua submissão ao controle

do capital internacional” (BATISTA, 2009, 7) em detrimento de um “desenvolvimento com inclusão

das massas no processo econômico e político com reformas de base” (BATISTA, 2009, 7):

Neste período ocorre a reforma universitária (Lei n. 5.540/68) orientada por técnicos norte americanos. A lei exige que o ensino superior passe a ser ministrado preferencialmente em universidades e só excepcionalmente em estabelecimentos isolados (...) Ocorre também a reforma do

ensino básico em 1971(Lei 5.692/71). Esta lei introduz uma mudança na estrutura do ensino. Amplia a obrigatoriedade escolar para oito anos, ou seja, para faixa etária que vai dos 7 aos 14 anos. Essa ampliação tem sérias implicações, pois compele o Estado a um acréscimo de suas obrigações com relação à educação do povo e supõe uma modificação estrutural profunda na educação elementar (...) A partir desta Lei cria-se o 1º grau com oito anos de duração (junta o ensino primário e ginasial) e também o 2º grau com três anos(o científico) ou mais anos de duração quando profissionalizante. É sob esta lei que o ensino profissionalizante torna-se obrigatório em todas as escolas públicas de 2ºgrau. (BATISTA, 2009, 7).

“Os anos de 1983 a 1984 foram pela imensa campanha em favor das eleições diretas para

presidente em 1985” (LOPEZ, 1997, 137). Nesse período já se podia protestar, mas era necessário

ainda o voto direto como garantia do fim de um regime de terror a estudantes, artistas e intelectuais,

principalmente, mas definitivamente à sociedade como um todo. A derrota da Emenda Dante de

Oliveira/84 frustrou a expectativa das “Diretas Já!”, movimento que simbolizou a luta e o desejo do

retorno ao regime democrático (LOPEZ, 1997). Houve eleições indiretas para presidente, que

elegeram Tancredo Neves, que faleceu praticamente antes de assumir, e José Sarney, que conviveu

com os resquícios e sequelas do governo militar, e de um milagre econômico, que em verdade foi

resultado de grandes empréstimos para projetos faraônicos e que agora apresentava os verdadeiros

resultados: recessão econômica, desemprego e inflação.

No final de 1985, todavia, houve eleições municipais. Em 1988 temos consolidada a atual

Constituição Federal, onde estão previstas importantes garantias em relação ao Estado, e em 1989

tivemos o retorno às urnas para a eleição de um novo presidente (LOPEZ, 1997). Eleito o

presidente Fernando Collor, que em seguida foi impeachtmado, prova indubitável que

ingressávamos num sistema democrático de fato, ou melhor, num processo democrático de

aperfeiçoamento das instituições, as quais se incluem as instituições educacionais. Como fica a

educação dentro deste processo? Assim como o sistema de saúde, a educação não conhece os

caminhos para a sua sistematização enquanto unidade, tampouco sua solução enquanto unidade e

totalidade, dentro do território. Se no período militar ela conhece alguns avanços circunstanciais e

de pouca relevância quando pensamos uma educação crítica capaz de promover cidadania. No

contexto de crise e recessão advindo das decisões econômicas irresponsáveis no governo militar, a

educação retorna a ser unicamente um elemento sempre retomado por políticos em épocas de

campanha, assim como a saúde também o é. Batista nos ensina como tais processos vão se

desencadear no processo de organização da educação, lembrando a influência do projeto neoliberal

dos presidentes Fernando Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso:

Inicia-se a implementação do modelo de política neoliberal na gestão das políticas sociais no Brasil (Início na gestão Collor de Melo e efetivação na gestão Fernando Henrique Cardoso). As políticas sociais, no contexto da nova Ordem Mundial, passam a ser orientadas por organismos internacionais (BM, FMI...) (BATISTA, 2009, 8).

E, assim, Batista elucida as consequências desse projeto sobre os projetos sociais no Brasil,

no qual se inclui a educação:

redução dos gastos públicos, realocação de recursos necessários ao aumento de superávites na balança comercial e reformas visando aumentar a eficiência do sistema econômico. Tais orientações, que se colocam como exigências para a inserção das economias nacionais no processo de globalização capitalista, incidem diretamente sobre as políticas públicas de corte social, na medida em que impõe cortes no orçamento e redução dos gastos públicos. O Estado é entendido não mais como provedor de serviços públicos, mas como promotor e regulador, devendo estabelecer suas funções de acordo com sua capacidade (Ivete Simionatto). (BATISTA, 2009, 8).

Tal pensamento advém da crença dos economistas liberais de que o desenvolvimento

econômico, baseado na projeção das grandes companhias e na capacidade de produção e reprodução

do capital por si só são condição de desenvolvimento social, porquanto, inserido numa visão a-

crítica do que se denomina desenvolvimento econômico, não admitem as contradições existentes no

processo, assim como os processos de fragmentação advindos da disputa por mercados. De tal

modo, exemplifica Batista os efeitos sentidos na educação a partir destes projetos neoliberais:

Efeito do "Ajuste" sobre as políticas sociais (os direitos sociais): 1)agravamento da pobreza e surgimento de novas formas de exclusão social fazendo com que aumente a pressão social sobre os serviços públicos em quantidade e complexidade. 2)Desmonte de políticas sociais já existentes mudando a sua configuração e a sua cobertura através do corte linear de recursos e modificação do seu padrão de financiamento (Laura Tavares). (...) A reforma educacional brasileira obedeceu aos vetores comuns às demais políticas sociais, como saúde e previdência social: descentralização da gestão e financiamento; focalização dos programas e populações beneficiárias; privatização seletiva dos serviços; e desregulamentação, que, nesse âmbito, implica a supressão ou flexibilização dos direitos legais e a permissão de ingresso do setor privado em espaços antes monopolizados pelo Estado. (BATISTA, 2009, 9).

Mesmo que seja possível admitir que a descentralização e a flexibilização na solidificação

de um sistema nacional de educação, desde que não se perca a totalidade da unidade de ensino,

sejam de fato importantes em virtude das imensas diferenças regionais e demandas existentes num

território tão extenso quanto o do Brasil - que apresenta intensas fragmentações espaciais ao se

analisar as regiões territoriais - é importante ressaltar que essa flexibilização e descentralização é

em verdade em relação ao capital enquanto gestão e financiamento da educação, e assim, ao

contrário do que se pode imaginar, essa descentralização camufla a intensificação da

mercantilização do ensino. No modelo de perspectiva liberal a educação é apenas mais uma das

modalidades de produção e reprodução do capital, ou seja, perde-se a essência do ensino e da

educação enquanto formadores de indivíduos e cidadão completos em suas potencialidades. E,

assim Batista nos revela mais uma crítica:

Desconcentração do financiamento e da gestão do ensino básico em favor dos estados e municípios (União diminui responsabilidades com a educação básica). Focalização no ensino fundamental

(somente para crianças e adolescentes). Ao retirar (da E.C 14/1996) a obrigatoriedade dos adultos em cursar o ensino fundamental, o Estado passa a ofertar vagas somente àqueles que procuram o sistema de ensino. (BATISTA, 2009, 9).

Entretanto, Batista revela o aspecto ativo do movimento por um sistema educacional, que

se é engendrado pela máquina estatal e por vezes é boicotado por interesses alheios ao movimento

de consolidação de um sistema de educação nacional, também traz em si a luta daqueles que

efetivamente desejam uma educação de qualidade, porque conseguem enxergar a necessidade de

um projeto de sociedade mais justo e igualitário, pois é entende-se que o caminho da fragmentação

é da violência e do medo. Assim, Batista revela conquistas nesse processo, que se traduzem

inclusive em direitos previstos na Constituição Federal de 1988, e os quais são de imprescindíveis

conhecimento para o exercício da cidadania mínima e revelam aspectos essenciais do espaço:

No Brasil, os ajustes orientados pelas políticas de cunho neoliberal (concretizados no governo FHC a partir da criação do Ministério de Administração e Reforma do Estado/MARE/1995) iniciam-se na década de 1990 e confronta-se com o movimento da sociedade civil organizada (iniciado na década de 1980) que lutava pela redemocratização do país e pela concretização de direitos sociais. A Constituição de 1988 materializa esta luta, que reivindicava participação e controle social nas políticas públicas, especificando pela primeira vez em uma Constituição (Titulo II, capítulo II, art. 6o a 11) os direitos sociais dos cidadãos brasileiros. Na luta pela concretização dos direitos sociais e dentre estes, a educação, atuou o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. O Fórum teve como uma de suas principais conquistas para a área da educação, a consagração da “gestão democrática do ensino público” como um princípio constitucional. (...) Neste período é elaborada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDBEN/1996. É a partir desta lei que a organização da educação básica passa a ser constituída por educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Concomitante a esta lei é aprovada a Emenda Constitucional número 14, que aprova o FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). (BATISTA, 2009, 9, 10).

Atualmente o FUNDEF foi substituído pelo FUNDEB conforme a lei 11.494 de 2007

cobrindo as três etapas da educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio).

(BATISTA, 2009, 10).

Nos últimos 8 anos, o Brasil viveu a experiência inédita de ter um governo que nasceu

inserido na perspectiva socialista, que nasceu dos movimentos operários de greve, mas que, todavia,

guarda muitas críticas em relação a ter uma postura efetivamente de esquerda no poder. Entretanto,

foram nestes anos que a educação no Brasil conheceu alguns avanços, como a criação de um grande

número de Universidades Públicas no interior do país, a contratação de grande número de

professores e relativo ganho nos salários, principalmente dos professores Universitários. Todavia, a

educação no Brasil está longe de poder se considerada minimamente satisfatória, principalmente

nas regiões historicamente marginalizadas dos projetos educacionais e no interior do país. Muito se

discute hoje sobre a importância da criação de modelos educacionais que funcionem e que possam

ser copiados, dentro das dificuldades e limitações que o país vive. A luta e a busca por uma

educação de qualidade em todas as esferas do ensino, fundamental, médio e superior, de fato há de

ser um processo constante por melhorias, e antes de tudo um movimento político por parte de todas

os envolvidos, que sejam, a sociedade como um todo. O construtivismo no ensino também ainda se

caracteriza como uma busca, percebida nas diversas diretrizes que existem na última LDB,

entretanto, mesmo nos ensinos de geografias, hoje, ainda não foi superado o pensamento positivista.

Assim, a educação como um todo, como, especialmente, o ensino específico de geografia,

de fato, tem papel importantíssimo nesse processo, à medida que á capaz de revelar as contradições

do espaço e indicar os caminhos de ação consciente no espaço aos alunos, nas mais diversas

realidades, aos indivíduos, ou seja, de capacitar à cidadania a partir da reflexão sobre o espaço.

Enquanto ensino em geografia, hoje, ainda percebe-se um descompasso entre a realização

da geografia enquanto ciência e a geografia enquanto ensino. Como ressalta Cassab:

Nota-se que, apesar das diferentes orientações e conteúdos o peso da Geografia clássica acompanhou o ensino da disciplina por longos anos, influenciando a forma de se ensinar e aprender Geografia até os dias de hoje. Apesar dos inúmeros avanços, uma visão ainda hegemônica envolve uma compreensão da geografia por parte dos alunos como uma disciplina inútil que transmite informações jornalísticas. (CASSAB, 2009, 49).

O ensino em geografia e a busca por uma educação capaz de propiciar ao aluno a

construção de um pensamento crítico, e que possibilitem o aluno o exercício de ser cidadão

caminham paralelamente. O presente trabalho se insere justamente a partir desta problemática, da

construção de um ensino capaz de promover ao aluno a possibilidade de cidadania, da possibilidade

de oferecer um trajeto possível dentro do movimento de aproximar a geografia enquanto ensino e

enquanto ciência, num movimento de reflexão sobre a educação e as potenciais relações que podem

ser estabelecidas a partir de um movimento de renovação da educação no espaço.

Capítulo 2 - Educação e cidadania, os aspectos normativos do espaço.

Parte 1: Possibilidade de conhecimento do Espaço a partir de sua Estrutura Normativa e Cidadania.

Este trabalho não pretende exaurir as questões pertinentes às relações entre o elemento da

estrutura normativa e o espaço. O que se pretende é sugerir algumas categorias teóricas que

possibilitem a análise da relação, à medida que se compreende que esse elemento permeia diversas

esferas do espaço, e da realização de outros elementos. Para tal, é preciso considerar a totalidade do

espaço, pois só é preciso compreender o espaço quando o tomamos em sua totalidade (SANTOS,

2006), ao analisarmos tal elemento temos que compreendê-lo dentro do conjunto solidário e

contraditório dos sistemas de objetos a ações (SANTOS, 2001). Pois como ensina o professor, “a

totalidade é uma realidade fugaz, que está sempre se desfazendo para voltar a se fazer. O todo é

algo que está sempre buscando renovar-se, para se tornar, de novo, um outro todo”. (SANTOS, 206,

117). Por isso a necessidade de estabelecer categorias de análise na investigação do espaço, para

que não se perca o movimento dinâmico da totalidade ao se analisar a particularidade.

De tal modo, o elemento estrutura normativa, que se pretende compreender nesse trabalho,

tem que ser compreendido dentro do movimento solidário dos conjuntos dos sistemas. A partir desta

compreensão, é necessário entender este elemento dentro do sistema de fixos e fluxos (SANTOS,

2006, 61). A estrutura normativa é nesse sentido tanto fixo, quanto fluxo. À medida que os

princípios e diretrizes existentes são reflexo do movimento dinâmico da história da sociedade, das

suas demandas e conquistas, também a estrutura normativa define e delimita condutas, direitos,

deveres e limitações. Santos ensina que:

Os elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o próprio lugar, fluxos

novos ou renovados que recriam as condições ambientais e as condições sociais, e redefinem cada

lugar. Os fluxos são um resultado direto ou indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos,

modificando a sua significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que, também, se modificam

(SANTOS, 2006, 61).

Podemos compreender dessa forma que os elementos fixos se relacionam aos objetos

materialmente construídos, ao capital imobilizado, como infra-estruturas e edificações, mas também

como conjunto de técnicas e tecnologias que se inter-relacionam e permitem ações que sem tais não

seriam possíveis. Ao conjunto de técnicas é que podemos compreender o elemento da estrutura

normativa. Nesse sentido, a estrutura normativa do espaço enquanto elemento fixo é percebido com

o conjunto de técnicas jurídicas e procedimentos consolidados a partir de várias normas que se

inter-relacionam e possibilitam os fluxos.

Um exemplo bem geral pode ser, por exemplo, o da Constituição Federal que define quais

leis podem ser criadas e estabelecidas a partir de Congresso Nacional, ou das Casas e Câmaras

Estaduais, que serão definidas a partir da sua matéria, conteúdo, finalidade; entretanto a lei que

estabelece esse procedimento, não pode ser alterada por emenda, ou por lei de hierarquia inferior,

mas contudo pode ser alterada a qualquer momento, a partir da instituição de um poder originário,

seja por uma revolução, um golpe, como o de 1964, desrespeitando os trâmites democráticas. De tal

modo, são os movimentos sociais que se inserem no espaço que proporcionam condição da

existência de tais normas, é dessa maneira que podemos entender também o elemento estrutura

normativa enquanto fluxo, que no caso encontra o próprio fluxo dos movimentos da sociedade

enquanto fixos, como conjunto de técnicas instituídas.

É necessário esse esforço filosófico para que possamos compreender o elemento estrutura

normativa no espaço, pois como ensina Santos:

O processo histórico é um processo de separação em coisas particulares, específicas. Cada nova

totalização cria novos indivíduos e dá às velhas coisas um novo conteúdo. O processo de totalização

conduz da velha à nova totalidade e constitui a base do conhecimento de ambas (SANTOS, 2006,

120)

Assim, enquanto sistema de objetos e ações, o elemento estrutura normativa no espaço é ao

mesmo tempo objeto, à medida que pode ser tomado, analisado, alterado, e também que traduz os

movimentos da sociedade. E ao mesmo tempo é ação, pois que se instala diariamente na vida de

cada indivíduo, indiferentemente de a pessoa ao realizar o seu cotidiano perceba ou não. É bem

verdade que quanto mais a sociedade ignora tais instrumentos normativos, com mais dificuldade ela

perceber a influência da presença do Estado na sua vida privada, assim como tenderá a se realizar

na esfera totalitária da estrutura normativa, na esfera negativa, do que ela não deve fazer, porque na

realização do cotidiano o indivíduo incorpora as noções básicas do que não deve fazer e os

resultados de ir contra as normas. Por exemplo, no ensino fundamental praticamente todas as

crianças sabem que as pessoas que vão presas, o vão porque desobedeceram a lei, logo quem

desobedece a lei vai preso. Entretanto, mesmo no ensino médio e superior poucas são as que

conhecem efetivamente os meios de intervir conscientemente nas decisões políticas. Ou ainda,

quais são os direitos que a estrutura normativa garanta ao indivíduo.

A compreensão de que o papel central da educação é a formação da cidadania amplia-se

nas discussões e embates acadêmicos, nessa esfera se inicia o debate na geografia enquanto papel

de centralidade na promoção cidadania, pois que é a ciência que se propõe a desvendar e revelar as

contradições do espaço. Entretanto, tem-se entendimento de que cidadania é um conceito

polissêmico, ou seja, se insere em várias esferas do viver social. Tomando, então a cidadania entre

dois aspectos dicotômicos, diametralmente opostos e ignorando as variáveis que se encontram nesse

meio termo, teremos a compreensão da cidadania completa, em sua totalidade, que reconhece e

admite o homem na plenitude de suas potencialidades; e teremos a cidadania mínima, que também

ainda não existe no Brasil, e que só poderá ser atingida a partir do conhecimento dos instrumentos

normativos.

É dever, ou papel, da geografia ensinar tais instrumentos? Nunca. O papel da geografia é

refletir o espaço a partir destes instrumentos junto aos alunos, é possibilitar a construção de um

pensamento crítico e fornecer ao aluno condição de conhecer os instrumentos que o tornam um

cidadão, na sua concepção mínima, ao menos. Buscando construir a investigação no espaço a partir

da via da cidadania e a partir da realidade do aluno (FREIRE, 1996).

Enquanto objeto de investigação no espaço podemos compreender a estrutura normativa

enquanto elemento que permeia - também em outros lugares, mas considerando nesta análise o

território brasileiro - várias esferas da vida em sociedade e demais categoria de análise do espaço.

Iniciemos o pensamento em relação aos elementos propostos enquanto categoria de análise no

espaço: os homens, as firmas, as instituições, as infra-estruturas e o meio ecológico (SANTOS,

2008). Como se dão a relação entre cada elemento deste com a estrutura normativa do espaço.

Quanto aos homens. Ora, os homens, enquanto sociedade, é que imprimem o movimento

ao espaço a partir do trabalho, das técnicas, e tecnologias, que assim produzem espaço, e produzem

trabalho a partir do espaço (SANTOS, 2008, 81). Assim, são os homens, a partir da demanda que

são percebidas no espaço, tanto as que as necessidades fundamentais - potenciais e relativas ao

homem, quanto que são criadas virtualmente no espaço - imprimem desejos expectativas e à medida

de encontrarem na instância do espaço, da sociedade, da cultura, que possibilitem a realização de

seus desejos, ratificam ou buscam mudar determinado comportamento. A partir da percepção da

necessidade de coibir determinados comportamentos, estimular outros, ou delimitar a amplitude das

ações do homem em sociedade, o homem estabelece normas, que em seu conjunto se revelam

enquanto estrutura normativa. Concordando com Santos que:

Os homens são elementos do espaço, seja na qualidade de fornecedores de trabalho, seja na de

candidatos a isso, trate-se de jovens, de desempregados ou de não empregados. (...) Esses diversos

tipos de trabalho e de demanda são a base de uma classificação do elemento homem na caracterização

de um dado espaço. (SANTOS, 2008, 16, 17).

Evidentemente, que o processo de produção capitalista, a acumulação do capital, permite

alterações no espaço que visam unicamente à perpetuação ou maximização da produção do capital.

Dentro deste movimento social, onde se percebe o homem enquanto indivíduo coletivo, também se

revela as lógicas do capital, alimentadas pela desinformação oferecida pelos meios de comunicação

comprometidos unicamente com a busca do lucro. Entretanto, se o homem enquanto indivíduo não

percebe tais lógicas dispersadas na realização do cotidiano, enquanto a práxis do cotidiano apenas o

permite perceber determinados aspectos da totalidade da sua existência (KOSIK, 1976), conhecer a

estrutura normativa do espaço lhe oferece condições de compreender tais movimentos.

Principalmente em função da discrepância do que confere e impõe a estrutura normativa, em

relação à garantia de direitos dos indivíduos em relação ao estado, e a práxis cotidiana. Assim,

se os homens enquanto elementos são capazes de refletir o espaço a partir da sua estrutura

normativa, então são capazes de promover um outro movimento em função dos objetos no espaço,

efetivamente isso é papel do ensino da geografia que deverá ser tratado na parte dois desse capítulo.

As instituições que são respostas às demandas dos homens (SANTOS, 2008), guardam

assim como os homens, relação íntima com a estrutura normativa. Pois, se as instituições são

respostas a tais demandas, estas só ocorrem, quando pensamos o Estado brasileiro, a partir das

condições de execução admitidas e impostas pela estrutura normativa. A partir dos princípios

existentes na estrutura normativa do Estado define-se prioridades, necessidades, modos de

execução, orçamento etc. Assim, conhecer tais instrumentos é a forma para exigir, e consumar tal

demanda dos homens, ou da sociedade, de se fazer impor a realização de tal necessidade.

São as instituições que possibilitam a criação das infra-estruturas, seja por liberação de

verbas, seja por zoneamento urbano-rural. Mas quem define as instituições, e atribui competências

a estas, são as normas, presentes na estrutura normativa, inclusive, são tais normas que definem

quais normas poderão conferir legalidade à materialização de condição de concretização das

instituições. Assim como “as instituições, por seu turno, produzem normas, ordens e legitimações”.

(SANTOS, 2008, 17). Ou seja, a partir desse elemento se aprofunda o entendimento da necessidade

de reflexão do espaço a partir deste elemento que se propõe, da estrutura normativa.

Segundo Santos (2008, 17), “as infra-estruturas são o trabalho humano materializado e

geografizado na forma de casas, plantações, caminhos etc”. Assim, dentro da investigação da

estrutura normativa pode-se compreender as infra-estruturas como uma extensão em relação às

instituições, tendo em mente que a realização das infra-estruturas no contexto da estrutura

normativa demanda a existência de normas e instituições que vão delimitar, orientar, a construção

de tais edificações, como por exemplo, necessidade de alvarás, certidões etc. Obviamente, que na

práxis da realização do cotidiano, principalmente para os que se encontram à margem dos

processos, a “nação passiva”, o ordenamento jurídico não passa de carta morta que não abriga as

necessidades reais, e a própria realidade do país. Essa contradição aponta um sentido de que a partir

da reflexão da estrutura normativa, então, revelam-se as contradições oriundas nas necessidades do

capital.

“O meio ecológico é o conjunto de complexos territoriais que constituem a base física do

trabalho humano”. (SANTOS, 2008, 17). Para entendermos a relação entre a estrutura normativa e

o meio ecológico é necessário antecipar a discussão que se realiza a partir das categorias de análise

como: função, forma, processo e estrutura (SANTOS, 2008, 67). Pois o meio ecológico, a partir da

estrutura normativa tem tanto sua forma quanto função redefinidas. Forma, pois, a estrutura

normativa delimita as áreas em função de determinado fim, por exemplo, através do zoneamento

urbano, da delimitação de áreas de proteção ambiental etc. Nesse ponto em específico, se ressalta

na Constituição Federal de 1988 o direito garantido a todos “a uma ambiente saudável”. Ou seja, a

todos há de ser garantido um meio ambiente ecológico saudável, pois na Constituição Federal

observa-se, assim, a necessidade da preservação do ambiente natural como condição de existência

das gerações futuras, e da qualidade de vida da geração presente. Nesse sentido, também entende-se

a redefinição do meio ecológico quanto á sua função, pois se ressalta Santos (2008) que o meio-

ecológico é o conjunto de complexos territoriais que constituem o que seria a base física do

trabalho do homem, também o é como base física de realização da vida, da simples permanência do

homem sobre o planeta, e da necessidade de preservação do equilíbrio natural do meio-ecológico.

Enquanto análise do elemento estrutura normativa em relação aos elementos, percebe-se

que pode ser tomado em cada categoria de análise oferecida. Entretanto, neste trabalho pretende-se

fazer uma reflexão sobre este elemento e as categorias propostas de modo geral.

Quanto aos processos, a estrutura normativa se estabelece como fixo, fluxo (SANTOS,

2006), forma, conteúdo, condição e fator. Fixo e fluxo, porque como já foi dito, a estrutura

normativa ao mesmo tempo em que estabelece condições de ação, é ela mesma resultado das

dinâmicas da sociedade. Enquanto condição pode-se entender além de sua característica como fixo,

pois a estrutura normativa não é apenas um objeto por onde se desenvolve determinadas ações do

homem, mas é também orientadora de formação de princípios e de formação de ações. Por

exemplo, leis que buscam o desenvolvimento de justiça social, como a lei contra o racismo. A partir

de tal Lei, que é resultado do movimento político, de luta dos movimentos sociais, impõe à

sociedade a percepção real que existe a respeito do ato do racismo, de sua violência, da

inaceitabilidade do racismo na sociedade. Assim, a Constituição Federal (1988), no seu art. 5º

previne que o crime de racismo é inafiançável e imprescritível. De tal modo enquanto processo, a

estrutura normativa guarda e revela a relação do tempo no espaço, revela a contradição e a história

de formação do território brasileiro em diversas esferas do seu aspecto, que não poderiam ser todos

refletidos neste trabalho, por questão de tempo, e de objetivos. Já que o objetivo geral deste

trabalho é apenas iniciar a discussão e evidenciar a necessidade de a geografia refletir o espaço a

partir da estrutura normativa.

Enquanto estrutura, a estrutura normativa releva o caráter dinâmico do espaço, assim

como dos movimentos sociais. Pois o próprio ordenamento jurídico no seu todo é dinâmico, sendo

seu dinamismo não apenas baseado e caracterizado pela condição da criação e supressão de normas,

observando sempre a totalidade do ordenamento jurídico nesse processo, como o próprio

ordenamento define instituições a quem atribui o papel fiscalizador do ordenamento em geral, tanto

quanto interpretativo das normas em vigor. No caso do Brasil, essas instituições reconhecem no

Supremo Tribunal Federal, as prerrogativas máximas no exercício desses deveres, que também é

feita em concílio do Congresso Nacional e demais Tribunais. Assim, as transformações no

entendimento do ordenamento jurídico trazem, por vezes, verdadeiras alterações de entendimentos,

por assim dizer, princípios e condutas. Vale lembrar que em agosto de 2008 no Brasil, houve uma

discussão jurídica a respeito da possibilidade de o STF (Supremo Tribunal Federal) estar legislando,

extrapolando suas competências, ou apenas atribuindo interpretações às normas, cumprindo o seu

papel. (JORNAL FOLHA, 2008)

Enquanto função a estrutura normativa para a geografia nos remete à instâncias “político-

institucional”, e até mesmo “cultural ideológico” (SANTOS, 2008, 12), instâncias, assim como o

são o espaço e a sociedade, possíveis à geografia em sua reflexão no espaço à medida que todas

estas instâncias se inter-relacionam, contêm e estão contidas, umas nas outras. (SANTOS, 2008).

Enquanto forma, a estrutura normativa pode revelar todos os instrumentos que existem e

servem à possibilidade de realização da democracia, que sejam, a definição de 3 (três) poderes

independentes e autônomos entre si (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988), quais sejam o poder

Legislativo, o Judiciário e o Executivo, que guardam entre si um sistema de freios e contrapesos

(MORAES, 2010), ainda a formação do Estado Brasileiro a partir da União indissolúvel da União,

Estados, municípios e o Distrito Federal (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988), a forma de

república federativa do Estado, a definição do que é a União, e do que é o Estado, a definição

daqueles que representar um ou outro e em que condições e contextos, a constituição da estrutura

normativa a partir de códigos (legal, civil, tributário etc) leis, constituições, estatutos e Constituição

Federal etc. Enfim, a partir da forma pode-se iniciar a reflexão sobre diversos aspectos que trazem

em si a temporalidade dos processos que o constituíram. Assim que se, em verdade apenas como

esforço reflexivo e didático, é que se fez esta divisão entre as categorias, entende-se que a

investigação do espaço não se dá isoladamente em cada categoria, mas a partir da associação entre

estas e dos elementos. Assim, não será possível a reflexão sobre a forma sem que se leve em

consideração os processos, assim como da função e das formas, ou dos elementos separadamente,

entendendo que a busca da geografia e do pensamento geográfico e da análise do espaço em sua

totalidade.

Neste sentido é que se entende que através da análise sobre a estrutura normativa pode-se

compreender o espaço. Não se trata de examinar exaustivamente todas as relações possíveis a partir

da estrutura normativa, mas a partir da análise geral, oferecer subsídios para o entendimento da

importância da reflexão do espaço a partir da estrutura normativa. Assim é importante ressaltar que

o espaço, além de condição, é um fator da evolução social (SANTOS, 2008), e assim sendo, torna-

se possível observar nos diversos elementos do espaço as dinâmicas desse processo emprestado pela

sociedade, pelo homem a partir do trabalho. Assim nos ensina Santos (2008):

o espaço não pode ser apenas formado pelas coisas, os objetos geográficos, naturais e artificiais, cujo conjunto nos dá a Natureza.. O espaço é tudo isso, mais a sociedade: cada fração da natureza abriga uma fração da sociedade atual. Assim, temos, paralelamente, de um lado um conjunto de objetos geográficos distribuídos sobre um território, sua configuração geográfica ou sua configuração espacial e a maneira como esses objetos se dão aos nossos olhos, na sua continuidade visível, isto é, a paisagem; de outro lado o que dá vida à esses objetos, seu princípio ativo, isto é, todos os processos sociais representativos de uma sociedade em um dado momento. (SANTOS, 2008, 12)

O espaço, então, se “apresenta aos olhos” (SANTOS, 2008) a partir da articulação dos

objetos na continuidade do visível; e a medida que o indivíduo se encontra desprovido dos

instrumentos teóricos que o possibilitem uma reflexão a respeito dos processos no espaço ele não

percebe na totalidade o mundo à sua volta, e assim também não se percebe como um agente

histórico e cultural no espaço. Ainda, a partir do discurso hegemônico construído em torno dos

princípios e pressupostos capitalistas, a sociedade tende à passar a reproduzir, e intensificar, sem

consciência as fragmentações no espaço, que se dão a partir da divisão do trabalho no modelo de

produção capitalista e também da percepção dos indivíduos sobre as inter-relações sociais. A

investigação do espaço permite compreender as dinâmicas do processo, assim como realizar tal

reflexão a partir da estrutura normativa consiste em caminho possibilitador para a apropriação dos

instrumentos teóricos que possibilitam ao indivíduo a ação consciente sobre o espaço, assim a

cidadania.

A relação do espaço e do tempo escapa à compreensão do indivíduo, enquanto sujeito que

volta suas preocupações à realização do cotidiano, e o mundo torna-se uma paisagem naturalizada

inexplicavelmente constituída, sobrepondo-se aos indivíduos como uma estrutura muito superior à

sua pequena estrutura enquanto um indivíduo com infinitas limitações - e que necessita consumir

para satisfazer suas necessidades (SANTOS, 2001) - e também muito superior à sua capacidade de

compreensão, impulsionando-o à idéia do mundo como fábula (SANTOS 2001). As estruturas

institucionais surgem do modo inexplicável e à medida do possível se impõe como realidade

concreta e totalitária, enquanto em verdade se edificam a partir da necessidade do capital, como

aparatos a um grande sistema que objetiva unicamente o lucro das grandes empresas. A estrutura

normativa também se apresenta, dessa forma como mais um instrumento na reprodução do capital.

Assim revela-se a intima relação entre capital e estado, no entanto, a própria estrutura normativa

reserva espaços para a transformação libertadora, seja pela inclusão de normas enquanto processo

de luta de movimentos sociais, intelectual, ou descuido do legislador que unicamente vê na

realização do governo a possibilidade de realização do lucro, dele e das grandes instituições.

O indivíduo, entretanto, encontra na realização do cotidiano, através da cortina da

�pseudoconcreticidade� (KOSIK, 1976) e da repetição do discurso a ratificação das ideologias

que alicerçam os princípios pelos quais se realizam as lógicas capitalistas. A noção de cidadão, e de

cidadania lhe aparece como um sentido intangível e abstrato. Uma palavra que se repete no discurso

dos políticos.

A cidadania, ou, a cidadania mínima, se configura como o exercício de um conjunto de

direitos que estão preservados dentro desta estrutura normativa, que em tese, deve guiar as condutas

tanto dos indivíduos, quanto do estado. Tais direitos ou garantias variam de território para território.

Entretanto, a noção de cidadania, e a busca pela realização da cidadania, mesmo enquanto processo,

não necessariamente enquanto fim que se atinja, capacita ao indivíduo uma compreensão da

totalidade das inter-relações por tanto, pode, inclusive, ser tomada como um carro chefe no ensino

da geografia, pois revelam o espaço a partir das contradições e das condições ou espaços de ações

políticas. Á medida que o indivíduo compreende o espaço e conhece as normas que garantem sua

cidadania, ele está habilitado a agir no sentido de diminuir essas fragmentações, e o faz à medida

que exige seus direitos, e à medida que compreende o sentido das normas exige dos órgãos

responsáveis a atualização da estrutura normativa a partir da ação dos grupos e movimentos

políticos, através da ação política.

Quando pensamos em uma estrutura normativa definida a partir de um território, que tem

aplicação dentro deste, efetivamente é necessário tomar a produção do espaço no tempo, ou seja a

historicidade dos processos que conduziram à consolidação da estrutura normativa - da carta

máxima normativa do Brasil, a Constituição Federal (1988) - e da influencia dos processos

exógenos na consolidação de tais instituições normativas, como processos geopolíticos

extraterritoriais, transnacionais, globais, e dos processos político, econômicos que tiveram, e ainda

têm, alguma relação ou influência na materialização da estrutura normativa no território brasileiro.

Entretanto, também é devido analisar a relação da consolidação destas estruturas que se restringem

ao território em função dos processo de globalização, ou seja da relação entre o local e o global, as

necessidade do país, como a necessidade de criação de um projeto nacional, e as pressões da

globalização, tão mais intensas quanto mais estreita a relação estabelecida entre capital e estado, e

dos processos hegemônicos, tais como ensina Santos sobre a globalização:

Entre os fatores constitutivos da globalização, em seu caráter perverso atual, encontram-se a forma como a informação é oferecida à humanidade e a emergência do dinheiro em estado puro como motor da vida econômica e social. São duas violências centrais, alicerces do sistema ideológico que justifica as ações hegemônicas e leva ao império das fabulações, a percepções fragmentadas e ao discurso único do mundo, base dos novos totalitarismos - isto é, dos globalitarismos - a que estamos assistindo. (SANTOS, 2008, 38).

Desse modo, as demandas dentro do território têm origem tanto dentro do próprio território,

horizontalidades, “zonas da contiguidade que formam extensões contínuas” (SANTOS, 2001, 108),

quanto fatores exógenos, verticalidades, “conjunto de pontos formando um espaço de fluxos”

(SANTOS, 2001). Como elucida Santos sobre as verticalidades e horizontalidades:

Ao contrário das verticalidades, regidas por um relógio único implacável, nas horizontalidades assim

particularizadas funcionam, ao mesmo tempo, vários relógios, realizando-se, paralelamente, diversas

temporalidades (SANTOS, 2008, 111)

A própria Constituição Federal revela o aspecto das relações internacionais, não

necessariamente dos processos de globalização, quando afirma no final do art. 5º que todos os

tratados internacionais em que o Brasil tomar parte, após rito interno, terão força de Emenda

Constitucional no ordenamento jurídico interno (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988). Entretanto,

em maior parte a estrutura normativa camufla os processos globalizatórios, e suas

contradições. Um ponto importante a ser ressaltado na análise da estrutura normativa: a

necessidade de o geógrafo buscar revelar a relação entre os processos no espaço em função da

estrutura normativa presente no território a fim de revelar as contradições existentes nos processos,

das necessidades concretas, as necessidades virtuais e a práxis da ação do poder público.

Assim, para o fim de trazer a necessidade de reflexão do espaço a partir da sua estrutura

normativa, e de elucidar a possibilidade de um caminho na construção de cidadania, mesmo que

mínima, a partir da educação, e principalmente a partir do ensino de geografia, e presente trabalho

pretende analisar a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e o Estatuto do

Idoso, enquanto instrumentos teóricos que possibilitam o desenvolvimento de tal condição de

ensino.

A Constituição Federal da República Federativa do Brasil é a carta normativa máxima, à qual

todos os ordenamentos jurídicos devem se submeter respeitando os seus princípios, limites e

objetivos. (MORAES 2010). É nesta carta que se encontram todo o alicerce normativo da nação. É

pressuposto imprescindível para a caracterização de qualquer cidadão o conhecimento dos

princípios que o definem enquanto cidadão. O papel do ensino não é mostrar a legislação, ensinar

os artigos da lei que garantem sua cidadania, mas investigar o espaço, refletir sobre aspectos

essenciais do espaço, a partir da estrutura normativa, assim, ensinando os instrumentos legais que

tornam o sujeito um cidadão revelar as contradições presentes no espaço, oferecer instrumentos

teóricos para que o aluno possa por si refletir criticamente sobre o mundo - Esse é papel da

geografia.

Tomar o elemento da estrutura normativa no espaço é considerar as alterações percebidas ao

longo da história, assim é preciso retomar alguns aspectos históricos na consolidação da estrutura

do normativa espaço. De tal modo, é importante realizar, então, um breve recorte no tempo em

relação aos processos de modificação e consolidação da atual Constituição Federal (1988), e demais

Estatutos.

Iniciemos esse resgate de periodicização pela Constituição Federal, e posteriormente

passemos aos Estatutos. A Constituição Federal atual encaixa-se na geração de direitos

fundamentais da terceira fase, ou, ainda segundo correntes minoritárias do pensamento da ciência

jurídica, no que poder-se-ia considerar quarta fase (MORAES, 2010). São três gerações

apresentadas, que segundo Moraes (2010) caracterizam momentos de intensa relação com a

perspectiva de materialização dos princípios existentes nas Constituições. Primeira Geração surge

nos séculos XVIII, no âmbito da Revolução Francesa, caracterizada pela conquista de Direitos

Fundamentais configurados como liberdades negativas (status negativus), já que apresentam uma

impedição á atividade estatal, relacionadas à direitos civis e políticos. A segunda geração

desenvolveu-se no século XIX, inspirada pela Revolução Industrial. Tais direitos possuem caráter

positivo (status positivus) e exigem uma prestação do Estado, uma ação de fazer, incluindo-se aqui

direitos sociais, econômicos e culturais. A terceira geração foi desenvolvida no século XX, voltam-

se à defesa de direitos coletivos, denominados difusos. Segundo Moraes (2010) as três gerações

traduzem em parte a tríade Liberdade, Igualdade e Fraternidade, como objetivos e princípios a

serem garantidos. Contudo, uma leitura mais atenta da história evidencia que a liberdade, em

verdade, diz respeito à ação dos burgueses, a igualdade e fraternidade entre os novos burgueses em

ascensão e as antigas oligarquias que historicamente ocupavam os cargos de poder, sendo que a

maior parte da população, o proletariado (MARX, 2000) ficou à margem dessas conquistas,

explorados ao máximo em função do lucro dos grandes empresários. Tais direitos, desse modo, não

nasceram de forma espontânea, mas como resultado de conquistas ao longo da história, e se por um

lado se caracterizam como conquistas de grupos específicos - que à medida que acumulavam

capital criavam condições de geração de mais capital, e assim necessitavam novas regras e garantias

para expansão de suas atividades capitalistas, condições de produção e reprodução do capital -, por

outro lado, contudo, seria injusto também não observar que outros grupos também participaram de

grandes conquistas na luta por direitos, principalmente a partir da luta promovida pelos movimentos

sociais organizados.

A primeira Constituição que estabeleceu as primeiras normas gerais sobre o território

brasileiro foi criada em 1824. Ela surge no contexto histórico da vinda da família Real para o

Brasil, da transferência de Portugal para o Brasil, temendo as ações bélicas e expansionistas

francesa, organizadas pelo Napoleão Bonaparte (FAUSTO, 2008). Nesse período se inicia o

processo de concentração do capital que possibilitará grandes transformações no espaço em função

das técnicas e tecnologias financiadas por este capital com o objetivo de possibilitar ao capital sua

reprodução em volumes cada vez maiores em tempo cada vez menores (SANTOS, 2006).

Ressalte-se aqui o processo conhecido como metalismo. Esta é a fase mercantilista do

capitalismo, onde surgirão as bases, aliadas às técnicas, para a reprodução das forças de ações no

espaço impostas pelo capital comercial, e financeiro (HUBERMAN, 1986). Cuja linha paralela de

imposição de transformações no espaço se remetem à tendência de homogeneização e conjunta

fragmentação do espaço. A transferência da coroa portuguesa para o Brasil significa a consolidação

da reterritorialização por parte dos colonizadores portugueses em função da maximização da

exploração dos habitantes originariamente brasileiros, os grupos indígenas, e dos povos tragos para

o trabalho escravo, povos africanos. Assim significa a intensificação da materialização da

modificação da territorialidade antes constituída pela população indígena existente, e a estruturação

dos processos em relação à maximização do lucro totalmente reinvestido na economia européia.

Assim, a primeira constituição brasileira objetivava resguardar o direito da nova oligarquia que ia

se consolidando. Ela é outorgada por Dom Pedro I em 1824, que substitui a Assembléia Geral

Constituinte. Marcada por um forte centralismo administrativo e político. Transforma as antigas

capitanias hereditárias em províncias. Institui eleições indiretas e sufrágio censitário. O poder

executivo é exercido pelo Imperador e é instituído um poder judiciário Independente (FAUSTO,

2008). O Estado brasileiro era então um Estado reconhecidamente escravista, tinha como religião

oficial a religião católica. O Brasil enquanto colônia de Portugal se apresentava no cenário

internacional como um exportador de produtos primários. A primeira Constituição, de 1824,

estabelecia além dos três Poderes, o Poder Moderador, que permitia a interferência do imperador

em todos os outros poderes. Esta Constituição que teve a maior longevidade na história

constitucional do país vigorou por 65 anos (FAUSTO, 2008).

Apesar de ser considerada a Constituição que por mais tempo vigorou no território brasileiro,

foi a Constituição de 1891, em verdade, considerada a primeira Constituição da República do

Brasil. Teve como relator o Senador Rui Barbosa. Consagrou o sistema presidencialista e a forma

do Estado Federal, substituindo a monarquia pelo modelo republicano. Já a Constituição de 1891 se

tornou a primeira republicana, que introduziu modificações profundas no regime político e nas

práticas jurídicas e políticas. Em 1934, a Constituição inovou com a garantia do voto feminino e do

voto secreto. Foi aprimorado o controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos, além

de reforçar a previsão expressa de recurso extraordinário para o STF. Instituiu o Ministério Público

e o Tribunal de Contas. Segundo Celso de Mello, a Constituição de 34 representou um “divisor de

águas na evolução do constitucionalismo brasileiro”.

A constituição de 1934, implantada na Era Vargas, traz grande influência dos Direitos

Humanos da Segunda Geração e a perspectiva de um Estado Social de Direito, também marcada

pela influência da organização dos Estados Totalitários. Introduz tardiamente o voto feminino, o

voto secreto, o mandado de segurança e a ação popular. É evidente como essa constituição traz os

avanços conquistados pelo movimento feminista. Mas de modo algum a instituição do voto secreto

significou o fim do que se entende como coronelismo (FAUSTO, 2008).

Em 1937, foi imposta uma nova Constituição pelo regime ditatorial de Getúlio Vargas. Teve

como objetivo fortalecer o Poder Executivo e restringir a atuação dos Poderes Legislativo e

Judiciário. Muitos dos seus dispositivos revelaram-se como “letra morta”, sem aplicação prática.

Já em 1946, a marca foi a redemocratização. Foram restabelecidas as eleições diretas para

presidente da República, governadores, parlamento e assembléias legislativas. Foi uma Constituição

de grande importância, de grande significação histórica e política, porque significou, naquele

momento particular, a restauração da ordem democrática em nosso país (LOPEZ, 1997).

O golpe de Estado praticado pelos militares em 1964 violou o processo constitucional.

Demonstrando absoluto desprezo pelo regime das liberdades públicas, traduzidas na Carta

Constitucional de 1967, que deu mais poderes à União e ao presidente, além de restringir direitos e

garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros.

A Constituição Federal atual foi promulgada no ano de 1988, cumprindo-se a determinação de

uma emenda constitucional n. 26, de 27 de novembro de 1985, houve uma convocação de uma

Assembléia Nacional Constituinte. Esse processo resultava da redemocratização do país, do término

do regime ditatorial. Muitas das garantias previstas hoje em nossa constituição traz elementos que

são uma resposta aos anos de rigidez, perseguições e autoritarismo impostos pelo regime ditatorial,

outras são resquícios do pensamento conservador daquele regime (FAUSTO, 2008).

A C.F. de 1988 optou pelo sistema presidencialista de governo, com a adoção de doutrina

tripartidária, baseada na divisão dos poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário. A

Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, traz, assim, algumas garantias

democráticas, como o direito de eleger seu presidente, através do sufrágio universal e do voto

secreto, e garantias aos direitos individuais e coletivos. Promulgada pela Assembléia Nacional

Constituinte, estabeleceu leis avançadas para a época, com inovações relevantes para a

democratização do Brasil.

É evidente que as constantes reformulações das Constituições refletem as transformações dos

fixos e fluxos ao longo da história (SANTOS, 2002); Traduzidos na história do Brasil, na

alternância e disputa política entre velhas e novas oligarquias e Constituições, e Assembléias

Constituintes que surgem para atender o desejo das novas oligarquias. Contudo tais Constituições

também trazem em si, aspectos dos processos espaciais percebidos em âmbito internacional, à

medida que se consolida o processo de globalização, e assim, problemas intrínsecos ao modo de

produção podem ser compartilhados em todo o globo, paralelamente, também, reflexões a respeito

do modo de produção e a necessidade (de conquistas por meios de trabalhos menos desumanos),

são divididos em todo o globo: a bipolarização do mundo, os processos (e necessidades), de

capitalização e lucro, que promovem a primeira e segunda guerra mundial, a percepção do

totalitarismo, e da perversidade de tais lógicas (SANTOS, 2001) também marcam estas

constituições, mesmo que minimamente, e trazem determinados avanços que devem ser exigidos

por seus cidadãos e nas quais se constituem a cidadania.

O território brasileiro já foi regido, assim, por sete Constituições: a de 1824, 1891, 1934,

1937, 1946, 1967 e 1988. Sendo que alguns consideram como uma oitava Constituição a Emenda 1,

outorgada pela junta militar, à Constituição Federal de 1967, que teria sido a Constituição de 1969.

No entanto, a história oficial considera apenas sete (FAUSTO, 2008). A Emenda Constitucional 1

de 1969 foi uma Carta Constitucional imposta de maneira não democrática, uma tentativa

autoritária da consolidação de um grupo no poder político brasileiro que não tinha mais meios de se

sustentar no poder, e que unicamente representava a expressão da vontade autoritária dos militares.

Este histórico pormenorizado de todas as constituições brasileiras, a apresentação sucinta dos

contextos históricos que participaram da consolidação das Constituições Brasileiras, servem, neste

trabalho, apenas para o objetivo de revelar as relações dos processos espaciais com a materialização

destes documentos que regulam toda a estrutura normativa do território brasileiro. Assim, também,

como tentativa de revelar o caráter das Constituições no tempo em seu aspecto de busca da

construção de uma identidade territorial, que obviamente traduz em sua gênese os desejos e

expectativas da burguesia brasileira, a partir, principalmente, do patrimônio recebido como herança

das primeiras oligarquias. Mas que vai se modificando tanto em função dos processos pelos quais

se dão a acumulação de riqueza e reprodução do capital, tanto na forma pela qual se estabelece e se

transforma esta burguesia ascendente, tanto dos modos das práticas estabelecidas para a reprodução

e ampliação do capital: em primeiro lugar, a exploração direta das riquezas naturais; seguindo para

as grandes monoculturas de exportação, como da cana-de-açúcar, e depois do café; e conseguinte

constituição da burguesia industrial nascente, que vem em encontro à Constituição de 1934 e 1937;

o capitalismo financeiro intensificado a partir da técnica e dos processos de globalização, e a

reafirmação das lógicas e racionalidade dominante durante a perseguição política, e intelectual,

direta, a todos os indivíduos e grupos que construíam críticas ao modo de produção, resultante no

golpe militar e na Constituição de 1967; tanto como da necessidade da flexibilização em função da

necessidade do mercado, mas também das lutas e pressões de resistência política, e da necessidade

de redemocratização do país, traduzidos na atual Constituição de 1988. O movimento no tempo da

construção da contra-racionalidade é periférico, mas a própria globalização, as técnicas e a

tecnologia proporcionam os modos de viabilizar a construção de um debate global, de problemas

considerados globais (SANTOS, 2001).

Assim, cada uma destas constituições remete a contextos complexos da história, a momentos

de intensos rearranjos nos processos, em função da busca pelo lucro pelos grupos que foram

consolidando a acumulação do capital ao longo da história: no tempo, e no espaço. Assim, não é

impossível pensar um ensino de geografia que possa permear de forma crítica, profunda, os

aspectos de todas estas cartas constituintes. Entretanto, o sentido deste trabalho é intensificar uma

análise sobre a Constituição atual. Sendo que essa retomada histórica, tanto quanto breve, e muito

geral, tem único sentido de trazer breves questões pertinentes ao espaço e à constituição normativa

do espaço, no tocante aos processos de consolidação normativa de tais processos. Reveladores das

contradições no espaço, tomado no tempo, da racionalidade dominante, e também da existência das

contra racionalidades (SANTOS, 2001), tomadas em parte nas Constituições segundo políticas

populistas, e, ou, pressões intelectuais na consolidação das Constituições. Mas que à medida que

são integradas a estas cartas normativas, devem ser postas ao conhecimento dos cidadãos, para que

estes possam efetivamente exercerem sua cidadania, e tanto mais, quando tomadas a partir da

perspectiva do pensamento geográfico crítico e das contradições no espaço, revelando os processos

existente por trás das formas.

De tal maneira, que é possível perceber que toda Constituição contemporânea veicula um

projeto de transformação da sociedade, centrado, quase necessariamente, no objetivo de redução da

iniqüidade da distribuição dos bens materiais indispensáveis à existência, digna, dos indivíduos. De

tal maneira, a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, nossa atual

Constituição Federal, traz em seu artigo primeiro:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou

diretamente, nos termos desta constituição. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)

A partir deste primeiro parágrafo é possível perceber diversas esferas da realização do espaço,

e assim, refletir sobre o próprio espaço a partir dos conceitos sugeridos em tal artigo. Ao tomarmos

estas noções propostas dentro do espaço e do tempo, enquanto princípios, diretrizes, consagradas

num documento oficial no território, num mundo globalizado, temos todos os referenciais teóricos

aí para a reflexão, dentro da perspectiva da construção da própria cidadania. Se, a partir da

investigação do espaço, o geógrafo pode se aperceber de diversos aspectos a partir da densidade

inscrita nesse primeiro artigo da Constituição Federal, então o ensino de Geografia nos ensinos

fundamental e médio não pode se esquivar de realizar o mesmo caminho, se a geografia, assim

pretende realizar o seu papel de fato enquanto geografia ativa. Para o ensino de geografia, numa

aula sobre Brasil, mais precioso será uma reflexão que parta da tentativa de compreensão no tempo

destes elementos oferecidos e tomados do espaço, porque não surgem na constituição, mas ali são

apropriados e registrados, do que unicamente o fornecimento de dados numéricos sobre população,

índice de pobreza, entre outros, ora, qualquer professor de geografia que pretenda efetivamente

falar sobre a pobreza jamais poderá se esquivar de tais temas como, cidadania e dignidade humana.

Princípios consagrados a todos no território como elemento fundamental da existência do próprio

Estado, ou não seria o primeiro artigo da Constituição Federal (1988).

Ademais, alguns incisos do artigo, art. 5º da Constituição federal (1988) merecem destaque na

reflexão do espaço, dentro dessa mesma compreensão sugerida, não que outros não possam entrar

nessa lista, praticamente todos deveriam estar aqui, entretanto o foco do geógrafo é o espaço, e o

foco deste trabalho é a construção da cidadania, mínima, a partir da reflexão do espaço que se

realiza tendo como ponto de partida tais instrumentos normativos previstos na estrutura normativa

do espaço, como por exemplo:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)

Se tomarmos no espaço e no tempo os princípios aqui consagrados é possível perceber

diversos processos espaciais, todos relacionados à construção da cidadania. Primeiro: homens e

mulheres são iguais perante a Constituição. Fica claro, que o primeiro inciso do artigo 5º revela

uma luta de classes, no caso de gênero, de busca de emancipação da mulher numa sociedade

altamente machista. Mas é preciso tomar no tempo e no espaço tais princípios, ao geógrafo

enquanto explorador, investigador, do espaço é necessário extrapolar o texto, ir além do que sugere

o simples encadeamento das palavras e buscar na própria história da sociedade, no espaço, a relação

estabelecida. Do inciso II ao VI encontramos referenciais importantíssimos na fundamentação de

uma cidadania, mesmo que mínima. Pode ser ume esforço inalcançável para um professor que

tenha tido uma formação medíocre, por exemplo? Jamais. Freire (1996) deixa claro a supremacia da

construção do conhecimento a partir da reflexão. Mas é necessário, indubitavelmente, uma

transformação radical do material didático no ensino em geografia, evidente. Toda reformulação

que se queira exige a discussão a respeito do material didático: o bote salva-vidas, principalmente

do professor novato, inexperiente. Outros incisos revelam questões importantes também.

(...) XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (Vide Lei nº 9.296, de 1996) XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento; (...) (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)

Nesse bloco ressaltado podemos perceber a lista de diversas formas de se buscar o exercício

da cidadania, desde o conhecimento sobre a liberdade de realização de reuniões ao público, até à

possibilidade formação de entidades associativas na busca de se pleitear os objetos frutos de

necessidades comuns. A simples discussão sobre a concepção da entidade associativa pode ao

geógrafo servir de instrumento para a compreensão do espaço a partir da possibilidade da ação

política do homem. A seguir alguns incisos reveladores de processos de luta o espaço por parte de

movimentos sociais.

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; (...) (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)

O próximo bloco selecionado é revelador também de importantes instrumentos na busca da

construção de uma cidadania, enquanto processo, que se inicia ainda que mínima e se movimenta

no sentido de totalidade, enquanto processo, no espaço, como ferramenta de ação concreta, e no

tempo, ao seu decorrer.

LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; (...) (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)

Os parágrafos seguintes em parte revelam um aspecto da globalização, da necessidade que

os Estados encontram de buscar soluções comuns, para problemas que se apresentam comuns, mas

ainda que encontrem singularidades no local onde se estabelecem, necessitam soluções solidárias,

ou seja, que tem como fator processos que se impõe sobre o globo de forma homogeneizante e

fragmentadora (SANTOS, 2001).

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. § 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)

Muitos outros pontos poderiam ser destacados. Entretanto, o trabalho se perderia entre o

propósito de sugestão enquanto reflexão do espaço a partir destes elementos presentes na estrutura

do espaço e enquanto realização de um projeto concreto nesse sentido. Há uma grande diferença

entre estes dois objetivos, e se segundo é ousado, necessita ainda de muito ainda dessa primeira

etapa, até porque é possível que a análise profunda sobre cada tema possível exija esforço mútuo e

trabalhos diversos sobre a questão. Para que, todavia, se possa compreender melhor a relação da

Constituição Federal (1988), na esfera da estrutura normativa, é necessário algumas considerações a

respeito de como se relaciona esta Carta Máxima com demais ordenamentos jurídicos.

Assim, faz-se importante ressaltar que se os Estados são regidos por Constituições

Estaduais (o Distrito Federal é regido por Lei Orgânica, por agregar tanto características dos

Estados como dos Municípios, que são regidos por Lei orgânica), a União é regida pela

Constituição Federal (1988). É nessa Constituição que se encontram as limitações do que se

caracteriza bens da União, dos Estados e dos Municípios, assim como as diretrizes principais das

Administração Pública, assim define obrigações de cada ente que constitui a República Federativa

do Brasil, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal - a União é a representação

interna da República federativa Brasileira, enquanto Estado é uma figura para as relações externas,

relações internacionais, entre Estados.

Desse modo as leis estaduais devem estar de acordo com as diretrizes previstos na

Constituição, assim como não contrariar nenhuma Lei ordinária, ou complementar, elaborada pelo

Congresso Nacional. De tal forma que, sendo assim, o Congresso Nacional abriga, na democracia

representativa, o poder do povo consolidado através dos seus representantes (MORAES, 2010). É

nesta casa que são votadas as normas que orientam todos os outros processo normativos em todo o

território brasileiro, assim como definição de recursos e orçamentos. Moraes (2010) ensina que o

Brasil é definido pelo regime Bicameral, ou seja, a partir de dois institutos que juntos decidem e

votam as leis, que são as duas casas o Senado Federal e a Câmara dos deputados. Da mesma forma,

a Constituição define as modalidades de iniciativa de lei, que podem ser tanto de uma casa como da

outra, Senado ou Câmara, e ainda podem ser de iniciativa popular, onde se encontram também os

requisitos necessários para consolidação desta. Toda lei tem para ser sancionada deve ser votada e

aprovada por ambas as casas no Congresso, após aprovação nas duas casas respeitado toda a

burocracia em relação aos prazos para sanção de uma lei, esta então é enviada ao Presidente da

República que enfim tem a obrigação de sancionar de lei, ou, não estando de acordo, de vetar a

referida lei.

No Senado cada estado têm direito à três senadores independente do tamanho da população

do Estado, que têm, cada senador mandato de oito anos, sendo eleitos alternativamente, um e dois

senadores a cada eleição. Na câmara dos deputados o número de cadeiras é relativo ao tamanho da

população, acreditando-se assim que deste modo estaria ao mesmo tempo atribuindo medida de

igualdade para cada Estado que teriam direito ao mesmo número de parlamentares no Senado,

enquanto na Câmara dos deputados estaria se privilegiando o número da população, baseado no

entendimento que quanto maior a população, maiores são as necessidades do Estado.

É sobre essa estrutura, somado às Câmaras estaduais, e municipais, onde se encontram,

respectivamente, os deputados estaduais e vereadores, que se assenta o entendimento de realização

da democracia. Ora, na realização da investigação do espaço percebe-se que tal democracia em

grande parte de se baseia, em verdade em uma ilusão de democracia. Não se trata de crer, por

exemplo, que se um candidato vence com cinquenta e um por cento dos votos (51%) contra outro,

que teve quarenta nove por cento dos votos (49%), que a população que não viu seu candidato

vencer na urna, e que viva uma ditadura até as outras eleições. Trata-se de uma reflexão sobre o

processo democrático brasileiro. A ampliação dos direitos civis ao voto, por exemplo, são muito

recentes, atualmente existe um total desconhecimento da população em relação aos seus direitos,

tanto quanto em relação aos próprios processos no espaço oriundos do modo de produção. Parece

haver um caminho de duas mãos, onde representantes eleitos a partir da desinformação e do

dinheiro investido em campanhas eleitorais, façam valer uma educação precarizada com objetivos

ilícitos de se perpetuarem no poder. Todavia, esse movimento tem que ser tomado numa reflexão no

tempo. A democracia é um processo de amadurecimento das instituições e fortalecimento dos

movimentos políticos.

A prática da não-democracia, ou de regimes totalitários se mostra como total desrespeito e

intransigência ao ato de liberdade, tanto de expressão, garantido pela constituição, quanto mesmo

em relação à vida. Parece, então, que a via democrática apresenta possibilidades reais de afirmação

de um debate de projeto nacional. Por que, então, ainda não podemos observar esse processo?

Porque o país, assim como toda a América Latina que compartilha comum história de

desenvolvimento (GALEANO, 1994) ainda tem a coluna vertebral dos processos de construção de

projeto de país entrelaçado com o histórico de colonização, de oligarquias que nunca romperam

completamente com o poder, oligarquias ainda ligadas aos mais arcaicos modelos de exploração,

que na análise do espaço atual, se configuram como verdadeiras rugosidades, pois remetem à outra

parcela do tempo, no processo de aperfeiçoamento de uma democracia de fato. São figuras que

detêm grande poder político e que vão estabelecendo nas novas gerações de parlamentares seus

antigos vínculos.

À medida que a população é ignorante se vence eleições como aplicação de grandes

volumes financeiros nas eleições, capital oriundo dos grandes grupos capitalistas que necessitam

ver seus interesses representados nas casas de representação do povo brasileiro. Este presente

trabalho reconhece, assim, tais contradições, contudo independente disso, enquanto caminho na

aprimoração do processo democrático e enquanto possibilidade de um novo projeto de país ou de

sociedade, que precisa ter a educação como prioridade, acredita que o caminho da realização da

cidadania ainda é o melhor caminho dentro desse processo democrático, que de longe não

representa a democracia, mas um processo democrático.

A partir da compreensão das contradições do espaço e dos princípios previstos nos

documentos oficiais se consolida um caminho para a construção da cidadania. Então, o papel da

geografia não apenas ensinar ou expor aos alunos tais leis, artigos, incisos, mas criar propostas de

reflexão sobre o espaço a partir destas. Perceber o elemento estrutura normativa, que permeia

diversas esferas do viver, enquanto instrumento no processo de formação da cidadania mínima, e

assim, condição da construção de uma possibilidade de cidadania de fato.

Fica evidente neste trabalho que não existem normas ou princípios na Constituição Federal

que possam se apresentar como institutos fundamentais para o exercício da cidadania, unicamente,

ao contrário, evidencia-se que a estrutura normativa serve antes como motivação para a apreensão e

e reflexão do espaço, numa via de construção da cidadania. O mesmo acontece para com os

Estatutos da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso como se verá a seguir. Dessa forma, se

faz importante realizar, então, agora um breve recorte no tempo em relação aos processos de

modificação dos Estatutos da Criança e do Adolescente, e do Estatuto do Idoso. Iniciaremos com o

Estatuto da Criança e do Adolescente (LEI Nº 8.069, 1990).

As fragmentações no espaço são sentidas pelos indivíduos no espaço não de forma abstrata e

conceitual, mas concreta e verdadeiramente. Como problema que se apresenta no território

brasileiro em função da ausência de políticas públicas e preocupação enquanto formação de um

projeto nacional em detrimento dos interesses das grandes multinacionais se traduz na parcela da

sociedade privada das possibilidades numa modalidade de violência mais direta e intensa. Umas das

violências que se apresentam neste quadro é a violência, exploração como força de trabalho,

exploração sexual, contra a criança e o adolescente. Abreu (2007) revela que

pesquisa publicadas pelas ONGs que trabalham com crianças e adolescentes têm mostrado que é

comum encontrarmos crianças sendo violentadas em toda parte do Brasil. O centro de Defesa da

Criança e do Adolescente – CEDECA/EMAÚS/PA, publicou em 2001, que o número de ocorrências

sobre a violência contra a criança e o adolescente aumentou significativamente na última década do

século XX. (ABREU, 2007, 1).

Abreu apresenta como primeiro movimento de iniciativa de sistematizar uma solução para a

problemática da violência contra a criança e o adolescente surge em 1979:

A “Pastoral do Menor” - criada em 1979, por iniciativa do arcebispo da cidade de São Paulo, dom Evaristo Arns, conjuntamente com a República do pequeno Vendedor de Belém do Pará , coordenada pelo padre Bruno Sechi, assim como, o Projeto Nacional de Alternativas e Atendimentos Comunitários a Meninos e Meninas de Rua – foram a as protagonistas na articulação às crianças e mobilização pela criação de uma nova ordem de atendimento às crianças e adolescentes, que privilegiava dois eixos : os preventivos; como Centro Educacionais comunitários e Creches Comunitárias e os curativos, que iniciaram um efetivo trabalho sócio-educacional junto à infância e adolescência nas ruas, com uma nova pedagogia - a Pedagogia Social de Rua. (ABREU, 2007, 1).

Inspirados nessa pedagogia, realiza-se em Brasília em 1986 o Primeiro Encontro Nacional dos

Meninos e Meninas de Rua, cujo objetivo era o de buscar caminhos para a solução do problema das

crianças e adolescentes de rua (ABREU, 2007). Em 1990 nasce o Estatuto da Criança e do

Adolescente, não como contribuição do Estado para o melhor desenvolvimento e solução das

contradições internas, mas como resultado de uma lua empreendida em favor destas crianças e

adolescentes, que traz algumas transformações fundamentais como:

Os órgãos de assistência á infância foram obrigados a rever suas diretrizes, pois tiveram que incorporar a nova política de atendimento , criando os conselhos dos direitos e os conselhos tutelares. Isso provocou modificações das políticas públicas nacionais, que até hoje estão em processo de implantação. Somam-se aos conselhos os Fóruns de defesa dos Direitos da Criança e Adolescente, em nível local, estadual e nacional, que articulam as forças vivas organizadas da sociedade civil, além dos inúmeros Centros da Defesa dos Direitos da Infância, que hoje já se constituem em uma rede em nível nacional e internacional, em que todos apregoam e tentam executar ações tendo como prioridade absoluta à criança. (ABREU, 2007, 1).

Ainda conforme Costa (apud ABREU, 2007, 1) até o surgimento do Estatuto da Criança e do

Adolescente as legislações menoristas latino americanas em geral, onde se inclui a brasileira, eram

baseadas na doutrina da situação irregular. Entretanto, com o Estatuto da Criança e do Adolescente,

“a tendência é a doutrina de proteção integral” (ABREU, 2007, 1). A preocupação revelada por

Abreu, ao geógrafo se abre como perspectivas de análise do espaço. Ao geógrafo cabe pensar

enquanto processo os fatores que levam à necessidade dessa “proteção integral” e em que aspectos

ou categorias se incluem tais processos. A mais do que óbvio que a sociedade brasileira como um

todo não venha a falecer em virtude de fome, ou que não são todos os jovens brasileiros que sejam

vítimas de agressão. Ao geógrafo cabe, então, entender quem é esse grupo, os fatores que envolvem

nessa lamentável percepção, consequência das fragmentações impostas ao espaço.

Alguns dos dispositivos previstos abaixo são reveladores da real relação entre esse aspecto

concreto da realidade e a discussão, busca, a respeito de uma cidadania, mesmo que mínima:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. (LEI Nº 8.069, 1990)

Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às

pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal.

§ 1º A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento, segundo critérios médicos específicos, obedecendo-se aos princípios de regionalização e hierarquização do Sistema.

§ 2º A parturiente será atendida preferencialmente pelo mesmo médico que a acompanhou na fase pré-natal.

§ 3º Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem.

§ 4o Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré

e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal.(Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 5o A assistência referida no § 4

o deste artigo deverá ser também prestada a gestantes ou mães que

manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção.(Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

Art. 9º O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade. (LEI Nº 8.069, 1990)

Fica evidente a partir da leitura destes princípios a dupla falta do poder público,

principalmente quando somamos a leitura do art. 4º ao art. 9º. O poder público falha pois como a

própria crítica de Abreu (2007) irá revelar a seguir, mais de uma década após a implantação de

Estatuto o próprio poder púbico que incube a si mesmo desta tarefa não é capaz de se estruturar em

termos práticos para a solução concreta do problema. Todo cidadão, inclusive algumas instituições,

como o Ministério Público podem exigir caminhos concretos para tal solução, como visto na

constituição é lícito a demanda por parte de qualquer cidadão ao Estado da criação de uma lei para

a plena realização de objetivo considerado em outra lei. E é nesse sentido justamente que se ressalta

a segunda falta do poder público, que se soma ao da própria geografia, da busca de uma educação,

de um ensino capaz de despertar a consciência cidadã, solidária, no aluno, a compreensão do espaço

na totalidade é a percepção de que todos participamos do mesmo espaço, e que a eventual divisão

possibilitadas pelas paredes de um confortável apartamento num luxuoso bairro da cidade não

atenua o fato de dividirem ambos o mesmo espaço, o mesmo palco de violência. O espaço é uma

totalidade, entretanto, muito mais perversa àqueles que estão marginalizados dos processos das

possibilidades, muitas vezes virtuais. Os seguintes artigos deixam claro a relação entre todos os

aspecto ressaltados até aqui e a inclusão que se pode permitir na discussão e na construção da

cidadania na geografia a partir da leitura do espaço que se pode realizar tomando como ponto de

partida estes elementos da estrutura normativa do espaço:

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;

II - opinião e expressão;

III - crença e culto religioso;

IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;

V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;

VI - participar da vida política, na forma da lei;

VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (LEI Nº 8.069, 1990).

Dessa forma, percebe-se, que, os avanços normativos foram alcançados, entretanto, Abreu

ressalta uma contundente crítica (2007, 1) “por falta de investimentos em políticas sociais

consistentes que até agora – após treze anos de promulgação do estatuto da Criança e do

adolescente - a realidade parece não ter mudado muito para as crianças e para os adolescentes

marginalizados do Brasil”. A partir da análise deste Estatuto em relação à práxis do Estado,

evidencia-se o descompromisso efetivo do governo com as questões emergenciais em seu território.

Reafirmam-se novamente a partir da análise da estrutura normativa do espaço suas

contradições, e a íntima aproximação do Estado e o capital, em detrimento das necessidades dos

indivíduos, da lógica do capital em função da racionalidade que tenha o homem como centralidade.

Onde está a novidade possibilitada a partir da análise do elemento da estrutura normativa? Está na

possibilidade de mudança. Porque é compreensível que em parte, treze anos de um estatuto que não

consegue atingir seus objetivos é devido à própria desinformação da sociedade em relação aos

próprios direitos. À medida que se torna um conhecimento, de fato, à sociedade, o Estatuto em

questão toma outra forma, e nesse sentido não seria demais, então, afirmar que o Estatuto pode ser

considerado um fluxo (SANTOS, 2001), à medida que os próprios indivíduos se constituem como

fixos (SANTOS, 2001) nessa relação. Fixos solidariamente relacionados que podem permitir a

intensificação desse fluxo. Então a geografia, e o ensino de geografia, pode tomar a reflexão do

espaço a partir dessas informações, as diretrizes previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente e

transformá-la verdadeiramente em conhecimento, reconhecendo a diferença entre informação e

conhecimento (FREIRE, 1996).

De modo comum é o que também ocorre com o Estatuto do Idoso. Este que surge após seis

anos de tramitação no Congresso, no dia 1º de Outubro de 2003, considerado, então o dia nacional

do Idoso. O Estatuto bem recebido como conquista e resultado de luta, todavia, não alcança todos

os aspectos que eram necessários à sua criação. Almeida (2010), assim ensina sobre o referido

tema:

Recebido com festa porém com os pés no chão pelas entidades de classe dos idosos, que através desta produção legislativa demonstraram que também tem poder político e lobby suficiente para aprovar uma lei, aguardam a aplicabilidade da lei e sua repercussão. Já no nascedouro legislativo gerou inúmeras discussões, porém estas foram superadas após longo trâmite legislativo, como se a matéria não fosse de urgência. Vivemos num país onde o idoso não é respeitado, sendo tratado como cidadão de segunda espécie, ficando marginalizado e flagrantemente desrespeitado em razão do seu declínio de vigor físico, próprio da idade. O tratamento degradante não parte apenas da sociedade, mas do próprio Estado, que discute formas de faze-lo contribuir mesmo aposentado para a Previdência Social, que lhe impõe aposentadoria ínfima, que lhe presta um serviço de saúde precário e que não se preocupa em adotar políticas públicas que os beneficie. Diante de todos esses maus-tratos surge o paliativo, o Estatuto do Idoso, justamente quando a urgência em reduzir o déficit da previdência propõe reduções nos benefícios, já minúsculos para a maioria da população em geral. (ALMEIDA, 2010, 1).

A crítica oferecida pela professora ao Estatuto nos revela muito além de uma única crítica

jurídico-normativa, mas perpassa a percepção de vários aspectos referentes ao espaço, que

evidentemente dizem respeito às lógicas dos modos de produção e dos processos totalitários

(SANTOS, 2001) no espaço, mas que, entretanto, se revelam a partir de uma problemática social

traduzida na demanda de parcela da sociedade, porém que efetivamente, todos nós vamos pertencer,

pois se trata de um dos estágios da vida, que enquanto indivíduos inseridos no espaço necessitamos

refletir ao nos propormos à uma geografia da totalidade, não da fragmentação, da dinâmica da

própria vida e não da estatização, como faziam os geógrafos tradicionais. O Estatuto do Idoso (LEI

No 10.741, 2003) traz algumas questões que devem nesse momento ser ressaltadas:

Art. 1o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com

idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da

proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso,

com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura,

ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população;

II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas;

III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso;

IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações;

V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência;

VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos;

VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento;

VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais.

IX – prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda. (Incluído pela Lei nº 11.765, de 2008).

Art. 4o Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.

§ 1o É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.

§ 2o As obrigações previstas nesta Lei não excluem da prevenção outras decorrentes dos princípios

por ela adotados.

Art. 5o A inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade à pessoa física ou

jurídica nos termos da lei.

Art. 6o Todo cidadão tem o dever de comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação a

esta Lei que tenha testemunhado ou de que tenha conhecimento. (LEI No 10.741, 2003)

O problema que se ressalta aqui se faz repercutir a partir da crítica de Almeida (2010, 1)

que ressalta, “diante de todos esses maus-tratos surge o paliativo, o Estatuto do Idoso”, raciocínio

que nos leva a perceber que a realidade é de fato muito mais violenta com o idoso. Assim Almeida

(2010, 1), faz compreender a partir do seguimento do seu raciocínio, “o tratamento degradante não

parte apenas da sociedade, mas do próprio Estado”. Ou seja, em verdade o grupo de idosos está

sujeito ao tratamento degradante, flagrante em cenas que podem ser presenciadas nas centralidades

urbanas, como o abandono de idosos. Não é raro encontrar pessoas que já ofereceram todo o seu

potencial de trabalho ao modo de produção, e agora que não possuem mais valor para o modelo não

encontram condições de realizar o que resta de suas vidas de modo minimamente em dignidade.

Este é um grupo que efetivamente necessita de tratamento especial, o que não se resume a evitar

alguma longa fila em determinado lugar, mas que demanda todo um conjunto de fatores,

intimamente ligados à saúde, físico e mental, que ordinariamente em dado momento da vida todos

hão de enfrentar. Ao geógrafo, então é válido constatar, a partir da análise desse grupo específico

percebe-se que as fragmentações tomam aspecto mais intenso, e porque não dizer, por isso mesmo,

mais doloroso. Nenhuma destas questões, que podem ser consideradas gerais, não aparecem

minimamente neste projeto. Qual é o papel da geografia e do ensino de geografia nesse sentido? Se

a resposta estiver dentro da perspectiva da construção da cidadania, parece perfeito compreender

que é papel do ensino de geografia refletir o espaço a partir destes referenciais, que possibilitam a

via de construção de cidadania, assim como sugerem os artigos seguintes à reflexão:

Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.

§ 1o O direito à liberdade compreende, entre outros, os seguintes aspectos:

I – faculdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;

II – opinião e expressão;

III – crença e culto religioso;

IV – prática de esportes e de diversões;

V – participação na vida familiar e comunitária;

VI – participação na vida política, na forma da lei;

VII – faculdade de buscar refúgio, auxílio e orientação.

§ 2o O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral,

abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.

§ 3o É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento

desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (LEI No 10.741, 2003).

A partir da reflexão possibilitada pelo presente trabalho, evidencia-se o elemento da

estrutura normativa do espaço - trazidas em parte neste trabalho, a partir da Constituição Federal e

Estatutos, da Criança e do Adolescente e do Estatuto do Idoso, entendidos como essenciais no

projeto que se pretende enquanto uma geografia, e um ensino de geografia, que possibilite

instrumento para a realização da cidadania, mesmo que mínima - e como elemento fundamental no

exercício, e construção das vias da cidadania num processo democrático, assim, que se aprofunde o

entendimento de que a reflexão do espaço a partir das suas categorias de análise do espaço se fazem

urgentes no ensino de geografia nos ensinos fundamental e médio, e que uma forma que se mostra

como caminho de cidadania, altamente eficaz, é da discussão e reflexão do espaço a partir do

conhecimento da estrutura normativa do espaço, para o qual se mostram em relevante conteúdo

para a realização da discussão e investigação do espaço, esse aspecto, da estrutura normativa que se

revela a partir da Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente, e Estatuto do Idoso.

Parte 2: Educação e ensino da geografia na formação da cidadania

Este trabalho traz uma breve abordagem de caráter inicial e geral sobre a estrutura

normativa enquanto elemento importante para compreensão do espaço, e como elemento

fundamental no ensino como possibilidade de autonomia do aluno enquanto cidadão, e como

promotora de possibilidade de mudança. Parte de uma percepção da necessidade de discussão sobre

o ensino de geografia nas salas de aula nos ensino médio e fundamental.

Não tem o propósito de exaurir as complexas questões relativas à importante problemática

do ensino da geografia nas salas de aula nos ensinos fundamental e médio. Ao contrário, o presente

trabalho sabedor das diversas realidades vividas em sala de aula no Brasil, que traduzem os

processos de fragmentação do espaço (SANTOS, 2006) tem como objetivo unicamente propor uma

possibilidade metodológica de fazer chegar em parte, crê-se, uma parcela do aspecto essencial do

que se propõe a geografia enquanto disciplina que se propõe desvendar o espaço e capacitar o aluno

à uma compreensão crítica do espaço, e como cidadão.

Entende-se que é necessário retirar unicamente do professor, muitas vezes em condições

precárias de trabalho, onde inclui-se péssimos salários, o dever ou a tarefa de conseguir a partir da

reflexão sobre o mundo e o espaço proporcionar ao aluo a leitura crítica do mundo que o cerca.

Evidente, que tal tarefa sempre há de ser realizada a partir da sensibilidade do professor que se

propõe estar em sala de aula, contudo, este trabalho pretende discutir novas possibilidades de

ampliação dos olhares e horizontes no ensino da geografia, assim aproximando o máximo o ensino

da geografia nos ensinos fundamental e médio do seu papel como formador de pensadores,

cidadãos, seres humanos completos, no seu mais amplo sentido. Todavia, o presente trabalho

sabedor das diversas realidades vividas em sala de aula no Brasil, que traduzem os processos de

fragmentação do espaço (SANTOS, 2006) tem como objetivo unicamente propor uma possibilidade

metodológica de fazer chegar em parte, crê-se, uma parcela do aspecto essencial do que se propõe a

geografia enquanto disciplina que se propõe desvendar o espaço e capacitar o aluno à uma

compreensão crítica do espaço, e como cidadão.

O pensamento geográfico, o ensino de geografia ao se lançar à investigação do espaço

permite uma compreensão das contradições dos seus processos. Assim, a ciência geográfica se

apresenta como ferramenta importante na formação de um olhar crítico sobre o mundo

possibilitando ser descortinada pseudoconcreticidade (KOSIK, 1976) materializada a partir da

apreensão do mundo na realização do cotidiano. Isso porque as formas existentes nas paisagens

camuflam as contradições dos processos.

Seguindo a proposição deste presente trabalho na sua condição de buscar propor caminhos e

ferramentas para a aproximação do ensino de geografia nos Ensinos Fundamental e Médio da

geografia crítica, amplamente debatida nas universidades, que este trabalho entende a importância

da compreensão do espaço a partir da sua estrutura normativa, e do ensino de parcela relevante

dessa estrutura nos Ensinos Fundamental e Médio - inclusive como instrumento de emancipação de

cidadania à medida que ao aluno, a partir de então, será oferecido possibilidade de refletir o espaço

a partir dos instrumentos normativos que garantem e preservam seus direitos de cidadão, previstos

na estrutura normativa do espaço. Concordando com Cassab (2009, 49) que “o objetivo da escola

não é formas mini-geógrafos”, mas permitir minimamente que o aluno construa uma percepção

crítica do mundo que cerca, em cujo sentido maior está o da percepção da necessidade da criação da

via da realização da cidadania a partir do ensino, enquanto possibilidade de realização de um novo

projeto de sociedade.

O entendimento do porquê desta temática deve ser tomada dentro do pensamento geográfico

se origina na seguinte observação compartilhada por Straforini (2008) de que:

O ensino de Geografia no Ensino Fundamental e Médio há muito tem deixado a desejar. Esta é uma questão crucial e contraditória para a disciplina geográfica, pois é no período atual, com a globalização, como aponta Oliveira (1998), que ela vem sendo chamada cada vez mais para explicar o mundo. (STRAFORINI, 2008, 47)

A educação, de modo geral, foi por muito tempo, e ainda é, uma reprodutora da ordem

social, intensificando a divisão do trabalho, de classes, e das fragmentações sociais, exatamente por

estar ela também inserida no modo de produção que delineia as principais forças de ações e

processos no espaço. Assim exemplifica Mészáros em A Educação para Além do Capital (2008) :

Vivemos sob condições de uma desumanizante alienação e de uma subversão fetichista do real estado de coisas dentro da consciência (muitas vezes também caracterizada como “reificação”) porque o capital não pode exercer suas funções sociais metabólicas de ampla reprodução de nenhum outro modo. Mudar essas condições exige uma intervenção consciente em todos os domínios e em todos os níveis da nossa existência individual e social. É por isso que, segundo Marx, os seres humanos devem mudar “completamente as condições da sua existência industrial e política e, consequentemente, toda a sua maneira de ser” (MÉSZÁROS, 2008, 59)

É importante, então realizar essa crítica que toca nos pressupostos do pensamento geográfico

e se traduz no ensino da geografia em sala de aula. Uma geografia que não sirva a reproduzir a

lógica do capital, mas promova a transformação do indivíduo em “toda a sua maneira de ser”

(MARX, apud MÉSZÁROS, 2008, 59).

Desse modo, como elucida Straforini, a geografia tem papel crucial como ferramenta para

desmitificação do mundo, como possibilidade de observação dos processos além dos discursos

ideológicos repetidos reiteradamente que servem como condições ao exercício de fabulações, como

indaga Santos (2001):

se, no lugar do fim da ideologia proclamado pelos que sustentam a bondade dos presentes processos de globalização, não estaríamos, de fato, diante da presença de uma ideologização maciça, segundo a qual a realização do mundo atual exige como condição essencial o exercício de fabulações. (SANTOS, 2001, 19).

A investigação do espaço a partir das categorias de análise proporciona a análise crítica da

totalidade, e assim a percepção dos processos no espaço em suas contradições, ou seja, capacitando

o pensamento crítico, revelando ao aluno, a partir da investigação do espaço e seus processos, o

mundo onde o indivíduo encontra as condições de sua realização e do seu cotidiano. Então a

geografia enquanto ensino, nos ensinos fundamentais e médio não pode se esgueirar dos próprios

fundamentos da geografia. Se a geografia em sala de aula ainda se prende demasiadamente aos

pressupostos da geografia tradicional, a própria ciência geográfica deve buscar o caminho para

intensificar a ponte entre a geografia enquanto ciência e enquanto ensino, aproximando-as,

realizando-se verdadeiramente como ciência ativa, como geografia de transformação.

Mesmo que sejam unidades distintas, a geografia que se realiza enquanto ciência e enquanto

ensino ainda sim, devem partir de pressupostos teóricos metodológicos comuns ou afins, que os

caracterizam enquanto geografia, enquanto parcelas que constituem uma unidade. Pois se a

geografia crítica se aproxima da própria realidade, a partir do método de investigação critica do

espaço, a geografia que não seja assim, se afasta da realidade; como bem se realizou a crítica sobre

a geografia positivista, que de fato, evidenciou que a partir da análise estática, a geografia

tradicional, tanto quanto a geografia teorética longe estavam da realidade em si. Ainda adverte

Straforini (2008):

Não podemos mais negar a realidade ao aluno. A geografia, necessariamente, deve proporcionar a construção de conceitos que possibilitem ao aluno compreender o seu presente e pensar o futuro com responsabilidade, ou ainda, preocupar-se com o futuro através do inconformismo com o presente. Mas esse presente não pode ser visto como algo pardo, estático, mas sim em constante movimento. (STRAFORINI, 2008, 51).

Deste modo, o presente não pode ser tomado como uma fotografia estática, um conjunto de

formas. Qualquer tentativa de compreender a realidade a partir daí apenas levará a conclusões

completamente vazias de fundamento e de percepção histórica, assim, de tempo - relação

fundamental do espaço. É a partir também desse entendimento que se desenvolve a compreensão

deste trabalho. Ou seja, estudar a constituição, as leis, os estatutos onde se encontram o

ordenamento jurídico é de suma importância e muitas escolas já trazem matérias em cujo conteúdo

se encontra tais registros normativos. Entretanto, uma compreensão crítica da estrutura normativa

que busque investigar os processos em detrimento da forma, no espaço, é de responsabilidade da

geografia e do pensamento geográfico crítico. Nesse sentido Freire evidencia que ao ensinar o

professor deve:

Estimular a pergunta, a reflexão crítica a própria pergunta, o que se pretende com esta ou com aquela pergunta, em lugar da passividade em face das explicações discursivas do professor, espécies de respostas e perguntas que não foram feitas (FREIRE, 1996).

Pois, como também ressalta Freire (1996), o ato de ensinar deve buscar ser pautado na

realidade do aluno, realidade que o cerca, que tem influência direta sobre sua vida, mas que muitas

vezes o aluno ainda não é capaz de perceber, pois lhe faltam os instrumentos teóricos para tal. Partir

do elemento da estrutura normativa do espaço é buscar na realidade as relações que perpassam a

vida do aluno em várias esferas, as condições que o permitem se perceber enquanto cidadãos em

diversos aspectos, dentro desse diálogo proposto por Freire (1996). Dessa maneira, não se trata de

incluir novo conteúdo ao ensino da geografia, tampouco novos elementos de análise, já que o

homem e as relações sociais sempre servirão como instrumentos de análise, mas de perceber que a

análise a partir da estrutura normativa não somente possibilita uma percepção mais completa para o

aluno sobre o espaço e o mundo que o cerca, como serve como instrumento a uma preocupação

maior que deve orientar toda a discussão teórica, metodológica na educação, o próprio sentido da

educação, o sentido do ensino, admite-se nesse trabalho, o sentido da formação da cidadania, e

desta por sua vez como possibilidade de solidariedade orgânica.

Não realizar esse passo em relação ao desafio de investigar o espaço em sala de aula é

subestimar o aluno e condenar o ensino à tarefa banal da mera publicização e informações de

caráter quase jornalístico, retirando do ensino da geografia senão a essência, ao menos qualquer

interesse que possa partir do aluno em relação a essa matéria, que deveria estar cumprindo

fundamental papel no ensino e na formação da cidadania. Como afirma Cassab:

Apesar dos inúmeros avanços, uma visão ainda hegemônica envolve uma compreensão da geografia por parte dos alunos como uma disciplina inútil que transmite informações jornalísticas. Por isso é comum que os alunos não compreendam para que se estudar geografia. Bastaria ler o jornal. O exercício da memorização é ainda um elemento presente no ensino dessa disciplina nas salas das escolas mesmo quando, como visto, o conteúdo se altera. (CASSAB, 2009, 49).

O conteúdo de ensino de geografia deve ser o espaço, já que é o objeto dessa ciência. Desse

modo, não se trata de discutir a possibilidade de adição de conteúdos ao ensino, mas de delinear

uma análise e um ensino, em sala de aula, do espaço em relação aos elementos próprios e

característico da investigação geográfica, tendo como linha condutora o elemento da estrutura

normativa do espaço. Como ensina Santos (2002):

Categorias fundamentais como o homem, a natureza, as relações sociais estarão sempre presentes como instrumentos de análise, embora a cada período histórico o seu conteúdo mude. É por isso que o passado não pode servir como mestre do presente, e toda tarefa pioneira exige do seu autor um esforço enorme para perder a memória, porque o novo é o ainda não feito ou ainda codificado. O novo é, de certa forma, o desconhecido e só pode ser conceitualizado com imaginação e não com certezas. (SANTOS, 2002, 25).

A geografia, pois, é a ciência da crítica. A ciência que evidencia os processos a partir de forças

centrais, tais qual o modo de produção capitalista, capaz de gerar racionalidades. A geografia não só

busca compreender a realidade concreta a partir da análise e reflexão crítica a partir dos processos

no espaço, como tem o dever de enquanto ensino possibilitar ao aluno condições de criar o próprio

caminho para a realização de suas reflexões. Pois isso é o papel da educação, o papel da geografia,

enquanto educação. Ao contrário de apontar formas e modelos, enquanto conjunto de formas, deve

possibilitar o aluno a construção do pensamento crítico cujo olhar repousa sobre os processos.

Como ensina Freire sobre o processo de ensinar:

A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se, tornando-se então, permito-me repetir, curiosidade epistemológica, metodicamente “rigorizando-se” na sua aproximação ao objeto, conota seus achados de maior exatidão. (FREIRE, 1996, 31).

Ora, não é papel da geografia ensinar como se chega ao pensamento crítico, mas oferecer as

condições, os instrumentos, enquanto categorias de análise necessárias à formação do pensamento

crítico. Assim, também para que se faça completar a crítica, evidenciar a partir do espaço os meios

pelos quais os indivíduos podem agir num sentido de construção da cidadania, de um novo modo de

perceber e produzir o espaço. O ensino da geografia deve ser logicamente, então, o ensino da

transformação. Tal se trata o que comumente se denomina de papel ativo da geografia, sem o qual

não haveria o menor sentido sequer, o estudo da geografia. Como afirma Santos (2006):

Através do entendimento desse conteúdo geográfico do cotidiano poderemos, talvez, contribuir para o necessário entendimento (e, talvez teorização) dessa relação entre espaço e movimentos sociais, enxergando na materialidade, esse comportamento imprescindível do espaço geográfico, que é, ao mesmo tempo, uma condição para a ação; uma estrutura de controle, um limite à ação; um convite à ação. (SANTOS, 2006, 321).

A geografia, na sua investigação do espaço, como sugerido por Santos (2002, 263), “o novo

saber dos espaços deve ter a tarefa essencial de denunciar todas as mistificações que as ciências do

espaço puderam criar e difundir” deve possibilitar a formação crítica do indivíduo, assim, ser uma

ferramenta para a realização da cidadania plena, que não há como ser atingida sem o conhecimento

dos instrumentos normativos previstos, principalmente, na Constituição Federal, mas também em

outros institutos jurídicos, como os Estatutos. Santana (2009) ratifica esse pensamento a partir do

seu entendimento sobre cidadania:

Ser cidadão é ter consciência de que é sujeito de direitos. Direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade, enfim, direitos civis, políticos e sociais. Mas este é um dos lados da moeda. Cidadania pressupõe também deveres. O cidadão tem de ser cônscio das suas responsabilidades enquanto parte integrante de um grande e complexo organismo que é a coletividade, a nação, o Estado, para cujo bom funcionamento todos têm de dar sua parcela de contribuição. Somente assim se chega ao objetivo final, coletivo: a justiça em seu sentido mais amplo, ou seja, o bem comum. (SANTANA, 2009, 1)

Uma consciência crítica sobre mundo necessita da consciência sobre os processos que

orientam as ações do indivíduo, do homem, no mundo, compreendendo os processos que levaram à

materialização de tais normas e ainda, da investigação de tais processos a partir das normas que

permeiam e orientam as ações no espaço. Concordando com Santos (2002) que:

Desmistificar o homem e o espaço é arrancar da natureza os símbolos que escondem sua verdade, quer dizer “tornar significativa a Natureza e tornar naturais os símbolos” (Gillo Dorfles, jan. 1972), é revalorizar o trabalho e revalorizar o próprio homem para que ele não seja mais tratado como valor de troca. Temos, diante de nós, um problema de conhecimento e um problema moral. (SANTOS, 2002, 266)

Tais institutos normativos, a estrutura normativa do espaço são modificados através do

tempo e trazem uma carga do tempo em si, e também dos processos no espaço, dos institutos

normativos que determinam ou garantem possibilidades de ações ao homem, este que possibilita a

existência do espaço e o modifica, a partir das técnicas e da necessidade de se organizar, política,

econômica, e culturalmente no território, e que o pode fazer a partir de uma consciência crítica, do

ensino de geografia. Tal percepção, todavia, não pode se restringir à geografia enquanto ciência,

mas deve transpor à geografia enquanto ensino. Assim a geografia não pode ser apenas ciência que

é capaz de desmistificar o mundo, mas ensino que possibilite ao aluno condições de tal. Não pode

ser atributo unicamente do geógrafo a percepção crítica sobre os processos, mas principalmente

deve ser uma ferramenta intelectual ao qual o ensino de geografia deve lançar mão. Uma geografia

que se pretende “denunciar as mistificações” (2002, 263) criadas sobre o espaço deve fazê-la não

somente ao investigador, mas principalmente à sociedade. Nesse sentido, enquanto ensino, então é

compreensível de que seja dever da geografia fazê-lo, e que está nesse processo o próprio sentido de

se fazer geografia, de se fazer ensino de geografia.

Pois se o espaço, além de condição, é um fator da evolução social (SANTOS, 2008), é uma

instância da sociedade, que contém e está contida nas demais instâncias da sociedade (SANTOS,

2008), a educação também é uma instância da sociedade, modificar o modo de realizar o ensino é

alterar as condições para realização do espaço, conceber concretamente o espaço como fator de

evolução. Assim nos ensina Santos (2008):

o espaço não pode ser apenas formado pelas coisas, os objetos geográficos, naturais e artificiais, cujo conjunto nos dá a Natureza.. O espaço é tudo isso, mais a sociedade: cada fração da natureza abriga uma fração da sociedade atual. Assim, temos, paralelamente, de um lado um conjunto de objetos geográficos distribuídos sobre um território, sua configuração geográfica ou sua configuração espacial e a maneira como esses objetos se dão aos nossos olhos, na sua continuidade visível, isto é, a paisagem; de outro lado o que dá vida à esses objetos, seu princípio ativo, isto é, todos os processos sociais representativos de uma sociedade em um dado momento. (SANTOS, 2008, 12)

O espaço, então, se “apresenta aos olhos” (SANTOS, 2008) a partir da articulação dos

objetos na continuidade do visível; e à medida que o indivíduo se encontra desprovido dos

instrumentos teóricos que o possibilitem uma reflexão a respeito dos processos no espaço ele não

percebe na totalidade o mundo à sua volta, e assim também não se percebe como um agente

histórico e cultural no espaço. O ensino enquanto reprodutor de informações, como se apresenta a

geografia positivista é apenas um fixo por onde se dão os fluxos, mas se o ensino se pretende como

construção de um conhecimento crítico, então o ensino pode ser tomado com fluxo, como resultado

de um processo que reside nas dinâmicas dos movimentos sociais, e assim também, na dinâmica

das discussões epistemológicas da geografia, da transformação da própria geografia.

Todavia a educação é, até certo ponto atrelada à macro estrutura, assim traz estreita relação

com o discurso hegemônico construído em torno dos princípios e pressupostos capitalistas,

tendendo assim, unicamente, a reproduzir, e intensificar, sem consciência as fragmentações no

espaço, que se dão a partir da divisão do trabalho no modelo de produção capitalista e também da

percepção dos indivíduos sobre as inter-relações sociais.

Entretanto, a educação, como já foi analisado, é um movimento que reflete o embate político,

e a busca por uma educação de qualidade. Assim é que a partir da geografia pode nascer o

movimento como proposta de uma geografia transformadora, capaz de capacitar a cidadania - a

partir dessa perspectiva, o ensino de geografia é o caminho mais efetivo para a construção dessa

transformação. Observando, todavia, a reflexão de Freire sobre o novo:

É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como critério de recusa ao velho não é apenas cronológico. O velho que preserva sua validade ou que encarna uma tradição ou marca uma presença no tempo continua novo.(FREIRE, 1996, 35).

A cidadania se configura como o exercício de um conjunto de direitos que estão preservados

dentro de uma estrutura normativa, que em tese, deve guiar as condutas tanto dos indivíduos,

quanto do estado. Tais direitos ou garantias variam de território para território. A noção de

cidadania capacita ao indivíduo uma compreensão da totalidade das inter-relações por tanto. A

Constituição Federal da República Federativa do Brasil é a carta normativa máxima, à qual todos os

ordenamentos jurídicos devem se submeter respeitando os seus princípios, limites e objetivo, tanto

como os Estatutos da Criança e do Adolescente e Estatuto do Idoso se apresentam como

ferramentas importantes nesse processo de um caminho na cidadania, enquanto possibilidade de

reflexão sobre o espaço e sobre a própria cidadania, condição para o estabelecimento de um

movimento de solidariedade. É pressuposto imprescindível para a caracterização de qualquer

cidadão o conhecimento dos princípios que o definem enquanto cidadão.

Os caminhos para a cidadania e as possibilidades de exercê-la existentes na Constituição

Federal, e Estatutos, como foi visto, são resultados do processo histórico, assim, passível de análise

temporal dos diversos processos políticos institucionais no território brasileiro e suas inter-relações

com processos globais a partir da reflexão sobre a materialização das diversas Constituições ao

longo do tempo. A Constituição Federal atual é, de tal modo, um produto histórico onde o geógrafo

a partir dos seus conhecimentos e de uma reflexão crítica pode refletir aspectos sobre o espaço

geográfico. Apropriar-se destes documentos para o ensino da geografia é possibilitar discutir o

espaço a partir de todas estas inter-relações, o ensino de geografia não pode se frustrar dessa

possibilidade.

O papel do ensino, assim, não é simplesmente mostrar a legislação, ensinar os artigos da lei

que garantem sua cidadania, mas de entender os códigos normativos a partir das categorias

propostas de análise do espaço, ou seja, de: investigar o espaço a partir do seu aspecto

normativo. As estruturas normativas que se revelam através das formas (institutos jurídicos),

guardam em si os processos no tempo, e assim, pode-se identificar uma infinidade de rugosidades e

fragmentações nos próprios institutos jurídicos, apreendendo-os em maior profundidade quando

tomamos as normas e a prática das normas na sociedade. O ensino em geografia deve se propor a

esse desafio, pois como ensina Freire:

educação é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento. Dialética e contraditória, não poderia ser a educação só uma ou só outra dessas coisas. Nem apenas reprodutora nem apenas desmascaradora da ideologia dominante. (FREIRE, 1996, 99)

Estas são, indubitavelmente, as duas vias da educação. A primeira via se consolida a partir da

macro-estrutura, que incentiva o movimento do ensino em função dos interesses do capital. O

segundo movimento parte da gênese do sentido da educação, do ensino, da autonomia que significa

aprender. É papel do ensino então buscar aproximar-se de sua essência a partir do momento que se

propõe objetivamente como condição de transformação. Se a geografia pode refletir o espaço em

sala de aula a partir das Constituição e Estatutos, deve fazê-lo. Nos seus dois primeiros Capítulos, a

Constituição Federal revela de modo denso, e assim altamente frutífera à discussão sobre cidadania

em sala de aula, princípios por onde se consolida de ser cidadão. Assim a Constituição Federal

(1988), traz no seu primeiro artigo:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).

Enquanto ensino de geografia, este artigo deve proporcionar uma nova perspectiva à medida,

por exemplo, quando se deseja falar sobre Brasil, o país - suas particularidades, generalidades,

enquanto Estado que tem numa Carta, num documento oficialmente registrado, princípios,

diretrizes, que servem aos cidadãos - no momento que se pretende realizar uma reflexão sobre o

Brasil enquanto território, identificando e refletindo sobre conceitos aí presentes, como já abordado

na primeira parte desse capítulo.

No ensino de geografia quando se pretende analisar os recursos hídricos, não se pode ignorar

a legislação que existe em torno da utilização dos rios. A distância mínima do rio que deve ser

respeitada na hora de realizar o cultivo, da área que deve ser preservada para a própria preservação

do rio para as gerações futuras. A relação entre a importância de um ambiente saudável, previsto na

constituição e a cidadania. Todas as questões relativas ao espaço, permeados pela estrutura

normativa, têm que ser objeto de reflexão enquanto produto histórico passível de mudança.

Ainda no primeiro Capítulo, no Título II, a Constituição reserva importantes princípios por

onde se realiza o instituto da cidadania, ressalta-se o caput do artigo 5º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)

Esta diretriz aponta importantes elementos na investigação do espaço no que tange à

percepção das suas contradições, por exemplo - liberdade e propriedade. Ou a reflexão sobre o que

é o direito à vida. Todas são questões extremamente relevantes para a reflexão do espaço. Ainda, a

partir do enunciado nesta Lei maior, o cidadão poder-se-ia exigir determinadas diretrizes do poder

público, que em si trazem a necessidade da organização política da sociedade. Mas esse processo

depende, em primeiro lugar, da concepção do indivíduo sobre si mesmo enquanto ser político -

primeiro passo para alcançar a cidadania desejada.

Se observarmos, contudo, um Estado que se preocupa, unicamente, em criar cada vez mais

condições ao capital, intensificando as injustiças, as fragmentações e as desigualdades, então tal

Carta não representa de fato a realidade, e a partir daí pode-se abrir no ensino um espaço para a

criação da crítica sobre a realidade concreta, assim como se identificam a partir da Constituição e

Estatutos, as possibilidades de ação consciente que capacitem mudança, dentro de um processo

democrático, que é um processo lento em seu aprimoramento, mas que exige o esforço contínuo

deste processo. A educação é de fato a chave crucial para o desenvolvimento desse aprimoramento,

o ensino de geografia também guarda, como demonstra a atual argumentação, papel fundamental

nessa transformação. Evidente que para alcançar esse objetivo proposto a própria concepção sobre a

geografia enquanto ensino precisa ser modificada. Enquanto caminho para a realização da cidadania

a partir do ensino, este trabalho de fato, propõe alterações profundas na própria percepção da

realização da geografia enquanto ensino, como argumenta Freire:

o educador que, ensinando geografia “castra” a curiosidade do educando em nome da eficácia da memorização mecânica do ensino dos conteúdos, tolhe a liberdade do educando, a sua capacidade de aventurar-se. Não forma, domestica. (FREIRE, 1996, 56).

Por exemplo, o rol de incisos elencados no art. 5º da Constituição Federal (1988) revelam uma

série de direitos aos quais todos os cidadãos deveriam ter acesso, mas que se tornam letra morta de

uma lei, à medida que seus destinatários não a conhecem, ou seja, os cidadãos. Apresentar tais leis

aos alunos de forma fragmentada, pode ser considerada uma tarefa importante, mas também,

tanto quanto inócua. Entretanto, apropriar-se de tais dentro de uma perspectiva crítica em relação

aos processos no espaço é possibilitar condição de promoção de uma nova etapa na crítica sobre os

processos; ou seja, à medida que os processos se apresentam de forma contraditória e perversa aos

indivíduos (SANTOS, 2001) também é necessário mostrar os caminhos e as possibilidades de ação,

e mudança destes processos. Nos capítulos seguintes a Constituição (1988) ainda traz os seguintes

pressupostos:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)

Os conceitos apresentados neste artigo, na sua forma, revelam caráter positivo inquestionável,

pois trata de elementos considerados, e concordados, fundamentais ao homem, todavia, dentro da

crítica possibilitada pelo pensamento geográfico, os conceitos de saúde, trabalho, lazer,

alimentação, são rediscutidos, revistos dentro da análise dos processos, e fora da lógica do capital.

Mas quais são os processos por trás da seleção destes princípios enquanto direitos sociais. O

definiram direitos sociais, o que pode ser definido enquanto segurança e quais aspectos podem ser

revelados a partir das discrepantes diferenças entre a moradia dos milionários e dos despossuídos?

A resposta a tais questões levam diretamente a questões cruciais para o pensamento geográfico, e

mais ainda por serem selecionadas como definição de direitos sociais, ainda como dever que o

Estado se obriga em relação aos próprios cidadãos. Por que então tais dispositivos não podem ser

tomados no ensino de geografia nos ensino fundamental e médio? Por acaso os alunos destes

ensinos são desprovidos de capacidade filosófica. Evidentemente que não, inclusive é justamente

no caminho do reconhecimento e aproveitamento prévio dos conhecimentos e habilidades do aluno

que ensina Freire:

Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os da classe populares, chegam a ela saberes socialmente construídos na prática comunitária - mas também, como há mais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. (FREIRE, 1996, 30).

Assim, à medida que se promove possibilidades de reflexão de elementos importantes

pertinentes ao espaço enquanto condição de realização do homem e palco das ações humanas, o

aluno toma conhecimento dos seus direitos constitucionalmente garantidos o leque dos dispositivos

constitucionais. Se o espaço se apresenta como lócus de ação dos indivíduos ainda é importante que

esse compreenda o seu papel de cidadão ativo. E dentro desse trajeto teórico, solidificando ao

aluno/cidadão, possibilidades do aprofundamento da reflexão sobre espaço geográfico. Ora, dentro

do território onde o indivíduo se encontra ele é dotado de soberania, esta que garantido à ele a partir

da própria Carta que materializa a partir de um documento o próprio sentido de existência do país.

Como revela o seguinte artigo:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)

O aluno deve então conhecer quais sãos as modalidades e procedimentos de realização da

“iniciativa popular”. A reflexão a partir de tais pressupostos em si já revela condição da

possibilidade da realização da cidadania, mas a efetivação da materialização, por exemplo da

criação de uma lei de iniciativa popular que tenha início a partir da discussão sobre o espaço no

ensino de geografia, tem caráter motivador para o aluno enquanto consciência do que é ser cidadão.

Se não a cidadania plena como se almeja, ao menos a cidadania mínima que sequer existe.

A partir da análise mais profunda da estrutura normativa no espaço que se inicia no estudo da

Constituição Federal, e também nos Estatuto da Criança e do Adolescente, e Estatuto do Idoso,

permite-se uma nova possibilidade de crítica e de reflexão a partir da geografia, de formulação de

um pensamento geográfico que não somente revela o mundo em suas contradições, mas, também,

mesmo de forma ainda limitada, proporciona aos alunos, aos indivíduos, os meios de intervenção,

ou ação consciente sobre o espaço.

Dessa maneira, e a partir da reflexão realizada até esse momento no presente trabalho,

torna-se salutar a importância do elemento da estrutura normativa do espaço, que em algum

aspecto mais geral foi sucintamente analisado neste trabalho, que pretende apontar enquanto

caminho para a realização de uma geografia, principalmente de um ensino de geografia, uma via na

construção da cidadania, como condição de promoção do ser cidadão ao aluno, mesmo que seja

uma cidadania mínima, ou seja, do conhecimento dos instrumentos de ação no espaço, e

principalmente da reflexão do espaço a partir de tais. Ora, estes dispositivos mencionados e

analisados na primeira parte deste capítulo, significam muito pouco se o aluno, ou o indivíduo não

compreender os processos no espaço em suas contradições, e seus totalitarismos (SANTOS, 2001).

O que se define enquanto cidadania mínima neste trabalho, que se argumenta no sentido do

conhecimento destes dispositivos normativos, não significa de forma alguma no acesso do aluno a

tais informações, de maneira fragmentada.

Apenas a partir da reflexão do espaço, que a proposta de conhecer a estrutura normativa do

espaço faz sentido. Da mesma forma que se a geografia enquanto ensino capacita o aluno à

percepção de tais contradições no espaço, mas não o instrumentaliza para a ação consciente no

espaço, não é capaz de concluir a crítica, e permite que a crítica se perca, se dissolva.

Se o aluno não tem o caminho da ação consciente do espaço, se o aluno não percebe e

desconhece no espaço, na via do processo democrático, as condições de suas possibilidade de ação,

então, logo, toda a crítica sobre o espaço perde seu conteúdo e sua essência. Porque se o aluno não

se consegue se perceber como homem político, e como homem político no espaço, que pertence a

um território - onde se realiza, politicamente, materialmente, filosoficamente, espiritualmente,

assim afirma Santos (1996), se desconhece as garantias previstas enquanto realização da sua

cidadania - então a estrutura social para ele torna-se como algo naturalizado.

A sociedade, entretanto, é uma construção humana, e o sujeito, o indivíduo, a partir da

ação política pode alcançar modificações na estrutura social em que se encontra. Não é este

justamente, muitas vezes, o triunfo da arte e do artista? Que transcendendo às racionalidades que o

cercam, alcança através da sua arte concepções poeticamente libertadoras. Então, se a arte também

pode ser um caminho no exercício da cidadania, como existem outros diversos, refletir o espaço a

partir da estrutura normativa efetivamente o é.

De fato, para o aluno a percepção das contradições no espaço, somado ao conhecimento

das modalidades de suas possibilidades e potencialidades de ação, é o efetivo caminho na

construção da cidadania, mesmo que inicialmente possa ser essa cidadania considerada mínima. A

reflexão do espaço a partir dos conceitos presentes na estrutura normativa possibilita inclusive a

formação da compreensão do homem enquanto elemento político, justamente porque toda a

estrutura normativa tem em sua essência a própria definição da política, como condição de

realização do homem em sociedade, e ainda reveladora de todas as contradições no espaço.

Assim, a partir das sugestões que dizem respeito muito mais à esfera epistemológica

da geografia enquanto ensino, e não enquanto conteúdo, pois não se trata de adicionar mais um

conteúdo à geografia, ao contrário, trata-se de perceber o conteúdo na geografia, no espaço, que é

ao que a geografia se pretende, a partir da perspectiva da estrutura normativa. Trata-se de incluir,

talvez, nova categoria de análise do espaço, entretanto, não o é, tendo em vista que Santos (2006,

2008) já menciona o instituto político-institucional, e ainda à necessidade de busca as dinâmicas do

espaço enquanto processo, eis que a partir da estrutura normativa do espaço é justamente o que

busca.

De tal maneira, tais institutos jurídicos ressaltados dentro da estrutura normativa passam a

ser entendidos como essenciais no projeto que se pretende enquanto uma geografia, e um ensino de

geografia, que possibilite instrumento para a realização da cidadania, mesmo que mínima - e como

elemento fundamental no exercício, e construção das vias da cidadania num processo democrático

que se aprofunde o entendimento de que a reflexão do espaço a partir das suas categorias de análise

do espaço se fazem urgentes no ensino de geografia nos ensinos fundamental e médio, e que uma

forma que se mostra como caminho de cidadania, altamente eficaz, é da discussão e reflexão do

espaço a partir do conhecimento da estrutura normativa do espaço, para o qual se mostram em

relevante conteúdo para a realização da discussão e investigação do espaço, esse aspecto, da

estrutura normativa que se revela a partir da Constituição Federal e Estatuto da Criança e do

Adolescente, e Estatuto do Idoso.

Efetivamente, uma discussão que deve ser tomada é a respeito do material didático. Não

faz sentido deixar somente a cargo do professor a tarefa da sensibilidade crítica na realização do

ensino, em condições precárias de trabalho, muitas vezes. Nesse sentido, crê-se que o caminho mais

apropriado é o da reflexão do espaço a partir da estrutura normativa, realizada a partir dos

professores de geografia, e não somente a partir das secretarias de educação, como decisões

verticalizadas, impositoras, mas a partir de discussões horizontalizadas, para a discussão da

produção de material didático. Este que é imprescindível, apesar de todas as críticas que existem

sobre o material didático, aos professores, principalmente os novos e inexperientes, são verdadeiras

tábuas de salvação, para aquele que se arrisca estar em sala de aula. Não fosse assim, Fernandes

(2003) não teria feito a cômica analogia: do professor atrás da mesa cheia de cupins, agarrado ao

livro, sua última tábua de salvação. Claro que se reconhece todas as críticas e discussões que esse

encaminhamento suscita, e nem é esse o sentido deste trabalho.

O sentido primeiro deste trabalho nasceu no primeiro dia de aula de Introdução à Ciência

Geográfica, do primeiro semestre no curso de Geografia na Universidade de Brasília, quando

fascinado pelas questões que a geografia apresentava naquele ambiente fértil de idéias, surgiu a

indagação de como fazer chegar tais questões ao ensino de geografia nos ensino fundamental e

médio, e a percepção de que a geografia, de fato, estava tão longe da resposta, tanto quanto sequer

ela mesmo se fazia essa pergunta. Nesse sentido faz-se valer as indagações até aqui realizadas.

Contudo se são elas importantes no desafio de fazer uma geografia que seja um caminho para a

cidadania, então, em verdade não é totalizante essa proposta, e de todos os caminhos possíveis um

pareceu mais importante que os demais: o de que associado à todas as questões até aqui suscitadas

uma outra deveria se somar - a de que como o indivíduo pode conhecer o espaço, o mundo que o

cerca, se não compreende a si mesmo, se não compreende os movimentos internos que guiam os

homens à ação. Esta pergunta é o que guia ao próximo capítulo.

Capítulo 3 - Educação e cidadania, os processos psicológicos no espaço.

Parte 1: Crítica social e desenvolvimento humano, espaço e os processos psicológicos do indivíduo.

A primeira parte deste capítulo pretende fazer uma análise do espaço a partir da

apropriação de conhecimentos, e noções, a respeito dos processos psicológicos do homem a fim de

alcançar dois objetivos. O primeiro é de evidenciar que a realização de uma análise a respeito do

espaço a partir da apropriação dos conhecimentos sobre os processos psicológicos na geografia é

possível, dentro de uma perspectiva geográfica. O segundo é de evidenciar que a apropriação dos

conhecimentos a respeito dos processos psicológicos promovem uma intensificação sobre a

percepção dos processos no espaço, um aprofundamento sobre a compreensão de suas contradições,

à medida que se revela a violência desses processos em função das demandas internas dos

indivíduos, dos processos psicológicos inerente aos homens. Concordando com Crochik que:

Permitir aos homens que conheçam as origens psíquicas de seu sofrimento e possam atuar como consciência delas modificando-as, além de adaptativo, fortalece a consciência.(...) Revelar o que o homem desconhecia, permitir conhecer, elaborar e dar um destino adequado aos desejos humanos deveria possibilitar algo de liberdade. (CROCHIK, 2008, 174).

Até este momento, no trabalho, fez-se uma reflexão sobre os caminhos necessários a um

ensino que se pretende enquanto instrumento de formação da cidadania por meio da investigação, e

reflexão sobre espaço a partir da estrutura normativa; e como linha reflexiva por onde se possa

promover um olhar sobre o conteúdo do ensino em geografia, que se mostrou importante à medida

que proporciona a aproximação da geografia enquanto ensino e enquanto ciência.

Todavia, o trabalho que nasce de uma compreensão sobre o ensino da geografia inserido

num importante papel de transformação social, que seja na formação de cidadania, percebe uma

segunda etapa, tão importante quanto a primeira, na materialização desse objetivo. Assim como na

primeira etapa, admite-se todo o oceano de complexidades, existentes no universo de possibilidade

e necessidade de construção de uma educação em sua totalidade, o vê-se como único caminho

possível o da educação capaz de promover a cidadania. Pois que como afirma Freire:

Minha segurança se funda na convicção de que sei algo e de que ignoro algo a que se junta a certeza de que posso saber melhor o que já sei e conhecer o que ainda não sei. Minha segurança se alicerça no saber confirmado pela própria experiência de que, se minha inconclusão, de que sou consciente, atesta, de um lado, minha ignorância, me abre, de outro, o caminho para conhecer. (FREIRE, 1996, 135)

Discutiu-se anteriormente o caminho da apropriação da estrutura normativa no ensino

enquanto ferramenta de investigação do espaço, entretanto, compreende-se que para a efetivação

da geografia em seu papel é necessário somar ao primeiro passo, da análise da estrutura

normativa do espaço, outro passo fundamental, o da análise dos processos internos ao homem,

dos processos psicológicos a partir da geografia, e logo, a partir do ensino de geografia.

Claro, se o primeiro passo, o da apropriação de elementos da estrutura normativa, na

construção de um ensino em geografia capaz de proporcionar o nobre objetivo da educação - o da

formação da cidadania, mesmo que mínima; o segundo passo deve ser o de agregar à investigação

dos processos psicológicos do homem a partir da geografia, como possibilidade de ampliação da

cidadania que se objetiva, na busca de uma cidadania plena. Tendo em mente que, o indivíduo é

incapaz de compreender, conhecer o mundo que o cerca, à medida que ele não mesmo não

compreende os processos que o movem.

Novamente essa análise se coloca, então, no sentido de oferecer subsídios que promovam

meios de se completar a crítica, realizada hoje pela geografia na investigação do espaço. Pois que,

se Santos (2001) ressalta a seguinte crítica:

Num mundo globalizado, regiões e cidades são chamadas a competir e, diante das regras atuais da produção e dos imperativos atuais do consumo, a competitividade se torna também uma regra da convivência entre as pessoas. A necessidade de competir é, aliás, legitimada por uma ideologia largamente aceita e difundida, na medida em que a desobediência às suas regras implica perder posições e, até mesmo, desaparecer do cenário econômico. (SANTOS, 2001, 57).

Então, se faz necessário entender como o consumo e a competitividade se apresentam

enquanto perversidades na realização da existência do indivíduo. Pois, que se apresente óbvio tal

relação, somente a partir da compreensão dos processos psicológicos é que se compreende

concretamente e se aprofunda a percepção de tais contradições quanto a realização do homem no

espaço. Se a geografia não é capaz de identificar no indivíduo, nos homens, em que medida tais

processos de competição se apresentam como violência aos processos psicológicos, como

perversidade às necessidades naturais do homem, a crítica, que é devidamente concisa, necessita

ser aprofundada.

Nesse sentido então, o estudo dos processos psicológico pela geografia, ou seja a análise

dos processos psicológicos a partir da perspectiva geográfica, da percepção do espaço em sua

totalidade, é capaz de oferecer não somente uma visão mais completa do próprio homem, mas

também, o que de fato importa para a geografia, empresta maior profundidade às críticas

hoje já existentes, como também proporciona condição de conclusão da crítica: ou seja, tais

processos globalizatórios são ruins, ou são intoleráveis à medida que ao ser humano promove

estado de tensão, ansiedade, que se apresentam negativamente, contra os processos naturais

do homem, dos seus processos psicológicos. Como bem ensina Crochik:

Não é casual que nossa época seja a da angústia; mais propriamente, a nossa traz o disfarce da angústia: a frieza que tenta ocultá-la. A autoconservação, assim, seria mediada pela angústia, originada do medo, cujo objeto para nós é cada vez mais desconhecido: nada deve nos surpreender, e para isso é necessário saber como antever e controlar o perigo. Esse perigo não é somente externo, mas também interno: não temos consciência do que nos atemoriza. Assim, a reação ao mundo externo e nos tornarmos algo conhecido são formas de enfrentar perigos incertos. (CROCHIK, 2007, 185).

Os processos contraditórios no espaço que se apresentam em sua violência (SANTOS,

2001) podem ser caracterizados como os “perigos incertos” mencionados por Crochik e assim fica

fácil compreender porque a angústia caracteriza a nossa época. Pois se trata de um resultado do

processo atual de globalização. Assim podemos tomar os processos psicológicos no espaço. Dessa

maneira que podemos perceber que ao tomar as críticas proporcionadas pelo pensamento

geográfico, aprofunda-se a compreensão sobre os processos, e as contradições do capital, que a

partir da ideologia se apresenta como solução naturalizada de mediador das relações na sociedade.

Só assim faz-se sentido falar a respeito de “tirania da informação e do dinheiro”, ou da “violência

estrutural” (SANTOS, 2001, 38, 55). São tiranos os processos atuais de globalização porque

priorizam a lógica do capital em detrimento da racionalidade que tenha como centralidade o

homem, e de tal forma, são perversos porque desse modo criam condição de realização da vida para

os indivíduos, onde os indivíduos sequer encontram possibilidades de se realizar enquanto

indivíduos, estando ora subjugados a realizar apenas a parcela da vida enquanto produtores de

capital, em um trabalho que lhe é alienante tanto em relação aos meios de produção, quanto das

possibilidade de permitir que o homem se compreenda enquanto sujeito histórico, que o capacite a

reconhecer suas habilidades. Contudo, a geografia só poderá então, entender de fato o quão

perverso tais processos são, em verdade, ao indivíduo, quando se permitir conhecer os processos

psicológicos dos homens e suas dinâmicas, e mais analisá-los à luz do espaço geográfico,

intensificando a compreensão sobre a íntima relação entre a produção do espaço, e a formação do

indivíduo, e vice-versa. Exemplifica-se essa proposição a partir da análise de Crochik:

A socialização também ocorre na esfera do consumo e assim a psicanálise deve mesmo remontar diretamente a ela. Se o consumo é a esfera da ilusão social, no que há de progressivo e regressivo, a psicanálise também é crítica da ilusão.

(...) Adorno (1955) critica o entendimento de que a gênese do sofrimento psíquico seja somente individual, o que colaboraria para fortalecer a falsa divisão entre indivíduo e sociedade. (CROCHIK 2008, 177)

Somar a análise do espaço a partir da estrutura normativa, como considerado no segundo

capítulo, às novas possibilidades de compreender o homem em seus processos psicológicos à luz da

geografia, então, permitem entender os processos espaciais a partir das ações dos homens, e

proporcionam à geografia caminhar no sentido de construção de cidadania, plena - apta, enquanto

ciência, à desmitificar as verdadeiras necessidades do homem e possibilitá-lo superar as fantasias e

ilusões, erigidas pelo discurso homogênico globalizatório no espaço, em direção à compreensão

crítica.

Eis então, as ferramentas, que juntas possibilitam ao ensino da geografia, sair de sua

condição de praticamente inutilidade (FERNANDES, 2003; CASSAB, 2009) hoje enquanto ensino,

num movimento em função do caráter que praticamente confere sentido à sua existência, a busca

concreta pela cidadania. Pode-se deixar unicamente esse papel aos professores, e permitir que a

educação seja continuamente sucateada, a ponto de perder-se num movimento de fragmentação

constante, ou pode-se tomar essa discussão no seio da geografia, tendo como diretriz fundamental a

reflexão e a preocupação com a educação.

O homem só pode compreender o espaço à sua volta à medida que se conhece, que se

compreende, que entende os movimentos dos seus processos internos. Como poderia àquele que

mal consegue distinguir sua fome, seus desejos e necessidades, compreender o mundo que o cerca?

Essa constatação quase óbvia revela uma medida de intensidade que pode ser aceita

proporcionalmente. Entretanto, como medidas complementares. Não adianta unicamente que o

homem se compreenda para que possa entender o espaço com clareza. Assim fosse, os psicólogos

seriam excelentes geógrafos. Não o são, porque lhes faltam o instrumental teórico existente na

geografia para a compreensão dos processos no espaço. Assim, não se trata de fazer psicologia na

geografia, mas de buscar entender minimamente esses processos e analisá-los à luz do espaço, da

geografia. Concordando com Santos que:

a base fundamental da explicação vem da produção, isto é, do trabalho do homem para transformar, segundo leis historicamente determinadas, o espaço com o qual o grupo se confronta. (...) Quando a geografia busca novos caminho, imaginamos estar contribuindo a essa busca com a sugestão de um quando teórico que seja universalmente aplicável sem deformar as realidades individuais de cada país. (SANTOS, 2002, 247).

Ora, se o auto-conhecimento é fator fundamental para a compreensão do mundo que nos

cerca, poder-se-ia entender então, que em verdade o fundamento primeiro na construção de um

ensino em geografia seria o auto-conhecimento e depois a análise do espaço a partir da estrutura

normativa para a compreensão mais profunda sobre os processos no espaço. É possível que esse

raciocínio esteja correto, todavia, dentro do ensino de geografia que existe hoje, percebe-se mais

viável o caminho contrário. Porque o sentido é o de tirar a geografia do antigo papel positivista de

depositário de informações fragmentadas que nada dizem respeito ao aluno, de um conhecimento

enciclopédico que facilmente pode ser acessado na internet, não tendo o mínimo sentido hoje que o

aluno tenha necessidade de, e assim deseje, decorar informações fragmentadas que de longe não

constituem um conhecimento. Assim, se faz necessário a construção de um caminho no ensino de

geografia em direção à construção de um ensino em geografia na busca da cidadania. Este trabalho

apresenta dois ferramentais teóricos importantes na consolidação desse processo, e no sentido de

construção de possibilidades Santos ensina:

o passado não pode servir como mestre do presente, e toda tarefa pioneira exige do seu autor um esforço enorme para perder a memória, porque o novo é o ainda não feito ou ainda não codificado. O novo é, de certa forma, o desconhecido e só pode ser conceitualizado com imaginação e não com certezas (SANTOS, 2002, 25).

A compreensão dos processos a partir da perspectiva espacial, como proposto por Milton

Santos à geografia proporciona condições de apontar novas e diversas contradições em nível dos

processos que se realizam, no espaço, no tempo. A compreensão dos processos principais que

motivam o homem à ação, ou seja, dos processos psicológicos, permitem o entendimento do

atendimento do homem às lógicas do capital, lógicas contrárias a lógicas humanas; permitem

compreender melhor porque o homem se permite inserir em tais lógicas e trabalhar por estas,

mesmo que tais o afastem cada vez mais da lógica do próprio ser humano; e mais, revelam o caráter

perverso e totalitário dos processos oriundos ao modo de produção em detrimento das demandas

dos movimentos internos ao homem, intrínsecos aos processos psicológicos.

Assim, os processos são totalitários, porque impõe aos homens tendências, condicionantes

- mas não determinantes - que solidariamente emprestam aos homens um sentido próprio no

movimento das ações, que se constitui enquanto processo central do modo de produção e da

estruturação do espaço atual, como por exemplo, o consumo. Como bem revela Adorno:

a tendência social objetiva da época se encarna nas intenções subjetivas dos supremos dirigentes, são estes os que originalmente integram os setores mais potentes da indústria. Os monopólios culturais são, em confronto com eles, débeis e dependentes. (ADORNO, 2000, 171).

Deste modo, as necessidades do capital são apresentadas como se fossem necessidades

inerentes aos homens, a partir da criação virtual de necessidades a partir da cultura de massa, das

indústrias midiáticas, dos meios de informação moldadas aos interesses do capital (SANTOS, 2001;

ADORNO, 2000). Pode-se assim inferir que se estabelece um fluxo no espaço enquanto processo

essencial na reprodução do modelo atual de produção, que encontra nos homens a caracterização

enquanto fixo. Esvazia-se o sentido e a plenitude do homem e da existência humana, enquanto fixo

que serve à manutenção dos fluxos de produção, enquanto proletário num segmento específico e

alienante da produção (MARX, 2000), e fixo que serve à manutenção dos fluxos do capital,

enquanto objetos predestinados ao consumo. Desta forma, o consumo se impõe enquanto obrigação,

e o não-consumo enquanto irracionalidade. Os “fixos e fluxos juntos, interagindo, expressam a

realidade geográfica e é desse modo que conjuntamente aparecem como um objeto possível para a

geografia.” ensina Santos (2006, 62). Entretanto se os homens são limitados a fixos a partir das

necessidades do capital, os seus processos psicológicos são fluxos internos que encontram

condições de se completarem, ou de não se completarem, livremente, a partir das condições

experienciadas no espaço. Quais os resultados psíquicos da relação entre os fluxos internos dos

homens, inerentes aos seus processos psicológicos em relação aos fluxos percebidos no espaço? Se

a resposta for no sentido da produção de distúrbios psíquicos, como processos de paranóia,

obsessão ou compulsão (BELL, 2005), então enquanto processos globalizantes que agem de forma

homogênea sobre todos os pontos do planeta pode-se inferir, a partir da análise geográfica que os

processos de globalização são inaceitáveis, porque se apresentam enquanto violência aos

indivíduos, e que o modo de produção atual constitui um processo de promoção de desestabilidade

psíquica à sociedade como um todo, processo que não é benéfico à ninguém, à não ser às indústrias

farmacêuticas psiquiátricos.

Tomados dentro do sistema de objetos e de ação como proposto por Santos, tem-se que a

partir das ações possibilitadas pelos objetos no espaço - os processos psicológicos podem ser

tomados como objetos, que permitem ações de objetividade consciente pelo capital que vê nesse

sentido condição de realização do lucro. Eliminam-se todas as condições de cidadania, justamente

porque a cidadania significa anti-condição de realização do capital, já que cidadania significa ter o

homem como centralidade nas ações no espaço.

O que é criado pelos homens para a sua sobrevivência, a ciência, a técnica, a justiça, contém esse encanto da transformação dos objetos que nos transformam objetivamente. Se a magia era ilusória e precisava ser desencantada, com o desencanto da ciência, contudo, o sujeito perde a sua objetividade ao se converter em objetos. (CROCHIK, 2007, 186).

Assim os objetos externos ao homem se apresentam enquanto ações aos processos

psicológicos, que por sua vez constituem um sistema de ações que atribui significado e valor aos

objetos externos, e assim podemos estabelecer uma percepção que encontra nos processos

psicológicos o ponto final, e inicial nos sistemas de ações, no estabelecimento solidário em função

dos sistemas de objetos. Promover a cidadania é instituir novos objetos ao universo cognitivo dos

indivíduos capazes de despertar outros fluxos que por sua vez são capazes de redirecionar os

significados e sentidos dos objetos, promovendo um contra-sentido no fluxo dentro do sistema de

reprodução da lógica do capital institucionalizado pela globalização atual. Santos ensina sobre o

sistema de objeto, e de ações:

Objetos não agem, mas, sobretudo no período histórico atual, podem nascer predestinados a um certo tipo de ações, a cuja plena eficácia se tornam indispensáveis. São as ações que, em última análise, definem os objetos, dando-lhes um sentido. Mas hoje, os objetos “valorizam” diferentemente as ações em virtude de seu conteúdo técnico. (SANTOS, 2006, 86).

De tal maneira e de modo geral, a compreensão dos processos psicológicos na geografia

permite aos homens instrumentos importantes para descortinar o universo das ideologias e dos

símbolos fabricados. Tendo em vista que o espaço é o resultado final - não é completamente correto

se dizer da soma - mas da totalidade dessas ações, da ação de cada indivíduo coletivamente - que

promove os movimentos sociais, e as dinâmicas dos processos. Ora, os indivíduos em coletividade

percebem a realidade a partir da práxis do cotidiano, como ensina Kosik (1976), também o podem

fazer a partir da práxis da aprendizagem, do ensino, a partir da educação. Eis a possibilidade de

mudança.

Acreditar que as próprias crises do modelo atual podem fornecer as condições de

realização de crítica, onde se inclui a percepção da escassez (SANTOS, 2001) é uma verdade em

parte, tendo em vista que o modelo atual de produção sempre apresenta um modo de contornar suas

crises, e continuar se realizando do mesmo modo. Isso porque o homem, o motor central de

produção do espaço, acredita que o modelo atual é o melhor modelo para realizar a existência, seja

porque é alvo do discurso hegemônico, da publicidade que cria fantasias e necessidades, essas

virtuais; seja pela ausência da perspectiva histórica, ou ainda da perspectiva crítica da história.

Tanto que o homem, coletivamente, reúne os esforços necessários à manutenção do modelo,

especificamente os grupos capazes de realizar maiores mudanças por constituírem maior

acumulação de capital, e que acreditam se beneficiar do sistema, mas não se percebem vítimas das

lógicas existentes ou dos processos de criação de fantasias, e fetiches, não se percebem, ignoram os

processos. Pois como explica Crochik:

o fetichismo também deve indicar algo de objetivo que os homens não conseguem enfrentar diretamente. O fetiche da mercadoria provém de sua aparência, e só ganha sentido na sociedade, e a idéia do consumo em uma sociedade de produção abundante parece irmanar com a idéia do paraíso perdido, no qual todas as necessidades e vontades poderiam ser satisfeitas sem nenhum esforço, sem nenhuma repressão. Atribuir características humanas, que as mercadorias não têm, talvez negue o homem que as produziu para recriá-lo como ser desejante. (CROCHIK, 2008, 175).

De tal maneira que assim como no mundo os processos oriundos do modelo de produção

capitalista não permitem ao homem compreender a realidade, e na verdade o confunde, a partir da

criação de fetiches e de discursos ideológicos (SANTOS, 2001); também não permite ao homem

atender às suas pulsões internas, ou seja, suas necessidades intrínsecas, reais, suas demandas

humanas, o homem recorre à fuga, segundo Freud (apud BELL, 2005), através da desistência do

desejo, da substituição do objeto de desejo, ou fuga da frustração, ou mesmo da fuga da realidade –

através da loucura, se voltando ao mundo interno, altamente simbólico, e da possibilidade da

instalação do delírio coletivo. E de fato, a lógica do modelo atual impõe, perversamente, em

contrapartida do que seria o lógico, uma intensificação da não-realização de tais necessidades, e

criação de novas necessidades virtuais, conforme afirma Santos (2001).

Portanto o modelo reafirma e intensifica sua lógica como discurso e como possibilidade de

existência. O modo de produção capitalista necessita aprimorar sempre os meios de produção com

fins de aumentar sua lucratividade, para que assim uma corporação possa continuar a ser sempre

competitiva no mercado, tendo em vista que esse processo tem reflexos inclusive nos mercados

financeiros, de ações, mercado este, do qual as empresas dependem cada vez mais. Contudo, essa

demanda crescente que diz respeito à todas as corporações que estão no jogo se torna cada vez mais

insustentável, já que todas não podem ser “mais competitivas” ao mesmo tempo, mesmo que

desejem. Como ensina Santos:

A necessidade de competir é, aliás, legitimada por uma ideologia largamente aceita e difundida, na medida em que a desobediência às suas regras implica perder posições e, até mesmo, desaparecer do cenário econômico. Criam-se, desse modo, novos “valores” em todos os planos, uma nova “ética” pervasiva e operacional face aos mecanismos da globalização (SANTOS, 2001, 57).

Santos (2001) ressalta o processo de construção da idéia do mundo globalizado, como

fábula, a partir da repetição de um certo número de fantasias tidas - e assim, impostas - como

realidade, e que acabam por se constituir como base aparentemente sólida de interpretação da

própria realidade. Todavia, o que se observa é que o processo atual de globalização, através de suas

linhas principais de imposição de forças homogeneizantes – o que Santos (2001) caracteriza como

máquina ideológica - desconsidera as características territoriais locais, e impõe fragmentações ao

espaço, assim como necessidades virtuais aos indivíduos; em detrimento da promoção da realização

da cidadania plena e universal. Camufla as contradições existentes, através de uma metanarrativa

que busca promover uma espécie, ou tipo, de “darwinismo social” baseado em condições de

consumo, ou, em potencialidades de materialização do consumo. De tal maneira, nos revela Santos:

“(...) Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca da uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho da cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso o culto ao consumo é estimulado. Fala-se igualmente, com insistência, na morte do Estado, mas o que estamos vendo é seu fortalecimento para atender aos reclamos da finança e de outros grandes interesses internacionais, em detrimento dos cuidados com as populações cuja vida se torna mais difícil(...)”. (Santos, 2001, p. 19)

O processo descrito acima, que tem sua gênese no modo de produção atual, se insere nas

diversas instâncias da sociedade - no espaço, e também nas instâncias política-institucional e

cultural-ideológica (SANTOS, 2008), e, de tal forma como as diversas instâncias contêm e estão

contidas umas nas outras, a lógica do capital, ou a ideologia da reprodução do capital permeia todas

as esferas da realização da vida. As linhas de ações que buscam promover os meios de reprodução

do capital se inserem nos processos democráticos, deturpando a função representativa da

democracia; corrompem o sentido identitário da produção cultural, transfigurando-a numa indústria

de massa; estimulam a construção de uma mentalidade individualista e competitiva entre os

indivíduos, cujas necessidades têm de se realizar no menor período de tempo possível. Perde-se a

noção da perspectiva a longo prazo, e estimula-se a realização unicamente do agora, da felicidade

instantânea, e efêmera, que se pode obter através da materialização do consumo - a fábula da

globalização: “ O mundo ao alcance das mãos”.

Freud (1913) destaca a relação entre os sintomas neuróticos, da projeção da angústia

interna a objetos externos, e fenômenos culturais – que pode se manifestar, também, por meio uma

obra de arte, por um processo de sublimação, de uma doutrina filosófica, ou da religião. Assim,

numa perspectiva didática de esclarecer a relação de tais projeções aos sintomas neuróticos, afirma

que é possível “estabelecer que uma neurose obsessiva é a caricatura de uma religião e que um

delírio paranóico é a caricatura de uma doutrina filosófica” (FREUD, 1913, p.73 conforme BELL

2005, p.21). A partir de então, e tomando a força de expressão apresentada por Santos: “(...) o culto

ao consumo é estimulado” (SANTOS, 2001, p.19), é possível observar que o consumo se coloca, no

atual modelo de globalização, possível de se realizar nos dois níveis existentes, tanto como religião,

tanto quanto doutrina filosófica. Como religião porque se impõe a necessidade do dinheiro ausente

do um sentido teleológico, tomando-se por fim a necessidade do “dinheiro em estado puro”, do

culto à realização da satisfação e obtenção do prazer, a partir do próprio acúmulo do dinheiro, e

também como capital, e dessa busca como condição da felicidade e como possibilidade de

realização plena da existência; como doutrina filosófica porque estabelece uma lógica de realização

da vida, atribuindo o sentido da existência à condição de generalização da possibilidade de

realização do consumo; deixa-se de consumir para viver, passa-se a viver para consumir.

De tal maneira que o mito de realização da existência, promovida e estimulada pela

necessidade de criação constante de demanda - que se dá principalmente através da propaganda e

das estratégias de marketing - resulta ao indivíduo na geração interna de ansiedade, e também

externa, como valor agregado à mercadoria, uma ansiedade virtual instalada a partir da necessidade

de se adquirir o novo: novas modas, tendências, tecnologias etc. Intensifica-se essa atmosfera de

ansiedade, resultada e contida na tecnosfera (SANTOS, 2001), à medida que o indivíduo não pode,

ou não consegue adquirir o que se afirma possível a todos, e quando acredita que reside no objeto

de consumo a realização da felicidade, ou dos caminhos que possibilitem a felicidade; e mais, à

medida que este indivíduo não representa um único sujeito, mas a totalidade de sujeitos que

igualmente estão subjugados ao mesmo processo, submetidos à mesma parcela da marginalização,

entretanto, em níveis desiguais. Bell (2005) argumenta que a gênese da paranóia reside na

necessidade de lidar com aquilo que não toleramos. Ora, o não acesso ao universo de existência, de

felicidade, de consumo, e prazer, que reside na fábula da globalização, no mito criado pela fábula,

se impõe como idéia intolerável ao indivíduo, e a gênese do processo paranóico se instala no

homem coletivo, e assim na totalidade da coletividade.

A paranóia se traduz na projeção de elementos internos não toleráveis para o mundo

externo; encontra origem na ansiedade, que, também, resulta da percepção da incapacidade de ser

completamente autônomo, completamente independente. O modelo atual de globalização, ao

contrário do que afirma como discurso, impõe uma diminuição da autonomia ao indivíduo,

entendido coletivamente, à medida que lhe impõe novas necessidades, virtuais, para a realização do

cotidiano, da existência. A máquina ideológica vai estar sempre reforçando a vantagem de se estar

sempre consumindo a produção, porque a produção necessita ter um mercado que esteja absorvendo

a produção; de tal maneira como peça fundamental na composição da completude do indivíduo, está

associado sua capacidade de consumir, e sua autonomia relacionado ao potencial que pode

materializar o processo de consumo, quanto maior esse potencial, mais autônomo é o indivíduo. Sua

autonomia não é mais medida em função da sua capacidade orgânica, humana de resolver os

conflitos que lhe surgem; mas, artificialmente, e ainda a sensação que todas as suas demandas

internas podem ser atendidas à medida que é capaz de mobilizar maiores quantidades de capital, em

função do que o seu capital pode oferecer, em detrimento do próprio sentido humano de autonomia.

A diminuição da autonomia e independência do indivíduo para a realização da vida em

função da possibilidade de desenvolver suas capacidades, é transferida aos objetos dispostos pelo

mercado, em cada vez mais variedade, e quantidade. Não é que esse processo em si seja maléfico,

mas a limitação da vida em função de mercadoria. Em alguns momentos essa lógica é reforçada

socialmente, isso porque a ideologia do mercado passa a permear as relações inter-pessoais. O

indivíduo passa a procurar nos diversos membros da sociedade a confirmação da sua compreensão e

ratificação das suas escolhas, seja na leitura do comportamento dos outros indivíduos, ou mesmo,

no respaldo de suas observações (ARONSON, WILSON, & AKERT, 2002). Assim, através da

percepção de algum reforço positivo - um elogio, um gesto de aprovação, observação de um

comportamento análogo - o indivíduo pode apropriar à sua identidade o objeto de consumo,

atribuindo à sua autonomia um valor superlativo em função da incorporação da artificialidade,

diminuindo sua ansiedade. Entretanto a percepção da artificialidade, da exterioridade, e não

organicidade do objeto em relação a identidade do sujeito, a compreensão de que a expectativa foi

construída em cima de uma fábula, e de que o objeto não corresponde exatamente ao propósito

esperado, divulgado pela propaganda, promove uma ruptura entre o Ego e o mundo externo, ao

remendo sobre o local dessa ruptura, é onde para Freud, se origina o delírio. Como neste trabalho o

indivíduo é tomado na sua acepção coletiva, ou seja, a partir da sociedade e na sociedade, se

depreende que esse delírio se revela na totalidade da própria sociedade, o que justifica a afirmação

de Santos (2001) a respeito do culto e do fetichismo ao consumo; pois que um modo de diminuir a

frustração - ao invés de lidar com o mundo real, concreto, se perceber vítima das suas contradições -

é acreditar que o propósito da fantasia agregada ao produto poderá ser encontrada no próximo,

enquanto não for superado por outro.

Bell, (2005) aponta nesse sentido, a própria realidade como fator possível de origem da

paranóia,

“É uma peculiaridade do universo paranóico – um mundo intimidador, cheio de figuras aterradoras, que impede qualquer desenvolvimento – ser, para certas pessoas, preferível a algo que parece bem pior, a realidade. Todos sentimos dificuldade com determinados aspectos da realidade, mas para alguns isso implica a falta de controle da realidade em geral, que então é substituída por um mundo de delírio” (Bell, 2005, p.61)

Desse modo, o modelo de produção atual, e de globalização, impõe como lógica de

realização da psique, a promoção de uma paranóia coletiva, neurose obsessiva e delírio paranóico

coletivo, à medida que atribui significados de indispensabilidade à artificialidades, que por sua vez

nem sempre podem ser adquiridos por um indivíduo, e mesmo quando podem não satisfazem por

completo, e somente por um breve período, o propósito de satisfação, ou de condição de realização

de liberdade, prazer, ou felicidade.

Para Marx, estes modelos ilusórios de interpretação da realidade, configuram-se elementos

intrínsecos ao modelo de produção capitalista. Marx (conforme Bell, 2005, p.22) considerava a

religião uma espécie de delírio coletivo, que tinha um fim importante dada a condição em que o

homem se encontrava, porquanto que aos homens que para abandonar a ilusão a respeito da própria

condição era necessário desistir de uma condição que exige ilusões. Assim, o modelo de produção

atual, ao invés de promover ao homem a capacidade crítica de refletir sobre si e o mundo, ao

contrário, tende a criar ilusões a respeito deste, a fim de que o mito da construção da felicidade e

realização da vida continue atrelado ao processo de consumo. A própria condição de realização

através do consumo é a maior fábula imposta pela repetição, arbitrariamente aceita pelos

indivíduos, e reflexo da necessidade de criação de demanda aos processos produtivos cada vez mais

ágeis.

Os processos de projeção do mundo interno ao mundo externo, e de introjeção do mundo

externo ao mundo interno são naturais do processo de entendimento do mundo, e constituem nossa

relação mais fundamental com o mundo ao redor, o que Klein (segundo Bell, 2005) entende como

fase de “posição esquizoparanóide”. Entretanto, no processo paranóico, na tentativa de diminuir a

ansiedade, e extinguir a angustia, quando projetamos uma ansiedade a uma figura externa, em

seguida quando entramos em contato com ela, a introjetamos novamente; e à esta nova carga

simbólica se estabelece a necessidade de projetá-la novamente, no que se estabelece um ciclo

neurótico, onde essa carga tende a se intensificar cada vez mais.

O homem se realiza no espaço, é aí que encontra os elementos os quais se apropria, atribui

valor e agrega à sua compreensão do mundo, para, a partir de então, realizar sua ação sobre este, o

que coletivamente, através dos diferentes modos de organização, se constitui na produção e próprio

espaço. Se a lógica encontrada no espaço, a partir da atual globalização, resultante do modo de

produção atual, impõe um processo de neurose, na psique, esse processo estabelece também uma

lógica de reprodução e intensificação do próprio processo neurótico; de onde se pode depreender

que se torna cada vez mais dificultoso ao homem a compreensão da sua própria realidade, que se

percebe num processo de limitação da sua própria autonomia; todos estes processos que têm sua

gênese no modo de produção no espaço, que impõe essa lógica a todo indivíduo que compartilha o

espaço e que a partir da sua ação, tomada coletivamente, produz espaço. Pode-se inferir, então, que

a origem do movimento de reprodução das principais linhas de força do espaço, da submissão do

homem à lógicas não-humanas - que inclusive impõe degradação aos processos naturais, ecológicos

e ambientais, fragmentações ao espaço – em função da lógica do capital, está em parte, à

incapacidade de refletir sobre o mundo concreto, devido aos processos de delírio paranóico, e

paranóicos em geral, impostos à psique; mas também a outros processos de defesa do Ego.

A fragmentação do espaço se institui a partir dos processos existentes no espaço orientados

pela lógica de caráter homogeneizadora e heterogeneizante do capital, na impossibilidade de

realização de um indivíduo como cidadão, e no próprio indivíduo tomado em coletividade. A

imposição neurótica aos indivíduos como resultado do modo de produção significa uma inversão da

função e da forma da produção ao homem, do sentido da produção do espaço. A compreensão do

mundo como perversidade é atingível por qualquer pessoa, contudo, como idéia intolerável, é

indesejadamente projetada novamente no espaço, e dessa forma, são os sentimentos de

solidariedade que são prejudicados, desagregados, fragmentados; vão se transformando em

sentimentos de repulsa e distanciamento aos grupos mais desfavorecidos. Segundo Bell (2005)

“(...)os desamparados tornam-se, na nossa mente, a causa dos problemas deles mesmos, e as

dificuldades que enfrentam, uma evidência de sua inferioridade moral. Quanto maior a degradação do grupo, maior a probabilidade de ele ser considerado não muito humano e, portanto, indigno da preocupação habitual com as pessoas”. (Bell, 2005, p. 74)

A diferenciação do eu, em termos de acessibilidade às infra-estruturas e bens de consumo,

em relação ao outro, que não pode possuir, se estabelece numa relação de reafirmação desse

distanciamento do grupo que “tem problemas”. As fragmentações no espaço são sentidas nas

relações pessoais, e inter-pessoais; a compreensão sobre o homem se desumaniza, de modo que o

homem que se realiza em coletividade se sente menos em coletividade, e não se percebe como um

ente coletivo, mas como um indivíduo que se prepara para competir contra os demais. Entretanto,

sua realidade concreta é proposta como resultado da realização coletiva, todas as instituições que

observa, tudo que lhe cerca é resultado da ação coletiva coordenada. Novamente se instala uma

ruptura entre o Ego e o mundo externo, de onde se originam os processos de ansiedade, e de delírio.

O indivíduo ao mesmo tempo que se apresenta ao outro de forma menos ou não cooperativa porque

o desconhece como um igual, também se perceber mais vulnerável, menos autônomo, mais ansioso,

de onde se intensificam os processos neuróticos. Em contrapartida, o indivíduo que não consegue

realizar o consumo, que imagina, ou que percebe, o qual, de modo geral, a sociedade realiza - ou o

grupo onde se encontra inserido realiza - se sente perseguido, incapaz de pertencer ao grupo. O

resultado desse conjunto de fragmentação é a violência.

Davis (apud BELL, 2005) defende a tese de que o aumento do uso de recursos de

segurança na cidade ao contrário de possibilitar uma sensação de segurança maior, produz o efeito

contrário; o que considera de grau crescente de paranóia urbana. Ao geógrafo parece óbvio essa

constatação tendo em vista que o aumento de recursos de segurança reflete o grau de violência

urbana. Essa constatação vem em encontro ao pensamento de que a forma concreta de equacionar a

violência é através da reflexão do espaço, da análise das suas contradições, e da promoção de uma

globalização mais humana, tendo em vista que o resultado imediato das fragmentações impostas

pelo espaço é a violência, e como o capital se realiza de forma mais ampla na cidade (CARLOS,

2007), é no espaço urbano que se institui com mais intensidade os resultados violentos, fruto dos

processos de desumanização da vida, da lógica que não tem em seu fim a realização do individuo

como cidadão, e da não valorização, ou desvalorização, do humano. Assim, que a racionalidade

dominante acaba impondo a lógica do distanciamento entre as pessoas, entre os grupos,

intensificando a fragmentação, impossibilitando a discussão política das soluções dos problemas.

No que se refere à relação entre a lógica do capital e a instância política-institucional, que

se repercute no espaço, Bell (2005) ainda revela uma relação entre as posturas políticas, e o discurso

orientado pela lógica da produção capitalista, na imposição do pensamento neurótico em favor do

capital, citando como exemplo, “a notória habilidade de Margareth Thatcher em solapar o acordo de

bem-estar social”. Assim, “o direito dos cidadãos de ter ensino e habitação como dever do Estado

foi substituído por uma ideologia de propaganda que insinuava que quem procurava ajuda era na

verdade um “parasita preguiçoso”, por exigir auxílio” do Estado ao invés “de bater perna e ganhar a

vida sozinho como faria qualquer pessoa digna” (BELL, 2005, p.73). De forma que o indivíduo que

realmente precisasse da política assistencial, ficasse inibido de ir recebê-la, como realmente

aconteceu; pois que uma forma de aceitar essas políticas seriam um modo de reconhecer a dolorosa

situação em que vivia.

Desse modo, em função de se diminuir gastos com as necessidades da população, o Estado

oferece por um lado a política assistencial, e por outro lado, promove um sistema ideológico que

desestimula a população a utilizá-lo. A política assistencial deixa de ser um dever do Estado, e passa

a ser uma vergonha ao indivíduo que tem o direito a recebê-la. Enquanto isso o Estado é capaz de

subsidiar em milhões de dólares o grande produtor, através de inúmeros incentivos, promovendo

uma lógica que continua a gerar grupos marginalizados, indivíduos, a quem o Estado nega o auxílio

efetivo. De tal modo que o indivíduo só passa a ter valor, então, enquanto produtor, ou reprodutor

do sistema, ou seja, na produção, ou enquanto consumidor.

Bell ainda lembra que muitos Estados, “com o fim de satisfazer a interesses menos

manifestos, têm tido enorme sucesso em inculcar em nós essa visão paranóica do mundo” (Bell,

2005, p.75) a partir do discurso da justa afirmação dos “nossos valores” - princípios humanos - em

detrimento dos “planos monstruosos” deles. Tal afirmação que converge com o entendimento de

Santos quanto produção de um discurso que serve à construção de mundo como fábula, repetido

incessantemente na tentativa de se impor como verdade, e que tem como sentido teleológico a

defesa do grande capital; o que, a partir da sua análise, denuncia o caráter despótico da informação

no modelo atual de globalização, que é produzida, e repetida, em função de objetivos atrelados ao

capital, como aponta Santos (2001),

“O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em

lugar de esclarecer, confunde. Isso tanto é mais grave porque, nas condições atuais da vida econômica e social, a informação constitui um dado essencial e imprescindível. Mas na medida em que chega às pessoas, como também às empresas e instituições hegemonizadas, é, já, o resultado de uma manipulação, tal informação se apresenta como ideologia” (Santos, 2001, p.39)

Assim o modelo cria em contrapartida à fábula da globalização, um universo de

perversidade que impulsiona o indivíduo para o universo paranóico. A atenção do indivíduo é

direcionada à materialidade dos objetos e das formas; restando a preocupação com os modos mais

profundos das relações interpessoais, ou com os processos internos aos sujeitos, a cada indivíduo, e

mesmo à necessidade da compreensão dos processos que cercam o homem, em plano secundário.

Retira-se em parte, ou limita-se, a autonomia do homem de refletir sobre si mesmo e sobre o

mundo, e constrói-se, a partir da fábula e do mito da globalização, da existência de uma “aldeia

global”, a imagem do Édem, de um paraíso possível a partir da técnica, e da tecnologia;

incorporado à idéia e à possibilidade do consumo.

O resultado da concretização objetiva do desejo deixa de ser parte de um processo natural

da realização da vida e de movimentação do homem em direção à ação, e passa a ter um caráter

artificial, em função da satisfação de necessidades virtuais, se reverte costumeiramente como fim

frustrante. Assim que, sendo essa frustração um dado concreto da realidade, somado à

impossibilidade de racionalização dos processos que o cercam em geral, da própria realidade que o

cerca, e das contradições desta realidade; resta ao indivíduo a necessidade de recorrer ao discurso

hegemônico, a fim de encontrar alguma resposta à situação no qual se percebe inserido, e no

discurso hegemônico, ao invés das respostas esperadas, provavelmente vai perceber os estímulos

que promoveram os processos neuróticos da psique. De tal modo que o que se realiza é a

intensificação do processo neurótico, e o reforço da necessidade do consumo, como forma de tentar

diminuir a ansiedade, e que tem como resultado a intensificação desse processo. Ao grupo que se

encontra impedido de acesso à realização do consumo, a um modelo ideal de realização da vida, a

perversidade é ainda maior e o pensamento neurótico, imposto pela fragmentação espacial, se

coaduna no comportamento agressivo, na violência instalada nas localidades, na violência incidida

no espaço.

De tal maneira que o atual modelo de produção possibilita não somente a consolidação do

pensamento neurótico, mas proporciona sua intensificação como modelo de realização da vida,

principalmente através do incentivo é individualidade e á competição, conforme Santos (2001). De

modo que o indivíduo ao tentar se compreender no mundo, e na tentativa de entender o próprio

mundo procura no comportamento dos outros indivíduos as respostas para as melhores tomadas de

decisão (ARONSON, WILSON, & AKERT, 2002); assim que encontra a partir da observação das

reações egoístas das outras pessoas - que também se encontram sob a ansiedade imposta ao homem

pelo modelo atual de produção, e que então, também se encontram no mesmo estado neurótico -

ratificam a postura neurótica. Processo que também resulta da fragmentação das relações solidárias,

em detrimento da ética da competitividade, e da concorrência.

Conquanto que a população que vive à margem dos processos sente em maior grau de

intensidade a perversidade da fragmentação imposta ao espaço e do processo de desumanização,

todos os grupos são prejudicados por essa lógica. E o resultado mais evidente é a violência. De tal

modo que devido a impossibilidade, inclusive orgânica, de se obter tudo que existe, e tudo que é

produzido, se instalam novos processos de intensificação de uma ansiedade artificial, virtualmente

instalada, que se amplia, dentro deste modelo de produção, à medida que a inovação tecnológica é

capaz de promover inovações – quando o ideal, ou o lógico, seria ter a inovação técnica a serviço

do homem.

A psicanálise tomada dentro da dialética materialista de Marx (2000), pode contribuir para

o entendimento mais amplo das contradições existentes no espaço a partir do modelo atual de

produção capitalista. Tais contradições existentes no espaço, percebidas a partir da fragmentação do

espaço, se impõe como empecilho à realização plena da existência do homem; o que não é lógico já

que a produção do espaço pelo homem deve servir, em primeira instância, ao próprio homem.

Assim é factível ao pensamento geográfico analisar a partir do homem, e dos processos internos

psique, novas formas de se perceber tais contradições no espaço. De tal maneira que a violência

instituída no espaço, é o efeito colateral direto da racionalidade hegemônica do modo de produção

capitalista, traduzida na globalização atual; como também a violência psicológica, ou imposta à

psique, que é a origem da violência infligida pelo indivíduo e entre os indivíduos, percebida no

espaço. Sendo a cidade o local de realização do capital, onde esse encontra as maiores

potencialidades para realizar seus ciclos, (CARLOS, 2007) e a metrópole o local onde o capital

completa as fases de produção, distribuição e consumo, é na cidade que a violência adquire caráter

mais intenso. Uma forma de violência que vai se estabelecendo como uma lógica; tendo em vista

que é resultado da lógica dominante, do capital. E, assim, à medida que a perversidade sistêmica do

“globalitarsimo” (SANTOS, 2001) - permitidas e produzidas através da lógica do capital - vai se

apresentado de forma mais intensa, a realidade se coloca como uma idéia cada vez menos tolerável,

impulsionando os processos paranóicos, e assim, institucionalizando a violência. Mais se

intensificam os mitos para a construção da globalização como fábula, esta, que, desse modo, se

afasta cada vez mais da realidade, impulsionando os processos de delírio paranóico, processos estes

os quais, agressivos à psique do indivíduo, se estabelecem como alicerce à perpetuação da lógica do

capital.

Como foi possível perceber, a discussão a respeito do homem e seus processos internos

(psicológicos), e do espaço, no seu aspecto normativo, proporciona condições à geografia de

aprofunda a crítica e a investigação sobre o espaço, e assim também, enquanto ensino pode

proporcionar ao aluno, autonomia, e logo, cidadania, a medida que se compreende, e se percebe o

espaço na sua totalidade como resultado de uma produção do homem em sociedade, e como

possibilidade de modificação consciente baseado nas necessidades reais dos movimentos internos

ao homem, aos processos psicológicos.

Parte 2: Os processos psicológicos no ensino de geografia e cidadania

Esta última parte deste terceiro capítulo, que antecede ao capítulo das conclusões, surge da

percepção da possibilidade de investigar os processos psicológicos a partir da geografia, da

perspectiva geográfica, e mais, que somado à análise da estrutura normativa do espaço, constitui

como uma unidade na promoção da construção da cidadania a partir do ensino da geografia.

O presente trabalho entende que os processos psicológicos podem ser investigados a partir

da geografia sem que se perca as delimitações epistemológicas que constituem a ciência geográfica,

qual seja o espaço, enquanto objeto e método. Isso porque, em verdade quando se estuda o espaço -

lócus de ação do homem, a partir do trabalho (SANTOS, 2008), e também é resultado da interação

do homem com o meio-ecológico, ou seja, da ação do trabalho do homem sobre a natureza

(SANTOS, 2006) - se tem como instrumentos de investigação a relação homem-natureza, homem-

homem, homem-trabalho, homem-espaço, por serem categorias fundamentais. Como ensina Santos:

(2006, 25) “categorias fundamentais como o homem, a natureza, as relações sociais estarão sempre

presentes como instrumentos de análise, embora a cada período histórico o seu conteúdo mude.”

Nesse sentido, e compartilhando com Santos de que:

O exercício da apresentação da totalidade é um trabalho fundamental e básico para a compreensão do lugar real e epistemológico que, dentro dela, têm as suas diferentes partes ou aspectos. Todavia, o conhecimento das partes, isto é, do seu funcionamento, de sua estrutura interna, das suas leis, da sua relativa autonomia, e a partir disto, da sua própria evolução, constituem um instrumento fundamental pra o conhecimento da totalidade. (SANTOS, 2006, 141).

Assim, leva-nos a compreender que na investigação da realidade concreta, a qual a

geografia realiza a partir da investigação do espaço, se faz válida a busca de diferentes perspectivas

que alcancem as diferentes partes do todo. O presente trabalho compreende a distinção entre o

homem, enquanto indivíduo e a práxis do indivíduo, em detrimento do homem enquanto corpo

social e da práxis da coletividade. Entretanto, a ciência que busca a compreensão do homem

enquanto indivíduo é a psicologia. A geografia deve estudar o homem enquanto corpo coletivo.

Entretanto, o corpo coletivo, que é formado por indivíduos coletivamente só possui sua práxis

própria porque os indivíduos que a constituem assim se comportam enquanto coletividade. É

exatamente a isso que se propõe o presente trabalho, à compreensão do homem a partir da ciência

geográfica, e a relação que se estabelece entre homem e espaço. Tal compreensão é indispensável

para um completo entendimento da crítica sobre os processos oriundos do modo de produção,

traduzidos no processo atual de globalização, como evidenciado na primeira parte desse capítulo.

A noção de realidade social (SANTOS, 2006) permeia o entendimento de processos

cognitivos, do indivíduo sobre a sua realidade, na qual encontrará os preceitos e condições para a

sua realização, a partir da qual irá construir a percepção de mundo e definir suas possibilidades de

ação (VIGOTSKY, 1999). Crochik (2007) evidencia a relação entre o modo de produção atual e os

conceitos de razão, ideologia e consciência, construídos a partir da realidade social, reiterados a

partir dos meios de massa (ADORNO, 2000) norteadores das ações do homem no espaço.

Quando a razão parece ter sido reduzida ao pensamento técnico; a consciência à adaptação aos preceitos vigentes e a ideologia a livres formas de pensar, é importante retomar esses conceitos, considerando que refletem, em suas contradições e contraposições, uma sociedade de mal-estar contínuo e desagregador; mal-estar esse que as ilusões e diversões fornecidas pela cultura mal conseguem disfarçar. Assim, com o risco de repetir conceitos sabidos há muito tempo e sem a riqueza das formulações originais, deve-se voltar a refletir sobre eles, indicando uma relação entre indivíduo e sociedade que continua a viger em termos talvez mais problemáticos do que os de outrora; uma reflexão tendo em vista as exigências de adaptação do indivíduo a regras sociais que quase anulam as suas possibilidades de resistência, necessária a uma crítica social fundamentada em apreciação objetiva. (CROCHIK, 2007, 176).

A análise oferecida reitera a importância da realização de uma análise geográfica que

considere os processos psicológicos, conforme a primeira parte deste terceiro capítulo buscou

elucidar - à medida que a apropriação dos conhecimentos dos processos psicológicos agregam à

crítica geográfica do espaço fundamentação teórica. Concordando com Freire (1996) que:

O melhor ponto de partida para estas reflexões é inclusão do ser humano que se tornou consciente. Como vimos, aí radica a nossa educabilidade bem como a nossa inserção num permanente movimento de busca em que, curiosos e indagadores, não apenas nos damos conta das coisas mas também delas podemos ter um conhecimento cabal. A capacidade de aprender, não apenas para nos adaptar mas sobretudo para transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a. (FREIRE, 1996, 69).

É no interior dessa compreensão que se revela a importância, também, da construção de

uma via da cidadania a partir da educação, do ensino em geografia capaz de promover a mudança e

a transformação. Já que a complexificação do espaço a partir de temas que conduzem ao

pensamento de realização da cidadania - e que ainda fornecem os instrumentos concretos de

realização da cidadania, previstas nos códigos normativos, na estrutura normativa do espaço -

conduz a uma percepção do indivíduo enquanto ser cidadão, a consolidação interna da percepção da

centralidade de tal percepção, enquanto parte da sua própria natureza enquanto homem coletivo, e

dos possíveis resultados advindos da compreensão da cidadania, que se estrutura internamente a

partir da linguagem (VIGOTSKY, 1999) e da leitura da compreensão do mundo, no qual a geografia

então assume importante papel no fornecimento de instrumentos teóricos para elucidação e na busca

da compreensão do mundo da racionalização da realidade concreta a partir de um instrumental

teórico. Vigotsky ensina que:

Um pensamento pode ser comparado a uma nuvem parada, que descarrega uma chuva de palavras. É por isso que o processo de transição do pensamento para a linguagem é um processo sumamente complexo de decomposição do pensamento e sua recriação em palavras. Exatamente porque um pensamento não coincide não só com a palavra mas também com os significados das palavras é que a transição do pensamento para a palavra passa pelo significado (VIGOTSKY, 2000, 478).

Nesse sentido a geografia enquanto ensino deve buscar o significado, e a partir das

palavras, dos conceitos, no tempo, inseridos dentro da estrutura normativa do território, da realidade

concreta, deve possibilitar a formação do pensamento, e da consciência de cidadania. Num primeiro

momento, de uma cidadania que pode ser considerada mínima, pelo menos, mas à medida da

compreensão do próprio homem no espaço e dos processos psicológicos a partir do espaço, da

busca de uma cidadania que tende à plenitude, à satisfação das necessidades psicológicas, às

necessidades reais do homem em detrimento dos processos ilusórios fabricados a partir da

globalização. (SANTOS, 2001). Ensino que possibilite minimamente o aluno, indivíduo a

percepção dos símbolos criados a partir das necessidades culturais, como ensina Santos:

A cultura de massas produz certamente símbolos. Mas estes, direta ou indiretamente ao serviço do poder ou do mercado, são, a cada, fixos. Frente ao movimento social e no objetivo de não parecerem envelhecidos, são substituídos, mas por uma outra simbologia também fixa: o que vem de cima está sempre morrendo e pode, por antecipação, já ser visto como cadáver desde o seu nascimento. É essa a simbologia ideológica da cultura de massas. (SANTOS, 2001, 145).

Estes símbolos, entretanto, permeiam o espaço, a cultura, e condicionam uma visão

enviesada da realidade, em que se destaca a necessidade do dinheiro puro, em detrimento da

compreensão da solidariedade, que somente advém da compreensão do aluno enquanto cidadão.

Quanto à influência dos símbolos, criados a partir das indústrias de massa, ressalta Adorno:

[no contexto de cultura de massa] o espectador não deve trabalhar com a própria cabeça; o produto prescreve qualquer reação: não pelo seu contexto objetivo - que desaparece tão logo se dirige à faculdade pensante - mas por meios de sinais. Toda conexão lógica que exija alento intelectual é escrupulosamente evitada. (ADORNO, 2000, 185).

Desse modo, Adorno (2000) além de indicar a existência dos símbolos - “os

sinais”(ADORNO, 2000, 185); mas também indica o cuidado no processo da indústria de massa de

construir produtos que sequer estimulam a reflexão, ao contrário, imbeciliza, em função das

necessidades do capital. Ora, essa é uma contradição que se percebe no espaço, mas à medida que

se compreende os processos psicológicos, tanto enquanto saúde psíquica, como quanto em relação

aos processos cognitivos, percebe-se em profundidade o absurdo dessa condição. De tal modo que o

ensino tem, então, dever de oferecer uma contra-perspectiva ao aluno enquanto visão de mundo -

isto é caminhar no sentido da cidadania, de buscar formas transformação da realidade, seja a partir

da criação e realização de eventos culturais desconectados da indústria de massa, seja através do

movimento político organizado. A própria percepção dos processos psicológicos, então, serve para a

ampliação do entendimento da importância da busca pela via da cidadania, da consciência de ser

cidadão, que se faz a partir das duas unidades sugeridas como complementariedades nesse processo.

Pois como sugere Crochik:

A consciência depende de conhecimento, e este, segundo Kant (1781/1991), ocorre na experiência possibilitada pela relação entre os constituintes a priori do sujeito e o mundo fenomenal. Assim, há algo no objeto que o caracteriza que pode ser apropriado pelo pensamento. O conteúdo representaria o objeto, enquanto a forma representaria o sujeito. Como forma e conteúdo não se separam, a não ser quando a forma se torna o conteúdo, a projeção do sujeito suscitada e delimitada pelo objeto configuraria o conhecimento. (CROCHIK, 2007, 178).

É dentro dessa perspectiva que se compreende que os processos psicológicos devem se

inserir no ensino de geografia. Oferecendo uma dupla condição na aquisição da cidadania pelo

aluno. Em primeiro momento, cidadania à medida que o aluno consegue compreender demandas e

dinâmicas internas, inerentes ao seu processo enquanto realização do indivíduo, e assim lhe oferece

ferramentas para a análise crítica de suas necessidades, assim como o possibilita diminuir a

ansiedade, resultante da incapacidade de compreensão sobre os movimentos percebidos no espaço

pelo indivíduo.

O entendimento, a razão, seria um instrumento humano necessário à sobrevivência. Se a razão se torna um instrumento necessário e universal, não deixa, contudo, segundo Adorno (1969/1995), de ser produto da abstração das relações entre os homens numa sociedade de trocas mercantis: Na doutrina do sujeito transcendental, expressa-se fielmente a primazia das relações abstratamente racionais, desligadas dos indivíduos particulares e seus laços concretos, relações que têm seu modelo na troca. Se a estrutura dominante da sociedade reside na forma da troca, então a racionalidade desta constitui os homens; o que estes são para si mesmos, o que pretendem ser, é secundário. (p. 186). (CROCHIK, 2007, 178, 179)

Ao indivíduo que a partir do conhecimento adquirido e das ferramentas teóricas

apropriadas consegue racionalizar os processos inerentes ao seu processo individual, abre-se uma

nova possibilidade e motivação de aplicação da busca dessa racionalidade ao mundo externo, da

busca pelos instrumentos teóricos que o permitem compreender criticamente o mundo, os óculos

que o retiram da cegueira intelectual.

Num segundo momento essas mesmas ferramentas teóricas permitem ao aluno

compreender profundamente a crítica em relação ao modelo atual de produção, à medida que pode

perceber que o discurso ideológico reiteradamente repetido não passa de um discurso que busca

apelos em elementos inerentes aos processos cognitivos, mas que não correspondem à realidade.

Associado ao conhecimento da estrutura normativa, que o possibilita conhecer a agir

conscientemente no espaço, têm-se um caminho concreto na busca da realização da cidadania.

Concordando com Neves que o papel da educação deve ser o de seguir na busca da cidadania.

Esse é o objetivo de educar para a cidadania. Construir através das aulas e dos conteúdos um aluno capaz de enxergar o que esta além da sala de aula, fazer dele um ser questionador, um ser pensante de sua condição face à sociedade, do seu papel como cidadão e não meros conhecedores de fatos e do mundo, mas interpretes de seu espaço de sua postura na sociedade. (NEVES, 2010, 4).

Evidentemente, a geografia, e o ensino de geografia, necessitam realizar uma reflexão a

partir da perspectiva geográfica dos processos psicológicos, assim como foi sugerido na primeira

parte deste capítulo. A geografia pode, então, se apropriar das teorias dos principais teóricos na

psicologia, e a par de tais teorias confrontar os processos no espaços, traduzidos principalmente no

processo de globalização, permitindo a percepção dos processos em maior profundidade. Pois, que,

como ensina Santos:

Uma ciência do homem deve cuidar do futuro não como um mero exercício acadêmico, mas para dominá-lo. Ela deve tentar dominar o futuro para o Homem, isto é, para todos os homens e não só para um pequeno número deles. Se o homem não for também um projeto, retorna ao homem animal que era quando, para assegurar a reprodução de sua própria existência, não comandava as forças naturais. (SANTOS, 2006, 261).

Pois, são justamente tais pressupostos que motivam o trabalho no sentido de pensar um

ensino baseado na necessidade da cidadania, dentro dessa perspectiva de possibilidade de “dominar

o futuro”, de transformação do presente em função do Homem, na totalidade da sociedade, em

detrimento de pequeno número, acrescenta-se, relacionados ao capital. E mais, é justamente em

uma geografia, onde se inclui o ensino, quem efetivamente o Homem como projeto, em diversas

esferas, e como centralidade.

Assim, na busca de realizar uma geografia enquanto ciência e um ensino de geografia

tomando o homem no espaço, entendendo que só assim é possível compreender o espaço a partir do

homem e o homem a partir do espaço - a medida que tanto o entendimento do espaço na sua

totalidade, quanto do homem na sua totalidade, juntos, é que podem promover ao homem uma

consciência crítica sobre o mundo. Desta forma, evidenciar o papel da geografia em formar alunos

não alienados, nem aos processos existentes no espaço, que se dão a partir do modo de produção,

como dos processos internos que se dão a partir dos elementos que o cercam, existentes no espaço.

Entendendo necessário esse caminho, concordando com Neves que:

Esse paradigma freqüente dentro das salas de aulas são os “fantasmas” da educação, pois desconhecem o objetivo de educar para a cidadania. Conhecer o indivíduo que se quer moldar é fundamental para que se possa criar interação entre o educador e o aluno. (NEVES, 2010, 2).

Entende-se tal interação, como o próprio processo de construção do conhecimento: o

produto multifacetado dessa inter-relação construída em sala de aula. Freire relembra, entretanto,

um aspecto crucial na transformação da educação:

Se há algo que os educandos brasileiros precisam saber, desde a mais tenra idade, é que a luta em favor do respeito aos educadores e à educação inclui que a briga por salários menos imorais é um dever irrecusável e não só um direito deles. A luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua dignidade deve ser entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática ética. (FREIRE, 1996, 66).

Não há crítica concreta a respeito da aprimoração da educação que possa permitir escapar

tal constatação, a da necessidade de oferecimento de condições dignas aos professores na realização

do ensino. Entretanto, ao que tange às propostas sugeridas no presente trabalho, pode-se encontrar

eco no seguinte pensamento de Freire:

A fome frente à abastança e o desemprego no mundo são imoralidades e não fatalidades como o reacionarismo apregoa com ares de quem sofre por nada poder fazer. O quero repetir, com força é que nada justifica a minimização dos seres humanos, no caso das maiorias compostas de minorias que não perceberam ainda que juntas seriam a maioria. Nada, o avanço da ciência e/ou da tecnologia, pode legitimas uma “ordem” desordeira em que só as minorias do poder esbanjam e gozam enquanto às maiorias em dificuldades até para sobreviver se diz que a realidade é assim mesmo, que sua fome é uma fatalidade do fim do século. Não junto a minha voz à dos que, falando em paz, pedem aos oprimidos, aos esfarrapados do mundo, a sua resignação. Minha voz tem outra semântica, tem outra música. Falo da resistência, da indignação, da “justa ira” dos traídos e dos enganados. Do seu direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que são vítimas cada vez mais sofridas.(FREIRE, 1996, 101).

Pois, estão contidos neste consciente pensamento de Freire, a compreensão, e os

pressupostos éticos, as justificativas, sociais, e também porque não dizer científica - pois à medida

que se faz a crítica à ciência, também se está fazendo crítica à ciência, e vice-versa, numa relação

não imediata, mas concreta (Crochik, 1996, 176) - que movem, e revelam a necessidade, do

presente trabalho; e da necessidade do ensino em assumir o papel na formação da cidadania, de

refletir sobre os possíveis caminhos nessa construção.

Capítulo 4 – Conclusões - Uma geografia transformadora

Este último capítulo é reservado à apresentação das conclusões gerais do trabalho, à

retomada das conclusões parciais apresentadas no capítulo reveladas a partir da totalidade, do

sentido maior em qual se insere este trabalho que é a reflexão sobre as potencialidades da educação;

assim como a percepção do papel desta na construção de uma nova possibilidade de realização da

sociedade no espaço, assim de uma outra forma na realização da própria produção do espaço, a

partir da racionalização, da intelectualização dos processos e do espaço. Assim como da reflexão na

busca de um ensino de geografia, cujo papel se revelou crucial no movimento de construção da

cidadania a partir da educação, que sirva à construção da cidadania, dos seus mínimos requisitos

enquanto condição de existência à busca de sua totalidade, da realização da cidadania plena.

O método utilizado para investigação das possibilidades de construção de uma outra forma

de ensino, crítica, completa, engajada, revelou-se adequada á medida que a análise dialética das

contradições na construção da educação foram reveladas, assim com as inter-relações destes

processos com demais processos no espaço, revelando o intrincado sistemas de objetos e de ações, o

conjunto solidário de sistemas que constituem o espaço em sua totalidade, no tempo. De tal forma,

em certa medida é possível observar que em determinada parcela do conjunto que se apresenta a

partir das duas proposições apresentadas (a estrutura normativa do espaço, e os processos

psicológicos tomados no espaço) enquanto unidade na construção de um ensino possibilitador da

materialização da cidadania observa-se que as proposições também se revelam enquanto métodos

na construção do ensino, e também da própria investigação geográfica enquanto ciência; de tal

modo que a proposição deste projeto se insere na discussão epistemológica da ciência geográfica e

na discussão dialética da relação na geografia ensino-ciência. Também o método de análise se

demonstrou satisfatório à medida que o primeiro capítulo deste trabalho serviu ao segundo e ao

terceiro como entendimento da geografia e dos processos e movimentos do pensamento geográfico,

que subsidiaram as discussões ora suscitadas.

Se faz mister ressaltar que a partir da análise realizada percebeu-se que em parte a estrutura

normativa camufla os processos de globalização no espaço, na medida em que a estrutura normativa

em sua rigidez e em suas diversas temporalidades, apresenta-se em maior parte em sua

caracterização enquanto rugosidade (SANTOS, 2001), ou seja, enquanto formas que se relacionam

no tempo com momentos históricos anteriores solidificados a partir do registro normativo de

instrumentos, que negligenciam processos globais em detrimento de outros processos, que muitas

vezes que não encontram mais fundamentação na realidade concreta dos dias atuais. O que ressalta

a importância de a geografia enquanto ensino e enquanto pesquisa tomar a análise deste elemento

da estrutura normativa revelando suas contradições a partir da totalidade do espaço, da realidade

concreta, no tempo.

Como foi observado, o elemento da estrutura normativa do espaço tem importantes

aplicações na investigação do espaço pela geografia à medida que se coloca como instrumento de

reflexão do próprio espaço, ou seja, a partir da realização da análise do espaço a partir do elemento

estrutura normativa aprofunda-se a crítica sobre os processos, à medida que se revelam em

intensidade as fragmentações do espaço, e mais, tal caminho se apresenta como um meio de

viabilizar a construção da cidadania através do ensino de geografia à medida que oferece ao aluno

condições de se instrumentalizar, intelectualmente, e também cognitvamente, à medida que se

apropria dos instrumentos normativos previstos que lhe garantem direitos e garantias no território.

Trata-se então da construção de um aspecto da cidadania, que mesmo que mínima, ainda não se

configura como realidade no Brasil, tanto quanto evidencia-se a importância da consolidação de tal

aspecto da cidadania, no caminho de sua construção.

O terceiro capítulo, de tal modo, quando revela a análise dos processos psicológicos a

partir da geografia, apresenta a necessidade desta perspectiva dentro do sentido da construção da

cidadania, que possibilita o aprofundamento e a expansão num movimento de busca pela cidadania

plena.

Percebe-se a partir deste trabalho a fundamental importância da ampliação dos horizontes

da geografia ensinada nas escolas. Enquanto geografia que se ensina, é necessário trazer as

discussões realizadas sobre o espaço para a sala de aula, mesmo que ainda seja um desafio

complexo, o ensino em geografia não pode se usurpar das potencialidades de trabalhar os conceitos

geográficos em sala de aula, enquanto instrumentos de reflexão sobre o espaço, reveladores das

dinâmicas dos processos em detrimento da compreensão fatalista e naturalista da realidade concreta.

Se o papel da geografia enquanto ensino é o de proporcionar ao aluno uma visão crítica a respeito

do mundo, uma consciência crítica a respeito do espaço, em sua totalidade, ou seja a oferecendo-o a

possibilidade de agir conscientemente no espaço, ela deve sim buscar caminhos de inserir estas

questões no ensino da geografia. A complexidade dessa tarefa é, de fato, um aspecto importante a

ser relevado, assim como da relação da própria educação com os processos no espaço, que

demonstram as inter-relações entre os diversos sistemas que constituem o espaço, as ideologias, os

símbolos, e as indústrias culturais, a íntima relação destes com o modo de produção dominante.

Entretanto a possibilidade de instrumentos como o ensino dos princípios contidos na

Constituição Federal e nos estatutos podem proporcionar ao aluno sua realização enquanto cidadão,

ainda que minimamente, mas urgentemente necessária, e ainda, associado ao entendimento, e

reflexão a partir do espaço, e do ensino pela geografia dos processos psicológicos do homem,

enquanto ser social e cultural, criam possibilidades de uma compreensão mais profunda, reveladora

do espaço em sua totalidade, que não pode negligenciar a relação homem - espaço, mas intensifica a

investigação dessa relação dicotômica. Não se trata de um ensino de direito, onde os elementos

normativos são tomados a parti da esfera jurídica; ou de psicologia, onde os elementos intrínsecos

ao homem enquanto ser animal são relevados. Ou seja, não se trata de um ensino de direito e

psicologia na geografia; ao contrário, como revelou o trabalho em profundidade e importância,

trata-se da possibilidade de alcançar no espaço contradições que se completam enquanto crítica

como foi bem demonstrado no capítulo segundo e terceiro. Trata-se de um ensino de geografia que

leva em conta os processos psicológicos do homem enquanto ser social.

A discussão proposta por esse trabalho revela imprescindível para seu aprofundamento a

discussão, sempre necessária, sobre a reforma curricular nos cursos de geografia, e principalmente

da reforma do material didático, que deve ter sua discussão iniciada do movimento horizontal dos

professores e pesquisadores em geografia.

Por fim, trata-se de aceitar o espaço como uma produção do homem, e aceitar que para

compreendê-lo é necessário compreender o homem, e se a geografia pretende exercer o seu papel de

possibilitar a emancipação e promover ao aluno a leitura crítica do mundo, deve se propor à

ampliação destes dois horizontes. Santos (2006) ressalta o papel do intelectual na transformação da

sociedade, assim como da geografia, e para tal a evidência do papel ativo da geografia.

A importância da reflexão do espaço na investigação dos processos na geografia enquanto

ciência e no ensino em geografia, assim, entendidos como essencial no projeto que se pretende

enquanto uma geografia, e um ensino de geografia, que possibilite instrumento para a realização da

cidadania, mesmo que mínima - e como elemento fundamental no exercício, e construção das vias

da cidadania num processo democrático que se aprofunde o entendimento de que a reflexão do

espaço a partir das suas categorias de análise se fazem urgentes no ensino de geografia nos ensinos

fundamental e médio, e que uma forma que se mostra como caminho de cidadania, altamente eficaz,

é da discussão e reflexão do espaço a partir do conhecimento da estrutura normativa do espaço, para

o qual se mostram em relevante conteúdo para a realização da discussão e investigação do espaço,

esse aspecto, da estrutura normativa que se revela a partir da Constituição Federal e Estatuto da

Criança e do Adolescente, e Estatuto do Idoso.

A apropriação dos conhecimentos dos processos psicológicos a partir da geografia revela

que a busca de realização de uma geografia enquanto ciência e um ensino, tomando o homem no

espaço, só pode ser possível a partir da compreensão do espaço a partir do homem, e o homem a

partir do espaço - à medida que tanto o entendimento do espaço na sua totalidade, quanto do

homem na sua totalidade, juntos, é que podem promover ao homem uma consciência crítica sobre o

mundo. Da importância necessária do auto-conhecimento como pré-requisito indispensável para o

conhecimento da realidade externa. Percebendo que estes dois esforços de questionamentos, se

podem ser tomado separadamente, e efetivamente o podem, quando juntos constituem unidade

teórica e instrumental de análise capaz de propiciar à geografia a intensificação e aprofundamento

da crítica em sua totalidade, na investigação do espaço; e no ensino, propiciam um caminho amplo e

altamente revelador da condição de realização de ser cidadão, de cidadania, no espaço, como

instrumentos de modificação da realidade, num sentido de propiciarem a ação concreta do

indivíduo, enquanto sujeito social, sobre as estruturas presentes no espaço que constituem a sua

realidade. Desta forma evidenciam o papel da geografia na formação de alunos não alienados - em

relação aos processos existentes no espaço, que se dão a partir do modo de produção, como dos

próprios processos internos que se dão a partir dos elementos que o cercam, existentes no espaço.

Assim, se caracteriza a importância da realização conjunta das duas perspectivas oferecidas

na construção da cidadania, à medida que realizadas paralelamente cada qual contribui com o

aprofundamento da crítica, e da investigação do espaço, tanto quando constituem unidade nesse

sentido de construção como condição de aprofundamento da reflexão sobre os processos no espaço.

A discussão apresentada, portanto, não pode ser compreendida como uma orientação rígida

e totalitária, como solução única e totalizante, inserida nos amplas e complexas questões tocantes à

problemática do ensino. Tal discussão ora realizada se apresenta antes como proposição de questões

para reflexão e debate dentro da geografia, inclusive sobre a relação na geografia entre ensino e

ciência. Parte-se das hipóteses fundamentais que se inserem na problemática da educação, e assim

do ensino da geografia, da percepção da importância deste ensino na transformação consciente da

realidade, e assim na construção da cidadania, e argumenta-se a partir da visualização de duas

unidades menores, que associadas constituem uma unidade maior de análise capaz de proporcionar

uma dupla via de aprofundamento da investigação do espaço; e de intensificação da crítica, ao

mesmo tempo na construção de uma via de realização da cidadania, enquanto possibilidade de

surgimento de um processo solidário a partir da compreensão mais completa sobre os processos no

espaço, e da realização de um novo projeto de sociedade, que contemple em sua centralidade o

homem, e não apenas pequena parcela da sociedade, um número pequeno de homens intimamente

relacionados ao capital, mas a toda sociedade - homens e mulheres - a todos os indivíduos. Capaz

de possibilitar aos homens e mulheres uma outra forma de realização do cotidiano, de existência, da

vida, uma forma capaz de oferecer a todos possibilidades de realização criativa e desenvolvimento

livre de todos os potenciais humanos.

Bibliografia ABREU, Waldir F. “A História da Contrução do Estatuto da Criança e do Adolescente e a Política de Atendinto: Reflexões para o debate.” Margens Virtual, Abaetetuba, Pará, v.1, n.1, 2007. Disponível em: <http://www.ufpa.br/nupe/artigo11.htm> ADORNO, Theodor W. Teoria da cultura de massa. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 2000. ALMEIDA, Dayse C. “Estatuto do Idoso: real proteção aos direitos da melhor idade?”. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 120, 1 nov. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4402> ALTHUSSER, L. Freud e Lacan. Marx e Freud: introdução crítica-histórica. 2º ed. Rio de Janeiro, RJ: Edições Graal, 1985. ALVES, Glória da Anunciação. Cidade, cotidiano e TV. In.: A geografia em sala de aula. São Paulo, SP: Contexto, 1999. ARONSON, Elliot. & WILSON, Timothy. D. & AKERT, Robin, M. Psicologia Social. 3°ed. Rio de Janeiro, RJ: Livros Técnicos e Científicos Editora LTC, 2002. BATISTA, Neusa C. A Organização da Educação Básica Brasileira em Perspectiva Histórica: ênfase no período republicano e na educação elementar. (2009). Disponível em: <http://www.pead.faced.ufrgs.br/sites/publico/eixo5/organizacao_gestao/modulo3/texto_base.pdf> BELL, David. Paranóia – Conceitos da Psicanálise. v.6. Rio de Janeiro, RJ: Relume Dumará: Ediouro: Segmento Duetto, 2005. BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. Rio de janeiro, RJ: Ediouro, 1996. CARLOS, Ana Fani A. A cidade. Rio de janeiro, RJ: Contexto, 2007. CARLOS, Ana Fani A. A geografia em sala de aula. São Paulo, SP: Contexto, 1999. CAROPRESO, Fátima. & SIMANKE, Richard T. “O conceito de consciência no Projeto de uma Psicologia de Freud e suas implicações metapsicológicas”. Trans/Form/Ação, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 85-108, 2005. CASSAB, Clarice. “Reflexões sobre o ensino de geografia”. Geografia: Ensino e Pesquisa, Santa Maria, RS, v. 13, n. 1, p. 43-50, 2009. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> CÓRDOVA, Rogério A. Módulo IV: Organização da Educação Brasileira. Brasília, DF :

Universidade de Brasília, 2008. CROCHIK, J. Leon. “Teoria Crítica da Sociedade e Estudos sobre o Preconceito”. Revista Psicologia Política, Belo Horizonte, MG, v. 1, n. 1, p. 67-99, 2001. CROCHIK, J. Leon. Teoria Crítica e Formação do Indivíduo. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo, 2008. CROCHIK, J. Leon. “Razão, Consciência e Ideologia: Algumas Notas”. Estilos da Clínica, São Paulo, SP: Vol. 12, n. 22, p. 176-195, 2007. DAMIANI, Amélia L. A geografia e a construção da cidadania. In.: A geografia em sala de aula. São Paulo, SP: Contexto, 1999. DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. 2. ed. São Paulo, SP: M Fontes, 1999. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 13. ed. São Paulo: EDUSP, 2008. FERNANDES, Manoel. Aula de Geografia e algumas crônicas. Campina Grande, PB: Bagagem, 2003. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários a pratica educativa. 16. ED. São paulo, SP: Paz e Terra, 1996. FREUD, Sigmund. Mal-estar na civilizacao(o). Rio de janeiro, RJ: Imago, 1974. GALEANO, Eduardo H. As veias abertas da América Latina. 36. ed. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1994. GLASSMAN, W. E. & HADAD, M. Psicologia: Abordagens atuais. 4°ed Porto Alegre, RS: Artmed, 2008. HALL, C. S. & LINDZEY, G. Teorias da Personalidade. São Paulo, SP: Artmed, 2000. HAESBAERT, R C. Morte e vida da região: antigos paradigmas e novas perspectivas da Geografia Regional. Anais do XXII Encontro Estadual de Geografia. Porto Alegre: AGB 2003. HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de janeiro, RJ: Livros Técnicos e Científicos Editora S. A. LTC, 1986. JORNAL FOLHA. In. Folha.com, 2008. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u437425.shtml KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. 2ºed. São Paulo, SP: Paz e Terra, 1976. LARAIA, Roque de Barros. Cultura – Um Conceito Antropológico. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor J.Z.E, 1993. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990 - Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, 1990. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>

LEI No 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003. - Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências., 2003. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2003/L10.741.htm > LOPEZ, Luiz R. História do Brasil contemporâneo. 8º ed. Porto Alegre, RS: Mercado Aberto, 1997. MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização – Uma interpretação Filosófica do Pensamento de Freud. 5°ed. Rio de Janeiro, RJ: Zahar Editores, 1972. MARX, Karl. O Capital:: crítica da economia política. 8. ed. Rio de janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 2000. MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. [tradução Isa Tavares]. - 2 ed. - São Paulo, SP: Boitempo, 2008. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25 ed. Atlas, 2010. MORAIS, A. C. Robert. Geografia Crítica: A valorização do espaço. São Paulo, SP: Hucitec, 1984. MORAIS, A. C. Robert. Geografia - Pequena história crítica. São Paulo, SP: Hucitec, 1994. MORAIS, A. C. Robert. Ideologias Geográficas. São Paulo, SP: Hucitec, 1991. MOREIRA, Ruy. O Círculo e a Espiral: para a crítica da geografia que se ensina. Niterói, RJ: Edições AGB Niterói, 2004. MOREIRA, Ruy. O Discurso do Avesso (Para a Crítica da Geografia que se Ensina). Rio de Janeiro, RJ: Dois Pontos, 1988. MOREIRA, Ruy. Para onde vai o Pensamento Geográfico?: Por uma Epistemologia Crítica. São Paulo, SP: Contexto, 2006. NEVES, Sammyla C. O. Geografia escolar: mudanças e perspectivas. 2010. Disponível em: <http://www.agb.org.br/anais.com> OLIVA, Jaime T. Ensino de Geografia: um retrato desnecessário. In.: A geografia em sala de aula. São Paulo, SP: Contexto, 1999. SANTANA, M. Sílvio de. “O que é cidadania”. 2009. Disponível em: <http://advogado.adv.br/estudantesdireito/fadipa/marcossilviodesantana/cidadania.htm> SANTOS, Milton. A Urbanizaçao Brasileira. São Paulo, SP: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4.ed. 2.reimpr. – São Paulo, SP: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo, SP: Edusp, 2008. SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado. São Paulo: Hucitec, 1996.

SANTOS, Milton. Por Uma Geografia Nova: Da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica. São Paulo, SP: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do Pensamento Único à consciência universal. 5°ed. – Rio de Janeiro, RJ: Record, 2001. SARTRE, Jean Paul. Em defesa dos intelectuais. São Paulo, SP: Ática, 1994. SARTRE, Jean Paul. O existencialismo e um humanismo + a imaginação + questão de método. 3. ed. Sao paulo, SP: Nova Cultural, 1987. STRAFORINI, Rafael. Ensinar geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries iniciais. São Paulo, SP: Annablume, 2008. VIGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. Sao paulo, SP: M Fontes, 2001. VIGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. SP, Martins Fontes, 1999.