universidade católica de brasília virtual · pdf filea pluridisciplinaridade...

45
Universidade Católica de Brasília Virtual PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS: PROTEÇÃO A VÍTIMAS E A COLABORADORES DA JUSTIÇA Especialização A INTERDISCIPLINARIDADE COMO EIXO DE ATUAÇÃO/INTERVENÇÃO DA EQUIPE DO PROGRAMA DE PROTEÇÃO A VITIMAS E A TESTEMUNHAS AMEAÇADAS DO AMAZONAS – PROVITA/AM Autor: Rosângela Maria de Abreu Maia Orientador: Prof. Msc. Thiago Bazi Brandão BRASÍLIA 2010

Upload: vohanh

Post on 04-Mar-2018

214 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Universidade Católica de

Brasília Virtual

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS: PROTEÇÃO A VÍTIMAS E A COLABORADORES DA JUSTIÇA

Especialização

A INTERDISCIPLINARIDADE COMO EIXO DE ATUAÇÃO/INTERVENÇÃO DA EQUIPE DO

PROGRAMA DE PROTEÇÃO A VITIMAS E A TESTEMUNHAS AMEAÇADAS DO AMAZONAS – PROVITA/AM

Autor: Rosângela Maria de Abreu Maia

Orientador: Prof. Msc. Thiago Bazi Brandão

BRASÍLIA 2010

2

ROSÂNGELA MARIA DE ABREU MAIA

A INTERDISCIPLINARIDADE COMO EIXO DE ATUAÇÃO/INTERVENÇÃO DA EQUIPE DO PROGRAMA DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS E A TESTEMUNHAS

AMEAÇADAS DO AMAZONAS – PROVITA/AM

Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Direitos Humanos – Proteção e Assistência a Vítimas e a Colaboradores da Justiça, da Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do Título de Especialista em Direitos Humanos.

Orientador: Prof. Msc. Thiago Bazi Brandão

Brasília 2010

3

Monografia de autoria de Rosângela Maria de Abreu Maia, intitulada “A interdisciplinaridade como eixo de atuação/intervenção da equipe do Programa de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas do Amazonas-PROVITA/AM”, requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direitos Humanos, defendida e aprovada, em ___ de ________ de 2010, pela banca examinadora constituída por:

_____________________________________________ Prof. Msc. Thiago Bazi Brandão

Orientador

__________________________________________ Prof. ...

Brasília 2010

4

Ao Gilberto, Juliana, Breno e Renato,

esposo e filhos que ao longo dos anos

aprendemos juntos que a vida é

maravilhosa.

5

AGRADECIMENTOS

A DEUS.

Ao professor Thiago Bazi Brandão, pela valiosa contribuição, pelo empenho e

competência com que lida com a atividade acadêmica e cuja tolerância e senso

profissional foram decisivos para a indicação de horizontes teórico-metodológicos

para a elaboração da monografia.

A Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República pela

oportunidade e compreensão da necessidade de investimento na capacitação do

seu quadro técnico.

Aos meus colegas de trabalho que aceitaram participar da pesquisa respondendo o

questionário, em especial a Ellen e ao Juan pela oportunidade do diálogo, da

reflexão e da polêmica em torno da temática.

A todos aqueles que, direta e indiretamente, contribuíram para a construção deste

trabalho.

6

Onde há vontade, sempre existe um caminho.

Guimarães Rosa

7

RESUMO

MAIA, Rosângela Maria de Abreu. A Interdisciplinaridade como eixo de atuação/intervenção das equipes do Programa de Proteção. 2010. 45 fls. Monografia (Especialização em Direitos Humanos e Proteção) – Universidade Católica de Brasília, Brasília/DF, 2010.

O Programa de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas é previsto conforme a Lei nº 9.807/99, regulamentada pelo Decreto de nº 3.518, de 20 de junho de 2000, e tem a sua operacionalização e funcionamento realizados por meio de estruturas como: Conselho Deliberativo, Órgão Executor e Equipe Multidisciplinar, além de auxiliares de apoio. A Equipe Técnica é liderada por um coordenador e é composta de advogado, psicólogo e assistente social. O trabalho realizado pela equipe diz respeito ao trabalho interdisciplinar, trabalho este em que os profissionais buscam contribuir com seus conhecimentos visando garantir a qualidade da assistência aos usuários. O presente trabalho se propõe a discutir a interdisciplinaridade como eixo de atuação/intervenção das equipes do Programa de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas no Amazonas – PROVITA/AM. Trata da interdisciplinaridade na equipe do Programa de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas no Amazonas, a percepção dos profissionais envolvidos no Programa, como também, as dificuldades na realização de um trabalho interdisciplinar. Foi realizada pesquisa bibliográfica e entrevista com aplicação de questionário aos membros da equipe do Provita/AM. Concluiu-se que a interdisciplinaridade é uma ação, uma questão de atitude e propõe uma integração das diferentes áreas do conhecimento, levando a sua unificação, cooperação e troca de informações, cabendo aos profissionais, membros da equipe técnica do Provita/AM, iniciar esse processo.

.

Palavras-chave: Interdisciplinaridade. Proteção. Testemunha. Vítima.

8

ABSTRACT

MAIA, Rosângela Maria de Abreu. Interdisciplinarity as axis of performance/ intervention of Protection Program teams. 2010. 45fls. Monograph (Specialization in Human Rigths and Protection) – Universidade Católica de Brasília, Brasília/DF, 2010.

The Threatened Witnesses and Victims Protection Program is established in Law nº 9.807/99, regulated by Decree nº 3.518, dated of june 20º, 2000, and has its operacionalization and operation by structures such as Deliberative Counsel, Executor Organ and Multidisciplinary Team, besides support auxiliaries. The Technical Team is led by a coordinator and is compound by lawyer, psychologist and social assistant. The work done by the team is related to the interdisciplinary work, in which professionals aim to help with their knowledge in order to grant quality in users assistance. This work aims to discuss interdisciplinarity as axis of performance/intervention of Threatened Witnesses and Victims Protection Program in Amazonas – PROVITA/AM. It deals with interdisciplinarity in PROVITA/AM team, the perception of professionals who are engaged with the Program and the difficulties to do an interdisciplinary work, as well. It was taken a bibliographic research and interviews with the members of Provita/AM team, using questionnaire. The conclusion shows interdisciplinarity as an action, a question of attitude and proposes an integration of different areas of knowledge, heading to its unification, cooperation and information exchange, what demands the professionals, members of Provita/AM’s crew, to start this process.

Keywords: Interdisciplinarity. Protection. Witness. Victim.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................... 1. INTERDISCIPLINARIDADE.................................................................. 1.1 A INTERDISCIPLINARIDADE: CONCEITOS E PERSPECTIVAS........ 2. O PROGRAMA DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS E TESTEMUNAS

AMEAÇADAS – PROVITA.................................................................... 2.1. BREVE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DO PROGRAMA DE

PROTEÇÃO A VÍTIMAS E TESTEMUNHAS AMEAÇADAS – PROVITA................................................................................................

2.2. O PROGRAMA ESTADUAL DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS E TESTEMUNHAS AMEAÇADAS – PROVITA/AM: LIMITES E POSSIBILIDADES..................................................................................

3. PERSPECTIVA TEÓRICO-PRÁTICAS DA

INTERDISCIPLINARIDADE NO PROGRAMA DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS E TESTEMUNHAS AMEAÇADAS NO AMAZONAS – PROVITA/AM.........................................................................................

3.1. A VISÃO DE INTERDISCIPLINARIDADE DOS PROFISIONAIS ENVOLVIDOS NO PROGRAMA DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS E TESTEMUNHAS AMEAÇADAS – PROVITA/AM...................................

3.2. DAS DIFICULDADES NA CONSUMAÇÃO DE UM TRABALHO INTERDISCIPLINAR...............................................................................

CONCLUSÃO......................................................................................... REFERÊNCIAS....................................................................................... APÊNDICE.............................................................................................. QUESTIONÁRIO.....................................................................................

10 12

12

20 20 25

31 31 36 39

41 44

45

10

INTRODUÇÃO

Este trabalho monográfico objetiva discutir a interdisciplinaridade na atuação

da equipe do Programa de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas no

Amazonas – PROVITA/AM.

O Programa de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas é previsto

conforme a Lei nº 9.807/99, regulamentada pelo Decreto de nº 3.518, de 20 de junho

de 2000, e tem a sua operacionalização e funcionamento realizados por meio de

estruturas como: Conselho Deliberativo, Órgão Executor e Equipe Técnica. Cada

Programa possui um Conselho Deliberativo, cabendo a ele deliberar o ingresso ou

exclusão da rede de proteção, como também, tomar providências de modo geral a

cerca do cumprimento do Programa.

O Órgão Executor é responsável em promover a articulação com as entidades

da sociedade civil para a formação da rede solidária de proteção, bem como por

contratar os profissionais que irão compor a Equipe Técnica.

A Equipe Técnica é liderada por um coordenador e é composta de

advogados, psicólogos e assistentes sociais, trabalhando nas áreas jurídicas,

psicológica e social para embasar as decisões do Conselho, como também para

realizar atendimento e monitoramento dos beneficiários do Programa.

O trabalho realizado pela equipe diz respeito ao trabalho interdisciplinar.

Trabalho este em que os profissionais buscam contribuir com seus conhecimentos

visando garantir a qualidade da assistência aos usuários.

A interdisciplinaridade pode ser considerada uma troca de conhecimentos e

informações entre várias disciplinas, onde um grupo de profissionais, de diversas

formações interrelacionando-se num mesmo ambiente de trabalho, tornando

essencial essa troca de conhecimentos.

A interdisciplinaridade possibilita o diálogo, a interação com as outras

disciplinas, que reconhecendo e respeitando as diferenças e especificidades de

cada uma, rompe com as fronteiras entre as mesmas, garantindo um trabalho

comum visando à homogeneidade dos objetivos a serem atingidos.

Para a elaboração do conteúdo deste trabalho foi realizada uma pesquisa

bibliográfica sobre o assunto, com a intenção de estabelecer um diálogo entre

estudiosos da temática, o qual proporcionou estruturar uma reflexão teórica atenta

11

as observações no Provita. Paralelamente realizou-se uma pesquisa de campo que

teve como base metodológica entrevistas realizadas com profissionais envolvidos no

Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas do Amazonas/Provita-

AM.

Este trabalho visa à realização de um estudo sobre a Interdisciplinaridade no

Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas no Amazonas, bem

como esclarecer dúvidas sobre o Programa, que vai desde a sua confiabilidade,

estrutura e competência no atendimento/acompanhamento aos usuários.

O presente trabalho está organizado em três capítulos: O primeiro trata da

Interdisciplinaridade, conceitos e perspectivas.

O segundo capítulo procura explicar e compreender o Programa de Proteção

a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas/Provita, fazendo um breve histórico da criação

do mesmo e o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas no

Amazonas: limites e possibilidades.

O terceiro e último capítulo foi dedicado à visão de interdisciplinaridade dos

Profissionais envolvidos no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas

ameaçadas - Provita/AM e as dificuldades na consumação de um trabalho

interdisciplinar.

12

1. INTERDISCIPLINARIDADE

A interdisciplinaridade visa à integração dos conceitos e da metodologia das

disciplinas científicas, buscando a articulação entre os conhecimentos específicos,

tendo como base a relação dialógica coerente entre o específico e o geral. A

interdisciplinaridade tem como característica a intensidade das trocas entre as

disciplinas e o grau de integração real entre as mesmas. (JAPIASSU, 1976).

1.1 - A Interdisciplinaridade: Conceitos e Perspectivas

Falar sobre interdisciplinaridade requer fazer um estudo sobre o seu

significado, o entendimento de vários autores e a necessidade da mesma para a

prática profissional.

No decorrer da nossa história, a fragmentação da Ciência, que tanto

especializa quanto divide e isola o conhecimento verdadeiro sobre determinada

realidade, gerou uma crise na busca da recomposição da mesma, buscando a

integração de vários saberes no âmbito de um projeto de interesse comum.

Conforme FAZENDA (2008, p. 18), [...] “a organização de tais saberes teria como

alicerce o cerne do conhecimento científico” [...].

Esses saberes construídos e delimitados por processos de organização, de

estruturação e de estandardização constituindo espaços institucionalizados, com

base em um paradigma específico e com o objetivo de resolver problemas dentro de

cada área previamente delimitada foi denominado de disciplina.

É importante ressaltar que quando se fala de interação entre as disciplinas

para definir interdisciplinaridade, essa disciplina não diz respeito aos conteúdos

ministrados nas escolas, mas sim como ciência.

Ora, falar de interdisciplinaridade é falar de interação de disciplinas. E disciplina, tal como entendemos, é usada como sinônimo de ciência, muito embora o termo “disciplina” seja mais empregado para designar o “ensino de uma ciência”, ao passo que o termo “ciência” designa mais uma atividade de pesquisa. (JAPIASSU, 1976, p. 61. Grifos do autor.).

13

Conforme salienta FAZENDA (2008, p. 18)

[...] cada disciplina precisa ser analisada não apenas no lugar que ocupa ou ocuparia, mas nos saberes que contemplam, nos conceitos enunciados e no movimento que esses saberes engendram, próprios de seus lócus de cientificidade. [...].

A necessidade de aproximação entre as disciplinas e de um olhar para a

complexidade se deu a partir de avanços obtidos quando da tentativa de

incorporação das perspectivas multidisciplinar e pluridisciplinar.

As abordagens multidisciplinares e pluridisciplinares, muitas vezes são

confundidas. Para Miranda (2008) a multidisciplinaridade não dialoga entre os

saberes, nem procura uma articulação na busca de um projeto específico, trata-se

de um processo de justaposição entre diversas áreas, é a prática de reunir

resultados de diversas disciplinas científicas em volta de um tema comum.

A multidisciplinaridade vai um pouco além da disciplinaridade, pois reuni

diversos olhares possíveis e disponibilizam resultados de cada um não sendo

possível a sua reconstrução, ela fundamenta-se em um projeto ou em um objeto,

onde cada disciplina parte do seu objeto especificando suas condicionantes e

resultados, vários profissionais de diversas áreas trabalham isoladamente, pode-se

dizer que seria o primeiro passo para aproximação das disciplinas.

A pluridisciplinaridade seria a troca de informações, onde várias disciplinas

agrupadas, geralmente no mesmo nível hierárquico se relacionam entre elas.

Segundo Miranda (2008, p. 114 apud Zabala, 2002, p. 33) “a pluridisciplinaridade é

existência de relações complementares entre disciplinas mais ou menos afins [...]”.

Nesse sentido, é importante reconhecer que o processo de disciplinarisação

do conhecimento e as propostas de multidisciplinaridade e a pluridisciplinaridade são

etapas que levam a interação e a interdisciplinaridade, seria então, o ponto de

partida para a interdisciplinaridade e, depois, para a transdisciplinaridade.

A transdisciplinaridade vai além da interdisciplinaridade, pois ultrapassa os

domínios disciplinares quando propõe uma reconstrução transversal entre diversas

dimensões permitindo ao mesmo tempo reflexão e transformação. Para Sampaio

(2006, p. 83) “a transdisciplinaridade seria o nível mais alto das relações iniciadas

nos níveis de multi, pluri e interdisciplinaridade”.

14

De acordo com Japiassu (1976), disciplinaridade significa a exploração

cientifica especializada de determinado domínio homogêneo de estudo;

multidisciplinaridade seria uma gama de disciplinas que propomos simultaneamente,

mas sem fazer aparecer às relações que podem existir entre elas;

pluridisciplinaridade é uma justaposição de diversas disciplinas situadas geralmente

no mesmo nível hierárquico e agrupadas de modo a fazer aparecer às relações

existentes entre elas; interdisciplinaridade aparece como axiomática comum a um

número de disciplinas comuns e, definidas no nível hierárquico imediatamente

superior, o que introduz a noção de finalidade.

E, finalmente, transdisciplinaridade, que seria a coordenação de todas as

disciplinas e interdisciplinas dos sistemas de ensino inovado, sobre a base de um

axioma geral, o que segundo JAPIASSU (1976) a interdisciplinaridade distingue-se

das outras pela intensidade das trocas entre as disciplinas e pelo grau de integração

real das disciplinas.

Tanto na disciplinarização do conhecimento quanto nas propostas da

multidisciplinaridade e da pluridisciplinaridade, o conhecimento e a compreensão do

mundo são vistos de forma reducionista e fragmentada.

A construção do conhecimento pelo processo da disciplinarização resulta na

visão fragmentada do objeto, pois não se obtêm a visão do todo, apenas parcial, e

conseqüentemente a abordagem específica também será parcial, perdendo a

concepção do todo.

Segundo Japiassu (1976), a fragmentação do conhecimento recorre à

necessidade de uma colaboração entre as diversas disciplinas humanas, no sentido

de integrá-las, por meio do diálogo, como também, a capacidade de reconhecer

aquilo que lhes falta e que podem ou devem receber dos outros.

Para Fazenda (1996), na construção do conhecimento a integração das

muitas ciências não garante a sua perfeita execução. A interdisciplinaridade surge,

assim, como possibilidade de enriquecer e ultrapassar a integração dos elementos

do conhecimento, pois está marcada por um movimento ininterrupto, criando ou

recriando outros pontos para a discussão, buscando novas combinações e

aprofundamento sempre dentro de um mesmo grupo de informações. Enquanto que

na integração trabalha-se sempre com os mesmos pontos, sem a possibilidade de

serem reinventados.

15

Conceituar interdisciplinaridade é tarefa bastante complexa, uma vez que esta

palavra envolve uma acumulação fantástica de equívocos e possibilidades.

Conforme Fazenda (1996), esses equívocos quanto à definição de

interdisciplinaridade correm o risco de danificar a sua característica maior que é a

concepção única do conhecimento.

Trindade (2008) faz uma reflexão quanto à conceituação da

Interdisciplinaridade, segundo ele,

[...] mais importante que conceituar é refletir a respeito de atitudes que se constituem como interdisciplinares. A dificuldade na sua conceituação surge porque ela está pontuada de atitude, e não simplesmente em um fazer. Entretanto, precisa ser bem compreendida para que não ocorram desvios na sua prática, o que me levou a refletir sobre as reivindicações que a geraram e sobre suas origens. Isto é um exercício fascinante, já que ela pavimentou o caminho para outra nova ordem de se pensar o ser humano, o mundo e as coisas do mundo; velhos caminhos há muito esquecidos foram reabertos e, além disso, permitiu rever conceitos e certezas cristalizados na mente humana e viajar no tempo. (TRINDADE, 2008, p. 66).

Citando o mesmo autor:

Mais importante do que defini-la, porque o próprio ato de definir estabelece barreiras, é refletir sobre as atitudes que se constituem como interdisciplinares: atitude de humildade diante dos limites do saber próprio e do próprio saber, sem deixar que ela se torne um limite; a atitude de espera diante do já estabelecido para que a dúvida apareça e o novo germine; a atitude de deslumbramento ante a possibilidade de superar outros desafios; a atitude de respeito ao olhar o velho como novo, ao olhar o outro e reconhecê-lo, reconhecendo-se; a atitude de cooperação que conduz às parcerias, às trocas, aos encontros, mais das pessoas que das disciplinas, que propiciam as transformações, razão de ser interdisciplinaridade. Mais que um fazer, é paixão por aprender, compartilhar e ir além [...]. (IDEM, p. 73)

Conforme Japiassu (1976, p. 54), a questão da interdisciplinaridade,

[...] se afirma como uma reflexão epistemológica sobre a divisão do saber em disciplinas para extrair suas relações de interdependências e de conexões recíprocas [...] se define e se elabora por uma crítica das

16

fronteiras das disciplinas, e sua compartimentação, proporcionando uma grande esperança de renovação e de mudança no domínio da metodologia das ciências humanas.

Com a interdisciplinaridade a concepção fragmentada é substituída pela

unitária do ser humano. Para Fazenda (2002, p. 38) “ser interdisciplinar é superar a

visão fragmentada não só das disciplinas, mas de nós mesmos e da realidade que

nos cerca visão esta que foi condicionada pelo raciocínio técnico”.

Segundo Severino (2006) o homem é uma unidade que nunca pode ser

apreendida mediante uma acumulação de visões parciais.

O homem é uma unidade que só pode ser apreendida numa abordagem sintetizadora e nunca mediante uma acumulação de visões parciais. De nada adianta proceder por decomposição, análise e recomposição de aspectos: esta soma não dará a totalidade humana. É preciso, pois, no âmbito dos esforços com vistas ao conhecimento da realidade humana, praticar, intencional e sistematicamente, uma dialética entre as partes e o todo, o conhecimento das partes fornecendo elementos para a construção de um sentido total, enquanto o conhecimento da totalidade elucidará o próprio sentido que as partes, autonomamente, poderiam ter. (SEVERINO, 2006, p. 17)

O combate à fragmentação do conhecimento, da busca da visão unitária do

real e da restauração de um saber voltado à reconstituição da inteligibilidade do

homem e do universo atenderá a uma inserção crítica da pessoa em uma realidade

desmistificada.

Conforme TAVARES (2008, p. 136):

A interdisciplinaridade não é um caminho de homogeneidade, mas de heterogeneidade. Por isso, um dos principais pressupostos para se caminhar interdisciplinarmente é o diálogo. Este deve ser reflexivo, crítico, entusiástico, que respeita e transforma. Num trabalho interdisciplinar em equipe é imprescindível que todos estejam abertos ao diálogo em qualquer momento.

O diálogo se faz necessário na interdisciplinaridade, pois leva a uma interação

entre as diversas disciplinas obtendo a integração de conhecimentos, onde cada

17

disciplina dá a sua contribuição sem estabelecer a superioridade numa ciência em

função de outra.

O conhecimento interdisciplinar deve ser uma lógica de descoberta, uma abertura recíproca, uma comunicação entre os domínios do Saber; deveria ser uma atitude, que levaria o perito a reconhecer os limites de seu saber para receber contribuições de outras disciplinas. Toda Ciência seria complementada por outra e a separação entre as Ciências seria substituída por objetivos mútuos. Cada disciplina dá sua contribuição, preservando a integridade de seus métodos e seus conceitos. (SAMPAIO, 2006, p. 83)

Segundo Yared (2008, p. 161),

Etimologicamente, interdisciplinaridade significa, em sentido geral, relação entre as disciplinas. Ainda que o termo interdiciplinaridade seja mais usado para indicar relação entre disciplinas, hoje alguns autores distinguem outros similares, tais como a pluridisciplinaridade e a transdisciplinaridade, que também podem ser entendida como forma de relações disciplinares em diversos níveis, como grau sucessivo de cooperação e coordenação crescente no sistema de ensino-aprendizagem.

Interdisciplinaridade, ainda segundo Yared, que conclui:

É o movimento (inter) entre disciplinas, sem a qual a disciplinaridade se torna vazia; é um ato de reciprocidade e troca, integração e vôo; movimento que acontece entre o espaço e a matéria, a realidade e o sonho, o real e o ideal, a conquista e o fracasso, a verdade e o erro, na busca da totalidade que transcende a pessoa humana [...]. (idem, p. 165).

Essa interação entre as disciplinas busca contribuir na construção de um

conhecimento amplo no que diz respeito ao ser humano e ao universo, como

também, na atitude frente ao conhecimento.

Para Josgrilbert (2002, p. 86)

18

A interdisciplinaridade é muito mais do que um conjunto de disciplinas, é uma libertação de modelos predeterminados, é saber unir a arte com a ciência, é saber usar a utilidade do tempo; é uma relação entre pessoas, que começa a partir do olhar, que pode gerar um momento único de interação, um momento de aprendizagem.

Rodrigues (1998, p. 156) diz que “a interdisciplinaridade, favorecendo o

alargamento e a flexibilização no âmbito do conhecimento, pode significar uma

instigante disposição para os horizontes do saber”, o que irá possibilitar a produção

de novos conhecimentos.

O mesmo Rodrigues aqui referido:

[...] Penso a interdisciplinaridade, inicialmente, como postura profissional que permite se pôr a transitar o “espaço da diferença” com sentido de busca, de desenvolvimento da pluralidade de ângulos que um determinado objeto investigado é capaz de proporcionar, que uma determinada realidade é capaz de gerar, que diferentes formas de abordar o real podem trazer. (Rodrigues, 1998, p. 156).

A interdisciplinaridade inova, pois, vai possibilitar o exercício do diálogo que

se propõe a gerar outras tantas novas construções do conhecimento.

MARQUES E RAMALHO (2006, p. 68) referindo-se a intervenção profissional

diz que:

A ação que passa nesta perspectiva interdisciplinar é proporcionar a cada profissional, enquanto pessoa, questionar, opinar, discutir, atuar com relação a determinada ação. Assim o profissional não buscará limitar seu espaço de ação fragmentando a questão, numa atitude de exclusividade, mas o ampliará numa perspectiva conjunta, visualizando a totalidade da questão [...].

A interdisciplinaridade tem seu ponto predominante na produção de

conhecimento e na atuação profissional, como também, na busca de articulações

entre os conhecimentos específicos estabelecidos nas relações dialógicas. O

diálogo é imprescindível em uma ação interdisciplinar, possibilitando que se reveja

19

sua atuação, interação, falhas, necessidades e entrosamento, troca de

conhecimento entre profissionais.

Considerando as várias definições e o entendimento dos autores citados no

que se refere à interdisciplinaridade, a proposta da interdisciplinaridade vai além de

meras aproximações ou justaposições disciplinares, constroem-se relações

dialógicas entre os saberes, implica a articulação de conhecimentos de uma mesma

área ou de áreas distintas e, são com base nesses fundamentos que se pode

compreender melhor, os níveis de atuação, as correlações entre os saberes.

20

2. O Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas – Provita

O Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas - Provita tem

como meta o combate à impunidade no Brasil, dando proteção às pessoas coagidas

ou ameaçadas por colaborarem em inquéritos policiais ou processos criminais. O

período de proteção varia de seis meses a dois anos e pode ser prorrogado de

acordo com a duração do processo e condenação dos culpados.

2.1 – Breve Histórico da formação do Programa de Proteção a Vítimas e

Testemunhas Ameaçadas – Provita

O Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas - Provita teve

seu inicio em 1996, por iniciativa do Gabinete de Assessoria Jurídica às

Organizações Populares – Gajop, entidade com sede em Recife, que atua na defesa

dos Direitos Humanos, com o objetivo de contribuir na diminuição dos altos níveis de

impunidade no estado de Pernambuco.

Essa iniciativa se deu a partir da necessidade de preservar as testemunhas

de homicídios cometidos por policiais, grupo de extermínio e crime organizado em

Pernambuco, hoje, colabora, ainda, com a apuração de crimes que envolvem

tortura, trabalho escravo, tráfico de armas e seres humanos, narcotráfico, corrupção

e crimes eleitorais.

Conforme SILVA (2008, p. 39),

A criação de um programa de proteção a testemunhas parte da necessidade da prova testemunhal na apuração de determinados crimes. Ainda que a proteção da testemunha não seja em si uma garantia de condenação dos acusados, sua importância para a produção da prova é mencionada na Lei que institui o Programa e se constitui em um dos critérios de inclusão dos usuários.

21

O Programa, inicialmente, contou com o suporte do Ministério Público

Estadual, por meio de um convênio de cooperação com o Gajop, que entendeu a

necessidade dessa política pública no sentido de romper com o ciclo da impunidade.

A partir da experiência positiva do Programa em Pernambuco, no ano 1998 foi

firmado um convênio de cooperação técnico-financeira do Ministério da Justiça, por

intermédio da Secretaria Nacional de Direito Humanos com o governo estadual de

Pernambuco para apoiar o Provita, com o intuito de sensibilizar outros Estados a

implantar o Programa, seguindo a diretriz do Programa Nacional de Direitos

Humanos, ficando evidente o reconhecimento do Governo Federal da parceria entre

Estado e Sociedade Civil na luta contra a impunidade.

Ainda no ano de 1998 foram firmados convênios com os Estados de Espírito

Santo, Bahia e Rio de Janeiro para a implantação do referido Programa. Atualmente

o Programa atua em 18 Estados, sendo eles: Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia,

Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas

Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa

Catarina e São Paulo. Foi criado também, em 1998, o Programa Federal, que

atende os casos dos Estados que não possuem o Programa.

Para auxiliar na implantação do Programa nos outros Estados, foi firmado um

novo convênio com o Gajop incluindo a seleção da entidade gestora da sociedade

civil e a seleção e capacitação da equipe técnica muiltidisciplinar que atende aos

beneficiários inseridos no Programa.

A partir do I Encontro Interestadual, realizado em Recife, foi elaborado um

Projeto de Lei Federal, enviado pelo Gajop à Secretaria Nacional de direitos

Humanos do Ministério da Justiça que, em seguida, enviou ao Congresso Nacional,

em setembro de 1997. Alguns Projetos de Leis já existentes, como os de Nº 610/95,

Nº 1.348/95, Nº3.599-A/97 e Nº4.264/98, foram modificados e transformados na Lei

Federal Nº 9.807.

Em 13 de julho de 1999, com o apoio da Comissão de Direitos Humanos da

Câmara Federal, foi promulgada a LEI Nº 9.807, que regulamenta a Assistência a

Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, contemplando, em seu conteúdo, o modelo de

proteção e o que já foi implementado em alguns Estados pelo Gajop, como também,

22

Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas e dispões sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. (Lei Nº 9.807/1999)

A LEI Nº 9.807/1999 foi regulamentada pelo Decreto nº 3.518, de 20 de julho

de 2000, regulamentando, assim, o Programa Federal de Assistência a Vítimas e

Testemunhas Ameaçadas,

Art. 1. O Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, instituído pelo art. 12 da Lei no 9.807, de 13 de julho de 1999, no âmbito da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, consiste no conjunto de medidas adotadas pela União com o fim de proporcionar proteção e assistência a pessoas ameaçadas ou coagidas em virtude de colaborarem com a investigação ou o processo criminal.

O Programa Federal de Assistência a Vítimas e Testemunhas ameaçadas,

diferentemente dos Programas estaduais, com exceção do PROTEGE, no Rio

Grande do Sul, é um programa em que o órgão executor é o Estado, com um

convênio operacional com o Gajop.

A LEI Nº 9.807/1999, regulamentada pelo Decreto do Presidente da República

em 20 de junho de 2000, respeita o princípio de parceria entre Estado e sociedade

civil, como também, o conceito de “vítima”, expresso na “Declaração dos Princípios

Básicos de Justiça para as Vítimas de Delitos e de Abusos de Poder”. (Resolução da

Assembléia Geral da ONU nº 40/34)

Uma pessoa pode ser considerada como "vítima", no quadro da presente Declaração, quer o autor seja ou não identificado, preso, processado ou declarado culpado, e quaisquer que sejam os laços de parentesco deste com a vítima. O termo "vítima" inclui também, conforme o caso, a família próxima ou as pessoas a cargo da vítima direta e as pessoas que tenham sofrido um prejuízo ao intervirem para prestar assistência às vítimas em situação de carência ou para impedir a vitimização.

E ainda,

23

§ 1o A proteção poderá ser dirigida ou estendida ao cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência habitual com a vítima ou testemunha, conforme o especificamente necessário em cada caso. (LEI 9.807/1999, Art. 2.)

O Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas tem sua

operacionalização e funcionamento realizado por meio de estruturas como:

Conselho Deliberativo, Órgão Executor e Equipe Técnica. O Conselho é composto

por representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário, de outros órgãos

públicos e de entidades da sociedade civil que atuem na área de direitos humanos

ou segurança pública.

Art. 4. Cada programa será dirigido por um conselho deliberativo em cuja composição haverá representante do Ministério Público, do Poder Judiciário e de órgãos públicos e privados relacionados a segurança e a defesa dos direitos humanos. (LEI Nº 9.807/1999)

§ 1o A execução das atividades necessárias ao programa ficará a cargo de um dos órgãos representados no conselho deliberativo, devendo os agentes dela incumbidos ter formação e capacitação profissional compatíveis com suas tarefas.

De acordo com a LEI Nº 9.807/1999, cabe ao Conselho Deliberativo, deliberar

o ingresso ou exclusão da rede de proteção, como também, tomar providências de

modo geral a cerca do cumprimento do Programa.

Art. 6. O conselho deliberativo decidirá sobre: I - o ingresso do protegido no programa ou a sua exclusão; II - as providências necessárias ao cumprimento do programa.

24

A proteção oferecida pelo Programa, de acordo com a LEI Nº 9.807/1999, terá

a duração máxima de dois anos, podendo ser prorrogada.

Art. 11. A proteção oferecida pelo programa terá a duração máxima de dois anos. Parágrafo único. Em circunstâncias excepcionais, perdurando os motivos que autorizem a admissão, a permanência poderá ser prorrogada.

A LEI Nº 9.807/1999 define regras para a redução da pena e o perdão judicial,

criando assim, a figura do réu colaborador.

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

É importante destacar o entendimento de JUNIOR (1999) quanto a LEI

9.807/1999 no que se refere à redução da pena e o perdão judicial

Nada mais justo, confrontando com os benefícios assegurados aos réus colaboradores, que as vítimas e testemunhas tivessem também tratamento diferenciado quando delatassem fatos incriminadores e fossem ameaçados. Se o réu tem como recompensa o perdão judicial e até mesmo a diminuição da pena, apresenta-se como correto oferecer, pelo menos, segurança e garantia para as vítimas e testemunhas coagidas. (JUNIOR, 1999, p. 50)

A LEI 9.807, de 13 de julho de 1999, assegura que:

25

Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.

Assim, o acusado que colaborar com a investigação policial, no caso de

condenação, poderá ter sua pena reduzida.

2.2 - O Programa Estadual de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas -

Provita/AM: Limites e Possibilidades

O Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas no

Amazonas/Provita/AM foi uma iniciativa do Ministério Público Estadual,

considerando a recomendação do Programa Nacional de Direitos Humanos do

Ministério da Justiça de 1996 na “Luta contra a Impunidade” para que fossem

criados, nos Estados, Programas de Proteção às Vítimas e Testemunhas

Ameaçadas de crimes, em virtude de colaborarem em investigação ou processo

penal.

No Amazonas o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas

Ameaçadas/Provita foi instituído por meio do ATO PGJ Nº 032, de 09 de abril de

2001, como também, a criação do Conselho Deliberativo desse Programa e

implantado por meio de convênio entre a Secretaria Especial de direitos Humanos

da Presidência da República, o Ministério Público do Estado do Amazonas e o

Centro dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Manaus.

Art. 1º. - Fica instituído, em caráter permanente, no âmbito do Estado do Amazonas, o Programa Estadual de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, com a sigla PROVITA/AM, vinculado à Procuradoria-Geral de Justiça, Órgão da Administração Superior do Ministério Público do Estado do Amazonas, com a finalidade de garantir, através da aplicação das medidas preconizadas na Lei n.º 9.807, de 13 de julho de 1999, a proteção das vítimas e das testemunhas coagidas ou expostas a grave ameaça, e seus perspectivos familiares, em razão de colaborarem com investigações ou processos criminais, bem como dos depoentes especiais, tal como

26

definidos no art. 10 do Decreto Federal n.º 3.518, de 20 de junho de 2000. (ATO PGJ Nº 032/2001)

De acordo com o ATO PGJ Nº 032, de 09 de abril de 2001,

Art. 3º. – A Procuradoria-Geral de Justiça é a Instituição Executora do PROVITA/AM, cabendo-lhe, com o assessoramento da Gerência de Acompanhamento do Programa:

O Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas no

Amazonas, é um programa estatal como os outros, mas tem as suas atribuições

exercidas pelo Ministério Público Estadual.

No uso de suas atribuições legais o Procurador-Geral de Justiça do Estado do

Amazonas instituiu o Programa Estadual de Proteção a Vítimas e Testemunhas

Ameaçadas,

Considerando os compromissos do Ministério Público do Estado do Amazonas com a consolidação da democracia e o respeito aos Direitos Humanos, expressos no PROJETO BÁSICO DO PROVITA/AM, elaborado em 10 de novembro de 2000, em cumprimento do item 1.15 do PLANO DE TRABALHO DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA PARA 2000 – ÁREA CRIMINAL. (ATO PGJ Nº 032/2001)

No período de 09 de abril de 2001 a 12 de novembro de 2008 o Provita/AM foi

regido pelo ATO PGJ Nº 032/2001. Nesse período estiveram na execução do

Programa, o Centro de Direitos Humanos da Arquidiocese de Manaus e, a Fundação

de Amparo a Pesquisa Desembargador Paulo dos Anjos Feitoza, que está na

execução do Programa atualmente.

Em 12 de novembro de 2008 foi promulgada a LEI Nº 3.309 que INSTITUI, no

âmbito do Estado do Amazonas, o Programa Estadual de Proteção a Vítimas e

Testemunhas ameaçadas e estabelece normas para a sua organização e

manutenção.

De acordo com a LEI Nº 3.309

27

Art. 1.º Fica instituído, em caráter permanente, no âmbito do Estado do Amazonas, o Programa Estadual de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, com a sigla PROVITA/AM, vinculado à Procuradoria-Geral de Justiça, Órgão da Administração Superior do Ministério Público do Estado do Amazonas, com a finalidade de garantir, por meio da aplicação das medidas preconizadas na Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, a proteção a vítimas e testemunhas coagidas ou expostas à grave ameaça, em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal.

O Provita/AM em sua LEI, assim como a LEI Nº 9.807 de 13 de julho de 1999,

assegura a proteção a todos que convivem habitualmente com a vítima ou

testemunhas.

§ 1o A proteção poderá ser dirigida ou estendida ao cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência habitual com a vítima ou testemunha, conforme o especificamente necessário em cada caso. (LEI Nº 3.309/2008, Art. 2.)

Conforme a LEI Nº 3.309, que regulamenta o Provita/AM, em seu Art. 2º, a

proteção será concedida de acordo com a gravidade da coação ou da ameaça a

integridade física ou psicológica da pessoa, e a dificuldade de preveni-las ou reprimi-

las pelos meios convencionais, como também, a sua importância para a produção

da prova, como também:

§ 1o Não poderá ingressar no Programa o indivíduo cuja personalidade ou conduta seja incompatível com as restrições de comportamento exigidas, o indiciado ou acusado sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades e o condenado e o condenado que esteja cumprindo pena. (LEI Nº 3.309/2008, Art. 2 º)

O ingresso no programa, às restrições de segurança e demais medidas

adotadas terão sempre o consentimento da pessoa protegida, ou de seu

representante legal (LEI Nº 3.309/2008).

A LEI Nº 3.309/2008 que institui o Provita/AM garante que:

28

Art. 3.º Toda admissão no Programa ou exclusão dele será obrigatoriamente precedida de manifestação do Ministério Público sobre o disposto no art. 2º e deverá ser posteriormente comunicada à autoridade policial ou ao Juiz competente.

A solicitação para ingressar no Programa de Proteção, segundo a LEI Nº

3.309/2008:

Art. 4.º A solicitação objetivando ingresso no Programa poderá ser encaminhada à Instituição Executora, por intermédio da Gerência de Acompanhamento:

I. pelo interessado; II. por representante do Ministério Público;

III. pela autoridade policial que conduzir a investigação policial; IV. pelo Juiz competente para a instrução do processo criminal; V. por órgãos públicos e entidades com atribuições de defesa.

Segundo o Art. 5º da LEI Nº 3.309/2008 a exclusão da pessoa protegida pelo

Programa poderá ocorrer a qualquer tempo por solicitação do interessado, em

conseqüência de cessação dos motivos que ensejaram a proteção ou de conduta

incompatível do protegido, a critério do Conselho Deliberativo.

No Amazonas o Provita inovou quando garantiu em sua Lei que os usuários

excluídos do Programa por conduta incompatível pudessem recorrer da decisão.

§ 1o Em caso de exclusão por conduta incompatível do protegido, antes da manifestação do relator, o processo será encaminhado ao Defensor Público com assento no Conselho Deliberativo, para que este defenda a permanência do usuário no Programa, indicando os seus fundamentos. (LEI Nº 3.309/2008, Art. 4 º)

§ 2o O procedimento de exclusão será contraditório, oportunizando-se ao usuário ou a advogado por ele constituído, até antes da decisão do Conselho, que defenda por escrito a sua permanência no Programa. (LEI Nº 3.309/2008, Art. 4 º)

29

Órgãos que integram o Programa Estadual de Proteção a Vítimas e

Testemunhas Ameaçadas:

Art. 7.º Integram o Programa Estadual de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas-PROVITA/AM os seguintes Órgãos:

I. a Intituíção Executora; II. o Conselho Deliberativo;

III. a Gerência de Acompanhamento do Programa; IV. a Entidade Operacional; V. a Equipe Técnica Multidisciplinar e, VI. a Rede de Voluntária de Proteção.

A Instituição Executora do Programa Estadual de Proteção a Vítimas e

Testemunhas Ameaçadas - Provita/AM é a Procuradoria Geral de Justiça, cabendo-

lhe:

I. exercer, exclusivamente, a Presidência do Conselho deliberativo, mediante designação do seu Presidente pelo Procurador-Geral de Justiça dentre Procuradores de Justiça ou Promotores de Justiça de Entrância especial

Cabe também a Entidade Executora, supervisionar a política de recursos

humanos a ser seguida pela Entidade Operacional, no que se refere à Equipe

Técnica Multidisciplinar.

A Equipe Técnica é liderada por um coordenador e é composta de

advogados, psicólogos e assistentes sociais, trabalhando nas áreas jurídicas,

psicológica e social para embasar as decisões do Conselho, como também para

realizar atendimento e monitoramento dos beneficiários do Programa.

No Programa de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas do

Amazonas Provita/AM já ingressaram 29 casos, atualmente possui 09 casos,

totalizando 48 pessoas protegidas. Para o ingresso no Programa os futuros usuários

são encaminhados à Gerência do Programa, por meio do Ministério Público

Estadual, Ministério Público Federal, Polícia Civil, Polícia Militar, Secretaria de

Justiça, Corregedoria de Justiça, Ordem dos Advogados do Brasil/OAB, e pelo

próprio cidadão ou familiares.

30

O usuário antes de ingressar no programa passa por um processo de triagem

com a equipe técnica. No momento da triagem é utilizado um roteiro de triagem

constando à identificação do usuário, histórico e situação sócio-familiar (formação da

família, relacionamento familiar, experiências laborativas/formação profissional),

situação sócio-econômica, aspectos psicossociais, ingresso no programa (como:

motivação para o ingresso no programa, expectativa em relação ao programa,

entendimento e compreensão das normas), aspectos jurídicos. É a partir do roteiro

de triagem que a equipe técnica elabora o parecer interdisciplinar contendo a

identificação do usuário, situação sócio-familiar, relato do caso, abordagem

psicossocial, abordagem jurídica e a conclusão (se é favorável ou desfavorável ao

ingresso), que é encaminhado ao Conselho Deliberativo/Condel.

Após o ingresso, o usuário assina um Termo de Compromisso, em que

constam os deveres da entidade operacional e do usuário, como também, direitos,

firmado entre as partes. Caso o usuário descumpra alguma cláusula, dependendo

da gravidade, é feito uma repactuação do termo de compromisso, onde é retomado

o termo, com a leitura e explicação do mesmo, indagando do usuário o seu

entendimento, se tem alguma dúvida. Se o usuário continuar descumprindo o termo

assina um termo de responsabilização.

Caso o usuário continue descumprindo as normas do Termo, o mesmo será

excluído do Programa conforme ao Art. 2º, inciso 2º, da Lei 9.807/1999.

O usuário pode contar com uma espécie de “ouvidoria”, a gerente do

Programa, que é promotora de justiça, atende todos os usuários que se sentirem

injustiçados ou entenderem que seus direitos não estão sendo garantidos.

Vale ressaltar que o ingresso e a permanência do usuário no Programa são

de forma voluntária, podendo o mesmo a qualquer momento, caso haja desistência,

solicitar o seu desligamento, o qual será orientado de que não deve retornar ao local

de origem do conflito, no qual fora vítima ou testemunha.

31

3. PERSPECTIVA TEÓRICO-PRÁTICA DA INTERDISCIPLINARIDADE NO

PROGRAMA DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS E TESTEMUNHAS AMEAÇADAS NO

AMAZONAS – PROVITA/AM

O instrumental utilizado para a pesquisa do tema proposto correspondeu à

aplicação de um questionário contendo 10 (dez) perguntas, sendo 04 (cinco)

objetivas e 06 (seis) subjetivas, realizado com membros da equipe do Provita-AM,

que teve como objetivo principal identificar a visão de interdisciplinaridade dos

profissionais envolvidos no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas

Ameaçadas do Amazonas. Todos os entrevistados foram abordados no mesmo

ambiente, sem variações, em horários diferentes. Os profissionais não foram

identificados visando proporcionar condições favoráveis para que respondessem o

questionário de forma espontânea.

3.1 – A visão de interdisciplinaridade dos Profissionais envolvidos no

Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas – Provita/AM

Como os profissionais não foram identificados, os mesmos serão identificados

aqui como profissional 1, 2, e assim sucessivamente.

Na primeira questão o entrevistado respondeu o que entende por

interdisciplinaridade.

Com relação aos depoimentos obtidos, constatamos que o entendimento dos

profissionais com relação à interdisciplinaridade passa pela comunicação entre

vários saberes, é um processo de construção, de integração, de interação,

comunicação. Essas colocações estão presentes nos seguintes relatos:

P. 1 – “É um processo de integração recíproca entre várias disciplinas e campos de conhecimento, por conta de um projeto ou de um objeto que lhes sejam comuns”.

32

P. 2 – “A Interdisciplinaridade busca a interação entre diferentes disciplinas construindo um novo conhecimento comum a todos”. P. 3 – “A comunicação, o elo entre vários saberes (ciências), para trabalhar um objeto, um foco em comum. É permitir que visões diferentes de campos (áreas) diversos sejam somados em prol de um mesmo fim”. P. 4 – “Processo de construção que se utiliza de várias áreas de atuação, para tentar alcançar a solução ideal em casos complexos”. P. 5 – “Integração de dois ou mais profissionais curriculares, trabalhando em prol de uma melhor assistência”. P. 6 – “É a interação entre várias disciplinas”.

Quando perguntados em que momento participam do processo

interdisciplinar, os profissionais responderam:

P. 1 – “Indiretamente, sempre”.

P. 2 – “Durante as realizações de estudo de caso e reunião da

equipe técnica (psicólogo, advogado e assistente social)”.

P. 3 – “Na discussão dos casos e encaminhamentos”.

P. 4 – “Trazendo os conhecimento e entendimentos de minha

formação”.

P. 5 – “No momento em que posso partilhar com uma opinião”.

P. 6 – “Nas discussões de casos”.

Perguntados sobre qual o papel da interdisciplinaridade no Provita-AM,

responderam o seguinte:

P. 1 – “Tem um papel fundamental. É importante porque se

apresenta como opção para articular os saberes científicos, que

se ocupam de vários problemas”.

P. 2 – “Teria um papel imprescindível se fosse mais aplicado.

Traria maturidade e empatia nos participantes da equipe se

houvesse interdisciplinaridade com mais freqüência”.

33

P. 3 – “É determinante. É a presença da interdisciplinaridade

que dá a qualificação ao atendimento e demais procedimentos”.

P. 4 – “Criar um consenso nas decisões que irão ser postas em

prática ao usuário na sua reinserção”.

P. 5 – “Papel de integração de união”.

P. 6 – “A interdisciplinaridade é tudo para a equipe do Provita-

AM”.

A pergunta seguinte foi feita para citar uma prática interdisciplinar identificada

no cotidiano do Provita-AM.

P. 1 – “A reinserção dos usuários”.

P. 2 – “Estudo de caso (quando há)”.

P. 3 – “Análise de um pleito para inserção laboral – é notória a

preocupação e estudo dos rebatimentos jurídicos, psicológico e

social”.

P. 4 – “As decisões são tomadas em consenso nas reuniões

técnicas”.

P. 5 – “As reuniões”.

P. 6 – “Estudo de casos”.

Na penúltima pergunta, foi perguntado se há incentivo para o

desenvolvimento de práticas interdisciplinares no Provita-AM por parte dos gestores

e como se dá esse incentivo.

P. 1 – “Sim. O incentivo se dá com a participação em estudos de

casos e seminários”.

P. 2 – “Esporadicamente. Quando era verificado a possibilidade

de realizarmos capacitações e quando ocorre estudo de caso.

Incentivo durante as reuniões (esporadicamente)”.

34

P. 3 – “Sim. Prima-se pela participação (presença) de todos os

técnicos em atendimentos e eventos que tratem assuntos

gerais”.

P. 4 – “Em parte, em relação ao Condel há estimulação neste

sentido. No entanto, a representação da Fundação faz

prevalecer a questão financeira, face a decisão dos

profissionais”.

P. 5 – “Sim. Nos ajudando com a razão social”.

P. 6 – “Não. A maioria das decisões são tomadas sem levar em

conta o entendimento técnico, prevalecendo o lado financeiro”.

A última pergunta: O que poderia ser feito para incrementar a atuação das

equipes em uma perspectiva interdisciplinar?

P. 1 – “Encontro em nível nacional”.

P. 2 – “Maior incentivo em capacitação, ou seja, participação de

congressos, eventos e seminários que trabalhem aspectos de

interesse e voltados para as disciplinas que atuam no Provita

(serviço social, psicologia, direito)”.

P. 3 – “Maior qualificação nas áreas específicas (capacitação).

Maior conhecimento do conteúdo e da prática”.

P. 4 – “Superar a questão financeira em detrimento da

atuação/decisão interdisciplinar”.

P. 5 – “Não respondeu”.

P. 6 – “Valorização do conhecimento dos técnicos nas decisões

referentes aos usuários”.

Perguntado no item 2: você percebe que a interdisiplinaridade é importante

para a atuação profissional no Provita\AM? Todos responderam sim.

Para que aja uma leitura mais acessível das perguntas dos itens 3 a 5 do

questionário, as mesmas serão apresentadas em forma de tabela.

35

Item 3 - Como você avalia o trabalho interdisciplinar da equipe do Provita\AM:

Excelente Bom Regular Nenhuma das respostas

Profissional 1 X

Profissional 2 X

Profissional 3 X

Profissional 4 X

Profissional 5 X

Profissional 6 X

Item 4 - A interdisciplinaridade faz parte da sua rotina de trabalho?

Sim Não

Profissional 1 X

Profissional 2 X

Profissional 3 X

Profissional 4 X

Profissional 5 X

Profissional 6 X

Item 5 - Como você avalia o seu entendimento quanto a interdisciplinaridade?

Excelente Bom Regular Nenhuma das respostas

Profissional 1 X

Profissional 2 X

Profissional 3 X

Profissional 4 X

Profissional 5 X

Profissional 6 X

Observando o conceito emitido pela amostra no que refere à

interdisciplinaridade, verificamos haver proximidade de idéias, definindo-a como

36

integração, interação, comunicação, processo de construção, mesmo que de forma

sucinta, ficando evidente que a maioria não tem um conceito bem definido.

Analisando todas as respostas obtidas no questionário foi possível constatar

um pensamento confuso e contraditório com relação à interdisciplinaridade, o papel

da interdisciplinaridade no Programa, identificação de uma prática interdisciplinar,

divergência de opinião, o que nos faz acreditar que os profissionais entrevistados

estão necessitando de um aprofundamento teórico e prático sobre o tema, pois,

segundo Trindade (2008) “a interdisciplinaridade precisa ser bem compreendida

para que não ocorram desvios na sua prática”.

Quanto ao incentivo para o desenvolvimento de práticas interdisciplinares por

parte dos gestores, a maioria dos profissionais respondeu de forma positiva, sendo

que na justificativa houve uma contradição quase que generalizada, pois o

entendimento de incentivo não corresponde com o entendimento de

interdisciplinaridade, não ficando claro se realmente há tal incentivo.

Quando questionados sobre o que poderia ser feito para incrementar a

atuação das equipes em uma perspectiva interdisciplinar, em sua maioria,

responderam à necessidade de capacitação, o que nos faz reportar ao conceito de

interdisciplinaridade no entendimento de Fazenda (1979, p. 8), “a

interdisciplinaridade não se ensina, nem se aprende, simplesmente vive-se, exerce-

se, e por isto exige uma nova pedagogia, a da comunicação”.

3.2 - Das dificuldades na consumação de um trabalho interdisciplinar

A atuação das equipes interdisciplinares deve resultar de abordagens

dialogadas entre as áreas atuantes e entre os atores envolvidos, buscando contribuir

com seus conhecimentos técnico-cientifico de cada disciplina específica, construindo

uma visão integrada e multidimensional, o que não foi percebido nas respostas dos

profissionais entrevistados, onde na penúltima pergunta alguns profissionais

responderam que o entendimento técnico não é levado em conta nas decisões, mas

o lado financeiro. Isso demonstra a dificuldade do trabalho interdisciplinar e que

muitas vezes quem sai perdendo com essa correlação de força são os usuários.

Segundo Fazenda (2002),

37

[...] As fontes novas do saber vivenciadas no conhecimento interdisciplinar permitem-nos facilmente reconhecer que a estrutura na qual vivemos é reflexo de outras épocas, gestadas no passado. Nesse processo, sentimo-nos tolhidos ao exercer o imperativo de ordens que não nos pertencem, de valores que não desejamos, e nosso primeiro impulso é romper com ele. Mas o processo de metamorfose pelo qual passamos, e que fatalmente conduzirá a um saber mais livre, mais nosso, mais próprio e mais feliz, é um processo lento, exige uma atitude de espera, não uma espera passiva, mas vigiada. Alterar violentamente o curso dos fatos não é próprio de uma educação que abraça a interdisciplinaridade. Ela exige que provemos aos poucos o gosto da paixão por formar até nos embebedarmos dela, porém o sentido que um trabalho interdisciplinar desperta e para o qual não estamos preparados é o da sabedoria, de aprender a intervir sem destruir o construído”. (FAZENDA, 2002, p. 18).

As intervenções dos profissionais da equipe devem ser pautadas no diálogo,

proporcionando a cada profissional questionar, opinar, discutir, atuar com relação à

determinada ação. Dessa forma, o profissional não se limitará a uma ação

fragmentada, mas ampliará a sua visão numa perspectiva conjunta visualizando a

totalidade da questão.

Os membros da equipe interdisciplinar devem estar dispostos a reconhecer as

diferenças e as especificidades de cada um, pois podem ocorrer algumas situações

específicas que prejudicam a sua estruturação, como: dominância de um discurso

particular e relação de poder entre os profissionais.

É preciso compreender que a idéia de trabalho conjunto, racionalizando, socializando, é um exercício de uma nova sociedade que quebra os modelos apreendidos na vida social, que tenta banir a idéia de autoridade e poder que tanto nos marca na família, escola, clubes, instituições, emprego e partido político. A co-participação causa impacto. É um desafio trabalhar com o novo. É preciso aprender a trabalhar sem coordenação, mas sim em conjunto, com planejamento democrático, onde as pessoas trabalhem livres, elaborando um modelo de responsabilidade, não condicionadas a um chefe, mas ao compromisso real [...]. (MARQUES e RAMALHO, 2006, p.70).

Em um trabalho interdisciplinar é imprescindível que os membros da equipe

estejam, sempre, abertos para o diálogo, pois a comunicação entre os saberes é

importante, onde cada disciplina dará a sua contribuição preservando seus métodos

e conceitos.

38

Uma equipe interdisciplinar para funcionar não pode apenas constituir-se de

competências diversas, é preciso que haja uma interação entre os saberes, pois a

contribuição das outras disciplinas trará uma maior consciência da realidade onde se

busca entender o mundo e o indivíduo de forma holística em sua complexidade.

Conforme salienta Fazenda (1994, p. 82):

Entendemos por atitude interdisciplinar, uma atitude diante de alternativas para conhecer mais e melhor; atitude de espera ante os atos consumados, atitude de reciprocidade que impele a troca, que impele ao diálogo – ao diálogo com pares idênticos, com pares anônimos ou consigo mesmo – atitude de humildade diante da limitação do próprio saber, atitude de perplexidade ante a possibilidade de desvendar novos saberes, atitudes de desafio – desafio perante o novo, desafio em redimensionar o velho – atitude de envolvimento e comprometimento com os projetos e com as pessoas neles envolvidas, atitude, pois, de compromisso em construir sempre da melhor forma possível, atitude de responsabilidade, mas, sobretudo, de alegria, de revelação, de encontro, enfim, de vida.

A ação interdisciplinar vai evidenciar uma mudança de atitude frente ao

conhecimento, pautando-se em uma ação em movimento. Pode-se dizer, então, que

interdisciplinaridade é atitude, uma ação que promove a parceria e a integração.

A interdisciplinaridade colabora na construção e produção do conhecimento,

buscando novas combinações e aprofundamentos científicos, como também, na

prática profissional com a contribuição peculiar de cada disciplina sem que uma seja

superior em relação à outra, nem a hierarquização entre as mesmas.

39

CONCLUSÃO

O Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas surgiu da

necessidade de combater a criminalidade e a impunidade presente na sociedade. A

prática de delitos graves exigiu que o Estado criasse medidas para resguardar a

prova testemunhal, possibilitando a colaboração da mesma na formulação da

denúncia e fornecimento de dados que viabilizem a apuração dos fatos.

Para atender as necessidades dos beneficiários inseridos no Programa o

mesmo prevê a contratação e capacitação de profissionais das áreas do serviço

social, da psicologia e do direito, os quais acompanham os usuários durante a sua

permanência no Programa.

A equipe multidisciplinar do Provita deverá realizar o seu trabalho baseado na

interdisciplinaridade, na qual cada profissional dará a sua contribuição com a

finalidade de garantir a qualidade da assistência aos beneficiários do Programa.

A interdisciplinaridade está baseada em uma ação, externalizando uma visão

holística de mundo, superando a visão fragmentada do ser humano, da realidade

que nos cerca e de nós mesmos. Dessa forma faz-se necessário uma reflexão

quanto à forma de atuação, que deverá ser pautada no respeito, no diálogo, na

cooperação e na harmonia para alcançar um objetivo comum.

Podemos dizer que a interdisciplinaridade é a união de várias disciplinas, que

interagem entre elas, dialogando entre os saberes, trocando conhecimentos,

possibilitando uma maior compreensão do todo, nas diversas maneiras em que se

expõe.

A atuação técnica dos profissionais envolvidos em uma ação interdisciplinar

deverá está fundamentada nas relações dialógicas, buscando a integração de

conhecimentos entre os saberes, facilitando o compartilhar de informações.

A interdisciplinaridade como vimos não possui um significado único, possui

diferentes interpretações, mas o que nos leva a concluir é que em todas as

definições ou interpretações está uma nova atitude visando à unificação do

pensamento.

Em relação à intervenção profissional, é necessário um fortalecimento na

comunicação entre os profissionais a fim de democratizar os saberes coletivos para

desenvolver práticas integradas e não apenas justapostas.

40

A pesquisa nos mostrou, por meio das respostas obtidas no questionário, um

pensamento confuso, contraditório e superficial no que se refere ao entendimento

sobre interdisciplinaridade, atuação interdisciplinar, processo interdisciplinar, o que

nos faz acreditar que os profissionais entrevistados estão necessitando de um

aprofundamento teórico e prático sobre o tema.

Quanto ao incentivo para o desenvolvimento de práticas interdisciplinares,

nos deixou dúvidas, pois não ficou evidente a efetivação de tal incentivo,

necessitando de maiores esclarecimento a respeito do tema abordado.

Os membros da equipe do Provita/AM devem preservar as suas funções

especializadas contribuindo com seus conhecimentos e habilidades conservando

uma linha contínua de comunicação entre os mesmos.

Para incrementar a atuação das equipes em uma perspectiva interdisciplinar,

em sua maioria, os profissionais responderam à necessidade de capacitação, mas,

se reportarmos ao conceito de que a interdisciplinaridade é atitude, não se ensina,

nem se aprende, simplesmente vive-se, exerce-se, a motivação poderá garantir a

atuação da equipe em uma perspectiva interdisciplinar, caberá a equipe iniciar esse

processo.

Consideramos a necessidade de ampliação de pesquisas nesta área com o

mesmo objeto de estudo, pois poderá acrescentar novas formas de compreensão e

de conhecimentos provocando discussões em busca de novos rumos para o

trabalho em equipe.

Essa pesquisa também nos levou a pensar que apesar de a

interdisciplinaridade colaborar para a construção de novos conhecimentos e,

contribuir na atuação das ciências, um estudo que ultrapasse o domínio das

disciplinas seria interessante, haja vista, a complexidade das relações a nível multi,

pluri e interdisciplinar.

41

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. BIANCHETTI. L., JANTSCH. A. A Interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito. Petrópolis: Vozes, 1995. Constituição 1988: Texto Constitucional de 5 de outubro de 1988. Brasília: Ed. Atual, 1988. Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1988, 336p. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://legis.senado.gov.br/con1988/CON1988_ 05.10.1988/index.htm>. DEMO, Pedro. Conhecimento moderno: sobre ética e intervenção do conhecimento. 4ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. FALEIROS, Vicente de Paula. O que é política social. São Paulo: Brasiliense, 1986. FAZENDA, Ivani (org.). O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008. ______. Ivani C. A. (org.). Dicionário em construção: interdisciplinaridade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. ______. Práticas interdisciplinares na escola: Introduzindo a noção de interdisciplinaridade, 3ª edição, Cortez Editora, São Paulo, 1996. ______. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 11. ed. Campinas: Papirus, 1994. ______. Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro – Efetividade e Ideologia. São Paulo, Loyola, 1979. FOUREZ, Gerard (org.). Abordagens didáticas da interdisciplinaridade. Traduzido por Joana Chaves. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.

42

JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e Patologia do Saber. Rio de Janeiro, Imago, 1976. JOSGRILBERT, Maria de Fátima Viegas. Atitude. In: ____ FAZENDA, Ivani C. A. (org.). Dicionário em construção: interdisciplinaridade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 84-86. LEI Nº 9.807/1999 de 13 de julho de 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L9807.htm LEI Nº 3.309/2008 , de 12 de novembro de 2008. Disponível em: http://www.imprensaoficial.am.gov.br/busca_diario.php MARQUES, Maria Therezinha Corrêa; RAMALHO, Marilena Colodo. OS MOVIMENTOS ECOLÓGICOS E A INTERDISCIPLINARIDADE. In: ____. Serviço Social e Interdisciplinaridade: dos fundamentos filosóficos à prática interdisciplinar no ensino, pesquisa e extensão. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006. p. 59-75. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS, Procuradoria Geral de Justiça. ATO PGJ Nº 032/2001, 15 de fevereiro de 2001. Disponível em: http://www.imprensaoficial.am.gov.br/busca_diario.php MIRANDA, Raquel. Da interdisciplinaridade. In: ____ FAZENDA, Ivani (org.). O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008. p. 113-124. NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da transdisiciplinaridade. Traduzido por Lúcia Pereira de Souza. São Paulo: TRION, 1999. PEQUENO, Marconi. Violência e direitos humanos. In: ____ LYRA, Rubens Pinto (org.). Direitos humanos: os desafios do século XXI: uma abordagem interdisciplinar. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. RODRIGUES, Maria Lúcia. O Serviço Social e a perspectiva interdisciplinar. In: ____ Martinelli, M. L. e outros (org). O Uno e o múltiplo nas relações entre as áreas do saber. São Paulo: Cortez/ Educ, 1998. SÁ, Jeanete L. Martins de (org). Serviço Social e Interdisciplinaridade: dos fundamentos filosóficos à prática interdisciplinar no ensino, pesquisa e extensão. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

43

SAMPAIO, Cláudia Cullen. A INTERDISCIPLINARIDADE EM QUESTÃO: ANÁLISE DE UMA POLÍTICA DE SAÚDE VOLTADA À MULHER. [et al.] In: ____ SÁ, Jeanete Liasch Martins de (org.). Serviço Social e Interdisciplinariadade: dos fundamentos filosóficos à prática interdisciplinar no ensino, pesquisa e extensão. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006. p. 77-95. SEVERINO, Antônio Joaquim. SUBSÍDIOS PARA UMA REFLEXÃO SOBRE NOVOS CAMINHOS DA INTERDISCIPLINARIDADE. [et. al. ]. In: ____ SÁ, Jeanete Liasch Martins de (org.) Serviço Social e interdisciplinaridade: dos fundamentos filosóficos à prática interdisciplinar no ensino, pesquisa e extensão. São Paulo: Cortez, 2006. p. 11-21. SILVA, Inácio da. PROVITA São Paulo: história de uma política pública de combate à violência, defesa dos direitos humanos e construção da cidadania. 1. ed. São Paulo: CDHPCL, 2008. SILVA, Humberto Pereira da. Educação em direitos humanos: conceitos, valores e hábitos. Dissertação de mestrado. São Paulo: USP, 1995. TAVARES, Dirce Encarnacion. A interdisciplinaridade na Comtemporaneidade – qual o sentido? In: ____ FAZENDA, Ivani (org.). O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008. p. 135-146. TRINDADE, Fernandes Diamantino. Interdisciplinaridade: Um novo olhar sobre as ciências. In: ____ FAZENDA, Ivani (org.). O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008. p. 65-83. YARED, Ivone. O que é interdisciplinaridade? In: ____ FAZENDA, Ivani (org.). O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008. p. 161-166. http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/dh/volume%20i/vitlei9807.htm

44

APÊNDICE

45

Questionário para identificar a visão de interdisciplinaridade dos Profissionais envolvidos no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas do Amazonas – Provita/AM.

1) O que você entende por interdisciplinaridade?

________________________________________________________________

2) Você percebe que a interdisciplinaridade é importante para a atuação

profissional no Provita/AM?

( ) Sim ( ) Não

3) Como você avalia o trabalho interdisciplinar da equipe do Provita/AM?

( ) Excelente ( ) Bom ( ) Regular ( ) Nenhuma das Respostas

4) A interdisciplinaridade faz parte da sua rotina de trabalho?

( ) Sim ( ) Não

5) Como você avalia o seu entendimento quanto à interdisciplinaridade?

( ) Excelente ( ) Bom ( ) Regular ( ) Nenhuma das respostas

6) Em que momento você entende que participa do processo interdisciplinar no

Provita/AM?

______________________________________________________________

7) Para você, qual o papel da interdisciplinaridade no Provita/AM?

______________________________________________________________

8) Cite uma prática interdisciplinar que você identifica no cotidiano do

Provita/AM?

______________________________________________________________

9) Há incentivo para o desenvolvimento de práticas interdisciplinares no

Provita/AM por parte dos gestores? Como se dá o incentivo?

10) O que poderia ser feito para incrementar a atuação das equipes em uma

perspectiva interdisciplinar?

______________________________________________________________