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1 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE DIREITO LICENÇA-PATERNIDADE NO BRASIL: SITUAÇÃO ATUAL E POSSIBILIDADES DE MUDANÇAS RAFAEL MONTEIRO DE CASTRO NASCIMENTO Brasília 2013

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE DIREITO

LICENÇA-PATERNIDADE NO BRASIL: SITUAÇÃO ATUAL E POSSIBILIDADES DE MUDANÇAS

RAFAEL MONTEIRO DE CASTRO NASCIMENTO

Brasília 2013

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RAFAEL MONTEIRO DE CASTRO NASCIMENTO

LICENÇA-PATERNIDADE NO BRASIL: SITUAÇÃO ATUAL E POSSIBILIDADES DE MUDANÇAS

Monografia apresentada à Faculdade de Direito da

Universidade de Brasília, para obtenção do título de

Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Drª. Alejandra Leonor Pascual

Brasília 2013

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RAFAEL MONTEIRO DE CASTRO NASCIMENTO

LICENÇA-PATERNIDADE NO BRASIL: SITUAÇÃO ATUAL E POSSIBILIDADES DE MUDANÇAS

Monografia apresentada à Faculdade de Direito da

Universidade de Brasília, para obtenção do título de

Bacharel em Direito. Orientadora: Alejandra Leonor Pascual

Brasília, 19 de julho de 2013.

Banca Examinadora:

Orientadora: Profª. Drª. Alejandra Leonor Pascual - UnB

Membro: Esp. Deice Silva Teixeira - UnB

Membro: Bela. Talitha Selvati Nobre Mendonça - UnB

Membro Suplente: Mª. Ângela Pires Pinto – UnB

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AGRADECIMENTOS

A meu filho Theo, tão novo, mas tão paciente e compreensivo com minha ausência

momentânea no fim da graduação, obrigado pelo amor e carinho que me fazem querer

participar de cada momento da sua vida e que me motivaram a escrever esta monografia.

À minha companheira, Myrna, por tanto que não creio ser capaz de aqui resumir, mas

especialmente pela sugestão do tema, pelas inúmeras conversas sobre o assunto e por nossa

própria relação, que tanto tem me ensinado, sensibilizado e despertado para novos olhares.

À minha família, pela ajuda cotidiana e compreensão no final da graduação – não conseguiria

sem vocês e espero retribuir-lhes sempre que houver oportunidade.

À minha orientadora, pela amizade e pela disposição infinita para me ajudar sempre que lhe

pedi, com a simpatia, atenção e entusiasmo que nunca lhe faltam.

A todas as pessoas que cruzaram o meu caminho e experiências que tive a oportunidade de

vivenciar, por terem me trazido até aqui e agora.

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RESUMO

O presente trabalho analisa a história da licença-paternidade no Brasil e as razões

materiais para seu prazo exíguo e tão díspare em relação à licença-maternidade. A partir de

um estudo histórico, constata-se que essas características da licença-paternidade, existentes

desde sua mais incipiente formulação e mantidas até os dias atuais – inclusive na própria

Constituição Federal –, constitui reflexo das dominantes concepções de família e dos papéis

atribuídos a homens e mulheres em nossa sociedade. Defende-se que a disparidade existente

entre a licença-paternidade e a licença-maternidade não se adequa a uma sociedade que se

propõe efetivamente igualitária, uma vez que institucionaliza a divisão sexual do trabalho e

não atende, em absoluta, às famílias monoparentais e homoafetivas masculinas. Para além da

crítica à situação atual, o presente trabalho discute possibilidades de mudanças institucionais,

legislativas e judiciais, sobre a licença-paternidade. Por fim, é realizado estudo de direito

comparado sobre licenças remuneradas para cuidados de filhos, perquirindo-se sobre a

legislação que seja efetivamente igualitária.

Palavras- chave: licença-paternidade; igualdade de gênero; divisão sexual do trabalho

ABSTRACT

This paper examines the history of paternity leave in Brazil and the reasons for its tiny

and so disparate term in relation to maternity leave. From a historical study, it appears that

these characteristics of paternity leave, which exist since its most incipient formulation and

persist to the present day - including the Constitution itself - is a reflection of the dominant

conceptions of family and the roles assigned to men and women in our society. It is argued

that the disparity between paternity leave and maternity leave does not suit a society that aims

to promote equality, since institutionalizes the sexual division of labor and does not

minimally matter male single-parent and male homosexual families. In addition to the

criticism of the current situation, this paper discusses possibilities of institutional changes,

both legislative and judicial, on paternity leave. Finally, it is conducted comparative law study

on paid parental for leaves child care, inquiring about a legislation that is effectively equal.

Keywords: paternity leave; gender equality; sexual division of labor

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO..........................................................................................................................7

1. FAMÍLIA, TRABALHO E DIREITOS NA HISTÓRIA RECENTE DO BRASIL......9

1.1 A família patriarcal e a divisão sexual do trabalho...................................................9

1.2. As mudanças sociais e familiares a partir da década de 1970...............................12

1.3. O surgimento da (nomenclatura) licença-paternidade...........................................16

2. O PROBLEMA DO EXÍGUO PRAZO DE LICENÇA-PATERNIDADE..................18

2.1. A institucionalizada divisão sexual do trabalho.....................................................18

2.2. A invisibilização das famílias monoparentais e homoafetivas masculinas............21

3. POSSIBILIDADES DE MUDANÇAS........................................................................24

3.1. As propostas legislativas........................................................................................24

3.2. A via do Poder Judiciário.......................................................................................27

3.3. Direito comparado: tendências internacionais e a experiência sueca....................31

CONCLUSÃO..........................................................................................................................37

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................40

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INTRODUÇÃO

A primeira previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro assemelhada à licença-

paternidade constava da Consolidação das Leis Trabalhistas, de 1943, a qual estabelecia que

o empregado poderia faltar a um dia de trabalho em caso de nascimento de filho, “para o fim

de efetuar o registro civil”. O direito somente veio a ser ampliado e denominado “licença-

paternidade” com a Constituição Federal de 1988, que a garantiu em seu art. 9o, XIX, e

determinou que seu prazo fosse de cinco dias, até que houvesse regulamentação legal, o que

até a presente data não ocorreu.

Comparada à licença-maternidade - que já nasceu com duração de seis semanas, foi

ampliada para 120 dias e teve seu custeio repassado para a previdência social - a licença-

paternidade parece ter evoluído pouco desde a sua criação. E isso não é fruto do acaso.

Resulta de históricas e tradicionais concepções de “família” e dos próprios papéis atribuídos a

homens e mulheres. Com efeito, predomina em nossa sociedade há séculos a ideia de que

família é somente aquela instituição composta por “pai, mãe e filhos” e que qualquer outra

configuração que fuja a esse modelo não pode ser considerada como tal. Outrossim, são

reservados a homens e mulheres papéis específicos e bem definidos: àqueles, o trabalho

remunerado e produtivo; a essas, o trabalho doméstico e reprodutivo; em uma lógica que se

pode chamar de divisão sexual do trabalho.

No entanto, a tradicional concepção de família e a divisão sexual do trabalho tem

entrado em declínio a partir da metade do século XX e início do século XXI. O movimento

feminista possui forte influência nesse processo, questionando as convenções sociais de

gênero estabelecidas e exaltando os Estados a promoverem efetiva igualdade entre os sexos.

Novas configurações familiares - como uniões homoafetivas e famílias monoparentais - tem

surgido, pleiteando reconhecimento pelo Estado e direitos iguais aos concedidos a famílias

tradicionais.

Esse processo, contudo, não tem sido acompanhado pelo direito brasileiro, que insiste

na manutenção de uma distinção, não só nominal, mas qualitativa entre licença-maternidade e

licença-paternidade. Dessa forma, a enorme diferença verificada entre os prazos e outras

características dessas licenças configura um reforço institucional das clássicas concepções de

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família e de divisão sexual do trabalho, que não se coadunam com uma sociedade que se

propõe a alcançar efetiva igualdade de gênero.

Para além da constatação do sexismo presente na legislação sobre a matéria, pretende-

se no presente trabalho discutir, sob um enfoque pragmático, as possibilidades de mudança

nesse cenário, seja pela via legislativa seja pela via judicial, bem como as atuais tendências

internacionais sobre o assunto. Ao final, discorre-se sobre a experiência de implementação de

um sistema de licença remunerada para ambos os pais, na Suécia, como parâmetro para uma

eventual reforma na legislação brasileira.

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1. FAMÍLIA, TRABALHO E DIREITOS NA HISTÓRIA RECENTE DO BRASIL A licença-maternidade e a licença-paternidade, enquanto instrumentos jurídicos de

conciliação entre a vida familiar e a vida profissional, não podem ter suas origens

compreendidas senão com o estudo da história da família brasileira e da relação de seus

integrantes com o trabalho externo e doméstico. São esses, portanto, os eixos norteadores da

análise do surgimento e desenvolvimentos dos referidos institutos no ordenamento jurídico

brasileiro: a família e o trabalho.

1.1. A família patriarcal e a divisão sexual do trabalho

Gilberto Freyre é tido pelos historiadores como um dos primeiros estudiosos a se

voltar para a vida privada brasileira, descrevendo com riqueza de detalhes o patriarcado,

modelo familiar predominante na sociedade do século XIX. Nesse arranjo, o homem era

detentor do poder político e econômico e exercia sua autoridade sobre todos os demais

membros da família. Havia clara divisão sexual das tarefas, em que a mulher era responsável

pela realização do trabalho doméstico e o homem pelo trabalho externo remunerado, sendo

considerado o “provedor” (FREYRE, 1998).

Convergindo com as descrições freyreanas, Pratta e Santos (2007) denominam como

“família tradicional” o modelo familiar mais comumente encontrado no Brasil do início do

século XX até meados dos anos 60, o qual seria caracterizado pela delimitação social e

cultural de papéis específicos atribuídos ao homem e à mulher. Como já descrito acima, esse

modelo preconizava que o homem era o provedor financeiro da família, responsável pelo

trabalho remunerado, ao passo que a mulher era a encarregada do trabalho doméstico.

Em meio à realidade social acima descrita, a licença-maternidade surge no Brasil, em

1943, com o advento da Consolidação das Leis Trabalhistas -CLT-, a qual previa, em seu

artigo 392, ser “proibido o trabalho da mulher grávida no período de seis (6) semanas antes e

seis semanas depois do parto”. Como explicar, contudo, que tal fato tenha ocorrido

justamente em um período em que a mulher predominantemente não exercia trabalho

remunerado, mas tarefas domésticas?

Samara (2002, p. 27) contesta as descrições de Gilberto Freyre e aponta que a família

patriarcal não foi predominante na sociedade brasileira durante o século XIX, tampouco no

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início do século XX. Analisando dados do Primeiro Censo Geral do Brasil, realizado em

1872, a autora conclui que, principalmente nas classes sociais mais baixas, e a partir do

desenvolvimento da indústria têxtil, a mulher exercia, sim, trabalho remunerado e era

considerada “chefa de família” em número significante de lares, aproximadamente 30%

(2002, p. 30).

Não obstante, ainda que a mulher já exercesse trabalho remunerado naquela época, é

certo que o acumulava com as tarefas domésticas. Além de não contestar tal fato, Samara

elenca como possível causa o reforço do modelo patriarcal pela legislação então vigente. Com

efeito, mesmo no Código Civil de 1916, as mulheres casadas eram ainda consideradas

incapazes e, os homens, chefes de família (SAMARA, 2002, p. 33).

Nesse ponto, a análise do contexto internacional mostra-se importante, uma vez que a

CLT foi elaborada sob forte influência dos direitos trabalhistas conquistados nos países

europeus. Como explica Alice Monteiro de Barros (1995, p. 30), a Revolução Industrial

acarretou a utilização do trabalho feminino e infantil em larga escala, tendo em vista a baixa

remuneração paga a esses trabalhadores e a ausência de mão-de-obra masculina, em razão das

guerras. Nesse contexto, surgem as primeiras normas protetivas do trabalho feminino, dentre

as quais se destacam, segundo Miguel Horvath (apud SANTOS, 2011, p. 13):

(...) proibir o trabalho das mulheres em subterrâneos (Inglaterra, Cool Mining Act, de

1842); limitação da jornada diária de trabalho a 10 horas (Inglaterra, Ten Hours Act, de

1847); proibição do trabalho insalubre e perigoso às mulheres (Inglaterra, Factory and

Workshop Act, de 1876); proibição do trabalho da mulher em minas e pedreiras e do

trabalho noturno (França, Lei de 19 de maio de 1874); limitação da jornada para as

mulheres a onze horas de trabalho (França, Lei de 2 de novembro de 1892); atribuição

do direito de repouso não remunerado de oito semanas às mulheres grávidas, proibindo

as de carregar objetos pesados (França, Lei de 28 de dezembro de 1909) e norma

mínima de proteção à mulher (Alemanha, 1881).

Alinhada ao surgimento de medidas protetivas às trabalhadoras no âmbito interno dos

Estados europeus, a OIT elaborou a Convenção nº 3, de 1919, que tratava essencialmente da

proteção à maternidade. A referida norma estabelecia, em seu artigo 3º, que as mulheres não

seriam autorizadas a trabalhar durante um período de seis semanas após o parto. Mediante a

apresentação de um atestado médico, a mulher também poderia faltar ao trabalho nas seis

semanas que antecedessem o parto. A Convenção ainda conferia às trabalhadoras o direito a

receber uma indenização suficiente para sua manutenção e de seu filho, bem como a duas

folgas de meia hora para amamentação, após o esgotamento da licença.

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O Brasil ratificou a Convenção nº 3 da OIT em 26 de abril de 1934. E foi sob a

influência das já consolidadas legislações trabalhistas protetivas da maternidade na Europa

que a licença-maternidade surgiu no Brasil, em 1943, com o advento da Consolidação das

Leis Trabalhistas – CLT, a qual previa em seu artigo 392, à semelhança da Convenção nº 3 da

OIT, ser “proibido o trabalho da mulher grávida no período de seis (6) semanas antes e seis

semanas depois do parto”.

Não por acaso, foi nesse mesmo período que o Brasil vivenciou sua própria

“revolução industrial”. Segundo Carvalho (2001), o ano de 1930 inaugura um período de

profundas transformações políticas e sociais no Brasil, a partir de um rompimento com o

antigo domínio do Estado pelas oligarquias representantes dos interesses agrários na Primeira

República, abrindo espaço para a política industrializante conduzida por Getúlio Vargas. É

nesse período que surgem as primeiras legislações trabalhistas e previdenciárias, ainda que

exclusivistas.1

Mark Poster (apud BORBA e CORREIA, 2006) descreve modelos familiares que

ajustam-se tanto à realidade europeia após a Revolução Industrial quanto à realidade brasileira

de meados do século XX. Embora reconheça a contínua e forte influência do patriarcalismo

em todos os tipos familiares descritos, o autor observa que na família operária, em

contraposição à família burguesa, a mulher não exercia apenas funções domésticas, mas

também o trabalho remunerado, do qual a família dependia para seu sustento. Assim, nas

famílias mais pobres, a mulher acumulava as duas funções, o que se coaduna com a tese

defendida por Samara (2008).

A grande influência do patriarcado na sociedade, que atribuía sem quaisquer

questionamentos o trabalho doméstico às mulheres, bem como o processo de industrialização

brasileiro, que forçou as mulheres a exercerem trabalho remunerado externo, e o contexto

internacional de conquistas de direitos sociais e trabalhistas, portanto, consistiram nos fatores

determinantes para o surgimento da licença-maternidade no Brasil.

1 Ver ressalvas de Carvalho (2001) quanto à inaplicabilidade da legislação trabalhista aos trabalhadores rurais

e domésticos. A exclusividade de direitos reforça o seu caráter de privilégio e de concessão do Estado, o que

impões sérias restrições à categorização de tais direitos, no Brasil, como “conquistas sociais”.

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1.2. As mudanças sociais a partir da década de 1970

Na década de 1970, após grande repressão do regime militar, volta a ganhar

visibilidade no Brasil o movimento feminista. Segundo Cynthia Sarti (2004, pp. 36-37),

diversos fatores contribuíram para seu ressurgimento no cenário político brasileiro nesse

período, tratando-se de singular momento histórico. Reconfigurado em meio à resistência e

experiência das mulheres militantes e vítimas da opressão do regime militar, o movimento

feminista brasileiro foi estimulado pelo contexto político, econômico e internacional da

época, marcado pela modernização do país, pela efervescência cultural de 1968 – relacionada

a novos comportamentos afetivos e sexuais –, e pelo reconhecimento oficial da ONU da

desigualdade de gênero como um problema social.

Paralelamente, no fim da década de 1970, começa a surgir o movimento LGBT no

Brasil, com a criação do Grupo Somos de Afirmação Homossexual. Ricardo Soares explica

que o movimento trabalhava, inicialmente, questões relativas à afirmação da identidade

homossexual e à despatologização da homossexualidade, então tratada como doença.

Posteriormente, porém, novas pautas foram incorporadas ao movimento, como a luta contra

estigmatização provocada pela pandemia de AIDS - então chamada de câncer gay - e o pleito

pelo reconhecimento de direitos individuais e coletivos aos homossexuais. Segundo Soares,

“nessa fase, o destaque dentro do movimento LGBT é luta pela construção social do conceito

de família aquém do modelo moderno, ao passo que as lésbicas, os gays, as transexuais, as

travestis começam a reivindicar o direito ao casamento” (SOARES, 2012, p. 42-45).

É nesse contexto que o modelo tradicional de família começa a entrar em declínio.

Com efeito, diversos estudos apontam que desde a década de 1970 o Brasil tem vivenciado

variadas mudanças nos modelos familiares. Segundo Nascimento (2006, p. 15), dados de

censos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE demonstram que,

em média, as famílias brasileiras em 1970 eram compostas de 4,98 membros, ao passo que,

em 2000, esse número caiu para 3,52 - o que evidencia a diminuição do número de membros

em sua composição. Ainda de acordo com o autor, o movimento de queda da taxa de

fecundidade é acompanhado também por mudanças na proporção dos tipos de arranjos

familiares na população brasileira, como a diminuição do percentual de famílias compostas

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por “casais com filhos” e pelo incremento das famílias compostas por mulheres sem cônjuges

e com filhos, como demonstra o quadro abaixo (NASCIMENTO, 2006, p. 17)2:

Quadro 1

Famílias com parentesco, residentes em domicílios particulares, segundo o tipo de arranjo familiar Brasil – 1970-2010

Tipo de arranjo familiar 1970 1980 1990 2000 2010

Total 17 481 114 25 046 119 34 894 507 43 993 672 49 975 934

Casal sem filhos 1 916 609 2 978 420 4 203 738 5 783 250 8 859 442

Casal sem filhos e com parentes 387 435 487 844 610 506 881 208 1 273 093

Casal com filhos 10 825 428 15 234 267 20 335 906 23 915 116 24 690 256

Casal com filhos e com parentes 1 713 993 2 187 462 2 549 797 2 971 769 2 733 478

Mulher chefe/responsável (1) sem

cônjuge e com filhos

1 376 580 2 278 095 4 265 599 6 047 643 6 093 226

Mulher chefe/responsável (1) sem

cônjuge e com filhos e com parentes

317 395 547 364 936 469 1 542 017 1 995 399

Homem chefe/responsável (1) sem

cônjuge e com filhos

268 402 339 870 503 986 762 869 881 716

Homem chefe/responsável (1) sem

cônjuge e com filhos e com parentes

93 717 102 600 132 377 187 324 283 596

Outras famílias com parentesco 581 555 890 197 1 356 129 1 902 476 3 165 729 Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1970-2010. Notas: 1 - Na categoria Outro estão incluídos arranjos do tipo avó residindo com neto ou dois irmãos, etc. 2 - As pessoas na categoria de agregados, pensionistas, empregado doméstico e parente do empregado doméstico estão distribuídas nos tipos de família. (1) 1970, 1980 e 1991, relação com o chefe do domicílio; 2000 e 2010, relação com o responsável pelo

domicílio.

Pratta e Santos (2007, pp. 248-249) elencam uma série de fatores recorrentemente

apontados por diversos estudos como determinantes para as transformações observadas:

(...) Diversos fatores concorreram para essas mudanças, como o processo de urbanização e

industrialização, o avanço tecnológico, o incremento das demandas de cada fase do ciclo

vital, a maior participação da mulher no mercado de trabalho, o aumento no número de

separações e divórcios, a diminuição das famílias numerosas, o empobrecimento acelerado,

a diminuição das taxas de mortalidade infantil e de natalidade, a elevação do nível de vida

da população, as transformações nos modos de vida e nos comportamentos das pessoas, as

novas concepções em relação ao casamento, as alterações na dinâmica dos papéis parentais

e de gênero. Estes fatores, entre outros, tiveram um impacto direto no âmbito familiar,

contribuindo para o surgimento de novos arranjos que mudaram a “cara” dessa instituição

(...).

Outra nítida transformação pela qual estão passando os modelos familiares brasileiros

consiste no crescimento expressivo da chefia feminina da família. Comunicado realizado pelo

2 Quadro atualizado com dados do Censo Demográfico 2010 do IBGE.

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Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea (2010) indica que o número de famílias

cujas “pessoas de referência” eram mulheres passou de 27,3% para 35,2% entre os anos de

2001 e 2009. É importante destacar que tal aumento não decorreu, como se poderia pensar, de

um incremento das famílias monoparentais ou unipessoais femininas, mas sim de seu

expressivo crescimento nos arranjos familiares de casais com ou sem filhos: de 8,8% para

26,1% do total das famílias chefiadas por mulheres, entre 2001 e 2009 (Ipea, 2010).

Como visto, certamente houve um incremento expressivo da inserção da mulher no

mercado de trabalho. O que dizer, então, da participação dos homens nos afazeres

domésticos? Houve uma mudança de postura em relação à família tradicional ou tais tarefas

continuam entregues exclusivamente às mulheres?

Bruschini e Ricoldi (2012) compilaram dados colhidos pela Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílio - PNAD/IBGE 2006, que demonstram que a participação dos homens

dos nos afazeres domésticos gira em torno de 51,4%, ao passo que, a das mulheres, por volta

de 90%. De acordo com as autoras, os dados revelam, ainda, que a renda e a escolaridade tem

efeito sobre a distribuição das atividades domésticas entre homens e mulheres, sendo

observada uma divisão mais igualitária de tais tarefas à medida que renda e escolaridade

aumentam.

Outro dado relevante para se aferir a participação dos homens nas atividades

domésticas consiste na quantidade de tempo dispendido nessas atividades. E, nesse aspecto,

as mulheres também apresentam número muito maior do que os homens: cerca de 25 horas

semanais dedicadas a afazeres domésticos, em média, pelas mulheres, em contraposição de 10

horas, em média, pelos homens.

Segundo Bruschini e Ricoldi, os dados indicam a relevância da participação dos

homens nas atividades domésticas, ainda que muito aquém da das mulheres, o que constituiu

estímulo à investigação sobre a forma com que essa participação se operava, mediante

entrevistas e debates com grupos de trabalhadores de baixa renda, com filhos de até 14

(quatorze) anos de idade.

A pesquisa demonstrou que os homens apresentam grande preocupação e

envolvimento com a realização das atividades domésticas, como limpeza da casa e cuidados

com os filhos. A ideia de conciliação e divisão igualitária dos afazeres aparece mais

fortemente, principalmente em relação a pesquisa anterior desenvolvida pelas mesmas

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autoras, em 2006, quando a participação masculina nos afazeres domésticas era constante,

mas aparecia mais como “ajuda”, isto é, como auxílio periférico e subsidiário a uma atividade

tipicamente feminina.

No tocante às famílias homoafetivas, o Censo Demográfico de 2010 do IBGE foi o

primeiro a possibilitar o registro de cônjuge ou companheiro do mesmo sexo, razão pela qual

não é possível aferir a variação desse arranjo familiar nas últimas décadas. Os dados do Censo

de 2010 apontam que as famílias homoafetivas correspondem a 0,1% do total, isto é, a

aproximadamente 60 000 unidades domésticas em todo o país. Embora tal número possa

parecer relativamente pequeno, o fato de pesquisas sobre essa população terem sido feitas

pela primeira vez na história, bem como a ainda tão forte estigmatização social sofrida pelos

homossexuais, constituem indícios de que o número real de famílias homoafetivas possa ser

muito superior, algo que somente poderá ser demonstrado com novas pesquisas ao longo do

tempo.

O processo vivenciado na sociedade brasileira nesse período não passou ao largo de

modificações institucionais e legais no campo da política formal e do direito, tanto no âmbito

familiar quanto no trabalhista. A Emenda Constitucional nº 9 e a Lei nº 6.515, ambas de 1977,

atendiam a antiga reivindicação feminista e criavam o divórcio. A Lei nº 6.136/74

determinava que o custeio do salário-maternidade fosse arcado pela previdência social, e não

pelos empregadores, como forma de socializar os custos que a licença-maternidade

acrescentava à contratação de mulheres, com o objetivo de tornar mais equânime a presença

feminina no mercado de trabalho. A Constituição Federal de 1988, por seu turno, assegurou

às gestantes, no art. 10, II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Provisórias, a

estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

O movimento LGBT também obteve importantes conquistas, como despatologização

da homossexualidade, por meio de resolução editada do Conselho Federal de Psicologia, em

1999 (MOTT, 2006, p. 510). No entanto, o reconhecimento dos direitos dos homossexuais e

das famílias homoafetivas encontra maior resistência na sociedade, razão pela qual os maiores

avanços só foram muito recentemente conquistados. A maior e mais recente dessas conquistas

certamente foi reconhecimento da união estável homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal,

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no julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277/DF e da

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132/RJ3.

Como se pode verificar, existe entre as conquistas dos movimentos sociais feminista e

LGBT e a transformação dos arranjos familiares brasileiros uma relação de causa e

consequência recíproca. Na mesma medida em que a modificação observada na instituição

familiar tem permitido e estimulado a visibilização política e o fortalecimento dos

movimentos sociais, tais modificações são reforçadas pelo próprio desenvolvimento e

empoderamento dos movimentos sociais citados, por meio do questionamento das convenções

sociais estabelecidas.

Dessa forma, é certo que a realidade social brasileira vem mudando: não somente no

âmbito público, com maior inserção da mulher no mercado de trabalho e conquistas de

direitos fundamentais pelos homossexuais; mas também no âmbito privado, com a divisão

mais igualitária, embora ainda muito díspare, de atividades domésticas entre homens e

mulheres, com incremento na chefia feminina de família, e com o crescente número de

arranjos familiares não convencionais, como famílias monoparentais e homoafetivas, tanto

femininas quanto masculinas.

1.3. O surgimento da (nomenclatura) licença-paternidade

A licença-paternidade, assim chamada, somente surgiu com o advento da Constituição

Federal de 1988, que a assegurou em seu art. 7º, XIX, “nos termos fixados em lei”. Por seu

turno, o art. 10, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, previu que, “até

que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Constituição, o prazo da licença-

paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias”.

Ocorre que, até a presenta data, a previsão constitucional não foi disciplinada em lei e,

diante da ausência de regulamentação legal, é questionável até mesmo assertiva de que surgiu,

efetivamente, a licença-paternidade. Isso porque a inovação constitucional parece ter se

limitado à nomenclatura e ao aumento mínimo do prazo de uma concessão já prevista na

Consolidação das Leis do Trabalho desde 1943: o abono da falta a um dia de trabalho do

empregado em caso de nascimento de filho, frise-se, “para o fim de efetuar o registro civil”.

3 STF, Tribunal Pleno, ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, acórdão publicado no Diário de Justiça

Eletrônico em 14/10/2011, página 341.

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Ainda que o prazo tenha sido ligeiramente aumentado, sua extensão mínima e,

consequentemente, sua destinação burocrática, impõem restrições à aceitação de sua

denominação como “licença-paternidade”, nos mesmos moldes e para os mesmos fins da

licença-maternidade.

Assim, o que se demonstrará a seguir é que, embora desde a década de 1970 tenha

havido conquistas essenciais para a garantia da igualdade de gênero no Brasil, o ideal revela-

se incompleto, na medida em que a própria Constituição e o ordenamento jurídico como um

todo ostentam, ainda, a absurda disparidade entre a licença-maternidade e a licença-

paternidade, não condizente com a cambiante realidade social brasileira, no sentido de uma

maior promoção da igualdade de gênero.

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2. O PROBLEMA DO EXÍGUO PRAZO DE LICENÇA-PATERNIDADE

Como visto, a família brasileira tem mudado drasticamente nas últimas décadas, no

que se refere à composição dos modelos familiares e à divisão de tarefas domésticas e

atividades externas remuneradas entre homens e mulheres. Ainda que tenham sido

conquistadas importantes modificações no plano institucional, no sentido de se adequar à

nova realidade social e promover igualdade de gênero, a legislação sobre licença-paternidade

e licença-maternidade ainda reforça a noção tradicional de família, com a clássica divisão

sexual de tarefas.

A Constituição Federal de 1988 parecia ter sinalizado com a possibilidade de

mudanças institucionais, visando maior promoção da igualdade de gênero, por meio das

seguintes medidas: introdução da figura da licença-paternidade no ordenamento jurídico

brasileiro; aumento provisório, do prazo de licença-paternidade de 1 (um) para 5 (cinco) dias;

e determinação de que tal prazo viesse a ser regulamentado em lei.

No entanto, é eloquente a omissão do texto constitucional ao não estabelecer, em seu

próprio bojo, prazo definitivo e mais dilatado para a licença-paternidade. A Constituição

optou por esquivar-se da discussão e delegar ao legislador ordinário, sem prazo definido, a tão

importante tarefa de estabelecer um prazo para licença-paternidade que atendesse

efetivamente aos imperativos da igualdade de gênero e do atendimento das necessidades das

crianças.

Unidas à omissão do Poder Legislativo em disciplinar a licença-paternidade, as

disposições constitucionais que asseguram o referido direito acabam por se tornarem inócuas,

em relação à presumida intenção de promoção de maior igualdade de gênero, tanto no âmbito

doméstico, quanto no âmbito trabalhista.

2.1. A institucionalizada divisão sexual do trabalho

A exiguidade do prazo de licença-paternidade representa, em primeiro lugar, um dos

maiores mecanismo institucionais de reforço da clássica divisão sexual do trabalho.

Helena Hirata e Danièle Kergoat sintetizaram a origem e evolução histórica do

conceito de divisão sexual do trabalho, utilizando-se de uma acepção do termo que, para além

de constatar a desigualdade de gênero, busca discorrer “sobre os processos mediante os quais

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a sociedade utiliza essa diferenciação para hierarquizar as atividades, e portanto os sexos,

em suma, para criar um sistema de gênero” (HIRATA; KERGOAT, 2007, p. 596).

Segundo as autoras, o conceito de divisão sexual do trabalho, conquanto tenha

constituído objeto de estudos em diversos países em períodos anteriores, teve suas bases

teóricas consolidadas com uma série de trabalhos produzidos na França, no início da década

de 1970, sob a influência do movimento feminista. Naquele momento histórico, tornava-se

cada vez mais clara a ideia de que as mulheres realizavam, individual e gratuitamente, uma

gigantesca carga de trabalho invisibilizada, o trabalho doméstico. Constatou-se uma opressão

de gênero que atribuía culturalmente, mas de forma naturalizada, as tarefas domésticas às

mulheres. E foi a partir da igual consideração do trabalho profissional e do trabalho doméstico

que se pode falar em uma divisão sexual do trabalho.

As autoras citadas introduzem uma definição razoavelmente aceita e compartilhada de

“divisão sexual do trabalho”, nos seguintes termos (HIRATA; KERGOAT, 2007, p. 599):

A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais

entre os sexos; mais do que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os

sexos. Essa forma é modulada histórica e socialmente. Tem como características a designação

prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a

apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos,

militares etc.)

Dessa definição, Hirata e Kergoat extraem dois elementos essenciais do conceito de

divisão sexual do trabalho, quais sejam: o princípio da separação e o princípio hierárquico. O

primeiro implica uma distinção entre trabalhos específicos para homens e trabalhos

específicos para mulheres; o segundo, por seu turno, preconiza que o trabalho realizado por

homens é mais valioso que o trabalho realizado por mulheres. De acordo com as autoras, tais

elementos estão presentes em todas as sociedades com divisão sexual do trabalho conhecidas

(2007, pp. 599-600)4.

Nesse contexto, a disparidade existente no ordenamento jurídico brasileiro entre a

licença-maternidade, de 120 dias, e a licença-paternidade, de irrisórios 5 dias, certamente

4

Em que pese a afirmativa expressa de que tais elementos sejam observáveis em todas as sociedades

conhecidas, as autoras advertem para a plasticidade e variabilidade verificadas na forma de concretização

histórica da divisão sexual do trabalho. Dentre as novas configurações da divisão sexual do trabalho, pode-se

destacar, por exemplo, a operada mediante delegação, em que mulheres que possuem melhores condições

econômicas delegam atividades domésticas a faxineiras, babás e cuidadoras (HIRATA; KERGOAT, 2007, p.

605).

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representa um reforço institucional da divisão sexual do trabalho, na medida em que direciona

o homem à atividade produtiva e a mulher à atividade reprodutiva.

Esse reforço institucional da divisão sexual do trabalho produz efeitos nocivos tanto

para a mulher como para o homem, pois os mantém em condições de desigualdade e nítido

desequilíbrio na vida familiar e profissional. Montagner aponta que, embora nas últimas

décadas tenha havido expressivo crescimento da inserção feminina no mercado de trabalho, o

desemprego ainda atinge com maior intensidade as mulheres do que os homens. A autora

defende que o tal fato decorre da necessidade que acomete às mulheres de conciliar a

atividade profissional com as tarefas domésticas e demandas familiares, o que lhes ocasiona

problemas relativos à extensão da jornada de trabalho, à distância do local de trabalho de seu

domicílio e à comprovação de experiência profissional anterior (MONTAGNER, 2004, p.

74).

A contradição entre trabalho doméstico e externo vivenciada por mulheres, constitui,

pois, fator que desfavorece a inserção feminina no mercado de trabalho em condições iguais

às do homem. Esse não é, contudo, o único efeito nocivo da institucionalizada divisão sexual

do trabalho. A disparidade dos períodos de licença-maternidade e licença-paternidade

configura, ainda, um dos primeiros incentivos à desresponsabilização dos homens por seus

próprios filhos. Com efeito, a não concessão de um prazo razoável para dedicação aos

cuidados de seus próprios filhos recém-nascidos cria a ideia de que a presença do pai é

desnecessária na vida do filho, ao menos em comparação com a da mãe - o que se projeta ao

longo de toda a infância e adolescência dos filhos.

Meyer, Klein e Fernandes (2012) desenvolveram pesquisa sobre a noção de família

em políticas de inclusão social na Grande Porto Alegre. A partir de entrevistas com usuários e

técnicos desses serviços, as autoras identificaram um discurso praticamente uníssono, que

atribui às mães o papel central na gerência da família, representando o elo principal entre as

políticas de inclusão social e seus beneficiários. Por outro lado, a figura do pai é quase sempre

ignorada, pois ausente na maior parte dessas famílias. As autoras denominam esse fenômeno

de “matrifocalidade” - característica observada na maior parte das famílias estudadas.

Por fim, deve-se fazer uma objeção ao argumento de que a disparidade existente entre

a licença-maternidade e a licença-paternidade justificar-se-ia pela necessidade de

amamentação do bebê. Em primeiro lugar, é preciso considerar que a amamentação, por si só,

não constitui empecilho ao retorno da mulher à atividade profissional, que poderia

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desempenhá-la em regime de tempo parcial ou até mesmo em sua própria residência, apenas

para citar dois exemplos. Em segundo lugar, mas não menos importante, deve-se ressaltar a

tendência internacional de dilatação dos prazos de licença pelo nascimento ou adoção de

filhos, o que implica que os propósitos de tal licença vão além da necessidade de

amamentação materna durante os primeiros meses de vida do bebê, não se justificando, pois,

a distinção estabelecida no ordenamento jurídico brasileiro.

2.2. A invisibilização de famílias monoparentais e homoafetivas masculinas

Para além da reprodução automática e institucionalizada da divisão sexual de do

trabalho, a exiguidade do prazo de licença-paternidade atenta contra direitos e necessidades

de famílias monoparentais e homoafetivas masculinas, isto é, compostas apenas por pais do

sexo masculino e seus respectivos filhos.

Com efeito, a distinção de gênero estabelecida pela legislação produz o nefasto efeito

de impossibilitar que quaisquer dos indivíduos do sexo masculino, ainda que sejam os únicos

responsáveis pela criança recém-nascida ou adotada, se afastem do trabalho nas mesmas

condições que as mulheres. Nesses casos, a equiparação da licença-paternidade à licença-

maternidade constitui imperativo para a proteção dos direitos da própria criança, que necessita

da dedicação e dos cuidados de ao menos um de seus responsáveis, no momento de seu

nascimento ou adoção.

Mas não é só. O atentado contra os direitos da criança nos casos aqui tratados não

constitui senão efeito reflexo da tradicional divisão sexual do trabalho e da histórica

perseguição à homossexualidade, uma vez que as referidas ideologias se opõem à constituição

de famílias que difiram do padrão composto por “pai, mãe e filhos”. O efeito é reflexo, pois a

ausência de previsão legal de licença para os casos em comento não visa diretamente à

privação do direito à assistência das crianças, mas decorre da sustentada impossibilidade de

constituição de famílias homoafetivas ou monoparentais masculinas.

Neste ponto, faz-se necessária uma breve digressão a respeito da histórica - e ainda

atual - discriminação contra homossexuais. Prática comum na Antiguidade, a

homossexualidade passou a ser reprimida e perseguida pelas instituições em todo o mundo a

partir a Idade Média, com a ascensão das religiões monoteístas. O imperador cristão

Justiniano editou, no ano de 553, a primeira lei que proibia a homossexualidade, então punida

com pena de morte. Após séculos de perseguição e repressão, surge interesse científico sobre

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o fenômeno, que em meados do século XIX passa a ser visto como um distúrbio, uma doença

a ser tratada (Aventuras na História, 2011, p. 30).

O regime nazista talvez seja um dos exemplos mais contundentes da perseguição, sob

a perspectiva “científica” ou “médica”, promovida contra homossexuais, que foram enviados

massivamente a campos de concentração para serem “curados”. Dentre os tratamentos

aplicados, visitas forçadas a casas de prostituição, castração e injeção de hormônios

masculinos. Estimativas indicam que 55% dos homossexuais que passaram pelos campos de

concentração morreram em decorrência dos tratamentos, isto é, cerca de cinco mil a quinze

mil pessoas (LIMA, In: Aventuras na História, 2012, p. 50).

No entanto, não é preciso se remeter ao holocausto para encontrar exemplos de

perseguição contra homossexuais na história recente. Durante praticamente todo o século XX,

a homossexualidade foi considerada em praticamente todo o mundo uma patologia, sendo

também tratada como tal. Dentre os diversos e desumanos tratamentos aplicados a

homossexuais, destaca-se a lobotomia, cirurgia cerebral que retira parte do cérebro. Cerca de

três mil e quinhentos homossexuais foram submetidos à cirurgia apenas na Dinamarca, ao

passo que, nos Estados Unidos, dezenas de milhares de homossexuais foram vítimas do

“tratamento” (LIMA, In: Aventuras na História, 2012, p. 52).

O estado de perseguição aos homossexuais começou ser revertido a partir da década

de 1970, com o início do movimento gay nos Estados Unidos. Uma das primeiras vitórias

institucionais consistiu da desclassificação, pela Associação de Psiquiatria Americana, da

homossexualidade como patologia, no ano de 1973. Apenas em 1990 a Organização Mundial

da Saúde retirou a homossexualidade de seu catálogo de distúrbios e doenças (LIMA, In:

Aventuras na História, 2012, p. 53).

No Brasil, a despatologização da homossexualidade foi endossada pela Associação

Brasileira de Psiquiatria em 1984 e, em 1999, o Conselho Federal de Psicologia editou

resolução orientando a categoria profissional a não tratar a homossexualidade como patologia

e a contribuir para o desaparecimento de discriminações e estigmatizações sobre o tema

(MOTT, 2006, p. 510). O reconhecimento de que a homossexualidade não consiste em um

distúrbio, doença ou patologia certamente representou um grande avanço para a consolidação

dos direitos humanos dos homossexuais. O acesso pleno à cidadania, porém, continuou (e

continua) restrito para esse grupo minoritário, que apenas muito recentemente tem

conquistado, ainda que de forma precária e por vias oblíquas, direitos fundamentais básicos.

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A maior e mais recente dessas conquistas certamente foi reconhecimento da união estável

homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) 4277/DF e da Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental (ADPF) 132/RJ5.

Nesse contexto, verifica-se que o diminuto prazo da licença-paternidade constitui

também um dos diversos reflexos institucionais da tradicional divisão sexual do trabalho e da

histórica repressão à homossexualidade. Embora já tenha havido o reconhecimento da união

estável homoafetiva, embora seja juridicamente possível a adoção individual por homem, não

se observa nenhuma modificação institucional ampla visando regulamentar a licença-

paternidade em tais casos. A despeito da existência de provimentos judiciais esparsos

concedendo licença-paternidade nos mesmos moldes da licença-maternidade (tratados

adiante), não se pode deixar de constatar o absurdo da necessidade de se recorrer ao Poder

Judiciário para assegurar um direito tão básico aos homossexuais, aos pais solteiros ou viúvos

e às próprias crianças.

5 STF, ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, publicado

no Diário de Justiça Eletrônico nº 198, de 14/10/2011, p. 341.

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3. POSSIBILIDADES DE MUDANÇAS

Diante do atual quadro de sexismo inerente à legislação, mudanças institucionais são

necessárias. A seguir, discorre-se sobre o estado atual das tentativas de modificações

institucionais para promoção de efetiva igualdade de gênero, em relação à licença remunerada

para cuidados dos filhos. Na linha do que se defende no presente trabalho, entende-se que o

princípio da vedação ao retrocesso social faria a imposição de que, independentemente do teor

específico da norma regulamentadora e da via institucional explorada, o prazo da licença-

paternidade não pudesse ser diminuído. Posteriormente, é feito um estudo de direito

comparado sobre as legislações de outros países, como forma de suscitar soluções

institucionais ainda não propostas no Brasil.

3.1. As propostas legislativas

A mudança legislativa consiste no caminho mais natural para se promover a igualdade

de gênero no âmbito da licença remunerada para cuidados dos filhos. Em primeiro lugar, pois

existe determinação constitucional, até a presente data não atendida, de que tal matéria seja

disciplinada em lei. Em segundo lugar, pois, como se demonstrará adiante, o Poder Judiciário

brasileiro frequentemente se abstém, salvo recentes exceções, de adotar posturas mais

progressistas e garantistas de direitos e preceitos fundamentais de índole constitucional,

normalmente sob o argumento da separação de poderes e do princípio da legalidade.

Segundo registros do sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, desde 1988, ano de

promulgação da Constituição Federal, há projetos de lei que visam regulamentar a licença

paternidade, conforme a previsão constitucional inscrita em seu art. 7º, XIX6. O primeiro

deles foi o PL nº 1008/88, que pretendia fixar em dez dias o período de licença-paternidade. O

projeto tinha ainda o mérito de conceder ao pai licença remunerada de 120 dias, em caso de

falecimento da mãe nos primeiros trinta dias após o parto, ou pelo tempo restante da licença-

maternidade, caso o falecimento da mãe ocorresse após esse prazo. Além disso, previa a

estabilidade provisória do empregado, vedando sua dispensa arbitrária ou sem justa causa

pelo período de 120 dias após o fim da licença-paternidade.

6 Neste ponto, cabe mencionar o Projeto de Lei nº 810/1988, que, em absoluta colisão com as decisões então

tomadas pela Assembleia Constituinte e em período imediatamente anterior à promulgação da Constituição,

propunha “ampliar” de um para dois dias a concessão prevista no art. 473 da CLT pelo nascimento de filho,

facultando o requerimento de até oito dias pelo empregado, os quais seriam descontados de suas férias anuais. O

projeto foi posteriormente arquivado, por força da Resolução nº 6/1989 da Câmara dos Deputados.

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No entanto, o PL nº 1.008/88 foi arquivado, por ter sido considerado prejudicado em

face da aprovação do PL nº 825/91, convertido posteriormente na Lei nº 8.213/91, que dispõe

sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Embora os motivos para arquivamento

não sejam declinados expressamente, supõe-se que tal fato decorreu de previsão, contida no

art. 6º do PL nº 1008/88, de que a previdência social deveria arcar com os custos do benefício

- o que, contudo, não foi contemplado na redação final da Lei nº 8.213/91.

Ao longo das últimas décadas, foram propostos diversos projetos de lei destinados a

disciplinar o prazo de licença paternidade previsto no art. 7º, XIX, da Constituição Federal,

com variadas propostas de regulamentação. Uma delas consistia a manutenção do prazo de

cinco dias de licença-paternidade, mas com previsão de ampliação diante de situações

excepcionais, como o falecimento da mãe após o parto, de que foram exemplos os projetos de

Lei nº 2.090/89, 2.635/89 e 3.715/89. O PL nº 1.721/89, por seu turno, tão somente

aumentava o prazo de licença-paternidade para sete dias. Houve também proposta de licença-

paternidade por sete dias úteis ao empregado que adotasse ou obtivesse a guarda judicial de

criança de até cinco anos, constante do PL 6966/02. Deve-se citar, ainda, a Proposta de

Emenda Constitucional nº 349/2009, que previa ampliação da licença-paternidade para quinze

dias, inclusive em casos de adoção, bem como a estabilidade do empregado que se tornasse

pai, pelo prazo de 120 dias após o nascimento ou a adoção da criança. Todos os projetos

citados, contudo, foram arquivados ao final das legislaturas correspondentes, conforme

previsão regimental, por não terem recebido pareceres favoráveis de todas as Comissões7.

Foram propostos também uma série de projetos (1.756/03, 2.579/03, 4.402/04,

2.141/07 e 2.430/07) que, por disporem acerca da licença-paternidade em caso trabalhador

adotante, tramitaram em conjunto com o PL nº 6.485/02, que criava o Programa Nacional de

Adoção de Crianças e Orfanatos. Deve-se ressaltar que vários dos projetos citados não

disciplinavam a licença-paternidade apenas em casos de adoção, mas também a aumentavam

para os pais biológicos. Por exemplo, no caso do PL nº 2.141/07, aumentava-se para dez dias,

e, no caso dos PL’s nº 4.402/04 e 2.430/07, para trinta dias. Não obstante, diante da aprovação

da Emenda Substitutiva de Plenário nº 1 (PL nº 6.222/05), posteriormente convertida na Lei

7 Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à

deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com

pareceres ou sem eles, salvo as: 7I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

7(...) (Regimento Interno da Câmara dos Deputados).

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nº 12.010/09, que versava unicamente sobre a licença-maternidade em caso de adoção, os

projetos citados foram declarados prejudicados.

A tendência das proposições legislativas pelo aumento do período de licença-

paternidade - ao menos em situações excepcionais, quando a mãe não poderia estar presente -

é nítida, porém comporta exceções. Com efeito, já foram propostos projetos de lei que apenas

ratificavam o prazo provisório de cinco dias estabelecido no Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, como os PL’s nº 1.101/88, 1.205/88, 2.332/898, 3.139/89,

5.626/90, 2.270/96 e 5.648/01, e até mesmo um que propugnava sua redução para quatro dias,

o PL nº 2.268/89. Houve também a Proposta de Emenda Constitucional nº 114/07, que fixava

definitivamente o prazo de licença-paternidade em cinco dias e estabelecia estabilidade

provisória para o pai desde a confirmação da gravidez até quatro meses após o parto, desde

que fosse a única fonte de renda familiar. Todos também foram arquivados ao final das

legislaturas correspondentes, conforme previsão regimental.

Atualmente, encontra-se em tramitação o PL nº 6.753/10, que mantém os cinco dias de

licença-paternidade, mas recupera a proposta de ampliação diante de situações excepcionais,

como o falecimento da mãe após o parto, e também estende ao empregado o direito à licença

adotante, prevista no art. 392-A da CLT, quando não requerida pela mãe. Apensados a esse

projeto de lei, estão outros 14 projetos com alternativas à proposta principal9. O PL nº

2.098/11, que pode ser considerado o mais conservador dentre eles, ratifica o prazo de cinco

dias, apenas ressalvando os casos de parto prematuro, em que a licença somente seria

computada a partir da alta hospitalar. O projeto de lei com proposta mais dilatada de prazo

para licença-paternidade é o PL nº 3.831/12, que a amplia para noventa dias.

Além desses, tramita também na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 3.935/08,

que amplia para quinze dias o prazo de licença-paternidade, inclusive em casos de adoção.

Apensado a esse, o PL nº 4.853/09 prevê aumento do prazo para trinta dias, também incluindo

os casos de adoção. Há, ainda, o Projeto de Lei nº 901/11, que amplia o alcance do Programa

Empresa Cidadã, destinado atualmente à prorrogação apenas da licença-maternidade por meio

8 A única inovação que o PL nº 2.332/89 trazia, mediante truncada redação, em relação à Constituição Federal

consistia na irrelevante previsão (para os fins do presente trabalho) de que a licença remunerada seria de sete

dias, caso o filho fosse natimorto. 9

Projetos de Lei nº 2.272/2011, 2.967/2011, 3431/2012, 879/2011, 2098/2011, 3831/2012, 3212/2012,

5473/2013, 5473/2013, 3231/2012, 3325/2012, 3281/2012, 3417/2012, 3445/2012, 5566/2013.

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de incentivos fiscais, para possibilitar também a prorrogação da licença-paternidade, para o

prazo de trinta dias, após a fruição da licença-maternidade pela mãe.

Em que pese a vasta propositura legislativa sobre a matéria, nenhum dos projetos de

lei mencionados foi aprovado até a presente data e, assim, um direito social tão fundamental

permanece não regulamentado. Além do próprio conservadorismo tendente à manutenção da

patriarcal divisão sexual do trabalho, pode-se apontar também como um dos maiores entraves

para ampliação do prazo de licença-paternidade no Brasil a discussão sobre seu custeio. Com

efeito, o aumento do período de licença remunerada gera custos que devem recair sobre o

empregador ou sobre a previdência social, o que gera enorme resistência de ambos os setores

à ampliação da licença-paternidade.

3.2. A via do Poder Judiciário

Mudanças institucionais relativas à promoção da igualdade de gênero, por meio do

aumento do período de licença paternidade, só poderiam ser discutidas no âmbito do Poder

Judiciário em relação à efetivação de princípios, normas, valores e objetivos previstos na

Constituição Federal de 1988. Com efeito, a ordem constitucional constitui o parâmetro que

baliza a interpretação de quaisquer outras normas do ordenamento jurídico, de forma que

somente o desrespeito a seus preceitos poderia autorizar a atuação do Poder Judiciário na

ausência da lei, ou mesmo contra a lei.

A descrição acima enuncia a primazia da Constituição sobre todas as demais normas

do ordenamento jurídico, premissa básica do controle de constitucionalidade pelo Poder

Judiciário. Nesse ponto, pode-se distinguir dois modelos de defesa da Constituição: o difuso

ou americano, em que o controle de constitucionalidade é exercido por quaisquer juízes e

tribunais, diante de casos concretos; e o concentrado ou europeu, em que tal controle é

exercido por uma Corte Constitucional, que se pronuncia sobre a constitucionalidade de

determinada norma, em abstrato. Essas seriam, pois, as duas vias de promoção da igualdade

de gênero, mediante aumento do período de licença-paternidade, por meio do Poder

Judiciário.

A primeira via jurisdicional referida, relativa ao controle difuso de

constitucionalidade, tem sido utilizada com relativo sucesso em ações individuais promovidas

por homens cujas famílias fogem ao padrão predominante composto por mãe, pai e filho.

Trata-se, normalmente, dos casos de famílias monoparentais e homoafetivas masculinas, em

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que a ausência da mãe não deixa aos pais outra alternativa, senão a de buscar o Poder

Judiciário para possibilitar que o responsável pela criança possa ter direito à licença-

paternidade, nos mesmos moldes e pelo mesmo período da licença-maternidade.

Em decisão recente, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região concedeu licença-

paternidade, nas mesmas condições da licença-maternidade, a um servidor público que adotou

criança junto a seu companheiro, compondo família homoafetiva masculina. O acórdão

apresenta a seguinte ementa10

:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR. ADOÇÃO OU GUARDA DE CRIANÇA.

LICENÇA REMUNERADA DE 120 DIAS. CONCESSÃO. DIREITO DO FILHO. CASAL

HOMOAFETIVO. DISCRIMINAÇÃO. VEDAÇÃO. 1. A licença é direito também do filho, pois sua finalidade é "propiciar o sustento e o

indispensável e insubstituível convívio, condição para o desenvolvimento saudável da criança" (TRF da

3ª Região, MS n. 2002.03.00.026327-3, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, j. 24.11.05), razão pela qual a

adotante faria jus ao prazo de 120 (cento e vinte dias) de licença remunerada. 2. Pelas mesmas razões, é razoável a alegação de que importaria em violação à garantia de

tratamento isonômico impedir a criança do necessário convívio e cuidado nos primeiros meses de vida,

sob o fundamento de falta de previsão constitucional ou legal para a concessão de licença de 120 (cento

e vinte) dias, no caso de adoção ou de guarda concedidas a casal homoafetivo. De todo modo, após a

ADI n. 132 não mais se concebe qualquer tipo de discriminação ou mesmo restrição legal em razão de

orientação sexual. E, como consectário lógico, à família resultante de união homoafetiva devem ser

assegurados os mesmos direitos à proteção, benefícios e obrigações que usufruem aquelas que têm

origem em uniões heteroafetivas, em especial aos filhos havidos dessas uniões (STF, ADI n. 4277, Rel.

Min. Ayres Britto, j. 05.05.11). 3. Assim, a licença remunerada de 120 (cento e vinte dias), com a prorrogação de 60 (sessenta)

dias prevista no art. 2º, § 1º, do Decreto n. 6.690/08, deve ser estendida ao casal homoaefetivo,

independentemente do gênero, no caso de adoção ou guarda de criança de até 1 (um) ano de idade. 4. Agravo de instrumento provido, restando prejudicados o pedido de reconsideração e o

agravo legal da União.

No que concerne a famílias monoparentais masculinas, destaca-se o caso de pai viúvo,

cuja esposa faleceu durante o parto, que obteve direito ao salário-maternidade junto à 2ª

Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em acórdão assim ementado11

:

SALÁRIO-MATERNIDADE. REQUERENTE O PAI VIÚVO. ART. 71 DA LEI

8.213/91. INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA. Conquanto mencione o art. 71 da Lei 8.213/91 que o salário-maternidade é destinado apenas à

segurada, situações excepcionais, como aquela em que o pai, viúvo, é o responsável pelos cuidados

com a criança em seus primeiros meses de vida, autorizam a interpretação ampliativa do mencionado

dispositivo, a fim de que se conceda também ao pai o salário-maternidade, como forma de cumprir a

10

TRF da 3ª Região, Agravo de Instrumento nº 3276315, Rel. Desembargador Federal André Nekatschalow,

Publicado no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Região, Edição nº 109/2013, de 17/06/2013, p. 589. 11

TJPR, 2ª Turma Recursal, Recurso Cível nº 5002217-94.2011.404.7016, Rel. Juiz Leonardo Castanho

Mendes. julgado em 28/02/2012, ainda não publicado. Inteiro teor, assinado digitalmente, disponível em:

http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-voto-acordao.pdf. Acesso em 26/06/2013.

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garantia constitucional de proteção à vida da criança, prevista no art. 227 da Constituição Federal de

1988. Recurso do autor provido.

É de ressaltar, contudo, a inexistência de provimentos judiciais concedendo a

equiparação da licença-paternidade à licença-maternidade em situações não excepcionais, isto

é, em famílias compostas também por mães. Em pesquisa jurisprudencial, não foram

encontrados precedentes em que se tenha discutido a possibilidade de o pai, em lugar da mãe,

usufruir dos mesmos benefícios da licença-maternidade. O fato de o Poder Judiciário sequer

ter sido provocado em relação a essa questão atesta o grau de naturalização da atribuição do

trabalho reprodutivo apenas às mulheres.

Sobre a segunda via jurisdicional possível para o aumento do período da licença-

paternidade, o controle concentrado de constitucionalidade, pode-se falar apenas em termos

hipotéticos, pois até a presente data não houve qualquer iniciativa nesse sentido, por qualquer

dos legitimados a propor ações judiciais dessa espécie.

Hipoteticamente, eventual controle concentrado de constitucionalidade em relação ao

período de licença-paternidade deveria incidir: (a) sobre as próprias normas constitucionais,

que estabeleceram prazo provisório e diminuto para a licença-paternidade, em contraposição a

prazo definitivo e muito superior para a licença-maternidade; ou (b) sobre a inércia legislativa

em atender à disposição constitucional que determina a regulamentação da licença-

paternidade.

A primeira hipótese consistiria no ajuizamento de uma Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) contra os próprios dispositivos constitucionais que regulamentam

os prazos de licença-paternidade e licença-maternidade. Nos termos da teoria constitucional

vigente, essa tese certamente seria de difícil aceitação, pois os dispositivos combatidos são

todos advindos do próprio poder constituinte originário - normas sobre as quais o Supremo

Tribunal Federal possui consolidada jurisprudência no sentido da impossibilidade de

declaração de inconstitucionalidade. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade

nº 815/DF, assentou-se que “a tese de que há hierarquia entre normas constitucionais

originarias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras e

incompossivel com o sistema de Constituição rigida”12

. Trecho do voto Ministro Moreira

Alves é especialmente claro, ao reconhecer a incompetência da Corte Constitucional para

12

STF, Tribunal Pleno, ADI nº 815/DF, Rel. Min. Moreira Alves, publicado no Diário de Justiça de 10/05/1996.

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30

enunciar a inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias, por consistir tal

arguição, em última análise, em uma questão de legitimidade da própria Constituição:

Ora como reconhece BACHOF (Normas Constitucionais Inconstitucionais, trad. CARDOSO

DA COSTA, pgs. 62/63, Atlântida Editora, Coimbra, 1977), ‘se uma norma Constitucional

infringir uma outra norma da Constituição, positivadora de direito supralegal, tal norma será,

em qualquer caso, contrária ao direito natural’, o que, em análise, implica dizer que ela é

inválida, não por violar a ‘norma da Constituição positivadora de direito supralegal’, mas, sim,

por não ter o constituinte originário se submetido a esse direito suprapositivo que lhe impõe

limites. Essa violação não importa questão de inconstitucionalidade, mas questão de

ilegitimidade da Constituição no tocante a esse dispositivo, e para resolvê-la não tem o

Supremo Tribunal Federal- ainda quando se admita a existência desse direito suprapositivo -

competência.

Dessa forma, ainda que se possa criticar, do ponto de vista sociológico, o sexismo

presente na Constituição Federal ao estabelecer prazos distintos e tão discrepantes para a

licença-paternidade e a licença-maternidade, tal tese não seria aceita no âmbito judicial, em

razão das limitações de competência e restrições impostas pela teoria constitucional vigente.

Não obstante, a segunda hipótese de controle concentrado de constitucionalidade -

incidente sobre a omissão legislativa em atender à disposição constitucional que determina a

regulamentação da licença-paternidade - poderia encontrar eco no Poder Judiciário, por meio

da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). Essa espécie de ação destina-se

justamente a combater omissões legislativas ou administrativas que estejam impedindo o

exercício de direitos fundamentais ou a efetivação de preceitos constitucionais.

Nesse sentido, o controle de constitucionalidade sobre a omissão legislativa seria

adequado ao caso em estudo, pois o próprio art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias estabelece que o prazo de cinco dias da licença-paternidade é provisório,

vigorando apenas “até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da

Constituição”, o que até a presente data nunca ocorreu.

Deve-se, contudo, fazer uma ressalva quanto à efetividade da própria Ação de

Inconstitucionalidade por Omissão, relativamente aos limites de atuação do Poder Judiciário,

que tradicionalmente são interpretados restritivamente. Com efeito, durante muito tempo,

vigorou no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que o reconhecimento da

inconstitucionalidade por omissão não autoriza o Poder Judiciário a regulamentar a matéria,

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31

mas apenas a “dar ciência ao Poder competente para as providências cabíveis”13

. É certo

que a jurisprudência da Corte Constitucional tem se alterado nos últimos tempos, sendo

adotada postura mais concretista em relação aos efeitos das decisões que reconhecem a

inconstitucionalidade por omissão, visando assegurar a eficácia dos direitos constitucionais

atingidos pela omissão14

. No entanto, não é possível dizer qual postura seria adotada pelo

Supremo Tribunal Federal no caso específico da inconstitucionalidade por omissão da

ausência de regulamentação a licença-paternidade, o que poderia tornar a medida inócua.

Apesar de não haver garantias de que a própria prestação jurisdicional em eventual

ação de inconstitucionalidade por omissão seria suficiente à promoção da igualdade de gênero

no âmbito da licença remunerada para cuidados de filhos, é certo que a via jurisdicional em

comento poderia ser utilizada, ao menos, para instaurar o debate político sobre a matéria e

instigar o Poder Legislativo a editar a regulamentação legal.

3.3. Direito comparado: tendências internacionais e a experiência sueca

As disposições do ordenamento jurídico brasileiro acerca da licença-maternidade e da

licença-paternidade destoam nitidamente das legislações de diversos países europeus, em que

tal matéria tem sido debatida há décadas.

A primeira diferença que salta aos olhos certamente consiste na inexistência da

distinção entre licença-maternidade e licença-paternidade nos países referidos, sendo

predominante um sistema de licença remunerada para ambos os pais, a qual será designada

doravante como licença-parental. Esse modelo foi primeiramente adotado pela Suécia, em

1974, tendo sido seguido por Noruega e Finlândia (1978), Islândia (1980), Dinamarca (1984)

e, no início da década de 1990, por Austrália, Holanda, Japão, Áustria e diversos outros

países, que criaram legislações semelhantes à época (FARIA, 2002, p. 179). Segundo dados

coletados em estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico -

OCDE (1995, pp. 175-176), dentre vinte países pesquisados, apenas dois (Turquia e Reino

Unido) adotavam restrições de gênero à fruição da licença por nascimento de filho, limitando-

a, à semelhança do que ocorre no Brasil, somente às mulheres.

13

STF, ADI nº 1484/DF, Rel. Min. Celso de Mello, publicado no Diário de Justiça em 28/08/2001. 14

Como exemplos, pode-se citar a ADO nº 3682, em que o STF fixou prazo de 18 meses para que o Poder

Legislativo editasse a lei complementar prevista no art. 18, § 4º, da Constituição Federal, e os Mandados de

Injunção nº 670 e 708, nos quais a Corte Constitucional determinou a aplicação provisória da lei de greve da

iniciativa privada também a servidores públicos, enquanto não fosse sanada a omissão legislativa.

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Outro aspecto que chama a atenção é relativo à extensão máxima do benefício, que

nos países europeus, em geral, é consideravelmente superior à sua duração na legislação

brasileira. Dados do já citado estudo da OCDE (1995, pp. 175-176) indicam que apenas

Grécia e Estado Unidos possuem licenças com prazo inferior aos 120 dias licença-

maternidade previstos no ordenamento jurídico nacional. Canadá, Dinamarca, Itália, Holanda,

Portugal, Turquia e Reino Unido estabelecem licenças que tinham de 24 a 26 semanas de

duração. Por seu turno, a maior parte dos países pesquisados - formada por Austrália, Áustria,

Bélgica, Finlândia, França, Alemanha, Japão, Nova Zelândia, Noruega, Espanha e Suécia -

concedem a seus trabalhadores licenças de no mínimo um ano de duração, em alguns casos

alcançando os três primeiros anos de idade da criança. Especificamente no caso da legislação

belga, a licença pode atingir o período máximo de 260 (duzentas e sessenta semanas).

Deve-se ressaltar que licença pelo nascimento de filho nos referidos países,

diferentemente do que se verifica no Brasil, não é necessariamente remunerada, sendo

observada uma ampla variedade de formas de concessão do benefício. A constatação é

importante pois permite inferir que não há um consenso de que os custos da concessão da

licença devam ser suportados exclusivamente pelo empregador ou pela sociedade, por meio

de instrumentos de seguridade social, mas também pela própria família, parcial ou

integralmente. De acordo com a OCDE (1995), as legislações de Austrália, Estados Unidos,

Turquia, Portugal e Espanha, a despeito da previsão da licença, não concedem qualquer

benefício aos pais, que suportam integralmente os custos de seu afastamento. Na maior parte

dos países pesquisados, contudo, há remuneração durante o período de licença, normalmente

paga por meio de um valor fixo, independente da remuneração do trabalhador licenciado, ou

por meio de proventos proporcionais aos que recebia quando em atividade. Há, ainda,

modelos mistos, como os da Finlândia, Reino Unido e Suécia, em que parte do período de

licença é remunerada com uma parcela fixa e outra parte com proventos proporcionais aos do

trabalhador15

.

A possibilidade de flexibilização da forma de fruição da licença também deve ser

destacada, por estar presente em alguns dos países estudados pela OCDE. Por flexibilização

entende-se, no citado trabalho, a possibilidade de adoção de jornadas de trabalho parciais e de

fracionamento dos períodos de licença. Nove dos vinte países admitem a fruição da licença

15

O estudo da OCDE apenas cita as leis que regulamentam a concessão do benefício remuneratório nos

respectivos países, não informando se seus custos são suportados pela seguridade social ou pelo empregador, e

em qual proporção. Ainda que tal dado tenha relevância, tal análise fugiria demais aos propósitos do presente

trabalho.

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33

por meio da adoção de regimes de trabalho parciais, ao passo que apenas sete desses

permitem o fracionamento da licença. Os únicos países que preveem as duas formas de

flexibilização são Bélgica, Suécia e Estados Unidos (este último apenas na hipótese de

concordância do empregador, o que torna praticamente inócua a disposição legal).

Não obstante a variabilidade verificada nas legislações de outros países sobre licenças

pelo nascimento de filhos, algumas tendências podem ser apontadas. Em primeiro lugar, a

extinção da distinção entre licença-maternidade e licença-paternidade, para dar lugar a uma

licença-parental, usufruível por ambos os pais, independentemente de gênero. Em segundo

lugar, a franca expansão do período de duração dessas licenças. Com efeito, a maior parte dos

países desenvolvidos ostenta legislações que preveem no mínimo um ano de licença pelo

nascimento de filho, o que se coaduna com as necessidades da família e da infância. Em

terceiro lugar, a remuneração e divisão social dos custos, ainda que parcial, desse período de

licença. Sobressai dessa tendência que existe um interesse público na educação das crianças

pelos próprios pais, na promoção de especial atenção á primeira infância - período de vital

importância para o estabelecimento de vínculos afetivos e desenvolvimento das crianças -,

razão pela qual os custos para cumprimento de tal objetivo devem ser socializados, ao menos

parcialmente. Por último, pode-se observar uma incipiente tendência de flexibilização da

forma de fruição da licença. Conquanto a maior parte dos países estudos não a admita, são

cada vez mais comuns legislações que possibilitam o gozo da licença de forma fracionada e

até mesmo por meio de jornadas de trabalho reduzidas, o que representa grande avanço nessas

políticas.

A partir desse momento, volta-se para o estudo específico da experiência sueca, pelo

fato de se mostrar extremamente alinhada às tendências internacionais descritas. Nas palavras

de Faria, “se o programa sueco de licença remunerada para os pais não é, de uma perspectiva

mais ampla e independentemente dos critérios de avaliação, o mais ‘generoso’, ele é, com

certeza, um dos mais flexíveis e adequados quando se pensa nas necessidades das famílias em

que tanto o pai quanto a mãe estão engajados no mercado de trabalho” (2002, p. 180). Por

esses motivos, a implementação do sistema sueco de licença-parental será detalhada adiante,

como modelo referencial para uma possível reforma da legislação brasileira sobre a matéria.

Analisando a história recente da Suécia, não é possível dissociar a transformação da

licença-maternidade em uma licença-parental do processo histórico de gradual inserção da

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34

mulher no mercado de trabalho e crescente implementação de políticas públicas

características de um Estado de bem-estar social.

Como explica Faria, o debate acerca da inserção das mulheres casadas no mercado de

trabalho intensificou-se na Suécia e na maior parte dos países industrializados durante a

depressão econômica de 1930. Os argumentos contrários ao exercício de trabalho remunerado

pelas mulheres casadas normalmente se remetiam à fragilização e desmoralização do lar e ao

acirramento da competição por postos de trabalho, em razão da menor remuneração paga a

mulheres e aos altos níveis de desemprego da época (FARIA, 2002, p. 175).

Em movimento contrário ao observado em outros países, como os Estados Unidos, a

Suécia não restringiu o acesso de mulheres casadas ao mercado de trabalho, mas antes logrou

criar legislações protetivas contra a sua discriminação. Segundo Faria, esse fenômeno pode

ser atribuído ao sucesso do movimento feminista sueco na empreitada de vinculação das leis

trabalhistas de proteção a mulheres casadas com as políticas de contenção de queda nas taxas

de natalidade. De acordo com o autor, a lei de 1939, que proibia a demissão de mulheres em

casos de gravidez, casamento ou nascimento de filhos, representa um marco na história da

Suécia para a inserção das mulheres casadas no mercado de trabalho (FARIA, 2002, p. 175).

Outra medida adotada pelo Estado sueco, pouco antes da transformação da licença

maternidade em licença-parental, contribuindo enormemente para a inserção de mulheres

casadas no mercado de trabalho, consistiu na extinção da tributação conjunta de casais, em

1971, tornando obrigatória a declaração individual de renda de cada um dos cônjuges.

Segundo Faria, após a reforma na legislação tributária, a taxa marginal incidente sobre a

remuneração da mulher caiu de 55% para 32,5%. Do ponto de vista estritamente financeiro,

portanto, tornava-se economicamente mais vantajoso que a mulher exercesse trabalho externo

remunerado (FARIA, 2002, pp. 176/177).

O incentivo fiscal, embora importante, não era o único fator a ser levado em conta na

decisão dos casais sobre o exercício de trabalho remunerado por ambos os cônjuges, que

deveriam considerar também a necessidade de tempo para realização do trabalho doméstico

não remunerado. Contudo, as políticas públicas que possibilitavam a conciliação entre essas

duas esferas, como a licença-maternidade, apresentavam nítido recorte de gênero, sendo

direcionadas apenas às mulheres, o que dificultava sua inserção no mercado de trabalho.

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35

Nesse sentido, em 1974, a transformação da licença-maternidade em um “sistema de

licença remunerada para ambos os pais” - como designa Faria - procurava justamente suprir

essa lacuna. Dessa forma, o trabalho reprodutivo deixava de ser atribuído exclusivamente às

mulheres casadas, abrindo espaço para que exercessem em maior grau o trabalho produtivo e

para que pudessem dividir de forma igualitária com os homens o trabalho doméstico.

Quando se considera apenas a duração da licença-parental, embora a Suécia ostente

prazo razoável de 64 semanas, ainda é menor do que outros países como Bélgica (260

semanas), Alemanha e França (ambas até os três anos de idade da criança). No entanto,

considerando o sistema de remuneração da licença-parental, a legislação sueca mostra-se uma

das mais benéficas. Com efeito, Bélgica, França16

e Alemanha remuneram o período de

licença apenas com uma parcela fixa mensal, ao passo que o programa sueco garante ganhos

proporcionais aos licenciados durante os doze primeiros meses, passando para parcelas fixas

apenas nos últimos três meses (OCDE, 1995, pp. 175-178).

O sistema sueco mostra-se em consonância, ainda, com a tendência de flexibilização

na forma de fruição da licença-parental, o que é extremamente conveniente às necessidades de

famílias em que ambos os cônjuges exercem trabalho externo remunerado. Com efeito,

legislação sueca permite que a licença-parental seja: distribuída entre os cônjuges da maneira

que melhor lhes convenha (desde que respeitado o limite mínimo de trinta dias de licença de

cada um); usufruída por tempo integral, meio expediente ou durante um quarto da jornada de

trabalho; e gozada em período contínuo ou seccionado, até o fim do primeiro ano da escola

compulsória, o que geralmente ocorre aos onze anos de idade (FARIA, 2002, pp. 178-181).

É necessário ressaltar que as mudanças na legislação sueca ainda não foram capazes

de extinguir a tradicional divisão sexual do trabalho. Como adverte Faria, a despeito dos

incentivos governamentais, o número de homens que fazem uso da licença-parental é de

aproximadamente 44%, índice relativamente baixo, se comparado à utilização feita por quase

a totalidade das mães. Outro dado que reforça a constatação da manutenção da divisão sexual

do trabalho é relativo à divisão do período de licença. De acordo com o autor, “o grupo que a

compartilhou de maneira mais igualitária (aquele em que ambos os pais frequentaram o

ensino superior) dividiu o período de licença da seguinte maneira: os pais tiraram uma

média de 58 dias e as mães uma média de 335 dias” (FARIA, 2002, pp. 184-185).

16

O sistema francês somente prevê remuneração da licença-parental a partir do segundo filho.

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36

Não obstante a persistência, no plano fático, da divisão sexual do trabalho, dados

indicam o relativo sucesso da política pública sueca, tendo em vista que os índices de

utilização de licença-parental por homens tem aumentado progressivamente desde a sua

implementação (FARIA, 2002, p. 184). Outrossim, estudo da socióloga Linda Haas

demonstra que casais suecos dividem o trabalho reprodutivo de maneira mais igualitária do

que casais norte-americanos (HAAS apud FARIA, 2002, p. 191).

Dessa maneira, não há como se negar os avanços sociais na promoção de igualdade de

gênero produzidos pela implementação de licença-parental sueca. É certo porém, que a

resistência da divisão sexual do trabalho, enquanto fenômeno sociocultural decorrente de

processos históricos profundamente arraigados nas sociedade, não será superada somente com

a modificação institucional, mas sim com uma mudança cultural e comportamental. As

mudanças institucionais configuram, portanto, apenas um primeiro e imprescindível passo em

direção a uma sociedade efetivamente igualitária em gênero.

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37

CONCLUSÃO

Por meio do presente trabalho, constatou-se que a diferença observada entre os prazos

de licença-maternidade e licença-paternidade resulta de históricas e naturalizadas concepções

de família e dos papéis sociais atribuídos a homens e mulheres.

O modelo familiar predominante ao longo dos últimos séculos foi o patriarcal,

composto por pai, mãe e filhos, e pautado por uma rígida divisão sexual do trabalho: aos

homens atribuiu-se o trabalho produtivo e, às mulheres, o trabalho reprodutivo. Como visto,

embora não se possa dizer que as mulheres, principalmente das classes sociais mais baixas,

tenham sido totalmente afastadas do mercado de trabalho, é certo que a elas sempre foi

atribuído o trabalho doméstico e reprodutivo, o que explica o desenvolvimento da licença-

maternidade e a relegação da licença-paternidade.

A partir da década de 1970, observa-se uma crescente inserção das mulheres no

mercado de trabalho, juntamente com a ascensão de movimentos sociais feministas e o

surgimento dos primeiros movimentos LGBT. O tradicional modelo familiar começa a entrar

em declínio com o aumento do número de famílias monoparentais e homoafetivas. A divisão

sexual do trabalho passa a ser arduamente questionada e modificações comportamentais e

culturais sobre essa questão já são observadas em estudos sobre as famílias brasileiras.

Assim, embora as concepções tradicionais de família e de divisão sexual do trabalho

estejam em pleno processo de mudança social, o direito não tem acompanhado esse processo.

A manutenção da legislação atual sobre a licença-paternidade configura um reforço

institucional de um modelo de família que viola direitos de homens e mulheres, devendo

necessariamente ser alterada para que se alcance efetiva igualdade de gênero.

A reforma do sistema brasileiro de licença-paternidade e licença-maternidade poderia

ser realizada por modificação legislativa ou pela via jurisdicional. As propostas legislativas

atualmente em trâmite, em sua maior parte, pretendem a aumentar ligeiramente o prazo de

licença-paternidade e equipará-la à licença-maternidade casos de famílias monoparentais

masculinas, omitindo-se, contudo, em relação às famílias homoafetivas masculinas. Ademais,

ao proporem apenas um ligeiro aumento do prazo de licença-paternidade - para algo em torno

de 15 a 30 dias -, mantém a atual e significativa diferença de duração com a licença-

maternidade, impossibilitando a efetiva modificação da divisão sexual do trabalho.

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A via jurisdicional tem sido explorada com relativo sucesso pelas famílias

monoparentais e homoafetivas masculinas, que tem obtido provimentos judiciais individuais

equiparando a licença-paternidade à licença-maternidade nesses casos. Mudanças mais

amplas no âmbito judicial, contudo, somente poderiam ser adotadas por meio do controle

concentrado de constitucionalidade. Uma vez que não é admitida a declaração de

inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias, tal controle somente poderia ser

exercido por meio da ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão, a qual apresenta

limitações de eficácia relativas ao próprio princípio da separação dos poderes e às

competências do Poder Judiciário. No entanto, ainda que eventual provimento judicial

positivo e eficaz não fosse obtido, a mera instauração de ação questionando a inércia

legislativa poderia instaurar o debate público sobre a matéria e inserir essa discussão na

agenda política do Poder Legislativo.

O estudo comparativo de legislações de outros países permitiu a observação de

algumas tendências no âmbito das licenças pelo nascimento de filhos, quais sejam: extinção

da distinção entre licença-paternidade e licença-maternidade, dando lugar à licença-parental;

expansão da duração; divisão social dos custos, ainda que parcial, da remuneração respectiva;

e flexibilização da forma de fruição da licença.

A partir de um estudo específico da experiência sueca, verificou-se que a

implementação do sistema de licença remunerada para ambos os pais ainda não foi capaz de

desarticular totalmente a divisão sexual do trabalho, que ainda se mostra presente na cultura

do país. Não obstante, estudos indicam que houve avanços desde a sua implementação e,

ainda, que casais suecos dividem o trabalho reprodutivo de forma mais igualitária que casais

norte-americanos.

Nesse contexto, além de mostrar-se extremamente alinhada às tendências

internacionais descritas e atender às necessidades de famílias monoparentais e homoafetivas

masculinas, a experiência sueca apresentou relativo sucesso na tentativa de promoção de

igualdade de gênero na divisão do trabalho produtivo e reprodutivo entre homens e mulheres,

razão pela qual poderia ser utilizada como parâmetro em uma eventual reforma da legislação

brasileira.

Dessa forma, embora seja certo que a construção de uma sociedade realmente

igualitária em termos de gênero demande transformações culturais profundas nos padrões de

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comportamento das pessoas, modificações institucionais nesse sentido configuram um

primeiro e imprescindível passo rumo a esse objetivo.

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