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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
DA LOJA À ESTRADA – A HARLEY-DAVIDSON ACELERA
A COMUNICAÇÃO COM SEUS CLIENTES.
Márcio Ricardo da Silva
Orientador
Prof. Fernando Alves
Rio de Janeiro
2010
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
DA LOJA À ESTRADA – A HARLEY-DAVIDSON ACELERA
A COMUNICAÇÃO COM SEUS CLIENTES.
Apresentação de monografia à
Universidade Cândido Mendes como
requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Comunicação
Empresarial . Por Márcio Ricardo da Silva.
3
DEDICATÓRIA
A Deus e à minha família.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus por ter me dado a oportunidade de concluir mais
essa etapa em minha vida, dando-me força, saúde e ferramentas para que pudesse
lapidar-me.
Aos familiares, amigos e colegas de classe, agradeço por terem colaborado – direta
ou indiretamente – nessa fantástica aventura que é o dia a dia.
Aos professores, muito obrigado pelo apoio em todas as disciplinas, pelas
correções, pela paciência e, principalmente, muito obrigado por terem guiado e
orientado meus passos durante o curso de pós-garduação.
5
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo a análise da influência da relação emocional na
comunicação empresarial entre a marca de motocicletas e acessórios Harley-
Davidson e seus consumidores. Serão abordados os processos perceptuais e ações
de mercado que diferenciam e posicionam a marca de uma forma tão poderosa que
a torna um mito em sua categoria e um ícone na galeria das empresas de maior
sucesso ao redor do mundo.
Por meio de fundamentação teórica sobre a natureza emocional da marca e seu
impacto junto ao público-alvo – seja ele primário ou secundário; em conjunto aos
estudos sobre a pretensão de se criar uma mitologia ao redor da marca para seu
fortalecimento frente ao mercado no presente e, principalmente, no futuro. Esta
monografia busca identificar o que faz a marca tornar-se uma entidade cotidiana na
vida de seus entusiastas e os pormenores da relação de “amizade” e até idolatria
gerada pela comunicação da marca Harley-Davidson e seus produtos.
Palavras-chave: Harley-Davidson, emocional de marca, posicionamento, estratégia
de comunicação.
6
7
METODOLOGIA
A metodologia empregada para o êxito deste trabalho – realizado entre os meses de
dezembro de 2010 a março de 2011 – foi empregada com a pesquisa nos autores
anteriormente relacionados. Outros livros e publicações impressas de acervos
particulares e buscas em sites de Internet mostraram-se igualmente importantes.
Seja para a leitura de artigos independentes, fóruns ou para a obtenção de imagens
ilustrativas contidas como anexos à monografia em questão e de dados históricos
acerca da empresa Harley-Davidson.
Infelizmente, um dos meios de obtenção de dados para este trabalho, que seria uma
entrevista com o gerente comercial da marca no Rio de Janeiro ou da agência de
comunicação responsável pela divulgação da Harley-Davidson não pôde ser
realizada. Esta tinha como objetivo o levantamento de informes adicionais com
relação ao público consumidor de Harley-Davidson no estado. Porém, mesmo sem
tais dados, a monografia não apresenta comprometimento de informações, pois
apesar das diferenças culturais locais, o cliente ou entusiasta Harley-Davidson faz
parte, pelo menos ideologicamente, de um mundo comum a todos.
8
SUMÁRIO
Introdução...................................................................................................................9
Capítulo 1 – Emoção e razão moldando a marca ................................................11
1.1 – O espírito que anima o corpo ..........................................................................11
1.2 – Anima sana in corpore sano – Marca de corpo e alma................................15
1.3 – De amiga a mito ..............................................................................................18
Capítulo 2 – A publicidade a serviço da formação emocional da marca .......21
2.1 – A importância da marca na sociedade atual...................................................21
2.2 – Comunicação vs. comunicação: A crítica à marca como necessidade.....24
2.3 – A mente como o paraíso dos mitos ..................................................................29
2.4 – Além de mito, uma lovemark.............................................................................31
2.5 – Cuidando da marca: manutenção da mitologia..............................................36
Capítulo 3 – 108 anos de acertos e erros na comunicação................................39
3.1 – Criando a identidade de um ícone.....................................................................42
3.2 – Harley-Davidson como identidade individual e coletiva................................46
Capítulo 4 – Além da publicidade, o diálogo da comunicação empresarial de um mito.............................................................................................................................49
4.1 – Do sonho de consumo ao pesadelo em atendimento...................................49
4.2 – Contornando a crise..........................................................................................50
Conclusão ................................................................................................................53 Referências Bibliográficas .....................................................................................55 Anexos .....................................................................................................................58
9
Introdução
Mais do que duas rodas e cromados. A marca Harley-Davidson fez da comunicação
empresarial o seu principal ponto de apoio no mercado. Acumulando erros e acertos
na estratégia de expandir a marca ao redor do mundo, esse ícone do share of mind
– que já atua há mais de 100 anos – conseguiu reconfigurar a própria história e
tornar-se parte íntima da vida de milhares de pessoas em diversos países.
Independentemente da cultura local, o branding1 desenvolvido para a Harley-
Davidson desperta sentimentos além da admiração. Isto decorre do apelo emocional
da marca e sua proposta inicial de seu produto principal, as motocicletas. A
sensação de liberdade proporcionada por este meio de transporte foi reforçada pela
comunicação empregada para aproveitar a relação da marca a fatos históricos.
Desde a II Guerra Mundial, com o uso das Harleys pelas forças aliadas, até à
indústria cinematográfica norte-americana, em filmes como Sem Destino2 e O
Selvagem3. Este último estrelado pelo ator Marlon Brando, que acabou por auxiliar
no reforço de imagem da marca Harley-Davidson com uma aura mística de
comportamento independente, vigoroso e autêntico. Mas que por vezes seria
encarada como sinônimo de identidade para arruaceiros.
Este trabalho pretende legitimar a importância da comunicação empresarial junto
aos aspectos emocionais e perceptuais como principais fatores de influência na
experiência de relacionamento entre a marca Harley-Davidson e seu público
consumidor. Além de discorrer sobre alguns dos aspectos racionais, como a
aplicação de conceitos de Gestalt4 e arquétipos de posicionamento – baseados em
aspectos psicológicos – que contribuíram e continuam a contribuir com o
fortalecimento da imagem da marca junto ao mercado.
Para tanto, serão utilizados estudos de literatura específica sobre a construção,
desenvolvimento, gerenciamento e divulgação da comunicação empresarial de
1 Branding: “(...) um dos campos do marketing moderno que tem por finalidade desenvolver e manter determinado conjunto de valores e atributos para a construção de uma imagem de marca que seja percebida de forma positiva, coerente e responsável por parte do consumidor. CARRIL, p.7 2007. 2 HOPPER, Dennis. Easy Rider. EUA, Columbia Pictures, 1969. 3 BENEDEK, Laszlo. The Wild One. EUA, Paramount Pictures, 1953. 4 Campo da psicologia que estuda os tratados da boa forma gráfica e que será abordado posteriormente nesta análise.
10
marcas, bem como dos produtos oriundos destas. Principalmente, serão abordadas
as teorias a respeito da importância do aspecto emocional no relacionamento entre a
marca analisada – Harley-Davidson – e seus consumidores e entusiastas. Logo,
pretende-se defender o argumento emocional, que gera a sensação de “amizade”
com a marca, como elemento definitivo e preponderante na fidelização e em seu
posicionamento na mente do consumidor.
11
Capítulo 1 – Emoção e razão moldando a marca
Apesar de não ser algo palpável, físico, a marca bem desenvolvida – sob a ótica da
publicidade – tem a capacidade de se transformam em entidade “tangível”, uma vez
que passa a exercer uma forte ligação com o consumidor. E isto se deve aos
estudos para a criação do nome, do design da embalagem, mas ainda mais
importante se torna o que a marca representa. Tudo aquilo que desperta uma gama
de emoções no consumidor e que faz da marca algo único, por vezes transcendendo
até mesmo aspectos culturais. Este capítulo tem como objetivo discorrer sobre a
emoção como ponto fundamental no relacionamento entre marca e público.
1.1 – O espírito que anima o corpo
De acordo com STRUNCK5, a gênese da marca é o momento em que será definido
o seu sucesso ou seu fracasso. Como no processo de concepção de um novo ser,
os responsáveis pela criação da marca devem observar detalhes que serão
determinantes posteriormente no desenvolvimento desta como uma entidade, que
pretende relacionar-se, comunicar-se e tornar-se ativamente presente no seu campo
de atuação. Tais detalhes – construção e escolha de nome, aspecto visual,
classificação – são tratados por inúmeros autores, tornando-se amplo campo de
estudos e de formulações teóricas das mais diversas.
Porém, um ponto em questão é colocado em evidência em muitas das pesquisas e
trabalhos de estudiosos da publicidade, da propaganda e de outras cadeiras, como a
psicologia: a alma da marca. Esta tem sua importância devido à consideração de
que, fisicamente, um produto provavelmente será similar ao seu concorrente, terá os
mesmos benefícios funcionais. Justamente a carga emocional exercida pela marca
deste produto ou serviço será o diferencial no momento de sua aquisição. Mas,
então, o que seria a carga emocional que influenciaria de tal forma no
comportamento do consumidor? A resposta é dada por um substantivo inerente ao
ser humano: a personalidade.
5 STRUNCK, p. 12, 2007.
12
Essa característica passa a ser então, o primeiro dos muito objetivos na fase de
desenvolvimento da marca. E isto se dá pelo motivo de que sem personalidade, a
marca está fadada a viver numa espécie de “purgatório” da mente do consumidor.
Ela não é tão boa que seja eleita para o paraíso das marcas referencias e nem tão
ruim que chegue a ser detestada pelo indivíduo. Ela simplesmente subsiste naquilo
que todas as marcas têm de evitar ao máximo: a indiferença.
Ainda segundo STRUNCK6, ao possuir personalidade, a marca transmite sua
identidade e suas sensações, objetivos, valores e impressões próprias. Com isso,
esta gama de elementos subjetivos toma conta do aspecto racional, daquilo que é
considerado “frio” na criação do produto em si: a embalagem, o corpo físico. A
personalidade imposta pela marca transformará o simples produto em uma entidade
cotidiana presente intimamente na experiência de consumo e de vida dos
consumidores e do ambiente (mercado) em que estiver inserido.
Tal afirmação tem como alicerce suas palavras:
“(...) os fatores emocionais revelam-se tão constantes quanto
os racionais, (...) as marcas que permanecem na memória do
consumidor servem como facilitadores nas escolhas cotidianas,
suplantando as informações sobre o que se é consumido (...)”
Considerando-se a citação, a carga emocional fortalece a marca de tal forma que
cria uma atmosfera de “amizade” com o consumidor e oferece, ao seu detentor, três
condições – necessidades – básicas à permanência no mercado: vendas, lealdade e
lucro. Para que a amizade seja estabelecida, o consumidor deverá tomar
conhecimento da marca, seja por experiência de consumo, comentários ou
indicações de terceiros, ou pelas ações de comunicação relacionadas ao produto. E
para que esse relacionamento seja concretizado, o indivíduo deve ser simpático à
personalidade da marca. Tudo aquilo que a marca em questão transmite, as atitudes
comportamentais acerca da experiência de consumo e mais do que tudo, a
diferenciação que essa marca oferece frente a seus concorrentes. De certo que as
“feições” da marca deverão ser agradáveis, ou melhor, gerar encantamento no
consumidor alvo. Portanto, as aparências não poderão gerar estranhamento ou
dúvida sobre a personalidade, sobre a alma da marca.
6 Op. cit. STRUNCK, p.14, 2007.
13
Então, deve-se almejar, e realizar, o máximo para que o equilíbrio visual da marca
seja pleno. Tal consideração se faz importante pelo fato de que, segundo
KANASHIRO7, a visão é o sentido mais utilizado pela espécie humana por
proporcionar uma maior quantidade de informações (espaço, distância, luz, cor,
contraste), e é através desse sentido que a maioria dos seres humanos analisa o
ambiente no qual está inserido. Pois, como já afirma o ditado popular, o que os olhos
não vêem o coração não sente. Logo, o cérebro não registra e a marca corre o risco
de ser apenas mais uma em um confuso turbilhão de registros visuais.
E é na realização deste equilíbrio que os ensinamentos da psicologia de Gestalt8 são
empregados de forma a se respeitar a individualidade da percepção ocular do
observador. Estes ensinamentos “gestálticos” primam pela elaboração de um estudo
prévio de toda a forma que será empregada a toda e qualquer peça visual, seja ela
uma composição digital, impressa – desenho, pintura – ou esculpida. A peça deve
estar “fechada” sensorialmente, de forma uma, fluida, uma vez que cada pessoa
interpretará e entenderá o estímulo visual de um modo único, íntimo, nunca igual à
do seu semelhante. Isto se dará, basicamente, por aspectos culturais e cognitivos.
Segundo ARNHEIM:
“(...) um número praticamente infinito de objetos pode ser
reconhecido e distinguido por suas diferenças de forma, de
contorno (...) o mesmo não pode ser aplicado às cores, uma
vez que o número de cores que podemos reconhecer com
segurança dificilmente excede a seis (...)”9
E esse fechamento sensorial desencadeado principalmente pelo mais dramático dos
sentidos humanos, a visão, trava um diálogo poderoso entre a imagem física da
7 Op. cit. KANASHIRO, pp. 155-160, 2003.
8 O movimento gestáltico surgiu no período compreendido entre 1930 e 1940, e tem como expoentes máximos: Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-1967), Kurt Koffka (1886-1941) e Kurt Goldstein (1878-1965). A psicologia da Gestalt afirma que as partes nunca podem proporcionar uma real compreensão do todo. O todo é diferente da soma das partes, mas a psicologia acadêmica da Gestalt ocupou-se predominantemente com as forças externas. De acordo com a Gestalt, a arte se funda no princípio da pregnância da forma. O importante é perceber a forma por ela mesma; vê-la como "todos" estruturados, resultados de relações. GALLI, César. O que é a Gestalt? - Disponível em: http://www.igestalt.psc.br/psicogest.htm - Consultado em 06/09/2010.
9 ARNHEIM, cap. V, p. 167, 1997.
14
marca e o gigantesco banco de dados imagéticos do consumidor no qual as
primeiras impressões do indivíduo – certamente – serão as que perdurarão ao longo
da experiência de consumo e convivência com a marca. Ou será que teria algum
sucesso uma marca de papinhas para bebês que se apresentasse visualmente com
logotipo em letras góticas na cor vermelha, aplicadas sobre um fundo na cor preta?
Excetuando-se a Família Addams10, a marca não teria mais consumidores, mesmo
que apresentasse os melhores ingredientes na composição do alimento em relação
aos concorrentes. O “banco de dados sensoriais” dos consumidores apontaria,
indubitavelmente, para os registros de algo não recomendável para suas crianças,
devido ao peso das cores e tipologia escolhidas pela empresa. Esse exemplo,
mesmo que feito de forma irônica e informal, ilustra a importância da carga
emocional – apelo visual – atrelada aos aspectos racionais – melhores ingredientes
– que determina o sucesso do posicionamento e consumo da marca.
Portanto, o formato utilizado – seja da embalagem ou da composição gráfica da
marca – será o elemento que primeiro ajudará na composição da imagem da marca
e, conseqüentemente, de sua personalidade. Tecnicamente, a influência e a
importância da Gestalt na criação da identidade emocional podem ser explicadas –
resumidamente – nas palavras de FILHO:
“Outras classes de fatores que se colocam a serviço da
construção da boa forma são as categorias conceituais
fundamentais, que se desdobram a partir da harmonia, do
contraste e do equilíbrio visual (...), a saber, a harmonia é o
resultado da união da coerência das unidades e da articulação
visual do que é visto. (...) isto faz com que o observador seja
atraído e tenha sua atenção voltada para a dramaticidade e
dinamismo da composição visual em questão.”11
A partir dessas evidências, pode-se afirmar – mais uma vez – que os fatores
emocionais e racionais são constantes e correlatos. Um é o complemento do outro,
desde que haja o equilíbrio de ambas as partes na criação deste ser de “corpo e
10 The Addams Family: Grupo cartuns criados por Charles Addams, em 1930 e que compunham uma família de personagens fantasmagóricos e ao mesmo tempo amáveis devido a sua ironia e bom humor. Devido ao sucesso, foi adaptado como seriado de TV em 1964 e como obra cinematográfica em 1991, tendo duas continuidades em 1993 e em 1998. 11 FILHO, pp. 25-27, 2000.
15
alma” que é a marca. E isto se dá, exclusivamente, pelo emprego das técnicas
relacionadas ao estudo da imagem, o bom senso da utilização dessas mesmas
técnicas em conjunto aos aspectos culturais relacionados ao público alvo da
empresa. Pois estes indivíduos estão dispostos a travarem um relacionamento de
verdadeira e íntima amizade com a marca que o cative, que o arrebate para uma
nova experiência de consumo e comportamento. As únicas exigências são as de
que o “corpo” seja condizente com a “alma”.
1.2 – Anima sana in corpore sano12 – Marca de corpo e alma
Uma vez realizados os estudos de imagem – relacionados à gestalt, à boa forma
abordada anteriormente – identidade, nome e logotipo da marca finalizados, chega
então o momento em que a mais nova integrante do mercado tem que se
apresentar, mostrar e defender seus atributos. Declarar suas intenções de
relacionamento para com o seu público-alvo. O cortejo pode ser realizado de forma
sutil ou incisiva. Tudo dependerá dos detalhes da concepção já citados, do
verdadeiro código genético que terá por objetivo a definição da personalidade da
marca. Vale ressaltar que a timidez está fora de cogitação, uma vez que as marcas
concorrentes também estão à cata de conquistar e de relacionar-se com aqueles
que são seus candidatos à união a qual lhes renderá bons e lucrativos frutos: os
consumidores. Uma vez que os laços do relacionamento de amizade sejam
estabelecidos, estes dificilmente serão desatados.
Logo, segundo DICHTER – citado por RANDAZZO – os detentores da marca devem
tratar de fazer com que o apelo emocional de sua criação alcance em cheio o
coração e a mente de seu alvo. Despertar no consumidor o desejo em conhecê-la,
de encontra na sua nova amiga a segurança necessária para sustentar suas
fantasias e ideais. Até o ponto em que este identifica a marca como parte
imprescindível e necessária para a maximização de sua experiência de vida. Algo
12 Expressão latina = Alma sã em corpo são.
16
que se torna segundo sua própria interpretação, de sua posse, como defendido por
DICHTER13:
“Na verdade, qualquer objeto possuído funciona de certa forma
como uma extensão do nosso poder pessoal, serve, portanto
para nos fazer sentir mais fortes, compensando até certo ponto
o sentimento de inferioridade que temos diante do mundo que
nos ameaça (...). Agarramo-nos a eles como se fossem
expressões tangíveis de nossa ancoragem, pois ajudam a nos
fazer sentir que a base de nossa existência é algo mais do que
o estreito andaime de nossa interioridade nua. Quando você vê
uma criança agarrar-se a um pedaço de pano ou a uma
boneca, com toda a força, você pode começar a entender o
poder da posse.”
O momento em que o consumidor tem a percepção subjetiva da marca como muito
mais do que um nome, uma mera representação gráfica e a entende como um ente
querido, pertencente à sua vida de uma forma agradável e que carrega consigo os
símbolos, valores e benefícios, é crucial. Afinal, serão – basicamente – estes fatores
que manterão vivo esse relacionamento no longo prazo. Enfim, têm-se o cenário
perfeito para o desenvolvimento da relação amistosa tão almejada pelos criadores
da marca. E pelos próprios consumidores, por que não? Afinal, uma vez que o
mercado apresenta uma infinidade de produtos (ou serviços) tão semelhantes entre
si, o indivíduo busca em seu íntimo a possibilidade de poder confiar e acreditar que
suas expectativas serão realizadas ou supridas por meio da vivência e do consumo
de uma marca. E, também, pelas experimentações com as marcas específicas em
cada segmento do mercado e de seus anseios. Desde aquelas que representariam a
saciação de suas necessidades fisiológicas até as suas necessidades de auto-
realização, conforme representado na Teoria da Pirâmide de Maslow14 e também no
13 DICHTER apud RANDAZZO, p.82, 1997. 14 A hierarquia de necessidades de Maslow foi introduzida por Abraham Maslow e se refere a uma pirâmide que representa uma divisão hierárquica a respeito das necessidades humanas. Na base da pirâmide estão as necessidades de nível mais baixo, sendo que, apenas quando satisfeitas escala-se em direção às hierarquias mais altas para atingir a auto-realização que é o nível mais alto.
17
conceito USP15 desenvolvido por REEVES16. Essas marcas fazem com que o
consumidor perceba a amiga se tornando uma verdadeira heroína, aquela que
defende e sacia os seus interesses e necessidades e que nunca o deixará de fazer.
Para obter o sucesso desejado na conquista de mais um amigo, admirador ou
entusiasta, a administração da marca, percebendo e buscando que essa aja como
ente dotado de personalidade, deve entender também as razões emocionais que a
tornaram referência junto ao consumidor. Portanto, a imagética daquele que o
detentor da marca pretende retratar como seu usuário deverá criar o sentimento de
afinidade, o consumidor deverá enxergar a marca como algo que o representa, que
se parece com ele. Ou melhor, de acordo com RANDAZZO17, algo que se pareça
com a pessoa que ele realmente gostaria de ser e que, devido esse ou aquele
motivo – psicológico ou físico – ele não o é. A experiência de consumo entre
indivíduo e marca se torna algo profundo – até mesmo incompreensível para os
demais – do momento em que o consumidor projeta sua auto-imagem exterior como
algo mais importante ou, até mesmo, mais interessante desde que sua marca o
auxilie a compor essa nova pessoa.
Além desses fatores, o relacionamento de amizade entre marca e usuário deve ter
manutenção constante, assim como duas pessoas se relacionam. Apesar de uma
verdadeira e intensa amizade nunca ser apagada dos registros sensoriais do
indivíduo, se essa não for estimulada e preservada ao máximo da atenção entre as
partes envolvidas, suas memórias podem ser esmaecidas pela força do tempo e
pelas ações do cortejo de outras marcas. Estas se aproximam para tomar o lugar
daquela que ainda é a mais querida e respeitada na concepção do consumidor.
Sobre isso, JONES disserta:
“(...) um relacionamento de marca tão forte se desenvolve a
partir do momento em que um produto continua a satisfazer as
expectativas das pessoas (...) Quanto mais fortes forem os
15 USP – Unique Selling Proposition: “Conceito desenvolvido por Rosser Reeves, na agência Ted Bates Advertising, idos dos anos 40. No entender de REEVES, todo anúncio tem de oferecer uma proposta de venda única que contém um benefício de produto que é muito importante para o consumidor.” 16 REEVES apud RANDAZZO, p. 32, 1997. 17 Op.cit. RANDAZZO, p. 29, 1997.
18
relacionamentos, maior será a fidelidade à marca, o brand
equity18...”
Mesmo sabendo que, quando alcançada, a lealdade – com certo toque de
entusiasmo – de um consumidor dificilmente será abalada, os administradores de
marcas devem ter em mente que, por melhor que seja a relação entre o indivíduo e
a marca, os estímulos que a alimentam devem ser constantemente renovados,
enaltecidos e colocados sempre como condição inviolável neste relacionamento.
Seja por meio de ações amplas como novas campanhas publicitárias ou pelas ações
de CRM19 que buscam a lealdade do cliente. É mostrar que não importa o canal que
ele escolha, a história dele é conhecida e respeitada pela marca.
Logo, a necessidade de satisfação das necessidades do usuário é proporcional à
necessidade que a marca possui em manter a fidelidade deste, tornando-o o
sustentáculo de sua existência.
1.3 – De amiga a mito
A marca chega ao seu ápice. De acordo com JUNG20 – citado por RANDAZZO – ao
atingir o patamar de mito, a marca transcende o envolvimento emocional com o
usuário. Ela consegue maximizar a experiência com o consumidor de tal forma, que
os componentes perceptuais em volta de sua existência são sublimados ao ponto de
ser considerada uma simulação do relacionamento face a face. Simulação sim, pois
embora na dinâmica relacional das partes envolvidas, os objetos inanimados não
possam, obviamente, ser considerados uma entidade, a personificação da marca
não é suficiente para torná-la um “ser vivo”. Então, para que essa simulação tenha
efeito melhorado e contínuo, e a imagem mitológica da marca possa ser construída
e mantida, a “humanização” da marca é garantida pela distinção que suas identidade
e personalidade geram na mente do consumidor. Esta diferenciação é defendida por
diversos autores como o posicionamento de marca na lembrança do usuário. Al 18 Brand equity = Valor de marca. 19 Abreviação para Customer Relationship Management. Traduzido livremente como gerenciamento de relacionamento com o consumidor. Disponível em http://www.portaldapropaganda.com/marketing/crm/2002/09/0002 20 JUNG apud RANDAZZO, pp. 73-74, 1997.
19
RIES21, o maior teórico sobre as técnicas de se posicionar estas entidades, as
marcas, no mercado simplifica que esta verdadeira batalha deve ser focada na
mente do consumidor e nos seus processos perceptuais e cognitivos e não apenas
nas estratégias racionais.
Em sua obra, RANDAZZO apresenta vários exemplos de marcas norte-americanas
que geram no público a formação da imagem atrelada a uma pessoa específica – o
famoso garoto ou garota-propaganda – ou o que essa pessoa tem ou significa e que
o consumidor gostaria de se apropriar. Ainda hoje, muitas marcas ao redor do
mundo se situam neste artifício, porém, outras conseguem se posicionar de forma
“personificada” se isentando deste método. Os consumidores são o seu garoto-
propaganda, pois esses é que irão difundir, através de suas atitudes relacionadas ao
uso dos produtos da marca, a imagem desta frente ao mercado. Eles endossam este
entusiasmo tornado a marca como item constante em seu cotidiano. Esses
indivíduos vivenciam um benefício extra: ser reconhecido como amigo leal da marca.
Quando a marca obtém o posicionamento máximo na mente do consumidor, o posto
de mito irrefutável pode-se afirmar que esta conseguiu inseminar seu apelo
emocional de maneira que o receptor encara essa entidade como um ser supremo
perante os demais em sua categoria. De acordo com as citações a JUNG22, feitas
por RANDAZZO, a marca torna-se um ser imbuído de capacidades e poderes que
extrapolam a oferta inicial de um benefício agregado. Este mito oferece ao seu
admirador a possibilidade de se viver em um mundo à parte, experiências únicas,
repleta de uma fantasia que nenhuma outra marca em seu segmento poderá
proporcionar. É o ápice de relação de troca proposto no início, quando a marca era
apenas mais uma dentre outras: “Se você me escolher, não desejará mais nenhuma
outra.” E esta frase pode ser lida tanto como oriunda da publicidade da marca como
do clamor íntimo do consumidor em poder confiar e vivenciar uma marca ícone. Um
deseja participar da história de vida do outro, na alegria e na euforia e que nenhum
outro concorrente os separe.
21 RIES; TROUT, 1996. 22 JUNG apud RANDAZZO, p. 78, 1997.
20
“Cada marca tem a sua própria mitologia de marca, com seu
próprio e único inventário de imagens, símbolos, sensações e
associações.” 23
Dentro desse cenário, em que a realidade física passa a ser preterida quando
confrontada com a proposta de “realidade” oferecida pela marca, o consumidor
passa a uma nova categoria em seu relacionamento com o mito. Ele torna-se um
entusiasta, alguém que defende – por vezes sem identificar limites – a marca em
todas as suas ações. No caso – quase que impossível – de o mito mostrar-se frágil
ou passível de ataque, o entusiasta traz para si a responsabilidade de auxiliar aquela
que ofereceu tantas alegrias e boas experiências ao longo de seu relacionamento de
amizade. A marca mito passa, então, a reger a formo como o seu entusiasta passa a
encarar a experiência de consumo e até mesmo o seu dia a dia. Isto se dá pela
forma a qual este tipo de admirador posiciona a marca e todo o seu legado de
imagens, sensações e atributos tangíveis e intangíveis. Exemplo disto é a relação
entre os entusiastas e a marca Harley-Davidson, que será abordada nesse trabalho.
Um consumidor dessa marca – seja motociclista ou não – espera que a sua imagem,
junto à sociedade em que convive, mude ou seja considerada diferenciada por
possuir um produto desta marca. Ao passear com sua motocicleta ou exibir
orgulhoso a logomarca Harley-Davidson em algum objeto ou peça de vestuário, o
entusiasta dessa empresa tem a convicção de que faz parte da filosofia e do folclore
que cercam essa marca. A imagem do indivíduo independente, livre, autêntico e que
não faz muita questão de ser politicamente correto faz parte desse reflexo que esses
consumidores desejam visualizar ao se olharem no espelho, esteja ele num
apartamento de Los Angeles ou numa borracharia de Nilópolis.
O mundo sedutor da marca mito e seus atributos que marcam a mente do
consumidor da forma literal na tradução da palavra branding, acabam por influenciar
não só seus entusiastas, mas também aqueles que até então estavam alheios à sua
existência. A marca mito tem a característica carismática de mostrar-se forte e
imponente mesmo para os que procuram ficar indiferentes aos seus apelos. Esta
também possui o poder de gerar a admiração de seus concorrentes, daqueles que
23 Op. cit. RANDAZZO, p. 29, 1997.
21
se espelham em suas atitudes e estratégias para, quem sabe, um dia galgarem os
degraus do Olimpo das marcas.
Capítulo 2 – A publicidade a serviço da formação
emocional da marca
Por mais que se pareça exagerada a discussão em volta da criação de uma marca
com valor emocional suficiente para comover, conquistar e se posicionar da melhor
forma possível na mente do consumidor, esta se faz necessária. O mercado percebe
– diariamente – que todos os esforços são válidos para se montar e administrar uma
marca que pretende ser a melhor amiga do usuário em seu segmento. Porém estes
mesmos esforços podem mostrar-se obsoletos em questões de poucos anos, às
vezes, até dias. Tal fenômeno se deve à velocidade com que a idade
contemporânea se move. Resultado de avanços tecnológicos e sociais em todas as
áreas do conhecimento humano.
Não por coincidência que a publicidade tem o galo – aquele que anuncia a boa nova
– como seu símbolo. Na aurora do século XX ela despertou a sociedade para um
novo modelo de percepção de mercado. Divulgando e sendo divulgada, a
publicidade – uma das ciências sociais que mais se desenvolve – se posicionou
como um elemento indispensável no dia a dia. Através de estudos em conjunto,
principalmente, à psicologia e às ciências ligadas à formação e ao desenvolvimento
de informação, a publicidade se transformou em uma espécie de criadouro de seres
a princípio intangíveis, mas que os percebemos como parte integrante e diretamente
participativa no cotidiano social local e até global. Esses “seres” são as marcas.
2.1 – A importância da marca na sociedade atual
Há muito é levantada a questão: tratando-se de mercado, o que é mais importante
para a empresa? A resposta dependerá das preocupações da empresa, do seu
modelo de negócio e de seu nível de consciência frente ao mercado no qual está
22
inserida. De acordo com MARTINS24, o nível de preocupação das empresas pode
ser representado pelo seguinte esquema:
Nível 4 – Arquetípico25: Pensa no avanço artístico e tecnológico
do planeta, na dimensão arquetípica da marca, nas virtudes
empresariais;
Nível 3 – Arquiteto: Pensa no posicionamento competitivo
global;
Nível 2 – Engenheiro: Pensa em tecnologia e na organização
racional;
Nível 1 – Pedreiro: Pensa no caixa.
Levando-se em conta as informações do quadro anterior, e acreditando que uma
empresa tem como principal objetivo atuar com excelência em suas atividades e no
seu trato com o consumidor e com a sociedade com um todo, pode-se afirmar que a
marca é o bem mais importante na organização. Isto se dá por, atualmente, a marca
chegar até o indivíduo muito antes dos produtos por ela representados. Entende-se
então que, o que chega à frente do produto físico são os aspectos psicológicos
despertados pela marca. Seus valores, credibilidade e tudo o mais a ela agregado. A
marca é o primeiro contato dos stakeholders26, dentre eles os usuários, a imprensa e
a opinião pública.
“(...) a marca passa a representar um dos bens mais preciosos
para as empresas, não importando apenas o produto em si,
mas a totalidade das percepções, crenças, experiências e
sentimentos do consumidor associadas ao produto.”27
Há de se levar em conta, também, que esse primeiro contato entre marca e
consumidor foi intensificado nas últimas quatro décadas, uma vez que a ênfase no
ativo tangível para o intangível foi a tônica dos estudos relacionados à publicidade e
suas respectivas técnicas de posicionamento de marca na mente do consumidor. A
“tangibilidade” oferecida a determinados produtos fez com que a percepção de
benefícios fosse drasticamente mudada. Se anteriormente o consumidor se
24 MARTINS, p. 32, 2007 25Segundo JUNG: “... significa a forma imaterial à qual os fenômenos psíquicos tendem a se moldar... modelos inatos que servem de matriz para o desenvolvimento da psique. 26 Segundo KOTLER, stakeholders são grupos que têm interesse em uma organização; públicos diversos que gravitam em torno de uma marca. KOTLER, p. 48, 2002. 27 CARRIL, p. 5, 2007.
23
contentava com a realização de suas necessidades básicas e intermediárias, a partir
do fim da década de 70 (séc.XX) a publicidade passa a desenvolver uma espécie
única de experiência: o consumidor passa a viver a marca de forma intensa. Não
basta mais o produto em si. A premissa de relacionamento com a marca faz parte do
que esta tem a oferecer ao seu usuário. Tudo o mais relativo às percepções que a
marca exprime em equilíbrio com as aspirações daquele que a adquire.
Ainda de acordo com CARRIL28, o ter é quase que deixado de lado, pois ser parte
da experiência que é consumir marca A ou B é o que começa a reger o mercado.
Para isso, as peças publicitárias e as estratégias de mercado desenvolvidas para a
disseminação da marca passam a convidar o consumidor a provar de uma forma
mais profunda tudo o que seu universo particular tem a oferecer. E esta nova
abordagem propõe que mais do que ter um produto da marca, o consumidor tem a
oportunidade de ser o representante desta frente aos seus amigos, vizinhos e
colegas. A marca é uma amiga tão íntima ao ponto de conferir ao consumidor
entusiasta o privilégio deste ser seu representante. E o indivíduo que “respira” a
marca realmente se convence de que sua postura e atitude estão em consonância
com a proposta comportamental divulgada pela marca em seus anúncios.
Esse novo comportamento do consumidor passa então a ser alimentado diariamente
pelos canais de mídia que transmitem as ações publicitárias da marca e também no
reflexo que o indivíduo visualiza ao seu redor. O comportamento e os ditames da
sociedade ou de um grupo social específico, ao qual o usuário se identifica tornam-
se regra de lei para sua adequação, seja ela pessoal ou coletiva. Tanto que a
ocorrência de um fenômeno, até então, apenas observado em relação às
celebridades do mundo das artes – TV, música, cinema – passa a ser cada vez mais
comum com as marcas que se tornam ícones e mitos: a criação de fã-clubes. Hoje,
esse movimento muito superior aos que foram registrados nas décadas de 1970 e
1980 devido ao advento da internet, que facilita o contato internacional entre os
entusiastas de uma determinada marca. Um bom “termômetro” para aferir o
desempenho e abrangência desses grupos de admiradores e consumidores –
diretos e indiretos – são as redes sociais representadas em sites de relacionamento
28 CARRIL, p.9, 2007.
24
pela internet, como Facebook e Orkut29. Esse último, mais popular entre os usuários
brasileiros, abriga um sem-número de fã clubes relacionado a marcas, tanto
nacionais com estrangeiras. Tanto que é praticamente impossível contabilizar a
quantidade desses grupos no site devido à dinamicidade do processo de inserção de
informação na internet. Por exemplo, somente de comunidades relacionadas à
marca de chinelos Havaianas, há mais de mil30, sendo que a principal possui um
séquito de 152.611 participantes. Número esse que já deve ter aumentado bastante
no momento da leitura deste trabalho.
2.2 – Comunicação vs. comunicação: A crítica à marca como necessidade
Apesar de todo o entusiasmo social e publicitário acerca das possibilidades de
aprofundamento nas relações entre consumidor e marca muitos teóricos criticaram e
continuam a criticar a forma como o apelo emocional da marca tem influenciado,
cada vez mais, no comportamento do indivíduo ao qual ela mira seus esforços de
reconhecimento. Essa crítica caracterizou-se, vez por outra, no combate à
sociedade do consumo imediato, acelerado e que se vê às voltas em questões
referentes às mudanças comportamentais no que tange o uso e celebração de
marcas que se tornaram expoentes de uma cultura baseada na falta de controle do
ímpeto de possuir. Essas questões, alvos dos petardos daqueles que vêem a
sociedade como algo mais do que apenas um grande supermercado, referem-se às
relações pessoais, desde a estrutura familiar até a relação entre os representantes
das classes sociais. Quais seriam as “pontes” que poderiam estar sendo abaladas
ou fortalecidas com o crescimento desse novo modelo de sociedade que emergia e
que possuía nas marcas e em sua publicidade os seus representantes maiores?
Talvez, a Escola de Frankfurt31 por seu caráter revolucionário baseado no ideário de
Karl Marx32, foi um dos principais expoentes na crítica à influência que a publicidade
29 Facebook: Site de internet dedicado a comunidades de relacionamento. Criado nos E.U.A. por Mark Zuckerberg, em 2004. Orkut: Site de internet dedicado a comunidades de relacionamento. Criado nos E.U.A. por Orkut Büyükkokten, em 2004. Disponível em: www.megadebate.com.br/.../conheca-verdadeira-historia-do-orkut.html. 30 Dados coletados em 12 de novembro de 2010. 31 Grupo de filósofos e teóricos sociais reunidos a partir da década de 20 (séc. XX) que tinham como objetivo estabelecer uma análise crítica aos problemas sócio-culturais de seu tempo. Seus principais expoentes foram Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamim e Herbert Marcuse.
25
– que à época era sinônimo de comunicação social e propaganda – poderia exercer
no indivíduo. Tais críticas eram fomentadas pela concepção da sociedade
contemporânea a esse grupo de pensadores: luta diária pelo esclarecimento das
massas; divulgação do pensamento revolucionário baseado na crítica ao modelo
vigente de sociedade. Para os frankfurtianos, os receptores da mensagem seriam
reféns dos meios de comunicação e, assim, incapacitados de defesa contra a
ideologia dominante. Sobre isso, SEVERIANO33 disserta:
“Esse homem esvaziado, essa pessoa ausente à espera do
objeto que lhe signifique, tenta a todo custo reconstituir-se e
‘personalizar-se’ através dos inúmeros signos do mercado.”
Outro expoente na crítica à forma de que a publicidade poderia manipular as massas
foi o escritor e pensador francês Guy Debord34, que defendia o ataque à
espetacularização que era aplicado cada vez mais no cotidiano das pessoas,
principalmente por meio da comunicação social. Debord, inclusive, relaciona a força
de “manipulação” da publicidade ao poder existente na religiosidade, citando
Feuerbach35:
“Nosso tempo, sem dúvida, prefere a imagem à coisa, a cópia
ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser... O
que é sagrado para ele, não passa de ilusão, pois a verdade
está no profano. Ou seja, à medida que decresce a verdadeira
ilusão aumenta, e o sagrado cresce aos seus olhos de forma
que o cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sagrado.”
32 Teórico do socialismo, Karl Marx estudou direito nas universidades alemãs de Bonn e Berlim, mas sempre demonstrou mais interesse pela história e pela filosofia. Quando tinha 24 anos, começou a trabalhar como jornalista em Colônia, assinando artigos racial-democratas que provocaram uma grande irritação nas autoridades do país. 33 SEVERIANO, p. 59, 2001. 34 Foi um crítico social e um dos pensadores da Internacional Situacionista e da Internacional Letrista e seus textos – principalmnte sua obra mais conhecida: A sociedade do espetáculo – foram a base das manifestações do Maio de 68, uma série de greves de cunho revolucionário ocorrida na França. 35 Ludwig Andreas Feuerbach, filósofo alemão reconhecido pela teologia humanista e pela influência de seu pensamento sobre Karl Marx.
26
Os pensamentos em questão refletem a indignação gerada pelo temor que o ser
humano possui com relação à possibilidade de que a publicidade – ou qualquer
outra ciência – venha desempenhar algum tipo de manipulação direta e sem a
oportunidade de resposta ou defesa por parte do indivíduo. A sensação de
impotência e passividade torna-se um dos maiores erros estratégicos no
desenvolvimento da marca como entidade que visa o relacionamento em longo
prazo com o consumidor em si e, também, com a sociedade ou grupos sociais nos
quais este sujeito está inserido. A comunicação relativa à marca deve passar, de
forma sutil, ao consumidor a idéia de que ele tem a escolha de participar ou não da
experiência de vida que é o consumo da marca X e seus produtos. Isso faz com que
o indivíduo tenha a sensação de liberdade de decisão, que ele é o mais importante
nesse relacionamento e que o poder de decisão única e exclusivamente em suas
mãos.
Um bom exemplo dessa abordagem foi a campanha da empresa telefônica Oi-
Telemar – divulgada no ano de 2007 – que ao abordar o desbloqueio de celulares
que utilizam chips GSM36 em suas campanhas publicitárias utilizou-se do tema
Bloqueio Não e passou, então a liberar seus aparelhos para o recebimento do chip
de outras operadoras. O público recebeu a campanha como a redenção de uma
empresa que verdadeiramente “amava” seus clientes e que desejava vê-los livres,
como a própria imagem da marca. Muitos dos clientes ainda não sabem que a
política de desbloqueio de celulares foi uma medida governamental37 e que
estabelecia prazo para sua adoção. Logo, a imagem da marca foi fortalecida no
mercado. Inclusive com os clientes das outras operadoras.
Em retaliação a essas críticas e ataques, a relação de “amizade” deve sim tornar-se
parte intrínseca da experiência de consumo e de vida do indivíduo, porém de forma
discreta, subjetiva, encantadora e apaixonante. O consumidor deve perceber por si
mesmo que a carga de significados, valores, ideais, energia e afinidades da marca
com relação à sua existência é tão intensa ao ponto de se confundir com sua própria
história de vida, com sua própria personalidade.
36 GSM: sigla para Global System Mobile (sistema móvel global). 37 Disponivel em: http://info.abril.com.br/aberto/infonews/032008/14032008-9.shl
27
A partir do momento em que o consumidor se vê refletido na marca e sente que a
marca emana dele mesmo, ele estará “blindado” contra as críticas relativas à marca
por qual ele se encantou e deixou ser parte de seu cotidiano. Mais uma vez
conforme JUNG38, citado por RANDAZZO, estando o indivíduo apto e carregado de
argumentos emocionais (identificação, afinidade) e racionais (benefícios) relativos à
marca, a publicidade tem o caminho livre para transformar essa marca em um ícone
para esse consumidor. A publicidade, aliada à interpretação do usuário, tem a
chance de mesclar a alma humana à “alma” da marca. A publicidade tem a chance
de criar um mito na experiência de consumo e de comportamento do indivíduo-alvo.
E este é um objetivo que mira seus esforços na relação a longo prazo e que vá
tornar o indivíduo em um agente multiplicador da imagem da marca. Para que isso
ocorra, o reforço da imagem de mito que a marca carrega consigo tem de ser
realizado diuturnamente, acompanhando a evolução do ambiente e da sociedade a
qual o indivíduo está inserido.
Tudo o que cerca o entusiasta irá, de certa forma, impactar e gerar influência na sua
forma de enxergar a sua realidade de relacionamento com a marca. Seus sentidos
estarão “mais apurados” quando confrontados com tudo aquilo que possa tomar
parte em sua experiência de consumo e eles estarão a serviço da imagem que ele
faz de si mesmo com relação ao estilo de vida proposto por sua marca, seu mito.
Logo, segundo RANDAZZO39:
“A mitologia da marca é resultado do inventário perceptual
específico da marca. É transmitida através dos efeitos
combinados de anúncios, embalagem, rótulos, logotipos, e das
experiências do consumidor com o produto. A publicidade, no
entanto, desempenha um papel fundamental na criação e na
propagação da mitologia de marca. A publicidade funciona
como uma forma romanceada de comunicação, uma ficção
narrativa que usa personagens, lugares e situações fictícias, a
fim de envolver e interessar o consumidor e posicionar
perceptualmente a marca na mente do consumidor.”
38 JUNG apud RANDAZZO, p. 51, 1997. 39 Op. cit. RANDAZZO, p. 29, 1997.
28
Portanto, tudo o que cerca a marca e o produto torna-se único, com suas
associações perceptuais exclusivas. A mitologização da marca cria um novo paralelo
da realidade na mente do consumidor. Este passa a enxergar a marca por uma ótica
que gera o encanto contínuo, oferece a confiabilidade e a irresistível sensação de
fazer parte de um mundo sedutor, memorável e singular. O consumidor
“subentende” que a marca passa a transmitir legitimidade e confiabilidade ad
aeternum40 em seu discurso publicitário. É curioso ressaltar que a partir do
entendimento da marca como um mito de mercado, abarcando, inclusive, o
imaginário de consumidores de segmentos e nichos diferentes ao qual ela está
primariamente inserida, sua identidade e personalidade atingem diretamente
indivíduos que, em contato anterior, enxergavam-na como algo inalcançável. Uma
experiência para poucos. Seja por motivos financeiros (marca Premium) ou psico-
sociais (ousadia, auto-estima). Logo, uma vez que a marca é um mito, um ícone,
esta condição desencadeará um processo, por parte desse indivíduo reprimido, de
busca à experiência mitológica proposta pela marca. O sentimento de inserção que
a marca-mito oferece por meio da publicidade, da realidade social e da experiência
pessoal é capaz de transformar este indivíduo reprimido em mais um entusiasta
fervoroso dos atributos fantásticos da personalidade da marca em questão.
Baseando-se então na abordagem feita por RANDAZZO, embasado no pensamento
de JUNG, e considerando a idéia de PERES41 também se pode considerar que,
independentemente do nível de recursos financeiros ou psicológicos, a marca mito
se apresenta de tal forma que todo aquele que se identifica com sua identidade, sua
personalidade, tem a oportunidade de experimentar – mesmo que em parte – o que
é ser membro do universo desta entidade.
“A sociedade do hiper-consumo leva as pessoas com menos
renda, na ausência de meios materiais, a se tornarem
consumidoras potenciais – só na imaginação.” 42
40 Expressão latina que significa eternamente; eterno. 41 PERES, 2006. 42 Op. cit. PERES, pp. 4, 5 e 6, 2006.
29
O que diferencia um lavrador que cuida da melhor forma possível, do seu boné –
meio que surrado pelo tempo – vermelho com escudo da Ferrari de outro indivíduo
que observa diariamente se sua Ferrari vermelha não tem nenhum arranhão, por
mínimo que seja? A situação sócio-econômica, sim. Mas a paixão pela marca mito
entre os carros de alto desempenho suplanta a fronteira representada pelo dinheiro.
Talvez, o pobre lavrador seria um cliente ainda mais leal caso fosse dado a ele o
privilégio de possuir um modelo automobilístico.
2.3 – A mente como o paraíso dos mitos
Está claro que para uma marca tornar-se influente na forma como o consumidor
enxerga o mercado e sua própria experiência de consumo, a publicidade emprega
todos os seus esforços no posicionamento da marca na mente do indivíduo. Fazer
com que uma marca povoe diariamente o pensamento de uma pessoa e mantenha-
se viva, ativa na sua lembrança quando for estimulada é o mais interessante e
estratégico desafio que a publicidade trava em sua essência de trabalho. Trabalho
este que busca referências e auxílio na psicologia e suas teorias. Estes se revelam,
desde a aplicação de conceitos de Gestalt, anteriormente abordados neste estudo,
até as ferramentas imprescindíveis na criação e desenvolvimento de meios que
façam a marca alcançar seu objetivo, que é ser a referência máxima, em seu
segmento, na mente do usuário. E para que a marca se posicione como mito, esta
de vê estimular ao máximo a capacidade sensorial e o bando de dados de símbolos
e significados que cada indivíduo carrega consigo.
Um termo aplicado à psicologia e que retrata bem o objetivo da marca e do
consumidor é a psique43, uma vez que ambas as partes envolvidas nesse
relacionamento desejam conhecer a “alma” uma da outra. E essa necessidade de
conhecimento aumenta a partir do momento em que a marca é encarada como um
ser mitológico, pois segundo JUNG44, a experiência mitológica é uma experiência
espiritual, que surge diretamente da alma humana ou da psique inconsciente.
43 Psique era o conceito grego para o si-mesmo, abrangendo as idéias modernas de alma, ego e mente. 44 JUNG apud RANDAZZO, p. 46, 1997.
30
Uma vez que a experiência mitológica é colocada em par de igualdade a uma
atividade de espírito, relacionada ao etéreo, ao fantástico, sua carga emocional
torna-se ainda mais permeada de elementos que darão ao consumidor a sensação
de se estar tomando parte de algo indescritível, uma vivência única, sem
precedentes em sua história de vida. Esta experiência refletirá, a partir de então, no
comportamento diário do indivíduo em suas relações com outras marcas e outras
pessoas. Do momento em que o entusiasta toma a postura da proposta pela
comunicação da marca como verdade e modelo a ser seguido em sua vida, o mito
ganha a dimensão de guia. Ele regerá as escolhas desse indivíduo em outras
esferas de sua experiência de consumo. Ao observar as peças publicitárias, ele
carregará consigo toda a carga de significados da comunicação feita para a marca.
O visual, a música, os sentimentos e todo o imaginário gerado pela mensagem
serão o seu roteiro.
“(...) o mito é mais individual e exprime a vida com mais
precisão do que a ciência. A ciência trabalha com conceitos de
médias que são demasiado gerais para serem gastos com a
variedade subjetiva de uma vida individual. 45
Baseando-se, então, nos estudos de psicologia feitos por JUNG46 e nos estudos
relativos às técnicas de posicionamento propostas por RIES e TROUT47, a
publicidade faz – ou tenta fazer – com que as mitologias operem em diversos níveis
na mente do consumidor. Estas podem ser encaradas como simples histórias
duradouras, que visam o entretenimento ou, num nicho mais elevado, elas
representam imagens e temas que tratam de questões íntimas, existenciais, eternas.
Ainda utilizando o pensamento de JUNG48, interpretado por RANDAZZO, a mitologia
auxilia o indivíduo em sua luta para entender o local, o momento em que ele vive. A
mitologia acaba por ajudar a pessoa e entender quem ela é. O sentido de identidade
nunca foi tão importante quanto nestes dias atuais, em que o senso de “direção”
pode ser facilmente perdido. O usuário precisa criar raízes em sua experiência de
45 Ibidem, p.47. 46 Ibidem, p. 45, 1997. 47 RIES;TROUT, p. 12, 1996. 48 JUNG apud RANDAZZO, p. 45, 1997.
31
consumo. Logo, a mitologia tem o poder de se mostrar uma cartilha para o consumo
e como se portar frente ao mercado, mostrando padrões arquetípicos ou universais.
A mitologia da marca – composta por personalidade, identidade, associações e
sentimentos – além de ser resultado de muitos fatores de cunho íntimo e
psicológico, como anteriormente visto, a publicidade é um dos fundamentais. Todas
as peças desenvolvidas, impressas ou não, tende a ser concebido como - segundo
RANDAZZO – uma mitologia publicitária individual, destinada a colaborar na
construção da mitologia total da marca. A criação de lugares, personagens,
instantes, dimensões míticas, que virão a comunicar os atributos e benefícios do
produto e posicionarão a marca na mente do consumidor é o objetivo o qual a
publicidade se esforça em conseguir em seus constantes brainstorms49, roughs50 e
afins. E todos esses esforços, muitas vezes extenuantes, são focados no
descobrimento das motivações do consumidor e o que o leva a escolher
determinada marca ou produto. Porém, há muitas razões pelas quais o indivíduo
pode escolher uma marca em detrimento de outras. Algumas ligadas diretamente ao
benefício proposto, outras estritamente movidas pela emoção. Portanto, a mistura da
natureza dessas motivações transforma a busca pela mitologia de marca em um
“trabalho hercúleo”51, mas que se bem desenvolvida, garantirá uma bela localização
na mente do consumidor e no mercado.
Embora este posicionamento possa ser comunicado ou reafirmado pelos aspectos
físicos – embalagem, rótulo – ou de ações – preços, promoções – as marcas de
sucesso duradouro fazem com que suas mitologias superem sempre o produto
físico. Até por que, segundo Martins, “... todos os produtos ou serviços que existem
no mundo são ligados a um espírito natural... quando vemos esse espírito na
comunicação da marca, somos imediatamente atingidos. É quase uma sensação de
espetáculo.”
2.4 – Além de mito, uma lovemark 49 Técnica desenvolvida para explorar, em reunião, a potencialidade criativa de um grupo pré-definido de redatores, designers e publicitários. 50 Rascunhos. 51 Expressão de uso comum, referente ao esforço realizado pelo herói Hércules, da mitologia grega, que foi incumbido por Eristeu a realizar 12 trabalhos considerados impossíveis, como penitência. Segundo artigo em http://www.mundodosfilosofos.com.br/hercules.htm.
32
De acordo com ROBERTS52, além de tornar-se mito, amiga e adquirir “tangibilidade”,
a marca deve pontuar seu relacionamento com consumidor em um sentimento até
então exclusivo de poucas relações interpessoais: o amor. Isso por que de nada
adianta a mitologia da marca se essa não desperta algo mais que confiança e
respeito do consumidor. De nada adianta se essa está posicionada de forma
satisfatória na mente do consumidor, mas distante de seu coração – e por
conseqüência, sua mente.
Apesar de as afirmações acima soarem piegas, elas são defendidas por muitos
teóricos do ramo da publicidade ao redor o mundo. Um dos maiores representantes
– e defensores – do conceito de lovemark53·, ROBERTS lembra que as pessoas,
independentemente de sua localização ou cultura, querem abraçar a emoção de se
apaixonarem, de terem amor por uma marca por toda a vida. Seja a do consumidor
ou a da marca. Para tal compreendimento, ROBERTS chegou à conclusão de que
seriam três os fatores a oferecer essa ressonância emocional especial às marcas, ou
lovemarks. São eles:
1 – Mistério: Este é composto pelas grandes histórias, pelo passado, presente e
futuro da marca. Pela exploração e geração de ícones e sonhos mitológicos.
2 – Sensualidade: Os cinco sentidos a serviço da experimentação da marca.
3 – Intimidade: A empatia, o compromisso e a paixão gerados no relacionamento
com o consumidor serão fundamentais para a criação de uma fidelidade além da
razão.
Logo, uma lovemark não se torna propriedade do fabricante, mas das pessoas que
as amam. Porém, a empresa pode basear-se em cinco princípios, defendidos por
ROBERTS54:
“Seja passional: Os consumidores sentem o cheiro da falsidade
a quilômetros de distância;
52 ROBERTS, p. 23, 2005. 53 Termo aplicado por ROBERTS – CEO da agência Saatchi & Saatchi – às marcas que estabelecem fascínio e geram uma relação de amor com o consumidor. Este termo batiza a sua obra mais importante, o livro Lovemarks – as marcas da paixão. 54 Op. cit ROBERTS, p. 41, 2005.
33
Envolva os clientes: Envolva-os em tudo, mas não apresente
apenas o que eles lhe disseram. Assuma o compromisso de
mudar. Seja criativo;
Celebre a fidelidade: A fidelidade exige consistência. Mudar é
bom, mas ambos os parceiros devem participar;
Encontre, conte e reconte grandes histórias: Marcas de amor
são infundidas com histórias marcantes e invocadoras. Em seu
melhor, podem se tornar lendas míticas. Contar histórias
glorifica, dando vazão a novos significados, conexões e
sentimentos;
“Aceite responsabilidades: As lovemarks são as melhores de
sua classe para aqueles que as amam.”
A junção de todos esses fatores e conceitos acima citados compõe um elemento na
fórmula de sucesso da criação de um a marca mito, de uma marca que seja amada
por seus consumidores. ROBERTS trata – e reforça – a idéia de personificação da
marca em relação ao comportamento do entusiasta. Suas palavras exploram uma
gama de sentimentos que só são direcionados de pessoa a pessoa ou, como
recentemente tem ocorrido no relacionamento de donos e seus animais de
estimação. Essa carga emocional envolvida no processo do relacionamento
consumidor- marca dá base para a declaração que Maurice Levy, presidente do
Publicis Group, redigiu para o livro de ROBERTS:
“Os consumidores que tomam decisões com base puramente
em fatos, representam uma ínfima maioria da população
mundial. São pessoas sem sentimentos, ou talvez, pessoas
que põem seus corações e emoções na geladeira, antes de
sair de casa pela manhã, e só os tiram quando retornam à
noite. Mas sempre existe algum produto ou serviço que até
mesmo essas pessoas compram com base em impulso ou
emoção.
A grande maioria da população, entretanto, consome a compra
com a mente e o coração, ou, se você preferir, com as
34
emoções. As pessoas buscam uma razão lógica: o que o
produto oferece e por que é uma escolha superior. E tomam
uma decisão emocional: ‘Gosto dele, prefiro-o, me sinto bem
com ele.
Isso funciona de maneira muito sutil. Grande parte das vezes,
antes de examinar alguma coisa em detalhe, você tem uma
idéia do que é. Antes de entender, você sente. E fazer as
pessoas sentirem bem em relação à marca, obter uma emoção
positiva, é essencial. É isso que faz a diferença.
Trazer a emoção de volta, nesse período em que reina o corte
de custos, é muito difícil. As pessoas que tomam decisões
estão tensas, sob pressão e a racionalidade é tranqüilizadora.
“Mas as emoções são mais gratificantes, tanto no curto como
no longo prazo.”
Essas palavras reforçam a importância de que as marcas devem ser geridas de tal
forma que o consumidor se envolva emocionalmente com elas. Criando laços
estreitos de respeito, confiabilidade, intimidade e sedução constantes. Enfim, amor
incondicional por parte do consumidor entusiasta. E esse entusiasmo, esse amor
que o indivíduo desenvolve, será uma das molas de impulsão da imagem da marca
junto às pessoas que não a conhecem ou não a reconhecem como a melhor em sua
categoria.
Esses entusiastas são chamados por ROBERTS como “consumidores inspiradores”.
Aqueles que não se vêem como consumidores passivos, que refutam o pensamento
dos frankfurtianos. Muito pelo contrário, eles se consideram verdadeiros e autênticos
divulgadores e, ao mesmo tempo, guardiões da marca. São eles que garantem que
possíveis erros na comunicação ou desenvolvimento da marca sejam corrigidos e,
também, fazem com que a marca se atenha a seus princípios. ROBERTS declara
que lovemarks são pessoais. E podem ser qualquer coisa – uma organização, um
carro, um país ou até mesmo uma pessoa. São marcas carismáticas, que as
pessoas amam e protegem na mesma intensidade, com “unhas e dentes”. Essa
atitude não tem outro objetivo senão a própria sobrevivência de marca. E por que
35
não, a própria sobrevivência da imagem daquele que dedica parte de seu tempo e
orçamento para a divulgação – mesmo que inconsciente – dos princípios e atitudes
que norteiam as campanhas publicitárias da marca?
O entusiasta não pode deixar sua marca de sonho, o seu referencial de
comportamento e atitude esmorecer e desaparecer, pois se isso ocorresse, parte de
sua história e de seus sonhos e realizações mais íntimas também estariam
encontrando um fim. Para que sua paixão não se encerre, tanto a publicidade
quanto o próprio indivíduo cercam-se de meios para manter acesa a chama em
homenagem ao mito, à marca amada.
A admiração, a paixão, o elo emocional entre marca e consumidor inspirador em
certos casos são tão fortes que estes indivíduos, sem receber um centavo qualquer,
são capazes de, por si só, mobilizarem um grande número de pessoas ao redor da
marca que ele ama. Eles catalisam as tudo sobre a marca, desde sua história, seus
consumidores famosos até seus lançamentos e transformam esse amontoado de
informação em sites, listas de discussões, cartas e e-mails, revistas especializadas e
na divulgação que tem se mostrado a mais antiga e, por vezes, impactante que é a
boca a boca. Consumidores inspiradores, inclusive têm idéias que importam e
podem fortalecer o posicionamento da marca, desde que esse exerça o diálogo e a
interação com esses consumidores.
Como resultado de sua observação sobre o comportamento da relação entre marca
e consumidor, ROBERTS esquematiza55 as diferenças entre uma marca e uma
lovemark:
Marca Lovemark
Informação Relacionamento
Reconhecida pelos consumidores Amada pelas pessoas
Genérica Pessoal
Apresenta uma narrativa Cria uma história de amor
Promete qualidade Tem um toque de sensualidade
Simbólica Icônica
Definida Infundida
55 Quadro retirado de ROBERTS, Kevin. Lovemarks – o futuro além das marcas. São Paulo: M. Books, 2005.
36
Declaração História
Atributos definidos Envolta em mistério
Valores Espírito
Profissional Passionalmente criativa
Agência de publicidade Compainha de idéias
As diferenças apontadas no quadro mostram que as marcas amadas são baseadas,
construídas e mantidas justamente na gama de sentimentos que as compõem. Tudo
aquilo que contribui para a formação da identidade da marca, sua “personificação”,
sua alma mitológica e a relação de amizade para com o consumidor, é originado na
interpretação pessoal que o indivíduo dará e receberá nos seus primeiros contatos
com a marca. A racionalidade das técnicas, o método cartesiano e regrado de se
compor a representação gráfica da marca é posto de lado quando esta se torna
objeto de admiração e desejo.
De forma alguma que o método racional deve ser enxergado como peça dispensável
na criação e desenvolvimento de marcas mito mas, em grande parte dos casos –
inclusive os já abordados com exemplo – este se torna ator coadjuvante na atuação
do elemento emocional. Este sim, determinante no ato de escolha de uma marca
como ícone de um segmento.
2.5 – Cuidando da marca: manutenção da mitologia
A partir do momento em que a marca é compreendida como mito, como uma
lovemark, o seu detentor deve preocupar-se ainda mais com a imagem que esta
reflete no mercado. Como anteriormente comentado, não se deve relaxar com os
esforços e reforços de imagem de marca pelo fato desta ter se tornado um ícone.
Justamente por este motivo e pelas responsabilidades que ele carrega é que a
marca deve ser cuidadosamente gerenciada e administrada pela organização. Tal
tarefa se mostra imprescindível e de importância extrema na manutenção de
mercado. Mesmo que a marca ocupe o posto de ícone em sua categoria, as ações
de sustentação dessa situação devem ser aplicadas de forma que garantam sempre
37
um ânimo renovado à marca. Que nunca a deixem esmorecer, tal qual um gigante
adormecido .
Descobrir e entender a mitologia da marca junto ao mercado é primordial para que a
empresa possa ter elementos corretos para a criação de ações que venham a
fortalecer a imagem da marca sem alterar o que ela tem de mais importante: sua
identidade e “tangibilidade”. Para isso, de acordo com RANDAZZO, é necessário
que seja descoberto tudo o que a marca representa na mente do consumidor.
Imagens, símbolos e associações de idéias relacionadas à marca em questão. E a
melhor forma de se conseguir isto, é utilizar-se de uma das ferramentas mais
importantes e utilizadas na publicidade: a pesquisa. E nessa pesquisa, é necessário
que os consumidores dêem uma relação completa destas imagens, associações e
sentimentos de acordo com a marca em si, seu uso, imagem do produto, valor e
benefícios.
Montado esse banco de dados, com impressões tão individuais, mas nem tão
díspares assim, a empresa terá em mãos um verdadeiro espelho onde se reflete a
imagem da marca. Com isso, poderá ser reparada toda e qualquer falha que possa a
comprometer a continuidade do entendimento da marca como mito. Esse espelho
também poderá refletir aquilo que a empresa ainda não havia enxergado de positivo
na marca e que, segundo as interpretações dos maiores interessados na
continuidade do mito – os entusiastas – a publicidade poderá abordar pontos ainda
não explorados e que podem reforçar e cooperar na manutenção da imagem da
marca como ícone no seu segmento.
Uma vez que a mitologia da marca tenha sido compreendida de forma detalhada,
com as informações dos consumidores e dos consumidores inspiradores, esta deve
ser posta em questão se é a melhor a ser atribuída à marca, se está funcionando
tanto no mercado quanto na mente do consumidor. Para isso, RANDAZZO56 propõe
que:
“A compreensão do quem, quando e por que da marca para o
consumidor, assim como a compreensão da própria marca
ajuda a determinar se a mitologia da marca está operando
56 Op. cit. RANDAZZO, 84, 1997.
38
direito na mente do consumidor. Há uma série de elementos
básicos que ajudam na mitologia de uma marca.”
E para que essa mitologia se reafirme e esteja fortalecida continuamente, as
pesquisas realizadas para o mapeamento da imagem da marca deverão, sempre, ter
como um dos resultados de que o mercado e o consumidor empregam credibilidade
à marca em questão.
Isso se mostra importante, pois a mitologia e sua manutenção devem ser críveis, ou
o consumidor em geral irá rejeitá-la. Esse indivíduo até mesmo pode tolerar algum
exagero que ele identifique como um “deslize” da publicidade, já que ele entende a
entende como uma forma de vender.
De acordo com RANDAZZO, porém, se essa promessa exagerada não for cumprida
ou pior, enganosa, e, assim, frustrar o consumidor, este não desejará mais essa
marca em seu Olimpo pessoal. Outro fator que interfere na credibilidade desejada é
quando o consumidor percebe que a marca muda ou tenta mudar sua imagem de
forma radical, fazendo com que o consumidor venha a perder, aos poucos, sua
identificação com a marca. Além disso, se considerar enganado por todos os anos
em sua atenção e esforços foram dedicados no acompanhamento da evolução da
marca seria demais para que havia tornado-a sua bússola em termos de
comportamento de compra e social.
A partir de então, todo o mistério, sensualidade e intimidade defendidos por
ROBERTS, e que chegaram a moldar a mitologia da marca, vão por água abaixo.
Não adianta de mais nada a estratégia de publicidade para a reformulação da
marca. O entusiasta, aquele mesmo indivíduo que se deixou encantar pela marca,
que a posicionou como um ícone de sua existência, agora não sente mais nada que
o faça admirar, desejar a marca que, sem mais nem meno, muda toda a sua
proposta. Isto acaba por transformaro mito, a lovemark, em apenas um affair, uma
“paquera de verão” que prometeu muito, não correspondeu e não teve todos os
atributos para ser forte e seguir em frente, rumo a um caso de amor mais intenso e
duradouro. E, nesses casos, assim como na sociedade humana, a concorrência pelo
coração e mente do indivíduo é acirrada e uma “pulada de cerca” não é vista com
bons olhos.
39
Capítulo 3 – 108 anos de acertos e erros na comunicação
Em 1903, um barracão na cidade de Milwauke, nos Estados Unidos, tornou-se o
berço daquela que se tornaria a marca símbolo de motocicleta em todo o mundo.
Naquele ano, Bill Harley e os amigos Arthur e William Davidson construíram sua
primeira motocicleta nos fundos da casa de um deles. Local onde até hoje se
encontra o prédio administrativo da Harley-Davidson. Suas primeiras máquinas eram
nada mais do que bicicletas motorizadas, que auxiliavam no trânsito pelas ruas não
muito bem pavimentadas de sua cidade. Aos poucos, os motores começaram a
ganhar força e a chamar a atenção dos outros moradores de Milwauke. Em 1907, a
Harley-Davidson já era uma compainha estabelecida e que vendia bem suas motos.
O sucesso foi tamanho e logo a fama das motocicletas ganhou a costa leste dos
Estados Unidos.
A partir de então, o sucesso das Harleys começou a se alinhar a fatos importantes
da história americana e, também, mundial. Em 1916, o presidente Woodrow Wilson
enviou o general John Pershing – conhecido como Black Jack – montado em uma
Harley-Davidson, para caçar o revolucionário mexicano Pancho Villa, que ameaçava
a fronteira sul dos Estados Unidos. Outra imagem histórica que reforçou o ímpeto da
marca foi a entrada dos militares em Berlim, quando da I Guerra Mundial. O primeiro
soldado americano a entrar na cidade alemã não estava em um blindado e muito
menos a pé. Ele guiava uma genuín motocicleta Harley-Davidson. Após a guerra, a
marca mostrou ainda mais da qualidade de suas máquinas. A Harley, voltando às
pistas de corrida em 1921, foi a primeira equipe a estabelecer a marca de velocidade
superior a 160 quilômetros por hora.
Apesar de todo o sucesso, a Harley-Davidson passou por dificuldades no período de
recessão da economia mundial, a grande Depressão ocorrida em 1929. Suas
vendas caíram e forçaram a empresa a tomar uma medida que, até então parecia
ser não muito boa: modificar a até então famosa padronagem de pintura de suas
motos. Do verde-oliva para combinações de cores, no estilo art-déco57. Porém, essa
57 Art déco, expressão francesa referente à arte decorativa, é um estilo que rapidamente se tornou modismo internacional. Para alguns seria a modernização do art nouveau ou nova arte. Originou-se
40
mudança fez com que as motocicletas Harley-Davidson arregimentassem ainda mais
compradores, que viram nessa mudança, a oportunidade de se ter uma motocicleta
diferente das demais. Nascia a customização tão famosa das Harleys. Porém, essa
customização cessou a partir do ataque a Pearl Harbor58, quando a Harley-Davidson
especializou-se em construir motocicletas exclusivas para o uso do exército, sendo
alguma s delas equipadas com side-cars59 tão sofisticados que possuíam armas
automáticas acopladas. Após o fim do conflito, o mercado americano cresceu,
depois de anos de retração devido à guerra, e aqueles americanos que combateram
nas linhas de frente e que retornaram para casa, tornaram-se os principais
compradores de motocicletas Harley, pois desejavam reviver a experiência com
essas motos, agora como civis.
Com isso, a década de 1950 foi tomada pelo “espírito” das motocicletas Harley-
Davidson, uma vez que a imagem do motociclista era positiva, forte. Eles estavam
no centro das atenções da massa e da mídia da época. A imagem do homem – bem
afeiçoado, viril e decidido – sobre a moto remetia à visão do antigo cowboy, o
vaqueiro sobre seu cavalo, um dos ícones da cultura americana. Mas, assim como
os clássicos do western60, entre os motociclistas passou a ser explorada a figura dos
“mocinhos e bandidos”. E o maior representante da categoria dos arruaceiros e fora-
da-lei foi o ator Marlon Brando em seu papel no filme “O Selvagem”, anteriormente
citado neste trabalho.
Mas apesar de todo o sucesso conquistado pelas Harley, o modelo capitalista no
qual a empresa estava atrelada, a base do american way of life61, quase fez com
em Paris, com a grande mostra Exposition Universelle des Arts Décoratifs, em 1925. Retirado de: http://educacao.uol.com.br/artes/art-deco.jhtm 58 Bombardeio, por parte das forças japonesas, à base militar americana de Pearl Harbor, na ilha havaiana de Oahu. Esse episódio decretou a entrada dos Estados Unidos na II Guerra Mundial. Enciclopédia Mirador Internacional, pp. 4.361 e 4.362. 59 Side-car: cabine lateral acoplada à motocicleta, dotada de uma roda e que se destina ao transporte de um passageiro adicional. 60 Western: Gênero literário e, principalmente, cinematográfico que aborda a cultura do desbravamento do oeste norte-americano e a figura do cowboy. 61 Se refere a um ethos nacionalista que se propõe aderir aos princípios de "vida, liberdade e a procura da felicidade" (direitos não-alienáveis de todos americanos de acordo com a Declaração de Independência). Durante a Guerra Fria a expressão era muito utilizada pela mídia para mostrar as diferenças da qualidade de vida entre as populações dos blocos capitalista e socialista. Naquela época, a cultura popular americana abraçava a idéia de que qualquer indivíduo, independente das circunstâncias de sua vida no passado, poderia aumentar significativamente a qualidade de sua vida no futuro através de determinação, trabalho duro e habilidade. Politicamente, o american way acredita
41
que seus entusiastas desistissem das motocicletas. Isso se deu em meados de
1969, quatro anos após a abertura das ações da Harley-Davidson no mercado de
valores e sua ascensão na bolsa, quando a AMF – Amerian Foundry & Machine
Corporation – comprou as ações da empresa. Com isso a AMF passou a utilizar o
seu logotipo nos tanques de todas as Harley construídas a partir de 1970. Essa
atitude causou desgosto nos consumidores mais puristas e também nos que
admiravam a marca Harley-Davidson como símbolo de independência. Outros
fatores que fizeram com que a imagem da Harley caísse frente ao mercado foram:
1 – O aumento da linha de produção que, segundo o site oficial da marca, passou de
15.000 para 75.000 motocicletas por ano na década de 1970, com grande parte
desse número sendo destinado à exportação. Isso implicou na queda da qualidade
na fabricação das motos;
2 – A entrada das empresas japonesas, que com preço mais em conta e com
produtos de qualidade acima do que era esperado da Harley-Davidson,
acabaram por conquistar grande parcela do público de motocicletas nos Estados
Unidos.
Esta situação não satisfatória para a Harley-Davidson perdurou até o verão de 1980
quando um grupo de executivos, entre eles William G. Davidson (neto de William
Davidson), compraram todas as ações e tornaram-se proprietários da empresa. Em
quatro anos, a nova administração conseguiu reverter o quadro negativo para uma
nova chance de tomar a liderança de venda de motos no mercado americano e de
reaver o posicionamento de marca-ícone na mente do consumidor. E para que essa
meta fosse alcançada, a direção da compainha passou a investir na participação dos
funcionários como acionistas e participantes nos métodos adotados na produção das
novas Harleys. Com isso, a empresa recomeçou a despertar o sentimento de
“intimidade”, defendido por ROBERTS, e os empregados passaram a se ver como
verdadeiros artistas e não como robôs em uma linha de produção. Além de se
notarem e tornarem-se percebidos – pela administração e pelo público – como parte
integrante no processo de desenvolvimento daquela marca que seduziu e continua a
seduzir os amantes do motociclismo. Logo, as motocicletas Harley-Davidson
na crença da "superioridade" da democracia dita livre, fundada num mercado de trabalho competitivo sem limites. Retirado de www.klickeducacao.com.br.
42
voltaram de forma massiva, tanto ao mercado quanto para o coração e mente de
seus entusiastas. E com um autêntico representante da família no rumo dos
negócios, uma vez que William G. Davidson tornou-se responsável pelo setor de
design da marca e, também, pela assinatura de um dos modelos mais aclamados, o
Heritage Softail. Segundo o próprio, em entrevista registrada no filme “The Unofficial
History of Harley-Davidson Motorcycles”62, a importância da marca pode ser
exemplificada nessas linhas:
“Parte importante da mística está na nossa herança. Acho que
se tivéssemos esquecido da onde viemos, se tivéssemos
mudado drasticamente as coisas e perdido totalmente nossa
identidade, creio qu as pessoas não iriam se apegar a nós e
nem nossos veículos seriam tão reconhecidos. Se você
procurar o verbete ‘motocicleta’ no dicionário Webster, ao lado
haverá uma foto da Heritage...Isso me diz muita coisa, porque
de certa forma, a identidade está feita. É história.”
3.1 – Criando a identidade de um ícone
No início, visto que a principal montadora de motocicletas no mercado americano
era a Indian, o nome Harley-Davidson poderia soar, para um indivíduo americano
comum, como mais um banco, um escritório de advocacia ou até mesmo uma
empresa de limpeza de encanamentos. Dificilmente seria identificado como uma
marca que viria a ser lenda do mundo do motociclismo. Ainda mais se for
considerada a imagem contemporânea que a marca presta ao mercado e ao seu
consumidor ou entusiasta. Isso devido à grande parte das companhias de negócios
dos Estados Unidos que àquela época tinha o costume de batizar as firmas com o
sobrenome de seus proprietários, e não com um nome de fantasia. Mas bastou que
as primeiras unidades passassem a ser comercializadas para fora das redondezas
de Milwauke que o público começou a identificar aquelas “bicicletas verdes
motorizadas” como autênticas Harley-Davidson.
Pensando à frente de seu tempo, Bill Harley, Arthur e William Davidson não queriam
desenvolver apenas uma montadora de motocicletas, mas sim a empresa que o
62 LEGON, Gary. The Unofficial History of Harley-Davidson Motorcycles. ST2 Video, 1990.
43
mercado americano teria como referência quando o assunto se tratasse de veículo
motorizado sobre duas rodas. Seguindo a célebre frase de Henry Ford63, que
declarava que “se poderia ter um carro de qualquer cor, desde que fosse preto...” –
em relação ao seu modelo T, vendido unicamente nessa cor – os fundadores da
Harley-Davidson tinham como objetivo a produção em série de suas motocicletas e
que essas fossem inigualáveis. Para isso, eles começaram a desenvolver o plano de
imagem da empresa.
Ao contrário do que se é realizado hoje, a parte gráfica compreendida por
logomarca, logotipo e peças impressas, não foram desenvolvidas com esmero logo
no início da história da empresa. As motocicletas ostentavam em seus tanques de
combustível, o nome (logotipo) da empresa, pintado de forma quase que artesanal.
Figura 1 – Logotipo Harley-Davidson, 1907.
Figura 2 – Motocicleta Harley-Davidson, 1907.
Nota-se o logotipo, pintado em branco, no tanque de combustível.
Com o crescimento da empresa, o envio de motocicletas para as frentes de batalha
na Europa na I Guerra Mundial e com o início da publicação da revista “The
Enthusiast”64 que obteve alcance nacional e até mesmo internacional, os
proprietários da empresa começaram a desenvolver a logomarca que perdura até os
dias atuais: o escudo Harley-Davidson. Este escudo e sua disposição foram
63 Henry Ford: Fundador da Ford Motor Company e pioneiro na produção em série de veículos automotores. 64 A revista teve sua primeira edição comercializada em 1916, em Milwauke. Cf. Anexo 1 e 2
44
visivelmente baseados no conceito da heráldica65, a antiga arte de identificar
famílias, reinos e exércitos em brasões de armas.
A logomarca era gravada em alto relevo nos tanques de combustível e em outras
partes de suas motocicletas, como os, até então, inéditos descansos – conhecidos
também como plataformas – para os pés dos motociclistas. O conjunto gráfico
ostenta um escudo ao fundo e uma faixa horizontal à frente. No escudo está
agravada inserida a palavra motorcycles,dividida em motor na parte superior e
cycles na parte inferior à faixa que se sobrepõe ao escudo e que contém o nome
Harley-Davidson. Esta logomarca foi muito bem recebida pelo público alvo da
empresa, americanos inseridos na cultura de seu país, que sempre presou a força, o
ímpeto guerreiro, desbravador. Características que se encaixam no arquétipo
masculino do “guerreiro”, apresentado por RANDAZZO66 e no conceito de heráldica,
acima citado.
Esse homem guerreiro, viril e independente, que vivenciava a experiência de uma
guerra mundial e de outros conflitos em solo americano, afeiçoou-se à logomarca de
tal forma que a transformou em um distintivo de sua paixão, de uma experiência
única que era a posse de uma das motocicletas da Harley-Davidson. Que o
identificava como parte de um verdadeiro – e orgulhoso – exército de seguidores da
liberdade e da independência que a marca defende e propõe tanto em sua
publicidade quanto em sua filosofia como empresa.
Figura 3 – Logomarca Harley-Davidson, 1917.
65 Heráldica: Heráldica (ou armaria ou parassematografia) é a arte de formar e descrever o brasão de armas, que é um conjunto de peças, figuras e ornatos dispostos no campo de um escudo e/ou fora dele, e que representam as armas de uma nação, país, estado, cidade, de um soberano, de uma família, de um indivíduo, de uma corporação ou associação. A heráldica principiou no século XII, quando iniciou-se a utilização dos símbolos pessoais e familiares, que são antiqüíssimos, dentro de escudos. Disponível em: http://www.heraldica.genealogias.org/
66 Op. cit. RANDAZZO, p.157, 1997.
45
Figura 4 – Logomarca Harley-Davidson, 2010.
Poucas mudanças foram realizadas na reformulação da logomarca em mais de cem
anos de desenvolvimento, porém muitas ações e inovações foram feitas junto à
marca durante esse tempo. A logomarca do escudo passou a ser a principal
identidade gráfica da empresa, mas as motocicletas passaram a ostentar o nome da
marca em diferentes formas67, dependendo do modelo. Uma das grandes manobras
de mercado feitas pela “marca do distintivo” foi elaborar contrato com as forças
policiais de todos os estados da América a partir de 1921. Em 1930, mesmo no
período da grande Depressão, a maioria das tropas policiais dos Estados Unidos
patrulhava montada em motocicletas Harley-Davidson, as ruas e estradas do país.
O tempo passou e, conforme o histórico da empresa, em 1941 sua linha de
produção tornou-se exclusiva para o exército americano, que passaria a combater
na II Guerra Mundial. Esse foi mais um fator que, aliado à experiência dos corpos
policiais, aumentou a admiração do público frente aos motociclistas e,
principalmente, à marca Harley-Davidson. Logo, os proprietários de Harleys
estreitaram ainda mais sua ligação com a marca e os outros que ainda não
possuíam uma das H-D’s68mas que eram donos de motos de outros fabricantes,
como a Indian69, começaram a rever seus conceitos.
A imagem da Harley-Davidson refletia imaculada não mais como apenas uma
fabricante de motocicletas, mas como um ícone de força, independência, inovação,
patriotismo e beleza. O posicionamento da marca junto ao mercado, a partir do fim 67 Cf. Anexo 3 68 Apelido dado às motocicletas Harley-Davidson. 69 Fabricante de motocicletas, contemporânea à Harley-Davidson, que sucumbiu à concorrência em 1953. Recomeçou suas atividades em 1998.
46
da década de 1940, a transformou em um patrimônio e mito da cultura e indústria
americana. Logo, inúmeros proprietários dessas motocicletas passaram a se reunir
em grupos, inicialmente chamados de moto-clubes.
Os encontros desses grupos giravam em torno de discussões sobre manutenção e
compra e venda de motocicletas, mas foi rapidamente transformado em verdadeiras
comunidades locais de proprietários de Harley-Davidson, inclusive com suas
famílias. Esses grupos passaram a ser chamados de Harley Owners Group70, ou
simplesmente, HOG. Os HOG passaram a ser apoiados pela administração da
empresa, que registrou o nome como sua propriedade, fazendo com que o espírito
de “amizade” entre cliente e marca se fortalecesse ainda mais.
Figura 5 – Logomarca HOG
3.2 – Harley-Davidson como identidade individual e coletiva
Liberdade, coragem, vitalidade. Essa tríade, entre outros sentimentos óbvios que
são dados como resposta ao questionamento do que a prática de motociclismo
oferece, tem uma conotação totalmente diferente quando a mesma pergunta é feita
tendo a Harley-Davidson como motocicleta em questão. Aproveitando então esse
sentimento relacionado à marca Harley-Davidson, a agência Carmichael Lynch a
partir de 1979 iniciou seus trabalhos com a publicidade da empresa. As
campanhas71 dessa agência ajudaram a empresa, desde então, a se recolocar como
líder no mercado, já que a imagem da Harley-Davidson encontrava-se fragilizada
desde a anteriormente citada junção com a AMF e vários casos de motociclistas
70 Grupo de Proprietários de Harley. 71 Cf. Anexo 4, 5, 6, 7, 8 e 9
47
marginais - como muitos dos grupos Hell’s Angels e outros – se envolvendo em
crimes a bordo de suas potentes Harleys.
De certo que o imaginário popular a cerca da imagem do fora-da-lei seria algo
negativo demais para a empresa. Curiosamente, a publicidade feita desde então
pela Carmichael Lynch abordou principalmente a independência e certa
agressividade comedida desse lado “bandido” da Harley Davidson, o que, mais uma
vez, colocou a empresa em uma posição de vanguarda frente às concorrentes e no
posicionamento de mercado. Alguns dos melhores – e recentes – exemplos dessa
postura publicitária de se promover a marca utilizando como mote a identificação
com condutas não muito “boazinhas”, foram os trabalhos desenvolvidos e veiculados
a partir de 2007 para a comemoração dos 105 anos de fundação da Harley-
Davidson em 2008. Intitulada de 105 years & strong72, a campanha se dividiu em
dois momentos: Black Sheep (vídeo de 2007) e Live by It73 (2008). Em 2009 a
campanha publicitária tem tema polêmico, “Screw it. Let’s Ride”, algo como: Dane-
se. Vamos rodar. Esta campanha entra em choque, por exemplo, com a proposta de
diminuição de emissões de gás carbônico74. Os seguintes comentários de Roberts,
em seu livro, expõem seu apoio à postura adotada pela Harley e pela Carmichael:
“... Perco a paciência com a ciência de presunção das marcas.
As definições, os gráficos, as tabelas e diagramas. Há muitas
pessoas seguindo o mesmo manual. Quando todo mundo tenta
vencer a batalha da diferenciação da mesma maneira, não
chega alugar nenhum. São legiões de que chamo de
‘mercandróides’. As fórmulas não conseguem lidar com a
emoção humana. Elas não têm imaginação nem simpatia.”75
“... Parar de correr atrás de modismos e dedicar-se a
estabelecer conexões consistentes e emocionais com os
consumidores. Se você não representa nada, falha em tudo.”76
72 105 anos e forte. 73 Viva por isso. 74 Cf. Anexo 10 75 ROBERTS, p. 27, 2005. 76 Ibidem, p.32, 2005.
48
A situação emocional remetia à máxima de que ser boazinha demais não importa,
há de se ter uma dose de ironia, uma maldade na dose certa, que tempere e dê
ânimo diferenciado à marca. E essa parceria vitoriosa com entre publicidade
agressiva, genuína e o espírito libertário da Harley-Davidson perdura até os dias
atuais.
Essa atitude publicitária, baseada nos sentimentos gerados pela marca, faz com que
a Harley-Davidson continue a ditar tendências muito além do mercado de
motocicletas. Tal afirmação se dá à extensão de linha da marca. Com início na
venda – nas concessionárias – de badges77 para aplicação em jaquetas e coletes
dos primeiros participantes de moto-clubes, peças profissionais para a prática de
motociclismo – jaquetas, botas e luvas; peças de vestuário cotidiano – masculino,
feminino e até mesmo infantil78; e artigos diversos, de relógios de parede a conjuntos
de copos. Vale lembrar que, hoje, a venda desses artigos continua sendo realizada
nas concessionárias e na internet. A Harley-Davidson mantém loja virtual com
catálogo completo e entrega em domicílio. Fora isso, o licenciamento da marca
atinge os mais diversos pontos do mercado, do caderno escolar ao patrocínio de
eventos de MMA79. Um bom exemplo de até onde a extensão – ou licenciamento –
de linha da empresa poderia atuar é exemplificado no livro de ROBERTS:
“... Em junho de 2000, a Harley-Davidson finalmente desistiu de
transformar em marca registrada o ronco de seu motor V-Twin,
após seis anos de determinação. Em sua requisição, a
companhia alegava que o som de seu motor era ‘tão
reconhecido pelos amantes do motociclismo quanto a bandeira
dos Estados Unidos da América’. Os outros fabricantes
contestaram duramente a alegação. Eles sabiam quanto o
ronco sensual significava para os motociclistas de meia idade e
não podiam deixar a Harley levar a melhor. Joanne Bischmann,
vice-presidente de marketing da compainha afirmou: ‘Se
nossos clientes sabem que o som não pode ser imitado, isso já
é bom o bastante para mim e para a Harley-Davidson.”80
77 Distintivos, em tecido, bordados com a logomarca do escudo da Harley-Davidson. 78 Cf. Anexo 11, 12 e 13 79 Mixed Martial Arts. Campeonato de artes marciais mistas. Nova designação para o campeonato de “Vale-Tudo”. 80 Op. Cit. ROBERTS, p. 28, 2005
49
A partir desta verdadeira invasão da marca Harley-Davidson – impregnada de sua
carga emocional – no mercado, ficou cada vez mais fácil ser um entusiasta deste
mito. Mesmo aqueles que não têm uma conta bancária capaz de adquirir uma das
motocicletas – com valores similares e, por vezes, superiores ao de um imóvel
médio, esses podem ter uma camisa, um boné ou mesmo um chaveiro com o
famoso escudo da empresa. Algo que as façam se sentir parte do universo de
liberdade, independência e vanguarda que a marca oferece para todos, sejam
motociclistas ou não.
Capítulo 4 – Além da publicidade, o diálogo da
comunicação empresarial de um mito
A marca Harley-Davidson passou por vários percalços relativos à comunicação
empregada ao público em geral, não só aqueles que seriam o seu target. A
associação da marca a grupos de motociclistas, como os Hell’s Angels envolvidos
com o crime organizado, colaborou para que a imagem da marca fosse arranhada.
Mas nada pode ser comparado à fragilidade encontrada em algumas redes
terceirizadas de representantes da marca ao redor do mundo. Ao ter, nesse modelo
de gestão, a “ponta de lança” no relacionamento com o cliente, a marca Harley-
Davidson ficou vulnerável a uma visão distorcida de sua administração.
Como exemplo local de danos à marca, provocado por terceiros que – teoricamente
– deveriam ser tão responsáveis pela imagem da marca no mercado quanto a
matriz, há o caso do Grupo Izzo, representante Harley-Davidson no Brasil entre os
anos de 1992 e 2011.
4.1 – Do sonho de consumo ao pesadelo em atendimento
50
O início do ano de 2011, para a Harley-Davidson, foi marcado pelo término da
parceria com o Grupo Izzo, que representou a marca em terras brasileiras ao longo
de 19 anos repletos de críticas e reclamações por parte de muitos consumidores.
Originado em São Paulo, o Grupo Izzo vendeu mais de 30 mil motocicletas Harley-
Davidson e Buell (divisão esportiva da Harley) e um número ainda maior de
acessórios e itens de vestuário licenciado dessas marcas em território nacional.
Apesar do número representativo, levando-se em conta o valor das motos – de R$35
mil a mais de R$90 mil em alguns casos, a relação entre o grupo e os compradores
sempre foi pautada em reclamações81, que variavam na demora em entrega das
motocicletas compradas até mesmo à falta (por meses) de peças de manutenção
para reparos nas mesmas.
E um dos maiores disseminadores dessa impressão de falta total de
comprometimento junto ao consumidor foi o crescimento do uso do ambiente virtual.
Os já anteriormente citados sites de relacionamento, com suas comunidades de
relacionamento e também os blogs, amplificaram o coro de reclamações. Esses
fatores desgastaram não só a imagem dos representantes em si, mas também, a da
própria Harley-Davidson, uma vez que muitos consumidores tentavam, sem
sucesso, revender suas motos. Reflexo das falhas no atendimento da Grupo Izzo.
4.2 – Contornando a crise
Tendo conhecimento da fragilização da imagem de sua marca devido à atuação do
Grupo Izzo, e por esta empresa vender modelos de outras marcas, a matriz da
Harley-Davidson entrou com ação judicial para a quebra de contrato com a empresa
representante. Alegou violação do acordo de exclusividade entre as partes,
conforme noticiou no site do jornal O Estado de São Paulo82.
Considerando-se a reflexão de MARTINS e BLECHER:
81 Aproximadamente 2.300 ocorrências para “reclamações harley davidsongrupo izzo” no site de buscas Google, em 10/02/2011. 82 Anexo 16.
51
“A base que impõe a necessidade de uma pesquisa de opinião
junto aos consumidores é absolutamente legítima e bem
intencionada: o que os consumidores querem e necessitam e o
que acham do produto ou das novas propostas são itens
presentes em quase todas elas. Naturalmente um fracasso de
vendas pode ser mais bem justificado se antes tiver sido feita
uma pesquisa mostrando que o consumidor preferia isto ao
invés daquilo. Se o marketing fez um trabalho moderno de
pesquisa e atendeu às vontades dos consumidores, por que
alguns produtos e serviços não dão certo?”
Pode-se afirmar que a administração global da Harley-Davidson, levando em conta
os esforços constantes de posicionamento e de presença nos canais de mídia,
inclusive atuando com uma nova agência de comunicação - Victor & Spoils - que
havia desenvolvido a campanha No Cages (Sem Jaulas), criada por um
consumidor83, acendeu a luz de alerta quanto à atuação de seu representante no
Brasil. Se fosse necessário reformular a forma de condução dos negócios da Harley-
Davidson em terras brasileiras, o cenário já poderia não ser dos melhores. Portanto,
ao ter sua causa ganha na justiça, a matriz americana rompeu definitivamente com o
Grupo Izzo e assumiu os negócios no país.
Tão logo foi declarada a mandatária das atividades Harley-Davidson no Brasil, a
matriz americana comunicou a decisão em seu site84 e disponibilizou um serviço de
atendimento ao cliente composto por e-mail e telefone gratuito (sistema 0800), para
que os clientes pudessem se manter a par das novas diretrizes da marca no país. E
esta atitude segue a linha de orientação de BUENO85:
“A prática da transparência, convenhamos, requer,
efetivamente, para muitas organizações, uma mudança
profunda em seu processo de gestão. Dificilmente, aquelas que
se caracterizam por uma hierarquia rígida, por decisões
centralizadas ou descartam a participação como elemento de
83 Fonte: http://fernandocomunica.blogspot.com/2011/02/harley-davidson-apresenta-comercial.html 84 Anexo 17. 85 http://www.comunicacaoempresarial.com.br/comunicacaoempresarial/artigos/comunicacao_corporativa/artigo7.php
52
sua cultura, estão preparadas para uma autêntica interação
com o mercado. Elas, em geral, receiam abrir-se para os seus
públicos, como se esta sadia e necessária convivência
pudesse representar um perigo . Sua desconfiança e seu
receio refletem-se em sua política de comunicação,
normalmente acanhada e avessa ao profissionalismo.
A organização transparente está, por definição, aberta ao
diálogo. Isso significa que ela se empenha tanto em falar
quanto em ouvir, estabelecendo canais permanentes com os
seus públicos e buscando, diligentemente, adaptar-se às novas
demandas ou desafios. Ela está pronta para incorporar as
sugestões dos seus colaboradores e admite rever ações e
estratégias, se elas não se mostrarem adequadas. A
organização transparente prioriza o atendimento, favorece o
contato e, sob nenhuma hipótese, manipula dados ou
informações, com o objetivo de conseguir vantagens. Ela
pratica, como diz o mercado, o jogo limpo.”
Do outro lado do conflito, o Grupo Izzo, agora ciente da importância da necessidade
de um diálogo claro e dinâmico com o público consumidor, também comunicou86 aos
seus clientes o término da parceria com a Harley-Davidson em seu site. Porém, o
que ficou registrado nas comunidades virtuais, que auxiliaram a administração da
Harley-Davidson a enxergar uma possível crise no Brasil, foi uma verdadeira catarse
de alívio por parte dos consumidores. Era o exorcismo de um fantasma que
assombrava tanto os clientes antigos quanto os possíveis novos consumidores da
marca Harley-Davidson no país.
86 Anexo 18.
53
Conclusão
Este trabalho partiu do princípio de que, a história, o folclore e o sentimento em volta
da marca Harley-Davidson não seriam de grande valia no caso de uma má
administração da comunicação empresarial junto ao público consumidor.
Principalmente quando consideramos que a relação entre marca e consumidor,
nesse caso, seja totalmente baseada no elemento emocional. Elemento este que é
o principal motivo para a aquisição e a entusiástica divulgação dos produtos da
marca. Tudo isto torna a marca Harley-Davidson em uma representante
insubstituível no Olimpo das marcas mitológicas e um marco dentre os cases de
“renascimento” proporcionado pelo bom emprego de técnicas e estratégias de
comunicação empresarial.
A monografia toma corpo ao levar em consideração as linhas acima e,
principalmente, os estudos acadêmicos, que invariavelmente abarcavam o debate
sobre o que determinaria o relacionamento entre marca e consumidor – se fatores
racionais ou puramente emocionais e como a comunicação empresarial poderia
administrar e, principalmente, equilibrar esses elementos. Vale ressaltar que, devido
ao aspecto psicológico que o assunto aborda, a variedade de disciplinas cursadas –
marketing, publicidade, comunicação corporativa – ofereceram o embasamento
necessário para o desenvolvimento do texto que pudesse evidenciar a importância
do fator emocional como determinante no discurso da comunicação empresarial da
marca Harley-Davidson junto aos seus clientes.
Apesar da simpatia à marca e às suas estratégias publicitárias para se manter como
ícone de sua categoria, foi elaborado texto o mais isento possível, para que a
credibilidade à pretendida defesa fosse conseguida. Críticas e pensamentos de
autores como Guy Debord e os Frankfurtianos, expostos neste trabalho, propõem o
esvaziamento da idéia de que a carga emocional é primordial. Porém, a importância
da emoção é reforçada e exemplificada principalmente por quatro autores
primordiais neste trabalho:
RANDAZZO: A obra “Criação de mitos na publicidade: como os publicitários usam o
poder do mito e do simbolismo para criar marcas de sucesso” apresenta o
54
embasamento psicológico da defesa dos aspectos emocionais que levam a marca à
posição de mito em seu segmento ou categoria;
RIES e TROUT: Com “Posicionamento: a batalha pela sua mente” os autores
abordam o conceito primordial de posicionamento que as empresas devem aplicar
às suas marcas para que essas obtenham sucesso junto ao mercado;
ROBERTS: “Lovemarks: o futuro além das marcas” defende que as marcas
precisam criar um relacionamento de amor junto ao público para se manterem
líderes e fortalecidas.
Portanto, a filosofia de vida proposta pela marca Harley-Davidson e todos os fatores
históricos e tradicionais de sua trajetória tornam-se itens indispensáveis na
experiência de consumo e tornam a marca um mito em sua categoria e influenciam
no discurso e abordagem da comunicação empresarial independentemente do
cenário cultural onde a representação da marca se encontra. Esses aspectos
emocionais, de identificação do consumidor junto à marca mostram-se muito mais
importantes do que a tecnologia empregada em sua linha de produção, materiais
empregados ou logística. Mais importantes do que todos os fatores racionais que
poderiam determinar a aquisição de um produto, mas não aquele que carrega
consigo a logomarca, a alma Harley-Davidson.
55
Referências Bibliográficas
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Paulo: Thompson Pioneira, 1997
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56
LEGON, Gary. The Unofficial History of Harley-Davidson Motorcycles. ST2 Video,
1990.
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de Janeiro: Campus, 2007.
PERES, Marcos Flamínio. O hedonismo fraturado. Folha de São Paulo, Caderno
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PETIT, Francesc. Marca e meus personagens. São Paulo: Futura, 2003.
RIES, Al; TROUT, Jack. Posicionamento: a batalha pela sua mente. São Paulo:
Makron Books, 1996.
RANDAZZO, Sal. Criação de mitos na publicidade: como os publicitários usam o
poder do mito e do simbolismo para criar marcas de sucesso. Rio de Janeiro: Rocco,
1997
ROBERTS, Kevin. Lovemarks: o futuro além das marcas. São Paulo: M. Books,
2005.
SEVERIANO, Maria de Fátima Vieira. Narcisismo e publicidade: Uma análise
psicossocial dos ideais de consumo na contemporaneidade. São Paulo: Anablume,
2001.
SCHMITT, Bernd; SIMONSON, Alex. Estética do marketing: como criar, administrar
sua marca, imagem e identidade. São Paulo: Nobel, 2002.
SILVA, Adriana Costa e. Branding e design: identidade no varejo. Rio de Janeiro:
Rio, 2002.
STRUNCK, Gilberto. Como criar identidades visuais para marcas de sucesso. Rio de
janeiro: Rio Books, 2007.
57
TAVARES, Mauro Calixta. Força da marca: como construir e manter marcas fortes.
São Paulo: Harbra, 1998.
VIEIRA, Stalimir. Marca: o que o coração não sente, os olhos não vêem: reflexões
sobre marketing e ética. S. Paulo: Loyola, 2002.
58
Anexos
1
Capa do primeiro número da revista The Harley-Davidson Enthusiast, de 1916.
Fonte: www.harleydavidson365.com
2
Capa da edição de maio de 1956, da já então revista The Enthusiast, com o cantor e
ídolo do rock ‘n roll Elvis Presley. Fonte: www.harleydavidson365.com
59
3
Logomarcas Harley-Davidson utilizadas em diferentes modelos de motocicletas.
Fonte: www.harleydavidson.com
4
Anúncio de página simples de revista, agência Carmichael Lynch, 1979. Fonte:
www.carmichaellynch.com
60
5
Anúncio de página dupla de revista, Campanha 105 & Strong, agência Carmichael
Lynch, 2008. A mensagem, livremente traduzida informa: “Nunca deixarei minha
esposa pilotá-la. Pelo menos até ela ter 18 anos”. Fonte: www.carmichaellynch.com
6
Anúncio de página simples de revista, Campanha Live by it, agência Carmichael
Lynch, 2008/2010. A mensagem, livremente traduzida informa: “Não faça isso. Não
faça aquilo. Não faça isso. Não faça aquilo. Bla, bla, bla.”. Fonte:
www.carmichaellynch.com
61
7
8
9
Anúncio de página dupla de revista, Campanha Build Yours, agência Carmichael
Lynch, 2008. Fonte: www.carmichaellynch.com
62
10
Anúncio de página dupla de revista, Campanha Screw it, let’s ride, agência
Carmichael Lynch, 2008. A mensagem, livremente traduzida informa: “América, por
favor não compre uma Harley por que ela consome 4 litros de gasolina a cada 80
quilômetros. Quilômetros por litro descreve a pilotagem tal como a biologia descreve
o sexo. A história deu forma a esse tanque, não as plataformas estrangeiras de
petróleo. Trabalhadores americanos derramaram suas almas nele. Vamos caçar o
pôr do sol, esteja o preço da gasolina 6 dólares ou 6 centavos. Vamos até as festas
como astros do rock. Vamos preencher o tanque que dá em troca muito mais do que
nós oferecemos. Então dane-se, vamos rodar.” Fonte: www.carmichaellynch.com
63
11
Páginas iniciais dos sites Harley-Davidson do Brasil e Estados Unidos,
respectivamente. Fonte: www.harleydavidson.com.br e www.harleydavidson.com
64
12
13
Anexos 12 e 13 referentes ao catálogo para vendas on-line de produtos (vestuário,
presentes) com a marca Harley-Davidson. Fonte: www.imocx.com.br/lookbook09
65
14
15
Anexos 14 e 15 referentes a uma das representações mais fortes e marcantes de
amor à marca: a tatuagem. Fonte: www.harleydavidson365.com
66
Harley Davidson vai à Justiça no Brasil Fabricante americana conseguiu liminar para quebrar contrato com empresa do Grupo Izzo, distribuidora exclusiva das motos no País 24 de março de 2010 | 23h 30
SÃO PAULO - A fabricante americana de motos Harley Davidson conseguiu na Justiça uma liminar para rescindir seus contratos com seu distribuidor exclusivo no Brasil, a empresa HDSP Comércio de Veículos, pertencente ao Grupo Izzo. Segundo a decisão, publicada no último dia 12, a rede de concessionárias continuará a comercializar os produtos da marca Harley Davidson por um prazo de 120 dias. "Esse tempo será usado para a busca de novos parceiros comerciais. A Harley Davidson não vai paralisar suas atividades no Brasil", diz Celso Caldas Martins Xavier, sócio do escritório Demarest&Almeida e representante da Harley Davidson. O Grupo Izzo informou que vai pedir a reconsideração do juiz e recorrer da decisão.
Segundo a ação judicial a que o Estado teve acesso, um dos principais argumentos da Harley Davidson para pedir a quebra do contrato foi a suposta violação do acordo de exclusividade entre as partes. A HDSP teria vendido motos e produtos de marcas como Ducati, Benelli, Malaguti, Polaris e Husqvarna. No processo, os advogados da empresa americana citam cupons fiscais da compra de produtos de concorrentes em que constam o CNPJ da HDSP. Consultado, Paulo Izzo, representante do Grupo Izzo, afirmou que não vende marcas diferentes da Harley Davidson sob o CNPJ da HDSP.
Outro argumento apresentado pela fabricante americana diz respeito à "associação indevida da marca Harley Davidson às marcas de competidores". Na ação, são apresentados cartões de visita das lojas do Izzo em que o emblema da Harley Davidson aparece ao lado do símbolo de concorrentes. A Harley Davidson também alega que houve uma alteração na estrutura societária da HDSP, com a entrada de duas novas empresas que possuem a autorização da Superintendência da Zona Franca de Manaus para montar uma fábrica de motos da marca Triumph – o que configuraria um caso de conflito de interesses. Para ambas as acusações, Izzo informou que a HDSP "se adequou aos pedidos feitos pela Harley Davidson".
Reclamações
Por fim, a Harley Davidson baseia sua ação no suposto mau atendimento a clientes. A empresa cita que alguns consumidores chegam a esperar entre 30 e 60 dias pelo emplacamento de suas motos. O atraso seria resultado de um esquema ilegal em que a concessionária empenharia as motos já vendidas a bancos como garantia para empréstimos de fluxo de caixa. Em resposta, Izzo afirmou que o único modelo utilizado pela concessionária é o chamado "floor plan". Segundo ele, trata-se de uma estratégia legal e comum entre concessionárias de veículos em que os bancos passam a financiar a revendedora com a fábrica.
No processo, a Harley Davidson cita, ainda, diversos blogs e comunidades na internet em que consumidores reclamam da qualidade do serviço prestado pela Izzo. "Para a Harley Davidson, a satisfação do cliente é a grande prioridade. Com a frustração dos consumidores, a empresa viu que precisava agir", diz Ronald Mincheff, presidente da agência de comunicação Edelman no Brasil e porta-voz da fabricante americana.
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Izzo rechaça as acusações. "Qualquer marca recebe reclamações. Somos premiados pela Harley Davidson por nosso desempenho há anos. Só em 2009, ganhamos prêmios globais da empresa de melhor design de loja, maior taxa de crescimento e excelência em serviço", diz Izzo. "Como alguém pode ganhar tanto prêmio e ser tão incompetente como a empresa diz?"
Para Izzo, a explicação para a disputa judicial movida pela fabricante americana está na intenção da Harley Davidson em mudar seu modelo de atuação no Brasil. "Fui comunicado pela matriz que a empresa queria assumir a gestão do negócio no Brasil e abrir espaço para novos concessionários antes do fim do nosso contrato, que vai até dezembro de 2015", diz. Hoje, muitas das decisões estratégicas da Harley Davidson no Brasil estão sob responsabilidade da HDSP, como a política de marketing e comercial. A Harley Davidson afirma, no entanto, que a ação contra a concessionária foi motivada apenas pelo desrespeito às regras contratuais.
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