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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE DO ESTADO EXECUTOR AO ESTADO REGULADOR Por: Marta Cristina de Jesus Silva Orientador Prof. Mary Sue Carvalho Pereira Rio de Janeiro 2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

DO ESTADO EXECUTOR AO ESTADO REGULADOR

Por: Marta Cristina de Jesus Silva

Orientador

Prof. Mary Sue Carvalho Pereira

Rio de Janeiro

2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

DO ESTADO EXECUTOR AO ESTADO REGULADOR

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Candido Mendes como

requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Gestão Pública

Por: Marta Cristina de Jesus Silva

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por minha vida e por Sua

constante presença ao meu lado em

todos os momentos, inclusive em mais

esta importante etapa.

Aos meus pais, por tudo o que me

ensinaram e fizeram por mim. São eles,

em boa parte, os responsáveis pela

pessoa e profissional que me tornei.

Ao meu marido, Alexandre, meu

grande amor, inspiração, força,

presente que Deus me deu, por todo o

seu incentivo, paciência e ajuda, sem

os quais a realização deste trabalho

seria bastante difícil.

À professora orientadora Mary Sue por

sua atenção, incentivo e pelos

conhecimentos transmitidos, essenciais

para a realização deste trabalho.

Aos amigos que conquistei neste

percurso, pelas experiências

compartilhadas.

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RESUMO

Desde o seu surgimento, quando da reforma gerencial da administração

pública, as agências reguladoras têm suscitado intensos questionamentos e

debates. O presente trabalho realiza um estudo da inserção das agências

reguladoras criadas no Brasil no seio do modelo da nova administração pública

desde a implantação do mesmo até os dias atuais. Através de uma descrição

da estrutura e do funcionamento das agências reguladoras e da apresentação

dos problemas e dificuldades por elas encontrados, proporciona uma análise

de sua eficácia enquanto instrumento para o desenvolvimento e consolidação

deste processo. Verifica a necessidade de aperfeiçoamento, complementação

e mesmo retificação de alguns pontos da estrutura e funcionamento das

agências reguladoras. Estas alterações são indispensáveis para que as

mesmas atinjam seu objetivo de eficiência compatível com as exigências do

mundo globalizado e de bom atendimento aos interessados em seus serviços.

Apesar disso, observa-se sua inestimável contribuição para a manutenção da

administração pública gerencial, sendo consideradas instituições estratégicas e

fundamentais para a estrutura desta última.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada no presente trabalho é a pesquisa bibliográfica,

com a utilização de livros e artigos que versam sobre o assunto em questão.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I - Do Estado Patrimonial ao Estado Gerencial 09

CAPÍTULO II - A Inserção das Agências Reguladoras no Modelo

Gerencial de Administração Pública no Brasil 22

CAPÍTULO III – Avaliação da Atuação das Agências Reguladoras

Brasileiras 30

CONCLUSÃO 37

BIBLIOGRAFIA 39

ÍNDICE 41

FOLHA DE AVALIAÇÃO 42

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INTRODUÇÃO

O Estado brasileiro, desde a Primeira República até os dias de hoje,

sofreu transformações significativas. Inicialmente um Estado oligárquico e

patrimonial, o Brasil passou a um Estado autoritário e burocrático e em meio a

progressos e retrocessos chegou ao Estado gerencial e democrático que

vemos hoje. Esta última mudança esteve inserida em um movimento mais

amplo de transição em direção a novas formas de organização estatal dos

mercados e dos regimes políticos em todo o mundo, que tinha como uma de

suas premissas básicas a passagem de um Estado executor a um Estado

regulador.

Implantado no Brasil a partir da década de 90, este modelo de

administração pública tem como objetivo uma readequação das atribuições e

funções do Estado, com a transferência para a sociedade de atividades que

poderiam ser por ela melhor exercidas. O Estado passaria a gerenciar, a

regular tais atividades ao invés de executá-las diretamente, o que levaria a uma

otimização de seu desempenho administrativo. Não se trata, contudo, de retirar

do Estado esta atribuição que lhe é inalienável, mas sim de otimizar seu

exercício através de uma maior especialização e eficiência. As atividades

típicas de Estado, que permaneceriam no âmbito da administração pública,

deveriam ser reorganizadas com autonomia administrativa ampliada e controle

de resultados.

Dentre os instrumentos que emergiram neste contexto, as agências

reguladoras mostraram-se como representantes de uma proposta bastante

inovadora, assumindo a responsabilidade do controle de mercados, com as

funções de regular, mediar, arbitrar, fiscalizar e sancionar. Gozam de maior

autonomia em sua gestão financeira, orçamentária, de pessoal, de

contratações e de compras. Em contrapartida, estão submetidas a contrato de

gestão com o ministério que as supervisiona.

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Desde sua criação, as agências reguladoras têm suscitado profundos

questionamentos e debates relativos, por exemplo, à operacionalização de uma

forma de controlá-las, à eficiência e ao cumprimento do papel a elas reservado,

à possibilidade de um excesso de atribuições que lhes são destinadas, dentre

outros. Sendo assim, se faz necessária uma constante avaliação da inserção

destes instrumentos dentro do contexto da administração pública gerencial.

O presente trabalho tem como objetivo tentar fornecer um subsídio a

mais a tal avaliação através do estudo do papel desempenhado pelas agências

reguladoras desde a sua criação até os dias atuais para a implantação e

sucesso do modelo gerencial de administração pública. Ao analisar o

desempenho destas agências, busca-se verificar em que medida elas têm

colaborado, quais as dificuldades que têm enfrentado, além de sugerir

discussões sobre problemas encontrados em sua atual estrutura.

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CAPÍTULO I

DO ESTADO PATRIMONIAL AO ESTADO GERENCIAL

O Estado brasileiro, desde sua organização enquanto tal vem

passando por algumas transformações tanto no plano político quanto no plano

administrativo. Tais mudanças podem ser atestadas quando se compara a

situação do país no início do século com a vivenciada atualmente. Inicialmente

um Estado oligárquico e patrimonial cuja economia era predominantemente

agrícola e mercantil, o Brasil hoje se mostra um Estado democrático, entre

burocrático e gerencial com uma economia capitalista globalizada. Em relação

à política, o que se viu foi a passagem de uma total hegemonia das elites para

uma democracia de sociedade civil onde a importância da opinião pública vem

crescendo a cada dia. No âmbito da economia, o país passou por um intenso

processo de industrialização, sem, contudo, tornar-se economicamente

desenvolvido. Verifica-se que nas áreas tecnológica e econômica ainda está

bastante aquém dos países com alto grau de desenvolvimento. Já a sociedade

brasileira passou de uma sociedade senhorial, formada por senhores e

escravos, para uma sociedade com características crescentes de sociedade

pós-industrial em que a reduzida classe burocrática estatal cedeu lugar a uma

nova classe média burocrática ou tecnoburocrática pública e privada, cujos

estratos mais altos dividiram com a alta burguesia tanto o poder quando o

excedente econômico. Ao lado disso, uma grande quantidade de trabalhadores

pobres ou mesmo miseráveis continuou não encontrando lugar no capitalismo

brasileiro, permanecendo excluída do desenvolvimento econômico.

Para resumir, é possível afirmar que o Estado brasileiro passou, no

plano político, do Estado oligárquico ao democrático. No plano administrativo,

saiu de um Estado patrimonial para um Estado gerencial. Finalmente, no plano

social, verificou-se a transformação de uma sociedade senhorial em uma

sociedade pós-industrial. Ao contrário do que aconteceu na Europa, em que

cada configuração do Estado perdurou por longo tempo, em nosso país,

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verificaram-se transições rápidas, próprias de um país que se moderniza, mas

continua atrasado, subdesenvolvido, devido a suas dualidades e injustiças.

Tendo todo este processo como pano de fundo, o presente trabalho

dirigirá seu foco para a transformação ocorrida no Estado brasileiro no âmbito

da administração pública, com suas idas e vindas, desde sua configuração

mais primária como um Estado patrimonial, passando pelo Estado burocrático

até o atual Estado gerencial.

1.1 – O Estado Patrimonial e Oligárquico

Desde o Império, o Brasil se apresentou como um Estado patrimonial-

mercantil, situação que se estendeu durante a Primeira República. Esta

situação reproduzia a que ocorreu em Portugal no século XIV com Dom João I,

onde uma classe aristocrática constituída pela nobreza decadente que perde

as rendas provindas de suas terras, vai-se transformando cada vez mais em

uma classe burocrática, sem, entretanto, perder seu caráter aristocrático. Não

se trata mais de um estrato de senhores porque ao invés de derivar sua renda

da terra, passa a derivá-la do patrimônio do Estado e, por isso, é caracterizado

como patrimonial. Este patrimônio estatal, por vezes, confunde-se com o

patrimônio daqueles que participam de seus quadros e é utilizado para

sustentar seus muitos funcionários e a classe dominante.

Esta elite política que se vai constituindo não dispunha de poder

suficiente para governar sozinha. Sendo assim, faz-se necessária a aliança da

classe patrimonialista com a burguesia mercantil de senhores de terra e

grandes comerciantes. Contudo, embora originalmente provinda destas

famílias proprietárias de terras, o estamento patrimonialista vai aos poucos se

reproduzindo de forma autônoma. Isto acontece principalmente através do

saber jurídico formal, transformado em instrumento de poder. Desde o Império,

boa parte de seus ministros constitui-se de letrados e juristas ligados a donos

de terras, mas sustentados pelo Estado. Estes estudavam em Coimbra, Olinda,

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São Paulo e acabavam ocupando os postos mais proeminentes na estrutura

administrativa estatal. Sua escolha não era baseada em qualquer critério

racional-legal, mas em sua ligação com a oligarquia rural.

É essa elite política letrada e conservadora que detém o poder estatal.

Não é possível falar de democracia neste período. Não há verdadeiramente

eleições, pois estas não passam de uma falácia. Os critérios administrativos

eram absolutamente pessoais e não havia qualquer preocupação com o

funcionamento da máquina do Estado. Esta tinha como função principal

garantir a sobrevivência e o emprego deste grupo social, além da classe média,

formada por bacharéis e profissionais liberais, em sua maioria mestiços. A

entrada destes representantes da classe média no quadro do funcionalismo

público, entretanto, não era fácil, principalmente na Marinha e na magistratura.

O Exército e o clero apresentavam menos empecilhos à inserção desta

camada. E é justamente esta penetração de elementos de classes sociais mais

baixas no interior da burocracia aristocrática, no caso do clero, e no seio do

aparelho do Estado propriamente dito, como ocorreu com o Exército, que abre

as portas para o surgimento da administração pública burocrática. São

principalmente as revoluções iniciadas pelos militares que vão ensejar a

emergência do autoritarismo burocrático-capitalista que caracterizará o período

seguinte vivido pelo Estado brasileiro.

1.2 – O Estado Burocrático e Autoritário

O período de transição em que se constitui a Primeira República começa

com o primeiro golpe militar da história do país. A revolução que marcou a

Proclamação da República brasileira tinha a intenção de ser

predominantemente da classe média que vinha emergindo principalmente nos

quadros do Exército. Porém, pouco tempo depois, com a eleição em 1894 de

Prudente de Morais para a presidência da República, o poder retorna às mãos

das oligarquias rurais, retomando-se a aliança anteriormente existente do

segmento burocrático-aristocrático com a oligarquia cafeeira, primordialmente.

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Contudo, observa-se neste momento um diferencial importante, a saber, a

presença efetiva dos militares do Exército nesta aliança.

A República, entretanto, não promoveu alteração significativa na

situação do país. O golpe militar que a ela deu início não envolveu realmente a

população e não havia preocupação com a mesma. O regime permanecia

oligárquico, as eleições fraudulentas com insignificante aumento da

participação popular. Em suma, a estrutura econômica e de poder

permaneciam inalteradas. Com a forma federativa de Estado e sua

conseqüente descentralização, o poder das oligarquias locais e dos

governadores, cuja política surge neste momento, se vê ainda mais

aumentado. Os governadores, apesar de sua autonomia em relação à União,

dependiam de alianças com os coronéis locais, o que contribuía para a

manutenção da política oligárquica.

Todo este quadro contribuiu para uma crescente insatisfação tanto de

liberais que exigiam a democracia, quanto de militares indignados com a

manutenção da antiga ordem. Ensejou o movimento revolucionário que

culminou com a Revolução de 1930 e levou Getúlio Vargas ao poder, onde

permaneceria por quinze anos dos quais os últimos oito seriam marcados por

intenso autoritarismo.

O novo Estado inaugurado em 1930 viria a ser predominantemente

autoritário e burocrático, apesar de ainda conservar alguns elementos do

regime aristocrático que o precedeu. Getúlio Vargas restabelece a

centralização na União do poder sobre os estados federados e as oligarquias

locais e impulsiona o processo de industrialização no país. Surgem agora duas

novas classes sociais preponderantes: a burguesia industrial, originada da

antiga burguesia mercantil, e a classe média tecnoburocrática, advinda do

estrato burocrático patrimonialista, mas que a partir de então perdia seu caráter

aristocrático. Também é de vital importância para a compreensão da sociedade

da época a consideração da ascensão de uma nova classe média de

administradores de nível médio e de todo tipo de profissionais liberais, que

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tinha a atenção voltada para a produção, tendo em vista o surgimento de

grandes organizações empresariais públicas e privadas.

A reforma burocrática no Brasil tem seu início de fato em 1936, quando é

criado o Conselho Federal do Serviço Público Civil, consolidado dois anos mais

tarde com sua transformação no DASP (Departamento Administrativo do

Serviço Público). Este viria a ser o órgão executor e fiscalizador do novo

modelo de administração pública, grande emblema do Estado burocrático.

Criado durante o Estado Novo, em um período em que o autoritarismo no país

crescia a plenos pulmões, o DASP funcionou no campo administrativo como

ratificador dos princípios centralizadores e hierárquicos da burocracia clássica.

Dentre suas mais importantes realizações estão a implementação do ingresso

no funcionalismo público através de concurso, a organização dos serviços de

pessoal e de seu sistemático aprimoramento, estabelecimento de critérios

gerais e uniformes de classificação de cargos, a padronização das compras

estatais, a administração do orçamento público e a racionalização de métodos.

O DASP seguia o modelo de reforma realizado na França e nos Estados

Unidos, na tentativa de implantar um Estado burocrático nos seus moldes

clássicos. Isso resultou em um sistema administrativo marcado por um grau tão

alto de formalismo, que fazia com que suas normas se afastassem

demasiadamente da realidade. Apesar disso, já em 1938, é possível perceber o

primeiro indício de administração pública gerencial, com a criação da primeira

autarquia e com a difusão da idéia de que a administração indireta não deveria

obedecer a todos os requisitos formais que eram destinados à administração

direta.

Toda esta realidade em muito distinta da observada no período anterior,

ao contrário deste, não teve vida longa. Isto porque a burocracia chegou tarde,

sendo atropelada pela reforma gerencial que seria imposta pela globalização,

assim com chegou tarde também a industrialização, que seria logo substituída

pela sociedade pós-industrial dos serviços e do conhecimento. O impulso

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desenvolvimentista que será visto no período posterior ao Estado Novo dará

novo rumo à administração pública brasileira.

1.3 – A Reforma Administrativa Desenvolvimentista de 1967

A reforma que levou à implantação do Estado burocrático não

correspondia aos reais anseios da sociedade e do próprio Estado. Foi imposta

de cima para baixo, não contou com a participação da sociedade brasileira.

Apesar da necessidade de uma burocracia profissional, o Estado ainda fazia

muitas concessões ao patrimonialismo que persistia até então. Sendo assim,

após o fim do governo autoritário de Getúlio Vargas em 1945, a reforma

burocrática perde sua força e a já conhecida influência patrimonialista, além de

sua nova roupagem surgida no período autoritário, a saber, o clientelismo,

ganham força e predominam no cenário político e administrativo do Estado

brasileiro. Após a derrocada de Vargas, o DASP perde boa parte de suas

funções e a reforma administrativa burocrática, sua importância dentro das

ações do governo.

Com o retorno de Getúlio ao poder no período de 1951 a 1954 houve

uma nova tentativa de retomada da reforma burocrática, mas sem grande

sucesso, visto que além dos antigos valores patrimonialistas, também a ela se

opunha o impulso desenvolvimentista que, já presente na Era Vargas, teria

continuidade no governo de Juscelino Kubitschek e no período da ditadura

militar. Começou-se a pensar e estudar com mais intensidade uma reforma que

desse mais eficiência à administração pública a partir de 1963, quando Amaral

Peixoto foi nomeado Ministro Extraordinário para a Reforma Administrativa pelo

então presidente João Goulart. Entretanto, somente depois da tomada do

poder pelos militares, instituindo um regime autoritário modernizador,

burocrático-capitalista, esta reforma seria de fato iniciada.

O marco deste novo período na administração pública brasileira seria o

Decreto-Lei 200, que continha as bases da reforma desenvolvimentista de

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1967. Este instrumento já trazia alguns prenúncios da reforma gerencial que

viria a ocorrer em alguns países a partir dos anos 80 e no Brasil, a partir de

1995. Esta reformulação administrativa buscou a substituição da velha

burocracia por uma administração voltada para o desenvolvimento, através da

diferenciação clara entre administração direta e indireta e maior autonomia de

gestão para as autarquias, fundações e empresas estatais. Estes foram os

fatos que mais marcaram a reforma, sendo também dignos de destaque a

diminuição da burocracia dentro do sistema estatal de compras e o

fortalecimento do sistema de mérito.

Desde a edição do Decreto-Lei 200 até o ano de 1979, a reforma

administrativa foi realizada fundamentalmente pela SEMOR (Subsecretaria de

Modernização e Reforma Administrativa). Esta fazia parte da estrutura do

Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, o qual, durante este período

dispunha de maior autoridade potencial do que todos os outros ministérios. Isto

ocorreu devido ao fato deste ministério exercer o controle sobre os sistemas

estatais de planejamento, contabilidade e auditoria interna e, tempos depois,

sobre as autarquias, fundações e empresas estatais.

Em 1979, durante o governo de João Batista Figueiredo, é criado o

Ministério da Desburocratização, cuja pasta é entregue a Hélio Beltrão.

Participante ativo da Reforma Desenvolvimentista desde 1967, Beltrão passa a

desempenhar papel fundamental na difusão do novo pensamento. Critica

duramente as idéias burocráticas, seu excesso de regras e formalismo e prega

uma administração pública voltada para o cidadão através do Programa

Nacional de Desburocratização, por ele criado.

A Reforma Desenvolvimentista de 1967 significou um primeiro momento,

ainda que incipiente e tímido, da reforma gerencial no Brasil. Tentou superar os

entraves da administração burocrática, mas gerou conseqüências não

desejáveis. Uma delas se deveu à prática bastante difundida na época, de

contratação sem concurso público, visto que a noção de carreira permaneceu

apenas nos baixos escalões, enquanto que os cargos de alto nível eram

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preenchidos por indicação a critério da Presidência da República,

principalmente no âmbito das empresas estatais. Apesar de formar uma elite

burocrática de alta qualidade, bem paga e preparada, que em nada se

assemelhava à encontrada no sistema burocrático e que alcançou resultados

bastante positivos nas empresas estatais, autarquias e fundações, isso deu

oportunidade para a manutenção do clientelismo e do fisiologismo dentro da

administração pública brasileira. Outro problema foi a pouca atenção dada

durante este período à administração direta, taxada de rígida e burocrática, o

que levou ao abandono das carreiras de Estado, com exceção da magistratura,

da diplomacia e das carreiras militares, queda dos salários, a uma diminuição

considerável da realização de concursos públicos e à escassa renovação dos

quadros. Além disso, também não foi realizado um desenvolvimento de

carreiras de altos administradores, o que enfraqueceu o núcleo estratégico do

Estado.

1.4 – O Período de Retorno à Burocracia

Iniciada a partir da reação da população ao pacote legislativo lançado

pelo presidente Ernesto Geisel em abril de 1977, o chamado Pacote de Abril de

1977, e intensificada pela crise fiscal e política reinante no país, que resultou

de um longo endividamento externo que ocorreu nos anos 70, a longa transição

vivenciada a partir de então levou ao retorno a um regime democrático em

1985. Com isso, novamente os estados e, agora também, os municípios,

experimentaram uma descentralização do poder, dando-lhes, em

conseqüência, uma maior autonomia. Porém, não houve uma justa medida

dessa autonomia e permitiu-se que os estados e municípios contraíssem

dívidas, enquanto a União permanecia como responsável em última instância

pelas mesmas.

No que diz respeito à economia e à política, o populismo

desenvolvimentista que marcou os governos de João Goulart e Juscelino

Kubitschek no período democrático anterior à ditadura militar, também se fazia

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presente neste momento. Não se tinha a exata noção da crise fiscal e da crise

de Estado que o país atravessava. Estas foram negligenciadas e nenhuma

medida eficaz foi tomada para a reversão do quadro. O plano econômico

lançado, a saber, o Plano Cruzado, levou a uma ilusão de prosperidade que

perdurou por cerca de um ano, mas não tardou a desembocar em um

descontrole da economia e à hiperinflação no início dos anos 90.

Apesar da descentralização ocorrida no plano político, no âmbito

administrativo, paradoxalmente, o país, com a Constituição de 1988, tendia à

centralização e ao retorno às práticas burocráticas. Os grupos burocráticos

ganharam força, pautados na crença errônea de que a flexibilização da

administração pública possibilitada pelo Decreto-Lei 200 estava na raiz da crise

que naquele momento o Brasil vivenciava. Sendo assim, o Estado voltava a

possuir caráter hierárquico e rígido, limitando a autonomia de suas fundações,

autarquias e empresas estatais, trazendo um regime jurídico único para os

funcionários da União e de cada nível da federação, exigindo concurso público

para o ingresso nos quadros da administração pública. Este último, entretanto,

pode ser considerado como medida louvável tomada neste período, pois

reduziu a prática do clientelismo e do empreguismo.

Além do erro de avaliação da origem da crise enfrentada pelo país,

outras situações ensejaram o retorno à burocracia. Dentre eles, é interessante

citar o ressentimento experimentado pelos burocratas que ocupavam os cargos

da administração direta em relação à forma como foram preteridos pelos

administradores oriundos das empresas estatais durante a ditadura militar.

Outro fato importante que entra nesta lista foi a perda pela burocracia e pela

burguesia industrial de um projeto comum para a nação e, ao lado disto, o fato

desta mesma burguesia industrial haver aderido à campanha pela

desestatização que marcou todo o período de transição até o regime

democrático.

O retorno ao regime burocrático foi acompanhado de algumas alterações

organizacionais na estrutura da administração pública. O DASP foi extinto no

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ano de 1986. Em seu lugar foi criada a SEDAP (Secretaria de Administração

Pública da Presidência da República), que foi também extinta em 1989, ao ser

incorporada à Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Com a

criação da SAF (Secretaria da Administração Federal da Presidência da

República) em 1990, renasce o DASP. Em 1992, a SAF foi incorporada ao

Ministério do Trabalho e em 1993 retorna ao nível de secretaria da presidência.

A FUNCEP, órgão de treinamento da administração federal, foi transformada

na ENAP (Escola Nacional de Administração Pública), inspirada na escola de

administração pública francesa. Criou-se também nesta época a carreira de

gestor público, que, contudo, teve orientação primordialmente burocrática,

voltando-se para a crítica a um passado patrimonialista.

A partir do caos gerado pela hiperinflação do início de 1990, a sociedade

começa a enxergar a crise. Com a chegada do governo Collor, as reformas

econômicas e o ajuste fiscal tomam impulso. Porém, no âmbito da

administração, a reforma estatal é confundida com diminuição do tamanho do

Estado e conseqüente redução salarial e do número de funcionários.

Surpreendentemente, é nesse governo repleto de contradições que serão

dados os passos fundamentais para as reformas orientadas para o mercado. A

competição entre as nações estava se apresentando de forma cada vez mais

intensa, pressionando tanto organizações públicas quanto privadas a buscar a

eficiência. Abria-se assim, o caminho para a reforma gerencial que viria a partir

de 1995. Apesar disso, a ideologia burocrática ainda permanece atuante até o

final do governo Itamar Franco.

1.5 – A Reforma Gerencial do Estado de 1995

Em 1995, com a chegada de Fernando Henrique Cardoso à presidência

da República, inaugura-se um novo tempo na administração pública brasileira.

Ao transformar a SAF em MARE (Ministério da Administração Federal e

Reforma do Estado), inicia-se de fato a reforma gerencial do Estado, com o

objetivo de considerar uma reformulação da administração pública a partir da

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perspectiva de uma reforma do Estado, que deveria reconstruí-lo para que ele

pudesse apresentar eficiência e efetividade na regulação do mercado e na

capacitação das empresas para a competitividade internacional.

O documento que marcou a inauguração da reforma gerencial foi o

Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Ao lado deste, e com enorme

importância, temos a emenda constitucional da reforma administrativa, ambos

surgidos no primeiro semestre de 1995. Estas iniciativas foram baseadas em

experiências vividas por países da Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico, como o Reino Unido, onde surgia uma nova

disciplina: a new public management. As idéias apresentadas neste momento

foram alvo de grande resistência e a imprensa foi utilizada como instrumento

de debate para tais pensamentos e em pouco tempo o tema já fazia parte da

pauta de reflexão nacional. Não demorou para que viesse o apoio da opinião

pública, das elites formadoras de opinião, dos administradores públicos, e a

reforma gerencial do Estado passou a ser vista como uma necessidade

premente.

O novo modelo de Estado conta com três setores principais: o das

atividades exclusivas do Estado, que não podem ser repassadas a outros e,

dentro das quais estão o núcleo estratégico, que deve ser reforçado com

servidores públicos competentes, adequadamente capacitados e bem pagos,

além das agências executivas e das agências reguladoras; o setor dos serviços

sociais e científicos, que não são de execução exclusiva pelo Estado, mas que

por sua importância social, podem e devem receber financiamento por parte do

mesmo; e o setor de bens e serviços orientados para o mercado.

Uma questão de suma importância dentro do modelo da Reforma

Gerencial é a da propriedade. No caso do núcleo estratégico e das atividades

exclusivas do Estado, a propriedade deve ser estatal. Já no caso dos bens e

serviços, a propriedade deve ser privada, em especial quando as empresas

comerciais são controladas pelo mercado. O setor dos serviços sociais e

científicos apresenta situação mais complexa. Este setor envolve questões de

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direitos humanos fundamentais e por esse motivo são atividades que o

mercado não pode garantir adequadamente através do preço e do lucro e,

portanto, não devem ser privadas. Por outro lado, por não implicarem em

exercício do poder de Estado, não há justificativa para que sejam de

propriedade pública. Nestes casos, a propriedade deve ser pública não-estatal.

A propriedade deve ser pública no sentido de que a atividade deve ser de

interesse público e voltada para a população. Deve ser não-estatal no sentido

de que não faz parte do aparelho do Estado. Apesar disso, pode receber

financiamento, até mesmo integral, do poder público.

Do projeto da reforma gerencial três novas instituições surgem, a saber,

as agências reguladoras, as agências executivas e as organizações sociais. As

agências reguladoras são entidades que possuem autonomia para a

regulamentação dos setores empresariais que operam em mercados que não

são suficientemente competitivos. As agências executivas visam

primordialmente à execução das leis. Nos dois casos há espaço deixado pela

lei para a regulação por parte das agências, pois não seria desejável que a

regulamentação fosse exercida totalmente por via legal. Já as organizações

sociais estão no campo dos serviços sociais e científicos e originaram-se das

fundações estatais.

O instrumento utilizado pelo núcleo estratégico para o controle das

atividades destas novas instituições é o contrato de gestão. No caso das

agências reguladoras e agências executivas, o diretor-executivo é nomeado

pelo ministro, que com ele assina o contrato de gestão. Já nas organizações

sociais, o diretor-executivo é escolhido pelo conselho de administração e o

ministro assina os contratos de gestão e controla os resultados. Os contratos

de gestão apresentam a previsão de recursos financeiros, de pessoal e de

material e definem os objetivos e metas a serem atingidos e os indicadores de

desempenho com que as avaliações serão realizadas.

Em 1999, o MARE, que não dispunha isoladamente de força para a

implementação da reforma gerencial, fundiu-se com o Ministério do

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Planejamento, recebendo o novo ministério o nome de Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão. Porém, este ministério não dispensou a

devida atenção a essa implementação, restando ainda vários pontos a serem

melhor examinados. É fácil observar que ainda serão necessários muito tempo

e trabalho, passando por idas e vindas, progressos e retrocessos, para a

completa implantação e conseqüente consolidação da reforma gerencial. Mas

apesar disso, pode-se dizer que uma grande evolução já se deu e que hoje o

aparelho do Estado brasileiro tem estrutura e competitividade compatíveis com

as exigências do mundo globalizado.

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CAPÍTULO II

A INSERÇÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO

MODELO GERENCIAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

NO BRASIL

O advento da Reforma Gerencial da administração pública brasileira

deu-se devido a uma necessidade tornada premente naquele momento, a

saber, a de uma melhor e mais responsável utilização dos recursos públicos

com o objetivo de proporcionar um atendimento mais adequado ao cidadão,

visando atender suas demandas. Uma das idéias prioritárias dessa reforma era

a progressiva passagem de um Estado executor para um Estado regulador,

vindo a promover a readequação das funções estatais e suas formas de

propriedade e de gestão, com a transferência para a sociedade das atividades

que pudessem ser melhor executadas por esta. O Estado passaria a gerenciar,

a regular tais atividades ao invés de executá-las diretamente, o que levaria a

uma otimização de seu desempenho administrativo. Por outro lado, as

atividades exclusivas do Estado deveriam ser melhor discriminadas, efetuando-

se uma separação entre formulação de políticas, regulação, controle e

operação desses serviços. Haveria uma maior autonomia para as entidades da

administração pública indireta, através de uma progressiva descentralização

administrativa, possibilitando-se assim, o gerenciamento das mesmas de forma

mais eficiente, com metodologia e estratégias semelhantes às utilizadas na

iniciativa privada. Nesse contexto, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do

Estado tinha dentre suas prioridades a transformação de muitas das autarquias

e fundações existentes na estrutura administrativa brasileira em agências

autônomas. Estas agências seriam prolongamentos do Poder Público e

estariam submetidas a um contrato de gestão que estabeleceria metas a serem

cumpridas e indicadores de desempenho para avaliação das mesmas e, além

disso, seriam gerenciadas de acordo com critérios profissionais rigorosos. Em

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contrapartida, gozariam de autonomia decisória, patrimonial e para utilização e

gestão de seus recursos humanos, materiais e financeiros, sendo avaliadas e

fiscalizadas através de mecanismos de controle social. Sua natureza jurídica

seria de autarquia de regime especial, fazendo parte da Administração Pública

indireta e sendo vinculadas ao Ministério competente às atividades por elas

exercidas. Estão sujeitas ao controle administrativo desses Ministérios,

contudo, no exercício de suas funções, não sofrem interferência de outros

entes administrativos. Em relação à sua atividade regulatória não existe

submissão hierárquica a órgãos do Poder Executivo. Tais órgãos não podem

interferir na produção dos atos regulatórios e nem revisá-los. As agências

reguladoras constituem-se, assim, em entidades administrativas de Direito

Público, dotadas de personalidade jurídica própria. Foram criadas como

entidades de Direito Público para que pudessem exercer poderes como

autoridade pública, o que é condição prioritária para que a função regulatória

possa ser adequadamente exercida.

A criação de agências reguladoras foi uma das maiores inovações

introduzidas pelo modelo gerencial brasileiro de administração pública e de

fundamental importância para a implantação da Reforma de 1995, já que,

dentre outras, as agências reguladoras seriam instituições que viabilizariam a

reforma, criando condições para que suas estratégias pudessem ser postas em

prática. Estas instituições mostram-se contrárias a toda uma tradição de

administração pública patrimonial e, posteriormente, burocrática,

profundamente enraizada no aparelho do Estado brasileiro. Contudo, já havia

nos anos trinta, durante o governo de Getúlio Vargas, a semente dessa idéia,

quando da criação das autarquias. Estas constituíam-se em entidades

descentralizadas dotadas de autonomia para gerenciar e foram criadas visando

superar os prejuízos causados pela crise que se estabeleceu em 1929 com a

quebra da Bolsa de Nova York. Em 1996, inaugura-se a nova safra de

agências reguladoras brasileiras propriamente ditas com a criação da ANEEL

(Agência Nacional de Energia Elétrica). Após a criação desta seguiram-se

várias outras, estabelecendo-se assim, a regulação como uma prática própria

do novo modelo de administração pública vigente no Estado brasileiro.

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Sua principal diferença em relação às demais autarquias diz respeito à

amplitude de sua autonomia, garantida em grande parte pela estabilidade de

seus dirigentes que, escolhidos pelo Presidente da República, são sabatinados

e posteriormente aprovados pelo Senado. A partir de então, são nomeados e

exercem mandato fixo, não havendo possibilidade discricionária de

exoneração. Contam também com algumas garantias, como a impossibilidade

de remoção, para a qual há exceções muito restritas. Outra garantia que

possuem diz respeito à proibição de que lhes dirijam ordens ou instruções.

Com isso, afastam-se as agências reguladoras de relações inadequadas com o

núcleo político governamental. Todavia, essa larga autonomia de que gozam

as agências reguladoras não implica em concessão de privilégios ou

prerrogativas às mesmas. Por exemplo, apesar de gozarem de autonomia

orçamentário-financeira, sendo-lhes possível adquirir e alienar seus bens, não

podem realizar despesas que não constem da lei orçamentária estatal. Além

disso, conforme mencionado anteriormente, as agências reguladoras estão

submetidas a contratos de gestão que estabelecem metas e indicadores de

desempenho, os quais norteiam as ações das mesmas. Como é possível já

observar, o funcionamento dessas agências, seus objetivos principais e seus

mecanismos de controle são bastante peculiares e diferentes do que podia ser

observado anteriormente na Administração Pública brasileira e merecem

especial estudo a fim de que possam ser adequadamente compreendidos.

2.1 – Funções das Agências Reguladoras

A regulação é uma função de extrema importância dentro da estrutura

governamental. Esta função é composta por várias atividades. Dentre estas

podemos destacar a atividade regulamentar, que tem por objetivo o

estabelecimento de normas destinadas a organizar a convivência social de

acordo com os objetivos estatais. As normas que podem vir a ser compiladas

pelas agências reguladoras devem dizer respeito à regulamentação do

funcionamento da própria agência através do estabelecimento de

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normatizações internas. Outro tipo de norma que é da competência destas

agências é a que se refere à interpretação, conceituação ou explicitação de

conceitos jurídicos presentes em leis que lhes digam respeito. Neste caso, não

há inovação na ordem jurídica, mas sim uma explicitação de conceitos por

órgãos técnicos especializados na matéria.

À função regulatória somam-se também as atividades de adjudicação,

coordenação, fiscalização, organização, mediação e arbitragem, além de

funções punitivas e até mesmo de assessoramento ao poder governamental

central. Está entre as possibilidades da atividade regulatória a de reprimir

alguns comportamentos ou ocorrências para desestimular atividades

indesejáveis ou, ao contrário, estimular condutas para que se produzam ações

desejadas. Cada agência reguladora tem autonomia e capacidade normativa

suficientes para cumprir os objetivos que lhes foram estabelecidos quando de

sua criação.

No contexto da atividade regulatória, as agências têm a função de

mediar os interesses de, pelo menos, três grupos principais envolvidos

diretamente com os serviços ou atividades por elas regulados. Dentre estes

grupos, temos o de concessionários ou operadores, o de consumidores e

usuários e o composto pelo próprio Estado. As agências reguladoras devem

atuar de forma mediadora visando evitar ou, ao menos, amenizar conflitos,

salvaguardando os direitos de cada grupo e exigindo o cumprimento de suas

obrigações. Esta mediação pode ser preventiva ou efetiva. No primeiro caso,

dar-se-ia através da elaboração de normas que evitariam a ocorrência de

conflitos por meio da garantia de satisfação dos interesses de cada grupo. O

segundo caso seria aquele em que a agência reguladora atuaria sobre um

conflito já existente, tentando solucioná-lo. Na hipótese da não solução do

conflito, a autoridade reguladora tem a possibilidade de intervir arbitrando entre

os vários interesses em jogo. Dessa forma, é possível maior flexibilidade e

celeridade na resolução de possíveis conflitos. Contudo, não há possibilidade

de exclusão do Poder Judiciário de sua função jurisdicional, uma vez que este

venha a ser provocado.

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Situação particular ocorre quando a agência reguladora atua sobre um

serviço ou atividade inseridos em um mercado em que há a concorrência entre

empresas privadas e estatais. Neste caso, a capacidade de mediação e de

arbitragem das agências reguladoras fica extremamente comprometida,

tornando esta atividade muito mais complexa. É neste tipo de situação que a

necessidade de independência destas entidades torna-se muito mais

premente. Isto porque um Estado que atuasse simultaneamente como parte e

juiz perderia totalmente sua credibilidade, o que prejudicaria sobremaneira a

atividade reguladora.

Outra função bastante importante das agências reguladoras é a de

fiscalização. Elas têm a obrigação de supervisionar a aplicação e o

cumprimento das normas por elas estabelecidas. É uma função em que as

agências encontram bastante dificuldade, visto que a criação de mecanismos

fiscalizadores adequados é algo muito complexo. Isto porque para uma

fiscalização eficiente dever-se-ia conseguir a presença de organismos

fiscalizadores em cada ponto do território nacional em que houvesse a

obrigação do cumprimento das normas. Além disso, as agências reguladoras

também possuem a faculdade de punir o não cumprimento de suas normas.

Para isso, contam com a autoridade judicial para que as punições sejam

executadas.

2.2 – O Controle sobre as Agências Reguladoras

Nos últimos tempos tem-se presenciado um grande debate acerca do

exercício do controle sobre as agências reguladoras. Há um consenso sobre a

necessidade de preservação da autonomia destas agências no que diz respeito

à sua atividade de implementar, regular e controlar as políticas públicas

elaboradas pelo Poder Executivo. Porém, um problema muitas vezes

enfrentado pelas agências é o de políticas públicas pouco claras ou definidas,

ou mesmo da falta de enunciação de tais políticas por parte da Presidência da

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República ou dos Ministérios. Esta situação leva as agências reguladoras a

ultrapassarem sua competência implementadora, na medida em que, muitas

vezes, se vêem forçadas a determinar ações frente à necessidade de

resolução de problemas urgentes. Tal situação já foi, inclusive, reconhecida

pelo Tribunal de Contas da União com relação a algumas agências

reguladoras.

Devido à necessidade de independência das agências reguladoras para

que possam atuar satisfatoriamente, é estabelecido que o exercício de suas

competências reguladoras só poderá ser revisto pelo Poder Judiciário.

Contudo, não há oposição no que diz respeito à sua fiscalização e controle no

âmbito administrativo e financeiro por órgãos de outros poderes do Estado.

As agências reguladoras brasileiras estão vinculadas aos respectivos

Ministérios competentes pela elaboração das políticas públicas relativas a cada

atividade. Submetem-se ao controle do Poder Legislativo e do Tribunal de

Contas, órgão tecnicamente vinculado ao Congresso Nacional. Por meio da

Secretaria de Fiscalização da Desestatização, o Tribunal exerce o controle

externo sobre as agências reguladoras. Para isso, o Tribunal de Contas tem

incorporado explicitamente as normas que têm sido sugeridas pela

Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (INTOSAI).

Já o controle interno é exercido pela Secretaria Federal de Controle Interno,

que é um órgão do Poder Executivo que tem a função de controlar os aspectos

relativos à gestão de orçamento, patrimônio, compras e outros.

No caso das agências reguladoras brasileiras, foi estabelecido que o

vínculo entre as mesmas e o Poder Executivo seria estabelecido através dos

contratos de gestão, que são aceitos pelo Tribunal de Contas da União, apesar

deste formular algumas observações a respeito. Este tipo de contrato permite

uma relação de maior liberdade entre as partes e uma maior autonomia

gerencial por parte da agência. O controle nessa situação é exercido sobre os

resultados da agências e não sobre seus processos.

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De vital importância também é o controle social a que devem submeter-

se as agências reguladoras. É necessária a participação popular no controle de

tais agências e esta pode ser levada a efeito através de alguns mecanismos.

Dentre estes, podemos destacar os direitos de informação e petição.

Garantidos pela Constituição Federal, esses instrumentos de participação do

cidadão apresentam dupla função: proteger o mesmo e orientar as agências

em sua atividade regulatória no sentido de buscar soluções mais justas para

possíveis conflitos.

Outro mecanismo de controle popular bastante interessante é o

possibilitado pelas audiências e consultas públicas. A normatização que define

as atribuições e competências das agências reguladoras torna compulsória a

promoção por parte das mesmas de audiências e consultas públicas. Nestas

são discutidas questões bastante importantes tanto para prestadores de

serviços quanto para usuários, tais como, prestação de contas, aumento de

tarifas e outras.

Complementar às audiências públicas, está também presente em

algumas agências reguladoras a figura do Ouvidor Geral, o Ombudsman. Este

funcionaria como um canal entre usuários dos serviços públicos e as agências,

no sentido de explicitar a estas as críticas, as reclamações e outras questões

que envolvam direitos e deveres, respectivamente de usuários e prestadora. O

Ouvidor deve ser um servidor sem vinculação hierárquica com o Conselho

Diretor da agência e que só perderá seu mandato em caso de condenação

judicial transitada em julgado, renúncia ou processo administrativo disciplinar.

Além dos instrumentos citados, restam também à população os

instrumentos do âmbito jurídico. São alguns dos chamados “remédios

constitucionais”, a saber, ação popular, habeas data e mandado de segurança

e ao lado destes, o devido processo legal. Percebendo que seu problema não

encontrou solução através dos outros meios de controle, o cidadão pode

recorrer ao Poder Judiciário.

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Apesar da existência dos vários instrumentos de controle, verificam-se

ainda algumas deficiências. Da mesma forma, ainda encontramos muitos

outros problemas nestas agências, o que prejudica a consecução dos objetivos

para elas estabelecidos.

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CAPÍTULO III

AVALIAÇÃO DA ATUAÇÃO DAS AGÊNCIAS

REGULADORAS BRASILEIRAS

Desde a criação da primeira agência reguladora em 1997, mais de dez

anos se passaram e após esse tempo de experiência com a atividade

regulatória, o Governo Brasileiro vem tentando introduzir algumas

reformulações na estrutura institucional destas agências, a partir de uma

contínua avaliação que vem sendo realizada. O objetivo principal é a melhoria

da qualidade da gestão das mesmas, assegurando-lhes assim, condições mais

adequadas de funcionamento, mais compatíveis com o contexto da

governabilidade democrática.

Uma das medidas tomadas pelo Governo Federal foi o envio em abril de

2004 ao Congresso Nacional de um Projeto de Lei, a saber, o de número

3.337, que propõe uma revisão da legislação em vigor sobre o assunto, além

da criação de uma “Lei Geral das Agências Reguladoras”, visto que as mesmas

ainda não possuem um marco legal comum. O que tem ocorrido até então tem

sido a promulgação de leis específicas visando a criação das várias agências.

Essas leis promovem uma organização de cada uma das agências

reguladoras, definindo suas atribuições. O Projeto de Lei ainda tramita no

Congresso e não obteve até então aprovação. Enquanto isso, o Governo

continua agindo com vistas a garantir uma atuação mais eficiente e eficaz para

estas agências, que viriam a contar com instrumentos de gestão e controle

social qualitativamente superiores, como, por exemplo, mecanismos de

supervisão ministerial de tais agências e adequação de sua atuação às

políticas e diretrizes do Governo. Tudo isso em nada prejudicaria sua

autonomia técnica e decisória.

Todo esse contexto de aperfeiçoamento da estrutura, funcionamento e

atuação das agências reguladoras se dá a partir de exaustiva análise realizada

pelo Governo. Tal análise mostra os problemas, dificuldades e obstáculos

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encontrados pelas agências no cumprimento dos objetivos e atribuições que

lhes foram conferidos quando da Reforma Gerencial do Aparelho do Estado. E

é também uma análise crítica da experiência brasileira com as agências

reguladoras o que se busca neste capítulo, tentando-se assim, avaliar a

adequação das mesmas à proposta gerencial de administração pública.

A criação das agências reguladoras brasileiras deu-se em um contexto

de forte privatização, podendo ser inclusive considerada uma conseqüência

direta dessa política, constituindo-se assim, estas agências em instituições

fundamentais na administração pública brasileira, dada a velocidade e a

intensidade do processo de privatização pelo qual o país passou. Deste modo,

com a retirada do Estado de mercados que, muitas vezes, eram totalmente por

ele controlados, surge a necessidade de regular esses segmentos da economia

que haviam passado por um intenso processo de privatização, atribuição essa

que foi dada às agências reguladoras. A importância da regulação nasce não

apenas da necessidade de garantir aos investidores, de modo especial aos

investidores externos, a existência de um órgão sólido, técnico e autônomo,

capaz de assegurar a manutenção do equilíbrio econômico dos contratos.

Nasce principalmente devido a dois motivos essenciais, a saber, a existência

de falhas de mercado e o abuso de poder econômico que precisa de um

controle.

Outra observação importante que pode ser feita no que diz respeito ao

processo de criação das agências reguladoras brasileiras relaciona-se à sua

íntima ligação ao processo de contratualização na administração pública. Este

pode ser caracterizado como o esforço para a introdução da figura jurídica do

contrato de gestão neste cenário. Observa-se que boa parte das leis que

versam sobre a criação de agências reguladoras prevê a obrigatoriedade de

celebração de um contrato de gestão. Pode-se dizer que isto seria, em certa

medida, uma contradição à autonomia de que gozam estas agências enquanto

autarquias de regime especial. Um exemplo disso é a punição aos dirigentes

de agências, que algumas das leis de criação determinam, no caso de não

cumprimento de cláusulas do contrato de gestão. Tais punições prevêem,

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inclusive, exoneração dos mesmos e poderiam vir a ser utilizadas como

subterfúgio para o afastamento de um dirigente que não fosse do agrado do

ministro supervisor do contrato. Estes instrumentos fortalecem a posição

desses ministros e, consequentemente, comprometem a autonomia das

agências reguladoras.

Sendo assim, uma questão de enorme importância se coloca para

reflexão, a saber, o efetivo grau de autonomia das agências reguladoras.

Estas, para garantir seu bom funcionamento, que é essencial para o equilíbrio

da sociedade brasileira, devem atuar de forma autônoma tanto em relação ao

governo quanto em relação aos setores regulados.

No que diz respeito ao governo, é imprescindível que este não atue de

forma política nos setores abarcados pelas agências reguladoras, setores

esses que são essencialmente técnicos e profissionais. O governo não deve

ceder à tentação de fazer política industrial ou controle inflacionário através dos

setores abrangidos pela atividade regulatória. Esta atuação governamental

deve ser evitada, visto que seria extremamente prejudicial ao modelo proposto

para a regulação na Administração Pública brasileira.

É de conhecimento de todos que a estrutura política brasileira, marcada

pelo multipartidarismo e pelo federalismo descentralizado favorece em muito a

utilização de critérios políticos e eleitorais na escolha dos ocupantes dos altos

cargos na máquina pública. É preciso tomar muito cuidado para que os cargos

de direção das agências reguladoras não sigam o mesmo destino que a

maioria dos cargos públicos de alto escalão, no que diz respeito às nomeações

de caráter político. Nas agências reguladoras, devido à exigência de

qualificação técnica para seus dirigentes e de autonomia política para as

decisões e atuação destes, as nomeações políticas fazem um enorme estrago,

pois perde-se assim o caráter técnico das medidas tomadas pelas agências e

este dá lugar a interesses políticos e, muitas vezes, financeiros. É

imprescindível para o bom funcionamento do modelo regulatório que seus

dirigentes sejam nomeados a partir de critérios técnicos e profissionais, não

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havendo por parte dos mesmos qualquer comprometimento com outros

interesses que não a excelência no funcionamento do setor regulatório ao qual

esteja vinculado. O clientelismo que algumas vezes é observado nas

nomeações nas agências reguladoras, se tornado uma prática constante, pode

invalidar todo um amplo processo de desenvolvimento administrativo, tornando

impossível o funcionamento dessas instituições que constituem-se em uma rica

experiência no âmbito da Administração Pública brasileira.

Por outro lado, também é de suma importância a autonomia das

agências reguladoras em relação aos setores regulados. Deve-se evitar a todo

custo a captura do Estado por interesses corporativos, prática bastante comum

no Brasil. A relação entre o órgão regulador e as empresas reguladas deve ser

a mais profissional e transparente possível, visando unicamente o interesse

público e impedindo-se que sejam beneficiados interesses particulares dos

agentes econômicos regulados.

O que pode-se observar é que, apesar de representarem um avanço

considerável no âmbito da administração pública brasileira, o modelo das

agências reguladoras ainda necessita de grande aperfeiçoamento no âmbito

institucional e legal. Têm sido verificados abusos de alguns setores no que diz

respeito ao aumento de suas tarifas e à prestação de seus serviços. Sendo

assim, sérias e enérgicas medidas devem ser tomadas pelas agências

reguladoras no sentido de corrigir tais desvios, constituindo-se assim em um

instrumento autônomo, ágil e eficiente na estrutura administrativa estatal.

Outro problema cuja solução é de fundamental importância para o bom

funcionamento das agências reguladoras é a significativa redução que muitas

vezes tem ocorrido no orçamento das mesmas. Estes cortes orçamentários têm

dificultado, quando não inviabilizado totalmente, a capacidade administrativa e

operacional destas instituições, principalmente daquelas que, por não disporem

de receitas próprias, dependem integralmente dos recursos orçamentários do

Tesouro Nacional.

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De outra natureza, mas igualmente prejudicial ao funcionamento do

modelo regulatório no país é a questão de mão-de-obra para as agências.

Desde sua implantação houve uma grande dificuldade nesse aspecto, visto que

os servidores destas instituições, em sua maioria, foram cedidos pelos

ministérios supervisores, terceirizados ou contratados em caráter temporário,

todos sem uma maior especialização para atuação em seus respectivos

setores. É imprescindível que os servidores das agências reguladoras sejam

altamente qualificados, capacitados, treinados e bem remunerados. Os

assuntos tratados pelas agências são de elevado nível técnico e de

complexidade, exigindo profissionais que detenham excelência na área em que

atuem. Esta necessidade se torna ainda mais fundamental quando se observa

que no outro lado, o das empresas reguladas, existem profissionais

extremamente gabaritados e bem remunerados defendendo os interesses

destas. Persistindo tal grau de desigualdade em relação às empresas, ficará

muito difícil o exercício eficiente da atividade regulatória.

Somente mais recentemente, no governo do presidente Lula, têm sido

feitos alguns esforços no sentido de minimizar esta deficiência, procurando

corrigir uma antiga defasagem em relação ao setor regulado, com a realização

de concursos públicos para a admissão de técnicos em regulação. Porém, o

problema dos baixos salários ainda persiste. Também no mesmo sentido, o

setor regulatório, no segundo semestre de 2006 recebeu novos especialistas

em gestão governamental e políticas públicas, demonstrando a preocupação

do governo em consertar o equívoco estratégico que tanto tem prejudicado a

atuação das agências reguladoras e penalizado o povo brasileiro.

Também é digno de observação outro problema apresentado na criação

das agências reguladoras. Muitas destas foram criadas após o início do

processo de privatização dos setores a que se vinculavam. Isso deixou a

sociedade extremamente desprotegida, sofrendo as consquencias da

impossibilidade de operação destas agências, que já eram, nesse momento

encarregadas do exercício da regulação e do controle do mercado. Contudo, é

possível que o país não tivesse mesmo condições de coordenar

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simultaneamente os dois processos, o de privatização e o de definição das

regras de funcionamento dos setores específicos, e muito menos de começar

por este último, que é o mais difícil.

Este problema ainda persiste em algumas agências reguladoras, não

com a intensidade observada no início do processo, mas ainda merecendo um

olhar minucioso do governo, visando dar o encaminhamento adequado para

que o modelo regulatório ganhe força e eficiência no quadro da administração

pública brasileira.

Outra questão que merece destaque no que diz respeito à realidade das

agências reguladoras brasileiras é a dificuldade de demarcação precisa dos

papéis das agências e dos ministérios supervisores. Estes deveriam ter

reservadas para si a função de elaboração das políticas públicas para cada

setor. O que ocorre é que muitas vezes os ministérios se ressentem da perda

de poder que é inevitável com o advento das agências. Tal situação leva a uma

intensificação da dificuldade no relacionamento entre ministérios e agências.

Este desentendimento pode levar a três tipos de distorções. Uma delas seria a

não elaboração dos termos de entendimento entre ministério e agência,

seguindo ambos operando independentemente. Outra possibilidade de

distorção seria a definição pela agência dos termos pelos quais considera que

deve ser supervisionada. E por último há também a possibilidade do ministério,

por motivos políticos ou técnicos, não conseguir impor sua autoridade e passar

a operar contra a agência.

Este é problema que merece especial e urgente atenção do governo,que

já iniciou o enfrentamento da situação, mas ainda há um longo caminho a ser

percorrido que deve ser realizado pelos próximos governos, a fim de garantir

que haja sincronia e cooperação na atuação de agências e ministérios.

Um dos grandes desafios do modelo regulador é a consecução do

equilíbrio dos interesses dos atores envolvidos. É necessária a criação de um

ambiente regulatório estável e satisfatoriamente institucionalizado, capaz de

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garantir um bom marco legal para o investidor estrangeiro, que o faça ter

confiança suficiente para investir no setor.

Outro problema que desafia o setor regulatório é conseguir oferecer

garantia de equilíbrio econômico-financeiro nos contratos das concessionárias.

Por um lado, se os contratos forem mal remunerados, há o risco de

sucateamento dos serviços, que tem sua causa na pequena capacidade de

investimento das concessionárias. Por outro lado, se a agência se mostra

incapaz de apurar o preço justo de um determinado serviço, a concessionária

pode se aproveitar da situação de monopólio e impor preços absurdamente

altos aos consumidores.

Variações de preços de serviços prestados por setores regulados muito

maiores que os índices de correção vigente, como já ocorreu com o setor de

telefonia fixa e de energia elétrica, podem revelar uma tendência das agências

reguladoras em defender prioritariamente os interesses dos setores regulados

em detrimento aos consumidores e suas necessidades.

No modelo regulatório, o fortalecimento do controle social é princípio

fundamental. Sendo assim, é necessário fortalecer o papel dos usuários destas

instituições, o que demanda dos legisladores uma maior atenção em relação a

tal situação. Os usuários podem ser vítimas de descaso em relação a suas

necessidades, o que pode ser demonstrado pela desativação temporária do

serviço de reclamações gratuitas (0800) da Anatel em agosto de 2005.

A partir do que foi exposto neste capítulo, é possível concluir que apesar

de seus muitos problemas e limitações, as agências reguladoras têm muito a

contribuir para o desenvolvimento do novo modelo de administração pública,

desde que alguns aperfeiçoamentos e algumas correções sejam postos em

prática pelo governo. Este movimento já foi iniciado pelo atual governo, mas há

ainda um longo caminho a ser trilhado que a população espera que não seja

esquecido.

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CONCLUSÃO

A reforma gerencial da administração pública brasileira levou o país a

aproximar seus serviços públicos daquilo que é demandado pelo atual mundo

globalizado. Contudo, este é apenas o pontapé inicial para toda a reformulação

necessária no contexto administrativo do Estado brasileiro. Muita coisa ainda

necessita de modificação, aperfeiçoamento e complementação. Para que seja

atingida uma maior eficiência, perseguida pela reforma desde a sua

formulação, é muito importante que a democracia prevaleça no Brasil. Somente

com o controle social ou participativo da sociedade, com o controle da

imprensa, da opinião pública, da oposição política, será possível ao Estado

alcançar a tão almejada eficiência. Inseridas neste cenário complexo estão as

agências reguladoras, que emergiram da reforma gerencial como uma de suas

principais instituições, constituindo-se em peças fundamentais dentro da

estratégia gerencial adotada pela administração pública a partir da reforma de

1995.

Tal qual o conjunto da reforma gerencial, também as agências

reguladoras ainda não apresentam todas as qualidades desejáveis para atingir

a eficiência buscada pelo novo modelo de administração pública. Apesar da

sua importância dentro da administração pública gerencial, é bastante claro

que seu papel e forma de atuação precisam ser revistos, rediscutidos e, em

alguns pontos, reformulados. É em consonância com esta necessidade que

tramita no Congresso Nacional o projeto de lei que visa a criação da “Lei Geral

das Agências Reguladoras”. Embora o atual governo tenha decidido pela

manutenção destas agências com todas as suas características e funções,

algumas modificações foram consideradas imperativas e foram abordadas

nesse projeto de lei. Seu objetivo é propor o aperfeiçoamento de alguns dos

pontos frágeis no funcionamento das agências reguladoras, tentando trazer

maior eficiência para o seu desempenho e um melhor atendimento tanto dos

usuários quanto dos consumidores e agentes econômicos. Isso dar-se ia seja

na diminuição da assimetria de informação entre estes vários interessados,

com a criação de mais instrumentos para garantir a participação da população

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e o controle social, seja através de uma demarcação mais clara dos limites e

possibilidades da atuação das agências, devolvendo ao Poder Executivo a

exclusividade na formulação das políticas públicas, dentre outras alterações.

Não obstante todos os problemas apresentados no atual contexto em

que se encontram as agências reguladoras, estas continuam se mostrando

como instrumentos imprescindíveis para a implantação, manutenção e

desenvolvimento do modelo proposto pela reforma gerencial da administração

pública. Tal ponto de vista é compartilhado inclusive pelo governo vigente que,

na exposição de motivos do projeto de lei geral das agências, afirma que as

mesmas são indispensáveis para que a grande maioria dos setores incumbidos

da prestação de serviços públicos funcione adequadamente. São elas

consideradas pelo governo atores de suma importância para que os

consumidores tenham a seu dispor serviços públicos de melhor qualidade,

maior diversidade, quantidade e com tarifas adequadas.

É possível verificar que o modelo proposto pelas agências regulatórias

permanece e talvez possa ser considerado irreversível no âmbito da

administração pública brasileira, tendo em vista o potencial de aperfeiçoamento

da atuação do Estado que revela e a solução que apresenta diante das novas

atribuições do mesmo. Desde que algumas retificações sejam feitas, as

agências reguladoras têm um futuro bastante promissor dentro do novo modelo

de administração pública. O desenvolvimento da administração pública no

Brasil depende em muito do adequado funcionamento das agências

reguladoras.

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BIBLIOGRAFIA

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Revista de Administração Pública (nº e local inexistente), 2000.

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PINHEIRO, WILHEIM e SACHS (orgs.) Brasil: Um Século de Transformações.

São Paulo. Ed. Cia das Letras, 2001.

------------------------------------------ - SPINK, P. Reforma do Estado e

Administração Pública Gerencial. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas,

1998.

GAETANI, F. Políticas de Gestão Pública e Políticas Regulatórias: Contrastes

e Interfaces. In IX Congresso Internacional Del CLAD sobre La Reforma Del

Estado y de La Administración Pública, Madrid, 2004.

LEHFELD, L. S. Controles das Agências Reguladoras. São Paulo: Ed. Atlas,

2008.

MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO E REFORMA DO ESTADO. Plano Diretor

da Reforma do Estado. Brasília, 1995.

SANTOS, L. A. Eficiência e Eficácia dos Sistemas de Regulação: o Caso

Brasileiro. In X Congresso Internacional Del CLAD sobre La Reforma Del

Estado y de La Administración Pública. Santiago, 2005.

SARAVIA, E. J. A Inserção das Agências Reguladoras nos Sistemas de

Decisão e Controle. In X Congresso Internacional Del CLAD sobre La Reforma

Del Estado y de La Administración Pública. Santiago, 2005.

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TORRES, M. D. DE F. Agências, Contratos e Oscips. Rio de Janeiro: Ed.

Fundação Getúlio Vargas, 2007.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTOS 03

RESUMO 04

METODOLOGIA 05

SUMÁRIO 06

INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I

DO ESTADO PATRIMONIAL AO ESTADO GERENCIAL 09

1.1 – O Estado Patrimonial e Oligárquico 10

1.2 – O Estado Burocrático e Autoritário 11

1.3 – A Reforma Administrativa Desenvolvimentista de 1967 14

1.4 – O Período de Retorno à Burocracia 16

1.5 – A Reforma Gerencial do Estado de 1995 18

CAPÍTULO II

A INSERÇÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO MODELO

GERENCIAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL 22

2.1 – Funções das Agências Reguladoras 24

2.2 – O Controle sobre as Agências Reguladoras 26

CAPÍTULO II

AVALIAÇÃO DA ATUAÇÃO DAS AGÊNCIAS

REGULADORAS BRASILEIRAS 30

CONCLUSÃO 37

BIBLIOGRAFIA 39

ÍNDICE 41

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes

Título da Monografia: Do Estado Executor ao Estado Regulador

Autor: Marta Cristina de Jesus Silva

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Avaliado por: Conceito: