universidade da beira interior - ubibliorum: página … · 2018-05-23 · guiar-me através dos...

214
2016 UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Ciências Excelência e Criatividade em Matemática Universitária Fernando Sérgio Domingues Carlos Tese para obtenção do Grau de Doutor em Didática da Matemática (3º ciclo de estudos) Orientadora: Profª Doutora María Teresa González Astudillo Co-orientador: Prof. Doutor Pedro Ferrão Patrício Co-orientadora: Profª Doutora Ema Patrícia de Lima Oliveira Covilhã, fevereiro de 2016 Excelência e Criatividade em Matemática Universitária Fernando Sérgio Domingues Carlos

Upload: doanthu

Post on 09-Dec-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

2016 UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR

Cincias

Excelncia e Criatividade em Matemtica Universitria

Fernando Srgio Domingues Carlos Tese para obteno do Grau de Doutor em

Didtica da Matemtica (3 ciclo de estudos)

Orientadora: Prof Doutora Mara Teresa Gonzlez Astudillo

Co-orientador: Prof. Doutor Pedro Ferro Patrcio

Co-orientadora: Prof Doutora Ema Patrcia de Lima Oliveira

Covilh, fevereiro de 2016

Excel

ncia

e C

riati

vid

ad

e e

m M

ate

mti

ca U

niv

ers

itri

a

Fe

rna

nd

o S

rg

io D

om

ing

ues

Ca

rlo

s

UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Cincias

Excelncia e Criatividade em Matemtica

Universitria

Fernando Srgio Domingues Carlos

Tese para obteno do Grau de Doutor em

Didtica da Matemtica

(3 ciclo de estudos)

Orientador: Prof. Doutora Mara Teresa Gonzlez Astudillo

Co-orientador: Prof. Doutor Pedro Ferro Patrcio

Co-orientadora: Prof. Doutora Ema Patrcia de Lima Oliveira

Covilh, fevereiro de 2016

iii

minha famlia

v

Agradecimentos

Um trabalho desta natureza uma longa jornada. Felizmente pude contar com a ajuda de

diversas pessoas que, desta ou daquela forma, contriburam para a sua concretizao. Ao

terminar esta Tese de Doutoramento, quero dedicar algumas palavras de reconhecido

agradecimento a algumas dessas pessoas.

Desde logo, agradeo ao Professor Manuel Saraiva pela confiana que depositou em mim, sem

a qual este trabalho no existiria.

Estou igualmente grato minha equipa de Professores Orientadores. Cada um na sua rea soube

guiar-me atravs dos labirintos de hesitaes e decises. Obrigado Maite, obrigado Ema,

obrigado Pedro, pelas oportunidades de aprendizagem que me proporcionaram, pelas vossas

instrues e ajudas.

Agradeo aos estudantes que participaram no estudo emprico que integra este trabalho, pela

disponibilidade e por partilharem comigo temas privados.

Agradeo aos Professores Alexander Karp e Edward Silver pela recetividade com que acolheram

as minhas solicitaes e pela partilha de ideias.

Agradeo aos meus colegas investigadores, pela partilha e amizade. Em especial a Elisabet

Mellroth, que mesmo distncia conseguiu dar-me nimo para continuar, quando ele

escasseava.

Agradeo a afeio dos meus colegas e amigos, bem sei a minha disponibilidade no tem estado

altura do vosso merecimento.

E o mesmo vale, por maioria de razo, para a minha famlia. Agradeo a vossa pacincia, e

peo-vos desculpa pelas vezes em que a minha faltou. Obrigado pelo vosso carinho e

compreenso durante esta jornada. Espero que, de alguma forma, a concretizao deste

trabalho possa retribuir o afeto que me dedicam.

vii

Resumo

sobejamente conhecida a dificuldade com que muitos alunos, ao longo do seu percurso

escolar, lidam com a disciplina de Matemtica. Ao mesmo tempo, coabitam nas salas de aula

com estes alunos, outros que sobressaem pelo elevado rendimento nesta disciplina. A procura

de explicaes para esta discrepncia foi uma das motivaes para este trabalho,

particularmente a explorao dos fatores que permitem que alguns estudantes sejam

excelentes em Matemtica. O conhecimento das condies, tanto pessoais como ao nvel da

envolvente do indivduo, que possibilitam um desempenho escolar excelente em Matemtica,

pode ser importante para ajudar os que, partida, no tm to bons resultados nesta disciplina.

O ponto de partida para este conhecimento foi a realizao de uma extensiva reviso de

literatura sobre a excelncia. Mas a profuso de vises sobre o tema e a multiplicidade de

varveis implicadas dificulta a compreenso do fenmeno. Por este motivo, num esforo de

sistematizao, concebemos um modelo para estudo da excelncia em Matemtica. Para alm

da anlise dos componentes da excelncia em Matemtica entre estudantes do ensino superior,

foi tambm nossa inteno explorar as suas aptides criativas nesta disciplina. Com este duplo

propsito, realizmos um estudo emprico com recurso a uma metodologia mista, combinando

entrevistas semiestruturadas com um questionrio de atitudes face Matemtica, e ainda a

anlise das respostas dadas pelos participantes em tarefas matemticas de mltiplas solues.

Neste estudo participaram quatro estudantes do ensino universitrio portugus.

Os dados recolhidos sobre os componentes da excelncia matemtica so consistentes com o

modelo anteriormente proposto. Entre eles, destacam-se pela preponderncia que assumem, a

motivao, a capacidade autorregulatria e o nvel de comprometimento com a sua formao

matemtica. Por seu lado, os dados provenientes da anlise do desempenho criativo dos

participantes denotam uma criatividade matemtica limitada.

Palavras-chave

Excelncia, motivao, autorregulao, prtica deliberada, criatividade.

ix

Abstract

The difficulties that some students face when dealing with mathematics throughout their school

route, are broadly recognized. At the same time, sharing the classrooms with these students,

there are others who excel in this subject. The search for explanations for this discrepancy was

one of the motivations for this work, particularly the exploration of the factors that allow some

students to be excellent in mathematics. The knowledge of the conditions, both personal and

of the environment where the individual lives and works, which allow for an excellent academic

performance in mathematics, can be important to help those who dont achieve such good

results in this subject.

The starting point for this knowledge has been the extensive review of the literature on

excellence that weve done. But the profusion of understandings on the subject and the

multitude of variables involved makes it difficult to comprehend this phenomenon. For this

reason, in an effort of systematization, we have designed a model for the study of excellence

in mathematics. In addition to analyzing the components of excellence in mathematics among

university students, it was also our intention to explore their creative skills in this subject. With

this dual purpose, we conducted an empirical study using a mixed methodology, combining

semi-structured interviews with a questionnaire on attitudes towards mathematics, and also

the analysis of the answers given by the participants in mathematical tasks with multiple

solutions. The participants of this study were four Portuguese university students.

Referring to the components of mathematical excellence, the data collected from the empirical

study is consistent with the previously proposed model. Amongst them, as the result of the

prevalence these components assume, we highlight motivation, self-regulation abilities and the

level of commitment to mathematical education. In turn, the data from the analysis of the

participants' creative performance denotes limited creativity.

Keywords

Excellence, motivation, self-regulation, deliberate practice, creativity.

xi

ndice

Introduo .................................................................................................. 1

Captulo 1 - Reviso de literatura ..................................................................... 4

Excelncia e sobredotao .................................................................... 4

Abordagens conceptuais ao estudo da excelncia e sobredotao ........... 4

Joseph Renzulli: O Modelo dos Trs Anis .............................. 6

Franois Gagn: o Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento ...7

A perspetiva de Sternberg. Os modelos desenvolvimento de

expertise e WICS .................................................................7

Ericsson e o enfoque na prtica deliberada .................................8

Autorregulao na aprendizagem .................................................. 10

Prtica deliberada .................................................................... 13

Motivao ............................................................................... 14

Modelos com enfse na expectativa acerca dos resultados ......... 16

Modelos que agregam expectativa de resultados e valorao ...... 17

Modelo que destaca o papel da motivao intrnseca ................ 18

Modelos que valorizam os objetivos ..................................... 19

Teoria implcita da inteligncia segundo Carol Dweck ............... 21

Motivao e excelncia em geral e no domnio da matemtica .... 22

Talento e excelncia em Matemtica ............................................. 24

Contributo terico de um novo modelo para a excelncia na Matemtica ........... 28

Modelo proposto ....................................................................... 30

Discusso do modelo proposto ...................................................... 30

Criatividade ...................................................................................... 33

O que a criatividade ................................................................ 35

Pensamento divergente .................................................... 37

Modelos tericos sobre a criatividade ............................................. 38

A Teoria de Criatividade como Investimento ........................... 38

Viso sistmica da criatividade ........................................... 39

Perspetiva Interativa da Criatividade ................................... 40

Teoria Componencial de Criatividade ................................... 41

Modelo dos quatro Cs ...................................................... 42

Criatividade em Matemtica ........................................................ 43

As primeiras abordagens Poincar e Hadamard ...................... 44

A perspetiva de G. Ervynck ................................................ 44

A perspetiva de B. Sriraman ............................................... 45

Captulo 2 Metodologia ............................................................................... 47

Objetivos e perguntas de investigao ...................................................... 47

Descrio da metodologia histrias de vida ............................................. 48

Participantes ..................................................................................... 50

Instrumentos ..................................................................................... 52

Entrevista ............................................................................... 53

Questionrio ........................................................................... 55

Estudo da validade e fiabilidade do inventrio de atitudes face

Matemtica .................................................................. 57

Instrumento de aferio da criatividade matemtica .......................... 57

Apresentao do instrumento de aferio da criatividade

matemtica dos participantes ............................................ 59

O instrumento usado ........................................................ 63

Captulo 3 Apresentao, anlise e discusso dos resultados................................ 66

Entrevistas ....................................................................................... 66

Introduo Abordagem ao percurso e a relao com a Matemtica ....... 66

Experincias significativas ao longo do percurso formativo ................... 69

Desempenho atual Fatores pessoais ............................................. 70

Local de estudo e organizao e gesto do tempo ...................... 70

Estratgias de estudo e aprendizagem .................................... 71

Autoconceito ................................................................... 74

Atribuies ao sucesso e ao fracasso ...................................... 75

xiii

Motivao ...................................................................... 76

Predisposio para o esforo e tolerncia frustrao ................ 76

Desempenho atual Aspetos contextuais/envolventes ......................... 77

Meio envolvente Famlia .................................................. 77

Meio envolvente outros agentes .......................................... 81

Envolvimento na tarefa .............................................................. 84

Presses sentidas ao longo do percurso escolar ................................. 88

Caractersticas pessoais evidenciadas ............................................. 89

Discusso da anlise do contedo das entrevistas .............................. 90

Questionrios ................................................................................... 92

Anlise das respostas aos questionrios ........................................... 96

Discusso das respostas ao questionrio .......................................... 98

Instrumento de aferio da criatividade matemtica .................................... 99

TMS 1 ................................................................................... 99

TMS 2 ................................................................................... 109

Discusso acerca das resolues das TMS ......................................... 117

Captulo 4 Revisitao do modelo anteriormente proposto .................................. 120

Captulo 5 Concluses ................................................................................. 123

O que concerne ao objetivo terico ......................................................... 123

O que concerne s perguntas de investigao ............................................. 124

Limitaes deste trabalho ..................................................................... 126

Pistas para investigaes futuras............................................................. 126

Referncias ................................................................................................ 129

Anexos ..................................................................................................... 148

Anexo 1 Estudos de validao e fiabilidade do inventrio de atitudes face matemtica 150

Anexo 2 Grupos de solues do perito para a TMS 1 .............................................. 166

Anexo 3 Grupos de solues do perito para a TMS 2 ............................................. 173

Anexo 4 Perguntas do guio de entrevista segundo a fonte e objetivo ....................... 177

Anexo 5 Respostas ao inqurito ...................................................................... 184

Anexo 6 Declarao de consentimento informado ................................................ 193

xv

Lista de Figuras

Figura 1.1 Modelo terico proposto .................................................................................. 30

Figura 3.1 Tentativa de resoluo da TMS1 do estudante A ............................................ 100

Figura 3.2 Tentativa de resoluo da TMS1, pela via do clculo, do estudante D ........... 101

Figura 3.3 Tentativa de resoluo da TMS1, pela via geomtrica, do estudante D .......... 102

Figura 3.4 Resoluo da TMS1 pelo estudante B, em que recorreu a uma tabela

trigonomtrica .................................................................................................. 103

Figura 3.5 Resoluo da TMS1 pelo estudante B, em que recorreu ao mtodo dos

multiplicadores de Lagrange ............................................................................ 104

Figura 3.6 Tentativa de resoluo da TMS1 do estudante B, com recurso a tringulos ... 104

Figura 3.7 Resoluo da TMS1 pelo estudante C, em que recorreu ao clculo ............... 106

Figura 3.8 Resoluo da TMS1 pelo estudante C, em que recorreu ao mtodo dos

multiplicadores de Lagrange ............................................................................ 107

Figura 3.9 Resoluo da TMS1 pelo estudante C, em que seguiu uma via

trigonomtrica .................................................................................................. 108

Figura 3.10 Resolues da TMS2 pelo estudante A........................................................... 110

Figura 3.11 Resolues da TMS2 pelo estudante B........................................................... 112

Figura 3.12 Resolues da TMS2 pelo estudante C .......................................................... 113

Figura 3.13 Tentativas de resoluo da TMS2 pelo estudante D ....................................... 116

xvii

Lista de Quadros

Quadro 2.1 Algumas caractersticas dos quatro estudantes que participaram no

estudo emprico que realizmos ................................................................... 51

Quadro 2.2 Classificaes obtidas pelos quatro estudantes nos exames de duas

disciplinas de Matemtica do primeiro ano universitrio ............................... 51

Quadro 2.3 Panorama global do desempenho de todos os alunos que realizaram os

mesmos exames que os quatro participantes ............................................... 52

Quadro 2.4 Percentis das classificaes obtidas pelos quatro participantes nos

exames que realizaram ................................................................................. 52

Quadro 2.5 Esquema de pontuao (baseado em Leikin, 2009) ..................................... 64

Quadro 2.6 Classificao da criatividade das TMS propostas ......................................... 65

Quadro 3.1 Respostas dos inquiridos s afirmaes do inqurito e respetivas somas

parciais .......................................................................................................... 96

Quadro 3.2 Resumo das classificaes dos estudantes na TMS 1 ................................. 109

Quadro 3.3 Resumo das classificaes dos estudantes na TMS 2 ................................. 117

xix

1

Introduo

Numa sociedade cada vez mais centrada na inovao tecnolgica, com ambies de

desenvolvimento econmico e social, a formao de recursos humanos revela-se de extrema

importncia. O elevado investimento que a generalidade dos estados, Portugal includo,

consagra educao e formao dos seus cidados, tem como objetivo final a habilitao destes

para participarem plena e ativamente na sociedade e para contriburem para uma economia

global cada vez mais baseada no conhecimento.

A educao, para alm de ser considerada como o primeiro passo para qualquer atividade

humana, tem reflexos nos nveis de bem-estar do indivduo e na variedade de oportunidades

para aceder a melhores condies de vida. E a atual conjuntura de dificuldades financeiras,

com a consequente competio pelo escasso nmero de empregos, torna ainda mais premente

um olhar atento sobre as condies que favorecem um bom desempenho escolar. Em tempos

passados, os alunos eram frequentemente encarados como meros depositrios de

conhecimentos, a quem se exigia que memorizassem um conjunto de informaes, que quando

para isso solicitados, deveriam debitar maquinalmente, e isso era considerado suficiente. Mas

os profissionais que a sociedade hoje necessita devem ser capazes de procurar autnoma e

eficazmente o conhecimento pertinente e de encontrar respostas criativas por meio dessa

pesquisa. Assim, as capacidades criativas de um indivduo, so tambm um ativo valioso que

importa conhecer.

Consequentemente, a preocupao com a qualidade do desempenho dos estudantes continua

sendo uma prioridade para todos os educadores e investigadores. Em particular, a explorao

das variveis que influenciam os nveis de desempenho dos estudantes tem despertado o

interesse e a curiosidade da comunidade educativa. Neste contexto, as instituies de ensino

portuguesas, que desde h muito se preocupavam em diminuir as taxas de insucesso e de

abandono escolar, tm adotado nos ltimos anos uma postura de maior ateno para com

aqueles que se destacam por um desempenho acadmico superior, premiando o mrito,

instituindo quadros de excelncia ou atribuindo bolsas de estudo.

Os cidados com maiores conhecimentos so um recurso primordial da sociedade, essenciais

para o desenvolvimento cientfico e para a promoo da inovao tecnolgica. A Matemtica

tem especial relevncia para este desgnio, pois constitui-se como uma ferramenta essencial

para quem intenta contribuir para esse bem comum. Da que deva ser dada ateno aos alunos

de melhor aproveitamento nesta disciplina, estudando a forma e as condies que lhes

permitem o elevado desempenho, pois esse conhecimento pode ajudar na tentativa de

replicao desses casos.

2

Neste quadro, ao centrarmos o nosso estudo na excelncia acadmica em Matemtica de alunos

do Ensino Superior, interessa-nos conhecer o conjunto de percees, processos, dinmicas,

acontecimentos marcantes e circunstncias que culminaram no alto desempenho nesta

disciplina. Mas, mais do que a mera enumerao de elementos, nossa inteno explorar a

rede de ligaes e interdependncias entre variveis com ascendente sobre a excelncia

acadmica em Matemtica. Por outro lado, paralelamente ao desgnio j expresso, temos um

outro foco de investigao, cuja relao com o primeiro iremos tambm procurar conhecer.

Trata-se de explorar as capacidades criativas em Matemtica de estudantes do Ensino Superior.

O termo excelncia muitas vezes usado sem que haja um entendimento prvio sobre o seu

significado, ficando depois a cargo de cada indivduo adotar uma aceo para a palavra. Daqui

resulta uma multiplicidade de interpretaes que naturalmente dificulta a comunicao efetiva

sobre o tema. Para precaver esta eventualidade, explicitamos que no mbito desta tese,

quando empregamos a palavra excelncia referimo-nos a desempenho bastante acima da

mdia, dado que este o denominador comum entre numerosas definies de excelncia.

Ao empreender um trabalho desta natureza devemos enfatizar que no se trata de realizar uma

investigao sobre uma camada de estudantes privilegiados e dar relevo a quem no merece as

nossas preocupaes em virtude dos timos resultados acadmicos que j obtm. O estudo que

realizmos no elitista, pelo contrrio, o que ambicionamos uma melhor compreenso das

variveis com ascendente sobre o desempenho acadmico, mormente aquelas que necessitam

estar presentes para que se possa ser excelente em Matemtica, com o propsito de, munidos

desse conhecimento, poder melhor conduzir os nossos estudantes na sua aprendizagem desta

disciplina, para que possam vir a ser melhores em Matemtica. Desta forma, se tivssemos de

classificar o nosso estudo em termos da sua abrangncia social, diramos que igualitrio, no

sentido em que se procuram as chaves para que um maior nmero de estudantes possa

concretizar uma aprendizagem mais profunda desta importante disciplina.

A nvel pessoal, o interesse pelo tema decorre da nossa atividade profissional. De facto, desde

que inicimos a carreira de docente de Matemtica do ensino bsico e secundrio, sempre nos

intrigou a variedade de nveis de desempenho existente na sala de aula e, em particular, por

que razo h alunos que conseguem adquirir um corpo de conhecimentos slido e profundo

nesta disciplina, ao passo que muitos outros apresentam grandes dificuldades.

Existe um amplo corpo de investigao internacional publicada em torno da sobredotao e da

excelncia, mas a consagrada especificamente ao alto desempenho em Matemtica muito

menos numerosa. Tm sido realizados alguns estudos longitudinais, nomeadamente nos Estados

Unidos, sobre estudantes considerados promissores em Matemtica (ver, por exemplo, Lubinski

e Benbow, 2006, que reportam os efeitos do Study of Mathematically Precocious Youth aps 35

de investigao longitudinal). E muita da investigao internacional conduzida com alunos

talentosos em Matemtica focaliza-se na proviso que proporcionada a estes alunos,

3

nomeadamente atravs de programas especializados, sendo que a que dedicada a aspetos

tericos da excelncia em Matemtica muito mais escassa.

O pano de fundo portugus ainda mais pobre. Apesar de existirem estudos no nosso pas em

torno de aspetos relacionados com o desempenho escolar em Matemtica (ver, por exemplo,

Almeida, 2012; Machado & Csar, 2012; Peres, 2012; Sousa e colaboradores, 2010; Veiga, 2004),

no conhecemos qualquer trabalho acadmico subordinado especificamente temtica da

excelncia neste domnio especfico. Existem ainda algumas investigaes sobre a temtica da

excelncia de mbito geral, mas de enfoque sociolgico (ver, por exemplo, Torres e Palhares,

2012), e tambm alguns trabalhos acadmicos de pendor psicolgico sobre o alto desempenho,

quer igualmente de mbito geral (ver, por exemplo, Arajo, Almeida e Cruz, 2007), quer em

algum outro domnio especfico (ver, por exemplo, Matos, 2011).

A tese que agora apresentamos est estruturada numa sequncia que, aps a introduo

continua, com o captulo um, onde feita uma reviso da literatura existente, dedicando a

cada conceito uma seco deste captulo, sendo que na ltima seco proposto um modelo

da excelncia matemtica por ns idealizado com base na reviso da literatura que levmos a

cabo. No captulo seguinte, o segundo, apresentada a metodologia seguida nesta investigao,

comeando por explicitar os objetivos e perguntas de investigao. Depois, nesse captulo,

apresentada a metodologia adotada, incluindo os participantes, os instrumentos de recolha de

dados e o procedimento. No captulo trs os resultados obtidos so apresentados, analisados e

discutidos. Aps o que, no captulo quatro, se volta ao modelo anteriormente proposto, com a

inteno de o ajustar aos resultados obtidos. Finalmente, no quinto captulo, so apresentadas

as concluses desta dissertao, suas limitaes e faz-se tambm referncia a possveis

investigaes futuras que podero emergir a partir deste trabalho.

4

Captulo 1: Reviso de literatura

Neste captulo apresentada uma reviso da literatura que se relaciona com os objetivos desta

investigao. Desta forma, procuramos situar este estudo dentro do contexto histrico e

educacional, contemplando o trabalho de alguns investigadores chave nesta rea.

Dada a sua proximidade conceptual, comeamos este exame da literatura com os principais

modelos de excelncia e de sobredotao. Ao que se segue uma resenha de perspetivas sobre

o alto desempenho e um olhar atento sobre os diversos fatores que o influenciam. Depois

dada ateno criatividade, tanto de mbito geral como a que especfica da Matemtica.

Finalmente, neste captulo, apresentado um modelo terico para o estudo da excelncia na

Matemtica, idealizado pelo autor deste trabalho, e que fruto da reviso da literatura que

empreendeu.

Excelncia e sobredotao

Realizaes de elevado desempenho, requerem a presena de um conjunto de condies e

fatores que as propiciem. De seguida so apresentadas algumas perspetivas tericas sobre altas

habilidades e excelncia, com destaque especial para as que parecem ser mais enfatizadas na

literatura e que podero ajudar a compreender no s os conceitos, mas tambm os fatores

associados expresso e desenvolvimento do alto desempenho e excelncia, ao que se segue

uma enumerao e respetiva explicao dos fatores necessrios a elevados nveis de

performance.

1.1.1. Abordagens conceptuais ao estudo da excelncia e sobredotao

O fenmeno excelncia tem, desde sempre, fascinado a generalidade das pessoas. Em

particular, porque que algumas pessoas so capazes de um desempenho de nvel excelente e

outras no so? O que que este grupo restrito de pessoas faz de forma diferente de todos os

outros e que lhes permite evidenciar-se? Como a envolvente em que estas pessoas vivem e

trabalham? Que fatores, pessoais e contextuais, podem facilitar ou inibir o desenvolvimento e

a manifestao da expertise?

A definio de expertise remete para a manifestao de competncias resultante da

acumulao de um amplo corpo de conhecimento (Chi, 2006). Isto implica que, se se pretende

5

compreender como que um indivduo que competente para realizar um excelente

desempenho trabalha e por que razo mais capaz do que outra pessoa que no tem essa

capacidade, devemos compreender a representao do seu conhecimento, isto , como

organizado e estruturado, e de que forma as suas representaes diferem das dos principiantes

(Chi, 2006). Para alm desta definio de carter absoluto, h uma outra possvel abordagem

a este tema, de natureza relativa, designadamente, perspetivando a percia a partir das

diferenas individuais. Neste sentido, um perito algum cujo nvel de performance excede o

da maior parte das outras pessoas (Cianciolo, Matthew, Sternberg & Wagner, 2006).

Segundo a literatura, a percia relativamente especfica a um determinado domnio. No

obstante, so igualmente consideradas importantes as capacidades transversais de

processamento de informao, tal como a resoluo de problemas (Cianciolo, Matthew,

Sternberg & Wagner, 2006). Assim, independentemente do domnio especfico de desempenho,

parece haver algum consenso na comunidade cientfica acerca da influncia das habilidades

cognitivas e metacognitivas no desenvolvimento da mestria. Entre as aptides que, a nvel

cognitivo, consistentemente caracterizam os peritos (e os diferenciam dos principiantes), esto

o conhecimento, o raciocnio, e a memria. A nvel metacognitivo destaca-se o seu nvel de

autorregulao, acrescendo ainda o seu comprometimento com a prtica deliberada. Quando

se procura descrever as aptides cognitivas de um perito, comea-se pela amplitude e

profundidade do seu conhecimento (Horn & Masunaga, 2006). Obviamente, um perito tem mais

e mais profundo conhecimento na sua rea de mestria do que um principiante (Chi, 2006) e,

medida que o nvel de percia aumenta, o seu conhecimento tambm aumenta, tornando-se

mais organizado e integrado, resultando numa base de conhecimento que permite ao perito

selecionar, organizar, representar, manipular e interpretar informao (Horn & Masunaga,

2006). Acresce que um perito consegue adquirir conhecimento e eleger estratgias relevantes

ao seu domnio com mnimo esforo cognitivo (Chi, 2006). Por seu lado, o raciocnio de um

perito durante a conceptualizao de um problema, permite-lhe compreender a sua estrutura

e representar as relaes mais importantes antes de conceber planos para a sua resoluo; pelo

contrrio, um principiante, habitualmente, considera muitas alternativas que frequentemente

carecem de relevncia para a soluo (Horn & Masunaga, 2006). Um outro recurso do perito,

a sua tima memria, que lhe possibilita, por exemplo, que mesmo sendo inesperadamente

solicitado para recordar informao acerca de uma tarefa complexa na sua rea de percia, o

faa no apenas de forma mais precisa mas tambm mais completa do que um colega menos

capacitado (Horn & Masunaga, 2006).

Entre as caractersticas metacognitivas distintivas dos peritos, destacam-se o seu nvel de

autorregulao, e ainda o seu comprometimento com a prtica deliberada Por seu lado, a

autorregulao tambm vital a uma boa aprendizagem, porquanto para aprender necessrio

o envolvimento pessoal, proactivo, no acontecendo apenas por se estar a ouvir um perito. A

autorregulao a auto gerao de ideiaspercees, e comportamentos, com vista

6

consecuo de objetivos (Zimmerman, 2000). Uma outra forma de envolvimento proactivo na

aprendizagem o recurso prtica deliberada, definida como treino individualizado, preparado

por um treinador ou professor para aumentar aspetos especficos do desempenho de um

indivduo, atravs da repetio e refinamentos sucessivos (Ericsson & Lehmann, 1996). Todos

estes fatores contribuem para o nvel de desempenho de um indivduo, e sero alvo de ateno

nesta tese.

Especialmente intrigante para filsofos e cientistas a dvida sobre at que ponto a percia se

apoia em dons inatos, ou se resulta da aquisio de conhecimentos e competncias

especializadas. Assim, enquanto alguns investigadores perspetivam a excelncia como

consequncia das capacidades inatas dos indivduos, embora com o contributo de algumas

caractersticas de motivao e de personalidade (por exemplo, Gagn, 1985, 2004), para

outros, o papel da dotao gentica no determinante, pois embora se reconhea a sua

importncia, consideram que os altos nveis de desempenho so melhor explicados pela prtica

deliberada prolongada (por exemplo, Ericsson, 2009; VanLehn & Van De Sande, 2009;

Zimmerman, 2006). Assim, podemos constatar a existncia de um continuum de perspetivas

tericas, desde as que enfatizam o peso da dotao gentica, habitualmente mais conotadas

com a sobredotao, at s que privilegiam a importncia da prtica continuada, geralmente

as consideradas mais prximas do conceito de excelncia. Vejamos algumas dessas abordagens

tericas, comeando com as do primeiro grupo e aproximando-nos progressivamente das do

segundo.

1.1.1.1. Joseph Renzulli: O Modelo dos Trs Anis

Investigao em torno da sobredotao tem mostrado consistentemente que este no um

constructo unidimensional, antes um aglomerado de fatores. Partilhando desta viso, Renzulli

(1978, 2002, 2005) props um modelo em que os agrupa em trs conjuntos que se intersetam,

a que chamou anis. Estes trs anis so: i) habilidades acima da mdia, ii) envolvimento na

tarefa, e iii) criatividade. As habilidades acima da mdia, segundo esta conceo, podem ser

de mbito geral (consistindo na capacidade para processar informao, para integrar os

resultados de experincias anteriores de forma a melhor responder a situaes novas, ou na

capacidade para raciocinar de forma abstrata), ou especficas a um dado domnio (que

consistem na capacidade para adquirir conhecimento, ou proficincia, especfico a um

determinando mbito, por exemplo na Matemtica). O segundo anel, denominado por Renzulli

por envolvimento na tarefa, associado a caractersticas tais como persistncia,

disponibilidade para o trabalho rduo, ou autoconfiana, relacionadas com a realizao de uma

tarefa concreta ou domnio especfico de desempenho. Por sua vez, a criatividade est

associada capacidade para conceber ideias ou produtos inovadores e adequados, sendo

entendida como a capacidade para resolver problemas de forma original, flexvel, fluente e

elaborada, requerendo um pensamento independente e produtivo, por oposio a uma atitude

7

mais conformista e convencional. importante notar que, para este autor, isoladamente

nenhum destes anis faz a sobredotao. Ao invs, da interao destes trs conjuntos que

resulta a sobredotao (Renzulli, 1978). Da mesma forma, tambm importante referir que

cada anel contribui com caractersticas essenciais para que um indivduo possa ter um

desempenho elevado.

1.1.1.2. Franois Gagn: o Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento

O Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento (DMGT Differentiated Model of Giftdeness

and Talent) prope uma distino entre os dois componentes bsicos que esto por detrs do

alto desempenho: Sobredotao e Talento. No modelo DMGT, inicialmente proposto por Gagn

(1985, 2004), o termo sobredotao usado para designar a posse e uso de habilidades inatas

superiores, no treinadas e expressas espontaneamente, que colocam o seu detentor, pelo

menos, no percentil 90 entre os seus pares da mesma idade; por sua vez, no DMGT, talento

refere-se mestria superior adquirida por meio de treino sistemtico, que colocam o seu

detentor igualmente, pelo menos no percentil 90 entre os seus pares da mesma idade, que so

ou tm sido ativos no mesmo domnio de atividade. No DMFT, Gagn, prope quatro domnios

de aptido ao nvel da sobredotao: intelectual, criativo, socio afetivo, e sensoriomotor. Estas

habilidades naturais podem ser observadas em todas as tarefas que a criana realiza ao longo

da sua escolarizao (Gagn considera que as manifestaes de sobredotao so mais

facilmente visveis em crianas, uma vez que influncias ambientais e de aprendizagem

sistemtica so ainda moderadas). Por seu lado, os talentos emergem progressivamente,

medida que as habilidades superiores inatas so transformadas em percia num domnio

particular, por meio do treino sistemtico. Assim, a existncia de habilidades superiores

condio necessria para aceder ao talento, e este s aparece quando o indivduo adere a uma

aprendizagem/prtica sistemtica, que Gagn designa por processo de desenvolvimento. E este

processo de desenvolvimento est sujeito ao de dois tipos de catalisadores, intrapessoais e

ambientais, e ainda aleatoriedade do fator sorte. Os catalisadores intrapessoais podem ser

de natureza fsica (por exemplo, a sade) ou mental (por exemplo, a personalidade), e os

ambientais podem ter variadas origens (por exemplo, de ordem geogrfica, familiar, ou

socioeconmica).

1.1.1.3. A perspetiva de Sternberg. Os modelos desenvolvimento de expertise e

WICS

Continuando o percurso narrativo de vrias concees tericas da excelncia, abordamos agora

a perspetiva de Sternberg (1999, 2001a). Sternberg (1999) encara o desenvolvimento da percia

como um processo contnuo de aquisio e consolidao de um conjunto de habilidades,

necessrias para um elevado nvel de mestria, em um ou mais domnios de atividade. Refere-

8

se s habilidades e percia como duas faces da mesma moeda e, consequentemente defende

que devem ser estudadas de forma integrada. Assim, o autor prope um modelo centrado na

ideia de que um indivduo est constantemente num processo de desenvolvimento da sua

percia quando trabalha num dado domnio. Neste modelo est subjacente a ideia de que a

principal restrio no caminho para a percia no um nvel fixo de capacidade anterior, mas

antes o envolvimento intencional, mediante a instruo direta, participao ativa, adaptao

e recompensa (Sternberg, 1999). Este modelo, conhecido por modelo de desenvolvimento de

expertise, para alm de admitir a influncia do contexto, compreende cinco elementos

nucleares que se influenciam mutuamente: capacidade metacognitiva, capacidade de

aprendizagem, capacidade de raciocnio, conhecimento e motivao. Nesta perspetiva, o

aprendiz comea a trabalhar para adquirir a percia, atravs da prtica deliberada, mas esta

prtica requer a interao dos cinco elementos nucleares. No centro, guiando os elementos,

est a motivao, elemento fundamental, sem o qual todos os outros ficam inertes. Sternberg

considera que h vrios nveis de percia (por exemplo, do estudante e do profissional) e admite

que o ciclo se repete iterativamente muitas vezes, na rota para sucessivos e cada vez mais

elevados patamares de percia.

Mais recentemente, Sternberg (2005a) apresentou um outro modelo, denominado WICS

(wisdom, intelligence, creativity, synthetized), que d inteligncia, definida como a

capacidade de adaptao ao ambiente, o papel central. A criatividade entendida como a

capacidade de formulao e resoluo de problemas, produzindo solues relativamente novas

e de alta qualidade, ao passo que a sabedoria percebida como a capacidade para mobilizar a

inteligncia, criatividade e conhecimento para um bem comum. Segundo esta conceo, a

inteligncia, sabedoria e criatividade, alimentam-se mutuamente, permitindo o

desenvolvimento de cada um destes trs componentes. A ideia por detrs deste modelo, que

um indivduo precisa dos trs constituintes trabalhando em simultneo (sintetizados) para

poder ser um contribuinte vlido para a sociedade.

Deste conjunto de modelos apresentados por Sternberg, ressalta a ideia de que o sucesso

funo de vrios fatores, no apenas da inteligncia, que se combinam de forma integrada,

confluindo para formar um perito.

1.1.1.4. Ericsson e o enfoque na prtica deliberada

Na continuao da apresentao de perspetivas sobre o alto desempenho, segue-se agora uma

linha de trabalhos que valoriza o papel do trabalho/treino intencional na explicao do alto

desempenho.

9

K. A. Ericsson um autor de referncia na literatura sobre o alto desempenho e expertise, e

partilha a corrente de opinio que privilegia a importncia da prtica intencional, em

detrimento da herana gentica ou do talento inato.

Subjacente a esta perspetiva, est a convico de que no possvel aceder a elevados

patamares de desempenho num determinado domnio, sem previamente passar por um longo

perodo de prtica intencional e refletida, sendo necessrios dez anos para que se possa vir a

ser considerado excelente (Ericsson et al., 1993). Assim, para os seguidores desta corrente, o

critrio decisivo para o desenvolvimento da expertise no a presena de fatores hereditrios,

nem o conhecimento acumulado no decurso de uma longa experincia, mas sim o

comprometimento com atividades de prtica deliberada durante, pelo menos, dez anos

(Ericsson et al., 1993; Ericsson et al. 1996; Ericsson et al., 1999). Por prtica deliberada

entende-se uma atividade estruturada, com a inteno explcita de melhorar o desempenho,

ultrapassando dificuldades, e monitorizada de forma a identificar formas de o melhorar ainda

mais (Ericsson et al., 1993). O conceito de prtica deliberada ser detalhadamente exposto

mais frente neste texto.

Desta forma, Ericsson e seus colaboradores posicionam-se longe das concees que enfatizam

o papel das capacidades inatas na explicao do alto desempenho, tendo at apresentado um

conjunto de argumentos para obstar a essa viso. Nomeadamente, apontam a falta de

evidncias empricas, ao nvel das caractersticas genticas, que fundamentem diferenas de

desempenho (Ericsson, Roring & Nandagopal, 2007). No caso das crianas prodgio, estes

autores presumem a existncia de condies contextuais propcias, que tero facultado que

estas se envolvessem prematuramente em atividades de prtica deliberada. Por vezes,

acontece que oportunidades ocasionais que um individuo possa ter, resultam em pequenas

vantagens iniciais, que persistem ao longo do tempo e que se tornam cada vez mais

importantes, e que efetivamente o levam a ser melhor que os seus pares (Gladwell, 2008).

Em suma, a diversidade de opinies e de perspetivas tericas sobre a excelncia , por um

lado, um sinal da densidade e complexidade deste domnio, mas por outro, sinal da riqueza

que ele encerra. H quem releve a dotao gentica do indivduo e h quem enfatize a

importncia do treino. No entanto, parece que entre a comunidade cientfica o maior consenso

reunido sobre a necessidade do apoio e estmulo excelncia para que esta se possa

desenvolver e manifestar. J sobre os fatores que esto por trs desse alto desempenho, a

amplitude das diferenas entre as diversas opinies inviabiliza a possibilidade de identificar um

ponto de convergncia.

Uma possvel tentativa de explicao para o alto desempenho mas que no subscrevemos

que o desempenho de um individuo num dado domnio limitado por fatores inatos que no

10

podem ser modificados por ao da experincia e treino; nesta perspetiva, os limites daquilo

que um indivduo pode alcanar so determinados pela suas dotaes bsicas, quer sejam

caractersticas fsicas e anatmicas, capacidades mentais, ou talentos inatos. Esta viso acerca

do desenvolvimento profissional levou a uma reduo da nfase no treino e contnua melhoria

da performance de uma pessoa numa dada tarefa (Ericsson, 2009). No entanto, com prtica,

treino e acima de tudo, mtodo, um indivduo pode alterar a maioria das suas caractersticas,

com exceo da sua altura. Mas, sabemos hoje pela utilizao de modernas tcnicas de anlise

cerebral, que pode alterar algumas do mbito do intelecto, como sejam a ateno, memria,

ou discernimento e, assim, tornar-se mais inteligente (Ericsson, 2009; Sheffield, 2008). Como

o nosso entendimento sobre os fatores que esto por detrs da excelncia consistente com

esta ltima viso, de seguida vamos debruar-nos em trs requisitos basilares quando se

ambiciona a melhoria do nvel de desempenho de um indivduo: autorregulao, prtica

deliberada e motivao.

1.1.2. Autorregulao na aprendizagem

Um indivduo pode ser dotado de grande capacidade intelectual, bem como contar com

elevados nveis de motivao, e com estes atributos lograr bons nveis de desempenho, mas

poder potenciar a sua performance se recorrer, tanto quanto possvel, a estratgias

autorregulatrias.

A aprendizagem autorregulada habitualmente conceptualizada como o uso de autorregulao

em domnio acadmico. Assim, um estudante autorregulado encara a aquisio de

conhecimentos como um processo controlvel, e aceita maior responsabilidade pelos resultados

obtidos do que os seus pares. Um estudante ativo na sua aprendizagem, que implementa esta

regulao por meio de uma atitude diligente ao nvel motivacional, comportamental, e

metacognitivo (Zimmerman, 1990). Acerca dos processos motivacionais, os estudantes

autorregulados apresentam elevados ndices de autoeficcia e de motivao intrnseca na

tarefa, estando dispostos a despender grande esforo e a persistir na aprendizagem mais

frente iremos focalizar-nos pormenorizadamente nestes aspetos motivacionais. Quanto aos

processos comportamentais do estudante autorregulado, eles caracterizam-se pela escolha e

criao de ambientes que lhe permitam otimizar a sua aprendizagem. Entre os processos

metacognitivos distintivos de um estudante autorregulado esto o planeamento,

estabelecimento de objetivos, organizao, auto monitorizao e autoavaliao em vrios

pontos ao longo do processo de aquisio de conhecimentos (Zimmerman, 1990).

A autorregulao , pois, um processo construtivo em que a pessoa toma em suas mos a forma

como realiza a tarefa, qualquer que seja a natureza dessa tarefa. Como exemplos de tcnicas

autorregulatrias, podemos indicar: fixao de objetivos (especificao de aes ou resultados

11

da performance); escolha de estratgias para a realizao de uma determinada tarefa;

autoinstruo (verbalizaes explcitas ou veladas para melhorar a performance, por exemplo,

frases conducentes a um auto relaxamento para reduzir a ansiedade); criao de imagens

mentais (da envolvente ou de sequncias comportamentais, com vista melhoria do

desempenho); gesto do tempo; auto monitorizao; autoavaliao (envolve a fixao e uso de

nveis de qualidade realistas para aferio de progressos); estruturao da envolvente (remete

para a seleo e criao de um local adequado para a realizao da tarefa); e a procura de

ajuda (refere-se escolha de fontes de conhecimento ou de habilidades, por exemplo,

professores, livros ou modelos) (Zimmerman, 2002).

Em 2000, Zimmerman apresentou um modelo em que procurava explicar o funcionamento da

aprendizagem autorregulada, que posteriormente foi alvo de refinamentos pelo autor e seus

colegas (por exemplo, Zimmerman & Campillo, 2003; Zimmerman & Moylan, 2009). Este modelo

baseia-se num contnuo ciclo de autorregulao em trs fases: planeamento, execuo e

avaliao. Em cada fase h oportunidades para que os estudantes recolham informao e a

usem para melhorar a sua performance. De acordo com este modelo, o ciclo autorregulatrio

do estudante comea com a anlise da tarefa, avaliao da sua capacidade para a realizar com

sucesso, estabelecimento de objetivos e escolha da estratgia mais adequada tarefa de

aprendizagem em causa. Na fase seguinte, execuo, o estudante implementa a estratgia

escolhida e vai ajustando o seu plano enquanto auto monitoriza o seu progresso. Por fim,

durante a fase de avaliao, o estudante avalia a pertinncia de cada estratgia seguida e o

benefcio que originou na consecuo dos objetivos. Por sua vez, esta avaliao ter influncia

num posterior planeamento de uma nova tarefa de aprendizagem.

frequente ouvirmos comentar que uma das obrigaes cruciais do sistema educativo a de

promover hbitos de estudo nos discentes, que lhes permitam ser progressivamente mais

autnomos nas suas aprendizagens, presentes e futuras. E dada a relevncia da prtica contnua

de atividade autorregulatria e das suas vantagens, nomeadamente, ao nvel das aprendizagens

acadmicas, emerge a dvida sobre a possibilidade de ensino de tcnicas autorregulatrias. Em

contexto educativo, h na literatura (por exemplo, Cross & Paris, 1988; Kramarski & Mevarech,

2003) exemplos de estudos empricos em que se procurou, mediante instruo, dotar

estudantes de tcnicas de autorregulao, tendo sido mostrado no s que tal ensino possvel,

mas tambm que os estudantes que beneficiaram dessa aprendizagem evidenciaram ganhos

significativos, em capacidades de leitura e compreenso de grficos matemticos, em

comparao com os seus colegas no envolvidos nesse tipo de ensino.

H uma estreita ligao entre metacognio e autorregulao, porquanto uma das duas formas

essenciais de entendimento da metacognio precisamente a autorregulao, sendo a outra

a tomada de conscincia dos processos e das competncias necessrias para a realizao da

tarefa, i.e., conhecimento sobre o conhecimento (Ribeiro, 2003). Contudo a fronteira entre os

dois constructos nem sempre clara. Dinsmore e colaboradores (2008), por meio de uma anlise

12

de duzentos e cinquenta e cinco estudos, numa tentativa de delimitar melhor as fronteiras

tericas e empricas entre metacognio, autorregulao e aprendizagem autorregulada,

concluram que a diferena entre metacognio e autorregulao que a metacognio envolve

orientao cognitiva, enquanto autorregulao est mais relacionada com a ao humana do

que com o pensamento que a causou. Esta distino est em linha com Flavell (1979, 1987) que

perspetiva metacognio formada por conhecimento metacognitivo, e por experincias

metacognitivas e regulao. Segundo este autor, conhecimento metacognitivo refere-se ao

conhecimento adquirido acerca dos processos cognitivos, ou seja o conhecimento que pode ser

usado para controlar os processos cognitivos. Metacognio definida formalmente como a

capacidade de elaborar pareceres, percees, e aes estrategicamente planeadas e adaptadas

para a persecuo de objetivos pessoais (Zimmerman, 2006). Esta atividade operacionalizada

por meio de um ciclo regulativo, em que o feedback a partir da performance do indivduo

usado para empreender ajustes estratgicos nos esforos seguintes (Zimmerman, 1990).

A metacognio , deste modo, necessria para que o indivduo teste o seu prprio

conhecimento e as solues para um problema. Com este tipo de monitorizao, evita erros ou

caminhos sem sada e portanto assegura o avano em direo ao objetivo. Este comportamento

autorregulatrio crtico ao longo do processo de aquisio de conhecimentos e competncias

das quais dependem a percia (Feltovich, Prietula & Ericsson, 2006). A competncia na

autorregulao uma condio muito importante quando se aspira conquista da percia, dado

que a prtica de autorregulao ajuda o indivduo na aquisio eficaz tanto do conhecimento

como da habilidade pretendidos (Zimmerman, 2006).

A importncia do uso de estratgias metacognitivas patente numa das mais frequentemente

citadas teorias de inteligncia. Referimo-nos Teoria Trirquica de Inteligncia de Sternberg

(1984), onde o autor assume uma abordagem de inteligncia de pendor mais cognitivo ao invs

de meramente psicomtrica. Segundo Sternberg, a capacidade para obter sucesso funo do

equilbrio que o indivduo possa conseguir entre capacidades analticas, criativas e prticas.

Fazendo parte das capacidades analticas, o autor considera na sua teoria, a existncia de

meta-componentes que planificam o trabalho, monitorizam-no enquanto est a ser realizado,

e o avaliam depois de terminado. Como exemplos, Sternberg (2005b) salienta o reconhecimento

da existncia de um problema, definio da sua natureza, deciso sobre uma estratgia de

resoluo, monitorizao da soluo, e avaliao da soluo encontrada. Os meta-componentes

so, portanto, metacognio e autorregulao.

Sublinhamos a diferena entre estratgias cognitivas e estratgias metacognitivas em contexto

acadmico, pois ao passo que com a utilizao de estratgias cognitivas o indivduo almeja

atingir um objetivo cognitivo (por exemplo, aprender a resolver um certo tipo de equaes), o

recurso a estratgias metacognitivas visa aferir e monitorizar a eficcia das estratgias

cognitivas (Flavell, 1987). Podemos ento afirmar que, em certo sentido, com o recurso a

esquemas metacognitivos, o indivduo procura aprender a aprender.

13

1.1.3. Prtica deliberada

No possvel aceder a patamares de desempenho ao nvel da excelncia num determinado

domnio sem previamente passar por um longo perodo de prtica. Mas, nem todo o tipo de

prtica possibilita uma realizao com caractersticas consistentes com o que considerado

excelente, apenas a prtica deliberada o permite (Ericsson, 2009; VanLehn & Van De Sande,

2009). Para continuamente melhorar a performance, necessrio recorrer a atividades de

treino que permitam ao indivduo focalizar-se em melhorar aspetos especficos, muitas vezes

com a ajuda de um professor e dentro de numa atmosfera protegida, com oportunidades para

reflexo, explorao de alternativas e resoluo de problemas, assim como, para a repetio

aps feedback informativo (Feltovich, Prietula, & Ericsson, 2006). Este tipo de procedimento

designado de prtica deliberada, e consiste num tipo de atividade prtica e de aprendizagem,

regular, intencional e esforada (Ericsson, Krampe, & Tesch-Rmer, 1993). A prtica deliberada

no o mesmo que a realizao rotineira do mesmo tipo de prtica. Fazer repetidamente os

mesmos exerccios de treino no conduz necessariamente a melhorias na performance, para

que tal seja possvel necessrio o recurso a exerccios escolhidos com a finalidade de melhorar

aqueles aspetos precisos onde a performance ainda no a ideal (prtica deliberada). E esses

exerccios so escolhidos aps a observao da performance anterior e consequente reflexo e

regulao dos processos, de forma a ultrapassar as debilidades ainda existentes, num contnuo

ciclo regulativo. Quem aspira a um desempenho de excelncia nunca permite que a sua

performance seja totalmente automatizada, sendo necessrio que o indivduo saia da sua zona

de conforto e procure fazer bem aquilo que anteriormente no conseguia (Ericsson, 2009).

A prtica deliberada desenhada pelo professor/treinador ou pelo prprio indivduo que aspira

a melhorar o seu nvel de desempenho (neste caso, fruto de autorregulao), com a inteno

de aperfeioar aspetos especficos, por ao de repeties e refinamentos de processos de

resoluo de problemas, como resposta a feedback surgido depois da ltima sesso de

treino/trabalho (Ericsson, 2006, 2009).

No mbito educativo, Plant e colaboradores (2005) evidenciaram que conhecer o nmero de

horas que um estudante universitrio dedica ao estudo no permite antever eficazmente a sua

performance acadmica e que, ao invs, fatores de qualidade do estudo, i.e., mtodos de

estudo consistentes com prtica deliberada, possibilitam essa previso. Tambm Zimmerman

(2006) documentou que mtodos efetivos de estudo esto relacionados com performance

acadmica superior. Investigao realizada por VanLehn e Van De Sande (2009) permitiu

mostrar que a extenso de prtica deliberada exercida por um estudante conduz a melhorias

ao nvel do desenvolvimento do seu raciocnio e mestria. Segundo os mesmos autores, estes

benefcios no so alcanveis passivamente pela realizao de atividades tpicas de um

estudante no seu domnio, sustentando que o ato de pensar e raciocinar criteriosamente num

14

dado domnio fruto de esforos continuados dentro de um ambiente de aprendizagem

propcio, baseado em atividade reflexiva e prtica deliberada.

Pesem embora os seus benefcios, a prtica deliberada uma atividade custosa para o indivduo

e, para produzir os melhores resultados, deve ser prolongada no tempo. Est bem estabelecido

pela literatura (por exemplo, Ericsson, Krampe, & Tesch-Rmer, 1993) que para se atingir um

desempenho que se situe num patamar de excelncia, so necessrios, pelo menos, dez anos

de prtica deliberada, e esta regra aplica-se mesmo para os indivduos mais talentosos.

Uma vez que a prtica deliberada necessria ao alto desempenho requer uma extensa durao

e intensidade, normal que surja a interrogao acerca da relao entre prtica deliberada e

motivao. Na tentativa de clarificar esta questo, recorremos a Mihaly Csikszentmihalyi, um

autor de referncia em Psicologia, que entre numerosos outros contributos, props o conceito

de flow, que pode ser descrito como o estado mental de concentrao do indivduo que est

inteiramente absorto no que est a fazer, experimentando um sentimento de completo

envolvimento e satisfao na realizao da atividade (Csikszentmihalyi, 1990). Por esta

descrio podemos inferir que o indivduo em estado de flow est intrinsecamente motivado

para realizar a ao em causa. Mas o mesmo autor admite que a maioria das atividades que nos

trazem satisfao no so naturais, antes necessitam um esforo que inicialmente estamos

relutantes em fazer, mas assim que a interao comea a gerar feedback geralmente passam a

ser intrinsecamente compensadoras (Csikszentmihalyi, 1990). ento legtimo supor que o

envolvimento inicial de um indivduo em prtica deliberada habitualmente no acontece devido

satisfao que essa atividade, per se, lhe proporciona. Consequentemente, por norma,

inicialmente o indivduo no est intrinsecamente motivado para se dedicar prtica

deliberada, f-lo devido ao seu valor instrumental de contributo para que possa melhorar a sua

performance, isto , por ao de motivao extrnseca. Segundo esta perspetiva, portanto, a

disponibilidade para empreender um esforo inicial pode posteriormente conduzir motivao

intrnseca do indivduo para a prtica deliberada, podendo depois o mesmo ascender ao estado

de flow. A motivao ser o tema da prxima seco.

1.1.4. Motivao

No dia-a-dia rotineiro, no parece haver muitas dvidas sobre o que move as pessoas a fazerem

aquilo que fazem. Habitualmente, levantam-se de manh, vo para escola para aprender ou

vo trabalhar para ganharem dinheiro. Afigura-se, portanto, plausvel, que executem aes

para obterem recompensas ou para evitarem consequncias negativas. Um indivduo tem

determinada necessidade (ou desejo), e isto impele-o a empreender determinado

comportamento, que permite satisfazer aquela necessidade. As razes que levam um indivduo

15

a querer, ou no, algo, tm sido amplamente investigadas e esto na base de numerosas

perspetivas tericas sobre o tema da motivao.

O termo motivao (com origem no Latim, significando mover) refere-se aos fatores, sejam

eles necessidades ou desejos, que impelem um comportamento conducente a um determinado

objetivo.

No caso das necessidades, as que asseguram a sobrevivncia so naturalmente consideradas

vitais, como sejam as de natureza fisiolgica ou de segurana. Quanto aos desejos, so muitas

vezes percecionados por ao de influncias exteriores ao indivduo e incluem a amizade, o

respeito dos/aos outros, a criatividade e a soluo de problemas. Maslow (1970) organizou estas

necessidades e desejos hierarquicamente numa pirmide, que ficou conhecida com o seu nome,

com cinco nveis, desde as necessidades fisiolgicas na base at aos desejos de realizao

pessoal, no topo. Alderfer (1972) reformulou a pirmide de necessidades de Maslow,

classificando as necessidades em trs categorias, igualmente hierarquizadas: i) de existncia

(requisitos bsicos para a existncia do indivduo); ii) de relacionamento (relacionamento

satisfatrios com terceiros) e iii), de crescimento (desejo intrnseco de desenvolvimento

pessoal). notria a semelhana com a pirmide de Maslow, mas esta com apenas trs nveis,

em consequncia do agrupamento que Alderfer empreendeu. Ao contrrio do de Maslow, este

modelo tambm prev a possibilidade de movimento descendente na hierarquia, admitindo a

possibilidade de regresso, pois se uma necessidade de nvel mais elevado no for satisfeita,

isso poder levar o indivduo a regressar s necessidades de nveis inferiores. Estes dois

modelos, o de Maslow e o de Alderfer, integram um conjunto de teorias, designadas de

contedo, cujo enfoque recai sobre o que que motiva um individuo.

Contrastando com a perspetiva anterior, h um outro conjunto de teorias sobre a motivao,

teorias do processo, que procuram explicar de que forma um individuo inicia e mantem a sua

motivao, isto , como ocorre a motivao. Um exemplo desta abordagem a seguida por

Adams (1963), conhecida por teoria da equidade, que sugere que se o indivduo perceciona que

as recompensas por si recebidas so equitativas quando comparadas com as recebidas por

outros na mesma situao, ento o individuo sente-se satisfeito. Neste sentido, um individuo

conta que haja um equilbrio entre o seu contributo e o resultado obtido, e caso sinta que isso

no se verifica, e que fica em desvantagem, tende a adaptar a sua conduta de forma a reduzir

essa discrepncia. Um outro exemplo de uma teoria centrada no processo a avanada por

Vroom (1964), que pressupe que a motivao para um indivduo agir de uma determinada

forma determinada pela sua expectativa de que a sua conduta trar um resultado particular.

Nesta perspetiva, a motivao do indivduo resulta do produto (no sentido matemtico do

termo) da expectativa (a sua perceo de que o seu esforo ir resultar num dado desempenho)

pela instrumentalidade (a sua perceo de que o seu desempenho ser recompensado) e pela

valncia (a sua perceo do valor da recompensa que resultar do seu desempenho).

16

Quando se procura conceptualizar a motivao, deparamo-nos, pois, com uma amplitude de

perspetivas tericas sobre este constructo que radicam em diferentes tradies intelectuais

(Weiner, 1992). Todavia, dado o nosso foco de interesse, de entre essa vastido de perspetivas

tericas, iremos seguidamente apresentar as de ndole eminentemente cognitiva, agrupando-

as por afinidade conceptual.

1.1.4.1. Modelos com enfse na expectativa acerca dos resultados

De acordo com a psicologia cognitiva, as convices de um estudante acerca das suas

possibilidades e causas para o sucesso e insucesso, tem grande influncia sobre o seu

rendimento acadmico real. Quando um indivduo acredita que ser bem-sucedido na

realizao de uma tarefa, geralmente realiza-a melhor e est mais motivado para avanar com

a realizao de outras ainda mais exigentes. H tambm evidncias que sugerem que os

estudantes confiantes so tambm mais empenhados cognitivamente na aprendizagem e

raciocnio, que os seus pares que duvidam da sua capacidade para serem bem-sucedidos

(Pintrich, 2003). Existem vrias perspetivas tericas com enfoque nas convices pessoais de

competncia e eficcia, e na sensao de controlo sobre os resultados.

A Teoria de Autoeficcia que Bandura (1997) props um desses exemplos. Bandura define

autoeficcia como a confiana de um indivduo na sua capacidade para resolver um problema

ou para executar uma tarefa; este juzo de autoeficcia pode variar em intensidade e

abrangncia, sendo por isso diferente de pessoa para pessoa. O sentimento de autoeficcia tem

tambm um papel fulcral no aparecimento de ansiedade (Bandura, 1993). A ansiedade

matemtica um constructo afetivo que condiciona as possibilidades de sucesso do estudante

(Zientek & Thompson, 2010). No entanto, estes mesmos autores aps um cuidado estudo do

efeito da ansiedade na performance matemtica, acabaram por corroborar a concluso de

Bandura (1997) segundo a qual, construir um forte sentido de autoeficcia a melhor forma de

aliviar a ansiedade matemtica. H sinais de que as predies tericas baseadas na autoeficcia

so refletidas pela prtica, nomeadamente em contexto acadmico, onde altas expectativas

pessoais predizem subsequentes resultados e escolha de cursos (Bandura, 1997; Bandura et al.,

2001).

Outro exemplo de valorizao terica das convices pessoais so as chamadas teorias de locus

de controlo. Locus de controlo foi originalmente conceptualizado por Rotter (1966) e refere-se

ao grau em que um indivduo acredita que pode controlar os acontecimentos. Se um indivduo

acreditar que os resultados das suas aes so consequncia das suas prprias aptides, diz-se

que possuidor de um locus de controlo interno, sendo que estes indivduos tendem a crer que

atravs do seu trabalho intenso conseguiro resultados positivos. Mas se, ao contrrio, uma

pessoa atribuir os resultados a causas exteriores a si, diz-se que tem um locus de controlo

externo. Dado que a enfse do locus de controlo est sobre onde se coloca a responsabilidade

pelos resultados, ao passo que a motivao est relacionada com as razes que levam a

17

empreender um determinado comportamento, so dois constructos diferentes, mas o tipo de

locus de controlo que um estudante adota tem implicaes bvias na sua motivao.

1.1.4.2. Modelos que agregam expectativa de resultados e valorao

Em psicologia, atribuio o processo pelo qual os indivduos explicam as causas dos

comportamentos e acontecimentos (Hamilton, 1980). As teorias baseadas neste princpio

propem que os indivduos tentam explicar o sucesso ou insucesso por meio de atribuies.

Weiner (1979) apresentou uma teoria conhecida por Teoria da Atribuio, tendo-lhe desde

ento realizado sucessivos refinamentos. Segundo esta perspetiva, todas as causas para o

sucesso ou insucesso de um indivduo podem ser categorizadas em trs dimenses de

casualidade/atribuies, designadamente, estabilidade, locus, e controlo. Assim, as causas

para o sucesso podem ser estveis ou instveis. Se um indivduo acreditar que a causa estvel,

e se numa outra ocasio posterior ele executar a mesma ao, esperar que o resultado seja

provavelmente o mesmo; se considerar que a causa instvel, contar com um resultado

possivelmente diferente. Respeitante ao locus, as causas para o sucesso podem ser internas ou

externas. Ou seja, podemos ter sucesso ou insucesso devido a fatores que acreditamos terem a

sua origem dentro de ns ou por causa de fatores provenientes da nossa envolvente. Por ltimo,

referente ao controlo, as causas de sucesso ou fracasso podem ser controlveis ou

incontrolveis. Estas trs dimenses encontram-se experimentalmente fundamentadas em

domnio escolar (Weiner, 1982). O mesmo autor mostrou que estudantes bem-sucedidos

explicam os seus sucessos em termos de capacidade e esforo, e os seus desaires como o

resultado da insuficincia de esforo ou devido a causas externas instveis (Weiner et al., 1972).

A capacidade percecionada como interna, estvel e incontrolvel, ao passo que o esforo

visto com um fator interno, instvel mas controlvel. Desta forma, a atribuio do sucesso

capacidade e ao esforo conduz a sentimentos de satisfao e continuao de expectativas

escolares positivas, pois quando o insucesso ocorre pode ser atribudo falta de esforo, o que

permite ao estudante continuar a considerar-se competente, uma vez que o esforo

controlvel. Para Weiner (1979, 1985) so as percees pessoais dos sujeitos acerca das causas

dos resultados, mais do que os prprios resultados, que encaminham o seu comportamento,

constituindo-se, por isso, importantes crenas motivacionais.

Na teoria do valor prprio que Convington (1992, 1998) props, o autor defende que os objetivos

que os estudantes adotam, sejam eles de aprendizagem ou de realizao, refletem um esforo

constante para estabelecer e manter um sentimento de valor e de pertena a um grupo que

valoriza a competncia. De facto, a sociedade geralmente atribui grande valor capacidade de

realizao, aferindo por ela a valia de um indivduo. Por esta razo, em contexto escolar, de

acordo com esta perspetiva, as classificaes acadmicas que obtm constituem a medida pela

qual muitos jovens julgam o seu valor na qualidade de estudantes (Covington, 2000). O mesmo

18

autor, apesar de reconhecer o domnio do enfoque nas classificaes, admite que a forma como

um estudante define sucesso (isto , o tipo de objetivos que adota) o principal fator que, por

meio dos mecanismos de autoestima, afeta a sua realizao. Por exemplo, estudantes que

definem sucesso em termos de serem os melhores que podem ser, independentemente da

performance de outros, acreditam nos proveitos do trabalho rduo e valorizam a competncia

tanto como qualquer outro, mas como um meio para atingir objetivos pessoais significativos.

Ao contrrio, outro tipo de estudantes, os que encaram a competncia em termos de estatuto,

de academicamente fazer melhor que os outros, adotam frequentemente, por recearem o

insucesso, uma atitude defensiva face a desafios de aprendizagem, caracterstica comum em

estudantes que ligam o seu sentido de valor s classificaes, perfilhando portanto objetivos

de realizao (Covington, 2000).

1.1.4.3. Modelo que destaca o papel da motivao intrnseca

Como exemplo de uma teoria que valoriza a motivao intrnseca, apresentamos a Teoria de

Autodeterminao de Deci e Ryan (1985). Os autores apresentaram a teoria de

autodeterminao, onde de forma abrangente, visaram a motivao humana e a personalidade.

Inerente a esta abordagem est a assuno de que trs necessidades psicolgicas universais e

inatas (competncia, autonomia e interao) motivam o indivduo na sua procura de sade e

bem-estar.

A motivao de um indivduo pode ter origem nele prprio, denominada intrnseca, ou pode ser

o resultado de causas externas, conhecida por motivao extrnseca.

Estamos perante motivao intrnseca quando a atividade em questo realizada devido a si

mesma, pela satisfao que d, pelo desafio, interesse ou para satisfao de uma curiosidade.

A motivao intrnseca definida como a realizao de uma atividade pela sua satisfao

inerente, ao invs de a fazer devido a consequncias dissociveis. Quando intrinsecamente

motivada, uma pessoa movida a agir pela diverso ou desafio implicado, em vez de o fazer

por causa de fatores externos, quer sejam presses ou recompensas. Estas aes parecem no

ser causadas por qualquer motivo instrumental, mas sim pelas experincias positivas associadas

ao exerccio (Ryan & Deci, 2000). E agindo em funo dos seus prprios interesses que um

indivduo cresce em conhecimento e competncias. Amabile (1983) considerou a existncia de

motivao intrnseca como uma condio essencial para a realizao de trabalho criativo.

No obstante a motivao intrnseca ser obviamente um importante tipo de motivao, na

maioria das atividades que as pessoas realizam, elas no esto, em sentido estrito,

intrinsecamente motivadas. A motivao extrnseca contrasta com a motivao intrnseca, na

medida em que a atividade realizada por causa de fatores externos ao indivduo (Ryan & Deci,

2000). Mas, um indivduo pode estar extrinsecamente motivado em diversos graus. Por exemplo,

um aluno que decide fazer o seu trabalho de casa para evitar sanes parentais, est

19

extrinsecamente motivado, uma vez que o faz devido a consequncias dissociveis, neste caso,

evitar uma punio. Por outro lado, um estudante que faz o seu trabalho de casa por acreditar

que importante para a sua futura profisso, tambm est extrinsecamente motivado, uma

vez que no o faz por da obter satisfao inerente, mas antes, devido a consequncias

exteriores. Em ambos os casos est presente o valor instrumental do trabalho de casa, mas ao

passo que no segundo estudante h uma aprovao pessoal e uma sensao de escolha, no

primeiro h apenas uma sujeio a um controle exterior.

Na teoria de autodeterminao, proposta por Ryan e Deci (2000), os autores distinguem entre

diversos tipos de motivao, em funo das diferentes razes ou objetivos que impulsionam

uma ao. Nesta conceo terica, para alm da diferenciao entre ausncia de motivao,

motivao extrnseca e motivao intrnseca, so tambm identificados quatro estdios de

motivao extrnseca, correspondendo, cada um deles, a diferentes graus de interiorizao e

integrao de valores e de regulaes comportamentais. Voltando ao exemplo dos dois

estudantes realizando o seu trabalho de casa por ao de motivaes extrnsecas, de acordo

com esta teoria, o primeiro deles est no estdio de motivao extrnseca de menor nvel de

autonomia (o mais prximo da ausncia de motivao), dado que apenas procura satisfazer uma

exigncia exterior e evitar a imposio de uma consequncia negativa; por seu lado, o

estudante que faz o trabalho de casa por o considerar importante na sua preparao para o

futuro, est no estdio de motivao extrnseca mais prximo da motivao intrnseca, uma

vez que, de entre os quatro, o que configura maior grau de autonomia, pois este estudante

assimilou a regulao exterior como se fosse sua, de forma congruente com os seus prprios

valores e necessidades, de forma mais autodeterminada (Ryan & Deci, 2000).

A motivao intrnseca de um estudante conduz ao incremento da sua confiana nas prprias

capacidades de aprendizagem, ou seja, conduz autoeficcia. Em sentido inverso, estudantes

que acreditam que so capazes e que se iro sair bem numa determinada tarefa escolar, tm

maior probabilidade de se encontrarem motivados para o esforo, persistncia e atitude

adequada, do que um estudante que cr ser menos capaz e que no tem expectativas de se sair

bem.

1.1.4.4. Modelos que valorizam os objetivos

Em contexto escolar, a motivao do estudante fulcral para o seu desempenho devido ao seu

efeito na aprendizagem. Existe uma corrente de investigao em psicologia educacional que se

tem debruado sobre a relao entre desempenho e motivao, particularmente nas metas e

objetivos de realizao (por exemplo, Ames, 1992; Elliot, 1999; Elliot, Murayama & Yamagata,

2011; Dweck, 1986, 1999; Nicholls, 1978).

Apesar das diversas perspetivas apresentarem diferenas entre si, so consideradas

conceptualmente similares (Elliot, 1999), e, desta forma, a sua anlise permite distinguir entre

dois grupos de objetivos que um estudante pode eleger: o objetivo de desenvolver

20

competncias e o objetivo de demonstrar competncias ou evitar demonstrar falta de

competncias (Elliot, 1999). Para diferentes autores estes dois tipos de objetivos assumem

diferentes designaes, correspondendo tambm a especificidades de definio. Assim, Dweck

(1986) denomina-os de aprendizagem e de realizao, para Nicholls (1984) so envolvimento

na tarefa e envolvimento no eu, ao passo que Ames (1992) designa estes dois objetivos, mestria

e realizao.

Na perspetiva de Dweck (1986) um estudante que persiga objetivos de aprendizagem est

sobretudo preocupado com ganhar conhecimento, melhorar a sua competncia e aumentar a

sua aprendizagem at que a mestria seja atingida. Por outro lado, para a mesma autora, os

estudantes com objetivos de realizao/performance esto mais preocupados com demonstrar

a sua capacidade na tarefa em causa, esperando com isso ganharem apreciao positiva de

terceiros, e/ou evitarem demostrar falta de capacidade e, desta forma furtarem-se a

avaliaes negativas por parte de outros.

Mais recentemente Elliot (1999), seguindo uma perspetiva intuitiva de motivao, props dividir

os objetivos de realizao em duas categorias distintas, aproximao (approach) e evitamento

(avoidance); na primeira destas categorias esto os indivduos em busca de demostrarem

competncias, e na segunda, os que procuram evitar avaliaes negativas e assim demostrar

baixa capacidade. Ainda no mesmo trabalho Elliot (1999) considerou a hiptese de

conceptualizar ambos os tipos de objetivos (realizao e mestria) distinguindo cada um deles

em termos de aproximao e evitamento. Mas, apesar de considerar que para algumas situaes

ou algumas populaes a diviso em quatro categorias pode ser operativa, acabou por manter

a estrutura tricotmica em virtude da reconhecida contra intuio da noo de evitamento de

mestria. Elliot e colaboradores (1999) reportaram que a presena de objetivos de

realizao/evitamento estava associada a um tratamento superficial da informao e

tendncia para a desorganizao, fatores que por sua vez estavam ligados a subsequente menor

rendimento acadmico, e, pelo contrrio, objetivos de mestria eram indiciadores de

tratamento profundo, persistncia e esforo, uma combinao que conduzia a melhores

resultados acadmicos.

Investigao realizada com base em teorias em torno de objetivos tem mostrado que, em

contextos educativos, uma orientao para objetivos de aprendizagem tem consequncias

positivas (Pintrich & Schunk, 2002), nomeadamente, ao nvel do esforo despendido e

persistncia (Elliot et al., 1999), maior recurso a estratgias metacognitivas e autorregulao

(Ames & Archer, 1988; Covington, 2000; Elliot et al., 1999).

Em suma, numerosas teorias tm sido propostas com a inteno de explicar a motivao e

embora cada uma delas encerre alguma verdade, parece que no h uma que, por si s,

explique adequadamente toda a motivao humana (Williams & Williams, 2011). No mbito da

educao, a motivao dos alunos um tema central uma vez que, como amplamente

21

reconhecido, muito pouco pode ser aprendido pelo aluno se este no mantiver

consistentemente os nveis de motivao adequados. Na perspetiva didtica, a motivao reside

na inteno de proporcionar aos alunos uma situao que os induza a um esforo intencional,

com vista obteno de metas pr-determinadas. Ou seja, a motivao dos alunos consiste em

despertar-lhes o interesse, predispondo-os a que aprendam por ao de um esforo para

alcanar objetivos. Desta forma, o papel do professor revela-se muito importante em funo

da responsabilidade que tem na motivao dos seus alunos.

Na opinio de Elliot e colaboradores (1999), de entre a investigao em torno da motivao, a

que se debrua sobre os objetivos emergiu como a mais proeminente. E entre esta, o trabalho

de Carol Dweck dos que granjeou maior reconhecimento e, simultaneamente, dos que tem

gerado mais investigao. Seguidamente dar-se- relevo teoria implcita da inteligncia

segundo Carol Dweck, enquanto varivel motivacional.

1.1.4.5. Teoria implcita da inteligncia segundo Carol Dweck

Quais sero os mecanismos psicolgicos motivacionais que permitem a alguns estudantes,

quando enfrentam um desafio, ampliarem o seu esforo at serem bem-sucedidos, ao contrrio

de outros de capacidade semelhante? Um aspeto com influncia na motivao de um estudante

a sua construo mental da inteligncia.

Como vimos antes, na seco dedicada motivao, as percees de um indivduo acerca de si

prprio influenciam o seu desempenho. Se um estudante cr que as suas caractersticas,

nomeadamente a sua inteligncia, pode ser aumentada, tende a enveredar por caminhos que

levam ao seu desenvolvimento, o que normalmente leva a uma melhoria do seu desempenho

acadmico.

Numa dada rea de atividade, h caractersticas que distinguem os indivduos com melhor

desempenho dos restantes. Na opinio de Carol Dweck, o que verdadeiramente os separa a

sua atitude mental. Com esta expresso a autora refere-se a um conjunto de convices que

um indivduo possui e que pr-determina as suas respostas, podendo constituir um incentivo

para que ele opte por determinado comportamento.

Esta autora identificou duas perspetivas que os indivduos podem assumir acerca da sua

capacidade: uma dita de entidade ou fixa, na qual o indivduo acredita que as suas capacidades

so fixas, que portador de uma certa quantidade de inteligncia ou talento permanente e

que possvel aprender coisas novas mas no alterar a sua capacidade; e outra, denominada

teoria incremental da capacidade, na qual o indivduo admite que as suas capacidades podem

ser cultivadas e desenvolvidas ao longo da vida, acreditando tambm que atravs do esforo e

da aprendizagem se pode tornar mais inteligente ou mais talentoso, isto , que todos podem

melhorar com o tempo (Dweck, 1999). A mesma autora, Carol Dweck, mostrou com as suas

22

investigaes que a preferncia por uma destas teorias tem influncia decisiva nos sistemas

motivacionais do indivduo. Assim, a teoria fixa, que se baseia na premissa de que se tem apenas

uma certa quantidade de talento ou capacidade, leva os seus seguidores a valorizar objetivos

de resultado, em que o propsito a demonstrao de que se possui uma determinada poro

de talento ou capacidade, ao mesmo tempo que se procura realar as suas proficincias e

esconder as suas deficincias. Os indivduos com este entendimento tendem a rejeitar

oportunidades de aprendizagem se elas puserem em risco a exibio das suas limitaes, porque

esta forma de encarar as capacidades no d margem de manobra para expor e reparar as suas

fraquezas, uma vez que qualquer fraqueza indica uma permanente falta de capacidade. Pelo

contrrio, a teoria incremental, segundo a qual a capacidade de uma pessoa pode ser

desenvolvida, leva-a a valorizar os objetivos de aprendizagem o objetivo de adquirir novas

competncias, conseguir o domnio de novas tarefas, melhorar (ao invs de demonstrar) as suas

capacidades. Estas pessoas esto dispostas a correr riscos e a errar, porque parte natural da

aprendizagem e porque com esta mentalidade os erros no representam um julgamento das

suas qualidades permanentes (Dweck, 1999). Foi mostrado que, quando comparados com os

indivduos que possuem uma viso esttica da inteligncia, os que adotam uma perspetiva

incremental tendem: i) a focalizar-se mais em objetivos de aprendizagem versus objetivos de

performance; ii) a acreditar na utilidade do esforo versus na inutilidade do esforo em face

da dificuldade da tarefa e da perceo de baixa capacidade; iii) a atribuir o desaire ao pouco

esforo despendido versus convico de que se no capaz, e iv) a dosear maior esforo e

escolher estratgias (autorregulao) quando confrontados com contratempos versus abandono

do esforo e da perseverana (Blackwell, Trzesniewski & Dweck, 2007).

Dado o papel que a teoria implcita de inteligncia segundo Dweck pode assumir na motivao

de um estudante, foi alvo da nossa ateno no estudo emprico que realizmos e a que

reportaremos mais adiante neste texto.

1.1.4.6. Motivao e excelncia em geral e no domnio da matemtica

Como vimos, a motivao tem sido investigada sob diversos prismas e recorrendo a diferentes

termos, por vezes com significados total ou parcialmente sobrepostos (Murphy & Alexander,

2000). Mas apesar da diversidade de perspetivas sobre motivao, importa perceber a relao

entre motivao e excelncia de mbito geral bem como entre motivao e excelncia na

Matemtica.

A motivao um ingrediente essencial da excelncia de mbito geral. o elemento

indispensvel para o sucesso acadmico, sem o qual o estudante nem sequer tenta aprender

(Sternberg, 1999). Feldhusen (1998) considera que a motivao tambm um componente

necessrio ao jovem talentoso para que torne um expert quando atingir a idade adulta

(juntamente com adequada proviso educacional e apoio parental). A importncia da

motivao no desenvolvimento da excelncia foi tambm enfatizada por Csikszentmihalyi,

23

Rathunde e Whalen (1997) no seu estudo acerca das razes do sucesso e insucesso entre

adolescentes talentosos, ao afirmarem que a no ser que um indivduo queira perseguir o difcil

caminho que leva ao desenvolvimento do talento, nem o potencial inato nem todo o

conhecimento do mundo bastar. Mas igualmente fora da esfera acadmica h extensiva

literatura que sustenta a importncia da motivao para a alcanar a excelncia em diversos

domnios, por exemplo, na msica (Lehmann & Gruber, 2006), no desporto (Hodges et al.,

2006), na dana (Noice & Noice, 2006), ou no xadrez (Gobet & Charness, 2006).

No caso da relao entre motivao e realizao em Matemtica, h investigaes que

sustentam a importncia que as variveis motivacionais assumem no desempenho nesta

disciplina (por exemplo, Schneider & Bs,1985). Schiefele e Csikszentmihaly (1995) realizaram

um estudo em que incluram duas variveis motivacionais (interesse em Matemtica e

motivao para o desempenho) na explicao da experincia matemtica e desempenho. Estes

autores definiram interesse em Matemtica como sendo um fator motivacional especfico ao

domnio da Matemtica ao passo que motivao para o desempenho pode ser entendido como

uma orientao motivacional que capta a motivao do estudante para ter um bom desempenho

sem especificar uma disciplina em particular. Estes mesmos autores mostraram que o interesse

em Matemtica est positivamente correlacionado com objetivos intrnsecos de aprendizagem.

Esta investigao, que incidiu sobre estudantes universitrios que haviam sido referenciados

pelos professores como tendo t