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UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR MESTRADO EM FAMÍLIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA JOANA GALDIERI TORRES FAMILIARES DE PACIENTES COM AVC EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA: IMPACTOS DO ADOECIMENTO Salvador 2011

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Page 1: UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADORri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1508/1/DISSERTAC...instituição e uma conquista histórico-social com características singulares e plurais,

1

UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DO SALVADOR MESTRADO EM FAMIacuteLIA NA SOCIEDADE CONTEMPORAcircNEA

JOANA GALDIERI TORRES

FAMILIARES DE PACIENTES COM AVC EM UNIDADE DE TERAPIA

INTENSIVA IMPACTOS DO ADOECIMENTO

Salvador

2011

2

JOANA GALDIERI TORRES

FAMILIARES DE PACIENTES COM AVC EM UNIDADE DE TERAPIA

INTENSIVA IMPACTOS DO ADOECIMENTO

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Universidade Catoacutelica

do Salvador como requisito parcial para a

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Famiacutelia na

Sociedade Contemporacircnea

Orientadora Profordf Drordf Anameacutelia Lins e Silva

Franco

Salvador

2011

3

T693 Torres Joana Galdieri

Familiares de pacientes com AVC em Unidade de Terapia Intensiva

Impactos do adoecimento Joana Galdieri Torres ndash Salvador 2011

76 f

Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Catoacutelica do Salvador

Superintendecircncia de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado em Famiacutelia

na Sociedade Contemporacircnea

Orientaccedilatildeo Prof Dra Anameacutelia Lins e Silva Franco

1 Familiar - Paciente - Acidente Vascular Cerebral (AVC) 2 Famiacutelia -

Impacto psicoloacutegico - Adoecimento 3 Famiacutelia - Paciente -Unidade de Terapia

Intensiva (UTI) I Tiacutetulo

CDU31635626168

UCSAL Sistema de Bibliotecas

4

5

Este trabalho eacute dedicado a todas as pessoas que

tem a difiacutecil missatildeo de acompanhar seus

familiares na UTI em especial agravequelas que se

dispuseram a participar desta pesquisa Jamais

conseguiriacuteamos ir tatildeo longe se vocecircs natildeo

permitissem

6

AGRADECIMENTOS

Agrave Deus que a cada dia que passa se mostra mais presente na minha vida

Agrave minha orientadora Anameacutelia Franco por todo o seu conhecimento e experiecircncia que tanto

me ensinou e pelo imenso coraccedilatildeo que tatildeo bem me acolheu

Agrave Elaine Rabinovich e Ceacutelia Nunes que participaram da banca de qualificaccedilatildeo contribuindo

de forma relevante para o desenvolvimento dessa pesquisa e pela gentileza em aceitarem o

convite para formar a banca examinadora

Ao meu querido tio Alberto que me proporcionou essa conquista e cuja presenccedila se faz

sempre tatildeo forte apesar da distacircncia

Agrave minha doce Clarice a dona do sorriso de dois dentes mais lindo do mundo que chegou em

meio a essa caminhada e me ensinou ainda mais sobre a vida e seu encantamento

Agrave Antonieta Omar Juacutelia Maria Joseacute Bruno Liacutedia peccedilas fundamentais do meu quebra-

cabeccedila familiar

Agrave Mari Pinheiro minha pupila preferida pessoa fundamental na realizaccedilatildeo deste trabalho

Agrave minha querida amiga Andrecirczza Castro que me ajudou a ldquosegurar a ondardquo nos uacuteltimos

tempos me fazendo esquecer dos milhares de quilocircmetros que nos separam

Aos professores funcionaacuterios e colegas deste curso pela companhia durante este percurso

Agrave Psicologia com seus desafios e recompensas

7

ldquoAqui ningueacutem mais ficaraacute depois do sol

No final seraacute o que natildeo sei mas seraacute

Tudo demais

Nem o bem nem o mal

Soacute o brilho calmo dessa luzrdquo

(Flaacutevio Venturini)

8

RESUMO

Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia

intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de

pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no

momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em

uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes

embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado

Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo

aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta

realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia

aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva

Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia

do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos

vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A

anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser

uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas

de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns

dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa

comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para

lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado

Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento

famiacutelia

9

ABSTRACT

This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of

stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown

work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at

the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are

characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality

they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been

affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see

this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service

to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script

that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible

to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping

mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how

shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family

roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this

work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and

relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate

moment

Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family

10

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro Paacutegina

QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick

2011

30

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC

2010

51

QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes

viacutetimas de AVC 2010

52

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 12

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20

31 CRISES FAMILIARES 21

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26

4 O ADOECER 28

41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29

5 A DOENCcedilA AGUDA 33

6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35

61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47

62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44

7 MEacuteTODO 49

71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51

8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53

81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65

REFEREcircNCIAS 69

Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75

APEcircNDICE A ndash TCLE 77

APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem

sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de

gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo

apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais

aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a

influecircncia dos mesmos sobre este grupo social

Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves

relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As

definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram

necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees

contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees

Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para

a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de

seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como

primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a

vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos

indiviacuteduos

Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe

confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador

de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo

rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de

opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio

interminaacutevel (1997 p23)

Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo

especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a

mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto

laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a

famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada

Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de

alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente

13

acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e

apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por

outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo

Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma

instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo

elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de

fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como

pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto

como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um

conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das

geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as

dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias

Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis

modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram

distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo

mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da

horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e

autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade

Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a

nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)

Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo

confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e

igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem

negociadosrdquo (1997 p27)

O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem

relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de

famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros

descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo

(MINUCHIN 1999 p28)

Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia

domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos

estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no

14

funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias

atuais

Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um

quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem

trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma

populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o

desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus

familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas

O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia

constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros

Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro

cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e

desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o

enfrentamento da situaccedilatildeo

Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente

vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta

eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por

uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter

temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem

(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)

Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o

entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras

aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que

haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro

denominando-se AVC hemorraacutegico

Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do

corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar

caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode

ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos

O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias

na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as

15

doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e

a principal causa de incapacidade no mundo

Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que

sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes

ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente

(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E

KUSOMOTA 2006)

A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica

culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este

por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas

com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados

Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e

cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a

adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado

conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as

primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute

dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E

ANGELO 2005 BOCCHI 2004)

Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva

evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as

atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a

quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias

encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a

necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo

suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo

voltadas aos mesmos

Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se

propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de

pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais

pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos

16

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-

degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou

definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e

responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud

PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008)

De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se

como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso

centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)

O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico

(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte

de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro

comprimindo os neurocircnios

Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade

para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo

aparente

Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre

a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees

cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12

Entretanto o

AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros

fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas

inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas

4 Estudos

preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade

inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45

anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)

Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas

apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs

horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de

receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para

desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz

17

Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam

adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo

saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do

colesterol

A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do

derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este

caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de

idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo

receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular

cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no

mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS

2010)

No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por

AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente

morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos

pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema

no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das

maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados

Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano

A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN

(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo

quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por

AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com

68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute

A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A

regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de

Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

18

coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa

o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

cerebrovasculares

Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto

a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos

nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente

quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e

fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso

Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo

AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento

pessoalrdquo

Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma

ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para

o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter

relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se

natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma

forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece

previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico

mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou

ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes

Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir

de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave

instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da

terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso

constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso

bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio

uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia

Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por

algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias

19

mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e

prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar

sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)

Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos

uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de

internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter

que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar

tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas

unidades impotildee

20

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA

O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande

grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees

familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados

pelo que o grupo familiar permite

Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade

compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo

Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu

funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo

Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois

carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo

as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do

comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia

crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada

De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por

subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo

classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute

sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras

(MINUCHIN 1999)

Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de

transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm

para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um

periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e

novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees

confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua

nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um

periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)

Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os

periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio

tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido

embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo

21

constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo

cristalizada (MINUCHIN 1999)

Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como

complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos

psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do

seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo

adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a

possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)

Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria

familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo

de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica

esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)

Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um

legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de

depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do

grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a

doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria

familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)

Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o

lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de

alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila

podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-

47)

31 CRISES FAMILIARES

Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado

poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de

forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento

diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto

22

em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar

com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)

Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa

uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se

necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991

p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila

Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo

indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros

para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo

de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento

anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de

emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise

Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de

uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria

pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute

que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo

baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e

definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram

um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas

diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo

Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo

como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)

Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros

pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das

crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas

que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)

A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com

destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E

DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-

lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro

tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais

e crises do cuidador

23

As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute

real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise

estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios

guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma

satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo

agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam

se solidarizar a este tipo de acontecimento

As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas

normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as

quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas

poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo

enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo

diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao

longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a

transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de

nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras

As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave

mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que

ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o

stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o

stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios

do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido

anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado

como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia

e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar

ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a

importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar

As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma

rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de

mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou

assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho

Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem

24

desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do

cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador

algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do

que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se

indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por

desencadear a crise

Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer

assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia

mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de

poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem

desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de

dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva

sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador

que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia

desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise

Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua

instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no

desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento

Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento

devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de

crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais

que os auxiliam neste momento

Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson

(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da

famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma

necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros

O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo

pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila

Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez

iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao

estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as

consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social

25

Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre

stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e

outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo

Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que

tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise

previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e

valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que

ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de

mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma

criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud

JOSELEVICH 1991)

Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com

frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu

caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar

Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa

e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos

integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo

(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo

capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um

cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se

estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma

assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir

para potencializar o stress vivenciado

A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito

reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral

quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo

cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do

sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio

emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu

mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo

disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede

e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)

26

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR

Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e

possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de

perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos

mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e

com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez

mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude

e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens

Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres

humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo

emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a

necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no

iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte

do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir

de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a

ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto

maior o potencial para a perda

Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo

transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo

vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a

continuidade da vida

Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos

profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que

agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria

do ciclo vital

Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta

o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como

unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os

membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem

como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento

de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda

27

mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que

confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente

apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo

28

4 O ADOECER

O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele

acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees

de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar

a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional

O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser

compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais

socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute

nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)

Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer

acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente

a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que

provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional

e social

Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar

que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que

marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no

enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute

importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos

A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da

famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e

expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um

universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas

tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto

Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de

adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do

paciente e seus familiares

29

41 A DOENCcedilA CROcircNICA

Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida

das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a

despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta

razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez

que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo

Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a

progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia

de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos

que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se

agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a

estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a

doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas

mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a

necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de

natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma

constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES

KUSOMOTA 2006)

Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de

viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge

a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees

nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)

Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas

nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases

importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)

30

Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011

FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL

bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e

programaccedilatildeo de

tratamento

bullAprender a lidar com

sintomas ambiente

hospitalar e procedimentos

terapecircuticos estabelecer

bons viacutenculos com a

equipe

bullIntervalo entre periacuteodo de

diagnoacutestico inicial e ajuste

ao tratamento

bullPredominam questotildees de morte

e doenccedila terminal

Pode haver uma progressatildeo ou

constacircncia do quadro

bullA famiacutelia busca manter a

normalidade diante da

ldquoanormalidaderdquo da doenccedila

crocircnica

A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto

quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do

organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui

reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi

proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)

Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e

sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada

importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou

outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com

os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons

relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de

natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve

construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas

competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova

condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade

entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar

da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter

e McGoldrick 2001 p 378)

31

A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico

inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de

terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou

mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida

normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal

este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo

claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar

sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p

378)

A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se

faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza

separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma

retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E

McGOLDRICK 2001)

Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre

ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem

desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto

familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007

FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)

Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma

doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua

intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)

Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das

circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA

2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural

habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de

seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas

vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua

rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes

acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos

financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com

32

que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue

cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado

Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida

atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar

(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere

citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados

cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E

MARTINS 2008 p148)

O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a

sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado

por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud

SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao

desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades

sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais

A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo

supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o

cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a

sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo

um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005

ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008

WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)

Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser

vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que

afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda

contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo

(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados

de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo

desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de

sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre

33

eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais

(SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um

suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005

APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante

tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005

paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees

no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e

fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros

quanto do grupordquo

42 A DOENCcedilA AGUDA

Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como

processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees

agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas

Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo

suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um

quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir

uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de

alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)

As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta

agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da

famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo

de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para

administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)

Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos

seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus

familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do

mesmo

34

Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia

se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de

serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel

Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas

famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de

solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)

Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE

observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos

pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se

revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido

Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e

social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de

forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a

dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos

familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)

Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em

unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de

informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de

muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria

relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges

(2009)

O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de

grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as

pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes

que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro

comatoso

Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da

instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo

das UTIs

35

5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)

Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os

pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de

estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade

destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que

funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais

responsaacuteveis

Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de

terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees

raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo

A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas

dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente

dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de

ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade

capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E

CORREcircA 2007)

Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico

raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas

alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E

AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA

2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)

Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas

por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para

ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam

diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem

aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo

proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a

alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um

nuacutemero razoaacutevel de leitos

36

Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo

doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem

de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes

inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas

de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes

com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por

um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar

na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser

diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso

de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como

forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem

Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros

dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da

perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da

equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a

disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)

A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na

maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e

medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu

familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma

linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova

realidade

Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em

unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual

foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada

difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento

por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)

Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela

rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o

fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento

Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e

ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI

37

As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez

que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do

paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo

pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo

familiar

Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua

rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao

ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos

No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua

famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e

finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os

indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus

planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a

instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo

Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco

iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar

hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil

ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo

(p140)

O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo

soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO

E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado

nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e

poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar

papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo

Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns

dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da

situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)

Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a

incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas

(URIZZI E CORREcircA 2007)

38

Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em

uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua

famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de

estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos

(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de

estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe

por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem

picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a

percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes

tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros

2007 URIZZI E CORREcircA 2007)

A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave

comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras

de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo

(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente

restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo

de falta de controle

O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma

mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de

informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a

oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados

referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato

demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma

tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem

como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca

de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos

dados fornecidos pela equipe aos familiares

Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente

com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria

para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como

forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e

familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de

conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)

39

Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina

intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de

48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade

do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica

para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande

desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados

fornecidos

Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a

compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida

natildeo foi comunicada (2007 p05)

Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse

contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs

realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade

pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em

instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o

intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe

de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam

ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007

p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que

se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por

sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo

oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato

ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do

paciente internado em UTI

Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de

terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa

vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha

Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma

morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso

Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute

muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante

40

O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e

funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e

abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais

membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os

diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E

GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)

Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas

que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees

sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009

RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)

O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo

lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo

lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior

entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de

elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944

apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em

potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se

aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente

aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade

aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude

Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e

inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre

a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo

ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo

algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)

Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa

ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os

papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema

familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN

1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de

funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida

satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma

41

morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto

bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste

contexto

Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar

com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas

constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos

envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que

temporariamente a pessoa doente

42

6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA

Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a

famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia

seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra

doente

A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo

revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda

despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a

recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)

Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o

suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos

profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a

colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social

Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees

hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto

Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no

enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)

Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em

um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas

portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o

adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na

famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais

na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao

processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)

A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas

pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente

destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos

Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das

pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos

quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo

43

A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes

as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo

responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas

incapacidade dentre outros

Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente

transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma

histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994

apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a

soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo

ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a

famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e

outros 2002 p 46)

Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar

esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees

contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo

da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias

desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick

1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)

Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do

sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases

temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs

dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto

familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre

a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar

relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da

doenccedila

A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de

uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as

questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo

(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)

Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente

diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees

44

impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se

como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades

Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair

de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por

representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se

encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral

sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da

famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de

emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as

distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave

eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que

a constituem

Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves

mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista

que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir

sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema

(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)

Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na

estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa

para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo

estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da

revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias

consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo

(p 24)

Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a

vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da

famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso

eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda

eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o

periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI

Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que

assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma

45

resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma

possibilidade de recuperaccedilatildeo

Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em

2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o

retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que

desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma

crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de

estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos

como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK

amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)

Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila

de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital

pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a

evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos

papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem

como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar

Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute

com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como

tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma

situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento

Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente

Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas

conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e

incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos

familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular

De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do

ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos

reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais

amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o

ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978

apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)

46

Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute

espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com

eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste

processo

As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na

compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a

tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro

Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade

familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da

famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia

Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se

modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da

famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns

membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)

Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma

alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez

podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a

doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de

instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo

As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as

famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila

avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma

doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na

qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma

fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila

centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de

reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente

estado de fusatildeo

47

61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING

Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress

e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este

processo de maneira menos comprometedora

O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas

pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI

DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping

eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a

uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o

Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN

(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila

cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos

da pessoa (CHAVES 2000)

No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam

que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na

emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema

melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de

remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)

O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto

emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente

de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a

realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente

dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima

positiva manter a esperanccedila e o bem-estar

Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como

reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado

do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido

como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo

acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)

48

Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em

contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no

problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar

informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar

recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida

familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede

mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento

Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes

estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico

aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o

provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados

como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser

melhor e e) usar mecanismos de defesa

Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para

momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa

de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa

(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no

enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no

problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de

terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal

e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo

49

7 MEacuteTODO

Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade

familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos

familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas

apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos

mesmos

Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com

familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados

em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de

Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15

leitos divididos entre as duas especialidades

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos

profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando

dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de

maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)

Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse

jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como

estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela

proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia

No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do

estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos

atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)

Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e

situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os

1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-

BA

50

familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das

demandas observadas (Apecircndice B)

Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos

familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos

propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os

resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que

acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em

uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta

realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles

Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48

horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante

da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste

processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o

serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta

unidade

Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois

casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se

apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que

estava presente em todos os horaacuterios

71 APRESENTANDO OS PACIENTES

Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados

relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do

relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo

considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a

internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A

diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato

de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico

O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um

homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo

possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam

51

atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os

demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem

assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por

apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco

eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)

Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia

de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos

natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)

natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010

Paciente

Sexo

Idade

Estado

Civil

Filhos

Profissatildeo

Residecircncia

Diagnoacutestico

Acompanhante

A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada

B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos

C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de

Almoxarifado

SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta

D F 22 Solteira 0 Auxiliar

Administrativa

Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES

Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos

pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua

maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram

casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam

sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se

mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do

estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos

(Quadro III)

52

QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC

2010

Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia

A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador

B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute

C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix

D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute

53

8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria

de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados

81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS

bull Famiacutelia A

A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com

quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados

reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de

Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante

do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de

obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho

ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse

estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio

sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro

comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC

isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o

internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da

paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato

restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a

mesma e sua histoacuteria

bull Famiacutelia B

A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro

filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua

proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus

familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma

mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes

episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade

sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo

com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos

54

quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador

permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo

bull Famiacutelia C

O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute

alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)

Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de

almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)

Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI

deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute

havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar

sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha

para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima

os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando

bull Famiacutelia D

A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos

reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando

funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel

sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital

em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de

ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia

comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente

e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em

funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em

funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um

primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS

A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo

aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas

sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos

familiares de pacientes viacutetimas de AVC

55

As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)

- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)

- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)

- A ausecircncia de privacidade (iv)

- Ter que lidar com algo novo (v)

O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos

familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao

paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo

trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por

estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante

ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo

familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em

consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada

ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)

ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)

Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas

com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um

nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes

exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao

primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando

a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados

dispensados aos pacientes

ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute

que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)

Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC

o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas

por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo

56

agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo

fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem

de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele

paciente

O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido

pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em

funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa

de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de

estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias

proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a

133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)

era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador

ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito

espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)

ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia

todo aquirdquo (D1)

Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees

onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves

16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta

minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico

plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos

alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando

esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta

de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de

transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba

potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos

O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes

dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia

intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador

ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a

gente melhorardquo (A1)

ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela

precisava ir para UTIrdquo (B1)

57

ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)

ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo

preocupadordquo (D1)

Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em

UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi

percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar

colocar-se no lugar e perceber o outro

Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em

relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades

satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como

ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir

da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma

receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos

investimentos terapecircuticos

O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela

acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina

dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor

aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa

provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora

ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu

esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave

noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no

domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai

precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)

O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que

referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo

praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento

suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares

ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um

pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um

primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()

meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito

58

tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo

dando noticias pra elesrdquo (D1)

A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado

que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a

promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma

menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)

As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)

-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)

- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)

- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)

- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)

A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)

Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas

funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na

autonomia e independecircncia dos mesmos

ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)

ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)

ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)

A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees

motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na

comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio

para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC

como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995

apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN

FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI

2004)

59

Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em

seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as

sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois

exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene

alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua

maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte

dos cuidados

A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida

tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das

familiares no presente trabalho

O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos

familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel

vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)

ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo

(B1)

ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)

O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado

pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam

indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente

As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como

aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias

agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha

ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso

natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)

ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)

O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de

um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se

repita

ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei

o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)

O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante

de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que

os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido

60

ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser

agorardquo (C1)

O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela

acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando

sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem

a patologia atual

ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto

tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra

() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute

mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos

porquerdquo(D1)

Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas

da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP

de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades

de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente

156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados

confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo

Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)

- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

- Medo da morte (iii)

- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)

- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)

- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)

- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)

- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)

- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)

O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de

novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)

Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como

principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees

como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo

61

linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste

processo

A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e

NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com

frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe

ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da

histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham

Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz

seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade

Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as

informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou

boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas

pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo

e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais

com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de

comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o

conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares

Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo

do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no

hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)

ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)

ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc

resultadordquo (C1)

Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante

assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e

desgaste do paciente (C1)

ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)

ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)

ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)

O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se

em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe

ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que

ela tem eacute graverdquo (D1)

62

Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar

como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem

Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda

parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de

algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh

e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo

vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)

As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Ter que lidar com o paciente em coma (i)

- Conhecer pouco a paciente (ii)

-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)

- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)

A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave

questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente

No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade

voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em

funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato

de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter

respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo

ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)

ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)

Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em

termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma

reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e

pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos

Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a

ocorrecircncia do AVC foram

-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)

63

- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)

- Conversas com a paciente (iii)

Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o

intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a

recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O

acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado

na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a

forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que

conversava com a paciente

ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as

notiacuteciasrdquo (A1)

ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta

gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)

ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)

Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de

enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de

enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante

de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas

proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao

indiviacuteduo

Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro

enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver

recursos para poder lidar com ela

Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento

A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou

situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil

ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas

similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de

D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem

(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos

episoacutedios

64

ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para

emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso

aconteceurdquo (B1)

Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele

jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)

ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e

mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por

querdquo (D1)

Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo

de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de

origem da paciente que se encontrava fora de Salvador

ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na

terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho

de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido

dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo

(A1)

A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento

ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela

surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da

situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas

pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia

65

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores

preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por

elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi

possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente

de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas

continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a

experiecircncia vivenciada

As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que

repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor

limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma

unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma

proximidade constante

Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo

em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees

norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no

momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos

Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de

serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC

ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees

para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato

de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para

Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente

Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute

visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo

feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os

cuidados aos enfermos

O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi

instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o

encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe

muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves

66

mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos

sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias

utilizadas para enfrentaacute-lo

As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-

se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para

poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava

restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo

que os doentes

O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem

tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias

que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir

aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los

em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava

por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas

relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves

chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos

ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo

episoacutedio

A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser

bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes

evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave

possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro

Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave

necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento

do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico

Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares

abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter

que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente

do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares

saber como se sentem seus pacientes

67

A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da

expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir

acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento

da UTI

O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no

quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste

modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o

quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade

Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em

alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e

assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees

nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de

tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em

outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de

uma das pacientes do estudo

Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas

os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a

principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo

agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e

aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e

esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo

Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de

informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente

tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade

Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro

desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento

inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto

nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a

ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress

Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a

importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI

68

Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste

processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas

duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos

sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas

envolvidas neste processo

Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao

seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o

familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para

lidar com ela

Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas

principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento

Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante

aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta

terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto

emocionalmente

Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as

duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro

proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao

funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como

dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos

Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um

adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande

comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares

neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de

minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante

para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais

adequado a tal realidade

69

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75

ANEXO 01

ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo

destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta

unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina

No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da

sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma

sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente

neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos

que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes

O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida

pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato

com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo

de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para

tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que

vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em

questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao

adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os

haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela

situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como

forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo

O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno

deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta

necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a

meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em

momentos distintos deste processo

O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em

tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba

sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando

com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de

forma mais clara o viacutenculo entre ambos

76

Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio

entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica

profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com

dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do

processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel

77

APEcircNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

FAMILIARES

O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos

pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do

Hospital Espanhol

Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute

ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva

neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente

Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as

formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias

diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo

voltado a estes familiares

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo

seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro

momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado

rotineiramente

Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de

permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do

TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos

atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em

mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia

Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e

responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que

os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo

Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para

contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820

78

Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE

Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi

explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa

Nome________________________________________________________________________

__

Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )

Documento de Identidade ________________

Endereccedilo

_______________________________________________________________________

Telefones para Contato

___________________________________________________________

Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)

Salvador _______ de ____________________ de 2010

_____________________________ _____________________________

Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador

79

APEcircNDICE B

ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de

terapia intensiva

Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento

Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor

Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as

outras vezes EM que sua esposa adoeceu

O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter

provocado isso

O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que

O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo

essas

Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente

Como eacute a sua esposa

Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes

Como foram estas outras experiecircncias para o senhor

Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou

antes

O que tem sido mais difiacutecil para lidar

Como o senhor tem feito para lidar com isso

Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor

Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram

Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo

80

Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento

Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI

Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada

Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa

Qual a sua expectativa a partir de agora

Page 2: UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADORri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1508/1/DISSERTAC...instituição e uma conquista histórico-social com características singulares e plurais,

2

JOANA GALDIERI TORRES

FAMILIARES DE PACIENTES COM AVC EM UNIDADE DE TERAPIA

INTENSIVA IMPACTOS DO ADOECIMENTO

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Universidade Catoacutelica

do Salvador como requisito parcial para a

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Famiacutelia na

Sociedade Contemporacircnea

Orientadora Profordf Drordf Anameacutelia Lins e Silva

Franco

Salvador

2011

3

T693 Torres Joana Galdieri

Familiares de pacientes com AVC em Unidade de Terapia Intensiva

Impactos do adoecimento Joana Galdieri Torres ndash Salvador 2011

76 f

Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Catoacutelica do Salvador

Superintendecircncia de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado em Famiacutelia

na Sociedade Contemporacircnea

Orientaccedilatildeo Prof Dra Anameacutelia Lins e Silva Franco

1 Familiar - Paciente - Acidente Vascular Cerebral (AVC) 2 Famiacutelia -

Impacto psicoloacutegico - Adoecimento 3 Famiacutelia - Paciente -Unidade de Terapia

Intensiva (UTI) I Tiacutetulo

CDU31635626168

UCSAL Sistema de Bibliotecas

4

5

Este trabalho eacute dedicado a todas as pessoas que

tem a difiacutecil missatildeo de acompanhar seus

familiares na UTI em especial agravequelas que se

dispuseram a participar desta pesquisa Jamais

conseguiriacuteamos ir tatildeo longe se vocecircs natildeo

permitissem

6

AGRADECIMENTOS

Agrave Deus que a cada dia que passa se mostra mais presente na minha vida

Agrave minha orientadora Anameacutelia Franco por todo o seu conhecimento e experiecircncia que tanto

me ensinou e pelo imenso coraccedilatildeo que tatildeo bem me acolheu

Agrave Elaine Rabinovich e Ceacutelia Nunes que participaram da banca de qualificaccedilatildeo contribuindo

de forma relevante para o desenvolvimento dessa pesquisa e pela gentileza em aceitarem o

convite para formar a banca examinadora

Ao meu querido tio Alberto que me proporcionou essa conquista e cuja presenccedila se faz

sempre tatildeo forte apesar da distacircncia

Agrave minha doce Clarice a dona do sorriso de dois dentes mais lindo do mundo que chegou em

meio a essa caminhada e me ensinou ainda mais sobre a vida e seu encantamento

Agrave Antonieta Omar Juacutelia Maria Joseacute Bruno Liacutedia peccedilas fundamentais do meu quebra-

cabeccedila familiar

Agrave Mari Pinheiro minha pupila preferida pessoa fundamental na realizaccedilatildeo deste trabalho

Agrave minha querida amiga Andrecirczza Castro que me ajudou a ldquosegurar a ondardquo nos uacuteltimos

tempos me fazendo esquecer dos milhares de quilocircmetros que nos separam

Aos professores funcionaacuterios e colegas deste curso pela companhia durante este percurso

Agrave Psicologia com seus desafios e recompensas

7

ldquoAqui ningueacutem mais ficaraacute depois do sol

No final seraacute o que natildeo sei mas seraacute

Tudo demais

Nem o bem nem o mal

Soacute o brilho calmo dessa luzrdquo

(Flaacutevio Venturini)

8

RESUMO

Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia

intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de

pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no

momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em

uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes

embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado

Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo

aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta

realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia

aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva

Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia

do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos

vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A

anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser

uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas

de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns

dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa

comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para

lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado

Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento

famiacutelia

9

ABSTRACT

This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of

stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown

work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at

the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are

characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality

they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been

affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see

this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service

to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script

that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible

to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping

mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how

shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family

roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this

work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and

relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate

moment

Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family

10

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro Paacutegina

QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick

2011

30

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC

2010

51

QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes

viacutetimas de AVC 2010

52

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 12

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20

31 CRISES FAMILIARES 21

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26

4 O ADOECER 28

41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29

5 A DOENCcedilA AGUDA 33

6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35

61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47

62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44

7 MEacuteTODO 49

71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51

8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53

81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65

REFEREcircNCIAS 69

Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75

APEcircNDICE A ndash TCLE 77

APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem

sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de

gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo

apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais

aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a

influecircncia dos mesmos sobre este grupo social

Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves

relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As

definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram

necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees

contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees

Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para

a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de

seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como

primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a

vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos

indiviacuteduos

Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe

confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador

de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo

rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de

opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio

interminaacutevel (1997 p23)

Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo

especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a

mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto

laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a

famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada

Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de

alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente

13

acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e

apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por

outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo

Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma

instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo

elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de

fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como

pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto

como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um

conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das

geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as

dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias

Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis

modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram

distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo

mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da

horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e

autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade

Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a

nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)

Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo

confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e

igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem

negociadosrdquo (1997 p27)

O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem

relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de

famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros

descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo

(MINUCHIN 1999 p28)

Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia

domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos

estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no

14

funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias

atuais

Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um

quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem

trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma

populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o

desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus

familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas

O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia

constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros

Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro

cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e

desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o

enfrentamento da situaccedilatildeo

Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente

vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta

eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por

uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter

temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem

(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)

Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o

entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras

aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que

haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro

denominando-se AVC hemorraacutegico

Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do

corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar

caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode

ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos

O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias

na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as

15

doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e

a principal causa de incapacidade no mundo

Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que

sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes

ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente

(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E

KUSOMOTA 2006)

A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica

culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este

por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas

com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados

Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e

cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a

adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado

conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as

primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute

dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E

ANGELO 2005 BOCCHI 2004)

Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva

evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as

atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a

quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias

encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a

necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo

suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo

voltadas aos mesmos

Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se

propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de

pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais

pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos

16

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-

degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou

definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e

responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud

PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008)

De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se

como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso

centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)

O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico

(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte

de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro

comprimindo os neurocircnios

Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade

para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo

aparente

Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre

a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees

cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12

Entretanto o

AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros

fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas

inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas

4 Estudos

preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade

inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45

anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)

Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas

apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs

horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de

receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para

desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz

17

Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam

adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo

saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do

colesterol

A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do

derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este

caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de

idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo

receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular

cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no

mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS

2010)

No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por

AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente

morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos

pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema

no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das

maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados

Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano

A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN

(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo

quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por

AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com

68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute

A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A

regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de

Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

18

coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa

o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

cerebrovasculares

Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto

a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos

nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente

quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e

fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso

Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo

AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento

pessoalrdquo

Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma

ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para

o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter

relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se

natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma

forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece

previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico

mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou

ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes

Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir

de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave

instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da

terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso

constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso

bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio

uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia

Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por

algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias

19

mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e

prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar

sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)

Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos

uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de

internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter

que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar

tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas

unidades impotildee

20

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA

O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande

grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees

familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados

pelo que o grupo familiar permite

Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade

compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo

Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu

funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo

Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois

carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo

as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do

comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia

crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada

De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por

subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo

classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute

sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras

(MINUCHIN 1999)

Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de

transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm

para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um

periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e

novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees

confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua

nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um

periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)

Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os

periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio

tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido

embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo

21

constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo

cristalizada (MINUCHIN 1999)

Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como

complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos

psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do

seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo

adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a

possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)

Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria

familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo

de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica

esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)

Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um

legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de

depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do

grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a

doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria

familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)

Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o

lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de

alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila

podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-

47)

31 CRISES FAMILIARES

Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado

poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de

forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento

diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto

22

em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar

com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)

Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa

uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se

necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991

p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila

Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo

indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros

para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo

de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento

anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de

emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise

Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de

uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria

pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute

que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo

baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e

definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram

um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas

diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo

Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo

como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)

Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros

pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das

crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas

que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)

A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com

destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E

DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-

lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro

tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais

e crises do cuidador

23

As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute

real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise

estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios

guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma

satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo

agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam

se solidarizar a este tipo de acontecimento

As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas

normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as

quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas

poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo

enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo

diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao

longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a

transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de

nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras

As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave

mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que

ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o

stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o

stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios

do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido

anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado

como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia

e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar

ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a

importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar

As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma

rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de

mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou

assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho

Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem

24

desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do

cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador

algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do

que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se

indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por

desencadear a crise

Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer

assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia

mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de

poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem

desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de

dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva

sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador

que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia

desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise

Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua

instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no

desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento

Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento

devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de

crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais

que os auxiliam neste momento

Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson

(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da

famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma

necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros

O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo

pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila

Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez

iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao

estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as

consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social

25

Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre

stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e

outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo

Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que

tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise

previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e

valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que

ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de

mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma

criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud

JOSELEVICH 1991)

Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com

frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu

caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar

Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa

e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos

integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo

(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo

capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um

cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se

estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma

assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir

para potencializar o stress vivenciado

A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito

reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral

quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo

cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do

sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio

emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu

mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo

disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede

e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)

26

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR

Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e

possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de

perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos

mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e

com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez

mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude

e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens

Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres

humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo

emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a

necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no

iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte

do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir

de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a

ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto

maior o potencial para a perda

Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo

transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo

vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a

continuidade da vida

Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos

profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que

agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria

do ciclo vital

Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta

o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como

unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os

membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem

como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento

de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda

27

mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que

confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente

apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo

28

4 O ADOECER

O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele

acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees

de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar

a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional

O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser

compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais

socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute

nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)

Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer

acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente

a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que

provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional

e social

Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar

que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que

marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no

enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute

importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos

A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da

famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e

expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um

universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas

tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto

Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de

adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do

paciente e seus familiares

29

41 A DOENCcedilA CROcircNICA

Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida

das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a

despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta

razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez

que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo

Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a

progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia

de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos

que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se

agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a

estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a

doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas

mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a

necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de

natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma

constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES

KUSOMOTA 2006)

Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de

viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge

a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees

nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)

Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas

nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases

importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)

30

Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011

FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL

bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e

programaccedilatildeo de

tratamento

bullAprender a lidar com

sintomas ambiente

hospitalar e procedimentos

terapecircuticos estabelecer

bons viacutenculos com a

equipe

bullIntervalo entre periacuteodo de

diagnoacutestico inicial e ajuste

ao tratamento

bullPredominam questotildees de morte

e doenccedila terminal

Pode haver uma progressatildeo ou

constacircncia do quadro

bullA famiacutelia busca manter a

normalidade diante da

ldquoanormalidaderdquo da doenccedila

crocircnica

A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto

quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do

organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui

reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi

proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)

Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e

sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada

importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou

outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com

os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons

relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de

natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve

construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas

competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova

condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade

entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar

da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter

e McGoldrick 2001 p 378)

31

A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico

inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de

terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou

mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida

normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal

este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo

claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar

sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p

378)

A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se

faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza

separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma

retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E

McGOLDRICK 2001)

Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre

ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem

desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto

familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007

FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)

Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma

doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua

intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)

Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das

circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA

2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural

habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de

seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas

vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua

rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes

acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos

financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com

32

que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue

cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado

Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida

atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar

(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere

citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados

cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E

MARTINS 2008 p148)

O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a

sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado

por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud

SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao

desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades

sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais

A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo

supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o

cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a

sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo

um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005

ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008

WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)

Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser

vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que

afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda

contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo

(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados

de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo

desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de

sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre

33

eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais

(SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um

suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005

APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante

tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005

paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees

no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e

fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros

quanto do grupordquo

42 A DOENCcedilA AGUDA

Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como

processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees

agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas

Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo

suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um

quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir

uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de

alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)

As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta

agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da

famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo

de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para

administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)

Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos

seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus

familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do

mesmo

34

Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia

se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de

serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel

Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas

famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de

solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)

Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE

observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos

pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se

revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido

Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e

social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de

forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a

dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos

familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)

Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em

unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de

informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de

muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria

relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges

(2009)

O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de

grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as

pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes

que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro

comatoso

Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da

instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo

das UTIs

35

5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)

Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os

pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de

estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade

destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que

funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais

responsaacuteveis

Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de

terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees

raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo

A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas

dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente

dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de

ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade

capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E

CORREcircA 2007)

Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico

raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas

alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E

AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA

2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)

Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas

por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para

ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam

diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem

aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo

proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a

alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um

nuacutemero razoaacutevel de leitos

36

Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo

doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem

de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes

inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas

de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes

com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por

um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar

na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser

diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso

de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como

forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem

Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros

dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da

perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da

equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a

disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)

A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na

maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e

medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu

familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma

linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova

realidade

Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em

unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual

foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada

difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento

por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)

Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela

rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o

fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento

Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e

ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI

37

As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez

que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do

paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo

pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo

familiar

Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua

rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao

ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos

No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua

famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e

finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os

indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus

planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a

instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo

Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco

iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar

hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil

ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo

(p140)

O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo

soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO

E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado

nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e

poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar

papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo

Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns

dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da

situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)

Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a

incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas

(URIZZI E CORREcircA 2007)

38

Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em

uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua

famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de

estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos

(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de

estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe

por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem

picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a

percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes

tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros

2007 URIZZI E CORREcircA 2007)

A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave

comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras

de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo

(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente

restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo

de falta de controle

O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma

mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de

informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a

oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados

referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato

demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma

tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem

como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca

de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos

dados fornecidos pela equipe aos familiares

Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente

com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria

para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como

forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e

familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de

conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)

39

Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina

intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de

48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade

do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica

para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande

desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados

fornecidos

Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a

compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida

natildeo foi comunicada (2007 p05)

Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse

contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs

realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade

pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em

instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o

intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe

de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam

ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007

p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que

se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por

sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo

oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato

ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do

paciente internado em UTI

Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de

terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa

vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha

Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma

morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso

Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute

muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante

40

O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e

funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e

abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais

membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os

diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E

GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)

Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas

que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees

sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009

RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)

O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo

lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo

lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior

entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de

elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944

apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em

potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se

aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente

aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade

aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude

Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e

inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre

a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo

ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo

algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)

Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa

ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os

papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema

familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN

1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de

funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida

satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma

41

morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto

bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste

contexto

Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar

com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas

constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos

envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que

temporariamente a pessoa doente

42

6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA

Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a

famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia

seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra

doente

A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo

revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda

despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a

recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)

Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o

suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos

profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a

colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social

Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees

hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto

Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no

enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)

Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em

um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas

portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o

adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na

famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais

na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao

processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)

A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas

pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente

destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos

Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das

pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos

quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo

43

A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes

as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo

responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas

incapacidade dentre outros

Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente

transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma

histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994

apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a

soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo

ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a

famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e

outros 2002 p 46)

Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar

esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees

contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo

da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias

desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick

1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)

Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do

sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases

temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs

dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto

familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre

a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar

relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da

doenccedila

A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de

uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as

questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo

(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)

Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente

diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees

44

impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se

como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades

Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair

de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por

representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se

encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral

sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da

famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de

emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as

distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave

eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que

a constituem

Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves

mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista

que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir

sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema

(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)

Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na

estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa

para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo

estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da

revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias

consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo

(p 24)

Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a

vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da

famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso

eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda

eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o

periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI

Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que

assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma

45

resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma

possibilidade de recuperaccedilatildeo

Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em

2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o

retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que

desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma

crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de

estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos

como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK

amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)

Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila

de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital

pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a

evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos

papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem

como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar

Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute

com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como

tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma

situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento

Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente

Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas

conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e

incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos

familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular

De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do

ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos

reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais

amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o

ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978

apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)

46

Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute

espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com

eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste

processo

As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na

compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a

tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro

Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade

familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da

famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia

Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se

modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da

famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns

membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)

Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma

alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez

podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a

doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de

instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo

As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as

famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila

avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma

doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na

qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma

fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila

centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de

reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente

estado de fusatildeo

47

61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING

Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress

e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este

processo de maneira menos comprometedora

O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas

pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI

DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping

eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a

uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o

Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN

(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila

cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos

da pessoa (CHAVES 2000)

No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam

que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na

emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema

melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de

remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)

O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto

emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente

de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a

realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente

dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima

positiva manter a esperanccedila e o bem-estar

Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como

reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado

do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido

como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo

acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)

48

Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em

contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no

problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar

informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar

recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida

familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede

mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento

Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes

estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico

aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o

provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados

como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser

melhor e e) usar mecanismos de defesa

Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para

momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa

de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa

(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no

enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no

problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de

terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal

e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo

49

7 MEacuteTODO

Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade

familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos

familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas

apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos

mesmos

Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com

familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados

em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de

Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15

leitos divididos entre as duas especialidades

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos

profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando

dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de

maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)

Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse

jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como

estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela

proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia

No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do

estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos

atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)

Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e

situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os

1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-

BA

50

familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das

demandas observadas (Apecircndice B)

Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos

familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos

propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os

resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que

acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em

uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta

realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles

Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48

horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante

da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste

processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o

serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta

unidade

Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois

casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se

apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que

estava presente em todos os horaacuterios

71 APRESENTANDO OS PACIENTES

Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados

relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do

relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo

considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a

internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A

diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato

de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico

O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um

homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo

possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam

51

atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os

demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem

assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por

apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco

eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)

Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia

de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos

natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)

natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010

Paciente

Sexo

Idade

Estado

Civil

Filhos

Profissatildeo

Residecircncia

Diagnoacutestico

Acompanhante

A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada

B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos

C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de

Almoxarifado

SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta

D F 22 Solteira 0 Auxiliar

Administrativa

Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES

Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos

pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua

maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram

casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam

sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se

mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do

estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos

(Quadro III)

52

QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC

2010

Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia

A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador

B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute

C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix

D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute

53

8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria

de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados

81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS

bull Famiacutelia A

A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com

quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados

reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de

Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante

do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de

obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho

ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse

estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio

sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro

comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC

isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o

internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da

paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato

restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a

mesma e sua histoacuteria

bull Famiacutelia B

A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro

filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua

proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus

familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma

mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes

episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade

sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo

com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos

54

quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador

permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo

bull Famiacutelia C

O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute

alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)

Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de

almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)

Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI

deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute

havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar

sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha

para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima

os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando

bull Famiacutelia D

A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos

reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando

funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel

sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital

em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de

ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia

comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente

e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em

funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em

funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um

primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS

A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo

aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas

sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos

familiares de pacientes viacutetimas de AVC

55

As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)

- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)

- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)

- A ausecircncia de privacidade (iv)

- Ter que lidar com algo novo (v)

O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos

familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao

paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo

trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por

estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante

ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo

familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em

consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada

ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)

ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)

Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas

com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um

nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes

exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao

primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando

a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados

dispensados aos pacientes

ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute

que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)

Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC

o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas

por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo

56

agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo

fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem

de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele

paciente

O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido

pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em

funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa

de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de

estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias

proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a

133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)

era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador

ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito

espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)

ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia

todo aquirdquo (D1)

Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees

onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves

16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta

minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico

plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos

alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando

esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta

de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de

transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba

potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos

O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes

dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia

intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador

ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a

gente melhorardquo (A1)

ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela

precisava ir para UTIrdquo (B1)

57

ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)

ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo

preocupadordquo (D1)

Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em

UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi

percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar

colocar-se no lugar e perceber o outro

Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em

relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades

satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como

ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir

da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma

receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos

investimentos terapecircuticos

O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela

acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina

dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor

aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa

provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora

ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu

esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave

noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no

domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai

precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)

O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que

referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo

praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento

suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares

ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um

pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um

primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()

meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito

58

tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo

dando noticias pra elesrdquo (D1)

A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado

que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a

promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma

menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)

As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)

-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)

- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)

- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)

- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)

A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)

Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas

funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na

autonomia e independecircncia dos mesmos

ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)

ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)

ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)

A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees

motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na

comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio

para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC

como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995

apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN

FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI

2004)

59

Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em

seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as

sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois

exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene

alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua

maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte

dos cuidados

A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida

tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das

familiares no presente trabalho

O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos

familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel

vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)

ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo

(B1)

ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)

O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado

pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam

indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente

As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como

aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias

agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha

ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso

natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)

ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)

O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de

um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se

repita

ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei

o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)

O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante

de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que

os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido

60

ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser

agorardquo (C1)

O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela

acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando

sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem

a patologia atual

ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto

tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra

() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute

mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos

porquerdquo(D1)

Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas

da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP

de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades

de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente

156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados

confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo

Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)

- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

- Medo da morte (iii)

- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)

- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)

- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)

- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)

- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)

- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)

O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de

novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)

Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como

principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees

como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo

61

linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste

processo

A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e

NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com

frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe

ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da

histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham

Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz

seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade

Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as

informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou

boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas

pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo

e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais

com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de

comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o

conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares

Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo

do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no

hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)

ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)

ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc

resultadordquo (C1)

Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante

assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e

desgaste do paciente (C1)

ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)

ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)

ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)

O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se

em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe

ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que

ela tem eacute graverdquo (D1)

62

Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar

como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem

Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda

parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de

algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh

e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo

vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)

As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Ter que lidar com o paciente em coma (i)

- Conhecer pouco a paciente (ii)

-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)

- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)

A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave

questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente

No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade

voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em

funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato

de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter

respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo

ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)

ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)

Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em

termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma

reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e

pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos

Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a

ocorrecircncia do AVC foram

-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)

63

- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)

- Conversas com a paciente (iii)

Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o

intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a

recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O

acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado

na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a

forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que

conversava com a paciente

ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as

notiacuteciasrdquo (A1)

ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta

gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)

ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)

Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de

enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de

enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante

de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas

proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao

indiviacuteduo

Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro

enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver

recursos para poder lidar com ela

Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento

A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou

situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil

ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas

similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de

D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem

(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos

episoacutedios

64

ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para

emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso

aconteceurdquo (B1)

Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele

jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)

ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e

mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por

querdquo (D1)

Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo

de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de

origem da paciente que se encontrava fora de Salvador

ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na

terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho

de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido

dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo

(A1)

A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento

ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela

surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da

situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas

pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia

65

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores

preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por

elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi

possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente

de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas

continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a

experiecircncia vivenciada

As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que

repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor

limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma

unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma

proximidade constante

Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo

em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees

norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no

momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos

Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de

serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC

ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees

para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato

de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para

Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente

Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute

visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo

feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os

cuidados aos enfermos

O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi

instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o

encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe

muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves

66

mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos

sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias

utilizadas para enfrentaacute-lo

As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-

se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para

poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava

restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo

que os doentes

O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem

tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias

que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir

aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los

em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava

por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas

relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves

chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos

ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo

episoacutedio

A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser

bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes

evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave

possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro

Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave

necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento

do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico

Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares

abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter

que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente

do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares

saber como se sentem seus pacientes

67

A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da

expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir

acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento

da UTI

O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no

quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste

modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o

quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade

Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em

alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e

assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees

nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de

tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em

outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de

uma das pacientes do estudo

Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas

os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a

principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo

agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e

aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e

esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo

Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de

informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente

tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade

Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro

desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento

inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto

nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a

ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress

Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a

importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI

68

Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste

processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas

duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos

sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas

envolvidas neste processo

Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao

seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o

familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para

lidar com ela

Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas

principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento

Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante

aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta

terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto

emocionalmente

Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as

duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro

proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao

funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como

dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos

Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um

adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande

comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares

neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de

minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante

para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais

adequado a tal realidade

69

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ANEXO 01

ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo

destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta

unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina

No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da

sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma

sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente

neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos

que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes

O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida

pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato

com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo

de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para

tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que

vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em

questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao

adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os

haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela

situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como

forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo

O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno

deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta

necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a

meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em

momentos distintos deste processo

O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em

tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba

sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando

com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de

forma mais clara o viacutenculo entre ambos

76

Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio

entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica

profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com

dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do

processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel

77

APEcircNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

FAMILIARES

O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos

pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do

Hospital Espanhol

Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute

ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva

neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente

Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as

formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias

diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo

voltado a estes familiares

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo

seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro

momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado

rotineiramente

Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de

permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do

TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos

atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em

mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia

Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e

responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que

os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo

Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para

contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820

78

Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE

Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi

explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa

Nome________________________________________________________________________

__

Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )

Documento de Identidade ________________

Endereccedilo

_______________________________________________________________________

Telefones para Contato

___________________________________________________________

Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)

Salvador _______ de ____________________ de 2010

_____________________________ _____________________________

Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador

79

APEcircNDICE B

ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de

terapia intensiva

Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento

Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor

Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as

outras vezes EM que sua esposa adoeceu

O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter

provocado isso

O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que

O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo

essas

Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente

Como eacute a sua esposa

Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes

Como foram estas outras experiecircncias para o senhor

Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou

antes

O que tem sido mais difiacutecil para lidar

Como o senhor tem feito para lidar com isso

Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor

Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram

Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo

80

Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento

Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI

Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada

Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa

Qual a sua expectativa a partir de agora

Page 3: UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADORri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1508/1/DISSERTAC...instituição e uma conquista histórico-social com características singulares e plurais,

3

T693 Torres Joana Galdieri

Familiares de pacientes com AVC em Unidade de Terapia Intensiva

Impactos do adoecimento Joana Galdieri Torres ndash Salvador 2011

76 f

Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Catoacutelica do Salvador

Superintendecircncia de Pesquisa e Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado em Famiacutelia

na Sociedade Contemporacircnea

Orientaccedilatildeo Prof Dra Anameacutelia Lins e Silva Franco

1 Familiar - Paciente - Acidente Vascular Cerebral (AVC) 2 Famiacutelia -

Impacto psicoloacutegico - Adoecimento 3 Famiacutelia - Paciente -Unidade de Terapia

Intensiva (UTI) I Tiacutetulo

CDU31635626168

UCSAL Sistema de Bibliotecas

4

5

Este trabalho eacute dedicado a todas as pessoas que

tem a difiacutecil missatildeo de acompanhar seus

familiares na UTI em especial agravequelas que se

dispuseram a participar desta pesquisa Jamais

conseguiriacuteamos ir tatildeo longe se vocecircs natildeo

permitissem

6

AGRADECIMENTOS

Agrave Deus que a cada dia que passa se mostra mais presente na minha vida

Agrave minha orientadora Anameacutelia Franco por todo o seu conhecimento e experiecircncia que tanto

me ensinou e pelo imenso coraccedilatildeo que tatildeo bem me acolheu

Agrave Elaine Rabinovich e Ceacutelia Nunes que participaram da banca de qualificaccedilatildeo contribuindo

de forma relevante para o desenvolvimento dessa pesquisa e pela gentileza em aceitarem o

convite para formar a banca examinadora

Ao meu querido tio Alberto que me proporcionou essa conquista e cuja presenccedila se faz

sempre tatildeo forte apesar da distacircncia

Agrave minha doce Clarice a dona do sorriso de dois dentes mais lindo do mundo que chegou em

meio a essa caminhada e me ensinou ainda mais sobre a vida e seu encantamento

Agrave Antonieta Omar Juacutelia Maria Joseacute Bruno Liacutedia peccedilas fundamentais do meu quebra-

cabeccedila familiar

Agrave Mari Pinheiro minha pupila preferida pessoa fundamental na realizaccedilatildeo deste trabalho

Agrave minha querida amiga Andrecirczza Castro que me ajudou a ldquosegurar a ondardquo nos uacuteltimos

tempos me fazendo esquecer dos milhares de quilocircmetros que nos separam

Aos professores funcionaacuterios e colegas deste curso pela companhia durante este percurso

Agrave Psicologia com seus desafios e recompensas

7

ldquoAqui ningueacutem mais ficaraacute depois do sol

No final seraacute o que natildeo sei mas seraacute

Tudo demais

Nem o bem nem o mal

Soacute o brilho calmo dessa luzrdquo

(Flaacutevio Venturini)

8

RESUMO

Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia

intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de

pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no

momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em

uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes

embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado

Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo

aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta

realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia

aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva

Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia

do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos

vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A

anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser

uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas

de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns

dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa

comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para

lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado

Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento

famiacutelia

9

ABSTRACT

This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of

stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown

work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at

the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are

characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality

they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been

affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see

this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service

to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script

that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible

to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping

mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how

shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family

roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this

work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and

relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate

moment

Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family

10

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro Paacutegina

QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick

2011

30

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC

2010

51

QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes

viacutetimas de AVC 2010

52

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 12

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20

31 CRISES FAMILIARES 21

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26

4 O ADOECER 28

41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29

5 A DOENCcedilA AGUDA 33

6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35

61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47

62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44

7 MEacuteTODO 49

71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51

8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53

81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65

REFEREcircNCIAS 69

Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75

APEcircNDICE A ndash TCLE 77

APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem

sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de

gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo

apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais

aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a

influecircncia dos mesmos sobre este grupo social

Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves

relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As

definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram

necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees

contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees

Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para

a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de

seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como

primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a

vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos

indiviacuteduos

Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe

confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador

de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo

rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de

opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio

interminaacutevel (1997 p23)

Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo

especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a

mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto

laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a

famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada

Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de

alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente

13

acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e

apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por

outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo

Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma

instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo

elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de

fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como

pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto

como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um

conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das

geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as

dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias

Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis

modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram

distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo

mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da

horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e

autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade

Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a

nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)

Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo

confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e

igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem

negociadosrdquo (1997 p27)

O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem

relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de

famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros

descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo

(MINUCHIN 1999 p28)

Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia

domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos

estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no

14

funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias

atuais

Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um

quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem

trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma

populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o

desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus

familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas

O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia

constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros

Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro

cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e

desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o

enfrentamento da situaccedilatildeo

Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente

vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta

eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por

uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter

temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem

(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)

Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o

entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras

aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que

haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro

denominando-se AVC hemorraacutegico

Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do

corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar

caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode

ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos

O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias

na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as

15

doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e

a principal causa de incapacidade no mundo

Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que

sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes

ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente

(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E

KUSOMOTA 2006)

A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica

culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este

por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas

com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados

Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e

cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a

adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado

conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as

primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute

dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E

ANGELO 2005 BOCCHI 2004)

Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva

evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as

atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a

quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias

encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a

necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo

suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo

voltadas aos mesmos

Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se

propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de

pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais

pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos

16

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-

degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou

definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e

responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud

PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008)

De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se

como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso

centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)

O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico

(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte

de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro

comprimindo os neurocircnios

Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade

para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo

aparente

Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre

a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees

cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12

Entretanto o

AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros

fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas

inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas

4 Estudos

preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade

inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45

anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)

Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas

apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs

horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de

receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para

desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz

17

Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam

adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo

saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do

colesterol

A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do

derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este

caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de

idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo

receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular

cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no

mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS

2010)

No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por

AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente

morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos

pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema

no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das

maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados

Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano

A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN

(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo

quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por

AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com

68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute

A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A

regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de

Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

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coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa

o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

cerebrovasculares

Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto

a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos

nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente

quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e

fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso

Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo

AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento

pessoalrdquo

Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma

ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para

o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter

relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se

natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma

forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece

previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico

mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou

ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes

Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir

de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave

instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da

terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso

constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso

bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio

uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia

Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por

algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias

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mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e

prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar

sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)

Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos

uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de

internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter

que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar

tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas

unidades impotildee

20

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA

O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande

grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees

familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados

pelo que o grupo familiar permite

Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade

compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo

Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu

funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo

Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois

carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo

as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do

comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia

crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada

De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por

subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo

classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute

sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras

(MINUCHIN 1999)

Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de

transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm

para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um

periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e

novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees

confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua

nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um

periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)

Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os

periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio

tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido

embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo

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constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo

cristalizada (MINUCHIN 1999)

Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como

complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos

psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do

seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo

adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a

possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)

Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria

familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo

de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica

esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)

Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um

legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de

depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do

grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a

doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria

familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)

Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o

lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de

alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila

podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-

47)

31 CRISES FAMILIARES

Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado

poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de

forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento

diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto

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em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar

com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)

Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa

uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se

necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991

p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila

Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo

indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros

para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo

de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento

anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de

emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise

Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de

uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria

pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute

que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo

baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e

definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram

um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas

diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo

Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo

como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)

Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros

pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das

crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas

que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)

A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com

destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E

DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-

lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro

tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais

e crises do cuidador

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As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute

real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise

estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios

guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma

satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo

agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam

se solidarizar a este tipo de acontecimento

As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas

normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as

quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas

poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo

enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo

diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao

longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a

transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de

nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras

As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave

mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que

ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o

stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o

stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios

do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido

anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado

como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia

e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar

ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a

importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar

As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma

rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de

mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou

assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho

Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem

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desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do

cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador

algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do

que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se

indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por

desencadear a crise

Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer

assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia

mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de

poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem

desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de

dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva

sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador

que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia

desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise

Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua

instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no

desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento

Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento

devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de

crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais

que os auxiliam neste momento

Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson

(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da

famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma

necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros

O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo

pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila

Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez

iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao

estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as

consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social

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Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre

stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e

outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo

Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que

tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise

previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e

valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que

ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de

mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma

criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud

JOSELEVICH 1991)

Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com

frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu

caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar

Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa

e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos

integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo

(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo

capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um

cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se

estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma

assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir

para potencializar o stress vivenciado

A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito

reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral

quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo

cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do

sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio

emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu

mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo

disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede

e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)

26

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR

Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e

possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de

perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos

mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e

com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez

mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude

e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens

Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres

humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo

emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a

necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no

iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte

do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir

de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a

ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto

maior o potencial para a perda

Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo

transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo

vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a

continuidade da vida

Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos

profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que

agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria

do ciclo vital

Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta

o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como

unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os

membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem

como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento

de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda

27

mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que

confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente

apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo

28

4 O ADOECER

O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele

acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees

de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar

a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional

O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser

compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais

socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute

nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)

Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer

acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente

a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que

provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional

e social

Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar

que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que

marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no

enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute

importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos

A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da

famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e

expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um

universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas

tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto

Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de

adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do

paciente e seus familiares

29

41 A DOENCcedilA CROcircNICA

Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida

das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a

despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta

razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez

que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo

Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a

progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia

de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos

que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se

agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a

estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a

doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas

mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a

necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de

natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma

constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES

KUSOMOTA 2006)

Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de

viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge

a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees

nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)

Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas

nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases

importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)

30

Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011

FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL

bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e

programaccedilatildeo de

tratamento

bullAprender a lidar com

sintomas ambiente

hospitalar e procedimentos

terapecircuticos estabelecer

bons viacutenculos com a

equipe

bullIntervalo entre periacuteodo de

diagnoacutestico inicial e ajuste

ao tratamento

bullPredominam questotildees de morte

e doenccedila terminal

Pode haver uma progressatildeo ou

constacircncia do quadro

bullA famiacutelia busca manter a

normalidade diante da

ldquoanormalidaderdquo da doenccedila

crocircnica

A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto

quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do

organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui

reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi

proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)

Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e

sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada

importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou

outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com

os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons

relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de

natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve

construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas

competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova

condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade

entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar

da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter

e McGoldrick 2001 p 378)

31

A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico

inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de

terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou

mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida

normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal

este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo

claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar

sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p

378)

A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se

faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza

separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma

retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E

McGOLDRICK 2001)

Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre

ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem

desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto

familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007

FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)

Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma

doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua

intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)

Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das

circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA

2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural

habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de

seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas

vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua

rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes

acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos

financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com

32

que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue

cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado

Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida

atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar

(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere

citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados

cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E

MARTINS 2008 p148)

O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a

sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado

por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud

SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao

desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades

sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais

A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo

supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o

cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a

sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo

um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005

ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008

WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)

Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser

vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que

afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda

contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo

(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados

de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo

desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de

sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre

33

eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais

(SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um

suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005

APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante

tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005

paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees

no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e

fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros

quanto do grupordquo

42 A DOENCcedilA AGUDA

Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como

processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees

agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas

Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo

suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um

quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir

uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de

alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)

As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta

agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da

famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo

de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para

administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)

Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos

seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus

familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do

mesmo

34

Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia

se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de

serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel

Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas

famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de

solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)

Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE

observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos

pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se

revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido

Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e

social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de

forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a

dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos

familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)

Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em

unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de

informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de

muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria

relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges

(2009)

O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de

grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as

pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes

que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro

comatoso

Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da

instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo

das UTIs

35

5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)

Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os

pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de

estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade

destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que

funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais

responsaacuteveis

Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de

terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees

raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo

A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas

dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente

dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de

ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade

capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E

CORREcircA 2007)

Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico

raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas

alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E

AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA

2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)

Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas

por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para

ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam

diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem

aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo

proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a

alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um

nuacutemero razoaacutevel de leitos

36

Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo

doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem

de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes

inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas

de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes

com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por

um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar

na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser

diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso

de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como

forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem

Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros

dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da

perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da

equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a

disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)

A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na

maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e

medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu

familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma

linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova

realidade

Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em

unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual

foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada

difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento

por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)

Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela

rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o

fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento

Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e

ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI

37

As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez

que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do

paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo

pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo

familiar

Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua

rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao

ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos

No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua

famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e

finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os

indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus

planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a

instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo

Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco

iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar

hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil

ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo

(p140)

O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo

soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO

E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado

nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e

poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar

papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo

Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns

dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da

situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)

Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a

incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas

(URIZZI E CORREcircA 2007)

38

Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em

uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua

famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de

estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos

(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de

estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe

por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem

picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a

percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes

tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros

2007 URIZZI E CORREcircA 2007)

A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave

comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras

de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo

(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente

restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo

de falta de controle

O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma

mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de

informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a

oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados

referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato

demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma

tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem

como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca

de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos

dados fornecidos pela equipe aos familiares

Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente

com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria

para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como

forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e

familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de

conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)

39

Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina

intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de

48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade

do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica

para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande

desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados

fornecidos

Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a

compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida

natildeo foi comunicada (2007 p05)

Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse

contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs

realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade

pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em

instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o

intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe

de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam

ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007

p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que

se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por

sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo

oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato

ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do

paciente internado em UTI

Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de

terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa

vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha

Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma

morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso

Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute

muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante

40

O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e

funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e

abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais

membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os

diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E

GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)

Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas

que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees

sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009

RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)

O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo

lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo

lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior

entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de

elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944

apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em

potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se

aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente

aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade

aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude

Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e

inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre

a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo

ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo

algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)

Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa

ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os

papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema

familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN

1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de

funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida

satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma

41

morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto

bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste

contexto

Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar

com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas

constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos

envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que

temporariamente a pessoa doente

42

6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA

Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a

famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia

seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra

doente

A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo

revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda

despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a

recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)

Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o

suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos

profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a

colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social

Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees

hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto

Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no

enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)

Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em

um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas

portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o

adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na

famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais

na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao

processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)

A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas

pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente

destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos

Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das

pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos

quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo

43

A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes

as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo

responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas

incapacidade dentre outros

Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente

transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma

histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994

apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a

soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo

ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a

famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e

outros 2002 p 46)

Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar

esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees

contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo

da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias

desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick

1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)

Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do

sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases

temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs

dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto

familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre

a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar

relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da

doenccedila

A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de

uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as

questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo

(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)

Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente

diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees

44

impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se

como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades

Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair

de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por

representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se

encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral

sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da

famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de

emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as

distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave

eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que

a constituem

Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves

mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista

que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir

sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema

(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)

Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na

estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa

para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo

estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da

revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias

consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo

(p 24)

Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a

vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da

famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso

eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda

eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o

periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI

Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que

assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma

45

resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma

possibilidade de recuperaccedilatildeo

Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em

2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o

retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que

desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma

crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de

estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos

como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK

amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)

Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila

de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital

pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a

evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos

papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem

como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar

Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute

com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como

tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma

situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento

Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente

Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas

conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e

incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos

familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular

De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do

ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos

reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais

amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o

ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978

apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)

46

Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute

espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com

eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste

processo

As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na

compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a

tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro

Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade

familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da

famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia

Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se

modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da

famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns

membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)

Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma

alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez

podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a

doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de

instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo

As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as

famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila

avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma

doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na

qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma

fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila

centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de

reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente

estado de fusatildeo

47

61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING

Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress

e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este

processo de maneira menos comprometedora

O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas

pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI

DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping

eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a

uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o

Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN

(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila

cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos

da pessoa (CHAVES 2000)

No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam

que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na

emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema

melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de

remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)

O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto

emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente

de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a

realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente

dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima

positiva manter a esperanccedila e o bem-estar

Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como

reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado

do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido

como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo

acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)

48

Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em

contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no

problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar

informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar

recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida

familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede

mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento

Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes

estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico

aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o

provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados

como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser

melhor e e) usar mecanismos de defesa

Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para

momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa

de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa

(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no

enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no

problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de

terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal

e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo

49

7 MEacuteTODO

Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade

familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos

familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas

apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos

mesmos

Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com

familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados

em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de

Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15

leitos divididos entre as duas especialidades

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos

profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando

dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de

maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)

Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse

jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como

estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela

proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia

No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do

estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos

atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)

Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e

situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os

1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-

BA

50

familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das

demandas observadas (Apecircndice B)

Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos

familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos

propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os

resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que

acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em

uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta

realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles

Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48

horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante

da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste

processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o

serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta

unidade

Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois

casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se

apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que

estava presente em todos os horaacuterios

71 APRESENTANDO OS PACIENTES

Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados

relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do

relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo

considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a

internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A

diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato

de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico

O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um

homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo

possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam

51

atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os

demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem

assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por

apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco

eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)

Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia

de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos

natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)

natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010

Paciente

Sexo

Idade

Estado

Civil

Filhos

Profissatildeo

Residecircncia

Diagnoacutestico

Acompanhante

A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada

B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos

C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de

Almoxarifado

SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta

D F 22 Solteira 0 Auxiliar

Administrativa

Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES

Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos

pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua

maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram

casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam

sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se

mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do

estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos

(Quadro III)

52

QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC

2010

Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia

A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador

B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute

C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix

D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute

53

8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria

de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados

81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS

bull Famiacutelia A

A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com

quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados

reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de

Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante

do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de

obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho

ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse

estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio

sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro

comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC

isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o

internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da

paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato

restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a

mesma e sua histoacuteria

bull Famiacutelia B

A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro

filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua

proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus

familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma

mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes

episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade

sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo

com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos

54

quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador

permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo

bull Famiacutelia C

O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute

alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)

Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de

almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)

Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI

deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute

havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar

sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha

para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima

os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando

bull Famiacutelia D

A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos

reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando

funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel

sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital

em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de

ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia

comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente

e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em

funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em

funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um

primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS

A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo

aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas

sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos

familiares de pacientes viacutetimas de AVC

55

As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)

- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)

- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)

- A ausecircncia de privacidade (iv)

- Ter que lidar com algo novo (v)

O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos

familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao

paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo

trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por

estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante

ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo

familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em

consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada

ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)

ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)

Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas

com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um

nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes

exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao

primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando

a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados

dispensados aos pacientes

ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute

que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)

Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC

o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas

por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo

56

agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo

fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem

de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele

paciente

O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido

pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em

funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa

de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de

estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias

proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a

133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)

era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador

ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito

espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)

ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia

todo aquirdquo (D1)

Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees

onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves

16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta

minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico

plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos

alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando

esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta

de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de

transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba

potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos

O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes

dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia

intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador

ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a

gente melhorardquo (A1)

ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela

precisava ir para UTIrdquo (B1)

57

ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)

ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo

preocupadordquo (D1)

Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em

UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi

percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar

colocar-se no lugar e perceber o outro

Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em

relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades

satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como

ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir

da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma

receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos

investimentos terapecircuticos

O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela

acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina

dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor

aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa

provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora

ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu

esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave

noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no

domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai

precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)

O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que

referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo

praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento

suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares

ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um

pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um

primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()

meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito

58

tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo

dando noticias pra elesrdquo (D1)

A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado

que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a

promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma

menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)

As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)

-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)

- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)

- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)

- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)

A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)

Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas

funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na

autonomia e independecircncia dos mesmos

ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)

ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)

ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)

A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees

motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na

comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio

para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC

como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995

apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN

FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI

2004)

59

Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em

seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as

sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois

exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene

alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua

maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte

dos cuidados

A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida

tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das

familiares no presente trabalho

O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos

familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel

vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)

ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo

(B1)

ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)

O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado

pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam

indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente

As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como

aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias

agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha

ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso

natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)

ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)

O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de

um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se

repita

ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei

o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)

O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante

de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que

os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido

60

ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser

agorardquo (C1)

O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela

acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando

sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem

a patologia atual

ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto

tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra

() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute

mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos

porquerdquo(D1)

Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas

da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP

de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades

de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente

156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados

confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo

Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)

- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

- Medo da morte (iii)

- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)

- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)

- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)

- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)

- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)

- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)

O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de

novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)

Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como

principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees

como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo

61

linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste

processo

A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e

NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com

frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe

ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da

histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham

Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz

seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade

Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as

informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou

boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas

pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo

e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais

com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de

comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o

conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares

Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo

do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no

hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)

ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)

ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc

resultadordquo (C1)

Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante

assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e

desgaste do paciente (C1)

ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)

ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)

ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)

O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se

em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe

ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que

ela tem eacute graverdquo (D1)

62

Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar

como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem

Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda

parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de

algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh

e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo

vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)

As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Ter que lidar com o paciente em coma (i)

- Conhecer pouco a paciente (ii)

-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)

- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)

A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave

questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente

No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade

voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em

funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato

de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter

respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo

ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)

ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)

Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em

termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma

reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e

pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos

Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a

ocorrecircncia do AVC foram

-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)

63

- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)

- Conversas com a paciente (iii)

Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o

intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a

recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O

acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado

na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a

forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que

conversava com a paciente

ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as

notiacuteciasrdquo (A1)

ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta

gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)

ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)

Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de

enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de

enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante

de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas

proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao

indiviacuteduo

Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro

enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver

recursos para poder lidar com ela

Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento

A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou

situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil

ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas

similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de

D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem

(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos

episoacutedios

64

ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para

emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso

aconteceurdquo (B1)

Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele

jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)

ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e

mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por

querdquo (D1)

Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo

de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de

origem da paciente que se encontrava fora de Salvador

ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na

terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho

de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido

dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo

(A1)

A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento

ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela

surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da

situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas

pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia

65

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores

preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por

elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi

possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente

de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas

continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a

experiecircncia vivenciada

As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que

repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor

limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma

unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma

proximidade constante

Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo

em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees

norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no

momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos

Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de

serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC

ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees

para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato

de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para

Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente

Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute

visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo

feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os

cuidados aos enfermos

O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi

instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o

encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe

muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves

66

mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos

sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias

utilizadas para enfrentaacute-lo

As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-

se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para

poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava

restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo

que os doentes

O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem

tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias

que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir

aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los

em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava

por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas

relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves

chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos

ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo

episoacutedio

A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser

bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes

evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave

possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro

Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave

necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento

do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico

Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares

abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter

que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente

do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares

saber como se sentem seus pacientes

67

A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da

expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir

acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento

da UTI

O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no

quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste

modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o

quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade

Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em

alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e

assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees

nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de

tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em

outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de

uma das pacientes do estudo

Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas

os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a

principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo

agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e

aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e

esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo

Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de

informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente

tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade

Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro

desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento

inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto

nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a

ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress

Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a

importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI

68

Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste

processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas

duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos

sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas

envolvidas neste processo

Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao

seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o

familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para

lidar com ela

Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas

principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento

Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante

aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta

terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto

emocionalmente

Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as

duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro

proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao

funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como

dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos

Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um

adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande

comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares

neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de

minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante

para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais

adequado a tal realidade

69

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75

ANEXO 01

ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo

destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta

unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina

No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da

sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma

sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente

neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos

que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes

O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida

pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato

com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo

de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para

tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que

vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em

questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao

adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os

haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela

situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como

forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo

O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno

deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta

necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a

meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em

momentos distintos deste processo

O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em

tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba

sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando

com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de

forma mais clara o viacutenculo entre ambos

76

Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio

entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica

profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com

dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do

processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel

77

APEcircNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

FAMILIARES

O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos

pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do

Hospital Espanhol

Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute

ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva

neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente

Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as

formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias

diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo

voltado a estes familiares

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo

seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro

momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado

rotineiramente

Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de

permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do

TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos

atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em

mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia

Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e

responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que

os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo

Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para

contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820

78

Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE

Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi

explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa

Nome________________________________________________________________________

__

Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )

Documento de Identidade ________________

Endereccedilo

_______________________________________________________________________

Telefones para Contato

___________________________________________________________

Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)

Salvador _______ de ____________________ de 2010

_____________________________ _____________________________

Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador

79

APEcircNDICE B

ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de

terapia intensiva

Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento

Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor

Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as

outras vezes EM que sua esposa adoeceu

O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter

provocado isso

O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que

O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo

essas

Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente

Como eacute a sua esposa

Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes

Como foram estas outras experiecircncias para o senhor

Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou

antes

O que tem sido mais difiacutecil para lidar

Como o senhor tem feito para lidar com isso

Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor

Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram

Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo

80

Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento

Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI

Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada

Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa

Qual a sua expectativa a partir de agora

Page 4: UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADORri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1508/1/DISSERTAC...instituição e uma conquista histórico-social com características singulares e plurais,

4

5

Este trabalho eacute dedicado a todas as pessoas que

tem a difiacutecil missatildeo de acompanhar seus

familiares na UTI em especial agravequelas que se

dispuseram a participar desta pesquisa Jamais

conseguiriacuteamos ir tatildeo longe se vocecircs natildeo

permitissem

6

AGRADECIMENTOS

Agrave Deus que a cada dia que passa se mostra mais presente na minha vida

Agrave minha orientadora Anameacutelia Franco por todo o seu conhecimento e experiecircncia que tanto

me ensinou e pelo imenso coraccedilatildeo que tatildeo bem me acolheu

Agrave Elaine Rabinovich e Ceacutelia Nunes que participaram da banca de qualificaccedilatildeo contribuindo

de forma relevante para o desenvolvimento dessa pesquisa e pela gentileza em aceitarem o

convite para formar a banca examinadora

Ao meu querido tio Alberto que me proporcionou essa conquista e cuja presenccedila se faz

sempre tatildeo forte apesar da distacircncia

Agrave minha doce Clarice a dona do sorriso de dois dentes mais lindo do mundo que chegou em

meio a essa caminhada e me ensinou ainda mais sobre a vida e seu encantamento

Agrave Antonieta Omar Juacutelia Maria Joseacute Bruno Liacutedia peccedilas fundamentais do meu quebra-

cabeccedila familiar

Agrave Mari Pinheiro minha pupila preferida pessoa fundamental na realizaccedilatildeo deste trabalho

Agrave minha querida amiga Andrecirczza Castro que me ajudou a ldquosegurar a ondardquo nos uacuteltimos

tempos me fazendo esquecer dos milhares de quilocircmetros que nos separam

Aos professores funcionaacuterios e colegas deste curso pela companhia durante este percurso

Agrave Psicologia com seus desafios e recompensas

7

ldquoAqui ningueacutem mais ficaraacute depois do sol

No final seraacute o que natildeo sei mas seraacute

Tudo demais

Nem o bem nem o mal

Soacute o brilho calmo dessa luzrdquo

(Flaacutevio Venturini)

8

RESUMO

Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia

intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de

pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no

momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em

uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes

embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado

Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo

aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta

realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia

aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva

Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia

do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos

vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A

anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser

uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas

de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns

dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa

comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para

lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado

Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento

famiacutelia

9

ABSTRACT

This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of

stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown

work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at

the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are

characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality

they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been

affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see

this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service

to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script

that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible

to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping

mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how

shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family

roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this

work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and

relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate

moment

Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family

10

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro Paacutegina

QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick

2011

30

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC

2010

51

QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes

viacutetimas de AVC 2010

52

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 12

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20

31 CRISES FAMILIARES 21

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26

4 O ADOECER 28

41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29

5 A DOENCcedilA AGUDA 33

6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35

61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47

62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44

7 MEacuteTODO 49

71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51

8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53

81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65

REFEREcircNCIAS 69

Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75

APEcircNDICE A ndash TCLE 77

APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem

sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de

gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo

apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais

aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a

influecircncia dos mesmos sobre este grupo social

Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves

relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As

definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram

necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees

contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees

Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para

a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de

seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como

primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a

vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos

indiviacuteduos

Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe

confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador

de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo

rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de

opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio

interminaacutevel (1997 p23)

Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo

especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a

mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto

laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a

famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada

Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de

alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente

13

acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e

apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por

outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo

Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma

instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo

elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de

fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como

pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto

como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um

conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das

geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as

dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias

Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis

modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram

distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo

mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da

horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e

autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade

Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a

nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)

Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo

confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e

igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem

negociadosrdquo (1997 p27)

O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem

relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de

famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros

descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo

(MINUCHIN 1999 p28)

Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia

domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos

estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no

14

funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias

atuais

Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um

quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem

trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma

populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o

desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus

familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas

O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia

constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros

Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro

cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e

desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o

enfrentamento da situaccedilatildeo

Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente

vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta

eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por

uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter

temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem

(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)

Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o

entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras

aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que

haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro

denominando-se AVC hemorraacutegico

Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do

corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar

caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode

ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos

O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias

na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as

15

doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e

a principal causa de incapacidade no mundo

Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que

sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes

ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente

(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E

KUSOMOTA 2006)

A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica

culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este

por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas

com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados

Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e

cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a

adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado

conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as

primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute

dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E

ANGELO 2005 BOCCHI 2004)

Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva

evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as

atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a

quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias

encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a

necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo

suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo

voltadas aos mesmos

Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se

propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de

pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais

pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos

16

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-

degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou

definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e

responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud

PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008)

De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se

como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso

centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)

O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico

(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte

de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro

comprimindo os neurocircnios

Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade

para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo

aparente

Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre

a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees

cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12

Entretanto o

AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros

fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas

inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas

4 Estudos

preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade

inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45

anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)

Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas

apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs

horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de

receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para

desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz

17

Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam

adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo

saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do

colesterol

A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do

derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este

caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de

idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo

receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular

cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no

mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS

2010)

No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por

AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente

morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos

pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema

no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das

maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados

Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano

A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN

(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo

quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por

AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com

68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute

A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A

regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de

Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

18

coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa

o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

cerebrovasculares

Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto

a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos

nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente

quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e

fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso

Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo

AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento

pessoalrdquo

Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma

ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para

o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter

relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se

natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma

forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece

previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico

mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou

ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes

Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir

de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave

instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da

terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso

constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso

bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio

uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia

Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por

algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias

19

mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e

prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar

sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)

Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos

uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de

internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter

que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar

tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas

unidades impotildee

20

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA

O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande

grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees

familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados

pelo que o grupo familiar permite

Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade

compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo

Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu

funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo

Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois

carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo

as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do

comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia

crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada

De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por

subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo

classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute

sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras

(MINUCHIN 1999)

Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de

transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm

para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um

periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e

novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees

confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua

nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um

periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)

Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os

periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio

tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido

embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo

21

constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo

cristalizada (MINUCHIN 1999)

Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como

complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos

psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do

seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo

adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a

possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)

Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria

familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo

de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica

esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)

Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um

legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de

depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do

grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a

doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria

familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)

Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o

lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de

alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila

podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-

47)

31 CRISES FAMILIARES

Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado

poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de

forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento

diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto

22

em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar

com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)

Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa

uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se

necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991

p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila

Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo

indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros

para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo

de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento

anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de

emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise

Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de

uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria

pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute

que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo

baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e

definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram

um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas

diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo

Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo

como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)

Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros

pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das

crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas

que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)

A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com

destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E

DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-

lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro

tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais

e crises do cuidador

23

As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute

real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise

estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios

guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma

satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo

agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam

se solidarizar a este tipo de acontecimento

As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas

normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as

quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas

poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo

enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo

diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao

longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a

transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de

nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras

As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave

mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que

ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o

stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o

stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios

do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido

anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado

como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia

e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar

ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a

importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar

As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma

rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de

mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou

assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho

Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem

24

desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do

cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador

algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do

que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se

indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por

desencadear a crise

Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer

assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia

mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de

poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem

desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de

dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva

sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador

que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia

desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise

Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua

instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no

desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento

Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento

devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de

crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais

que os auxiliam neste momento

Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson

(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da

famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma

necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros

O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo

pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila

Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez

iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao

estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as

consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social

25

Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre

stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e

outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo

Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que

tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise

previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e

valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que

ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de

mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma

criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud

JOSELEVICH 1991)

Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com

frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu

caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar

Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa

e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos

integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo

(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo

capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um

cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se

estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma

assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir

para potencializar o stress vivenciado

A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito

reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral

quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo

cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do

sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio

emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu

mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo

disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede

e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)

26

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR

Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e

possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de

perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos

mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e

com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez

mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude

e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens

Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres

humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo

emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a

necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no

iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte

do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir

de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a

ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto

maior o potencial para a perda

Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo

transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo

vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a

continuidade da vida

Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos

profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que

agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria

do ciclo vital

Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta

o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como

unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os

membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem

como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento

de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda

27

mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que

confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente

apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo

28

4 O ADOECER

O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele

acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees

de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar

a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional

O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser

compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais

socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute

nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)

Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer

acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente

a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que

provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional

e social

Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar

que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que

marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no

enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute

importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos

A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da

famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e

expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um

universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas

tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto

Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de

adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do

paciente e seus familiares

29

41 A DOENCcedilA CROcircNICA

Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida

das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a

despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta

razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez

que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo

Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a

progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia

de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos

que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se

agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a

estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a

doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas

mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a

necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de

natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma

constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES

KUSOMOTA 2006)

Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de

viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge

a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees

nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)

Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas

nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases

importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)

30

Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011

FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL

bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e

programaccedilatildeo de

tratamento

bullAprender a lidar com

sintomas ambiente

hospitalar e procedimentos

terapecircuticos estabelecer

bons viacutenculos com a

equipe

bullIntervalo entre periacuteodo de

diagnoacutestico inicial e ajuste

ao tratamento

bullPredominam questotildees de morte

e doenccedila terminal

Pode haver uma progressatildeo ou

constacircncia do quadro

bullA famiacutelia busca manter a

normalidade diante da

ldquoanormalidaderdquo da doenccedila

crocircnica

A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto

quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do

organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui

reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi

proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)

Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e

sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada

importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou

outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com

os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons

relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de

natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve

construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas

competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova

condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade

entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar

da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter

e McGoldrick 2001 p 378)

31

A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico

inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de

terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou

mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida

normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal

este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo

claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar

sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p

378)

A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se

faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza

separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma

retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E

McGOLDRICK 2001)

Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre

ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem

desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto

familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007

FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)

Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma

doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua

intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)

Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das

circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA

2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural

habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de

seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas

vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua

rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes

acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos

financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com

32

que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue

cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado

Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida

atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar

(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere

citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados

cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E

MARTINS 2008 p148)

O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a

sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado

por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud

SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao

desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades

sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais

A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo

supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o

cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a

sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo

um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005

ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008

WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)

Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser

vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que

afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda

contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo

(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados

de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo

desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de

sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre

33

eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais

(SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um

suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005

APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante

tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005

paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees

no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e

fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros

quanto do grupordquo

42 A DOENCcedilA AGUDA

Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como

processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees

agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas

Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo

suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um

quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir

uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de

alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)

As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta

agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da

famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo

de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para

administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)

Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos

seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus

familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do

mesmo

34

Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia

se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de

serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel

Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas

famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de

solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)

Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE

observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos

pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se

revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido

Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e

social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de

forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a

dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos

familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)

Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em

unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de

informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de

muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria

relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges

(2009)

O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de

grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as

pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes

que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro

comatoso

Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da

instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo

das UTIs

35

5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)

Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os

pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de

estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade

destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que

funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais

responsaacuteveis

Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de

terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees

raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo

A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas

dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente

dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de

ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade

capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E

CORREcircA 2007)

Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico

raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas

alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E

AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA

2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)

Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas

por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para

ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam

diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem

aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo

proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a

alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um

nuacutemero razoaacutevel de leitos

36

Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo

doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem

de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes

inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas

de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes

com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por

um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar

na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser

diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso

de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como

forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem

Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros

dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da

perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da

equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a

disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)

A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na

maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e

medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu

familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma

linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova

realidade

Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em

unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual

foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada

difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento

por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)

Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela

rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o

fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento

Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e

ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI

37

As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez

que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do

paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo

pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo

familiar

Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua

rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao

ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos

No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua

famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e

finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os

indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus

planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a

instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo

Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco

iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar

hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil

ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo

(p140)

O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo

soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO

E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado

nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e

poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar

papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo

Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns

dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da

situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)

Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a

incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas

(URIZZI E CORREcircA 2007)

38

Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em

uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua

famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de

estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos

(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de

estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe

por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem

picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a

percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes

tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros

2007 URIZZI E CORREcircA 2007)

A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave

comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras

de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo

(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente

restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo

de falta de controle

O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma

mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de

informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a

oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados

referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato

demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma

tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem

como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca

de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos

dados fornecidos pela equipe aos familiares

Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente

com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria

para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como

forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e

familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de

conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)

39

Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina

intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de

48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade

do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica

para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande

desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados

fornecidos

Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a

compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida

natildeo foi comunicada (2007 p05)

Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse

contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs

realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade

pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em

instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o

intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe

de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam

ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007

p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que

se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por

sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo

oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato

ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do

paciente internado em UTI

Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de

terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa

vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha

Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma

morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso

Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute

muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante

40

O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e

funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e

abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais

membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os

diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E

GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)

Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas

que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees

sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009

RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)

O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo

lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo

lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior

entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de

elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944

apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em

potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se

aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente

aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade

aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude

Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e

inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre

a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo

ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo

algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)

Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa

ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os

papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema

familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN

1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de

funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida

satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma

41

morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto

bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste

contexto

Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar

com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas

constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos

envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que

temporariamente a pessoa doente

42

6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA

Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a

famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia

seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra

doente

A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo

revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda

despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a

recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)

Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o

suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos

profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a

colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social

Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees

hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto

Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no

enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)

Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em

um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas

portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o

adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na

famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais

na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao

processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)

A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas

pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente

destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos

Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das

pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos

quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo

43

A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes

as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo

responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas

incapacidade dentre outros

Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente

transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma

histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994

apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a

soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo

ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a

famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e

outros 2002 p 46)

Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar

esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees

contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo

da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias

desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick

1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)

Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do

sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases

temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs

dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto

familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre

a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar

relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da

doenccedila

A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de

uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as

questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo

(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)

Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente

diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees

44

impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se

como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades

Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair

de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por

representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se

encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral

sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da

famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de

emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as

distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave

eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que

a constituem

Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves

mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista

que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir

sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema

(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)

Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na

estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa

para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo

estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da

revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias

consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo

(p 24)

Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a

vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da

famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso

eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda

eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o

periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI

Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que

assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma

45

resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma

possibilidade de recuperaccedilatildeo

Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em

2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o

retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que

desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma

crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de

estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos

como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK

amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)

Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila

de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital

pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a

evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos

papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem

como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar

Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute

com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como

tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma

situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento

Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente

Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas

conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e

incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos

familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular

De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do

ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos

reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais

amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o

ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978

apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)

46

Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute

espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com

eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste

processo

As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na

compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a

tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro

Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade

familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da

famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia

Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se

modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da

famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns

membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)

Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma

alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez

podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a

doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de

instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo

As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as

famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila

avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma

doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na

qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma

fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila

centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de

reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente

estado de fusatildeo

47

61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING

Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress

e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este

processo de maneira menos comprometedora

O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas

pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI

DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping

eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a

uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o

Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN

(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila

cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos

da pessoa (CHAVES 2000)

No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam

que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na

emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema

melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de

remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)

O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto

emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente

de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a

realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente

dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima

positiva manter a esperanccedila e o bem-estar

Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como

reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado

do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido

como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo

acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)

48

Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em

contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no

problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar

informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar

recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida

familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede

mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento

Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes

estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico

aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o

provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados

como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser

melhor e e) usar mecanismos de defesa

Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para

momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa

de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa

(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no

enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no

problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de

terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal

e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo

49

7 MEacuteTODO

Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade

familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos

familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas

apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos

mesmos

Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com

familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados

em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de

Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15

leitos divididos entre as duas especialidades

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos

profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando

dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de

maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)

Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse

jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como

estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela

proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia

No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do

estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos

atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)

Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e

situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os

1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-

BA

50

familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das

demandas observadas (Apecircndice B)

Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos

familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos

propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os

resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que

acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em

uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta

realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles

Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48

horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante

da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste

processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o

serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta

unidade

Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois

casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se

apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que

estava presente em todos os horaacuterios

71 APRESENTANDO OS PACIENTES

Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados

relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do

relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo

considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a

internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A

diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato

de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico

O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um

homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo

possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam

51

atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os

demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem

assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por

apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco

eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)

Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia

de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos

natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)

natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010

Paciente

Sexo

Idade

Estado

Civil

Filhos

Profissatildeo

Residecircncia

Diagnoacutestico

Acompanhante

A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada

B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos

C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de

Almoxarifado

SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta

D F 22 Solteira 0 Auxiliar

Administrativa

Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES

Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos

pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua

maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram

casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam

sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se

mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do

estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos

(Quadro III)

52

QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC

2010

Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia

A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador

B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute

C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix

D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute

53

8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria

de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados

81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS

bull Famiacutelia A

A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com

quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados

reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de

Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante

do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de

obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho

ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse

estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio

sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro

comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC

isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o

internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da

paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato

restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a

mesma e sua histoacuteria

bull Famiacutelia B

A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro

filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua

proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus

familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma

mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes

episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade

sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo

com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos

54

quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador

permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo

bull Famiacutelia C

O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute

alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)

Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de

almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)

Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI

deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute

havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar

sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha

para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima

os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando

bull Famiacutelia D

A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos

reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando

funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel

sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital

em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de

ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia

comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente

e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em

funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em

funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um

primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS

A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo

aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas

sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos

familiares de pacientes viacutetimas de AVC

55

As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)

- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)

- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)

- A ausecircncia de privacidade (iv)

- Ter que lidar com algo novo (v)

O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos

familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao

paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo

trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por

estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante

ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo

familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em

consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada

ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)

ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)

Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas

com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um

nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes

exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao

primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando

a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados

dispensados aos pacientes

ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute

que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)

Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC

o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas

por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo

56

agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo

fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem

de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele

paciente

O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido

pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em

funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa

de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de

estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias

proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a

133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)

era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador

ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito

espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)

ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia

todo aquirdquo (D1)

Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees

onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves

16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta

minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico

plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos

alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando

esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta

de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de

transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba

potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos

O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes

dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia

intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador

ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a

gente melhorardquo (A1)

ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela

precisava ir para UTIrdquo (B1)

57

ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)

ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo

preocupadordquo (D1)

Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em

UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi

percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar

colocar-se no lugar e perceber o outro

Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em

relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades

satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como

ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir

da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma

receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos

investimentos terapecircuticos

O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela

acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina

dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor

aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa

provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora

ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu

esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave

noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no

domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai

precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)

O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que

referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo

praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento

suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares

ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um

pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um

primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()

meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito

58

tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo

dando noticias pra elesrdquo (D1)

A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado

que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a

promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma

menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)

As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)

-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)

- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)

- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)

- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)

A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)

Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas

funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na

autonomia e independecircncia dos mesmos

ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)

ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)

ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)

A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees

motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na

comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio

para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC

como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995

apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN

FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI

2004)

59

Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em

seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as

sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois

exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene

alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua

maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte

dos cuidados

A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida

tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das

familiares no presente trabalho

O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos

familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel

vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)

ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo

(B1)

ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)

O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado

pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam

indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente

As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como

aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias

agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha

ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso

natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)

ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)

O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de

um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se

repita

ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei

o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)

O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante

de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que

os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido

60

ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser

agorardquo (C1)

O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela

acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando

sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem

a patologia atual

ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto

tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra

() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute

mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos

porquerdquo(D1)

Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas

da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP

de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades

de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente

156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados

confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo

Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)

- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

- Medo da morte (iii)

- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)

- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)

- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)

- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)

- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)

- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)

O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de

novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)

Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como

principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees

como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo

61

linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste

processo

A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e

NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com

frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe

ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da

histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham

Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz

seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade

Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as

informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou

boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas

pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo

e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais

com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de

comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o

conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares

Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo

do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no

hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)

ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)

ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc

resultadordquo (C1)

Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante

assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e

desgaste do paciente (C1)

ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)

ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)

ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)

O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se

em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe

ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que

ela tem eacute graverdquo (D1)

62

Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar

como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem

Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda

parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de

algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh

e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo

vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)

As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Ter que lidar com o paciente em coma (i)

- Conhecer pouco a paciente (ii)

-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)

- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)

A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave

questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente

No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade

voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em

funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato

de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter

respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo

ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)

ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)

Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em

termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma

reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e

pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos

Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a

ocorrecircncia do AVC foram

-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)

63

- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)

- Conversas com a paciente (iii)

Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o

intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a

recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O

acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado

na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a

forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que

conversava com a paciente

ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as

notiacuteciasrdquo (A1)

ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta

gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)

ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)

Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de

enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de

enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante

de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas

proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao

indiviacuteduo

Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro

enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver

recursos para poder lidar com ela

Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento

A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou

situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil

ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas

similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de

D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem

(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos

episoacutedios

64

ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para

emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso

aconteceurdquo (B1)

Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele

jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)

ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e

mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por

querdquo (D1)

Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo

de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de

origem da paciente que se encontrava fora de Salvador

ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na

terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho

de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido

dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo

(A1)

A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento

ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela

surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da

situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas

pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia

65

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores

preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por

elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi

possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente

de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas

continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a

experiecircncia vivenciada

As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que

repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor

limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma

unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma

proximidade constante

Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo

em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees

norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no

momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos

Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de

serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC

ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees

para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato

de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para

Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente

Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute

visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo

feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os

cuidados aos enfermos

O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi

instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o

encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe

muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves

66

mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos

sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias

utilizadas para enfrentaacute-lo

As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-

se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para

poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava

restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo

que os doentes

O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem

tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias

que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir

aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los

em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava

por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas

relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves

chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos

ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo

episoacutedio

A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser

bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes

evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave

possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro

Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave

necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento

do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico

Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares

abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter

que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente

do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares

saber como se sentem seus pacientes

67

A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da

expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir

acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento

da UTI

O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no

quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste

modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o

quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade

Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em

alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e

assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees

nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de

tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em

outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de

uma das pacientes do estudo

Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas

os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a

principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo

agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e

aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e

esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo

Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de

informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente

tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade

Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro

desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento

inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto

nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a

ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress

Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a

importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI

68

Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste

processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas

duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos

sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas

envolvidas neste processo

Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao

seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o

familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para

lidar com ela

Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas

principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento

Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante

aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta

terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto

emocionalmente

Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as

duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro

proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao

funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como

dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos

Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um

adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande

comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares

neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de

minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante

para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais

adequado a tal realidade

69

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75

ANEXO 01

ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo

destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta

unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina

No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da

sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma

sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente

neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos

que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes

O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida

pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato

com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo

de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para

tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que

vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em

questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao

adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os

haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela

situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como

forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo

O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno

deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta

necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a

meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em

momentos distintos deste processo

O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em

tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba

sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando

com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de

forma mais clara o viacutenculo entre ambos

76

Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio

entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica

profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com

dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do

processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel

77

APEcircNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

FAMILIARES

O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos

pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do

Hospital Espanhol

Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute

ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva

neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente

Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as

formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias

diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo

voltado a estes familiares

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo

seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro

momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado

rotineiramente

Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de

permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do

TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos

atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em

mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia

Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e

responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que

os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo

Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para

contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820

78

Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE

Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi

explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa

Nome________________________________________________________________________

__

Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )

Documento de Identidade ________________

Endereccedilo

_______________________________________________________________________

Telefones para Contato

___________________________________________________________

Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)

Salvador _______ de ____________________ de 2010

_____________________________ _____________________________

Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador

79

APEcircNDICE B

ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de

terapia intensiva

Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento

Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor

Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as

outras vezes EM que sua esposa adoeceu

O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter

provocado isso

O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que

O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo

essas

Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente

Como eacute a sua esposa

Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes

Como foram estas outras experiecircncias para o senhor

Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou

antes

O que tem sido mais difiacutecil para lidar

Como o senhor tem feito para lidar com isso

Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor

Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram

Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo

80

Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento

Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI

Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada

Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa

Qual a sua expectativa a partir de agora

Page 5: UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADORri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1508/1/DISSERTAC...instituição e uma conquista histórico-social com características singulares e plurais,

5

Este trabalho eacute dedicado a todas as pessoas que

tem a difiacutecil missatildeo de acompanhar seus

familiares na UTI em especial agravequelas que se

dispuseram a participar desta pesquisa Jamais

conseguiriacuteamos ir tatildeo longe se vocecircs natildeo

permitissem

6

AGRADECIMENTOS

Agrave Deus que a cada dia que passa se mostra mais presente na minha vida

Agrave minha orientadora Anameacutelia Franco por todo o seu conhecimento e experiecircncia que tanto

me ensinou e pelo imenso coraccedilatildeo que tatildeo bem me acolheu

Agrave Elaine Rabinovich e Ceacutelia Nunes que participaram da banca de qualificaccedilatildeo contribuindo

de forma relevante para o desenvolvimento dessa pesquisa e pela gentileza em aceitarem o

convite para formar a banca examinadora

Ao meu querido tio Alberto que me proporcionou essa conquista e cuja presenccedila se faz

sempre tatildeo forte apesar da distacircncia

Agrave minha doce Clarice a dona do sorriso de dois dentes mais lindo do mundo que chegou em

meio a essa caminhada e me ensinou ainda mais sobre a vida e seu encantamento

Agrave Antonieta Omar Juacutelia Maria Joseacute Bruno Liacutedia peccedilas fundamentais do meu quebra-

cabeccedila familiar

Agrave Mari Pinheiro minha pupila preferida pessoa fundamental na realizaccedilatildeo deste trabalho

Agrave minha querida amiga Andrecirczza Castro que me ajudou a ldquosegurar a ondardquo nos uacuteltimos

tempos me fazendo esquecer dos milhares de quilocircmetros que nos separam

Aos professores funcionaacuterios e colegas deste curso pela companhia durante este percurso

Agrave Psicologia com seus desafios e recompensas

7

ldquoAqui ningueacutem mais ficaraacute depois do sol

No final seraacute o que natildeo sei mas seraacute

Tudo demais

Nem o bem nem o mal

Soacute o brilho calmo dessa luzrdquo

(Flaacutevio Venturini)

8

RESUMO

Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia

intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de

pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no

momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em

uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes

embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado

Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo

aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta

realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia

aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva

Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia

do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos

vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A

anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser

uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas

de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns

dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa

comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para

lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado

Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento

famiacutelia

9

ABSTRACT

This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of

stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown

work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at

the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are

characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality

they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been

affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see

this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service

to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script

that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible

to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping

mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how

shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family

roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this

work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and

relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate

moment

Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family

10

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro Paacutegina

QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick

2011

30

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC

2010

51

QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes

viacutetimas de AVC 2010

52

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 12

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20

31 CRISES FAMILIARES 21

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26

4 O ADOECER 28

41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29

5 A DOENCcedilA AGUDA 33

6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35

61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47

62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44

7 MEacuteTODO 49

71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51

8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53

81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65

REFEREcircNCIAS 69

Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75

APEcircNDICE A ndash TCLE 77

APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem

sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de

gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo

apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais

aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a

influecircncia dos mesmos sobre este grupo social

Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves

relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As

definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram

necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees

contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees

Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para

a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de

seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como

primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a

vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos

indiviacuteduos

Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe

confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador

de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo

rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de

opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio

interminaacutevel (1997 p23)

Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo

especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a

mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto

laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a

famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada

Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de

alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente

13

acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e

apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por

outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo

Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma

instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo

elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de

fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como

pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto

como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um

conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das

geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as

dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias

Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis

modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram

distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo

mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da

horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e

autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade

Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a

nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)

Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo

confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e

igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem

negociadosrdquo (1997 p27)

O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem

relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de

famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros

descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo

(MINUCHIN 1999 p28)

Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia

domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos

estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no

14

funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias

atuais

Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um

quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem

trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma

populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o

desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus

familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas

O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia

constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros

Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro

cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e

desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o

enfrentamento da situaccedilatildeo

Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente

vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta

eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por

uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter

temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem

(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)

Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o

entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras

aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que

haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro

denominando-se AVC hemorraacutegico

Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do

corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar

caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode

ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos

O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias

na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as

15

doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e

a principal causa de incapacidade no mundo

Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que

sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes

ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente

(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E

KUSOMOTA 2006)

A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica

culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este

por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas

com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados

Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e

cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a

adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado

conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as

primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute

dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E

ANGELO 2005 BOCCHI 2004)

Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva

evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as

atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a

quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias

encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a

necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo

suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo

voltadas aos mesmos

Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se

propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de

pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais

pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos

16

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-

degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou

definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e

responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud

PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008)

De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se

como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso

centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)

O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico

(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte

de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro

comprimindo os neurocircnios

Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade

para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo

aparente

Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre

a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees

cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12

Entretanto o

AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros

fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas

inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas

4 Estudos

preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade

inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45

anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)

Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas

apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs

horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de

receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para

desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz

17

Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam

adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo

saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do

colesterol

A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do

derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este

caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de

idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo

receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular

cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no

mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS

2010)

No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por

AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente

morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos

pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema

no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das

maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados

Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano

A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN

(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo

quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por

AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com

68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute

A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A

regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de

Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

18

coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa

o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

cerebrovasculares

Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto

a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos

nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente

quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e

fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso

Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo

AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento

pessoalrdquo

Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma

ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para

o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter

relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se

natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma

forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece

previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico

mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou

ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes

Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir

de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave

instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da

terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso

constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso

bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio

uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia

Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por

algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias

19

mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e

prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar

sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)

Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos

uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de

internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter

que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar

tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas

unidades impotildee

20

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA

O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande

grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees

familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados

pelo que o grupo familiar permite

Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade

compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo

Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu

funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo

Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois

carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo

as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do

comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia

crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada

De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por

subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo

classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute

sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras

(MINUCHIN 1999)

Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de

transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm

para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um

periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e

novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees

confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua

nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um

periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)

Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os

periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio

tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido

embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo

21

constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo

cristalizada (MINUCHIN 1999)

Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como

complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos

psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do

seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo

adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a

possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)

Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria

familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo

de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica

esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)

Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um

legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de

depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do

grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a

doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria

familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)

Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o

lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de

alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila

podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-

47)

31 CRISES FAMILIARES

Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado

poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de

forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento

diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto

22

em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar

com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)

Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa

uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se

necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991

p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila

Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo

indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros

para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo

de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento

anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de

emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise

Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de

uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria

pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute

que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo

baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e

definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram

um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas

diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo

Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo

como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)

Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros

pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das

crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas

que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)

A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com

destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E

DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-

lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro

tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais

e crises do cuidador

23

As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute

real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise

estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios

guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma

satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo

agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam

se solidarizar a este tipo de acontecimento

As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas

normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as

quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas

poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo

enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo

diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao

longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a

transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de

nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras

As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave

mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que

ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o

stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o

stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios

do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido

anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado

como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia

e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar

ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a

importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar

As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma

rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de

mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou

assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho

Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem

24

desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do

cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador

algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do

que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se

indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por

desencadear a crise

Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer

assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia

mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de

poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem

desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de

dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva

sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador

que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia

desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise

Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua

instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no

desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento

Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento

devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de

crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais

que os auxiliam neste momento

Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson

(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da

famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma

necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros

O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo

pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila

Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez

iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao

estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as

consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social

25

Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre

stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e

outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo

Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que

tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise

previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e

valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que

ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de

mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma

criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud

JOSELEVICH 1991)

Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com

frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu

caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar

Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa

e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos

integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo

(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo

capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um

cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se

estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma

assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir

para potencializar o stress vivenciado

A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito

reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral

quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo

cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do

sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio

emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu

mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo

disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede

e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)

26

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR

Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e

possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de

perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos

mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e

com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez

mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude

e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens

Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres

humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo

emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a

necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no

iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte

do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir

de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a

ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto

maior o potencial para a perda

Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo

transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo

vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a

continuidade da vida

Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos

profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que

agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria

do ciclo vital

Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta

o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como

unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os

membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem

como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento

de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda

27

mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que

confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente

apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo

28

4 O ADOECER

O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele

acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees

de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar

a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional

O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser

compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais

socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute

nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)

Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer

acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente

a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que

provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional

e social

Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar

que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que

marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no

enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute

importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos

A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da

famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e

expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um

universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas

tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto

Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de

adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do

paciente e seus familiares

29

41 A DOENCcedilA CROcircNICA

Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida

das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a

despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta

razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez

que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo

Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a

progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia

de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos

que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se

agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a

estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a

doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas

mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a

necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de

natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma

constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES

KUSOMOTA 2006)

Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de

viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge

a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees

nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)

Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas

nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases

importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)

30

Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011

FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL

bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e

programaccedilatildeo de

tratamento

bullAprender a lidar com

sintomas ambiente

hospitalar e procedimentos

terapecircuticos estabelecer

bons viacutenculos com a

equipe

bullIntervalo entre periacuteodo de

diagnoacutestico inicial e ajuste

ao tratamento

bullPredominam questotildees de morte

e doenccedila terminal

Pode haver uma progressatildeo ou

constacircncia do quadro

bullA famiacutelia busca manter a

normalidade diante da

ldquoanormalidaderdquo da doenccedila

crocircnica

A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto

quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do

organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui

reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi

proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)

Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e

sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada

importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou

outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com

os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons

relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de

natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve

construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas

competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova

condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade

entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar

da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter

e McGoldrick 2001 p 378)

31

A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico

inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de

terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou

mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida

normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal

este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo

claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar

sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p

378)

A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se

faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza

separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma

retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E

McGOLDRICK 2001)

Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre

ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem

desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto

familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007

FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)

Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma

doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua

intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)

Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das

circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA

2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural

habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de

seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas

vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua

rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes

acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos

financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com

32

que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue

cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado

Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida

atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar

(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere

citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados

cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E

MARTINS 2008 p148)

O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a

sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado

por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud

SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao

desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades

sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais

A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo

supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o

cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a

sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo

um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005

ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008

WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)

Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser

vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que

afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda

contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo

(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados

de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo

desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de

sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre

33

eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais

(SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um

suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005

APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante

tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005

paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees

no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e

fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros

quanto do grupordquo

42 A DOENCcedilA AGUDA

Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como

processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees

agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas

Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo

suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um

quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir

uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de

alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)

As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta

agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da

famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo

de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para

administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)

Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos

seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus

familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do

mesmo

34

Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia

se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de

serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel

Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas

famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de

solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)

Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE

observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos

pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se

revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido

Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e

social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de

forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a

dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos

familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)

Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em

unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de

informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de

muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria

relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges

(2009)

O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de

grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as

pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes

que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro

comatoso

Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da

instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo

das UTIs

35

5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)

Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os

pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de

estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade

destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que

funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais

responsaacuteveis

Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de

terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees

raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo

A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas

dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente

dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de

ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade

capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E

CORREcircA 2007)

Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico

raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas

alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E

AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA

2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)

Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas

por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para

ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam

diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem

aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo

proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a

alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um

nuacutemero razoaacutevel de leitos

36

Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo

doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem

de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes

inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas

de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes

com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por

um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar

na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser

diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso

de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como

forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem

Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros

dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da

perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da

equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a

disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)

A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na

maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e

medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu

familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma

linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova

realidade

Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em

unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual

foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada

difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento

por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)

Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela

rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o

fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento

Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e

ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI

37

As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez

que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do

paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo

pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo

familiar

Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua

rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao

ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos

No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua

famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e

finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os

indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus

planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a

instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo

Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco

iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar

hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil

ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo

(p140)

O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo

soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO

E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado

nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e

poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar

papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo

Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns

dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da

situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)

Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a

incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas

(URIZZI E CORREcircA 2007)

38

Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em

uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua

famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de

estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos

(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de

estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe

por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem

picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a

percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes

tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros

2007 URIZZI E CORREcircA 2007)

A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave

comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras

de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo

(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente

restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo

de falta de controle

O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma

mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de

informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a

oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados

referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato

demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma

tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem

como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca

de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos

dados fornecidos pela equipe aos familiares

Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente

com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria

para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como

forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e

familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de

conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)

39

Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina

intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de

48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade

do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica

para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande

desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados

fornecidos

Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a

compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida

natildeo foi comunicada (2007 p05)

Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse

contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs

realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade

pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em

instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o

intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe

de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam

ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007

p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que

se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por

sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo

oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato

ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do

paciente internado em UTI

Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de

terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa

vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha

Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma

morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso

Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute

muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante

40

O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e

funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e

abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais

membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os

diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E

GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)

Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas

que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees

sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009

RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)

O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo

lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo

lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior

entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de

elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944

apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em

potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se

aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente

aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade

aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude

Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e

inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre

a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo

ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo

algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)

Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa

ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os

papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema

familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN

1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de

funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida

satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma

41

morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto

bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste

contexto

Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar

com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas

constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos

envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que

temporariamente a pessoa doente

42

6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA

Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a

famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia

seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra

doente

A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo

revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda

despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a

recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)

Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o

suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos

profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a

colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social

Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees

hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto

Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no

enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)

Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em

um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas

portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o

adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na

famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais

na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao

processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)

A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas

pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente

destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos

Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das

pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos

quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo

43

A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes

as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo

responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas

incapacidade dentre outros

Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente

transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma

histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994

apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a

soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo

ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a

famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e

outros 2002 p 46)

Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar

esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees

contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo

da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias

desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick

1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)

Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do

sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases

temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs

dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto

familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre

a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar

relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da

doenccedila

A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de

uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as

questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo

(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)

Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente

diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees

44

impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se

como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades

Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair

de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por

representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se

encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral

sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da

famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de

emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as

distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave

eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que

a constituem

Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves

mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista

que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir

sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema

(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)

Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na

estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa

para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo

estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da

revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias

consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo

(p 24)

Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a

vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da

famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso

eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda

eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o

periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI

Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que

assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma

45

resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma

possibilidade de recuperaccedilatildeo

Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em

2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o

retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que

desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma

crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de

estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos

como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK

amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)

Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila

de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital

pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a

evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos

papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem

como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar

Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute

com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como

tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma

situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento

Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente

Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas

conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e

incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos

familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular

De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do

ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos

reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais

amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o

ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978

apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)

46

Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute

espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com

eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste

processo

As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na

compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a

tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro

Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade

familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da

famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia

Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se

modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da

famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns

membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)

Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma

alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez

podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a

doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de

instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo

As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as

famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila

avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma

doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na

qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma

fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila

centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de

reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente

estado de fusatildeo

47

61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING

Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress

e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este

processo de maneira menos comprometedora

O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas

pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI

DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping

eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a

uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o

Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN

(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila

cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos

da pessoa (CHAVES 2000)

No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam

que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na

emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema

melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de

remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)

O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto

emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente

de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a

realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente

dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima

positiva manter a esperanccedila e o bem-estar

Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como

reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado

do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido

como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo

acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)

48

Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em

contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no

problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar

informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar

recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida

familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede

mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento

Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes

estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico

aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o

provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados

como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser

melhor e e) usar mecanismos de defesa

Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para

momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa

de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa

(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no

enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no

problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de

terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal

e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo

49

7 MEacuteTODO

Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade

familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos

familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas

apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos

mesmos

Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com

familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados

em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de

Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15

leitos divididos entre as duas especialidades

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos

profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando

dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de

maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)

Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse

jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como

estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela

proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia

No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do

estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos

atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)

Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e

situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os

1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-

BA

50

familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das

demandas observadas (Apecircndice B)

Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos

familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos

propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os

resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que

acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em

uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta

realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles

Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48

horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante

da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste

processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o

serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta

unidade

Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois

casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se

apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que

estava presente em todos os horaacuterios

71 APRESENTANDO OS PACIENTES

Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados

relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do

relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo

considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a

internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A

diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato

de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico

O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um

homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo

possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam

51

atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os

demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem

assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por

apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco

eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)

Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia

de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos

natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)

natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010

Paciente

Sexo

Idade

Estado

Civil

Filhos

Profissatildeo

Residecircncia

Diagnoacutestico

Acompanhante

A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada

B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos

C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de

Almoxarifado

SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta

D F 22 Solteira 0 Auxiliar

Administrativa

Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES

Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos

pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua

maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram

casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam

sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se

mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do

estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos

(Quadro III)

52

QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC

2010

Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia

A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador

B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute

C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix

D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute

53

8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria

de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados

81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS

bull Famiacutelia A

A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com

quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados

reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de

Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante

do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de

obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho

ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse

estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio

sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro

comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC

isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o

internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da

paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato

restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a

mesma e sua histoacuteria

bull Famiacutelia B

A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro

filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua

proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus

familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma

mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes

episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade

sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo

com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos

54

quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador

permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo

bull Famiacutelia C

O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute

alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)

Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de

almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)

Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI

deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute

havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar

sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha

para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima

os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando

bull Famiacutelia D

A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos

reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando

funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel

sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital

em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de

ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia

comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente

e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em

funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em

funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um

primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS

A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo

aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas

sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos

familiares de pacientes viacutetimas de AVC

55

As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)

- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)

- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)

- A ausecircncia de privacidade (iv)

- Ter que lidar com algo novo (v)

O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos

familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao

paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo

trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por

estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante

ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo

familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em

consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada

ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)

ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)

Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas

com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um

nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes

exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao

primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando

a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados

dispensados aos pacientes

ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute

que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)

Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC

o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas

por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo

56

agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo

fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem

de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele

paciente

O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido

pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em

funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa

de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de

estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias

proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a

133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)

era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador

ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito

espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)

ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia

todo aquirdquo (D1)

Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees

onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves

16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta

minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico

plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos

alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando

esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta

de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de

transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba

potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos

O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes

dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia

intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador

ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a

gente melhorardquo (A1)

ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela

precisava ir para UTIrdquo (B1)

57

ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)

ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo

preocupadordquo (D1)

Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em

UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi

percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar

colocar-se no lugar e perceber o outro

Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em

relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades

satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como

ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir

da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma

receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos

investimentos terapecircuticos

O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela

acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina

dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor

aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa

provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora

ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu

esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave

noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no

domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai

precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)

O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que

referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo

praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento

suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares

ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um

pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um

primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()

meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito

58

tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo

dando noticias pra elesrdquo (D1)

A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado

que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a

promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma

menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)

As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)

-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)

- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)

- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)

- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)

A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)

Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas

funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na

autonomia e independecircncia dos mesmos

ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)

ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)

ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)

A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees

motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na

comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio

para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC

como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995

apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN

FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI

2004)

59

Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em

seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as

sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois

exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene

alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua

maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte

dos cuidados

A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida

tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das

familiares no presente trabalho

O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos

familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel

vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)

ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo

(B1)

ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)

O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado

pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam

indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente

As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como

aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias

agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha

ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso

natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)

ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)

O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de

um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se

repita

ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei

o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)

O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante

de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que

os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido

60

ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser

agorardquo (C1)

O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela

acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando

sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem

a patologia atual

ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto

tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra

() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute

mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos

porquerdquo(D1)

Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas

da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP

de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades

de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente

156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados

confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo

Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)

- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

- Medo da morte (iii)

- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)

- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)

- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)

- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)

- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)

- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)

O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de

novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)

Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como

principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees

como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo

61

linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste

processo

A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e

NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com

frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe

ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da

histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham

Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz

seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade

Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as

informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou

boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas

pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo

e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais

com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de

comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o

conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares

Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo

do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no

hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)

ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)

ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc

resultadordquo (C1)

Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante

assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e

desgaste do paciente (C1)

ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)

ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)

ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)

O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se

em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe

ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que

ela tem eacute graverdquo (D1)

62

Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar

como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem

Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda

parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de

algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh

e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo

vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)

As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Ter que lidar com o paciente em coma (i)

- Conhecer pouco a paciente (ii)

-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)

- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)

A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave

questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente

No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade

voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em

funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato

de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter

respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo

ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)

ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)

Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em

termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma

reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e

pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos

Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a

ocorrecircncia do AVC foram

-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)

63

- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)

- Conversas com a paciente (iii)

Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o

intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a

recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O

acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado

na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a

forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que

conversava com a paciente

ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as

notiacuteciasrdquo (A1)

ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta

gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)

ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)

Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de

enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de

enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante

de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas

proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao

indiviacuteduo

Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro

enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver

recursos para poder lidar com ela

Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento

A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou

situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil

ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas

similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de

D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem

(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos

episoacutedios

64

ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para

emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso

aconteceurdquo (B1)

Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele

jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)

ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e

mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por

querdquo (D1)

Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo

de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de

origem da paciente que se encontrava fora de Salvador

ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na

terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho

de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido

dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo

(A1)

A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento

ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela

surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da

situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas

pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia

65

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores

preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por

elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi

possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente

de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas

continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a

experiecircncia vivenciada

As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que

repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor

limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma

unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma

proximidade constante

Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo

em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees

norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no

momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos

Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de

serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC

ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees

para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato

de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para

Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente

Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute

visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo

feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os

cuidados aos enfermos

O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi

instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o

encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe

muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves

66

mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos

sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias

utilizadas para enfrentaacute-lo

As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-

se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para

poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava

restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo

que os doentes

O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem

tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias

que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir

aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los

em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava

por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas

relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves

chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos

ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo

episoacutedio

A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser

bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes

evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave

possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro

Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave

necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento

do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico

Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares

abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter

que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente

do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares

saber como se sentem seus pacientes

67

A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da

expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir

acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento

da UTI

O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no

quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste

modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o

quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade

Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em

alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e

assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees

nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de

tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em

outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de

uma das pacientes do estudo

Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas

os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a

principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo

agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e

aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e

esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo

Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de

informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente

tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade

Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro

desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento

inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto

nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a

ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress

Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a

importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI

68

Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste

processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas

duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos

sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas

envolvidas neste processo

Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao

seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o

familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para

lidar com ela

Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas

principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento

Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante

aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta

terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto

emocionalmente

Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as

duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro

proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao

funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como

dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos

Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um

adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande

comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares

neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de

minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante

para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais

adequado a tal realidade

69

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75

ANEXO 01

ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo

destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta

unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina

No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da

sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma

sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente

neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos

que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes

O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida

pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato

com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo

de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para

tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que

vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em

questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao

adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os

haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela

situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como

forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo

O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno

deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta

necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a

meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em

momentos distintos deste processo

O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em

tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba

sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando

com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de

forma mais clara o viacutenculo entre ambos

76

Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio

entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica

profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com

dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do

processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel

77

APEcircNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

FAMILIARES

O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos

pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do

Hospital Espanhol

Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute

ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva

neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente

Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as

formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias

diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo

voltado a estes familiares

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo

seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro

momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado

rotineiramente

Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de

permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do

TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos

atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em

mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia

Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e

responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que

os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo

Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para

contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820

78

Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE

Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi

explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa

Nome________________________________________________________________________

__

Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )

Documento de Identidade ________________

Endereccedilo

_______________________________________________________________________

Telefones para Contato

___________________________________________________________

Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)

Salvador _______ de ____________________ de 2010

_____________________________ _____________________________

Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador

79

APEcircNDICE B

ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de

terapia intensiva

Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento

Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor

Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as

outras vezes EM que sua esposa adoeceu

O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter

provocado isso

O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que

O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo

essas

Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente

Como eacute a sua esposa

Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes

Como foram estas outras experiecircncias para o senhor

Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou

antes

O que tem sido mais difiacutecil para lidar

Como o senhor tem feito para lidar com isso

Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor

Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram

Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo

80

Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento

Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI

Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada

Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa

Qual a sua expectativa a partir de agora

Page 6: UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADORri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1508/1/DISSERTAC...instituição e uma conquista histórico-social com características singulares e plurais,

6

AGRADECIMENTOS

Agrave Deus que a cada dia que passa se mostra mais presente na minha vida

Agrave minha orientadora Anameacutelia Franco por todo o seu conhecimento e experiecircncia que tanto

me ensinou e pelo imenso coraccedilatildeo que tatildeo bem me acolheu

Agrave Elaine Rabinovich e Ceacutelia Nunes que participaram da banca de qualificaccedilatildeo contribuindo

de forma relevante para o desenvolvimento dessa pesquisa e pela gentileza em aceitarem o

convite para formar a banca examinadora

Ao meu querido tio Alberto que me proporcionou essa conquista e cuja presenccedila se faz

sempre tatildeo forte apesar da distacircncia

Agrave minha doce Clarice a dona do sorriso de dois dentes mais lindo do mundo que chegou em

meio a essa caminhada e me ensinou ainda mais sobre a vida e seu encantamento

Agrave Antonieta Omar Juacutelia Maria Joseacute Bruno Liacutedia peccedilas fundamentais do meu quebra-

cabeccedila familiar

Agrave Mari Pinheiro minha pupila preferida pessoa fundamental na realizaccedilatildeo deste trabalho

Agrave minha querida amiga Andrecirczza Castro que me ajudou a ldquosegurar a ondardquo nos uacuteltimos

tempos me fazendo esquecer dos milhares de quilocircmetros que nos separam

Aos professores funcionaacuterios e colegas deste curso pela companhia durante este percurso

Agrave Psicologia com seus desafios e recompensas

7

ldquoAqui ningueacutem mais ficaraacute depois do sol

No final seraacute o que natildeo sei mas seraacute

Tudo demais

Nem o bem nem o mal

Soacute o brilho calmo dessa luzrdquo

(Flaacutevio Venturini)

8

RESUMO

Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia

intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de

pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no

momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em

uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes

embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado

Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo

aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta

realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia

aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva

Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia

do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos

vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A

anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser

uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas

de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns

dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa

comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para

lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado

Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento

famiacutelia

9

ABSTRACT

This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of

stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown

work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at

the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are

characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality

they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been

affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see

this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service

to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script

that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible

to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping

mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how

shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family

roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this

work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and

relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate

moment

Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family

10

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro Paacutegina

QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick

2011

30

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC

2010

51

QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes

viacutetimas de AVC 2010

52

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 12

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20

31 CRISES FAMILIARES 21

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26

4 O ADOECER 28

41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29

5 A DOENCcedilA AGUDA 33

6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35

61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47

62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44

7 MEacuteTODO 49

71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51

8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53

81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65

REFEREcircNCIAS 69

Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75

APEcircNDICE A ndash TCLE 77

APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem

sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de

gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo

apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais

aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a

influecircncia dos mesmos sobre este grupo social

Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves

relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As

definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram

necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees

contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees

Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para

a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de

seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como

primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a

vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos

indiviacuteduos

Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe

confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador

de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo

rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de

opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio

interminaacutevel (1997 p23)

Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo

especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a

mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto

laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a

famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada

Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de

alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente

13

acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e

apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por

outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo

Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma

instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo

elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de

fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como

pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto

como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um

conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das

geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as

dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias

Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis

modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram

distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo

mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da

horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e

autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade

Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a

nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)

Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo

confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e

igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem

negociadosrdquo (1997 p27)

O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem

relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de

famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros

descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo

(MINUCHIN 1999 p28)

Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia

domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos

estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no

14

funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias

atuais

Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um

quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem

trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma

populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o

desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus

familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas

O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia

constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros

Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro

cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e

desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o

enfrentamento da situaccedilatildeo

Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente

vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta

eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por

uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter

temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem

(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)

Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o

entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras

aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que

haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro

denominando-se AVC hemorraacutegico

Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do

corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar

caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode

ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos

O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias

na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as

15

doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e

a principal causa de incapacidade no mundo

Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que

sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes

ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente

(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E

KUSOMOTA 2006)

A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica

culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este

por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas

com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados

Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e

cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a

adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado

conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as

primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute

dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E

ANGELO 2005 BOCCHI 2004)

Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva

evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as

atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a

quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias

encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a

necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo

suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo

voltadas aos mesmos

Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se

propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de

pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais

pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos

16

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-

degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou

definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e

responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud

PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008)

De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se

como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso

centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)

O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico

(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte

de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro

comprimindo os neurocircnios

Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade

para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo

aparente

Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre

a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees

cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12

Entretanto o

AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros

fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas

inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas

4 Estudos

preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade

inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45

anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)

Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas

apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs

horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de

receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para

desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz

17

Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam

adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo

saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do

colesterol

A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do

derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este

caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de

idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo

receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular

cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no

mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS

2010)

No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por

AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente

morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos

pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema

no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das

maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados

Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano

A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN

(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo

quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por

AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com

68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute

A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A

regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de

Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

18

coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa

o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

cerebrovasculares

Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto

a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos

nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente

quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e

fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso

Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo

AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento

pessoalrdquo

Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma

ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para

o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter

relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se

natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma

forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece

previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico

mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou

ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes

Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir

de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave

instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da

terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso

constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso

bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio

uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia

Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por

algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias

19

mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e

prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar

sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)

Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos

uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de

internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter

que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar

tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas

unidades impotildee

20

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA

O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande

grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees

familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados

pelo que o grupo familiar permite

Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade

compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo

Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu

funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo

Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois

carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo

as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do

comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia

crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada

De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por

subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo

classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute

sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras

(MINUCHIN 1999)

Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de

transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm

para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um

periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e

novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees

confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua

nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um

periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)

Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os

periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio

tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido

embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo

21

constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo

cristalizada (MINUCHIN 1999)

Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como

complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos

psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do

seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo

adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a

possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)

Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria

familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo

de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica

esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)

Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um

legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de

depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do

grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a

doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria

familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)

Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o

lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de

alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila

podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-

47)

31 CRISES FAMILIARES

Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado

poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de

forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento

diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto

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em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar

com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)

Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa

uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se

necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991

p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila

Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo

indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros

para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo

de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento

anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de

emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise

Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de

uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria

pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute

que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo

baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e

definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram

um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas

diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo

Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo

como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)

Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros

pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das

crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas

que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)

A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com

destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E

DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-

lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro

tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais

e crises do cuidador

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As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute

real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise

estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios

guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma

satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo

agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam

se solidarizar a este tipo de acontecimento

As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas

normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as

quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas

poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo

enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo

diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao

longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a

transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de

nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras

As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave

mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que

ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o

stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o

stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios

do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido

anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado

como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia

e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar

ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a

importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar

As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma

rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de

mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou

assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho

Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem

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desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do

cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador

algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do

que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se

indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por

desencadear a crise

Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer

assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia

mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de

poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem

desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de

dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva

sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador

que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia

desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise

Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua

instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no

desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento

Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento

devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de

crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais

que os auxiliam neste momento

Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson

(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da

famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma

necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros

O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo

pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila

Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez

iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao

estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as

consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social

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Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre

stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e

outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo

Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que

tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise

previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e

valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que

ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de

mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma

criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud

JOSELEVICH 1991)

Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com

frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu

caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar

Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa

e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos

integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo

(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo

capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um

cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se

estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma

assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir

para potencializar o stress vivenciado

A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito

reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral

quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo

cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do

sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio

emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu

mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo

disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede

e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)

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32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR

Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e

possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de

perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos

mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e

com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez

mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude

e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens

Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres

humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo

emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a

necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no

iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte

do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir

de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a

ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto

maior o potencial para a perda

Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo

transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo

vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a

continuidade da vida

Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos

profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que

agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria

do ciclo vital

Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta

o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como

unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os

membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem

como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento

de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda

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mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que

confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente

apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo

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4 O ADOECER

O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele

acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees

de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar

a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional

O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser

compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais

socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute

nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)

Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer

acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente

a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que

provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional

e social

Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar

que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que

marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no

enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute

importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos

A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da

famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e

expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um

universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas

tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto

Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de

adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do

paciente e seus familiares

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41 A DOENCcedilA CROcircNICA

Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida

das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a

despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta

razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez

que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo

Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a

progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia

de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos

que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se

agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a

estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a

doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas

mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a

necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de

natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma

constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES

KUSOMOTA 2006)

Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de

viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge

a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees

nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)

Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas

nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases

importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)

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Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011

FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL

bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e

programaccedilatildeo de

tratamento

bullAprender a lidar com

sintomas ambiente

hospitalar e procedimentos

terapecircuticos estabelecer

bons viacutenculos com a

equipe

bullIntervalo entre periacuteodo de

diagnoacutestico inicial e ajuste

ao tratamento

bullPredominam questotildees de morte

e doenccedila terminal

Pode haver uma progressatildeo ou

constacircncia do quadro

bullA famiacutelia busca manter a

normalidade diante da

ldquoanormalidaderdquo da doenccedila

crocircnica

A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto

quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do

organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui

reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi

proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)

Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e

sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada

importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou

outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com

os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons

relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de

natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve

construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas

competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova

condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade

entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar

da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter

e McGoldrick 2001 p 378)

31

A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico

inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de

terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou

mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida

normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal

este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo

claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar

sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p

378)

A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se

faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza

separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma

retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E

McGOLDRICK 2001)

Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre

ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem

desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto

familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007

FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)

Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma

doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua

intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)

Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das

circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA

2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural

habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de

seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas

vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua

rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes

acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos

financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com

32

que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue

cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado

Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida

atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar

(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere

citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados

cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E

MARTINS 2008 p148)

O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a

sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado

por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud

SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao

desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades

sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais

A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo

supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o

cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a

sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo

um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005

ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008

WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)

Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser

vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que

afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda

contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo

(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados

de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo

desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de

sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre

33

eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais

(SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um

suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005

APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante

tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005

paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees

no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e

fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros

quanto do grupordquo

42 A DOENCcedilA AGUDA

Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como

processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees

agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas

Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo

suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um

quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir

uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de

alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)

As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta

agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da

famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo

de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para

administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)

Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos

seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus

familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do

mesmo

34

Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia

se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de

serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel

Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas

famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de

solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)

Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE

observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos

pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se

revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido

Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e

social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de

forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a

dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos

familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)

Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em

unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de

informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de

muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria

relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges

(2009)

O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de

grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as

pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes

que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro

comatoso

Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da

instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo

das UTIs

35

5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)

Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os

pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de

estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade

destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que

funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais

responsaacuteveis

Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de

terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees

raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo

A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas

dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente

dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de

ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade

capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E

CORREcircA 2007)

Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico

raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas

alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E

AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA

2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)

Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas

por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para

ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam

diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem

aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo

proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a

alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um

nuacutemero razoaacutevel de leitos

36

Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo

doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem

de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes

inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas

de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes

com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por

um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar

na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser

diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso

de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como

forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem

Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros

dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da

perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da

equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a

disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)

A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na

maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e

medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu

familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma

linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova

realidade

Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em

unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual

foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada

difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento

por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)

Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela

rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o

fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento

Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e

ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI

37

As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez

que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do

paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo

pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo

familiar

Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua

rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao

ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos

No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua

famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e

finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os

indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus

planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a

instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo

Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco

iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar

hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil

ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo

(p140)

O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo

soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO

E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado

nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e

poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar

papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo

Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns

dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da

situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)

Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a

incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas

(URIZZI E CORREcircA 2007)

38

Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em

uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua

famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de

estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos

(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de

estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe

por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem

picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a

percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes

tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros

2007 URIZZI E CORREcircA 2007)

A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave

comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras

de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo

(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente

restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo

de falta de controle

O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma

mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de

informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a

oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados

referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato

demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma

tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem

como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca

de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos

dados fornecidos pela equipe aos familiares

Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente

com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria

para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como

forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e

familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de

conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)

39

Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina

intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de

48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade

do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica

para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande

desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados

fornecidos

Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a

compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida

natildeo foi comunicada (2007 p05)

Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse

contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs

realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade

pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em

instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o

intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe

de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam

ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007

p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que

se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por

sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo

oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato

ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do

paciente internado em UTI

Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de

terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa

vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha

Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma

morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso

Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute

muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante

40

O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e

funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e

abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais

membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os

diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E

GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)

Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas

que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees

sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009

RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)

O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo

lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo

lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior

entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de

elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944

apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em

potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se

aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente

aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade

aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude

Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e

inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre

a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo

ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo

algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)

Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa

ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os

papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema

familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN

1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de

funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida

satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma

41

morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto

bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste

contexto

Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar

com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas

constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos

envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que

temporariamente a pessoa doente

42

6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA

Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a

famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia

seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra

doente

A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo

revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda

despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a

recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)

Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o

suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos

profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a

colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social

Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees

hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto

Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no

enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)

Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em

um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas

portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o

adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na

famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais

na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao

processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)

A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas

pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente

destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos

Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das

pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos

quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo

43

A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes

as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo

responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas

incapacidade dentre outros

Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente

transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma

histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994

apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a

soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo

ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a

famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e

outros 2002 p 46)

Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar

esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees

contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo

da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias

desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick

1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)

Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do

sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases

temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs

dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto

familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre

a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar

relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da

doenccedila

A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de

uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as

questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo

(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)

Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente

diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees

44

impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se

como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades

Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair

de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por

representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se

encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral

sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da

famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de

emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as

distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave

eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que

a constituem

Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves

mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista

que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir

sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema

(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)

Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na

estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa

para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo

estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da

revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias

consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo

(p 24)

Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a

vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da

famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso

eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda

eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o

periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI

Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que

assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma

45

resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma

possibilidade de recuperaccedilatildeo

Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em

2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o

retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que

desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma

crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de

estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos

como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK

amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)

Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila

de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital

pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a

evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos

papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem

como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar

Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute

com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como

tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma

situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento

Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente

Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas

conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e

incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos

familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular

De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do

ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos

reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais

amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o

ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978

apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)

46

Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute

espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com

eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste

processo

As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na

compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a

tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro

Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade

familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da

famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia

Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se

modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da

famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns

membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)

Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma

alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez

podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a

doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de

instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo

As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as

famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila

avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma

doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na

qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma

fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila

centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de

reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente

estado de fusatildeo

47

61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING

Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress

e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este

processo de maneira menos comprometedora

O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas

pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI

DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping

eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a

uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o

Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN

(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila

cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos

da pessoa (CHAVES 2000)

No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam

que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na

emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema

melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de

remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)

O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto

emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente

de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a

realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente

dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima

positiva manter a esperanccedila e o bem-estar

Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como

reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado

do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido

como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo

acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)

48

Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em

contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no

problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar

informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar

recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida

familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede

mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento

Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes

estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico

aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o

provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados

como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser

melhor e e) usar mecanismos de defesa

Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para

momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa

de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa

(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no

enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no

problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de

terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal

e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo

49

7 MEacuteTODO

Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade

familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos

familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas

apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos

mesmos

Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com

familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados

em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de

Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15

leitos divididos entre as duas especialidades

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos

profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando

dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de

maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)

Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse

jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como

estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela

proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia

No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do

estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos

atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)

Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e

situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os

1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-

BA

50

familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das

demandas observadas (Apecircndice B)

Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos

familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos

propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os

resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que

acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em

uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta

realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles

Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48

horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante

da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste

processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o

serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta

unidade

Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois

casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se

apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que

estava presente em todos os horaacuterios

71 APRESENTANDO OS PACIENTES

Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados

relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do

relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo

considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a

internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A

diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato

de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico

O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um

homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo

possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam

51

atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os

demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem

assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por

apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco

eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)

Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia

de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos

natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)

natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010

Paciente

Sexo

Idade

Estado

Civil

Filhos

Profissatildeo

Residecircncia

Diagnoacutestico

Acompanhante

A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada

B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos

C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de

Almoxarifado

SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta

D F 22 Solteira 0 Auxiliar

Administrativa

Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES

Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos

pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua

maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram

casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam

sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se

mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do

estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos

(Quadro III)

52

QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC

2010

Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia

A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador

B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute

C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix

D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute

53

8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria

de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados

81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS

bull Famiacutelia A

A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com

quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados

reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de

Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante

do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de

obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho

ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse

estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio

sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro

comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC

isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o

internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da

paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato

restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a

mesma e sua histoacuteria

bull Famiacutelia B

A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro

filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua

proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus

familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma

mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes

episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade

sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo

com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos

54

quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador

permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo

bull Famiacutelia C

O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute

alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)

Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de

almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)

Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI

deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute

havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar

sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha

para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima

os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando

bull Famiacutelia D

A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos

reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando

funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel

sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital

em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de

ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia

comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente

e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em

funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em

funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um

primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS

A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo

aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas

sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos

familiares de pacientes viacutetimas de AVC

55

As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)

- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)

- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)

- A ausecircncia de privacidade (iv)

- Ter que lidar com algo novo (v)

O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos

familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao

paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo

trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por

estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante

ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo

familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em

consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada

ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)

ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)

Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas

com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um

nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes

exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao

primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando

a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados

dispensados aos pacientes

ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute

que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)

Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC

o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas

por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo

56

agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo

fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem

de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele

paciente

O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido

pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em

funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa

de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de

estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias

proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a

133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)

era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador

ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito

espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)

ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia

todo aquirdquo (D1)

Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees

onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves

16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta

minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico

plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos

alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando

esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta

de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de

transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba

potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos

O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes

dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia

intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador

ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a

gente melhorardquo (A1)

ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela

precisava ir para UTIrdquo (B1)

57

ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)

ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo

preocupadordquo (D1)

Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em

UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi

percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar

colocar-se no lugar e perceber o outro

Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em

relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades

satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como

ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir

da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma

receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos

investimentos terapecircuticos

O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela

acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina

dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor

aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa

provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora

ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu

esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave

noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no

domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai

precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)

O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que

referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo

praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento

suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares

ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um

pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um

primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()

meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito

58

tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo

dando noticias pra elesrdquo (D1)

A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado

que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a

promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma

menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)

As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)

-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)

- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)

- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)

- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)

A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)

Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas

funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na

autonomia e independecircncia dos mesmos

ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)

ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)

ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)

A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees

motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na

comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio

para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC

como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995

apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN

FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI

2004)

59

Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em

seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as

sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois

exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene

alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua

maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte

dos cuidados

A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida

tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das

familiares no presente trabalho

O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos

familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel

vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)

ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo

(B1)

ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)

O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado

pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam

indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente

As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como

aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias

agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha

ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso

natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)

ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)

O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de

um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se

repita

ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei

o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)

O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante

de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que

os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido

60

ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser

agorardquo (C1)

O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela

acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando

sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem

a patologia atual

ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto

tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra

() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute

mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos

porquerdquo(D1)

Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas

da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP

de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades

de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente

156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados

confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo

Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)

- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

- Medo da morte (iii)

- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)

- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)

- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)

- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)

- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)

- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)

O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de

novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)

Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como

principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees

como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo

61

linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste

processo

A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e

NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com

frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe

ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da

histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham

Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz

seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade

Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as

informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou

boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas

pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo

e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais

com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de

comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o

conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares

Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo

do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no

hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)

ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)

ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc

resultadordquo (C1)

Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante

assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e

desgaste do paciente (C1)

ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)

ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)

ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)

O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se

em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe

ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que

ela tem eacute graverdquo (D1)

62

Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar

como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem

Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda

parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de

algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh

e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo

vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)

As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Ter que lidar com o paciente em coma (i)

- Conhecer pouco a paciente (ii)

-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)

- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)

A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave

questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente

No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade

voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em

funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato

de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter

respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo

ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)

ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)

Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em

termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma

reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e

pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos

Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a

ocorrecircncia do AVC foram

-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)

63

- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)

- Conversas com a paciente (iii)

Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o

intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a

recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O

acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado

na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a

forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que

conversava com a paciente

ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as

notiacuteciasrdquo (A1)

ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta

gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)

ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)

Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de

enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de

enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante

de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas

proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao

indiviacuteduo

Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro

enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver

recursos para poder lidar com ela

Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento

A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou

situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil

ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas

similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de

D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem

(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos

episoacutedios

64

ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para

emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso

aconteceurdquo (B1)

Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele

jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)

ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e

mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por

querdquo (D1)

Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo

de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de

origem da paciente que se encontrava fora de Salvador

ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na

terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho

de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido

dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo

(A1)

A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento

ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela

surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da

situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas

pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia

65

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores

preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por

elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi

possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente

de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas

continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a

experiecircncia vivenciada

As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que

repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor

limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma

unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma

proximidade constante

Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo

em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees

norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no

momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos

Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de

serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC

ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees

para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato

de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para

Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente

Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute

visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo

feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os

cuidados aos enfermos

O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi

instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o

encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe

muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves

66

mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos

sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias

utilizadas para enfrentaacute-lo

As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-

se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para

poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava

restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo

que os doentes

O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem

tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias

que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir

aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los

em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava

por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas

relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves

chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos

ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo

episoacutedio

A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser

bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes

evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave

possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro

Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave

necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento

do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico

Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares

abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter

que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente

do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares

saber como se sentem seus pacientes

67

A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da

expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir

acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento

da UTI

O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no

quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste

modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o

quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade

Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em

alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e

assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees

nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de

tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em

outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de

uma das pacientes do estudo

Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas

os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a

principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo

agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e

aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e

esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo

Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de

informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente

tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade

Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro

desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento

inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto

nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a

ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress

Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a

importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI

68

Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste

processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas

duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos

sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas

envolvidas neste processo

Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao

seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o

familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para

lidar com ela

Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas

principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento

Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante

aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta

terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto

emocionalmente

Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as

duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro

proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao

funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como

dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos

Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um

adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande

comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares

neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de

minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante

para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais

adequado a tal realidade

69

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75

ANEXO 01

ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo

destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta

unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina

No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da

sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma

sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente

neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos

que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes

O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida

pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato

com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo

de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para

tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que

vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em

questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao

adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os

haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela

situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como

forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo

O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno

deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta

necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a

meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em

momentos distintos deste processo

O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em

tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba

sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando

com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de

forma mais clara o viacutenculo entre ambos

76

Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio

entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica

profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com

dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do

processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel

77

APEcircNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

FAMILIARES

O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos

pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do

Hospital Espanhol

Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute

ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva

neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente

Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as

formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias

diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo

voltado a estes familiares

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo

seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro

momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado

rotineiramente

Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de

permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do

TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos

atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em

mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia

Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e

responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que

os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo

Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para

contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820

78

Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE

Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi

explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa

Nome________________________________________________________________________

__

Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )

Documento de Identidade ________________

Endereccedilo

_______________________________________________________________________

Telefones para Contato

___________________________________________________________

Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)

Salvador _______ de ____________________ de 2010

_____________________________ _____________________________

Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador

79

APEcircNDICE B

ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de

terapia intensiva

Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento

Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor

Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as

outras vezes EM que sua esposa adoeceu

O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter

provocado isso

O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que

O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo

essas

Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente

Como eacute a sua esposa

Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes

Como foram estas outras experiecircncias para o senhor

Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou

antes

O que tem sido mais difiacutecil para lidar

Como o senhor tem feito para lidar com isso

Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor

Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram

Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo

80

Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento

Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI

Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada

Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa

Qual a sua expectativa a partir de agora

Page 7: UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADORri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1508/1/DISSERTAC...instituição e uma conquista histórico-social com características singulares e plurais,

7

ldquoAqui ningueacutem mais ficaraacute depois do sol

No final seraacute o que natildeo sei mas seraacute

Tudo demais

Nem o bem nem o mal

Soacute o brilho calmo dessa luzrdquo

(Flaacutevio Venturini)

8

RESUMO

Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia

intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de

pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no

momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em

uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes

embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado

Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo

aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta

realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia

aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva

Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia

do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos

vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A

anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser

uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas

de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns

dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa

comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para

lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado

Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento

famiacutelia

9

ABSTRACT

This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of

stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown

work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at

the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are

characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality

they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been

affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see

this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service

to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script

that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible

to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping

mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how

shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family

roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this

work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and

relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate

moment

Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family

10

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro Paacutegina

QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick

2011

30

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC

2010

51

QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes

viacutetimas de AVC 2010

52

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 12

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20

31 CRISES FAMILIARES 21

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26

4 O ADOECER 28

41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29

5 A DOENCcedilA AGUDA 33

6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35

61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47

62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44

7 MEacuteTODO 49

71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51

8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53

81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65

REFEREcircNCIAS 69

Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75

APEcircNDICE A ndash TCLE 77

APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem

sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de

gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo

apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais

aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a

influecircncia dos mesmos sobre este grupo social

Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves

relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As

definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram

necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees

contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees

Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para

a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de

seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como

primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a

vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos

indiviacuteduos

Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe

confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador

de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo

rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de

opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio

interminaacutevel (1997 p23)

Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo

especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a

mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto

laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a

famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada

Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de

alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente

13

acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e

apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por

outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo

Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma

instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo

elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de

fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como

pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto

como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um

conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das

geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as

dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias

Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis

modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram

distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo

mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da

horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e

autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade

Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a

nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)

Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo

confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e

igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem

negociadosrdquo (1997 p27)

O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem

relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de

famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros

descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo

(MINUCHIN 1999 p28)

Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia

domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos

estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no

14

funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias

atuais

Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um

quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem

trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma

populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o

desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus

familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas

O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia

constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros

Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro

cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e

desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o

enfrentamento da situaccedilatildeo

Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente

vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta

eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por

uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter

temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem

(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)

Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o

entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras

aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que

haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro

denominando-se AVC hemorraacutegico

Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do

corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar

caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode

ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos

O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias

na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as

15

doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e

a principal causa de incapacidade no mundo

Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que

sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes

ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente

(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E

KUSOMOTA 2006)

A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica

culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este

por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas

com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados

Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e

cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a

adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado

conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as

primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute

dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E

ANGELO 2005 BOCCHI 2004)

Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva

evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as

atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a

quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias

encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a

necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo

suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo

voltadas aos mesmos

Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se

propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de

pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais

pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos

16

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-

degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou

definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e

responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud

PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008)

De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se

como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso

centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)

O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico

(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte

de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro

comprimindo os neurocircnios

Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade

para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo

aparente

Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre

a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees

cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12

Entretanto o

AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros

fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas

inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas

4 Estudos

preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade

inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45

anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)

Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas

apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs

horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de

receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para

desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz

17

Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam

adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo

saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do

colesterol

A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do

derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este

caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de

idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo

receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular

cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no

mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS

2010)

No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por

AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente

morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos

pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema

no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das

maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados

Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano

A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN

(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo

quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por

AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com

68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute

A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A

regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de

Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

18

coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa

o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

cerebrovasculares

Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto

a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos

nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente

quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e

fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso

Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo

AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento

pessoalrdquo

Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma

ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para

o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter

relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se

natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma

forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece

previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico

mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou

ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes

Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir

de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave

instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da

terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso

constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso

bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio

uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia

Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por

algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias

19

mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e

prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar

sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)

Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos

uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de

internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter

que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar

tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas

unidades impotildee

20

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA

O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande

grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees

familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados

pelo que o grupo familiar permite

Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade

compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo

Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu

funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo

Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois

carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo

as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do

comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia

crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada

De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por

subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo

classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute

sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras

(MINUCHIN 1999)

Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de

transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm

para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um

periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e

novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees

confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua

nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um

periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)

Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os

periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio

tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido

embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo

21

constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo

cristalizada (MINUCHIN 1999)

Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como

complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos

psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do

seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo

adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a

possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)

Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria

familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo

de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica

esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)

Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um

legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de

depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do

grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a

doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria

familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)

Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o

lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de

alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila

podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-

47)

31 CRISES FAMILIARES

Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado

poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de

forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento

diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto

22

em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar

com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)

Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa

uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se

necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991

p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila

Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo

indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros

para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo

de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento

anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de

emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise

Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de

uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria

pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute

que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo

baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e

definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram

um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas

diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo

Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo

como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)

Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros

pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das

crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas

que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)

A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com

destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E

DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-

lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro

tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais

e crises do cuidador

23

As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute

real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise

estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios

guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma

satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo

agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam

se solidarizar a este tipo de acontecimento

As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas

normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as

quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas

poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo

enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo

diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao

longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a

transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de

nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras

As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave

mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que

ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o

stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o

stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios

do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido

anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado

como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia

e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar

ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a

importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar

As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma

rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de

mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou

assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho

Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem

24

desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do

cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador

algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do

que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se

indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por

desencadear a crise

Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer

assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia

mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de

poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem

desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de

dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva

sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador

que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia

desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise

Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua

instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no

desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento

Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento

devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de

crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais

que os auxiliam neste momento

Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson

(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da

famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma

necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros

O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo

pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila

Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez

iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao

estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as

consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social

25

Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre

stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e

outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo

Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que

tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise

previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e

valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que

ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de

mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma

criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud

JOSELEVICH 1991)

Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com

frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu

caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar

Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa

e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos

integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo

(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo

capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um

cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se

estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma

assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir

para potencializar o stress vivenciado

A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito

reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral

quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo

cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do

sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio

emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu

mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo

disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede

e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)

26

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR

Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e

possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de

perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos

mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e

com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez

mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude

e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens

Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres

humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo

emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a

necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no

iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte

do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir

de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a

ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto

maior o potencial para a perda

Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo

transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo

vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a

continuidade da vida

Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos

profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que

agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria

do ciclo vital

Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta

o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como

unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os

membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem

como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento

de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda

27

mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que

confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente

apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo

28

4 O ADOECER

O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele

acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees

de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar

a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional

O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser

compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais

socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute

nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)

Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer

acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente

a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que

provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional

e social

Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar

que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que

marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no

enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute

importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos

A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da

famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e

expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um

universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas

tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto

Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de

adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do

paciente e seus familiares

29

41 A DOENCcedilA CROcircNICA

Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida

das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a

despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta

razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez

que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo

Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a

progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia

de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos

que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se

agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a

estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a

doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas

mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a

necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de

natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma

constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES

KUSOMOTA 2006)

Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de

viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge

a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees

nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)

Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas

nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases

importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)

30

Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011

FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL

bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e

programaccedilatildeo de

tratamento

bullAprender a lidar com

sintomas ambiente

hospitalar e procedimentos

terapecircuticos estabelecer

bons viacutenculos com a

equipe

bullIntervalo entre periacuteodo de

diagnoacutestico inicial e ajuste

ao tratamento

bullPredominam questotildees de morte

e doenccedila terminal

Pode haver uma progressatildeo ou

constacircncia do quadro

bullA famiacutelia busca manter a

normalidade diante da

ldquoanormalidaderdquo da doenccedila

crocircnica

A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto

quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do

organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui

reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi

proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)

Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e

sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada

importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou

outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com

os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons

relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de

natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve

construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas

competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova

condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade

entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar

da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter

e McGoldrick 2001 p 378)

31

A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico

inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de

terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou

mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida

normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal

este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo

claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar

sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p

378)

A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se

faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza

separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma

retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E

McGOLDRICK 2001)

Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre

ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem

desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto

familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007

FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)

Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma

doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua

intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)

Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das

circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA

2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural

habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de

seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas

vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua

rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes

acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos

financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com

32

que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue

cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado

Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida

atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar

(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere

citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados

cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E

MARTINS 2008 p148)

O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a

sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado

por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud

SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao

desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades

sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais

A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo

supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o

cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a

sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo

um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005

ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008

WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)

Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser

vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que

afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda

contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo

(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados

de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo

desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de

sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre

33

eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais

(SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um

suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005

APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante

tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005

paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees

no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e

fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros

quanto do grupordquo

42 A DOENCcedilA AGUDA

Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como

processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees

agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas

Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo

suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um

quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir

uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de

alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)

As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta

agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da

famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo

de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para

administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)

Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos

seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus

familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do

mesmo

34

Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia

se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de

serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel

Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas

famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de

solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)

Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE

observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos

pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se

revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido

Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e

social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de

forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a

dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos

familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)

Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em

unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de

informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de

muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria

relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges

(2009)

O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de

grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as

pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes

que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro

comatoso

Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da

instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo

das UTIs

35

5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)

Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os

pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de

estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade

destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que

funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais

responsaacuteveis

Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de

terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees

raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo

A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas

dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente

dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de

ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade

capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E

CORREcircA 2007)

Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico

raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas

alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E

AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA

2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)

Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas

por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para

ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam

diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem

aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo

proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a

alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um

nuacutemero razoaacutevel de leitos

36

Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo

doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem

de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes

inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas

de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes

com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por

um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar

na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser

diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso

de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como

forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem

Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros

dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da

perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da

equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a

disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)

A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na

maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e

medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu

familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma

linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova

realidade

Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em

unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual

foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada

difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento

por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)

Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela

rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o

fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento

Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e

ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI

37

As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez

que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do

paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo

pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo

familiar

Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua

rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao

ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos

No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua

famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e

finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os

indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus

planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a

instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo

Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco

iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar

hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil

ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo

(p140)

O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo

soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO

E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado

nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e

poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar

papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo

Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns

dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da

situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)

Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a

incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas

(URIZZI E CORREcircA 2007)

38

Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em

uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua

famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de

estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos

(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de

estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe

por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem

picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a

percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes

tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros

2007 URIZZI E CORREcircA 2007)

A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave

comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras

de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo

(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente

restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo

de falta de controle

O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma

mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de

informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a

oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados

referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato

demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma

tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem

como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca

de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos

dados fornecidos pela equipe aos familiares

Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente

com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria

para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como

forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e

familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de

conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)

39

Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina

intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de

48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade

do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica

para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande

desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados

fornecidos

Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a

compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida

natildeo foi comunicada (2007 p05)

Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse

contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs

realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade

pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em

instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o

intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe

de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam

ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007

p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que

se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por

sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo

oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato

ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do

paciente internado em UTI

Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de

terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa

vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha

Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma

morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso

Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute

muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante

40

O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e

funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e

abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais

membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os

diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E

GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)

Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas

que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees

sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009

RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)

O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo

lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo

lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior

entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de

elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944

apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em

potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se

aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente

aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade

aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude

Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e

inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre

a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo

ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo

algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)

Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa

ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os

papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema

familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN

1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de

funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida

satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma

41

morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto

bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste

contexto

Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar

com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas

constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos

envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que

temporariamente a pessoa doente

42

6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA

Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a

famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia

seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra

doente

A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo

revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda

despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a

recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)

Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o

suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos

profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a

colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social

Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees

hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto

Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no

enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)

Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em

um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas

portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o

adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na

famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais

na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao

processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)

A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas

pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente

destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos

Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das

pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos

quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo

43

A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes

as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo

responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas

incapacidade dentre outros

Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente

transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma

histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994

apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a

soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo

ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a

famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e

outros 2002 p 46)

Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar

esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees

contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo

da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias

desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick

1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)

Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do

sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases

temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs

dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto

familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre

a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar

relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da

doenccedila

A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de

uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as

questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo

(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)

Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente

diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees

44

impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se

como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades

Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair

de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por

representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se

encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral

sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da

famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de

emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as

distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave

eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que

a constituem

Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves

mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista

que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir

sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema

(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)

Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na

estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa

para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo

estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da

revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias

consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo

(p 24)

Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a

vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da

famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso

eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda

eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o

periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI

Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que

assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma

45

resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma

possibilidade de recuperaccedilatildeo

Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em

2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o

retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que

desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma

crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de

estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos

como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK

amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)

Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila

de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital

pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a

evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos

papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem

como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar

Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute

com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como

tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma

situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento

Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente

Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas

conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e

incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos

familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular

De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do

ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos

reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais

amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o

ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978

apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)

46

Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute

espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com

eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste

processo

As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na

compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a

tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro

Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade

familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da

famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia

Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se

modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da

famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns

membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)

Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma

alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez

podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a

doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de

instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo

As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as

famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila

avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma

doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na

qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma

fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila

centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de

reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente

estado de fusatildeo

47

61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING

Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress

e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este

processo de maneira menos comprometedora

O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas

pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI

DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping

eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a

uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o

Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN

(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila

cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos

da pessoa (CHAVES 2000)

No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam

que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na

emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema

melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de

remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)

O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto

emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente

de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a

realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente

dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima

positiva manter a esperanccedila e o bem-estar

Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como

reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado

do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido

como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo

acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)

48

Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em

contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no

problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar

informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar

recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida

familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede

mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento

Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes

estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico

aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o

provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados

como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser

melhor e e) usar mecanismos de defesa

Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para

momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa

de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa

(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no

enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no

problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de

terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal

e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo

49

7 MEacuteTODO

Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade

familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos

familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas

apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos

mesmos

Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com

familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados

em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de

Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15

leitos divididos entre as duas especialidades

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos

profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando

dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de

maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)

Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse

jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como

estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela

proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia

No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do

estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos

atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)

Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e

situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os

1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-

BA

50

familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das

demandas observadas (Apecircndice B)

Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos

familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos

propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os

resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que

acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em

uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta

realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles

Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48

horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante

da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste

processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o

serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta

unidade

Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois

casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se

apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que

estava presente em todos os horaacuterios

71 APRESENTANDO OS PACIENTES

Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados

relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do

relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo

considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a

internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A

diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato

de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico

O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um

homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo

possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam

51

atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os

demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem

assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por

apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco

eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)

Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia

de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos

natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)

natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010

Paciente

Sexo

Idade

Estado

Civil

Filhos

Profissatildeo

Residecircncia

Diagnoacutestico

Acompanhante

A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada

B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos

C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de

Almoxarifado

SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta

D F 22 Solteira 0 Auxiliar

Administrativa

Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES

Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos

pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua

maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram

casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam

sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se

mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do

estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos

(Quadro III)

52

QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC

2010

Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia

A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador

B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute

C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix

D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute

53

8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria

de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados

81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS

bull Famiacutelia A

A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com

quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados

reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de

Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante

do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de

obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho

ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse

estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio

sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro

comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC

isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o

internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da

paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato

restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a

mesma e sua histoacuteria

bull Famiacutelia B

A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro

filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua

proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus

familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma

mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes

episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade

sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo

com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos

54

quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador

permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo

bull Famiacutelia C

O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute

alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)

Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de

almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)

Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI

deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute

havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar

sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha

para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima

os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando

bull Famiacutelia D

A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos

reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando

funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel

sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital

em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de

ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia

comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente

e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em

funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em

funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um

primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS

A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo

aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas

sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos

familiares de pacientes viacutetimas de AVC

55

As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)

- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)

- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)

- A ausecircncia de privacidade (iv)

- Ter que lidar com algo novo (v)

O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos

familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao

paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo

trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por

estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante

ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo

familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em

consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada

ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)

ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)

Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas

com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um

nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes

exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao

primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando

a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados

dispensados aos pacientes

ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute

que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)

Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC

o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas

por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo

56

agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo

fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem

de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele

paciente

O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido

pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em

funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa

de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de

estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias

proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a

133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)

era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador

ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito

espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)

ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia

todo aquirdquo (D1)

Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees

onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves

16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta

minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico

plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos

alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando

esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta

de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de

transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba

potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos

O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes

dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia

intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador

ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a

gente melhorardquo (A1)

ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela

precisava ir para UTIrdquo (B1)

57

ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)

ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo

preocupadordquo (D1)

Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em

UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi

percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar

colocar-se no lugar e perceber o outro

Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em

relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades

satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como

ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir

da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma

receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos

investimentos terapecircuticos

O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela

acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina

dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor

aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa

provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora

ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu

esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave

noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no

domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai

precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)

O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que

referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo

praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento

suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares

ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um

pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um

primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()

meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito

58

tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo

dando noticias pra elesrdquo (D1)

A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado

que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a

promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma

menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)

As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)

-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)

- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)

- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)

- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)

A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)

Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas

funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na

autonomia e independecircncia dos mesmos

ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)

ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)

ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)

A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees

motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na

comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio

para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC

como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995

apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN

FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI

2004)

59

Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em

seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as

sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois

exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene

alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua

maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte

dos cuidados

A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida

tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das

familiares no presente trabalho

O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos

familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel

vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)

ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo

(B1)

ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)

O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado

pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam

indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente

As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como

aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias

agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha

ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso

natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)

ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)

O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de

um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se

repita

ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei

o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)

O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante

de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que

os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido

60

ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser

agorardquo (C1)

O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela

acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando

sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem

a patologia atual

ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto

tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra

() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute

mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos

porquerdquo(D1)

Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas

da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP

de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades

de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente

156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados

confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo

Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)

- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

- Medo da morte (iii)

- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)

- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)

- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)

- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)

- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)

- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)

O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de

novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)

Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como

principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees

como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo

61

linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste

processo

A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e

NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com

frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe

ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da

histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham

Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz

seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade

Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as

informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou

boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas

pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo

e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais

com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de

comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o

conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares

Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo

do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no

hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)

ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)

ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc

resultadordquo (C1)

Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante

assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e

desgaste do paciente (C1)

ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)

ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)

ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)

O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se

em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe

ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que

ela tem eacute graverdquo (D1)

62

Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar

como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem

Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda

parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de

algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh

e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo

vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)

As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Ter que lidar com o paciente em coma (i)

- Conhecer pouco a paciente (ii)

-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)

- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)

A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave

questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente

No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade

voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em

funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato

de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter

respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo

ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)

ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)

Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em

termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma

reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e

pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos

Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a

ocorrecircncia do AVC foram

-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)

63

- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)

- Conversas com a paciente (iii)

Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o

intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a

recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O

acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado

na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a

forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que

conversava com a paciente

ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as

notiacuteciasrdquo (A1)

ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta

gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)

ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)

Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de

enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de

enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante

de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas

proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao

indiviacuteduo

Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro

enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver

recursos para poder lidar com ela

Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento

A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou

situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil

ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas

similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de

D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem

(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos

episoacutedios

64

ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para

emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso

aconteceurdquo (B1)

Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele

jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)

ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e

mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por

querdquo (D1)

Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo

de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de

origem da paciente que se encontrava fora de Salvador

ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na

terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho

de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido

dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo

(A1)

A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento

ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela

surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da

situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas

pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia

65

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores

preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por

elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi

possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente

de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas

continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a

experiecircncia vivenciada

As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que

repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor

limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma

unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma

proximidade constante

Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo

em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees

norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no

momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos

Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de

serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC

ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees

para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato

de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para

Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente

Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute

visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo

feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os

cuidados aos enfermos

O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi

instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o

encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe

muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves

66

mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos

sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias

utilizadas para enfrentaacute-lo

As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-

se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para

poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava

restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo

que os doentes

O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem

tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias

que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir

aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los

em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava

por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas

relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves

chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos

ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo

episoacutedio

A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser

bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes

evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave

possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro

Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave

necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento

do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico

Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares

abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter

que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente

do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares

saber como se sentem seus pacientes

67

A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da

expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir

acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento

da UTI

O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no

quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste

modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o

quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade

Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em

alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e

assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees

nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de

tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em

outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de

uma das pacientes do estudo

Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas

os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a

principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo

agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e

aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e

esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo

Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de

informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente

tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade

Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro

desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento

inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto

nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a

ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress

Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a

importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI

68

Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste

processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas

duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos

sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas

envolvidas neste processo

Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao

seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o

familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para

lidar com ela

Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas

principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento

Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante

aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta

terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto

emocionalmente

Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as

duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro

proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao

funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como

dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos

Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um

adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande

comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares

neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de

minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante

para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais

adequado a tal realidade

69

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75

ANEXO 01

ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo

destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta

unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina

No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da

sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma

sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente

neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos

que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes

O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida

pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato

com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo

de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para

tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que

vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em

questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao

adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os

haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela

situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como

forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo

O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno

deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta

necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a

meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em

momentos distintos deste processo

O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em

tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba

sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando

com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de

forma mais clara o viacutenculo entre ambos

76

Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio

entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica

profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com

dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do

processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel

77

APEcircNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

FAMILIARES

O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos

pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do

Hospital Espanhol

Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute

ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva

neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente

Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as

formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias

diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo

voltado a estes familiares

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo

seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro

momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado

rotineiramente

Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de

permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do

TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos

atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em

mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia

Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e

responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que

os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo

Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para

contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820

78

Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE

Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi

explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa

Nome________________________________________________________________________

__

Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )

Documento de Identidade ________________

Endereccedilo

_______________________________________________________________________

Telefones para Contato

___________________________________________________________

Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)

Salvador _______ de ____________________ de 2010

_____________________________ _____________________________

Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador

79

APEcircNDICE B

ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de

terapia intensiva

Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento

Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor

Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as

outras vezes EM que sua esposa adoeceu

O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter

provocado isso

O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que

O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo

essas

Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente

Como eacute a sua esposa

Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes

Como foram estas outras experiecircncias para o senhor

Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou

antes

O que tem sido mais difiacutecil para lidar

Como o senhor tem feito para lidar com isso

Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor

Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram

Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo

80

Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento

Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI

Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada

Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa

Qual a sua expectativa a partir de agora

Page 8: UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADORri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1508/1/DISSERTAC...instituição e uma conquista histórico-social com características singulares e plurais,

8

RESUMO

Este estudo tem como objetivo principal conhecer o impacto do adoecimento para os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC que se encontram internados em unidade de terapia

intensiva Habitualmente a literatura tem mostrado trabalhos realizados com familiares de

pacientes em situaccedilatildeo crocircnica de adoecimento estudos que contemplem os familiares no

momento inicial do adoecimento ainda satildeo escassos Os instantes iniciais de internamento em

uma UTI configuram-se como um desafio a ser enfrentado pelos familiares que muitas vezes

embora natildeo conheccedilam esta realidade possuem fantasias em relaccedilatildeo ao seu significado

Paralelo a isso estaacute o fato de seu paciente ter sido acometido por uma doenccedila de instalaccedilatildeo

aguda e que pode vir a ser limitante para o indiviacuteduo Com o intuito de conhecer esta

realidade foram realizados registros a posteriori dos atendimentos do serviccedilo de psicologia

aos familiares cujos pacientes encontram-se internados em uma unidade de terapia intensiva

Tais atendimentos possuem um roteiro onde satildeo abordadas questotildees pertinentes agrave experiecircncia

do processo de adoecimento e atraveacutes do qual foi possiacutevel destacar os principais sentimentos

vivenciados duacutevidas e mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares estudados A

anaacutelise do texto reconstruido dos atendimentos permitiu conhecer o quatildeo impactante pode ser

uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento medo da morte e de sequumlelas necessidade de mudanccedilas

de papeacuteis familiares e inseguranccedila sobre o cuidado dos pacientes apoacutes a alta satildeo apenas alguns

dos pontos destacados neste trabalho Ficou evidente a importacircncia de se manter uma boa

comunicaccedilatildeo entre equipe e familiares aleacutem da presenccedila de profissionais habilitados para

lidar com este puacuteblico em um momento tatildeo delicado

Palavras-chaves Acidente Vascular Cerebral UTI impacto psicoloacutegico do adoecimento

famiacutelia

9

ABSTRACT

This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of

stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown

work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at

the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are

characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality

they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been

affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see

this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service

to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script

that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible

to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping

mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how

shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family

roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this

work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and

relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate

moment

Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family

10

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro Paacutegina

QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick

2011

30

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC

2010

51

QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes

viacutetimas de AVC 2010

52

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 12

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20

31 CRISES FAMILIARES 21

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26

4 O ADOECER 28

41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29

5 A DOENCcedilA AGUDA 33

6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35

61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47

62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44

7 MEacuteTODO 49

71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51

8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53

81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65

REFEREcircNCIAS 69

Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75

APEcircNDICE A ndash TCLE 77

APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem

sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de

gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo

apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais

aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a

influecircncia dos mesmos sobre este grupo social

Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves

relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As

definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram

necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees

contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees

Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para

a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de

seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como

primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a

vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos

indiviacuteduos

Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe

confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador

de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo

rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de

opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio

interminaacutevel (1997 p23)

Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo

especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a

mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto

laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a

famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada

Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de

alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente

13

acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e

apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por

outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo

Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma

instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo

elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de

fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como

pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto

como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um

conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das

geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as

dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias

Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis

modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram

distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo

mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da

horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e

autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade

Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a

nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)

Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo

confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e

igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem

negociadosrdquo (1997 p27)

O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem

relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de

famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros

descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo

(MINUCHIN 1999 p28)

Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia

domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos

estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no

14

funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias

atuais

Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um

quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem

trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma

populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o

desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus

familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas

O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia

constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros

Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro

cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e

desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o

enfrentamento da situaccedilatildeo

Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente

vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta

eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por

uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter

temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem

(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)

Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o

entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras

aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que

haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro

denominando-se AVC hemorraacutegico

Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do

corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar

caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode

ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos

O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias

na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as

15

doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e

a principal causa de incapacidade no mundo

Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que

sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes

ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente

(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E

KUSOMOTA 2006)

A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica

culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este

por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas

com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados

Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e

cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a

adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado

conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as

primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute

dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E

ANGELO 2005 BOCCHI 2004)

Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva

evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as

atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a

quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias

encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a

necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo

suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo

voltadas aos mesmos

Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se

propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de

pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais

pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos

16

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-

degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou

definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e

responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud

PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008)

De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se

como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso

centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)

O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico

(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte

de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro

comprimindo os neurocircnios

Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade

para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo

aparente

Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre

a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees

cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12

Entretanto o

AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros

fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas

inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas

4 Estudos

preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade

inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45

anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)

Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas

apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs

horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de

receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para

desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz

17

Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam

adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo

saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do

colesterol

A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do

derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este

caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de

idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo

receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular

cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no

mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS

2010)

No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por

AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente

morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos

pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema

no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das

maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados

Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano

A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN

(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo

quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por

AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com

68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute

A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A

regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de

Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

18

coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa

o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

cerebrovasculares

Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto

a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos

nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente

quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e

fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso

Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo

AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento

pessoalrdquo

Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma

ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para

o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter

relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se

natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma

forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece

previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico

mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou

ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes

Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir

de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave

instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da

terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso

constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso

bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio

uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia

Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por

algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias

19

mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e

prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar

sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)

Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos

uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de

internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter

que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar

tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas

unidades impotildee

20

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA

O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande

grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees

familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados

pelo que o grupo familiar permite

Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade

compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo

Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu

funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo

Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois

carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo

as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do

comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia

crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada

De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por

subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo

classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute

sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras

(MINUCHIN 1999)

Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de

transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm

para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um

periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e

novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees

confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua

nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um

periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)

Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os

periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio

tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido

embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo

21

constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo

cristalizada (MINUCHIN 1999)

Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como

complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos

psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do

seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo

adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a

possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)

Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria

familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo

de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica

esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)

Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um

legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de

depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do

grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a

doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria

familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)

Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o

lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de

alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila

podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-

47)

31 CRISES FAMILIARES

Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado

poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de

forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento

diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto

22

em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar

com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)

Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa

uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se

necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991

p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila

Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo

indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros

para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo

de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento

anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de

emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise

Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de

uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria

pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute

que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo

baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e

definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram

um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas

diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo

Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo

como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)

Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros

pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das

crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas

que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)

A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com

destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E

DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-

lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro

tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais

e crises do cuidador

23

As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute

real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise

estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios

guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma

satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo

agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam

se solidarizar a este tipo de acontecimento

As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas

normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as

quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas

poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo

enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo

diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao

longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a

transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de

nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras

As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave

mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que

ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o

stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o

stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios

do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido

anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado

como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia

e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar

ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a

importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar

As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma

rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de

mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou

assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho

Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem

24

desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do

cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador

algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do

que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se

indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por

desencadear a crise

Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer

assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia

mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de

poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem

desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de

dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva

sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador

que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia

desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise

Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua

instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no

desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento

Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento

devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de

crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais

que os auxiliam neste momento

Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson

(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da

famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma

necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros

O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo

pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila

Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez

iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao

estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as

consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social

25

Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre

stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e

outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo

Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que

tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise

previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e

valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que

ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de

mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma

criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud

JOSELEVICH 1991)

Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com

frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu

caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar

Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa

e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos

integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo

(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo

capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um

cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se

estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma

assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir

para potencializar o stress vivenciado

A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito

reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral

quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo

cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do

sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio

emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu

mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo

disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede

e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)

26

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR

Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e

possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de

perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos

mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e

com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez

mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude

e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens

Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres

humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo

emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a

necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no

iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte

do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir

de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a

ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto

maior o potencial para a perda

Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo

transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo

vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a

continuidade da vida

Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos

profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que

agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria

do ciclo vital

Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta

o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como

unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os

membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem

como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento

de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda

27

mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que

confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente

apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo

28

4 O ADOECER

O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele

acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees

de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar

a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional

O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser

compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais

socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute

nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)

Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer

acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente

a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que

provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional

e social

Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar

que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que

marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no

enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute

importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos

A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da

famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e

expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um

universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas

tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto

Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de

adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do

paciente e seus familiares

29

41 A DOENCcedilA CROcircNICA

Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida

das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a

despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta

razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez

que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo

Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a

progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia

de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos

que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se

agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a

estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a

doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas

mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a

necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de

natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma

constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES

KUSOMOTA 2006)

Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de

viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge

a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees

nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)

Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas

nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases

importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)

30

Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011

FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL

bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e

programaccedilatildeo de

tratamento

bullAprender a lidar com

sintomas ambiente

hospitalar e procedimentos

terapecircuticos estabelecer

bons viacutenculos com a

equipe

bullIntervalo entre periacuteodo de

diagnoacutestico inicial e ajuste

ao tratamento

bullPredominam questotildees de morte

e doenccedila terminal

Pode haver uma progressatildeo ou

constacircncia do quadro

bullA famiacutelia busca manter a

normalidade diante da

ldquoanormalidaderdquo da doenccedila

crocircnica

A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto

quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do

organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui

reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi

proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)

Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e

sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada

importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou

outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com

os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons

relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de

natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve

construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas

competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova

condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade

entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar

da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter

e McGoldrick 2001 p 378)

31

A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico

inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de

terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou

mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida

normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal

este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo

claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar

sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p

378)

A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se

faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza

separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma

retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E

McGOLDRICK 2001)

Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre

ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem

desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto

familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007

FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)

Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma

doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua

intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)

Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das

circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA

2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural

habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de

seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas

vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua

rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes

acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos

financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com

32

que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue

cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado

Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida

atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar

(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere

citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados

cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E

MARTINS 2008 p148)

O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a

sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado

por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud

SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao

desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades

sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais

A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo

supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o

cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a

sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo

um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005

ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008

WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)

Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser

vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que

afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda

contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo

(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados

de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo

desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de

sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre

33

eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais

(SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um

suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005

APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante

tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005

paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees

no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e

fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros

quanto do grupordquo

42 A DOENCcedilA AGUDA

Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como

processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees

agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas

Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo

suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um

quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir

uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de

alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)

As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta

agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da

famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo

de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para

administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)

Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos

seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus

familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do

mesmo

34

Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia

se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de

serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel

Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas

famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de

solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)

Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE

observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos

pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se

revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido

Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e

social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de

forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a

dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos

familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)

Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em

unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de

informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de

muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria

relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges

(2009)

O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de

grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as

pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes

que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro

comatoso

Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da

instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo

das UTIs

35

5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)

Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os

pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de

estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade

destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que

funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais

responsaacuteveis

Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de

terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees

raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo

A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas

dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente

dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de

ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade

capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E

CORREcircA 2007)

Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico

raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas

alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E

AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA

2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)

Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas

por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para

ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam

diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem

aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo

proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a

alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um

nuacutemero razoaacutevel de leitos

36

Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo

doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem

de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes

inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas

de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes

com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por

um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar

na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser

diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso

de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como

forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem

Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros

dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da

perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da

equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a

disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)

A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na

maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e

medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu

familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma

linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova

realidade

Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em

unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual

foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada

difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento

por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)

Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela

rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o

fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento

Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e

ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI

37

As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez

que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do

paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo

pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo

familiar

Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua

rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao

ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos

No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua

famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e

finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os

indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus

planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a

instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo

Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco

iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar

hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil

ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo

(p140)

O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo

soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO

E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado

nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e

poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar

papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo

Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns

dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da

situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)

Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a

incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas

(URIZZI E CORREcircA 2007)

38

Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em

uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua

famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de

estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos

(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de

estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe

por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem

picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a

percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes

tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros

2007 URIZZI E CORREcircA 2007)

A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave

comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras

de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo

(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente

restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo

de falta de controle

O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma

mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de

informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a

oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados

referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato

demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma

tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem

como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca

de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos

dados fornecidos pela equipe aos familiares

Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente

com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria

para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como

forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e

familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de

conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)

39

Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina

intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de

48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade

do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica

para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande

desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados

fornecidos

Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a

compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida

natildeo foi comunicada (2007 p05)

Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse

contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs

realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade

pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em

instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o

intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe

de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam

ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007

p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que

se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por

sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo

oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato

ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do

paciente internado em UTI

Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de

terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa

vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha

Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma

morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso

Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute

muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante

40

O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e

funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e

abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais

membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os

diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E

GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)

Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas

que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees

sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009

RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)

O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo

lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo

lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior

entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de

elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944

apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em

potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se

aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente

aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade

aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude

Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e

inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre

a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo

ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo

algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)

Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa

ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os

papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema

familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN

1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de

funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida

satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma

41

morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto

bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste

contexto

Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar

com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas

constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos

envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que

temporariamente a pessoa doente

42

6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA

Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a

famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia

seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra

doente

A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo

revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda

despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a

recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)

Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o

suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos

profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a

colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social

Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees

hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto

Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no

enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)

Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em

um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas

portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o

adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na

famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais

na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao

processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)

A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas

pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente

destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos

Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das

pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos

quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo

43

A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes

as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo

responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas

incapacidade dentre outros

Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente

transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma

histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994

apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a

soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo

ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a

famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e

outros 2002 p 46)

Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar

esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees

contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo

da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias

desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick

1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)

Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do

sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases

temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs

dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto

familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre

a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar

relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da

doenccedila

A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de

uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as

questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo

(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)

Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente

diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees

44

impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se

como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades

Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair

de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por

representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se

encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral

sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da

famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de

emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as

distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave

eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que

a constituem

Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves

mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista

que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir

sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema

(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)

Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na

estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa

para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo

estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da

revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias

consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo

(p 24)

Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a

vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da

famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso

eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda

eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o

periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI

Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que

assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma

45

resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma

possibilidade de recuperaccedilatildeo

Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em

2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o

retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que

desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma

crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de

estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos

como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK

amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)

Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila

de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital

pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a

evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos

papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem

como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar

Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute

com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como

tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma

situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento

Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente

Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas

conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e

incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos

familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular

De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do

ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos

reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais

amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o

ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978

apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)

46

Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute

espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com

eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste

processo

As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na

compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a

tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro

Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade

familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da

famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia

Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se

modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da

famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns

membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)

Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma

alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez

podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a

doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de

instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo

As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as

famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila

avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma

doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na

qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma

fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila

centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de

reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente

estado de fusatildeo

47

61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING

Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress

e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este

processo de maneira menos comprometedora

O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas

pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI

DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping

eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a

uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o

Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN

(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila

cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos

da pessoa (CHAVES 2000)

No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam

que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na

emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema

melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de

remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)

O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto

emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente

de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a

realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente

dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima

positiva manter a esperanccedila e o bem-estar

Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como

reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado

do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido

como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo

acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)

48

Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em

contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no

problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar

informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar

recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida

familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede

mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento

Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes

estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico

aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o

provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados

como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser

melhor e e) usar mecanismos de defesa

Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para

momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa

de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa

(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no

enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no

problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de

terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal

e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo

49

7 MEacuteTODO

Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade

familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos

familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas

apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos

mesmos

Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com

familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados

em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de

Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15

leitos divididos entre as duas especialidades

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos

profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando

dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de

maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)

Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse

jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como

estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela

proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia

No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do

estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos

atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)

Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e

situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os

1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-

BA

50

familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das

demandas observadas (Apecircndice B)

Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos

familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos

propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os

resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que

acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em

uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta

realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles

Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48

horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante

da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste

processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o

serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta

unidade

Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois

casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se

apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que

estava presente em todos os horaacuterios

71 APRESENTANDO OS PACIENTES

Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados

relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do

relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo

considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a

internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A

diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato

de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico

O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um

homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo

possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam

51

atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os

demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem

assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por

apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco

eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)

Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia

de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos

natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)

natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010

Paciente

Sexo

Idade

Estado

Civil

Filhos

Profissatildeo

Residecircncia

Diagnoacutestico

Acompanhante

A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada

B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos

C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de

Almoxarifado

SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta

D F 22 Solteira 0 Auxiliar

Administrativa

Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES

Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos

pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua

maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram

casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam

sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se

mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do

estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos

(Quadro III)

52

QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC

2010

Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia

A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador

B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute

C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix

D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute

53

8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria

de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados

81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS

bull Famiacutelia A

A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com

quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados

reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de

Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante

do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de

obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho

ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse

estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio

sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro

comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC

isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o

internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da

paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato

restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a

mesma e sua histoacuteria

bull Famiacutelia B

A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro

filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua

proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus

familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma

mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes

episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade

sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo

com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos

54

quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador

permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo

bull Famiacutelia C

O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute

alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)

Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de

almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)

Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI

deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute

havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar

sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha

para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima

os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando

bull Famiacutelia D

A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos

reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando

funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel

sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital

em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de

ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia

comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente

e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em

funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em

funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um

primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS

A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo

aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas

sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos

familiares de pacientes viacutetimas de AVC

55

As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)

- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)

- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)

- A ausecircncia de privacidade (iv)

- Ter que lidar com algo novo (v)

O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos

familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao

paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo

trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por

estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante

ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo

familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em

consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada

ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)

ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)

Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas

com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um

nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes

exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao

primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando

a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados

dispensados aos pacientes

ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute

que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)

Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC

o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas

por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo

56

agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo

fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem

de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele

paciente

O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido

pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em

funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa

de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de

estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias

proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a

133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)

era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador

ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito

espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)

ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia

todo aquirdquo (D1)

Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees

onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves

16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta

minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico

plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos

alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando

esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta

de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de

transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba

potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos

O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes

dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia

intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador

ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a

gente melhorardquo (A1)

ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela

precisava ir para UTIrdquo (B1)

57

ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)

ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo

preocupadordquo (D1)

Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em

UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi

percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar

colocar-se no lugar e perceber o outro

Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em

relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades

satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como

ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir

da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma

receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos

investimentos terapecircuticos

O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela

acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina

dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor

aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa

provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora

ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu

esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave

noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no

domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai

precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)

O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que

referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo

praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento

suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares

ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um

pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um

primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()

meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito

58

tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo

dando noticias pra elesrdquo (D1)

A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado

que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a

promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma

menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)

As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)

-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)

- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)

- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)

- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)

A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)

Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas

funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na

autonomia e independecircncia dos mesmos

ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)

ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)

ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)

A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees

motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na

comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio

para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC

como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995

apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN

FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI

2004)

59

Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em

seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as

sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois

exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene

alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua

maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte

dos cuidados

A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida

tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das

familiares no presente trabalho

O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos

familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel

vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)

ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo

(B1)

ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)

O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado

pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam

indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente

As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como

aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias

agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha

ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso

natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)

ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)

O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de

um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se

repita

ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei

o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)

O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante

de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que

os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido

60

ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser

agorardquo (C1)

O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela

acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando

sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem

a patologia atual

ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto

tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra

() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute

mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos

porquerdquo(D1)

Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas

da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP

de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades

de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente

156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados

confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo

Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)

- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

- Medo da morte (iii)

- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)

- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)

- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)

- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)

- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)

- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)

O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de

novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)

Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como

principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees

como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo

61

linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste

processo

A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e

NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com

frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe

ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da

histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham

Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz

seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade

Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as

informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou

boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas

pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo

e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais

com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de

comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o

conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares

Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo

do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no

hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)

ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)

ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc

resultadordquo (C1)

Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante

assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e

desgaste do paciente (C1)

ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)

ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)

ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)

O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se

em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe

ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que

ela tem eacute graverdquo (D1)

62

Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar

como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem

Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda

parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de

algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh

e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo

vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)

As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Ter que lidar com o paciente em coma (i)

- Conhecer pouco a paciente (ii)

-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)

- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)

A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave

questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente

No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade

voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em

funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato

de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter

respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo

ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)

ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)

Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em

termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma

reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e

pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos

Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a

ocorrecircncia do AVC foram

-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)

63

- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)

- Conversas com a paciente (iii)

Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o

intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a

recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O

acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado

na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a

forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que

conversava com a paciente

ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as

notiacuteciasrdquo (A1)

ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta

gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)

ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)

Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de

enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de

enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante

de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas

proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao

indiviacuteduo

Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro

enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver

recursos para poder lidar com ela

Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento

A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou

situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil

ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas

similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de

D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem

(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos

episoacutedios

64

ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para

emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso

aconteceurdquo (B1)

Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele

jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)

ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e

mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por

querdquo (D1)

Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo

de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de

origem da paciente que se encontrava fora de Salvador

ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na

terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho

de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido

dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo

(A1)

A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento

ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela

surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da

situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas

pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia

65

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores

preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por

elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi

possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente

de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas

continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a

experiecircncia vivenciada

As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que

repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor

limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma

unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma

proximidade constante

Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo

em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees

norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no

momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos

Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de

serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC

ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees

para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato

de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para

Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente

Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute

visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo

feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os

cuidados aos enfermos

O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi

instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o

encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe

muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves

66

mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos

sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias

utilizadas para enfrentaacute-lo

As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-

se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para

poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava

restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo

que os doentes

O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem

tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias

que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir

aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los

em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava

por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas

relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves

chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos

ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo

episoacutedio

A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser

bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes

evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave

possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro

Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave

necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento

do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico

Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares

abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter

que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente

do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares

saber como se sentem seus pacientes

67

A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da

expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir

acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento

da UTI

O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no

quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste

modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o

quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade

Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em

alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e

assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees

nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de

tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em

outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de

uma das pacientes do estudo

Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas

os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a

principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo

agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e

aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e

esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo

Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de

informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente

tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade

Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro

desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento

inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto

nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a

ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress

Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a

importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI

68

Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste

processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas

duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos

sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas

envolvidas neste processo

Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao

seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o

familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para

lidar com ela

Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas

principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento

Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante

aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta

terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto

emocionalmente

Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as

duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro

proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao

funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como

dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos

Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um

adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande

comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares

neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de

minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante

para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais

adequado a tal realidade

69

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75

ANEXO 01

ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo

destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta

unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina

No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da

sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma

sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente

neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos

que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes

O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida

pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato

com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo

de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para

tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que

vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em

questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao

adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os

haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela

situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como

forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo

O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno

deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta

necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a

meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em

momentos distintos deste processo

O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em

tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba

sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando

com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de

forma mais clara o viacutenculo entre ambos

76

Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio

entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica

profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com

dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do

processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel

77

APEcircNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

FAMILIARES

O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos

pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do

Hospital Espanhol

Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute

ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva

neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente

Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as

formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias

diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo

voltado a estes familiares

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo

seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro

momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado

rotineiramente

Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de

permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do

TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos

atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em

mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia

Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e

responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que

os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo

Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para

contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820

78

Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE

Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi

explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa

Nome________________________________________________________________________

__

Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )

Documento de Identidade ________________

Endereccedilo

_______________________________________________________________________

Telefones para Contato

___________________________________________________________

Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)

Salvador _______ de ____________________ de 2010

_____________________________ _____________________________

Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador

79

APEcircNDICE B

ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de

terapia intensiva

Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento

Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor

Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as

outras vezes EM que sua esposa adoeceu

O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter

provocado isso

O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que

O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo

essas

Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente

Como eacute a sua esposa

Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes

Como foram estas outras experiecircncias para o senhor

Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou

antes

O que tem sido mais difiacutecil para lidar

Como o senhor tem feito para lidar com isso

Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor

Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram

Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo

80

Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento

Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI

Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada

Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa

Qual a sua expectativa a partir de agora

Page 9: UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADORri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1508/1/DISSERTAC...instituição e uma conquista histórico-social com características singulares e plurais,

9

ABSTRACT

This studys main objective is to know the impact of the disease to the relatives of victims of

stroke patients who are admitted to the intensive care unit Usually the literature has shown

work done with families of patients suffering chronic illness studies that address the family at

the start of the illness are scarce The initial moments of hospitalization in an ICU are

characterized as a challenge to be faced by the family that often but do not know this reality

they have fantasies about their meaning Parallel to this is the fact that his patient had been

affected by an acute onset of disease and that may be limiting to the individual In order to see

this reality were performed retrospectively records of visits made by the psychology service

to patients whose relatives are hospitalized in an intensive care unit Such visits have a script

that cover issues relevant to the experience of illness and the process by which it was possible

to highlight the main feelings about the main questions arising and the main coping

mechanisms used by the families concerned The text analysis of care possible to know how

shocking it can be an acute illness Fear of death and disability the need for changes in family

roles and how to care for patients after discharge are just some of the points highlighted in this

work It was evident the importance of maintaining good communication between staff and

relatives besides the presence of skilled professionals to deal with this audience in a delicate

moment

Keywords Stroke ICU psychological impact of illness family

10

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro Paacutegina

QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick

2011

30

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC

2010

51

QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes

viacutetimas de AVC 2010

52

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 12

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20

31 CRISES FAMILIARES 21

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26

4 O ADOECER 28

41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29

5 A DOENCcedilA AGUDA 33

6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35

61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47

62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44

7 MEacuteTODO 49

71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51

8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53

81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65

REFEREcircNCIAS 69

Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75

APEcircNDICE A ndash TCLE 77

APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem

sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de

gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo

apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais

aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a

influecircncia dos mesmos sobre este grupo social

Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves

relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As

definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram

necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees

contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees

Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para

a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de

seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como

primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a

vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos

indiviacuteduos

Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe

confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador

de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo

rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de

opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio

interminaacutevel (1997 p23)

Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo

especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a

mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto

laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a

famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada

Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de

alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente

13

acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e

apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por

outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo

Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma

instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo

elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de

fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como

pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto

como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um

conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das

geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as

dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias

Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis

modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram

distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo

mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da

horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e

autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade

Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a

nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)

Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo

confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e

igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem

negociadosrdquo (1997 p27)

O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem

relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de

famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros

descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo

(MINUCHIN 1999 p28)

Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia

domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos

estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no

14

funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias

atuais

Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um

quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem

trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma

populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o

desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus

familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas

O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia

constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros

Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro

cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e

desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o

enfrentamento da situaccedilatildeo

Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente

vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta

eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por

uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter

temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem

(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)

Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o

entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras

aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que

haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro

denominando-se AVC hemorraacutegico

Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do

corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar

caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode

ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos

O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias

na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as

15

doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e

a principal causa de incapacidade no mundo

Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que

sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes

ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente

(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E

KUSOMOTA 2006)

A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica

culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este

por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas

com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados

Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e

cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a

adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado

conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as

primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute

dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E

ANGELO 2005 BOCCHI 2004)

Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva

evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as

atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a

quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias

encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a

necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo

suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo

voltadas aos mesmos

Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se

propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de

pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais

pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos

16

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-

degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou

definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e

responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud

PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008)

De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se

como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso

centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)

O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico

(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte

de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro

comprimindo os neurocircnios

Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade

para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo

aparente

Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre

a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees

cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12

Entretanto o

AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros

fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas

inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas

4 Estudos

preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade

inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45

anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)

Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas

apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs

horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de

receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para

desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz

17

Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam

adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo

saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do

colesterol

A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do

derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este

caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de

idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo

receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular

cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no

mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS

2010)

No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por

AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente

morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos

pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema

no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das

maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados

Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano

A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN

(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo

quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por

AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com

68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute

A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A

regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de

Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

18

coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa

o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

cerebrovasculares

Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto

a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos

nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente

quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e

fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso

Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo

AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento

pessoalrdquo

Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma

ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para

o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter

relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se

natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma

forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece

previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico

mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou

ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes

Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir

de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave

instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da

terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso

constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso

bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio

uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia

Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por

algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias

19

mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e

prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar

sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)

Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos

uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de

internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter

que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar

tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas

unidades impotildee

20

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA

O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande

grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees

familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados

pelo que o grupo familiar permite

Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade

compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo

Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu

funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo

Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois

carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo

as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do

comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia

crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada

De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por

subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo

classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute

sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras

(MINUCHIN 1999)

Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de

transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm

para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um

periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e

novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees

confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua

nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um

periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)

Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os

periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio

tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido

embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo

21

constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo

cristalizada (MINUCHIN 1999)

Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como

complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos

psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do

seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo

adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a

possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)

Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria

familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo

de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica

esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)

Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um

legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de

depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do

grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a

doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria

familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)

Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o

lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de

alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila

podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-

47)

31 CRISES FAMILIARES

Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado

poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de

forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento

diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto

22

em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar

com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)

Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa

uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se

necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991

p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila

Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo

indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros

para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo

de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento

anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de

emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise

Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de

uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria

pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute

que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo

baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e

definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram

um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas

diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo

Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo

como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)

Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros

pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das

crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas

que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)

A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com

destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E

DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-

lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro

tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais

e crises do cuidador

23

As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute

real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise

estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios

guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma

satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo

agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam

se solidarizar a este tipo de acontecimento

As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas

normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as

quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas

poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo

enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo

diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao

longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a

transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de

nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras

As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave

mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que

ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o

stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o

stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios

do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido

anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado

como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia

e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar

ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a

importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar

As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma

rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de

mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou

assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho

Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem

24

desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do

cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador

algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do

que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se

indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por

desencadear a crise

Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer

assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia

mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de

poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem

desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de

dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva

sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador

que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia

desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise

Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua

instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no

desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento

Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento

devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de

crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais

que os auxiliam neste momento

Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson

(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da

famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma

necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros

O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo

pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila

Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez

iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao

estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as

consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social

25

Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre

stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e

outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo

Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que

tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise

previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e

valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que

ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de

mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma

criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud

JOSELEVICH 1991)

Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com

frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu

caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar

Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa

e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos

integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo

(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo

capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um

cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se

estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma

assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir

para potencializar o stress vivenciado

A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito

reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral

quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo

cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do

sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio

emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu

mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo

disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede

e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)

26

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR

Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e

possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de

perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos

mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e

com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez

mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude

e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens

Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres

humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo

emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a

necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no

iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte

do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir

de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a

ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto

maior o potencial para a perda

Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo

transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo

vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a

continuidade da vida

Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos

profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que

agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria

do ciclo vital

Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta

o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como

unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os

membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem

como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento

de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda

27

mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que

confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente

apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo

28

4 O ADOECER

O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele

acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees

de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar

a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional

O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser

compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais

socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute

nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)

Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer

acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente

a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que

provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional

e social

Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar

que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que

marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no

enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute

importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos

A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da

famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e

expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um

universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas

tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto

Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de

adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do

paciente e seus familiares

29

41 A DOENCcedilA CROcircNICA

Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida

das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a

despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta

razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez

que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo

Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a

progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia

de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos

que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se

agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a

estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a

doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas

mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a

necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de

natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma

constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES

KUSOMOTA 2006)

Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de

viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge

a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees

nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)

Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas

nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases

importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)

30

Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011

FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL

bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e

programaccedilatildeo de

tratamento

bullAprender a lidar com

sintomas ambiente

hospitalar e procedimentos

terapecircuticos estabelecer

bons viacutenculos com a

equipe

bullIntervalo entre periacuteodo de

diagnoacutestico inicial e ajuste

ao tratamento

bullPredominam questotildees de morte

e doenccedila terminal

Pode haver uma progressatildeo ou

constacircncia do quadro

bullA famiacutelia busca manter a

normalidade diante da

ldquoanormalidaderdquo da doenccedila

crocircnica

A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto

quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do

organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui

reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi

proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)

Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e

sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada

importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou

outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com

os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons

relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de

natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve

construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas

competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova

condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade

entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar

da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter

e McGoldrick 2001 p 378)

31

A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico

inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de

terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou

mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida

normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal

este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo

claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar

sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p

378)

A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se

faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza

separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma

retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E

McGOLDRICK 2001)

Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre

ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem

desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto

familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007

FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)

Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma

doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua

intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)

Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das

circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA

2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural

habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de

seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas

vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua

rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes

acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos

financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com

32

que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue

cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado

Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida

atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar

(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere

citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados

cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E

MARTINS 2008 p148)

O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a

sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado

por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud

SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao

desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades

sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais

A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo

supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o

cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a

sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo

um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005

ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008

WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)

Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser

vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que

afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda

contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo

(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados

de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo

desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de

sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre

33

eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais

(SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um

suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005

APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante

tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005

paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees

no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e

fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros

quanto do grupordquo

42 A DOENCcedilA AGUDA

Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como

processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees

agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas

Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo

suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um

quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir

uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de

alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)

As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta

agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da

famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo

de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para

administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)

Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos

seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus

familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do

mesmo

34

Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia

se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de

serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel

Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas

famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de

solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)

Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE

observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos

pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se

revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido

Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e

social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de

forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a

dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos

familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)

Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em

unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de

informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de

muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria

relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges

(2009)

O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de

grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as

pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes

que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro

comatoso

Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da

instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo

das UTIs

35

5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)

Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os

pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de

estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade

destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que

funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais

responsaacuteveis

Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de

terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees

raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo

A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas

dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente

dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de

ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade

capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E

CORREcircA 2007)

Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico

raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas

alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E

AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA

2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)

Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas

por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para

ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam

diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem

aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo

proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a

alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um

nuacutemero razoaacutevel de leitos

36

Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo

doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem

de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes

inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas

de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes

com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por

um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar

na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser

diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso

de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como

forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem

Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros

dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da

perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da

equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a

disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)

A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na

maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e

medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu

familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma

linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova

realidade

Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em

unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual

foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada

difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento

por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)

Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela

rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o

fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento

Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e

ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI

37

As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez

que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do

paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo

pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo

familiar

Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua

rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao

ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos

No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua

famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e

finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os

indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus

planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a

instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo

Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco

iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar

hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil

ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo

(p140)

O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo

soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO

E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado

nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e

poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar

papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo

Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns

dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da

situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)

Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a

incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas

(URIZZI E CORREcircA 2007)

38

Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em

uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua

famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de

estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos

(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de

estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe

por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem

picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a

percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes

tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros

2007 URIZZI E CORREcircA 2007)

A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave

comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras

de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo

(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente

restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo

de falta de controle

O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma

mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de

informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a

oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados

referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato

demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma

tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem

como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca

de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos

dados fornecidos pela equipe aos familiares

Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente

com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria

para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como

forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e

familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de

conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)

39

Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina

intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de

48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade

do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica

para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande

desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados

fornecidos

Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a

compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida

natildeo foi comunicada (2007 p05)

Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse

contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs

realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade

pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em

instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o

intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe

de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam

ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007

p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que

se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por

sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo

oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato

ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do

paciente internado em UTI

Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de

terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa

vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha

Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma

morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso

Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute

muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante

40

O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e

funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e

abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais

membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os

diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E

GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)

Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas

que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees

sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009

RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)

O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo

lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo

lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior

entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de

elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944

apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em

potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se

aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente

aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade

aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude

Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e

inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre

a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo

ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo

algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)

Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa

ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os

papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema

familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN

1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de

funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida

satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma

41

morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto

bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste

contexto

Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar

com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas

constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos

envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que

temporariamente a pessoa doente

42

6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA

Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a

famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia

seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra

doente

A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo

revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda

despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a

recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)

Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o

suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos

profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a

colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social

Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees

hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto

Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no

enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)

Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em

um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas

portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o

adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na

famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais

na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao

processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)

A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas

pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente

destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos

Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das

pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos

quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo

43

A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes

as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo

responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas

incapacidade dentre outros

Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente

transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma

histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994

apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a

soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo

ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a

famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e

outros 2002 p 46)

Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar

esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees

contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo

da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias

desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick

1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)

Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do

sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases

temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs

dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto

familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre

a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar

relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da

doenccedila

A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de

uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as

questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo

(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)

Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente

diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees

44

impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se

como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades

Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair

de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por

representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se

encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral

sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da

famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de

emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as

distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave

eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que

a constituem

Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves

mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista

que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir

sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema

(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)

Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na

estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa

para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo

estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da

revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias

consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo

(p 24)

Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a

vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da

famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso

eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda

eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o

periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI

Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que

assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma

45

resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma

possibilidade de recuperaccedilatildeo

Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em

2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o

retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que

desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma

crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de

estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos

como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK

amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)

Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila

de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital

pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a

evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos

papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem

como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar

Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute

com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como

tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma

situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento

Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente

Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas

conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e

incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos

familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular

De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do

ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos

reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais

amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o

ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978

apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)

46

Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute

espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com

eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste

processo

As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na

compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a

tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro

Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade

familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da

famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia

Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se

modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da

famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns

membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)

Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma

alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez

podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a

doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de

instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo

As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as

famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila

avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma

doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na

qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma

fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila

centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de

reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente

estado de fusatildeo

47

61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING

Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress

e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este

processo de maneira menos comprometedora

O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas

pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI

DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping

eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a

uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o

Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN

(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila

cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos

da pessoa (CHAVES 2000)

No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam

que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na

emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema

melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de

remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)

O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto

emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente

de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a

realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente

dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima

positiva manter a esperanccedila e o bem-estar

Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como

reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado

do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido

como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo

acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)

48

Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em

contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no

problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar

informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar

recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida

familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede

mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento

Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes

estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico

aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o

provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados

como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser

melhor e e) usar mecanismos de defesa

Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para

momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa

de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa

(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no

enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no

problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de

terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal

e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo

49

7 MEacuteTODO

Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade

familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos

familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas

apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos

mesmos

Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com

familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados

em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de

Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15

leitos divididos entre as duas especialidades

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos

profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando

dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de

maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)

Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse

jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como

estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela

proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia

No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do

estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos

atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)

Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e

situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os

1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-

BA

50

familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das

demandas observadas (Apecircndice B)

Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos

familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos

propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os

resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que

acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em

uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta

realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles

Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48

horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante

da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste

processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o

serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta

unidade

Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois

casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se

apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que

estava presente em todos os horaacuterios

71 APRESENTANDO OS PACIENTES

Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados

relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do

relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo

considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a

internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A

diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato

de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico

O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um

homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo

possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam

51

atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os

demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem

assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por

apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco

eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)

Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia

de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos

natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)

natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010

Paciente

Sexo

Idade

Estado

Civil

Filhos

Profissatildeo

Residecircncia

Diagnoacutestico

Acompanhante

A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada

B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos

C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de

Almoxarifado

SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta

D F 22 Solteira 0 Auxiliar

Administrativa

Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES

Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos

pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua

maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram

casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam

sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se

mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do

estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos

(Quadro III)

52

QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC

2010

Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia

A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador

B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute

C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix

D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute

53

8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria

de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados

81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS

bull Famiacutelia A

A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com

quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados

reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de

Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante

do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de

obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho

ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse

estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio

sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro

comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC

isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o

internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da

paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato

restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a

mesma e sua histoacuteria

bull Famiacutelia B

A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro

filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua

proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus

familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma

mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes

episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade

sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo

com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos

54

quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador

permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo

bull Famiacutelia C

O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute

alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)

Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de

almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)

Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI

deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute

havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar

sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha

para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima

os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando

bull Famiacutelia D

A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos

reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando

funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel

sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital

em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de

ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia

comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente

e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em

funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em

funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um

primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS

A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo

aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas

sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos

familiares de pacientes viacutetimas de AVC

55

As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)

- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)

- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)

- A ausecircncia de privacidade (iv)

- Ter que lidar com algo novo (v)

O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos

familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao

paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo

trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por

estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante

ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo

familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em

consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada

ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)

ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)

Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas

com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um

nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes

exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao

primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando

a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados

dispensados aos pacientes

ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute

que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)

Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC

o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas

por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo

56

agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo

fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem

de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele

paciente

O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido

pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em

funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa

de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de

estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias

proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a

133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)

era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador

ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito

espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)

ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia

todo aquirdquo (D1)

Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees

onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves

16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta

minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico

plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos

alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando

esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta

de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de

transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba

potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos

O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes

dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia

intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador

ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a

gente melhorardquo (A1)

ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela

precisava ir para UTIrdquo (B1)

57

ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)

ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo

preocupadordquo (D1)

Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em

UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi

percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar

colocar-se no lugar e perceber o outro

Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em

relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades

satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como

ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir

da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma

receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos

investimentos terapecircuticos

O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela

acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina

dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor

aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa

provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora

ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu

esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave

noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no

domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai

precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)

O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que

referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo

praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento

suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares

ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um

pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um

primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()

meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito

58

tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo

dando noticias pra elesrdquo (D1)

A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado

que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a

promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma

menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)

As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)

-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)

- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)

- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)

- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)

A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)

Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas

funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na

autonomia e independecircncia dos mesmos

ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)

ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)

ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)

A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees

motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na

comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio

para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC

como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995

apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN

FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI

2004)

59

Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em

seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as

sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois

exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene

alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua

maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte

dos cuidados

A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida

tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das

familiares no presente trabalho

O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos

familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel

vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)

ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo

(B1)

ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)

O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado

pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam

indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente

As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como

aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias

agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha

ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso

natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)

ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)

O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de

um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se

repita

ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei

o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)

O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante

de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que

os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido

60

ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser

agorardquo (C1)

O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela

acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando

sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem

a patologia atual

ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto

tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra

() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute

mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos

porquerdquo(D1)

Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas

da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP

de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades

de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente

156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados

confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo

Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)

- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

- Medo da morte (iii)

- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)

- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)

- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)

- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)

- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)

- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)

O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de

novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)

Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como

principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees

como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo

61

linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste

processo

A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e

NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com

frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe

ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da

histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham

Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz

seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade

Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as

informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou

boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas

pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo

e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais

com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de

comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o

conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares

Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo

do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no

hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)

ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)

ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc

resultadordquo (C1)

Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante

assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e

desgaste do paciente (C1)

ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)

ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)

ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)

O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se

em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe

ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que

ela tem eacute graverdquo (D1)

62

Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar

como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem

Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda

parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de

algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh

e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo

vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)

As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Ter que lidar com o paciente em coma (i)

- Conhecer pouco a paciente (ii)

-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)

- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)

A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave

questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente

No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade

voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em

funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato

de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter

respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo

ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)

ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)

Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em

termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma

reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e

pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos

Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a

ocorrecircncia do AVC foram

-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)

63

- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)

- Conversas com a paciente (iii)

Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o

intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a

recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O

acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado

na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a

forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que

conversava com a paciente

ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as

notiacuteciasrdquo (A1)

ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta

gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)

ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)

Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de

enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de

enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante

de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas

proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao

indiviacuteduo

Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro

enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver

recursos para poder lidar com ela

Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento

A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou

situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil

ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas

similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de

D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem

(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos

episoacutedios

64

ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para

emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso

aconteceurdquo (B1)

Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele

jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)

ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e

mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por

querdquo (D1)

Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo

de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de

origem da paciente que se encontrava fora de Salvador

ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na

terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho

de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido

dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo

(A1)

A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento

ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela

surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da

situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas

pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia

65

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores

preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por

elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi

possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente

de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas

continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a

experiecircncia vivenciada

As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que

repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor

limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma

unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma

proximidade constante

Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo

em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees

norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no

momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos

Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de

serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC

ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees

para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato

de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para

Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente

Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute

visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo

feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os

cuidados aos enfermos

O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi

instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o

encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe

muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves

66

mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos

sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias

utilizadas para enfrentaacute-lo

As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-

se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para

poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava

restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo

que os doentes

O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem

tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias

que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir

aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los

em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava

por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas

relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves

chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos

ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo

episoacutedio

A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser

bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes

evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave

possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro

Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave

necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento

do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico

Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares

abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter

que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente

do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares

saber como se sentem seus pacientes

67

A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da

expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir

acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento

da UTI

O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no

quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste

modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o

quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade

Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em

alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e

assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees

nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de

tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em

outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de

uma das pacientes do estudo

Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas

os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a

principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo

agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e

aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e

esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo

Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de

informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente

tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade

Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro

desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento

inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto

nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a

ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress

Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a

importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI

68

Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste

processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas

duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos

sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas

envolvidas neste processo

Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao

seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o

familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para

lidar com ela

Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas

principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento

Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante

aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta

terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto

emocionalmente

Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as

duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro

proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao

funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como

dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos

Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um

adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande

comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares

neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de

minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante

para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais

adequado a tal realidade

69

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75

ANEXO 01

ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo

destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta

unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina

No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da

sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma

sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente

neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos

que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes

O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida

pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato

com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo

de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para

tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que

vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em

questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao

adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os

haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela

situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como

forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo

O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno

deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta

necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a

meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em

momentos distintos deste processo

O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em

tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba

sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando

com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de

forma mais clara o viacutenculo entre ambos

76

Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio

entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica

profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com

dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do

processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel

77

APEcircNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

FAMILIARES

O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos

pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do

Hospital Espanhol

Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute

ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva

neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente

Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as

formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias

diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo

voltado a estes familiares

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo

seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro

momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado

rotineiramente

Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de

permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do

TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos

atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em

mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia

Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e

responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que

os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo

Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para

contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820

78

Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE

Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi

explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa

Nome________________________________________________________________________

__

Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )

Documento de Identidade ________________

Endereccedilo

_______________________________________________________________________

Telefones para Contato

___________________________________________________________

Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)

Salvador _______ de ____________________ de 2010

_____________________________ _____________________________

Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador

79

APEcircNDICE B

ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de

terapia intensiva

Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento

Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor

Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as

outras vezes EM que sua esposa adoeceu

O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter

provocado isso

O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que

O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo

essas

Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente

Como eacute a sua esposa

Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes

Como foram estas outras experiecircncias para o senhor

Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou

antes

O que tem sido mais difiacutecil para lidar

Como o senhor tem feito para lidar com isso

Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor

Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram

Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo

80

Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento

Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI

Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada

Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa

Qual a sua expectativa a partir de agora

Page 10: UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADORri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1508/1/DISSERTAC...instituição e uma conquista histórico-social com características singulares e plurais,

10

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Quadro Paacutegina

QUADRO I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick

2011

30

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC

2010

51

QUADRO III - Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefico dos familiares de pacientes

viacutetimas de AVC 2010

52

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 12

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20

31 CRISES FAMILIARES 21

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26

4 O ADOECER 28

41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29

5 A DOENCcedilA AGUDA 33

6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35

61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47

62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44

7 MEacuteTODO 49

71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51

8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53

81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65

REFEREcircNCIAS 69

Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75

APEcircNDICE A ndash TCLE 77

APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79

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1 INTRODUCcedilAtildeO

A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem

sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de

gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo

apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais

aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a

influecircncia dos mesmos sobre este grupo social

Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves

relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As

definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram

necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees

contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees

Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para

a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de

seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como

primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a

vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos

indiviacuteduos

Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe

confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador

de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo

rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de

opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio

interminaacutevel (1997 p23)

Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo

especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a

mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto

laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a

famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada

Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de

alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente

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acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e

apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por

outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo

Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma

instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo

elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de

fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como

pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto

como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um

conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das

geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as

dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias

Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis

modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram

distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo

mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da

horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e

autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade

Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a

nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)

Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo

confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e

igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem

negociadosrdquo (1997 p27)

O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem

relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de

famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros

descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo

(MINUCHIN 1999 p28)

Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia

domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos

estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no

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funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias

atuais

Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um

quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem

trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma

populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o

desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus

familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas

O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia

constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros

Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro

cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e

desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o

enfrentamento da situaccedilatildeo

Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente

vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta

eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por

uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter

temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem

(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)

Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o

entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras

aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que

haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro

denominando-se AVC hemorraacutegico

Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do

corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar

caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode

ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos

O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias

na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as

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doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e

a principal causa de incapacidade no mundo

Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que

sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes

ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente

(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E

KUSOMOTA 2006)

A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica

culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este

por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas

com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados

Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e

cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a

adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado

conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as

primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute

dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E

ANGELO 2005 BOCCHI 2004)

Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva

evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as

atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a

quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias

encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a

necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo

suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo

voltadas aos mesmos

Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se

propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de

pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais

pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos

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2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-

degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou

definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e

responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud

PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008)

De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se

como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso

centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)

O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico

(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte

de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro

comprimindo os neurocircnios

Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade

para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo

aparente

Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre

a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees

cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12

Entretanto o

AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros

fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas

inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas

4 Estudos

preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade

inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45

anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)

Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas

apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs

horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de

receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para

desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz

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Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam

adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo

saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do

colesterol

A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do

derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este

caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de

idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo

receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular

cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no

mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS

2010)

No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por

AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente

morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos

pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema

no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das

maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados

Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano

A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN

(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo

quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por

AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com

68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute

A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A

regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de

Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

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coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa

o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

cerebrovasculares

Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto

a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos

nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente

quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e

fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso

Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo

AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento

pessoalrdquo

Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma

ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para

o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter

relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se

natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma

forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece

previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico

mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou

ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes

Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir

de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave

instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da

terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso

constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso

bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio

uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia

Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por

algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias

19

mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e

prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar

sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)

Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos

uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de

internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter

que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar

tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas

unidades impotildee

20

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA

O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande

grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees

familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados

pelo que o grupo familiar permite

Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade

compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo

Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu

funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo

Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois

carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo

as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do

comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia

crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada

De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por

subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo

classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute

sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras

(MINUCHIN 1999)

Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de

transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm

para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um

periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e

novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees

confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua

nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um

periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)

Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os

periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio

tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido

embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo

21

constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo

cristalizada (MINUCHIN 1999)

Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como

complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos

psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do

seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo

adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a

possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)

Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria

familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo

de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica

esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)

Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um

legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de

depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do

grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a

doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria

familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)

Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o

lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de

alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila

podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-

47)

31 CRISES FAMILIARES

Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado

poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de

forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento

diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto

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em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar

com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)

Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa

uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se

necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991

p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila

Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo

indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros

para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo

de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento

anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de

emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise

Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de

uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria

pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute

que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo

baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e

definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram

um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas

diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo

Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo

como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)

Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros

pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das

crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas

que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)

A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com

destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E

DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-

lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro

tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais

e crises do cuidador

23

As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute

real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise

estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios

guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma

satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo

agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam

se solidarizar a este tipo de acontecimento

As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas

normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as

quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas

poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo

enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo

diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao

longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a

transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de

nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras

As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave

mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que

ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o

stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o

stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios

do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido

anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado

como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia

e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar

ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a

importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar

As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma

rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de

mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou

assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho

Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem

24

desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do

cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador

algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do

que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se

indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por

desencadear a crise

Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer

assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia

mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de

poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem

desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de

dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva

sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador

que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia

desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise

Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua

instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no

desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento

Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento

devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de

crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais

que os auxiliam neste momento

Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson

(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da

famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma

necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros

O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo

pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila

Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez

iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao

estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as

consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social

25

Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre

stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e

outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo

Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que

tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise

previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e

valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que

ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de

mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma

criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud

JOSELEVICH 1991)

Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com

frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu

caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar

Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa

e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos

integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo

(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo

capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um

cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se

estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma

assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir

para potencializar o stress vivenciado

A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito

reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral

quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo

cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do

sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio

emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu

mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo

disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede

e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)

26

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR

Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e

possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de

perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos

mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e

com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez

mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude

e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens

Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres

humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo

emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a

necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no

iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte

do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir

de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a

ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto

maior o potencial para a perda

Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo

transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo

vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a

continuidade da vida

Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos

profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que

agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria

do ciclo vital

Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta

o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como

unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os

membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem

como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento

de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda

27

mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que

confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente

apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo

28

4 O ADOECER

O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele

acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees

de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar

a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional

O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser

compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais

socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute

nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)

Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer

acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente

a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que

provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional

e social

Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar

que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que

marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no

enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute

importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos

A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da

famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e

expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um

universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas

tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto

Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de

adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do

paciente e seus familiares

29

41 A DOENCcedilA CROcircNICA

Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida

das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a

despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta

razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez

que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo

Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a

progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia

de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos

que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se

agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a

estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a

doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas

mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a

necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de

natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma

constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES

KUSOMOTA 2006)

Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de

viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge

a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees

nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)

Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas

nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases

importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)

30

Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011

FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL

bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e

programaccedilatildeo de

tratamento

bullAprender a lidar com

sintomas ambiente

hospitalar e procedimentos

terapecircuticos estabelecer

bons viacutenculos com a

equipe

bullIntervalo entre periacuteodo de

diagnoacutestico inicial e ajuste

ao tratamento

bullPredominam questotildees de morte

e doenccedila terminal

Pode haver uma progressatildeo ou

constacircncia do quadro

bullA famiacutelia busca manter a

normalidade diante da

ldquoanormalidaderdquo da doenccedila

crocircnica

A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto

quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do

organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui

reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi

proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)

Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e

sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada

importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou

outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com

os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons

relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de

natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve

construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas

competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova

condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade

entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar

da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter

e McGoldrick 2001 p 378)

31

A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico

inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de

terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou

mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida

normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal

este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo

claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar

sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p

378)

A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se

faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza

separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma

retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E

McGOLDRICK 2001)

Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre

ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem

desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto

familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007

FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)

Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma

doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua

intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)

Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das

circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA

2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural

habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de

seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas

vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua

rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes

acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos

financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com

32

que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue

cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado

Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida

atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar

(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere

citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados

cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E

MARTINS 2008 p148)

O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a

sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado

por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud

SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao

desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades

sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais

A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo

supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o

cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a

sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo

um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005

ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008

WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)

Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser

vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que

afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda

contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo

(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados

de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo

desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de

sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre

33

eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais

(SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um

suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005

APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante

tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005

paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees

no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e

fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros

quanto do grupordquo

42 A DOENCcedilA AGUDA

Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como

processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees

agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas

Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo

suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um

quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir

uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de

alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)

As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta

agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da

famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo

de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para

administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)

Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos

seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus

familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do

mesmo

34

Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia

se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de

serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel

Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas

famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de

solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)

Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE

observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos

pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se

revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido

Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e

social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de

forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a

dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos

familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)

Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em

unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de

informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de

muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria

relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges

(2009)

O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de

grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as

pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes

que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro

comatoso

Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da

instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo

das UTIs

35

5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)

Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os

pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de

estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade

destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que

funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais

responsaacuteveis

Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de

terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees

raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo

A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas

dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente

dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de

ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade

capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E

CORREcircA 2007)

Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico

raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas

alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E

AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA

2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)

Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas

por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para

ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam

diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem

aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo

proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a

alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um

nuacutemero razoaacutevel de leitos

36

Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo

doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem

de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes

inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas

de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes

com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por

um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar

na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser

diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso

de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como

forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem

Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros

dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da

perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da

equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a

disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)

A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na

maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e

medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu

familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma

linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova

realidade

Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em

unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual

foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada

difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento

por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)

Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela

rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o

fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento

Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e

ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI

37

As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez

que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do

paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo

pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo

familiar

Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua

rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao

ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos

No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua

famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e

finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os

indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus

planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a

instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo

Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco

iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar

hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil

ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo

(p140)

O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo

soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO

E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado

nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e

poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar

papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo

Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns

dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da

situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)

Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a

incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas

(URIZZI E CORREcircA 2007)

38

Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em

uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua

famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de

estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos

(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de

estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe

por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem

picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a

percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes

tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros

2007 URIZZI E CORREcircA 2007)

A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave

comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras

de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo

(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente

restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo

de falta de controle

O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma

mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de

informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a

oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados

referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato

demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma

tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem

como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca

de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos

dados fornecidos pela equipe aos familiares

Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente

com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria

para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como

forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e

familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de

conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)

39

Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina

intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de

48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade

do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica

para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande

desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados

fornecidos

Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a

compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida

natildeo foi comunicada (2007 p05)

Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse

contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs

realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade

pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em

instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o

intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe

de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam

ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007

p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que

se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por

sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo

oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato

ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do

paciente internado em UTI

Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de

terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa

vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha

Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma

morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso

Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute

muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante

40

O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e

funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e

abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais

membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os

diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E

GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)

Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas

que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees

sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009

RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)

O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo

lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo

lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior

entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de

elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944

apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em

potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se

aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente

aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade

aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude

Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e

inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre

a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo

ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo

algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)

Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa

ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os

papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema

familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN

1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de

funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida

satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma

41

morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto

bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste

contexto

Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar

com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas

constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos

envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que

temporariamente a pessoa doente

42

6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA

Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a

famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia

seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra

doente

A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo

revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda

despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a

recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)

Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o

suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos

profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a

colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social

Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees

hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto

Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no

enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)

Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em

um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas

portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o

adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na

famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais

na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao

processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)

A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas

pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente

destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos

Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das

pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos

quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo

43

A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes

as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo

responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas

incapacidade dentre outros

Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente

transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma

histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994

apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a

soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo

ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a

famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e

outros 2002 p 46)

Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar

esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees

contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo

da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias

desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick

1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)

Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do

sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases

temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs

dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto

familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre

a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar

relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da

doenccedila

A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de

uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as

questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo

(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)

Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente

diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees

44

impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se

como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades

Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair

de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por

representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se

encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral

sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da

famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de

emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as

distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave

eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que

a constituem

Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves

mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista

que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir

sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema

(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)

Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na

estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa

para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo

estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da

revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias

consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo

(p 24)

Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a

vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da

famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso

eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda

eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o

periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI

Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que

assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma

45

resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma

possibilidade de recuperaccedilatildeo

Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em

2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o

retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que

desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma

crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de

estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos

como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK

amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)

Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila

de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital

pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a

evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos

papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem

como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar

Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute

com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como

tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma

situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento

Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente

Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas

conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e

incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos

familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular

De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do

ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos

reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais

amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o

ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978

apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)

46

Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute

espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com

eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste

processo

As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na

compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a

tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro

Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade

familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da

famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia

Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se

modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da

famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns

membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)

Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma

alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez

podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a

doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de

instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo

As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as

famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila

avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma

doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na

qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma

fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila

centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de

reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente

estado de fusatildeo

47

61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING

Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress

e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este

processo de maneira menos comprometedora

O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas

pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI

DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping

eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a

uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o

Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN

(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila

cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos

da pessoa (CHAVES 2000)

No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam

que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na

emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema

melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de

remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)

O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto

emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente

de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a

realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente

dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima

positiva manter a esperanccedila e o bem-estar

Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como

reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado

do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido

como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo

acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)

48

Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em

contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no

problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar

informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar

recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida

familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede

mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento

Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes

estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico

aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o

provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados

como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser

melhor e e) usar mecanismos de defesa

Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para

momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa

de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa

(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no

enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no

problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de

terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal

e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo

49

7 MEacuteTODO

Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade

familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos

familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas

apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos

mesmos

Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com

familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados

em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de

Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15

leitos divididos entre as duas especialidades

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos

profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando

dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de

maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)

Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse

jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como

estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela

proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia

No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do

estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos

atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)

Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e

situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os

1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-

BA

50

familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das

demandas observadas (Apecircndice B)

Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos

familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos

propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os

resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que

acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em

uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta

realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles

Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48

horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante

da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste

processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o

serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta

unidade

Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois

casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se

apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que

estava presente em todos os horaacuterios

71 APRESENTANDO OS PACIENTES

Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados

relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do

relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo

considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a

internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A

diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato

de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico

O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um

homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo

possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam

51

atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os

demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem

assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por

apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco

eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)

Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia

de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos

natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)

natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010

Paciente

Sexo

Idade

Estado

Civil

Filhos

Profissatildeo

Residecircncia

Diagnoacutestico

Acompanhante

A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada

B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos

C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de

Almoxarifado

SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta

D F 22 Solteira 0 Auxiliar

Administrativa

Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES

Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos

pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua

maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram

casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam

sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se

mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do

estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos

(Quadro III)

52

QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC

2010

Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia

A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador

B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute

C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix

D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute

53

8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria

de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados

81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS

bull Famiacutelia A

A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com

quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados

reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de

Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante

do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de

obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho

ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse

estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio

sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro

comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC

isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o

internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da

paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato

restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a

mesma e sua histoacuteria

bull Famiacutelia B

A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro

filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua

proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus

familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma

mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes

episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade

sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo

com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos

54

quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador

permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo

bull Famiacutelia C

O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute

alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)

Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de

almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)

Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI

deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute

havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar

sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha

para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima

os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando

bull Famiacutelia D

A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos

reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando

funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel

sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital

em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de

ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia

comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente

e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em

funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em

funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um

primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS

A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo

aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas

sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos

familiares de pacientes viacutetimas de AVC

55

As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)

- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)

- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)

- A ausecircncia de privacidade (iv)

- Ter que lidar com algo novo (v)

O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos

familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao

paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo

trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por

estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante

ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo

familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em

consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada

ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)

ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)

Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas

com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um

nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes

exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao

primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando

a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados

dispensados aos pacientes

ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute

que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)

Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC

o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas

por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo

56

agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo

fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem

de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele

paciente

O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido

pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em

funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa

de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de

estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias

proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a

133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)

era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador

ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito

espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)

ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia

todo aquirdquo (D1)

Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees

onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves

16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta

minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico

plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos

alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando

esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta

de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de

transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba

potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos

O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes

dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia

intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador

ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a

gente melhorardquo (A1)

ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela

precisava ir para UTIrdquo (B1)

57

ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)

ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo

preocupadordquo (D1)

Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em

UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi

percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar

colocar-se no lugar e perceber o outro

Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em

relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades

satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como

ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir

da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma

receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos

investimentos terapecircuticos

O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela

acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina

dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor

aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa

provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora

ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu

esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave

noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no

domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai

precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)

O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que

referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo

praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento

suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares

ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um

pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um

primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()

meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito

58

tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo

dando noticias pra elesrdquo (D1)

A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado

que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a

promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma

menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)

As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)

-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)

- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)

- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)

- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)

A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)

Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas

funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na

autonomia e independecircncia dos mesmos

ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)

ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)

ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)

A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees

motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na

comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio

para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC

como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995

apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN

FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI

2004)

59

Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em

seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as

sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois

exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene

alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua

maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte

dos cuidados

A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida

tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das

familiares no presente trabalho

O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos

familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel

vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)

ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo

(B1)

ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)

O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado

pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam

indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente

As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como

aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias

agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha

ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso

natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)

ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)

O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de

um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se

repita

ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei

o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)

O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante

de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que

os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido

60

ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser

agorardquo (C1)

O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela

acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando

sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem

a patologia atual

ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto

tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra

() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute

mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos

porquerdquo(D1)

Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas

da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP

de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades

de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente

156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados

confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo

Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)

- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

- Medo da morte (iii)

- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)

- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)

- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)

- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)

- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)

- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)

O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de

novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)

Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como

principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees

como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo

61

linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste

processo

A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e

NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com

frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe

ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da

histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham

Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz

seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade

Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as

informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou

boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas

pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo

e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais

com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de

comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o

conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares

Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo

do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no

hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)

ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)

ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc

resultadordquo (C1)

Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante

assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e

desgaste do paciente (C1)

ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)

ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)

ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)

O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se

em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe

ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que

ela tem eacute graverdquo (D1)

62

Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar

como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem

Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda

parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de

algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh

e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo

vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)

As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Ter que lidar com o paciente em coma (i)

- Conhecer pouco a paciente (ii)

-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)

- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)

A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave

questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente

No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade

voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em

funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato

de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter

respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo

ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)

ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)

Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em

termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma

reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e

pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos

Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a

ocorrecircncia do AVC foram

-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)

63

- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)

- Conversas com a paciente (iii)

Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o

intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a

recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O

acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado

na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a

forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que

conversava com a paciente

ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as

notiacuteciasrdquo (A1)

ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta

gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)

ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)

Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de

enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de

enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante

de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas

proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao

indiviacuteduo

Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro

enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver

recursos para poder lidar com ela

Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento

A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou

situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil

ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas

similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de

D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem

(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos

episoacutedios

64

ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para

emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso

aconteceurdquo (B1)

Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele

jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)

ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e

mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por

querdquo (D1)

Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo

de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de

origem da paciente que se encontrava fora de Salvador

ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na

terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho

de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido

dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo

(A1)

A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento

ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela

surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da

situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas

pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia

65

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores

preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por

elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi

possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente

de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas

continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a

experiecircncia vivenciada

As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que

repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor

limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma

unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma

proximidade constante

Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo

em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees

norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no

momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos

Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de

serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC

ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees

para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato

de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para

Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente

Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute

visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo

feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os

cuidados aos enfermos

O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi

instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o

encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe

muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves

66

mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos

sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias

utilizadas para enfrentaacute-lo

As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-

se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para

poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava

restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo

que os doentes

O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem

tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias

que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir

aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los

em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava

por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas

relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves

chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos

ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo

episoacutedio

A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser

bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes

evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave

possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro

Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave

necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento

do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico

Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares

abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter

que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente

do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares

saber como se sentem seus pacientes

67

A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da

expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir

acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento

da UTI

O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no

quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste

modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o

quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade

Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em

alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e

assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees

nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de

tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em

outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de

uma das pacientes do estudo

Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas

os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a

principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo

agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e

aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e

esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo

Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de

informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente

tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade

Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro

desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento

inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto

nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a

ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress

Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a

importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI

68

Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste

processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas

duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos

sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas

envolvidas neste processo

Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao

seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o

familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para

lidar com ela

Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas

principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento

Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante

aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta

terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto

emocionalmente

Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as

duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro

proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao

funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como

dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos

Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um

adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande

comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares

neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de

minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante

para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais

adequado a tal realidade

69

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74

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75

ANEXO 01

ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo

destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta

unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina

No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da

sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma

sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente

neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos

que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes

O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida

pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato

com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo

de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para

tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que

vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em

questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao

adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os

haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela

situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como

forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo

O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno

deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta

necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a

meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em

momentos distintos deste processo

O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em

tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba

sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando

com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de

forma mais clara o viacutenculo entre ambos

76

Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio

entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica

profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com

dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do

processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel

77

APEcircNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

FAMILIARES

O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos

pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do

Hospital Espanhol

Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute

ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva

neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente

Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as

formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias

diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo

voltado a estes familiares

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo

seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro

momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado

rotineiramente

Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de

permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do

TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos

atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em

mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia

Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e

responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que

os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo

Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para

contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820

78

Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE

Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi

explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa

Nome________________________________________________________________________

__

Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )

Documento de Identidade ________________

Endereccedilo

_______________________________________________________________________

Telefones para Contato

___________________________________________________________

Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)

Salvador _______ de ____________________ de 2010

_____________________________ _____________________________

Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador

79

APEcircNDICE B

ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de

terapia intensiva

Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento

Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor

Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as

outras vezes EM que sua esposa adoeceu

O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter

provocado isso

O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que

O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo

essas

Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente

Como eacute a sua esposa

Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes

Como foram estas outras experiecircncias para o senhor

Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou

antes

O que tem sido mais difiacutecil para lidar

Como o senhor tem feito para lidar com isso

Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor

Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram

Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo

80

Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento

Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI

Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada

Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa

Qual a sua expectativa a partir de agora

Page 11: UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADORri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1508/1/DISSERTAC...instituição e uma conquista histórico-social com características singulares e plurais,

11

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 12

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL 16

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA 20

31 CRISES FAMILIARES 21

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VIT AL FAMILIAR 26

4 O ADOECER 28

41 A DOENCcedilA CROcircNICA 29

5 A DOENCcedilA AGUDA 33

6 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ndash UTI 35

61 O ADOECER E A FAMIacuteLIA 47

62 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndashCOPING 44

7 MEacuteTODO 49

71 APRESENTANDO OS PACIENTES 50

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES 51

8 RESULTADOS E DISCUSSOtildeES 53

81 CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA FAMIacuteLIA 53

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS 54

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 65

REFEREcircNCIAS 69

Anexo 01 - Rotina de atendimento do Serviccedilo de Psicologia 75

APEcircNDICE A ndash TCLE 77

APEcircNDICE B ndashRoteiro de atendimento 79

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

A famiacutelia vem sendo alvo de estudos ao longo dos anos e para uma melhor compreensatildeo tem

sido analisada sob diferentes aspectos As mudanccedilas na estrutura familiar as relaccedilotildees de

gecircnero a vulnerabilidade social o processo de sauacutede e doenccedila ao longo do ciclo vital satildeo

apenas alguns dos assuntos que ilustram a diversidade de temas relacionados agrave famiacutelia Tais

aspectos satildeo diariamente observados e estudados na tentativa de melhor compreender a

influecircncia dos mesmos sobre este grupo social

Pensando em famiacutelia e em sua definiccedilatildeo observa-se que os autores datildeo especial destaque agraves

relaccedilotildees entre os membros que a constituem bem como os sentimentos nela envolvidos As

definiccedilotildees que se seguem estatildeo apresentadas em ordem cronoloacutegica estas natildeo foram

necessariamente fundamento entre si entretanto observou-se que caracterizam condiccedilotildees

contemporacircneas a cada um das definiccedilotildees

Para Santos e Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 41) ldquoa famiacutelia representa para

a maioria das pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de

seus viacutenculos afetivos quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo Este grupo surge como

primeiro espaccedilo facilitador agrave formaccedilatildeo de viacutenculos aleacutem de possibilitar a expressatildeo e a

vivecircncia de alguns sentimentos que contribuem para a formaccedilatildeo pessoal e social dos

indiviacuteduos

Souza reforccedila a dimensatildeo afetiva deste grupo ao mesmo tempo em que lhe

confere um toque de realidade percebendo-o como ambiente desencadeador

de emoccedilotildees de naturezas distintas Para este autor o sentimento de famiacutelia engloba todas as emoccedilotildees inerentes agrave pessoa identidade pertenccedila aceitaccedilatildeo

rejeiccedilatildeo amor carinho raiva medo oacutedio Certamente eacute esta fusatildeo de

opostos que torna a famiacutelia tatildeo complexa e sua compreensatildeo um desafio

interminaacutevel (1997 p23)

Minuchin ancora seu pensamento em uma visatildeo sistecircmica no qual ldquouma famiacutelia eacute um tipo

especial de sistema com estrutura padrotildees e propriedades que organizam a estabilidade e a

mudanccedila Eacute tambeacutem uma pequena sociedade humana cujos membros tecircm contato direto

laccedilos emocionais e uma histoacuteria compartilhadardquo (1999 p 22) Deste modo entende-se que a

famiacutelia eacute o produto de um conviacutevio de natureza emocional e compartilhada

Sendo geradora de formas distintas de emoccedilotildees a famiacutelia passa a ser tambeacutem cenaacuterio de

alguns conflitos entre seus membros desconstruindo-se sua caracteriacutestica exclusivamente

13

acolhedora Sobre isso Arriagada (2001 p 05) aponta que a famiacutelia ldquopor um lado eacute abrigo e

apoio diante das incertezas geradas pelas mudanccedilas nas condiccedilotildees do ambiente externo e por

outro as relaccedilotildees no seio familiar tambeacutem podem ser importantes fontes de inseguranccedilardquo

Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005 p 41) ldquoa famiacutelia eacute concebida tambeacutem como uma

instituiccedilatildeo e uma conquista histoacuterico-social com caracteriacutesticas singulares e plurais reunindo

elementos de continuidade e de contiguumlidade incluindo laccedilos de alianccedila de filiaccedilatildeo e de

fraternidaderdquo Tal proposiccedilatildeo reflete bem o quatildeo complexo eacute o conceito de famiacutelia como

pensado atualmente Ao ser analisada com instituiccedilatildeo social pode ser compreendida tanto

como produto quanto como produtora das relaccedilotildees o que demanda uma aproximaccedilatildeo e um

conviacutevio para que a transmissatildeo dos distintos modelos familiares ocorra ao longo das

geraccedilotildees A atenccedilatildeo distinguida aos elementos de continuidade e de contiguumlidade aponta as

dimensotildees natildeo bioloacutegicas como estruturadoras das famiacutelias

Ao longo dos anos o modelo de famiacutelia brasileira e suas relaccedilotildees sofreram consideraacuteveis

modificaccedilotildees evoluindo de um modelo hierarquizado no qual homens e mulheres eram

distintos prevalecendo agrave autoridade masculina fundada no poder econocircmico para um modelo

mais igualitaacuterio notadamente a partir da deacutecada de 50 Este segundo modelo surge a partir da

horizontalizaccedilatildeo das relaccedilotildees e da consequumlente reorganizaccedilatildeo dos papeacuteis de poder e

autoridade com destaque agrave liberdade de pensamentos ideacuteias e estiacutemulo agrave individualidade

Destaca-se ainda o ldquoencolhimentordquo do grupo familiar que passou de colonial extenso a

nuclear seguido das formas monoparental e unipessoal (SOUZA 1997)

Sobre isso Souza destaca que ldquoa observaccedilatildeo da famiacutelia atual leva agrave percepccedilatildeo de um grupo

confuso muitas vezes contraditoacuterio oscilando entre estes dois modelos ndash hierarquizado e

igualitaacuterio A coexistecircncia de opostos termina por gerar conflitos nem sempre faacuteceis de serem

negociadosrdquo (1997 p27)

O modo como cada um desses grupos vivencia as experiecircncias que a vida lhes coloca tem

relaccedilatildeo com o modo como estes se relacionam e os elementos que os unem ldquoO sentido de

famiacutelia eacute expresso por sentimentos e percepccedilotildees e pela maneira com que seus membros

descrevem sua histoacuteria suas atitudes seu estilo ndash o que alguns chamam de ldquohistoacuteria familiarrdquo

(MINUCHIN 1999 p28)

Mudanccedilas na estrutura do modelo familiar a relaccedilatildeo entre seus membros a violecircncia

domeacutestica satildeo apenas algumas das inuacutemeras temaacuteticas que vecircm despertando interesse nos

estudiosos da aacuterea de famiacutelia Outra questatildeo que provoca alteraccedilotildees significativas no

14

funcionamento deste grupo eacute a situaccedilatildeo de adoecimento cada vez mais frequumlente nos dias

atuais

Adoecer trata-se de um acontecimento que pode ocorrer de forma suacutebita constituindo um

quadro agudo ou mais lentamente constituindo-se como um processo crocircnico ambas podem

trazer consigo caracteriacutesticas incapacitantes eou degenerativas Tal situaccedilatildeo atinge uma

populaccedilatildeo de caracteriacutesticas diversas e provoca aleacutem do desgaste fiacutesico sofrido pelo corpo o

desgaste emocional tanto direto - no caso do paciente - quanto indireto ndash no caso dos seus

familiares o que pode ser compreendido como o impacto destas doenccedilas

O surgimento de uma doenccedila de caraacuteter suacutebito e incapacitante no interior de uma famiacutelia

constitui-se como um momento especialmente difiacutecil de enfrentamento para seus membros

Tais sentimentos satildeo potencialmente mais evidentes no iniacutecio do processo onde o quadro

cliacutenico muitas vezes eacute de gravidade evidente o que acaba por gerar situaccedilotildees de conflito e

desorganizaccedilatildeo na estrutura familiar exigindo destes uma reestruturaccedilatildeo que permita o

enfrentamento da situaccedilatildeo

Dentre as doenccedilas observadas mais frequumlentemente na atualidade destaca-se o acidente

vascular cerebral (AVC) tambeacutem denominado de Acidente Vascular Encefaacutelico (AVE) Esta

eacute a forma mais frequumlente de manifestaccedilatildeo das doenccedilas cerebrovasculares e caracteriza-se por

uma instalaccedilatildeo aguda cujo desenvolvimento pode trazer sequumlelas neuroloacutegicas de caraacuteter

temporaacuterio ou permanente a exemplo das alteraccedilotildees motoras cognitivas e de linguagem

(DURWARD BAER WADE 2000 apud BRITO 2008)

Na maioria dos casos o AVC popularmente chamado de derrame eacute causado apoacutes o

entupimento de uma arteacuteria cerebral por um coaacutegulo impedindo o sangue de chegar a outras

aacutereas do ceacuterebro eacute o chamado AVC isquecircmico Aleacutem deste podem ocorrer situaccedilotildees em que

haacute o extravasamento do sangue da arteacuteria espalhando-se por outras regiotildees do ceacuterebro

denominando-se AVC hemorraacutegico

Dentre os principais sintomas desta patologia destacam-se a fraqueza suacutebita em um lado do

corpo cefaleacuteia e dificuldade para desempenhar algumas funccedilotildees como por exemplo falar

caminhar e compreender A doenccedila incide na populaccedilatildeo com mais de 65 anos mas pode

ocorrer em jovens e ateacute receacutem-nascidos

O Acidente Vascular Cerebral eacute a principal causa de mortalidade internaccedilotildees e deficiecircncias

na populaccedilatildeo brasileira especialmente acima de 50 anos superando ateacute mesmo o cacircncer e as

15

doenccedilas cardiacuteacas (BOCCHI E ANGELO 2005) Eacute ainda a segunda maior causa de morte e

a principal causa de incapacidade no mundo

Cerca de 20 dos pacientes que sofrem um AVC morrem no primeiro mecircs os 50 que

sobrevivem tendem a apresentar sequumlelas permanentes exigindo cuidados e os 30 restantes

ficam com deacuteficits menos comprometedores e satildeo capazes de manter uma vida independente

(KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR MARQUES RODRIGUES E

KUSOMOTA 2006)

A instalaccedilatildeo de um quadro desta natureza tende a exigir uma raacutepida assistecircncia meacutedica

culminando muitas vezes com um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Este

por sua vez constitui-se como um ambiente estranho demandando das pessoas envolvidas

com o paciente uma adaptaccedilatildeo agraves suas rotinas e significados

Na literatura observa-se um quantitativo maior de estudos voltados para os familiares e

cuidadores de pacientes com AVC apoacutes a sua alta hospitalar e abordando comumente a

adaptaccedilatildeo e o enfrentamento destes agrave nova situaccedilatildeo entretanto pouco se tem procurado

conhecer sobre este mesmo grupo no momento inicial do adoecimento incluindo-se aiacute as

primeiras horas eou os primeiros dias desta nova realidade especificamente quando se estaacute

dentro de uma unidade hospitalar (MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006 PERLINI E FARO 2005 BOCCHI E

ANGELO 2005 BOCCHI 2004)

Neste contexto a praacutetica do profissional de psicologia em Unidade de Terapia Intensiva

evidencia a necessidade de um olhar direcionado ao familiar neste momento em que todas as

atenccedilotildees parecem estar voltadas exclusivamente ao paciente uma vez que este eacute o sujeito a

quem se direciona todas as expectativas de tratamento e a razatildeo pela qual as famiacutelias

encontram-se naquele espaccedilo com suas rotinas alteradas Torna-se cada vez mais clara a

necessidade de um estudo que aborde este grupo ainda no iniacutecio deste processo conhecendo

suas formas de reagir agrave situaccedilatildeo podendo vislumbrar formas mais efetivas de intervenccedilatildeo

voltadas aos mesmos

Diante do desejo de conhecer o impacto do AVC para a realidade familiar este trabalho se

propocircs de forma mais especiacutefica a identificar sentimentos vivenciados pelos familiares de

pacientes que sofreram AVC explorar duacutevidas apresentadas pelos familiares de tais

pacientes bem como observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos mesmos

16

2 O ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

As doenccedilas cerebrovasculares ocupam o terceiro lugar dentre as doenccedilas crocircnico-

degenerativas que mais matam no mundo precedida apenas pelas cardiopatias e pelo cacircncer

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) seja ele isquecircmico ou hemorraacutegico transitoacuterio ou

definitivo por sua vez eacute a doenccedila cerebrovascular de maior incidecircncia maior morbidade e

responsaacutevel pelo maior nuacutemero de incapacidades (BARROS 1991 E KARSCH 1998 apud

PERLINI E FARO 2005 CERCI E NETO 2005 CITADO POR MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008)

De acordo com a European Stroke Initiative ldquoo acidente vascular cerebral (AVC) define-se

como um deacuteficit neuroloacutegico suacutebito motivado por isquemia ou hemorragia no sistema nervoso

centralrdquo (p 02 Recomendaccedilotildees 2003)

O AVC pode ser dividido em dois tipos isquecircmico (cerca de 80 dos casos) e hemorraacutegico

(cerca de 20) O primeiro eacute causado por um coaacutegulo que obstrui a arteacuteria levando agrave morte

de neurocircnios Jaacute no AVC hemorraacutegico o sangue eacute extravasado para dentro do ceacuterebro

comprimindo os neurocircnios

Os sintomas de um AVC satildeo fraqueza ou dormecircncia suacutebita em um lado do corpo dificuldade

para falar entender ou enxergar tontura repentina e dor de cabeccedila muito forte sem motivo

aparente

Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) tem pico de incidecircncia entre

a 7ordf e 8ordf deacutecadas de vida quando se somam com as alteraccedilotildees

cardiovasculares e metaboacutelicas relacionadas agrave idade12

Entretanto o

AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros

fatores de riscos como os distuacuterbios da coagulaccedilatildeo as doenccedilas

inflamatoacuterias e imunoloacutegicas3 bem como o uso de drogas

4 Estudos

preacutevios demonstram incidecircncia de 10 em pacientes com idade

inferior a 55 anos5 e de 39 em pacientes com idade inferior a 45

anos6 (ZEacuteTOLA E COLS 2001)

Segundo dados do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) apenas 2 das viacutetimas conseguem ser salvas

apoacutes sofrerem um AVC A recomendaccedilatildeo eacute que os pacientes sejam atendidos em ateacute trecircs

horas apoacutes o iniacutecio dos sintomas preferencialmente em ateacute 90 minutos na expectativa de

receber o tratamento tromboliacutetico que consiste na administraccedilatildeo de medicamentos para

desobstruir a arteacuteria e restabelecer o fluxo sanguiacuteneo considerado o meacutetodo mais eficaz

17

Os especialistas alertam ainda ser possiacutevel prevenir o acidente vascular desde que sejam

adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exerciacutecios fiacutesicos ter alimentaccedilatildeo

saudaacutevel e evitar o fumo o consumo de aacutelcool aleacutem de ficar alerta agraves taxas de pressatildeo e do

colesterol

A cada seis segundos independentemente da idade ou sexo algueacutem morre dos sintomas do

derrame cerebral apoacutes serem constatados os dados da Organizaccedilatildeo Mundial de AVC Este

caos consegue atingir a segunda principal causa de morte entre pessoas acima dos 60 anos de

idade e a quinta causa principal dos 15 aos 59 anos O AVC tambeacutem afeta crianccedilas incluindo

receacutem-nascidos A cada ano cerca de seis milhotildees de pessoas morrem de acidente vascular

cerebral A Organizaccedilatildeo Mundial de AVC estima ainda que uma em cada seis pessoas no

mundo teraacute um acidente vascular cerebral na vida (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS

2010)

No Brasil entre 2005 e 2009 foram registradas por ano cerca de 170 mil internaccedilotildees por

AVC com base em dados do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em 17 dos casos o paciente

morreu Um levantamento da Associaccedilatildeo Internacional de AVC constatou que 15 dos

pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema

no prazo de um ano (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) o Brasil jaacute ocupa o sexto lugar na lista das

maiores viacutetimas de derrame em nuacutemeros absolutos atraacutes da China Iacutendia Ruacutessia Estados

Unidos e Japatildeo No Brasil o nuacutemero de mortes chega a 100 mil por ano

A cada cinco minutos um brasileiro morre por causa de um AVC segundo dados da ABN

(Academia Brasileira de Neurologia) com base em informaccedilotildees do Ministeacuterio da Sauacutede Satildeo

quase 100000 mortes por ano no Brasil (NUacuteCLEO DE COMUNICACcedilAtildeOSVS 2010)

Em um ranking nacional o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por

AVC no paiacutes 75 mortes por 100 mil habitantes Em segundo lugar estaacute o Rio de Janeiro com

68 mortes por 100 mil habitantes seguido pelo Piauiacute Pernambuco e Paranaacute

A regiatildeo sul eacute ainda a que apresenta maior nuacutemero de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

coraccedilatildeo (607100000 habitantes) e doenccedilas cerebrovasculares (608100000 habitantes) A

regiatildeo nordeste ocupa o terceiro lugar no paiacutes com 409100000 e 514100000 para doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e cerebrovasculares respectivamente No nordeste o estado de

Pernambuco ocupa o primeiro lugar em incidecircncia de oacutebitos por doenccedilas isquecircmicas do

18

coraccedilatildeo e o Piauiacute lidera em relaccedilatildeo aos oacutebitos por doenccedilas cerebrovasculares A Bahia ocupa

o nono lugar em ambos os casos com 286 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

isquecircmicas do coraccedilatildeo e 434 oacutebitos por 100000 habitantes nos casos de doenccedilas

cerebrovasculares

Estudo realizado com idosos viacutetimas de AVC aponta que apoacutes um periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

estes pacientes tendem a voltar para casa com sequumlelas fiacutesicas e emocionais que afetam tanto

a sua capacidade funcional como tambeacutem sua independecircncia e autonomia gerando efeitos

nas esferas social e econocircmica (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O fato de os episoacutedios de AVC ocorrerem de forma repentina surpreende tanto ao paciente

quanto agrave sua famiacutelia e como tal tem grande probabilidade de interferir na rotina do paciente e

fornecer indiacutecios do que esperar em relaccedilatildeo agrave futura qualidade de vida do mesmo Sobre isso

Rabelo e Neacuteri (2006 p 03) apontam que ldquoo sucesso na adaptaccedilatildeo agraves demandas impostas pelo

AVC eacute um importante indicador do estado de bem-estar subjetivo e do senso de ajustamento

pessoalrdquo

Conforme jaacute referido diferente de outras doenccedilas o acidente vascular cerebral costuma

ocorrer de forma aguda de modo que nem sempre haacute indiacutecios preacutevios que sinalizem isso para

o paciente ou algum membro da sua rede de apoio Esta caracteriacutestica tambeacutem parece ter

relaccedilatildeo com a forma como as pessoas envolvidas passam a lidar com a situaccedilatildeo eacute como se

natildeo tivessem tido a chance de intervir ou auxiliar o doente de maneira preventiva Da mesma

forma quando o Acidente Vascular Cerebral alcanccedila uma menor extensatildeo ou fornece

previamente alguns indiacutecios que preconizam a assistecircncia o que repercute em um prognoacutestico

mais favoraacutevel os familiares envolvidos tendem a adotar a sensaccedilatildeo de ldquodever cumpridordquo ou

ldquoutilidaderdquo na recuperaccedilatildeo da sauacutede desses doentes

Quanto agrave sua caracterizaccedilatildeo enquanto doenccedila o Acidente Vascular Cerebral tende a evoluir

de um conceito de doenccedila aguda a uma definiccedilatildeo de doenccedila crocircnica no que se refere agrave

instalaccedilatildeo de sequumlelas permanentes e agrave recorrecircncia de tal episoacutedio Isso se aproxima da

terminologia defendida por Carter e McGoldrick (1995) na qual ldquouma doenccedila de curso

constante eacute aquela em que tipicamente ocorre um evento inicial apoacutes o qual o curso

bioloacutegico se estabiliza Os exemplos incluem derrame infarto do miocaacuterdio de episoacutedio

uacutenico trauma com resultante amputaccedilatildeo e dano de medula espinhal com paralisia

Tipicamente depois do periacuteodo inicial de recuperaccedilatildeo a fase crocircnica eacute caracterizada por

algum deacuteficit claro ou uma limitaccedilatildeo residual funcional Podem ser observadas recorrecircncias

19

mas o indiviacuteduo ou a famiacutelia se defronta com uma mudanccedila semi-permanente que eacute estaacutevel e

prediziacutevel durante um consideraacutevel periacuteodo de tempo Existe o potencial de exaustatildeo familiar

sem a tensatildeo de novas demandas de papel ao longo do tempordquo (p 375)

Uma situaccedilatildeo de Acidente Vascular Cerebral quando instalada exige na maioria dos casos

uma assistecircncia meacutedica especiacutefica culminando algumas vezes com a necessidade de

internamento em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Deste modo aleacutem dos desafios de ter

que lidar com o diagnoacutestico de AVC e a incerteza de sua evoluccedilatildeo os familiares tecircm que lidar

tambeacutem com as suas fantasias acerca da UTI bem como as restriccedilotildees que a rotina destas

unidades impotildee

20

3 A FAMIacuteLIA COMO SISTEMA

O indiviacuteduo eacute a menor unidade do sistema familiar embora distinto faz parte deste grande

grupo Na visatildeo sistecircmica entende-se que cada pessoa contribui para a formaccedilatildeo dos padrotildees

familiares ao mesmo tempo em que sua personalidade e o seu comportamento satildeo moldados

pelo que o grupo familiar permite

Do ponto de vista sistecircmico o comportamento eacute entendido como uma responsabilidade

compartilhada oriunda de padrotildees que desencadeiam e manteacutem as accedilotildees de cada indiviacuteduo

Em outras palavras o grupo gera determinado comportamento e atraveacutes do seu

funcionamento reforccedila-o garantindo a sua manutenccedilatildeo

Os padrotildees de autoridade satildeo especialmente funcionais na organizaccedilatildeo familiar pois

carregam consigo o potencial tanto para a harmonia quanto para o conflito Habitualmente satildeo

as figuras de autoridade que guiam o grupo em suas decisotildees e o consequumlente controle do

comportamento Natildeo raro estatildeo sujeitos a ser desafiados agrave medida que os membros da famiacutelia

crescem e se modificam ou em situaccedilotildees especiacuteficas em que a estrutura familiar eacute alterada

De acordo com a compreensatildeo de Minuchin a famiacutelia eacute um sistema composto por

subsistemas Os sistemas claacutessicos satildeo o parental o filial e o fraterno Estes subsitemas satildeo

classificados de acordo com a funccedilatildeo de seus membros e a perspectiva da anaacutelise que estaacute

sendo proposta Os subsitemas se relacionam entre si e satildeo limitados por suas fronteiras

(MINUCHIN 1999)

Segundo Minuchin (1999) todas as famiacutelias passam por periacuteodos de

transiccedilatildeo Os membros crescem e mudam e os acontecimentos intervecircm

para modificar a realidade da famiacutelia Em qualquer alteraccedilatildeo das circunstancias a famiacutelia assim como os outros sistemas enfrenta um

periacuteodo de desorganizaccedilatildeo Os padrotildees familiares natildeo satildeo mais adequados e

novas maneiras de ser ainda natildeo estatildeo disponiacuteveis A famiacutelia deve passar por um processo de tentativa e erro buscando algum equiliacutebrio entre os padrotildees

confortaacuteveis que lhe serviram no passado e as exigecircncias realistas de sua

nova situaccedilatildeo O processo frequumlentemente doloroso eacute marcado por um

periacuteodo de inseguranccedila e tensatildeo (p27)

Em tempo eacute importante compreender que as dificuldades de comportamento durante os

periacuteodos de transiccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente patoloacutegicas ou permanentes pelo contraacuterio

tendem a ilustrar as tentativas da famiacutelia em adaptar-se agrave nova situaccedilatildeo Neste sentido

embora aparentemente disfuncional a ansiedade a depressatildeo e a irritabilidade por exemplo

21

constituem-se como componentes afetivos de uma crise e natildeo necessariamente uma reaccedilatildeo

cristalizada (MINUCHIN 1999)

Relevante tambeacutem eacute o fato de que algumas dinacircmicas familiares caracterizadas como

complexas ou conflituosas podem ter iacutentima ligaccedilatildeo com o aparecimento de fenocircmenos

psicossomaacuteticos uma vez que eacute atraveacutes da histoacuteria de cada famiacutelia e das particularidades do

seu dia-a-dia que tais aspectos aparecem Para Lisboa e Feacuteres-Carneiro (2005) ldquoo

adoecimento do corpo possa ser uma inscriccedilatildeo real e dolorosa do sujeito denunciando a

possibilidade de uma transformaccedilatildeo da histoacuteria familiarrdquo (p 44)

Estas autoras em pesquisa sobre a histoacuteria geracional familiar e suas implicaccedilotildees no adoecimento do corpo observaram que dentro da histoacuteria

familiar destacamos a dimensatildeo geracional compreendida como um espaccedilo

de representaccedilotildees psiacutequicas intersubjetivas de um legado transmitido e constituiacutedo ao longo das geraccedilotildees Consideramos que para aleacutem da geneacutetica

esta histoacuteria familiar possa exercer grande influecircncia no adoecimento

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005 p 42)

Deste modo o adoecimento do corpo pode ser entendido como a transmissatildeo psiacutequica de um

legado negativo de geraccedilotildees ascendentes conferindo ao indiviacuteduo adoecido a condiccedilatildeo de

depositaacuterio e catalizador dos conflitos e conteuacutedos natildeo elaborados por outros membros do

grupo Por outro lado se o indiviacuteduo adoecido natildeo assume este lugar barra junto com a

doenccedila toda uma histoacuteria de repeticcedilotildees patoloacutegicas e inicia uma re-elaboraccedilatildeo da histoacuteria

familiar caracterizando o adoecimento como alternativa para a recuperaccedilatildeo de laccedilos afetivos

(LISBOA E FEacuteRES-CARNEIRO 2005)

Kaeumls (2001) apud Lisboa e Feacuteres-Carneiro 2005 considera o grupo familiar o

lugar da emergecircncia e da transformaccedilatildeo das relaccedilotildees de identidade e de

alteridade e tambeacutem lugar privilegiado para as transmissotildees psiacutequica e cultural e eacute nesse lugar que as falhas no processo de elaboraccedilatildeo da heranccedila

podem esboccedilar diversas patologias intrapsiacutequicas e intersubjetivas (p 46-

47)

31 CRISES FAMILIARES

Uma crise pode ser compreendida como um periacuteodo de mudanccedila iminente cujo resultado

poderaacute apresentar-se de forma negativa quando oferecer algum risco ao indiviacuteduo ou de

forma positiva quando caracterizar-se como uma oportunidade favoraacutevel de crescimento

diante da mudanccedila vivenciada Numa situaccedilatildeo de crise os indiviacuteduos podem se colocar tanto

22

em uma postura passiva quanto ativa contando inclusive com a ajuda de terceiros para lidar

com tal situaccedilatildeo (PITTMAN 1991)

Frequumlentemente as situaccedilotildees de emergecircncia e crise satildeo confundidas poreacutem a primeira designa

uma situaccedilatildeo repentina que requer pronto atendimento ndash eacute ldquoa sensaccedilatildeo subjetiva de que se

necessita de ajuda externa para proteger-se de uma mudanccedila natildeo desejadardquo (PITTMAN1991

p 357) ndash enquanto a segunda como jaacute mencionado refere-se a uma situaccedilatildeo real de mudanccedila

Muitas pessoas se assustam diante de uma mudanccedila e na tentativa de impedir a situaccedilatildeo

indesejada acabam vivenciando-a na forma de uma crise necessitando da ajuda de terceiros

para enfrentar tal problema Os membros da famiacutelia tendem a sentir a crise como um periacuteodo

de instabilidade intensa e mudanccedila iminente devido agrave perda de padrotildees de relacionamento

anteriores e ausecircncia de novos que as substituam lembrando ainda que uma situaccedilatildeo de

emergecircncia possa constituir um ponto de partida para uma crise

Joselevich (1991) explica que uma situaccedilatildeo autecircntica de crise atingiraacute a todos os membros de

uma famiacutelia ainda que afete a cada um de maneira distinta de acordo com sua histoacuteria

pessoal e o contexto vivenciado no momento da crise e enquanto natildeo for resolvida impediraacute

que estas pessoas avancem no seu desenvolvimento O choque sofrido pela organizaccedilatildeo

baacutesica familiar gera um profundo sofrimento emocional relacionado agrave perda de contexto e

definiccedilatildeo de espaccedilo pois os membros da famiacutelia jaacute natildeo satildeo o que podiam ser nem obtiveram

um nova identidade A sensaccedilatildeo de incoerecircncia gerada pela crise eacute manejada de formas

diferentes tanto em sentido existencial quanto ciacuteclico pelos integrantes de qualquer grupo

Muitos estudos foram realizados para melhor se compreender as situaccedilotildees de crise e o modo

como os indiviacuteduos respondem a ela destacando Lindemann (1944) Caplan (1956 1964)

Hill (1949) e Kaplan (19601962) Na deacutecada de 60 Caplan Kaplan Hill dentre outros

pesquisadores consideraram o sistema familiar como ldquoa unidade de resposta e resoluccedilatildeo das

crises entendendo por bdquocrise‟ qualquer experiecircncia que exigisse agraves pessoas fazerem coisas

que fossem aleacutem do seu repertoacuterio confortaacutevelrdquo (PITTMAN 1991 p358)

A partir daiacute novos estudos sobre crises tendo a famiacutelia como foco foram desenvolvidos com

destaque para o Projeto Denver (LANGSLEY PITTMAN MACHOTKA FLOMENHAFT E

DEYOUNG 1960 apud PITTMAN 1991) que abordava as famiacutelias em crise oferecendo-

lhes terapia familiar como alternativa agrave internaccedilatildeo psiquiaacutetrica Este projeto definiu quatro

tipos gerais de crise crise por golpe inesperado crises de desenvolvimento crises estruturais

e crises do cuidador

23

As crises resultantes de golpes inesperados satildeo um tipo de crise cujo estresse desencadeante eacute

real e imprevisiacutevel e surge de forccedilas externas ao indiviacuteduo e agrave sua famiacutelia Nesse tipo de crise

estatildeo todos aqueles acontecimentos que se datildeo de forma suacutebita a exemplo de incecircndios

guerras acidentes e doenccedilas Frequumlentemente as famiacutelias tendem a se adaptar de forma

satisfatoacuteria a este tipo de situaccedilatildeo uma vez que o sentimento de responsabilidade em relaccedilatildeo

agraves mesmas eacute pequeno aleacutem de contar com numeroso apoio de outras pessoas que costumam

se solidarizar a este tipo de acontecimento

As crises decorrentes de desenvolvimento satildeo aquelas que ocorrem em resposta agraves etapas

normais do desenvolvimento de cada indiviacuteduo as quais deveriam ser previstas e para as

quais deveriam estar preparados Trata-se de crises universais comuns a todas as pessoas

poreacutem algumas tendem a negaacute-las ou se opor a elas como alternativa para um natildeo

enfrentamento das mesmas uma vez que eacute da natureza humana apresentar certo incocircmodo

diante das situaccedilotildees de mudanccedila Entretanto nosso desenvolvimento emocional se daacute ao

longo da vida e as crises marcam a separaccedilatildeo entre os periacuteodos de estabilidade justamente a

transiccedilatildeo de uma etapa do ciclo vital agrave outra a exemplo disso estatildeo as situaccedilotildees de

nascimento casamento morte mudanccedila de emprego aposentadoria dentre outras

As crises estruturais adveacutem de um padratildeo na estrutura familiar que a torna resistente agrave

mudanccedila e sujeita a exacerbaccedilotildees intermitentes de certo conflito inerente Pittman afirma que

ldquotalvez todas as crises familiares satildeo em certa medida estruturais pois ocorre quando o

stress ameaccedila um aspecto sensiacutevel da estrutura familiarrdquo (1991 p 363) Neste tipo de crise o

stress surge na proacutepria estrutura familiar e natildeo por forccedilas externas ou decorrentes dos estaacutegios

do desenvolvimento o que ocorre com grande parte das famiacutelias conforme referido

anteriormente Muitas vezes um stress gerado dentro do sistema familiar pode ser interpretado

como uma etapa de desenvolvimento ou um golpe inesperado a exemplo de atos de violecircncia

e tentativas de suiciacutedio ao mesmo tempo em que determinada estrutura familiar pode facilitar

ou dificultar a passagem por alguma etapa especiacutefica do ciclo de desenvolvimento daiacute a

importacircncia de se conhecer a histoacuteria familiar

As crises do cuidador satildeo compreendidas a partir do fato de que algumas famiacutelias criam uma

rede de cuidadores que lhes oferecem determinados serviccedilos para ajudaacute-los nas situaccedilotildees de

mudanccedilas Estes cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia mas parentes amigos terapeutas ou

assistentes sociais que movidos pelo desejo de ajudar e cuidar assumem este tipo de trabalho

Eles tendem a cumprir para as famiacutelas algumas funccedilotildees que estas natildeo conseguem

24

desempenhar por si mesmas entretanto em alguns casos a famiacutelia torna-se dependente do

cuidador e tendem a sobrecarregaacute-lo gerando um desequiliacutebrio aleacutem disso o cuidador

algumas vezes natildeo estaacute disponiacutevel para atender a uma crise familiar e tenta curaacute-la mais do

que protegecirc-la modificando o objetivo do seu trabalho ou ainda ele proacuteprio torna-se

indispensaacutevel para a famiacutelia o que eacute um erro e juntamente com os demais fatores acaba por

desencadear a crise

Com o tempo essas famiacutelias podem desenvolver uma rede de cuidadores que iraacute fornecer

assistecircncia diante das situaccedilotildees de mudanccedilas Tais cuidadores natildeo satildeo membros da famiacutelia

mas amigos terapeutas agentes do serviccedilo social dentre outros que motivados pelo desejo de

poder ajudar optam por desempenhar estes papeacuteis Entretanto alguns fatores podem

desencadear uma crise neste tipo de relaccedilatildeo agraves vezes a famiacutelia desenvolve um grau de

dependecircncia tamanha que acaba por solicitar o cuidador de maneira excessiva

sobrecarregando-o Aleacutem disso tal relaccedilatildeo envolve o lugar de poder ocupado pelo cuidador

que pode tornar-se indispensaacutevel agrave famiacutelia subtraindo-lhe a necessaacuteria autonomia

desencadeando assim novas situaccedilotildees de crise

Portanto em resumo a situaccedilatildeo de adoecimento pode desencadear uma crise quando sua

instalaccedilatildeo ocorre de modo suacutebito - crise por golpe inesperado ndash e a partir daiacute interferir no

desenvolvimento do grupo familiar passando a exemplificar uma crise de desenvolvimento

Este grupo pode ainda apresentar dificuldade para lidar com uma situaccedilatildeo de adoecimento

devido a um padratildeo anterior agrave patologia ndash crise estrutural e por fim ilustrar uma situaccedilatildeo de

crise do cuidador quando natildeo consegue estabelecer uma relaccedilatildeo saudaacutevel com os profissionais

que os auxiliam neste momento

Joselevich (1991) destaca que para alguns autores como Burr (1973) e McCubbin e Patterson

(1983) a expressatildeo ldquocrise familiarrdquo denota um deslocamento do sistema social da

famiacuteliaUma famiacutelia em crise perde a capacidade de restabelecer o equiliacutebrio e tem uma

necessidade constante de adaptar-se modificando os pontos de interaccedilatildeo entre seus membros

O stress natildeo vai necessariamente desencadear a crise esta ocorre quando a famiacutelia jaacute natildeo

pode acessar seus recursos e utilizaacute-los de modo a conter as forccedilas propulsoras da mudanccedila

Reportando-se ainda a McCubbin e Patterson (1983) Joselevich (1991) afirma que uma vez

iniciada a crise a famiacutelia responde pelo menos a cinco tipos distintos de estressores a) ao

estressor inicial e suas dificuldades b) as transiccedilotildees normativas c) as tensotildees preacutevias d)as

consequecircncias dos esforccedilos da famiacutelias frente agrave crise e) a ambiguidade intrafamiliar e social

25

Muitas das mudanccedilas familiares que desencadeam crise resultam de uma combinaccedilatildeo entre

stress acumulativo e evoluccedilatildeo a exemplo de momentos cruciais comuns ao ciclo vital e

outros processos de mudanccedila e evoluccedilatildeo

Devemos diferenciar uma crise previsiacutevel de uma imprevisiacutevel uma mudanccedila familiar que

tenha sido antecipada desejada e preparada cuidadosamente eacute em certo sentido uma crise

previsiacutevel e como tal manteacutem intactos certos paradigmas que incluem regras crenccedilas e

valores (ex a saiacuteda de um filho de casa) Ao mesmo tempo haacute as crises imprevisiacuteveis que

ocorrem de modo inesperado dentro ou fora da famiacutelia (ex acidente) Durante um processo de

mudanccedila descontiacutenua os membros da famiacutelia manifestam uma aprendizagem e uma

criatividade que se nutrem mais do inesperado do que do reiterativo (BATESON 1979 apud

JOSELEVICH 1991)

Conforme jaacute descrito anteriormente as situaccedilotildees de adoecimento constituem-se com

frequumlecircncia como uma situaccedilatildeo de crise ndash imprevisiacutevel na maioria das vezes - dado o seu

caraacuteter inesperado e sua capacidade de promover grande desorganizaccedilatildeo no grupo familiar

Para Rosman ldquoo estado de vigilacircncia emocional em forma de anguacutestia e sentimento de culpa

e a ameaccedila potencial de perda ou invalidez de um membro da famiacutelia colocam nos

integrantes do grupo familiar pesadas exigecircncias de conforto informaccedilatildeo e apoio muacutetuosrdquo

(1991 p408) Diante disso cada famiacutelia tende a reagir de um modo especiacutefico algumas satildeo

capazes de recuperar um equiliacutebrio razoaacutevel ao mesmo tempo em que proporcionam um

cuidado adequado ao doente outras permanecem em um estado de desequiliacutebrio se

estabilizando em uma estrutura disfuncional natildeo conseguindo desse modo prestar uma

assistecircncia adequada ao enfermo Certas caracteriacutesticas estruturais das famiacutelias podem servir

para potencializar o stress vivenciado

A autora aponta ainda que a maneira como a famiacutelia enfrenta tais situaccedilotildees pode ser muito

reveladora e importante para a sua capacidade adaptativa diante da enfermidade Em geral

quanto menor seja a mudanccedila estrutural da famiacutelia o que varia de acordo com a condiccedilatildeo

cliacutenica do doente tanto melhor seraacute sua adaptaccedilatildeo do ponto de vista da estabilizaccedilatildeo do

sistema em um niacutevel funcional Tais alteraccedilotildees geram a necessidade de um maior apoio

emocional e uma flexibilidade na execuccedilatildeo de tarefas dentro desse subsistema que sofreu

mudanccedilas em sua estrutura Entretanto algumas famiacutelias apresentam formas de adaptaccedilatildeo

disfuncionais gerando subsistemas emaranhados o que muitas vezes pode interferir na sauacutede

e recuperaccedilatildeo do doente (ROSMAN 1991)

26

32 AS PERDAS AO LONGO DO CICLO VITAL FAMILIAR

Diante de uma condiccedilatildeo cliacutenica grave eacute comum que venham agrave tona sensaccedilotildees de medo e

possibilidade perda iminente tanto do ponto de vista real quanto simboacutelico Situaccedilotildees de

perda satildeo inevitaacuteveis ao longo da vida dos indiviacuteduos e comumente muito temidas pelos

mesmos trata-se de uma experiecircncia considerada pela maioria como extremamente difiacutecil e

com a qual natildeo fomos ensinados a lidar Falar sobre a morte vem se constituindo cada vez

mais como um assunto quase proibido uma vez que evidencia a condiccedilatildeo humana de finitude

e rompe com o conceito de eternidade tatildeo almejado pelos homens

Worden (1998) faz uma leitura de Bowlby que ajuda a compreender a tendecircncia dos seres

humanos em estabelecer fortes laccedilos afetivos com outros e a consequumlente forte reaccedilatildeo

emocional que ocorre quando estes laccedilos ficam ameaccedilados ou satildeo rompidos Para este autor a

necessidade de seguranccedila e proteccedilatildeo eacute o que leva agrave formaccedilatildeo desses laccedilos ocorrendo no

iniacutecio da vida dirigidos a pessoas especiacuteficas e que tendem a durar ao longo de grande parte

do ciclo vital Quando satisfeitas as necessidades de seguranccedila e proteccedilatildeo tendem a contribuir

de forma positiva para o desenvolvimento saudaacutevel do indiviacuteduo da mesma forma que a

ausecircncia deste viacutenculo produz reaccedilotildees que tendem a ser tanto maiores e mais variadas quanto

maior o potencial para a perda

Do ponto de vista evolutivo dos sistemas familiares a morte pode ser vista como um processo

transicional envolvendo tanto a pessoa falecida quanto aqueles que sobreviveram em um ciclo

vital compartilhado onde se reconhece ao mesmo tempo o caraacuteter definitivo da morte e a

continuidade da vida

Holmes e Rahe (1967) citado por Walsh e McGoldrick (1991) apontam que em funccedilatildeo dos

profundos viacutenculos existentes entre os membros de um sistema familiar eacute compreensiacutevel que

agraves famiacutelias custem mais adaptar-se agrave morte do que a qualquer outra forma de transiccedilatildeo proacutepria

do ciclo vital

Essas autoras referem ainda que em cada famiacutelia a constelaccedilatildeo singular destas relaccedilotildees afeta

o impacto da perda em cada um de seus membros em cada geraccedilatildeo e na famiacutelia como

unidade global Uma perda pode ainda desencadear outras mudanccedilas na relaccedilatildeo entre os

membros do grupo divoacutercios e nascimentos satildeo alguns exemplos de mudanccedilas que ocorrem

como estrateacutegias adaptativas diante da perda Eacute importante atentar tambeacutem para o surgimento

de sintomas ou situaccedilotildees de maior vulnerabilidade naquelas pessoas que sofreram uma perda

27

mas natildeo tiveram a chance de elaborar o luto em questatildeo Mortes prematuras ou que

confrontem a evoluccedilatildeo natural do ciclo vital tambeacutem tendem a ser vividas de forma diferente

apresentando uma maior dificuldade em seu processo de elaboraccedilatildeo

28

4 O ADOECER

O adoecimento eacute um processo que traz profundas repercussotildees agravequeles que satildeo por ele

acometidos Responsaacutevel pelo sofrimento de um corpo que muitas vezes natildeo tem condiccedilotildees

de reagir ou responder a um tratamento a doenccedila surge como um elemento capaz de ameaccedilar

a integridade do indiviacuteduo tanto em seu aspecto fiacutesico quanto emocional

O impacto da doenccedila para o paciente e seus familiares precisa ser

compreendido ou seja devem ser consideradas as condiccedilotildees emocionais

socioeconocircmicas e culturais dos pacientes e de seus familiares visto que eacute

nesse contexto que emerge a doenccedila e eacute com essa estrutura soacutecio-familiar que vatildeo responder agrave situaccedilatildeo de doenccedila (CARVALHO 2008 p 98)

Oliviere (1985 apud Silva e outros 2002 p 41) lembra que adoecer

acompanha-se de inseguranccedila e ansiedade provocando na pessoa contraente

a sensaccedilatildeo de que seus projetos de vida potencialmente natildeo se concretizaratildeo Ainda dependendo da gravidade da doenccedila e do grau de incapacidade que

provoca a pessoa acometida eacute afastada do seu conviacutevio pessoal profissional

e social

Tendo em vista que os indiviacuteduos satildeo parte integrante de um grupo familiar pode-se afirmar

que a doenccedila de um indiviacuteduo eacute tambeacutem a doenccedila de sua famiacutelia ldquoOs laccedilos de afetividade que

marcam a estrutura familiar () satildeo responsaacuteveis pelo envolvimento de todos os seus entes no

enfrentamento de qualquer situaccedilatildeordquo (SILVA e outros 2002 p 44) Deste modo eacute

importante a compreensatildeo deste fenocircmeno e o seu reflexo na vida de ambos

A doenccedila quando se instala torna-se parte do indiviacuteduo e este por sua vez sendo parte da

famiacutelia estende a ela a sua condiccedilatildeo de adoecimento seus medos suas anguacutestias e

expectativas Ao chegar a uma instituiccedilatildeo de sauacutede os familiares se deparam com um

universo completamente novo no que se refere natildeo soacute ao funcionamento hospitalar mas

tambeacutem a uma gama de sentimentos suscitados pelas mudanccedilas oriundas deste contexto

Diante da proposta a ser estudada eacute relevante um melhor entendimento das situaccedilotildees de

adoecimento agudo e crocircnico bem como as implicaccedilotildees de cada uma para a vivecircncia do

paciente e seus familiares

29

41 A DOENCcedilA CROcircNICA

Os avanccedilos tecnoloacutegicos e da medicina vem promovendo um aumento na expectativa de vida

das pessoas poreacutem em alguns casos trata-se mais de um aumento da sobrevida uma vez que a

despeito de todo o investimento as limitaccedilotildees cliacutenicas impotildeem duras restriccedilotildees Por esta

razatildeo eacute vaacutelida uma breve reflexatildeo em relaccedilatildeo ao acometimento crocircnico de sauacutede uma vez

que muitos dos referidos pacientes tratados em UTI podem vir a estar nesta condiccedilatildeo

Segundo Marcon (2005) as doenccedilas crocircnicas podem se apresentar de trecircs formas distintas a

progressiva a constante e a reincidente ou episoacutedica A primeira caracteriza-se pela ausecircncia

de intervalos ou periacuteodos de aliacutevio dos sintomas acarretando efeitos progressivos e severos

que natildeo podem ser impedidos a exemplo do cacircncer e Alzheimer A segunda forma refere-se

agravequelas doenccedilas em que tipicamente ocorre um evento inicial o qual posteriormente tende a

estabilizar o seu curso bioloacutegico como eacute o caso do AVC Por fim a terceira maneira de a

doenccedila crocircnica apresentar-se traz consigo certa inconstacircncia conforme observado nas doenccedilas

mentais e no cacircncer em remissatildeo Eacute evidente portanto o efeito desorganizador e a

necessidade de reorganizaccedilatildeo que a doenccedila crocircnica provoca uma vez que envolve aspectos de

natureza biomeacutedica emocional financeira social e estrutural e exige do indiviacuteduo uma

constante adequaccedilatildeo agrave sua nova condiccedilatildeo (KARSCH 2003 MARQUES RODRIGUES

KUSOMOTA 2006)

Para Trentini(1992) uma condiccedilatildeo crocircnica de sauacutede caracteriza-se pelo momento em que a pessoa passa a incorporar a doenccedila no seu processo de

viver constituindo-se em situaccedilatildeo permeada de estresse Seu impacto surge

a qualquer tempo e para permanecer com capacidade de causar alteraccedilotildees

nas condiccedilotildees de ser saudaacutevel de pessoas e de grupos (TRENTINI apud SILVA E OUTROS 2002 p 41)

Carter e McGoldrick (2001 p 378) por sua vez sugerem que ldquopara capturar os temas

nucleares psicossociais na histoacuteria natural da doenccedila crocircnica podemos descrever trecircs fases

importantes (1) de crise (2) crocircnica e (3) terminalrdquo (Quadro I)

30

Quadro I - Siacutentese das fases da doenccedila a partir de Carter e McGoldrick 2011

FASE DE CRISE FASE CROcircNICA FASE TERMINAL

bullDefiniccedilatildeo de diagnoacutestico e

programaccedilatildeo de

tratamento

bullAprender a lidar com

sintomas ambiente

hospitalar e procedimentos

terapecircuticos estabelecer

bons viacutenculos com a

equipe

bullIntervalo entre periacuteodo de

diagnoacutestico inicial e ajuste

ao tratamento

bullPredominam questotildees de morte

e doenccedila terminal

Pode haver uma progressatildeo ou

constacircncia do quadro

bullA famiacutelia busca manter a

normalidade diante da

ldquoanormalidaderdquo da doenccedila

crocircnica

A fase de crise consiste de qualquer periacuteodo sintomaacutetico antes do diagnoacutestico concreto

quando o indiviacuteduo ou a famiacutelia reconhece sinais de desequiliacutebrio desajuste sinais do

organismo sem a definiccedilatildeo de um diagnoacutestico Ao mesmo tempo o periacuteodo de crise inclui

reajustamento e manejo inicial depois que o problema foi esclarecido diagnosticado e foi

proposto de um primeiro plano de tratamento (CARTER E McGOLDRICK 2001)

Carter e McGoldrick citam Moos que sintetizou tarefas-chave desempenhadas pelo doente e

sua famiacutelia quando se estabelece um diagnoacutestico de uma doenccedila que pode ser considerada

importante significativa As tarefas satildeo ldquo(1) aprender a lidar com dor incapacitaccedilatildeo ou

outros sintomas relacionados agrave doenccedila (2) aprender a lidar com o ambiente do hospital e com

os procedimentos terapecircuticos relativos agrave doenccedila e (3) estabelecer e manter bons

relacionamentos com a equipe que presta cuidados Aleacutem disso existem tarefas criacuteticas de

natureza mais geral agraves vezes existencialrdquo Para desempenhar estas tarefas a famiacutelia deve

construir um significado para o evento da doenccedila que maximize a preservaccedilatildeo de suas

competecircncias viver a tristeza decorrente da perda da identidade familiar decorrente da nova

condiccedilatildeo buscar aceitaccedilatildeo diante da mudanccedila permanente mantendo alguma continuidade

entre passado e futuro unir-se buscando a reorganizaccedilatildeo da crise a curto prazo e viver apesar

da incerteza conquistar a nova dinacircmica do sistema tendo em vista objetivos futuros (Carter

e McGoldrick 2001 p 378)

31

A fase crocircnica pode ser curta ou longa e compreende o periacuteodo de tempo entre o diagnoacutestico

inicial e o periacuteodo de ajustamento e a fase seguinte onde predominam questotildees de

terminalidade Eacute uma eacutepoca que pode ser marcada por periacuteodos de constacircncia progressatildeo ou

mudanccedila episoacutedica no qual eacute tarefa-chave da famiacutelia tentar manter uma aparecircncia de vida

normal mesmo na presenccedila ldquoanormalrdquo da doenccedila e suas implicaccedilotildees ldquoSe a doenccedila eacute fatal

este eacute um tempo de ldquoviver no limbordquo No caso de certas doenccedilas debilitantes mas natildeo

claramente fatais tais como um derrame maciccedilo ou demecircncia a famiacutelia pode ficar

sobrecarregada com um exaustivo problema ldquointerminaacutevelrdquo (Carter e McGoldrick 2001 p

378)

A uacuteltima fase eacute aquela que envolve o periacuteodo terminal na qual a inevitabilidade da morte se

faz presente e abarca a vida familiar predominando questotildees envolvendo morte tristeza

separaccedilatildeo que constituem periacuteodos de luto e elaboraccedilatildeo de perdas na intenccedilatildeo de uma

retomada da vida familiar ldquonormalrdquo apoacutes o falecimento de um de seus membros (CARTER E

McGOLDRICK 2001)

Diante de uma doenccedila crocircnica o indiviacuteduo por ela acometido necessita e quase que sempre

ter seu enfrentamento partilhado com sua famiacutelia eou demais pessoas que se aproximem

desse grupo social primaacuterio Tal situaccedilatildeo demanda uma readaptaccedilatildeo tanto individual quanto

familiar a fim de promover o auxiacutelio devido a este paciente (RESENDE e outros 2007

FIGHERA E VIERO 2005CARTER E MCGOLDRICK 2001)

Famiacutelias em situaccedilotildees como as decorrentes de mudanccedilas provocadas pelo diagnoacutestico de uma

doenccedila crocircnica necessitam de assistecircncia que as compreenda como um todo e inclua

intervenccedilotildees que beneficiem a qualidade de vida (SILVA e outros 2002)

Assumir os cuidados de uma pessoa doente habitualmente eacute uma imposiccedilatildeo das

circunstacircncias e natildeo uma opccedilatildeo um ato desejado e programado (FONSECA E PENNA

2008) Entretanto a famiacutelia pelo seu grau de proximidade afeto e funccedilatildeo soacutecio-cultural

habitualmente apresenta melhores condiccedilotildees para acompanhar o processo sauacutededoenccedila de

seus membros e acaba assumindo integralmente o cuidado a estes Tal condiccedilatildeo muitas

vezes tende a se prolongar e exige que os familiares incorporem novas atribuiccedilotildees agrave sua

rotina tendo em vista que aleacutem das funccedilotildees jaacute previamente desempenhadas por estes

acrescenta-se o cuidado agrave pessoa doente Para Lavinsky e Vieira (2004 apud MENDONCcedilA

GARANHANI E MARTINS 2008) essa realidade eacute potencializada pela falta de recursos

financeiros das famiacutelias para contratar um profissional ou serviccedilo especializado fazendo com

32

que o cuidado recaia sobre a famiacutelia que natildeo tem o preparo teacutecnico para tal e natildeo consegue

cuidar do outro sem que isso afete no seu proacuteprio cuidado

Alguns atributos caracterizam o cuidado familial dentre eles a sensaccedilatildeo de proteccedilatildeo garantida

atraveacutes de medidas relacionadas agrave seguranccedila fiacutesica emocional e social do grupo familiar

(ELSEN 2002 CITADO POR MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2008) ldquoCollieacutere

citado por Andrade e Rodrigues 1999 define tais medidas como sendo aqueles cuidados

cotidianos ou habituais cuja funccedilatildeo eacute sustentar a vidardquo (MENDONCcedilA GARANHANI E

MARTINS 2008 p148)

O grupo familiar que tem um de seus membros com problemas crocircnicos de sauacutede tende a

sentir junto com este toda a problemaacutetica que envolve tal situaccedilatildeo aleacutem de ser influenciado

por qualquer mudanccedila que ocorra com algum de seus membros (NERI 1993 apud

SIMONETTI E FERREIRA 2008 ELSEN e outros 2009) Ambos tem desafios ligados ao

desempenho de novos papeacuteis aleacutem da necessidade de trabalhar com perdas de atividades

sociais financeiras de suas capacidades fiacutesicas e mentais

A doenccedila crocircnica dada as suas caracteriacutesticas requer longos periacuteodos de observaccedilatildeo

supervisatildeo e cuidado frequumlentemente a pessoa doente depende dos seus familiares para o

cuidado fiacutesico contatos sociais apoio emocional e ajuda financeira Esta realidade tende a

sugar a energia do grupo familiar e cria um contexto que inevitavelmente acaba promovendo

um grande desgaste fiacutesico e emocional nestes cuidadores ( BOCCHI E ANGELO 2005

ANDRADE 1996 apud PERLINI E FARO 2005 SIMONETTI E FERREIRA 2008

WASSERMAN 1992 apud CASTRO E PICCININI 2002)

Tal situaccedilatildeo constitui-se como fonte geradora de estresse dentro do nuacutecleo familiar e pode ser

vivido tanto de maneira objetiva quanto subjetiva A primeira diz respeito agraves perturbaccedilotildees que

afetam a aacuterea financeira o exerciacutecio de papeacuteis as relaccedilotildees familiares e sociais jaacute a segunda

contempla os sentimentos de sobrecarga desamparo perda de controle incocircmodo exclusatildeo

(NERI 1993 apud SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Estudos mostram que os indiviacuteduos que convivem com pessoas que necessitam de cuidados

de sauacutede constantes tendem a desenvolver diversos sentimentos ao longo deste processo

desde cansaccedilo e exaustatildeo ateacute afeiccedilatildeo ternura e bem-estar evidenciando a riqueza de

sensaccedilotildees que permeiam este processo (MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

Conseguir adaptar-se ou natildeo a um dado acontecimento depende de inuacutemeros fatores dentre

33

eles caracteriacutesticas pessoais vivecircncias preacutevias bem como aspectos culturais e emocionais

(SIMONETTI E FERREIRA 2008)

Neste contexto natildeo haacute um cuidador absoluto uma vez que o cuidador tambeacutem precisa de um

suporte para que consiga desempenhar seu trabalho de modo mais facilitado (CAMPOS 2005

APUD MENDONCcedilA GARANHANI E MARTINS 2007) Por este motivo eacute importante

tambeacutem estar atento agrave sauacutede dos mesmos sobre isso Elsen (2004 citada por MARCON 2005

paacuteg 118) aponta que ldquoo cuidado destinado agrave famiacutelia eacute caracterizado pelas accedilotildees e interaccedilotildees

no nuacutecleo familiar e direcionado a cada um de seus membros com o intuito de alimentar e

fortalecer o crescimento o desenvolvimento a sauacutede e o bem-estar tanto dos membros

quanto do grupordquo

42 A DOENCcedilA AGUDA

Frequumlentemente estudos satildeo realizados tendo como foco principal o adoecimento como

processo crocircnico entretanto a despeito da escassa bibliografia especiacutefica sobre situaccedilotildees

agudas de adoecimento algumas questotildees merecem ser abordadas

Uma situaccedilatildeo aguda de adoecimento tem como sua principal caracteriacutestica o fato de ser algo

suacutebito inesperado uma situaccedilatildeo para a qual natildeo se estava programado A instalaccedilatildeo de um

quadro desta natureza tende a assumir proporccedilotildees maiores cuja gravidade acaba por exigir

uma raacutepida intervenccedilatildeo cliacutenica e consequumlente internaccedilatildeo hospitalar natildeo raro em unidades de

alta complexidade como eacute o caso das unidades de terapia intensiva (UTI)

As doenccedilas cujo iniacutecio se daacute de forma gradual repercutem na famiacutelia de forma distinta

agravequelas que se instalam subitamente Embora o reajuste de papeacuteis e o manejo afetivo da

famiacutelia seja o mesmo no caso das doenccedilas agudas estas mudanccedilas ocorrem em um intervalo

de tempo menor o que exige da famiacutelia uma mobilizaccedilatildeo mais raacutepida da capacidade para

administrar essa situaccedilatildeo de crise Carter amp MacGoldrick (1995)

Esta definiccedilatildeo pode ser claramente observada em ambiente de UTI onde os momentos

seguintes agrave chegada de um paciente apoacutes a instalaccedilatildeo de um quadro grave suscitam em seus

familiares algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao prognoacutestico e o que esperar da recuperaccedilatildeo do

mesmo

34

Observa-se que com o surgimento de uma doenccedila aguda tanto o paciente quanto sua famiacutelia

se vecircem mobilizados diante de uma situaccedilatildeo que representa uma ameaccedila agrave vida aleacutem de

serem obrigados a tomar decisotildees na tentativa de enfrentaacute-la da melhor maneira possiacutevel

Neste contexto surgem urgecircncias meacutedicas psicoloacutegicas e interpessoais podendo gerar nas

famiacutelias situaccedilotildees de crise exigindo dos mesmos uma reorganizaccedilatildeo imediata na tentativa de

solucionar os problemas e proteger sua integridade Romano (2008)

Serna e Sousa (2006) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de TCE

observaram que apoacutes o acidente desenvolve-se uma crise onde o turbilhatildeo de sentimentos

pode variar de frustraccedilatildeo a total impotecircncia aleacutem da possibilidade de a famiacutelia sentir-se

revoltada culpada e ateacute mesmo responsaacutevel pelo ocorrido

Os acidentes de tracircnsito de um modo geral influenciam diretamente na harmonia familiar e

social Os agravos fiacutesicos e emocionais decorrentes deste tipo de adoecimento surgem de

forma assustadora para aqueles que a vivenciam O desenvolvimento de casos depressivos e a

dificuldade na expressatildeo de sentimentos satildeo apenas algumas das respostas apresentadas pelos

familiares que lidam com este tipo de situaccedilatildeo (SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008)

Situaccedilotildees agudas de adoecimento como aquelas observadas pelo profissional de psicologia em

unidades de emergecircncia partem de uma histoacuteria traacutegica permeada de sofrimento e falta de

informaccedilotildees que acionam na famiacutelia uma seacuterie de respostas emocionais catastroacuteficas e de

muita angustia que poderatildeo ser vivenciadas de forma melhor ou pior a depender da histoacuteria

relacional que este paciente tem com sua famiacutelia e destes com a equipe de sauacutede Borges

(2009)

O acidente vascular cerebral habitualmente surge como uma transformaccedilatildeo aguda e de

grandes proporccedilotildees uma vez que pode ocorrer sem emitir muitos sinais que alertem as

pessoas para o seu provaacutevel acontecimento aleacutem de imprimir no doente sequumlelas importantes

que vatildeo desde limitaccedilotildees de ordem motora ateacute a total inviabilidade de contato em um quadro

comatoso

Diante da constante necessidade de internamento em unidades de terapia intensiva os

familiares de pacientes viacutetimas de AVC precisam lidar natildeo soacute com o caraacuteter suacutebito da

instalaccedilatildeo do quadro como tambeacutem com as restriccedilotildees e fantasias que permeiam o universo

das UTIs

35

5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)

Para melhor compreender como ocorre a experiecircncia das famiacutelias que acompanham os

pacientes em uma unidade de terapia intensiva eacute importante conhecer as caracteriacutesticas de

estrutura e funcionamento das mesmas Trata-se de uma unidade de alta complexidade

destinada ao acolhimento e tratamento de pacientes graves eou potencialmente graves que

funciona ininterruptamente e cujo acesso eacute em sua maioria restrito aos profissionais

responsaacuteveis

Essa definiccedilatildeo eacute reiterada pelas palavras de Torres (2008 p42) que descreve a unidade de

terapia intensiva como ldquoum lugar de atenccedilatildeo permanente de tomada de decisotildees e accedilotildees

raacutepidas e quando possiacutevel efetivas para a cura e salvaccedilatildeo da vidardquo

A UTI eacute um ambiente que suscita algumas fantasias e sentimentos bem especiacuteficos Muitas

dessas fantasias e preacute-conceitos tecircm seus significados construiacutedos social e culturalmente

dentre os quais se destacam aqueles relacionados ao riscomedo de morte iminente ao fato de

ser um ambiente desconhecido ao mesmo tempo em que vecircem a UTI como uma unidade

capaz de proporcionar seguranccedila e um recomeccedilo de vida (LEMOS E ROSSI 2002 URIZZI E

CORREcircA 2007)

Atividades frequumlentes da equipe monitorizaccedilatildeo constante das funccedilotildees orgacircnicas diagnoacutestico

raacutepido iluminaccedilatildeo excessiva ruiacutedos aparelhos estranhos e tratamento imediato satildeo apenas

alguns dos elementos que caracterizam uma unidade de terapia intensiva (RODRIGUES JR E

AMARAL 2001 SANTOS BRITO BRASIL 2004 apud TORRES 2008 LEITE E VILA

2005 URIZZI e outros 2008 MOLINA WAIDMAN E MARCON 2009)

Detalhando melhor esta definiccedilatildeo sabe-se que as unidades de terapia intensiva satildeo formadas

por leitos que possuem equipamentos de monitorizaccedilatildeo individual bem como aparelhos para

ventilaccedilatildeo mecacircnica os quais tendem a alarmar sempre que os registros aferidos estejam

diferentes daqueles que se tem como referecircncia ideal para o paciente entretanto por serem

aparelhos de alta sensibilidade muitas vezes a simples mudanccedila de posiccedilatildeo no leito feita pelo

proacuteprio paciente eacute o suficiente para que tais aparelhos sinalizem uma alteraccedilatildeo e comecem a

alarmar o que contribui para uma sequumlecircncia de ruiacutedos haja vista que as unidades possuem um

nuacutemero razoaacutevel de leitos

36

Aleacutem da definiccedilatildeo estrutural vale ressaltar algumas das mudanccedilas sofridas pelo indiviacuteduo

doente ao entrar nesta unidade com destaque para a questatildeo da reduccedilatildeo da privacidade Aleacutem

de dividir o espaccedilo com pessoas ateacute entatildeo desconhecidas o paciente se vecirc muitas vezes

inviabilizado de sair da cama em funccedilatildeo da sua patologia o que o obriga a realizar suas rotinas

de higiene pessoal e necessidades fisioloacutegicas no proacuteprio leito e em grande parte das vezes

com o auxiacutelio de pessoas da equipe Aleacutem dessa exposiccedilatildeo o paciente passa inicialmente por

um processo conhecido como ldquodespersonalizaccedilatildeordquo Ao deixar seus objetos pessoais ao entrar

na UTI parece deixar tambeacutem parte de sua identidade Este fenocircmeno entretanto tende a ser

diluiacutedo ao longo da hospitalizaccedilatildeo uma vez que familiares e equipes procuram adotar o uso

de objetos e haacutebitos pessoais do paciente de acordo com os limites da instituiccedilatildeo como

forma de aproximaacute-lo do seu ambiente de origem

Ao observar o paciente internado em unidade de terapia intensiva ldquonota-se que nos primeiros

dias de internaccedilatildeo a ansiedade e o desamparo satildeo os sentimentos mais comuns decorrentes da

perda de controle sobre a proacutepria vida o risco real de morte e a crescente dependecircncia da

equipe Por outro lado estaacute numa unidade com todas as possibilidades de tratamento a

disposiccedilatildeo pode gerar sentimentos de confianccedila na recuperaccedilatildeordquo (TORRES 2008 p44)

A famiacutelia por sua vez ao adentrar no ambiente hospitalar mergulha em um universo na

maioria das vezes desconhecido sobre o qual existem fantasias preacute-conceitos duacutevidas e

medos na maioria das instituiccedilotildees satildeo tambeacutem impossibilitados de permanecer junto ao seu

familiar em tempo integral aleacutem de ter que lidar com pessoas diferentes que utilizam uma

linguagem proacutepria a este contexto lanccedilando ao familiar o desafio de adequar-se a esta nova

realidade

Um estudo qualitativo com enfoque na vivecircncia de familiares de pacientes internados em

unidade de terapia intensiva de instituiccedilotildees puacuteblicas e privadas em Londrina-PR no qual

foram realizadas entrevistas revelou que para a maioria destes tal experiecircncia eacute considerada

difiacutecil dolorosa aleacutem de ser permeada pelo medo da morte do desconhecido e do sofrimento

por parte do paciente (URIZZi e cols 2008)

Os familiares que acompanham estes pacientes tambeacutem sentem as mudanccedilas impostas pela

rotina de uma unidade de terapia intensiva dentre as quais talvez a de maior impacto seja o

fato de natildeo poder na maioria das vezes permanecer junto ao paciente durante o internamento

Esta limitaccedilatildeo por sua vez gera e potencializa sentimentos de medo inseguranccedila anguacutestia e

ansiedade diante deste universo novo que eacute a UTI

37

As situaccedilotildees de adoecimento e hospitalizaccedilatildeo constituem-se como situaccedilotildees de crise uma vez

que se caracterizam como ameaccedila agrave integridade fiacutesica e consequumlentemente psiacutequica tanto do

paciente quanto dos familiares que o acompanham neste momento Neste contexto ldquocriserdquo

pode ser definida como o grau equivalente de desordem que a doenccedila provoca no grupo

familiar

Ter um familiar internado exige dos demais membros deste grupo uma mudanccedila em sua

rotina objetivando estar mais proacuteximo ao paciente dessa forma acabam por integrar-se ao

ambiente hospitalar adequando-se agraves rotinas da unidade em que estatildeo inseridos

No contexto da hospitalizaccedilatildeo as vivecircncias ocorrem de forma muito intensa o paciente e sua

famiacutelia tecircm na maioria das vezes que lidar com sentimentos ambiacuteguos de esperanccedila e

finitude diante das limitaccedilotildees impostas pelo adoecer A possibilidade de perda faz com que os

indiviacuteduos se impliquem na proacutepria vida isso os leva a questionamentos acerca de seus

planos futuros seus valores e suas experiecircncias pregressas na tentativa de explicar a

instalaccedilatildeo da patologia bem como de buscar mecanismos de enfrentamento para a situaccedilatildeo

Smeltzer e Bare 2000 apud Franco e Knihs 2005 apontam que ldquoa constataccedilatildeo do risco

iminente de vida e de que ali se inicia uma longa jornada no acompanhamento de seu familiar

hospitalizado agravam a situaccedilatildeo e dificultam a superaccedilatildeo desse momento difiacutecil

ocasionando na famiacutelia sentimentos de ansiedade anguacutestia desespero medo e inseguranccedilardquo

(p140)

O processo de adoecimento surge portanto como elemento desarticulador da existecircncia natildeo

soacute do indiviacuteduo mas tambeacutem de todo o seu universo familiar (MOTTA 2004 apud FRANCO

E KNIHS 2005 SOUSA FILHO XAVIER E VIEIRA 2008) Isso eacute claramente observado

nas inuacutemeras mudanccedilas feitas nas rotinas dos familiares com a finalidade de estar presente e

poder acompanhar o internamento de seu paciente bem como na sua forma de reestruturar

papeacuteis permitindo o funcionamento do grupo familiar de modo razoavelmente efetivo

Sentimentos de medo ansiedade e inseguranccedila diante do adoecimento do paciente satildeo alguns

dos pontos destacados pela equipe no que se refere agrave vivecircncia dos familiares diante da

situaccedilatildeo em questatildeo (CORREcircA SALES E SOARES 2002)

Os familiares por sua vez destacam a ausecircncia do paciente em seu ambiente habitual e a

incerteza em relaccedilatildeo ao futuro como situaccedilotildees especialmente difiacuteceis de serem enfrentadas

(URIZZI E CORREcircA 2007)

38

Um estudo no qual foram coletados dados demonstra que a experiecircncia de internamento em

uma UTI eacute fonte geradora de estresse poreacutem vivenciada de modo distinto pelo paciente sua

famiacutelia e a equipe que o acompanha Os pacientes colocam como suas principais fontes de

estresse nesse ambiente a restriccedilatildeo agrave presenccedila de familiares eou amigos o uso de aparelhos

(sondas tubos) e a ausecircncia de autonomia jaacute os familiares apontam como fontes geradoras de

estresse ao paciente a dificuldade para dormir a dor e o fato de estar preso a tubos a equipe

por sua vez destacou a dor o barulho de equipamentos e alarmes e o fato dos pacientes serem

picados por agulhas como sendo as principais causas de estresse ao doente Aleacutem disso a

percepccedilatildeo e o sentimento dos familiares tende a se constituir a partir da percepccedilatildeo que estes

tecircm em relaccedilatildeo ao modo como o paciente vivencia tal experiecircncia (BITENCOURT e outros

2007 URIZZI E CORREcircA 2007)

A diacuteade famiacutelia-equipe tambeacutem merece atenccedilatildeo com destaque para as questotildees relacionadas agrave

comunicaccedilatildeo entre ambos Para Oliveira e Sommermam ldquouma das maiores fontes geradoras

de ansiedade diz respeito agrave falta de informaccedilatildeo ou informaccedilatildeo excessiva e contraditoacuteriardquo

(2008 p139) Fato este que tende a se potencializar diante do fato de a UTI ser um ambiente

restrito agrave equipe onde a famiacutelia tem pouco acesso ao seu paciente o que intensifica a sensaccedilatildeo

de falta de controle

O diaacutelogo entre famiacutelia e equipe tende a ocorrer durante os horaacuterios de visita e de uma forma

mais institucionalizada atraveacutes do boletim meacutedico momento dedicado ao fornecimento de

informaccedilotildees pelo meacutedico responsaacutevel ou meacutedico de plantatildeo aos familiares Esta eacute a

oportunidade para que os familiares esclareccedilam suas duacutevidas e obtenham novos dados

referentes ao quadro cliacutenico do seu paciente A condiccedilatildeo ideal para que ocorra este contato

demanda um espaccedilo reservado no qual familiares e profissionais possam se colocar de forma

tranquumlila e com maior disponibilidade Entretanto a pouca estrutura das instituiccedilotildees bem

como as urgecircncias cliacutenicas e o alto niacutevel de ansiedade dos familiares fazem com que a troca

de informaccedilotildees ocorra nos corredores o que interfere de forma negativa na compreensatildeo dos

dados fornecidos pela equipe aos familiares

Embora os profissionais considerem importante fornecer a informaccedilatildeo adequada e condizente

com o niacutevel de entendimento dos familiares a equipe tende adotar uma linguagem proacutepria

para comunicar-se entre si Termos teacutecnicos e siglas satildeo utilizados frequumlentemente como

forma de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os profissionais enquanto que para os pacientes e

familiares essa comunicaccedilatildeo torna-se muitas vezes incompreensiacutevel diante da falta de

conhecimento sobre o assunto (LEITE E VILA 2005)

39

Em um estudo realizado para avaliar a qualidade e humanizaccedilatildeo do atendimento em medicina

intensiva atraveacutes de entrevista os familiares que acompanhavam seus pacientes haacute mais de

48hrs na UTI a comunicaccedilatildeo surgiu como principal fator na insatisfaccedilatildeo quanto agrave qualidade

do serviccedilo (WALLLAU E COL 2006 apud MORITZ 2007) Aleacutem da dificuldade teacutecnica

para assimilar as informaccedilotildees os familiares encontram-se ainda em situaccedilatildeo de grande

desgaste emocional o que acaba por interferir sobremaneira na compreensatildeo dos dados

fornecidos

Para que ocorra uma comunicaccedilatildeo efetiva eacute necessaacuterio que o destinataacuterio da informaccedilatildeo a

compreenda para Moritz e cols ldquoa informaccedilatildeo simplesmente transmitida mas natildeo recebida

natildeo foi comunicada (2007 p05)

Aleacutem da questatildeo da comunicaccedilatildeo outro ponto que perpassa a vivecircncia dos familiares nesse

contexto eacute o seu movimento diante da equipe e das normas da instituiccedilatildeo Monticelli e Boehs

realizaram uma pesquisa com familiares e membros da equipe de sauacutede em uma unidade

pediaacutetrica e em um alojamento conjunto de pueacuterperas receacutem-nascidos e familiares ambos em

instituiccedilotildees puacuteblicas no sul do paiacutes atraveacutes de entrevistas e observaccedilatildeo participante com o

intuito de conhecer o universo que permeia as relaccedilotildees e o cuidado entre familiares e equipe

de enfermagem Este trabalho revela que ldquotanto as equipes quanto as famiacutelias se aproximam

ou se distanciam em face da concordacircncia ou natildeo das regras vigentes na instituiccedilatildeordquo (2007

p01) Haacute uma tendecircncia por parte da famiacutelia de se aproximar mais daqueles profissionais que

se mostram mais acolhedores e compreensivos em relaccedilatildeo agraves suas necessidades a equipe por

sua vez tende a se solidarizar com as famiacutelias que estatildeo na instituiccedilatildeo haacute mais tempo que satildeo

oriundas do interior ou ainda que procuram se adequar agraves regras da instituiccedilatildeo Nesse hiato

ocorrem agraves flexibilizaccedilotildees entre famiacutelia e equipe no que se refere ao acompanhamento do

paciente internado em UTI

Conhecer as nuances que permeiam o processo de hospitalizaccedilatildeo de um doente em unidade de

terapia intensiva mostra-se portanto como condiccedilatildeo fundamental para se compreender essa

vivecircncia na oacutetica do paciente da sua famiacutelia e da equipe que o acompanha

Para Bowen (1978 apud WALSH E MCGOLDRICK 1991) o impacto que provoca uma

morte ou uma ameaccedila de perda no equiliacutebrio funcional de uma famiacutelia eacute algo grandioso

Acredita ainda que a onda de choque emocional possa atingir todo o sistema familiar ateacute

muito tempo apoacutes ter acontecido a perda de um membro importante

40

O impacto e a resposta diante da perda dependem consideravelmente do papel e

funcionamento que a pessoa falecida tinha dentro do sistema familiar A flexibilidade e

abertura gerais do sistema assim como o niacutevel de diferenciaccedilatildeo e funcionamento dos demais

membros satildeo cruciais Natildeo menos importante eacute a disponibilidade de um apoio social e os

diversos rituais etno-culturais que envolvem a morte (ANDRESON 1982 PEARCE E

GIORDANO 1982 CITADOS POR WALSH E MCGOLDRICK 1991)

Outros aspectos que interferem na aceitaccedilatildeo desse fato satildeo as praacuteticas e tecnologias meacutedicas

que tiram a morte do acircmbito da realidade cotidiana e confrontam as famiacutelias com decisotildees

sem precedentes acerca da prolongaccedilatildeo ou teacutermino de uma vida (MOLINA e outros 2009

RODRIGUES JUNIOR E AMARAL 2001 WALSH E MCGOLDRICK 1991)

O modo como ocorrem essas perdas datildeo alguns indiacutecios do modo como os indiviacuteduos iratildeo

lidar com este processo Os familiares cujo paciente sofre de doenccedila crocircnica ou de progressatildeo

lenta estatildeo diante de uma perda que ainda natildeo ocorreu e em tese possuem um tempo maior

entre a instalaccedilatildeo da patologia e a ocorrecircncia da morte durante o qual tem a chance de

elaborar aos poucos a perda que se anuncia Para definir este momento Lindemann (1944

apud WORDEN 1998) criou a expressatildeo ldquoluto antecipatoacuteriordquo no qual os enlutados em

potencial tendem a iniciar previamente suas vivecircncias de luto em relaccedilatildeo agrave perda que se

aproxima Nesse contexto eacute possiacutevel visualizar o avanccedilo da doenccedila e a consequumlente

aproximaccedilatildeo da morte tal situaccedilatildeo tende a constituir-se como fonte geradora de ansiedade

aleacutem de rememorar ao indiviacuteduo sua consciecircncia pessoal de finitude

Situaccedilatildeo distinta eacute aquela dos indiviacuteduos que perdem seus familiares de forma suacutebita e

inesperada o que acaba por gerar um padratildeo distinto de reaccedilatildeo sensaccedilatildeo de irrealidade sobre

a perda exacerbaccedilatildeo dos sentimentos de culpa necessidade de responsabilizar algueacutem pelo

ocorrido sensaccedilatildeo de desamparo necessidade de compreensatildeo e busca de significado satildeo

algumas das respostas comumente observadas (WORDEN 1998)

Ao definir as etapas do processo de luto Worden (1998) destaca a necessidade de a pessoa

ajustar-se ao ambiente onde estaacute faltando a pessoa que faleceu muitas vezes assumindo os

papeacuteis desempenhados por ela Eacute importante ainda entender como se apresenta o sistema

familiar diante de uma situaccedilatildeo de perda Sobre isso Murray Bowen (1978 apud WORDEN

1998) diz que ldquoo conhecimento da configuraccedilatildeo de toda a famiacutelia a posiccedilatildeo de

funcionamento da pessoa que faleceu na famiacutelia bem como o niacutevel total de adaptaccedilatildeo agrave vida

satildeo importantes para cada um que tenta ajudar uma famiacutelia antes durante e depois de uma

41

morterdquo (p137) Aleacutem disso o estaacutegio do ciclo de vida familiar padrotildees de poder e afeto

bem como o tipo de comunicaccedilatildeo entre os membros tambeacutem satildeo aspectos relevantes neste

contexto

Os aspectos referidos acima podem ser transferidos para o contexto de internaccedilatildeo hospitalar

com destaque para o ambiente de terapia intensiva Nesse espaccedilo as situaccedilotildees vividas

constituem-se como experiecircncias de perdas tanto reais quanto simboacutelicas e exige dos

envolvidos uma adaptaccedilatildeo e reorganizaccedilatildeo das suas funccedilotildees a fim de substituir ainda que

temporariamente a pessoa doente

42

6 O ADOECER E A FAMIacuteLIA

Apoacutes compreender como se daacute o adoecimento e suas caracteriacutesticas eacute vaacutelido conhecer como a

famiacutelia se comporta diante destas situaccedilotildees Natildeo raro haacute uma expectativa de que essa famiacutelia

seja acolhedora em relaccedilatildeo agraves provaacuteveis reaccedilotildees apresentadas pelo indiviacuteduo que se encontra

doente

A presenccedila da famiacutelia durante o adoecer de um dos membros do grupo

revela os viacutenculos afetivos existentes entre eles valores sociais e religiosos A doenccedila gera na famiacutelia ansiedade medo e a possibilidade de perda

despertando nessas pessoas a solidariedade na busca por meios que ajudem a

recuperar a sauacutede da pessoa acometida pela enfermidade (BIELEMANN 2004 apud FRANCO E KNIHS 2005)

Entretanto as estruturas familiares nem sempre satildeo capazes de sozinhas oferecerem o

suporte necessaacuterio a este tipo de situaccedilatildeo Deste modo torna-se vaacutelido o apoio dos

profissionais de sauacutede envolvidos e preparados para lidar com este contexto bem como a

colaboraccedilatildeo de outras pessoas que constituam sua rede de apoio social

Esta falta de estruturaccedilatildeo e mesmo de condiccedilatildeo familiar provoca frequumlentes internaccedilotildees

hospitalares prolongadas muitas vezes com necessidade de acompanhamento familiar direto

Este fato tambeacutem eacute determinante para alteraccedilotildees no contexto familiar com implicaccedilotildees no

enfrentamento pessoal e coletivo agrave doenccedila crocircnica (SILVA e outros 2002 p 41)

Um estudo realizado por SILVA e outros(2002) com familiares de pacientes internados em

um hospital puacuteblico especializado e de referecircncia no atendimento e tratamento a pessoas

portadoras de patologias cardiacuteacas e pulmonares em Fortaleza-CE que vivenciaram o

adoecimento crocircnico em um de seus membros mostra que a presenccedila de uma doenccedila na

famiacutelia muitas vezes provoca alteraccedilotildees no estilo de vida desencadeando mudanccedilas estruturais

na dinacircmica deste grupo especialmente quando passam a arcar com despesas relacionadas ao

processo de adoecimento (exames medicamentos deslocamentos)

A impossibilidade de manter uma atividade profissional decorrente de limitaccedilotildees impostas

pela doenccedila gera em uma famiacutelia a perda da estabilidade econocircmica e a consequumlente

destituiccedilatildeo de um lugar simboacutelico ateacute entatildeo ocupado pela pessoa doente Para Santos

Sebastiani (1996 apud SILVA e outros 2002 p 44) ldquoa famiacutelia representa para a maioria das

pessoas um esteio de suma importacircncia tanto no que tange agrave estruturaccedilatildeo de viacutenculos afetivos

quanto nos referenciais de apoio e seguranccedilardquo

43

A circunstacircncia familiar de adoecer cronicamente os internamentos hospitalares recorrentes

as limitaccedilotildees impostas pela patologia o medo de complicaccedilotildees da perda do doente satildeo

responsaacuteveis por desencadear sensaccedilotildees de afliccedilatildeo angustia tensatildeo inseguranccedila duacutevidas

incapacidade dentre outros

Penna (1992 apud SILVA e outros 2002 p 44) assinala que ldquoa famiacutelia atua no ambiente

transforma e eacute transformada enfrenta crises conflitos e contradiccedilotildees construindo uma

histoacuteria () provendo () crescimento sauacutede e bem-estar de seus membrosrdquo Elsen (1994

apud SILVA e outros 2002 p 44) por sua vez comenta que ldquoa sauacutede da famiacutelia significa a

soma da sauacutede dos indiviacuteduos que a compotildeemrdquo

ldquoA presenccedila de uma doenccedila crocircnica em um de seus membros eacute portanto momento em que a

famiacutelia procura variadas formas de reorganizaccedilatildeo revendo seus valores e praacuteticasrdquo (SILVA e

outros 2002 p 46)

Descriccedilotildees na literatura acerca do desenvolvimento adulto e o ciclo de vida familiar

esclarecem a importacircncia dos periacuteodos de transiccedilatildeo da mesma forma que tais transiccedilotildees

contemplam as fases desenvolvimentais do curso da doenccedila ldquoEste eacute um tempo de reavaliaccedilatildeo

da adequaccedilatildeo da estrutura de vida familiar anterior agrave doenccedila em face das novas exigecircncias

desenvolvimentais relacionadas agrave enfermidaderdquo (Levinson 1978 1986 e Carter e McGoldrick

1980 apus Carter e McGoldrick 2001 p 379)

Carter e McGoldrick (2001) trabalham ainda com uma representaccedilatildeo tridimensional do

sistema mais amplo de doenccedilafamiacutelia Para elas os tipos psicossociais de doenccedila as fases

temporais da enfermidade e os componentes do funcionamento familiar constituem as trecircs

dimensotildees Este modelo permite um diaacutelogo flexiacutevel entre o aspecto da doenccedila e o aspecto

familiar do sistema doenccedila famiacutelia Este modelo permite essencialmente a especulaccedilatildeo sobre

a importacircncia das forccedilas e fraquezas nos vaacuterios componentes do funcionamento familiar

relacionando-os aos diferentes tipos de enfermidade em diferentes fases do curso de vida da

doenccedila

A importacircncia de resolver as tarefas especiacuteficas de cada fase desenvolvimental decorrentes de

uma doenccedila eacute enfatizada por Kaplan quando este sugere que ldquoo fracasso em resolver as

questotildees de maneira sequumlencial pode pocircr em risco o processo global de manejo familiarrdquo

(Kaplan 1968 apud Carter e McGoldrick 2001 p 380)

Doenccedilas de instalaccedilatildeo aguda exigem dos envolvidos agilidade para mobilizar-se rapidamente

diante da crise buscando uma reorganizaccedilatildeo raacutepida e eficiente adaptando-se agraves modificaccedilotildees

44

impostas Ressaltando que o modo como o grupo lida com este tipo de situaccedilatildeo constitui-se

como um bom preditor de ajustamento a este tipo de enfermidades

Segundo Vicente (2004) ldquomudar implica movimentos mexer-se mover-se desinstalar-se sair

de um lugar de conforto para outro lugar percebido como assustador em certa medida por

representar perguntas sem respostasrdquo (p 40) Este parece assemelhar-se ao cenaacuterio onde se

encontra a famiacutelia que acaba de ser informada do diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral

sofrido por um de seus membros Ao serem informados do diagnoacutestico os membros da

famiacutelia experimentam um sentimento de choque incerteza e uma significativa descarga de

emoccedilotildees que caem sobre si fazendo com que cada um reaja a seu modo o resultado satildeo as

distintas formas de apresentaccedilatildeo destas famiacutelias observando-se uma tendecircncia natural agrave

eclosatildeo de conflitos bem como uma exigecircncia de enfrentamento por parte dos indiviacuteduos que

a constituem

Uma doenccedila de iniacutecio gradual permite agrave famiacutelia um periacuteodo maior de ajustamento agraves

mudanccedilas surgidas jaacute com as doenccedilas de iniacutecio agudo haacute uma tensatildeo maior tendo em vista

que o intervalo de tempo para absorver tais alteraccedilotildees eacute reduzido levando a famiacutelia a dividir

sua energia entre proteger-se contra outros danos e esforccedilos para resolver o novo problema

(Adams amp Lindemann 1974 apud Carter amp MacGoldrick 1995)

Tendo em vista que a revelaccedilatildeo de um diagnoacutestico tende a provocar uma desorganizaccedilatildeo na

estrutura familiar a forma como eacute feita tal comunicaccedilatildeo contribui de maneira significativa

para o seu enfrentamento por parte do paciente e seus familiares Isso eacute corroborado pelo

estudo de Silva (2000) sobre diagnoacutesticos oncoloacutegicos onde ldquouma anaacutelise comparativa da

revelaccedilatildeo dos diagnoacutesticos encontra-se culturalmente fundamentada e tem seacuterias

consequumlecircncias no modo como o tratamento se processa e como as intervenccedilotildees satildeo avaliadasrdquo

(p 24)

Em outras patologias ateacute mesmo a atitude da equipe em relaccedilatildeo agrave doenccedila tem relaccedilatildeo com a

vivecircncia da famiacutelia No caso do cacircncer por exemplo o meacutedico pode reforccedilar a expectativa da

famiacutelia em relaccedilatildeo ao tratamento e evoluccedilatildeo da doenccedila jaacute no Acidente Vascular Cerebral isso

eacute menos frequumlente especialmente pelo fato de estar lidando com algo cuja recuperaccedilatildeo ainda

eacute indefinida e consegue ser melhor observada a longo prazo o que jaacute natildeo ocorre durante o

periacuteodo de internaccedilatildeo na UTI

Em virtude desta incerteza em relaccedilatildeo a alguns prognoacutesticos os familiares acabam por ter que

assumir em certa medida uma postura de passividade no que se refere a ldquoaguardar uma

45

resposta do doenterdquo seja um despertar ou algum sinal que sugira um contato ou uma

possibilidade de recuperaccedilatildeo

Outro aspecto referenciado com frequumlecircncia nos estudos a exemplo dos citados por Silva em

2000 diz respeito agrave reorganizaccedilatildeo de tarefas domiciliares bem como de funccedilotildees apoacutes o

retorno do paciente para sua casa tendo em vista que seu papel seraacute distinto daquele que

desempenhava antes do adoecimento ldquoO diagnoacutestico de uma doenccedila grave desencadeia uma

crise vital na famiacutelia Exige do paciente e de sua famiacutelia mudanccedilas de papeacuteis buscas de

estrateacutegias para enfrentar o problema uma alteraccedilatildeo de posturas atitudes e comportamentos

como tambeacutem um longo periacuteodo de adaptaccedilatildeo a essas mudanccedilas (KAYE 198438 EIZIRIK

amp FERREIRA 1991 483 apud SILVA 2000 p 42)

Embora tal situaccedilatildeo seja mais comumente abordada apoacutes a alta hospitalar nota-se a presenccedila

de algo semelhante durante o periacuteodo de internaccedilatildeo O periacuteodo de permanecircncia no hospital

pode ser breve (dias semanas) ou mais prolongado (chegando haacute meses) de acordo com a

evoluccedilatildeo cliacutenica de cada um Tal situaccedilatildeo tambeacutem exige portanto um ajuste da rotina e dos

papeacuteis dos familiares para que consigam acompanhar de modo efetivo o internamento bem

como adotar as mudanccedilas necessaacuterias agrave organizaccedilatildeo familiar

Prado (2004) ao falar sobre a deficiecircncia na famiacutelia pontua que ldquosua simples presenccedila faraacute

com que cada membro redefina seu papel para atender agraves necessidades especiais como

tempo mudanccedilas de atitudes e de valores aleacutem de novo estilo de vidardquo (p86) trata-se de uma

situaccedilatildeo de crise semelhante agrave enfrentada pelas famiacutelias em situaccedilatildeo de internamento

Portanto o impacto de uma doenccedila com caracteriacutesticas tatildeo especiacuteficas como eacute o Acidente

Vascular Cerebral traz consigo elementos comuns a todas as situaccedilotildees de adoecimento mas

conta tambeacutem com aspectos que satildeo mais comumente relacionados ao caraacuteter agudo e

incapacitante desta patologia Deste modo haacute que se pensar na assistecircncia ofertada aos

familiares que se encontram em situaccedilatildeo tatildeo singular

De acordo com Levinson estrutura de vida eacute o padratildeo ou propoacutesito subjacente da vida de uma pessoafamiacutelia em qualquer momento dado do

ciclo de vida Seus componentes primaacuterios satildeo os relacionamentos

reciacuteprocos de uma pessoafamiacutelia com vaacuterios ldquooutrosrdquo no ecossistema mais

amplo(isto eacute pessoas grupo instituiccedilatildeo cultura objeto ou lugar) A estrutura de vida estabelece uma fronteira entre o indiviacuteduofamiacutelia e o

ambiente Ela tanto governa quanto media as transaccedilotildees entre eles (1978

apud CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 384)

46

Esta dinacircmica entre pessoafamiacutelia e o contexto em que se insere propicia uma relaccedilatildeo que daacute

espaccedilo para o surgimento de conflitos e o desenvolvimento de alternativas para lidar com

eles Este movimento tanto aproxima quanto distancia os indiviacuteduos envolvidos neste

processo

As definiccedilotildees de estilos e fases familiares centriacutepetas versus centriacutefugas satildeo uacuteteis na

compreensatildeo do desenvolvimento da doenccedila do indiviacuteduo e de sua famiacutelia e descrevem a

tendecircncia a aproximar-se ou afastar-se de um centro

Durante um periacuteodo centriacutepeto a estrutura de vida da pessoa e da unidade

familiar enfatizam a vida familiar interna As fronteiras externas em torno da

famiacutelia satildeo estreitadas ao passo que as fronteiras pessoais entre os membros satildeo um tanto afrouxadas para intensificar o trabalho de equipe da famiacutelia

Na transiccedilatildeo para um periacuteodo centriacutefugo a estrutura de vida familiar se

modifica para acomodar objetivos que enfatizem a troca dos membros da

famiacutelia com o ambiente externo-extrafamiliar A fronteira familiar externa eacute afrouxada enquanto aumenta a distacircncia natildeo-patoloacutegica entre alguns

membros da famiacutelia (CARTER e MCGOLDRICK 2001 p 385)

Diante disso estas autoras consideram ser possiacutevel observar ao longo dos ciclos de vida uma

alternacircncia entre periacuteodos de transiccedilatildeo e de construccedilatildeo ou manutenccedilatildeo estes por sua vez

podem ser caracterizados como de natureza centriacutefuga ou centriacutepeta Para elas ldquoem geral a

doenccedila crocircnica exerce uma forccedila centriacutepeta sobre o sistema familiarrdquo e o momento agudo de

instalaccedilatildeo da doenccedila parece ser o iniacutecio desse processo

As doenccedilas de caraacuteter progressivo tendem a apresentar um efeito mais centriacutepeto sobre as

famiacutelias uma vez que o surgimento constante de novas demandas agrave medida que a doenccedila

avanccedila manteacutem a energia da famiacutelia voltada para dentro Diferente do que ocorre com uma

doenccedila de curso constante (a exceccedilatildeo daquelas que promovem uma incapacitaccedilatildeo severa) na

qual apoacutes uma adequaccedilatildeo do grupo familiar agraves demandas da patologia eacute possiacutevel retomar uma

fase mais centriacutefuga do ciclo vital Como consequumlecircncia destaca-se o fato de que a forccedila

centriacutepeta crescente exercida por uma doenccedila progressiva tende a aumentar o risco de

reversatildeo no afastamento familiar normal ou de congelamento da famiacutelia num permanente

estado de fusatildeo

47

61 AS ESTRATEacuteGIAS DE ENFRENTAMENTO ndash COPING

Uma situaccedilatildeo de adoecimento pelas suas caracteriacutesticas eacute considerada uma situaccedilatildeo de stress

e como tal exige por parte do indiviacuteduo algumas estrateacutegias que possibilitem vivenciar este

processo de maneira menos comprometedora

O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estrateacutegias utilizadas pelas

pessoas para adaptarem-se a circunstacircncias adversas ou estressantes (ANTONIAZZI

DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Haacute vaacuterias concepccedilotildees teoacutericas sobre coping Para o Modelo Animal coping

eacute um resultado resumindo-se em comportamentos de fuga ou luta frente a

uma situaccedilatildeo de ameaccedila Para a Psicologia Analiacutetica do Ego coping eacute um traccedilo ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situaccedilatildeo e para o

Modelo Interacionista Cognitivo proposto por LAZARUS FOLKMAN

(1984) coping eacute um processo definido como uma constante mudanccedila

cognitiva e esforccedilos comportamentais para manusear especiacuteficas demandas externas e ou internas que satildeo avaliadas como algo que excede os recursos

da pessoa (CHAVES 2000)

No que se refere agraves suas funccedilotildees Lazarus Folkman (1984 apud CHAVES 2000) apontam

que o coping pode ser dividido entre coping centrado no problema e coping centrado na

emoccedilatildeo O Coping centrado no problema refere-se aos esforccedilos para administrar o problema

melhorando o relacionamento entre a pessoa e o meio em que se insere na tentativa de

remover ou abrandar a fonte estressora seja ela externa (ambiente) ou interna (self)

O coping centrado na emoccedilatildeo descreve a tentativa de substituir ou regular o impacto

emocional da situaccedilatildeo de stress para o indiviacuteduo Este tipo de estrateacutegia deriva principalmente

de processos defensivos fazendo com que o indiviacuteduo evite o confronto consciente com a

realidade ameaccediladora Desta forma embora natildeo consiga modificar a situaccedilatildeo propriamente

dita serve para o indiviacuteduo negociar com as emoccedilotildees e assim manter uma auto-estima

positiva manter a esperanccedila e o bem-estar

Mas nem todas as estrateacutegias de coping centrado na emoccedilatildeo podem ser consideradas como

reavaliaccedilatildeo cognitiva pois algumas natildeo apresentam a propriedade de modificar o significado

do evento como por exemplo negar um fato ou esquivar-se dele o que pode ser entendido

como uma forma das pessoas se protegerem quando haacute possibilidade de grande ameaccedila e natildeo

acreditarem que possam modificar a situaccedilatildeo (LAZARUS FOLKMAN 1984)

48

Em estudo realizado por HYMOVICH HAGOPIAN (1992 apud CHAVES 2000) em

contextos especiacuteficos como no caso de doenccedila algumas estrateacutegias de coping focadas no

problema tendem a ser adotadas na tentativa de administrar a situaccedilatildeo dentre elas a) procurar

informaccedilatildeo sobre sua condiccedilatildeo b) procurar habilitar-se para o autocuidado c) buscar e usar

recursos em serviccedilos de sauacutede ou redes de suporte social d) ajustar-se ao estilo de vida

familiar e) organizar e distribuir o tempo para realizar atividades natildeo soacute referentes agrave sauacutede

mas tambeacutem aquelas relacionadas ao desenvolvimento

Jaacute nas estrateacutegias de coping relacionadas agrave emoccedilatildeo estes mesmos autores citam as seguintes

estrateacutegias a) sentimentos de incerteza ansiedade apreensatildeo frente ao diagnoacutestico meacutedico

aos procedimentos de diagnoacutestico e tratamento b) pensar sobre o significado da doenccedila e o

provaacutevel impacto dessa em seu cotidiano c) atribuir causas a doenccedila e possiacuteveis resultados

como forma de ter controle sobre a situaccedilatildeo d) manter a esperanccedila de que o amanhatilde pode ser

melhor e e) usar mecanismos de defesa

Eacute importante ainda salientar que as estrateacutegias de coping podem mudar de momento para

momento durante os estaacutegios de uma situaccedilatildeo estressante o que impossibilita uma tentativa

de predizer respostas situacionais de acordo com o estilo de coping utilizado por uma pessoa

(FOLKMAN E LAacuteZARUS 1980 apud ANTONIAZZI DELLAGLIO e BANDEIRA 1998)

Desse modo eacute notoacuterio observar a diversidade de recursos utilizados pelos indiviacuteduos no

enfrentamento a situaccedilotildees de difiacutecil vivecircncia Ora centrada na emoccedilatildeo ora focalizada no

problema as estrateacutegias adotadas pelos familiares de pacientes internados em unidade de

terapia intensiva tendem a ter relaccedilatildeo com as caracteriacutesticas individuais e sua histoacuteria pessoal

e desta forma se mostrarem mais eficientes em sua funccedilatildeo

49

7 MEacuteTODO

Diante da proposta de conhecer o impacto do acidente vascular cerebral para a realidade

familiar este trabalho trouxe os seguintes objetivos identificar sentimentos vivenciados pelos

familiares de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral explorar duacutevidas

apresentadas por estes familiares e observar mecanismos de enfrentamento utilizados pelos

mesmos

Na tentativa de responder a tais objetivos foi realizado um estudo de casos muacuteltiplos com

familiares de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral e encontram-se internados

em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica do Hospital Espanhol ndash HE na cidade de

Salvador-BA1 Esta unidade eacute referecircncia nas aacutereas de neurologia e cardiologia e conta com 15

leitos divididos entre as duas especialidades

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva A presenccedila dos

profissionais de psicologia se daacute de segunda-feira agrave sexta-feira das 7 h agraves 19 h contemplando

dois dos trecircs horaacuterios de visita e apresentaccedilatildeo do boletim meacutedico sendo ambos os horaacuterios de

maior presenccedila e contato entre familiares paciente e equipe na unidade (Anexo 01)

Visando alcanccedilar os objetivos pretendidos e atentos a reduzir o niacutevel de ansiedade e estresse

jaacute vivenciados por este puacuteblico diante da situaccedilatildeo enfrentada este estudo utilizou como

estrateacutegia de coleta de dados o registro a posteriori dos atendimentos jaacute realizados pela

proacutepria rotina do Serviccedilo de Psicologia

No momento inicial destes atendimentos os familiares foram convidados a participar do

estudo sendo informados sobre a intenccedilatildeo da pesquisa e a utilizaccedilatildeo dos registros obtidos

atraveacutes dos atendimentos Apoacutes a concordacircncia destes foi solicitada a assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Apecircndice A)

Tais atendimentos embora possam variar de acordo com a dinacircmica de cada famiacutelia e

situaccedilatildeo enfrentada tendem a seguir um roteiro onde se busca investigar a percepccedilatildeo que os

1 Projeto apresentado e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol Salvador-

BA

50

familiares tiveram em relaccedilatildeo ao internamento e conduzir o acompanhamento a partir das

demandas observadas (Apecircndice B)

Diante da experiecircncia de trabalho neste contexto percebe-se que atraveacutes da fala dos

familiares muitos elementos podem ser extraiacutedos e servir de resposta aos questionamentos

propostos inicialmente por este motivo foi feita uma leitura a partir dos seus discursos Os

resultados aqui apontados e discutidos originam-se das vivecircncias de quatro familiares que

acompanharam seus pacientes viacutetimas de AVC nos momentos iniciais do internamento em

uma unidade de terapia intensiva evidenciando o caraacuteter impactante e desorganizador desta

realidade aleacutem dos principais sentimentos envolvidos e as estrateacutegias para lidar com eles

Foram incluiacutedos neste estudo os familiares dos pacientes internados na UTI haacute no maacuteximo 48

horas e que haviam sido diagnosticados com algum tipo de acidente vascular cerebral Diante

da proposta em conhecer o impacto da doenccedila para o familiar no momento agudo deste

processo os participantes do estudo foram abordados durante o primeiro contato com o

serviccedilo de psicologia o que comumente ocorria apoacutes as primeiras horas de chegada a esta

unidade

Foram abordadas quatro famiacutelias e pelo menos um membro de cada famiacutelia Embora em dois

casos o paciente estivesse sendo acompanhado por mais de um dos membros considerou-se

apenas um dos entrevistados tendo em vista que era aquele que mais se pronunciava e que

estava presente em todos os horaacuterios

71 APRESENTANDO OS PACIENTES

Esta apresentaccedilatildeo pretende ilustrar o perfil cliacutenico-epidemioloacutegico dos pacientes abordados

relatando sua histoacuteria de adoecimento bem como aspectos de sua vida pessoal a partir do

relato dos familiares que os acompanhavam no internamento Como criteacuterio de inclusatildeo

considerou-se o diagnoacutestico de Acidente Vascular Cerebral independente do tipo e a

internaccedilatildeo recente em Unidade de Terapia Intensiva periacuteodo maacuteximo de 48 horas A

diversidade de sexo e idade encontrados auxiliam a ilustrar os dados obtidos bem como o fato

de todos os quatro pacientes encontrarem-se comatosos em funccedilatildeo do quadro cliacutenico

O grupo de pacientes foi constituiacutedo de mulheres (dessas duas casadas e uma solteira) e um

homem (este viuacutevo) com idade variando entre 22 e 72 anos sendo que apenas uma natildeo

possuiacutea filhos Destes apenas uma era estudante e dona-de-casa os demais exerciam

51

atividades remuneradas Dos quatro pacientes em questatildeo apenas um residia em Salvador os

demais eram do interior e haviam sido encaminhados de ambulacircncia agrave capital apoacutes receberem

assistecircncia meacutedica inicial em suas cidades de origem Dois estavam sendo acompanhado por

apenas um familiar e os demais por mais de um membro da famiacutelia cujos graus de parentesco

eram bastante diversificados marido filhos irmatilde neta e cunhada (Quadro II)

Vale ressaltar que neste trabalho natildeo foram incluiacutedas falas dos pacientes acerca da experiecircncia

de ser acompanhado por familiares no contexto de terapia intensiva em razatildeo de os mesmos

natildeo estarem com seu niacutevel de consciecircncia preservado devido ao quadro cliacutenico (comatosos)

natildeo sendo possiacutevel acessaacute-los

QUADRO II ndash Descriccedilatildeo cliacutenica-demograacutefica dos pacientes viacutetimas de AVC 2010

Paciente

Sexo

Idade

Estado

Civil

Filhos

Profissatildeo

Residecircncia

Diagnoacutestico

Acompanhante

A F 22 Casada 1 Estudante RecSsa AVC-I Cunhada

B F 58 Casada 4 Pastora Iraacuteraacute AVC-I MaridoFilhos

C M 72 Viuacutevo 3 Auxiliar de

Almoxarifado

SatildeoFeacutelix AVC-HTU FilhaNeta

D F 22 Solteira 0 Auxiliar

Administrativa

Iraacuteraacute AVC-H Irmatilde

72 APRESENTANDO OS FAMILIARES

Esta apresentaccedilatildeo tem o intuito de traccedilar um perfil soacutecio-demograacutefico dos familiares dos

pacientes em questatildeo objeto principal deste estudo Os familiares abordados eram em sua

maioria do sexo feminino com idade variando entre 25 e 68 anos Trecircs familiares eram

casados trecircs trabalhavam e apenas uma residia em Salvador Dois dos pacientes estavam

sendo acompanhados por mais de um familiar entretanto em ambos os casos apenas um se

mostrava mais presente e participativo sendo por este motivo convidado a participar do

estudo Diante disso natildeo houve um grau de parentesco predominante nos atendimentos

(Quadro III)

52

QUADRO III ndash Descriccedilatildeo soacutecio-demograacutefica dos familiares de pacientes viacutetimas de AVC

2010

Paciente Acompanhante Sexo Idade Estado civil Parentesco Residecircncia

A A1 F 28 Casada Cunhada Salvador

B B1 M 68 Casado Marido Iraacuteraacute

C C1 F 48 Casada Filha Satildeo Feacutelix

D D1 F 25 Solteira Irmatilde Iraacuteraacute

53

8 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

A seguir seratildeo apresentadas as famiacutelias e os sujeitos entrevistados contextualizando a histoacuteria

de adoecimento bem como aspectos da vida pessoal dos pacientes e familiares abordados

81 CONTEXTUALIZANDO AS FAMIacuteLIAS

bull Famiacutelia A

A Sra A eacute paciente do sexo feminino de 22 anos casada haacute quatro anos com P (26 anos) com

quem tem um filho de quatro anos Caccedilula de uma famiacutelia de quatro irmatildeos todos jaacute casados

reside em Salvador haacute poucos dias com o cunhado (irmatildeo do marido) e a cunhada no bairro de

Castelo Branco Anteriormente residia em RecifePE com o marido e filho onde era estudante

do 1ordm grau seu marido veio para Salvador pois aqui conseguiu trabalho como auxiliar de

obras ela entatildeo decidiu acompanhaacute-lo e tentar uma nova vida atraveacutes do trabalho Seu filho

ficou em Recife com a avoacute materna e deveria vir posteriormente quando o casal estivesse

estabelecido Dias apoacutes sua chegada a esta cidade A apresentou dor de cabeccedila e desmaio

sendo levada a um posto de sauacutede pelo marido cunhado e cunhada onde evoluiu com quadro

comatoso sendo entatildeo transferida agrave UTI do Hospital Espanhol e diagnosticada com AVC

isquecircmico A sra A1tem 28 anos eacute cunhada da paciente e foi a familiar que acompanhou o

internamento pois era a uacutenica que tinha disponibilidade jaacute que o marido e cunhado da

paciente trabalhavam o dia todo e chegavam tarde em casa A Sra A1 mantinha contato

restrito com a paciente antes de esta vir a Salvador entatildeo tinha pouco conhecimento sobre a

mesma e sua histoacuteria

bull Famiacutelia B

A Sra B paciente do sexo feminino de 58 anos casada com o Sr B1 (68 anos) tem quatro

filhos homens com idades entre 19 e 26 anos dos quais apenas um eacute casado e mora em sua

proacutepria casa a famiacutelia reside em IraacuteraacuteBA Sra B eacute pastora em sua cidade descrita por seus

familiares como uma mulher muito ativa e envolvida em vaacuterias causas solidaacuterias ldquouma

mulher que natildeo se abalava com nadardquo (SIC) Seu quadro instalou-se de forma suacutebita apoacutes

episoacutedio de forte dor de cabeccedila seguida de desmaio Foi levada a um hospital em sua cidade

sendo transferida de ambulacircncia para Salvador e encaminhada agrave UTI deste hospital evoluindo

com quadro comatoso e diagnoacutestico de AVC Isquecircmico Sr B1 juntamente com dois dos

54

quatro filhos do casal acompanhou o internamento Por natildeo serem de Salvador

permaneceram hospedados em casa de familiares durante a hospitalizaccedilatildeo

bull Famiacutelia C

O SrC eacute paciente do sexo masculino 72 anos reside sozinho em Satildeo FeacutelixBA Viuacutevo haacute

alguns anos tem trecircs filhos um homem e duas mulheres (destas uma reside em outra cidade)

Tem uma vida ativa eacute independente trabalha em uma loja de alimentos no setor de

almoxarifado Sofreu instalaccedilatildeo suacutebita do quadro e ldquocaiu inconsciente de repenterdquo (SIC)

Inicialmente foi levado a um hospital em sua cidade e posteriormente encaminhado agrave UTI

deste hospital onde foi diagnosticado com AVC e posteriormente tumor cerebral Sr C jaacute

havia sofrido um episoacutedio de AVC anos antes poreacutem de pequenas proporccedilotildees e sem deixar

sequumlelas Sra C1 eacute uma das trecircs filhas do paciente e veio de Satildeo Feacutelix junto com sua filha

para acompanhar o internamento ambas encontravam-se hospedadas na casa de uma prima

os demais familiares natildeo puderam acompanhar pois estavam trabalhando

bull Famiacutelia D

A Srta D paciente do sexo feminino 22 anos solteira sem filhos eacute a caccedilula de seis irmatildeos

reside com os pais e irmatildeos na zona rural em IraacuteraacuteBA Trabalha em uma loja desempenhando

funccedilatildeo administrativa Descrita pela familiar como uma pessoa ldquonormalrdquo ou seja saudaacutevel

sem problemas de sauacutede anteriores Apresentou dor de cabeccedila suacutebita foi levada ao hospital

em sua cidade onde disseram tratar-se de um ldquocaso graverdquo (SIC) e encaminhada de

ambulacircncia agrave Salvador para a UTI deste hospital admitida com niacutevel de consciecircncia

comatoso foi diagnosticada com AVC hemorraacutegico Sra D1 tem 25 anos eacute irmatilde da paciente

e a uacutenica familiar que veio do interior acompanhar o internamento os pais natildeo vieram em

funccedilatildeo do desgaste emocional proporcionado pela situaccedilatildeo e seus irmatildeos natildeo puderam vir em

funccedilatildeo do trabalho aleacutem de dificuldades financeiras Sra D1 estaacute hospedada na casa de um

primo em Lauro de Freitas A paciente evoluiu para oacutebito

82 ELEMENTOS DE ANAacuteLISE E DISCUSAtildeO A FALA DOS SUJEITOS

A partir dos atendimentos algumas informaccedilotildees puderam ser extraiacutedas e servem de ilustraccedilatildeo

aos objetivos propostos pelo trabalho Seratildeo discutidas as principais mudanccedilas duacutevidas

sentimentos dificuldades mecanismos de enfrentamento e atribuiccedilatildeo do quadro por parte dos

familiares de pacientes viacutetimas de AVC

55

As principais mudanccedilas enfrentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Os cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente (i)

- As alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina (ii)

- Estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem (iii)

- A ausecircncia de privacidade (iv)

- Ter que lidar com algo novo (v)

O primeiro item - cuidados que deveratildeo ser oferecidos ao paciente - foi referido por trecircs dos

familiares justamente aqueles que vislumbravam a necessidade futura de prestar cuidados ao

paciente A1 por ser a provaacutevel cuidadora uma vez que o marido da paciente e seu irmatildeo

trabalhavam fora e esta era dona-de-casa e a uacutenica mulher envolvida neste processo B1 por

estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova pois a paciente era uma pessoa bastante

ativa aleacutem de ser a uacutenica mulher do nuacutecleo familiar C1 vislumbrando a reorganizaccedilatildeo

familiar que se anunciava tendo em vista que os filhos mantinham suas proacuteprias vidas em

consonacircncia com a rotina independente adotada pelo paciente apesar da sua idade avanccedilada

ldquoE se eu natildeo cuidar direito delardquo (A1)

ldquoQuem for cuidar dela vai ter que aprender a fazer issordquo (B1)

Essa expectativa dos familiares acerca das provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias em suas rotinas

com o intuito de dedicar aos pacientes os cuidados necessaacuterios ilustra as estatiacutesticas de um

nuacutemero relevante de indiviacuteduos viacutetimas de AVC que apresentam sequumlelas permanentes

exigindo cuidados de terceiros (KILING E WASZYNSKI 1999 CITADOS POR

MARQUES RODRIGUES E KUSOMOTA 2006)

O segundo item - alteraccedilotildees nas atividades diaacuteriasrotina - apresenta quantitativo igual ao

primeiro e justifica-se por motivos semelhantes aos referidos na primeira categoria ilustrando

a percepccedilatildeo dos familiares em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas na rotina decorrentes dos cuidados

dispensados aos pacientes

ldquoAlgueacutem teraacute que se dedicar exclusivamente a ele e esse algueacutem teraacute

que modificar a sua proacutepria vidardquo (C1)

Brito e Rabinovich (2008) em estudo realizado com familiares de pacientes viacutetimas de AVC

o qual entrevistaram os familiares apontam que dentre as principais mudanccedilas vivenciadas

por este grupo estatildeo aquelas relacionadas agraves mudanccedilas na capacidade funcional do indiviacuteduo

56

agraves alteraccedilotildees dos papeacuteis sociais dentro daquele grupo agraves mudanccedilas promovidas no espaccedilo

fiacutesico para receber o paciente agraves mudanccedilas soacutecio-econocircmicas e das relaccedilotildees familiares aleacutem

de uma diminuiccedilatildeo no auto-cuidado da pessoa que assume o papel de cuidador daquele

paciente

O terceiro item - estar em um ambiente estranho estar fora da cidade de origem - foi referido

pelos acompanhantes que residiam fora da cidade de Salvador e estavam no hospital em

funccedilatildeo do adoecimento dos seus familiares Trecircs destes encontravam-se hospedados em casa

de familiares ou conhecidos e destacavam sempre a dificuldade em ter que lidar com o fato de

estarem em uma cidade nova e diferente das suas cidades de origem aleacutem das anguacutestias

proacuteprias do processo de adoecimento Dois entrevistados (B1 e D1) eram da cidade de Iraacuteraacute a

133kms da capital sendo um da cidade e outro da zona rural e um terceiro acompanhante(C1)

era da cidade de Satildeo Feacutelix a 147kms de Salvador

ldquoTaacute aqui eacute bastante cansativo entre os horaacuterios de visitas tem muito

espaccedilo e nem sempre daacute para descansarrdquo (C1)

ldquoNatildeo conheccedilo aqui tenho medo de sair e me perder entatildeo passo o dia

todo aquirdquo (D1)

Eacute importante lembrar que a unidade onde foi realizado este trabalho possui duas recepccedilotildees

onde os familiares aguardam o iniacutecio das visitas estas ocorrem trecircs vezes ao dia agraves 11h agraves

16h e agraves 2030 h sendo as duas primeiras com uma hora de duraccedilatildeo e a uacuteltima com trinta

minutos de duraccedilatildeo A visita da manhatilde eacute seguida do boletim meacutedico durante o qual o meacutedico

plantonista conversa individualmente com cada famiacutelia a sequumlecircncia de chamada dos leitos

alterna-se sendo dias em ordem crescente e dias em ordem decrescente Mesmo utilizando

esta estrateacutegia os boletins meacutedicos tendem a ser longos e habitualmente se encerram por volta

de 13 h como muitos familiares residem longe do hospital ou natildeo possuem meio de

transporte particular optam por aguardar a visita seguinte no proacuteprio hospital o que acaba

potencializando o cansaccedilo fiacutesico e desgaste emocional dos mesmos

O desconforto diante de um ambiente estranho foi igualmente relatado pelos acompanhantes

dos pacientes ao se referirem ao hospital e mais especificamente agrave unidade de terapia

intensiva definindo esta como ambiente como novo e assustador

ldquoNunca estive em uma UTI no iniacutecio eacute um pouco assustador depois a

gente melhorardquo (A1)

ldquoFicamos muito assustados quando falaram no hospital que ela

precisava ir para UTIrdquo (B1)

57

ldquoUTI sempre assusta as pessoasrdquo (C1)

ldquoEacute a primeira vez que ela se interna na UTI isso deixou todo mundo

preocupadordquo (D1)

Esses dados reforccedilam os achados no estudo de Urizzi e outros (2008) no qual a vivecircncia em

UTI de um hospital privado tambeacutem foi interpretada como experiecircncia difiacutecil a unidade foi

percebida como um cenaacuterio temido mas necessaacuterio que acabava possibilitando ao familiar

colocar-se no lugar e perceber o outro

Conforme referido por Lemos e Rossi ldquoA falta de informaccedilatildeo e de conhecimento preacutevio em

relaccedilatildeo ao CTI bem como qual tipo de cliente tendido e quais as suas principais finalidades

satildeo aspectos que geram inseguranccedila e medordquo (2002 p 348) Essa percepccedilatildeo da UTI como

ambiente assustador passa pelo significado soacutecio-cultural difundido por anos e criado a partir

da pouca informaccedilatildeo que as pessoas possuiacuteam sobre esta unidade aleacutem do fato da mesma

receber pacientes em estado grave que em alguns casos acabavam falecendo apesar dos

investimentos terapecircuticos

O quarto item - ausecircncia de privacidade - foi trazido de forma expliacutecita apenas pela

acompanhante A1 Tal expectativa se insere nas provaacuteveis mudanccedilas que ocorreratildeo na rotina

dos familiares e provavelmente foi evidenciado por esta familiar em virtude da menor

aproximaccedilatildeo que tinha com a paciente aleacutem de ter a mesma morando em sua casa

provisoriamente e se constituir como sua provaacutevel cuidadora

ldquoMora eu meu esposo o esposo dela e ela Eu cuido da casa meu

esposo e meu cunhado- o marido dela- trabalham fora soacute chegam agrave

noite () eu to assustada porque ela veio morar na minha casa no

domingo e na terccedila-feira aconteceu isso()Imagino que ela vai

precisar de algueacutem para cuidar delardquo (A1)

O quinto item - ter que lidar com algo novo - foi apresentado pela acompanhante de D que

referia estar diante de uma situaccedilatildeo completamente nova tanto em termos de organizaccedilatildeo

praacutetica por estar fora da sua cidade quanto em termos subjetivos por enfrentar o adoecimento

suacutebito de sua irmatilde e ter que ser a porta voz das notiacutecias aos demais familiares

ldquoFoi muito difiacutecil nunca tinha presenciado nada igual () tocirc com um

pouco de medo() a gente mora no interior entatildeo eu tocirc na casa de um

primo nosso e meus outros irmatildeos natildeo podem vir porque trabalham()

meus pais satildeo muito nervosos e natildeo conseguiriam ficar aqui muito

58

tempo entatildeo eu fico a frente de tudo mas quando saio daqui ligo

dando noticias pra elesrdquo (D1)

A doenccedila aguda tem como uma de suas principais caracteriacutesticas o fato de ser algo inesperado

que mobiliza os familiares tanto em termos praacuteticos quanto subjetivos obrigando-os a

promover mudanccedilas na tentativa de adequar-se agrave nova realidade e poder vivenciaacute-la de forma

menos agressiva (ROMANO 2008 CARTER E McGOLDRICK 1995)

As principais duacutevidas apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do AVC

relacionavam-se a

- Quais as possiacuteveis sequumlelas (i)

-Qual a gravidade do quadro chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

-Quais os riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico (iii)

- Como proceder diante de um novo episoacutedio (iv)

- Que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia (v)

- Que fatores teriam desencadeado tal quadro (vi)

A possibilidade de sequumlelas foi a duacutevida mais expressa pelos entrevistados (primeiro item)

Trecircs dos familiares mostraram-se apreensivos diante da chance de ter que lidar com mudanccedilas

funcionais em seus pacientes especialmente aquelas que interferem de maneira direta na

autonomia e independecircncia dos mesmos

ldquoSeraacute que ela vai acordarrdquo (A1)

ldquoSeraacute que ela vai voltar ao normalrdquo (B1)

ldquoSeraacute como receber um bebecircrdquo (C1)

A permanecircncia de sequumlelas incapacitantes impotildee aos pacientes uma seacuterie de limitaccedilotildees

motoras sensitivas sensoriais cognitivas mudanccedila de personalidade comportamento e na

comunicaccedilatildeo gerando muitas vezes uma dependecircncia de terceiros que vai desde um auxiacutelio

para movimentaccedilatildeo ateacute a administraccedilatildeo da vida pessoal e familiar o que caracteriza o AVC

como uma doenccedila crocircnica que traz incapacidades deficiecircncias e desvantagens (SILVA 1995

apud PERLINI E FARO 2005 COUGHLAN E HUMPHREY 1982 SILIMAN

FLETCHER E WAGNER 1986 WILLIAMS E FREER 1986 CITADOS POR BOCCHI

2004)

59

Brito e Rabinovich (2008) Mendonccedila Garanhani e Martins (2007)Perlini e Faro (2004) em

seus estudos realizados com familiares e cuidadores de pacientes viacutetimas de AVC relatam as

sequumlelas de ordem funcional como uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pois

exigem grande esforccedilo fiacutesico aleacutem do desgaste emocional Vestir cuidar da higiene

alimentar satildeo apenas algumas das atividades desempenhadas por este grupo composto em sua

maioria por mulheres que dado o seu caraacuteter soacutecio-cultural tendem a assumir grande parte

dos cuidados

A ideacuteia de comparaccedilatildeo entre o indiviacuteduo sequelado de AVC e uma crianccedila receacutem-nascida

tambeacutem eacute algo recorrente nesses estudos a exemplo do que foi referido por uma das

familiares no presente trabalho

O item gravidade do quadrosobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente foi referido por dois dos

familiares justamente aqueles acompanhantes dos pacientes cujo prognoacutestico desfavoraacutevel

vinha sendo repetidamente mencionado pela equipe (familiares de B e D)

ldquoSeraacute que com algum tratamento ela pode voltar a ser independenterdquo

(B1)

ldquoTocirc com um pouco de medordquo (D1)

O terceiro item referente aos riscos e consequumlecircncias do procedimento ciruacutergico foi apontado

pelos acompanhantes C1 e D1 os uacutenicos cujos pacientes naquele momento apresentavam

indicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo ciruacutergica (retirada de TU Cerebral e craniotomia respectivamente

As principais duacutevidas giravam em torno das chances de sobrevivecircncia agrave cirurgia bem como

aos riscos e cuidados no poacutes-operatoacuterio Lembrando ainda que ambas tratam-se de cirurgias

agressivas e visualmente impactantes para quem as acompanha

ldquoAh a gente sempre fica em duacutevida se deve operar ou natildeo ele eacute idoso

natildeo sei quanto tempo leva pra se recuperarrdquo (C1)

ldquoO que mais pode acontecerrdquo (D1)

O quarto item traz uma duacutevida especiacutefica da acompanhante de A - como proceder diante de

um novo episoacutedio - e relacionar-se ao medo que estes familiares tem de que o quadro se

repita

ldquoo que eu faccedilo se ela tiver outra crise dessas () ela natildeo fala natildeo sei

o que estaacute sentindo e eu conheccedilo pouco elardquo (A1)

O quinto item - que mudanccedilas seratildeo necessaacuterias agrave famiacutelia - mencionado pela acompanhante

de C aponta a duacutevida em como lidar com as provaacuteveis mudanccedilas necessaacuterias agrave famiacutelia jaacute que

os filhos estavam acostumados agrave independecircncia do paciente fato previamente referido

60

ldquoEle mora sozinho sempre foi independente natildeo sei como vai ser

agorardquo (C1)

O sexto item - que fatores teriam desencadeado tal quadro - foi referido unicamente pela

acompanhante de D ao questionar o que poderia ter causado o referido quadro justificando

sua incompreensatildeo com o fato de a paciente ser jovem e natildeo ter antecedentes que indicassem

a patologia atual

ldquoEla nunca foi internada mas jaacute sentia dor de cabeccedila e ia no posto

tomava remeacutedio e passava()Eu achava que era uma coisa e foi outra

() Ela sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute

mandaram para salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos

porquerdquo(D1)

Ainda sobre isso especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas

da doenccedila e natildeo procura o meacutedico Em 2008 uma pesquisa do Hospital das Cliacutenicas da USP

de Ribeiratildeo Preto (Universidade de Satildeo Paulo) perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades

de Ribeiratildeo Preto Satildeo Paulo Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC Somente

156 dos entrevistados sabiam o significado da sigla Sendo que a maioria dos entrevistados

confundiu a doenccedila com paralisia congestatildeo trombose ou nervosismo

Os principais sentimentos apresentados pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Medo da ocorrecircncia de novos eventos (i)

- Ansiedade frente agrave indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo do paciente (ii)

- Medo da morte (iii)

- Mobilizaccedilatildeo diante da gravidade do quadro (iv)

- Ansiedade frente agrave necessidade de permanecer muito tempo no hospital (v)

- Assustado com o quadro cliacutenico (vi)

- Medo das possiacuteveis sequumlelas (vii)

- Anguacutestia frente ao sofrimento e desgaste do paciente (viii)

- Ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (ix)

O medo foi um dos sentimentos mais referidos pelos entrevistados medo da ocorrecircncia de

novos eventos (A1 e B1) medo da morte (B1 e D1) e medo das possiacuteveis sequumlelas (B1)

Observa-se que a questatildeo da morte a possibilidade de sequumlelas foram apontados como

principais duacutevidas por estes mesmos familiares no item anterior colocando tais indagaccedilotildees

como fontes geradoras de medo reforccedilando a importacircncia de se manter uma comunicaccedilatildeo

61

linear e clara por toda a equipe se fazendo entender pelos familiares envolvidos neste

processo

A comunicaccedilatildeo entre equipe e pacientes e familiares eacute alvo de estudos (CARDOSO e

NASCIMENTO 2010 MORITZ 2007 DELLACQUA 1997) nos quais destaca-se com

frequumlecircncia a necessidade de uma informaccedilatildeo que ldquocaibardquo no entendimento de quem a recebe

ou seja eacute importante que o emissor possua o miacutenimo de conhecimento possiacutevel acerca da

histoacuteria de vida do seu paciente bem como as expectativas dos familiares que o acompanham

Muitas vezes o fato de a percepccedilatildeo dos familiares ser distinta da real condiccedilatildeo do doente traz

seacuterias consequumlecircncias ao enfrentamento destes diante de uma situaccedilatildeo de maior gravidade

Outro fator de grande repercussatildeo eacute o fato de que em uma unidade de terapia intensiva as

informaccedilotildees satildeo habitualmente fornecidas pelo meacutedico plantonista durante as visitas eou

boletins meacutedicos Deste modo cada um deles acaba se utilizando de recursos e caracteriacutesticas

pessoais para informar aos familiares estes por sua vez acabam oscilando a sua compreensatildeo

e ateacute mesmo percepccedilatildeo do quadro cliacutenico em funccedilatildeo da grande rotatividade de profissionais

com quem se relacionam Portanto para se garantir a linearidade do processo de

comunicaccedilatildeo eacute fundamental que a equipe realize um trabalho conjunto discutindo entre si o

conteuacutedo e a forma de relatar aos familiares

Em seguida aparece a sensaccedilatildeo de ansiedade diante da indefiniccedilatildeo do quadro e recuperaccedilatildeo

do paciente (B1 e C1) ansiedade diante da necessidade de permanecer muito tempo no

hospital (B1) e ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina (C1)

ldquoEu tocirc muito preocupado com ela tocirc ansiosordquo (B1)

ldquoEle taacute internado aqui toma os remeacutedios mas a gente natildeo vecirc

resultadordquo (C1)

Surgiu ainda o sentimento de mobilizaccedilatildeo ante a gravidade do quadro (B1) um acompanhante

assustado com o quadro cliacutenico (A1) e um acompanhante angustiado frente ao sofrimento e

desgaste do paciente (C1)

ldquoTaacute sendo muito difiacutecil a gente natildeo esperava esse quadrordquo (B1)

ldquoFico assustada natildeo sei exatamente o que aconteceurdquo (A1)

ldquoEle jaacute eacute de idade e ainda taacute passando por issordquo (C1)

O medo da morte foi referido pelos acompanhantes de B e D cujos pacientes apresentavam-se

em condiccedilatildeo cliacutenica muito grave conforme referido pela equipe

ldquoA gente sempre fica com medo os meacutedicos toda hora dizem que o que

ela tem eacute graverdquo (D1)

62

Eacute importante perceber ainda o impacto que uma perda produz natildeo soacute na unidade familiar

como um todo mas tambeacutem no desenvolvimento individual dos membros que a constituem

Para as diferentes etapas do ciclo vital a adaptaccedilatildeo de uma famiacutelia a uma situaccedilatildeo de perda

parece caracterizar-se por certas regularidades sistecircmicas aleacutem de existir a possibilidade de

algumas orientaccedilotildees serem mais funcionais em uma etapa do que em outra Sobre isso Walsh

e McGoldrick 1991destacam que ldquoo impacto da perda varia de acordo com a etapa do ciclo

vital em que esteja a famiacutelia e a natureza da relaccedilatildeo perdidardquo (p437)

As principais dificuldades apresentadas pelos familiares de pacientes apoacutes a ocorrecircncia do

AVC foram

- Ter que lidar com o paciente em coma (i)

- Conhecer pouco a paciente (ii)

-Ter que lidar com a reorganizaccedilatildeo familiar (iii)

- Ter que transmitir as notiacutecias aos demais familiares (iv)

A principal dificuldade apontada pela maioria dos entrevistados (A1 B1 e D1) refere-se agrave

questatildeo da comunicaccedilatildeo inviabilizada pelo estado de coma em que se encontrava o paciente

No estado de coma haacute a perda total ou parcial do niacutevel de consciecircncia da motricidade

voluntaacuteria e da sensibilidade no presente estudo os pacientes encontravam-se comatosos em

funccedilatildeo do seu quadro cliacutenico Os acompanhantes destacavam que o incocircmodo vinha do fato

de o estado de coma destoar do perfil anterior dos pacientes aleacutem do fato de natildeo obter

respostas mesmo diante de estimulaccedilatildeo

ldquoEla natildeo fala natildeo sei o que estaacute sentindo e conheccedilo pouco elardquo (A1)

ldquoO mais difiacutecil eacute ver ela desacordada o tempo todordquo (D1)

Estudo realizado por Panhoca e Rodrigues (2009) aponta que a pior qualidade de vida em

termos emocionais eacute aquela observada em pais e matildees de afaacutesicos o que de certa forma

reforccedila a ideacuteia do grande desgaste emocional que permeia as relaccedilotildees entre familiares e

pacientes que possuam alguma alteraccedilatildeo que comprometa a comunicaccedilatildeo entre ambos

Os principais mecanismos de enfrentamento utilizados pelos familiares de pacientes apoacutes a

ocorrecircncia do AVC foram

-Apropriaccedilatildeo de conhecimentoPostura participativa (i)

63

- Adoccedilatildeo de praacuteticas religiosas (ii)

- Conversas com a paciente (iii)

Todos os acompanhantes referiram estar sempre buscando informaccedilotildees junto agrave equipe com o

intuito de compreender melhor o quadro cliacutenico e desta forma contribuir mais para a

recuperaccedilatildeo da paciente o que ilustra uma estrateacutegia de coping centrada no problema O

acompanhante B1 tambeacutem faz uso da religiosidade como forma de suporte (coping centrado

na emoccedilatildeo) o fato de a paciente em questatildeo ser pastora de uma igreja evangeacutelica indica a

forte presenccedila e importacircncia da religiosidade nesta famiacutelia A acompanhante D1 refere que

conversava com a paciente

ldquoTenho tentado vir todos os dias para ouvir os meacutedicos e saber as

notiacuteciasrdquo (A1)

ldquoTenho rezando muito muito mesmo () ela sempre ajudou tanta

gente tenho certeza que Deus vai ajudar ela tambeacutemrdquo (B1)

ldquoEu tento falar com ela e ouccedilo os meacutedicos na hora do boletimrdquo (D1)

Estudos apontam para a religiosidadeespiritualidade como importante forma de

enfrentamento adotada pelas pessoas que se encontram diante de uma situaccedilatildeo de

enfermidade (FORNAZARI e FERREIRA (2010) FARIA e SEIDL (2005) Uma vez diante

de situaccedilotildees de grande sofrimento e desafios haacute a necessidade de lanccedilar-se para aleacutem de suas

proacuteprias capacidades eacute aiacute que a religiosidadeespiritualidade surge como alternativa ao

indiviacuteduo

Aleacutem desta a possibilidade de adquirir o maacuteximo de conhecimento acerca do quadro

enfrentado permite ao familiar se apropriar mais da condiccedilatildeo que enfrenta e desenvolver

recursos para poder lidar com ela

Os familiares de pacientes viacutetimas de AVC analisam a etiologia do adoecimento

A maioria dos acompanhantes natildeo fez associaccedilatildeo do quadro cliacutenico com qualquer fator ou

situaccedilatildeo preacutevia e justificavam isso de diversas formas por ser um quadro que destoa do perfil

ativo da paciente (acompanhante de B) pelo fato de a paciente jaacute ter apresentado sintomas

similares anteriormente (dores de cabeccedila) e ter resolvido de forma simples (acompanhante de

D) pelo fato de o paciente jaacute ter apresentado quadro semelhante antes e ter se recuperado bem

(acompanhante de C) como se o fato de jaacute ter sofrido um AVC o tornasse imune a novos

episoacutedios

64

ldquoEla nunca teve nada de muito grave sentia alguma dor ia para

emergecircncia mas logo voltava para casa natildeo sei por que isso

aconteceurdquo (B1)

Ele tava em casa passou mal ai meu irmatildeo levou pro hospital (ldquo) ele

jaacute teve derrame antes mas natildeo ficou assimrdquo (C1)

ldquoEla sentiu muita dor na cabeccedila foi pro hospital chegou laacute e

mandaram pra salvador dizendo que era grave mas natildeo sabemos por

querdquo (D1)

Apenas uma acompanhante (A) trazia o relato de associaccedilatildeo do quadro cliacutenico a uma situaccedilatildeo

de conflito vivenciada com o marido lembrando que tal atribuiccedilatildeo era feita pela famiacutelia de

origem da paciente que se encontrava fora de Salvador

ldquoNatildeo sei o que aconteceu mas sei que aconteceu alguma coisa na

terra deles e ela veio pra caacute pra acompanhar o marido deixou um filho

de quatro anos com os avoacutes () A famiacutelia em Recife acha que o marido

dela eacute que eacute o responsaacutevel e tatildeo esperando que ele resolva as coisasrdquo

(A1)

A natildeo atribuiccedilatildeo a causa especiacutefica pode estar relacionado ao fato de tal questionamento

ocorrer no momento inicial do internamento onde os familiares ainda estatildeo tomados pela

surpresa do quadro e esta mobilizaccedilatildeo impedir o distanciamento necessaacuterio agrave compreensatildeo da

situaccedilatildeo enfrentada Pode ser influenciado ainda pelo pouco conhecimento que algumas

pessoas possuem em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees que possam predispor tal patologia

65

9 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Acidente vascular cerebral e unidade de terapia intensiva satildeo termos permeados de valores

preacute-concebidos e sentimentos que povoam o imaginaacuterio e a realidade de quem jaacute passou por

elas e a de quem nunca imaginava passar Atraveacutes dos relatos obtidos neste trabalho foi

possiacutevel observar que mesmo com a gama de informaccedilotildees e esclarecimentos sobre o ambiente

de UTI a ocorrecircncia de um AVC muitas das fantasias culturalmente e socialmente difundidas

continuam presentes e podem tanto ser desmistificadas quanto reforccediladas de acordo como a

experiecircncia vivenciada

As falas que constituiacuteram este trabalho ilustram parte do que eacute enfrentado pelos familiares que

repentinamente passam a ter seus entes queridos ldquorefeacutensrdquo de uma patologia que pode impor

limitaccedilotildees motoras e inviabilizar a comunicaccedilatildeo aleacutem de exigir internamento em uma

unidade hospitalar que eacute caracterizada como um ambiente impessoal que lhes impede uma

proximidade constante

Ter um parente em uma condiccedilatildeo cliacutenica instalada abruptamente e precisar deixaacute-lo ldquosozinhordquo

em uma unidade sob o cuidado de pessoas estranhas certamente eacute uma das situaccedilotildees

norteadoras deste trabalho que buscou conhecer a condiccedilatildeo enfrentada pelos familiares no

momento inicial do adoecimento talvez o mais impactante e assustador de todos

Neste estudo os pacientes acometidos pelo AVC apresentaram como semelhanccedila o fato de

serem pessoas que tinham sua autonomia preservada mas que apoacutes a ocorrecircncia do AVC

ficaram com seus niacuteveis de consciecircncia comprometidos o que trouxe grandes implicaccedilotildees

para as relaccedilotildees que mantinham com seus acompanhantes Outro ponto em comum foi o fato

de a maioria destes pacientes serem de cidades do interior que foram encaminhadas para

Salvador pelas unidades de sauacutede a que recorreram no momento do acidente

Em relaccedilatildeo ao perfil dos familiares abordados os resultados encontrados reforccedilam o que eacute

visto na literatura os cuidadores familiares foram predominantemente pessoas do sexo

feminino tanto casadas quanto solteiras mas que desde o internamento jaacute assumem os

cuidados aos enfermos

O fato de estar na condiccedilatildeo de acompanhante de um paciente viacutetima de AVC cujo quadro foi

instalado de modo suacutebito e com consequumlecircncias limitantes sendo necessaacuterio o

encaminhamento a outra localidade e o internamento em uma unidade complexa trouxe

muitas implicaccedilotildees aos familiares desse estudo As principais delas relacionaram-se agraves

66

mudanccedilas vividas e esperadas agraves duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estava sendo vivenciado aos

sentimentos que permearam este processo agraves dificuldades em lidar com ele e as estrateacutegias

utilizadas para enfrentaacute-lo

As principais mudanccedilas referidas pelos familiares nesta etapa do internamento relacionavam-

se agraves provaacuteveis alteraccedilotildees que precisariam promover em suas rotinas especialmente para

poder ofertar os cuidados necessaacuterios aos pacientes apoacutes a alta hospitalar o que acabava

restringindo a privacidade daqueles que jaacute ocupavam ou passariam a ocupar o mesmo espaccedilo

que os doentes

O fato de estar em um ambiente estranho ndash o hospital - e fora da sua cidade de origem

tambeacutem surgia como uma mudanccedila relevante e ajuda a ilustrar a realidade daquelas famiacutelias

que por natildeo possuiacuterem assistecircncia de sauacutede adequada em sua localidade precisam se dirigir

aos grandes centros e contar com o apoio de parentes e amigos que laacute residem para recebecirc-los

em suas casas e acompanhaacute-los durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo

O acometimento pelo AVC era uma realidade nova para a maioria dos pacientes e acabava

por suscitar algumas duacutevidas nos familiares dentre as quais se destacaram aquelas

relacionadas agraves possiacuteveis sequumlelas apoacutes a ocorrecircncia do AVC agrave gravidade do quadro agraves

chances de sobrevivecircncia e recuperaccedilatildeo do paciente aos riscos no caso de procedimentos

ciruacutergicos ao que poderia ter desencadeado o quadro e como proceder diante de um novo

episoacutedio

A capacidade de mobilizaccedilatildeo provocada pela situaccedilatildeo de adoecimento foi intensa e pode ser

bem ilustrada pelos sentimentos de medo e ansiedade referidos pelos familiares Dentre estes

evidenciou-se especialmente o medo relacionado agrave possibilidade de morte do paciente agrave

possibilidade de sequumlelas apoacutes o AVC e o medo de uma nova ocorrecircncia do quadro

Observou-se tambeacutem sentimentos de ansiedade frente agraves limitaccedilotildees da medicina e agrave

necessidade de permanecer muito tempo no hospital aleacutem de anguacutestia diante do sofrimento

do paciente e da gravidade do quadro cliacutenico

Enfrentar o adoecimento e a hospitalizaccedilatildeo satildeo situaccedilotildees sabidamente difiacuteceis Os familiares

abordados nesse estudo apontaram como uma das suas principais dificuldades o fato de ter

que lidar com os pacientes em coma especialmente por esta condiccedilatildeo destoar completamente

do seu perfil anterior restringindo a comunicaccedilatildeo entre ambos e impedindo aos familiares

saber como se sentem seus pacientes

67

A necessidade de reorganizaccedilatildeo de papeacuteis familiares era algo iminente natildeo soacute diante da

expectativa de receber este paciente em casa apoacutes a alta como tambeacutem para conseguir

acompanhaacute-lo durante o periacuteodo de hospitalizaccedilatildeo adaptando-se agraves rotinas e funcionamento

da UTI

O fato de grande parte dos pacientes serem de cidades do interior tambeacutem influenciava no

quantitativo de pessoas que conseguiam se deslocar para realizar o acompanhamento deste

modo o fato deste familiar ficar com a responsabilidade de informar aos demais sobre o

quadro cliacutenico e prognoacutestico tambeacutem foi apontado como sendo de grande dificuldade

Em relaccedilatildeo agrave experiecircncia de estar acompanhando algueacutem internado em UTI suscitou em

alguns concepccedilotildees preacutevias de ldquoUTI como lugar de morterdquo e ldquoUTI como ambiente frio e

assustadorrdquo Com o desenrolar do internamento alguns puderam promover modificaccedilotildees

nesta ideacuteia inicial e apoacutes conhecer o funcionamento da unidade e suas possibilidades de

tratamento puderam transitar e se relacionar com ela de uma forma mais tranquumlila poreacutem em

outra situaccedilatildeo a associaccedilatildeo de UTI como lugar de perdas foi reforccedilada apoacutes o falecimento de

uma das pacientes do estudo

Para conseguir lidar com um momento tatildeo delicado e que exige tanto das pessoas envolvidas

os familiares adotaram alguns recursos pessoais como estrateacutegias de enfrentamento sendo a

principal delas o uso da religiosidade como suporte Poder contar com um elemento externo

agravequela realidade permitiu aos familiares evoluir para um momento inicial de compreensatildeo e

aceitaccedilatildeo do fato ao mesmo tempo em que este mesmo elemento lhes conferia forccedila e

esperanccedila para enfrentar um momento tatildeo difiacutecil e ainda sem definiccedilatildeo

Adotar uma postura participativa ao longo do internamento obtendo o maacuteximo de

informaccedilotildees e desenvolvendo conhecimento sobre o quadro cliacutenico e prognoacutestico do paciente

tambeacutem foram um auxiacutelio diante desta realidade

Embora seja esta uma experiecircncia difiacutecil poucos familiares conseguiram associar o quadro

desenvolvido a algum fator ou causa especiacutefica talvez pelo fato de estar ainda no momento

inicial do internamento ou mesmo por natildeo possuir conhecimento suficiente sobre o assunto

nem recursos emocionais para relacionaacute-los Em apenas um momento houve esta ligaccedilatildeo e a

ocorrecircncia do AVC foi atribuiacuteda a uma situaccedilatildeo de conflito interpessoal geradora de stress

Alguns dos aspectos que apareceram ao longo do estudo merecem destaque dentre eles a

importacircncia da comunicaccedilatildeo entre equipe de sauacutede e familiar com paciente em UTI

68

Observou-se que proporcionando maior conhecimento aos indiviacuteduos envolvidos neste

processo atraveacutes de informaccedilotildees claras e fornecidas de forma coerente eacute possiacutevel reduzir suas

duacutevidas em relaccedilatildeo ao processo vivenciado promovendo uma consequumlente diminuiccedilatildeo dos

sentimentos de medo e ansiedade que em grande parte se originam a partir das duacutevidas

envolvidas neste processo

Percebeu-se tambeacutem que possibilitar ao familiar um tempo maior de permanecircncia junto ao

seu familiar auxilia-o no entendimento do quadro vivenciado pois atraveacutes do contato o

familiar vai progressivamente internalizando aquela nova realidade e buscando recursos para

lidar com ela

Ter uma estrutura fiacutesica e uma equipe preparada natildeo apenas para receber os familiares mas

principalmente para acolhecirc-los tambeacutem se constitui como um diferencial neste momento

Poder aguardar os horaacuterios de visita e o contato com o meacutedico em um local aconchegante

aleacutem de contar com profissionais especializados que ofereccedilam um espaccedilo de escuta

terapecircutica ajuda a tornar esta vivecircncia menos desgastante tanto fiacutesica quanto

emocionalmente

Muitos dos sentimentos que eclodem neste momento do internamento tecircm relaccedilatildeo com as

duacutevidas e as expectativas de como os acontecimentos iratildeo se desenrolar em um futuro

proacuteximo deste modo eacute vaacutelido tambeacutem oferecer informaccedilotildees gerais em relaccedilatildeo ao

funcionamento da unidade os recursos disponiacuteveis e as funccedilotildees de cada um bem como

dados relacionados aos quadros de AVC e seus possiacuteveis desdobramentos

Este estudo reforccedilou a compreensatildeo de que acompanhar um paciente viacutetima de um

adoecimento suacutebito em uma unidade de terapia intensiva eacute uma situaccedilatildeo de grande

comprometimento Pocircde ainda destacar as principais questotildees que acompanham os familiares

neste momento e sugerir algumas condutas que podem ser adotadas com o intuito de

minimizar o impacto sentido Deste modo o presente estudo contribui de forma importante

para a formaccedilatildeo de profissionais de sauacutede influenciando na oferta de em um atendimento mais

adequado a tal realidade

69

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75

ANEXO 01

ROTINA DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Os atendimentos realizados pelo serviccedilo de psicologia da UTI neuroloacutegica desta instituiccedilatildeo

destinam-se aos pacientes e familiares dos pacientes que encontram-se internados nesta

unidade Especificando o atendimento oferecido aos familiares obedecemos agrave seguinte rotina

No momento em que o paciente eacute internado na UTI e vem acompanhado de algum membro da

sua famiacutelia este eacute abordado pelo profissional do serviccedilo de psicologia que conta com uma

sala proacutepria onde pode realizar os referidos atendimentos de forma sigilosa Habitualmente

neste primeiro contato os familiares chegam com inuacutemeras duacutevidas e sentimentos diversos

que vatildeo do medo e sofrimento ateacute a esperanccedila de recuperaccedilatildeo dos pacientes

O atendimento se daacute de forma semi-estruturada pois ocorre de acordo com a demanda trazida

pelos familiares atendidos embora algumas questotildees sejam abordadas ao longo do contato

com o intuito de conhecer melhor a percepccedilatildeo que o familiar tem em relaccedilatildeo agravequele processo

de adoecimentohospitalizaccedilatildeo bem como suas expectativas em relaccedilatildeo ao mesmo Para

tanto procura-se investigar junto aos familiares as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas em que

vivem a formaccedilatildeo e funcionamento familiares a histoacuteria da doenccedila na vida do paciente em

questatildeo e da sua famiacutelia as possiacuteveis experiecircncias anteriores em relaccedilatildeo ao

adoecimentohospitalizaccedilatildeo como se constitui a rede de apoio familiar desse grupo quais os

haacutebitos e caracteriacutesticas deste paciente qual a visatildeo que os familiares tem em relaccedilatildeo agravequela

situaccedilatildeo de adoecimento especiacutefica aleacutem de observar os recursos que estes utilizam como

forma de enfrentamento e estrateacutegia de adaptaccedilatildeo

O funcionamento do serviccedilo de psicologia ocorre de segunda a sexta-feira em periacuteodo diurno

deste modo haacute a possibilidade de atender aos familiares diariamente caso se observe esta

necessidade Tendo em vista que o tempo de internamento dos pacientes pode variar de dias a

meses dependendo do seu quadro cliacutenico eacute possiacutevel tambeacutem acessar os familiares em

momentos distintos deste processo

O funcionamento e espaccedilo fiacutesico da UTI natildeo possibilitam a permanecircncia de familiares em

tempo integral junto ao leito do paciente deste modo o profissional de psicologia acaba

sendo um dos membros da equipe que manteacutem maior contato com os familiares partilhando

com estes experiecircncias que natildeo chegam a dividir com outros profissionais delineando de

forma mais clara o viacutenculo entre ambos

76

Os atendimentos realizados com pacientes e familiares constam como registro em prontuaacuterio

entretanto neste espaccedilo as informaccedilotildees satildeo mais restritas respeitando o sigilo e a eacutetica

profissional Outros registros mais detalhados de cada um dos atendimentos efetuados com

dados relevantes agrave dinacircmica das famiacutelias e ao modo como estes se colocam ao longo do

processo encontram-se de posse do profissional de psicologia responsaacutevel

77

APEcircNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

FAMILIARES

O Sr (a) estaacute sendo convidado a participar de um estudo realizado com familiares dos

pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva neuroloacutegica no caso a UTIURNC do

Hospital Espanhol

Trata-se de uma pesquisa realizada por uma psicoacuteloga desta unidade O tiacutetulo do estudo eacute

ldquoFamiliares de pacientes com Acidente Vascular Cerebral em Unidade de Terapia Intensiva

neuroloacutegica Impactos do adoecimentordquo e tem como objetivos conhecer o impacto do Acidente

Vascular Cerebral para a realidade familiar identificar sentimentos e duacutevidas bem como as

formas adotadas pelos familiares para enfrentar esta situaccedilatildeo como tambeacutem as accedilotildees das famiacutelias

diante desta situaccedilatildeo aleacutem do intuito de futuramente poder propor um programa de atenccedilatildeo

voltado a estes familiares

O funcionamento habitual desta Unidade de Terapia Intensiva contempla a realizaccedilatildeo de

atendimentos psicoloacutegicos individuais de forma sigilosa na sala do referido serviccedilo

(localizada no mesmo espaccedilo fiacutesico que a Unidade de Terapia Intensiva) Deste modo natildeo

seraacute necessaacuterio que o Sr(a) preste outras informaccedilotildees retorne ao hospital ou marque outro

momento para participar do estudo ndash o estudo se basearaacute no atendimento realizado

rotineiramente

Sua participaccedilatildeo neste estudo eacute muito importante e ocorreraacute dentro do seu periacuteodo de

permanecircncia nesta instituiccedilatildeo Para tanto eacute necessaacuteria a sua concordacircncia e assinatura do

TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que deveraacute ocorrer antes do iniacutecio dos

atendimentos lembrando que a sua aceitaccedilatildeo ou recusa em qualquer tempo natildeo resultaraacute em

mudanccedilas nos atendimentos recebidos pelo Serviccedilo de Psicologia

Caso surjam perguntas sobre o estudo a psicoacuteloga responsaacutevel se compromete a acompanhar e

responder quando possiacutevel agraves duacutevidas e necessidades das famiacutelias Em tempo informamos que

os resultados estaratildeo disponiacuteveis para o conhecimento do Sr(a) apoacutes a finalizaccedilatildeo do estudo

Dados do pesquisador Joana Galdieri Torres psicoacuteloga CRP 03-02723 Telefones para

contato (71) 3264- 8916 e 8711- 5820

78

Este estudo foi aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Espanhol- HE

Declaro que apoacutes convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi

explicado consinto em participar do presente protocolo de pesquisa

Nome________________________________________________________________________

__

Data de Nascimento _________ Sexo M ( ) F ( )

Documento de Identidade ________________

Endereccedilo

_______________________________________________________________________

Telefones para Contato

___________________________________________________________

Iniciais ___________ Registro na Pesquisa __________ (Preenchido pelo pesquisador)

Salvador _______ de ____________________ de 2010

_____________________________ _____________________________

Assinatura do participante do estudo Assinatura do pesquisador

79

APEcircNDICE B

ROTEIRO DE ATENDIMENTO DO SERVICcedilO DE PSICOLOGIA

Algumas questotildees que norteiam os atendimentos de psicologia no contexto de unidade de

terapia intensiva

Como o senhor se sente em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento

Como estaacute sendo passar por esta experiecircncia de adoecimentointernamento para o senhor

Eacute a primeira vez que sua esposa adoece Eacute o primeiro internamento dela Como foram as

outras vezes EM que sua esposa adoeceu

O senhor poderia me contar o que houve O senhor tem alguma ideacuteia do que possa ter

provocado isso

O senhor jaacute sabia alguma coisa sobre essa doenccedila que sua esposa estaacute enfrentando O que

O senhor tem duacutevidas em relaccedilatildeo ao que estaacute acontecendo neste momento Que duacutevidas satildeo

essas

Como o senhor imagina que seratildeo as coisas daqui pra frente

Como eacute a sua esposa

Outras pessoas da sua famiacutelia jaacute passaram por situaccedilotildees semelhantes

Como foram estas outras experiecircncias para o senhor

Como estaacute sendo este internamento em relaccedilatildeo agraves experiecircncias que a senhora vivenciou

antes

O que tem sido mais difiacutecil para lidar

Como o senhor tem feito para lidar com isso

Haacute outros familiares acompanhando o internamento junto com o senhor

Quem satildeo estas outras pessoas Onde moram

Como o senhor imagina que estaacute sendo para estes outros familiares enfrentar essa situaccedilatildeo

80

Como era a vida da sua famiacutelia antes desse adoecimento

Como tem sido esse periacuteodo aqui na UTI

Como estaacute a rotina da sua famiacutelia desde que a sua esposa precisou ser internada

Como o senhor percebe a sauacutederecuperaccedilatildeo da sua esposa

Qual a sua expectativa a partir de agora

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