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1 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ- REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” A CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE PARA A ATUAÇÃO DO PSICOPEDAGOGO REALIZADA POR: MARIA INÊS LEMOS ORIENTADOR: PROF. ANTONIO FERNANDO VIEIRA NEY RIO DE JANEIRO – RJ AGOSTO 2001

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PRÓ- REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

A CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE PARA A ATUAÇÃO DO

PSICOPEDAGOGO

REALIZADA POR: MARIA INÊS LEMOS ORIENTADOR: PROF. ANTONIO FERNANDO VIEIRA NEY

RIO DE JANEIRO – RJ AGOSTO 2001

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PRÓ- REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

A CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE PARA A ATUAÇÃO DO

PSICOPEDAGOGO

TRABALHO MONOGRÁFICO APRESENTADO

COMO REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO

DO GRAU DE ESPECIALISTA EM TERAPIA DE

FAMÍLIA.

MARIA INÊS LEMOS ORIENTADOR: PROF. ANTONIO FERNANDO VIEIRA NEY

RIO DE JANEIRO – RJ AGOSTO 2001

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Agradecimentos especiais:

ņ Ao Corpo Docente do Curso de Terapia de Família pela valiosa

colaboração.

Ana Paula Lettieri Fulco

Antônio Carlos de Carvalho Maia

Maria Cristina Urrutigaray

Maria Esther de Araújo Oliveira

Antonio Fernando Vieira Ney

Roberto Gomes Lima

ņ Aos profissionais que compartilharam com entusiasmo as

dificuldades e os sucessos, realizando constante troca de

experiências:

Liliani Bencardini Hucke – Psicóloga

Marlene de Carvalho Bencardini – Fonaudióloga

- Agradeço a todos que contribuiram para a execução desta pesquisa.

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A CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE PARA A ATUAÇÃO DO

PSICOPEDAGOGO

SUMÁRIO

Páginas

INTRODUÇÃO 6

1. FREUD E A PSICANÁLISE 8

1.1. DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO 8

1.2. ESTRUTURA DA PERSONALIDADE 17

1.3. FASES DO DESENVOLVIMENTO 22

2. A PSICANÁLISE E A EDUCAÇÃO 27

2.1. A RELAÇÃO ENTRE A PSICANÁLISE

E A EDUCAÇÃO 27

2.2. DIFICULDADES DO ATO DE EDUCAR 28

2.3. O ADULTO COMO MEDIADOR DO

CONHECIMENTO 31

2.4. A RELAÇÃO INTERPESSOAL 34

45

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA PSICOPEDAGÓGICA

3.1. SARA PAIN 45

3.2. ALÍCIA FERNÁNDEZ 64

3.3. ATUAÇÃO DO PSICOPEDAGOGO 83

CONCLUSÃO 93

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 95

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RREESSUUMMOO

Esta pesquisa tem por objetivo refletir sobre a influência dos

processo inconscientes no ato de aprender.

Mostra como o desejo e conhecimento se articulam no

processo de aprendizagem.

Busca definir parâmetros norteadores de intervenção

psicopedagógica que possibilitem integrar o afetivo e o cognitivo as

situação de aprendizagem.

Reafirma a necessidade do psicopedagogo orientar sua

prática por princípios psicanalíticos, para desta forma dar conta do

que acontece entre a inteligência e os desejos inconscientes.

Enfatiza o papel do psicopedagogo na relação que se

estabelece entre o sujeito, o objeto de conhecimento e ele mesmo

transferencialmente no papel de ensinante-aprendente.

Como pesquisa teórica psicopedagógica, reflete sobre os

conceitos de aprendizagem apresentados por Sara Pain e alícia

Fernandez, pelo fato de embasarem sua prática na Epistemologia

Genética e na psicanálise, fornecendo base para a atuação do

psicopedagogo.

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IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO

A Psicopedagogia é exercida por profissionais da área de

fonoaudiologia, pedagogia e psicologia que completam sua formação

em cursos de especialização onde o objeto central de estudo é a

aprendizagem humana: seus padrões evolutivos normais e

patológicos. A psicopedagogia, como outras áreas da saúde, implica

um trabalho a nível preventivo e curativo.

Na função preventiva, cabe ao psicopedagogo atuar nas

escolas, esclarecendo sobre o processo evolutivo das áreas ligadas à

aprendizagem escolar. Em nível curativo, é dirigido às crianças e

adolescentes com distúrbios de aprendizagem.

O psicopedagogo que deseja orientar sua prática por

princípios Psicanalíticos, deverá, na sua formação, ter contato com o

corpo conceitual da psicanálise, com o desconhecido do inconsciente

e aprofundar o conhecimento sobre as inibições de ordem emocional,

que entravam o processo de aprendizagem.

Ele será orientado em sua prática por conceitos como os do

inconsciente, transferência, sexualidade e repressão. Esses conceitos

lhe oferecerão uma idéia organizada sobre o funcionamento mental e

a constituição do homem.

A Psicanálise é um saber científico que, como tal,

desenvolveu-se em várias áreas do conhecimento. Teve sua origem

em terreno médico, como um procedimento terapêutico para o

tratamento de certas doenças nervosas ´funcionais` e consideradas,

como conseqüências de distúrbio na vida emocional.” Assim sendo,

numa primeira fase de suas pesquisas, Freud, seu fundador, teve

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como elemento de investigação as doenças emocionais e, por isso,

sentiu urgência de desenvolver procedimentos clínicos e técnicas

psicoterápicas que dessem conta dos problemas que enfrentava e

que o ajudasse a alcançar a cura dos pacientes.

Como pesquisador, Freud levantou várias evidências

empíricas de grande importância, tais como a existência do

inconsciente, os processos de transferência e resistência e as defesas

psicológicas que fizeram, progressivamente, a Psicanálise

transcender ao campo estrito da área médico-clínica. Seus estudos se

aprofundaram de tal maneira que permitiram a Freud criar, entre

outros constructos teóricos, uma teoria de desenvolvimento humano

centrada principalmente na evolução da identidade do ser humano, na

construção do espaço psíquico e na formação dos processos de

pensamento.

Freud criou uma psicologia própria chamada de “Psicologia

da profundidade” ou “Psicologia do inconsciente” . Suas investigações

e reflexões levaram a Psicanálise a poder ser aplicada a outros

campos que não somente o clínico, tais como o social e o pedagógico.

Vários pontos da Teoria Psicanalítica contribuem à

Pedagogia; é importante um mergulho na complexidade do espaço

psíquico na tentativa de entender como funciona..

A Psicanálise enfatiza o fator estruturante da dimensão

social/afetiva no desenvolvimento do psiquismo. Os mediadores do

conhecimento independente do que ensinam, podem influenciar, pelo

processo da identificação, àqueles a quem ensinam. Reafirma

também a importância dos processos transferenciais na relação

professor-aluno.

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11-- FFRREEUUDD EE AA PPSSIICCAANNÁÁLLIISSEE

11..11–– OO DDeesseennvvoollvviimmeennttoo HHiissttóórriiccoo

A técnica psicanalítica conforme Greenson, R.R. foi

evoluindo gradualmente enquanto Freud lutava para encontrar uma

maneira de tratar eficazmente de seus pacientes neuróticos e assim

ajudando-os. Embora , mais tarde, ele negasse qualquer entusiasmo

pela terapia, foi sua meta terapêutica que levou a descoberta da

psicanálise.

Embora Freud, em 1882, tivesse ouvido Breuer falar do caso

de Anna O. e tivesse estudado hipnose com Charcot de outubro de

1885 a fevereiro de 1886, ele se limitou a utilizar os métodos

convencionais terapêuticos da época em que começara a exercer a

sua profissão. Ele empregou o estímulo elétrico, a hidroterapia,

massagens etc. Descontente com os resultados, ele começou a usar

a hipnose em dezembro de 1887, aparentemente tentando acabar

com os sintomas do paciente.

O caso de Emmy Von N., tratada em 1889, é significativo

porque , pela primeira vez, Freud empregou a hipnose visando à

catarse. Sua abordagem terapêutica consistia em hipnotizar a

paciente e ordenar-lhe que falasse sobre a origem de cada um de

seus sintomas. Ele, então, lhe perguntava o que a havia assustado, o

que a fizera vomitar ou o que a transtornara, quando ocorrera tal fato

etc. A paciente reagia trazendo à tona uma série de recordações,

geralmente acompanhadas de grande dose de afeto. No final de

determinadas sessões, Freud sugeria à paciente para esquecer as

lembranças perturbadoras que haviam surgido.

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Em 1892, Freud compreendeu que sua capacidade para

hipnotizar pacientes era limitada e teve que fazer uma opção; ou

abandonar o tratamento catártico ou tentá-lo sem atingir o estado

sonambulístico .

Para justificar esta abordagem, ele lembrou que Bernheim

havia demonstrado que era possível fazer os pacientes se recordarem

de fatos esquecidos através da sugestão com o paciente acordado.

Dessa maneira Freud prosseguiu com a hipótese de que seus

pacientes sabiam tudo o que tinha importância patogênica e que se

tratava apenas de uma questão de obrigá-los a comunicar tais fatos.

Ordenava a seus pacientes que se deitassem, fechassem os olhos e

se concentrassem. Em determinados momentos, ele pressionava a

testa dos pacientes com a mão e insistia que as lembranças iriam vir

à tona.

Elisabeth Von R. (1892) foi a primeira paciente tratada por

Freud, através da sugestão, com a paciente acordada. Já em 1896,

ele também havia abandonado a hipnose.

Freud pôde apoiar-se cada vez mais na produção

espontânea do material do paciente. Ele utilizava interpretações e

construções para chegar até as lembranças reprimidas.

O método de associação livre se foi-se desenvolvendo aos

poucos, entre 1892 e 1896, livrando-se completamente da hipnose,

sugestão, pressão e questionamento que acompanhavam tal método

quando este se iniciou. No caso de Emmy Von N. , já há alusões a

esse método. Jones descreve um momento histórico em que Freud

estava pressionando e questionando Elisabeth von R. e ela o

censurou por estar interrompendo o fluxo de seus pensamentos.

Freud teve a humildade de aceitar essa sugestão e, desde então, o

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método de associação livre dera um grande passo em direção ao

progresso. (Jones in Greenson, 1981, p.8)

A associação livre era um substituto inteiramente satisfatório

porque permitia que os pensamentos involuntários do paciente

entrasse na situação terapêutica. Freud faz uma descrição de seu

método:

“Sem exercer qualquer outro tipo de influência, ele convida os pacientes a se deitar confortavelmente num divã enquanto ele próprio se senta numa cadeira que fica por trás do paciente, fora do seu campo de visão. Ele nem mesmo lhes pede que fechem os olhos e evita tocá-los de qualquer forma evitando também qualquer outro tipo de procedimento que pudesse lembrar a hipnose. A sessão então se desenrola como uma conversa entre duas pessoas igualmente acordadas mas uma delas é poupada de qualquer esforço muscular e de qualquer impressão sensorial dispersiva que poderia desviar sua atenção de sua própria atividade mental. . . . A fim de assegurar estas idéias e associações, ele pede ao paciente que “se deixe levar” naquilo que está dizendo, ‘como você faria numa conversa em que estivesse falando casualmente, muito desligado e sem pensar”. (Freud in Greeson, 1981, p.10)

O método da associação livre tornou-se conhecido como

regra básica ou fundamental da psicanálise.

A associação livre continuou sendo o método de

comunicação dos pacientes-método básico-em tratamento

psicanalítico. A interpretação ainda é um instrumento decisivo e

fundamental do psicanalista. Estes dois procedimentos técnicos

associação livre e interpretação conferem à terapia psicanalítica sua

marca característica.

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Os estudos sobre a histeria (1893-95) podem ser

considerados como o início da psicanálise. Nesse trabalho, pode

perceber-se como Freud lutou para descobrir o que é essencial no

processo terapêutico no tratamento dos histéricos.

Alguns dos fenômenos descritos por Freud naquele tempo,

tornaram-se os alicerces da teoria da terapia psicanalítica. É

característico de Freud que ele tenha começado lutando para superar

determinados obstáculos à sua abordagem terapêutica acabando por

compreender, posteriormente, que estes obstáculos eram decisivos

para a compreensão da neurose do paciente e do processo

terapêutico. Foi a perseverança e a flexibilidade de Freud que o

capacitaram a enfrentar com êxito uma série de obstáculos que

resultaram na descoberta da psicanálise.

Em 1893 Breuer e Freud afirmavam que o “sintoma histérico

de cada indivíduo desaparecia, imediata e permanente, quando

havíamos conseguido trazer realmente à tona a lembrança do fato

que provocara tal sintoma e conseguido fazer surgir o afeto

correspondente e quando o paciente havia descrito o fato o mais

detalhadamente possível e conseguira verbalizar o afeto”.(Breuer e

Freud in Greenson, 1981, p.11)

Eles achavam que só pela ab-reação o paciente podia atingir

um efeito totalmente “catártico” e assim se livrar do sintoma histérico.

Tais experiências, afirmavam eles, em condições normais, estavam

ausentes da memória do paciente e só podiam ser atingidas pela

hipnose.

As idéias patogênicas haviam persistido com tanto vigor e

força afetiva porque lhes fora negado o processo normal de

esvaziamento. Assim, eles estavam lidando com afetos “

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estrangulados”. A descarga dos afetos estrangulados iria tirar a força

da lembrança patogênica e os sintomas desapareceriam.

Nessas alturas da história da psicanálise, consideravam-se

processos terapêuticos a ab-reação e a recordação com ênfase na

ab-reação.

Para Laplanche e Portali, ab-reação: descarga emocional pela qual um sujeito se liberta do afeto ligado à recordação de um acontecimento traumático, permitindo assim que ele não se torne ou não continue sendo patogênico. (Lapplanche e Pontali, 1991, p.01)

Hipnotizava-se um paciente e tentava fazê-lo recordar-se do

fato traumático porque, então, ele teria uma experiência catártica

curativa. Anna O., que Breuer tratou em 1882, entrava em transes

hipnóticos espontaneamente e aí, então, revivia os fatos passados

traumáticos. Ela se sentia aliviada quando voltava de um estado

sonambulístico. As experiências de Anna O., portanto, abriram o

caminho para o método de terapia catártica . Ela própria chamava

esse método de “uma cura pela conversa” ou “limpeza de chaminé”.

Freud foi se conscientizando cada vez mais da existência de

uma força dentro do paciente que se opunha ao tratamento. Tal força

se cristalizou no caso de Elisabeth von R. a quem não conseguia

hipnotizar e que se recusava a comunicar determinados pensamentos

seus apesar das pressões de Freud. Ele chegou à conclusão que esta

força, que era uma resistência ao tratamento, era a mesma força que

impedia as idéias patogênicas de se tornar conscientes. E o motivo

disso era a defesa. “O ´não saber`, do paciente histérico era, na

verdade um “não querer saber”. Freud achava que o trabalho do

terapeuta consistia em vencer essa resistência e ele o fazia

“insistindo”, investigando, fazendo pressão na testa, questionando.

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Freud compreendeu o grande valor da influência pessoal do

médico e sugeriu que o terapeuta agisse como um elucidador,

professor e um padre confessor. Ele também se conscientizou de que,

sob determinadas condições, a relação do paciente com o médico

pode ficar “perturbada”, um fator que transforma a relação médico-

paciente no “pior obstáculo com que podemos nos defrontar”.(Freud e

Greeson, 1981, p.12). Isso pode acontecer se o paciente se torna

sexualmente dependente ou se o paciente transfere para a figura do

médico as idéias penosas do conteúdo da análise. Para planejar tal

situação é preciso torná-la consciente e localizar o momento em que

tal fato apareceu no tratamento. Tentava-se, então, persuadir o

paciente a se continuar comunicando apesar desses sentimentos.

Desta forma Freud havia descoberto o fenômeno da

resistência e da transferência mas, tais fenômenos eram

considerados obstáculos ao trabalho da análise. O principal objetivo

era conseguir uma ab-reação afetiva e recuperar as recordações

traumáticas. As reações transferenciais deviam ser contornadas ou

superadas.

Nos Estudos sobre a Histeria, Freud tentou enfocar seus

esforços terapêuticos nos sintomas individuais do paciente. Ele

percebeu que esta forma de terapia era sintomática e não causal. No

caso de Dora, publicado em 1905 mas escrito em 1901, Freud

declarou que a técnica psicanalítica fora totalmente revolucionada. Ele

não tentou mais esclarecer cada sintoma, de um em um. Considerou

tal método inteiramente inadequado para tratar da estrutura complexa

de uma neurose. Ele agora permitia que o paciente escolhesse o

assunto que surgisse no momento e começava seu trabalho qualquer

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que fosse a parte do inconsciente apresentada pelo paciente na hora

da sessão.

Freud, aparentemente, compreendeu que um processo

terapêutico não podia se realizado numa única operação porque os

sintomas neuróticos têm causas múltiplas. Nos estudos sobre a

histeria, em 1904 ele afirmava que a mudança na técnica – da

hipnose e sugestão para a associação livre – havia provocado

descobertas novas e “necessitava, de uma concepção diferente

embora não-contraditória, do processo terapêutico”. A hipnose e a

sugestão encobrem as resistências e obstruem a visão que o médico

deve ter das forças psíquicas. Evitando as resistências, consegue-se

apenas informações incompletas e um êxito terapêutico transitório. O

trabalho terapêutico consiste em superar as resistências, desmanchar

as repressões– e assim, os vazios da memória serão preenchidos.

Há uma alteração na teoria do processo terapêutico: da

importância predominante da ab-reação dos afetos para a superação

da amnésia. Isto não contradiz o fato de que a ab-reação tem efeito

terapêutico. Mas permitindo a descarga das tensões emocionais, o

paciente geralmente sente uma sensação temporária de alívio. Além

disso, a catarse é valiosa porque a descarga emocional reduz a

quantidade de afeto e é mais fácil lidar com quantidades menores de

afeto. Mais importante ainda é o fato de que a verbalização que

acompanha a descarga de emoções e impulsos possibilita o estudo

mais profundo de tais emoções e impulsos.

Uma nova ênfase era posta agora em fazer o inconsciente se

tornar consciente, na eliminação da amnésia, na recuperação das

recordações reprimidas. A resistência se tornou um ponto básico da

teoria psicanalítica e estava ligada àquelas forças que haviam

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provocado a repressão. O analista utilizava a arte da interpretação

para vencer as resistências.

Em 1905,no caso de Dora, Freud enfatizou, pela primeira

vez, o papel fundamental da transferência .

“A transferência, que parece destinada a ser o maior obstáculo à psicanálise, transforma-se no seu maior aliado de sua presença pode ser detectada todas as vezes que apareça e explicada ao paciente”. (Freud in Greenson, 1981, p.13)

No pós-escrito ao caso de Dora, Freud descreveu como a

paciente interrompeu o tratamento porque ele não fora capaz de

analisar os elementos transferenciais múltiplos que interferiram nas

condições do tratamento.

Em 1902, ele descreveu a relação entre transferência e

resistência, a transferência positiva e a negativa e a ambivalência da

reações transferenciais.

Essa luta entre o médico e o paciente, entre o intelecto e a vida instintual, entre a compreensão e a ânsia de agir, essa luta se trava quase que exclusivamente dentro dos fenômenos da transferência . É nesse campo que a vitória pode ser obtida – vitória cuja expressão é a cura permanente da neurose. È indiscutível que o controle dos fenômenos da transferência traz ao analista as maiores dificuldades. Mas não se deve esquecer que são precisamente esses fenômenos que nos prestam um serviço incalculável: tornar imediatos e manifestos os impulsos eróticos escondidos e esquecidos do paciente. Porque quando tudo está dito e feito, é impossível destruir qualquer pessoa in absentia ou in effigie. (Freud in Greeson, 1981, p.14).

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A partir de 1912, a análise profunda da transferência e

resistência tornou-se o elemento central dos processos terapêuticos.

Mais tarde, nesse mesmo ano, Freud advertia contra as gratificações

da transferência e sugeria que o psicanalista fosse opaco como um

velho espelho em relação aos seus pacientes e conservasse seu

anonimato.

Em 1914, Freud descreveu o problema especial da atuação

em relação à transferência e a resistência relacionando-o com uma

compulsão à repetição. Ele também empregou o termo “neurose

transferencial” para explicar que durante a psicanálise o paciente

substitui sua neurose costumeira pelo envolvimento com seu analista.

Freud afirma ser possível uma alteração do ego através da

análise da transferência. Ele afirmou que o trabalho de interpretação,

que transforma o que é inconsciente no que é consciente, amplia o

ego à custa do consciente. Freud expressou tal idéia com clareza:

“ A psicanálise é um instrumento para possibilitar que o ego consiga ir conquistando progressiva-mente o id. ( Freud in Greeson, 1981, p.14)

O analista ainda tenta ir além da barreira da consciência mas

ele utiliza a associação livre, a análise de sonhos e a interpretação. O

campo mais importante para o trabalho analítico é a área da

transferência e resistência. Espera-se transformar o inconsciente em

consciente, recuperar recordações reprimidas e superar a amnésia

infantil. O objetivo fundamental da psicanálise é aumentar a força

relativa do ego em relação ao superego, ao id e ao mundo externo.

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11..22-- EEssttrruuttuurraa ddaa PPeerrssoonnaalliiddaaddee

A personalidade é conceituada, no pensamento freudiano, a

partir das predisposições inatas, das motivações inconscientes e das

experiências infantis.

Em suas primeiras formulações teóricas, Freud demonstrou

(1ª Tópica) que as pessoas estão conscientes de apenas um pequeno

números de pensamentos, memórias, sentimentos e desejos; outros

são pré-conscientes, “enterrados” logo abaixo do nível da percepção,

de onde são relativamente fáceis de recuperar. A maior parte é o

inconsciente e entra na consciência de forma disfarçada em sonhos,

lapsos de linguagem, enganos, acidentes e durante a livre

associação.

Na 2ª Tópica, Freud caracterizou três grandes sistemas (ou

instâncias, ou localizações), que atuam em planos distintos e

adquirem as características próprias desses níveis de atividade

psíquica: o id, o ego e o superego. Cada um desses sistemas atua

sobre o outro de modo que raramente um funciona isoladamente.

Freud dirigiu sua atenção para o passado infantil de

pacientes neuróticos adultos. A criança encontra-se no centro da

psicanálise, mas trata-se de uma criança me particular: a criança pela

qual se interessa a psicanálise é, inicialmente uma criança

reconstituída, uma criança-modelo. Provavelmente Freud tenha

encontrado no pequeno Hans a ilustração clínica daquilo que a

reconstrução teórica a partir de curas de adultos o fazia pressentir,

mas se conhecem as particularidades desta observação e as múltiplas

discussões teóricas que este caso suscita.

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Freud não construiu uma teoria de desenvolvimento infantil,

porém as afirmações teóricas sobre o desenvolvimento da criança

surgiram da reformulação e expansão de seus conhecimentos

básicos.

Os conceitos básicos da teoria psicanalítica podem ser

descritos da seguinte forma: todos os comportamentos, pensamentos,

sentimentos, ações, sonhos e fantasias – sejam normais ou

patológicos, racionais ou acidentais – são motivados e significativos,

ainda que a motivação possa ser obscura e que o significado não seja

facilmente discernível. As forças que motivam o comportamento são

as pulsões instintivas, nem sempre estas são gratificadas imediata e

diretamente na existência social do homem, portanto, o homem

precisa desenvolver meios conciliadores e indiretos para se adaptar à

realidade externa para encontrar modos aceitáveis de gratificação.

Desta maneira o conflito é um fator constante na vida intrapsíquica do

homem.

Na teoria psicanalítica, o impulso mais importante é a

sexualidade – libido. As pulsões instintivas são vistas como possuindo

energia, semelhante a uma carga elétrica que impulsiona todos os

aspectos da conduta.

Freud dividiu a mente em três compartimentos distintos: os

sistemas inconscientes, pré-inconscientes e conscientes. No

inconsciente estão os processos psicológicos que não estão

disponíveis à consciência; no pré-consciente estão as atividades

mentais fora da consciência mas que podem tornar-se conscientes à

medida que o homem as focaliza. Freud acreditava que um agente

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sensor ativo é responsável pela manutenção do material inconsciente,

sem possibilidades de entrar nos sistemas pré-conscientes.

Entretanto, durante o sono, o sensor enfraquece, as

atividades mentais e a energia do sistema inconsciente lutam por

expressar-se e descarregar-se.

O sistema consciente ganha ascendência sobre o

inconsciente quando a mente consciente tem como tarefa controlar

atividades do indivíduo e apurar sua experiência subjetiva e a

realidade objetiva. Se o pré-consciente falha em reprimir as forças

inconscientes, a conduta racional dirigida a um objetivo, da mente

consciente, pode ser interrompida ou distorcida. Os sintomas

neuróticos e os lapsos de linguagem assinalam o enfraquecimento ou

mal funcionamento do agente sensor.

Em 1923 foi publicado o Ego e o Id, onde Freud elaborou sua

idéia inicial sobre os sintomas neuróticos e da ansiedade patológica.

Consciente e inconsciente eram vistos, depois desta publicação, como

termos qualitativos que descrevem certos aspectos das atividades

mentais.

De acordo com Stella Chess e Mahim Hassibi em Princípios

e Práticas da Psiquiatria Infantil:

O id é a estrutura psíquica inata que contém representantes mentais das pulsões intuitivas. A energia psicológica dos dois instintos-agressão e a libido – é de natureza altamente móvel e a luta pela descarga e pronta gratificação. A realidade é totalmente ignorada, e o desejo é única forma de atividade mental. O princípio do prazer é axioma reinante da vida interna. (1982, p. 63)

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Continuando o raciocínio dos autores, em relação ao ego:

na medida em que o bebê se torna maior o amadurecimento das funções preceptivas e motoras traz um aumento dos estímulos sensoriais e do conhecimento dos limites da realidade. A parte da mente que representa estas funções desenvolvidas começa a diferenciar-se do id e forma o núcleo de uma segunda estrutura: o ego. A tarefa do ego é controlar os desejos instintivos do id. Ele neutraliza-os, represando e canalizando a energia instintiva por caminhos mais aceitáveis de descarga. Às vezes, as pulsões instintivas são simplesmente reprimidas pelo ego, mas na maioria das vezes o ego tenta encontrar conciliação e soluções que permitam a descarga da energia mental dentro das possibilidades e oportunidades oferecidas pela realidade externa. Os fatores maturativos, a aquisição da linguagem, o aprendizado pela imitação e a identificação representam papeis importantes no desenvolvimento do ego. Mais ainda, a ansiedade surge sempre que as pulsões instintivas ameaçam inundar o ego, procurando descarga imediata. O conflito subsequente entre as duas entidades da mente – o ego e o id – motiva o ego a reforçar suas defesas e estreitar seu controle sobre o id. Devido ao fato de tais situações serem uma presença freqüente no crescimento de cada criança normal, o ego tem amplas oportunidades para expandir-se estruturalmente e tornar-se mais forte. Os traços do caráter do indivíduo,, modos de funcionamento, e as defesas bem e mal sucedidas contra a ansiedade são o resultado dos conflitos entre o ego e o id. As falhas das manobras e estratégias defensivas do ego são manifestadas em sintomas neuróticos. (1982, p.64)

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Quando os autores se referem ao superego, afirmam que:

O superego é uma parte especializada do ego que contém aspirações e proibições, culturais e morais, que regulam a vida do indivíduo. Segundo Freud, o superego desenvolveu-se como resultado da identificação da criança com a autoridade parental. Às vezes, o superego pode estar em conflito direto com o ego, e assim, formar aliança com o id. Com maior freqüência, entretanto, o superego aprova e reforça as tentativas do ego para encontrar modos aceitáveis descarregar as pulsões instintivas. As relações desarmônicas entre ego e superego dão lugar ao surgimento de sentimentos de culpa e remorso, e o indivíduo pode ser levado a fazer uma reparação ou a punir-se. (1982, p.66)

Os autores concluem seu pensamento dizendo que:

Cada comportamento é o resultado final da interação entre três estruturas da mente e, assim, é multideterminado. Isto é chamado super-determinimismo. (1982, p.66)

Em 1905, em seu livro Três ensaios sobre a Sexualidade,

Freud descreveu a seqüência típica das manifestações do impulso

sexual, distinguindo cinco fases: oral, anal, fálica, de latência e genital.

A transição de uma fase para outra é gradual; as fases se superpõem

e sua duração varia de um indivíduo para outro.

O estudo das pulsões na criança limitou-se, inicialmente, em

Freud e nos primeiros psicanalistas, ao estudo das pulsões sexuais ou

libidinais.

Freud (1905), designa sobre o nome da sexualidade infantil

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Tudo aquilo que concerne às atividades da primeira infância em busca do prazer local que tal ou qual orgão é capaz de proporcionar. (Ajuriaguerra,1986, p.25)

11..33 –– FFaasseess ddoo DDeesseennvvoollvviimmeennttoo

Os primeiros seis ou sete anos de vida são decisivos na

formação da personalidade, segundo Freud, que dividiu a vida

humana em estágio de acordo com o desenvolvimento sexual. Esse

desenvolvimento caracteriza-se pela organização da libido quanto à

predominância de pulsões a cada zona erógena, fase oral, anal, fálica,

latência e genital.

a) Fase oral (0 a 18 meses):

Durante o primeiro ano e meio de vida, aproximadamente, os

lábios, a boca e a língua são os principais órgãos de prazer e

satisfação da criança: seus desejos e satisfações são orais: então a

origem da pulsão é a boca e o conjunto da cavidade bucal; objeto da

pulsão é o seio materno: este provoca “a satisfação libidianal apoiada

na necessidade fisiológica de ser alimentado”, (Freud, in Ajuriaguerra,

1986, p.25).

Por volta do final do primeiro ano, a mãe começa a ser

reconhecida em sua totalidade, o que introduz a criança no domínio

da relação objetal total.

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b) Fase anal (18 meses a 3 anos):

Nesta fase a criança começa a ter controle esfincteriano. A

origem pulsional torna-se a mucosa ano-retal e o objeto da pulsão é

representado pelo bolo fecal, que possui várias significações: objeto

excitante da mucosa, parte do próprio corpo, objeto de transição entre

a criança e a mãe.

Nesta fase a criança é conduzida a : expulsão-retenção,

atividade-passividade, submissão-oposição. O prazer erótico ligado à

retenção, à submissão e a passividade, se opõe ao prazer agressivo

de controlar, dominar, possuir. O sadismo-masoquismo caracteriza a

relação de objeto neste estágio.

c) Fase fálica (3 a 7 anos):

A obtenção de prazer e a curiosidade da criança estão

voltadas, nesta fase, para a região genital. São descobertas as

diferenças anatômicas entre os dois sexos. A satisfação provém do

erotismo uretal e da masturbação. O objeto da pulsão é o pênis. Este

objeto introduz a criança na dimensão da angústia de castração

(menino) ou da falta (menina): a negação da castração tem por

objetivo tanto em um quanto em outro sexo, proteger a criança contar

esta tomada de consciência.

Durante o desenvolvimento da sexualidade infantil nota-se

que os meninos sentem uma forte atração pela mãe e as meninas

pelo pai. É chamado o complexo de Édipo. Nesse período configura-

se o fenômeno da identificação com o progenitor do mesmo sexo. A

criança ama o progenitor do sexo oposto; percebendo, porém, que

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este tem uma afeição especial pelo progenitor do mesmo sexo que ela

procura assemelhar-se a este último identificando-se com ele, para

também merecer o amor do progenitor do sexo oposto.

A fixação nesta fase e os sentimento não-resolvidos para

com o progenitor do sexo oposto, bem como os medos e ansiedades

de castração resultam em tensão nas relações interpessoais e na

escolha do parceiro sexual e no desenvolvimento de sintomatologia

neurótica.

Umas das conseqüências do período Edipiano é o

desenvolvimento da consciência moral ou do superego. Ao identificar-

se com os pais a criança adquire seus valores. Ela aceita como regras

de ação, fazer o que os pais aprovam e evitar o que eles condenam.

Quando transgride essas regras sente culpada. A obediência aos

padrões morais dos pais alivia seu medo de perder o amor deles.

d) Fase de latência (7 a 12 anos):

Este período corresponde aos anos da escola de primeiro

grau, quando a criança está voltada para a aquisição de habilidades,

valores e papéis culturalmente aceitos. Ela é chamada de latência

porque os impulsos são impedidos de se manifestar. Nesta fase

aparecem na criança barreiras mentais impedindo as manifestações

da libido, barreiras essas que Freud identificou como repugnância,

vergonha e moralidade. O impulso sexual dirige-se para finalidades

culturais: domínio da leitura, da escrita e de muitas outras habilidades.

Ela está numa fase favorável do desenvolvimento cognitivo, da

linguagem e social, se interessa pelo mundo dos adultos.

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Esta fase termina com a criança revelando amor pelos pais e

alguns amigos do mesmo sexo, rivaliza com os da mesma idade mas

do sexo oposto, uma certa queda para o uso de palavrões e fantasias

sobre a vida sexual.

e) Fase genital (12 a 14 anos):

Nesta fase, há um despertar do interesse sexual e um

ressurgimento do período genital, devido às modificações biológicas

da puberdade.

Entretanto, durante a adolescência o indivíduo começa a

escolher parceiros sexuais entre seus ou suas companheiras, e o

relacionamento intenso entre pais e filhos é substituído por outras

atividades interpessoais e pela preparação pelos futuros papéis

adultos.

A teoria Freudiana considera modelo a relação criança-pais

como base para os diversos relacionamentos da vida adulta. As

experiências de cada estágio de desenvolvimento psico-sexual são

consideradas determinantes importantes de futuros traços de

personalidade, de estilos de comportamento e de manifestações

específicas de psicopatologia.

A teoria freudiana privilegia particularmente ao aspecto

inconsciente da personalidade conceituado como pulsão. A pulsão de

vida, que tende à reunião, à integração, à função, à conservação e a

criação e a pulsão de morte, que motiva o envelhecimento e a morte,

fazem parte de um conceito limite entre o psicológico e o biológico.

Assim consideradas , as pulsões constituem em fenômeno biológico

com uma representação psíquica, que as leva ao conhecimento do

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mundo. Os seus equivalentes psíquicos são excitações, tendências,

desejos, representações e fantasias que associados afetivamente,

chegam à consciência sob forma de material pré-conscientes e

incitam o ego a atuar para ser descarregado no mundo exterior e

obter, desse modo, a satisfação do desejo. Biologicamente

consideradas, as forças instintivas ativas existem, por trás dos

equivalentes indicados, como estímulos contínuos que se originam em

processos físicos (instintos) e induzem o organismo e as reações

determinadas.

Pulsão, diz Freud, é :

“um conceito situado, na fronteira entre o mental e o somático; ou ainda, é o representante psíquico dos estímulos que originam dentro do organismo e alcançam a mente .” (Freud in Garcia Rosa, 1992,p.116)

Embora a energia pulsional, tanto no aspecto destrutivo

quanto no construtivo, tenha fontes primarias no id, no

desenvolvimento da personalidade, ela estará a serviço de qualquer

das suas partes, em todas as suas fases, de modo a ser utilizada

sempre para a satisfação das pulsões do id, para alimentar as

pressões do superego ou para fortalecer o ego na luta adaptativa.

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22-- AA PPSSIICCAANNÁÁLLIISSEE EE AA EEDDUUCCAAÇÇÃÃOO

Freud não se ocupou com o tema educação como objeto de

um trabalho específico, embora no seu trabalho o interesse científico

da psicanálise, publicado em 1913, tenha dedicado um capitulo

específico ao assunto, sob título “ Interesse educacional da

Psicanálise”.

Freud teceu reflexões sobre o ato pedagógico, a partir das

suas elucidações de como chegou até elas, ou seja, de como se

processou essa passagem da psicanálise ao campo da Educação.

Antônio e Maria Aparecida Mamed-Neves (1993) apresentam

neste assunto aspectos relevantes, organizados em três tópicos:

como se processou a relação da psicanálise com a

educação;

as dificuldades do ato de educar;

e a importância da figura do educador no imaginário

do aluno.

2.1 – A relação entre Psicanálise e Educação

Em suas obras “Conferencias introdutórias” (conf. n.º10) e

“Novas conferências introdutórias” (conf. n.º34), Freud aponta que, no

trabalho da psicanálise formaram-se vínculos com numerosas outras

ciências, mostrando-se convícto de que a contribuição que a

psicanálise pode oferecer a outros campos do conhecimento e,

portanto à educação, está ligada ao desenvolvimento da própria

Psicanálise e ao alongamento de suas fronteiras para além do campo

médico.

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Conforme Antônio Mamed-Neves a psicanálise, ocupando-se

da trajetória que teria determinado os sintomas emocionais dos

pacientes, acabou, com freqüência, chegando ao exame do início da

infância deles, porque os fatos que tinha em mãos não eram

suficientes para explicar, nem compreender os casos. Daí reconhecer

que os primeiros anos da infância até a idade de cinco anos,

possivelmente, possuíam uma importância especial na medida em

que esses anos incluíam o primeiro surgimento da sexualidade (em

termos de construção da identidade) e porque as impressões desse

período incidem sobre um ego imaturo e débil atuam sobre este como

traumas.

Falando das possibilidades de aplicação do método

psicanalítico a criança com problemas emocionais, Freud entra pelo

campo da profilaxia de estados emocionais que poderão se manifestar

mais tarde, mas que estariam ligados a mudanças na própria

sociedade. Para ele, aplicação da Psicanálise à Educação deve ser

buscada em outra área, ou seja, talvez ajudar aos educadores a

refletirem sobre a própria dificuldade em educar e como os

conhecimentos psicanalíticos elucidariam o próprio ato de educar.

2.2 - As dificuldades e os desafios do ato de educar

Freud teve a oportunidade de apontar as dificuldades do

exercício da tarefa educar, considerada por ele um “missão

impossível”, juntamente com governar e psicanalisar: em 1925, no

prefacio ao livro de August Aischhom “Juventude desorientada” e em

1937, no trabalho “Analise terminável e interminável”.

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Nessas suas obras, Freud atribui a dificuldade dessas três

missões obterem êxito pleno ao fato de que, por lidarem com o ser

humano, estão vinculadas a forcas pulsivas e socio-culturais, o que

torna possível atingir planamente os objetivos desejáveis. Freud via a

maturação e a integridade do funcionamento do sistema nervoso

como conjunturais para o desenvolvimento cognitivo e afetivo do ser

humano, mas tinha também consciência de que o processo da

aprendizagem está fortemente ligado aos processos culturais. Haveria

sempre uma dificuldade na adaptação às leis contextuais, sendo

necessário que certos impulsos fossem reprimidos. Freud mostra que,

quando isto não é alcançado, resultam perturbações na capacidade

de aprendizagem e, em especial, na capacidade de conviver em

sociedade.

De acordo com Mamed, lidando com essas dificuldades, as

demandas dos impulsos pulsionais e as demarcações contextuais, a

tarefa do educador fica, na concepção freudiana, bastante complexa

e, num certo sentido, quase impossível. Apesar dessas

considerações, Freud avança nas suas reflexões, apontando questões

que facilitam essa missão.

Para o Educação poder sair do impasse, Freud propõe, que

seja, examinada a sua tarefa primeira- levar a criança a aprender a

controlar seus impulsos.

Freud responde: (Porque) é impossível conceder (à criança)

liberdade de pôr em prática todos seus impulsos sem restrição; fazê-

lo, seria um experimento muito instrutivo para os psicólogos de

crianças; mas a vida seria impossível para os pais, e as próprias

crianças sofreriam grave prejuízo, que se exteriorizaria, em parte,

imediatamente e, em parte nos anos subsequentes.

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A Educação diz Freud, deve inibir, proibir e suprimir, e isto

ela procurou fazer em todos os períodos de história. Porém, ele

considera que é precisamente essa supressão das pulsões que pode

envolver o risco de futura doença neurótica. Assim, a Educação acaba

por ter que escolher seu caminho entre o da não-interferência e o da

frustração.

Freud recomenda que se deve “descobrir um ponto ótimo

que possibilite à educação atingir o máximo com o mínimo de dano.

...Será, portanto, uma questão de decidir quando proibir, em que hora

e por que meios.

Outra questão apontada por Freud é a impossibilidade de se

ter métodos pedagógicos que sejam uniformemente bons para toda a

criança, defendendo, assim, a necessidade de se ter um olhar

individualizado para nossos alunos, em vez de tratá-los como um todo

uniforme. A tarefa é “reconhecer a individualidade constitucional da

criança; discernir, a partir de pequenos indícios, o que está se

passando na mente ainda imatura dela e dar-lhe a quantidade exata

de amor e ao mesmo tempo manter um grau eficaz de autoridade.”

Naquela época Freud acreditava que a Educação cumpria

mal a sua tarefa, causando às crianças graves prejuízos. Mesmo

reconhecendo a necessidade do educador receber uma sólida

formação em psicanálise; mesmo reconhecendo a necessidade de se

realizar o que chamou de educação psicanalítica; Freud reconhece,

também, que “a educação não deve ser confundida com a influência

psicanalítica e não pode ser substituída por ela.

A educação psicanalítica estará assumindo uma

responsabilidade para qual não foi convidada, se ela tiver a intenção

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em transformar seus discípulos em rebeldes. Ela terá desempenhado

seu papel se os tornar tão sadios e eficientes quanto possível.

2.3 - O adulto como mediador do conhecimento

Freud chamou a atenção para a importância da formação

adequada aos professores, mostrando que os processos

transferenciais estão presentes na relação educador-educando, na

medida em que a transferência não esta restrita à relação paciente

terapeuta, mas está presente em todas as relações interpessoais da

vida cotidiana.

Para Freud, pais, mestres e todas as pessoas que, da

infância à maturidade, de alguma forma contribuem, pela transmissão

de suas experiências, para a formação do sujeito, são modelos de

identificação e de quem o aprendente cria uma idealização de “dono

do saber”.

Essa idealização funciona como matriz inicial para a

construção do sujeito enquanto pessoa e somente atua como

elemento inibidor se, e somente se, cristalizar-se como tal e não abrir

espaço para que o aprendiz legitime, resignifique criticamente, por si

mesmo, o que lhe é ensinado.

Freud diz que os pais constituem para criança pequena a

autoridade plena e fonte de todos os conhecimentos. O desejo mais

intenso e mais importante da criança, nesses primeiros anos, é ser

grande como seu pai e/ou sua mãe. Ao desenvolver-se

intelectualmente, a criança descobre gradualmente a categoria que

seus familiares pertencem. Vem conhecer outros pais e os compara

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com os seus, adquirindo assim o direito de pôr em dúvida as

qualidades extraordinárias que lhes atribuíra. Os pequenos fatos da

vida da criança que a torna descontente, fornecem-lhe um pretexto

para começar a criticar seus pais; para manter essa atitude critica,

utiliza esse seu novo conhecimento de que existem outros pais que,

em certos aspectos, são preferíveis aos seus.

Como existem inúmeras ocasiões em que a criança é de fato

negligenciada ou, pelo menos, sente que é negligenciada, ou que não

esta recebendo todo o amor que gostaria de receber dos pais, e

principalmente que lamenta ter de compartilhar esse amor com seus

irmãos e irmãs. Sua sensação é a de que sua afeição não está sendo

retribuída e mais tarde lembra conscientemente a partir da infância

inicial, de que é uma criança adotada, ou de que o pai ou a mãe não

passam de um padrasto(a) .

Freud aponta que algumas pessoas se lembram com muita

freqüência de ocasiões em que – em geral em conseqüência de

alguma leitura – interpretaram e responderam dessa maneira ao

comportamento hostil dos pais. Mas, segundo a idéia de Freud,

evidencia-se a influência do sexo, pois o menino teria maiores

tendências a sentir impulsos hostis contra o pai do que contra a mãe,

tendo um desejo bem mais intenso de libertar-se dele do que dela.

Esses impulsos mentais da infância conscientemente lembrados

constituem, na ótica de Freud, o fator que nos permite entender a

natureza dos mitos.

O estágio seguinte no desenvolvimento do afastamento da

criança de seus pais, é descrito como sendo o “romance familiar”,

sendo raramente consciente pelas pessoas, mas podendo quase

sempre ser revelado pela psicanálise. Essa atividade emerge

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inicialmente no brincar das crianças e depois, mais ou menos a partir

do período anterior à puberdade, passa a ocupar-se das relações

familiares. Um exemplo característico dessa atividade imaginativa são

os devaneios, que, se prolongam até muito depois da puberdade.

Freud mostra que se examinarmos com cuidado esses

devaneios, descobrimos que constituem uma realização de desejos e

uma retificação da vida real. A imaginação da criança entrega-se à

tarefa de libertar-se dos pais que desceram em sua estima, e de

substituí-los por outros, em geral de uma posição social mais elevada.

Nessa conexão, ela lançará mão de quaisquer coincidências

oportunas de sua experiência real. Esses acontecimentos despertam

a inveja da criança, que encontra expressão numa fantasia em que

seus pais são substituídos por outros de melhor linhagem. Freud

acredita que se conserva a primitiva afeição da criança por seus pais.

Ele esta certo de que em verdade, todo esse esforço para substituir o

pai verdadeiro por um que lhe é superior nada mais é do que a

expressão da saudade que a criança tem dos dias felizes do passado,

quando o pai, lhe parecia o mais nobre e o mais forte dos homens e a

mãe, a mais linda e amável das mulheres. Ela dá as costas ao pai, tal

como conhece no presente, para voltar-se para aquele pai em quem

confiava nos primeiros nos de sua infância, e a sua fantasia é a

expressão de um lamento pelos dias felizes que se foram. Assim,

volta a manifestar-se nessas fantasias a supervalorização que

caracterizou os primeiros anos da criança. Para Freud, o estudo dos

sonhos nos fornece grande contribuição; ele conclui que, mesmo em

anos posteriores, se o Imperador e a Imperatriz aparecem em sonhos,

tais nobres personagens representam o pai e a mãe do sonhador.

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Assim, a supervalorização dos pais pela criança sobrevive também

nos sonhos de adultos normais.

2.4- A Relação Interpessoal

Conforme Antônio Mamede-Neves, para a teoria

psicanalítica, os relacionamentos interpessoais são influenciados pelo

primeiro relacionamento - a relação mãe-filho, a qual vai se estruturar

de modo gradual após o nascimento do bebê. (1996, p.16)

No inicio, a relação mãe-filho dá-se primordialmente pelo ato

de alimentar e cuidar do bebê ; nessa fase a mãe não é, inicialmente

percebida pelo bebê como alguém diferenciado de si mesmo. Isto só

vai acontecer gradativamente, na medida em que a relação mãe-filho

vai estruturando um vínculo, no qual a criança necessita da mãe para

sobreviver (física e emocionalmente) e a mãe, tem, necessidade de

cuidá-lo, de satisfazer-lhe as necessidades, de dar-lhe afeto e ternura.

A aptidão para desenvolver relações interpessoais

satisfatórias e gratificantes, tem, suas raízes nessa relação primitiva e

essencial para o desenvolvimento harmônico do ser humano. Essa

relação tenderá a influenciar e a “reproduzir-se” nos relacionamentos

interpessoais que ocorrerão mais tarde.

Sullivan aponta para a importância primordial do

relacionamento interpessoal no campo de atuação do educador,

professor ou psicopedagogo, uma vez que estabelece-se entre eles e

seus alunos ou clientes uma relação única, influenciada pelo

desenvolvimento psicossexual de cada um. Tanto o professor quanto

o aluno o psicopedagogo nunca são exatamente os mesmos com

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duas crianças diferentes, o que faz de cada relação uma relação

única.

O educador, professor ou psicopedagogo, também têm sua

própria historia de vida, seu desenvolvimento psicossexual, sua

própria família original e seus próprios dinamismo psíquicos .

A atividade pedagógica ou psicopedagógica transcende

assim o espaço físico onde ela se processa, na medida em que

entram em jogo, as particularidades vivenciais de ambos (profissional

e criança).

É necessário que se estabeleça um vínculo entre educador-

educando ou psicopedagogo-cliente, vínculo esse que tem como base

um envolvimento próprio e exclusivo a cada relação.

No campo da Educação e, em especial na relação ensino-

aprendizagem ou na relação psicopedagógica, se torna indispensável

que sejam avaliados certos processos de elaboração psíquica que

nela estão presentes e que são essenciais para que estas relações se

estruturem de modo operativo e tenham repercussões positivas para a

aprendizagem. Conforme Mamed, entre os processos psíquicos que

influenciam os relacionamentos interpessoais em geral, o

relacionamento psicanalítico em especial, e que são importantes no

relacionamento psicopedagógico e no de professor-aluno, a empatia,

a transferência, o sujeito-suposto-saber, a contratransferência e a

resistência. (1996, p. 17)

a) A Empatia

A empatia pode ser considerada como o processo segundo o

qual existe “o conhecimento emocional” e o experienciar sentimentos

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de outra pessoa.

Conforme Mamed, “Empatizar” significa “dividir” com outra pessoa os sentimentos dessa pessoa; empatia é um fenômeno pré consciente, temporário e que deve ser diferenciado de simpatia, uma vez que esta inclui elementos de condolência, piedade e concórdia.(1993, p.17)

A empatia tem relação com a identificação, mas apresenta

algumas diferenças: a empatia é pré-consciente , é temporária e tem

por objetivo a compreensão e o experenciar de sentimentos do outro.

A identificação, ao contrário é um processo inconsciente, é um

fenômeno permanente.

A relação de empatia dá-se no início da vida, na relação

mãe-filho; isto acontece pelo relacionamento verbal, pelo tom de voz

da figura materna, pelo aconchego, pelo toque, pelo contato corporal.

A empatia sendo um processo interpessoal é uma relação de

“dupla via”, a capacidade de um empatizar com o outro está

diretamente ligada à capacidade de empatizar desse outro.

Empatizar com os seus semelhantes é indispensável na

atividade psicanalítica e importante na atividade do psicopedagogo e

do educador, nas quais tem grande valor na relação interpessoal, a

comunicação e o contato emocional.

Esses profissionais, além de bons observadores, precisam

ser participantes, estarem “sintonizados” com aqueles a quem

atendem.

Assim, é possível detectarem as variações de afeto de seus

pacientes ou alunos, que possam interferir no desenvolvimento e no

progresso dos mesmos.

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b)A transferência

A transferência foi um dos primeiros fenômenos psíquicos

observados por Freud no início de suas observações clínicas e

elaborações teóricas. O termo foi usado pela primeira vez no seu

trabalho intitulado Estudos sobre a histeria, já citados anteriormente.

Freud observou que todos os seus clientes desenvolviam

para com ele sentimentos de grande intensidade, quer afetuosos ou

hostis, os quais eram sempre da natureza sexual. Constatou, também,

que a transferência acontece em todos os relacionamentos

interpessoais e não, apenas, no tratamento analítico.

Para Mamed A transferência é um processo endopsíquico

que se reativa em todos os relacionamentos interpessoais, sendo,

portanto, um fenômeno universal, no qual alguma coisa ocorre entre

os membros da díade que altera a natureza de cada um uma vez que

se processa, um “abrir” e um “fechar” do inconsciente de cada um.

Na situação de psicanálise quando o cliente fala sem

interrupções e “livremente”, ele tenderá a Ter como fonte de

comunicações o seu inconsciente, as quais podem estar relacionadas

com figurar significativas de sua infância. Enquanto o cliente fala sem

restrições, podemos admitir que seu inconsciente está “aberto” à

revelação de seus impulsos de desejo para figuras do seu passado.

No momento em que esses impulsos passam a ser dirigidos para

alguém no aqui-e-agora (analista, por exemplo), ocorrem alterações

no comportamento do cliente, deixa de falar “livremente”, que pode

permanecer em silencio por tempo variável, às vezes prolongado ou

então mudar de tópico, fazer demandas sobre o analista, etc.

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Conforme Mamed, essas mudanças no comportamento do

cliente provocadas pela transferência, apontam para o “fechamento”

do inconsciente. Assim, pode ser dito que a transferência está

diretamente ligada a esse “fechamento” e ao conseqüente

impedimento da passagem para o pré-consciente/consciente, de seus

impulsos de desejo.

A transferência pode ser também definida como uma

ilusão especifica que se desenvolve no aqui-e-agora com respeito a

uma pessoa, a qual representa, em certos aspectos e sem que o

sujeito saiba, a repetição de uma relação para com uma figura

importante do passado. É preciso destacar que isto é sentido pelo

sujeito não como uma repetição do passado, mas como algo

estritamente apropriado ao presente e a pessoa em questão.

O processo de transferência está referido ao aparecimento

de sentimentos, impulsos, atitudes, fantasias e defesas

experienciadas anteriormente e re-vivenciadas com pessoas no

presente, mas que não se enquadram exatamente nessas pessoas,

porque são o reflexo e a repetição de reações que se originaram em

relação a pessoas significativas do passado, na infância, e que são

deslocadas inconscientemente para figuras no presente.

A transferência possui, suas raízes nas relações de objeto

da infância, etapa em que a criança vivência um verdadeiro estado de

ambivalência de sentimentos em relação às figuras importantes de

sua vida, ora amando-as, quando gratificam seus impulsos de desejo,

ora hostilizando-as e odiando-as, quando frustram esses impulsos.

Freud destinguiu dois tipos fundamentais de transferência:

um que é “aliado” da situação terapêutica, a que chamou de

transferência “positiva” e outro que opõe obstáculos à mesma, esta

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denominada de transferência “negativa”. Na primeira, os sentimentos

são de amor, confiança, etc., enquanto que na segunda os

sentimentos são de hostilidade sob suas várias formas, derivativos ou

precursores tais como ódio, raiva, agressividade, desconfiança,

ressentimento e etc. (Freud in Mamed, 1993)

Ver o terapeuta, psicopedagogo, professor ou outra figura de

modo tão idealizado, vê-la como sendo a detentora de um saber

inconteste, é uma forma transferida de encontrar um saber em alguém

que na verdade, o sujeito procura em si mesmo. É, então essa

expectativa, esse desejo, que institui o conceito de sujeito-suposto-

saber o qual está diretamente ligado ao conceito de transferência.

c)O Sujeito-Suposto-Saber

De acordo com Mamed, o conceito sujeito-suposto-saber

(S.S.S) foi introduzido por Jacques Lacan e se relaciona com o

conceito freudiano de transferência introduzido em 1895.

O S.S.S não é aquele que sabe, aquele que detém saber,

mas sim aquele a quem é atribuído (por alguém) um saber salvífico,

quase divino.

Esta tendência em atribuir a alguém o lugar de S.S.S,

persiste no dias atuais; assim é que, nas atividades diretamente

relacionadas com a saúde (física ou mental) do ser humano, reativa-

se essa necessidade; freqüentemente é atribuído ao médico, um

saber onipotente, capaz de livrar o paciente dos seus sofrimentos; o

mesmo acontece com o psicanalista, com o psicólogo, com o

psicopedagogo, com o professor, etc.

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Há uma idealização desses profissionais, o que leva no lugar

do S.S.S atribuindo-lhes, com freqüência, qualidades de onipotência

divina.

Para Mamed, por exemplo o cliente (o/ou seus genitores)

fazem o mesmo questionamento em relação ao psicopedagogo, ao

fonoaudiólogo, ao “professor” de seu filho:

- por que tenho dificuldades em aprender ?

(ou) por que meu filho não aprende?

- alguém sabe; esse alguém é o psicopedagogo, o

fonoaudiólogo ou o professor

- eu também quero saber

O questionamento e a demanda feitos pelo paciente, pelo

cliente, pelo aprendente e/ou seus familiares, a essas figuras

supostas, são sempre acompanhados pela exigência de uma

resposta, na medida em que esse alguém (analista ou

psicopedagogo, por exemplo) é suposto possuí-la, numa repetição do

que foi suposto com figuras parentais durante a infância.

Pelas suas características, a relação do sujeito com

psicanalista, psicopedagogo e professor, apresenta algumas

particularidades que a distingue das demais relações interpessoais,

uma vez que há nelas todo um campo intersubjetivo no qual as figuras

do passado a quem era atribuída qualidade de tudo saberem, de

onipotência e de proteção, são (re)vivenciadas no aqui-e-agora na

figura desses profissionais.

d)A (contra)transferência

Freud introduziu o conceito de (contra)transferência no

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Congresso de Nuremberg em 1910, na aula inaugural de

evento definido-a como sendo “ ... a resposta emocional do terapeuta

aos estímulos que provêm do paciente como resultado da influência

do cliente sobre os sentimentos inconscientes” (do médico). (Freud,

1968, V.10)

Considerou a (contra)transferência como obstáculo ao

progresso do tratamento, o que significava ser necessário que o

terapeuta revisse sua própria análise.

Numa situação de (contra)transferência, representa uma

oposição entre, por exemplo, o psicanalista, o psicopedagogo ou o

professor e o cliente ou aluno, este profissional estaria regredido,

identificado com e reagindo contra os conteúdos internos do sujeito,

sentidos como maus e/ou hostis. Essa situação acarreta uma perda

do predomínio do ego-razão do profissional, o que permite a

reativação, nele, dos chamados “pontos cegos”, nome que, em

Psicanálise, se dá aos conflitos não resolvidos do profissional. Como

resultado de tudo isso, ação do psicanalista, psicopedagogo, etc. fica

comprometida, podendo repercutir de modo negativo no atendimento

que está realizando.

Quando o profissional está “sintonizado” com o aluno e ou o

cliente, pode-se estruturar um relacionamento interpessoal produtivo.

Neste caso a (contra)transferência é dita não regressiva, ou

seja, embora haja íntima relação entre ambos, mantém-se o

predomínio do ego-razão no funcionamento do aparelho mental do

terapeuta, psicopedagogo, etc..., os quais têm possibilidade, então, de

diferençar suas próprias vivências das vivências do seu cliente. Na

psicanálise este tipo de (contra)transferência vai permitir ao terapeuta

sintonizar-se com o inconsciente do cliente e captar as mensagens

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latentes de seu discurso manifesto (ou, noutras palavras, re-significar

o dizer do cliente) que darão embasamento às suas pontuações e

interpretações.

Tanto na (contra)transferência positiva como na negativa, é

importante que o profissional, esteja o mais possível livre de seus

conflitos significativos para poder “sintonizar” o material inconsciente

revelado pelo cliente.

e) A resistência

O fenômeno da resistência, já citado, foi observado por

Freud desde o início de sua prática clínica, ainda na fase em que

ele adotava a hipnose como processo de tratamento das

psiconeuroses. Ele observou que, mesmo hipnotizados, os clientes

recusavam-se, por assim dizer, a lembrar de alguns eventos

denominados de eventos traumáticos. A essa “recusa” ele deu o nome

da resistência.

Mais adiante, quando solicitava a seus clientes que fizessem

a chamada associação livre, notou que eles se opunham sempre ao

trabalho terapêutico ora não tendo o que dizer, ora negando ora

interrompendo o processo associativo.

Freud concluiu que a resistência fazia parte constante do

processo terapêutico e postulou que existiria uma força psíquica que

se opunha à conscientização das representações reprimidas, sendo

que esta força deveria ser a mesma que levou à formação dos

sintomas e que geraria a defesa no campo da consciência, sob a

forma de resistências.

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A resistência é um fenômeno comum a um grande número

de atividades como, por exemplo na psicanálise quando o analisando

se “recusa” a associar livremente, na situação de sala de aula, quando

o aluno se recusa a ir à escola, assistir as aula ou quando assume

uma atitude de confronto, sem motivo aparente, para com o professor.

Em todas essas situações o profissional pode estar sendo colocado

no lugar de figuras significativas, sentidas como más. È bastante

possível, inclusive, que determinados casos de dificuldades de

aprendizagem possam estar ligadas a sentimentos transferenciais

“negativos” com determinado professor.

De acordo com Mamed, os motivos da resistência foram

vistos por Freud, na psicanálise como uma ameaça à mobilização e

ao surgimento de idéias e afetos desagradáveis, idéias que foram

anteriormente reprimidas e que “resistiam” a serem recordadas.

Em 1904 o conceito da resistência é ligeiramente foi

modificado. Ao invés de admitir o conceito de idéias inaceitáveis,

passou a considerar as resistências como derivadas de um impulso

de desejo reprimido e distorcido que é mantido no inconsciente graças

a barreiras que são levantadas para evitar sua rememoração.

Nessa época Freud postulou, ainda que, quanto maior fosse

a distorção, maior seria a resistência à rememoração. Desse modo, os

impulsos inconscientes estariam, no cotidiano da vida,

constantemente presentes de forma disfarçada.

Mamed – citando Freud, diz que em 1909 as resistências

foram classificadas em dois tipos:

resistências transferenciais – quando sentimentos ou

impulsos libidinais de figuras do passado passam a ser dirigidos para

figuras atuais;

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resistências repressivas – assim chamadas por evitarem

tomar consciência de afetos penosos.

A compreensão das resistências que uma pessoa apresenta

está ligada à compreensão dos aspectos defensivos dessa pessoa,

aspectos estes que participaram e contribuíram para o resultado

patológico de seus conflitos. Daí ser fundamental considerar a

importância das resistências, quando exerce não só a função

psicanalítica senão também quando exerce a função educativa,

sejamos profissionais, pais ou mestres a ela ligados.

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33.. FFUUNNDDAAMMEENNTTAAÇÇÃÃOO TTEEÓÓRRIICCAA PPSSIICCOOPPEEDDAAGGÓÓGGIICCAA

3.1 - Sara Pain

A proposta de trabalho de Sara Pain (1992), é fundamentada

e articulada sobre três teorias: a psicanálise, a teoria piagetiana, e o

materialismo histórico.

Para ela no processo de aprendizagem coincidem um

momento histórico, um organismo, uma etapa genética da inteligência

e um sujeito.

Pain apresenta quatro dimensões do processo de

aprendizagem:

a) Dimensão biológica – fundamentada em Piaget que assinala a

presença de duas funções comuns à vida e ao conhecimento: a

conservação da informação e a antecipação. Dentro do marco da

epistemologia genética haveria uma aprendizagem em sentido amplo

– a qual consistiria no desdobramento funcional de uma atividade

estruturante, que resultaria na construção definitiva das estruturas

operatórias. É uma aprendizagem no sentido mais estrito que permite

o conhecimento das propriedades e das leis dos objetos particulares,

sempre por assimilação permitindo uma organização inteligível do

real:

... toda informação adquirida desde o exterior, o é

sempre em função de um marco ou esquema interno,

mais ou menos estruturado (Pain, 1992, p.16)

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b) Dimensão cognitiva – diferenciando três tipos de aprendizagem:

1. Aquela em que o sujeito adquire uma nova conduta, adaptada a

uma situação anteriormente desconhecida.

2. Uma aprendizagem da regulação que rege as transformações dos

objetos e suas relações mútuas.

3. Aprendizagem estrutural, vinculada ao nascimento das estruturas

lógicas do pensamento.

c) Dimensão social – considera a aprendizagem como um dos pólos

do par ensino-aprendizagem: Neste processo compreende todos os

comportamentos dedicados à transmissão da cultura e as instituições

que promovem a educação.

d) Processo de aprendizagem como função do eu – através da

educação a civilização pretende manter a pulsão em seus trilhos, e

aproveitar sua energia em obras culturais. A criança incorpora um

superego e sepulta no esquecimento sua primeira infância. O

pensamento associativo permite resolver a pressão dos impulsos ao

oferecer às demandas pulsionais que levam a satisfações

substitutivas, permitindo interpolar entre a necessidade e o desejo, o

adiantamento que supõe um trabalho mental (Freud, S., in Pain, p. 19)

A aceitação do real perante o princípio do prazer é levada a

efeito mediante função sintética do ego já que este é capaz de pensar

e, portanto, de adiar o cumprimento de um ato e de antecipar as

condições em que este ato é possível. Também é concedida à mente

a capacidade de discernimento, evitando racionalmente a

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necessidade de reprimir. Outra possibilidade da inteligência humana é

a de atender e memorizar, colocando o sujeito em atitude de

expectativa com relação ao exterior.

A aprendizagem reúne num só processo a educação e o

pensamento, já que ambos cumprem o princípio de realidade. É

necessário atenção ao reverso da aprendizagem, ou seja, aquilo que

se desaprende quando se aprende.

Conforme Pain, para aprender necessitamos de condições

que dependem da articulação entre aspectos internos e externos.

Como “aspectos internos”, Pain aponta o corpo, as

condições cognitivas e a dinâmica do comportamento:

a) O corpo - estrutura neurofisiológica ou organismo cuja integridade

anátomo-funcional garante a conservação dos esquemas e suas

coordenações (no sentido piagetiano), assim como a dinâmica do

funcionamento do indivíduo. O corpo tem a função de mediador da

ação e base do eu, e organizador de estímulos. Para isso necessita

de uma base psiconeurológica que podem ser chamados.

b) Condições cognitivas – refere-se a presença de estruturas capazes

de organizar os estímulos do conhecimento.

c) Condições ligadas à dinâmica do comportamento – refere-se ao

processo dinâmico que determina uma mudança e supões um

processamento da realidade e de que a mudança no sujeito é um

aumento qualitativo na sua possibilidade de atuar sobre ela. A

aprendizagem é o efeito do comportamento.

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Na teoria psicanalítica a possibilidade de que aconteça a

aprendizagem está dada em dois níveis: uma psicologia para

neurólogos, e aquele derivado da posição tópica do pré-consciente.

No primeiro, Freud in Pain,, distingue entre processos

primários e secundários, e considera os processos secundários como

versões atenuadas baseadas na utilização dos sinais da realidade

através do “ego” (yo) capaz de inibir, de moderar a catexia do objeto

desejado, assumindo como representado e não como real. Freud

considera que os erros lógicos são capazes de provocar uma

sensação de desprazer, e na organização de um raciocínio

equilibrado haveria satisfação.

Em O Ego e o Id esclarece a diferença entre a dicotomia

consciente-inconsciente e a diferenciação do aparelho psíquico em id,

ego e superego ou ideal do ego. Reconhece-se que o inconsciente

não coincide com o recalcado, porque existe uma parte do ego

inconsciente, não reprimido.

As condições externas, definem o campo dos estímulos,

estão relacionadas ao funcionamento do meio onde está inserido o

sujeito cognoscitivo. É comum a criança com problemas de

aprendizagem apresentar um déficit real do meio, devido à confusão

dos estímulos e se vê favorecida mediante a apresentação de um

material adequado a seu tratamento.

A combinação das considerações internas e externas leva a

uma definição operacional da aprendizagem, pois determina as

variáveis de sua ocorrência.

Sara Pain entende a patologia da aprendizagem num sentido

amplo e num sentido restrito. Neste refere-se ao problema clínico tal

como se apresenta no consultório e na escola; supõe um desvio do

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quadro normal e corresponde às expectativas relativas a um sujeito

que aprende.

No sentido amplo a reflexão se estende para a antropologia,

a lingüística e a psicanálise aplicada. Uma análise sócio-econômica

das estruturas educativas pode ajudar a compreender porque o sujeito

acaba sendo alienado da ignorância, mas é preciso ver quê estrutura

possibilita a disfunção da inteligência, e como isto acontece.

Pain considera o problema de aprendizagem como um

sintoma, o sentido de que o não-aprender não configura um quadro

permanente, mas ingressa numa constelação peculiar de

comportamentos, nos quais se destaca como sinal de descom-

pensação.

Para avaliar o sintoma, a hipótese fundamental é não

considerá-lo como significante de um significado monolítico e

substancial, mas entendê-lo como um estado particular de um sistema

que, para equilibrar-se precisou adotar este tipo de comportamento

que seria positivo, mas que caracterizamos como não-aprendizagem.

Vendo por este prisma a não aprendizagem não é o contrário de não

aprender, já que como sintoma cumpre um papel integrativo. Por

exemplo, a maioria das crianças conserva o carinho de seus pais

gratificando-os através de sua aprendizagem, mas há casos nos quais

a única maneira de contar com tal carinho é precisamente não

aprender. O diagnóstico do sintoma está constituído pelo significado,

ou seja pela funcionalidade da carência funcional dentro da estrutura

total da situação pessoal.

Conforme Pain, os fatores fundamentais que devem ser

levados em conta no diagnóstico de um problema de aprendizagem

são os seguintes:

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a) Fatores orgânicos - É importante atender a saúde dos

analisadores, porque alguns problemas de audição ou visão

costumam encontrar-se, às vezes, com o não querer ouvir, ou ver.

A investigação neurológica é necessária para conhecer a

adequação do instrumento às demandas da aprendizagem.

Outro aspecto é o funcionamento glandular, não só em

relação com o desenvolvimento geral da criança, mas também porque

muitos estados de hipomnésia, falta de concentração, sonolência,

podem ser explicadas pelas deficiências glandulares.

É necessário verificar também se o sujeito se alimenta

corretamente em quantidade e qualidade e as condições de abrigo e

conforto para o sono.

Estas perturbações podem ter como conseqüências

problemas cognitivos, mas por si sós não configuram problemas de

aprendizagem.

b) Fatores específicos – Existem alguns transtornos na área da

adequação perceptivo-motora que não oferecem possibilidade de

verificação. Estes transtornos aparecem na área da linguagem com

várias conseqüências, como dificuldade para construir imagens claras

de fonemas, sílabas e palavras, inaptidão gráfica e outras.

As desordens específicas encontram-se ligadas a uma

indeterminação na lateralidade do sujeito. Seja ela natural, hereditária

ou cultural.

c) Fatores psicógenos - Sara Pain citando Freud assinala que o

termo inibição pode atribuir-se à diminuição da função, enquanto que

o sintoma seria mais a transformação de tal função. Mesmo que os

sintomas não sejam processos que se passam no ego, a inibição

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poderia considerar-se como uma restrição exclusivamente a nível

egóico (yoico).

Então torna-se necessário diferenciar duas possibilidades

para o fato de não aprender: na primeira este fato constitui um

sintoma e supõe a prévia repressão de um acontecimento que a

operação de aprender de alguma maneira significa; na segunda, se

trata de uma retração intelectual do ego (yo), que segundo Freud

acontece em três oportunidades: a primeira quando há sexualização

dos órgãos comprometidos na ação, por exemplo, a inabilidade

manual associada à masturbação; a segunda quando há evitação do

êxito, ou compulsão ao fracasso diante do êxito, como castigo à

inibição de ser; e a terceira, quando o ego (yo) está absorvido em

outra tarefa psíquica que compromete toda a energia disponível, como

pode ser o caso da elaboração de um luto.

Para Freud, se nos ativermos sobre os tipos de aquisição da

neurose, podemos perceber que o problema de aprendizagem pode

surgir como uma reação neurótica à interdição da satisfação, seja pelo

afastamento da realidade e pela excessiva satisfação na fantasia, seja

pela fixação com a parada de crescimento na criança.

No sentido de Freud, os problemas de aprendizagem não

podem ser considerados como erros, porque são perturbações

produzidas durante a aquisição e não nos mecanismos de

conservação e disponibilidade.

O fator psicógeno do problema de aprendizagem se

confunde com sua significação, mas é importante destacar que não é

possível assumí-lo sem levar em consideração as disposições

orgânicas e ambientais do sujeito. Desta forma, o não-aprender se

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constitui como inibição ou como sintoma sempre que se dêem outras

condições que facilitem este caminho.

d) Fatores ambientais – O fator ambiental se refere ao meio ambiente

material do sujeito, às possibilidade reais que o meio lhe fornece, à

quantidade, à qualidade, freqüência e abundância dos estímulos que

constituem seu campo de aprendizagem. É fator determinante no

diagnóstico do problema de aprendizagem, na medida que nos

permite compreender sua coincidência com a ideologia e os valores

vigentes no grupo.

No diagnóstico é importante verificar o motivo da consulta

O caso mais geral é que a demanda de atendimento lógico

está motivada por um problema de aprendizagem, neste caso há uma

vinculação com o paciente, entendido como situação familiar que

solicita ajuda.

Antes da entrevista considera-se a via através da qual o

paciente chegou até nós; pode ter sido encaminhado pela professora,

pelo médico, psicólogo, propaganda ou outra pessoa. Isto é

importante para esclarecer o tipo de vínculo que o paciente pretende

estabelecer ao colocar o problema como próprio ou como imposto de

fora.

Outro aspecto que define o vínculo é a ansiedade

demonstrada pelo solicitante com relação às condições, horário e

honorários, as diversas queixas e objeções, que dão o tipo de

resistência e a urgência que a demanda carrega.

Se o paciente espera de nós um tratamento integral do

problema, é necessário criar condições psicológicas ótimas para que

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o paciente assuma o tratamento, participe e coopere na solução do

problema: é importante dizer “co-opere” ou opere junto com o

psicólogo desde o diagnóstico, porque é onde começa o processo de

reconhecimento de si mesmo.

Com estes elementos o psicólogo chama os pais para uma

primeira entrevista, para que expressem “quais os motivos pelos quais

consultam”. Insistir para o casal o fato fundamental de que todo o

núcleo familiar está comprometido na situação da criança.

Da entrevista devem ser extraídos os seguintes dados:

a) Significado do Sintoma na família – É importante prestar atenção

para alguns significantes da linguagem que os pais utilizam, isto é, os

rodeios que expressam de maneira figurada, um conteúdo latente. Por

exemplo, muitas mães dizem “meu filho não me aprende nada”, o que

ao mesmo tempo denuncia um “filho que não aprende para mim”(não

repara em mim).

Outras expressões comuns na descrição dos problemas de

aprendizagem se relacionam com o fato de (alimentar-se, assimilar,

deixar-se penetrar) “não entra nada na cabeça dessa criança”, com o

fato de conservar (reter, memorizar, engordar) na gíria, “não fica nada

na cabeça dessa criança” que transparece um sentimento de contínua

perda; e outras expressões, porque cada uma adquire significado na

seqüência do contexto.

As perturbações na aprendizagem normais ou patológicas,

tendem a evitar aquelas mobilizações que o grupo não pode suportar,

em função de seu particular contrato de sobrevivência.

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Em alguns casos o tabu do conhecimento está incorporado

em forma de “segredo”, como por exemplo o fato da criança ter sido

adotada ou ter nascido fora do vínculo matrimonial etc.

Outras vezes há uma superproteção sem afeto dirigida a um

objeto cujo valor se esgota em ser possuído, pode ocorrer que a

perspectiva de perder toda a proteção e ficar sem nada, iniba a

criança na sua conquista do mundo.

b)O significado do sintoma para a família - Irá depender da imagem

que os pais têm das causas e motivos que geram o problema e os

mecanismos colocados ao serviço da defesa contra a desvalorização

social que acarreta.

Muitas vezes o fracasso vai ser determinado pelas

expectativas da família em função de sua ideologia. Por exemplo uma

mãe burguesa identificada com seu filho, desloca os problemas dele

sobre a professora, quando diz “a professora não sabe nada, é uma

grossa, é uma louca”, uma mãe operária poderá reagir diferente

ficando revoltada diante do que a professora exige e o que seu filho

pode e precisa saber.

Os pais podem atribuir o problema às instituições, podem

atribuir à criança o maior peso nas dificuldades, como por exemplo

quando dizem que é “distraído, a cabeça não ajuda”.

A família estabelece, portanto, uma relação entre a

articulação do sintoma e a reação que provoca. Quando o fator

psicógeno é predominante, os pais evidenciam certa ansiedade por

demonstrar a “realidade” do problema. No caso de quadros com

componentes orgânicos e déficit intelectual, os pais costumam

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dissimular aquilo que suspeitam, e buscam argumentos conciliadores

como “fica nervosa nas provas”, “é tão boazinha” etc.

c) Outro aspecto importante a indagar no “motivo da consulta” são as

expectativas que os pais têm quanto a intervenção do psicólogo.

Uma vez explicitado o que esperam do diagnóstico, tentam

determinar se é a criança, os pais ou a escola o responsável pelo

déficit; no caso de ser a criança querem “saber se tem cura”, se por

causa dela ou por causa de nós, o que fazer etc.

Apesar de terem solicitado a consulta e assumido as

conseqüências, é claro que os pais apresentam obstáculos e

resistências à ação do psicopedagogo. As armas mais freqüentes que

usam é esconder, seduzir, enganar e desautorizar.

Também é importante saber os pais esperam um tratamento

e que fantasia fizeram do mesmo, especialmente para organizar a

devolução dos dados ao paciente.

b) A entrevista de “motivo da consulta” nos dá a oportunidade de

observar as modalidades comportamentais expressadas pelo casal.

O nível da comunicação que observamos se inter-relaciona

com o significado do sintoma, tornando mais clara a articulação do

triângulo pai-mãe-filho, e daí a relação entre os significantes que os

representam.

Portanto, a entrevista “motivo da consulta”, é uma ocasião

para estabelecer hipótese sobre todos esses aspectos para o

diagnóstico do problema de aprendizagem.

É necessário também compreender outros dados da vida da

criança, através da História Vital.

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Uma segunda entrevista com a mãe é dedicada à

reconstrução da história da criança. Ë importante realizá-la depois de

conhecer um pouco o paciente através da hora do jogo e algumas

provas psicométricas, a fim de orientar o interrogatório para aquelas

áreas mais relevantes.

No caso de problemas de aprendizagem, são as seguintes

áreas de indagação:

a) Antecedentes natais:

1. Pré-natais: referem-se às condições de gestação e às expectativas

do casal e da família.

2. Perinatais: tem a ver com as circunstâncias do parto, particular-

mente aqueles que podem fazer-nos suspeitar de sofrimento fetal,

cianose, ou lesão.

3. Neonatais: referem-se à adaptação do recém-nascido às

exigências da sobrevivência.

b) Doenças:

Em primeiro lugar interessam as doenças e os traumatismos

ligados diretamente à atividade nervosa superior. Por exemplo

espasmos ou convulsões, perda de consciência, terrores noturnos etc.

Dentre as demais doenças é útil destacar o tempo de

reclusão a que a criança foi obrigada, ou quão doloroso foi o

processo.

Também interessam os processos psicossomáticos, como

exemplo bronquite asmática, vômitos, diarréias e cefaléia, como

também a disponibilidade do organismo para recuperar-se.

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Por último a disponibilidade física, isto é, destreza, habilidade

manual, disposição para os esportes, todas as possibilidades e

limitações relacionadas com o corpo.

c) Desenvolvimento:

É importante saber se as aquisições feitas pela criança,

foram precoces ou retardadas nas áreas do desenvolvimento: motor,

linguagem e hábitos.

d) Aprendizagem:

Pain citando Piaget, fala em modalidade do processo

assimilativo acomodativo: o processo de adaptação cumpre-se graças

a um duplo movimento complementar de assimilação e acomodação.

Os problemas de aprendizagem estão freqüentemente

ligados a perturbações precoces que determinam a inibição dos

processos ou o predomínio de um dos momentos sobre o outro,

impedindo a integração que possibilita a aprendizagem.

A fim de indagar a modalidade em que ocorrem os processos

assimilativos no sujeito, podem-se considerar situações como o

aleitamento, a passagem para a comida semi-sólida, o manejo da

colher etc. Para indagar os aspectos ligados a acomodação, pode-se

considerar a situação de controle das esfíncteres. As perguntas sobre

este tema nos permitirá concluir sobre as oportunidades que a criança

teve para fazer uma boa adaptação inteligente.

Conforme Pain a inibição precoce de atividades assimiltivo-

acomodativas dá lugar a modalidade nos processos representativos

caracterizados da seguinte forma:

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a) Hipossimilação: os esquemas de objeto permanecem

empobrecidos, bem como a capacidade de coordená-los. Resultando

num déficit lúdico, e na disfunção do papel antecipatório da

imaginação criadora.

b) Hiperassimilação: pode dar-se uma internalização prematura

dos esquemas, com um predomínio lúdico, que ao invés de permitir a

antecipação de transformações possíveis, desrealiza negativamente

o pensamento da criança.

c) Hipoacomodação: que aparece quando o ritmo da criança não

foi respeitado, nem sua necessidade de repetir muitas vezes a

mesma experiência. Podem aparecer problemas na aquisição da

linguagem, quando os estímulos são confusos e fugazes.

d) Hiperacomodação: acontece quando houve super-estimulação

da imitação. A criança cumpre instruções mas não tem iniciativa, não

é criativa. (Pain, 1992, p.47)

Situações dolorosas: acontecimentos que representam uma

mudança para a criança e para a família, que quase sempre estão

ligadas a uma perda, sendo as mais comuns o nascimento de um

irmão, mudanças de casa, de escola, falecimento de entes queridos.

Para que a situação dolorosa não venha desencadear um

problema de aprendizagem é necessário que a criança tenha

oportunidade de elaborar corretamente a perda.

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Informação: refere-se às informações que a criança recebe

sobre temas sexuais, sobre a morte, a estimulação cultural que ela

conta, e que atividades extra-escolares realiza.

Escolaridade: é importante explicitar tudo aquilo que se

refere às experiências escolares pelas quais a criança tenha passado.

Interessa também saber o que é a escola para esta família,

que função cumpre dentro das expectativas do grupo, qual a relação

família-escola.

A escola pode ser para a família o “segundo lar”, “um

depositório de crianças” um lugar onde “os colocam na linha”, “uma

prisão”, o lugar onde “se encontram com outras crianças” etc. (Pain,

1992, p. 49)

Estes dados junto com a análise dos cadernos da criança,

somados às informações da escola, irão permitir-nos esclarecer se se

trata de um problema de aprendizagem ou de um problema escolar,

bem como verificar a mútua correlação entre eles.

Hora do jogo

A atividade lúdica inclui os três aspectos da função

semiótica: o jogo, a imitação e a linguagem.

O jogo é uma atividade predominantemente assimilativa,

através da qual o sujeito alude a um objeto, propriedade ou ação

ausente, por meio de um objeto presente que constitui o símbolo do

primeiro.

A imitação e uma ação internalizada como imagem, que

permite à criança realizar ações simbólicas sobre objetos simbólicos

que têm por base o seu próprio corpo.

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60

A linguagem é a função semiótica por excelência, permite a

referência a um objeto ausente através de uma articulação

fonoauditiva.

O exercício de todas as funções semióticas que supõe a

atividade lúdica possibilita uma aprendizagem adequada na medida

em que é através dela que se constroem os códigos simbólicos e se

processam os paradigmas do conhecimento conceitual.

A atividade lúdica nos fornece informação sobre os

esquemas que organizam e integram o conhecimento num nível

representativo...

O importante é descobrir como a criança brinca e em casos

extremos, em que condições ela é capaz de brincar.

Pain utiliza as provas psicométricas que permitem esclarecer

até que ponto a disponibilidade dos processos cognitivos justificam as

dificuldades do sujeito na aquisição através da aprendizagem.

Através dos testes pode-se analisar:

a) A idade mental, quociente intelectual, percentil e escore conforme

o teste aplicado;

b) Determinação do estágio de estruturação alcançado segundo a

teoria genética;

c) Análise da dispersão: aptidões, áreas compensadas,

descompensadas, ou deterioradas. Determinação dos fatores de

correlação entre as provas;

d) Modalidade de atividade cognitiva. (Pain, 1992, p. 55)

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Provas projetivas

Para o diagnóstico dos problemas de aprendizagem

interessa especialmente o exame dos conteúdos manifestos e sua

relação com os sentimentos agressivos ou de medo associados às

situações representadas.

O exame de provas projetivas permitirá, avaliar a

capacidade do pensamento para construir, no relato ou desenho, uma

organização coerente para veicular e elaborar a emoção; também

permitirá avaliar a deteriorização que se produz no próprio

pensamento quando o quantum emotivo resulta excessivo. As provas

mais comuns são:

a) as que solicitam o desenho (árvore-casa-pessoa; família; casal

etc.);

b) as que demandam um relato inspirado em lâminas (TAT,

Phillipson, Roszezweig), ou nos relatos inconclusivos (frases

incompletas etc);

c) as que provocam uma escolha de objeto (desiderativo, associação

livre etc).

Também realizam-se provas específicas:

a) De lateralidade – tem por objeto determinar o predomínio de um

hemisfério cerebral sobre o outro na coordenação das ações.

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b) De lecto-escrita – interessa determinar que tipo de dificuldade é a

que predomina no fracasso da criança na aquisição da escrita e da

leitura.

É necessário adaptar o material conforme as dificuldades do

paciente com o objetivo de verificar o tipo de problema: de

organização espacial, temporal, de coordenação fonoaudiológica, de

alterações no reconhecimento simbólico e as diferentes formas de

paralexia e paragrafia.

Diagnóstico e Orientação Terapêutica

Após recolher toda a informação e resumir os diferentes

aspectos que interessam a cada área investigada é necessário avaliar

o peso de cada fator na ocorrência do transtorno de aprendizagem.

Conforme Pain, diagnosticar o não-aprender como sintoma

consiste em encontrar sua funcionalidade, isto é, sua articulação na

situação integrada pelo paciente e seus pais. O eixo do diagnóstico

será a articulação do sintoma, o sentido da ignorância no triângulo

edípico.

É importante buscar o “para que” do sintoma, com os dados

do “motivo da consulta”, a história vital da criança, sua própria

imagem da doença e as expectativas de cura. É necessário buscar

também o “por quê” e “como” do problema de aprendizagem. O

“porquê” refere-se às condições que tornaram possível a escolha

exata desta sintomatologia e ao fato do sujeito não ter podido

defender-se e ter aceito o papel que lhe foi atribuído. O “como” do

problema de aprendizagem, refere-se à modalidade peculiar através

da qual o pensamento inibe sua função ou adota comportamentos

cognitivos confusos.

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63

Na realidade, pode-se considerar que o tratamento começa

com a primeira entrevista diagnóstica, uma vez que o enfrentamento

do paciente com sua própria realidade, o obriga a uma série de

aproximações, avanços e retrocessos mobilizadores de um conjunto

de sentimentos contraditórios.

Durante as provas psicométricas e projetivas o sujeito vê a

si mesmo em seus defeitos e virtudes, em seus gestos, em sua

carência etc. O momento mais importante desta aprendizagem talvez,

seja a entrevista dedicada à devolução do diagnóstico, entrevista que

se realiza primeiro com o sujeito, depois com a família. A tarefa

psicopedagógica começa aqui, no sentido de tomar consciência da

situação e providenciar sua transformação. Ajuda com material na

devolução, aquilo que foi expresso no motivo da consulta.

Pain, destaca três aspectos importantes no tratamento:

a) sintomático: o tratamento centra-se no ponto de urgência do

paciente que é não poder integrar os objetos de conhecimento. Essa

dificuldade está comprometida numa situação mais complexa.

Segundo Freud, o que resta da doença depois do desaparecimento do sintoma é apenas a disposição para formar novos sintomas; tratando-se da aprendizagem e das atividades cognitivas, o reforço desta deixa os sujeito numa melhor disposição para melhorar seu trauma, caso se submeta a uma psicanálise, e para encontrar vias de satisfação na sua vida quotidiana. (Freud, in Pain, p. 77)

b) situacional: baseia-se no que ocorre na sessão. A tarefa será

salientar os enquadramentos reais.

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c) Operativo: no tratamento psicopedagógico a relação é feita

principalmente em torno de uma tarefa precisa e concreta. Esta torna

evidente para a criança através de uma instrução que inclui uma

orientação sobre a atividade a ser desenvolvida e o objeto que esta

atividade supõe para o tratamento em si. Tenta-se explicitar o

“porquê” e “para que” é o exercício que deve ser resolvido. Ficando

por analisar o “como” da resolução.

No tratamento psicopedagógico, os objetivos básicos são o

desaparecimento do sintoma e a possibilidade para o sujeito de

aprender normalmente.

É necessário conseguir uma aprendizagem que seja uma

realização para o sujeito, e uma aprendizagem independente por

parte do sujeito, assim como propiciar uma correta autovalorização.

Avalia-se a tarefa em cada sessão. O enquadre psicopedagógico

reforça o vínculo do paciente com a tarefa e não com o psicólogo.

3.2 - Alícia Fernández

Alícia Fernández fundamenta seu trabalho na epistemologia

genética, que fala de um sujeito de conhecimento, sujeito epistêmico,

que constrói suas estruturas cognitivas. Esse sujeito ativo, através da

assimilação, acomodação, tende a adaptar-se ao meio.

Conta também com a psicanálise, que, ao dar conta do

sujeito desejante, permitirá ir além do que pretende a lógica, trazendo

questões imprescindíveis para o esclarecimento dos aspectos

inconscientes e transferenciais na aprendizagem.

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Fernandez, define como sujeito próprio da psicopedagogia o

ensinante-aprendente, ou seja, o sujeito da autoria de pensamento.

Penso o sujeito aprendente como aquela articulação que vai armando o sujeito cognoscente e o sujeito desejante sobre o organismo herdado, construindo um corpo sempre em intersecção com outro (conhecimento-cultura) e com outros (pais, professores, meios de comunicação). (Fernandez, 2001, p.55)

Desta forma, o sujeito aprendente constrói-se a partir de sua relação

com o sujeito ensinante, presentes em uma mesma pessoa, em um

mesmo momento. O aprender acontece a partir dessa

simultaneidade. Nesse processo intervêm inteligência e desejo.

Para Fernandez, os problemas de aprendizagem são

causas, sinais e evidências de um processo que está “atrapado”,

desarticulado ao longo de sua evolução histórica.

O problema de aprendizagem deve ser sempre um enígma a ser decifrado que não deve ser calado, mas escutado. Desse modo, quando o “não sei” aparece como principal resposta, podemos perguntar-nos o que é que não está permitido saber (2001, p.38)

Os problemas de aprendizagem podem ser divididos em

duas categorias: O problema de aprendizagem sintoma e o problema

de aprendizagem reativo.

No sintoma o problema se apresenta e estrutura no sujeito,

sendo resultante da desarticulação do corpo ou organismo, da

inteligência, da estrutura de necessidades ou do desejo. Está

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relacionado principalmente às questões internas, sem excluir a

influência do grupo familiar e da escola.

Quando o problema é um sintoma, é necessário investigar e

tratar o sujeito, buscando compreender este sintoma como um

momento particular de um sistema que se apresenta em

desequilíbrio. Para isso é necessário realizar um retrospecto histórico

do desenvolvimento do sujeito, interpretando este sintoma e

buscando decodificá-lo.

Para Fernández, o problema exige uma unidade

interdisciplinar em sua abordagem, pois para aprender põem-se em

jogo quatro níveis: orgânico, corporal, intelectual e simbólico

(inconsciente). Portanto, o paciente-problema de aprendizagem

requer a intervenção de diferentes especialistas, cujas diferentes

opiniões são necessárias para se estabelecer um diagnóstico

psicopedagógico.

Assim como não se pode entender um processo somente a

partir do aprendente, sem recorrer ao ensinante, também não

poderíamos diagnosticar um problema de aprendizagem sem incluir a

instituição escolar.

Para Alícia Fernández, nossa tarefa aponta para a conquista

de que o espaço de tratamento se transforme em um “espaço

transicional” onde seja possível reconstruir o espaço de jogo e

criatividade do paciente, que é matriz do aprender.

Num primeiro momento do tratamento psicopedagógico, o

paciente pode confundir o conhecimento com o psicopedagogo.

Então, promove-se o deslocamento que o sujeito possa fazer entre o

terapeuta e o conhecimento. Ele tem a oportunidade de encontrar-se

com esse terceiro que é o conhecimento, e através deste, consigo

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mesmo, como ocorre nos primeiros vínculos de aprendizagem entre a

mãe e seu filho.

O modelo dignóstico proposto por Fernández é o diagnóstico

interdisciplinar familiar de aprendizagem em uma só jornada (DIFAJ).

O DIFAJ pretende aproveitar e potencializar a presença em

um mesmo espaço de diferentes profissionais que intervêm na saúde,

criando o terreno para formação de equipes interdisciplinares.

Com o DIFAJ, coloca-se como protagonista a família,

pretendendo já desde a convocação, ter uma intervenção operativa

em relação à mobilidade desse lugar do saber dos pais. Todos têm

algo a dizer, todos escutam e perguntam, dando um espaço individual

e um espaço por subgrupos. E à “criança-paciente”, um espaço

individual para que possa mais livremente estruturar sua fala.

Desta forma devolve-se à família a possibilidade de pensar,

de fazer-se perguntas, de questionar-se, refletir e descobrir os

caminhos para mudar.

Para Alícia Fernández, a origem dos problemas de

aprendizagem não se encontra na estrutura individual. O sintoma se

ancora em uma rede particular de vínculos familiares, que se

entrecruzam com uma particular estrutura individual.

A análise estrutural trata a estrutura interna do paciente. A

dinâmica se detém na rede de vínculos da estrutura familiar.

Na clínica pretende-se analisar e intervir no ponto de

articulação entre o estrutural e o dinâmico.

O DIFAJ é um modelo diagnóstico que permite analisar as

dificuldades de aprendizagem, na articulação entre o estrutural e o

dinâmico.

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68

Para aprender é necessário uma relação entre um ensinante

e uma aprendente.

Alícia Fernández fala não só no aprendente que fracassa,

mas também fala de ensinantes ou de vínculos que fracassam ou

produzem sintomas.

Ensinantes podem ser o docente, a instituição educativa ou

o pai, a mãe, o amigo ou quem estiver investido pelo aprendente e/ou

pela cultura, para ensinar. Desta forma o problema de aprendizagem

deve ser diagnosticado a partir do aprendente e ensinante no vínculo.

No DIFAJ deixa-se também espaço para a instituição

educativa onde poderão participar orientadores educacionais,

assistentes sociais, e docentes, não só apresentando elementos para

o diagnóstico, mas, também, participando da elaboração de uma

estratégia conjunta.

Os membros da escola participam da reflexão da

problemática da criança que fracassa, possibilitando a instituição

educativa a admitir que ela é parte ativa tanto na origem quanto na

manutenção da dificuldade da criança.

Para interpretar a origem dos problemas de aprendizagem e

a significação do aprender, levam-se em consideração o organismo, o

corpo, a inteligência e o desejo.

Para aprender, necessitam-se dois personagens (ensinante e aprendente) e um vínculo que se estabelece entre ambos. (Fernandez, 1991, p. 47)

Para aprender coloca-se em movimento: o organismo

herdado, o corpo, a inteligência e o desejo.

Fernández, considera a aprendizagem como um processo

cuja matriz é vincular e lúdica e sua raíz corporal; seu desdobramento

criativo põe-se em jogo através da articulação inteligência-desejo e do

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equilíbrio assimilação-acomodação. Ela considera o problema de

aprendizagem como resultante da articulação construtiva do

organismo, o corpo, a inteligência e a estrutura do desejo no indivíduo

incluído em um grupo familiar no qual seu sintoma tem sentido e

funcionalidade, em um sistema educacional que também condiciona e

significa, sem sufocar a originalidade e autonomia do sujeito.

O conhecimento é transmitido pelo ensinante através de

uma “enseña”. Esta é construída pelo ensinante através de quadro

níveis de elaboração (orgânico, corporal, intelectual e semiótico ou

desejante). No aprendente também intervém quatro estruturas que

se constroem através de uma inter-relação constante e permanente

com o meio familiar e social. A aprendizagem é, portanto, um

processo dialético.

O Organismo bem estruturado é base eficaz para a

aprendizagem; gerando dificuldades quando sofre perturbações.

Pelo corpo nos apropriamos do organismos. Alícia

Fernández, citando Sara Pain, faz a distinção entre a noção do corpo

e organismo, como fundamental para sair do dualismo organismo-

psiquismo.

“Há um corpo real, diferente do organismo e em grande parte independente dele. Assim, o organismo é um sistema de auto-regulação inscrito, enquanto que o corpo é um medidor e por sua vez um sintetizador dos comportamentos eficazes para a apropriação do “em torno”por parte do sujeito. “

“... o corpo acumula experiências, adquire novas destrezas, automatiza os movimentos de maneira a produzir programações originais ou culturais de comportamento.”

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“O organismo pode definir-se fundamentalmente como programação. Memória assentada sobre a morfologia anatômica dos diferentes órgãos”

A memória do corpo é diferente da memória do organismo e ambas se conjugam com as “memórias” da inteligência e do desejo na aprendizagem. (1991, p.58)

Ao educador não basta apenas que o aluno faça bem as

multiplicações e divisões, mas que ele encontre prazer quando

consegue uma resposta. O corpo é imagem de prazer, a disposição

do corpo dá ao ato de conhecer a alegria sem a qual não há

verdadeira aprendizagem. O espaço educativo deve ser um espaço

de confiança, de liberdade e de jogo.

Alícia Fernández ao fala de inteligência, desejo e

corporeidade, refere-se a intercâmbios afetivos, cognitivos com o

meio, não só a intercâmbios orgânicos.

A estrutura cognitiva e a estrutura simbólica (o nível do

desejo) são diferenciáveis. Sara Pain tem razão quando diz que o

problema de aprendizagem, isto é, aquele sintoma onde a inteligência

é “atrapalhada” pelo desejo, é o lugar privilegiado, talvez o único, para

poder observar as relações entre ambas estruturas. (in Fernández,

1991, p.69).

Quando se estuda a patologia da aprendizagem começamos

a encontrar pontos de contato entre as duas teorias que tratam

separadamente da inteligência e do desejo: a teoria de Piaget e a

psicanálise.

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Um psicopedagogo, cujo objeto de estudo e trabalho é o

problema de aprendizagem, não pode deixar de observar o que

acontece entre a inteligência e os desejos inconscientes.

Quando se refere à inteligência, está se referindo à estrutura

lógica, enquanto que a dimensão desejante é simbólica, significante e

alógica.

A estrutura lógica, conforme Piaget, é uma estrutura

genética. O conhecimento se constrói. O indivíduo passa por um

processo, faz um trabalho lógico para se chegar ao mesmo.

Para Piaget, a ação é ponto de partida da razão e fonte de

organização e reorganização contínua da percepção. Piaget fala da

construção real do conhecimento, quer dizer, da atividade que deve

depender o sujeito para obter uma organização cognitiva que não

está determinada pelo caudal genético, nem imposta pelo estímulo

exterior.

Freud provoca uma revolução no pensamento, ao afirmar a

existência da sexualidade infantil antes só atribuída aos adultos.

Piaget, em outro plano descobre que os adultos não tem a

exclusividade dos raciocínios inteligentes, desde os primeiros meses

há uma inteligência sensório-motora que vai se construindo em um

processo no qual se prisma pela ação. Todo conhecimento tem uma

história que o vincula com o esquematismo da ação, e por aí ao

organismo. (Piaget in Fernandez, p.71)

Piaget permite-nos entender as diferentes respostas da

criança ante a realidade, não como erros, mas como outra

modalidade e outra lógica diferente.

No desenvolvimento cognitivo Piaget fala em estágios que

vão se processando à medida que a criança caminha em seu

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desenvolvimento: inteligência sensório-motora, pré-operatória,

operações concretas e operações formais.

A inteligência tende a objetivar, a buscar generalidades a classificar, a ordenar, a procurar o que é semelhante, o comum, ao contrário, o desejo é subjetivante, tende à individualização à diferenciação, ao surgimento do original em cada ser humano único em relação ao outro (Fernández, p.73)

O nível simbólico organiza a vida afetiva e a vida das

significações. A linguagem, o gesto e os afetos agem como

significados ou como significantes. Sendo, às vezes, chamado de

emoções, afetividade, inconsciente. O nível simbólico expressa

nossos sonhos, nossos erros, nossas lembranças, nossas falhas,

nossos mitos.

Para que haja uma aprendizagem, intervêm o nível cognitivo

e o desejante, além do organismo e do corpo.

Os produtos, os atos, sejam pensamentos ou afetos, são

construídos por trabalhos dos dois níveis; elaboram-se através de

processos objetivantes e subjetivantes.

Alícia Fernández diz que, enquanto a inteligência se propõe

apropriar-se do objeto conhecendo-o, generalizando-o, incluindo-o em

uma classificação, o desejo se propõe a apropriar-se do objeto,

representando-o.

Para a psicanálise os processos inteligentes surgem a partir

de uma derivação da energia sexual para um objeto diferente e

socialmente aceito.

Fernández citando Laplanche diz que o sintoma é um sinal

com significação simbólica. Mas quando fala em sintoma ela está se

referindo a signo e símbolo. É o retorno do reprimido. Uma luta entre

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instâncias conscientes e inconscientes para que mantenha reprimido

aquilo que se pretendeu reprimir. Mannoni, diz que “há uma

mensagem encapsulada, o sujeito fala através do sintoma com sinais

de um código pouco comunicável. Alude e ilude. Denuncia e renuncia.

O sintoma é como um disfarce in ”. (Fernández, p. 85)

Alícia Fernández diz que no sintoma de aprendizagem, a

mensagem está encapsulada e a inteligência “atrapada”. A criança

renuncia ao aprender, ou aprende perturbadamente. (1991, p.85)

No sintoma de aprendizagem o que se atrapa é a

capacidade de aprender. A estrutura inteligente forma parte do

inconsciente, e a aprendizagem é uma função em que participam

tanto a estrutura inteligente como a desejante, ambas inconscientes.

A inibição cognitiva implica uma repressão exitosa, refere-se

a uma evitação, não a uma transformação da função. No sintoma

podemos encontrar transformação, condensação e deslocamento; na

inibição diminuição, evitação ao pensar. Freud não fala de inibição

cognitiva, mas diz que tem a ver com uma sexualização da função

inibida. Para Alícia Fernández, quando está sexualizado o pensar, o

conhecer, o aprender, produz-se a inibição cognitiva.

A modalidade de aprendizagem na inibição, remete a uma diminuição apresentando-se como “hipoassimilação-hipoacomodação”, no sintoma, a modalidade de aprendizagem vai aludir ao conflito e ao desequilíbrio, apresentando-se como hiperas-similação-hipoacomodação ou, hipoas-similacão-hiperacomodação. (Fernández, p. 87)

A aprendizagem é um processo em que intervêm a

inteligência, o corpo, o desejo, o organismo, articulados em um

determinado equilíbrio; mas a estrutura intelectual tende a um

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equilíbrio para estruturar a realidade e sistematizá-la através de dois

movimentos que Piaget definiu como invariantes: assimilação e

acomodação.

Alícia Fernández, fala da importância do olhar e escuta

psicopedagógica, que só poderá gestar-se no espaço transicional, de

jogos, confiança e criatividade.

Por exemplo, numa anamnese, somente os dados nunca

remetem ao saber. Muitas vezes, costumam ocultá-lo. Sobre os

dados evolutivos, é mais importante perguntar “como” do que

“quando”.

O terapeuta posicionando-se em um lugar analítico, permite

ao paciente organizar-se e dar sentido a partir de um outro que

escuta e não desqualifica, nem qualifica. Tem a ver com o “holding”,

ou espaço de confiança proposto por Winnicott.

Para ler psicopedagogicamente a produção de um paciente,

de uma família ou de um grupo é necessário: posicionar-se em um

lugar analítico, assumir um atitude clínica, à qual será necessário

incorporar conhecimentos, teoria e saber, acerca do aprender.

O aprender, ao estar “atrapado”, perturba a capacidade de

comunicar os afetos e as idéias. O problema de aprendizagem

provoca uma má articulação inteligência-desejo.

A atitude clínica refere-se ao escutar e traduzir. O que se

tenta promover é a emergência da “história mítica”.

Confome Neuburguer, “

o mito familiar é a crença mostrada em características, especificidades do grupo. Essas crença concernem todos os níveis de realidade da família; o conjunto dessas crenças constitui a “personalidade” de uma família, o mito de uma família”. (Neuburguer, 1999,p.15)

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O psicopedagogo deverá assumir aspectos que o ajudem a

dar conta dos nós, entraves e maus ligamentos entre inteligência e

desejo.

Para Alícia Fernández, incorporam-se à atitude clínica:

a) conhecimentos sobre como se aprende e sobre o organismo,

corpo inteligência e desejo;

b) uma teoria psicopedagógica: matriz interpretativa que não é a

soma dos acontecimentos anteriores, mas uma teoria que os

abrange, surgida da prática com o problema de aprendizagem;

c) saber sobre o aprender e não aprender. (1991, p. 128).

O Problema de aprendizagem põe em evidência a

necessária inter-relação dos níveis orgânicos, corporal, intelectual e

desejante, a partir de sua articulação sintomática.

Somente com a inclusão dos conhecimentos na teoria

psicopedagógica, não conseguimos uma escuta psicopedagógica, é

necessário, incorporar também o saber psicopedagógico.

Fernández faz uma distinção entre conhecimento e saber. O

conhecimento é objetivável, transmissível de forma indireta, pode ser

adquirido através de livros. O saber é transmissível só diretamente,

de pessoa a pessoa, e experiencialmente, pode ser enunciado

somente através de metáforas, situações, casos clínicos.

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O saber psicopedagógico poderá se obter através da

experiência, “mergulhando na tarefa”, através do tratamento

psicopedagógico didático.

Para se conseguir o saber psicopedagógico, um espaço importante é

o tratamento de auto-análise das próprias dificuldades e

possibilidades no aprender.

Alícia Férnandez, estabelece um guia para se conseguir uma escuta

psicopedagógica:

a) Escutar-olhar: escutar, receber, aceitar, abrir-se, permitir,

impregnar-se. Olhar, seguir, procurar, incluir-se, interessar-se,

acompanhar. Permitindo ao paciente falar a ser reconhecido, e ao

terapeuta compreender a mensagem.

b) Deter-se nas fraturas do discurso: através dos lapsos, das

dificuldades na expressão, cortes, reticências, repetições, emerge o

inconsciente.

c) Observar e relacionar com o que aconteceu previamente à

fratura.

d) Descobrir os esquemas de ação subjacentes. Para encontrar os

esquemas de ação não é necessário deter-se no conteúdo do

mesmo, mas no processo e nos mecanismos.

e) Buscar a repetição do esquema de ação.

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f) Interpretar a operação que forma o sintoma. O psicopedagogo

busca as idéias inconscientes sobre o aprender, relacionando-as com

a operação particular que constitui o sintoma. (1991, p. 131)

No DIFAJ (Diagnóstico Interdisciplinar Familar de

Aprendizagem), para receber o motivo de consulta, necessita-se

quatros espaços diferentes: grupo familiar, pais, grupo de irmãos –

com o paciente incluído -, paciente para observar a formulação da

demanda. Pretende-se receber a “queixa” que a família traz sobre o

paciente e desenvolver uma descrição sobre o que querem dizer

essas palavras, quem as diz, porque as dizem, que pensam eles e

por que se diz isto, o que significa para ele que, por exemplo, “não

presta atenção”, e por que para eles isto é importante etc.

Inicia-se o trabalho fazendo a cobertura com o grupo familiar

e a equipe de profissionais encarregada. Neste momento, procura-se

enquadrar a situação, ou seja, explicar por que estamos aqui,

programar a tarefa dessa jornada e receber o motivo da consulta

familiar.

Inicialmente sugere-se aos pais que comentem o que os

trouxe à consulta e contem como vêem o filho. A versão dos pais

sobre o problema, o sintoma, dão-nos importantes chaves para nos

aproximarmos do significado que a dificuldade de aprender tem na

família.

No motivo da consulta aos pais é importante analisar:

a) O tipo de vínculo que os pais estabelecem entre si frente ao

terapeuta.

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b) O grau de independência e de autonomia de pensamento dos

pais quanto à possibilidade de opinar sobre o que os preocupa. O que

significa o não aprender da criança para a família e para os pais.

c) A relação da família frente ao fracasso escolar ou ao não

aprender, relaciona-se com os valores que predominam no grupo

social da família.

d) Quais as expectativas que os pais põem em nossa intervenção.

e) Quais os aspectos que estabelecem um desacordo entre eles.

f) O grau de discriminação mútua.

g) Se os pais estabelecem diálogo um com o outro

(Alícia Fernández, 1991, p. 144-145)

No motivo da consulta, não inclui a anmnese uma vez que

dá-se grande importância ao discurso espontâneo para entender o

significado do sintoma na família e para a família. Mesmo assim

aparecem obstáculos e resistências a ação do psicopedagogo.

Ao mesmo tempo em que se realiza o motivo da consulta

dos pais, realiza-se o motivo da consulta fraterno, ou seja, a

descrição do sintoma por todo o grupo de irmãos.

A utilização das técnicas dramáticas possibilitam uma

contribuição valiosa para o diagnóstico, uma vez que permitem a

espacialização e objetivação dos vínculos.

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A criança participa, portanto, do “motivo de consulta

familiar” e do “motivo de consulta fraterno”, escutando seus pais e

irmãos, tendo a possibilidade de recharçar ou aceitar o que dizem

dela, e quem sabe enunciar com suas próprias palavras, a queixa que

os demais têm sobre ela.

Com o paciente individualmente procura-se transmitir o

interesse em escutá-lo, a possibilidade que tem de expressar que

coisas o preocupam ou desagradam, e nosso desejo de ajudá-lo,

desde que ele possa formular o pedido.

O ponto crítico em todo motivo de consulta, mais que revelar a demanda do paciente, é a construção de um “espaço de confiança” que possibilite a articulação de tal demanda (Alícia Fernández, p. 151)

Ao falar da hora e jogo psicopedagógicos – espaço para

jogar, espaço para aprender – Fernández não se refere a um ato ou

produto, mas a um processo. Ela se refere a esse lugar e tempo a

que Winnicott chama “espaço transicional”, de confiança e

criatividade. Transicional entre o crer e o não crer, entre o dentro e o

fora. Ao instrumentar o brincar no tratamento, criando esse espaço,

pode-se ir modificando a rigidez das modalidades de aprendizagem.

O objetivo do trabalho psicopedagógico é ajudar a recuperar o prazer

de aprender e a autonomia do exercício da inteligência, significando

também o prazer de jogar.

Winnicott ensina-nos como a criança joga, para expressar

agressão, para adquirir experiência, para controlar ansiedade, para

estabelecer contatos sociais como integração da personalidade e por

prazer.

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É no jogo que a criança relaciona as idéias com a função

corporal (Winnicott in Fenández, p. 167)

A hora de jogo é utilizada para compreender alguns

processos que podem ter levado à patologia no aprender:

a) O espaço de aprendizagem e o espaço de jogar se coincidem.

b) Ambos os processos tem momentos análogos (inventário-

organização-integração).

c) O brincar possibilita o desenvolvimento das significações de

aprender (Alícia Fernández, p. 168)

A hora do brincar psicopedagógico é estabelecida no

primeiro momento do DIFAJ. Desta forma pode-se ter uma

aproximação do tipo de inter-relação inteligência-desejo-

corporeidade. A hora do jogo permite observar a dinâmica da

aprendizagem.

Para Fernández, a hora de jogo é utilizada com crianças de

três a nove anos.

Para crianças menores usa-se a hora de jogo vincular mãe-

filho, família.

Para Fernández, são vários os objetivos da hora do jogo:

a) Possibilitar o desenvolvimento e análise das significações do

aprender para a criança.

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b) Compreender os processos que podem ter levado à patologia

no aprender. Observar a inter-relação inteligência-desejo-

corporeidade.

c) Obsevar o processo de construção do símbolo: a aptidão da

criança para criar, refletir, imaginar, fazer notar e produzir um objeto

(Sara Pain).

d) Observar os processos de assimilação-acomodação e seus

equilíbrios, desequilíbrios e compensações.

e) Analisar a modalidade de aprendizagem.

f) Ver a capacidade da criança para argumentar, para construir

uma história e em que medida a cognição põe-se a serviço de

organizar seu mundo simbólico. (Fernández p. 171)

Quanto à anamnese, fica a critério da equipe, de acordo com

a situação, realizá-la com a mãe ou com ambos os pais.

Tratando-se do diagnóstico de aprendizagem, privilegia-se

na história vital o relato de situações que se obtenha dados sobre a

modalidade de aprendizagem.

Também é importante precisar o que significa a escola para

a família. Analisar as queixas que os pais fazem sobre os professores

ou o ensino.

Referindo-se à utilização de técnicas psicométricas,

Fernández concorda com Mannoni quando afirma:

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... considero os testes somente como um meio e não como um fim. Utilizo-os em um diálogo em cujo transcurso tento desentranhar um sentido... (Mannoni in Fernández, p. 192).

Nos testes projetivos observa-se a intervenção da cognição.

O processo simbólico é observável a partir de projeções, mostra-se

no discurso, na atuação dramática, nos grafismos, na corporeidade

etc.

O chiste, por exemplo, pode servir-nos de paradigma para

observar como trabalham articuladamente o nível simbólico e

cognitivo.

As provas projetivas como o CAT, desiderativo, gráfico etc,

podem oferecer dados sobre a articulação entre a elaboração

objetivante e a subjetivante.

Fernández diz que é importante deter-nos em:

a) Analisar com os recursos cognitivos possibilitam a

organização da projeção, a expressão da dramática do sujeito

e a comunicação de suas angústias.

b) Observar o tipo de leitura da realidade – fraturas,

escotomizações, distorções, tergiversações (1991, p. 224).

A devolução será a entrega diagnóstica ou recuperação do

prazer esquecido de aprender a viver. A forma como será realizada a

devolução é decidida pela equipe. Inclui uma devolução aos pais e

outra ao grupo familiar.

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O reencontro da mãe com sua própria maternidade, com seu próprio amor, é um dos momentos mais emocionantes nos diagnósticos, na devolução. Se alguém pode dar, devolver algo desse amor que existe na relação de pais e filhos, terá posto uma âncora para poder construir o tratamento. (Sara Pain, in Fernández, p. 230).

É necessário olhar os pais de maneira afetuosa para fazer

com que o afeto circule. A criança tem que senti-lo da parte da mãe e

do pai e eles da parte de seus filhos. Porque quando o amor começa

a circular, a aprendizagem também começará a circular.

O expresso nos motivos de consulta, poderá ajudar-nos

como material na devolução com diferentes aspectos que foram

observados durante o processo diangóstico.

Alícia Fernández diz:

Se por “devolução” entendemos a recuperação do pensar, dos afetos sepultados, circulação do conhecimento e do saber, reencontro com os aspectos sadios, devolução em um espelho da identidade do paciente, e não o caracterizarmos como entrega diagnóstica onipotente, podemos continuar usando o termo devolução. Sabendo que o que tentamos é ajudar a recuperar o prazer esquecido de aprender e viver. (1991, p. 231)

3.3- Atuação do Psicopedagogo

A psicopedagogia apresenta-se como uma área entre o nível

afetivo e o nível cognitivo em relação à aprendizagem e aos sistemas

e processos educativos. Desta forma a Psicopedagogia utiliza-se de

diversas ciências tais como a Sociologia da Educação, a

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Sociolingüistica, a Psicolingüistica, a Epiestemologia Genética, a

Psiquiatria Infantil e a Psicologia.

Na abordagem sociológica é importante verificar que através

da análise mais profunda do papel da Escola na sociedade e das

relações estabelecidas entre ambas, que se pode tentar compreender

a aprendizagem e a prática educativa.

A contribuição da Sociolingüística trouxe a questão das

variações dialetais nos processos de fala e de escrita normais; esta

ciência mostra a sistematização e a regularidade das variedades

lingüísticas colocando-as em igualdade com o dialeto considerado

padrão.

A Psicolingüística permite definir que quanto mais rico o

meio em oportunidades de interagir com a leitura e a escrita, tanto

maiores as possibilidades de a criança construir e testar suas

hipóteses. De acordo com Emília Ferreiro e Teberosky (1984), em

diferentes culturas, as crianças vão construindo hipóteses a respeito

da leitura e escrita numa ordem de progressão surpreendentemente

regular, em diferentes meios sócio culturais.

A Epistemologia Genética, além de explicar como o sujeito

aprende, tráz contribuições à área psicopedagógica, através de

conceitos como o de erro construtivo e de estudos psicogenéticos de

aquisições de conteúdos escolares, sob o modelo epistemológico.

Pesquisas revelam que unindo o método clínico clássico à observação

participante, mostram na aprendizagem escolar, que o fracasso é

muito mais da escola em ensinar do que do aluno em aprender, uma

vez que as condições da aprendizagem propostas pela escola,

afastam-se completamente das condições de aprendizagem que o

cotidiano possibilita.

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Para a Psiquiatria Infantil, em termos gerais, o sintoma

desenvolve um papel como elemento patológico ou normal; é

necessário ter sempre presente se o sintoma detém o poder

patogênico no funcionamento afetivo da criança ou se assume um

papel organizador.

A Psicologia auxilia a psicopedagogia a compreender o lado

emocional pelo qual o sujeito vivência no momento em que apresenta

dificuldades na aprendizagem. Aborda os aspectos afetivos e alguns

processos inconscientes que podem influenciar no desempenho

escolar. De acordo com a teoria psicanalítica, a dinâmica inconsciente

exerce um papel fundamental em todo nosso comportamento

manifesto (Freud, 1901, 1915) e regula, diretamente, o que

costumamos chamar de aspectos afetivos do comportamento.

A psicopedagogia preocupa-se com as características da

aprendizagem humana, levantando as questões: como se aprende,

como a aprendizagem evolui; como e porque se produzem as

alterações da aprendizagem, como reconhecê-las e tratá-las e que

métodos preventivos poderiam ser usados para integrar o sujeito no

processo do conhecimento.

O psicopedagogo poderá atuar na área clínica que atende as

alterações da aprendizagem sistemática e/ou assistemática,

orientando o sujeito, o professor e o aluno. Atuando na área

institucional colabora com os planos educacionais, utilizando o

diagnóstico e propostas metodológicas adequadas, com o objetivo

principal de evitar o fracasso escolar e melhorar o processo de

aprendizagem.

A aprendizagem é um processo através do qual o indivíduo

aprende, assimila e exercita um determinado conteúdo da experiência

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humana, incorporada ao mundo cultural, participando ativamente,

apropriando-se de conhecimento e técnicas, construindo internamente

o universo de representações simbólicas.

Diversos aspectos podem caracterizar um problema no

processo de aprendizagem: dificuldade de adaptação ou imaturidade;

o não aprender a ler e a escrever gerando novos sintomas de

angústia, ansiedade e desarticulacão familiar; ligado a trauma vincular

da família, e/ou da comunidade.

De acordo com nossa realidade, no sistema escolar vemos

muitas crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem, não

conseguindo acompanhar as experiências de aprendizagem vividas

pela maioria, consequentemente levam a defasagens, lacunas,

atrasando assim o seu desenvolvimento pedagógico. Para isso a

Psicopedagogia estuda e trabalha com a aprendizagem e suas

dificuldades. Consequentemente, a atuação do Psicopedagogo

escolar também tem por objetivo esclarecer ao professor o

conhecimento que este deve ter do aluno, servindo-lhe como ponto de

apoio, sendo este capaz de “ler” através de comportamentos

expressos pelo educando alguns de seus sintomas ou desvios no

processo da construção do conhecimento.

Há uma relação entre o cognitivo, o automatismo e a parte

afetiva, ou seja, o indivíduo que estabelece relação com o objeto do

conhecimento, desenvolve também sentimento que pode ser positivo,

negativo ou indiferente.

Portanto, todo processo de aprendizagem envolve carga de

energia afetiva, que poderá influenciar a personalidade do sujeito.

Então quando se fala em aprendizagem afetiva verifica-se a existência

do vínculo interno ou externo com o processo.

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O Psicopedagogo cumpre sua atuação na área escolar,

estabelecendo ou restabelecendo a ligação entre aprendizagem

cognitiva, aprendizagem de automatismo e a aprendizagem afetiva.

Na construção do conhecimento o sujeito utiliza suas

estruturas cognitivas, estruturando o seu conhecimento lógico,

explicando as estruturas lógicas. Utiliza como base, a teoria de Piaget,

para quem a ação, o ato (o fazer), é a fonte de todo conhecimento,

levando em consideração cada etapa do desenvolvimento.

Para organizar a vida afetiva e a vida das significações o

sujeito utiliza-se de sua estrutura simbólica. É através desta que nos

percebemos, expressamos nossos sonhos, erros, lembranças e

desejos.

A atuação do psicopedagogo está voltada não só para o

sintoma, mas também para a construção das condições para que o

indivíduo possa situar-se de tal forma que o comportamento

patológico não prejudique o processo de aprendizagem.

A Psicopedagogia tem avançado nas reflexões sobre a

metodologia de ensino e desenvolvido instrumentos no sentido de

integrar o afetivo e o cognitivo na situação de aprendizagem.

A contribuição da psicopedagogia em sido valiosa na

articulação entre os sentimentos, valores e as construções cognitivas

do aluno, buscando a utilização das operações mentais e das

vinculares aluno-professor na sistematização do conhecimento.

A proposta psicopedagógica de ensino parte do auto-

conhecimento e do desenvolvimento emocional do educando,

passando pelo conhecimento do mundo e das relações interpessoais

e integra o cognitivo na aquisição dos conteúdos.

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Esta metodologia na instituição, pode prevenir inadequação

do sujeito com o saber na medida em que possibilita ao educando

tomar posse do seu processo de aprendizagem. Também é possível

detectar dificuldades já instaladas que, dependendo do grau de

intensidade poderão ser trabalhadas na própria instituição ou

encaminhadas ao atendimento clínico.

O papel que o psicopedagogo desempenha dependerá não

só de sua própria personalidade, mas também do local em que se

encontra e dos membros da equipe com os quais ele trabalha.

O psicopedagogo encara sua ação de um ponto de vista

pedagógico e psicológico. Ele procura assumir a dupla polaridade de

seu papel, o que irá determinar seu modo de ser perante a criança e

sua família, e perante a equipe a que ele pertence.

Mery, faz várias considerações sobre o papel do

psicopedagogo:

a) Ele considera o sintoma “fracasso escolar” como manifestação de

um distúrbio que atinge a totalidade da personalidade. Logo, sua ação

não consistirá em eliminar a qualquer preço o sintoma, na esperança

de resolver assim todos os problemas da criança, mas buscará

compreender as causas profundas das dificuldades da criança, o

sentido que estas possuem na história do indivíduo, e seu objetivo

será

Melhorar tanto quanto possível o equilíbrio da personalidade da criança e permitir que ela se situe em seu meio familiar e social (Ducoing, in Mery, p. 15).

b) O autor considera a evolução da criança numa perspectiva

dinâmica.

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Para ele,

o sintoma da criança não é encarado como uma entidade fixa; seu prejuízo não se limita àquilo que a criança não quer dar, mas considera o que ela pode fazer e o que pode receber (Ajuriaguerra, in Mery, p. 15)

O psicopedagogo considera que o processo e

desenvolvimento da criança foi inibido e que, se lhe for oferecido um

meio ambiente novo e um tipo de relação diferente daquela a que

estava acostumada, ela poderá retomar o curso normal de sua

evolução. M. Debesse, já havia observado em 1959 que

a pedagogia curativa tem uma repercussão na afetatividade da criança inadaptada, em razão da mudança de meio ambiente e do contato criança-educador. (Debesse, in Mery, p. 15)

c) O psicopedadogo está consciente do fato de que sua atividade,

que consiste em transmitir conhecimentos, está longe de ser neutra

ou indiferente para a criança e para ele próprio e que esta atividade

irá desempenhar um papel na relação estabelecida entre ele e a

criança. A criança e ele próprio irão projetar nela suas emoções, seus

afetos, principalmente porque a sociedade atribui grande valor à

aprendizagem intelectual, acrescendo desta forma a carga afetiva

ligada ao saber.

d) Por fim, o objetivo do psicopedagogo é o de conduzir a criança a

reinserir-se numa escolaridade normal, de acordo com as

possibilidades e interesses dela.

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O psicopedagogo busca desenvolver e expandir a

personalidade da criança, não se interessando unicamente pelo

escolar, mas pela criança em sua totalidade; perguntando qual foi a

vivência dessa criança e como aparece na constelação familiar.

Para o psicopedagogo o “sintoma” manifestado pela criança

é percebido não como um distúrbio atual, mas como uma perturbação

cuja origem e as causas só podem ser apreendidas à luz de toda a

história do indivíduo e das relações reais ou fantasias que ele

estabeleceu com os que o cercam. O psicopedagogo através de sua

ação ajuda o indivíduo a evoluir nas relações que estabelece consigo

mesmo e com os outros. A tônica será colocada na relação que irá

estabelecer-se entre ele e a criança. Poderá ocorrer nesta relação a

contratransferência. Face à face com o indivíduo ele está exposto às

suas reações e às dele próprio. De fato, a criança desperta nele sua

sensibilidade mais profunda.

O trabalha que faz com a criança, sua maneira de viver e de apresentar transferência desperta no analista ou no educador ansiedades muito profundas, que estão relacionadas com sua primeira infância e que ninguém consegue dominar de uma forma definitiva (Pichón-Riviére, 1952, p. 249).

A criança suscita no adulto reações que podem escapar à

sua consciência; por exemplo, ele pode responder às provocações

masoquistas da criança por meio de uma atitude autoritária com

matizes de sadismo; ele pode ver-se testado a rejeitar uma criança

que tem condutas agressivas com ele, na medida em que um

comportamento desse tipo reaviva nele o medo face à sua própria

agressividade e à culpabilidade decorrente dela.

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O próprio papel do psicopedagogo irá ajudá-lo a manter uma

certa distância entre ele e a criança, um espaço em que cada um

pode conservar sua individualidade.

A teoria psicanalítica poderá ajudar o psicopedagogo a situar

as condutas da criança durante a sessão em seu contexto, isto é, no

passado do indivíduo, o que lhe permitirá reagir de forma diferente,

pois terá compreendido que a criança repete com ele condutas

induzidas pelas relações que ela estabeleceu precocemente com

suas imagos parentais; transferindo seus conflitos na situação dual

vivida com o psicopedagogo.

A teoria psicanalítica também esclarece ao psicopedagogo

suas próprias reações diante da criança; esta poderá reativar nele

... sentimentos e atitudes regressivas (...) pois a transferência infantil representa uma espécie de provocação afetiva permanente para o adulto que se vê exposto a seus efeitos. (Hameline, in Mery, p. 24)

Deverá conscientizar-se

de que educar inclui a mobilização da contra-transferência dos adultos que cercam a criança, essa mesma mobilização só se tornando possível após a experiência do reconhecimento por parte dos educadores do mecanismo de suas próprias pulsões na relação concreta com seus alunos.(Hameline in Mery, p.24)

Para melhor se conhecer, é importante que o psicopedagogo

sinta a necessidade de submeter-se à experiência analítica pois desta

forma irá aprofundar o seu auto conhecimento.

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Com escreveu Freud, conhecer-se mal significa para o ego

perder sua força e sua influência. (Freud, in Mery, p. 25)

Ele pode ser parceiro da criança sem se deixar aprisionar

pelo jogo dela ... deve poder identificar-se à criança sem perder sua

identidade própria (Winnicott, 1990, p. 146)

Esclarecido pela teoria da psicanalítica, o psicopedagogo

passa levar em consideração em sua prática os fatores inconscientes

que determinam a relação com o outro. Desta forma, o conjunto dos

processos dinâmicos que se manifestam no terreno pedagógico, tanto

a transferência da criança como a contratransferência do

psicopedagogo, passa a ter um sentido.

O objetivo do psicopedagogo não é o sucesso escolar da

criança, sucesso que valorizaria a ele próprio narcisicamente, mas

sim que a criança possa usar melhor suas capacidades, que,

redescubra o prazer de aprender, sua auto-estima, e sinta-se à

vontade consigo mesma e com o mundo que a cerca.

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CCOONNCCLLUUSSÃÃOO

O contato como o corpo conceitual da psicanálise,

principalmente no que se refere ao inconsciente, transferência,

(contra)transferência, sexualidade e recalque, patologias, entre

outros, oferece ao psicopedagogo, ao professore, elementos para, ao

entrar em contato com o aluno, com o paciente, possa estabelecer

um vínculo necessário ao processo aprendizagem.

O comportamento das pessoas não é influenciado apenas

por metas e objetivos sobre os quais o indivíduo tem clareza. Atuam

também sobre elas os desejos inconscientes, ou seja, os impulsos, as

fantasias, vivências esquecidas, aspectos que não se encontram ao

domínio da consciência.

Freud chamou a atenção para a interação entre as

necessidades e desejos a criança e o tratamento que a mãe e os

outros adultos lhe dispensam.

A teoria freudiana considera modelo a relação criança-pais

como base para os diversos relacionamentos da vida adulta. As

experiências de cada estágio de desenvolvimento psico-sexual são

consideradas determinantes importantes de futuros traços de

personalidade, de estilos de comportamento e de manifestações

específicas de psicopatalogia.

O psicopedagogo, o professor, cujo objeto de estudo é a

aprendizagem, não pode deixar de observar o que acontece entre a

inteligência e os desejos inconscientes. Quando se refere à

inteligência, está se referindo à estrutura lógica, enquanto que a

dimensão desejante, é simbólica, significante e alógica.

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O nível simbólico organiza a vida afetiva e a vida de

significações. A linguagem, os afetos agem como significado ou como

significante. O nível simbólico expressa nossos sonhos, nossos erros,

nossas lembranças nossas falhas, nossos mitos.

De acordo com a teoria psicanalítica a dinâmica inconsciente

exerce papel fundamental em todo nosso comportamento manifesto e

regula, diretamente os aspectos afetivos do comportamento.

Todo o processo de aprendizagem, portanto, envolve carga

de energia afetiva, influenciando a personalidade do sujeito.

Os mediadores do conhecimento, independente do que

ensinam, podem, portanto, influenciar, pelo processo de identificação,

àqueles que ensinam.

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