universidade catÓlica de pernambuco prÓ...

103
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ-REITORIA ACADÊMICA CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES: UM ESTUDO SOBRE BRASILEIRAS QUE VIVEM NA SUÍÇA RECIFE-2010

Upload: others

Post on 03-Nov-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO

PRÓ-REITORIA ACADÊMICA

CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER

CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

UM ESTUDO SOBRE BRASILEIRAS QUE VIVEM NA SUÍÇA

RECIFE-2010

Page 2: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER

CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

UM ESTUDO SOBRE BRASILEIRAS QUE VIVEM NA SUÍÇA

Dissertação apresentada no Curso de Mestrado

em Psicologia Clínica, linha de Família e

Interação Social da Universidade Católica de

Pernambuco, como requisito para obtenção do

título de Mestre em Psicologia Clínica.

Orientadora: Dra. Cristina Maria de Souza Brito Dias

RECIFE-2010

1

Page 3: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:
Page 4: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER

CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

UM ESTUDO SOBRE BRASILEIRAS QUE VIVEM NA SUÍÇA

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________________

Profa. Dra. Cristina Maria de Souza Brito Dias

(Orientadora – UNICAP)

__________________________________________________

Profa. Dra. Maria Cristina Lopes de Almeida Amazonas

(UNICAP)

__________________________________________________

Profa. Dra. Maria da Penha de Lima Coutinho

(UFPB)

Recife/2010

2

Page 5: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

DEDICATÓRIA

Aos meus pais Armando e Conceição,

ao meu marido Roberto e a nossa filha Emily!

3

Page 6: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

AGRADECIMENTOS Aos meus queridos pais, Armando e Conceição, por sempre acreditarem que estudar faz

diferença. E apesar de todas as dificuldades, nunca nos deixaram desistir deste caminho. A

vocês, tudo que eu disser seria pouco! Muito obrigado.

Ao meu querido marido Roberto, por toda a sua dedicação e incentivo constante. Seu exemplo

de superação e persistência é uma fonte de inspiração para minha vida.

A minha querida filha Emily, companheira e amiga de todas as horas. Você ilumina a minha

caminhada e é um grande presente de Deus em minha vida.

A todas as minhas irmãs e ao meu irmão, assim como aos meus sobrinhos e sobrinhas, por me

fazer pertencer a um vínculo de amor e união familiar.

A minha orientadora, professora Dra. Cristina Maria de Souza Brito Dias, que com sua

dedicação, competência e apoio, tornaram a conclusão desta dissertação possível. A você

minha gratidão, admiração e amizade.

Aos meus amigos, Ana Paula e Stefan Steiner, assim como aos meus cunhados, Betty e Zito,

pela amizade e acolhida na ocasião de nossa viagem a Suíça, para a realização das entrevistas.

A todas as participantes desta pesquisa, que se disponibilizaram a compartilhar conosco seu

tempo e suas experiências, o meu muito obrigado. Sua participação foi valiosa e tornou esta

pesquisa possível.

Por último, mas acima de tudo e de todos, agradeço a Deus pelo dom da vida, da fé, da

esperança e do amor!

4

Page 7: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo analisar e identificar como se deu o processo de migração de

mulheres brasileiras a Suíça, que vieram a casar-se com suíços e as repercussões desse casamento em

suas vidas. Nesta perspectiva, foram considerados os aspectos relacionados às motivações para a

migração e as dificuldades enfrentadas ao chegar; as circunstancias em que conheceram seus maridos;

a adaptação ao país, à família do cônjuge e ao próprio casamento e, finalmente, os sentimentos

experimentados e as necessidades sentidas. O trabalho está dividido em três artigos, sendo um teórico

e dois empíricos. O primeiro apresenta um breve levantamento histórico sobre o casamento e as

transformações que esta instituição vem sofrendo ao longo do tempo. O segundo artigo procura

investigar as motivações da migração e como as participantes vieram a se casar. O terceiro artigo

estuda o casamento intercultural, entre brasileiras e suíços, e as repercussões desse casamento em suas

vidas. A metodologia é baseada na abordagem qualitativa. Foram entrevistadas doze mulheres que

vivem na parte alemã da Suíça. A análise dos dados foi realizada a partir da Análise de Conteúdo

Temática. Os resultados indicam que as motivações das participantes para a migração estão

relacionadas à procura de melhores oportunidades de vida ou por terem se apaixonado por um suíço.

Algumas se casaram para permanecer no país, outras por amor. Entretanto, de maneira geral, as

dificuldades encontradas no casamento são semelhantes: dificuldades com o idioma, a mentalidade

suíça, a criação dos filhos, a religião e com os familiares.

Palavras-chave: Casamento; migração; relacionamento intercultural.

5

Page 8: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

ABSTRACT

This dissertation aims to analyze and identify the process of migration of Brazilian women to

Switzerland who came to marry with Swiss men and the repercussions of this marriage in their lives.

In this perspective were considered the aspects related to the motivations for the migration and the

difficulties at the arrival; the circumstances at meeting their husbands; the adaptation to the country, to

the family in law and to the marriage itself; and finally the feelings experienced and the needs felt. The

research is divided into three articles, one theoretical and two empirical. The first one presents a brief

historical uprising about marriage and the transformation this institution has been suffering a long

time. The second article searches to investigate the motivations of the migration and how the

participants came to marry. The third article studies the intercultural marriage between Brazilian

women and Swiss men, and the repercussions of this marriage in their lives. The methodology was

based in a qualitative approach. Twelve Brazilian women who are married with Swiss men and live in

Switzerland in the German part were interviewed. The appreciation of the data was realized with

Minayo´s Content Analysis. The results indicate that the motivations for the migration of the

participants are related to the search of better life opportunities or for falling in love with a Swiss.

Some married for staying in the country, other married because of love. Nevertheless, in general, the

difficulties found in marriage were similar: difficulties with the language, swiss way of thinking,

children education, religion and relatives.

Keywords: Marriage; migration; intercultural relationship

6

Page 9: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

SUMÁRIO

Introdução............................................................................................................................... 09

Artigo Teórico I – CASAMENTO E FAMÍLIA: UMA RETROSPECTIVA SÓCIO-

HISTÓRICA........................................................................................................................... 12

Resumo........................................................................................................................ 12

Abstract....................................................................................................................... 13

Introdução................................................................................................................... 14

Breve histórico do casamento.................................................................................... 15

Casamento e família no Brasil................................................................................... 19

Casamento e família hoje........................................................................................... 21

Considerações finais................................................................................................... 23

Referências.................................................................................................................. 24

Artigo Empírico II – GLOBALIZAÇÃO, MIGRAÇÃO E MULHERES: AS

BRASILEIRAS NA SUÍÇA................................................................................................ 25

Resumo........................................................................................................................ 25

Abstract....................................................................................................................... 26

Introdução................................................................................................................... 27

Migração...................................................................................................................... 28

Um olhar sobre a Suíça.............................................................................................. 32

Migração de mulheres................................................................................................ 34

Brasileiras na Suíça.................................................................................................... 36

Método........................................................................................................................ 38

Análise e discussão dos resultados............................................................................ 41

Considerações finais................................................................................................... 52

Referências.................................................................................................................. 54

Artigo Empírico III – CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

BRASILEIRAS CASADAS COM SUÍÇOS........................................................................ 57

Resumo........................................................................................................................ 57

Abstract....................................................................................................................... 58

Introdução................................................................................................................... 59

Peculiaridades do casamento intercultural.............................................................. 60

Brasileiras casadas com suíços.................................................................................. 68

Método......................................................................................................................... 72

7

Page 10: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

8

Análise e discussão dos resultados............................................................................ 74

Considerações finais................................................................................................... 86

Referências.................................................................................................................. 87

Considerações Finais.............................................................................................................. 90

Referências.............................................................................................................................. 92

Anexos...................................................................................................................................... 97

Anexo A – Termo de consentimento livre e esclarecido........................................... 98

Anexo B – Roteiro de Entrevista............................................................................ 100

Anexo C – Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa........................................ 101

Page 11: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

INTRODUÇÃO

Entre os anos de 1987 e 2008, a primeira autora teve a oportunidade de viver na Suíça.

Em um país assim tão diferente do Brasil, logo pudemos perceber que a diversidade cultural é

uma realidade inegável: um país em que um atraso de cinco minutos é uma ofensa e um atraso

de 15 minutos é imperdoável, mostra que a diferença de valores culturais pode gerar muitos

desentendimentos. Pensamos, então, no quanto os brasileiros que vivem na Suíça precisam se

adaptar a esta diferença cultural. Em termos gerais, enquanto nós falamos muito, eles

preferem o silêncio a falar sem medir as consequências. Enquanto os suíços preferem o

tratamento formal, em que as pessoas são tratadas por senhor ou senhora, acompanhadas do

sobrenome e não pelo primeiro nome, ou, ao serem apresentadas, estendem a mão, inclusive

às crianças, nós, brasileiros, preferimos a informalidade e nos cumprimentamos com beijos e

abraços. Para um brasileiro que está na Suíça apenas de férias, já é possível observar estas

características de diferença cultural. Porém, quanto maior for o tempo que este lá permanecer,

maiores serão as diferenças culturais vivenciadas.

Damatta (2001), antropólogo brasileiro, caracteriza o Brasil como um país receptivo,

possuidor de um povo caloroso e afetivo, que concilia o moderno e o tradicional. Já no

continente europeu, os países são conhecidos por terem sociedades qualificadas como

"racionais", que suportam com dificuldade a ambigüidade e a ambivalência. Segundo

Laplatinne (1994), para pensar, os europeus precisam distinguir entre o antes e o depois, o

estrangeiro e o autóctone, o público e o privado, o individual e o coletivo, e assim por diante.

A partir da sua cultura específica, Hall (1990), classificou os países do mundo em

países de Alto e Baixo contexto. O Brasil está entre os países de Alto contexto, com

características coletivistas, colocando o interesse do todo acima das necessidades pessoais, em

que os sentimentos e os relacionamentos têm mais importância que as regras. Em

contrapartida, nos países de Baixo Contexto, entre os quais a Suíça está inserida, as pessoas

valorizam a individualidade, a independência e as regras são universais.

Fons Trompenaars (2008), um cientista dos países baixos especializado na área de

comunicação intercultural, compara o papel da cultura para o ser humano com o da água para

o peixe. Um peixe apenas toma consciência da água, assim como da necessidade da água para

sua sobrevivência, quando está fora dela. A cultura para um ser humano é como a água para o 9

Page 12: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

peixe. Ela nos sustenta. Nós vivemos, respiramos e agimos com base nela, mas só tomamos

consciência de sua existência quando saímos dela. O autor define cultura como um processo

dinâmico que envolve relacionamento humano, tempo e natureza. Ele diz ainda que a cultura

pode ser comparada às camadas de uma cebola. As camadas de fora são visíveis. Isto seria

uma metáfora da cultura explícita; nas camadas intermediárias estão os valores, o que um

grupo considera bom e ruim, e as normas, que simbolizam o que um grupo considera certo ou

errado; e enfim, no centro, no mais profundo, está à base da existência, que é a cultura

implícita. A cultura se mostra na língua, nas comidas, na arquitetura, na música, nas roupas,

na literatura, no clima, no barulho ou no silêncio, e no contato corporal.

Devido à experiência de viver tantos anos na Suíça e poder perceber o quanto Brasil e

Suíça são culturalmente diferentes e, em contrapartida, ver o crescente aumento de brasileiras

que se casam com suíços, surgiu o interesse em pesquisar sobre o assunto. Citamos, como

exemplo, dados estatísticos recentes do Departamento de Estatísticas na Suíça (BSF). De

acordo com o BSF (2007), 49,7% dos casamentos realizados na Suíça são interculturais.

Segundo o mesmo BSF, 20,8% das mulheres suíças casam com estrangeiros, 22,4% dos

homens suíços casam com estrangeiras e 6,5% são estrangeiros que casam com estrangeiras.

É importante também salientar que atualmente o índice de divórcio na Suíça gira em torno de

52%. Estas estatísticas mostram ainda que entre os suíços que se casam com estrangeiras,

35% casam com mulheres da União Européia ou da Ásia, enquanto 65% casam com mulheres

de países do terceiro mundo ou de países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Vale

salientar que as brasileiras estão em segundo lugar na lista de mulheres com as quais os suíços

mais se casam. Isto, com certeza, fez aumentar o número de brasileiras que vão para Suíça na

esperança de encontrar um casamento. Perguntamos, então: como é a convivência em uma

família “bi-nacional“ com cônjuges de culturas tão distintas?

O motivo dessa pergunta reside no fato de que a diferença cultural se faz sentir tanto

em pequenos detalhes do dia a dia, quanto nas grandes decisões que precisam ser tomadas

pelo casal. Essa diferença, com certeza, também vai refletir na criação dos filhos, e nos

contatos familiares. Aqui cabe questionar o que faz com que essas mulheres deixem seu país,

sua cultura, família, amigos e até mesmo filhos, estabelecendo-se em um país com uma

cultura assim tão diferente da nossa? Quais as necessidades sentidas? Como administram

essas diferenças? Que apoio recebem? E o casamento, os filhos e as famílias de origem, como

10

Page 13: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

11

se estruturam? Como organizar tudo isso? Foi com estas questões em mente que nos

propusemos a realizar a presente pesquisa.

Desta forma, apresentamos esta dissertação cuja estrutura se compõe de três artigos: o

primeiro é um artigo teórico em que fizemos um breve histórico do casamento e da família;

no segundo, focalizamos o processo de migração das brasileiras para a Suíça e apresentamos o

método de estudo, a análise e a discussão dos resultados provenientes das entrevistas

realizadas com doze brasileiras que migraram para a Suíça; finalmente, no terceiro, também

empírico, nos detivemos no casamento das referidas brasileiras com suíços.

Esperamos que este estudo possa dar visibilidade a este tema ainda carente de

pesquisas em nosso país, carência esta que se evidencia especialmente na região nordeste, e

que possa subsidiar o trabalho de profissionais que lidam com estas mulheres e casais, bem

como fomentar novas pesquisas.

Page 14: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

12

CASAMENTO E FAMÍLIA:

UMA RETROSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA

Flavia de Maria Gomes Schuler

Cristina Maria de Souza Brito Dias

Universidade Católica de Pernambuco

RESUMO

Este artigo teve por finalidade fazer um breve levantamento histórico sobre o

casamento e sobre as transformações que esta instituição vem sofrendo ao longo do tempo.

Neste trabalho fizemos uso das contribuições de autores de diferentes áreas de conhecimento

e enfoque teórico. Desse modo, pudemos concluir a partir das investigações realizadas que, de

maneira geral, o casamento e, consequentemente, a família se configuram hoje como espaços

privilegiados para a intimidade, comunicação aberta e livre e o cuidado mútuo entre os

membros do núcleo familiar, diferenciando-se, portanto, da relação baseada no poder do

homem sobre a mulher e os filhos cuja ocorrência se deu até o inicio do século XX.

Palavras chave: Casamento; casal; família.

Page 15: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

13

ABSTRACT

This article had as objective to make a brief historical uprising about marriage and the

transformations this institution has been suffering a long time. In this research we made use of

the contributions of authors from various knowledge areas and theoretical focus. Like that we

could conclude from the realized investigations that, in general, marriage e therefore also the

family that configure today as privileged places of intimacy, open and free communication,

and the mutual care between the members of the familiar nucleus, differently of the relations

based on the power of men upon women and children that occurred until the beginning of the

20th century.

Keywords: Marriage; couple; family.

Page 16: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

14

INTRODUÇÃO

Este artigo tem por finalidade fazer um breve levantamento histórico sobre o

casamento e as transformações que vem sofrendo, bem como caracterizar a instituição da

família. Para tanto, foi feita uma revisão sobre os referidos itens. Hodiernamente, muito se

fala sobre casamento. O casamento é tradicionalmente definido como uma relação duradoura

entre duas pessoas de diferentes sexos, que existe há muitos séculos, conceito que já se

conhece amplamente. No decorrer do tempo, o casamento se desenvolveu e passou por várias

mudanças até chegar ao que ele é hoje, ou seja, uma aliança, pelo menos em teoria,

fundamentada no amor. A família patriarcal, comandada pelo homem, deveria pertencer ao

passado e o ideal de um relacionamento baseado na igualdade entre o homem e a mulher é

exaltado, embora nem sempre praticado. Ao falar-se em casamento, logo pensamos em algo

privado e pessoal: duas pessoas decidem viver suas vidas juntas, mas, ao contrário do que

imaginamos, na realidade existe um número maior de pessoas e circunstâncias envolvido. A

partir do final do século XX e início do século XXI, ocorreram muitas modificações nas

sociedades ocidentais no que se refere ao amor e às formas de se organizar e viver em família.

Segundo Giddens (2000), entre todas elas, nenhuma é mais importante do que aquela que

ocorre em nossas vidas pessoais, na sexualidade, nos relacionamentos, no casamento e na

família. Esta mudança foi fundamentada, inicialmente, na questão de poder entre o homem e a

mulher, e até hoje a mulher procura pela igualdade de direitos. Em função das citadas

mudanças, a família passou a ser um local de lutas entre a tradição e a modernidade.

De acordo com Gomes (2003), o casamento é um importante fator de estabilização

social e psíquica na vida das pessoas, inclusive, assumindo importantes funções como:

proteger os seres humanos, pois lhes fornece, em primeiro lugar, papéis bem definidos,

passíveis de aceitação e inserção social; em segundo lugar, lhes facilita a estabilização da

identidade e o acolhimento do desejo amoroso e da necessidade de intimidade; depois,

possibilita-lhes a formação de uma rede de apoio externa, representada pela família extensa;

por fim, defende-os de si mesmos, de forma concreta, prolongando-lhes o tempo de vida.

Entretanto, desde o início do século XXI, nota-se que as pessoas já não se sentem tão

acolhidas pelo casamento quanto em épocas passadas. Na realidade, podemos perceber que o

casamento e, consequentemente, as formas de se estar em família, têm sofrido profundas

mudanças ao longo da história como podemos constatar em Gomes (2003), ao afirmar que a

antiga estabilidade nuclear parece ameaçada pelos casamentos desfeitos, pela radical

Page 17: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

15

reformulação dos papéis femininos e masculino, sem deixar claro as atribuições de cada

gênero e, finalmente, pelo esvaziamento das diferenças hierárquicas entre pais e filhos.

Enfim, todas estas alterações nos relacionamentos têm nos levado a questionar sobre

casamento e família, além de outras tantas, como, por exemplo, a crescente heterogeneidade

do mundo com o fenômeno da globalização, que tem contribuído para o aumento de

casamentos entre pessoas de diferentes credos, culturas, nacionalidades e raças. Não raro,

vemos na mídia, por exemplo, a luta pela guarda das crianças ocorrendo no âmbito

internacional.

Breve histórico do casamento

Neste ponto, gostaríamos de tentar traçar uma breve história do casamento, da família,

assim como do seu desenvolvimento ao longo do tempo. Os costumes ligados ao casamento

variaram muito através dos tempos. Osório (2002) acredita que a instituição matrimonial

surgiu a partir de ritos de iniciação que marcavam a passagem para a idade adulta. Nos povos

primitivos tais ritos geralmente culminavam com a cerimônia de casamento. Na antiguidade

greco-romana, os homens mais velhos casavam-se com jovens recém-chegadas à puberdade.

Embora não se saiba realmente o motivo para essa diferença de idade, pode-se atribuir talvez

à escassez de mulheres durante este período. Entretanto, outros motivos podem estar por trás

desta tendência, como fatores culturais, sendo até hoje comum que mulheres se casem com

homens mais velhos, e não o contrário. O fato é que, “após a decadência romana nos séculos

II e III, com a divisão do império e a cristianização advinda da conversão de Constantino no

século IV, as leis matrimoniais anteriores são revogadas e as mulheres com mais de vinte e

cinco anos têm liberdade para total administração de si e de seus bens” (Gomes, 2003, p.17).

Essa informação deixa bem claro que até esta data a mulher não possuía domínio algum sobre

si ou sobre os seus bens. Porém, essa melhoria nas leis com relação à liberdade feminina não

durou, pois com a chegada das tribos germânicas houve um retrocesso da libertação feminina

em relação à antiguidade.“Suzanne Fonay Wemple, citando Tácito como fonte, informa que

havia três formas de casamento entre os germânicos: o casamento por compra; o casamento

por rapto e o casamento por mútuo consentimento" (Gomes, 2003, p.17). Na realidade,

podemos ver que, na maioria dos casos, a mulher só passava da tutela do pai para a tutela do

marido, permanecendo sempre numa condição de dependência de um homem e sob a sua

autoridade.

Page 18: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

16

Na Europa medieval não era muito diferente: os casamentos eram, na sua maioria,

arranjos familiares e as mulheres (e crianças) não tinham direitos definidos. O homem detinha

todo poder de mando, controlando todos os membros da família, em função do seu poder

econômico. À mulher cabia o espaço doméstico, ou seja, o âmbito privado onde exercia certo

poder, mas permanecendo sempre à sombra do dono da casa, senhor absoluto. As crianças não

eram criadas no interesse delas próprias, mas para satisfação dos pais e visando uma

contribuição para a economia familiar. Além disso, a taxa de mortalidade infantil era

assustadora e as crianças só passaram a ser valorizadas pela sociedade muito tempo depois.

Segundo Hintz (2001), a sexualidade do casal era vivenciada de forma diferente: o

homem tinha uma liberdade sexual ampla e estimulada, enquanto a mulher tinha que

permanecer fiel ao seu marido. A sexualidade na família estava estritamente ligada à

reprodução. Como não havia métodos contraceptivos, a sexualidade das mulheres estava

inevitavelmente vinculada aos filhos. Até o final do século XIX, as mulheres não tinham

autonomia, eram frequentemente analfabetas e nem podiam votar. Apenas nas primeiras

décadas do século XX, mais precisamente em 1920, foi que as mulheres começaram a votar

em alguns países como: Estados Unidos, Finlândia, Noruega, Dinamarca, Canadá, Alemanha,

Rússia e Polônia. Aos poucos elas foram conquistando esse direito em outros países, como no

Brasil (1961), na Suíça (1971) e em Liechtenstein (1984), que foi o último país do ocidente a

conceder esse direito à mulher. Contudo, sabemos que ainda existem países no oriente, como

a Arábia Saudita, em que as mulheres continuam sem este direito.

Já no que concerne ao relacionamento entre pais e filhos, havia um posicionamento de

distanciamento entre as gerações, com a finalidade de afirmar a hierarquia entre os membros

da família. A aproximação física como manifestação de afetos era resguardada e contida,

estando composta de rituais formais e distantes, para confirmar o respeito dos filhos pela

posição dos pais. Na família, o casal era apenas uma parte e os vínculos estabelecidos com os

filhos e os parentes eram igualmente importantes no cotidiano. No entanto, ao longo das

últimas décadas houve uma mudança radical, sendo um dos seus principais fundamentos a

separação entre sexualidade e reprodução.

Com as transformações ocorridas após as guerras mundiais e a revolução industrial,

inclusive o fato de que as mulheres começaram, a adentrar no mercado de trabalho, associado

à descoberta de métodos contraceptivos, que tornou possível a separação entre sexualidade e

Page 19: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

17

reprodução - a mulher conquistou uma maior liberdade sexual, assim como novos espaços na

sociedade. Todos esses fatos fizeram com que a família, nas décadas de 50 e 60, passasse por

modificações acentuadas. Ela deixou de ser uma entidade meramente econômica e o

casamento passou a ser visto como fundamentado no amor romântico e não mais apenas como

um “contrato econômico”. Desde então a família mudou muito. Segundo Lasch (1991), a

família na sociedade moderna passou a ser um refúgio frente a um mundo que se tornou

altamente competitivo e brutal, o que produziu uma intensificação dos laços emocionais entre

pais e filhos. Como afirma Hintz:

Justamente após a industrialização que a família passou a ter maiores possibilidades de

se constituir através da livre escolha dos cônjuges, fundamentada no amor conjugal.

Passou-se a dar importância a realização pessoal na união conjugal, tendo o afeto

muitas vezes o poder de direcionar as decisões (Hintz, 2001,p.10).

Na relação conjugal, o casal moderno pauta-se pelo comportamento expressivo,

enquanto o casal tradicional achava-se limitado aos seus papéis, sem procurar saber se era

feliz (Ponciano & Feres-Carneiro, 2003, p.60). Segundo Gomes (1998), essa nova forma de

casamento emergiu na Inglaterra, entre os séculos XVI e XVIII, e se espalhou para o resto do

mundo. Este relacionamento, a partir de então, baseava-se na premissa de um profundo afeto

entre marido e mulher, ou seja, o casamento envolvia uma escolha e não era mais automático

e universal, arranjado pelos outros. Essa forma de casamento gerou uma nova estruturação das

famílias, que passaram a ser menores, já que o custo para sustentar uma família numerosa era

muito grande. Neste mesmo sentido, também ocorreram mudanças nas relações entre pais e

filhos, havendo maiores possibilidades de diálogo entre as gerações, com expressões de afetos

mais explícitas. “A afeição tornou-se necessária entre os cônjuges, assim como entre pais e

filhos. O sentimento de família nasce simultaneamente com o sentimento de infância“.

(Ponciano & Feres-Carneiro, 2003, p. 60). Surge assim o modelo da família nuclear forte.

Ainda segundo Gomes (1998), essa nova visão do casamento interferiu também no papel da

mulher. Até então ela tinha como papel principal a procriação. Dentro desta visão, sexo e

procriação tornaram-se independentes e a procriação passa a ser repensada e até

desencorajada, levando a mulher a outras ocupações, que ainda estão relacionadas à vida

doméstica. Mesmo assim, o casamento continua sendo visto como uma elevação do status

feminino, pois, para muitos, é através dele que a mulher atinge sua condição adulta.

Page 20: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

18

No século XVIII o amor romântico passou a ser pré-requisito essencial do casamento,

“os jovens começam a considerar os sentimentos para a escolha do cônjuge, desvalorizando

aspectos exteriores como propriedade e desejo dos pais” (Ponciano & Feres-Carneiro,

2003,60). Mas o casamento por amor só passou a ser defendido abertamente no século XIX.

A relação conjugal passou a ser fonte de estabilidade da própria família e, como

consequência, da própria sociedade. É assim, de forma gradual, que o contrato matrimonial

foi modificado, deixando de ser baseado em arranjos familiares e econômicos, mas sim na

escolha própria e, por conseguinte, no amor. Hoje o casal, casado ou não, está no centro da

família e o amor passou a ser à base do casamento. A partir desta conjuntura, o casal adquiriu

a responsabilidade de desenvolver a sua própria história. Para Giddens (2000), no passado o

casamento não se baseava na intimidade. Ela era importante, mas não o seu fundamento.

Atualmente a comunicação é a principal base para o estabelecimento de laços afetivos.

Embora o casamento, para a maioria das pessoas, ainda seja muito importante, seu

significado se transformou completamente. O casamento significa que o casal está vivendo

uma relação estável e pode, na verdade, promover esta estabilidade uma vez que envolve uma

declaração pública de compromisso. No entanto, ele não é mais a principal base definidora da

união. O mais importante passou a ser o relacionamento estabelecido na família, entre a

esposa e o marido e entre os pais e os filhos. O compromisso estabelecido diante da lei só

possui valor, na realidade, se validado no dia a dia na forma de um relacionamento íntimo de

amor, amizade e respeito.

“Há três áreas principais em que a comunicação emocional e, portanto, a intimidade,

está substituindo os velhos laços que outrora uniam as pessoas – os relacionamentos sexuais e

de amor, os relacionamentos pais-filhos e também a amizade” (Giddens, 2000, p.65). Neste

contexto, o relacionamento emocional passou a ser base para dar continuidade ao casamento.

Mas para que isto ocorra é necessário que este relacionamento seja bom. Não queremos dizer

perfeito, porém, um relacionamento que possua condições de continuidade. Ainda, segundo o

referido autor, um bom relacionamento é o que se estabelece entre iguais, em que cada parte

tem direitos e obrigações iguais. Num relacionamento assim, cada pessoa tem respeito pela

outra e deseja o melhor para ela. O relacionamento puro é baseado na comunicação, de tal

modo que compreender o ponto de vista da outra pessoa é essencial. A conversa, ou diálogo, é

o que basicamente faz o relacionamento funcionar e ele funciona melhor se as pessoas não

escondem muita coisa uma da outra – é preciso haver confiança mútua. E a confiança tem de

Page 21: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

19

ser trabalhada; não pode ser simplesmente pressuposta. Finalmente, um bom relacionamento é

aquele isento de poder arbitrário, coerção e violência, devendo ter uma dinâmica

completamente diferente dos tipos mais tradicionais de laços sociais. Depende de processos

de confiança – a abertura de si mesmo para o outro. Franqueza é a condição básica da

intimidade. O referido autor acrescenta que, o bom relacionamento (nem é preciso dizer) é um

ideal e a maioria dos relacionamentos comuns nem sequer se aproxima dele. Mas precisamos

ter em mente o que é o ideal e é deste ideal que o casal busca se aproximar.

Casamento e família no Brasil

Dando continuidade à temática em questão, um rápido olhar na história recente nos

possibilita a compreensão que casamento e família aqui no Brasil também mudaram bastante.

Segundo Costa (1983), a família no Brasil colônia era dita “senhorial”, funcionava como um

bloco compacto, voltado exclusivamente para o clã e com forte dependência da figura paterna.

O desejo correto era o desejo do pai. A mulher brasileira, nessa época colonial, vivia isolada

no seio da família, em posição de inferioridade e submissão. Embora zelasse pelo patrimônio

doméstico do homem, dependia jurídica, afetiva e religiosamente do marido. Os casamentos

realizados neste período colonial levavam em conta interesses familiares, benefícios

econômicos e sociais, sendo que os motivos de afeição raramente pesavam no ato. O amor

não era pressuposto para o casamento, muito menos a atração física. O casamento se baseava

no intercâmbio de riquezas, tanto que sem dote a mulher estaria fadada ao celibato.

Também no Brasil essa concepção de casamento entrou em desuso no século XIX,

com as transformações econômicas e o compromisso com relação ao estado: “O casal se volta

para o futuro e não para o passado; o compromisso era para com os filhos e não mais para

com os pais, e a escolha do cônjuge está envolta nessas proposições” (Gomes, 1998, p.34). O

casamento passou então a ser baseado no amor, amor esse que segundo Costa (1983) vai ser

usado para regular os novos papéis sociais do homem e da mulher no casamento.

O casamento hoje mudou muito, principalmente no que diz respeito às mulheres.

Atualmente, devido às necessidades econômicas, a mulher passou a trabalhar fora com a

finalidade de aumentar a renda familiar. Aos poucos ela sentiu a necessidade de ampliar suas

atividades, passou a estudar, buscou profissionalizar-se e até participar da política. Algumas

mulheres escolhem se realizar profissionalmente e atualmente conseguem ser respeitadas não

Page 22: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

20

apenas em função do casamento, como vimos anteriormente. Outras preferem não ter filhos

ou adiam esta decisão em função do trabalho, entre outras razões. Porém, o estabelecimento

de um relacionamento entre iguais, homem e mulher, é uma realidade que nem sempre é

praticada, ou seja, para muitas mulheres segue permanecendo apenas um ideal a ser

conquistado na prática e no dia a dia.

O que a letra de uma antiga canção popular brasileira, de Wilson Batista, intitulada

Emília, diz, bem retrata o modelo geral do casamento no Brasil: “Eu quero uma mulher que

saiba lavar e cozinhar e que de manhã cedo me acorde na hora de trabalhar”. Essa afirmação

reflete muito do machismo cultural do povo brasileiro que vê na relação conjugal não um

relacionamento de iguais, mas a esposa como serviçal: Amélias e Emílias da vida. A

realidade nos mostra que hoje temos uma mulher que além de trabalhar fora, também continua

responsável pelo lar e pela educação dos filhos, ou seja, a mulher exerce uma dupla jornada

de trabalho, o que a sobrecarrega.

Podemos dizer que o machismo brasileiro remonta aos primórdios de nossa

colonização e nos foi trazido pelo "civilizado" homem europeu. Ele chegava ao nosso

continente, usava as nativas para sua satisfação sexual e retornava para seu lar, que havia

ficado sob os cuidados e administração de sua esposa. Esse tipo de comportamento, na

verdade, criou duas imagens a respeito da mulher brasileira: a mulher que trabalha fora, que é

responsável pelo cuidado e administração do lar, assim como da educação dos filhos e ainda

do marido, quando ele volta para casa; e a mulher sensual, fogosa, cheia de volúpia e pronta a

dar prazer sexual ao homem segundo os seus desejos. Essas imagens são, na mente masculina,

muitas vezes irreconciliáveis

Esse estereótipo da mulher brasileira continua a ser espalhado lá fora, onde, de modo

geral, as brasileiras são conhecidas por sua leviandade. Podemos citar como exemplo uma

palestra realizada no Primeiro Encontro Nacional de Brasileiras na Suíça, em maio de 1998,

em que Pereira disse: “A imagem da brasileira é passada com grande leviandade. Todas as

brasileiras são fáceis, todas dançam muito bem e não levam nada a sério... basta olhar os

catálogos de viagem para saber como éramos (ou como somos) representadas.” Ora, é óbvio

que essa imagem da mulher brasileira a prejudica não só no âmbito nacional, mas também na

esfera internacional.

Page 23: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

21

Casamento e família hoje

Salvador Minuchin, conhecido psiquiatra e terapeuta da família, têm as seguintes

idéias a respeito da relação familiar a partir da relação conjugal: o casal, ao se constituir,

precisa separar-se de suas relações anteriores, principalmente dos pais. O casamento é o

primeiro momento em que os participantes irão confirmar ou não suas novas identidades; “um

contexto poderoso para a confirmação ou desqualificação; refúgio para as tensões de fora”

(Minuchin 1990, p.27). Só um relacionamento verdadeiro de intimidade e confiança fará com

que a nova família tenha oportunidade de se constituir e vivenciar o ciclo do desenvolvimento

do seu relacionamento.

O relacionamento entre o casal ocorre em ciclos mais ou menos conhecidos. O

indivíduo ao se apaixonar inicia um tipo de vinculação muito especial. “A estruturação desse

vínculo tem como base a vivência dos relacionamentos infantis“ (Hintz, 1999, p.31). Esse

relacionamento vai se desenvolvendo a partir das experiências vivenciadas com o pai e com a

mãe. Esse caminho trilhado a dois é chamado por Hintz de ciclo da vida do casal. O casal

através do seu ciclo de desenvolvimento evolutivo segue uma sequência básica, embora

frequentemente essas etapas se sobreponham. Ainda, segundo a citada autora, é através desse

processo de ir e vir que o casal vai estruturando o seu relacionamento permeado tanto por

aquisições, como por lutas constantes. É um processo onde não há um determinado fim,

havendo sempre possibilidade de mudanças. Neste processo, o antigo, o já conhecido, pode

ser substituído pelo novo numa contínua expansão do relacionamento. Aqui vale a pena

lembrar que em toda relação percebe-se que, ao longo do tempo, é comum os casais fazerem

questionamentos que, no início do relacionamento, nem passavam no pensamento deles.

Muitas vezes, mesmo quando alertados para algumas características importantes sobre a

personalidade um do outro, por outras pessoas, o casal envolvido não consegue ver. Isto

mostra que, ao longo do tempo, ocorrem mudanças no comportamento do casal, que muitas

vezes, os levam a situações de conflito e estresse.

Para Hintz (1999), o casal, durante a estruturação do relacionamento, passa por cinco

etapas de evolução: enamoramento, estabelecimento das diferenças, relações de poder,

estabilidade e comprometimento. No enamoramento, “a fase inicial do relacionamento

caracteriza-se pela forte atração que um sente pelo outro, pelo desejo mútuo compartilhado,

desejo de ambos tornarem-se apenas um só” (Hintz 1999). Podemos dizer que ambos estão

Page 24: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

22

apaixonados e se estabelece um sentimento de fusão intensa na qual só as semelhanças são

levadas em conta.

Na segunda etapa, ou seja, no estabelecimento das diferenças, “os cônjuges começam

a pensar de forma diferente um do outro, as diferenças tornam-se visíveis e abertas. Ambos

passam a expressar seus sentimentos próprios deixando que os conflitos surjam” (Hintz, 1999,

p.35). Agora os cônjuges já possuem um contato maior com a realidade e passam a se

conhecer como realmente são. Nesta fase, as diferenças, antes ignoradas, passam a ser

percebidas e o relacionamento só continuará dependendo da capacidade de negociação entre

eles.

A terceira fase, que envolve as relações de poder, caracteriza-se pela procura da

independência pessoal de cada um dos cônjuges. Se um deles procura mais independência,

procura atividades que são mais individualizadas, o outro pode não estar pronto para essa

independência. Dessa forma, podem surgir muitos conflitos. “Estabelece-se uma comunicação

embasada nas relações de poder, onde um está sempre contra os desejos, pensamentos e

sentimentos do outro” (Hintz, 1999, p.37). Um deles sente-se incompreendido e coagido e o

outro se sente abandonado.

Na quarta fase, temos a emergência da estabilidade, que é considerada a etapa das

realizações externas. “Se o casal, na fase inicial do enamoramento não atingiu uma

cumplicidade e intimidade adequadas, poderá enfrentar dificuldades no seu entendimento“

(Hintz 1999, p.38). Mas se os parceiros chegarem juntos a essa etapa, com um bom nível de

intimidade, poderão se realizar pessoalmente sem vivenciar mais problemas.

Na quinta e última fase, a fase do comprometimento, os parceiros são capazes de

vivenciar uma relação mais amadurecida. Eles permanecem juntos, mas sem a

responsabilidade de suprir as idealizações do parceiro. Os parceiros, evoluindo para essa

etapa, se conhecem tanto como indivíduos independentes quanto como casal. O Eu e o Nós

coexistem em harmonia. Quando o casal se desenvolve sendo capaz de ultrapassar todas essas

etapas, na busca de um relacionamento maduro, podemos dizer que eles alcançaram um

relacionamento ideal e atingiram, enfim, o equilíbrio produzido pela cumplicidade de um

comprometimento vivenciado nos desdobramentos da vida diária. Aqui não podemos

esquecer que, com a chegada dos filhos, novas mudanças surgem no relacionamento do casal

Page 25: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

23

e instala-se a função da parentalidade. Mas, para educar seus filhos, este casal vai depender

primordialmente de seu vínculo conjugal, ou seja, da tão sonhada relação de cumplicidade e

comprometimento.

Como podemos perceber, hoje, as relações familiares entre marido e esposa, pais e

filhos, baseiam-se na intimidade, na comunicação livre e aberta. A idéia de família é

caracterizada principalmente por valores como os sentimentos de amor e realização pessoal na

convivência com o outro. A família, além de ser local privilegiado para o domínio da

intimidade, é também o agente a quem a sociedade confia a tarefa de transmissão da cultura,

consolidando-a na personalidade (Lasch, 1991).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O casamento é uma instituição que já existe há muito tempo. Porém, o casamento e as

formas de se estar em família têm sofrido muitas modificações ao longo da história. No

passado, os casamentos eram realizados muitas vezes dentro da própria família através de

arranjos familiares e econômicos e as mulheres, assim como as crianças, não tinham direito

algum. As mulheres viviam restritas ao espaço privado e estavam sempre em posição inferior

ao homem. Elas passavam da subserviência ao pai, para a subserviência ao marido. A

sexualidade estava estritamente ligada à reprodução. Atualmente, com a globalização, temos

casamentos entre pessoas até de diferentes continentes, e não raro vemos na mídia a luta pela

guarda de crianças, muitas vezes no âmbito internacional.

Ao longo das últimas décadas, houve uma mudança radical, sendo algumas das suas

principais causas, a separação entre sexualidade e reprodução, bem como a saída da mulher

do âmbito privado para o público. Desde então, estes fatos fizeram com que o casamento e a

família mudassem bastante. Esta deixou de ser uma entidade meramente econômica e o

casamento passou a ser fundamentado no amor romântico, que envolve a livre escolha do

cônjuge. A realização pessoal na união conjugal passou a ser importante, assim como o afeto

entre os seus membros. Hoje, espera-se que o casamento seja baseado no amor, na intimidade

e na comunicação emocional, pois eles são o meio que facilita o estabelecimento dos laços e a

principal base para a sua continuação.

Page 26: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

24

REFERÊNCIAS

Costa, J. F. (1983). Ordem médica e Norma familiar. Rio de Janeiro: Graal. Giddens, A. (2000). O mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós. (M.L. Borges, Trad.). Rio de Janeiro: Record. Gomes, I. C.(1998). O sintoma da criança e a dinâmica do casal. São Paulo: Escuta.

Gomes, P. B. (2003). Novas formas de conjugalidades In: P.B. Gomes, Vínculos amorosos

contemporâneos: psicodinâmica das novas estruturas familiares (pp. 10-39). São Paulo: Callis.

Hintz, H.C.(1999). Dinâmica do casal. In: Pensando em Famílias. Rio Grande do Sul: Domus, (1), 31-40.

Hintz, H.C. (2001). Novos tempos, novas famílias? In: Pensando em Famílias. Rio Grande do Sul: Domus, (3), 8-19. Lasch, C. (1991). A família: santuário ou instituição sitiada. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Minuchin, S. (1990). Famílias: funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas. Osório, L.C.(2002). Casais e famílias: uma visão contemporânea. Porto Alegre: Artes Médicas.

Pereira, C.(1998). Migração: história, aspectos legais e situação das migrantes na Suíça. In: I Encontro Nacional de Brasileiras na Suíça. Zurique.

Ponciano, E. & Feres-Carneiro, T. (2003). Modelos de família e intervenções terapêuticas. In: Interações, (3), 57-80.

Page 27: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

25

GLOBALIZAÇÃO, MIGRAÇÃO E MULHERES:

AS BRASILEIRAS NA SUÍÇA

Flavia de Maria Gomes Schuler

Cristina Maria de Souza Brito Dias

Universidade Católica de Pernambuco

RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo geral estudar como se deu o processo de migração de

mulheres brasileiras para a Suíça e, de maneira mais específica, analisamos: 1. As motivações

para a migração; 2. As dificuldades enfrentadas ao chegar ao novo país; 3. As circunstâncias

em que conheceram seus atuais maridos. Participaram da pesquisa doze mulheres casadas

com suíços, que vivem na Suíça, na parte alemã. As participantes responderam a uma

entrevista com questões relacionadas aos objetivos da pesquisa e aos dados

sociodemográficos. As entrevistas foram examinadas segundo o método da Análise de

Conteúdo Temática. As motivações para a migração estiveram relacionadas à melhoria da

situação financeira, à oportunidade de habitação e sustento para a própria família, ou ainda ao

fato de terem se casado com um suíço. Quanto às dificuldades encontradas, podemos destacar

a ilegalidade, dificuldades com a língua e os preconceitos enfrentados. Finalmente, com

relação às circunstâncias em que estas mulheres conheceram seus maridos, algumas os

conheceram por intermédio de amigos ou parentes que já residiam na Suíça, mas também em

festas ou sites de relacionamentos, vendo no casamento uma forma de permanecer no país.

Enquanto outras participantes o conhecimento dos seus atuais maridos se deu no Brasil.

Palavras-chave: Globalização, migração, brasileiras, casamento intercultural.

Page 28: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

26

ABSTRACT

This research had as general objective to study how the process of migration of Brazilian

women to Switzerland happened, more specifically we analyzed: 1. the motivations for the

migration; 2. the difficulties encountered at the arrival in the new country; 3. the

circumstances in which they met their husband. Twelve Brazilian women who are married to

Swiss men and live in the German part of Switzerland participated. The participants answered

to an interview with questions related to the objective of the research and social-demographic

data. The interviews were analyzed with the Analysis of thematic content. The motivations

were related to a bettering of the financial situation, an opportunity for housing, and support

for the own family or because they have married with a Swiss man. In the difficulties

encountered, we can bring out the illegality, the difficulties with the language and with the

prejudice. Finally, in relation with the circumstances in which these women met their

husbands; some participants met them by friends or relatives who already resided in

Switzerland, but also by parties or relationship websites, viewing marriage as a way to stay in

the country, while others participants met their husbands in Brazil.

Keywords: Globalization; migration; brazilian women; intercultural marriage.

Page 29: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

27

INTRODUÇÃO

A palavra contemporaneidade diz respeito aos tempos recentes, podendo-se considerar

como marca desta época o fenômeno da globalização ou da mundialização. Na globalização,

as comunicações ultrapassam quaisquer limites ou barreiras, apoiadas que são na alta

tecnologia, estabelecendo um fluxo rápido e contínuo de dados – sons, imagens e textos

cruzando o planeta, sem controle e sem limites. A internet nos permite estar conectados ao

mundo, à distância de um mouse clique. O trânsito ao redor do mundo é enorme, os

aeroportos sofrem com esse problema e já não dão conta de um tráfego aéreo tão intenso. Até

as doenças que eram específicas de determinadas áreas do mundo, hoje são encontradas em

outros lugares, por conta da enorme mobilidade das pessoas. O mundo parece se desenvolver

rumo ao que poderíamos chamar de vila global. Diferentes povos e religiões parecem poder

conviver em paz sem grandes problemas. A sociedade mundial tenta, através de organizações

como a ONU, entre outras, manter os relacionamentos baseados na idéia de solidariedade

entre os países menos desenvolvidos e os países industrializados, chamados de países do

primeiro mundo. Por um lado, isso parece uma possibilidade, enquanto que, por outro lado,

manter a paz da vila global parece uma utopia, da qual nós ainda estamos muito distantes.

Amazonas, Dias e Santos (2009) afirmam que vivemos em um mundo globalizado

onde as distâncias geográficas já não constituem impedimento para a construção de vínculos

afetivos. Afirmam também que entre todas as mudanças que o processo de globalização vem

provocando - a sexualidade, os relacionamentos afetivos, os casamentos e a própria família -

são as de maior repercussão na vida das pessoas. Cada um destes aspectos é atravessado por

valores globais. Como consequência da globalização, podemos dizer que atualmente famílias

interculturais constituem uma grande parte da população européia e, porque não dizer, do

mundo. Elas são consideradas as famílias do futuro. Por outro lado, porém, para elas darem

certo, isto envolve muito mais trabalho porque essas famílias são também mais complexas

que as outras constituídas de cônjuges de uma só cultura (ECB, 1999)

O objetivo geral desta pesquisa foi estudar como se deu o processo de migração de

mulheres brasileiras para a Suíça e, de modo mais específico, ela visou analisar: as

motivações para a migração, as dificuldades enfrentadas ao chegar ao novo país e as

circunstancias em que conheceram seus atuais maridos. As mulheres foram divididas em dois

Page 30: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

28

grupos: aquelas que foram em busca de novas oportunidades e aquelas que migraram por

razões amorosas.

Migração

Migração é uma palavra que vem do latim, que significa passar de um país para outro,

mudar-se, estabelecer-se em outro lugar, ou seja, migração tem sentido de movimento. A

história da migração se confunde com a história da humanidade, pois o ser humano é um ser

em movimento desde que o Homo Sapiens surgiu. Dessa forma, o direito à migração poderia

ser considerado um direito natural do ser humano. Na época das cavernas a busca era por

plantas comestíveis e pela caça, que representavam a possibilidade de sobrevivência. Hoje o

mundo está mais sofisticado, mas a luta ainda é pela sobrevivência e o ser humano procura

sobreviver onde as condições são melhores (Pereira 1998).

É muito importante termos em mente que quando falamos de migração estamos

falando de um fenômeno mundial e social. A migração como fenômeno social ocorre

geralmente pelo mesmo motivo: busca de uma vida melhor. Pessoas de todos os continentes

migram para outros países e também para outros continentes. E sendo o movimento

migratório mundial um sistema complexo, muitos são os motivos para a existência desse

fenômeno como: as catástrofes naturais, as guerras, além da busca de novas perspectivas e

melhores condições de vida. Mas também as pessoas migram visando casamento, emprego,

estudo, acompanhamento dos pais ou até pela simples vontade de conhecer algo novo. A

mistura dos elementos acima descritos é o que geralmente leva as pessoas à decisão de

migrar.

O que podemos perceber é que, de um lado, existem fatores que impulsionam as

pessoas a deixarem seus países: desemprego, falta de perspectiva gerada por uma crise

econômica, entre outros. Por outro lado, nos países do chamado primeiro mundo, existem

fatores que atraem os migrantes provenientes dos chamados países em desenvolvimento,

como, por exemplo, bons salários, excelentes escolas e boa situação social. Acreditamos que

as coisas vão continuar assim, pelo menos enquanto perdurar a situação que se apresenta no

mundo atual, onde a maioria da riqueza é distribuída entre os países do primeiro mundo e

apenas uma pequena parte é dividida entre o resto do mundo.

Page 31: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

29

No caso do Brasil, somos o país com o maior nível de concentração de renda no

mundo; colocando isso em números, vemos que 51,3% de tudo que é produzido no Brasil

estão nas mãos de 10% da população. Os 20% da população que estão entre os mais pobres do

país dividem entre si somente 2,1% da riqueza existente. O Brasil, durante mais de 400 anos,

foi um país de imigração, mais precisamente, um país destino de imigrantes europeus e

asiáticos, dentre os quais se destacam os portugueses, italianos, alemães, poloneses, suíços e

japoneses, respectivamente. Contudo, em meados da década de 80, o fluxo migratório

inverteu-se: mais brasileiros emigram e menos estrangeiros imigram. Desta forma, o Brasil

passou a ser um país caracterizado pela emigração. Este fluxo de emigração no Brasil dos

anos 80 configurou-se muito mais intenso e persistente do que o fluxo das décadas de 60 e 70.

Esta tendência começou quando uma longa recessão reduziu a oferta de emprego, fazendo

com que muitas pessoas deixassem o Brasil. A partir de 2000, os fluxos migratórios dos

brasileiros em direção aos países desenvolvidos intensificaram-se consideravelmente,

estimando-se hoje que um número equivalente à população do estado do Rio Grande do

Norte, perto de três milhões de brasileiros, resida no exterior (Ammann, 2006). Vejamos, a

seguir, a situação dos brasileiros no mundo e na Europa, segundo dos dados do Ministério de

Relações Exteriores em 2009.

Tabela 1 Frequência de brasileiros no mundo

Regiões BrasileirosAmérica do Norte 1.325.100 Europa 816.257 América do Sul 513.800 Ásia 289.557 África 36.852 Oriente Médio 31.890 América Central 5.037 Oceania 22.500 Total 3.040.993

Fonte: MRE, 2009

Page 32: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

30

Tabela 2

Frequência de brasileiros na Europa

Países Brasileiros Países Brasileiros Reino Unido 180.000 Dinamarca 3.000 Portugal 137.600 Finlândia 508 Espanha 125.000 Rússia 400 Alemanha 89.000 Rep. Tcheca 347 Itália 70.000 Polônia 336 França 60.000 Hungria 230 Suíça 57.500 Croácia 170 Bélgica 42.000 Romênia 110 Holanda 17.500 Ucrânia 80 Irlanda 15.000 Bulgária 70 Grécia 5.100 Sérvia 60 Suécia 5.000 Eslovênia 32 Noruega 4.100 Vaticano 14 Áustria 3.000 Total 816.257

Fonte: MRE,2009

De acordo com Ammann (2006), as causas da imigração, de maneira geral, podem ser

classificadas em três categorias: a primeira diz respeito aos migrantes que deixam o país

movidos pelos fatores atrativos de outras regiões. Nesta categoria estão, principalmente, os

jovens que desejam estudar numa determinada universidade estrangeira ou participar de

pesquisas que não são realizadas no seu próprio país; também podem ser incluídos aqueles

que querem aprender línguas estrangeiras ou conhecer outros países.

Já os migrantes do segundo grupo não sentem atração por outras regiões, mas são

forçados a sair do país porque são banidos ou perseguidos e ameaçados. Trata-se de fator

relacionado ao exílio político que ocorre nas ditaduras militares, civis ou teocráticas. A esse

grupo pertencem os exilados. Podemos citar como exemplo o educador Paulo Freire, que foi

forçado a deixar o Brasil e encontrou refúgio em Genebra, na Suíça, onde permaneceu por

onze anos.

O terceiro grupo de imigrantes é constituído por pessoas que não são forçadas por

pressão política a deixar a sua terra, nem atraídas por outros países especificamente. São

pessoas que desejam uma vida melhor e que, muitas vezes, sentem-se excluídos no seu

próprio país, do mercado de trabalho, da educação e da saúde.

Page 33: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

31

Na linguagem das teorias da migração os motivos da escolha de um determinado país-

destino de imigração chamam- se “fatores de atração”. Dezenas de milhares de brasileiros

deixam anualmente sua terra natal. Muitos são atraídos pelo Paraguai, por questões de

vizinhança e de afinidades culturais; outros pelo Japão, por serem descendentes de japoneses,

os decasséguis; outros são atraídos pelos Estados Unidos, devido à sua imagem na mídia;

ainda outros brasileiros escolhem a União Européia e muitas vezes entram no continente via

Portugal, atraídos pelas facilidades lingüísticas, as afinidades históricas e a amizade que une o

Brasil ao país lusitano.

Em relação à Suíça há um grande enigma: por que os brasileiros são atraídos por um

país tão pequeno, com poucos recursos naturais e escassas terras para trabalhar, além de ser

geográfica e socialmente frio, culturalmente diferente, com suas quatro línguas oficiais, e com

um mercado de trabalho disputado por trabalhadores dos países da Europa, da África, das

Américas e, evidentemente, da própria Suíça? (Ammann & Ammann, 2006). A maioria dos

brasileiros residentes na Suíça pertence a este terceiro tipo de imigrantes, pois não deixam o

Brasil porque são forçados politicamente, nem por perseguições ou ameaças de morte. Eles

não são exilados políticos, mas poderíamos dizer que são exilados sociais. Os brasileiros

migram para conquistar um trabalho digno. Eis o sonho de muitos deles. Mas a realidade nem

sempre corresponde ao sonho, pois o mercado de trabalho na Suíça é altamente estruturado,

exigente, competitivo e a dificuldade para falar bem a língua do país torna impossível esse

sonho se tornar realidade para muitos deles. Quem entra no país já com visto de trabalho,

geralmente ocupa posições de médio ou alto nível, porém aqueles que procuram trabalho na

Suíça e não possuem permissão para estar no país, geralmente ocupam posições simples como

as de faxineiro, babá, lavador de pratos em restaurantes, entre outros. Podemos acrescentar

também aos fatores de atração da Suíça, projetos de construção ou de reconstrução de uma

família, que geralmente vêm aliados aos problemas econômicos no Brasil (Ammann &

Ammann, 2006).

Outro fator de imigração que vem ganhado força é a descoberta do Brasil como ponto

turístico e, lamentavelmente, como celeiro de mulheres sensuais, extrovertidas e alegres. É

impressionante o número de suíços que passam férias no Brasil com vistas ao estabelecimento

de relações afetivas, reais (quando existe amor) ou fictícias (quando o objetivo é "levar" a

brasileira para a Suíça para o trabalho em cabarés, por exemplo). Esse expediente pode

resultar na construção de uniões sólidas, estáveis e bem sucedidas ou em projetos sem

Page 34: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

32

sustentação. Muitas brasileiras migram para a Suíça acalentadas pelo sonho do “príncipe

encantado”, mas além do grande choque cultural, algumas, infelizmente, confrontam-se com

casamentos de subserviência e dependência financeira, bem como de confinação ao âmbito do

lar e proibição de trabalhar fora da casa (Ammann & Ammann 2006). Aqui vale a pena

sempre lembrar e estar atento ao fato de que, na realidade, a imigração para qualquer país

deve levar em consideração não apenas os prováveis ganhos, mas também os riscos e as

dificuldades a serem enfrentados.

Um olhar sobre a Suíça

A Suíça, oficialmente denominada Confederação Helvética, é uma república federal

composta por 26 estados chamados de cantões, tendo a cidade de Berna como a sua capital. O

país está situado na Europa Central, onde faz fronteira com a Alemanha, a França, a Itália, a

Áustria e o Condado de Liechtenstein. A Suíça é um país pequeno, cuja área total é de 41.285

km. A população suíça é de, aproximadamente, 7,8 milhões de habitantes, sendo que cerca de

21% são estrangeiros (Fankhauser, 2006). No referido país encontramos duas das cidades

chamadas “cidades globais” e centros econômicos mundiais: Zurique e Genebra. Elas estão

classificadas entre as 10 cidades com a melhor qualidade de vida do mundo, estando Zurique,

em segundo, e Genebra, em terceiro lugar.

A Suíça é constituída por quatro principais regiões linguísticas e culturais: alemã,

francesa, italiana e a reto-romana. Nas diferentes regiões existem diferentes tradições e

costumes (Fankhauser, 2006). Existem quatro línguas oficiais, além dos numerosos dialetos.

A maioria dos rótulos e informações contidas nos produtos vendidos (até mesmo uma

caixinha de fósforos) está escrita em alemão, francês e italiano. Então, toda criança, a partir

do momento que começa a ler, já entra em contato com as diferentes línguas. O inglês, como

língua internacional, ganha a cada dia mais peso e é falado por quase toda a população, uma

vez que a língua é aprendida nas escolas públicas desde a terceira série primária.

O país tem uma longa história e, segundo os próprios suíços, foi à luta pela

sobrevivência, luta esta que fez com que responsabilidade e perfeição se tornassem

características nacionais (Fankhauser, 2006). Nos tempos antigos, a Suíça teve que suportar

os longos e pesados invernos e as pessoas tiveram que procurar formas de sobrevivência. Elas

precisavam ter, antes do inverno, a sua provisão de alimentos, o dia a dia era duro e as

Page 35: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

33

consequências eram desastrosas, caso eles não conseguissem essa provisão. As montanhas e

vales separavam as pessoas e a mobilidade era reduzida. Hoje em dia a Suíça não depende

mais tanto da natureza e já não está limitada por sua topografia, mas a experiência dos

antepassados está bem presente na educação das crianças. Crianças suíças são educadas a

pensar desde cedo que as virtudes que mais devem ser cultivadas são a aplicação e a

confiança. Segundo o autor Suíço Charles Ferdinand Ramuz (1947), os suíços são sem

dúvida: ordeiros, cuidadosos, responsáveis e muito rígidos. São ativos, mas dentro do seu

território eles se fecham, porque eles precisam de silêncio.

Mas a Suíça não era muito diferente dos outros países europeus e, como consequência,

passou por muitas dificuldades. No final do século passado, a situação econômica era tão

grave que a migração para outros países era estimulada oficialmente e muitos deles migraram

esperando fugir da fome, pois sonhavam com o paraíso no novo continente, ou seja, na

América. Com a Segunda Guerra mundial a situação se transformou completamente. Como a

Suíça não participou da guerra, foi um dos poucos países que ficou com uma infraestrutura

intacta e pôde fornecer produtos para os outros países que estavam com suas economias

praticamente destruídas. Com isso a situação mudou e para a produção, além da

infraestrutura, era necessário ter mão de obra. Essa mão de obra foi conseguida nos países

vizinhos e era principalmente masculina. Assim surgiram os primeiros trabalhadores

temporários: primeiro foram os italianos, depois os portugueses, espanhóis, iugoslavos e

turcos. Eles levaram suas famílias e a partir daí o número de estrangeiros começou a

aumentar. Desta forma, aos poucos, a Suíça começou a ser receptora de migrantes. Franken,

Coutinho e Ramos (2008), concordam afirmando que a Suíça do século XIX foi um país de

migrantes, porém depois da segunda guerra mundial o saldo migratório tem sido

constantemente positivo. Como vimos antes, atualmente 21 % da população suíça é composta

por estrangeiros e embora muitos deles tenham nascido na própria Suíça, por serem filhos de

estrangeiros, não são considerados suíços.

A Suíça tem um sistema de entrada de estrangeiros com vistos para trabalhar, mas esta

questão é definida pela política chamada de “dois círculos”. No primeiro círculo estão os

países da União Européia (EU) e da Associação Européia de Livre comercio (EFTA), que são

os casos onde há menos restrições. Já no segundo círculo estão: Canadá, Estados Unidos,

Austrália, Nova Zelândia, entre outros, ou seja, o resto do mundo, inclusive, o Brasil. Neste

círculo há mais restrições e, em consequência disso, pessoas desses países só podem obter

Page 36: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

34

uma permissão de trabalho nos casos que se referem a especialistas qualificados ou

empregados de projetos em desenvolvimento. De acordo com essa política, só existem três

formas para um brasileiro entrar na Suíça: 1) Através do casamento com um suíço (a) ou com

um estrangeiro(a) que tenha permissão para residir na Suíça; 2) Como estudante, ou seja,

segundo critérios específicos desta área; 3) Como artista, e é nesta categoria que se

enquadram as “dançarinas de cabaré”. Os dois últimos casos são de caráter temporário. Para

quem não se encaixa nesses critérios, resta apenas o caminho de trabalhar na ilegalidade.

Muitas mulheres, neste caso, atuam nos campos da prostituição, de empregada doméstica ou

babá. Segundo a Cônsul brasileira Vitória Cleaver (2009), o brasileiro que sonha em imigrar

para o país alpino deve pensar bem e só vir legalmente, pois os aventureiros podem se dar

mal.

Migração de mulheres

Atualmente podemos dizer que existe um fenômeno conhecido como “feminização das

imigrações” que vem contrapor-se de maneira muito significativa à realidade do início da

emigração brasileira. A família, de modo geral, permanecia em território nacional, o pai (via

de regra), viajava para o exterior com a finalidade de sustentar sua família. Naquele momento,

os fluxos de saída da população brasileira caracterizavam um processo novo, até então

desconhecido da própria sociedade emigrante, e não possuíam ainda uma temporalidade que

viabilizasse uma maior reflexão sobre a dinâmica destes acontecimentos (Oliveira, 2003).

Tais movimentos foram percebidos como impulsos acima de tudo temporários e

protagonizados majoritariamente pelos homens. Com o decorrer dos anos, entretanto, e

principalmente com o desenvolvimento cada vez mais extenso e abrangente das redes sociais

de apoio a estas migrações – concomitantemente a inúmeras situações de desagregação

familiar proporcionadas pela ausência masculina em decorrência desse fluxo – a presença

feminina tomou posição central dentro da manutenção destes fluxos, concretizando

expectativas de mobilidade e ascensão social. Esta mudança, percebida nos dados, também

corrobora com as recentes análises de mudanças no padrão de intenção em relação ao tempo

de permanência no exterior. Atualmente, segundo o Relatório sobre a divisão de População

das Nações Unidas (UNFPA, 2007), dos 191 milhões de migrantes recenseados no mundo,

94,5 milhões são mulheres que deixaram seu país em busca de melhores oportunidades de

vida. Destaca-se ainda o fato que hoje, em numerosos países, as mulheres representam a

maioria dos imigrantes, em particular na América do Norte, na Europa, no oriente Médio e

Page 37: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

35

Oceania. As mulheres representam ainda, em numerosos países, a maioria dos emigrantes,

particularmente na Ásia e na América Latina.

Os brasileiros deixam seu país natal não mais em caráter temporário, mas com uma

expectativa de permanecer em solo estrangeiro o maior tempo possível ou até mesmo em

caráter definitivo. Podemos citar como exemplo dados levantados pela jornalista Mônica

Fauss (2004), que reside atualmente em Munique. Segundo ela, dois terços dos brasileiros

residentes na Alemanha pertencem ao sexo feminino, o que nos leva a concluir que as

mulheres têm procurado novas oportunidades. Quando as dificuldades são muitas, as

expectativas de melhoria de vida praticamente não existem. Quando atraídas pela indústria do

turismo e “comércio de mulheres”, a imigração para um país do primeiro mundo passa a ser

vista como uma alternativa para muitas mulheres que deixam o país com a responsabilidade

de obter não somente a sua sobrevivência, mas também a de seus familiares.

Segundo Weller (2004), muitas mulheres chegaram à Alemanha através de

relacionamentos estabelecidos com turistas que vieram ao Brasil. Embora a imigração

feminina esteja fortemente associada à exploração sexual, esse não é o único e talvez não seja

o principal motivo do já citado fenômeno da “feminização das migrações”. Com o aumento

do número de mulheres no ensino superior, bem como no mercado de trabalho nas últimas

décadas, também cresceu o número de migrantes do sexo feminino que saíram do país com o

intuito de melhorar a qualificação profissional ou até mesmo pela curiosidade em conhecer

outros países, culturas e modos de vida. O que muitas vezes foi pensado como um projeto de

alguns meses ou anos (como a realização de um curso de línguas, estágio, trabalho como

AuPair, entre outros) acaba se transformando numa mudança permanente para outro país,

associada, muitas vezes, ao casamento e à constituição de família. Nesse sentido, a crescente

imigração feminina pode ser vista também como resultado das lutas travadas pelo movimento

feminista, que ampliou o acesso das mulheres à educação, ao mercado do trabalho, à escolha

do parceiro (a) e ao local de moradia.

A situação não é diferente na Suíça. A Cônsul brasileira em Zurique, Vitoria Cleaver

(2009, p.01), afirma: “A absoluta maioria de brasileiros na Suíça, quase 60.000 segundo a

embaixada, é de mulheres“. Elas aparecem em segundo lugar na lista de preferência com

quem os suíços mais casam. A brasileira Flávia Reginato (2009), que chegou à Suíça em

1990, afirma: “Às vezes a imigração, seja ela por razões amorosas, profissionais ou outras,

Page 38: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

36

pode ser quase um processo traumático”. Vale ainda lembrar que, segundo Hoffmann (2009),

a Suíça tem a sétima maior comunidade brasileira da Europa, estando atrás apenas do Reino

Unido, Portugal, Espanha, Alemanha, Itália e França.

Brasileiras na Suíça

Na Suíça, as brasileiras formam, juntamente com as dominicanas, marroquinas e

tailandesas, o maior grupo de mulheres migrantes dos chamados países do terceiro mundo ou

países em desenvolvimento. Fica difícil falar em números exatos, uma vez que grande parte

delas vive ilegalmente no país e sem registro em nenhum órgão (Huber, 1996). O Ministério

das Relações Exteriores do Brasil estima que cerca de 60.000 brasileiros vivam atualmente na

Suíça. O número é calculado de acordo com a quantidade de serviços consulares e não

distingue a condição oficial dos moradores. De acordo com o Departamento Federal de

Estatística da Suíça (BFS), vivem no país 14.108 brasileiros (2007). A discrepância gerada

pela informação dos dois países demonstra como é grande o numero de brasileiros ilegais na

Suíça.

Como a cada dia fica mais difícil emigrar para a Suíça legalmente, as possibilidades se

restringem a trabalhar como dançarinas, através do casamento ou como turistas. Para poder

trabalhar como dançarina a mulher precisa de um visto de artista, válido por oito meses, que

ela pode adquirir no consulado suíço apresentando três contratos com donos de boates.

Segundo Huber (1996), ao deixar o Brasil, em decorrência dos contratos feitos pelos

agenciadores, dos custos com passaporte e das despesas com a passagem, a maioria das

mulheres encontram-se na condição de endividadas. Ao chegar, o que as espera não é um

local fixo de trabalho: mensalmente são transportadas para outras localidades, o que

impossibilita que as mesmas criem ou se insiram numa rede de relações sociais. Ao término

de oito meses, muitas mulheres vão passar quatro meses no país vizinho e depois retornam.

O trabalho de uma dançarina consiste na realização de três a doze apresentações por

noite, sendo que entre uma apresentação e outra ela deve sentar com os clientes e fazê-los

consumir o máximo de champanhe, além de satisfazer todas as vontades deles. Uma dançarina

ganha, em média, 150 francos por noite, o que parece muito, mas estando lá, depois de pagar

todas as despesas, o que sobra é pouco para se manter em um país que tem um custo de vida

altíssimo. Como elas precisam mandar dinheiro para os filhos e familiares no Brasil, para a

Page 39: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

37

maioria delas o único caminho que resta é a prostituição. De acordo com o Centro de

Imigração Feminina – FIZ (2009), 90% das dançarinas trabalham também na prostituição.

Elas se submetem a discriminações, humilhações, injustiças e violências por parte dos

proprietários das boates. Discriminadas por sua condição de mulher, por serem estrangeiras e

por trabalharem na prostituição, elas são exploradas pelas agências, pelos donos de boates,

pelos aliciadores e pelos clientes. Após certo tempo e diante de tal pressão, elas acabam por

apresentar problemas psicológicos, de saúde, de dependência de drogas e/ou álcool chegando,

infelizmente, algumas vezes até à morte. Oliveira e Oliveira (2008), em seu livro intitulado

“Lúcia Amélia Brüllhardt: da lama do nordeste à fama na Europa”, contam a biografia de uma

jovem pernambucana e sua infeliz jornada como dançarina na Suíça, o que a levou a sete

tentativas de suicídio.

As mulheres que migram como turistas procuram, nos primeiros meses, tanto um

marido quanto um trabalho no mercado paralelo. Segundo Baeckert (2008), elas chegam com

poucos recursos e muitos sonhos, entre eles o de casar com um suíço ou de voltar ao Brasil

em condições de construir uma casa própria. Não se sabe exatamente como o fenômeno

começou, mas tudo indica que a propaganda boca a boca se encarregue de fazer mais e mais

adeptas, assim milhares de brasileiras vão tentar a sorte como babá ou doméstica. Elas entram

como turistas e assim permanecem por anos, até conseguirem um casamento ou

independência financeira e a tão sonhada casa para a família no Brasil. Com este propósito,

muitas deixam a família e os filhos e vão tentar a vida de uma forma aventureira. De acordo

com Huber (1996), muitas delas, para se casarem com um suíço ou estrangeiro que possua um

visto de permanência, chegam a pagar entre 15.000 e 35.000 francos suíços. Nestes casos,

essas brasileiras (na sua maioria) vivem no mais completo isolamento e sob fortes pressões,

por estarem no país de forma ilegal ou por parte dos maridos.

Uma vida na ilegalidade está geralmente ligada a medos, necessidades e a um grande

peso psíquico. O acesso para tratamento médico é difícil, se não impossível, assim como para

outras situações que exijam identificação. As mulheres geralmente são exploradas por não

terem nenhum direito trabalhista e durante todo tempo elas devem contar com a possibilidade

de serem demitidas. A maioria dos ilegais, ainda, precisa pagar por moradias improvisadas e

aluguéis muito caros. O medo do controle policial está sempre presente, tendo como

consequência a deportação, um pagamento em dinheiro, ou uma pena a ser cumprida.

Quando essas mulheres ilegais são descobertas, elas são culpadas de entrada ilegal no país,

Page 40: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

38

permanência e trabalho ilegal, a não ser que elas sejam reconhecidas como vítimas do tráfico

internacional de mulheres. Se isto ficar claro, elas são deportadas para o seu país de origem e

precisam voltar para as suas precárias condições de vida: voltar justamente para o lugar de

onde elas fugiram. Dessa forma, a ajuda que até então mandavam para os seus familiares

cessa de um dia para o outro, o que significa muitas vezes que os filhos que estudam param de

estudar, e muitas famílias perdem até a casa onde moravam por não receberem mais o auxílio

por elas enviado. A situação é tão difícil que a maioria dessas mulheres opta pelo casamento,

como uma solução para o problema de permanecer no país (FIZ, 2009).

As mulheres casadas com suíços podem ser divididas, basicamente, em dois grupos:

aquelas que encontram o futuro marido aqui no Brasil, e migram para a Suíça, e as que

decidem migrar por conta própria, visando a trabalhar e construir ou reconstruir uma família.

Casamentos binacionais na Suíça são comuns e desde o início dos anos 70 o número desse

tipo de casamento mais do que dobrou. Somente a metade dos casamentos no país ainda

ocorre entre cidadãos suíços (Hoffmann, 2009). Ainda segundo o autor, em 2007, por

exemplo, 871 suíços casaram com alemãs e 673 com brasileiras! Portanto, outra vez as

brasileiras aparecem em segundo lugar na preferência dos suíços. Diante do exposto, o

presente estudo fez uma investigação sobre o processo de migração de brasileiras para a

Suíça, buscando compreender suas motivações, dificuldades ao chegar e as circunstancias em

que vieram a se casar.

MÉTODO

A pesquisa utilizou metodologia qualitativa. Quanto ao critério de escolha dos participantes,

usamos a amostragem proposital, que também é denominada intencional ou deliberada. Por

esse critério, o pesquisador escolhe deliberadamente os participantes que comporão o estudo

de acordo com os objetivos do trabalho, desde que os participantes possam fornecer as

informações referentes ao mesmo (Turato, 2003). As doze participantes do nosso estudo

foram mulheres brasileiras que vivem na Suíça e são casadas com suíços, residindo

atualmente nos estados de Basiléia, Zurique ou Aarau. As entrevistadas são provenientes de

diferentes estados brasileiros, possuem idade entre 28 e 51 anos, com um tempo médio de

casamento de sete anos e todas têm filhos na Suíça ou no Brasil.

Page 41: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

39

Dados sociodemográficos das participantes

Participantes Idade Motivo da migração

Tempo de casamento

Filhossuíços

Filhos brasileiros

Escolaridade

Alice 38 Casamento 10 anos 2 Superior Amélia 51 Oportunidades 02 anos 2 Fundamental Bernadete 40 Oportunidades 09 anos 1 3 Fundamental Carolina 32 Oportunidades 02 anos 1 Médio Eduarda 40 Casamento 10 anos 2 Médio Eliana 30 Casamento 04 anos 1 Superior Lena 32 Oportunidades 05 anos 1 Médio Mariana 40 Casamento 10 anos 2 Superior Patrícia 28 Oportunidades 10 anos 2 Médio Rebeca 35 Oportunidades 04 anos 2 Médio Rita 32 Casamento 10 anos 1 Fundamental Suelen 32 Casamento 05 anos 1 Fundamental

Na tabela constam os dados das entrevistadas que vieram para Suíça em busca de

novas oportunidades e por casamento. Podemos observar que quatro entre as seis

participantes, que vieram em busca de novas oportunidades já tinham filhos de

relacionamentos anteriores desfeitos, todas estavam desempregadas e necessitavam sustentar

seus filhos. As duas que não tinham filhos, migraram no intuito de ajudar seus pais. As

participantes que migraram em função do casamento, todas dizem dizer ter se apaixonado por

um suíço e decidiram se casar e viver na Suíça, pois seria muito difícil para o marido se

estabelecer no Brasil.

O instrumento utilizado foi um roteiro de entrevista, composto por seis questões

relacionadas aos objetivos da pesquisa, conduzido de forma semidirigida. Também foram

preenchidos os dados sociodemográficos das participantes.

As entrevistas foram realizadas por ocasião da viagem da pesquisadora à Suíça, no

período de dezembro de 2009 a janeiro de 2010. O contato foi feito através de pessoas de

convivência da pesquisadora na época em que residiu na Suíça. Todas as colaboradoras vivem

atualmente de forma legal, tendo sido previamente contatadas para a marcação das

entrevistas. As participantes foram entrevistadas em casa ou em local que lhes era

conveniente. Antes de iniciarmos a entrevista foi explicado a cada participante o objetivo da

pesquisa e apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que garante o

anonimato (anexo A). Após a leitura e assinatura do termo, iniciamos a entrevista. O roteiro

Page 42: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

40

das entrevistas (anexo B) foi aprovado pelo Comitê de Ética (anexo C). As entrevistas foram

feitas individualmente, gravadas e depois transcritas. Seguimos a orientação de Minayo

(2004) quanto ao anonimato, logo, todas as participantes tiveram seus nomes trocados, assim

como os seus familiares.

Após a transcrição das entrevistas, as mesmas foram analisadas de acordo com os

ditames da Análise de Conteúdo que, segundo Turato (2003), é uma das técnicas indicada

para as pesquisas qualitativas. Conforme assinala Minayo (2004, p.209), ela consiste “em

descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou frequência

signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico. A análise de Conteúdo Temática apresenta

três etapas: a pré-análise, a exploração do material e a interpretação dos resultados obtidos.

A pré-análise consiste na primeira fase, em que há a organização do material a ser

analisado. Nesta etapa foi realizada uma leitura atenta de todo material fornecido pelas

brasileiras, buscando selecionar as informações que estivessem em consonância com os

objetivos da pesquisa. Na exploração de material, foi realizada a análise propriamente dita, ou

seja, a partir da leitura do material, o texto foi recortado em suas unidades de registro,

permitindo identificar as três categorias que foram trabalhadas. Em seguida no tratamento e

na interpretação dos resultados, os temas emergentes foram analisados com base na literatura

consultada.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nesta seção iremos apresentar e discutir os resultados encontrados nas entrevistas

realizadas com doze mulheres brasileiras, de acordo com as três categorias levantadas:

motivações para a migração, dificuldades encontradas no novo contexto cultural e as

circunstâncias em que conheceram os seus maridos.

1. Motivações para a migração

Nesta temática, seis das participantes privilegiaram como as principais causas da

migração o desejo de melhores condições de vida, de trabalho, do sonho de uma casa própria

e de um possível casamento, para que pudessem permanecer no país, trazer os filhos, enfim, a

Page 43: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

41

migração tinha o significado de um recomeço em suas vidas. Enquanto outras seis

participantes apontaram como principal causa da migração o casamento.

Segundo Garcia (2007), se a experiência da migração é um dilaceramento, também é,

ao mesmo tempo, promessa do absolutamente novo: oportunidades, possibilidades,

construção de um futuro sem a mediação do passado. Viver a condição de estrangeiro é uma

experiência múltipla. A forma como o indivíduo percebe-se nessa condição contribui para o

êxito da emigração ou o fracasso e o retorno. Mas por que emigram? Por que se deixam cair

na condição de eternos estranhos num mundo que não lhes pertence e nem os acolhe? As

experiências narradas por brasileiras que emigraram sugerem uma situação de exílio atípico.

Muitas delas poderiam ser classificadas como fugitivas do desemprego, da pobreza ou das

poucas oportunidades. Oportunidades essas que são desigualmente distribuídas no nosso país,

o que afeta o aspecto da sobrevivência, levando à busca de maiores oportunidades de emprego

e renda.

De acordo com Souza (2007), o conjunto das mudanças econômicas, sociais e

culturais vem levando a um aumento da migração feminina, de maneira tal que em muitos

casos esse contingente supera o masculino nas migrações. Na Suíça, como podemos constatar

através das informações obtidas, a presença feminina é bem maior que a masculina. Essas

mulheres migram primeiramente como turistas, pois como turistas elas não precisam de visto

para entrar no país. Segundo Huber (1996), as mulheres que migram como turistas procuram,

nos primeiros meses, tanto um marido quanto um trabalho no mercado paralelo. Elas chegam

com poucos recursos e muitos sonhos, entre eles o de casar com um suíço ou de voltar ao

Brasil em condições de construir uma casa própria. Milhares de brasileiras vão tentar a sorte

como babá ou doméstica. Os dados da pesquisa mostram que seis, entre as 12 mulheres

entrevistadas, migraram em função da situação financeira e porque estavam desempregadas,

algumas delas com filhos, objetivando conseguir um casamento e uma vida melhor. As falas a

seguir testemunham o que foi dito:

Eu vim de um casamento destruído. Então eu decidi vir para a Suíça: trabalhar para

construir uma casa e me casar para poder ficar aqui. (Amélia)

Eu morava no Brasil, mas não tinha vontade de ficar lá. Eu tinha ficado viúva, tinha

três filhos e morava com o meu pai que era alcoólatra. Eu não achava que isso era

Page 44: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

42

bom para os meus filhos. Eu vim pra cá, pra trabalhar, me casar pra dar uma vida

melhor para as crianças. (Bernadete)

O que me fez mudar para cá foi a questão financeira: minha mãe já estava aqui e

achava que aqui a gente podia ter uma vida melhor. (Carolina)

Eu vim para trabalhar, porque aqui é mais fácil de arrumar trabalho e eu já tinha

uma irmã aqui que é casada com um suíço. (Lena)

Eu já tinha dois filhos e fui abandonada. Muitas amigas minhas tinham vindo pra cá

e tinham se casado. Eu vim por isso. Inclusive na mesma rua que eu morava tinha

muitas brasileiras aqui, que conheceram alguém e se casaram. Eu pensava: eu vou

conhecer um príncipe encantado. (Rebeca).

Eu vim para ajudar a minha família, que estava com dificuldades financeiras. Minha

prima, que é casada com um suíço, já morava aqui. (Patrícia).

Podemos perceber que quatro das participantes migraram para a Suíça porque os seus

casamentos tinham terminado, elas tinham filhos e estavam desempregadas e essa condição

foi determinante para a sua decisão de migrar. As outras duas eram solteiras, mas a família

passava por situações financeiras difíceis. Todas elas foram, a principio, para casa de amigos

ou parentes que já estavam na Suíça.

Outras seis participantes apontaram como principal causa da migração o casamento.

Todas elas estavam apaixonadas e decidiram se casar e morar na Suíça. Segundo Weiss

(2005), a migração, independente dos seus motivos, está ligada a fatores estressantes, tanto do

ponto de vista somático quanto do psicossocial, e como afirma a brasileira Flávia Reginato

(2009, p. 02): “às vezes a imigração, seja ela por razões amorosas, profissionais ou outras,

pode ser quase um processo traumático“. Uma das participantes conheceu o seu marido na

Suíça, e as outras cinco participantes conheceram seu futuro marido aqui no Brasil, como

atestam os fragmentos a seguir:

Page 45: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

43

Eu conheci meu marido no Brasil, aquele amor intenso, avassalador. Ele só ficou uns

vinte dias aqui. Nós nos correspondíamos por e-mails e telefone, depois ele me

convidou para passar o natal com ele e eu vim e após um tempo nos casamos.

(Suelen)

Eu vim pra cá porque eu me casei com um suíço. Eu trabalhava e estudava no Brasil.

Meu marido estava lá, fazendo uma pesquisa e assim nós nos conhecemos. Ele ficou

três meses e depois voltou. Correspondíamos- nos, telefonávamos e depois eu vim de

férias. (Eliana)

1.2. Dificuldades encontradas no contexto cultural

Neste item, as falas das participantes destacaram como principais dificuldades

encontradas: língua, solidão, saudade, ilegalidade, não poder exercer a profissão, deixar os

filhos, a mentalidade suíça e o preconceito.

De acordo com Daure e Coulon (2009), para o migrante a chegada ao novo país marca

o início das interações com a nova cultura e com a população. Esta é, sem dúvida, a etapa

mais longa da migração e, para algumas pessoas nunca acabará, ou seja, o sentimento de estar

sempre em contato com o estrangeiro, com o estranho, com o que não é familiar, pode durar

toda uma vida no país de acolhimento.

Souza (2007), afirma que mesmo que as condições de vida, para essas mulheres, se

apresentem melhores por certo prisma, haverá sempre um choque cultural e um duro processo

de adaptação, daí ser importante estudar as condições de integração no país de destino. As

dificuldades encontradas por essas mulheres são inúmeras. Segundo Scheifele (2008), na

migração mesmo que os motivos assim como os destinos das pessoas sejam diferentes,

existem sempre semelhanças. Podemos constatar que as dificuldades apontadas pelas seis

participantes que migraram para se casar são semelhantes às citadas pelas brasileiras que no

primeiro momento migraram como turistas, com exceção da dificuldade referente à

ilegalidade, que é um grande problema. Segundo Maurer e Janotta (1998), algumas das

principais dificuldades apontadas pelas brasileiras ao chegar à Suíça, foram o aprendizado do

idioma, solidão, a mentalidade suíça, saudades, o clima frio, a perda da espontaneidade, a

Page 46: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

44

falta de amigas e a discriminação por serem estrangeiras, além do problema da ilegalidade,

para as que vieram a principio como turistas.

Esses mesmos problemas foram confirmados nas entrevistas que realizamos: as

dificuldades começam pela língua. Nenhuma das mulheres entrevistadas sabia a língua alemã

ao chegarem à Suíça. Acrescente-se a isso o fato de que, na Suíça, na parte alemã, existe em

cada estado (cantão) um dialeto, o que torna a comunicação ainda mais difícil. Muitas

mulheres, quando têm a oportunidade, vão para um curso de alemão, mas aprendem o

chamado alto alemão (Hochdeutsch), ou seja, o alemão falado na Alemanha. Porém, na Suíça

alemã, as pessoas falam o suíço alemão, um dialeto que varia conforme o estado em que se

está. Por exemplo, existe o züridüutsch (o dialeto de Zurique) e o baslerdüutsch (o dialeto de

Basiléia), ou ainda o berndüütsch (o dialeto de Berna), entre muitos outros. De acordo com

Pereira (1998), muitas pessoas se vêm reduzidas quase a uma criança, pois elas têm que

aprender tudo de novo.

Quando eu cheguei aqui o mais difícil era a língua e viver ilegal. Eu não tinha

interesse de aprender a língua não. Eu só queria ganhar dinheiro e voltar, mas se a

gente tá aqui tem que aprender pelo menos um pouco e aí eu me dediquei e aprendi,

mas ainda tenho muitas dificuldades. Eu tenho que continuar a estudar. (Carolina)

A língua é a mais complicada que eu já ouvi e por isso eu não queria ficar aqui, mas

como minha mãe estava doente, eu tinha que trabalhar para mandar dinheiro pra ela.

Eu saía de casa muda e voltava calada. Eu tinha saudade de tudo que eu tinha lá e

não tinha aqui. Isso foi o mais difícil. (Lena)

Com a migração, pode haver uma redução na competência individual, pois elas se

sentem incapazes de realizar as tarefas do dia a dia. Elas entram em um processo de

dependência, pois não sabem falar e nem conhecem as regras de comportamento social. Há,

de forma geral, uma ausência de um preparo linguístico, o que coopera para uma dependência

quase que total do cônjuge e dificulta a socialização.

Eu me senti dependente de tudo, eu me senti frustrada por não ter o idioma e não

poder falar com as outras pessoas. Eu fiquei complexada. Era tudo muito diferente.

Page 47: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

45

Aí eu comecei a conhecer as pessoas com os olhos. Eu tentava entender o que era

falado pela forma como me olhavam, como agiam, não pelo idioma. (Rita)

De acordo com Figueiredo (2005), nas relações sociais, as necessidades de

comunicação emergem. Ser capaz de lidar com as necessidades sociais implica em ser

socialmente hábil. A falta da comunicação verbal faz com que a pessoa, como no caso de

Rita, procure outras formas de comunicação como a não verbal. Rita passou a conhecer as

pessoas pelos olhos, pela expressão facial, pelo tom de voz. Embora que, em se tratando da

comunicação não verbal em uma cultura diferente, corremos o perigo de não interpretarmos

corretamente o que está acontecendo, pois pessoas de outras culturas podem expressar seus

sentimentos de forma diferente.

A falta da língua ou a precariedade com que a língua do país é falada, além de outros.

problemas, leva facilmente ao isolamento e a solidão. Souza (2007) afirma que talvez um dos

maiores problemas das mulheres imigrantes seja à solidão, inclusive, a solidão das mulheres

casadas, como podemos contatar na seguinte fala:

O impacto que eu senti quando cheguei aqui foi a solidão. Eu vivia em um Dorf

(cidadezinha). Eu não via ninguém. Na televisão eu não entendia nada. Eu sentia

saudades e solidão. Eu passava a semana todinha sem ouvir nada, nem um barulho.

Até a música alta do vizinho chato no Brasil, seria melhor que o total silêncio.

(Suelen)

Segundo Weiss (2005), a migração pode possibilitar uma nova orientação e uso de

outros recursos econômicos e sociais, mas de toda forma está sempre ligada ao estresse. A

experiência da migração é vivenciada de forma pesada e gera muita insegurança. A teoria do

choque cultural nos mostra que quanto maior for à diferença entre o país de origem e o país de

destino, maior a dificuldade de integração:

Nos dois primeiros anos eu só fazia chorar, eu só queria voltar. Foi aí que eu comecei

a perceber que a minha vida aqui não tinha nada a ver com a de lá. Eu estava como

Alice no país das maravilhas: tudo maravilhoso, organizado, mas tudo muito

estranho. Eu não estava gostando- o povo muito frio, e você sem falar a língua. Mas

Page 48: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

46

quando eu comecei a aprender a língua, também eu entendi que o povo pensa de outra

forma. (Mariana)

Uma dificuldade a mais vivenciada no dia a dia pelas participantes que vieram como

turistas é a ilegalidade, uma vez que, mesmo quando essas mulheres estão dentro dos três

meses de permanência permitidos na Suíça, quando elas começam a trabalhar se tornam

ilegais, pois como turista isso não é permitido. Segundo Weller (2004), um dos maiores

problemas da “clandestinidade” é a convivência permanentemente com o temor de ser

descoberto e das consequências decorrentes desse processo. Nesse sentido, migrantes “sem

papéis” são obrigados a desenvolver uma série de estratégias e mecanismos para manter o

status de alguém que oficialmente não existe e que não vive no país. São obrigados, por

exemplo, a evitar locais em que, eventualmente, possam ser controlados pela polícia

(restaurantes ou associações de migrantes, manifestações públicas), a vestir-se de forma que

não chame a atenção e jamais poderão entrar no ônibus, bonde ou trem sem comprar o bilhete.

Os seguintes trechos exemplificam o que foi dito:

Quando eu cheguei, as dificuldades foram muitas. Eu vim com a mala cheia de

sonhos, mas trabalhar sem papel e sem saber alemão é muito difícil. Logo veio a

realidade. (Rebeca)

Viver aqui ilegal é o mais difícil. Eu tinha medo de ser controlada pela policia nos

ônibus, nos trens, na ruas e não podia voltar ao Brasil, pois se eu saísse dá Suíça não

poderia retornar. (Amélia)

A ilegalidade torna impossível conseguir um emprego no mercado formal e a

necessidade de permanecer “invisível” faz com que muitas mulheres busquem trabalhos como

empregadas domésticas ou babás, uma vez que nesses locais dificilmente ocorrerá uma blitz

policial. As entrevistadas logo que chegaram à Suíça trabalhavam em casas de famílias como

faxineiras ou como babás, uma delas como dançarina e outra como prostituta, como

testemunha a seguinte fala:

Na minha cidade eu era costureira, tinha minha profissão. Aqui tive que ser faxineira.

Ilegal e sem a língua é difícil conseguir outra coisa. Não adianta saber falar inglês ou

Page 49: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

47

espanhol tem que saber falar o alemão mesmo. Quem é doutora no Brasil e pensa que

vai ser doutora aqui também, é ilusão. Não é assim não. As pessoas pensavam que eu

vim pra cá me prostituir, mas eu nunca fiz isso não. (Amélia)

Vale salientar que mesmo para as participantes que foram para se casar, uma das

dificuldades enfrentadas foi não poder exercer a sua profissão. Bogus e Bassanezi (2001)

enfatizam que migrantes brasileiros, documentados ou não, são alvos de preconceito e

discriminação. Há muitas dificuldades sociais e barreiras culturais enfrentadas pela população

imigrante. Além do mais, vale salientar que a legalidade das mulheres casadas com suíços

nem sempre facilita a inserção no mundo do trabalho. Em muitos casos as experiências

profissionais são contestadas e os diplomas não são aceitos, como confirmam as seguintes

alocuções:

Meu maior objetivo era continuar trabalhando na minha profissão. Eu sou psicóloga

e queria trabalhar sendo psicóloga! Eu me deparei também com o preconceito. Eles

pensam que só tem brasileira com pouco grau de instrução. Eu não tenho nada contra

estes trabalhos (babá, diarista), mas eu não passei seis anos na faculdade pra fazer

isso. Meu principal objetivo foi e é frustrado. Eu tenho que me reintegrar no mercado

de trabalho, mas na minha área é muito difícil. (Eliana)

No nível profissional eu não tive nenhuma oportunidade, eu tinha terminado Serviço

Social. Trabalhei um tempo cuidando de crianças numa creche americana. (Alice)

Além disso, muitos maridos preferem que a esposa não trabalhe fora, como é o caso de

uma participante de nossa pesquisa, que revela que ao compartilhar com o marido o desejo de

estudar para ter uma profissão, ele não concorda, achando que é melhor que ela permaneça em

casa.

Eu queria fazer um curso de Erziehrin (educadora para trabalhar em creches), mas

meu marido disse: "Tenha mais um filho e fique em casa educando os seus próprios

filhos." (Eduarda)

Para as que têm filhos, deixá-los no Brasil, geralmente com os avós ou tios, é uma

dificuldade a mais que geralmente traz muita tristeza, como vemos nos trechos abaixo:

Page 50: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

48

Deixar um filho no Brasil é algo muito triste, mas eu ligava de duas a três vezes por

semana para ver como ele estava e mandava dinheiro. Foi muito difícil pra ele. Eu

sofria aqui e ele lá. Ele dizia: "mãe vem embora". Isso me matava, mas eu não podia

ir. (Amélia).

Eu trabalhava para mandar dinheiro para os meus filhos, que eu tinha deixado no

Brasil com a minha mãe. Eles sofreram muito e não conseguiram entender. O dia a

dia foi muito difícil. (Rebeca).

O preconceito é outra das dificuldades encontradas pelas brasileiras na Suíça,

independentemente de serem legais, ou ilegais no país, pelo fato de serem estrangeiras.Sendo

um fator agravante, o estereótipo que é passado da mulher de nosso país. Infelizmente a

imagem que os suíços têm dos brasileiros e, principalmente, das brasileiras, é bastante

conhecida. Pereira (1998) afirma que a imagem da mulher brasileira é passada com uma

grande leviandade. A mulher brasileira é fácil, sabe dançar muito bem e não leva nada a sério.

Essa idéia da mulher brasileira e do Brasil é, entre outras, consequência da forma como

durante muitos anos a imagem do Brasil foi vendida. Bastava olhar os catálogos de viagem,

para se saber como éramos (ou ainda somos) representadas, sendo o aumento do nível do

turismo sexual para o Brasil prova disso. Hoje o Nordeste está fazendo concorrência com a

Tailândia e a República Dominicana e é visitado não somente por turistas interessados nas

belas praias, mas, principalmente, por turistas interessados nas mulheres que estão por lá.

Felizmente está havendo muita mudança no campo da propaganda, mas ainda é preciso fazer

muito. Podemos perceber que todas essas dificuldades são vividas diariamente, como

mostram os seguintes excertos das entrevistas:

Existe muito preconceito com a mulher brasileira, com o estereótipo da mulata e da

mulher bonita, e assim os suíços pensam que todas as brasileiras são assim. (Lena)

A Suíça é meio preconceituosa. Uma vez eu saí com uma calça verde e amarela,

escrita Brasil, e teve gente que mudou de calçada. Aqui a gente tem que se adaptar

aos outros. Tem que ter adaptação. Se não, a gente não se acha em casa não.

(Patrícia)

Page 51: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

49

A mentalidade suíça é apontada com uma das dificuldades, porque culturalmente o

brasileiro e o suíço são muito diferentes, sendo justamente essa a diferença que as brasileiras

relataram:

Aqui na Suíça eu estava na casa de uma amiga casada com um suíço. Ele não pensa

como a gente. Eu já queria voltar porque não era o que eu havia pensado. (Rebeca)

Quando eu cheguei à casa de minha irmã foi difícil. O marido dela tem outra cultura.

A gente é mais aberta. Família aqui é aquele negócio de viver cada um no seu

quadrado. Eles têm uma cultura fria como o clima. Nós somos diferentes,

espontâneos, alegres. Eu tinha medo de perder a minha alegria, tentava me divertir,

mas era como se eu estivesse sozinha no meio da multidão. Eu tinha 18 anos. (Lena)

1.3. Circunstâncias em que o casal se conheceu

Nesta temática, as falas de seis participantes que foram em busca de melhores

oportunidades mostraram que elas conheceram seus maridos por intermédio de amigos ou

parentes que já residiam na Suíça, mas também em sites de relacionamento, jornais e festas.

Enquanto as participantes que vieram para se casar, cinco conheceram seu marido no Brasil. E

apenas uma conheceu seu marido durante uma viagem que fez a Suíça.

Todas as entrevistadas que foram em busca de melhores oportunidades de vida, depois

de certo período na Suíça, por diferentes motivos como querer permanecer na Suíça, sair da

ilegalidade ou trazer os filhos que estavam no Brasil, acabaram por optar por um casamento

que, a princípio, não foi baseado no amor, como testemunham as seguintes falas:

Eu conheci meu marido através de um anúncio que eu botei no jornal. Você sabe isso

é comum aqui. Eu recebi 34 cartas, várias eram lixo, mas duas me interessaram por

causa da língua. Eles falavam espanhol e eu entendia um pouco. (Amélia)

Eu estava vivendo ilegal, tinha que trabalhar e mandar dinheiro para o meu pai para

sustentar os meus filhos. A minha irmã vivia dizendo: "Você tem que casar! Você tem

que casar!" Aí eu conheci meu marido numa discoteca e morei três meses com ele.

Page 52: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

50

Depois eu fui para o Brasil e voltei com os meus filhos e me casei com ele.

(Bernadete)

Mas acontece que eu me apaixonei pela Suíça, pela situação que eu vivia aqui, pela

questão financeira. Eu pensava: meu Deus, quando eu voltar para o Brasil eu não vou

ter isso! Então eu resolvi me casar, eu conheci meu marido pela internet, no site de

relacionamento com suíços. (Carolina)

Eu fui apresentada a um senhor, que fazia quatro meses que estava separado. Quando

eu o conheci, eu fui logo verdadeira. Eu disse: eu tenho dois filhos. Eu quero construir

uma família. Então ele disse: "Nós nos casamos e você vai buscar as crianças." Três

meses depois nos casamos e eu fui buscar as crianças no Brasil. (Rebeca)

O casamento com um suíço foi realizado, se assim podemos dizer, porque foi

necessário. Essas brasileiras queriam permanecer na Suíça e a única de forma de continuar

legalmente no país seria o casamento com um suíço ou com um europeu que possuísse um

visto de permanência. Permanecer ilegal no país é uma condição muito delicada, de constante

perigo e estresse emocional. Todas elas estavam desempregadas no Brasil, com famílias ou

filhos dependentes delas, o que certamente levou-as a pensar não somente nelas, mas também

nos familiares e nos filhos, uma vez que o casamento regulariza sua situação no país e para as

que têm filhos lhes dá a oportunidade de trazê-los. Janka e Athole (2003) afirmam que o visto

dado às mulheres migrantes estipula claramente que o casamento é a única justificativa para

sua estadia na Suíça. Vale ressaltar o fato de que não queremos dizer que durante o

casamento o amor não possa vir a ser construído, mas que, no primeiro momento, o

casamento é realizado em função de outros motivos como confirma o seguinte trecho

discursivo:

Na realidade eu não casei porque estava apaixonada, casei porque aconteceu. O

nosso relacionamento foi se construindo devagarzinho. O relacionamento aqui tem

um jeito diferente. (Patrícia)

Segundo Keller (1997), uma das razões da elevação do número de migrantes brasileiros

na Suíça refere-se ao papel de destaque que o Brasil ocupou no âmbito do empreendimento

turístico, atraindo muitos europeus para conhecer de perto o chamado “exotismo tropical”, o

Page 53: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

51

que resultou no aumento de casamentos interculturais entre brasileiras e suíços. Cinco entre

as seis participantes da nossa pesquisa conheceram seu marido no Brasil, o que corrobora com

Keller:

Eu era garçonete e ele estava de férias no Brasil; foi no trabalho que nós nos

conhecemos. Quando eu pedi demissão para viajar, todo mundo foi contra. Todo

mundo me metia medo. Isso é perigoso. Eu pensei: se for de dar certo, Deus vai me

ajudar, eu não desisto. (Suelen)

Meu marido estava de férias no Brasil e nós nos conhecemos. Ele disse que eu era a

mulher da vida dele. Em um mês estava casada e na Suíça. Eu vim por amor, tinha 26

anos. (Rita)

Meu marido estava lá (no Brasil), fazendo uma pesquisa e assim nós nos conhecemos.

Ele ficou três meses e depois voltou. Eu vim aqui de férias com ele e assim

continuamos. (Eliana)

Só uma das participantes conheceu seu futuro marido na Suíça, por ocasião de suas

férias, como nos mostra a seguinte fala:

Quando eu terminei a faculdade eu vim passar umas férias aqui, na casa de uma

prima, e no segundo mês eu conheci o meu marido. . Eu fiquei morando com minha

prima e aí eu permaneci ilegal depois dos três meses que é permitido ficar aqui. Então

ele foi ao Brasil conhecer meus pais, voltamos e com quatro meses estávamos

casados. (Alice)

Podemos perceber que todas as brasileiras que foram para a Suíça, em função do

casamento conheceram seus maridos durante as férias, seja na Suíça ou no Brasil, e passam

por muitas dificuldades, o que corrobora com a afirmação de Smith (2006), de pessoas que

escolhem parceiros de casamento enquanto estão longe de parentes, do ambiente familiar e de

contatos sociais, podem não ter a perspectiva equilibrada de avaliar objetivamente as

características emocionais do amigo de outra cultura. Seu julgamento pode ser limitado por

uma falta de "normas" a serem consideradas. Como vimos o processo de migração,

Page 54: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

52

independente de seus motivos pode ser considerado muito difícil, mesmo quando a brasileira

migra em função de um casamento previamente planejado e desejado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A globalização e as novas formas de tecnologias, bem como as mudanças no papel

social da mulher, têm contribuído para o aumento da migração feminina e, por sua vez, com

os casamentos interculturais. Porém, constatamos que essas mulheres ao migrarem, de modo

geral, não estavam conscientes das dificuldades que seriam enfrentadas ao deixar o seu país.

Muito claro para as mulheres pareciam ser as facilidades que estas teriam ao deixar o Brasil,

pois várias delas migraram acalentadas pelo sonho de ter encontrado ou de encontrar um

príncipe encantado, pensando que iriam viver como em um conto de fadas “felizes para

sempre.” A realidade do dia a dia, no entanto, se mostra bem diferente.

Os motivos da migração feminina são vários: desemprego, falta de condições

financeiras, reconstrução familiar ou mesmo razões amorosas. Os resultados mostraram que

muitas brasileiras que migram para Suíça como turistas se confrontam com restritas leis de

migração e acabam se casando para poder permanecer na Suíça, além de se depararem com a

falta de oportunidades também ao retornar ao Brasil. As que se apaixonaram por um suíço e

que migraram por razões amorosas, terminaram se casando rapidamente em função das leis de

migração, que só permitem sua permanência na Suíça por um período limitado.

Pode-se constatar que existe também uma pressão, por parte dos conhecidos e

familiares que já vivem na Suíça, para que a mulher que migrou como turista logo se case e

assim possa resolver a sua permanência no país, ou seja, possa resolver o problema da

legalização. Só assim elas poderão dar continuidade à sua vida independentemente dos

familiares ou conhecidos. Ao mesmo tempo, é um fato que muitas delas sentem-se

pressionadas a se casarem por terem deixado filhos no Brasil e desejarem levá-los para o seu

convívio familiar. Constatamos que, independente dos motivos, as dificuldades vivenciadas

para a adaptação das brasileiras são inúmeras, sendo a língua apontada por todas as

participantes da pesquisa como uma grande dificuldade, pois na Suíça muitos ainda pensam

que quando uma pessoa não sabe falar direito, ela também não sabe pensar direito.

Page 55: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

53

O choque cultural é grande em razão da diferença cultural entre o Brasil e a Suíça. A

mentalidade suíça, em função de sua historia e também de ser um país do velho mundo e pós-

industrial, é muito diferente da mentalidade brasileira, que é um país jovem e em

desenvolvimento. Segundo Pereira (1998), quando tudo na vida de uma pessoa, sua cultura e

seu papel social, é questionado, então se faz necessário criar uma nova pessoa, mas isso é

muito difícil porque há o imperativo de ter que aprender tudo de novo: como se fala, como se

age, novas regras sociais, entre outras inúmeras exigências decorrentes desse novo contexto.

A dependência do cônjuge também é apontada por algumas participantes como uma

frustração. Em outras palavras, o que elas esperavam com a migração, tudo que idealizaram,

para a maioria, acabou por não concretizar-se. A possibilidade de inserção no mercado de

trabalho, por parte das participantes que já possuíam o nível superior, ao migrarem para a

Suíça, não foi possível, apesar de estarem legalmente no país.

Apesar da existência do mito de que todas as mulheres que estão fora do Brasil,

vivendo em outros países, vivem muito bem, como se elas não tivessem problemas, os

resultados desta pesquisa, de maneira geral, apontam para uma outra realidade. Pereira

(1998) escreveu sobre a inveja e a admiração que as pessoas, no Brasil, têm acerca daquelas

que vivem na Suíça, achando que têm tudo por morarem num país rico, mas não sabem das

situações desagradáveis que enfrentam e que, muitas vezes, são mantidas em segredo pelas

próprias mulheres. Para a autora, isto está ligado à ilusão que se tem de que a Europa é um

paraíso. Oliveira e Oliveira (2009), em seu livro “Lúcia Amélia Brüllhardt: da lama do

nordeste à fama da Europa”, como já foi mencionado, contam a biografia de Lúcia, uma

brasileira que migrou para a Suíça como dançarina e alertam sobre todas as dificuldades que

ela enfrentou. Atualmente Lúcia tem um projeto chamado “Madalenas: viver e vencer no

Brasil”. O projeto tem como objetivo alertar e informar jovens sobre as dificuldades de aceitar

trabalhos no exterior, seja como artista, babá, cozinheira ou por uma simples proposta de

casamento. Ela encerra a sua biografia dando o seguinte conselho: “às jovens brasileiras, o

conselho que dou, é que cada uma de vocês estude, viva e vença no Brasil.”

Dada a complexidade do tema em questão, principalmente em função dos diferentes

motivos para a migração, seria grande pretensão achar que podemos esgotar as possibilidades

de pesquisa sobre ele. Consideramos, entretanto, que nos foi possível fazer um mapeamento

inicial sobre a questão, mas certamente novas investigações se fazem necessárias. À medida

Page 56: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

54

que fazíamos nossa revisão de literatura e, especialmente a análise das falas das participantes,

surgiam novos questionamentos que os estudiosos da migração feminina até agora não

puderam articular. Como focamos nosso interesse, a princípio, nos motivos da migração, bem

como no impacto da chegada das brasileiras à Suíça, a sua percepção da nova realidade, as

dificuldades vivenciadas e o que as levou ao casamento, há outros pontos não menos

importantes que foram preteridos e podem ser considerados em pesquisas futuras. No entanto,

acreditamos ter contribuído, principalmente, no sentido de sensibilizar os profissionais e as

famílias para os problemas relacionados à migração, objetivando conscientizar tanto as

mulheres que migram para trabalhar, quanto quelas que conhecem um europeu aqui no Brasil

e decidem migrar, sobre a realidade da migração e as suas conseqüências.

REFERÊNCIAS

Ammann, S.B. (2006). Brasileiros na Suíça: por que deixam o Brasil? Acessado em 06.052010 e recuperado em http://www.swissinfo.ch/por/índex/brasileiros_na_Suiça Ammann, S. B. & Ammann, P. (2006). Por que os migrantes brasileiros escolhem a Suíça como destino? Acessado em 06.05.2010 e recuperado em http://www.swissinfo.ch/por/especiais/cronicas_do_estrangeiro/por_que_os_emigrantes Amazonas, M. C. L. A., Dias, C. M. S. B. & Santos, G. A. (2009). Conjugalidades interculturais e relações de gênero. In: L. C.Osório & M. E. Pascual do Valle (Org.). Manual de Terapia Familiar (pp. 74-87). São Paulo: Artmed Editora. Baeckert, L. T. (2008). Os sonhos das babás brasileiras ilegais na Suíça. Acessado em 06.05.210 e recuperado em http://www.swissinfo.ch /por/ reportagens /Os_sonhos Bogus, L.M. & Bassanezi, M. S.. (1998). Brasileiros na Itália: movimentos migratórios e inserção social. Acessado em 20.05.2010 e recuperado em http://www.classical.edu. Bundesamt für Statistik –BFS. (2007). In: Binational (Preliminary Remarks). Acessado em 19.11.2008 e recuperado em http://www.binational.ch/en/fragen/vorbemerkung.html Cleaver, V. (2009). Ninguém pode integrar outra pessoa. Acessado 19.11.2008 e recuperado em http//www.swissinfo.ch/por/sociedade Centrum für Binationale und Interkulturelle Paare und Familien – ECB. (1999). Acessado e mm10. 05.2009 e recuperado em http:// www.cbif.at Daure, I & Reveyrand-Coulon, O. (2009). Transmissão cultural entre pais e filhos: uma das chaves do processo de migração. Acessado em 10.04.2010 e recuperado em http://www.sielo.br/sielo.

Page 57: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

55

Fankhauser, P. (2006). Schweiz Informationen. Acessado em 14.05.2010 e recuperado em http://www.swisswold.org.de Fachstelle Frauenhandel und Frauenmigration- FIZ . (2009). Acessado em 24.04.2010 e recuperado em http://www.fiz-info.ch/index.php?page 483 Fauss, M. In: Weller, W. (2004). Revista Scalabriniane del Mondo. n.22, Brasília: CSEM. Figueiredo, P. M.V.(2005). A influencia do lócus de controle conjugal nas habilidades sociais

e na satisfação do casamento. Acessado em 20.05.2010 e recuperado em htpp://ciênciaecogniçao.org

Franken, I., Coutinho, M.P. & Ramos .(2008). Migração, qualidade de vida e saúde mental: Um estudo com brasileiros migrantes. In: N. Ramos (org.). Saúde, migração e Perspectivas teóricas e práticas (pp. 177-212). João Pessoa: Ed. Universitária, UFPB . Garcia, L. (2007). Mulheres Transnacionais. Imaginário. USP, (13), 379-398. Hoffmann,G. (2009). Brasileiras em segundo lugar na preferência dos suíços. Acessado em 05.06.10 e recuperado em http:// www.swissinfo.ch/reportagens/ brasileiras Huber, L. (1996). Nos trajetos da sujeição: brasileiras na Suíça. Travessia – Revista do migrante. N°. 26, São Paulo: Peres, 35-37. Janka, V. & Athoele, A. (2003). Estrangeiras sonham amor alpino. Acessado em 27.09.2010 e recuperado em http:// www.swissinfo.ch/ por/índex/estrangeiras_sonham_amor_alpino_(I) Keller, B.P. (1997). Imigrantes brasileiros na Suiça: histórias de vida e estratégias de ação. Instituto Universitaire D’études Developpment, Berna, Suíça. Maurer, S. & Janota, M. R. (1998). Grupo de trabalho. I Encontro Nacional de Brasileiras na Suíça. Berna. Minayo, M. C. (2004). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8ª edição. São Paulo: Hucitec. Ministério das Relações Exteriores – MRE. (2009). Notícias para o Mundo. Acessado em 06.05.2010 e recuperado http://www.swissinfo.ch.sociedade/Emigrantes Oliveira, A.C.(2003). Migrações do passado e do presente: uma análise cruzando gênero, etnicidade e preconceito. Franca: UNESP. Oliveira, G.M. & Oliveira S. (2008). Lúcia Amélia Brüllhardt: Da lama do Nordeste a fama na Europa. Recife: Nossa Livraria. Pereira, C. (1998). Migração: história, aspectos legais e situação das migrantes na Suíça. In: I Encontro Nacional de Brasileiras na Suíça. Berna. Ramuz, C. F (1947) Bergler und Igelmentalität. Acessado em 10.05.2010 e recuperado em http://www.swisswold.org.de

Page 58: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

56

Reginato, F. (2009). Palestra. IV Encontro Nacional de Brasileiros na Suíça. Berna. Scheifele S. (2008). Migration und Psyche. Gissen, Alemanha: Psychosozial. Smith, R. C. (2006). Duas culturas, um casamento. Acessado em 10.09.2010 e recuperado em http://dialogue.adventist.org/articles/10_2_smith_pp.htm Souza, I. C. F.(2007). A integração de imigrantes brasileiras em Roma: conquistas e dificuldades. Imaginário, (13), 399-415. São Paulo: USP. Turato, E. R.(2003). Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. Petrópolis: Vozes. Weiss, R. (2005). Macht Migration Krank? Eine transdizciplinäre Analyse der Gesundheit von Migrantinen und Migrant. Zurique, Suíça: Seismo. Weller, W. (2004). Entrevista. Resvista Scalabriniane del Mondo. n.22, Brasília: CSEM.

Page 59: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

57

CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

BRASILEIRAS CASADAS COM SUÍÇOS

Flavia de Maria Gomes Schuler

Cristina Maria de Souza Brito Dias

Universidade Católica de Pernambuco

RESUMO

O casamento intercultural nos tempos da globalização já não é nenhuma novidade. Na medida

em que as barreiras a tais uniões vão diminuindo, consequentemente, elas vão ganhando

espaço. Vemos uma crescente mobilidade das pessoas, seja através do turismo, da migração

ou ainda dos avanços tecnológicos, que nos permitem estar conectados ao mundo. Na Suíça,

por exemplo, 50% de todos os casamentos realizados são interculturais e as brasileiras estão

em segundo lugar na lista das mulheres com quem os suíços mais se casam. Diante do

exposto, esta pesquisa teve como objetivo geral estudar o casamento entre brasileiras e suíços

e as repercussões deste casamento em suas vidas. De maneira mais específica analisamos: 1.

Os elementos facilitadores e dificultadores da convivência; 2. O processo de adaptação ao

novo país, adequação à família do cônjuge e ao próprio casamento; 3. Os sentimentos

experimentados e as necessidades sentidas. Participaram da pesquisa doze mulheres casadas

com suíços, que vivem na Suíça, na parte alemã. As participantes responderam a uma

entrevista com questões relacionadas aos objetivos da pesquisa e aos dados

sociodemográficos. As entrevistas foram examinadas segundo o método de Análise de

Conteúdo Temática. Entre os aspectos positivos destacaram-se uma nova visão do mundo e o

aprendizado de uma nova língua. Entre as dificuldades percebidas, por sua vez, destacaram-se

os problemas com a cultura, a língua e a criação de filhos, pois o convívio com a família do

cônjuge é distante e a adaptação à nova cultura envolve muitas mudanças. A experiência

como um todo foi vista com ressalvas, sendo necessários diálogo, respeito à diferença e à

cultura do outro, no processo de adaptação. Além disso, retornar ao Brasil fica difícil em

função do marido e dos filhos, além da violência e da falta de oportunidades, que percebem

no mesmo, embora, na maioria, haja o desejo de voltar.

Palavras- chave: Casamento, interculturalidade, brasileiras, suíços.

Page 60: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

58

ABSTRACT

Intercultural marriages in the age of globalization are no longer news. As the barriers to these

unions are diminishing, consequently, they are progressively gaining space. We see a rising

mobility of people by tourism, migration or even technological advances that permit us to be

connected with the world. In Switzerland, for instance, 50% of all the marriages realized are

intercultural and Brazilian women are in second places of the list of women with whom Swiss

mostly marry. Before the exposed, this research had as general objective to study the marriage

between Brazilian women and Swiss men and the repercussions of this marriage in their lives.

More specifically we analyzed: 1. the processes that brought facilities and difficulties into the

coexistence. 2. The process of adaptation to the new country, to the family in law, and to the

marriage itself. 3. The feelings experienced and the needs felt. Twelve Brazilian women who

are married to Swiss men and live in the German part of Switzerland participated. The

participants answered to an interview with questions related to the objective of the research

and social-demographic data. The interviews were analyzed with the Analysis of thematic

content. Between the positive aspects stood out a new world-view and the learning of a new

language. Between the difficulties realized, stood out the problems with the culture, with the

language, and with the educations of the children, as the coexistence with the family in law is

distant and the adaptation to a new culture involves a lot of changes. The experience in

general was viewed with certain reservations. Nevertheless, returning to Brazil is difficult

because of their husband and children, the violence and lack of opportunities, even if there is

a wish to return.

Keywords: Marriage; interculturality; Brazilian women; Swiss men.

Page 61: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

59

INTRODUÇÃO

Segundo Perel (2000), não é possível continuar ignorando a crescente heterogeneidade

do mundo em que vivemos. Trata-se de uma mistura cultural potente que não mais se limita às

grandes cidades, mas penetra em nossa vida por meio da televisão a cabo e da internet, que

chega aos nossos escritórios, via fax, e lares, na escolha de parceiros românticos de diversas

culturas tão comuns hoje. Estamos vivendo na era da globalização, caracterizada por

mudanças sociais rápidas e grandes avanços tecnológicos. Zini e Arantes (1996) definem a

globalização como uma ampliação das trocas entre pessoas de diferentes culturas. As autoras

reconhecem que essa troca já acontece há muito tempo, mas não na velocidade em que ocorre

atualmente. Todas essas mudanças estão influenciando as diversas culturas e, obviamente, o

comportamento das pessoas.

O casamento intercultural nos tempos da globalização já não é nenhuma novidade.

Hoje é possível manter relacionamentos com pessoas de outros continentes sem sair de casa.

Desta forma, este tipo de casamento coloca em questão desafios intelectuais e emocionais,

sendo definido por Romano (1997) como a união entre duas pessoas de culturas diversas,

como também de diferentes países, que pode incluir, mas não necessariamente, diferentes

raças e/ou religião. Perel (2000) afirma que estudar os casais formados por pessoas de origens

diversas leva- nos a esbarrar com diferentes pontos de vista, o que nos ajuda a compreender

como eles se adaptam aos conflitos culturais e como reagem ao fenômeno contemporâneo da

marginalidade e da mudança cultural.

Segundo Hollenstein (1994), só na Alemanha vivem mais de dois milhões de pessoas

em famílias interculturais e nos Estados Unidos apenas 25% entre todos os casamentos

realizados são entre pessoas da mesma cultura. Segundo o Departamento Federal de

Estatísticas da Suíça (BSF), em 2007, 50% de todos os casamentos realizados na Suíça foram

casamentos interculturais. Pesquisas mostram que, na atualidade, famílias interculturais

constituem uma grande parte da população europeia (ECB 1999) e, por que não dizer, do

mundo. Vale ainda salientar que as famílias interculturais são consideradas as famílias do

futuro.

Page 62: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

60

Diante do exposto, o objetivo deste artigo é apresentar resultados de uma pesquisa

realizada com brasileiras casadas com suíços. O referencial teórico abordará as peculiaridades

do relacionamento intercultural e as características do casamento de brasileiras com suíços,

para, em seguida, apresentarmos o método utilizado, os resultados e discussão dos mesmos.

Peculiaridades do casamento intercultural

Segundo Hotvedt (2002), o tema “casamento intercultural” é vasto e complexo e, de

acordo com Perel (2000), ele não tem recebido a atenção que merece por ser um fenômeno

novo, tendo se acentuado a partir dos anos 50. Apesar disso, indivíduos de diferentes credos,

culturas, nacionalidades e raças têm estabelecido relacionamentos afetivo-sexuais passageiros

ou duradouros e, neste último caso, trazem à tona novos modelos de família e de

comportamento que se adaptam em um mundo em constante transformação.

Este tipo de casamento, como qualquer outro, geralmente começa com base nas

similaridades e na idealização do(a) parceiro(a). As diferenças são, a princípio, relegadas

como não importantes, interessantes ou atrativas. Porém, com a convivência e com a

formação de uma família, todas essas diferenças vêm à tona na forma de valores e papéis, o

que torna o relacionamento mais complexo. Segundo Carvalho, Hoffmeister e Schmidt

(2009), no começo, quando pessoas de diferentes nacionalidades se apaixonam, tudo é muito

excitante! Essa diferença cultural é justamente o ponto central de aproximação. Mas, com o

tempo, ela pode causar muitos problemas.

De acordo com Amazonas, Dias e Santos (2009), a construção de uma conjugalidade

demanda grande investimento por parte de um casal. São duas histórias de vidas familiares

distintas que se encontram, duas tradições diferentes, duas visões de mundo, sem falar na

pluralidade de subjetividade, tanto por parte da família de um, como da do outro, que se

mesclam. Imaginemos, então, quando as pessoas envolvidas neste tipo de conjugalidade, além

de lidar com todos esses fatores, ainda se deparam com o encontro entre duas etnias –

nacionalidades também distintas. Smith (2006), concordando com as autoras acima, diz que

cada cônjuge traz para o casamento uma lista não escrita do que fazer ou não fazer, do que

dizer ou não dizer. Essas diferenças individuais, aprendidas em diferentes ambientes culturais,

podem ser tão difíceis de administrar que os mal entendidos e os conflitos tornam-se

inevitáveis. Quando diferenças culturais ou raciais são adicionadas às diferenças de família,

Page 63: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

61

região ou classe social, a probabilidade de surgirem conflitos aumenta consideravelmente.

Logo, podemos concluir que os casamentos interculturais merecem mais atenção. Casar com

alguém de outra cultura significa casar com aquela cultura também. Pensar que a pessoa com

quem casamos vai se desligar totalmente da sua cultura é dos mais graves erros.

Pesquisas mostram que as sociedades diferem quanto à aceitação de casamentos

interculturais; embora inexistam barreiras legais a esses casamentos, sabemos que existe

muito preconceito e discriminação. Segundo Perel (2000), as reações aos casamentos

interculturais nos Estados Unidos se polarizam: ou eles são bem-recebidos e tolerados, ou são

enfrentados com xenofobia (ódio ao estrangeiro). Em um extremo, existe a visão de que essas

uniões são testemunhas do poder do amor que transcende as fronteiras tradicionais. No outro,

há uma visão alarmista que vê esse tipo de união como uma ameaça à identidade nacional.

De acordo com Mischeler e Mason (1996) citado por Hotvedt (2002), o casamento

intercultural, do ponto de vista de muitas posições polêmicas, é considerado uma ameaça à

continuidade cultural do grupo, uma possível perda do controle do vínculo entre gerações ou

ainda uma oportunidade de uma melhoria dos destinos dos filhos e do futuro da família e da

sociedade. As pessoas, de forma geral, se dividem entre esses dois tipos de reação e vão ou

para um extremo, ou para o outro, mas acreditamos que, principalmente, a geração mais

velha, que vem de uma forte tradição do velho mundo, teme perder suas características

nacionais e vê, muitas vezes, esses casamentos mais de uma forma negativa do que positiva.

De acordo com Rissi (2004), em um editorial que apresenta as primeiras informações a

casais interculturais na Suíça, estas pessoas geralmente têm que vencer barreiras legais,

sociais, culturais e financeiras. Se o (a) companheiro (a) vive em um país diferente ou até em

um continente diferente, o relacionamento não pode seguir o seu ritmo natural por muitas

razões, inclusive pelo direito (ou não) de residência no país. Viver juntos sem estar casados

não é possível na Suíça. Segundo Reif (2004), a maioria dos casais interculturais tem que lutar

contra as leis de migração: se eles desejam permanecer juntos, têm que casar apressadamente,

transpondo a fase em que o casal devia se conhecer melhor, passando direto para o casamento.

Então, para que o casamento intercultural ocorra, o homem ou a mulher deixa o seu país de

origem e migra para o país do outro. Para Scheifele (2008), migração é uma aventura

traumatizante. Os migrantes são obrigados a enfrentar o isolamento, a insegurança e a

incompreensão, precisam abandonar suas famílias, amigos, locais conhecidos e seguros, para

enfrentar não apenas uma nova cultura e língua, mas também novos hábitos culturais e

Page 64: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

62

religiosos, assim como a insegurança em um novo país. Esse migrante vivencia o que

denominamos de choque cultural. Pollock e Van Reken (1999) definem cultura como um

sistema compartilhado de pressuposições, crenças e valores, a partir do qual nós interpretamos

o mundo ao nosso redor. Esse sistema é passado pelos mais velhos às crianças através de

exemplos, correção e normas. A cultura se aprende, se re-aprende, se re-transmite, se

reproduz de geração em geração. Não está inscrita nos genes, mas, ao contrário, no espírito e

no cérebro dos seres humanos. A cultura, mais do que a herança genética, determina o

comportamento do ser humano e justifica as suas realizações, levando-o a agir de acordo com

seus padrões culturais. Segundo McGoldrick (2003, p. 28), “o gênero, a raça e outras noções

culturais estão constantemente em movimento, mudando nos significados e nas definições,

tanto por parte do observador quanto do observado”. Sob o ponto de vista sistêmico, a cultura

não é um amontoado de valores, idéias e instituições que pode ser segregado tendo como

separar por categorias cada um dos elementos que a compõe, mas um sistema complexo de

elementos coordenados e completamente integrados. A cultura, portanto, vai ser o resultado

das escolhas que o homem faz para organizar a sua vida face ao que o rodeia. Estas escolhas

são feitas em termos individuais, em comunidade, de forma consciente ou inconscientemente.

As pessoas sentem-se equilibradas em sua cultura, o que as deixa livres para agirem

porque elas estão preparadas para isto, até por instinto. Lang (2002) chega a dizer que a

cultura pode ser comparada ao ar que respiramos: nós nos acostumamos e nem damos conta

que ele está a nossa volta. Mas, se privados do ar que respiramos, nós sentiremos

imediatamente. No entanto, quando as culturas colidem, o instinto não pode mais ajudar.

Pollock e Van Reken (1999) acrescentam ainda que quando temos que aprender e re-aprender

as regras básicas do mundo ao nosso redor, nossa energia passa a ser usada apenas para

sobreviver e não mais para viver. Quando estamos fora do nosso equilíbrio cultural passamos

mais tempo entendendo o que está acontecendo do que participando do acontecimento e essa

é exatamente a experiência de muitas pessoas que se encontram em meio a uma cultura

estrangeira. Elas sentem que as estratégias para lidar com o dia a dia não funcionam mais.

Em uma situação de choque cultural, nós não nos sentimos seguros, não sabemos o que é

esperado de nós, nem o que esperar das pessoas que estão ao nosso redor. Pessoas de culturas

diferentes podem até compartilhar conceitos básicos, mas olham tudo a partir de diferentes

ângulos e perspectivas, fazendo-as agir de tal maneira que para alguns aquele tipo de

comportamento é irracional, enquanto que, para outros, o mesmo comportamento pode ser

considerado totalmente normal.

Page 65: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

63

Segundo Yamaguti (2001), quando crescemos, os conceitos “nacionais” aprendidos,

tornam-se nossos e passamos então a enxergar os hábitos dos outros como sendo estranhos ou

excêntricos, por serem diferentes dos conceitos assimilados, sendo justamente esse o motivo

pelo qual, ao entrarmos em contato com outra cultura, vivenciamos o choque cultural. De

acordo com Hofstede (2009), o choque cultural se processa em quatro fases: a primeira fase é

a euforia, ou seja, o entusiasmo do começo, onde tudo é novidade e existe uma excitação em

conhecer um mundo novo; a fase seguinte é o choque cultural, ou seja, a crise, caracterizada

por sentimentos de medo e insegurança, tanto a nível psíquico, quanto a nível físico; a terceira

fase é a aculturação, ou seja, quando o migrante começa, aos poucos, a aprender a viver sob

as novas condições, tendo adotado alguns valores locais; a quarta e última fase é a da

estabilidade: nela o migrante pode continuar sentindo-se estrangeiro e discriminado; pode

considerar-se adaptado à cultura na qual ele está inserido; ou pode até mesmo se considerar

um nativo.

A cultura, portanto, molda as atitudes com relação ao tempo, à família, à alimentação,

ao dinheiro e até mesmo com relação à monogamia. As normas culturais afetam a forma como

sentimentos de raiva ou afeição são expressos; como crianças são criadas e recompensadas;

como estranhos e amigos são saudados; e até no que diz respeito aos papéis que homens e

mulheres desempenham na sociedade (Crohn, 2003). Entretanto, é necessário compreender

que entre pessoas de diferentes culturas, as diferenças não são apenas formais. Elas vão além

da diferença da língua e das etiquetas sociais adotadas. Essas pessoas são diferentes na

maneira de ver o mundo, no modo de expressar seus sentimentos e compartilhar pensamentos.

Na realidade existem valores universais e sentimentos que são comuns a todas as pessoas,

independentes da cultura, como: justiça, gratidão, amor, medo, sobrevivência, necessidade de

aceitação. Contudo, a maneira como a pessoa lida com esses sentimentos e valores universais

e como ela os expressa, é modificada pela cultura.

Por outro lado, do mesmo modo que o migrante vivencia o choque cultural, também os

habitantes locais têm suas reações ao receberem os estrangeiros. Segundo Salman (2007), o

processo de aceitação do recém-chegado acontece devagar, principalmente quando existem

muitas diferenças físicas entre os estrangeiros e os habitantes locais. Esta condição pode

influenciar negativamente na assimilação e na reorganização da identidade do migrante,

apesar de, naturalmente, uma série de outros fatores estarem envolvidos.

Page 66: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

64

Todavia, além da diferença cultural, outro fator importante é a nova língua a ser falada,

que certamente vai afetar a comunicação, tanto na sociedade quanto no relacionamento. Cada

pessoa pertence a um grupo cultural e um dos elementos principais da cultura, ao lado dos

valores e regras, é, sem dúvida, a língua. Casais interculturais geralmente se comunicam em

uma língua que, pelo menos um deles, não domina totalmente. Isso faz com que eles tenham

dificuldades de se comunicar e de se entender, principalmente no campo das emoções. Se o

casal está falando uma língua que é estrangeira para ambos, existe certo equilíbrio. Porém, se

uma pessoa está falando a sua língua mãe, e a outra, uma língua estrangeira, então se

estabelece um desequilíbrio e a comunicação pode ser impedida. Muitos desentendimentos

são desenvolvidos apenas em função da língua e muitos não chegam nem a ser reconhecidos.

Uma das maiores dificuldades para se viver em outro país é dominar a língua. De acordo com

Salmam (2007), o caminho entre falar a nossa língua e falar uma língua estrangeira é muito

longo, até que se alcance o verdadeiro bilinguismo. O migrante vive em um mundo de duas

línguas e, na maioria dos casos, fala a nova língua de modo fraco e, muitas vezes,

desconcertante.

É comprovado que a língua mãe é fácil de ser aprendida, mas quando falamos de

aprender uma segunda língua sendo já adultos, é muito mais difícil e até quase impossível,

pelo menos no que diz respeito a realmente dominar a segunda língua como dominamos a

língua mãe. Uma segunda língua se processa muito mais como uma tradução da nossa própria

língua e, por consequência, com bem menos conotação emocional. De acordo com Barrera

(2008), uma pessoa que vive em um país diferente do país do seu nascimento, mesmo depois

de vinte anos, vai continuar sendo considerado um estrangeiro - senão pelo resto da sua vida.

Segundo Storti (2001), sem a língua os poetas são desarmados, os diplomatas perdem a sua

habilidade e as pessoas comuns tornam-se incompetentes para se comunicarem, retornando

quase à situação de uma criança de dois anos. Isto ocorre porque muito do nosso poder

depende da habilidade que temos para nos comunicar.

Para Romano (1997), uma relação de verdadeira intimidade entre duas pessoas que

não dividem a mesma língua materna é muito difícil, pois as possibilidades de falharem nesta

questão são muitas. Em uma língua estrangeira, humor e emoção profunda são muito difíceis

de serem comunicados. Se existe um desequilíbrio entre o casal, o que possui melhor

habilidade na língua provavelmente dominará a conversa e poderá usá-la a seu favor, tirando

Page 67: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

65

vantagens. Então, neste contexto de diversidade cultural, a comunicação surge como um

grande desafio.

Vale salientar ainda que, mesmo quando duas pessoas estão se comunicando ou

falando uma com a outra, isto não significa que elas estão de fato se entendendo.

Entendimento se dá apenas quando duas pessoas têm a mesma interpretação acerca dos

símbolos usados no processo de comunicação, sejam eles palavras ou gestos (Harris & Moran,

1987). Barrera (2008) explica que o significado das palavras é de certo modo cultural, pois

existe uma espécie de “gramática cultural” que nem sempre é entendida pelo estrangeiro. A

língua forma tanto a alma como o corpo, em seus posicionamentos e movimentos, que nem

sempre são percebidos por quem fala. Nas situações interculturais isto geralmente ocasiona

irritação e desentendimentos. Mas, apesar de todas estas dificuldades, não podemos esquecer

de mencionar que o bilinguismo pode ser visto como uma grande oportunidade de se aprender

uma língua estrangeira no dia a dia e pode significar a possibilidade de que os filhos deste

casal cresçam em um ambiente bilíngue, o que é extremamente válido para o futuro deles.

Outros fatores que também podem ser bastante estressantes para os casais

interculturais, segundo Hotvedt (2002), são os valores atribuídos às famílias de origem e ao

relacionamento com elas, às regras para a educação e interação com os filhos. Perel (2000)

acrescenta a religião e o gênero e Barreira (2008) coloca ainda a diferença entre as

necessidades de distanciamento e de proximidade, que causam incessantes desentendimentos

em função da interculturalidade. Romano (2007) acredita que os conflitos estão não apenas na

forma distinta de ser, mas na forma de fazer as coisas, pois estamos convencidos de que, de

um modo ou de outro, o nosso jeito é o melhor ou o único. Então, nestas relações fica difícil

encontrar qual a melhor maneira de educar os filhos ou até mesmo de expressar carinho e

afeto.

Tudo isto aponta inegavelmente para a necessidade de conhecer a estrutura da família,

além de conhecer a cultura do cônjuge. De acordo com Smith (2006), a família interpreta e

transmite a cultura e por isso mesmo pode ser determinante no casamento. O significado, o

relacionamento e as responsabilidades para com os pais e parentes próximos podem variar

bastante de país para país. Isso também depende de outros fatores como nível social e gênero,

afinal cada família têm suas próprias “regras culturais”. Como em toda relação afetiva, a

Page 68: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

66

aceitação ou não pela família de origem do casal vai influenciar bastante no êxito ou no

fracasso do casamento.

Outro aspecto que não pode ser esquecido ou minimizado é a religião; ela impregna a

sociedade, assim como o seu sistema de direitos. Segundo Perel (2002), nos casamentos entre

pessoas de credos distintos é, em geral, difícil lidar com as diferenças religiosas, porque é

complicado aceitar as verdades da religião como “relativas”. Por isso, a religião em um

casamento intercultural deve ser considerada como uma parte importante no relacionamento

do casal. É necessário saber até que ponto a religião é vivenciada pelo parceiro/parceira e que

influência ela tem no cotidiano daquela pessoa, pois certamente refletirá no casamento. As

crenças religiosas de uma pessoa geralmente são ensinadas desde a infância e os sentimentos

religiosos, mesmos adormecidos, podem vir à tona em determinados momentos da vida.

Principalmente quando chegam os filhos, surgem questionamentos sobre qual religião eles

vão seguir, sendo tal assunto de suma importância pois é frequentemente apontado como fonte

de conflitos.

Independente de ser um casal de uma mesma cultura ou não, a chegada de um filho

inaugura uma série de sentimentos, tarefas e papéis. Mas no caso de casais interculturais,

segundo Perel (2002), o dilema acerca da criação dos filhos é, em geral, complicado e

carregado emocionalmente. Com o nascimento dos filhos muitas coisas mudam e ajustes são

necessários: entre a mãe e filho, entre o pai e o filho, assim como entre a mulher e o marido.

Logo começa para os pais o longo caminho de educar seu filho ou filha no lar intercultural. É

justamente nesta rotina do dia a dia, no atendimento às necessidades e solicitações do filho ou

filha que começam a ficar mais claras as diferenças culturais. Agora o casal precisa decidir o

estilo de educação que será adotado, a língua que será falada e até mesmo a religião que será

ensinada aos filhos: e isso é só o começo de tantos outros conflitos que certamente surgirão

diariamente entre um casal que normalmente não considerou todos os acordos e concessões

que serão necessários.

Os pensamentos heterogêneos constantemente levam a conflitos. Podemos citar como

exemplos: rituais para fazer a criança adormecer, hábitos de higiene, alimentação, critérios a

serem usados para estabelecer limites na educação dos filhos, lazer, relação com a escola e

familiares, entre outros. Arranjos precisam ser feitos para que toda esta carga de diferenças

entre o casal não seja repassada para a criança. Segundo o referido autor, é preciso sintetizar

Page 69: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

67

as duas formas de educação em uma só, e talvez os pais não precisem escolher entre uma ou

outra, mas sim decidir que modelo usar em cada situação que se apresenta.

Contudo, se esses arranjos ou essa síntese não forem feitos, a criança poderá ficar

“perdida” no meio de tantas informações diferentes. Na maioria dos casos, é sempre o

cônjuge estrangeiro que acaba cedendo mais e precisa ter um nível de tolerância maior, pois

criar um filho fora de seu país pode ser comparado a jogar uma partida de futebol fora de

casa, onde quase toda a torcida é do time contrário. O cônjuge estrangeiro percebe-se só em

relação ao ambiente no qual está inserido, onde os seus costumes não encontram apoio na

sociedade.

Costa (2004) diz que através da relação de amor aos filhos queremos perpetuar nossos

valores, nossos costumes e nossa cultura. Pelo amor, nós queremos que os valores que

prezamos sobrevivam à nossa passagem na Terra. São estes valores de que, às vezes, nós nem

temos consciência, e que começamos a estimar. Neste sentido, o cônjuge estrangeiro tem que

fazer um balanço para tentar encontrar um equilíbrio. Em alguns momentos será preciso lutar

para repassar seus valores e, em outros, será preciso ceder em busca de um equilíbrio na

relação.

À medida que as crianças crescem, dependendo dos arranjos feitos entre o casal, a

situação familiar tende a se estabilizar ou se complicar. Segundo Urech, Schiess e Stucki

(2005), em família de imigrantes, onde pai e mãe são estrangeiros, a situação pode ser

considerada, por certo prisma, mais fácil, pois ambos os pais possuem a mesma cultura e,

assim, os filhos convivem com uma realidade dentro da família e outra fora. Já os filhos de

casais interculturais vivem a diversidade dentro do próprio lar e, muitas vezes, não sabem ao

certo se são estrangeiros ou não. Mas aqui é importante salientar que filhos de casais

interculturais, a priori, não terão que enfrentar problemas familiares, pois muitos casais

conseguem fazer uma síntese e desenvolvem o que poderíamos chamar de uma “terceira”

cultura. Expressões como "identidade rasgada" ou "identidade híbrida" estão diretamente

ligadas aos processos de interculturalidade, dependendo principalmente dos parâmetros nos

quais essas crianças são educadas. Segundo Hall (2003), hibridismo cultural é uma fusão de

diferentes tradições culturais, que são uma poderosa fonte criativa, produzindo novas formas

de cultura, mais apropriada à modernidade. Outros autores, entretanto, como por exemplo

Weichselbraun (2007), acredita que entre crianças interculturais podem também surgir

Page 70: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

68

conflitos no sentimento de pertencer ou não a determinada cultura. Daí pode surgir um

"sentimento de descontinuidade", em razão de (em muitos casos) essas crianças serem

totalmente diferentes das expectativas culturais da mãe ou do pai.

A adaptação cultural de uma criança acontece na atmosfera familiar e é determinada

pelo clima vivido pelos pais dentro de casa. Para a criança, seus pais, assim como o ambiente

familiar, são a referência para o desenvolvimento de seus próprios valores e comportamentos

(Urech, Schiess & Stucki, 2005, p.126). Porém, é muito comum, na educação dos filhos, que

o casal intercultural, em vez de encontrar equilíbrio, entre em uma luta cultural. De acordo

com Hotvedte (2002), a “propriedade” dos filhos pode ser objeto de disputa no casamento

intercultural, podendo trazer vários problemas para eles tanto dentro como fora de casa.

Brasileiras casadas com suíços

Os estudos das migrações internacionais brasileiras identificam uma taxa de uniões

com estrangeiro muito maior para mulheres que migram, do que para os homens que migram.

Todos os anos milhares de brasileiras saem do Brasil em busca de uma vida melhor no

exterior. Elas partem cheias de esperanças e muitas sonham com o casamento. Elas estão fora

do Brasil por uma infinidade de razões que, muitas vezes, fugiram do seu controle. Segundo

Huber (1996), na Suíça as brasileiras, junto com as dominicanas, marroquinas e tailandesas,

formam o maior grupo de mulheres migrantes dos chamados países do terceiro mundo ou dos

países em desenvolvimento. Fica difícil falar em números porque grande parte delas vive

ilegalmente no país, sem registro em nenhum órgão. Segundo a Cônsul do Brasil em Zurique,

Vitoria Cleaver (2009), cerca de 60.000 brasileiros vivem atualmente na Suíça, sendo a

maioria absoluta de mulheres. Mas como estas mulheres ingressam na Suíça?

Fundamentalmente de três formas: como dançarinas de cabaré (elas podem ter um visto que

tem uma duração de oito meses), através do casamento ou como turistas.

A única forma, porém, de uma mulher brasileira permanecer definitivamente na Suíça

é através do casamento com um suíço ou com um europeu. Então, na maioria dos casos, tanto

as mulheres que vão como dançarinas quanto as que vão como turistas procuram também, na

realidade, um casamento. Segundo Keller (1997), são raríssimos os casos de brasileiros que

vão para a Suíça como trabalhadores migrantes, pois não existe nenhum tipo de acordo entre

os dois governos neste sentido.

Page 71: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

69

As mulheres casadas com suíços podem ser divididas, basicamente, em dois grupos:

aquelas que encontram o futuro marido aqui no Brasil e migram para a Suíça, uma vez que o

Brasil ocupa destaque no turismo, atraindo turistas que querem conhecer de perto o chamado

“exotismo tropical”; e as mulheres que decidem migrar por conta própria, a princípio como

dançarinas ou turistas, visando trabalhar e casar, para construir ou reconstruir uma família.

Casamentos binacionais na Suíça são comuns e desde o início dos anos 70 o número

de casamentos interculturais mais do que dobrou (Hofmann, 2009). Segundo o Departamento

Federal de Estatísticas na Suíça (BSF), em 2007, entre as mulheres com as quais os suíços se

casaram 891 são alemãs, 673 são brasileiras e 538 são tailandesas. Em 2008, os suíços se

casaram com 1048 alemãs, 687 brasileiras e 522 tailandesas. No ano seguinte, os suíços se

casaram com 1083 alemãs, 581 brasileiras e 468 tailandesas. Assim, percebemos que as

brasileiras se encontram em segundo lugar entre as estrangeiras com quem os suíços mais se

casam.

Vale salientar ainda que, segundo o BSF, na Suíça, em 2007, foram realizados 996

casamentos entre brasileiras e estrangeiros, sendo 673 com suíços e 323 com homens de

outras nacionalidades. No período de 2008, foram realizados 1030 casamentos entre

brasileiras e estrangeiros, sendo 687 com suíços e 343 com homens de outras nacionalidades.

Em 2009, foram realizados 916 casamentos entre brasileiras e estrangeiros, sendo 581 com

suíços e 335 com homens de outras nacionalidades. É importante ressaltar ainda que as

brasileiras cujo casamento se realiza com europeus ou com homens de outras nacionalidades

que já tenham a permissão para permanecer na Suíça, por consequência, também obtêm

permissão. Essas uniões dão origem a casamentos onde estão envolvidas não apenas duas

culturas, mas sim três culturas diferentes: a do marido, a da esposa e a do país em que vivem.

Um dos grandes questionamentos da atualidade é por que os suíços preferem casar-se

com estrangeiras e, entre elas, com as brasileiras? As justificativas são muitas. De acordo com

Thoele (2003), as mulheres suíças hoje em dia são muito emancipadas. O suíço, então,

procura no exterior, mulheres que aspirem ter uma família no formato tradicional. Segundo

Hollenstein (1994), muitos destes homens estão mal informados, pois a emancipação da

mulher também está ocorrendo em países do chamado terceiro mundo ou em países em

desenvolvimento, apesar de se dar em diferentes escalas.

Page 72: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

70

Contudo, não podemos deixar de levar em conta que as mulheres inseridas em

casamentos interculturais, principalmente aquelas que vão viver no país do marido, tornam-se

muito mais dependentes e, diante de problemas vividos no casamento, enfrentam muito mais

dificuldades. Estas dificuldades são provenientes de vários fatores como insuficiência no

domínio da língua estrangeira e no conhecimento dos seus direitos jurídicos, além do

afastamento da sua família.

Ainda, segundo Hollenstein (1994), os homens que se casam com estrangeiras vindas

de países do terceiro mundo ou em desenvolvimento, sofrem uma pressão muito grande da

sociedade. De modo geral, todos são vistos com certo preconceito em função de a mulher

trabalhar como dançarina e o homem ser um turista do sexo. A mulher estrangeira, muitas

vezes, (entre vírgulas) é vista com discriminação pela sociedade, pois muitos acreditam que o

casamento foi feito por interesse, apenas para que ela pudesse permanecer no país. Em muitos

casos este fato realmente é uma realidade, mas não pode e nem deve ser generalizado.

Destaca-se ainda ser comum entre muitas brasileiras que já estão casadas na Suíça, o hábito

de levar irmãs, primas ou conhecidas para trabalharem e, possivelmente, casarem-se.

Como se pode ver, os casamentos entre suíços e brasileiras são geralmente realizados

em pouco tempo, em função das leis da migração e, muitas vezes, apenas para evitar que a

brasileira seja deportada. Atualmente, segundo Hoffmann (2009), acontecem na Suíça cerca

de 500 a 1000 casamentos que servem apenas para burlar a lei de imigração. Por isso, a

Câmara dos Deputados da Suíça aprovou uma mudança no Código Civil para combater

casamentos forjados: pessoas que solicitam asilo e imigrantes ilegais podem ser proibidas de

casar. Agora, para poder efetuar matrimônio, o(a) estrangeiro(a) que estiver numa condição de

permanência ilegal terá de voltar ao seu país de origem e fazer um pedido formal de ingresso

na Suíça, o que pode levar meses e até mesmo ser recusado.

Diante da problemática destes casamentos, as leis suíças tornam-se cada vez mais

rígidas. As leis determinam que a esposa estrangeira de um cidadão suíço só receberá um

visto definitivo após cinco anos de vida em comum na Suíça. Durante este período, a mulher é

totalmente dependente do seu estado civil, ou seja, ela está ligada ao marido para o bem ou

para o mal, afirma Anni Laz, secretária da Solidariedade sem Fronteiras, uma ONG

especializada em temas como “imigração e direito de asilo”. O visto das mulheres migrantes

estipula claramente que o casamento é a única justificativa para a sua estadia na Suíça e este

Page 73: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

71

status não lhes concede explicitamente o direito de trabalhar. Esta frágil situação legal pode

criar situações desagradáveis. No caso do divórcio oficial, a mulher deve abandonar a Suíça,

mas a expulsão da mulher estrangeira depende das autoridades, sendo considerado se a

mulher tem filhos ou não, ou se o seu estado de saúde é crítico.

Na realidade, a lei não dá a estas mulheres nenhum direito pessoal, o que as fazem

vivenciar uma situação de completa vinculação ao marido. Se para muitas migrantes a vida na

Suíça promove uma melhoria na situação pessoal, outras acabam vivendo a triste realidade da

violência doméstica. Um marido suíço que nas férias tinha um comportamento exemplar pode

revelar seu outro lado assim que retornar ao seu dia a dia no seu país de origem.

Esta realidade descobre-se no trabalho promovido por dezesseis casas de mulheres que

oferecem proteção às esposas que sofrem violências ou estão sendo ameaçadas pelos seus

maridos. Em 2002, 16% das mulheres atendidas na Casa de Mulheres, em Berna, eram

estrangeiras casadas com suíços. A Consulesa brasileira Vitória Cleaver (2009) explica que é

grande o número de brigas nos casamentos interculturais entre brasileiras e suíços e que o

consulado não pode interferir.

Na prática, como funcionam estes casamentos interculturais entre suíços e brasileiras

com culturas tão diferentes? Hall (1990), fez uma divisão entre os países ocidentais,

dividindo-os entre países de Alto Contexto e países de Baixo Contexto. Verificamos que a

maneira como os países de Alto e Baixo Contexto vivenciam a família e o casamento é bem

diferenciada em função justamente das características culturais. O Brasil encontra-se entre os

países de Alto Contexto, ou seja, encaixa-se entre os que possuem características coletivistas,

colocando o interesse do todo acima das necessidades pessoais; o tempo é para ser desfrutado

e muita ênfase é dada na qualidade de vida; a família extensa é muito importante e os filhos

são criados com forte senso de relação e lealdade. Já nos países de Baixo Contexto, entre os

quais a Suíça está incluída, as pessoas são individualistas e o “eu” predomina sobre o “nós”; o

tempo é visto de forma linear e, por isso mesmo, datas limites devem ser estabelecidas e os

horários devem ser cumpridos; o casal é a unidade de decisão principal e os filhos são criados

com um forte senso de autonomia, confiança e independência. O estudo realizado pelo citado

autor estabelece outro nível de diferença entre a cultura brasileira e a cultura suíça e nos ajuda

a entender a base dos conflitos existentes na relação intercultural que ora pesquisamos.

Page 74: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

72

Os casamentos interculturais entre brasileiras e suíços são realizados por vários

motivos: por amor, em função do interesse de permanência na Suíça, com vistas a uma

melhoria de vida, entre outros. Entretanto, todas estas diferentes motivações, com certeza, vão

influenciar no relacionamento do casal. Segundo Mainardi (2005), a brasileira que chega

como dançarina de cabaré e encontra um suíço que a retira dessa vida tem uma situação muito

diferente da brasileira que estudou na Europa e conheceu seu marido na universidade.

Contudo, todos estes relacionamentos, em maior ou menor escala, para darem certo, vão

requerer uma profunda adaptação de ambos, marido e mulher, com relação à cultura. Esta, por

sua vez, envolve a língua, a criação dos filhos, família, além de outros fatores já citados.

Segundo Romano (1997), no casamento intercultural, o marido que está em seu país

tem muito mais “forças culturais” a seu favor, o que muitas vezes não ajuda, mas sim o

impede de alcançar sua esposa. Para ele é mais fácil permanecer centrado na sua cultura e não

considerar as diferentes expectativas da sua companheira. No nosso caso, como é a brasileira

que migra para a Suíça, é ela que precisa ter uma flexibilidade maior para conseguir se

adaptar a uma sociedade tão diferente da nossa. Se, por um lado, existe uma possibilidade de

complementação entre o casal, por outro, existem muitos obstáculos que precisam ser

ultrapassados. Casamentos interculturais são denominados pelo Conselho Online de Colônia,

na Alemanha (2000), “como dois mundos sob o mesmo teto”. Larcher (2000) compara “a um

quebra cabeças que precisa ser solucionado todos os dias”. Já a Confederação Européia para

Famílias Interculturais define o casamento intercultural “como se equilibrar em corda bamba,

sem rede de proteção”. Porém, como todo casamento, um casamento intercultural exige um

longo processo. Trata-se de um projeto que não termina e que exige tradução e disposição

para uma adaptação diária na relação do casal. Sem hierarquia, sem oposições, sem

exploração, a palavra amor ganha um novo sentido: ″desconstrução das diferenças″ (Larcher,

2000,p 03).

MÉTODO

A pesquisa utilizou metodologia qualitativa. Quanto ao critério de escolha dos

participantes, usamos a amostragem proposital, que também é denominada intencional ou

deliberada. Por esse critério, o pesquisador escolhe deliberadamente os participantes que

comporão o estudo de acordo com os objetivos do trabalho, desde que os participantes possam

fornecer as informações referentes ao mesmo (Turato, 2003). As doze participantes do nosso

Page 75: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

73

estudo foram mulheres brasileiras que vivem na Suíça e são casadas com suíços, residindo

atualmente nos estados de Basiléia, Zurique ou Aarau. As entrevistadas provêm de diferentes

estados brasileiros, possuem idade entre 28 e 51 anos, com um tempo médio de casamento de

sete anos e todas têm filhos, na Suíça ou no Brasil. Seguimos a orientação de Minayo (2004)

quanto ao anonimato. Logo, todas as participantes tiveram seus nomes trocados, assim como

os nomes dos seus familiares. A tabela 1 caracteriza as entrevistadas.

Tabela 1

Dados sociodemográficos das participantes

Participantes Idade Motivo da migração

Tempo de casamento

Filhossuíços

Filhos brasileiros

Escolaridade

Alice 38 Casamento 10 anos 2 Superior Amélia 51 Oportunidades 02 anos 2 Fundamental Bernadete 40 Oportunidades 09 anos 1 3 Fundamental Carolina 32 Oportunidades 02 anos 1 Médio Eduarda 40 Casamento 10 anos 2 Médio Eliana 30 Casamento 04 anos 1 Superior Lena 32 Oportunidades 05 anos 1 Médio Mariana 40 Casamento 10 anos 2 Superior Patrícia 28 Oportunidades 10 anos 2 Médio Rebeca 35 Oportunidades 04 anos 2 Médio Rita 32 Casamento 10 anos 1 Fundamental Suelen 32 Casamento 05 anos 1 Fundamental

Como instrumento foi utilizado um roteiro de entrevistas composto por sete questões

relacionadas aos objetivos da pesquisa. O roteiro foi conduzido de forma semi-dirigida e

também foram preenchidos os dados sociodemográficos das participantes (Anexo B).

As entrevistas foram realizadas na Suíça, no período de dezembro de 2009 a janeiro de

2010. O contato foi feito através de pessoas de convivência da pesquisadora na época em que

residiu na Suíça. Todas as colaboradoras vivem atualmente de forma legal, tendo sido

previamente contatadas para a marcação das entrevistas. As participantes foram entrevistadas

em casa ou em local que lhes era conveniente. Antes de iniciarmos a entrevista foi explicado a

cada participante o objetivo da pesquisa e apresentado o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido que garante o anonimato (anexo A). Após a leitura e assinatura do termo,

iniciamos a entrevista. O roteiro das entrevistas (Anexo B) foi aprovado pelo Comitê de Ética

(anexo C). As entrevistas foram feitas individualmente, gravadas e depois transcritas

Page 76: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

74

Após a transcrição das entrevistas, as mesmas foram analisadas de acordo com os

ditames da Análise de Conteúdo Temática por ser esta, segundo Turato (2003), umas das

técnicas indicada para as pesquisas qualitativas. Conforme assinala Minayo (2004, p.209), ela

consiste “em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença

ou frequência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico. A análise de Conteúdo

Temática apresenta três etapas: a pré-análise, a exploração do material e a interpretação dos

resultados obtidos.

A pré-análise consiste na primeira fase, com a organização do material a ser

analisado. Nesta etapa foi realizada uma leitura atenta de todo material fornecido pelas

brasileiras, buscando selecionar as informações que estivessem em consonância com os

objetivos da pesquisa. Na exploração de material, foi realizada a análise propriamente dita, ou

seja, a partir da leitura do material, o texto foi recortado em suas unidades de registro,

permitindo identificar seis categorias. Em seguida, no tratamento e na interpretação dos

resultados, os temas emergentes foram analisados com base na literatura consultada.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nesta secção iremos apresentar e discutir os resultados encontrados nas entrevistas

realizadas com mulheres brasileiras, de acordo com as seis categorias levantadas: aspectos

positivos decorrentes do casamento, dificuldades advindas do casamento intercultural,

relacionamentos com a família de origem, adaptação ao novo país, desejo de retornar ao

Brasil e avaliação da experiência.

1. Aspectos positivos decorrentes do casamento intercultural

As participantes encontram muitos aspectos positivos em seu casamento. Entre eles,

predominaram a organização, o fato de o marido participar das tarefas domésticas, a

sinceridade do suíço, os bens adquiridos, o gostar da Suíça e da estabilidade que o país

proporciona. Acrescente-se a tudo que foi dito, a ampliação da visão do mundo, além do

aprendizado de uma nova língua.

Page 77: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

75

Segundo Perel (2002), se o casamento intercultural pode provocar uma cisão familiar,

também pode enriquecer os envolvidos, inclusive os familiares. Há novas portas abertas à

diversidade e também novas formas de comportamento e de relação. Rittiner (2006)

acrescenta ainda que o convívio com outra cultura pode enriquecer a vida dos cônjuges. As

falas abaixo exemplificam esses aspectos positivos:

Aqui a gente tem uma visão do mundo. Eu cresci no meu nível cultural. Aprendi outra

língua. Também acho que ele aprendeu sobre a minha cultura, valores que ele não

conhece como ajudar e ser ajudado. Suíço odeia isso. Suíço pensa que não precisa de

ninguém. (Eliana)

Na fala de Eliana podemos perceber claramente os aspectos positivos salientados,

assim como a presença da diferença cultural, onde há uma troca relacionada aos

conhecimentos sobre a cultura e os valores um do outro.

Eles são ótimos em ajudar em casa. Também de positivo eu vejo a oportunidade de

conhecer outro mundo, outra língua. (Patrícia)

No começo foi muito difícil, porém o lado positivo é que os suíços são bons, são

sinceros, são inocentes, eles são diretos. (Bernadete)

Podemos perceber também que foram valorizadas a oportunidade de estar em outro

país, em outra cultura, bem como o fato de admirar aspectos desta outra cultura que se

concretiza na forma de expressão dos suíços, assim como dos papéis de gênero, em que o

suíço participa das tarefas domésticas, um fato que surpreende as mulheres brasileiras.

2. Dificuldades advindas do casamento intercultural

Nesta temática, foram citados como dificuldades percebidas no casamento

intercultural: a frieza, a rigidez, a mentalidade suíça, a língua, a criação dos filhos e também

houve críticas à religião.

Todo casamento exige um aprendizado, um conhecimento entre os cônjuges, porém,

em um casamento intercultural, estes fatores tornam-se ainda mais necessários. Segundo

Rittiner (2006), na ausência de um aprendizado constante, podem surgir na relação atritos

Page 78: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

76

advindos das diferenças entre os cônjuges. Como em qualquer relação, existem barreiras a

serem suplantadas, mas no caso da relação intercultural, o cuidado precisa ser redobrado, pois

elas tendem a ser mais acentuadas e nem sempre são vencidas com facilidade, o que gera

conflitos no dia a dia.

Constatamos que alguns pontos que foram considerados positivos por algumas

participantes são, simultaneamente, negativos, como, por exemplo, a língua. Ao mesmo

tempo em que ela é uma oportunidade, ela é também uma dificuldade, tanto no convívio

social, quanto no relacionamento. Também, enquanto alguns aspectos da cultura são

exaltados, outros são bastante difíceis de administrar na convivência, como a rigidez, a frieza

e a mentalidade suíça que se refletem na criação dos filhos e até na liberdade de expressão

religiosa.

Nas falas a seguir vemos como as brasileiras enfatizam o distanciamento afetivo dos

maridos, que é justamente o que Barrera (2009) coloca como uma das fontes de conflito: as

diferentes necessidades de distanciamento e proximidade. As formas de demonstrar afeto

geram impacto uma vez que cada cultura tem uma maneira de expressar amor, raiva,

reconhecimento e amizade. As brasileiras, em geral, reclamam da frieza do suíço. Como um

casamento intercultural pode ser considerado a forma mais íntima de encontro entre duas

culturas, esse confronto acontece diariamente.

No casamento o contato é direto e diário com outra forma de pensar! Meu marido é

individualista. Aconchego é uma coisa que ele desconhece, porque ele não viveu isso

na família dele. (Eliana)

Eu queria que ele fosse carinhoso, mas como ele vai dar amor se nunca recebeu? Ele

não sabe dar. Eles são fechados, não sabem agradar ninguém. Isso é o mais difícil

aqui. “Ai que lindo” – eles não falam nunca. Brasileira com suíço é muito difícil.

(Rita)

A rigidez da mentalidade suíça, especialmente com relação a horários, pode ser fonte

de conflitos.

Page 79: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

77

O horário na Suíça não é marcado, é cronometrado. Uma vez me atrasei três minutos

para patinar com meu marido e minha cunhada. Ele marcou 7:00 hs. Eu cheguei as

7:03 hs. e isso já foi o maior problema. Andar de patins é diversão. Para que tanto

estresse? Isso pra mim foi um choque. (Mariana)

Enquanto as brasileiras apontam como ponto positivo o fato de o marido participar em

casa, por outro lado elas acham isto difícil, pois não estão acostumadas com este tipo de

interferência no lar.

O mais difícil é a personalidade. Eu não era acostumada a homens se meterem em

coisas de casa, roupa de cama, por exemplo. Pra mim isso é coisa de mulher. A gente

brigava mesmo por estas coisas, até as panelas ele queria dizer qual eu devia

comprar. (Suelen)

A independência entre os cônjuges, também é apontada tanto de forma positiva quanto

negativa. A independência em relação ao marido é geralmente acompanhada por uma forte

dose de individualismo, o que dificulta uma melhor integração familiar e por isso não é

apreciada pela mulher brasileira. Isto corrobora o que foi evidenciado por Barreira (2008)

quanto à dificuldade de lidar com o distanciamento e a proximidade no relacionamento

intercultural.

O lado positivo é a independência de cada um. Não há dependência emocional do

outro. A pessoa consegue se organizar sozinho. Mas esse ponto positivo pode se

tornar negativo porque o casal quer viver a dois. Falta a convivência familiar. Falta o

calor humano, o aconchego, o cafuné, isso precisa ser encomendado. (Eduarda)

De acordo com Figueiredo (2005), existe uma estreita relação entre comunicação e

casamento, pois, na relação conjugal, os cônjuges interagem de forma íntima e constante. Por

dividirem o mesmo espaço físico, a comunicação permeia o cotidiano do casal, sendo um dos

principais elementos para o sucesso ou fracasso da relação. Segundo Romano (1997) e

Salman (2007) entre casais de diferentes culturas existem muitos perigos exatamente na

comunicação. Não apenas na escolha das palavras, mas até o tom da voz e os gestos podem

significar coisas diferentes para quem envia e para quem recebe a mensagem.

Page 80: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

78

A língua é outra coisa que atrapalha, no sentido de como você se expressa. Porque

tem muita coisa que se você traduz ao pé da letra, você se ofende ou fica chateada,

acha que o outro é sem coração, não tem emoção. Nós, brasileiros, somos muito

emocionais e mesmo quando falamos em uma só língua, um de nós sempre está em

desvantagem, por não ser a sua língua. Falar com mãos e pés é muito complicado, é

uma barreira enorme. (Eduarda)

Outro problema é o tom. Quando ele fala uma coisa, eu penso que ele está agressivo,

que está me acusando de alguma coisa. Então eu respondo zangada. Ele diz:" Eu falei

normal"! Eu digo:" Outra vez, fale de outro jeito que eu respondo melhor". A língua

alemã é agressiva. O som é agressivo, é falado na garganta. (Suelen).

Nestas falas podemos perceber o que foi denominado como uma “gramática cultural”

no sentido de que a mensagem é atravessada pelos aspectos analógicos (emoção, tom de voz,

interpretação ou tradução) e as próprias características da língua que podem dificultar a

comunicação entre pessoas de diferentes culturas (Barreira, 2008).

A língua, de maneira geral, é um obstáculo na comunicação entre o casal, assim como

entre a família intercultural e os parentes mais próximos, incluindo os relacionamentos na

escola dos filhos e na sociedade em geral. Ela dificulta, além da comunicação, a inserção no

mercado de trabalho. Sem falar perfeitamente a língua do país, tudo se torna muito mais

difícil. Segundo Ammann (2006), quem migra para a suíça alemã precisa dominar, além do

alemão, um dos dialetos. Quem fala alemão sem sotaque suíço é logo identificado como

estrangeiro, o que dificulta a sua integração.

Mesmo depois do curso (de alemão) tenho ainda muitas dificuldades com a língua.

Não aprendi quase nada e ele sempre fala que eu não vou aprender essa língua

nunca. Quando eu vou à casa dos pais dele, não posso conversar. Outra coisa é que

eu não vou para o médico sozinha. Meu marido tem que ir comigo e traduzir tudo

para mim. Mesmo quando eu preciso ir ao ginecologista. Isso é constrangedor.

(Amélia)

Meu maior objetivo era continuar trabalhando na minha profissão. Eu sou psicóloga

e queria trabalhar sendo psicóloga. Mas para trabalhar como psicóloga é preciso

mais do que dominar o alemão, eu precisava falar e entender o suíço-alemão (o

Page 81: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

79

dialeto). Na clínica não dá para dizer ao paciente: você pode repetir? Eu me deparei

também com o preconceito. (Eliana)

Outro ponto bastante enfatizado pelas brasileiras foi a criação dos filhos. Retomando

os conceitos de Hall (1990) sobre a existência de países de Alto e Baixo Contextos, enquanto

os suíços valorizam a independência e a autonomia dos filhos, as brasileiras são mais ligadas

ao cuidado com eles e à união da família. A rigidez da mentalidade suíça na criação dos

filhos é muito difícil para uma mãe brasileira. Segundo Mainardi (2005), muitas brasileiras

dizem que não só é difícil ser mãe, mas ser mulher. Na Suíça elas se sentem totalmente

responsáveis pela educação dos filhos e, se eles têm problemas na escola, a culpa é sempre

delas. Elas não podem trabalhar pois não têm quem as ajude com os filhos. Muitas delas

chegam a dizer que é mais fácil ser independente no Brasil.

Meu filho tinha que ser um robozinho igual às outras crianças. Tinha que fazer isso e

tinha que não fazer aquilo. Tivemos muito problema com televisão, vídeos de crianças

e outras coisas. Eu disse: eu sou mãe o tempo todo, não tenho quem me ajude. Tenho

que fazer tudo sozinha e ainda tenho que seguir um programa! (Suelen)

Meu marido é muito rígido com meus filhos. Criança tem horário pra tudo: hora de

dormir, de acordar, de escovar os dentes, de estudar, de brincar, enfim, de tudo.

Como eles estavam com os meus pais no Brasil, sofreram muito pra se acostumar

aqui. (Rebeca)

Entretanto, alguns casais conseguem fazer uma síntese e desenvolvem o que foi

denominado como uma “terceira” cultura (Urech, Schiess & Stucki, 2005).

Com a minha filha eu não tenho uma relação só de mãe, mas também uma relação

didática. Suíço não assiste televisão. Ela assiste, mas com limites, pois eu sei que não

é bom pra ela. Ela tem horário pra ir para cama, porque eu sei que tudo isso é

condicionamento. Ela tem regras, isso ajuda na convivência. Ela fala as duas línguas,

português e alemão, porque é através do meu idioma que eu passo os meus

sentimentos e emoções. Ela vai aprender a minha cultura. (Eliana)

Page 82: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

80

Porém, é muito comum na educação dos filhos, que o casal, em vez de encontrar

equilíbrio, entre em uma luta que tem por base a cultura de cada um.

Meu marido é muito severo com meus filhos. Eu não sou igual a ele. Tenho minha

parte brasileira e isso cria muitos problemas entre mim e ele. Quando eu volto do

Brasil com as crianças, por exemplo, ele diz uma frase que eu detesto. Ele cansa de

falar: "Agora acabou! Essas coisas brasileiras acabaram. Vamos agora entrar no

ritmo daqui. Aqui tem regras, essa casa tem regras". Meus filhos têm horários e

regras. Isso aqui é coisa de militar. (Mariana)

Quando meu filho tinha cinco meses ele tinha problemas para dormir. Minha sogra

disse: "bota ele no quarto trancado, mesmo chorando. Se necessário, deixe ele lá até

por cinco horas e você vai ver que ele aprende". Eu disse: "não vou fazer isso não. No

meu país não se faz assim". Briguei com meu marido e com a minha sogra, porque é

assim que eles fazem aqui. (Carolina)

As críticas à religião aparecem constantemente. Enquanto as brasileiras professam sua

religião, entre os suíços existe um grande número de pessoas que é ateu e a religião é

vivenciada de uma forma mais distante. Muitos maridos se incomodam com o fato da esposa

gostar de frequentar as igrejas.

O suíço tem outro pensamento. Principalmente com relação à religião, eles não

acreditam em Deus. Isso é o mais difícil pra mim nestes três anos de casada. Outra

dificuldade é a língua, pois atrapalha demais o relacionamento. Ele não fala nada em

português e quando ele passa do alemão para o dialeto, aí mesmo que eu não entendo

nada. Ele diz: "Você tem que aprender a língua, você quer limpar quanto tempo? Até

você ter 62 anos?" Ele briga muito. (Carolina)

Nós dois temos a mesma crença, mas eu gosto de frequentar a igreja e ele não. Ele me

acha exagerada. Eles são muito frios. (Rebeca)

Alice resume tudo na seguinte expressão:

Page 83: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

81

As dificuldades foram tantas que eu tive que fazer uma terapia de casal. Se a gente

continuasse daquela forma, nós íamos nos separar mesmo nos amando, porque as

dificuldades eram muitas. (Alice)

Os obstáculos a serem vencidos são muitos. Alguns casais conseguem ultrapassá-los,

mas outros não. Cada caso é um caso e por isso fica difícil generalizar. Todos os casais

interculturais vivenciam conflitos. O que varia é a forma como cada um lida com eles. Os

filhos de casais interculturais podem tornar-se alvo de disputas em caso de divórcio, não

sendo raro vermos na mídia a luta pela guarda de crianças ou, até mesmo, o sequestro dos

próprios filhos pelos pais. Algumas brasileiras mantêm o casamento na Suíça justamente em

função dos filhos.

Quando meu filho tiver dezoito anos, eu vou para o Brasil. Chega de Suíça! Chega de

tudo isso aqui! Cada um de nós tem uma cultura! Quando a gente diz é minha cultura,

é minha cultura! Mas quem tem um relacionamento intercultural, tem que respeitar a

cultura do outro. (Rita)

3. Relacionamentos com as famílias de origem

Neste item, todas as participantes da pesquisa encontraram dificuldades de aceitação

nas famílias dos seus maridos, e há ressentimento em função do distanciamento afetivo das

mesmas. O relacionamento com as famílias de origem inicialmente é difícil porque os

casamentos interculturais são vistos, de maneira geral, pela família suíça, como um casamento

realizado por interesse, por parte da brasileira. Segundo Hollenstein (1994), no início é

bastante difícil para os sogros aceitarem a nora, mas com o tempo o relacionamento tende a

melhorar, como podemos constatar nas seguintes falas:

Para a família dele eu sou um pouco como o “bicho exótico” da família. Abraçar a

sogra, isso é uma coisa que eles não têm. Hoje eles já até “amaciaram” comigo. A

mãe dele não gostava de ele ter se casado com uma brasileira, melhorou quando ela

me conheceu e viu que eu não era uma mulatinha e não era tão diferente assim deles.

(Eduarda)

A brasileira, que é acostumada com uma família mais coesa no Brasil, estranha as

relações estabelecidas nas famílias suíças, como é o caso da frequencia de contato.

Page 84: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

82

O contato com os familiares aqui é muito pouco. Os avós de meus filhos só os vêm

uma vez por ano. (Mariana)

Algumas famílias, no Brasil, precisam da ajuda da filha podendo ocorrer que cheguem

mesmo a acreditar que a filha enriqueceu e assim solicitam sempre mais ajuda financeira. Isto

ocorre, principalmente, entre aquelas que tinham dificuldades a nível escolar e profissional no

seu país, e que foram tentar a sorte migrando para a Suíça. Isto leva os maridos a criticar os

gastos excessivos da família das esposas e a se sentirem explorados.

A minha família quer sempre ajuda financeira e tudo que eu mando pra eles é sempre

pouco. Com os pais dele, eu pensava que eu ia encontrar uma mãe, um pai, mas eu

não encontrei. Eles são assim e eu tenho que me acostumar à cultura deles, afinal, eu

vivo aqui. (Rebeca)

Para o meu marido a minha família é louca, são todos loucos. Não sabem fazer as

coisas certas. (Bernadete)

No entanto, a aceitação pela família do cônjuge pode acontecer de uma forma mais

rápida e tranqüila quando a brasileira se adapta à realidade suíça.

A família dele me aceita se eu me mantenho suíça. Estrangeiro é considerado

estranho e difícil. Assim eu uso uma máscara para me manter. Eu tenho dois papéis, é

assim a minha relação aqui. Senão, eu bato de frente. Funciona se eu me visto como

suíça e me comporto como tal. (Eliana)

Há também os maridos que se sentem bem entre as famílias brasileiras:

Com a minha família ele quase que se sente atropelado com tanto carinho e atenção.

Por exemplo, o almoço dura umas três horas, todo mundo sentado na mesa e

conversando. Na casa dele não é assim. Todos ficam calados na mesa. Atualmente ele

gosta mais de estar na casa dos meus pais, do que na casa dos pais dele. Ele acha

fantástico! (Eduarda)

Page 85: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

83

Meu marido diz que nunca recebeu tanto amor, como recebeu da minha família. (Rita)

4. Adaptação ao novo país

Nesta categoria todas as participantes reconheceram a necessidade de realizarem

mudanças com vistas a uma melhor adaptação ao novo contexto cultural. Segundo Ammann

(2006), a cultura e a civilização suíças são enraizadas em tradições seculares de difícil

compreensão e aprendizagem para pessoas de culturas não alpinas, formando assim algo

como uma barreira em torno dos imigrantes. É muito difícil se adaptar e conseguir se integrar

a um país de clima geograficamente e socialmente frio, de uma cultura introvertida e fechada,

como é o caso da Suíça. Através de experiências transculturais as pessoas podem aprender a

compreender a nova realidade na qual estão inseridas. Neste caso, segundo Lang (2002), toda

adaptação vai ser feita pela esposa. Podemos perceber que algumas brasileiras se mostraram

adaptadas ao novo país, enquanto outras ainda estão se esforçando para alcançar o equilíbrio

entre as duas culturas. Inicialmente elas experimentam um choque cultural e só aos poucos

vão se adaptando às diferenças. Nos depoimentos abaixo percebemos a mudança no

comportamento com relação ao silêncio e aos horários.

Quando você está aqui, você vai entrando na forma e não suporta mais barulho, a

vizinha gritando ou atrasos. Você vai se transformando. Tem que entrar no ritmo. Se

você for do seu jeito, não consegue nada. (Lena)

Por outro lado, evidenciamos que essas mudanças de comportamento, muitas vezes,

são feitas para evitar a discriminação. Nesse sentido, podemos notar como algumas estão na

fase da aculturação, que é a terceira fase do choque cultural, ou mesmo na quarta e última fase

que é a da estabilidade (Hofstede, 2009).

Mas depois destes anos na Suíça, eu falei tanto que fiquei assim. Fiquei mais

disciplinada e chata com horário. Porque eu não quero ser motivo pra ninguém falar:

“aquela brasileira, aquela do terceiro mundo”. Eu me eduquei pra evitar confusão.

Eu prefiro fazer a coisa certa pra não ouvir: “Aquela estrangeira”! (Bernadete)

Pra se integrar aqui, você precisa ser um pouco suíço, para as pessoas não te

olharem como estrangeiro. Aqui eu aprendi a ficar mais isolada ainda: aprendi a me

vestir como eles, a falar como eles, pra fazer parte deste mundo aqui. Eu precisei

Page 86: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

84

vestir uma máscara, desenvolver um novo eu para fazer parte da sociedade. Até então

eu não tinha contatos com brasileiros, eu consumia tudo que vinha da Suíça,

buscando essa integração. Eu tentava ser o máximo possível suíça. Só depois percebi

que não devia ser assim. Vamos pelo menos ser 50% brasileira e 50% suíça! (Eliana)

5. Desejo de retornar ao Brasil

Algumas brasileiras desejariam voltar ao Brasil, mas acham difícil em função do

marido ou dos filhos. Outras desejam voltar só de férias. Elas preferem viver na Suíça em

função da segurança e da comodidade que o país oferece. Vale salientar que quase todas

falaram da questão da segurança ao pontuarem que o Brasil se tornou um país muito perigoso.

Esta é a razão porque muitas brasileiras preferem ficar na Suíça e apenas uma das

entrevistadas gostaria de voltar definitivamente para poder trabalhar na sua profissão.

Voltar para o Brasil, eu não penso não. Aqui é a minha segunda casa. Eu sinto

saudades dos meus parentes, mas eu gosto daqui. Há segurança aqui, há comodidade.

Lá eu fico com medo. E eu não sei se eu ia ter o mesmo nível financeiro que eu tenho

aqui. Eu consegui me adaptar. (Patrícia)

Voltar a viver no Brasil, sim, eu penso sim, mas não vejo como. Porque agora eu

tenho uma família aqui. No Brasil eu tenho medo e fico muito assustada. (Suelen)

Eu gostaria de voltar ao Brasil, voltar a trabalhar na minha profissão. Aqui, se

quisesse ser empregada, babá, seria fácil. Existe discriminação na Europa. Eles

pensam que só tem brasileira com pouco grau de instrução. Eu não tenho nada contra

estes trabalhos, mas eu não passei seis anos na faculdade pra fazer isso. Eu desejo

voltar a trabalhar, trabalhar cognitivamente. (Eliana)

Uma delas disse que o marido gostaria de viver no Brasil:

Ir para o Brasil é o sonho do meu marido. Ele acha que lá as pessoas são felizes com

pouco, sorriem mesmo sem ter quase nada. Aqui as pessoas são sisudas, mesmo tendo

tudo. Sempre estressadas. Eu, hoje em dia, tenho medo. Medo pela segurança. Mas é

o meu país. (Alice)

Page 87: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

85

6. Avaliação da experiência

Em geral, a avaliação que as brasileiras fizeram foi pessimista ao se referirem à ilusão

de encontrar um príncipe encantado e enriquecer, assim como ao despreparo para enfrentar

um mercado de trabalho exigente e dominar uma língua difícil.

Eu sou faxineira, eu limpo vaso sanitário, eu digo sempre: eu não tenho dinheiro não,

eu tenho é trabalho. As mulheres pensam que vão encontrar um príncipe encantado e

vão resolver a vida em dois meses, mas isso não é verdade. (Amélia)

Tem gente que pensa que comprou um bilhete (passagem de avião) para a Suíça e

ganhou na loteria. Ninguém aqui é rico, você trabalha muito. A Suíça é linda,

organizada, mas é ótima de férias. Eu digo que se você for uma aventureira, como eu

fui, fique no Brasil, que é bem melhor. Aqui a gente é como água e óleo: vive junto,

mas não se mistura. Eu digo sempre: “se eu morrer aqui, leve minhas cinzas para

Olinda, para eu morrer feliz”. (Lena)

Vir pra Suíça para viver aqui, venha só quem estiver vivendo na rua, debaixo do sol

quente e mesmo assim, cuidado! A Suíça é linda e maravilhosa nos primeiros meses,

como toda a Europa. Mas é outra cultura, você está sozinha. Pra quem quer viver

sozinho e isolado, as portas estão abertas! Eu vim apaixonada mas, mesmo assim, é

uma faca de dois gumes. (Eliana)

Apenas uma afirmou que a Suíça para ela é um paraíso, apesar de constatarmos em sua

fala que ela vivencia muitas dificuldades e que o "paraíso" não é um paraíso para ela, mas sim

para seus filhos:

Casamento com suíço é muito difícil, falta o diálogo. Meu maior problema aqui é o

meu marido, ele é suíço, tem 47 anos e eu não vou conseguir mudá-lo. Mas mesmo

assim, eu não quero voltar para o Brasil não, lá é muito violento. Apesar dos trancos

e barrancos aqui é o paraíso para as crianças. (Bernadete)

Page 88: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

86

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos que os casamentos, em geral, são apressados por conta da lei de imigração, o

que faz com que o casal não tenha oportunidade de se conhecer melhor antes do casamento,

ultrapassando fases tão importantes do relacionamento. Já o processo de adaptação á Suíça é

difícil, pois culturalmente o Brasil e a Suíça são países com características bem distintas. A

língua alemã é muito difícil de ser aprendida e os dialetos falados em cada estado dificultam

este aprendizado. As brasileiras sentem o distanciamento das famílias dos maridos e sofrem

com esta realidade.

Percebemos ainda que a criação dos filhos, na maioria dos casos, é conflituosa

justamente em função das diferenças culturais. As mães brasileiras precisam lutar para

transmitir alguns dos seus valores culturais na educação dos seus filhos. Encontramos ainda

entre as brasileiras uma ambivalência de sentimentos, pois muitos dos pontos positivos

encontrados no relacionamento, também são, simultaneamente, negativos. Se, por um lado,

elas gostam de estar estabilizadas na Suíça, casadas, por outro, enfrentam muitas dificuldades

no relacionamento. Estas, por sua vez, se refletem na criação dos filhos, na prática religiosa,

na dificuldade de exercer sua profissão e na convivência com a sociedade, em conseqüência

da língua e do preconceito para com o estrangeiro.

As reações das brasileiras são diversificadas e dependem de fatores como:

escolaridade, nível socioeconômico, apoio das famílias de origem, tempo de casamento, levar

ou não filhos de relacionamentos anteriores. Tudo isso contribui para minimizar ou aumentar

os conflitos entre o casal. As especificidades de cada casal, bem como os motivos para o

casamento, certamente influenciam no relacionamento. Constatamos, entretanto, que esses

casais, independentemente das suas motivações para o casamento, passam por dificuldades

semelhantes.

Dada a complexidade do tema em questão, principalmente em função das diferentes

motivações para os casamentos interculturais, seria pretensão achar que podemos esgotar as

possibilidades de pesquisa sobre o assunto. Consideramos, entretanto, que nos foi possível

fazer um mapeamento, de forma sintetizada, das questões que estão envolvidas nesta forma de

relacionamento. Enquanto fazíamos nossa revisão de literatura e principalmente quando

fizemos a análise das entrevistas concedidas pelas participantes, percebemos quantas questões

Page 89: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

87

ainda estão em aberto. Como focamos a pesquisa nas brasileiras, outros pontos de vista

deixaram de ser considerados como, por exemplo, o dos maridos e dos filhos. Estes, com

certeza, deveriam ser considerados em pesquisas futuras. No entanto, acreditamos ter

contribuído para um conhecimento sobre as vantagens e as dificuldades envolvidas em um

casamento intercultural. O número de casamentos entre brasileiras e estrangeiros é muito

grande e um maior aprofundamento acerca do tema é, com certeza, relevante para a nossa

realidade hoje.

REFERÊNCIAS

Ammann, P. (2006). A problemática integração dos brasileiros na Suíça. Acessado em 20.08.2010 e recuperado em http//www.swissinfo.ch/crônicas_do_estrangeiro/a problematica... Amazonas, M. C. L. A. Dias, C. M. S. B. & Santos, G. A. (2009). Conjugalidades inter-

culturais e relações de gênero. In: Osório, L. C.; Pascual do Valle, M. E. (Org.). Manual de Terapia Familiar (p. 74-87). São Paulo: Artmed Editora.

Barrera, A.(2008) Interkulturelle Paar und Familientherapie. Acessado em 19.11.2008 e recuperado em http// www.barrera-therapie.de/Paartherapie.html Bundesamt für Statistik (BSF) 2007. In: Binational (Preliminary Remarks). Acessado em 19.11.2008 e recuperado em http://www.binational.ch/en/fragen/vorbemerkung.html Carvalho, M.; Hoffmeister, S. & Schimdt S. (2009). Interkulturelle Probleme in einer Romantische Beziehung. Acessado em 30.05.2009 e recuperado em http:// www.ik- dusseldorf.de/blog Cleaver, V. Ninguém pode integrar outra pessoa. 09/20099. Acessado em 24.04.2010 e recuperado em http//www.swissinfo.ch/por/sociedade Centrum für Binationale und Interkulturelle Paare und Familien - ECB. Acessado em 10.05.2009 e recuperado em http:// www.cbif.at Costa, J. F. (2004). O filho e o casamento. Acessado em 10.05.2009 e recuperado em http:/jfreirecosta. sites.uol.com.br Chron, J. (2003). Relacionamentos interculturais. In: M. McGoldrick. Novas Abordagens da Terapia Familiar, (pp. 339-354). São Paulo: Roca. Figueiredo, P. M.V.(2005). A influencia do lócus de controle conjugal nas habilidades sociais

e na satisfação do casamento. Acessado em 20.05.2010 e recuperado em htpp://ciênciaecogniçao.org

Page 90: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

88

Giddens, A.(2000). O Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós. (M. L. Borges, trad.) Rio de Janeiro: Record. Hall, E. T. (1990). Understanding cultural differences. Yarmouth: Intercultural Press. Harris, P.R & Moran, R.T, (1987). Managing cultural differences. Houston: Gulf Publishing Company. Hotvedt, Mary. (2002) O casamento intercultural: o encontro terapêutico. In: Andolfi, M. A crise do casal: Uma perspectiva sistêmico-relacional (pp. 153-169). Porto alegre: Artmed. Hoffmann, G. (2009). Clandestinos podem ser proibidos de casar. Acessado em 19.04.2010 e m recuperado em http://www.swissinfo.ch/por/sociedades/ clandestinos_podem_ser_...

Hofstede, G. (2009) Kulturalschock. Acessado 20.11.2009 e recuperado em: m http://www.ibim.de /ikult/2-5htlm

Hollenstein, H.(1994). Interkulturelle Familien in der Schweiz. Auslikon, Suiça: Bach. Huber, L. (1996). Nos trajetos da sujeição: brasileiras na Suíça. Travessia – Revista do migrante. N°. 26, São Paulo: Peres. Keller, B.P. (1997). Imigrantes brasileiros na Suíça: histórias de vida e estratégias de ação. Instituto Universitaire D’études Developpment, Berna, Suíça. Lang, J. (2002). Bikulturelle Ehen – Ehen mit Zukunt. Psychoscope. (23), 6-9. Informationsorgam der Föderation der Schweizer PsychologInnen (FSP) Berna, Suiça. Larcher , D. (2000). Die Liebe in der Zeit der Globalizierung. Konstruktion und Deskonstruktion von Fredmheit in Interkulturelle Paarbeziehugen. Klangfurt: Drava McGoldrick, M.(2003). Introdução: re-vendo a Terapia Familiar através de uma lente cultural. In: M. McGoldrick Novas abordagens da Terapia Familiar: raça, cultura e gênero na prática clínica, (pp. 3 -22). São Paulo: Roca. Mainardi, G. (2005). Socióloga pesquisa brasileiras na Suíça. Acessado em 25.052010 e recuperado em http// www.swissinfo.ch/sociologa_pesquisa_brasileiras_na_Suiça.html?cid Minayo, M. C. (2004). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8ª edição. São Paulo: Hucitec. Online Beratung Erzbistum Köln: Binational Partnerschaft. Acessado em 20.08.2009 e recuperado em http://www.Beratung-caritasnet.de Perel, E. (2000) Uma visão turística do casamento. In: Papp, Peggy (Org.) Casais em perigo: novas diretrizes para terapeuta (pp.193-294). Porto Alegre: Artmed. Pollock,D.C. e Van Reken, R.E. (1999). The third culture kid Experience: Growing up among Word. Yarmouth: Intercultural.

Page 91: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

89

Reif, E. (2004). Mit einem Partner au einer anderen Kultur leben. Acessado em 20.08.2010 e recuperado em http://www. familienhandbuch.de/cmain/f_Aktuelles/Partnerschats Rissi B. (2004). Binationa.l (Preliminary Remarks). Acessado em 10.05.2009 e recuperado em http://www.binational.ch/en/fragen/vorbemerkung.html Rittiner, M. E. (2006). Ser estrangeiro: a construção das múltiplas identidades nas relações afetivos conjugais interculturais helvético-brasileiras. Dissertação de mestrado Universidade Federal de Pernambuco, CFCH, Recife. Romano, D. (1997). Intercultural marriage: promises and pitfalls. Yarmouth: Intercultural. Salman, A. (2007). Imigration und Identität : Psychosoziale Aspekte und kulturübergreifende therapie. Gissen, Alemanha: Psychosozial. Scheifele, S. (2008). Migration und Psyche: Aufbruche und Erschütterungen. Gissen, Alemanha: Psychosozial. Smith, C. R. (2006). Duas culturas, um casamento. Acessado em 10.09.2010 e recuperado em http:// dialogue.adventist.org/articles/10_2-smithpp.htm Storti, C. (2001). The art of crosing cultures. Yarmouth:Nicholas Brealey. Thoele, A. Entrevista: dono de agência conta como casa suíços. Acessado em 10.08.2010 recuperado em http//www.swissinfo.ch/por/Capa/Archive/ Entrevista:_dono_de_agencia Turato, E. R. (2003). Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. Petrópolis: Vozes. Urech, C., Schiess, I. & Stucki, V. (2005). Binational? Genial! Der Ratgeber für Binationale Paare mit Kindern. Zürich, Suíça: Orell Füssli. Weichselbraun, M. (2007). Jugendliche mit binational-bikulturellen Eltern. Salzburg: STAF.

Yamaguti, B. (2001). Comunicação intercultural. Acessado em 10.07.2010 e recuperado em Portalpi.com.br/comunicação_intercultural Zini, A. & Arantes, F. (1996). Globalization: The pros and cons of an unstoppable process. FEA, USP. Acessado em 20.08.2010 e recuperado em http:// www.teses.usp.br

Page 92: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

90

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho fizemos uma reflexão inicial sobre como o casamento intercultural tem

se destacado na contemporaneidade e focalizamos o das brasileiras que vivem na Suíça.

Iniciamos fazendo um breve histórico do casamento e da família e pudemos perceber como

essas instituições mudaram ao longo do tempo, evoluindo de casamentos arranjados,

geralmente entre os pais dos noivos, para casamentos que têm por base o amor romântico; de

casamentos indissolúveis, para casamentos que podem ser anulados pelo divórcio, abrindo a

possibilidade para recasamentos, famílias monoparentais, entre outras. Percebemos também

que houve muitas modificações tanto no papel do homem, como no da mulher e dos filhos.

A globalização e as novas formas de tecnologias acarretaram o aumento da migração,

principalmente a feminina e, como consequência, é cada vez maior o número de casamentos

interculturais, dando origem a famílias do mesmo tipo. No passado, os casamentos muitas

vezes eram realizados dentro das próprias famílias ou comunidade; hoje, várias pessoas se

casam com pessoas de outros países e os relacionamentos entre pessoas de diferentes

continentes, antes raros, atualmente tornaram-se comuns.

Os motivos da migração feminina são muitos, porém, de maneira geral, há sempre

uma busca de melhores condições de vida. Condições essas que as mulheres não encontraram

em seu próprio país. Muitas brasileiras que migram como turistas, em virtude da ilegalidade,

acabam se casando para permanecer na Suíça, por pressão das leis de migração e dos

familiares ou conhecidos. Estes casamentos realizados, na maioria das vezes, por

conveniência remetem-nos aos do passado, que eram arranjados por interesses familiares ou

econômicos e não baseados no amor, como passou a ser desde o início do século XX.

Segundo Hintz (1999), o relacionamento entre o casal ocorre em ciclos mais ou menos

conhecidos e passa por cinco etapas: enamoramento, estabelecimento das diferenças, relações

de poder, estabilidade e comprometimento. As brasileiras que se casam na Suíça geralmente

casam apressadamente. Isto ocorre, inclusive com as que casam por razões amorosas, o que

leva os casais a ultrapassar etapas muito importantes do relacionamento, podendo este fato

gerar conflitos no casamento. Segundo a referida autora, casar-se na fase do enamoramento,

etapa em que a tendência é ver apenas o lado positivo um do outro, não seria indicado.

Page 93: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

91

Todas as brasileiras, independentemente dos motivos para a migração, passaram pela

experiência do choque cultural. As dificuldades enfrentadas no novo país foram muitas, pois

elas se sentiam incapazes de realizar as tarefas simples do cotidiano. As que foram como

turistas e passaram pela situação de ilegalidade atribuem a essa condição um grande peso

psíquico e a necessidade de encontrar rapidamente um marido suíço ou europeu para

permanecer no país. As que migraram por amor não passaram pela situação de ilegalidade,

mas viveram, simultaneamente, o processo de adaptação ao novo país e ao casamento.

O casamento intercultural entre homens suíços e mulheres brasileiras, principalmente

nos casamentos em que as mulheres migraram acalentadas pelo sonho de que iriam encontrar

um príncipe encantado, enriquecer e ser felizes para sempre, não se concretizou. A realidade

parece ser bem diferente. No entanto, as brasileiras apontam algumas vantagens como uma

nova visão do mundo e o aprendizado de outra língua. As dificuldades com a cultura e com a

língua destacaram-se, tanto no convívio social, quanto no relacionamento. O novo idioma,

muitas vezes, torna-se um impedimento desde fazer amizades a encontrar um trabalho,

gerando também muitos desentendimentos na comunicação entre o casal. As famílias de

origem dos maridos, de modo geral, apresentam dificuldades para aceitar a brasileira na

família e, principalmente no início, as brasileiras enfrentam obstáculos relativos à

convivência, pois o distanciamento entre elas e a família extensa dos seus cônjuges é uma

realidade, sendo o convívio permeado de preconceitos e desconfianças acerca dos seus reais

sentimentos em relação ao marido.

Com a chegada dos filhos, os conflitos entre o casal tendem a aumentar,

principalmente em razão das diferenças culturais. As mães brasileiras na Suíça se sentem

sozinhas, pois não têm seus familiares por perto para ajudar e ter empregadas é muito caro.

Elas, em geral, não trabalham fora de casa e se dedicam exclusivamente aos filhos, o que para

algumas é muito bom, mas para outras é frustrante, uma vez que tal situação não oferece

espaço para a realização profissional, o que resulta em uma total dependência financeira do

marido.

Contudo, é interessante ressaltar que a maioria das brasileiras não deseja voltar

definitivamente ao Brasil, pois, apesar das dificuldades, retornar ao Brasil seria muito difícil

em função dos filhos e do marido. Outros fatores apontados por elas foram o medo da

violência e da falta de oportunidades. Percebemos que as participantes citaram um maior

Page 94: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

92

número de dificuldades do que de vantagens neste tipo de casamento. Quando elas avaliaram

a experiência, a maioria não aconselharia outras mulheres a passarem pela mesma.

Dada a complexidade do tema em questão seria pretensioso achar que esgotamos as

possibilidades de pesquisa sobre ele. Consideramos que nos foi possível fazer um breve

mapeamento da questão e que novas investigações se fazem necessárias. À medida que

fazíamos nossa revisão da literatura e principalmente lendo os fragmentos das entrevistas

cedidas pelas participantes, surgiam novos questionamentos que os estudiosos do assunto até

agora não articularam e tivemos dificuldades para encontrar literatura brasileira que aborde

este assunto. Como focamos nossa pesquisa no ponto de vista das brasileiras, outros aspectos

relevantes foram preteridos como a visão dos maridos e filhos, que podem ser considerados

em pesquisas futuras.

Esperamos ter contribuído para sensibilizar os profissionais, as famílias e,

principalmente, as mulheres para os problemas relacionados à migração, à realidade de viver

em outro país tão diferente do nosso e de um casamento intercultural.

REFERÊNCIAS

Ammann, P.(2006). A problemática integração dos estrangeiros na Suíça. http://www.swissinfo.ch/por/A_problematica_integração_dos_estrangeiros_na_suiça Ammann, S.B. (2006). Brasileiros na Suíça: por que deixam o Brasil? Acessado em 06.05.2010 e recuperado em http://www.swissinfo.ch/por/índex/brasileiros_na_suiça. Ammann, S. B. & Ammann P. (2006). Por que os migrantes brasileiros escolhem a Suíça como destino? Acessado em 06.05.2010 e recuperado em http://www.swissinfo.ch/por/especiais/cronicas_do_estrangeiro/por_que_os_emigrantes Amazonas, M. C. L. A.; Dias, C. M. S. B.& Santos, G. A. (2009). Conjugalidades interculturais e relações de gênero. In: L. C.Osório & M. E. Pascual do Valle (Org.). Manual de Terapia Familiar, (pp. 74-87). São Paulo: Artmed Editora. Baeckert, L. T. (2008). Os sonhos das babás brasileiras ilegais na Suíça. Acessado em 06.05.210 e recuperado em http://www.swissinfo.ch /por/ reportagens/Os_sonhos Barrera, A.(2008) Interkulturelle Paar und Familientherapie. Acessado em 19.11.2008 e recuperado em http// www.barrera-therapie.de/Paartherapie.html

Page 95: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

93

Bogus, L.M. & Bassanezi, M. S. (1998). Brasileiros na Itália: movimentos migratórios e inserção social. Acessado em 20.05.2010 e recuperado em http://www.classical.edu. ar/libros/ pdf. Bundesamt für Statistik –BFS. (2007). In: Binational (Preliminary Remarks). Acessado em 19.11.2008 e recuperado em http://www.binational.ch/en/fragen/vorbemerkung.html Carvalho, M.; Hoffmeister, S. & Schimdt S. (2009). Interkulturelle Probleme in einer Romantische Beziehung. Acessado em 30.05.2009 e recuperado em http:// www.ik- dusseldorf.de/blog Cleaver, V. (2009). Ninguém pode Integrar outra pessoa. Acessado em 24.04.2010 e recuperado em http//www.swissinfo.ch/por/sociedade Centrum für Binationale und Interkulturelle Paare und Familien – ECB. (1999). Acessado em 10.05.2009 e recuperado em http:// www.cbif.at Costa, J. F. (1983). Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal. Costa, J. F. (2004). O filho e o casamento. Acessado em 10.05.2009 e recuperado em htttp:/jfreirecosta.sites.uol.com.br Chron, J. (2003). Relacionamentos interculturais. In: M. McGoldrick. Novas abordagens da Terapia Familiar, (pp. 339-354). São Paulo: Roca. Damatta, R. (2001). O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco. Daure, I & Reveyrand-Coulon, O. (2009). Transmissão cultural entre pais e filhos: uma das chaves do processo de migração. Acessado em 10.04.2010 e recuperado em http://www.sielo.br/sielo. Fachstelle Frauenhandel und Frauenmigration - FIZ . (2009). Acessado em 24.04.2010 e recuperado em http://www.fiz-info.ch/index.php?page 483 Fankhauser, P. (2006). Schweiz Informationen. Acessado em 14.05.2010 e recuperado em http://www.swisswold.org.de Fauss, M. In: Weller, W. (2004). Revista Scalabriniane Del Mondo. n. 22, Brasília: CSEM Figueiredo, P. M.V.(2005). A influencia do lócus de controle conjugal nas habilidades sociais

na satisfação do casamento. Acessado em 20.05.2010 e recuperado em htpp://ciênciaecogniçao.org

Franken, I., Coutinho, M.P. & Ramos. (2008). Migração, qualidade de vida e saúde mental: Um estudo com brasileiros migrantes. In: N. Ramos (org.). Saúde, migração e inter- culturalidade: perspectivas teóricas e práticas (pp. 177-212). João Pessoa: Universitária UFPB . Garcia, L. (2007). Mulheres transnacionais. Imaginário. USP, (13), 379-398.

Page 96: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

94

Giddens, A. (2000). O Mundo em descontrole: o que a Globalização está fazendo de nós. (M. L. Borges, Trad.). Rio de Janeiro: Record. Gomes, I. C.(1998). O sintoma da criança e a dinâmica do casal. São Paulo: Escuta. Gomes, P. B. (2003). Novas formas de conjugalidades In: P.B. Gomes, Vínculos Amorosos contemporâneos: psicodinâmica das novas estruturas familiares (pp. 10-39). São Paulo: Callis. Hall, E. T. (1990). Understanding cultural differences. Yarmouth: Intercultural Press. Harris, P.R & Moran, R.T, (1987). Managing cultural differences. Houston: Gulf Publishing Company. Hintz, H.C. (1999). Dinâmica do casal. In: Pensando em famílias. Rio Grande do Sul: Domus, (1), 31-40. Hintz, H.C. (2001). Novos tempos, novas famílias. In: Pensando em famílias. Rio Grande do Sul: Domus, (3), 8-19. Hoffmann,G. (2009). Brasileiras em segundo lugar na preferência dos suíços. Acessado em 05.06.10 e recuperado em http:// www.swissinfo.ch/reportagens/ brasileiras... Hoffmann, G. (2009). Clandestinos podem ser proibidos de casar. Acessado em 19.04.2010 e mi recuperado em http:// www.swissinfo.ch/por/sociedades/ clandestinos_podem_ser_...

Hofstede, G. (2009) Kulturalschock. Acessado 20.11.2009 e recuperado em http://www. mi ibim.de /ikult/2-5htlm

Hollenstein, H.(1994). Interkulturelle Familien in der Schweiz. Auslikon, Suiça: Bach. Hotvedt, Mary. (2002) O Casamento Intercultural: O Encontro Terapêutico. In: Andolfi, M.

A crise do casal: Uma perspectiva sistêmico-relacional (pp. 153-169). Porto alegre: Artmed

Huber, L. (1996). Nos trajetos da sujeição: brasileiras na Suíça. Travessia – Revista do migrante. N°. 26, São Paulo: Peres. Janka, V. & Athoele, A. (2003). Estrangeiras sonham com o amor alpino. Acessado em 27.09.2010 e recuperado em http:// www. swissinfo.ch/ por/ índex/ Estrangeiras_sonham_ amor_ alpino_(I). Keller, B.P. (1997). Imigrantes brasileiros na Suiça: histórias de vida e estratégias de ação. Instituto Universitaire D’études Developpment, Berna Suíça. Lang, J. (2002). Bikulturelle Ehen – Ehen mit Zukunt. Psychoscope. (23), 6-9. Informationsorgan der Föderation der Schweizer PsychologInnen (FSP) Berna, Suiça.

Page 97: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

95

Laplantine, F. (1994). Transatlantique: entre Europe et Amériques Latines. Paris: Essays Payot. Larcher , D. (2000). Die Liebe in der Zeit der Globalizierung. Konstruktion und Deskonstruktion von Fredmheit in Interkulturelle Paarbeziehugen. Klangfurt: Drava. Lasch, C. (1991). A família: santuário ou instituição sitiada. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Maurer, S. & Janota, M. R. (1998). Grupo de trabalho. I Encontro Nacional de Brasileiras na Suíça. Berna. Mainardi, G . (2005). Socióloga pesquisa brasileiras na Suíça. Acessado em 25.052010 e recuperado em http// www.swissinfo.ch/sociologa_pesquisa_brasileiras_na_Suiça.html?cid McGoldrick, M.(2003). Introdução: Re-vendo a Terapia Familiar através de uma lente cultural. In: M. McGoldrick. Novas abordagens da Terapia Familiar: raça, cultura e gênero na prática clínica, (pp. 3 -22). São Paulo: Roca. Minayo, M. C. (2004). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8ª edição. São Paulo: Hucitec. Ministério das Relações Exteriores – MRE. (2009). Notícias para o Mundo. Acessado em 06.05.2010 e recuperado http://www.swissinfo.ch.sociedade/Emigrantes Minuchin, S. (1990). Famílias: Funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas. Oliveira, A.C.(2003). Migrações do passado e do presente: uma análise cruzando gênero, etnicidade e preconceito. Franca: UNESP. Oliveira, G.M. & Oliveira S. (2008). Lúcia Amélia Brullhardt: Da lama do Nodeste a fama na Europa. Recife: Nossa Livraria. Online Beratung Erzbistum Köln: Binational Partnerschaft. Acessado em 20.08.2009 e recuperado em http://www.Beratung-caritasnet.de Osório, L. C. (2002). Casais e famílias: uma visão contemporânea. Porto Alegre: Artes Médicas. Pereira, C. (1998). Migração: História, aspectos legais e situação das migrantes na Suíça. In: I Encontro Nacional de Brasileiras na Suíça. Berna. Perel, E. (2000) Uma visão turística do casamento. In: P. Papp (Org.) Casais em perigo: novas diretrizes para terapeuta (pp.193-294). Porto Alegre: Artmed. Pollock, D. C. e Van Reken R. E. (1999). The third culture kid experience: growing up among word. Yarmouth: Intercultural. Ponciano, E. & Feres-Carneiro, T. (2003). Modelos de Família e Intervenções Terapêuticas. In: Interações, (3), 57-80.

Page 98: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

96

Reif, E. (2004). Mit einem Partner au einer anderen Kultur leben. Acessado em 20.08.2010 e recuperado em http://www. familienhandbuch.de/cmain/f_Aktuelles/Partnerschats Reginato, F. (2009). Palestra. IV Encontro Nacional de Brasileiros na Suíça. Berna. Rissi B. (2004). Binationa.l (Preliminary Remarks). Acessado em 10.05.2009 e recuperado em http://www.binational.ch/en/fragen/vorbemerkung.html Rittiner, M. E. (2006). Ser estrangeiro: a construção das múltiplas identidades nas relações afetivos conjugais interculturais helvético-brasileiras. Dissertação de mestrado Universidade Federal de Pernambuco, CFCH, Recife. Romano, D. (1997). Intercultural marriage: promises and pitfalls. Yarmouth: Intercultural. Salman, A. (2007). Imigration und Identitä: Psychosoziale Aspekte und kulturübergreifende therapie. Gissen, Alemanha: Psychosozial. Scheifele S. (2008) . Migration und Psyche. Gissen, Alemanha: Psychosozial. Smith, C. R. (2006). Duas culturas, um casamento. Acessado em 10.09.2010 e recuperado em http:// dialogue.adventist.org/articles/10_2-smithpp.htm Souza, I. C. F.(2007). A integração de imigrantes brasileiras em Roma: conquistas e dificuldades. Imaginário, (13) 14, 399-415. Storti, C. (2001). The art of crossing cultures. Yarmouth: Nicholas Brealey Trompenaars, F. (2008). Kulturaldimension. Acessado em 20.08.2009 e recuperado em http://www.Transkulturelle.portal.com Turato, E. R.(2003). Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. Petrópolis: Vozes. Urech, C., Schiess, I. & Stucki, V. (2005). Binational? Genial! Der Ratgeber für Binationale Paare mit Kindern. Zürich, Suíça: Orell Füssli. Weller, W. (2004). Entrevista. Revista Scalabriniane Del Mondo. n.22, Brasília: CSEM.. Weichselbraun, M. (2007). Jugendliche mit binational-bikulturellen Eltern. Salzburg: STAF.

Weiss, R. (2005). Macht Migration Krank? Eine transdizciplinäre Analyse der Gesundheit von Migrantinen und Migrant. Zurique, Suíça: Seismo. Yamaguti, B. (2001). Comunicação intercultural. Acessado em 10.07.2010 e recuperado em Portalpi.com.br/comunicação_intercultural Zini, A. & Arantes, F. (1996). Globalization: The pros and cons of an unstoppable process. FEA, USP. Acessado em 20.08.2010 e recuperado em http://www.teses.usp.br

Page 99: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

97

ANEXOS

Page 100: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

98

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Titulo da Pesquisa - Casamento Intercultural e suas peculiaridades: um estudo sobre

brasileiras que vivem na Suíça.

1. Você está sendo convidada para participar de uma pesquisa sobre sua experiência em um

casamento intercultural.

2. Você foi selecionada porque é casada com uma pessoa de outra cultura, e sua

participação não é obrigatória.

3. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento.

Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a

instituição.

4. Os objetivos deste estudo são conhecer melhor os casamentos interculturais, inclusive a

adaptação das brasileiras ao novo país, bem como os motivos e repercussões deste

casamento em sua vida.

5. Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder a uma entrevista.

6. Os riscos relacionados com sua participação são tocar em assuntos pessoais que podem

lhe sensibilizar, mas faremos o possível para lhe dar a acolhida necessária.

7. Os benefícios relacionados com a sua participação são compreender melhor este tipo de

relacionamento para auxiliar outros casais que estão na mesma situação.

8. As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidencias e asseguramos o sigilo

sobre sua participação.

9. Os dados não serão divulgados de forma a possibilitar sua identificação (informar, de

acordo com o método utilizado na pesquisa, como o pesquisador protegerá e assegurará a

privacidade).

10. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço do pesquisador

principal, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a

qualquer momento.

Page 101: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

99

Eu, (nome da participante), dou o meu consentimento para a minha participação como

voluntária nesta pesquisa, sob a responsabilidade da pesquisadora Flavia de Maria Gomes

Schuler, mestranda da Universidade Católica de Pernambuco e orientação da professora Dra.

Cristina Maria de Souza Brito Dias.

Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e

concordo em participar.

O pesquisador me informou que o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em

Seres Humanos da UNICAP que funciona na PRÓ-REITORIA ACADÊMICA da

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO, localizada na RUA ALMEIDA

CUNHA, 245 – SANTO AMARO – BLOCO G4 – 8º ANDAR – CEP 50050-480 RECIFE –

PE – BRASIL. TELEFONE (81). 2119.4376 – FAX (81)2119.4004 – ENDEREÇO

ELETRÔNICO: [email protected]

Zurique, _____ de _______________ de 20__

_____________________________________ Participante

Page 102: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES:

100

ROTEIRO PARA A ENTREVISTA

01. Que motivos trouxeram você à Suíça?

02. Quais as principais dificuldades que você enfrentou ao chegar?

03. Como você conheceu seu atual marido?

04. O que levou vocês a se casarem

05. O seu casamento corresponde as suas expectativas?

06. O que encontrou de positivo no relacionamento com uma pessoa de outra cultura?

07. O que encontrou de negativo nesta mesma situação?

08. Você gostaria de voltar a viver no Brasil?

09. Como se caracteriza seu relacionamento com os seus familiares?

10. Como se caracteriza seu relacionamento com os familiares dele?

Dados sóciodemográficos:

País de origem e do seu esposo/companheiro:

Cidade em que reside:

Cidade em que se conheceram:

Nível de escolaridade:

Nível de escolaridade do seu esposo/companheiro:

Profissão:

Profissão do esposo/companheiro:

Estado civil:

Estado civil do esposo/companheiro:

Religião:

Religião do seu esposo/companheiro:

Idade e sexo dos seus filhos do relacionamento anterior (se tiver):

Idade e sexo dos filhos do relacionamento atual (se tiver):

Tempo de casamento

Data da entrevista:

Page 103: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ ...tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/135/1/dissertacao...RECIFE-2010 1 FLÁVIA DE MARIA GOMES SCHULER CASAMENTO INTERCULTURAL E SUAS PECULIARIDADES: