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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA EXECUÇÃO PENAL E OTRABALHO DO PRESO Por: Robson Gustavo Almeida da Silva Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2011 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

EXECUÇÃO PENAL E OTRABALHO DO PRESO

Por: Robson Gustavo Almeida da Silva

Orientador

Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2011

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

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AVM FACULDADE INTEGRADA

EXECUÇÃO PENAL E O TRABALHO DO PRESO

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Direito e Processo Penal.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu pai que sempre me

incentivou, dando-me exemplo de

perseverança para vencer os desafios

da vida.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a Helena, minha

filha amada.

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RESUMO

A presente monografia objetiva fazer uma análise da execução penal

brasileira desde sua evolução histórica até os dias atuais, considerando

aspectos do direito comparado e os contextos históricos e ideológicos internos.

As condições adversas dos estabelecimentos prisionais pátrios e a

utilização do sistema punitivo repressor para a perseguição de determinados

segmentos sociais também são mencionadas ao longo da abordagem dos

diversos diplomas legais pátrios sobre o tema, inclusive dos projetos e

anteprojetos de código penitenciário que antecederam à atual Lei de Execução

Penal.

No desenvolvimento da monografia, dedica-se capítulo à questão da

constitucionalidade do trabalho obrigatório do condenado, sem se olvidar dos

efeitos positivos do trabalho em sede de execução penal, que além de diminuir

os efeitos deletérios da prisão sobre a personalidade da pessoa custodiada,

constitui inegável meio para a sua reinserção social.

Outro tópico importante alçado à condição de capítulo versa sobre a

questão da pretensão de ressarcimento no plano cível do dano causado pela

infração penal ao ofendido, mormente naquelas hipóteses em que o agente

causador do dano não disponha de recursos para tanto.

Caminha-se assim até a conclusão do trabalho, que, embora não

aborde tema inédito, trata de questões indiscutivelmente importantes do ponto

de vista da materialização ou concretização da pretensão punitiva estatal, leia-

se, execução penal.

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METODOLOGIA

O problema proposto exsurge da realidade do sistema prisional pátrio,

marcada pela notória violação aos mais elementares direitos dos presos.

Diante dessa realidade, busca-se, a partir da leitura de obras da lavra de

grandes mestres do direito penal pátrio como Juarez Cirino dos Santos, fazer

uma análise da execução penal pátria desde seus primórdios até os dias

atuais. Nessa evolução histórica, ganha destaque o excelente trabalho de

pesquisa e coleta de dados levado a cabo por Rodrigo Duque Estrada Roig

que, com sua obra, contribuiu significativamente para o desenvolvimento do

presente trabalho, isso sem falar nos demais livros objeto de consulta e citação

bibliográficas obtidos junto à prestigiosa biblioteca central da Universidade

Cândido Mendes.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - TRABALHO E EXECUÇÃO PENAL 10

CAPÍTULO II - A CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 31 DA LEP 25

CAPÍTULO III – DA INDENIZAÇÃO AO SUJEITO PASSIVO DO CRIME 28

CONCLUSÃO 31

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 35

BIBLIOGRAFIA CITADA 36

ÍNDICE 37

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INTRODUÇÃO

O trabalho, em sua acepção lato sensu, constitui-se num indispensável

fator de engrandecimento moral do homem e de sua inserção no meio social.

No caso do trabalho do condenado, definido como dever social e condição de

dignidade humana e realizado com objetivos educativos e produtivos conforme

teor do art. 28 da Lei de Execuções Penais (LEP) pátria1, além de possibilitar a

remição da pena2, ainda contribui decisivamente para a execução da política

criminal estatal, eis que indispensável ao êxito da prevenção especial positiva,

uma das vertentes da pena apontadas pela literatura penal que tem por escopo

a ressocialização do indivíduo.

Conforme observa também Rogério Greco, a experiência demonstra

que nas penitenciárias onde os presos não exercem qualquer atividade

laborativa, o índice de tentativas de fuga é muito superior ao daquelas onde os

detentos atuam de forma produtiva, aprendendo e trabalhando em

determinado ofício3.

Nesse passo, a LEP coloca o trabalho do condenado sob a proteção

de um regime jurídico que não se confunde com o dos trabalhadores em

geral4, visto que, antes de seu advento, nas penitenciárias onde o trabalho

prisional era obrigatório, o preso não recebia remuneração e seu trabalho não

era tutelado contra riscos nem amparado por seguro social, conforme resta

consignado no item 53 da Exposição de Motivos da LEP.

Assim, considerando-se que a pena privativa de liberdade é a base do

sistema penal, (apesar de a tendência moderna ser no sentido da substituição

1 Lei ordinária federal n. 7.280, de 11 de julho de 1984. 2 Acerca do instituto da remição no âmbito da execução penal, v. art. 126 e seguintes da LEP. 3 Bibliografia citada, p. 571. 4 Regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943).

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das penas privativas de liberdade por penas que rejeitam a idéia do cárcere5),

a presente monografia objetiva estudar a evolução do tema no direito brasileiro

até os dias atuais, sem embargo de uma breve análise no direito comparado.

Nesse contexto, destaca-se ainda a questão da análise da

constitucionalidade do art. 31 da LEP (segundo o qual o condenado à pena

privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e

capacidade) face à Constituição da República, que, no capítulo concernente

aos direitos e deveres individuais e coletivos, prevê a vedação à pena de

trabalhos forçados6.

Outro aspecto a ser abordado (não menos importante) ligado à

execução penal e ao trabalho do condenado desempenhado no curso daquela

diz respeito à reparação, no plano cível, do dano causado pelo crime ao

ofendido ou aos seus sucessores, uma vez que, conforme anota Tourinho

Filho7, da prática de uma infração, de regra, surgem duas pretensões: a

pretensão punitiva e a pretensão de ressarcimento. Assim, além do dano social

causado pelo crime que enseja a propositura de uma ação penal para a

restauração do equilíbrio social e reforço da confiança na norma jurídica

(sendo certo que, no Estado de Direito, é vedada a vingança privada), não se

deve olvidar do consequente e inevitável dano causado ao ofendido ou aos

seus sucessores, que é passível de apreciação econômica e enseja a

propositura de ação no plano cível de caráter indenizatório8 (ação civil ex

delicto).

Feitas essas considerações iniciais, passa-se então ao corpo do

trabalho sem a pretensão de se tentar exaurir o tema, mas buscando-se

5 A propósito, deve-se destacar a resolução n. 101 do Conselho Nacional de Justiça, de 15 de dezembro de 2009, a qual, destacando a preocupação da comunidade internacional no fomento à aplicação de penas e medidas alternativas à prisão, define a política institucional do Poder Judiciário nessa mesma esteira, objetivando, sobretudo, a uniformização de procedimentos. 6 Art. 5º, inciso XLVII, alínea “c”. 7 Bibliografia citada, p. 3. 8 Ou compensatório para aquelas situações em que não é possível tornar o dano indene, de modo a restaurar-se o status anterior à infração penal, sem embargo de outros objetivos que ainda pode comportar, como as pretensões de ressarcimento e de restituição, expressões que, embora parecidas, denotam diferentes sentidos na técnica jurídica.

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oferecer uma contribuição que possa ser útil para o seu desenvolvimento e a

sua efetiva aplicabilidade.

CAPÍTULO I

TRABALHO E EXECUÇÃO PENAL

1. A ORIGEM DA PENITENCIÁRIA9

A prisão é o aparelho disciplinar exaustivo da sociedade capitalista,

constituído para exercício do poder de punir mediante privação de liberdade,

em que o tempo exprime a relação crime/punição: o tempo é o critério geral do

valor da mercadoria na economia, assim como a medida de retribuição

equivalente do crime no Direito.

Feita essa consideração inicial de Juarez Cirino dos Santos com fulcro

em PASUKANIS10, a qual permite, mesmo que de forma sucinta, compreender

a prisão como instrumento de controle social, a origem da penitenciária vai ser

explicada pelo mesmo autor com base na relação entre capital e trabalho

assalariado, em que, expropriados dos meios de produção e expulsos do

campo, os camponeses se concentram nas cidades, onde a insuficiente

absorção de mão de obra pela manufatura e a não adaptação à disciplina do

trabalho assalariado originam a formação de massas de desocupados

urbanos. Basicamente surgem assim no século XVI as workhouses ou casas

de trabalhos forçados – origem da penitenciária moderna para Juarez Cirino –

com a finalidade de disciplina e adequação pessoal dos camponeses

expropriados para o trabalho assalariado11.

A outro giro, ainda segundo Juarez Cirino, a Rasphuis, casa de

trabalho forçado fundada em Amsterdam no início do século XVII, cujo nome

provém da ação de raspar madeira para produzir tintura, seria o modelo de

9 Nos termos do art. 87 da LEP, a penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão em regime fechado. 10 Bibliografia citada, p. 263.

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aparelho carcerário para disciplina da força de trabalho ociosa da Europa

continental. O desenvolvimento de formações sociais capitalistas multiplica o

modelo de Rasphuis na Europa, mas os modelos clássicos de prisão somente

surgirão nos Estados Unidos da América, maior potência capitalista da

modernidade: o modelo pensilvânico ou de Filadélfia, instituído na prisão de

Walnut Street (1790), e o modelo de Auburn, em Nova York (1819)12.

O modelo filadelfiano de instituição penitenciária do final do século

XVIII, inspirado na concepção religiosa Quaker, foi a alternativa para o trabalho

carcerário no período da produção manufatureira: de um lado o modelo

arquitetônico panóptico de Bentham, constituído de torre central e anel

periférico com distribuição dos corpos conforme exigências de separação e

visibilidade, que reduzem a força política e aumentam a força útil dos

condenados segundo observa Juarez Cirino com fulcro em FOCAULT, como

arquitetura disciplinar da instituição penal; de outro, o confinamento em celas

individuais para oração e trabalho, como a nova pedagogia da correção. Por

sua vez, o modelo auburniano era baseado no isolamento celular durante a

noite e no trabalho comum durante o dia, sob o sistema do silêncio13.

Juarez Cirino afirma com base em MELOSSI/PAVARINI14 que o

modelo filadelfiano entra em decadência na era da industrialização, porque a

sociedade industrial exige uma política de controle baseada no trabalho

produtivo do encarcerado. O trabalho isolado em células individuais, justificado

como instrumento terapêutico, impede o trabalho coletivo necessário para

industrializar a prisão, com duas consequências negativas: é antieconômico e

priva o mercado da força de trabalho útil. Por conseguinte, o referido modelo

acaba sendo superado pelo auburniano.

A par dos citados modelos clássicos de prisão, deve-se destacar ainda

o modelo progressivo, que surgiu inicialmente na Inglaterra, sendo

posteriormente adotado pela Irlanda. Conforme observa Rogério Greco, no

11 Idem, p. 267. 12 Idem, p. 268. 13 Idem, p. 268-270.

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modelo progressivo, o preso submetia-se a um período inicial de isolamento

total, conhecido como período de prova. Como progressão ao primeiro estágio,

era permitido o trabalho comum, observando-se o silêncio absoluto, como

preconizado pelo sistema auburniano, bem como o isolamento noturno,

passando, após determinado período, para as chamadas public workhouses,

com vantagens maiores; o terceiro período permitia o livramento condicional. O

sistema progressivo irlandês, acrescenta Greco, introduziu mais uma fase às

três mencionadas, aperfeiçoando o modelo progressivo; tratava-se da prisão

intermediária (penitenciária industrial ou agrícola), que antecedia o retorno ao

convívio social por meio de livramento condicional15.

2. HISTÓRICO DAS PRISÕES NO BRASIL

2.1. DO PERÍODO IMPERIAL

Rodrigo Duque Estrada Roig, em excelente ensaio sobre direito e

prática histórica da execução penal no Brasil, afirma que a regulamentação

carcerária brasileira remonta fundamentalmente à época imperial, período em

que até então vigorava um sistema penal eminentemente privado e corporal,

marcado pelas punições públicas de senhores sobre seus escravos (açoites) e

pela subsistência de penas de morte na forca, imposição de trabalhos públicos

forçados e outras penas previstas no Código Criminal de 1830. Ainda segundo

o referido autor, à época do fim do período colonial e início do Império,

destaca-se também a utilização, como prisões, de instalações precariamente

adaptadas, tais como fortalezas, ilhas, quartéis e até mesmo navios,

subsistindo ainda as prisões eclesiásticas, estabelecidas especialmente em

conventos16.

14 Idem, p. 270. 15 Bibliografia citada, p. 548. 16 Bibliografia citada, p. 28-29. Impende destacar, também segundo o autor, que a primeira menção feita à prisão no Brasil é encontrada no Livro V das Ordenações Filipinas, que designa a Colônia como presídio de degredados, ou seja, de pessoas condenadas a residir no exato lugar determinado pela sentença criminal, não podendo dele sair durante o tempo fixado por esta.

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Dentro dessa conjuntura histórica, surge a Casa de Correção da Corte

em 1850, fruto da militância de entidades que representavam os interesses da

elite dominante da época, de base escravista e pautada na cafeicultura, e da

influência européia, objetivando abandonar os métodos arcaicos de punição

vigentes no período colonial e nos primórdios do Império em prol dos mesmos

paradigmas utilizados pelos países europeus, teoricamente “mais civilizados”,

pelo menos do ponto de vista do discurso oficial.

Nesse passo, conforme se depreende da obra de Rodrigo Duque

Estrada Roig17, a Casa de Correção, que pretendeu adotar o modelo de

construção panóptico (embora divergências políticas tenham levado à

construção de um modelo totalmente disforme), sofreu forte influência da

famosa penitenciária norte-americana de Auburn. De fato, de acordo com o

seu respectivo regulamento (Decreto n. 678, de 1850), uma das características

marcantes era a imposição aos apenados de um rígido dever de silêncio,

destacando-se ainda a estratificação viabilizada por meio de um sistema

discriminatório de concessão de privilégios e imposição de punições

disciplinares; o estabelecimento de um período de prova para os condenados

recém-chegados, cuja pena fosse superior a seis meses; e, em que pese o

ideal de se alinhar aos paradigmas dos países europeus, a manutenção de

penas de suplício corporal e de outras degradantes como restrição alimentar e

cela escura.

Especificamente no que toca ao trabalho do preso, o regulamento da

Casa de Correção a consagrava como estabelecimento destinado à execução

da pena de prisão com trabalho, prevista à época. Tal pena era cumprida com

estrita observância ao dever de silêncio e com rígido controle sobre as ações

dos apenados. Com o novo regulamento (Decreto n. 8.386, de 1882), foram

estabelecidas claras diretrizes laborais, consistentes na facilidade e na rapidez

da aprendizagem do ofício e na salubridade e na produtividade do trabalho

(art. 131). Houve também tímida flexibilização na imposição do dever de

silêncio, uma vez que, enquanto o Decreto n. 678 previa o uso de voz

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submissa na comunicação dos apenados com seus mestres, o Decreto n.

8.386 passou a prever que tal comunicação deveria ser feita à meia voz18.

2.2. DO PERÍODO REPUBLICANO

Com o advento da República, tornou-se imperiosa uma reestruturação

normativa no sentido de adequar o sistema penal pátrio às exigências da nova

ordem republicana. Edifica-se, nessa conjuntura, o Código Penal de 1890, que

buscou romper com certas práticas punitivas do império, tidas como arcaicas e

degradantes, subsistindo para quase todos os delitos a pena de prisão celular

com trabalho obrigatório, com a limitação do isolamento absoluto ao período

máximo de dois anos e com o enfoque no trabalho em comum, com

segregação noturna e silêncio durante o dia (art. 45).

Assim, além de consagrar a pena privativa de liberdade, o novo

sistema estabeleceu também um regime progressivo para cumprimento

daquela, desde o período de prova inicial, em que se estabelecia o

confinamento absoluto, passando pela transferência para uma penitenciária

agrícola, até a derradeira obtenção do livramento condicional (art. 50), sendo

oportuno assinalar, entretanto, que tais medidas não tiveram qualquer impacto

sobre a rígida estratificação da sociedade brasileira, nem sequer afetaram a

verdadeira essência do sistema penal, acobertada por uma roupagem

pseudoprogressiva dada pelo Código de 1890 aos mesmos paradigmas

17 Bibliografia citada, p. 45-73. 18 Outro marco histórico referente às prisões no Brasil apontado por Rodrigo Duque Estrada Roig é a Casa de Detenção, cujo decreto regulamentar data de 02 de julho de 1856. Instalada provisoriamente nas dependências da Casa de Correção da Corte, destinava-se ao recolhimento de indiciados, pronunciados e de outras “categorias” de presos, inclusive de pessoas consideradas pelo Chefe de Polícia como contrárias à política social vigente, adotando – tal como na Casa de Correção – um sistema classificatório marcado pela flexibilidade (de modo a atender às exigências da sociedade de privilégios do século XIX) e pela profunda discrepância entre o tratamento dispensado pelo regulamento aos apenados pobres e aos que não dependiam do Estado para o seu sustento, que autorizava, por exemplo, o não cumprimento de alvarás de soltura de escravos cujos Senhores não reembolsassem o Estado o valor despendido com a custódia. A outro giro, embora seguisse o mesmo padrão disciplinar da Casa de Correção, na Casa de Detenção não vigorava a obrigatoriedade do silêncio absoluto, típico do regime auburniano, sendo imperioso destacar ainda que nela não prosperou o modelo de prisão celular. Bibliografia citada, p. 60-64.

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persecutórios traçados pelo código criminal de 1830, tendentes a alcançar

determinados segmentos sociais indesejados19.

Em 1900, em meio às agitações políticas decorrente da abolição da

escravidão (1888) e da proclamação da República (1889), veio ao mundo

jurídico o Decreto n. 3.647, regulamento da Casa de Correção da Capital

Federal, que basicamente reeditou os preceitos dos diplomas normativos que

lhe antecederam. Desse modo, foram reverenciados mais uma vez o modelo

auburniano, a hierarquização estamental, o vigilantismo exacerbado, a

classificação dos presos, a injunção do silêncio e as mesmas espécies de

penas disciplinares do período pré-republicano. Todavia, há que se ressaltar a

inovação consistente na disciplina, pela primeira vez, da natureza das

atividades laborativas desenvolvidas pelos apenados. Nesse sentido, o referido

Decreto previa a criação das oficinas de alfaiate, carpinteiro, encadernador,

canteiro, ferreiro, funileiro e sapateiro, sem prejuízo de outras oficinas

eventualmente implementadas por conveniência do governo20.

Assim, não obstante o advento de outros diplomas normativos21 que,

apesar de algumas alterações superficiais, não tiveram o condão de desfigurar

a política penitenciária em vigor desde a edição do primeiro regulamento da

Casa de Correção, em 1850, a história do direito penitenciário brasileiro

caminha até a década de 30, quando, em virtude principalmente do X

Congresso Penitenciário ocorrido na cidade de Praga (onde se ressaltou a

autonomia científica do direito penitenciário), e da necessidade de se dar um

tratamento uniforme à questão (dada a multiplicidade de diplomas legais

existentes), passou-se à discussão de projetos e anteprojetos de Código

Penitenciário para o Brasil.

19 Idem, p. 79-80. 20 Idem, p. 82-83. 21 Novo regulamento para a Casa de Correção da Capital Federal (Decreto n. 8.296, de 13 de outubro de 1910); Decreto n. 10.873, de 29 de abril de 1914 (dá novo regulamento à Casa de Detenção da Capital Federal); e Decreto n. 16.664, de 05 de novembro de 1924 (designa galerias da Casa de Correção como prisão privativa para detenção por efeito de estado de sítio).

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A primeira das quatro proposições de Código Penitenciário foi

elaborada em 1933 por Cândido Mendes de Almeida, José Gabriel de Lemos

Britto e Heitor Pereira Carrilho22. Conforme aponta Rodrigo Duque Estrada23, o

aspecto mais marcante do projeto de 1933 reside na minuciosa organização

antropológica, médica e psiquiátrica dos estabelecimentos penais. Para o

referido autor, todo o arquétipo legal do projeto de 1933 conspira para viabilizar

uma investigação etiológica – isto é, uma pesquisa do ponto de vista clínico

daquelas condutas consideradas desviantes pela política penitenciária vigente

– e uma intervenção utilitarista sobre os indivíduos apenados, destacando-se,

em relação ao último aspecto, o papel do trabalho24.

Em 1940, é publicado o atual Código Penal (Decreto-Lei n. 2.848, de 7

de dezembro de 1940), o qual trazia várias inovações e tinha por princípio a

moderação por parte do poder punitivo do Estado.

Em 1956, diante da necessidade de harmonização da normatização

penitenciária com o recente estatuto penal, o Ministério da Justiça designou

uma comissão de juristas e técnicos para elaborar uma nova proposta de

Código Penitenciário para o Brasil, cabendo a Oscar Penteado Stevenson a

direção dos trabalhos25.

O novo anteprojeto prescreveu significativas inovações para a

regulamentação carcerária, contemplando preceitos até então carentes de

positivação em âmbito penitenciário, como os princípios da legalidade e da

individualização judicial e executiva da pena. Destarte, no intuito de evitar que

o direito penitenciário se tornasse mera elucubração formal, distante da

realidade, o anteprojeto advogou fervorosamente o postulado da legalidade, de

22 No entanto, o projeto em tela não chegou nem mesmo a ser discutido e votado em face da instauração do Estado Novo em 1937, que suspendeu as atividades parlamentares. 23 Bibliografia citada, p. 105-109. 24 Vale destacar, a propósito, a previsão de implantar-se reformatórios para homens e mulheres, onde vigoraria o chamado “regime educacional”, para fins de reforma dos indivíduos pela instrução, pela educação e pelo trabalho (art. 280). 25 Após recusa de Roberto Lyra, conforme observa Rodrigo Duque Estrada Roig. Bibliografia citada, p. 112.

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modo a conter o discricionarismo administrativo e judicial, sobretudo na esfera

disciplinar.

Pela análise do projeto, verifica-se a preocupação com os efeitos

negativos do cárcere sobre a personalidade dos apenados, enfatizando-se, em

outra linha, os direitos destes, que passariam a ser encarados como

verdadeiros direitos públicos, subjetivos, individuais, de personalidade e civis

(item 31 da Exposição de Motivos).

O terceiro anteprojeto foi elaborado em 1963 pelo jurista Roberto Lyra.

Diferentemente do projeto de 1933, o anteprojeto em tela foi marcado pela

generalidade. Entre os principais pontos ventilados, destacam-se os que

preceituam que a lei penal executiva terá aplicação imediata e retroagirá para

beneficiar o sentenciado, podendo inclusive ser aplicada por analogia, e que a

interpretação da lei penal executiva admitirá a extensão, bem como o

suplemento da ciência e da técnica especializadas.

A preocupação com a judicialização da execução também é recorrente

no projeto em tela, sendo importante frisar ainda a presença de dispositivo

estabelecendo que as margens do critério administrativo serão preenchidas

sempre com o senso da dignidade e solidariedade humanas (art. 14). Também

é possível verificar o anseio de construção de um arcabouço executivo-penal

não apenas independente em relação aos ordenamentos adjetivo e

substantivo, mas sobretudo genuinamente brasileiro26.

Cabe destacar ainda a mudança no enfoque do crime e do criminoso,

embora não se tenha abandonado o eixo criminológico etiológico27. Assim,

pelo projeto de Lyra, passa-se a investigar a origem do crime também pela

análise do meio social em que o criminoso está inserido, em outras palavras, a

discussão sobre as causas do crime passa a abordar os vícios que atingem a

estrutura da sociedade.

26 Idem, p. 117-118. 27 Idem, p. 118.

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Os dois últimos anteprojetos não chegaram nem mesmo à fase de

revisão, e, com um nome idêntico e com a mesma finalidade, em 1970, foi

apresentado o projeto do professor Benjamim Moraes Filho, o qual teve a

colaboração de juristas como José Frederico Marques, e inspirava-se nas

Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, formuladas em 1953 pela

Organização das Nações Unidas.

De acordo com Rodrigo Duque Estrada28, a nova proposta pretendeu

estruturar um ordenamento numa posição intermediária, isto é, nem pautado

em generalidades como o anteprojeto de 1963, nem tão casuístico como o

projeto de 1933.

Ao contrário do anteprojeto de Roberto Lyra, que conferia ao Poder

Judiciário o império da execução penal, o último dos anteprojetos optou por

firmar um critério eclético, atribuindo também à autoridade administrativa os

poderes de execução das normas e de aplicação do tratamento penal (art. 9º),

além da resolução dos incidentes da execução, em especial, o de excesso.

O regime carcerário proposto seguiria ainda o modelo progressivo (art.

147), escalonado em três fases, destinadas aos processos de classificação,

tratamento e livramento condicional do apenado, sendo certo que o primeiro

processo, isto é, o de classificação, era tratado como um dos alicerces do

sistema, objetivando o estudo da personalidade, a individualização do

tratamento e a lotação dos presos nos estabelecimentos adequados29.

A ênfase na disciplina também é um dos pilares do anteprojeto em

tela, eis que considerada como um instrumento para despertar no apenado o

hábito da ordem e o sentimento de respeito ao seu semelhante. A exemplo do

anteprojeto de 1963, o anteprojeto de 1970 se absteve de detalhar as faltas

disciplinares em espécie, deixando esta tarefa a cargo dos regulamentos

estaduais, embora tenha elencado os diversos tipos de sanção disciplinar30,

28 Idem, p. 121. 29 Idem, p. 121-122. 30 Dentre as sanções disciplinares, merece destaque o isolamento em cela de segurança, consistente na segregação do faltoso em uma cela com as mesmas dimensões, higiene,

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bem como a forma de sua aplicação, no intuito de federalizar o poder de

regulamentação punitiva, evitando, assim, as cominações excessivas, os ritos

discricionários e a condução tendenciosa do procedimento de apuração das

faltas e injunção das sanções disciplinares carcerárias.

No tocante à enumeração dos deveres, o anteprojeto de 1970

estabeleceu obrigações severas aos apenados como a de executar as tarefas

e ordens recebidas sem formular exigências ou reclamações tidas como

improcedentes ou reprováveis. Como observa Rodrigo Duque Estrada31,

muitos dos deveres então concebidos foram concretamente incorporados pela

hodierna legislação penal executiva, sendo rigorosamente exigidos até o

presente, sob pena de admoestação por falta grave, não obstante seu cunho

excessivamente repressivo.

Sem lograrem êxito, os projetos apresentados não se convertiam em

lei, de modo que a República continuava carecendo de uma legislação que

tratasse de forma específica a questão da execução penal. Até aquele

momento, apenas a Lei n. 3.274, de 1957, compilava normas gerais acerca do

regime penitenciário, normas estas de caráter eminentemente programático e

organizacional, sem significativos reflexos na realidade carcerária32.

Com o golpe militar de 1964, o sistema penitenciário retoma sua

pujança, assumindo peculiar função de destaque para abrigar também aqueles

considerados subversivos em relação à ideologia que se pretendia implantar.

Por sua vez, os segmentos sociais sempre vistos como desviantes pelas

políticas oficiais fomentadas continuaram padecendo na estrutura correcional

autoritária e inquisitiva do referido sistema, sendo certo que os vícios que

inquinavam tal estrutura permaneceram ignorados pela elite política e

intelectual brasileira que lutava pela redemocratização do país.

aeração e iluminação da cela comum, porém dotada com a mínima estrutura necessária para a subsistência do apenado. 31 Bibliografia citada, p. 124. 32 Idem, p. 125.

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Por sua vez, o direito penitenciário cada vez mais se consolidava

como uma ciência autônoma, distinta do direito penal e do direito processual

penal, e também sob o prisma jurídico, isto é, deixando de ter uma leitura

apenas administrativa.

2.3 A ATUAL LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Em 11 de Julho de 1984 é sancionada a Lei n. 7.210, a atual Lei de

Execução Penal (LEP). Considerando-se que o legislador penal adotou o

sistema vicariante, que quer dizer sistema de substituição, em que aplica-se

medida de segurança, como regra, ao inimputável que houver praticado uma

conduta típica e ilícita, não sendo, porém, culpável, proclama o art. 1º do

referido diploma legal que a execução penal tem por objetivo efetivar as

disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a

harmônica integração social do condenado e do internado.

O caráter jurisdicional da execução penal, por seu turno, encontra-se

previsto nos artigos 2º e 194 da LEP; a ênfase no condenado e no internado

com dispositivos acerca da classificação para o fim de orientar a

individualização da execução penal (embora não se possa afastar totalmente

seu viés etiológico), da assistência (dever do Estado com o fim precípuo de

orientar ambos, condenado e internado, ao retorno à sociedade), do trabalho

(concebido como dever social e condição de dignidade humana) e dos

deveres, direitos e disciplina constituem objeto do título II da LEP.

Em relação aos deveres, direitos e disciplina dos condenados (capítulo

IV do título II), Rodrigo Duque Estrada revela sua indignação com a

desproporcionalidade presente na relação jurídica entre Estado e apenado33.

Partindo do pressuposto de que disciplina e segurança são os “bens jurídicos”

basilares do projeto de domínio hierárquico desenvolvido em âmbito

penitenciário, o referido autor conclui que o indivíduo (apenado) é submetido a

um autêntico processo de aculturação, para que se torne um preso dócil e

disposto a cumprir, acriticamente, todas as determinações das autoridades

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carcerárias, elevadas pelo sistema penitenciário à metafórica condição de

patriarcas onipotentes, que elegem o que é bom ou ruim para os apenados, se

os mesmos desejarem a ressocialização34.

Como exemplo paradigmático da desproporcionalidade apontada, há

que se citar ainda o regime disciplinar diferenciado, famigerado RDD,

introduzido pela Lei n. 10.792, de 1º de dezembro de 2003, o qual sujeita o

apenado – na hipótese de prática de fato previsto como crime doloso,

considerado falta grave nos termos da lei – a isolamento por período de até

trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de eventual repetição da sanção em

caso de nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena

aplicada35.

O título III é dedicado aos órgãos da execução penal, sendo importante

destacar que a Lei n. 12.313, de 19 de agosto de 2010, alterou a LEP para

incluir a Defensoria Pública como órgão da execução penal. Conforme dispõe

o art. 81-A do estatuto executivo penal (introduzido pela Lei n. 12.313), a

Defensoria velará pela regular execução da pena e da medida de segurança,

oficiando, no processo executivo e nos incidentes da execução, para a defesa

dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e

coletiva. Embora ainda não esteja devidamente implementada em todos os

Estados da federação, trata-se indubitavelmente de salutar modificação

legislativa por possibilitar àqueles que não têm recursos econômicos a

necessária assistência jurídica agora também em sede de execução penal,

palco constante do arbítrio e de outras ilegalidades.

O título IV da LEP trata dos estabelecimentos penais, dispondo o art.

83 que o estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em

suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência,

educação, trabalho, recreação e prática esportiva. Prosseguindo em seu

discurso mais programático do que realista, o legislador vai além para dispor

33 Bibliografia citada, p. 139. 34 Idem, p. 141. 35 Sobre demais aspectos do RDD, v. art. 52 da LEP.

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no art. 84, caput, que o preso provisório ficará separado do condenado por

sentença transitada em julgado, e no art. 85, caput, que o estabelecimento

penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade.

No §1º do art. 86, em dispositivo legal de duvidosa constitucionalidade

por afronta a direitos fundamentais dos presos (mormente o art. 5º, inciso LXIII,

na parte que assegura ao preso a assistência da família), mas que vem sendo

intensamente utilizado por autoridades estaduais afetas à área de segurança

pública, mormente no Estado do Rio de Janeiro, há a previsão de construção

de presídios federais em local distante da condenação para recolher

condenados, quando a medida se justifique no interesse da segurança pública

ou do próprio condenado36.

Deixando transparecer o aspecto da investigação etiológica que

norteou o projeto de 1933, o título em tela prevê ainda, no capítulo V, a criação

do Centro de Observação, no qual, de acordo com o parágrafo único do art.

96, poderão ser realizadas pesquisas criminológicas.

O título V versa sobre a execução das penas em espécie, destacando-

se a progressividade no cumprimento das penas privativas de liberdade (art.

112, caput) e o instituto da remição, que permite ao condenado que cumpre

pena em regime fechado ou semiaberto abater com seu trabalho parte do

tempo de execução da pena37. Mesmo em caso de caso de acidente, o preso

36 A transferência e inclusão de presos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima está regulada na Lei n. 11.671, de 8 de maio de 2008, que em seu art. 3º dispõe que serão recolhidos nos respectivos estabelecimentos, aqueles cuja medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso, condenado ou provisório. Há mister em observar ainda que, de acordo com o artigo 4º da referida Lei, a admissão do preso, condenado ou provisório, em estabelecimento penal federal de segurança máxima dependerá de decisão prévia e fundamentada do juízo federal competente, após receber os autos de transferência enviados pelo juiz responsável pela execução penal ou pela prisão provisória. 37 De acordo com o enunciado da súmula 341 do Superior Tribunal de Justiça, a frequência a curso de ensino formal é também causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto. Tal equiparação foi incorporada ao ordenamento jurídico pátrio por meio da Lei n. 12.433, de 29 de junho de 2011, que deu nova redação ao art. 126, caput, da LEP.

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impossibilitado de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a

beneficiar-se com a remição38.

A propósito, acerca da remição, mais uma vez observa-se a

desproporcionalidade na relação jurídica entre Estado e apenado no art. 127

da LEP. Este artigo previa a perda (total) do tempo remido em caso de punição

do condenado por falta grave, e, mesmo diante de sua flagrante abusividade,

considerava-se recepcionado pela Carta da República de 1988, discussão

pacificada no enunciado da súmula vinculante n. 9 do Supremo Tribunal

Federal. Entretanto, em razão, sobretudo, da militância de ilustres advogados

de norte a sul deste país, veio ao mundo jurídico a Lei n. 12.433, de 29 de

junho de 2011, a qual, entre outras modificações operadas na LEP, alterou a

redação do referido artigo, de sorte que este agora passa a prever que, em

caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido,

observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da

infração disciplinar39.

Ainda no título V, impende destacar a introdução, no capítulo destinado

à execução das penas privativas de liberdade, de uma seção para disciplina da

monitoração eletrônica, efetuada pela Lei n. 12.258, de 15 de junho de 2010, a

qual somente poderá ser determinada por decisão judicial motivada40 nas

hipóteses taxativamente previstas na LEP, que, com os vetos apostos ao

Projeto que deu origem à Lei 12.258, ficaram restritas à autorização de saída

temporária no regime semiaberto e à prisão domiciliar41.

Por fim, os títulos VI, VII e VIII são dedicados, respectivamente, à

execução das medidas de segurança, aos incidentes de execução e ao

procedimento da LEP, ao passo que o título IX, último título, trata das

38 Art. 126, §4º, da LEP. 39 Conforme noticiado no informativo de n. 647 do STF, a questão agora reside na aplicação retroativa dos efeitos mais benéficos da Lei 12.433, reconhecida como Lex mitior. Foi o que, em síntese, restou decidido no HC 110040/RS, ao determinar-se ao juízo da execução uma nova análise da situação do paciente – que perdera todos os dias remidos em razão da prática de falta grave – à luz dos parâmetros introduzidos pela Lei em tela. 40 Art. 93, inciso IX, da Constituição da República. 41 Art. 146-B, incisos II e IV, respectivamente, da LEP.

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disposições finais e transitórias. Cabe ressaltar, relativamente ao procedimento

da LEP, que o mesmo será judicial, desenvolvendo-se perante o juízo da

execução (art. 194), que também tem competência para aplicação da lei penal

mais benigna42.

2.4 A PRIVATIZAÇÃO DE PRESÍDIOS NO BRASIL

A abordagem do trabalho do preso em sede de execução penal não

pode deixar de mencionar a relevante questão versada no presente tópico.

Nesse passo, de acordo com o § 2º acrescentado ao art. 34 da LEP pela Lei

n.10.792, de 1º de dezembro de 2003, o poder público passa a poder celebrar

convênios com a iniciativa privada para implantação de oficinas de trabalho em

instituições penais.

Entretanto, conforme anota Juarez Cirino dos Santos43, antes mesmo

da referida inovação legislativa, o Poder Público brasileiro já havia se

antecipado ao inaugurar a Penitenciária Industrial de Guarapuava, no Estado

do Paraná, em 12 de novembro de 1999, com capacidade para 240 (duzentos

e quarenta) condenados em regime fechado, na qual a exploração da força de

trabalho encarcerada é realizada por empresa privada da área econômica, ao

passo que a segurança interna da prisão é atribuída à empresa privada da

área de segurança44.

A terceirização da disciplina carcerária, bem como a privatização do

trabalho carcerário são expedientes do modelo em tela duramente criticados

por Juarez Cirino dos Santos, o primeiro pelo fato de o poder disciplinar no

sistema penitenciário constituir monopólio exclusivo do Estado, enquanto que o

42 Enunciado da Súmula n. 611 do Supremo Tribunal Federal. Ainda segundo a LEP, o procedimento judicial iniciar-se-á de ofício, a requerimento do Ministério Público, do interessado, de quem o represente, de seu cônjuge, parente ou descendente, mediante proposta do Conselho Penitenciário, ou ainda, da autoridade administrativa. 43 Bibliografia citada, p. 275. 44 Ainda segundo Juarez Cirino dos Santos, atualmente existem 12 (doze) penitenciárias privatizadas no Brasil, assim distribuídas: 6 (seis) no Paraná, 3 (três) no Ceará, 2 (duas) no Amazonas e 1 (uma) na Bahia. Mesmo incipiente, a privatização dos presídios é um tema a merecer mais reflexão por parte da doutrina, mormente se considerada a crítica do ilustre autor em relação à indústria do encarceramento privado nos EUA, que cresceu de 3.100 presos em

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segundo por afronta, em tese, ao princípio da dignidade da pessoa humana

(art. 1º, Constituição da República), uma vez que a força de trabalho

encarcerada não tem o direito de rescindir o contrato de trabalho, ou seja, não

possui a única liberdade real do trabalhador na relação de emprego, o que não

só representa a dominação do homem pelo homem, mas a própria

institucionalização do trabalho escravo na prisão45, isso sem falar na

Convenção americana sobre Direitos Humanos46 (Pacto de São José da Costa

Rica), que, como se verá oportunamente, estabelece que os condenados, no

exercício do trabalho em sede de execução penal, não devem ser postos à

disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter

privado.

CAPÍTULO II

A CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 31 DA LEP

Dispõe o art. 31, caput, da LEP que o condenado à pena privativa de

liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e

capacidade47. Ao mesmo tempo em que previu tal obrigatoriedade, o legislador

arrolou a atribuição de trabalho e sua respectiva remuneração como um dos

direitos do preso48, o que lhe permite não só ocupar de maneira positiva o

tempo ocioso, como abater seu tempo de pena através do instituto da remição.

1987 para 85.000 presos em 1996, atingindo 276.000 presos em 2001. Bibliografia citada, p. 274-276. 45 Bibliografia citada, p. 276. 46 Incorporada ao ordenamento jurídico pátrio por meio do decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992. 47 Tal obrigatoriedade não se estende ao preso provisório nem ao preso político, haja vista o teor, respectivamente, do parágrafo único do citado artigo, e do art. 200, também da LEP. Outrossim, o trabalho pode ser ainda interno, isto é, na própria unidade prisional, ou externo, neste caso, observadas as restrições previstas no art. 36 da LEP, caput e parágrafos. A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis), nem superior a 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados, podendo ser atribuído horário especial de trabalho aos presos designados para os serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal. Já quanto à remuneração, reza a LEP em seu art. 29 que a mesma não será inferior a ¾ do salário-mínimo. 48 Artigos 6º, caput, da Constituição da República, e 41, inciso II, da LEP.

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Cezar Roberto Bitencourt, em razão da conjugação legal dos aspectos

citados, atribui ao trabalho do preso a natureza jurídica mista de direito-

dever49.

No entanto, uma análise preliminar do art. 31 da LEP pode levar à

conclusão de que a vontade do legislador pátrio não foi tão somente estimular

o trabalho do preso, ou conscientizá-lo de sua importância, mas sim obrigar o

preso a trabalhar, o que suscita a discussão sobre a recepção deste dispositivo

legal pela Constituição da República que, em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea

“c”, veda a imposição de pena de trabalhos forçados.

Alexandre de Moraes, após esclarecer que a norma constitucional, ao

proibir a aplicação e execução de trabalhos forçados, pretende evitar a

imposição aflitiva de labores desnecessários e afrontadores à dignidade

humana, afirma que a previsão legal é plenamente compatível com a

Constituição da República, respeitando a dignidade da pessoa humana e

visando à reeducação do sentenciado50.

Outro argumento robusto trazido pelo renomado autor diz respeito à já

citada Convenção americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da

Costa Rica), uma das bases mais sólidas do sistema interamericano de

proteção dos direitos humanos, que em seu art. 6º, item 3, alínea “a”,

estabelece que não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios os trabalhos

ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de

sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente.

Tais, trabalhos ou serviços, ainda segundo a Convenção em testilha, devem

ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os

indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de

particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado.

Mas, em que pese a compatibilidade material do mandamento legal

com a Constituição, se o condenado optar por não trabalhar, é forçoso

49 Bibliografia citada, p. 439. 50 Bibliografia citada, p. 250-251.

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reconhecer que o Estado, através da administração penitenciária, não poderá

lançar mão de vis compulsiva ou vis absoluta para obrigá-lo a tanto. Entretanto,

tal recusa injustificada, além de impossibilitar a remição da pena, certamente

terá o condão de influir negativamente na elaboração do atestado de

comportamento carcerário a que alude o art. 112, caput, da LEP, a ser exarado

pelo diretor do estabelecimento prisional51, isso sem falar também na

configuração, em tese, de falta grave, nos termos do art. 50, inciso VI, da LEP.

Rogério Greco, discorrendo sobre o tema, observa que é possível que

haja trabalho no estabelecimento no qual o condenado esteja cumprindo sua

pena e este, por sua própria vontade, recuse-se a desempenhá-lo. Entretanto,

a recusa caracterizaria negação do requisito de natureza subjetiva

indispensável à obtenção dos demais benefícios que lhe são ofertados durante

a execução da pena como a progressão de regime e o livramento

condicional52, no que corrobora o disposto anteriormente acerca do atestado

de comportamento carcerário previsto no art. 112, caput, da LEP.

Assim, a suscitada inconstitucionalidade (rectius, não recepção) do art.

31, caput, da LEP não merece prosperar. A obrigatoriedade está vinculada ao

condenado no sentido de um dever de prestação pessoal do mesmo, não

configurando um trabalho forçado, até porque isso é terminantemente vedado

pela Constituição da República.

Por sua vez, cabe ao Estado propiciar sempre meios ao condenado

para a efetivação do trabalho, pois a situação de ociosidade do preso no

sistema causada pela sistemática inobservância dos comandos da LEP gera

um segundo efeito social negativo, isto é, além da inevitável ruptura causada

pelo crime no equilíbrio do tecido social (sendo certo que, segundo os

princípios norteadores do direito penal, mormente o da intervenção mínima, o

51 Tal atestado constitui requisito para a progressão para regime menos rigoroso, nos termos do artigo citado. 52 Ainda sobre a questão do trabalho, o autor em comento sustenta que é possível também que o Estado, por meio de sua administração carcerária, não o viabilize para que sejam cumpridas as determinações contidas na Lei de Execução Penal, de modo que poderá o juiz, neste caso, diante da inércia ou incapacidade do Estado de administrar a coisa pública, conceder a remição aos condenados que não puderem trabalhar. Bibliografia citada, p. 573.

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legislador só deve preocupar-se com os bens mais importantes e necessários

à coletividade), a sociedade ainda tem que suportar o ônus de manter um

modelo penitenciário dispendioso que não atende às principais funções

preconizadas pela teoria unificada da pena53.

CAPÍTULO III – DA INDENIZAÇÃO AO SUJEITO

PASSIVO DO CRIME

Entre os efeitos da condenação criminal, o Código Penal pátrio, em

seu art. 91, inciso I, estabelece o de tornar certa a obrigação de indenizar o

dano causado pelo crime, vale dizer, condenado na esfera criminal, estará o

réu também condenado na esfera cível54, ainda que o dano causado seja

imaterial, e desde que evidentemente não tenha ocorrido a sua satisfação na

própria esfera criminal55.

Nesse passo, o Código de Processo Penal (CPP) pátrio (Decreto-Lei n.

3.689, de 3 de outubro de 1941) estabelece em seu art. 63 que, transitada em

julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo

cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal

ou seus herdeiros. Hodiernamente, com as modificações operadas pela Lei n.

11.719, de 20 de junho de 2008, o juiz, ao proferir sentença condenatória,

fixará valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração,

53 Que na lição de Juarez Cirino dos Santos com fulcro em EBERT, conjuga as teorias isoladas com o objetivo de superar as deficiências particulares de cada teoria, mediante fusão das funções declaradas de retribuição, de prevenção geral e de prevenção especial da pena criminal. Bibliografia citada, p. 246. 54 Mas, à luz do dogma da independência das responsabilidades civil e criminal, a absolvição criminal nem sempre exime o réu de uma eventual responsabilização na seara cível, mormente quando fundada na falta de provas ou na ausência de culpa (que no direito civil é menos percuciente do que no direito penal). Entretanto, para que não prevaleça a sentença penal nas hipóteses em apreço, deve o autor da demanda cível carrear aos autos desta novas provas ou robustecer as já existentes. Acerca da questão em apreço, v. ainda art. 66 do CPP. 55 O CPP prevê, nos artigos 118 a 120, a possibilidade de restituição ao lesado – uma das formas possíveis de reparação do dano – das coisas apreendidas no juízo criminal e até mesmo na fase investigatória que precede a propositura da ação penal.

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considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido, sem embargo ainda da

liquidação para apuração do dano efetivamente sofrido56.

Trata-se, como é cediço, da ação civil ex delicto, regida pelo referido

artigo e seguintes do CPP, e que, nos termos dos artigos 575, inciso IV; e 100,

parágrafo único, ambos do Código de Processo Civil (CPC) pátrio (Lei n. 5.869,

de 11 de janeiro de 1973), deverá ser proposta (rectius, executada, eis que a

sentença penal condenatória transitada em julgado é, nos termos do art. 475-

N, inciso II, do CPC, título executivo judicial) no foro do domicílio do autor ou

do local do fato.

Integrando os escopos almejados pela ação civil ex delicto no

ordenamento jurídico pátrio, a LEP estabelece como um dos deveres do

condenado a indenização à vítima ou aos seus sucessores57. No mesmo

sentido, dispõe o inciso VIII, art. 56, da Resolução n. 14, de 11 de novembro

de 1994, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP),

órgão de execução penal e subordinado ao Ministério da Justiça nos termos

dos artigos 61, I e 62 da LEP, que a remuneração58 aos condenados, entre

outros fins, deverá possibilitar a indenização pelos danos causados pelo crime.

Mas, em que pese ser louvável o mandamento contido nos dispositivos

em tela, é forçoso reconhecer que o valor auferido pelo trabalho do condenado

nem sempre indenizará in totum o dano causado pelo crime, o que leva a

conclusão de que, em determinadas situações, o ofendido (ou seus

sucessores) poderá não ser indenizado (ou sê-lo parcialmente), desde que o

condenado também não disponha de recursos patrimoniais (lembrando-se que

56 Art. 387, caput, inciso IV e 63, parágrafo único, ambos do CPP. Embora se faça alusão à sentença condenatória, não se deve olvidar que, a par da já mencionada sentença absolutória por falta de provas ou ausência de culpa (na peculiar acepção do direito penal), nos termos do art. 67 do CPP não impedirão igualmente a propositura da ação civil o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação; a decisão que julgar extinta a punibilidade; e a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime. A propósito, a ação civil poderá ser proposta antes mesmo do ajuizamento da ação penal, ou no transcorrer desta, hipóteses em que deverá o Juiz do feito cível suspender o andamento daquela até o julgamento definitivo da ação penal. 57 Art. 39, inciso VII.

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o objeto da execução é representado pelos bens do devedor, dos quais se

procura extrair os meios de resgatar a dívida exequenda).

Imagine-se, por exemplo, no caso de homicídio, em que a

jurisprudência predominante é no sentido de se considerar como parâmetro 2/3

do salário do pai, se este for a vítima, atualizado na data da liquidação,

incluindo-se no cálculo o 13º salário, e sendo a pensão devida desde a data da

morte até a idade de sobrevida provável da vítima, que é de 65 anos59. Neste

caso, é imperioso reconhecer, assim como em tantas outras hipóteses que

podem ser formuladas (e que, infelizmente, fazem parte de uma triste

realidade) que o não recebimento da indenização decorrente da ação civil ex

delicto pelo cônjuge supérstite amplia significativamente a dimensão dos

efeitos negativos causados pelo crime na sociedade.

Nesse passo, um dos pilares do presente trabalho consiste na tese de

que o Estado60 deva garantir uma indenização mínima ao sujeito passivo do

crime, ao cônjuge supérstite ou aos seus sucessores, conforme o caso, de

modo que, não dispondo o condenado de recursos patrimoniais para reparar a

lesão causada, caberia ao ente público suportar o ônus da ação civil ex delicto

(responsabilidade subsidiária), buscando num segundo momento o

ressarcimento através da ação de regresso.

Evidentemente que, excetuadas aquelas hipóteses de ação ou

omissão estatal que geram de per si uma responsabilidade indenizatória, a

indenização em tela não se encontra fundada na responsabilidade decorrente

da violação de um dever jurídico preexistente, mas sim na premissa de

distribuição equânime do ônus (efeito lesivo) causado pelo crime, o mesmo

58 Atendendo às disposições contidas nas regras mínimas da ONU para o tratamento de apenados, a remuneração obrigatória foi introduzida na Lei n. 6.416/77, que estabeleceu também a forma de sua aplicação. 59 FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Bibliografia citada, p. 15. 60 Aqui tomado em sentido amplo.

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raciocínio que, mutatis mutandis, aplica-se à responsabilidade estatal por atos

lícitos61.

Além de parcela remuneratória do preso, vale lembrar que outros

recursos poderiam, rectius, podem ser usados para fomentar o fundo

garantidor da indenização mínima em testilha, tais como os destinados ao

Fundo Penitenciário Nacional, que, não obstante o fato de ter sido criado pela

Lei Complementar nº 79, de 7 de janeiro de 1994, com a finalidade de

proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades de

modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro, tem

previsão legal, entre outras, de aplicação em programas de assistência às

vítimas de crimes (art. 3º, inciso IX)62.

No mesmo sentido, diga-se em relação aos recursos decorrentes da

quebra da fiança no processo penal (instituto que retoma sua pujança com o

advento da Lei n. 12.403, de 4 de maio de 2011) e da aplicação de penas

alternativas à prisão que, conforme tendência mencionada ab initio, cada vez

mais se fortalecem no cenário jurídico pátrio e internacional, mormente as de

caráter pecuniário como a prestação pecuniária e a perda de bens e valores,

previstas respectivamente nos incisos I e II do art. 43 do atual Código Penal, e

em outras legislações penais específicas.

CONCLUSÃO

No desenvolvimento do trabalho constatou-se que a história das

prisões no Brasil é marcada pela violação aos mais elementares direitos dos

presos63. Mesmo hodiernamente em que a Constituição da República proclama

61 Nesse sentido, MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Bibliografia citada, p. 666. Não se deve perder de vista também que se trata de uma responsabilidade subsidiária, de modo que fica aberta para o ente público a via regressiva. 62 No mesmo sentido, dispõe a Lei estadual n. 9.171, de 31 de maio de 1995, de São Paulo. 63 Nesse sentido, em meio a tantos exemplos, vale trazer à baila a notícia divulgada no dia 07 de setembro de 2011 em famoso sítio da internet, dando conta de que a Justiça do Estado de Alagoas interditara garagem que funcionava como cela no município de Arapiraca, naquele Estado. Segundo o teor da respectiva notícia, o local improvisado abrigava cerca de trinta

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como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, é cediço que

a precariedade das instalações dos estabelecimentos prisionais, a

superlotação das respectivas unidades64 e a falta de uma efetiva assistência

jurídica aos apenados economicamente hipossuficientes, entre outros fatores,

mais do que nunca parecem corroborar a assertiva de Juarez Cirino dos

Santos com fulcro em RUSCHE/KIRCHHEIMER no sentido de que a prisão,

aparelho de punição por privação de liberdade característico das sociedades

capitalistas, baseia-se no princípio de menor elegibilidade para desestimular

comportamentos criminosos: o nível de vida da prisão deve estar abaixo do

nível de vida da classe trabalhadora mais inferior da população livre65.

Mesmo hoje em que se destaca o caráter jurisdicional da execução

penal, os métodos legais de controle e de punição disciplinar dos apenados

ainda refletem os valores reinantes na sociedade brasileira, dando azo aos

mais variados tipos de arbítrios por parte das autoridades administrativas

encarregadas da execução penal in loco, sempre em nome de escopos de

duvidosa legitimidade como segurança da sociedade e supremacia do

interesse público.

A despeito dos aspectos mencionados nos parágrafos supra, a breve

análise dos principais pontos da LEP pátria permite concluir que a mesma é

tida como sendo de vanguarda e seu espírito filosófico se baseia na efetivação

da execução penal como sendo forma de preservação dos bens jurídicos não

atingidos pela execução da pena. Outro aspecto que não deve ser olvidado diz

respeito ao papel exercido pelo trabalho em sede de execução penal, que

detentos que dividiam um único banheiro e eram obrigados a dormir no chão em condições de higiene precárias. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano. Acesso em: 24-09-2011. 64 A superlotação carcerária é uma das teses apontadas por Juarez Cirino para justificar os substitutivos penais (estratégias de política criminal formuladas com o objetivo de evitar ou reduzir os efeitos negativos do processo de criminalização ou de execução penal). Cita o autor que, segundo dados do DEPEN, Departamento Penitenciário Nacional, relativos a junho de 2009, no Brasil a população carcerária excede o dobro da capacidade de penitenciárias e prisões públicas: a segunda maior população carcerária do continente americano, com 469.807 presos em regime fechado, semiaberto e em prisão provisória, no sistema penitenciário e nas delegacias de polícia. Bibliografia citada, p. 345. 65 Bibliografia citada, p. 268.

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diminui os efeitos nocivos do cárcere na personalidade do condenado e,

igualmente, cria condições favoráveis ao seu retorno à sociedade.

A execução penal é definitivamente erigida à categoria de ciência

jurídica – a Constituição da República de 1988 a elevou à categoria de ciência

autônoma66 – e o princípio da legalidade domina o espírito do projeto como

forma de impedir que o excesso ou o desvio da execução penal venha a

comprometer a dignidade ou a humanidade na aplicação da pena.

Mas a ausência de efetividade dos comandos da LEP é, por outro lado,

novamente um fato a se lamentar, anotando Rodrigo Duque Estrada67 que a

estratégia de controle disciplinar passa necessariamente pela supressão de

direitos fundamentais do apenado como intimidade e autodiscernimento, e da

confiança do preso no sistema legal de garantias (tal confiança é eliminada

quando o indivíduo constata que a efetividade de seus direitos elementares

depende do exclusivo alvedrio da autoridade custodiante, e não da potestade

do comando normativo, muito distante da realidade da cadeia).

No tocante à obrigatoriedade do trabalho do preso prevista no art. 31

da LEP, examinou-se a questão da recepção do referido dispositivo legal pela

Constituição da República de 1988 e, a partir do resultado positivo obtido,

conclui-se que, observada as aptidões e capacidade individuais, o trabalho só

tem a oferecer benefícios, pois, além de possibilitar o abatimento da pena

através do instituto da remição, é através dele que o condenado readquire sua

dignidade, não caindo no ócio, estado propício para a prática de atividades de

cunho reprovável como fuga e outros crimes.

Por fim, viu-se a questão da (necessária) indenização ao sujeito

passivo do crime, ou aos seus sucessores, conforme o caso, figurando o

Estado como garantidor naquelas hipóteses em que o agente não disponha de

recursos patrimoniais para tanto. Evidentemente, não se trata de idéia que

66 O art. 24, inciso I, da Carta Magna prevê a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislarem sobre direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico. 67 Bibliografia citada, p. 138.

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nasce pronta, mas que, aberta ao debate, poderá ser maturada para constituir

um meio de mitigação dos efeitos deletérios do crime na sociedade, sem

perder de vista a premente necessidade que também se tem de aperfeiçoar as

vias da persecução penal estatal68 para apuração dos crimes praticados e

diminuir o sentimento de impunidade hoje existente69.

68 Sempre observados os dogmas constitucionais do contraditório e da ampla defesa, corolários do Estado democrático de direito. 69 Lamentável, a propósito, o arquivamento em massa de inquéritos policiais (somente no Estado do Rio de Janeiro foram feitos pelo Ministério Público estadual mais de 12.000 pedidos de arquivamento de tais procedimentos sobre homicídio anteriores a 2008) para cumprimento da chamada Meta 2 da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública, conforme denuncia matéria publicada no Jornal “EXTRA” em 20 de novembro de 2011, da lavra da jornalista Priscilla Souza.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

JESUS, Damásio E. de Jesus. Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Saraiva,

1999.

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. As Nulidades no Processo Penal– 11ª ed.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª edição. São

Paulo: Malheiros Editores, 2005.

JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil – volume II.

Rio de Janeiro: Forense, 2001.

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BIBLIOGRAFIA CITADA

1 – SANTOS, Juarez Cirino dos. Manual de Direito Penal – Parte Geral. São

Paulo: Conceito Editorial, 2011.

2 – GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro:

Impetus, 2002.

3 - FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal 2. São Paulo:

Saraiva, 2000.

4 – ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Direito e Prática Histórica da Execução

Penal no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2005.

5 – BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal – Parte Geral. São

Paulo: Saraiva, 2002.

6 – MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação

Constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2011.

7 - MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo – 11ª

edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1999.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

TRABALHO E EXECUÇÃO PENAL 10

1 – A ORIGEM DA PENITENCIÁRIA 10

2 – HISTÓRICO DAS PRISÕES NO BRASIL 12

2.1 – DO PERÍODO IMPERIAL 12

2.2 – DO PERÍODO REPUBLICANO 14

2.3 – A ATUAL LEI DE EXECUÇÃO PENAL 20

2.4 – A PRIVATIZAÇÃO DE PRESÍDIOS NO BRASIL 24

CAPÍTULO II

A CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 31 DA LEP 25

CAPÍTULO III

DA INDENIZAÇÃO AO SUJEITO PASSIVO DO CRIME 28

CONCLUSÃO 31

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 35

BIBLIOGRAFIA CITADA 36

ÍNDICE 37

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