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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM LINGUÍSTICA O Tom Melancólico em Álvares de Azevedo WILLIAM SARAIVA Orientadora: Profª. Drª. Magalí Elisabete Sparano Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística. SÃO PAULO 2013

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM LINGUÍSTICA

O Tom Melancólico em Álvares de Azevedo

WILLIAM SARAIVA

Orientadora: Profª. Drª. Magalí Elisabete Sparano

Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística.

SÃO PAULO

2013

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

S247t

Saraiva, William. O tom melancólico em Álvares de Azevedo / William Saraiva. --

São Paulo; SP: [s.n], 2013. 108 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Magalí Elisabete Sparano. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em

Linguística, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Tom 2. Literatura brasileira – poesia - melancolia 3. Estilística

4. Azevedo, Álvares de, 1831-1852. I. Sparano, Magalí Elisabete. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Título.

CDU: 81’342.9(043.3)

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DEDICATÓRIA

Dedico o resultado deste trabalho, em primeiro lugar, a minha mestre e amiga Profª. Drª. Magalí Elisabete Sparano. Obrigado por ter acreditado em meu potencial.

A minha família, por serem meu esteio, por sempre ajudarem, motivarem e não

deixarem que eu desistisse nos momentos difíceis.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, em primeiro lugar.

Aos colegas do Mestrado, que ajudaram direta ou indiretamente.

Aos amigos, sempre compreensivos, preocupados e solícitos.

Aos professores do Programa de Mestrado em Linguística, em especial à Profª. Drª. Maria Valíria, sempre muito atenciosa e disposta a ajudar.

À Profª. Drª. Ana Elvira Luciano Gebara e à Profª. Drª. Eliana Nagamini, por

aceitarem participar da banca de qualificação, fazendo comentários muito valiosos para o fechamento deste trabalho.

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SARAIVA, W. O tom melancólico em Álvares de Azevedo. 2013. 108 f Dissertação (Mestrado em Linguística)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2013.

RESUMO

Ao comentarmos sobre como o tom é formado num discurso, em geral, pensa-se em

sua construção na língua oral, levando em consideração padrões de entonação,

linguagem corporal e uso de determinadas palavras. Na língua escrita esse tom

também pode ser notado, porém há certos aspectos que são modificados ou que

não podem ser abordados, como a linguagem corporal. Na poesia romântica, o tom

tende a ser melancólico, por conta das temáticas que são abordadas. Diante do

exposto, temos como objetivo deste trabalho demonstrar como o tom melancólico é

construído no processo enunciativo nos poemas Desalento, Virgem Morta,

Despedidas à... e Saudades, do livro Lira dos Vinte Anos, de Álvares de Azevedo, a

partir do escopo dos estudos estilísticos, com ênfase nos aspectos que concernem à

Fonoestilítica. Para tanto, estabelecemos um diálogo entre a Estilística, a partir de

MARTINS (2008), LAPA (1998) e CÂMARA Jr. (1978); a Gramática Descritiva, com

base nas pesquisas de CÂMARA Jr. (1986; 2004) e SILVA (1999; 2011), pela qual

explicamos como se constituem os elementos sonoros formadores do tom, e

AZEREDO (2008), quando nos referimos a outros traços gramaticais do texto; e a

Análise do Discurso de Linha Francesa, considerando MAINGUENEAU (1997, 2001

e 2006). Este trabalho faz parte da linha de pesquisa Estudos Estilísticos: discurso,

gramática e estilo do grupo de pesquisa de Estudos Estilísticos do Mestrado em

Linguística da Universidade Cruzeiro do Sul , tendo sido subsidiado pela CAPES por

meio de bolsa de fomento à pesquisa.

Palavras- chave: Fonoestilística, Tom, Romantismo, Poesia, Azevedo.

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SARAIVA, W. The melancholic tone in Álvares de Azevedo. 2013. 108 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2013.

ABSTRACT

When we consider how the tone is formed in a discourse, in general, we think of its

construction in the oral speech, operating patterns of intonation, body language and

specific uses of words. In the written language the tone can also be noticed.

However, there are some aspects which are modified or that cannot be used, like

body language, for example. In the Romantic poetry the tone tends to be melancholic

because of the theme approached. Regarding the aforementioned aspects the goal

of this research is to demonstrate how the melancholic tone is built up in the

enunciate in the poems Desalento, Virgem Morta, Despedidas à…, Saudades. from

Álvares de Azevedo’s Lira dos Vinte Anos. We are based on the scope of the stylistic

studies emphasizing the aspects which concern the Phonostylistics. Therefore, we

establish a dialogue among Stylistics with MARTINS (2008), LAPA (1998) and

CÂMARA J.R (1978); Descriptive Grammar, based on the researches of CÂMARA J.

R (1986, 2004) and SILVIA (1999, 2011) that we use to explain how the elements of

the sound which create the tone and AZEVEDO (2008) when we refer to other

grammatical aspects of the text; and the French Discourse Analysis considering

MAINGUENEAU (1997, 2001, 2006). This dissertation is takes part in the research

line Stylistic Studies: discourse, grammar and style of the research group Stylistic

Studies of the Master Course in Linguistics Universidade Cruzeiro do Sul and is

supported by a scholarship ceded by CAPES.

Key words: Fonoestylistcs, Tone, Romantism, Poetry, Azevedo.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 08 1 A RELAÇÃO TOM E GÊNERO ...................................................................... 12 1.1 A cena genérica no texto literário ............................................................... 14 1.2 O gênero poético, sentido e a expressividade ........................................... 16 1.3 A Elegia – gênero poético melancólico ...................................................... 18 2 O TOM MELANCÓLICO ................................................................................ 23 2.1 Traços pertinentes à formação do tom ....................................................... 24 2.1.1 Traços sonoros ............................................................................................. 25 2.1.2 Traços lexicais .............................................................................................. 29 2.2 Traços estilísticos do tom melancólico ...................................................... 32 3 O TOM MELANCÓLICO EM ÁLVARES DE AZEVEDO ................................ 34 3.1 Melancolia em Azevedo ................................................................................ 34 3.2 O desalento ................................................................................................... 36 3.3 O funeral ........................................................................................................ 56 3.4 A despedida .................................................................................................. 71 3.5 Saudades ....................................................................................................... 88 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 103 REFERÊNCIA ......................................................................................................... 106 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................................................................ 108

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INTRODUÇÃO

Todo texto, seja ele oral ou escrito, é dotado da intencionalidade do

enunciador com o objetivo de causar alguma reação em seu receptor. Ela se dá de

acordo com a interpretação que esse receptor faz em decorrência das escolhas

linguísticas empregadas pelo outro.

Como pontua Sparano (2001; p. 8) “durante a leitura construímos diferentes

sentidos, aprofundamo-nos nas relações linguísticas que lá estão, esperando para

serem desveladas por nós, a cada encontro e uma vez mais.” Tal afirmação nos

conduz a pensar no modo pelo qual os usos da língua criam sensações no leitor,

uma vez que, para o enunciador conseguir fazer com que sua mensagem seja

entendida da maneira que deseja, ele deve adaptar seu discurso de acordo com

seu(s) coenunciador(es) e o contexto em que está inserido. Assim, como afirma

Riffaterre (1971):

A tarefa do autor como codificador da mensagem é menos livre que a do locutor. Um locutor precisa vencer a inércia do destinatário, sua distração, o curso divergente ou hostil de seu pensamento; precisa frequentemente insistir, e tal reforço concentra-se nos pontos mais importantes do discurso. O escritor, por sua vez, deve fazer algo mais para comunicar sua mensagem, pois não tem a sua disposição os meios linguísticos ou extralinguísticos de expressão (entonação, gestos, etc.), que devem ser substituídos por processos de insistência (hipérbole, metáfora, colocação anormal de palavras, etc.); ademais, o locutor pode adaptar seus propósitos às necessidades e às reações do destinatário, ao passo que o escritor deve prever falta de atenção ou desacordos potenciais de toda espécie e dar aos processos uma eficácia máxima, válida para um número ilimitado de destinatários (p. 35).

Esse trato com a língua, dado pelo escritor, faz com que consigamos construir

o sentido que ele quer que seja entendido. Muitas vezes, porém, esses tipos de usos

da língua são percebidos com frequência no corpus literário, no qual a linguagem

metafórica, a repetição de palavras e sons da língua fazem parte da construção do

estilo de tal discurso, pois como aponta Maingueneau (2006):

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(...) destaca-se a existência de “uma série limitada de modos de dizer que servem de sinais da natureza ‘literária’ do discurso que os contém (modos de dizer de cunho lexical, é claro, mas também discursivos – como o recurso frequente a diversas figuras ou ao estilo indireto livre – e gramaticais, como sequências verbais vivazes, como o imperfeito ou o presente) (p.208).

Certos recursos linguísticos, mesmo pertencendo à esfera da Literatura, são

empregados em alguns gêneros mais que outros. Se pensarmos nos recursos

estilísticos dados pela sonoridade, a prosa, mesmo tendo esse fator em sua

composição, não explora tanto esses traços da língua como a poesia. Esta, por ter

sua origem na música, carrega traços dessa arte que recaem sobre o verso, como o

ritmo, as combinações de fonemas, as rimas, os refrãos etc. de maneira que boa

parte da expressividade de um poema é constituída por meio de aspectos sonoros.

Assim a musicalidade é transformada “em sonoridade elaborada como traço

constituinte de sentido em conjunto com os demais recursos linguísticos e estilísticos

que compõem o poema” (SPARANO, 2001; p.21).

Tendo isso em vista, podemos dizer que, principalmente na poesia, os traços

fonoestilísticos1 provocam sensações no leitor, que por sua vez estabelece um

conceito quanto ao enunciador2, notando nele marcas de sua personalidade, como

raiva, amor, desespero, felicidade, melancolia etc. Contudo, essas marcas são

transmitidas por meio de um recurso discursivo que não é frequentemente citado

nos estudos linguísticos, mas que constitui, em grande parte, a expressividade de

um texto, seja ele literário ou não. Entendemos que esse conceito é formado pelo

tom, pois, partindo das considerações de Maingueneau (1997), uma vez que ele

constitui a imagem do enunciador por meio do discurso:

O que é dito e o tom com que é dito são igualmente importantes (...) o tom está associado a um caráter e uma corporalidade. O “caráter” corresponde a esse conjunto de traços “psicológicos” que o leitor-ouvinte atribui espontaneamente à figura do enunciador em função de seu modo de dizer (...) não se trata aqui de caracterologia, mas de estereótipos que circulam uma cultura determinada. (p. 46-47)

1 De Fonoestilística, área da Estilística que se atém ao estudo dos efeitos expressivos gerados pela

sonoridade de um texto em consonância com os demais aspectos linguísticos, colaborando na criação do sentido. 2 Ver CHARAUDEAU, P. e MAINGUENEAU, D. (Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo,

Contexto: 2012.).

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Na poesia, portanto, que conta com os sons da língua, bem como aspectos

suprassegmentais formadores do ritmo, as rimas, a linguagem metafórica e também

os traços de subjetividade do enunciador, podemos notar a variedade de tons a que

esse gênero abre margem, desde a escolha do subgênero até as escolhas dos

traços sonoros que formam o tom de um poema.

Ao notarmos esses aspectos, houve o interesse de iniciar uma pesquisa que

tratasse da formação do tom no discurso, levando em consideração os traços

fonoestilísticos dos poemas atrelados a outras escolhas formadoras do discurso,

como forma, léxico, sintaxe etc. Para tanto, foi necessário decidir qual o tom a ser

abordado, a partir dos traços fonoestilísticos. Por esse olhar, percebemos, com mais

clareza, certos tons que são mais facilmente caracterizados que outros. Um deles é

o melancólico, que possui marcas muito relevantes na formação do tom, como

articulação de sons fechados, como as vogais /u/, /o/ ou consoantes /m/, /n/ e /ɲ/,

que podem ser relacionadas a ações como murmurar, lamentar, suspirar, assim

como podem se relacionar a cenas ou vocábulos que funcionam como frames que

remetem a cenas tristes, ou fúnebres, como funeral, noite, saudade etc. Entendemos

frame de acordo com os estudos de Favero, L. L (2004) que, citando Brown & Yule,

ela define como “estruturas nas quais repousa nosso conhecimento estereotipado.”

Como a melancolia é um tema muito recorrente na poesia do século XIX,

optamos por nos ater aos textos românticos, pois o movimento já pressupõe textos

com essa característica de modo acentuado.

Ao partirmos de estudos da Língua Portuguesa, optamos por analisar alguns

poemas de Álvares de Azevedo, pois como menciona Machado de Assis (1864):

Nesses arroubos de fantasia, nessas correrias da imaginação não se revelava somente um verdadeiro talento; sentia-se uma verdadeira sensibilidade. A melancolia de Azevedo era sincera. Se excetuarmos as poesias e os poemas humorísticos, o autor da Lira dos Vintes Anos raras vezes escreve uma página que não denuncie a inspiração melancólica, uma saudade indefinida, uma vaga aspiração. Os belos versos que deixou impressionam profundamente; Virgem Morta, À minha mãe, Saudades, são completas nesse gênero. Qualquer que fosse a situação daquele espírito, não há dúvida nenhuma que a expressão desses versos é sincera e real. O pressentimento da morte, que Azevedo exprimiu em uma poesia extremamente popularizada, que aparecia de quando em quando em todos os seus cantos, como um eco interior, menos um desejo que uma profecia. Que poesia e que sentimento nessas melancólicas estrofes! (In: AZEVEDO, A.; 2000, p. 25).

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Não raro, então, observamos que na obra do autor há um tom melancólico

proferido pelos enunciadores referindo-se ao amor não correspondido, a saudade, e

a morte, como ocorre nos poemas que selecionamos para compor o corpus da

nossa pesquisa. Todos pertencem ao livro Lira dos Vinte Anos, sendo os textos

Desalento, Saudades e Virgem Morta, situados na primeira parte e Despedidas à...

na terceira. Não optamos por nenhum da segunda parte por serem voltados à

temática macabra, ou irônica, que não corresponde ao objetivo de nossa pesquisa.

Tendo em vista os traços observados como formadores do tom,

vislumbramos, com nossa pesquisa, demonstrar como a formação desse aspecto da

poesia constitui-se no processo enunciativo a partir dos poemas selecionados.

Para tanto, desenvolvemos as análises desses textos, baseados nos estudos

de MArtins (2008), Lapa (1998) e Câmara Jr. (1978). Contudo, para poder explicar

os recursos utilizados nesse processo, nos valemos das teorias sobre a constituição

do tom na língua e no discurso, de modo que estabelecemos um diálogo entre a

Gramática Descritiva, remetendo a Câmara Jr. (1986; 2004), Silva (1999; 2011) e

Azeredo (2008), e à Análise do Discurso de linha francesa, fazendo referência aos

estudos de Maingueneau (1997; 2001, 2006).

Esta é, portanto, uma pesquisa bibliográfica que foi organizada a partir da

seleção do autor e do corpus, feita a partir dos textos que ilustram um problema

amoroso ou a morte como centro do tema e a consequência desse fato, que é o

sofrimento do enunciador.

Este trabalho vincula-se ao grupo de pesquisa de Estudos Estilísticos, que

pertence à linha de pesquisa Estudos Estilísticos: discurso, gramática e estilo do

Mestrado em Linguística da Universidade Cruzeiro do Sul, com bolsa de fomento à

pesquisa proporcionada pelo CNPq.

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1 A RELAÇÃO TOM E GÊNERO

Ao proferir um determinado tom, o enunciador leva em consideração uma

série de elementos linguísticos e extralinguísticos que lhe servirão de instrumentos

para poder fazer com que sua mensagem seja transmitida da maneira que deseja.

Contudo, ele os adapta subordinando suas escolhas a regras determinadas pelo

gênero de discurso, que exerce um papel de extrema importância na comunicação,

sendo o tom parte desse processo.

Aprendemos a moldar nossa fala pelas formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos logo, desde as primeiras palavras, descobrir seu gênero, adivinhar seu volume, a estrutura composicional usada, prever o final, em outras palavras, desde o início somos sensíveis ao todo discursivo (...). Se os gêneros de discurso não existissem e se não tivéssemos o domínio deles e fôssemos obrigados a inventá-los a cada vez no processo da fala, se fôssemos obrigados a construir cada um de nossos enunciados, a troca verbal seria impossível. (BAKHTIN, Apud: MAINGUENEAU, 2001).

De maneira que,

(...) cada gênero presume um contrato específico pelo ritual que define. Vale dizer que um discurso não é delimitado à maneira de um terreno, nem é desmontado como uma máquina. Constitui-se em signo de alguma coisa, para alguém, em um contexto de signos e experiências. (MAINGUENEAU, 1997; p. 34)

Partindo desse princípio, afirma-se que todos os textos sofrem as coerções

impostas pelo gênero de discurso para que o enunciador assuma, efetivamente, seu

lugar3, legitimando suas escolhas linguísticas aplicadas a determinado contexto,

inclusive o tom.

3 A teoria sobre os lugares discursivos retrata os lugares ocupados pelos enunciadores no discurso,

pensando em sua função social, como o professor, o médico, o político etc. Os gêneros discursivos legitimam esse lugar ocupado por meio das coerções que delimitam forma e conteúdo. Mais referências sobre o assunto ver MAINGUENEAU, D. 1997; 2001 e POSSENTI e SILVA. 2008.

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O sujeito linguístico é aquele que interessa à linguística. Para a AD

4 ele

constitui um pressuposto, não o objeto de seu estudo (...) Se é necessário introduzir um “sujeito genérico”, é porque, no discurso, “o indivíduo não é interpelado como sujeito, sob forma universal do sujeito da enunciação, mas em um certo número de lugares enunciativos que fazem com que uma sequência discursiva seja uma alocução, um sermão...” (MARADIN, Apud. MAINGUENEAU, Idem).

Na Literatura, como nos outros discursos, os gêneros e os subgêneros estão

muito ligados aos pensamentos e intenções do enunciador. Quando esse sujeito,

“interpelado num certo número de lugares”, se expressa num romance, por exemplo,

ele pode usar outra série de gêneros que colaboram na construção de sua imagem e

de seu discurso, como o diálogo familiar, como cartas, uma biografia contada por

outrem etc. Encontramos muitas dessas formas de expressão nas obras de

Dostoievsky, que possui inserções de vários gêneros no decorrer das narrativas.

Na poesia acontece o mesmo. O discurso já é adaptado à determinada

função de uma forma poética, como louvar a pátria, lamentar a perda de alguém,

falar do amor de modo positivo ou negativo, satirizar alguém etc. desde sua origem.

A partir da revolução cultural proposta pelo Romantismo, no século XIX, houve a

mistura dos vários gêneros que previam usos de vocábulos populares, ao lado de

formas consideradas mais “nobres”, criando os textos com mais liberdade, recriando

maneiras de se exprimir e rompendo com o tradicionalismo do Renascimento que

esteve em voga desde o século XVI. Assim, como comenta Proença Filho (1972):

Contrariando as normas clássicas, que limitavam, fixavam os gêneros literários, fazendo-os, inclusive, corresponder a uma hierarquia social, o Romantismo impõe a mescla, a evolução, a transformação, o desaparecimento dos gêneros, seu enriquecimento ou esclerose e o nascimento de novos, a concomitância de diversos numa só obra desaparece, assim, o espírito sistemático e absolutista que dominava a compreensão do problema, talvez em conformidade com o novo status social vigente, após a Revolução Francesa. Com esta, a burguesia sobrepõe à aristocracia – A literatura deixa a elite para chegar ao povo (p. 195).

No caso da obra de Álvares de Azevedo, quando se trata da expressividade

melancólica, geralmente são utilizados gêneros que já presumem escolhas

linguísticas relacionadas a esse tema, de maneira que todos os poemas

4 AD significa Análise do Discurso.

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selecionados para este estudo têm semelhanças em suas estruturas discursivas e

por meio delas pudemos notar como se dá a relação entre os subgêneros elegia5 e

epicédio6, que tratam de assuntos tristes ou funéreos, e o tom, uma vez que as

inserções impostas por essas formas dão margem à criação da imagem do sujeito,

que por sua vez se utiliza desse tom para instaurá-la.

Porém, para que possamos explicar como a cena genérica influencia na

criação do tom, faremos algumas considerações sobre como se constitui a poesia,

de onde ela vem, como a expressividade é constituída e como ela acontece nos

poemas selecionados de modo a introduzir nossas análises.

1.1 A cena genérica no texto literário

Atualmente, a cena genérica da Literatura compreende várias estruturas

textuais que se dividem entre prosa e poesia. Elas possuem vários subgêneros que

especificam o conteúdo a ser posto em um determinado discurso. Essas

determinações de gênero já ocorriam na antiguidade clássica e foram a partir delas

que os textos literários foram sendo estudados, reestruturados e modelados pelos

autores, que foram atendendo aos ideais de cada época, criando as alterações que

fizeram a poesia e a prosa chegarem ao que elas são hoje.

Os textos literários, a princípio, eram pensados a partir de três categorias

genéricas. São elas, segundo Platão em a República, a tragédia e a comédia, que

faziam parte do teatro ou gênero dramático; a poesia épica ou epopeia; e o ditirambo

ou poesia lírica. Sobre essa divisão, Kayser (1985) explica que:

Em geral não oferece dúvida a questão de saber se uma obra pertence ao sector lírico, épico, ou dramático. A inclusão é condicionada pela forma sob que se apresenta a obra de arte. Se nos é contada alguma coisa, trata-se da Épica; se pessoas disfarçadas por meio de gestos e discursos atuam num palco, trata-se da Dramática, e da Lírica quando um “eu” sente um estado e o traduz (p. 370).

5 Vindo de Elegia, composição poética de tema triste, notadamente funéreo. Ver MOISÉS, M. 1974;

p. 169. 6 Variação da elegia. A composição corresponde a uma homenagem a algum morto ilustre.

Idem;Ibidem p. 188.

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Assim, os gêneros pertencentes à Épica e à Dramática são de caráter

narrativo e este se distingue dos textos poéticos por “servir para a criação de um

mundo e se adéqua a maneira de ser de narrá-lo” (Idem).

No caso do poema épico, o enredo faz-se “em torno de assuntos ilustres,

sublimes, solenes e especialmente vinculados a cometimentos bélicos e deve tratar

fatos ocorridos há muito tempo para que seja criado o lendário, ressaltando as ações

do herói de superior força física e inteligência” (MOISÉS, M. 1974; p. 184). O texto

dramático, por sua vez, já compreende a interpretação dos atores. Ele é pensado e

organizado para a atuação. Desse modo “o drama propriamente dito envolve a

“atividade de representar” em que um ator retrata o comportamento de uma

personagem o qual, por sua vez, revela a vida profunda da personagem”

(BECKERMAN Apud. MOISÉS, Idem; p.162).

Por pertencerem ao tipo narrativo, esses dois gêneros têm como

característica a objetividade, um por expor grandes feitos de heróis e outro por ter

sua história contada por meio das falas das próprias personagens, de maneira que

as epopeias, assim como os romances, contos, novelas etc, e os textos dramáticos

retratam o que ocorre no mundo, pois, baseando-nos no conceito dado por

D’ONOFRIO (2007):

Entendemos por narrativa todo discurso que nos apresenta uma história imaginária como se fosse real, constituída por uma pluralidade de personagens, cujos episódios de vida se entrelaçam num tempo e num espaço determinados (p.46).

em outras palavras, a Épica e a Dramática têm um olhar direcionado aos fatos da

história, às ações que a constituem. O movimento contrário é feito pela poesia. Ela

possui subjetividade, pois retrata o eu poético, os sentimentos, os pensamentos do

sujeito que fala por meio do poema.

A poesia corresponde à expressão do “eu” (...) o “eu” do poeta, matriz do seu comportamento como artista, se volta para si próprio, adota não só a categoria “sujeito” que lhe é inerente, mas também a de “objeto”; portanto, introverte-se, autoanalisa-se, faz-se espetáculo e espectador ao mesmo tempo, como se perante um espelho. Evidentemente, os conteúdos do “eu”

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refletem o mundo físico, do “não-eu”, mas o “sujeito” se volve para as “representações” nas quais se gravou a realidade física, não para ela própria: não é a Natureza que importa, mas sua imagem na mente (MOISÉS, 1974; p. 405).

Partindo desses conceitos sobre o gênero lírico, passamos a explicar como

ele se estrutura, quais são suas características principais, dando mais ênfase ao que

diz respeito à sonoridade e estabelecendo sua relação como tom do discurso.

1.2 O gênero poético, o sentido e a expressividade

A princípio, os textos poéticos não eram parecidos com os que vemos hoje.

Seus gêneros não eram regidos por uma estrutura fixa, como o foi durante os

séculos posteriores, até o Romantismo. Eles eram cantados ou atuados, o que nos

permite considerar sobre a expressividade ser dada tanto pelos recursos segmentais

e suprassementais da língua (entonação, ritmo e outros), como pelas escolhas

lexicais. No caso dos primeiros, há variações nos modos de entoar um canto ou falar

ao público, pois trata-se da língua oral, e essa leva em consideração a

individualidade do enunciador. Eles estão sempre relacionados aos vocábulos

selecionados para o poema, como forma de ênfase.

O mesmo acontece na poesia escrita, uma vez que, mesmo com a transcrição

dos textos e as formas de composição sendo constantemente recriadas, até hoje, os

gêneros líricos ainda possuem uma relação muito próxima com o canto, logo, com a

música também, pois os traços sonoros ainda lhe são muito significativos na

construção do sentido.

O consórcio com a música nos ajuda a entender a característica mais peculiar do gênero lírico: a emoção – marcante a ponto de os termos “lírico” e “emocional” serem usados quase como sinônimos. Lírico, na forma adjetiva, é visto por Emil Stager (53) como um estado de alma, uma disposição sentimental, que o poemático exprime por meio de palavras fluidas, diáfanas, aparentemente sem nexo lógico, a poesia lírica é uma explosão de sentimentos, sensações, emoções. Segundo Roman Jakobson (141), o gênero lírico, tendo como fator fundamental da comunicação o emissor da mensagem, ativa intensamente a função “emotiva” da linguagem humana (D’ONOFRIO, 2007; p. 180).

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Para que a linguagem poética faça sentido e consiga causar emoções nos

leitores, todos os níveis linguísticos devem estar em mútua consonância, pois como

ressalta Riffaterre:

O efeito do processo estilístico supõe uma combinação de valores semântico e fônico; um sem o outro é apenas potencial. Quero referir-me à acumulação, num ponto determinado, de vários processos estilísticos independentes. Isolado, cada um seria expressivo por ele mesmo. Em conjunto, cada processo estilístico acrescenta sua expressividade à dos outros. Geralmente os efeitos desses processos são convergentes numa ênfase toda particular (Apud. MICHELETTI, 2006).

Uma vez que os níveis linguísticos estão concomitantes, eles passam a expressar e

a gerar o sentido do texto poético, sendo assim verossimilhante. Dessa forma,

Sparano (2001) pontua que:

Os estudos estilísticos ensinam que não importa saber se existe realidade nas relações entre elementos expressivos que se destacam num dado texto e os fenômenos do exterior, basta que esse elemento expressivo seja capaz de estabelecer a verossimilhança desse fenômeno no âmbito do universo ficcional em que está inserido (p. 54).

Partindo desse princípio, os gêneros poéticos são constituídos por diferentes

níveis linguísticos, que, em conjunto, corroboram a expressividade por gerarem

traços estilísticos. Desse modo, consideramos pertinente observar os diferentes

aspectos da estrutura de um poema. De acordo com D’Onofrio (2007) há cinco

níveis possíveis: o gráfico, o fônico, o lexical, o sintático e o semântico:

O nível gráfico corresponde ao visual que um poema pode possuir, sendo esse o

primeiro contato que o leitor tem com textos desse gênero. Portanto, a feição plástica

dá-se por meio do título, da divisão estrófica e pontuação, além da poesia visual por

excelência dada no concretismo7.

O nível fônico, como explanado anteriormente, está muito ligado à construção de

sentido na poesia, há séculos, por conta de sua origem relacionada à música. Assim,

a sonoridade compreende uma série de efeitos estilísticos possíveis que abarcam a

articulação de fonemas, o que pode gerar as figuras de som, como aliteração,

7 Sobre a poesia concreta ver CAMPOS, A. de, PIGNATARI, D., CAMPOS, H. de. Teoria da Poesia

Concreta. 2006.

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assonância etc, o ritmo, que também é relacionado ao nível frasal, entonação,

divisão das sílabas poéticas e as rimas.

O nível lexical refere-se à seleção vocabular que o autor faz em decorrência da

construção do sentido do texto, uma vez que todos os outros elementos linguísticos

estão relacionados a ele.

O nível sintático compreende as mudanças feitas nas frases do poema para gerar

efeitos de acréscimo, supressão, substituição e inversão por meio das figuras de

linguagem, como polissíndeto, pleonasmo, elipse, anacoluto, silepse, hipérbato etc.

O nível semântico é relacionado a significação que o poema dá em detrimento dos

outros quatro níveis, pois ele parte do caráter polissêmico das palavras e todos os

traços linguísticos estão ligados às escolhas lexicais de um poema.

Numa análise estilística de um poema, levamos em consideração todos esses

traços, pois assim podemos explicar com bastante clareza como a expressividade

constitui-se num poema, contudo, podemos privilegiar um nível linguístico e utilizar

os outros como um suporte a nossa explicação. No caso deste trabalho, ressaltamos

os processos estilísticos dados no campo fonológico e estabelecemos um diálogo

com os outros níveis, principalmente o lexical. Juntos, eles criam aspecto discursivo

específico que legitima o que o enunciador quer deixar expresso, sua característica,

sua imagem. Referimo-nos ao tom, pois ele é resultado desses processos estilísticos

e, assim como eles, deve respeitar as restrições impostas pelo gênero de discurso e

o tema.

1.3 A Elegia - gênero poético melancólico

Os gêneros do discurso, no geral, possuem, de acordo com MAINGUENEAU

(1997; 2001) uma “função sócio-histórica”, ou seja, eles são utilizados de acordo

com o contexto em que está inserido o enunciado, bem como sofrem alterações com

o passar do tempo, além de serem criados gêneros novos por conta dos adventos

da tecnologia. Com a poesia não é diferente. Os gêneros poéticos têm contexto

específico e vêm sofrendo alterações desde sua origem.

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A princípio, os textos líricos não eram recitados, muitas vezes nem eram

escritos, mas sim cantados, com ou sem acompanhamento de instrumentos

musicais. Algumas dessas formas abordavam vários tipos de assunto, mas no curso

histórico foram sendo utilizadas em contextos cada vez mais específicos. Um gênero

que sofreu esse tipo de alteração é a Elegia.

Derivada da poesia épica, ela abordava vários assuntos, de temas festivos às

reflexões profundas. Em qualquer um desses temas, esse gênero se caracterizava

por seu “caráter sentencioso, pois nelas se encerravam máximas morais e visavam

fornecer ao ouvinte regras de bem servir e suportar os transes da fortuna” (MOISÉS,

1974; p. 167.). Com o passar dos séculos, vários autores utilizaram a elegia e

tentaram outras técnicas para adaptar à sua forma, por exemplo, ao invés de serem

feitas com dísticos, como era quando a poesia passou a ser escrita, foram aplicadas

estrofes como terza rima e o quarteto.

Por conta das mudanças nas formas poéticas iniciadas no Romantismo, a

Elegia passa a ter uma restrição contextual em seu uso. Hoje, segundo Tavares, H.

(1991, p. 282) ela corresponde às ”composições de tristeza e de luto”.

Ao pensarmos na utilização desse gênero na obra de Azevedo, encontramos,

em boa parte de sua produção, textos que contêm a inspiração melancólica, muitas

vezes enfatizada como uma marca da escola literária, pois os enunciadores desses

poemas sempre se mostram tristes, solitários e lamentam as perdas que sofrem ou a

saudades que têm da amada, que é colocada como divina, intensificando o caráter

sentencioso, já próprio do gênero, e culminando na autorreflexão que parte desses

temas que estão relacionados à tristeza. Sendo assim, todas as escolhas

linguísticas devem ser de caráter melancólico, para que sejam pertinentes à escolha

da cena genérica. Apresentamos um trecho de análise exemplificando como essa

relação é feita e como o tom estabelece relação com ela.

Que me resta, meu Deus?! Aos meus suspiros

Nem geme a viração,

E dentro – no deserto do meu peito

Não dorme o coração!

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A estrofe do poema Desalento apresenta uma seleção lexical que

corresponde a melancolia. A princípio notamos que o substantivo suspiros e o verbo

gemer, que são resultados desse sentimento, estão relacionados ao sujeito da frase,

viração, que segundo o dicionário Houaiss (2009), corresponde ao “vento calmo do

mar no fim da tarde”. Assim, em Aos meus suspiros/Nem geme a viração (...), há

uma série de efeitos estilísticos que enfatizam a tristeza do enunciador. O primeiro

aspecto que nos chama a atenção é a inversão sintática que destaca o objeto

indireto da frase (aos meus suspiros). Nela notamos a marca de subjetividade pelo

uso do pronome possessivo meus, determinando o vocábulo suspiros. Ele é seguido

da conjunção aditiva nem, que reitera negações, acompanhando o verbo gemer, que

também pode ser entendido como “entoar um canto melancólico”, criando a

personificação da palavra viração. A conjunção, por adicionar uma ideia negativa ao

contexto, intensifica o fato de o enunciador não obter nem o gemido dessa brisa do

mar como uma resposta a sua melancolia, mesmo porque a frase completa o

sentido da interrogação que a antecede: Que me resta, meu Deus?!, apresentando

uma reflexão do enunciador sobre o que lhe restou na vida.

Os dois versos seguintes enfatizam as características expostas no parágrafo

anterior, ao falarmos de escolhas lexicais e estruturas frasais. Ele destaca o

sintagma E dentro separando-o do restante do segmento por um travessão,

remetendo o vocábulo dentro ao que ele chama de deserto do meu peito. O

vocábulo deserto corresponde à falta de fertilidade do solo, falta de habitantes, de

vida, num sentido metafórico, e ele está relacionado ao peito do enunciador,

formando um paradoxo com o verso seguinte, Não dorme o coração, pois, mesmo

que dentro, o enunciador esteja “vazio”, há um coração que não dorme, ou seja, que

está aflito, irrequieto etc.

Esses traços são correspondentes na sonoridade do poema, por meio de

alguns aspectos, dos quais destacamos dois: a entonação e a articulação. No

primeiro verso, notamos que há um apelo ao divino, contendo dois blocos de força

com entonação decrescente e um crescente:

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Que me resta, meu Deus?! Aos meus suspiros

/keme’rɛsta/ - /mew‘dews/ - /awsmewsus’piɾos/

1 1 3 0 1 3 1 1 1 3 0

A entonação8, quando decrescente, muitas vezes pode indicar a tristeza ou a

melancolia do enunciador por representar o tom de voz (da língua oral) baixo, muitas

vezes associado a fonemas nasais9. No caso dos blocos de força que estão acima,

notamos a entonação crescente apenas no grupo de palavras que formam o

vocativo meu Deus seguido de um ponto de interrogação e um de exclamação ?!.

Como a “pontuação ajuda a reconstituir a entonação que o autor pode querer ter

dado ao texto” (Idem, Ibidem) entendemos que, no caso do vocativo do verso acima,

há uma ênfase expressiva, relacionada à entonação, que representa o apelo ao

divino.

Os outros dois grupos de força podem aludir à desesperança que faz o

enunciador perguntar a Deus o que resta a ele, já que nem a viração geme a seus

suspiros. O mesmo acontece no terceiro verso.

E então – no deserto do meu peito

/eẽ’tãῶ/ - /node’zɛrto/ - /domew‘peyto/

1 3 1 1 3 0 1 1 3 0

8 Há autores que utilizam o termo entoação.

9 Ver capítulo três desta Dissertação.

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A pausa sugerida pelo travessão dá um caráter conclusivo ao trecho, mesmo

porque o advérbio então, nesse contexto significa em tal caso, nesse caso

(HOUAISS, 2009). Mesmo a entonação do sintagma sendo crescente, o que destaca

o fechamento de uma ideia, os outros dois blocos apresentam a entonação

decrescente, remetendo ao vazio sentido pelo enunciador, expresso por deserto do

meu peito, como explicado acima.

Esses aspectos ainda estão atrelados à articulação dos fonemas que são

produzidos com o fechamento da cavidade bucal, como os nasais /m/, /n/, /ẽ/ e

ditongos decrescentes /aw/, /ey/ e /ew/ e as vogais /u/ e /o/. As vogais /i/ e /e/, apesar

de serem fechadas, representam sons agudos e por isso não geram a impressão de

lamento, tristeza e escuridão como os outros fonemas o fazem, Assim, no exemplo

abaixo:

Que me resta, meu Deus?! Aos meus suspiros

Nem geme a viração,

E dentro – no deserto do meu peito

Não dorme o coração!

Por se tratar de um poema elegíaco e ele ser utilizado para tratar de

composições melancólicas, observamos nos exemplos dados anteriormente que há

uma relação entre os elementos linguísticos e o gênero poético, uma vez que esses

traços que geram os efeitos estilísticos são responsáveis pela formação do discurso

e, como consequência, pela formação de seu tom. A partir dessa observação,

notamos o que o tom melancólico, no caso desse poema de Álvares de Azevedo,

bem como nos outros que selecionamos para fazer parte do corpus de análise, é

determinado pela forma Elegia, que possui a função sócio-histórica de tratar de

temas da mesma natureza do tom do texto.

Portanto, após explicarmos a compatibilidade entre o tom e o gênero de

discurso, fazemos considerações sobre como o tom se dá e quais são seus traços

estilísticos pertinentes.

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2 O TOM MELANCÓLICO

A concepção de tom é muito vasta. Podemos utilizar o vocábulo em

diversos contextos, muitos deles relacionados às artes no geral, como a

música, quando nos referimos a notas, campo harmônico etc. e a pintura, ao

mencionarmos diferentes níveis de coloração. Quando utilizado em seu

contexto linguístico, ele está relacionado a dois usos diferentes: o volume da

voz humana e o modo de abordar algum determinado tema num determinado

discurso, como: o tom arrogante, alegre, triste, melancólico, entre outros. Essas

duas acepções da palavra compreendem a relação com o sentido que os

vocábulos expressam no ato de comunicação verbal. Segundo Câmara Jr.

(1986):

(...) o tom deve crescer ao pronunciarmos palavras de grande importância na frase (ênfase), adquirir esta modulação a outras a cujo sentido queremos dar, emprestar um matiz inesperado e um fato fora de acepção usual, e, ainda, variar para exprimir as mudanças necessárias do estado de espírito do expositor, subordinado à natureza dos pensamentos que enuncia e em que se deve mostrar profundamente integrado (Manual de Expressão Oral e Escrita, p. 19).

Essa ênfase à qual o autor se refere, corrobora, também, a

verossimilhança quando nos referirmos ao texto literário10. Ela se dá pelas

escolhas linguísticas, principalmente as de ordem fonológica combinada às

lexicais, que reiteram a ideia que é transmitida por algum enunciador. Os

efeitos estilísticos gerados pelas combinações de sons, ritmos com os sentidos

são essenciais para que o tom seja construído e exerça sua função no discurso

que, segundo Maingueneau (2001, p. 98), é dar autoridade11 ao que é dito.

Desse modo ele constitui uma face de seu discurso, um “caráter” e uma

“corporalidade” que expressam as emoções, as opiniões e as formas de ver o

mundo de um enunciador.

10

SPARANO (2001, p.54) 11

Quando MAINGUENEAU remete ao vocábulo autoridade, ele se refere à pertinência das escolhas linguísticas que formam o discurso e o moldam como ele é.

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O tom (...) tem por função valorizar determinadas palavras, precisando-as melhor, indicar como devemos recebê-las do expositor e revelar toda uma gama de sentimentos deste em referência ao que nos diz (CÂMARA Jr., 1986; p. 21).

Martins (2008, p. 45), ao fazer considerações sobre a expressividade

sonora, destaca que “o modo como o locutor profere as palavras da língua

pode também denunciar estados de espírito ou traços de sua personalidade”.

Todas essas características remetem a um determinado gênero de

discurso. Cada um pode acolher vários tipos de tom. Remetendo a poesia, hoje

um soneto, por exemplo, pode abarcar diferentes assuntos, com temas tristes

ou alegres. Poucas são as formas como a Elegia que está restrita a um

determinado assunto, nos dias de hoje, que tem o tom melancólico muito

presente, pois ela já prevê composições de cunho triste, com um enunciador

que lamenta suas perdas, e desilusões12. Ao assumirmos isso pensamos em

como são constituídos os efeitos estilísticos que formam esse tipo de tom e

como ele é aplicado no processo enunciativo.

2.1Traços pertinentes à formação do tom

O conceito de tom na língua parte dos princípios da oralidade. Quando

alguém profere um enunciado oral, ele pronuncia as palavras de forma que seu

discurso ganha uma característica que é percebida a partir da aplicação dos

traços suprassegmentais, como ritmo e entonação, enfatizando as palavras de

maior expressividade, de acordo com a intencionalidade do falante. Esse

destaque pode ser dado de várias maneiras, sendo o volume da voz adaptado

aos diferentes contextos, emoções e intenções relacionadas ao enunciador.

Esses aspectos linguísticos também são percebidos no texto escrito,

pois, como pontua Maingueneau (2001, p. 98), “mesmo quando denega, o texto

escrito possui um tom (...)”. Como a língua escrita não apresenta elementos

extralinguísticos, não podemos perceber uma variação tonal por não captarmos

a mensagem pelo canal auditivo. Nesse caso, o tom é construído a partir de

12

Ver Capítulo 1 deste trabalho. Páginas 10- 16.

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traços da língua que tanto podem implicar a sonoridade como os outros níveis

da estrutura do poema13.

2.1.1Traços sonoros

Dos efeitos estilísticos relacionados ao som podemos destacar o ritmo, a

entonação e a articulação dos fonemas. O primeiro está relacionado a

“alternâncias regulares ou irregulares das proeminências acentuais das sílabas

e à organização dos constituintes”, ou seja, outros aspectos prosódicos (SILVA,

2011, p. 196). Quanto ao texto literário, principalmente quando relacionado à

poesia, ele é definido:

pelo aparecimento periódico de tempos fortes, o que equivale a dizer de medidas isócronas. Poderá ser reforçado pela repetição de um som (assonância, ou rima propriamente dita, rima da cesura de dois versos consecutivos, de modo geral, distribuição equidistante de um som) (CRESSOT, 1980; p. 272).

Assim ele será expressivo quando “consoante à imagem musical do movimento

do pensamento” (Idem), de maneira que se cria um “desenho” sonoro que

representa o tom de voz do enunciador e que está relacionado às suas

emoções. De modo que, dependendo do sentimento que esteja sendo

expresso, há regularidade ou irregularidade nas ênfases expressivas dadas

pela variação do acento tônico. Este último, em conjunto na frase, é composto

pelas sílabas tônicas, subtônicas, átonas pré-tônicas e átonas pós-tônicas.

Definido por Cavaliere:

Denominamos acento ou icto a maior intensidade expiratória (geralmente acompanhada de leve mudança de tom) que caracteriza a emissão de uma sílaba em face das que lhe são contíguas numa dada cadeia sonora (2010, p. 133).

Câmara Jr. (2004) estabelece um padrão de valor para as sílabas tônicas e

átonas, afirmando que:

13

Ver nota anterior.

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26

(...) No registro formal da pronúncia padrão do Português do Brasil há a rigor uma pauta acentual para cada vocábulo. As sílabas pretônicas, antes do acento, são menos débeis do que as postônicas, depois do acento. Se designarmos o acento, ou tonicidade, por 3, em cada vocábulo, temos o seguinte esquema:

...(1) + 3 + (0) + (0) + (0)

Indicando os parênteses a possibilidade de ausência de sílaba átona (nos monossílabos tônicos) e as reticências um número indefinido de sílabas pretônicas (p. 63).

Os acentos são organizados na frase a partir do que Paul Passy chama

de grupos de força, definidos por Câmara Jr. (Idem; Ibidem) como “sequência

de vocábulos sem pausa”. Cada um deles, por consequência das distribuições

de sílabas tônicas, levando em consideração os sons mais longos, no texto

escrito percebido por sons nasais, gerúndio ou grafia da mesma letra, repetidas

vezes, corroboram o que chamamos de entonação. Esta, segundo Cavaliere

(2010), é a “escala de elevação e abaixamento do tom vocal no ato de

enunciação”. De forma que, ao nos comunicarmos:

procedemos à escolha do tom vocal que será aplicado a cada som, de acordo com as conveniências da comunicação, de tal sorte que a unidade frasal ganha contorno à semelhança de uma curva, a que se dá o nome de curva melódica (Idem, Ibidem; p.138).

Entendemos, por essa razão, que a entonação remete às emoções do

enunciador, pois como pontua Martins (2008):

Os movimentos da curva melódica são signos das relações sentidas pelo falante entre os elementos semânticos e gramaticais que compõem a oração e entre as orações que formam o período (p. 84).

E por consequência

As alterações da afetividade se refletem na linha musical da elocução e são percebidas pelo ouvinte (...) Também a leitura silenciosa suscita uma entoação mental, mais neutra ou mais expressiva, conforme o caso, sem o que o texto perderia parte de seu sentido ou expressividade (p.85/86).

Exemplificamos, então, como esse processo pode ser dado a partir de

dois contextos linguísticos diferentes utilizando a frase Faça o dever:

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Faça o dever.

/’fasaode’ver/

2 0 1 1 3

O grupo de força apresenta três palavras, a primeira um verbo no

imperativo (faça) e o substantivo dever ligado ao artigo definido o. As duas são

acentuadas, uma na primeira sílaba e a outra na última. A numeração, como

explicado anteriormente, corresponde ao grau de tonicidade da sílaba, sendo

três a tônica, dois a subtônica um a pré-tônica e pós-tônica, que mesmo sendo

átona, possui um valor mínimo de força expiratória.

No exemplo acima, há uma padronização tonal. De acordo com Câmara

Jr. (Idem, Ibidem), quando existem duas sílabas tônicas num grupo de força, a

primeira obrigatoriamente é considerada uma subtônica. Para poder exprimir-

se, porém, um enunciador pode acentuar de várias formas uma mesma frase.

Se considerarmos o mesmo exemplo, dado anteriormente, porém mudando a

posição da tônica e subtônica:

/’fasaode’ver/

3 0 1 1 2

Como forma de ênfase à função do verbo no imperativo, o acento tônico

recai sobre a primeira sílaba da palavra faça.

Os traços suprassegmentais podem ser combinados aos efeitos

estilísticos providos da articulação dos fonemas. Segundo Martins (2008, p.

45), além de “permitirem a oposição de duas palavras”, por conta de sua

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função distintiva, eles “desempenham uma função expressiva que se deve a

particularidades da articulação, às suas qualidades de timbre, altura, duração,

intensidade”. Combinados, eles criam figuras que sugerem determinado estado

de espírito, som de um lugar ou coisa. Num poema, as mais comuns são a

aliteração, a assonância, a rima, a harmonia imitativa e a onomatopeia.

A aliteração corresponde à repetição dos sons consonantais de mesmo

gênero, ou seja, de mesmo modo de articulação, como sons oclusivos,

fricativos, líquidos etc. Nos versos de Bandeira, por exemplo, notamos que a

recorrência dos sons /v/, /s/ e /f/, que são fricativos, corrobora a sugestão do

som do vento, pois essas consoantes são produzidas por meio de um sopro

dos lábios:

O vento varria as folhas, O vento varria os frutos, O vento varria as flores... (In: MARTINS, Idem; p. 55)

Na assonância, por sua vez, há repetição dos sons vocálicos. Cada tipo

de som representa uma ideia diferente, assim podemos notar a expressividade

das vogais a partir da abertura da cavidade bucal no momento da produção

dos sons. Dividimos em três grupos: a vogal aberta /a/, que pode representar a

claridade, como em cascata clara ou amplitude como vasta paisagem, entre

outros efeitos; a anterior /i/, que remete a estreiteza e pequenez (linha fina,

mínimo) ou sons estridentes (grilo, grito, sibila); por fim, a posterior /u/ bem

como as outras da mesma série, /o/ e /ↄ/, podem expressar escuridão, como

em rua escura, sons abafados e graves, (murmurar), ou redondeza, como bola,

rolo, roda etc. As semiabertas /e/ e /ɛ/ não possuem expressividade marcante,

estando relacionadas ao efeito da anterior /i/ e algumas vezes à vogal aberta

/a/.

A rima também reitera os sons, porém eles ocorrem somente na poesia

e são repetidos nos finais dos versos, com certa regularidade. No geral, as

rimas mais usadas são as consoantes, quando há coincidência a partir da

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vogal tônica dos vocábulos, ou toantes, quando a repetição do som só se dá na

última vogal (MARTINS, Idem).

Além desses efeitos sonoros, ainda há outras duas figuras que, muitas

vezes, acabam sendo confundidas: a harmonia imitativa e a onomatopeia.

Tanto uma como outra têm como função imitar sons de coisas, animais,

lugares etc., contudo, na primeira há uma série de efeitos estilísticos dos

campos sonoro, lexical e sintático que levam em consideração a articulação de

fonemas, o ritmo, as rimas e vários outros elementos de um texto; no segundo

caso, há uma imitação acidental por meio de palavras que sugerem sons ou

movimentos de coisas, animais, lugares etc, como tic-tac, bi-bi, tilintar, zig-zag

entre outros.

Pontuamos, até aqui, os traços pertinentes à criação do tom com relação

aos processos estilísticos que ocorrem na sonoridade de um poema. Como

esses efeitos, para que criem sentido, relacionam-se às escolhas lexicais,

consideramos necessário tecer alguns comentários sobre os aspectos lexicais

que o formam.

2.1.2 Traços lexicais

Ao discutirmos gêneros, no presente capítulo, fizemos algumas

considerações sobre como o texto poético se organiza e em quais níveis ele se

divide. Vimos que todos estão relacionados às palavras, uma vez que elas

carregam os significados e podem compreender diferentes sentidos nos

enunciados. As funções delas são duas, de acordo com Azeredo (2008):

(...) A de ‘dar nome’ aos conteúdos da consciência – função que a identifica como autêntico símbolo (ou signo, como preferem os linguistas) – e a de viabilizar a troca de informações, sentimentos e ideias entre as pessoas – propriedade que ela partilha com os sinais em geral (p. 43)

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As duas funções dependem de contexto para que se crie o sentido.

Muitas vezes uma palavra pode ser entendida por sua definição dicionarizada,

em outras elas ganham uma acepção diferente, muitas das vezes causadas

por figuras de linguagem, como a metáfora e a metonímia, bem como a

personificação – traço muito comum no período romântico, principalmente

quando relacionada à natureza, que reflete os sentimentos do enunciador –

além de efeitos estilísticos dados por outros fatores, como as conjugações

verbais. Definamos esses quatro aspectos:

A metáfora é, segundo Azeredo (Idem, 484), “um ‘princípio onipresente

de linguagem’, pois é um meio de nomear um conceito de um dado domínio de

conhecimento pelo emprego de uma palavra usual em outro domínio”. Ele

ainda acrescenta que essa “versatilidade faz da metáfora um recurso de

economia lexical, mas com potencial expressivo muitas vezes surpreendente”.

Ela se dá, então, em comparações nas quais não utilizamos nenhum termo

comparativo, por exemplo, como; igual a, parecer com entre outros. Assim,

quando dizemos a frase “Maria é uma flor”, não queremos dizer que ela seja

um ser pertencente ao reino vegetal e sim que ela é “delicada como uma flor”

ou “cheirosa como uma flor” ou “bonita como uma flor” etc.

A metonímia possui uma semelhança com a metáfora, porém troca-se

um termo de acepção usual por outro que o representa por uma “associação

lógica”, pois há “contiguidade de ideias” (idem, Ibidem; p. 485). Assim, em usos

como esse de Cardozo: “Uma velha trazia a fome nos ombros e nos olhos/ E

trazia a seca no ventre e no seio” (Apud. AZEREDO, Ibidem; p. 486)

estabelecemos uma relação de feição física, possivelmente de fraqueza, a

partir dos vocábulos em itálico ligados às partes do corpo da mulher (ombros e

olhos; ventre e seio), pois a fome e a seca deixam uma pessoa debilitada.

Outros usos também são possíveis na metonímia, dentre eles:

a troca do continente pelo conteúdo: A chaleira está fervendo;

de atributo pelo ser: Casou-se com essa morena depois de um longo namoro

com a loura;

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e

autor pela obra: Adquiriu outro Portinari em um leilão em Nova Iorque.

A personificação, por sua vez, implica atribuir ações humanas a coisas,

sentimentos e animais. No caso de Álvares de Azevedo, é muito comum

encontramos trechos como:

Lá bem na extrema da floresta virgem Onde na praia em flor o mar suspira E, quando geme a brisa do crepúsculo, Mais poesia do arrebol transpira.

O trecho anterior inicia o poema Virgem Morta. Nele encontramos uma

descrição do lugar onde se encontra o enunciador. Marcamos em itálico os

verbos que correspondem à ação do mar e da brisa (suspirar e gemer) e um

adjetivo que remete à uma característica da floresta. No primeiro caso, a

personificação ocorre por esses lugares praticarem ações que não lhe são

próprias e sim de uma pessoa. Já no segundo, o adjetivo virgem é usado para

aludir ao fato de que essa floresta não fora tocada pelo homem naquele

momento, ou seja, ela é uma mata fechada, onde não houve desmatamento

para construção de algo.

Por fim, comentamos sobre como se dão os efeitos expressivos pela

conjugação de verbos. Esses são definidos como “espécie de palavra que

ocorre nos enunciados sob distintas formas (...) para a expressão das

categorias de tempo, aspecto, modo, número e pessoa”. Ao observarmos sua

aplicação em enunciados notamos que os usos de suas diferentes conjugações

podem conter grande valor expressivo. Por exemplo, ao remetermos ao uso do

tempo presente para relatar ações que ocorreram no passado, estamos

intencionados em dar ao vocábulo uma proximidade ao seu ouvinte ou leitor.

Se lermos numa manchete de jornal Morre uma grande figura política

encontramos uma notícia que tem mais impacto do que Morreu uma grande

figura política, pois o verbo no pretérito perfeito indica uma ação no passado

que findou, ou seja, que está distante. Temos o mesmo objetivo ao utilizarmos

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o mesmo tempo verbal para remeter a ações futuras, como em amanhã seu

irmão chega da Espanha.

Considerando esses aspectos do léxico e da sonoridade num parâmetro

linguístico geral, entendemos o tom como um traço discursivo formado pela

combinação desses mesmos elementos, quando utilizados em contextos

específicos. Como abordamos, neste trabalho, a poesia de Álvares de Azevedo

e partimos de seu caráter melancólico atrelado às escolhas linguísticas,

principalmente fônicas, em poemas considerados Elegíacos, que em sua

maioria tratam da tristeza ou do luto, pontuamos quais são os efeitos

estilísticos pertinentes, e que são observados por nós, na formação do tom

melancólico na obra do referido poeta.

2.2 Traços estilísticos do tom melancólico

Por mais que a palavra melancolia seja de conhecimento do meio

comum e que todos nós saibamos que a sentimos num momento de grande

tristeza, ao utilizar o termo tom melancólico, precisamos nos remeter a uma

definição mais específica, pois há outros tipos de discurso que apresentam

tons semelhantes, de forma que se torna muito fácil confundi-los.

O vocábulo não só corresponde a um “estado de profunda tristeza, como

a um desencanto geral e a depressão” (HOUAISS, 2009). A partir disso, as

escolhas linguísticas que o enunciador faz devem causar efeitos que

expressem e remetam a esses outros sentimentos que fazem parte da

melancolia. Assim, o tom melancólico possui algumas características

linguísticas específicas. Damos ênfase, aqui, aos traços sonoros pertinentes:

Quanto à articulação: Martins (2008, p. 52-53), ao comentar sobre a

expressividade das vogais nasais, cita, entre outros traços, a melancolia.

Apesar de a autora não mencionar, as consoantes também podem ter essa

função, bem como os contextos em que esses fonemas expressam moleza,

que podemos encarar como efeitos desse desalento, da tristeza etc., o que se

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dá pelo fechamento da cavidade bucal, produzindo, assim, ruídos mais graves

e, por consequência, de volume mais baixo, como se alguém lamentasse. Esse

mesmo efeito acontece com o grupo das vogais posteriores /ↄ/, /o/ e /u/, além

de remeter, entre outras situações, à escuridão, tristeza, medo e morte.

No caso da entonação, podemos notar dois aspectos que compreendem

o tom melancólico. O primeiro é a ênfase, normal, a vocábulos que remetem ao

sentimento de tristeza profunda, apatia, desalento etc. e o segundo é a

recorrência de grupos de força que tenham entonação decrescente, o que

podemos interpretar como um falar em voz baixa por parte do enunciador.

Quanto aos aspectos lexicais, já que o gênero discursivo dos poemas

selecionados é a Elegia, encontramos palavras que se referem à tristeza

sentida pelo enunciador, contudo, na poesia azevediana, ela é relacionada

frequentemente à perda, por consequência da morte, distância ou separação

etc. Por exemplo, suspirar, gemer, chorar, prantear etc.

Outros tipos de escolhas linguísticas também pode manifestar-se para

enfatizar o sentimento melancólico e corroborar o tom. Um aspecto muito

comum na obra do referido poeta é a divinização da amada. Para expressá-la

faz uso da motivação sonora dada pela vogal aberta /a/, que representa

claridade, tanto física como de ideias. Assim em:

Ó minha amante, minha doce virgem, Eu não te profanei e dormes pura: No sono do mistério, qual na vida, Podes sonhar apenas na ventura.

Notamos que há recorrência da vogal /a/ referente à imagem da amada, que é

chamada de virgem, pelo enunciador. Ele contrasta os vocábulos amante,

virgem e pura com profanei, ação que ele diz não ter feito a ela. A repetição da

vogal aberta reitera a ideia de pureza e divindade da amada, uma vez que o

que é divino corresponde a claridade, sugerida pelo fonema /a/.

Levando em consideração esses aspectos que pertencem ao tom

melancólico, apresentamos como eles se dão na poesia de Álvares de

Azevedo.

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3 O TOM MELANCÓLICO EM ÁLVARES DE AZEVEDO

Como foi visto neste estudo, a poesia, em seu trajeto histórico, abordou

diversos assuntos desde a época em que os poemas eram somente cantados.

Esses temas, na maior parte das vezes, relacionavam-se ao luto. Com o

passar do tempo, os textos líricos adotam outros assuntos que têm a tristeza

como centro da obra.

A melancolia, contudo, esteve mais presente em certos períodos que em

outros. O período que melhor esboça esse traço é o Romantismo.

Especificamente no Brasil, muitas composições compreendiam um tom de

pesar, tristeza etc., em autores das três fases do movimento, sobretudo a

segunda, da qual destacamos o jovem Álvares de Azevedo. Por esse motivo,

consideramos necessária uma breve introdução de como a melancolia se

estabelece na poesia azevediana, de acordo com sua fortuna crítica.

3.1 Melancolia em Azevedo

Ao fazermos uma leitura sobre o poeta e buscar como se dava a criação

em sua obra, notamos que o autor de Lira dos Vinte Anos possui, já em sua

personalidade, traços que se relacionam com a melancolia. Uma vez longe da

família, da cidade que ama e sem interesse pelas pessoas da região, o poeta

acaba por sofrer do mal do século, como era conhecido o tédio na época em

que Álvares de Azevedo escrevia. Inclusive em cartas ele chegou a relatar

sobre sua necessidade de viver um amor:

Não penses também, Luís, que tenha eu aqui algum novo amor. Não. Eu sinto no meu coração uma necessidade de amar, de dar a uma criatura este amor que me bate no peito. Mas ainda não encontrei aqui uma mulher – uma só – por quem eu pudesse bater amores (In: Obra Completa; p. 787)

14

14

Carta enviada por Álvares de Azevedo, em 11 de maio de 1848, a Luís A. da Silva Nunes.

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Esse aspecto, porém, é comentado pelo autor modernista Mário de

Andrade, em seu estudo “Amor e Medo” (1935), que explica a relação entre

esses dois sentimentos do título do seu trabalho em poemas ultraromânticos,

principalmente os textos de Azevedo e Casimiro de Abreu, que se relaciona,

assim, com o que foi exposto no parágrafo anterior:

(...) Para ele a mulher é uma criação absolutamente divina e... inconsútil. O amor sexual lhe repugnava, e pelas obras que deixou é difícil reconhecer que tivesse experiência dele. Raríssimas passagens (...) escapam da falta de objetividade das suas frases sobre o amor. De resto, mesmo estas poderiam ser explicadas por experiência de leitura, ou solitária, ou pura intuição de artista. Na verdade além da vagueza com que o rapaz trata do amor, a própria desarrazoada, irritada repugnância com que julga a parte sexual do amor, parece determinar nele, se não mais, pelo menos uma experiência enorme. (Idem; p. 56).

Como a relação dada entre os enunciadores da obra de Azevedo e o

amor parte de uma perspectiva melancólica, a poesia do autor, em sua maioria,

compreende temas como o amor não correspondido, a morte da amada e a

separação. Esses são os fatores que motivam o lamento do eu.

Álvares de Azevedo era um talento possante numa organização franzina. Não podia viver muito. Era doentio; era em essência um melancólico. Isto pode-se dizer dele; porque é a verdade manifestada em sua vida e em seus escritos. Como melancólico era impossível que atingisse n’arte àquela serenidade de Goethe, por exemplo. Aplicar-lhe o conceito errôneo em poesia de adiantamento ou atraso é que é formidável desconcerto (ROMERO, S., Idem; p. 36-37).

Dada essa introdução sobre a característica das produções do poeta,

apresentamos as análises dos poemas selecionados na seguinte ordem:

Desalento, Virgem Morta, Despedidas à... e Saudades. Organizamos por temas

que corroboram o sentimento melancólico, sendo que o primeiro trata de uma

desilusão amorosa, o segundo da morte da amada, o terceiro de amor não

correspondido e o último da separação.

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3.2 O desalento

Esta primeira análise, trata dos traços estilísticos formadores do tom

melancólico no poema Desalento. Partimos do contraste sentimental que o

enunciador estabelece entre a primeira e a terceira pessoas do discurso. Ele

não define esta última, vale-se do pronome daquele que corresponde a um

sujeito que não é específico. Comparando essas emoções deste com as suas

próprias, ele desenvolve o tema da desilusão amorosa, remetendo ao

sentimento de perda, que causa a melancolia, percebida no lamento do

enunciador.

Desalento

Porque havíeis de passar tão doces dias? A. F. de Serra Pimentel

Feliz daquele que no livro d’alma Não tem folhas escritas, E nem saudade amarga, arrependida, Nem lágrimas malditas! Feliz daquele que de um anjo as tranças Não respirou sequer, E não bebeu eflúvios descorando Numa voz de mulher! E não sentiu a mão cheirosa e branca Perdida em seus cabelos, Nem resvalou do sonho deleitoso A reais pesadelos! Quem nunca te beijou, flor dos amores, Flor do meu coração, E não pediu frescor, febril e insano, Da noite a viração!

Ah! feliz quem dormiu no colo ardente, Da huri dos amores, Que sôfrego bebeu o orvalho santo Das perfumadas flores, E pôde vê-la morta ou esquecida Dos longos beijos seus, Sem blasfemar das ilusões mais puras E sem rir-se de Deus!

Mas, nesse doloroso sofrimento Do pobre peito meu, Sentir no coração que à dor da vida A esperança morreu!...

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Que me resta, meu Deus?! Aos meus suspiros Nem geme a viração, E dentro – no deserto do meu peito Não dorme o coração!

O poema, logo de início, apresenta a comparação entre o eu e o ele que

se dá pelo uso do pronome demonstrativo (d)aquele, remetendo, assim, a

outrem que é coletivizado. Com o uso do adjetivo Feliz, o pronome exerce uma

função comparativa que separa o enunciador dessa terceira pessoa que

representa qualquer um que no livro d’alma / não tem folhas escritas, saudade

amarga, arrependida ou lágrimas malditas, em outras palavras, ele estabelece

a diferença entre si próprio, por se sentir infeliz, e as outras pessoas que se

sentem felizes:

Feliz daquele que no livro d’alma Não tem folhas escritas, E nem saudade amarga, arrependida, Nem lágrimas malditas!

O efeito de separação entre o eu e o(s) outro(s) é enfatizado pela

reiteração de palavras que constroem sentenças negativas, estabelecendo um

paralelismo sintático pelo uso do advérbio não e pela repetição da conjunção

aditiva nem:

Feliz daquele que no livro d’alma Não tem folhas escritas, E nem saudade amarga, arrependida, Nem lágrimas malditas!

O terceiro verso intensifica os efeitos das negações dado o uso da

conjunção aditiva E, precedendo a palavra nem e posicionando-se depois de

uma vírgula em fim de verso, que corresponde a uma pausa longa.

As frases negativas relacionam-se às características do livro d’alma,

expressão que interpretamos como uma metáfora da vida, pois todos os fatos

que ocorrem nela são sentidos pela alma. A partir dela, o enunciador expressa

o que sente sobre suas lembranças, denominando-as ruins:

Feliz daquele que no livro d’alma Não tem folhas escritas,

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E nem saudade amarga, arrependida, Nem lágrimas malditas.

Já que livro d’alma alude metaforicamente à vida, a expressão folhas escritas

pode representar as recordações, já que estas também nos ficam gravadas,

como tinta num papel, em nossa memória.

Ao reiterar a negação nos três últimos versos da estrofe, o enunciador

relaciona os outros substantivos à primeira metáfora. São seguidos de

adjetivos que lhes atribuem aspectos ruins. Assim, em saudade amarga,

arrependida/Nem lágrimas malditas, usam-se palavras referentes à tristeza

muito profunda, pois amargo remete àquilo que causa tristeza, dor, podendo

também ser penoso, aflitivo, e arrependido é a pessoa que lamenta o mal

cometido ou um procedimento passado, ambos relacionados ao substantivo

saudades. Já malditas, aludindo às lágrimas, refere-se ao que traz infelicidade,

incomoda, aborrece ou que é funesto, infeliz15.

Todos esses aspectos da estrofe deixam implícita a tristeza do

enunciador, uma vez que ele se compara a pessoas que não possuem essas

marcas, comentadas acima, em suas vidas. Por consequência, esses traços

linguísticos observados corroboram a expressividade melancólica por se

tratarem de sentimentos pesarosos, de infelicidade etc., o que é intensificado

pela comparação, pois coloca essa terceira pessoa como alguém que não

sofreu na vida, enquanto sugere que o eu tenha passado por más experiências.

Também corroborando a expressividade melancólica, a sonoridade do

trecho gera impressões de lamento do enunciador. Em primeiro plano,

observamos como ela é marcada pela entonação e notamos esse aspecto

sonoro a partir da tonicidade. Como os grupos de força são encerrados por

palavras paroxítonas, a cadência é sempre decrescente. Exemplificamos a

seguir:

15

Todas as citações HOUAISS, 2009.

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Feliz daquele que no livro d’alma

/fe’lizda’kele/ - /keno’livɾo’dalma/

1 2 1 3 0 1 1 2 0 3 0

Não tem folhas escritas

/nãῶ’tẽȳ’foʎazes’kɾitas/

1 1 2 0 1 3 0

E nem saudade amarga, arrependida,

/enẽȳsaw’dadya’marga/ - /arepẽ’dida/

1 1 1 2 1 3 0 1 1 1 3 0

Nem lágrimas malditas!

/nẽȳ’lagɾimazmal’ditas/

1 2 0 0 1 3 0

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Devido ao esvaziamento do próprio ego e a diminuição de sua

autoestima, em consequência da melancolia16, gera-se, na pessoa que sofre

desse mal, um grande desânimo. Por meio da fala, notamos essa tristeza

expressa no tom de voz baixo e a entonação decrescente da frase. Ela se dá,

de acordo com os estudos de Câmara Jr. (2004), quando há uma sílaba pós-

tônica, que possui valor tonal zero, em frases declarativas, ou seja, que

preveem entonação descendente (MARTINS, N.S., 2008; p. 85). A curva

melódica do trecho mostra, assim, o lamento e reforça a ideia de tristeza

profunda sentida pelo enunciador.

Notamos também que, nos dois últimos versos, a entonação destaca os

adjetivos que atribuem aos substantivos saudades e lágrimas aspectos

melancólicos. No bloco sonoro E nem saudade amarga, o adjetivo possui a

sílaba tônica, sendo mais demarcado que os outros vocábulos. O mesmo

ocorre no verso seguinte com a palavra malditas, pois a tônica recai em –di. Já

arrependida é enfatizada por formar, por si só, um grupo de força e ser

separada por vírgula do restante do verso, o que a coloca em evidência.

A curva melódica, assim, evidencia a cadência do ritmo nos versos,

destacando a negação por outro efeito sintático muito utilizado na poesia, o

enjambement, também chamado de encadeamento. Segundo Moisés, é o

“trasbordamento sintático de um verso em outro; a pausa final do verso atenua-

se, a voz sustém-se, e a última palavra de uma linha se conecta com a primeira

da seguinte, estabelecendo a ruptura da cadência determinada pela simetria

dos segmentos ou gerando a desuniformidade rítmica da estrofe” (1974, p.

173). Assim em:

Feliz daquele que no livro d’alma

Não tem folhas escritas,

E nem saudade amarga, arrependida,

Nem lágrimas malditas.

O encadeamento dá-se entre d’alma e Não, que inicia o verso seguinte,

destacando o advérbio e intensificando a negação, bem como seu próprio

16

A respeito dos sintomas da melancolia, ver. FREUD, S. Luto e Melancolia, 1917. In:

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sentir, já que, como explicamos anteriormente, tudo o que o enunciador nega

em relação ao outro é o que ele mesmo possui.

Características similares de efeitos estilísticos podem ser observadas na

estrofe seguinte:

Feliz daquele que de um anjo as tranças Não respirou sequer, E não bebeu eflúvios descorando Numa voz de mulher!

Nesse trecho há a repetição de certos termos, como o uso do sintagma

Feliz daquele indicando comparação entre o eu e um ele generalizado, bem

como a repetição do advérbio de negação não. Tem-se aqui o efeito dado pelo

paralelismo sintático. Ele acaba por enfatizar a tristeza do enunciador, pois

reitera o processo da estrofe anterior, colocando outrem como alguém feliz, ao

contrário do próprio enunciador.

Contudo, essa estrofe parece explicar o motivo pelo qual ele se encontra

no estado de desalento, relacionando a tristeza à imagem da mulher amada e

ao fim do amor. Para aludir a eles, faz uso de uma metáfora que diviniza essa

mulher, por meio da figura do anjo, sugerindo corresponder a uma terceira

pessoa coletivizada, também reiterada nesse fragmento pelo uso do artigo

indefinido um e pela preposição contida em numa.

Assim, há ênfase do efeito da comparação entre as pessoas do discurso

dada pela repetição de sentenças negativas, porém, ao invés de ser reiterada

pela recorrência da conjunção aditiva nem, o valor se intensifica pelo uso do

advérbio sequer. Remete a expressões como pelo menos, ao menos ou nem

mesmo. Interpretamos que ele também corrobora a expressividade melancólica

de maneira direta, pois sequer refere-se ao verbo respirar, que por sua vez

remete às tranças de um anjo, ou seja, feliz é o homem que não pode ter

nenhuma espécie de contato físico com uma mulher, deixando implícito,

novamente, que o enunciador o teve e por isso lamenta.

http://carlosbarros666.files.wordpress.com/2010/10/lutoemelancolia1.pdf.

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O verso seguinte E não bebeu eflúvios descorando ainda intensifica a

negação, pois o advérbio está depois da conjunção aditiva e, que serve para

incluir novos termos na oração. Como o vocábulo é repetido, a conjunção lhe

dá ênfase, deixando-o em maior evidência.

Em seguida, no último verso da estrofe, há o uso da preposição em

contida na expressão contraída numa, combinada ao sintagma voz de mulher.

Dessa forma, o enunciador dá uma ideia de “materialidade” ao vocábulo voz,

pois numa indica “algo ou alguém que está dentro de um determinado local”

(HOUAISS, 2009). O sintagma completa o sentido do verbo beber, que assim

como respirar, atribui ao texto valores expressivos consideráveis para a

formação do tom melancólico. Esses verbos correspondem a ações vitais para

o ser humano, uma vez que a palavra respirar toma o lugar de cheirar ou de

sentir o cheiro de e beber de sorver, ingerir (Idem, Ibidem). Dessa forma, no

primeiro caso, ele o fazia nas tranças de sua amada. De modo implícito sugere

que a amada, representada metonimicamente, é o motivo pelo qual o

enunciador vive. Em não bebeu eflúvios descorando/ Numa voz de mulher! a

mesma sugestão é dada, pois o substantivo eflúvios significa ‘emanação de

energia ou de matéria” (HOUAISS, 2009) e essa terceira pessoa o beberia

descorando, indicando assim uma “perda de vigor; um empalidecer” (Idem,

Ibidem), o que demonstra a necessidade de beber da voz da mulher. Por se

tratarem de ações vitais, os verbos estabelecem uma relação de dependência

com a amada.

Nesse trecho, assim como no anterior, percebemos que há

correspondência entre os níveis fonológico e lexical, ao expressar o sentimento

de desalento e melancolia. Contudo, existem alguns traços sonoros que

diferem da primeira estrofe do poema, pois a entonação do fragmento não é

decrescente em todos os grupos de força, pois há vocábulos oxítonos no fim de

dois blocos sonoros, fazendo com que a entonação seja crescente. Essa

característica acaba por destacar certas palavras que ajudam a corroborar o

tom melancólico, mais necessariamente, aquelas que rimam nos versos dois e

quatro:

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Não respirou sequer

/nãῶrespi’ɾowse’ker/

1 1 1 2 1 3

Numa voz de mulher

/nũma’vↄzdemu’ʎԑr/

1 1 2 1 1 3

As curvas mostram a sílaba tônica nos vocábulos sequer e mulher, que

estão organizados duma forma que os destaca por conta do primeiro atenuar a

falta da ação de respirar as tranças da mulher, deixando implícito que, se o

outro tomasse esse tipo de atitude, ele seria tão infeliz quanto o enunciador. O

segundo, no entanto, destaca a mulher, que é a causa da melancolia, e é um

vocábulo seguido de um ponto de exclamação, sugerindo exaltação. De

maneira que o modo de destacar tal sentimento é enfatizado na estrofe por

dois aspectos sonoros, a entonação crescente e a rima.

Quanto à ordem dos termos na frase, notamos que há uma alteração do

ritmo por conta da inversão que ocorre entre sujeito e predicado, pois esse

segundo encontra-se no verso seguinte, enquanto o primeiro inicia o verso

anterior. Eles são divididos pelo sintagma de um anjo as tranças, que, por sua

vez, também possui termos invertidos entre si, ao usar “de um anjo” antes de

“as tranças”. Dessa forma os vocábulos anjo e tranças ganham destaque por

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estarem em posições na frase que deixam suas sílabas tônicas mais próximas,

ganhando maior evidência no verso:

Feliz daquele que de um anjo as tranças

/fe’lizda’kele/ - /kedȳũ’ãӡwas’tɾãsas/

1 2 1 3 0 1 1 2 1 3 0

Os efeitos do ritmo são intensificados pelo enjambement que, como na

primeira estrofe, separa o verbo, junto com o advérbio “não”, que também inicia

o segundo verso, deixando a negação em evidência:

Feliz daquele que de um anjo as tranças

Não respirou sequer,

E não bebeu eflúvios descorando

Numa voz de mulher!

É importante ressaltar que a cadência permanece similar, nesse trecho,

aos dois grupos de força anteriores:

Não respirou sequer

/nãῶrespi’ɾowse’ker/

1 1 1 2 1 3

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Há um alongamento do tom baixo no princípio do verso, porém as acentuações

no fim são correspondentes às outras duas primeiras, pois em todos os casos

há uma sílaba pré-tônica (valor 1) entre uma subtônica (valor 2) e uma tônica

(valor 3), repetindo o mesmo efeito da curva. Há, dessa forma, certa

regularidade e o destaque sonoro recai sobre os vocábulos mais expressivos.

Nesse trecho, especificamente, o encadeamento ajuda a reiterar esse ritmo,

uma vez que ele prevê a continuidade da leitura.

Esse “padrão” sonoro, contudo, não percorre toda a estrofe. O terceiro

verso, por ser um decassílabo sáfico, ou seja, por possuir os acentos tônicos

na quarta, na oitava e na décima sílabas poéticas, difere, principalmente do

primeiro, que é um decassílabo heroico:

E não bebeu eflúvios descorando

/enãῶbe’bewe’fluviws/ - /desko’rãdo/

1 1 1 2 1 3 0 1 1 3 0

Notamos que há uma junção da semivogal /w/ e a vogal /e/ entre os

vocábulos bebeu e eflúvios, o que faz com que a palavra descorando seja

pronunciada separadamente do bloco. Desse modo, o verbo fica em evidência

e sua acentuação não corresponde à dos outros grupos de força. Ressaltamos,

também, que a tônica desse vocábulo é alongada por ser uma vogal nasal o

centro da sílaba. Acrescenta-se o fato de o verbo estar no gerúndio, tempo

verbal que corresponde a ações em progresso e a continuidade.

Por fim, o quarto verso apresenta uma curva melódica que é similar ao

padrão entoacional do início da estrofe:

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Numa voz de mulher

/nũma’vↄzdemu’ʎԑr/

1 1 2 1 1 3

Há o alongamento maior do tom baixo entre a subtônica e a tônica,

apresentando uma distribuição regular dos acentos tônicos, sendo duas pré-

tônicas, uma subtônica, outras duas pré-tônicas e uma tônica que encerram o

bloco sonoro.

Esses traços, como na primeira estrofe, relacionam-se à sonoridade e ao

léxico, pois os efeitos fonoestilísticos percebidos na entonação e no ritmo

correspondem a expressividade que é apresentada pelo sentido das palavras.

Contudo há outro fator da expressividade sonora que também se relaciona ao

léxico e aos traços suprassegmetais. É a motivação sonora, que, nesse

fragmento, sugere a lamentação do enunciador, que é reproduzida por meio da

combinação de fonemas nasais remetendo a alguém que fala em tom de

lamúria, em conseqüência do fechamento da cavidade bucal no momento da

produção desses sons:

Feliz daquele que de um anjo as tranças Não respirou sequer, E não bebeu eflúvios descorando Numa voz de mulher!

O aspecto é destacado nos dois últimos versos, que apresenta o uso

considerável de vogal alta posterior /u/, da média alta /o/ e da semivogal /w/,

que também proporcionam o fechamento da cavidade bucal, havendo o

bloqueio da passagem de ar. Esses elementos, combinados aos sons nasais,

corroboram a sugestão de uma pronúncia que se assemelhe ao modo de uma

pessoa murmurar, acentuando a expressividade sonora melancólica.

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Ainda como um complemento, à sua explicação dada no verso dois, o

enunciador acrescenta outras características que fariam a terceira pessoa

coletivizada ser infeliz, se o possuísse ou tivesse vivido tal situação. Dá-se,

assim no terceiro verso:

E não sentiu a mão cheirosa e branca Perdida em seus cabelos, Nem resvalou do sonho deleitoso A reais pesadelos!

O verso inicia pela conjunção aditiva e seguida do advérbio de negação

não, assim como ocorreu no verso três da estrofe anterior. Essa repetição,

mais o uso da conjunção aditiva nem no terceiro verso, continuam a reiterar as

frases negativas, referentes a outrem e a afirmação, implícita, de que essas

ações ocorrem com o enunciador.

A partir da aplicação do vocábulo sentir, notamos que há uma gradação

regida pelo uso dos verbos desde a estrofe anterior. Essas palavras fazem com

que tenhamos a impressão de maior proximidade entre o enunciador e a

amada, de maneira que observamos em respirar uma ação vital, mas que não

compreende contato com outro corpo; beber, que compreende contato dos

lábios em outro objeto, e sentir, que remete ao tato, no caso a mão cheirosa e

branca/Perdida nos cabelos desse eu poético, o que entendemos como o

carinho dado pela mulher. O verbo também pode estar relacionado às emoções

sentidas por conta desse contato físico.

Esse sentido é refletido na sonoridade do verso, pois há uma tensão

rítmica que pode representar certa intranquilidade, por parte do enunciador,

quando tocado e acarinhado pela amada. Estruturalmente ela se dá pela dupla

possibilidade de acentuação do verso:

E/não/sen/tiu a/mão/chei/ro/sa e/bran/ca - decassílabo sáfico

4 8 10

E/não/sen/tiu a/mão/chei/ro/sa e/bran/ca - decassílabo heroico.

6 10

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De modo que, no primeiro caso, há um destaque para a quarta sílaba poética,

a tônica em sentiu, enfatizando, assim, o sentido do verbo na frase e

valorizando-o mais segmento:

E não sentiu a mão cheirosa e branca

/enãῶsẽ’tiwa’mãῶ/ - /∫ey’ɾↄzay’bɾãka/

1 1 1 3 1 2 1 2 1 3 0

Já no caso do segundo tipo de acentuação, destaca-se a palavra mão, que é o

objeto que toca o enunciador e o qual ele retrata de forma carinhosa (cheirosa

e branca), porém que não o faz feliz por tê-la sentido em seus cabelos:

E não sentiu a mão cheirosa e branca

/enãῶsẽ’tiwa’mãῶ/ - /∫ey’ɾↄzay’bɾãka/

1 1 1 2 1 3 1 2 1 3 0

A imagem de dependência e de carinho criada pelo enunciador, desde a

estrofe anterior, com relação à amada, contrasta com os dois últimos versos

que são iniciados pela conjunção nem, que reitera a negação. Assim, em Nem

resvalou do sono deleitoso/A reais pesadelos, entendemos, há uma passagem

da situação de conforto que o eu colocou até esse momento quanto ao respirar

as tranças, beber eflúvios e sentir a mão cheirosa e branca e que aqui ele

resume como sono deleitoso, por ser um momento tranquilo, que causa um

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sentimento aprazível. Ele resvala, desse sono a reais pesadelos. O verbo

resvalar significa cair por um declive, deslizar, escorregar (HOUAISS, 2009) o

que nos possibilita interpretar a passagem brusca de uma situação boa, ou

seja, enquanto ele estava com a mulher amada, para uma situação ruim,

quando já não há mais o relacionamento.

Nessa passagem, a entonação do trecho volta a ser decrescente, de

maneira que ela exprime, também, a tristeza dada nessa transição entre o

estar com a amada e perdê-la:

Nem resvalou do sono deleitoso

/nẽȳrezva’lowdo’sono/ - /deley’tozo/

1 1 1 2 1 3 0 1 1 3 0

A reais pesadelos

/are’ayspeza’delos/

1 1 2 1 1 3 0

Ressaltamos outro fator sonoro que corrobora a expressividade

melancólica do fragmento. Notamos que há, como na estrofe anterior, uma

recorrência de sons fechados, ora nasais, ora vogais fechadas. Contudo,

também observamos que todas as sílabas tônicas dessa passagem são

terminadas em fonemas fechados, em sua maioria, ditongos decrescentes, o

que intensifica o tom melancólico na passagem, como ilustrado abaixo:

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E não sentiu a mão cheirosa e branca Perdida em seus cabelos, Nem resvalou do sonho deleitoso A reais pesadelos!

Percebemos que mesmo quando há o uso da vogal aberta /a/, que

indica tons mais alegres, ela é, ou nasal, ou forma um ditongo decrescente, de

maneira que ela ganha um matiz expressivo diferente do usual, ajudando a

estabelecer efeitos fonoestilísticos melancólicos e relacionando-os ao sentido

do trecho. No geral, as tônicas são formadas pela vogal fechada anterior /i/,

pelas semifechadas /e/ e /o/ e a semiaberta /ↄ/, que ainda indica sonoridade

obscura, fechada etc. e os ditongos /iw/, /ãῶ/, /ow/ e /ay/.

Aliado à expressividade melancólica dada pelas vogais e semivogais, o

trecho ainda apresenta a sugestão da voz de alguém que lamenta, a partir da

aliteração dos sons nasais, assim como no trecho anterior:

E não sentiu a mão cheirosa e branca Perdida em seus cabelos, Nem resvalou do sonho deleitoso A reais pesadelos!

Os efeitos fonoestilísticos observados nos outros fragmentos do poema

são repetidos e desenvolvidos no decorrer do texto. Nas duas últimas estrofes,

porém, o discurso, que se referia a uma terceira pessoa coletivizada, passa a

se referir ao próprio enunciador, que se reconhece por meio do embate com

esse(s) outro(s) que aparece(m) desde o início, como o oposto do eu lírico.

A mudança dá-se a partir da conjunção adversativa mas, contrastando

com palavras e sintagmas que reiteram a marca de terceira pessoa (feliz

daquele, quem nunca, feliz quem) com o pronome possessivo meu:

Mas, nesse doloroso sofrimento Do pobre peito meu, Sentir no coração que à dor da vida A esperança morreu!...

Após o contraste, deixa evidente a perda da esperança do enunciador e

a expressividade de seu desalento.

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No que se refere à seleção vocabular que exprime esse sentimento,

observamos a função dos adjetivos doloroso e pobre que remetem aos

substantivos sofrimento e peito. No primeiro caso, notamos um pleonasmo

dado pelo sentido do adjetivo doloroso ser implícito no sentido do substantivo

sofrimento, uma vez que ele pode remeter à dor moral. Essa repetição de

ideias dá ao sintagma um valor expressivo que enfatiza seu pesar. No segundo

caso, o vocábulo pobre pode remeter ao sentimento de dó, pois ele também

pode ser aplicado àquele que é digno de lástima e compaixão (HOUAISS,

2009). Dessa forma, seu coração, metonimicamente representado pela palavra

peito, é digno de pena, pois sofre dolorosamente. O trecho destaca-se também

pelo fato de os adjetivos estarem antecedendo os substantivos.

O enunciador então relaciona o sofrimento que sente em seu peito à

desesperança, pois está ligado à preposição inserida na contração nesse, O

terceiro e o quarto versos, no qual ele diz: Sentir no coração que à dor da

vida/A esperança morreu!. Ele o faz ao remeter a causa da morte de sua

esperança à dor da vida, assim, perante essa dor, ele já não acredita mais na

própria vida.

A relação de causalidade no fragmento estabelecida pela preposição

contida em à. Ela pode ser substituída por conjunções como por causa de e

perante a. Como não está sendo utilizada em seu contexto comum, ela

intensifica o termo posterior: dor da vida. Lapa (1998, p.237/238) comenta que

muitas vezes esse morfema pode ser usado em situações diversas para ajudar

a reiterar certo ritmo de um poema. Assim, sonoramente, o /a/ também possui

outro matiz estilístico que se alia a imitação do bater do coração.

A princípio destacamos a aliteração dos fonemas oclusivos na referida

estrofe:

Mas, nesse doloroso sofrimento Do pobre peito meu, Sentir no coração que à dor da vida A esperança morreu!...

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Marcamos em itálico os sons oclusivos da estrofe. Notamos que a

aliteração ocorre nos segundo e terceiro versos. Destacamos que –br no

adjetivo pobre, por conta do uso do tepe entre a consoante –b e a vogal –e,

enfatiza a sugestão sonora da batida do coração. Percebemos que no último

verso há apenas uma consoante oclusiva. Podemos interpretar que,

fonoestilisticamente, assim que a esperança morre o coração para de bater.

O ritmo e a entonação também mantêm um padrão entoacional de

proximidade entre as sílabas tônicas e subtônicas em cada grupo de força,

ocupando posições similares em cada um desses:

Do pobre peito meu

/do’pɔbɾe’peyto’mew/

1 2 0 2 0 3

Destacamos o verso dois, onde também ocorre a aliteração das

oclusivas para estabelecer a ligação entre essa figura de linguagem e o ritmo.

Todo o bloco sonoro que compreende o segundo verso apresenta duas

subtônicas, o que não é muito comum, pois os grupos de força são formados

por uma subtônica e uma tônica. No caso desse fragmento, por eles não serem

pronunciados de modo separado, como nos outros que conseguimos distinguir,

onde um vocábulo encerra um grupo e quando o outro abre, temos de

pronunciar essas duas sílabas, fazendo com que haja o subir e o descer da

curva, que pode representar o pulsar do coração.

O sentimento de desalento, que percebemos na estrofe, também se dá

pela rima entre os versos dois e quatro por dois aspectos fonológicos. Também

indicam o tom melancólico: a entonação crescente ao fim dos dois fragmentos,

pois ela enfatiza palavras importantes no contexto e estão semanticamente

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ligados; versos que terminam em ditongos decrescentes, efetuando o

fechamento da boca e impedindo a passagem de ar.

As rimas acontecem entre os vocábulos meu, que marca a primeira

pessoa, e o verbo morreu, que no pretérito perfeito do indicativo denota uma

ação finda no passado. Assim, semanticamente ele pode sugerir a morte que o

próprio enunciador faz de si pelo uso a metonímia peito meu e o verbo rimando

no pretérito perfeito. Sonoramente a entonação crescente acentua o vocábulo

no verso. Como o vocábulo termina num ditongo decrescente, o fechamento da

boca gerado por esse encontro vocálico pode sugerir a morte, ainda enfatizada

por corresponder aos sons das vogais escuras, que segundo MARTINS (2008)

compreende os fonemas que indicam tristeza, melancolia etc. Assim, em:

Do pobre peito meu

/do’pɔbɾe’peyto’mew/

1 2 0 2 0 3

A esperança morreu!...

/ayspe’ɾãsamo’rew/

1 1 1 2 0 1 3

Percebemos ainda que depois do verbo morrer há o ponto de

exclamação e reticências, que podem indicar, além da exaltação do

enunciador, a quebra de ideias, como se ele refletisse sobre o que aconteceu

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consigo e por isso tem incertezas. Esse fato consolida-se ao princípio da

próxima estrofe, que encerra o poema:

Que me resta, meu Deus?! Aos meus suspiros Nem geme a viração, E dentro – no deserto do meu peito Não dorme o coração!

A pergunta feita no início desse fragmento complementa a ideia de

incerteza deixada com os pontos de interrogação, questionando a Deus o que

resta para ele, apesar de haver relação condicional implícita, que poderia

ocupar o lugar de <?!> com o uso da conjunção condicional se. Contudo, ao

deixar os pontos de exclamação e interrogação, ele intensifica seu apelo ao

divino. Devemos lembrar que a cultura cristã é muito presente no Romantismo.

Assim, ele utiliza as outras sentenças como negativas. Elas são organizadas

em forma de paralelismo sintático, como no início do texto, porém elas ganham

maior valor expressivo a partir da pontuação do trecho.

Percebemos, a princípio, que a primeira pausa corresponde a um

vocativo no qual o enunciador clama pelo nome de Deus, ou seja, ele recorre

ao divino por não saber o que fazer na situação em que está inserido, pois com

esse vocativo foi formada uma pergunta: Que me resta, meu Deus?!, que nos

faz atentar a outros dois pontos: Em primeiro lugar a repetição da primeira

pessoa, com o pronome pessoal do caso oblíquo me e o pronome possessivo

meu que destacam o próprio enunciador do discurso e assim seu sofrimento. O

segundo fato é a pontuação <?!> que representa a pergunta dita de modo

exaltado, enfatizado pelo fim do bloco conter um monossílabo tônico, Deus, ou

seja, a entonação é crescente e acentuada, ganhando maior destaque e

podendo sugerir um tom mais exaltado na pergunta; também, por estar

combinado ao ponto de exclamação após a pergunta:

Que me resta, meu Deus?!

/kemerɛsta/ - /mewdews/

1 1 3 0 1 3

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A segunda pausa do fragmento é dada pela vírgula entre os versos dois

e três que coloca em evidência o vocábulo dentro. Isso se dá pela pontuação

encontrar-se antes da conjunção aditiva e, que já estabelece pausa entre os

termos conectados produzindo, assim, uma pausa mais longa. Ela é seguida

por outra que por sua vez destaca o sintagma no deserto do meu peito. A

pontuação usada nesse trecho é o travessão, que remete à fala de alguém, o

que intensifica a expressividade melancólica, pois ele usa sua própria voz para

falar de seu próprio sentimento.

O travessão também causa, nesse verso, uma pausa entre o advérbio

de lugar dentro e a preposição existente em no:

E dentro – no deserto do meu peito

/e’dẽȳtɾo/ - /node’zɛrto/ - /domew’peyto/

1 3 0 1 1 3 0 1 1 3 0

Observamos que todos os grupos de força do trecho possuem

entonação decrescente e uma progressão no alongamento do tom baixo,

remetendo-nos a alguém que fala dessa maneira, o que indica tristeza, como

observamos no início desta análise.

Após o uso do travessão, o enunciador compara seu peito a um deserto,

remetendo a um lugar seco, sem vida. Nesse momento, porém, notamos que

há um paradoxo, pois se o deserto alude a todos esses aspectos que

mencionamos, como pode não dormir o coração? Esse fato indica que o

enunciador, representado por uma metonímia, está irrequieto, nervoso, ansioso

entre outras coisas que ele possa estar sentindo, que o deixam agitado, porém,

como em seu peito há um deserto, podemos interpretar que também há

amargura, ou seja, isso indica que ele sofre.

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Observamos nesse texto que o tom melancólico é formado a partir da

combinação de vários fatores interligados pelo sentido gerado pelas

combinações linguísticas de caráter fonológico e lexical. A entonação torna-se

expressiva quando atrelada ao ritmo, formando uma cadência que leva a sílaba

tônica para alguma posição favorável na frase, fazendo com que certos

vocábulos sejam destacados.

No que se refere aos aspectos morfológicos, o poema possui palavras

que, por conta de sua classe ou por conta de sua posição na frase, dão ênfase

expressiva em determinado contexto, como no caso de daquele, que

estabelece uma relação de distância referente à primeira pessoa ou no caso de

certos adjetivos estarem em um aposto.

Percebemos, também, que certas estrofes inteiras possuem entonações

decrescentes, o que nos sugere, junto às combinações de fonemas nasais e de

vogais fechadas o murmúrio ou lamento do enunciador. Já outras estrofes

possuem entonações crescentes em rimas como sequer/mulher; meu/morreu,

destacando os vocábulos e remetendo-os à melancolia.

3.3 O funeral

A análise seguinte trata do tom melancólico no poema Virgem Morta. O

texto trata da morte da noiva do enunciador. Ele inicia com a descrição do

funeral da amada, que é realizado numa praia ao anoitecer, e depois se

lamenta por sua perda. Nesse processo ele se dirige a três coenunciadores,

sendo um a própria noiva, outro a coroa do poeta, que interpretamos ser o

próprio enunciador, e o último, alguém indeterminado no contexto que ora

usam-se verbos no plural, para se dirigir a ele(s), ora no singular.

O eu lírico também estabelece uma estrutura de comparação entre como

a vida era antes e depois da morte da amada, apresentando em certos trechos

situações referentes aos momentos felizes que ele teve, junto de sua noiva, e

como ele está se sentindo, agora, sem tê-la por perto. Por fim, ele diz esperá-la

até a sua própria morte chegar à beira-mar, onde ela foi sepultada:

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Virgem Morta

Lá bem na extrema da floresta virgem, Onde na praia em flor o mar suspira, E, quando geme a brisa do crepúsculo, Mais poesia do arrebol transpira; Nas horas em que a tarde moribunda As nuvens roxas desmaiando corta, No leito mole da molhada areia Manso repousem a beleza morta Irmã chorosa a suspirar desfolhe No seu dormir da laranjeira as flores, Vistam-na de cetim, e o véu de noiva Lhe desdobrem das faces nos palores. Vagueie em torno, de saudosas virgens, Errando a noite, a lamentosa turma; Nos cânticos de amor e de saudade Junto às ondas do mar a virgem durma. A brisa da saudade suspirando Aí na tarde, misteriosa e bela, Entregarei as cordas do alaúde E irei meus sonhos prantear por ela! Quero eu mesmo de rosa o leito encher-lhe E de amorosos prantos perfumá-la, E a essência dos cânticos divinos, No túmulo da virgem derramá-la. Que importa que ela durma descorada, E velasse o palor a cor do pejo? Quero a delícia que o amor sonhava, Nos lábios dela pressentir num beijo. Desbotada coroa do poeta, Foi ela mesma quem prendeu-te flores... Ungiu-as no sacrário de seu peito Inda virgem do alento dos amores... Na minha fronte riu de ti passando Dos sepulcros o vento peregrino... Irei eu mesmo desfolhar-te agora Da fronte dela no palor divino!... E contudo eu sonhava! e pressuroso Da esperança o licor sorvi sedento! Ah! Que tudo passou! – só tenho agora O sorriso de um anjo macilento! ............................................................................ Ó minha amante, minha doce virgem, Eu não te profanei e dormes pura: No sono do mistério, qual na vida, Podes sonhar apenas na ventura. Bem cedo ao menos eu serei contigo

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- Na dor do coração a morte leio... Poderei amanhã, talvez, meus lábios Da irmã dos anjos encostar no seio... E tu, vida que amei! pelos teus vales Com ela sonharei eternamente, Nas noites junto ao mar, e no silêncio, Que das notas enchi de lira ardente!... Dorme ali minha paz, minha esperança, Minha sina de amor morreu com ela, E o gênio do poeta, lira eólia Que tremia ao alento a donzela! Qu’esperanças, meu Deus! E o mundo agora Se inunda em tanto sol e céu da tarde! Acorda, coração!... Mas no meu peito Lábio da morte murmurou – É tarde! É tarde! e quando o peito estremecia Sentir-me abandonado e moribundo! É tarde! é tarde! ó ilusões da vida, Morreu com ela da esperança o mundo! No leito virginal de minha noiva Quero, nas sombras do verão da vida, Prantear os meu únicos amores, Das minhas noites a visão perdida! Quero ali ao luar, sentir passando Por alta noite a viração marinha, E ouvir, bem junto às flores do sepulcro, Os sonhos de sua alma inocentinha. E quando a mágoa devorar meu peito, E quando eu morra de esperar por ela, Deixai que eu durma ali e que descanse, Na morte ao menos, junto ao seio dela!

O poema foi escrito em forma de epicédio. Esse subgênero é uma

variação da elegia e, de acordo com Moisés (1974; p.188), define-se por ser

uma composição poética em memória de um morto ilustre, tema abordado

nesse poema. O tom melancólico forma-se, nesse texto, não só por alusões à

tristeza profunda, como pela criação de uma atmosfera fúnebre feita a partir da

descrição do local onde ocorre o funeral da noiva do enunciador:

Lá bem na extrema da floresta virgem, Onde na praia em flor o mar suspira, E, quando geme a brisa do crepúsculo, Mais poesia do arrebol transpira;

Essa estrofe aponta o local onde o funeral acontece. O trecho inicia com uma

ênfase dada à distância em que a praia se encontra. A primeira palavra do

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verso é o advérbio de lugar lá, indicando algo que está longe, seguido do

advérbio bem, que alude à exatidão desse local. Sonoramente, essa ideia é

reiterada por conta dos fonemas /a/ e /ẽȳ/. No caso da vogal aberta, de acordo

com Martins (2008, p.50), ela sugere a impressão de amplitude, já o ditongo,

por ser nasal, pode aludir aos sons prolongados como todas as vogais desse

modo de articulação (Idem, Ibidem; p. 53). Esses dois aspectos fonológicos,

combinados geram efeitos fonoestilísticos que remetem à ideia de distância,

por representarem características ligadas a ela, e a intensificam, pois são

usados juntos, corroborando a expressividade à qual advérbios remetem.

Relacionado a essa ênfase, o enunciador apresenta o local do funeral

pelo sintagma na extrema da floresta virgem. O substantivo extrema também

corrobora a representação de que o lugar se encontra em ponto longínquo,

pois remete ao ponto mais distante ou máximo, no caso, de uma floresta

virgem, que entendemos ser um local de mata fechada, ou seja, de difícil

acesso. Dessa forma, criam-se no discurso dois efeitos estilísticos que

remetem à expressividade melancólica: o aspecto fúnebre ou macabro de um

lugar inóspito ou hostil e a alusão da virgindade da amada pela personificação

da floresta, pois a noiva do enunciador possui essa mesma característica do

lugar onde é sepultada.

Há outras personificações na estrofe que se relacionam com a ideia de

tristeza e melancolia, como em na praia em flor o mar suspira, no qual o mar

realiza uma ação que é provida por esses sentimentos, assim como em geme a

brisa do crepúsculo, pois geme aquele que sofre por algum desalento,

sofrimento etc. As escolhas linguísticas são feitas no trecho combinando à

atmosfera sombria do local a melancolia do enunciador, pois crepúsculo é outro

elemento da natureza que inclusive pode indicar o anoitecer, intensificando o

aspecto fúnebre do fragmento.

A estrofe encerra com uma conclusão do enunciador: mais poesia do

arrebol transpira, de modo que ele coloca que a junção desses elementos, o

mar que suspira, a brisa do crepúsculo que geme etc, fazem com que haja

mais poesia, que entendemos como beleza (HOUAISS, 2009), que surge do

arrebol, ou seja, desse período do anoitecer.

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A estrofe apresenta efeitos fonoestilísticos relacionados à escolha dos

vocábulos. A combinação de fonemas faz com que haja a impressão de que

eles imitam os sons do mar a partir das aliterações das consoantes fricativas e

das oclusivas, as primeiras representando o barulho da água em movimento,

por conta dos sons chiados como /∫/ e /ӡ/, e do vento, por conta dos

lábiodentais, como /f/ e /v/ e sibilantes /s/ e /z/; enquanto as segundas

remeteriam a água que bate na costa e o som da arrebentação por meio de

fonemas como /t/, /d/, /b/, /p/ entre outros, além de serem intensificados quando

utilizados com o tepe: /tɾ/, /pɾ/ etc., pois esses são sons que indicam batidas e

pancadas (MARTINS, 2008; p. 54-56):

Lá bem na extrema da floresta virgem,

Onde na praia em flor o mar suspira,

E, quando geme a brisa do crepúsculo,

Mais poesia do arrebol transpira;

A disposição das palavras também faz com que haja uma sugestão sutil

do movimento das águas do mar por conta do ponto de articulação de cada

fonema. O vai e vem característico é realizado na cavidade bucal em uma

leitura do poema em voz alta: Assim, as consoantes são as bilabiais,

labiodentais, alveolares, ALVEOPALATAIS e vvveeelllaaarrreeesss. Numerando, no trecho, os

sons, poderemos notar como o efeito é dado:

Lá bem na extrema da floresta virGem, Onde na praia em flor o mar suspira, E, qqquuuando Geme a brisa do cccrepús ccculo, Mais poesia do arrebol transpira.

A representação sonora do mar continua pelas estrofes seguintes dada

a partir do efeito da aliteração das fricativas e das oclusivas, assim como na

primeira:

Nas horas em que a tarde moribunda As nuvens roxas desmaiando corta, No leito mole da molhada areia Manso repousem a beleza morta Irmã chorosa a suspirar desfolhe No seu dormir da laranjeira as flores, Vistam-na de cetim, e o véu de noiva

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Lhe desdobrem das faces nos palores. Vagueie em torno, de saudosas virgens, Errando a noite, a lamentosa turma; Nos cânticos de amor e de saudade Junto às ondas do mar a virgem durma.

A entonação também alude aos sons do mar por conta do ritmo dos

versos, como no exemplo seguinte:

Nas horas em que a tarde moribunda As nuvens roxas desmaiando corta, No leito mole da molhada areia Manso repousem a beleza morta

Todos os vocábulos tônicos, do trecho, são paroxítonos, o que nos dá

certa regularidade. Contudo, não há um padrão para número de sílabas em

cada palavra, sendo alguns dissílabos, outros trissílabos e outros polissílabos,

alterando, assim, o ritmo e a cadência dos versos e fazendo com que a

entonação sugira o movimento das águas do mar, enfatizando os aspectos

sonoros mencionados anteriormente. As curvas melódicas ajudam a

demonstrar como esses efeitos ocorrem nos dois versos abaixo:

Nas horas em que a tarde moribunda

/naz’ↄɾazẽȳkya’tarde/ - /mori’bũda/

1 2 0 1 1 3 0 1 1 3 0

As nuvens roxas desmaiando corta

/az’nuvẽȳz’ro∫as/ - /dezmay’ãdo’cↄrta/

1 2 0 3 0 1 1 2 0 3 0

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As curvas nos versos acima ajudam a exemplificar como a cadência do

trecho pode aludir ao movimento do mar, uma vez que podemos entender que

as sílabas átonas sugerem o momento em que a água se direciona para baixo,

ou seja, insinua uma breve calmaria, enquanto as tônicas, que aparecem ora

mais próximas, ora mais espaçadas, causam a impressão contrária.

O fragmento acima ainda pode representar, pela aliteração de sons

nasais e líquidos, nos versos No leito mole da molhada areia/ Manso repousem

a beleza morta, o aspecto da areia da praia, pois esses sons “aludem à

moleza” (MARTINS, 2008; p. 56). Esses traços ainda se referem ao corpo da

mulher morta, que está inerte, o que também se relaciona à ideia de lentidão e

moleza geradas pelas aliterações, bem como repousar manso o corpo no chão

da praia, remetendo à suavidade dessa ação. A entonação do trecho, similar

ao anterior, reitera esse aspecto por conta da curva melódica decrescente:

No leito mole da molhada areia

/no’leyto’mↄle/ - /damo’ʎada’ɾeya/

1 2 0 3 0 1 1 2 1 3 0

Manso repousem a beleza morta

/’mãsore’powzẽȳ/ - /abe’leza’mↄrta/

2 0 1 3 0 1 1 2 0 3 0

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Dessa forma, nos versos, apesar das irregularidades, em todos os grupos de

força a entonação se mantém decrescente correspondendo ao movimento das

águas do mar, como no início da estrofe. A aliteração das nasais ainda pode

remeter ao lamento do enunciador, também intensificado pela entonação

decrescente. Esse traço fonoestilístico acontece em todo o poema e para

demonstrar isso tomamos a terceira estrofe do texto como exemplo:

Irmã chorosa a suspirar desfolhe No seu dormir da laranjeira as flores, Vistam-na de cetim, e o véu de noiva Lhe desdobrem das faces nos palores.

A irmã à qual o enunciador refere-se pode ser a própria virgem morta,

pois ela é quem está a suspirar desfolhe e ela é quem dorme como da

laranjeira as flores. Entendemos a escolha do vocábulo como uma relação

metafórica ao amor não carnal, por conta da representação que a palavra irmã

tem na cultura Cristã, a qual os românticos, em aspecto geral, retomam. A

figura pode tanto estabelecer o conceito de alguém próximo no âmbito familiar,

ou seja, possuir o mesmo sangue, como o de uma mulher que faz parte da

igreja, temente a Deus e que jurou o celibato, não lhe sendo permitido ter

qualquer tipo de relação física com um homem.

No mesmo trecho, a entonação intensifica a impressão criada pela

recorrência dos fonemas nasais e se relaciona à ideia de tristeza transmitida

pelos vocábulos chorosa e suspirar, pois são vocábulos que “compreendem a

consequência da melancolia” (HOUAISS, 2008), e de morte em desfolhe,

dormir e palores, que criam as metáforas e a metonímia que a representam. O

verbo desfolhar denomina algo que se “esgota aos poucos”, enquanto dormir

pode ser definido como “estar sepultado” ou “jazer”. No caso de palores

corresponde à “falta de viço, de vigor”, que é a característica de um corpo.

As formas verbais, bem como os adjetivos empregados nos versos

desse fragmento, podem representar a saudade, a melancolia etc. No primeiro

momento do poema, o enunciador dirige-se a um interlocutor indeterminado,

pedindo-lhe para que deixem a virgem no mar, como observamos nos verbos

em negrito e nos adjetivos em itálico:

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Nas horas em que a tarde moribunda As nuvens roxas desmaiando corta, No leito mole da molhada areia Manso repousem a beleza morta Irmã chorosa a suspirar desfolhe No seu dormir da laranjeira as flores, Vistam-na de cetim, e o véu de noiva Lhe desdobrem das faces nos palores. Vagueie em torno, de saudosas virgens, Errando a noite, a lamentosa turma; Nos cânticos de amor e de saudade Junto às ondas do mar a virgem durma.

Nota-se, em relação aos verbos, que eles primeiramente se dirigem ao

interlocutor usando a forma imperativa, de repousar, vestir e desdobrar,

como se o enunciador estivesse fazendo um pedido às pessoas que,

supostamente, carregam o corpo de sua noiva.

Os adjetivos relacionados à virgem correspondem à ideia de tristeza e

melancolia por estarem ligados à sua morte, também atrelados ao uso do

subjuntivo do verbo dormir junto às ondas do mar e de seus cânticos de amor e

de saudade, expressando que sentirá falta da noiva.

A seleção lexical do trecho abaixo apresenta o frame de uma cerimônia

de sepultamento, como percebemos, no primeiro verso da estrofe pelas

palavras rosa, leito, prantos, túmulo:

Quero eu mesmo de rosa o leito encher-lhe E de amorosos prantos perfumá-la, E a essência dos cânticos divinos, No túmulo da virgem derramá-la. Que importa que ela durma descorada, E velasse o palor a cor do pejo? Quero a delícia que o amor sonhava, Nos lábios dela pressentir num beijo.

O enunciador, junto a todos esses aspectos que aludem à mulher, dá

ênfase à pureza e à virgindade da amada. Esse destaque ocorre por conta do

vestido de noiva, que se enquadra como uma segunda metáfora, representado

metonimicamente pelo véu:

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Vistam-na de cetim, e o véu de noiva Lhe desdobrem das faces nos palores. (...) Ó minha amante, minha doce virgem, Eu não te profanei e dormes pura:

A imagem da noiva, na época em que o poema foi escrito, representava

a virgindade da mulher, já que era condenada a relação sexual antes do

casamento. Uma vez que ela estava com o vestido de noiva, entendemos que

eles não conseguiram casar-se, por conta da morte da mulher, e que, por isso,

ela continuou pura.

Ao falar da relação que tinha com a virgem, ele diz que não a profanou.

O verbo faz oposição ao conceito do divino. Como no trecho o eu lírico diz Eu

não te profanei e dormes pura, entendemos que ele se coloca como um

homem de moral inferior à de sua amada, pois ele seria o profanador de seu

corpo. Isso faz com que haja uma ênfase com relação à pureza da noiva do

enunciador, ou seja, ele faz com que a virgem seja divinizada.

Outro ato de exaltação à imagem da mulher como um ser divino é o

trecho seguinte:

Desbotada coroa do poeta, Foi ela mesma quem prendeu-te flores... Ungiu-as no sacrário de seu peito Inda virgem do alento dos amores... Na minha fronte riu de ti passando Dos sepulcros o vento peregrino... Irei eu mesmo desfolhar-te agora Da fronte dela no palor divino!... E contudo eu sonhava! e pressuroso Da esperança o licor sorvi sedento! Ah! Que tudo passou! – só tenho agora O sorriso de um anjo macilento!

Os substantivos grifados podem ser interpretados como: sacrário, que é o lugar

onde ficam os melhores sentimentos, e está ligado ao peito, ou seja, o coração

da noiva, assim como alento, que significa entusiasmo, o que contrapõe ao

estado do eu lírico, que tem um sorriso macilento. No último verso ele diz que a

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fronte da amada possui um palor divino, o que ressalta os substantivos que

destacamos.

Notamos que nesse fragmento, por apresentar informações que dão à

amada uma característica sagrada, a sonoridade é mais aberta pela

recorrência do uso da vogal /a/ na seguinte estrofe:

Desbotada coroa do poeta, Foi ela mesma quem prendeu-te flores... Ungiu-as no sacrário de seu peito Inda virgem do alento dos amores...

A assonância da vogal aberta se contrapõe à recorrência dos sons

fechados, tanto por fonemas nasais como por vogais posteriores, que

representam, como no todo do poema, o lamento do enunciador. Esse

paradoxo dado pelos efeitos fonoestilísticos intensificam o tom melancólico do

trecho, pois ao mesmo tempo que ele enaltece a imagem da amada, por ela

ser pura e divina, e por ter falecido, causa-lhe mais tristeza e por isso ele

expressa seu sofrimento.

A entonação decrescente, como nos exemplos anteriores, reforça o

lamento proferido pelo enunciador, quando atrelada à motivação sonora dos

sons nasais, como mostramos nesses dois versos a seguir:

Desbotada coroa do poeta

/desbo’tada/ - /ko’ɾoadopo’ɛta/

1 1 3 0 1 2 0 1 1 3 0

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Ungiu-as no sacrário de seu peito

/ũ’ӡiwaznosa’kɾaɾiw/ - /desew‘peyto/

1 2 0 1 1 3 0 1 1 3 0

O fragmento também alude à imagem da coroa de louros, objeto

entregue a atletas e poetas da Grécia antiga e ao qual o enunciador se dirige

como um interlocutor. Como ele a relaciona, a coroa de louros,

metaforicamente à amada, entendemos representar o próprio enunciador. Ele

lhe atribui a característica de desbotada, que de acordo com o dicionário

Houaiss (2008), pode ser algo que “está esmaecido”, que se refere a algo que

“perdeu vigor, esmorecido”. Ele se coloca dessa forma por estar sofrendo com

a morte da mulher amada. Isso se confirma com o uso dos verbos no passado,

prendeu e ungiu, que se referem à mulher. Ele diz que ela prendeu flores à

coroa, que é desbotada, de maneira que as flores a deixaram colorida, ou seja,

com vida, o que nos leva a interpretar o trecho como a presença da amada

deixar o enunciador vivo. Essas flores foram ungidas no sacrário do peito de

sua noiva, simbolizando a imagem do corpo com flores em um funeral. A forma

no pretérito perfeito enfatiza a tristeza por sugerir uma expressão de saudade

por parte do eu lírico, pois ele utiliza esse tempo verbal que alude a uma ação

no passado terminada, ou seja, todas as ações da amada nunca mais

acontecerão.

Como consequência dessa perda, novamente apontada pelo

enunciador, duas estrofes depois ele aponta que apenas resta para ele, agora,

um sorriso macilento. O adjetivo significa sem o viço que se nota nas pessoas

com saúde; abatido, descorado ou pálido (Idem, Ibidem), reafirmando seu

estado de sofrimento após a morte da amada.

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Em outro momento, o enunciador diz que desfolhará a coroa, ou seja, se

a coroa representa a ele próprio e as flores a vida que a noiva lhe deu, logo a

cena alude à saída da virgem de sua existência, fazendo com que ele se sinta

sem vida outra vez. Aliado a essa relação, na estrofe seguinte ele explica que

sonhava com a mulher amada, o que indica que ele não o faz mais, pois ele já

se alimentou da esperança (Da esperança o licor sorvi sedento) e agora tudo

acabou. Há uma aliteração nesse verso que remete ao ato de sorver o líquido,

dada pelas fricativas /s/ e /v/: Da esperança o licor sorvi sedento.

As pausas no texto, operadas pela pontuação, também carregam traços

de expressividade sonora pertinentes à formação do tom melancólico.

Observamos esses efeitos num trecho já destacado neste trabalho:

Desbotada coroa do poeta, Foi ela mesma quem prendeu-te flores... Ungiu-as no sacrário de seu peito Inda virgem do alento dos amores... Na minha fronte riu de ti passando Dos sepulcros o vento peregrino... Irei eu mesmo desfolhar-te agora Da fronte dela no palor divino!... E contudo eu sonhava! e pressuroso Da esperança o licor sorvi sedento! Ah! Que tudo passou! – só tenho agora O sorriso de um anjo macilento!

A princípio, o enunciador utiliza uma vírgula ao fim do verso fazendo

com que o sintagma desbotada coroa do poeta desempenhe o papel de

vocativo. Após esse recurso, ele comenta sobre a amada e entre as ações são

utilizadas reticências, ou seja, uma pausa mais longa que pode remeter à

dificuldade do eu poético em falar sobre sua noiva morta, já que o trecho se

refere às lembranças que o enunciador tem dela.

Além da relação que é estabelecida, metaforicamente, pelas flores e a

coroa de louros, há outra representação que remete ao mar. Notamos a

intertextualidade existente em relação ao episódio do Gigante Adamastor em

Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões. Nele, Adamastor conta que sofreu uma

desilusão amorosa e, por conta disso, exilou-se em frente às águas do Cabo

das Tormentas, o qual ele representa metaforicamente, no texto do poeta

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português. Adamastor passa séculos olhando as águas do mar e lamentando

sua desilusão. No caso do poema de Álvares de Azevedo, o enunciador sofre

por conta de sua amada e diz que ficará se lamentando em frente às águas do

mar:

Quero ali ao luar, sentir passando Por alta noite a viração marinha, E ouvir, bem junto às flores do sepulcro, Os sonhos de sua alma inocentinha.

No meio do texto há uma nova mudança de coenunciador, dirigindo-se,

dessa vez, à própria virgem. No trecho abaixo percebemos que o tom

melancólico ainda se mantém e que agora o eu poético diz que em breve ele

será junto à sua noiva, o que indica um estado permanente e

consequentemente sua morte, pois para que ele seja com a amada é preciso

que ele faça parte do mesmo plano em que ela se encontra. Como ela está

morta, ele terá de esperar morrer para assim encontrá-la:

Ó minha amante, minha doce virgem, Eu não te profanei e dormes pura: No sono do mistério, qual na vida, Podes sonhar apenas na ventura. Bem cedo ao menos eu serei contigo - Na dor do coração a morte leio... Poderei amanhã, talvez, meus lábios Da irmã dos anjos encostar no seio... E tu, vida que amei! pelos teus vales Com ela sonharei eternamente, Nas noites junto ao mar, e no silêncio, Que das notas enchi de lira ardente!...

Há reverberação de sons nasais neste trecho, como no restante do

poema, para expressar o lamento do enunciador, como podemos perceber nas

marcações abaixo:

Ó minha amante, minha doce virgem, Eu não te profanei e dormes pura: No sono do mistério, qual na vida, Podes sonhar apenas na ventura. Bem cedo ao menos eu serei contigo - Na dor do coração a morte leio... Poderei amanhã, talvez, meus lábios Da irmã dos anjos encostar no seio...

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E tu, vida que amei! pelos teus vales Com ela sonharei eternamente, Nas noites junto ao mar, e no silêncio, Que das notas enchi de lira ardente!...

Esses fonemas, como já aludido, correspondem à impressão de lamento, como

se, por conta do fechamento bucal, as nasais remetessem a uma pessoa que

fala num tom de voz muito baixo e de modo triste, já que os outros versos

referem-se a essa ação do enunciador perante a morte de sua amada:

Qu’esperanças, meu Deus! E o mundo agora Se inunda em tanto sol e céu da tarde! Acorda, coração!... Mas no meu peito Lábio da morte murmurou – É tarde! É tarde! e quando o peito estremecia Sentir-me abandonado e moribundo! É tarde! é tarde! ó ilusões da vida, Morreu com ela da esperança o mundo!

O trecho possui uma relação paradoxal entre os sentimentos das outras

pessoas e do enunciador. Enquanto “o mundo” se inunda em tanto sol e céu da

tarde, ou seja, as pessoas estão felizes, já que essa é uma imagem bela, o eu

lírico perde a esperança de que sua noiva esteja viva e por isso está triste, por

isso, seu discurso é construído a partir da sonoridade que gera a impressão de

lamento, dando-se a ênfase por meio da recorrência desses sons nasais.

Dessa forma, pudemos observar que a entonação se relaciona com a

estrutura do texto por todos os seus versos terminarem em paroxítonas, o que

faz com que a sílaba pós-tônica tenha valor zero, ou seja, há uma queda na

entoação em quase todos os versos, além de quase todas as frases dos textos

serem declarativas, o que faz com que a entoação quase sempre seja

decrescente, ajudando a corroborar o tom melancólico.

Os trechos que destacamos mostram a formação do tom melancólico

por meio da escolha lexical, que corrobora a formação do tom discursivo, e por

meio da sonoridade, contendo valor expressivo por dar ênfase aos vocábulos

que ilustram melhor a tristeza e o lamento do enunciador do texto em questão.

Notamos que muitas vezes, os vocábulos, tanto no nível do discurso

como no nível fonético, foram destacados por causa da estrutura sintática das

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frases do poema, pois a inversão na organização das sentenças faz com que

os vocábulos que representam o sentimento melancólico ganhem ênfase, além

da estrutura sintática influenciar o ritmo dos versos.

3.4 A despedida

A análise a seguir trata do poema Despedidas à... Ele remete ao

lamento de um enunciador que sofre por ter de se separar da mulher amada,

que por sua vez não corresponde a essa paixão, tema muito comum na obra

de Álvares de Azevedo. Nota-se que mesmo não sendo retribuído, o eu poético

nutre o sentimento platônico e afirma que sentirá falta de vê-la e contemplá-la.

Despedidas à... Se entrares, ó meu anjo, alguma vez Na solidão onde eu sonhava em ti Ah! volta uma saudade aos belos dias Que a teus joelhos pálido vivi! Adeus, minh’alma, adeus! eu vou chorando... Sinto o peito doer na despedida... Sem ti o mundo é um deserto escuro E tu és minha vida... Só por teus olhos eu viver podia E por teu coração amar e crer, Em teus braços minh’alma unir à tua E em teu seio morrer! Mas se o fado me afasta da ventura, Levo no coração a tua imagem... De noite mandarei-te os meus suspiros No murmúrio da aragem! Quando a noite vier saudosa e pura, Contempla a estrela do pastor nos céus, Quando a ela eu volver o olhar em pranto Verei os olhos teus! Mas antes de partir, antes que a vida Se afogue numa lágrima de dor, Consente que em teus lábios num só beijo Eu suspire de amor!

Sonhei muito! Sonhei noites ardentes Tua boca beijar eu o primeiro! A ventura negou-me... até mesmo O beijo derradeiro!

Só contigo eu podia ser ditoso, Em teus olhos sentir os lábios meus!

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Eu morro de ciúme e de saudade, Adeus, meu anjo, adeus!

A despedida à qual o título se refere é feita à mulher amada do

enunciador. Contudo essa informação é escondida, a princípio, pela

interrupção da frase, dada pelo uso das reticências que estão após a

preposição presente na contração à, que indica direcionamento. Com isso,

somente na interpretação do texto notamos que a donzela é a coenunciadora.

O título incompleto pode antecipar os outros efeitos estilísticos que são dados

no decorrer do poema, aludindo ora à despedida à amada e ora à despedida a

si próprio.

O enunciador despede-se de sua dama, dando-lhe nomes divinos, como

em Se entrares, ó meu anjo, alguma vez, ou colocando-a como seu próprio ser:

Adeus, minh’alma, adeus! eu vou chorando... sendo eles enfatizados por

estarem posicionados em vocativos. Essas características ajudam a explicar o

tom melancólico no poema quando relacionadas:

às próximas estrofes do poema, que apresentam a confissão do

enunciador;

à sonoridade do poema que, combinada ao tema, determina o tom

melancólico.

O texto, então, desenvolve-se a partir de uma lamentação por conta da

partida do próprio enunciador. Ela é expressa, estilisticamente, por meio de

efeitos sonoros que sugerem o tom de voz baixo e melancólico, como apontado

nas análises anteriores, dado pelas aliterações dos fonemas nasais e a

assonância das vogais altas e média altas:

Se entrares, ó meu anjo, alguma vez Na solidão onde eu sonhava em ti, Ah! volta uma saudade aos belos dias Que a teus joelhos pálido vivi!

Os dois últimos versos da estrofe possuem a outra assonância: a da

vogal /a/, referindo-se ao divino, relacionado-se ao vocativo ó meu anjo. A

figura de linguagem também pode remeter à alegria, pois ao lembrar-se da

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amada lhe volta uma saudade aos belos dias, que ele viveu pálido aos joelhos

da donzela:

Ah! volta uma saudade aos belos dias Que a teus joelhos pálido vivi!

O verso apresenta uma relação de submissão do enunciador em

respeito à amada, pois ele sente saudade dos dias, que ele julga terem sido

belos, que viveu pálido aos joelhos dela, ou seja, que ele a admirava sem

forças ou reação para tomar alguma atitude, intensificando o platonismo

expresso no trecho.

Essa distância entre o eu e sua dama destaca o tom melancólico por

haver uma ênfase expressiva dada pelo uso do substantivo solidão. O vocábulo

deixa de ser abstrato para ganhar o status de concreto, quando o enunciador o

relaciona ao verbo entrar seguido da preposição em mais o pronome relativo

onde. Todas essas palavras indicam um local que, no caso desse fragmento, é

a própria solidão.

O fato de o verbo entrar estar conjugado no tempo futuro do modo

subjuntivo indica uma “incerteza” (BECHARA, 2009). Dessa maneira o tom

melancólico é intensificado, pois ele levanta essa hipótese, que interpretamos

como um convite por conta do uso da conjunção condicional se, mais a

aplicação do tempo futuro, sem saber ou já não esperando que a amada vá até

onde fica sua solidão.

Quando esses sentidos são relacionados à entonação, percebemos

outras ênfases expressivas possíveis, como no caso da rima entre os versos

dois e quatro com as palavras ti e vivi, os quais terminam em entonação

crescente e corroboram a exaltação, ou até mesmo a euforia do poeta, por

lembrar do tempo em que contemplava a imagem da amada:

Na solidão onde eu sonhava em ti,

/nasoli’dãῶ/ - /õdewso’ɲavẽȳ‘ti/

1 1 1 3 1 1 1 2 1 3

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Que a teus joelhos pálido vivi

/kyatewzӡo’eʎos/ - /’palidovi’vi/

1 1 1 3 0 2 0 0 1 3

Podemos também interpretar a entonação crescente desses dois versos

como a ênfase à relação de dependência entre o enunciador e a amada, pois é

por ela que ele vivia pálido e sem viço, admirando-a.

O trecho também possui um ritmo encadeado pelo enjambement, que,

como observamos na análise passada, desempenha uma função de junção

entre a pronúncia de um verso a outro. Assim aproximam-se mais as ideias que

expressam a solidão, entre os versos um e dois, e o platonismo entre os versos

três e quatro:

Se entrares, ó meu anjo, alguma vez

Na solidão onde eu sonhava em ti,

Ah! volta uma saudade aos belos dias

Que a teus joelhos pálido vivi!

Outros efeitos estilísticos também corroboram o tom melancólico no

momento em que ele se despede da mulher amada, contudo fonologicamente,

o matiz expressivo dá-se tanto pelos fonemas nasais, como pelos ditongos

decrescentes e os sons fricativos. Esses últimos aludem aos suspiros e ao

choro do enunciador, que são citados mais de uma vez no decorrer do poema.

Assim em:

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Adeus, minh’alma, adeus! Eu vou chorando... Sinto o peito doer na despedida... Sem ti o mundo é um deserto escuro E tu és minha vida...

notamos que esses sons combinados reforçam a lamentação do enunciador.

Esses traços são relacionados a outros também de caráter sonoro e lexicais.

Primeiramente, o verso apresenta um destaque para o vocativo minh’alma

usado para se referir à mulher. Dessa forma, como referimos no princípio desta

análise, ele destaca, mais uma vez a relação de dependência entre o viver dele

e o da amada, pois ao chamá-la de minh’alma ele afirma que ela é sua própria

essência, ou seja, sua própria vida. Ele o faz no momento da despedida,

intercalando o vocativo entre a repetição da interjeição adeus, dando também

ênfase ao fato de que ele não a verá tão cedo, pois o vocábulo remete a um

período mais longo do que tchau ou até logo.

A palavra alma é usada no vocativo, provavelmente por aludir melhor à

ideia de ”essência do ser” (HOUAISS, 2008) que a palavra vida, que remete à

existência, ao ocupar um espaço na sociedade e cumprir suas funções (Idem,

Ibidem). Fonologicamente a palavra também expressa melhor o sentimento

melancólico por possuir uma nasal, combinando com a aliteração do restante

da estrofe, portanto vida não conseguiria estabelecer a motivação sonora.

Além desse fato, esse vocativo ainda implica a divisão desse verso em

quatro grupos de força, sendo dois crescentes e dois decrescentes. Os

primeiros são somente formados pela interjeição adeus:

Adeus

/a’dews/

1 3

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Os decrescentes são formados por:

Minh’alma - Eu vou chorando...

/mῖɲ’alma/ - /ew‘vow∫o’ɾãdo/

1 3 0 1 2 1 3 0

Considerando que ele está triste por se despedir de sua amada, o

vocativo acaba aludindo ao tom de voz mais baixo, representando tristeza. O

mesmo acontece na oração eu vou chorando..., que apresenta um

alongamento na vogal nasal /ã/, que, referente à forma verbal no gerúndio,

indica continuidade, sendo enfatizada pelas reticências após o uso do verbo.

Essa pontuação também pode remeter à hesitação em dizer o que sente, como

se o enunciador não conseguisse falar de emoção por estar comovido. Esse

efeito se realça, com a tensão rítmica, que o verso também possui e reitera a

disritmia17 que percorre o poema, podendo representar o estado emocional do

eu lírico por conta de sua tristeza:

A - deus,- mi - nh’al - ma, a - deus! eu vou cho - ran - do...

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

ou

A - deus,- mi - nh’al - ma, a - deus! eu vou cho - ran - do...

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

A disritmia não acontece somente nos casos de tensão rítmica. Ela

também se dá nos dois versos seguintes, sendo o primeiro um decassílabo

17

Entendemos disritmia como uma instabilidade gerada pelo ritmo alterado ou anormal. Essa concepção do vocábulo é dada pelo Dicionário HOUAISS de Língua Portuguesa (2009).

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heroico e o segundo um decassílabo sáfico. A estrofe, então, termina com um

verso pentassílabo, reiterando o descompasso do trecho e relacionando-o mais

uma vez às emoções do enunciador, que assume sentir que o mundo é triste

sem sua presença, dado pela metáfora deserto escuro e conclui que ela, a

amada, é sua vida:

Sin - to o – pei – to – do – er - na – des – pe – di - da...

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Sem - ti - o – mun - do é – um – de – ser - to es – cu – ro

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

E - tu és – mi – nha – vi - da...

1 2 3 4 5

Notamos ainda que na frase o mundo é um deserto escuro há uma

combinação das vogais altas e média altas /ũ/, /o/,/e/ e /u/, que remetem à ideia

de escuridão e tristeza. Como critério de intensificação da expressividade

melancólica, o mesmo trecho ainda possui entonação decrescente em todos os

versos, dos quais destacamos os três últimos por já termos explanado sobre o

primeiro. Assim, esse traço suprassegmental alia-se a outros aspectos, como a

combinação dos sons nasais, fricativos, as vogais fechadas e os ditongos

decrescentes, para gerar a impressão de alguém que lamenta, como podemos

observar abaixo:

Sinto o peito doer na despedida...

/’sῖto’peyto/ - /do’ernadespe’dida/

2 1 3 0 1 2 1 1 1 3 0

Utilizamos essa definição por considerarmos que ela consiga caracterizar melhor as alterações rítmicas causadas no poema.

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Sem ti o mundo é um deserto escuro

/sẽȳ’ti/ - /o’mũdo’ԑ/ - /ũde’zԑrtwes’kuro/

1 3 1 2 1 3 1 1 2 1 3 0

E tu és minha vida

/e’tu’ԑz/ - /’mῖɳa’vida/

1 2 3 2 0 3 0

As curvas também nos ajudam a observar melhor a irregularidade dos

versos, pois os blocos possuem sílabas tônicas em maior quantidade, fazendo

com que a cadência do trecho seja mais irregular, aliando-se ao discurso do

enunciador, que representa, em sua pouca fluência, repetição etc, a confusão

de sentimentos, corroborando, assim como os demais efeitos observados, o

tom melancólico que se prolonga por todo o texto, como podemos observar na

quarta estrofe do poema:

Mas se o fado me afasta da ventura, Levo no coração a tua imagem... De noite mandarei-te os meus suspiros No murmúrio da aragem!

O fragmento apresenta características como as citadas anteriormente

com relação à combinação dos sons nasais e fricativos, relacionados à

entonação decrescente, porém com a diferença de que esse trecho também

pode representar os murmúrios e os suspiros citados nos dois últimos versos:

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Mas se o fado me afasta da ventura, Levo no coração a tua imagem... De noite mandarei-te os meus suspiros No murmúrio da aragem!

O trecho também possui uma oposição entre dois substantivos que

definem o sentimento melancólico do enunciador no primeiro verso: Mas se o

fado me afasta da ventura, onde fado refere-se ao mau destino e ventura à

sorte. Esses substantivos estão relacionados a uma situação de condição: se o

fado me afasta da ventura/Levo no coração a tua imagem... Entendemos o

vocábulo fado, então, como a necessidade do enunciador de partir e a ventura

como viver ao lado de sua dama.

Há novamente o uso de reticências depois do vocábulo imagem,

gerando uma incompletude no verso, como se o enunciador não conseguisse

se expressar quanto ao que sente. Esse fato atrelado à disritmia da estrofe dá

maior ênfase às emoções confusas do eu lírico. Assim em:

Mas se o fado me afasta da ventura

/maseo’fadomya’fasta/ - /davẽ’tuɾa/

1 1 2 0 1 3 0 1 1 3 0

Levo no coração a tua imagem...

/’lɛvonokoɾa’sãῶ/ - /atui’maӡẽȳ/

2 0 1 1 1 3 1 1 1 3 0

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notamos três pontos que corroboram o tom melancólico: já aludimos à quebra

no ritmo, portanto as curvas apenas comprovam que a entonação dos grupos

de força não respeitam nenhum padrão, reiterando as emoções exaltadas do

eu poético; outro fator importante é a separação dos blocos sonoros no

primeiro verso, pois, em o fado me afasta da ventura, as palavras fado e

ventura são efetivamente distanciadas no momento da leitura, o que destaca

também a separação do enunciador e de sua donzela; por fim, em imagem, por

conta das reticências, notamos que a pronúncia decrescente é um pouco mais

alongada, deixando em suspenso o que ele continuaria a dizer.

A disritmia é reiterada, nos dois últimos versos por outro enjambement,

ligando um verso decassílabo, ou seja, extenso, a um sexteto, destacando o

último trecho da estrofe:

Mas se o fado me afasta da ventura,

Levo no coração a tua imagem...

De noite mandarei-te os meus suspiros

No murmúrio da aragem!

Esse último verso também está em evidência por rimar com o segundo

em imagem/ aragem, porém, com a diferença de haver um ponto de

exclamação, ao fim da estrofe, marcando uma entonação mais forte:

No murmúrio da aragem!

/nomur’muɾiwda’ɾaӡẽȳ/

1 1 2 0 1 3 0

Após expor à amada. o que sente a respeito dela e o que ela representa

a ele, o enunciador direciona-se à amada, pedindo para ela consentir que em

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seus lábios ele suspire de amor, nos lábios dela, antes que a vida se afogue

em uma lágrima de dor:

Mas antes de partir, antes que a vida Se afogue numa lágrima de dor, Consente que em teus lábios num só beijo Eu suspire de amor!

Por conta da repetição do advérbio de tempo antes, uma impressão de apelo é

criada. A palavra encontra-se em grupos de força diferentes que são separados

por vírgula, indicando uma pausa curta que intensifica o uso do vocábulo:

Mas antes de partir, antes que a vida

/mas’ãtesdepar’tir/ - /’ãteskya’vida/

A conjunção adversativa Mas contrasta a ideia de sofrimento da partida

com o pedido que o enunciador faz à amada. Dessa forma, como se tentasse

convencê-la, ele compara sua ida à tristeza, que sentirá utilizando por meio de

um paradoxo em antes que a vida/ Se afogue numa lágrima de dor. Notamos

que esse efeito, na frase, é dado por não ser possível afogar algo em uma

lágrima, muito menos a vida, na qual não se pode realizar esse tipo de ação.

Essa figura remete à melancolia que o enunciador sentirá após sua partida,

sendo enfatizada pela locução adjetiva de dor, que caracteriza lágrima.

A seleção lexical do trecho realça a submissão com que o enunciador

dirige-se à mulher, pois, como retrata Mário de Andrade, na obra do autor “se

observa frequentissimamente, em quase todas as citações, ele está

expressivamente indolente, entregue, sem nenhuma iniciativa, sem atividade”

(In: Obra Completa, 2000; p. 74). No caso desse fragmento, consentir remete a

dar a permissão de algo, estar de acordo, concordar etc. Ao usá-lo no

imperativo, ele estabelece outro paradoxo, pois esse modo verbal é utilizado,

na maioria das vezes, para fazer um pedido mais incisivo ou dar uma ordem,

contudo, o verbo, apesar da forma pela qual está sendo aplicado, compreende

a dependência da vontade da amada em conceder ou não esse pedido.

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O enunciador ainda intensifica o contexto de submissão por conta do

verbo suspirar, que nesse contexto exprime uma ação de enternecimento,

porém ele não a quer beijar, já que ela é um anjo, um ser divino para o eu

poético, ou seja, ele não quer profaná-la.

Combinado aos fatos lexicais, o som também destaca a expressividade

melancólica por dois aspectos. O primeiro ocorre nos versos iniciais do

fragmento que têm o ritmo ligado pelo enjambement:

Mas antes de partir, antes que a vida

Se afogue numa lágrima de dor,

Diferente da junção anterior, nesse caso se reitera certa regularidade da

acentuação no momento do encadeamento. Esse desenho tonal, porém, é

modificado no último grupo de força:

Mas antes de partir, antes que a vida

/mas’ãtesdepar’tir/ - /’ãteskya’vida/

1 2 0 1 1 3 2 0 1 3 0

Se afogue numa lágrima de dor

/sya’fↄge/ - /nũma’lagɾimadedor/

1 3 0 1 1 2 0 0 1 3

Desse modo o ritmo se mantém similar na passagem de um verso a outro e,

como consequência, notamos que os vocábulos acentuados, antes, vida e

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afogue são paroxítonos e entre cada sílaba tônica ou subtônica há duas sílabas

átonas, mantendo a mesma cadência.

Entre os dois últimos grupos de força do exemplo acima, percebemos

haver a mudança no último desses blocos sonoros, instaurando uma disritmia

na qual duas sílabas átonas antecedem a subtônica e três antecedem a tônica,

destacando o substantivo dor e enfatizando a comparação entre o ato de partir

e o sofrimento por estar longe da dama. Esse verso rima com o último:

Eu suspire de amor

/ewsus’piɾedya’mor/

1 1 2 0 1 3

A curva do verso é crescente, demonstrando exaltação. A tônica do

grupo de força recai sobre o substantivo amor, de maneira que a rima feita

entre os vocábulos opostos realce a diferença que o enunciador diz haver em

sua vida, junto à dama e longe dela, sendo o primeiro caso relativo à felicidade

por amá-la e o segundo à dor que sentirá pela distância.

Na estrofe seguinte, então, o eu poético parece explicar a razão de seu

pedido, ressaltando a não correspondência de seu amor e o platonismo, por

usar o verbo sonhar e o advérbio de modo muito, seguido de um ponto de

exclamação, podendo corresponder à emoção forte que o enunciador sente ao

lembrar esse fato:

Sonhei muito! Sonhei noites ardentes Tua boca beijar eu o primeiro! A ventura negou-me... até mesmo O beijo derradeiro!

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Assim como nos versos analisados anteriormente, há repetição de um

vocábulo, nesse caso, do verbo sonhar. Nesse contexto, o vocábulo é aplicado

como entregar-se a fantasias e devaneios (HOUAISS, 2009) e está conjugado

no pretérito perfeito do indicativo, sugerindo que ele desistiu de fazê-lo, já que

o tempo verbal subentende uma ação no passado que está concluída.

O verso também causa um estranhamento por estabelecer relação com

a oração seguinte, pois, assim, noites ardentes parecem remeter a um

momento específico, de modo que o sintagma possui a elipse da preposição

em, que o indicaria com mais precisão: Sonhei (em) noites ardentes/Tua boca

beijar eu o primeiro. Esse efeito estilístico corrobora a impressão de que o

adjunto adverbial de lugar funciona como objeto direto da frase, dando

características a esse sonho e intensificando o sentimento de desejo pela

amada.

Na oração seguinte, o enunciador cita o que sonhou. Assim, em Tua

boca beijar eu o primeiro! há uma inversão sintática que destaca o segundo

grupo de força que apresenta o pronome em primeira pessoa mais o artigo

definido, destacando aquilo que o eu lírico desejava ser, ou seja, o primeiro a

beijar a amada. A frase termina com um ponto de exclamação que destaca

esse último sintagma e expressa, novamente, o caráter exaltado por conta das

emoções sentidas pelo eu.

A pontuação do restante da estrofe continua a enfatizar termos que

corroboram o tom melancólico, como na divisão dos blocos sonoros em A

ventura negou-me... até mesmo, que possui uma pausa longa por conta das

reticências. Elas destacam o termo até mesmo, correspondente a inclusive,

realçando o encadeamento entre esse verso e o seguinte:

A ventura negou-me... até mesmo

O beijo derradeiro!

Então a amada nega até mesmo/ O beijo derradeiro!, trecho que

também é terminado com o ponto de exclamação, de forma que a frase

nominal expressa a exaltação por lembrar-se de que a amada negou-lhe o

beijo que seria o único, pois derradeiro remete ao “último de uma sequência”

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(Idem, Ibidem). Essa palavra rima com o numeral primeiro no segundo verso.

Os dois expressam ideias opostas, pois o beijo que, para ela, será o primeiro

para ele será o último.

As vogais altas e semialtas do fragmento, combinadas aos ditongos

decrescentes /ey/ e /ow/ e os fonemas nasais reiteram a ideia de lamento, pois

o enunciador também se sente amargurado por não ter recebido o beijo que

esperava da amada. Assim:

Sonhei muito! Sonhei noites ardentes

Tua boca beijar eu o primeiro!

A ventura negou-me... até mesmo

O beijo derradeiro!

A combinação desses fonemas, assim como em outros pontos desta

mesma análise e das anteriores, gera a motivação sonora do lamento que

também está atrelada às pausas que abordamos anteriormente. Um exemplo

são os fonemas nasais em sonhei muito, uma vez que os sons nasais sugerem

a demora, o alongamento e a lentidão, remetendo à quantidade de tempo que

o enunciador sonhou com o beijo de sua dama, intensificando o sofrimento e o

platonismo, que se estende à última estrofe:

Só contigo eu podia ser ditoso, Em teus olhos sentir os lábios meus! Eu morro de ciúme e de saudade, Adeus, meu anjo, adeus!

O fragmento expressa, novamente, a relação de submissão que o

enunciador tem com a amada, pois ele exclui quaisquer outras possibilidades

amorosas ao dizer só contigo eu podia ser ditoso, já que o advérbio só, que

significa “somente, apenas” (Idem, Ibidem) refere-se ao pronome contigo, o

qual ele diz que podia ser ditoso, ou seja, que ele podia ser feliz, pois o verbo

poder, no trecho, indica possibilidade e, atrelado ao verbo ser no infinitivo,

alude a um estado de existência permanente, o qual ele associa ao adjetivo

ditoso, definido como “venturoso, feliz, afortunado” (Idem, Ibidem).

Implicitamente é sugerido que o eu poético, então, não pode ser ditoso com

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outra pessoa, de modo que ele não é e não será feliz, já que se despede de

sua dama.

Ao verso também corresponde léxico e sonoridade, quando analisamos

as curvas melódicas que representam a entonação decrescente:

Só contigo eu podia ser ditoso

/sↄkõ’tigwewpo’dia/ - /’serdi’tozo/

1 1 2 1 1 3 0 2 1 3 0

Como as curvas demonstram, a cadência do trecho remete ao falar em

tom de voz baixo, como em outras situações analisadas neste trabalho. Dessa

maneira, ele realça a sua tristeza.

Os dois últimos versos, por fim, aludem à partida definitiva do eu lírico,

primeiramente sendo feita uma confissão, a de que ele morre de ciúme e de

saudade. Morrer de alguma coisa, referindo-se a sentimentos, é uma hipérbole

já popularizada em nosso idioma, e demonstra intensificação daquilo que

sente. Ele os relaciona aos substantivos ciúme e saudade. O primeiro ocorre

por conta dos fatos que se passam nas duas estrofes anteriores: o fato de a

mulher não lhe corresponder o amor e não consentir em lhe dar o beijo

derradeiro; já no caso do segundo, a saudade dá-se pela partida do eu, como

comentado no percurso da análise.

Há, entre os grupos de força do fragmento, uma separação entre eu

morro e de ciúme e de saudade. A ênfase dada pelo verbo morrer é

intensificada por essa quebra, que ajuda a corroborar a expressividade

melancólica, bem como a entonação decrescente que também ocorre nesse

verso:

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Eu morro de ciúme e de saudade

/ew’moro/ - /desi’umedesaw’dade/

1 3 0 1 1 2 1 1 1 3 0

A entonação desse verso difere do seguinte, que termina o poema com

a seleção lexical similar à do início da segunda estrofe: adeus, meu anjo,

adeus!, que ganha destaque por apresentarem a repetição da interjeição

adeus, formando dois grupos de força que realçam o vocativo, no verso,

fazendo haver três blocos sonoros, um com entonação decrescente e os outros

que se posicionam ao entorno desse vocativo e possuem entonação crescente,

por serem terminados em oxítona.

Adeus, meu anjo, adeus!

/a’dews/ - /mew’ãӡo/ - / a’dews/

1 3 1 3 0 1 3

Como notamos, a entonação crescente das duas interjeições pode

representar a despedida emocionada do enunciador, também interpretada

dessa forma por conta do ponto de exclamação ao fim do verso. Em todos os

grupos de força que a entonação é descendente, ela também destaca a

impressão de lamento pela motivação sonora, repetida nessa estrofe e

enfatizando o murmúrio e o tom de voz baixo do eu lírico a partir dos fonemas

nasais e dos ditongos decrescentes:

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Só contigo eu podia ser ditoso, Em teus olhos sentir os lábios meus! Eu morro de ciúme e de saudade, Adeus, meu anjo, adeus!

Dessa maneira, podemos dizer que o poema Despedidas à... apresenta

um tom melancólico que se dá, principalmente pelas marcas fonoestilístcas que

remetem ao lamento do enunciador. Elas são, basicamente, as vogais altas e

médias altas, os fonemas nasais e os ditongos decrescentes atrelados à

entonação, ora ascendente, para destacar termos que aludam à melancolia,

ora descendente enfatizando os aspectos sonoros do lamento.

Notamos, também, que o enunciador coloca-se dependente da amada

por compará-la com sua própria vida, sua própria alma e por frequentemente

remeter os vocábulos que fazem referência à felicidade à donzela, enquanto a

tristeza, à sua partida.

3.5 Saudades

A análise que segue é a última das quatro propostas no início desta

pesquisa e apresenta nossas observações sobre o poema Saudades. Este

texto corresponde à falta que o enunciador sente de sua amada. Ele a

expressa por meio das lembranças dos momentos felizes que passaram juntos,

utilizando-se de palavras que demonstram carinho para descrevê-los. Dessa

maneira, ele contrasta essas memórias com a vida que passou a levar depois

da separação, enfatizando a idade que tem (vinte anos) e o período em que

sofre de amor pela donzela (três anos). Contudo, ele diz carregar esse amor

por conta de apenas três noites que eles passaram juntos. Dessa forma, ele

repete o mesmo sentimento platônico do enunciador do capítulo anterior,

intensificando a dor que sente e corroborando o tom melancólico, como vemos

a seguir.

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Saudades

“T is vain to struggle – let me perish young”

LORD BYRON Foi por ti que num sonho de ventura A flor da mocidade consumi, E às primaveras digo adeus tão cedo E na idade do amor envelheci! Vinte anos! derramei-os gota a gota Num abismo de dor e esquecimento... De fogosas visões nutri meu peito... Vinte anos!... não vivi um só momento! Contudo, no passado a esperança Tanto amor e ventura prometia, E uma virgem tão doce, tão divina Nos sonhos junto a mim adormecia!... ............................................................................................................................... Quando eu lia com ela – e no romance Suspirava a melhor ardente nota, E Jocelyn sonhava com Laurence Ou Werther se morria por Carlota, Eu sentia a tremer, e a transluzir-lhe Nos olhos negros a alma inocentinha, E uma furtiva lágrima rolando Da face dela umedecer a minha! E quantas vezes o luar tardio Não viu nossos amores inocentes? Não embalou-se na morena virgem No suspirar, nos cânticos ardentes? E quantas vezes não dormi sonhando Eterno amor, eternas as venturas, E que o céu ia abrir-se, e entre anjos Eu ia me acordar em noites puras? Foi esse amor primeiro – requeimou-me As artérias febris da juventude, Acordou-me dos sonhos da existência Na harmonia primeira do alaúde! ............................................................................................................................... Foram três noites só... três noites belas De lua e de verão, no Val saudoso... Que eu pensava existir...sentindo o peito Sobre teu coração morrer de gozo! E por três noites padeci três anos, Na vida cheia de saudade infinda... Três anos de esperança e de martírio... Três anos de sofrer – e espero ainda! A ti se ergueram meus doridos versos, Reflexos sem calor de um sol intenso: Votei-os a imagem dos amores

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P’ra velá-la nos sonhos como incenso!

Eu sonhei tanto amor, tantas venturas, Tantas noites de febre e de esperança! Mas hoje o coração desbota, esfria, E do peito no túmulo descansa! Pálida sombra dos amores santos, Passa, quando eu morrer, no meu jazigo; Ajoelha-te ao luar e canta um pouco, E lá na morte eu sonharei contigo!

O poema inicia com uma primeira estrofe que resume a consequência

da separação entre o enunciador e a amada. Ele diz, ter consumido sua

juventude por ter sonhado com a amada, diz adeus às primaveras de sua vida

e então envelhece:

Foi por ti que num sonho de ventura A flor da mocidade consumi, E às primaveras digo adeus tão cedo E na idade do amor envelheci!

O trecho possui metáforas que aludem a diferentes contextos. A primeira

é a do sonho, que representa as fantasias e as ilusões criadas pelo eu poético

na época em que estava com sua amada. Esse era um sonho de ventura, ou

seja, essas fantasias às quais o sintagma refere-se eram felizes. Notamos, por

meio da entonação, que esses elementos enfatizam, necessariamente palavras

que remetem a melancolia:

Verso 1: Foi por ti que num sonho de ventura

/foypor’ti/ - /kenũ’sõɲodevẽ’tuɾa/

1 1 3 1 1 2 0 1 1 3 0

A princípio notamos que o primeiro grupo de força destaca o pronome ti,

podendo representar a ênfase da amada como a causa de sua infelicidade,

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pois o vocábulo se posiciona após a preposição por, que nesse contexto

estabelece essa relação. Já no bloco seguinte a entonação decrescente ocorre

por ser terminado em paroxítona, possuindo uma sílaba átona pós-tônica, que

indica grau de tonicidade nulo. Como ela recai sobre o sintagma sonho de

ventura, que significa algo satisfatório e bom, o trecho pode sugerir o lamento,

já que esse sonho faz mais parte de sua vida.

Já no segundo verso, como em outros poemas azevedianos, o

enunciador contrasta a ideia de alegria com a melancolia. Nesse fragmento ele

o faz a partir do vocábulo ventura e a metáfora flor da mocidade, que remete à

sua juventude. Eles são relacionados pela preposição por, que, como o

explanado no parágrafo anterior, estabelece uma relação de causa. Por ele

dizer tê-la consumido, pode indicar que ele a viveu muito intensamente e a

gastou, pois o vocábulo consumir significa “causar dano ou perder a saúde, a

vitalidade; abater(-se), debilitar(-se)” (HOUAISS, 2009). O vocábulo é

destacado por ser uma palavra oxítona, ou seja, o verso termina em entonação

crescente, podendo representar uma exaltação, que é relacionada ao fato de

ele ter consumido sua flor da mocidade.

Verso2: A flor da mocidade consumi

/a’flordamosi’dade/ - /kõsu’mi/

1 2 1 1 1 3 0 1 1 3

O verso seguinte, por sua vez, contém dois blocos de entonação

decrescente destacando dois vocábulos que, no contexto, determinam tempo.

O primeiro forma a metáfora primaveras que se relaciona à juventude. Ele lhes

diz adeus, correspondendo a uma ação que implica a tristeza por conta de uma

separação. Ele comenta que o faz cedo, vocábulo também paroxítono,

indicando pronúncia decrescente, que representa tempo e que está sendo

intensificado pelo advérbio tão. Ele pode sugerir, com a entonação das duas

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palavras, o lamento por ele deixar de viver essa fase, que é considerada o

tempo em que acontecem os primeiros amores etc.

Verso 3: E às primaveras digo adeus tão cedo

/yasprima’vԑvas/ - /’digwa’dews/ - /tãῶ’sedo/

1 1 1 3 0 2 1 3 1 3 0

A oração que encerra a estrofe reitera, uma vez mais, o envelhecimento.

Para tanto, um paradoxo é aplicado, relacionando ideias opostas, pois ele

envelhece na idade do amor, ou seja, na juventude, pois essa fase da vida

compreende os namoros, as desilusões amorosas, casamento etc., de maneira

que se trata de uma ação da alma. O contraste também é dado a partir da rima

entre consumi, que corresponde à flor da mocidade, e envelheci. Nos dois

casos há entonação crescente, pois as duas palavras são oxítonas e a

primeira, em relação ao sentido, pode ser entendida como a causa da segunda.

Assim os dois vocábulos estão destacados por serem os únicos que constituem

rima na estrofe, relacionarem-se semanticamente e por fazerem parte de

blocos de entonação crescente, sendo destacados por sua sonoridade.

Verso 4: E na idade do amor envelheci

/enai’dade/ - /dwa’moɾẽveʎe’si/

1 1 1 3 0 1 2 1 1 1 3

Percebemos, também, que há um polissíndeto nos dois últimos versos

da estrofe, intensificando a repetição da ideia de envelhecer enquanto jovem. O

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segundo uso do conectivo e pode ter um valor conclusivo, sendo possível

substituí-lo pela conjunção causal portanto.

O fragmento ainda possui um efeito sonoro que ajuda a constituir o tom

melancólico:

Foi por ti que num sonho de ventura A flor da mocidade consumi, E às primaveras digo adeus tão cedo E na idade do amor envelheci!

A motivação sonora das vogais altas e média-altas (negrito) e fonemas

nasais (itálico) geram, assim como apontado nas análises anteriores, a

impressão de lamento e murmúrio por conta da articulação desses fonemas

serem feitas com a cavidade fechada ou pouco aberta, de forma que a estrofe

parece imitar alguém que fala em tom de voz baixo.

O poema também é marcado por muitas repetições que reiteram essa

sonoridade truncada, pois elas estão atreladas à situação de saudade, às

lembranças que nunca deixam o enunciador e que sempre lhe voltam à

memória. Além disso, elas podem representar a ênfase nas expressões de

tempo e o modo que essas ações estão sendo realizadas. Como na estrofe

seguinte:

Vinte anos! derramei-os gota a gota Num abismo de dor e esquecimento... De fogosas visões nutri meu peito... Vinte anos!... não vivi um só momento!

No trecho, o enunciador destaca a idade em que sofreu suas desilusões,

repetindo-a no primeiro e no quarto verso. Nos dois casos há o uso do ponto de

exclamação, que representa um tom mais exaltado:

Vinte anos! derramei-os gota a gota

/’vῖtȳ’ãnos/ - /dera’meyos/ - /’gota’gota/

2 1 3 0 1 1 3 0 2 1 3 0

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Nesse primeiro verso, notamos que há a entonação mais longa no

primeiro grupo de força por conta da interjeição inicial. Contudo, destacamos os

outros dois efeitos sonoros causados no fragmento. O primeiro é a cadência no

verbo derramar que se encontra no pretérito perfeito e que é seguido por um

pronome do caso oblíquo. Percebe-se que, se não houvesse o pronome –os a

curva melódica seria crescente, porém a entonação decrescente recai sobre

essa sílaba. Dessa forma, por meio da curva, dá-se a impressão de que algo é

derramado. A cadência decrescente, por recair sobre o pronome, que remete

aos vinte anos do enunciador, também pode ser entendida como uma relação

entre a idade que o eu lírico tem e o fato de ele considerar ter envelhecido,

relação metafórica estabelecida pelo verbo “derramar”.

O último bloco ainda gera uma onomatopeia, representando o barulho

de gotas que caem por conta das consoantes oclusivas /g/ e /t/, combinadas à

vogal arredonda /o/, que pode remeter à ideia de redondeza (MARTINS, 2008;

p. 52). A entonação desse grupo de força pode sugerir o movimento da gota ao

cair, pois notamos na curva que há sílabas átonas por entre as tônicas,

simulando o movimento da queda das gotas. A expressão também

corresponde à ideia de lentidão, o que vai de encontro ao verbo derramar, que

remete a “entornar, despejar” (HOUAISS, 2009), estabelecendo, assim, outro

paradoxo no texto.

Para enfatizar a perda de sua juventude, o eu lírico diz ter derramado os

vinte anos num abismo de dor e esquecimento. Por conta do tamanho do

último vocábulo e dos fonemas nasais na sílaba tônica, alongando o som, há

uma sugestão de ideia de extensão, uma vez que ele é ligado ao substantivo

abismo, que remete a um lugar grande e profundo.

Num abismo de dor e esquecimento...

/nũa’bizmode’dor/ - /yeskesi’mẽto/

1 1 2 0 1 3 1 1 1 3 0

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Notamos um alongamento no segundo grupo de força que ocorre nas

pré-tônicas e o que ocorre por conta dos sons nasais. Também ressaltamos o

substantivo dor no primeiro bloco, palavra que faz parte da locução adjetiva

que caracteriza o vocábulo abismo.

Há uma interrupção de ideias na passagem do segundo para o terceiro

verso. Notamos que, mesmo se mantendo no mesmo tema e estando

relacionadas semanticamente, a frase é introduzida como um aposto que

acaba intensificando a expressividade melancólica da estrofe:

De fogosas visões nutri meu peito...

/defo’gↄzazvi’zõȳs/ - /nu’tɾimew’peyto/

1 1 2 0 1 3 1 2 1 3 0

O trecho apresenta duas inversões que enfatizam os vocábulos. A

primeira é a do verbo nutrir, que está no pretérito perfeito do indicativo, e o

predicado da frase meu peito, que deveriam aparecer no início do verso. Eles

são destacados pelo complemento De fogosas visões, que por sua vez conta

com uma inversão entre o adjetivo e o substantivo. Por conta da entonação

crescente em visões, essa troca de posições destaca esse último vocábulo.

Dessa forma, nutrir, que significa “alimentar a si mesmo ou dar alento a;

revigorar” (HOUAISS, 2009), realça a expressividade melancólica, uma vez que

ele nutre seu próprio coração com fantasias e esperanças, as quais são

referidas por fogosas visões.

A frase termina novamente por reticências, fazendo com que a

exclamação vinte anos, referente à idade do poeta, seja destacada no verso

posterior:

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Vinte anos!... não vivi um só momento

/’vῖtȳ’ãnos/ - /nãῶvi’viũsↄmo’mẽto/

2 1 3 0 1 1 2 1 1 1 3 0

Ela se intensifica com o uso de outras reticências após o ponto de

exclamação, também realçando a frase que encerra o verso, que tem um

caráter conclusivo, por consequência da desilusão que sofreu. A ênfase

também recai em um só momento, onde um só remete à ideia de que ele não

viveu nem mesmo por um momento. A entonação decrescente também pode

representar o lamento do enunciador, reiterando a motivação sonora dos

fonemas nasais e da vogal média alta /o/:

Vinte anos! derramei-os gota a gota Num abismo de dor e esquecimento... De fogosas visões nutri meu peito... Vinte anos!... não vivi um só momento

As reticências no trecho ainda justapõem as frases, correspondendo a

uma sequência de ações e de sentimentos. Como elas também indicam a

incompletude de ideias, nós as referimos às emoções do enunciador, que não

consegue exprimir-se claramente.

Na terceira estrofe, porém, há uma leve mudança no tom que não se

caracteriza tanto por ser melancólico e sim por ser carinhoso, pois trata do

momento em que o enunciador lembra os bons momentos com a amada.

Contudo, a ideia de tristeza ainda se mantém no trecho. O primeiro traço dá–se

pela combinação das fricativas com as nasais, podendo representar leveza e

suavidade:

Contudo, no passado a esperança Tanto amor e ventura prometia, E uma virgem tão doce, tão divina Nos sonhos junto a mim adormecia!...

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Há, também, uma maior recorrência da vogal aberta /a/, relacionada a

sons alegres, opondo-se às vogais fechadas como /o/ e /u/, que remetem a

tristeza:

Contudo, no passado a esperança Tanto amor e ventura prometia, E uma virgem tão doce, tão divina Nos sonhos junto a mim adormecia!...

A estrofe começa pelo contraste realizado pela conjunção contudo, que

é destacada pela pausa da vírgula posicionada após o vocábulo, opondo-se

essa representação positiva às escolhas linguísticas referentes à melancolia

nas estrofes anteriores.

Contudo, no passado a esperança

/kõ’tudo/ - /nopa’sadwaespe’rãsa/

1 3 0 1 1 2 1 1 1 3 0

Ele relaciona esse verso ao seguinte, ligados pelo enjambement e pelos

substantivos amor e ventura, sugerindo que a esperança alimentava a

felicidade, pois ela prometia o amor e a ventura:

Contudo, no passado a esperança

Tanto amor e ventura prometia

Tanto amor e ventura prometia

/’tãtwa’mor/ - /evẽ’tuɾapɾome’tia/

2 1 3 1 1 2 0 1 1 3 0

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Por conta do uso do verbo prometer no pretérito imperfeito, que indica

uma ação contínua no passado, sugere-se o lamento, que mesmo com os

fonemas fricativos da estrofe, pode indicar que o enunciador se sente triste,

uma vez que esse tempo verbal se refere a um período que não pertence mais

a esse eu-lírico além de os efeitos do léxico, dados a partir da forma verbal e

da recorrência dos fonemas nasais, em si, mais a entonação decrescente,

existente em todo o texto, correspondem à melancolia.

O verso seguinte também contém uma entonação decrescente e

também contém uma ênfase expressiva pela repetição do advérbio tão que

enfatiza as características da virgem:

E uma virgem tão doce, tão divina

/ȳũma’virӡẽȳtãῶ’dose/ - /tãῶdi’vina/

1 1 2 0 1 3 0 1 1 3 0

É válido lembrarmos que esse verso é iniciado com a semivogal /ȳ/,

constituindo um ditongo nasal e corroborando com a métrica do decassílabo.

O fragmento começa pela conjunção aditiva e e retoma a relação de

esperança, amor e ventura dos versos anteriores. Ele se refere à amada como

virgem e lhe atribui as qualidades de doce e divina, adjetivo separado por

pausa, sendo destacado, como nos outros poemas analisados, do referido

poeta, que os enunciadores santificam a dama, como neste texto.

Como em Despedidas à..,. o eu lírico deste poema sustenta o

platonismo quando, no último verso da estrofe, alega que essa virgem

adormecia a seu lado nos seus sonhos, de modo que é possível notar um

desejo pela amada, mas que se mantém em suas fantasias:

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Nos sonhos junto a mim adormecia

/nos’soɲos/ - /’ӡũtwa’mῖ/ - /adorme’sia/

1 3 0 2 1 3 1 1 1 3 0

Nesse verso os dois primeiros grupos de força acabam sendo

destacados de maneiras diferentes. Os dois primeiros são realçados por sua

separação, pois ele demarca onde essa virgem aparece (nos sonhos) e possui

entonação crescente no pronome mim, que remete ao próprio enunciador,

enfatizando que a amada estava ao lado dele.

Nesse poema, alguns termos são constantemente repetidos, destacando

determinado período, ação etc.; no caso do fragmento abaixo, há a repetição

do número três:

Foram três noites só... três noites belas De lua e de verão, no Val saudoso... Que eu pensava existir...sentindo o peito Sobre teu coração morrer de gozo! E por três noites padeci três anos, Na vida cheia de saudade infinda... Três anos de esperança e de martírio... Três anos de sofrer – e espero ainda!

Para a simbologia, três “é o número fundamental universalmente.

Exprime uma ordem intelectual e espiritual, em Deus, no cosmo ou no homem”.

Essa ideia de equilíbrio contrasta com as emoções do enunciador, que se

mostram mais instáveis. O numeral refere-se à diferença entre o período em

que ele esteve com a amada e o período em que sofre por não estar ao lado

dela. Assim, ele pode enfatizar o platonismo que o fez sonhar e padecer por

três anos por consequência de três noites que teve junto da amada, as quais

ele diz terem sido belas. Ele ressalta a melancolia que tem nesse período por

meio das locuções adjetivas de esperança, de martírio e de sofrer.

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Outro fator é a utilização do verbo esperar no presente do indicativo,

seguido do advérbio ainda, que denuncia uma ação em processo e que não

tem previsão de término. Essa última palavra ainda enfatiza o período pelo qual

o enunciador sofre como algo muito longo, pois o vocábulo pode significar,

nesse contexto, até este momento. A ênfase, então, pode ser dada também

pela posição do advérbio na frase, pois ele se mostra depois da ação, ou seja,

está em destaque. Se estivesse antecedendo o verbo, este último ficaria em

evidência.

As repetições ganham um matiz expressivo maior ao serem postas entre

uma sequência de reticências que sugerem o bloqueio de ideias, como citamos

anteriormente, apresentando uma confusão mental por parte do enunciador.

Essa por sua vez, também corresponde a outro aspecto sonoro que está

presente no poema. Há uma tensão rítmica no primeiro verso do fragmento,

pois ele pode ser pronunciado tanto como um verso decassílabo sáfico (com

tonicidade mais forte na quarta, na oitava e na décima sílaba), como heroico

(com tonicidade mais forte na sexta e na décima sílaba), ou provençal (com

tonicidade mais forte na quarta, na sétima e na décima estrofe). Talvez essa

tensão represente, fonologicamente, o contraste do período em que eles, o

enunciador e a amada, ficaram juntos com o tempo em que ele sofre de amor

por ela.

Foram três noites só...três noites belas.

ou

Foram três noites só...três noites belas.

ou

Foram três noites só...três noites belas

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O verso apresenta três possibilidades de expressão por meio da

tonicidade. No primeiro caso há um decassílabo sáfico que dá ênfase ao

substantivo noite, por duas vezes, e o adjetivo belas podendo expressar o

sentimento que o enunciador tem sobre aquele tempo; no segundo caso, há

uma nuance no advérbio só seguido de reticências, destacando o período em

que eles estiveram juntos e, consequentemente, todo o sintagma que se

posiciona depois da pontuação pela longa pausa que lhe é imposta; no terceiro

caso, há um verso decassílabo provençal, deixando em maior evidência a

quantidade de noites que o enunciador passou com sua amada. Como esse

grupo sonoro é destacado pelo número três, consequentemente, o adjetivo

belas também ganha um realce para caracterizar esse número.

A tensão rítmica também ocorre num outro trecho do texto que também

é composto por ideias repetidas, expressando, novamente, o pensamento

confuso do enunciador:

E quantas vezes o luar tardio

Não viu nossos amores inocentes?

Não embalou-se na morena virgem

No suspirar, nos cânticos ardentes?

E quantas vezes não dormi sonhando

Eterno amor, eternas as venturas,

E que o céu ia abrir-se, e entre os anjos

Eu ia me acordar em noites puras?

Ela aparece no primeiro e terceiro versos da segunda estrofe do trecho

acima (marcadas em sublinhado), podendo representar o sentimento de

desilusão perante os sonhos que teve e que não se concretizaram. A marca é

acentuada pelas repetições do sintagma E quantas vezes, que já se inicia por

uma conjunção aditiva e, seguida do pronome indefinido quantas, indicando

assim grande quantidade. Fazendo parte da expressão, o advérbio de negação

não também é repetido como forma de ênfase ao fato de o luar ver os amores

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inocentes, embalar-se no suspirar e nos cânticos ardentes, bem como o

adjetivo eterno, podendo aludir ao desejo do locutor.

O ritmo do poema então possui uma progressão muito vagarosa ao

dispor de tantas repetições e tensões no seu processo enunciativo. Porém

ainda há mais um traço que destaca a disritmia do texto: o enjambement,

demonstrado pelas curvas, faz com que o ritmo da frase seja encadeado ao

verso seguinte, havendo uma pausa entre eles, fazendo com que o ritmo, ao

pronunciar o trecho, seja afetado. Esse traço percorre outros pontos do poema,

caracterizando uma fala muito confusa e emocionada por demonstrar sentir

saudades da mulher amada e demonstra isso por meio desse discurso

atropelado, realçando alguns vocábulos, como em eternos amores, eternas as

venturas que correspondem ao sonho do enunciador.

Assim como nos outros poemas, observamos que Saudades contém

características em comum com os outros textos analisados. Ao tratar do

lamento, notamos que ele é causado por conta da combinação dos fonemas

nasais e vogais fechadas com a entonação que destaca alguns vocábulos de

entonação crescente, principalmente os que formam rima.

Por outro lado, ao nos remetermos ao ritmo, percebemos que esse é um

poema de uma pronúncia truncada, que pode representar, estilisticamente, a

tristeza, pois expressa-se de forma entrecortada, cheio de reticências e com

vários enjambements, que alongam a pronúncia do verso, que deixam o texto

em descompasso, por conta dos versos menores. Essa quebra no ritmo

também pode ser entendida como um contraste entre o passado e o presente

do enunciador ao mencionar as três noites que teve ao lado de sua amada e os

três anos de sofrimento pelos quais ele ainda passa no presente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Álvares de Azevedo é um poeta, como vimos, que apresenta em boa

parte da sua produção o estilo melancólico, comentado por muitos críticos

como marca recorrente em sua produção, de modo que em sua obra notamos

a criação de um tom que possui essa característica a partir dos traços

estilísticos correspondentes ao som e ao léxico, que se repetem ou se renovam

pelos textos.

Dentre esses aspectos destacamos, primeiramente, a motivação sonora

dada pelos fonemas nasais, gerando a impressão de que o enunciador

lamenta, pois o fechamento da cavidade bucal sugere a fala de alguém em voz

baixa, como se murmurasse. Como elas sempre remetem à construção de

sentido sobre vocábulos que aludem ao sentimento de tristeza, há uma relação

som e léxico.

Não raro as consoantes e vogais nasais são relacionadas com as vogais

fechadas /o/ e /u/ e ditongos decrescentes, como /ey/, /ow/, /ay/, entre outros.

Esses são traços que intensificam a impressão de alguém que fala em tom de

voz mais baixo. O efeito também se dá por conta da pouca quantidade de ar

que sai da cavidade bucal nessa produção sonora.

As combinações de sons para gerar motivação sonora não se

relacionam apenas com o lamentar, mas também com certas ações ou

descrições de lugares. As primeiras estrofes de Virgem Morta, por exemplo,

possuem a harmonia imitativa do barulho do mar, por meio da combinação de

sons fricativos, que podem representar o vento e o barulho da água, e fonemas

oclusivos, dando a impressão da água que bate na costa.

Há também alongamentos dados pelas vogais e consoantes nasais que

aludem a grandes quantidades de tempo ou a lugares que estão longe. Esse

traço reflete a entonação expressiva, assim como quaisquer dos outros efeitos

fonoestilísticos e das escolhas lexicais. No geral, para expressar a melancolia,

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a entonação se mantém decrescente, ou crescente, ao destacar algum

vocábulo. Muitas das vezes, a impressão de lamento acaba sendo enfatizada

por esse recurso. Contudo, ela se dá, frequentemente, pela posição dos

elementos constituintes da frase ou pela pontuação. A primeira se refere à

distribuição das sílabas tônicas nos versos, que culmina na criação do ritmo,

que parte da organização sintática. Outras vezes, a inversão de termos da

frase faz com que certos vocábulos ganhem mais destaque. Esse fato, não

raro, está atrelado à expressividade que pode surgir das rimas, uma vez que a

ordem dos termos sintáticos pode ser invertida, para a criação desse efeito.

No segundo caso, a pontuação determina certos alongamentos na

pronúncia que indicam a exaltação, o nervosismo, a ansiedade etc., quando se

coloca um ponto de exclamação; dúvida quando há um ponto de interrogação;

ou suspensão de ideias, no caso das reticências. A pontuação também pode

representar pausas, curtas ou longas, que realçam certos vocábulos ou frases,

como explanamos na análise de Despedidas à..., onde os vocativos minh’alma

e meu anjo, por exemplo, são destacados no trecho por estarem fechados por

vírgulas. As reticências, no geral, também exercem essa mesma função,

muitas vezes de modo mais enfático, por supor uma pausa maior que a vírgula.

Os traços fonoestilísticos, para que corroborem o sentido e formem o

tom melancólico, necessitam estar relacionados, diretamente, com o léxico,

pois é nele que se encontra o sentido que pode ser expresso num enunciado.

Assim a escolha vocabular também determina a criação do tom melancólico

nos poemas. Muitas vezes ele se dá por meio de metáforas que representam

imagens tristes, como coroa do poeta, que é relacionada ao adjetivo

desbotada, significando algo sem viço e sem vida. Outro aspecto que

intensifica o tom melancólico é a comparação da amada com um anjo,

colocando-a, assim como divina e atrelando essa palavra à amada, a qual ele

perde ou de quem ele não tem o amor correspondido. Esses usos aludem a

personagens divinos para que a imagem da mulher amada seja sempre

enaltecida. Muitas vezes ele trata a dama por virgem, santa, anjo ou adjetivos

que remetem à cultura católica, como a própria palavra divina. Os

enunciadores, assim, enobrecem a mulher por quem se enamoram como uma

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forma de intensificar/divinizar seu amor, por ela ser pura enquanto eles homens

de moral não tão elevada.

Outro efeito criado é o de personificação, que no geral ocorre sobre os

fenômenos da natureza, como a brisa que geme, o mar que suspira, a aragem

que murmura etc.

No geral, os adjetivos e substantivos que são utilizados nos poemas

azevedianos remetem a lamentação e a imagens de tristeza. São palavras

como: malditas, pobre, dor, arrependida, lágrima, saudade, desalento, morrer

etc. Todas essas palavras relacionam-se ao sofrimento dos enunciadores, que

tratam muitas vezes essa situação como o fim de sua própria vida.

As repetições de vocábulos numa estrofe ou no decorrer do poema

reiteram a ideia do vocábulo ou do tema desenvolvido. Em Saudades, por

exemplo, há a repetição da exclamação Vinte anos!, que destaca a juventude

do eu lírico, dizendo ter envelhecido enquanto jovem.

Outro fenômeno que também corrobora a criação do tom melancólico é

o enjambement, por estar, muitas vezes, relacionado ao sentir do próprio

enunciador. Ao encadear os versos, ele automaticamente estabelece uma

quebra rítmica no poema em trechos que são caracterizados pela confusão de

ideias do eu lírico. No último poema ele também pode referir-se ao contraste de

tempo passado e presente, ao comparar esses dois períodos e utilizá-lo na

estrutura da estrofe.

Partindo de todas essas observações, chegamos à conclusão de que o

tom é constituído pelos traços fonológicos, tanto os que competem à

articulação como à prosódia, e que eles auxiliam a criar o sentido se

relacionado à escolha de vocabulário, para que esse tom caracterize o discurso

de um determinado enunciador.

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