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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE AS NOVAS PERSPECTIVAS DAS LIMITAÇÕES AO PODER CONSTITUINTE DERIVADO Por: João Victor de Ataide Silva Orientador Prof. Dr. Willian Lima Rocha Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

AS NOVAS PERSPECTIVAS DAS LIMITAÇÕES AO PODER

CONSTITUINTE DERIVADO

Por: João Victor de Ataide Silva

Orientador

Prof. Dr. Willian Lima Rocha

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

AS NOVAS PERSPECTIVAS DAS LIMITAÇÕES AO PODER

CONSTITUINTE DERIVADO

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como condição prévia para a

conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”

em Direito Público e Tributário.

Por: João Victor de Ataide Silva

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AGRADECIMENTOS

Ao nosso Pai Celeste, aos meus pais,

aos professores Marcelo Guimarães,

Maurício Ribeiro, Cláudia Gurgel e

Anselmo Souza, aos amigos e

parentes.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu pai Dr. João

Pequeno, por tudo o que ele representa.

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RESUMO

Este despretensioso trabalho diz respeito às limitações constitucionais ao

poder constituinte de reforma. O Objetivo do trabalho é traçar algumas linhas

que suscitem a reflexão da comunidade jurídica para questionar até que ponto

o poder constituinte reformador pode alterar a Constituição. Verificar-se-á que

a reforma à Constituição é uma necessidade da sociedade para evitar o não

desejado engessamento do texto e a sua conseqüente perda de efetividade.

Entretanto constatamos Emendas Constitucionais que expressam a mera

satisfação de interesses individualizados e que são repudiados pelo próprio

sistema insculpido na Constituição da República Federativa do Brasil. Assim fui

inspirado a trazer alguns comentos que traduzem nossa repudia a esse

comportamento do poder constituinte reformador, deletério, ao nosso sentir,

para o sistema jurídico brasileiro, como o foi no caso da contribuição para o

custeio do serviço de iluminação pública, sustentamos sua

inconstitucionalidade e o Supremo Tribunal Federal reputou esta malsinada

contribuição constitucional.

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METODOLOGIA

A bibliografia rigorosamente selecionada sem dúvida alguma foi

escolhida com base na qualidade da doutrina brasileira e alienígena relevante

para o cenário nacional e para o estrangeiro, visando trazer a lume o

posicionamento estrangeiro e analisar em que medida ele se adequa ao caso

brasileiro e se isto é razoável ou não.

Iniciemos com o Professor Ricardo Lobo Torres, o qual ganhou sua

notoriedade mundial com a publicação de cinco volumes do famoso “Tratado

de Direito Constitucional Financeiro e Tributário”, sob a revisão do Eminente

Klaus Tipke, um dos maiores tributaristas na Alemanha, dentre outras obras,

como o seu famoso “Curso de Direito Tributário”, e incontáveis trabalhos como

“A jurisprudência dos valores”, no livro Filosofia e teoria Constitucional

Contemporânea, coordenada pelo Dr. Daniel Sarmento, verdadeiras

contribuições para a melhoria da vida acadêmica nacional.

Destaco o artigo da jurisprudência dos valores porque o autor Ricardo

Lobo Torres neste artigo suscita a comunidade jurídica a refletir sobre a

evolução de uma jurisprudência de conceitos, passando por uma jurispudência

de interesses até chegarmos a uma jurisprudência de valores na Alemanha.

Nós testemunhamos no Brasil de um quadro em que a Constituição da

República Federativa do Brasil já foi emendada sessenta e quatro vezes.

Destas, poucas foram realmente necessárias e concretizadoras das

necessidades sociais, deste papel que é o precípuo das emendas à

Constituição. Neste passo, tenho entendido que a jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal está criando uma nova jurisprudência dos interesses, a qual

tentarei caracterizar neste trabalho.

Trazemos à colação as obras do professor que faz parte da Escola do

Rio de Janeiro, o professor autor Luis Roberto Barroso, o qual contribuiu junto

com o professor Ricardo Lobo Torres para a construção de um direito

constitucional contemporâneo que dialogasse com todos os “ramos” desta

ciência multifacetária chamada de direito, com uma produção acadêmica que

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gerou bons frutos para a comunidade jurídica, sobretudo as reflexões sobre a

constitucionalização do direito, pós-positivismo, com a contribuição do Ilustre

Dr. Humberto Ávila que chegou a construir uma escola no Rio de Janeiro e foi

o escritor de um dos trabalhos que mais me fascinaram na graduação, o

famoso “Teoria dos Princípios”.

Mencionamos aqui o autor Paulo Bonavides, o qual indubitavelmente é

importante para a construção da doutrina constitucional brasileira.

Lembramos do autor Emmanuel Joseph Sieyès que trabalhou de forma

moderna o conceito de poder constituinte, o qual trataremos abaixo.

Consignamos que todas as publicações do professor Luís Roberto

Barroso provocaram na mente do que escreve reflexões profundas que

ensejaram a propositura do tema abordado para este trabalho.

Outro importante nome é o do Professor Gilmar Ferreira Mendes com o

seu Curso de Direito Constitucional, que nos ajudou a balizar alguns pontos

principais para o trabalho.

Citaremos alguns autores conhecidos como Luiz Emygdio e tantos

outros que colaboraram com suas obras para as minhas reflexões sobre este

trabalho, que estão listados no espaço próprio para a bibliografia.

Os livros foram pesquisados em diversas bibliotecas, precipuamente

as da Associação Brasileira de Direito Financeiro, nossa querida ABDF e do

Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Alguns livros foram adquiridos

por mim.

Ressalto o trabalho do Eminente desembargador aposentado Hugo de

Brito Machado sustentando com maestria a inconstitucionalidade da

contribuição de iluminação pública, em artigo disponível na Revista Bdjur do

Egrégio Superior Tribunal de Justiça, bem como no seu sítio na internet.

Isto posto, passemos a analisar o temário proposto.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO I - PODER CONSTITUINTE 11

CAPÍTULO II - LIMITAÇÕES AO PODER CONSTITUINTE DERIVADO 24

CAPÍTULO III – A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA JURISPRUDÊNCIA DOS

VALORES NA EUROPA 28

CAPÍTULO IV- O CASO DA CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA 32 CONCLUSÃO 42

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 43

ÍNDICE 47

FOLHA DE AVALIAÇÃO 49

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INTRODUÇÃO

O poder constituinte, como veremos, existe há muito no cenário

internacional, somente sendo organizado com cunho científico na época da

Revolução Francesa. Ao longo de tantos anos verificamos os altos e baixos

desse tema tão instigante, o qual, mesmo com toda a sua presença, necessita

de aprimoramento, encargo realizado pela doutrina em trazer os seus

contornos. Podemos dizer que avanços ocorreram, mas que ainda não foram

suficientes para encerrar o debate sobre o tema poder constituinte.

Neste trabalho vamos analisar, obviamente, o desenvolvimento do

conceito de poder constituinte, do ponto de vista histórico, bem como do

científico e balizar até que ponto mudanças ab initio travestidas de interesse

público podem afetar princípios, na teoria e principalmente na prática, sem nos

apegarmos a um formalismo excessivo, o qual se encontra na contramão da

filosofia do trinômio deslegalização, despolitização e desburocratização da

Administração Pública, lato sensu falando. Nós vamos apreciar a evolução de

uma jurisprudência dos conceitos, para uma de interesses, que passou a ser

de valores, com o objetivo de traçar alguns parâmetros para limitações que

estão na Constituição brasileira, mas não explícitas no artigo 60, parágrafo 4º,

da Constituição da República Federativa do Brasil, embora daí derivem através

de uma construção axiológica.

Sendo assim, nós vamos concluir que o poder constituinte derivado

possui limites, formais e, principalmente materiais, os quais vamos apreciar,

inclusive em um estudo de caso, como o da inserção no nosso ordenamento

de um suposto tributo de Contribuição de Iluminação Pública . Para agravar o

quadro verificamos que o Supremo Tribunal Federal entendeu pela

constitucionalidade da malsinada contribuição.

Nesta monografia, o nosso objetivo específico é trazer as balizas que

limitam o poder constituinte derivado visando o verdadeiro interesse coletivo, o

respeito ao contribuinte, elevado pela Constituição da República Federativa do

Brasil à categoria de cidadão e à sociedade de maneira indireta, através da

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preservação, verbi gratia, da ordem econômica insculpida no artigo 170 da

Constituição da República Federativa do Brasil.

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CAPÍTULO I

PODER CONSTITUINTE1

1.1 – Considerações históricas

O poder constituinte é visível no Estado desde as primeiras

organizações políticas. Se ao analisarmos um determinado território

encontrarmos nele um grupo social e poder político efetivo, pode-se dizer que

existirá uma força ou energia inicial a qual funda esse poder, conferindo-lhe

forma e substância, normas e instituições.

É preciso compreender o reconhecimento do valor jurídico das

Constituições, o que na Europa Continental tardou mais do que na América.

Em se tratando de teoria do poder constituinte, verificamos a sua

elaboração em época moderna em certa concomitância com o

constitucionalismo moderno, em uma conjuntura formada pelas aspirações de

racionalidade do iluminismo, do jusnaturalismo e do contratualismo. Neste

passo geraram-se as noções de poder constituinte, soberania, legitimidade

política , a comunhão e o longo diálogo entre esses conceitos.

A Constituição escrita precursora no mundo moderno evidentemente

foi a americana, cunhada pela Convenção de Filadélfia de 1787. Antes deste

texto, há precedentes de diversas declarações de direitos, como a Declaração

de Virgínia, de 12 de junho de 1776, bem como de constituições estaduais das

antigas colônias inglesas da América do Norte, exemplificando-se as de

Delaware(1776), Maryland(1776), New Hampshire(1776), New Jersey(1776),

North Carolina(1776), Georgia(1777), Pennsylvania(1776), South

Carolina(1776 e 1778), Virginia(1776), New York(1777), Vermont(1777 e

1786), Massachusetts(1780).

1 Este capítulo foi redigido com base em várias obras, por todos: BARROSO, Luís

Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 1ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009,

p. 94 e seguintes; MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO,

Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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Certo é que não existiu nos Estados Unidos um debate prévio e

sofisticado sobre o tema e suas implicações, em decorrência de a Constituição

ter surgido como um fato histórico, não de filósofos.( neste sentido, Thomas L.

Pangle, The philosofic understanding of human nature informingthe

Constitution, in Allan Bloom(ed.), Confronting the Constitution, 1990, p. 9. V. tb

. Oscar Vilhena Vieira, A Constituição e a sua reserva de justiça, 1999, p. 43.).

Ulteriormente, no chamado processo de ratificação houve a produção

de um conjunto de escritos no que pertinem a explicação do documento

redigido através da Convenção de Filadélfia, transformando-se em um clássico

da ciência política, o The Federalist. V.edição com introdução e

comentárioshistóricos de J. R. Pole, 2005. Autoores: Alexander Hamilton,

James Madison e John Jay.

Em razão de coincidência histórica a Constituição francesa de 1971 foi

contemporânea da Constituição americana, embora não se verificassem

afinidades entre suas respectivas causas e conseqüências.

Nos Estados Unidos o processo de criação de um texto magno foi a

conclusão de um processo de emancipação das colônias em relação à

metrópole (revolucionário), ao contrário do que ocorreu na França, porque o

procedimento da elaboração de um texto constitucional ensejou o processo

revolucionário. A conjuntura era de um Antigo Regime enfraquecido, com um

Estado em crise nos aspectos econômico, político e social de alta gravidade,

com uma arrecadação tributária insuficiente para custear os luxos da corte de

Versalhes, o custeio com um exército mercenário e as guerras freqüentes na

disputa pela hegemonia européia. Isto levou a Luís XVI a propor reformas

fiscais ao Clero e a Nobreza, os quais reputaram melhor convocar os Estados-

Gerais, o que acarretou, em detrimento do Clero e Nobreza, no fim de seus

privilégios.

Na França, o autor Emmanuel Joseph Sieyès desenvolveu, com

primazia, na célebre obra Qu’est-ce que le Tiers État?(O que é o Terceiro

Estado?), no curso do procedimento revolucionário, manifestando as

reivindicações burguesas, as quais representavam o Terceiro Estado perante

os privilégios dos estamentos privilegiados.

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O autor Sieyès realizou três indagações retóricas, cujas respostas

serviram de base axiológica para desenvolver sua tese. A primeira delas foi “O

que é o Terceiro Estado”? Tudo; a segunda, “ o que tem sido ele até agora, na

ordem política?” Nada; na terceira, “o que é que ele pede?” Ser alguma coisa.

Subsequentemente, realizou três pleitos, quais sejam, i) que o Terceiro Estado

fosse representado por cidadãos efetivamente integrantes do próprio Terceiro

Estado; ii) que o número de deputados do Terceiro Estado fosse igual ao

quantitativo dos deputados representantes respectivamente do Clero e da

Nobreza; iii) que os Estados Gerais votassem por cabeças e não por ordem.

Sieyès distinguiu poder constituinte de poder constituído. O primeiro,

incondicionado e permanente, constituiria na vontade da nação, cujos limites

estariam tão-somente no direito natural. O poder constituído seria criado e

resultado do recebimento das competências do primeiro, o qual limita

juridicamente o segundo. Estas foram as bases políticas da supremacia da

Constituição.

O pioneirismo de Sieyès alcança ainda a propositura de uma criação

de um órgão responsável para averiguação da constitucionalidade das leis,

através do controle pelo “Júri Constitucional”.

O Sieyès se pronunciou na Convenção Nacional do 18 do Termidor no

sentido de que o “Júri Constitucional” deveria possuir as seguintes atribuições,

sendo a primeira “ vigiar e guardar com fidelidade o depósito constitucional”; a

segunda a de “atender, ao abrigo das paixões funestas, às idéias que possam

servir para aperfeiçoar a Constiutição”; a terceira a de “oferecer à liberdade

civil uma tutela de equidade natural naquelas ocasiões graves em que a lei

tenha esquecido sua justa garantia”.

Neste passo, Emmanuel Sieyès adotou o sistema de representação

política. Aquela idéia de soberania popular de Rosseau(materializada na

vontade geral e participação direta de cada indivíduo) foi substituída pela

“soberania nacional”(Pedro de Vega, La Reforma ...p.97 barroso notas de

rodapé 13 e 14).

Analisadas as origens históricas, verificamos que o conceito conservou

seu núcleo essencial, sendo passível de alterações significativas de conteúdo.

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Para Barroso( curso, op. Cit. P. 97), “trata-se do poder de elaborar e impor a

vigência de uma constituição. Situa-se ele numa confluência entre o direito e a

política, e sua legitimidade repousa na soberania popular”.

Hodiernamente, com a reaproximação entre o direito e a moral, a

centralização da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais

ensejam a doutrina a revisitar o direito constitucional e a enxergar limites ao

poder constituinte, em que pese existam dificuldades teóricas provocadas pelo

tema e das complexidades no tocante a sua efetivação.

A partir do surgimento do Estado Liberal, na segunda metade do

século XVIII, o planeta testemunhou ondas de constitucionalização, através da

produção de Constituições por diferentes Estados dentro de uma conjuntura.

Neste passo, o autor Jon Elster, in Forcers and Mechanisms in the

Constitution-making process, Duke Law Journal, 45, 364, 1995, p. 368 e s.

apud Barroso, op.cit. p. 98, identificou sete ciclos:

1) Elaboração de Constituições escritas entre 1780 e 1791 na

Polônia, na França, no United States of America, dentre outros Estados no

continente americano;

2) A conjuntura Europeia de revoluções resultou em constituições

elaboradas por mais de cinquenta países, considerando os pequenos países

que constituiriam a Itália e a Alemanha;

3) No período após Primeira Guerra Mundial houve a criação ou

recriação de Estados como Polônia e Tchecoslováquia; entrada em vigor da

Constituição de Weimar;

4) No período após a Segunda Guerra Mundial houve adoção de

novas constituições através da intervenção maior ou menor dos aliados;

5) Precedentes da virada kantiana: fim das colônias imperiais. Índia

e Pasquistão(década de 40) ; ápice na década de 60(Gana, Costa do Marfim,

Nigéria);

6) Fim das ditaduras no sul da Europa. Materialização da virada

kantiana na Europa, quando Portugal, Espanha e Grécia elaboraram

constituições democráticas;

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7) Fim das ditaduras na América Latina, na década de 80 e fim do

socialismo na virada para a década de 90 no Leste e Centro Europeus, com a

adoção de novas constituições pelos países.

Ao examinarmos esses precedentes históricos concluímos que os

contextos nos quais o poder constituinte se manifesta, através da elaboração

de novas constituições são (i) revoluções, (ii)criação de um novo

Estado(geralmente após a emancipação de uma colônia ou libertação de

algum tipo de dominação), (iii) derrota em guerras, (iv) transição política

passiva. O poder constituinte será fundacional ou pós-fundacional na medida

em que resulte na constituição originária de um Estado ou reordene um estado

anteriormente existente. Hodiernamente verificamos desenvolvimento de uma

Carta Magna através de tratado internacional, é o caso da União Europeia.

Ressalte-seque o projeto ainda não foi concluído.

Quando se refere acima em revoluções, não podemos incluir a

revolução Gloriosa, na Inglaterra, eis que não houve o processo de construção

de uma carta escrita a partir de um marco zero, mas sim da construção de um

ideário constitucional pelo costume através de um processo histórico e

evolutivo diferenciados. Neste passo, podemos lembrar da elaboração da

Constituição Americana, dez anos após a declaração de independência dos

Estados Unidos.

A experiência com força marcante e enquadrante na hipótese de

criação de uma constituição precedida de revolução foi a experiência francesa,

da elaboração da Constituição de 1791. Recentemente, a Constituição

Portuguesa de 1976 foi fruto de uma atividade revolucionária, em que pese

tenha sido um processo menos dramático.

1.2 - Natureza e limites do poder constituinte

O jusnaturalismo(idéia de um Direito Superior, Natural) foi a base

filosófica para o desenvolvimento da doutrina original do poder constituinte, a

qual considerava-o inalienável, permanente e incondicionado, servindo de base

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para questionamento do Antigo Regime. Poder constituinte significaria dizer

capacidade instituidora de uma nova ordem, a qualquer tempo, posicionando-

se acima e fora do poder constituído(sistema jurídico positivo e instituições de

poder existentes), com normas pré-constitucionais.

O positivismo jurídico caminha em sentido contrário ao não reconhecer

a possibilidade de existência de um direito preexistente ao Estado. Para a

filosofia liderada por Hans Kelsen o poder constituinte teria o condão de criar

ou refundar o Estado, constituindo um poder de fato, uma força política

alocada fora do direito(metajurídica), insuscetível de integrar seu objeto, sendo

um fato pré-jurídico, externo ao direito.

O professor Luís Roberto Barroso sustenta com clareza ser indubitável

que o poder constituinte é um fato político, uma força material e social, não

subordinado ao direito positivo preexistente. Não diz respeito a um poder

ilimitado ou incondicionado, mas sim de um poder cujo exercício e obra são

formados tanto pela realidade fática como pelo direito, esfera na qual se situa

o pós-positivismo, circundado dos direitos humanos, dos valores civilizatórios e

da justiça.

Existem condicionamentos pré-constituintes, presentes desde os

primeiros momentos, sendo pertinentes a aspectos como o ato convocatório, o

processo de escolha dos integrantes da assembléia ou convenção, às vezes

até o procedimento deliberatório.

É insustentável tecer comentários sobre soberania popular ou

democracia com a ausência do direito, de normas disciplinadoras da

participação de todos, no regime de liberdade e igualdade.

Nesta linha segue Ignacio de Otto(Derecho constitucional: sistema de

fuentes, 1998, p.56) entendendo que até o processo constituinte é regrado, ele

não constitui, portanto, mero fato.

No Brasil utilizou-se o mecanismo da Emenda Constitucional de

número 26, de 27 de novembro de 1985, ao texto da carta de 1967-1969.

Nesta emenda verificamos como se daria o processo constituinte, a sua data,

quem instalaria o processo constituinte, forma e quórum de

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deliberação(HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional, 2002, p. 33, apud

Barroso).

O caso brasileiro foi interessante porque em 1891 a conjuntura

brasileira era de República proclamada e o Governo Provisório instituiu a

Federação. Neste diapasão vide o Decreto nº 1, de quinze de novembro de

1889, editado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, não obstante o Marechal

tenha utilizado o vocábulo provisório, inevitavelmente a República Federativa

do Brasil seria definitiva. Eis a ementa do Decreto:

“Proclama provisoriamente e decreta como a forma de governo da Nação

Brasileira a República Federativa e estabelece as normas pelas quais se

devem reger os Estados Federais.”

O Governo Provisório, fruto da Revolução de 30, determinou pela via

do Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930 que a Constituição( a qual

seria promulgada em 1934) manteria a forma Republicana e o regime

federado, vedando restrições aos direitos dos municípios e cidadãos.

Posteriormente a destituição de Getúlio Vargas veio a lume a lei

Constitucional nº 15, de 26 de novembro de 1945, em seu artigo que restringiu

ao Congresso Nacional na elaboração da nova Constituição impedindo ao

Poder Legislativo contestar a eleição presidencial realizada em 2 de dezembro

de 1945. Assim foi redigida a Lei Constitucional nº 15, de 1945: “Art. 1º - Em

sua função Constituinte terá o Congresso Nacional, eleito a 2 de dezembro

próximo, poderes ilimitados para elaborar e promulgar a Constituição do país,

ressalvada a legitimidade da eleição do Presidente da República.”

O professor autor Luís Roberto Barroso(op. Cit. P. 113) sustenta a

necessidade de um processo constituinte em detrimento da idéia de um único

ato constituinte para designar o poder constituinte. Este processo constituinte

deve se constituir em atos encadeados no propósito de superar o status quo

ante. Dentre esses atos, assevera o eminente jurista devemos incluir a ruptura

com a ordem anterior(ou a decisão de deflagrar uma posição), a convocação e

a eleição dos constituintes, os trabalhos desenvolvidos e a aprovação final.

Uma eventual quebra na harmonia nesse seqüencial é retrocesso para o plano

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da legitimidade do poder constituinte para renovação do seu título, podendo

esta se dar até pela via da deliberação popular.

Existem também os condicionamentos pós-constituintes. Seguindo a

linha de John Elster, in Forces and Mechanisms in Constitution-making

process, Duke Law Journal, 45: 364, 1995, p. 374, apud Barroso, p. 113, o

mais importante condicionamento pós-constituinte está na ratificação do texto

aprovado. A idéia de referendo popular após a elaboração de um texto

constitucional não foi albergada pela doutrina do poder constituinte criada por

Emmanuel Joseph Sieyès, pela qual a manifestação do povo se dava pela via

representativa. Os representantes se uniam em assembléia e a esta cabia a

palavra final. Diferente do que ocorreu nos estados Unidos da América, eis que

se verifica desde os primórdios das Constituições estaduais o efetivo exercício

da soberania popular pela via direta, através da submissão à ratificação

popular do projeto lavrado em convenção pelos representantes outrora

indicados. Lembremos então o caso da Constituição Federal dos Estados

Unidos da América, com seu texto cunhado em Filadélfia(1787), no qual teve

o referendo popular como etapa decisiva (Barroso, Curso, p. 113/114). A

redação do dispositivo legal que encerra o mencionado texto dizia: “Art. 7º - A

ratificação, por parte das convenções de nove Estados será suficiente para a

adoção desta Constituição nos estados que a tiverem ratificado”.

Caso se utilize a legitimidade para assentada do poder constituinte é

insustentável entender o poder constituinte como ilimitado, razão pela qual ele

será limitado pelos valores sociais e políticos os quais ocasionaram na sua

deflagração e pelo ideário intrínseco de direito(Barroso, op. Cit. P.114).

Vejamos a fala do professor Luís Roberto Barroso, em seu renomado

Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, Saraiva, p. 114:

O poder constituinte, portanto, é um poder de Direito. Ele está fora e

acima do Direito posto preexistente, mas é limitado pela cosmovisão

da sociedade – suas concepções sobre ética, dignidade humana,

justiça, igualdade, liberdade – e pelas instituições jurídicas

necessárias à sua positivação. Fora daí pode haver dominação e

outorga, masnão constitucionalismo democrático. Uma última

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limitação que a doutrina passou a reconhecer de maneira

praticamente unânime nos últimos tempos decorre dos princípios do

direito internacional e, especialmente dos direitos humanos.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 verificamos o advento

da Declaração Universal dos Direitos Humanos(1948). Os direitos humanos

ganharam tal envergadura que se transformaram em uma base mínima a ser

observada por cada Estado presente no mundo, no que diz respeito à

organização do poder e no relacionamento com os cidadãos.

No Brasil destacam-se alguns estudos como os da autora Flávia

Piovesan(Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. São Paulo:

Max Limonad, 2000.), os quais tratam da incorporação dos tratados

internacionais de direitos humanos à ordem interna e ganharam envergadura

constitucional, através da Emenda Constitucional nº 45, de 8/12/2004,

conferindo ao parágrafo 3º, do artigo 5º da Constituição da República

Federativa do Brasil redação que assegura a incorporação de tratados e

convenções internacionais sobre direitos humanos com o quorum semelhante

ao de aprovação de Emendas à Constituição(3/5 dos votos dos membros de

cada casa do Congresso Nacional) estando a estas equiparados.

O fenômeno da globalização tem as suas virtudes como a

disseminação desses valores benéficos para a comunidade internacional,

como o desenvolvimento da ética, a fim de equilibrar os eventuais conflitos de

interesses entre a universalização dos direitos e multiculturalismo(diversidade

dos povos).

São endossáveis as conclusões do autor Luís Roberto Barroso(op. cit.,

p. 115), no sentido de que há uma tentativa de sistematização de limitações ao

poder constituinte, através de condicionamentos pré e pós-constituintes. Neste

passo, o poder constituinte é para ele um fato essencialmente político,

entretanto, submetido a condições de acordo com a conjuntura histórica,

política e jurídica do Estado. Reconhecem-se as dificuldades de estabelecer

limites para o poder constituinte originário. Sabemos que o Tribunal

Constitucional Federal Alemão já teve a oportunidade de realizar o controle do

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poder constituinte originário2, mas que o entendimento predominante é no

sentido de que a obra do constituidor de uma nova ordem constitucional não

viabiliza o controle judicial, inclusie nosso Pretório Excelso3.

Sendo assim, em se tratando de aplicação prática, a materialização

desses limites se dará somente no plano da legitimidade, não no da legalidade.

1.3 - Poder constituinte originário e poder constituinte de

reforma

Basicamente, de acordo com o autor Paulo Gustavo Gonet Branco4

existem duas espécies de poder constituinte: poder constituinte originário e

poder constituinte de reforma.

2 O Tribunal constitucional Alemão referendou entendimento cunhado pelo Tribunal Constitucional do Estado de Bavária, Sentença 1, 14, de1951: ”Dessa forma, essa Corte concorda com a afirmação da Corte Constitucional de Bavária: ‘ Não é conceitualmente impossível que um dispositivo constitucional individualizado seja inválido apenas por ser parte da Constituição. Existem princípios constitucionais que são tão fundamentais e que expressam tão intensamente um direito que tem precedência até mesmo sobre a Constituição, que vinculam o próprio constituinte, e outras disposições constitucionais que não tenham tal status podem ser inválidas por contrariar tais princípios’. A partir dessa regra de interpretação , decorre que qualquer disposição constitucional deve ser interpretada de modo a ser compatível com alguns princípios elementares e com as decisões fundamentais do constituinte”. (tradução livre). Encontram-se estes e outros excertos com comentários em Donald P. Kolmmers, The Constitutional Jurisprudence of The Federal Republic of Germany, 1997, p. 62-69. 3 Desta forma já decidiu o Supremo Tribunal Federal em várias oportunidades. O leading case se deu na Ação Direta de Inconstitucionalidade 815-3/DF, da relatoria do Ministro Moreira Alves (DJU de 10 de maio de 1996):“ A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias, dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face das outras é incompossível com o sistema da Constituição rígida. – Na atual Carta Magna ‘ compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição(art. 102, ‘caput’), o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo , e não para, com relação a ela, exercer o poder de fiscal do Poder Constituinte originário, afim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição. – Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação ás outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido”. No mesmo diapasão, STF, DJu 9 fev. 2006, ADIN MC3.300/DF, destacando-se a “impossibilidade jurídica de se proceder à fiscalização normativa abstrata de normas constitucionais originárias”. 4 Curso, Gilmar, Paulo, op. Cit. Pag. 231 e seguintes

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A envergadura da Constituição como a autoridade soberana com a

capacidade de manter a sua supremacia, fundamentadora de validade do texto

magno, materializa o poder constituinte originário com a desvinculação a

normas anteriores, representando a sua onipotência.

Seguindo a linha do autor Ernst Böckenforde, in Estudios sobre el

Estado de Derecho y La Democracia, Madrid: Trotta, 2000, p. 159-180, não

existe um diploma jurídico que no plano da validade seja a base fundamental

de uma constituição, entretanto esta se funda sobre o exercício da vontade das

forças predominantes na sociedade que a precede.

Como vimos na perspectiva histórica, o autor Emmanuel Joseph

Sieyès traçou as balizas para a formação do poder constituinte originário, o

qual possui como fruto principal a Constituição, ao se posicionar como fato

gerador e organizador dos poderes do Estado (poderes constituídos) com a

conseqüente posição se magnitude no cenário jurídico do Estado.

Para a caracterização do poder constituinte originário identificamos

pelo menos três elementos básicos: o pioneirismo(inicial), a

autonomia(ilimitado) e o fato de ser incondicionado.

O pioneirismo está no fato de originar o ordenamento jurídico, ser o

início do direito.

A autonomia deriva do fato de o poder constituinte não pertencer à

ordem jurídica, de não ser regido por ela. Lembra-se que existem restrições na

compreensão deste caractere, seja por razões políticas, éticas, religiosas,

culturais informativas da nação a qual expressa sua vontade política pela via

desse poder constituinte.

O poder constituinte originário em tese é incondicionado porque não

necessariamente se vincula à ordem jurídica anterior, lembrando-se sempre da

visão moderna e progressista, tratada anteriormente, a qual em se tratando de

direitos humanos e outros direitos fundamentais devem eles continuar em uma

posterior Carta Constitucional.

O Poder Constituinte de Reforma é aquele que visa precaver a

comunidade jurídica do engessamento do texto em detrimento de atender às

necessidades da sociedade. Por outro lado, o Poder Constituinte Derivado

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Reformador evita diversas manifestações do Poder Constituinte Originário para

alterações pontuais do ordenamento jurídico, preservando, ao nosso entender

o valor segurança jurídica. Mas como veremos adiante, sucessivas alterações

que visem interesses ínfimos, para beneficiamento de uns e prejuízo de outrem

geram insegurança jurídica. Daí a necessidade de limitações ao Poder

Constituinte Derivado.

Ao longo do tempo o poder constituinte de reforma recebeu vários

nomes, como o poder constituinte constituído, poder constituinte derivado,

poder constituinte instituído ou poder constituinte de segundo grau5.

O autor Paulo Gustavo Gonet Branco6 entende que o Poder

Constituinte de Reforma compreende tanto o poder de emenda à constituição,

quanto o poder de revisão textual, na forma do artigo 3º, do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.

O Poder Constituinte de Reforma viabiliza a regeneração do Poder

Constituinte Originário, a manutenção do núcleo essencial da Constituição

vigente, eliminar normas desprovidas de justificativas políticas, sociais,

jurídicas e até as econômicas; aditar outras a fim de revitalizar o texto e de

cumprir a função de conformação da sociedade.

O poder de reforma da Constituição funciona melhor nos sistemas de

Constituições rígidas, ou seja, aquelas que podem ser alteradas unicamente

pelos sistemas de procedimentos especiais solenes, mais dificultosos que

aqueles pertinentes ao exercício da função legislativa comum, eis que nos

sistemas adotantes das Constituições flexíveis verifica-se um quadro de

insegurança jurídica com um excesso de leis que possam ser ineficazes e

equiparadas à Constituição, destruindo assim sua força normativa.

A adoção de um sistema de Constituição rígida é influenciada por duas

espécies de fatores: a primeira delas é a inadmissibilidade da pretensão de

tornar um texto imodificável e a segunda é justamente a incompatibilidade de

se manter um poder constituinte ao alvedrio de interesses momentâneos ou de

5 Op. Cit. P. 248. 6 Op. Cit. P. 247 e seguintes.

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maiorias ocupantes do poder sazonalmente. O sistema de Constituição rígida é

o ponto de equilíbrio entre essas duas espécies de fatores ora comentadas.

O Poder Constituinte originário é o criador do Poder Constituinte de

Reforma, possui a função de estabelecer as balizas procedimentais e

limitadoras do Poder Constituinte Derivado Reformador.

O Poder Constituinte de Reforma não é dotado das características de

ser pioneiro, inovador, incondicionado e ilimitado.

A distinção entre essas duas formas de poder constituinte ocasiona

também na necessidade de limitações ao poder constituinte de reforma.

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CAPÍTULO II

LIMITAÇÕES AO PODER CONSTITUINTE DERIVADO

O Poder Constituinte de Reforma também possui seus limites, sejam

eles formais ou materiais.

As limitações formais dizem respeito às balizas no procedimento do

Poder de Reforma. Ab initio, a Constituição da República Federativa do Brasil

exige um quórum especialmente qualificado a fim de que o Congresso

Nacional aprove uma Emenda Constitucional.

A rigidez Constitucional brasileira é configurada na medida em que o

artigo 62, parágrafo 2º, da Constituição da República Federativa do Brasil

exige que a proposta de emenda obtenha voto favorável de três quintos dos

membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação

para cada uma. Isto significa dizer que é necessária anuência de ambas as

Casas do Congresso Nacional afim de que o processo legislativo de emenda à

Constituição prospere.

No texto expresso da Constituição Brasileira percebemos vedações ao

processo de emenda à Constituição na vigência de intervenção federal, de

estado de defesa ou estado de sítio, na forma do parágrafo 1º, do seu artigo

60.

Na Constituição da República Federativa do Brasil não existe uma

previsão de iniciativa popular de proposta de emenda, mas a Carta de 1988,

em seu artigo 60, assegura a iniciativa de um terço, no mínimo, dos membros

da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; do Presidente da República,

de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação,

manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

É proibida a reapresentação de proposta de Emenda á Constituição na

mesma sessão legislativa, quando a referida proposta for rejeitada ou tida por

prejudicada na mesma sessão legislativa, na forma do § 5º, do artigo 60, da

Constituição da República Federativa do Brasil.

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No direito alienígena encontramos Constituições que estabelecem

restrições temporais7, tais como a vedação de emendas durante um certo

período de tempo. No Brasil, a única restrição, neste passo, que nos consta diz

respeito à vedação ocorrida na Constituição de 1824 de nos primeiros quatro

anos posteriores ao momento em que a Constituição foi outorgada.

Existem também limitações materiais ao Poder de Reforma que se

consubstanciam nas cláusulas de intangibilidade(cláusulas pétreas).

É evidente que o tema limitações materiais ao Poder de Reforma é

polêmico, tema central deste trabalho.

A Constituição é a “carteira de identidade” da sociedade que ela rege.

Por esta razão algumas características dessa “carteira de identidade”

naturalmente mudam com o decurso do tempo, mas existe um núcleo que

evidentemente não pode ser modificado porque ele faz parte da essência do

Estado lato sensu.

Ao nosso sentir o Sistema Tributário Nacional é dotado de

intangibilidade porque o objetivo dele é cumprir um contrato social que foi

estabelecido através de um pacto em 1988 e ele não pode, nem deve ser

modificado, sob pena de violação dos direitos fundamentais máximos dos

contribuintes e dos princípios consagrados pelo próprio sistema tributário.

O autor Paulo Gustavo Gonet Branco8 constrói a linha de raciocínio no

sentido de que se a reforma ao texto constitucional possui como escopo

revitalizar o texto constitucional infere-se que se deve preservar a identidade

do texto Constitucional, o que, por si só já constitui um limite à atividade de

reforma.

É evidente que o próprio poder constituinte originário é capaz de

sinalizar os princípios que não admite sejam modificados com o enfoque em

manter a unidade no curso do tempo.

A rigidez constitucional não precisa ser exagerada ao ponto de ensejar

revoluções, bem como o sistema não deve ser tão flexível ao ponto de se

7 Mendes, Branco, et. al, op. cit. P. 249. 8 Op. cit. P. 250

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tornar um devaneio da idéia de segurança no regime constitucional-

democrático em que se vive.

Quando se trata de limites materiais ao Poder de Reforma verificamos

dificuldades teóricas para sua aceitação, em decorrência das controvérsias que

o tema gera.

A primeira controvérsia surge9 a partir da seguinte linha de raciocínio:

se o poder constituinte originário e o derivado são exercidos pela forma

representativa do mesmo povo, qual seria a razão para um poder estar

subordinado ao outro? O que impediria, no futuro, a modificação de uma

decisão tomada no passado?

No âmbito da teoria constitucional buscou-se desconstruir a idéia de

que o processo de Emenda à Constituição seria a imposição da vontade de

uma geração sobre a outra. A linha de raciocínio correta, adequada,

proporcional foi construída pelo autor Klaus Stern10, o qual delineia no sentido

de o poder constituinte originário consiste na expressão da vontade do povo e

as limitações ao poder de reforma nada mais significam do que restrições dos

interesses individualizados dos representantes do povo. Evidentemente o

próprio processo de criação de um texto constitucional que supostamente é

dotado do objetivo de manter as características da universalidade e de ser o

quão duradouro possível enseja limitações aos poderes constituídos, porque o

que eles possuem são interesses voltados para as contingências do

imediatismo da política comum.

O poder constituinte originário estabelece algumas restrições ao poder

de reforma em razão de sua superioridade perante o próprio poder de reforma,

protegendo, assim, o núcleo essencial do texto constitucional é mantido

através de cláusulas de perpetuidade, preservando a Ordem Constitucional de

quaisquer mudanças institucionalizadas.

As gerações seguintes não devem se prender às decisões da geração

anterior, quando verificam que os postulados assegurados outrora perderam

importância e relevância para a toda coletividade, impondo-se a mudança do

9 MENDES, Gilmar, Et. all. Op. cit. , p. 250 10 Ibid

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texto magno a fim de evitar o odioso engessamento do texto. Essa discussão

teórica influenciou e muito na definição da natureza das cláusulas de

intangibilidade (cláusulas pétreas).

Existem três doutrinas (MENDES, et. all. Op. Cit. P. 251 e seguintes.)

definidoras da natureza jurídica das cláusulas pétreas. A primeira, adotada

pelos autores Loewenstein e Joseph Barthélemy, sustenta que não há

diferença substancial entre o poder constituinte originário e o poder constituinte

de reforma, pois ambos decorrem da idéia de serem frutos da soberania do

Estado. Como conseqüência disto ambos são frutos do exercício da

representatividade do povo no regime democrático. Segundo este

entendimento, seria inadmissível considerar o poder constituinte originário

superior a um poder constituinte derivado ulteriormente. Para os seguidores

deste entendimento a declaração de intangibilidade tem significado político,

entretanto, não teria força jurídica.

A segunda corrente entende que são admissíveis no sistema restrições

aos direitos fundamentais, mas que é possível, através do sistema de dupla

revisão, relativizar as restrições ao poder de reforma. Esta doutrina segue a

linha que as normas de revisão de determinado preceito não são intangíves às

alterações e revogação. O procedimento de dupla revisão, segundo esta

corrente, se daria através da viabilidade de supressão de determinado direito

e, em seguida, a remoção do direito petrificado. O objetivo das cláusulas

pétreas, para os filiados a este entendimento, está justamente em garantir a

estabilidade de certas escolhas do poder constituinte originário, por

conseguinte, também a sua sobrevida.

A terceira corrente sustenta que as limitações materiais são

admissíveis, eis que imprescindíveis e incontornáveis ao sistema

constitucional.

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CAPÍTULO III

A CONSTRUÇÃO DE UMA JURISPRUDÊNCIA DE

VALORES NA EUROPA. 11

Agora vamos analisar alguns aspectos desta construção de uma nova

jurisprudência de valores que repudia a prática de atos eivados de

inconstitucionalidade no ordenamento jurídico, levando em conta a moral.

O positivismo foi uma doutrina que prevaleceu no panorama filosófico-

jurídico do ocidente por aproximadamente cem anos, de meados do século XIX

a meados do século XX. Seus seguidores possuíam a crença de que era

plenamente possível o conhecimento, bem como a atuação do direito através

das regras, conceitos e demais categorias lógicas da normatividade. Esta

teoria foi a adotada, destacadamente, por Savigny, Windscheid e,

retardadamente Hans Kelsen. Isto resultou na chamada jurisprudência dos

conceitos (Begriffsjurisprudenz) para os doutrinadores alemães.

No decorrer do tempo surgiu a idéia do positivismo sociológico, que

compunha a jurisprudência dos interesses (Interessenjurisprudenz), segundo a

qual a própria realidade social produzia o direito. Citamos aqui os responsáveis

pela adoção desta corrente de pensamento: Jhering, Philipe Heck e Georg

Jellinek.

Marcadamente após a Segunda Guerra Mundial a jurisprudência dos

valores superou o positivismo e culminou no retorno da idéia de adoção de

princípios e valores. Neste período, chamado de pós-positivismo ou não

positivismo, a jurisprudência dos valores (Wertungsjurisprudenz) substituiu a

jurisprudência dos interesses (Interessenjurisprudenz). A expressão pós-

positivista recebeu críticas do professor/autor Ricardo Lobo Torres (Tratado,

vol. 2, p. 57) em razão de, ao seu sentir, a expressão ser ambígua por

11 Este capítulo foi redigido com base nas obras Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, Vol. II e do artigo A jurisprudência dos valores, no periódico coordenado pelo autor Daniel Sarmento chamado de filosofia e Teoria Constitucional Contemporânea, ambos da autoria do Professor Ricardo Lobo Torres.

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significar dizer a superação do positivismo normativista e conceptualista, a

partir de premissas do positivismo sociológico e historicista.

O imperativo categórico de Kant(a máxima de uma conduta poderia se

transformar em lei universal) foi interpretado como a equiparação entre

liberdade com legalidade.

A jurisprudência dos valores reconhece os valores supralegais

(übergesetzlicher) ou pré-positivos (vorpositiver) com a crítica ao modelo da

subsunção, privilegiando-se a justiça do caso concreto e a argumentação.

A Wertungsjurisprudenz, inspirada nos ideários kantianos, consiste na

doutrina que reaproxima o direito da moral, ao reconhecer a objetividade dos

valores jurídicos e objetiva legitimá-los pelas vias epistêmicas e pragmáticas.

A virada kantiana, nas lições do autor Ricardo Lobo Torres(Filosofia,

op. cit. p. 508 e seguintes), decorre de uma observação do autor Heidegger de

que a partir de Kant a razão ética fundamental orbitou em torno dos valores,

em razão de o próprio dever-ser emanar aquilo que em si mesmo possui um

valor.

A idéia de liberdade norteava o liberalismo, consistia na própria

essência do ser humano, era expressão derradeira do direito natural e que

serviu como fundamento da Constituição.

No entendimento kantiano o que prevalecia era a idéia que a liberdade

constituía a vontade livre que a partir do momento em que se tornasse comum

a todos os seres racionais tornar-se-ia a fonte da legislação universal.

No final do Século XX retornou ao cenário mundial a idéia filosófica de

alguns neokantianos, os responsáveis pelo processo de intensificação das

relações entre a ética e o direito dos valores. O autor O. Höffe nomeou tal

cenário de virada kantiana (Kantische Wende) na obra Kategorische

Rechtsprinzipien. Ein Kontrapunkt der Moderne. (Frankfurt: Suhrkamp, 1990, p.

351) como o fenômeno da reaproximação, em torno dos anos de 1970, entre o

direito e a moral, caracterização típica do não-positivismo, eis que o

positivismo segrega a moral do direito.

Os principais caracteres da virada kantiana são a positivação da regra

de justiça(materializada pelo mínimo existencial), ao lado da liberdade no

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imperativo categórico; o equilíbrio entre justiça e direitos humanos; a

objetividade dos valores, sujeita à realidade pragmática; a efetividade jurídica

do mínimo ético.

Neste momento entram em voga novamente os princípios da

igualdade, efetividade da regra moral abstrata, como protetora dos direitos

fundamentais, no sentido de se buscar um mínimo ético para o direito.

É por estas razões que entramos no mérito deste trabalho que visa

debater sobre a constitucionalidade ou não da contribuição de iluminação

pública. A importância da virada kantiana para este trabalho é a de que a moral

deve nortear o comportamento do poder constituinte reformador ao resolver

criar uma ficção jurídica travestida de espécie tributária. O que se deve

perquirir é se o poder constituinte reformador pode modificar a Constituição da

República Federativa do Brasil, constituída e mantida sob a égide de um

Estado lato sensu democrático de direito, sobre tudo uma Constituição

Tributária, para atender a interesses individuais travestidos de interesse

coletivo. Sustentamos, assim, que a Constituição não deve ser emendada para

atender interesses individuais de prefeitos(os quais sustentam a necessidade

de arrecadação), que podem obter aumento arrecadação por meios que um

bom gestor público pode fazer, como a criação de oscips, fundações de direito

privado, conforme tem se verificado pragmaticamente na atuação dos

prefeitos, e que a doutrina se imiscuiu de discutir essa questão por esta óptica,

o que nós não nos furtamos.

É um gravame para a sociedade e coletividade brasileira a atuação das

procuradorias municipais com interesses pessoais travestidos de interesses

coletivos, que vilipendiam a sistemática insculpida no caput do artigo 37 da

Constituição da República Federativa do Brasil, que garante ao cidadão(que

pela lei é chamado de contribuinte) que a administração pública respeitará aos

princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e

da eficiência. O Estado deve sim se preocupar com a moral e é desde 1988

que tardiamente o pós-positivismo chega ao Brasil para repudiar esse tipo de

tratamento de desrespeito ao contribuinte ao permitir que os municípios

instituam a contribuição de iluminação pública.

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O Brasil chegou ao ponto de a própria legislação federal eleger um dia

para proteção do contribuinte, consoante se verifica na Lei nº 12.325/2010,

dando mais um passo para efetivar este patrimônio da humanidade que é a

conquista de uma virada kantiana que aproxime a moral e o direito.

Neste passo é que sustentamos a impossibilidade de uma emenda

constitucional crie uma nova modalidade de contribuição, pois devemos nos

apegar aos princípios, aos valores norteadores desta virada kantiana.

Como leciona o autor Humberto Dalla Bernadina de Pinho (p. 350) os

direitos transindividuais, em razão de serem dinâmicos, constituem o reflexo de

uma coletividade que está em constante mutação e que sofre as árduas

conseqüências da elevada carga tributária. Esta coletividade repudia o

pagamento de mais tributos, principalmente aqueles postos em nosso texto

magno sem a legitimação devida, com a séria violação do princípio da

moralidade administrativa.

Postas as limitações ao poder constituinte derivado, como analisamos

anteriormente, elas não podem ser violadas pela própria administração pública.

Sendo assim, analisaremos no próximo capítulo como foi a

implantação desta malsinada contribuição e as nossas críticas ao

posicionamento do Supremo Tribunal Federal, o qual considerou, por maioria,

vencido o Ministro Marco Aurélio, com o seu belíssimo voto, que a contribuição

de iluminação pública, presente no artigo149-A da Constituição Federal é

constitucional.

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CAPÍTULO IV

O CASO DA CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA

Para nós analisarmos esse caso, precisamos apreciar o longo e árduo

percurso da utilização de uma declaração de inconstitucionalidade pelo

Supremo Tribunal Federal para a elaboração do artigo 149-A da Constituição

da República Federativa do Brasil. Tudo começou com a idéia de alguns

municípios, como o Município de Niterói, no Estado Federado do Rio de

Janeiro, de criar a odiosa taxa de iluminação pública.

A discussão cinge na indagação de qual a melhor forma de remunerar

o serviço de iluminação pública.

Para chegarmos a uma resposta coerente, precisamos analisar o

conceito de serviço público, desenvolvido pela Escola Francesa de serviço

público, que, por incrível que pareça, a doutrina majoritária possui dificuldade

em definir, eis que serviço público é uma palavra multifacetária.

Subsequentemente, verificaremos que o serviço de iluminação pública

foi remunerado pela taxa de iluminação pública, sendo esta exação

acertadamente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Por

esta razão, os Municípios realizaram um lobby no Congresso Nacional para

garantir a autorização aos Munícipes cobrarem, na forma do artigo 149-A da

Constituição da República Federativa do Brasil, a malsinada Contribuição de

Iluminação Pública – CIP.

Os primeiros esboços do conceito de serviço público foram traçados na

França, através da Escola de Serviço Público, sustentando alguns que o termo

em questão designaria todas as atividades do Estado.

Para o autor José dos Santos Carvalho Filho serviço público consiste

na atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, através de um

regime de direito público, com fulcro em satisfazer as necessidades essenciais

e secundárias da coletividade.

A autora Maria Sylvia Di Pietro leciona que o autor Leon Duguit

considerava que o conceito de serviço público estava ligado à idéia de

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atividade ou organização que abrangia as funções estatais e que estas seriam

englobadas pelo direito público.

No Brasil o autor Mário Masagão adotou o entendimento no sentido de

que serviço público diz respeito a toda a atividade, inclusive a judiciária e

administrativa, exercida pelo Estado para atingir suas finalidades. Para ele, a

atividade legiferante é intrínseca à Administração Pública. O autor sustenta que

serviço público strictu sensu administrativo atinge a atividade estatal, exceto a

judicante.

É bem verdade que este conceito estrito, com esteio nas lições da

autora Di Pietro(p. 90), é dotado de alguma amplitude, eis que abrange todas

as atividades desempenhadas pela Administração Pública, sem distinção da

atividade jurídica(poder de polícia), da atividade material(serviço público) e da

atividade econômica.

A autora Maria Sylvia Di Pietro(p. 91) entende que serviço público em

sentido estrito consiste no confinamento entre as atividades exercidas pela

Administração Pública, excluindo-se as funções legislativa e jurisdicional.

Serviço público, ao seu sentir, seria uma atividade administrativa diferente do

poder de polícia do Estado.

Portanto, serviço público para a autora Di Pietro(p. 91) significa dizer a

atividade material atribuída ao estado pela Lei para exercício direto ou

indireto(por seus delegados), com o objetivo de satisfazer concretamente às

necessidades coletivas, através de regime jurídico total ou parcial mente

público.

Serviço público uti singuli é aquele específico e divisível. Nesta forma,

o serviço deverá ser remunerado por taxa, a teor do artigo 77 do Código

Tributário Nacional(Lei nº5072/66) e do artigo 145, inciso II, da Constituição da

República Federativa do Brasil.

Específicos são aqueles serviços públicos em que se verifica a

possibilidade de fracionamento em unidades autônomas de intervenção, de

necessidade ou utilidade pública, conforme leciona o autor Luiz Emygdio

Franco da Rosa Júnior e o artigo 79, II, do Código Tributário Nacional. A

especificidade, nas lições do eminente autor, permite o estabelecimento de

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uma relação entre o prestador do serviço (Estado) e beneficiário do

serviço(indivíduo ou grupo de indivíduos).

Serviços públicos divisíveis são aqueles em que sua utilização se dá

em partes, por cada usuário, na forma do artigo 79, inciso III, do Código

Tributário Nacional.

Serviços uti universi são aqueles beneficiadores da coletividade,

permitindo uma utilidade genérica, não sendo permitido dizer que aqui há

usuário de serviço, eis que a coletividade destinatária não possui uma

sensação de gozo exclusivo dão serviço objeto da prestação pela

administração pública.

O advento do conceito de taxa no ordenamento constitucional

brasileiro se deu através da constituição de 1891, que atribuía à União a

competência para instituir a taxa de selo e as taxas dos correios e telégrafos

federais, na forma do seu artigo 7º, nº 3 e 4 e aos Estados para decretar a taxa

de selo no que diz respeito “aos atos emanados de seus respectivos governos

e negócios de sua economia” e “contribuições concernentes aos seus correios

e telégrafos. A Carta de 1934 viabilizou a União a “cobrar taxas telegráficas,

postais e de outros serviços federais; de entrada, saída e estadia de navios e

aeronaves”(art. 6º, item II) e aos Estados “taxas de serviços estaduais”. A

Constituição de 1937 manteve a redação dos dispositivos, nos seus artigos 20,

II e 23, II. A CRFB de 1946 somente disse competir à União, aos Estados, ao

Distrito federal e aos Municípios cobrar taxas(art. 30, II). O artigo 18 da

Emenda Constitucional nº 18, de 1965 estabeleceu que a União, os Estados,

Distrito Federal e Municípios eram competentes para cobrar taxas, se

cumpridos dois pressupostos: Exercício regular do poder de polícia ou pela

utilização efetiva ou potencial de serviços públicos, específicos ou divisíveis,

prestados pelos contribuintes ou postos a sua disposição. A redação em

comento pouco discrepou do texto na Constituição de 1967(Art. 19, II), bem

como da disposição inserta no teor do artigo18, item II, pela Emenda

Constitucional I, de 1969. No mesmo diapasão seguiu a Carta Brasileira de

1988, no seu artigo 145, que a União, os estados, o Distrito Federal e os

Municípios poderão instituir os tributos, no seu inciso II, ao se referir às taxas,

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em razão do exercício do poder de polícia, ou pela utilização efetiva ou

potencial, de serviços públicos específicos ou divisíveis, prestados aos

contribuintes ou postos a sua disposição.

Como é sabido, o Código Tributário Nacional é uma lei ordinária

recepcionada como Lei Complementar pela Constituição da República em

razão do artigo 146, inciso III, da referida Carta, o qual estabelece que Lei

Complementar disporá sobre normas gerais em matéria de legislação

tributária. Com esteio nesta disposição, o artigo 77 do Código Tributário

Nacional preceituou que as taxas podem ser cobradas pela União, pelos

Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, no âmbito de suas

respectivas atribuições. O fato gerador das taxas está no exercício regular do

poder de polícia, na utilização efetiva ou potencial de serviço público,

específico ou divisível, prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição.

Nas lições do autor Ricardo Lobo Torres a doutrina possui dificuldades

em definir a natureza jurídica das taxas. Assevera o eminente autor que, após

a pesquisa na obra do jurista italiano Euclide Antonini , as teorias precípuas de

cunho positivista apresentam as taxas como contraprestação, norma,

provimento ou dação, enquanto as teorias pluralistas acrescentam aos

aspectos contraprestacionais e normativos a consideração dos valores e dos

princípios constitucionais tributários.

Para aqueles que adotam a teoria obrigacional a taxa consiste numa

contraprestação de serviço público específico e divisível que o Estado presta

ou coloca à disposição do contribuinte. Os juristas partidários desta corrente

são ALIOMAR BALEEIRO, RUBENS GOMES DE SOUZA, THEOTONIO

MONTEIRO DE BARROS, GIANNINI .

Os que adotam o positivismo normativista enfatizam a norma como

natureza jurídica da taxa, ou seja, a preocupação de quem adota este

entendimento é a “definição abstrata da lei”, conforme leciona o autor

Professor Ricardo Lobo Torres . Este eminente jurista faz referência ao autor

Alfredo Augusto Becker , o qual entende o tributo taxa como regra tributária

jurídica que elege o serviço estatal ou coisa estatal como base de cálculo do

tributo. O autor Ricardo Lobo Torres também assevera que a doutrina italiana

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(Cocivera) sustenta que a lei é a fonte da taxa, a qual teria caráter

predominantemente formal. Cita ainda Geraldo Ataliba que aduz ser o referido

tributo meramente uma forma e que prevalece o critério arbitrário por parte do

legislador em balizar a forma de taxa ou não.

Para os adeptos da inovadora tese da dação, desenvolvida por Berliri,

a taxa é uma prestação decorrente da espontaneidade do contribuinte e não

uma obrigação. A idéia é que houvesse uma condição e um benefício,

somente seria possível usufruir do benefício quem cumprisse determinada

condição. Em razão da ousadia da teoria, a doutrina unânime mundial rejeitou

a tese e inclusive o seu próprio autor que modificou seu posicionamento em

edições posteriores.

Para a doutrina do provimento administrativo ou jurisdicional,

capitaneada pelo autor Flávio Bauer Novelli, merece crítica a posição adotante

da natureza contraprestacional da taxa. O objetivo do doutrinador é separar o

conceito de taxa de critérios que a confundem com idéias as quais se

encontram fora da esfera do direito tributário, tais como as econômico-

financeiras, políticas, administrativas, contraprestação, custo, serviço. O autor

Flávio Bauer Novelli faz uma leitura a contrario sensu do artigo 16, do Código

Tributário Nacional, com esteio nos contornos dados pelo autor M. S. Giannini

para a definição de taxa como o tributo cujo fato gerador consiste na mera

prática de um ato administrativo ou jurisdicional no qual o seu destinatário é o

contribuinte. Sendo assim, taxa seria um tributo cuja obrigação tem por fato

gerador uma situação relativa a uma atividade estatal específica, relativa ao

contribuinte, que abrangeria o exercício do poder de polícia ou a prestação

efetiva ou potencial de serviço público, concretizados através de um

provimento administrativo ou jurisdicional, nos quais o contribuinte é o seu

destinatário. Esta definição se aproximou mais da idéia de preço público, pelos

seus contornos, que do de taxa.

A corrente pluralista aprecia a taxa como obrigação legal preocupada

com os valores e princípios constitucionais tributários informativos do conceito

de taxa. Para o autor Ricardo Lobo Torres , o conceito de taxa para a corrente

pluralista:

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A taxa é o dever fundamental consistente em contraprestação

pecuniária que, limitada pelas liberdades fundamentais, é exigida, sob

as diretivas dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e

do custo/benefício com a finalidade de remunerar a atividade

essencialmente estatal desenvolvida em favor do obrigado, segundo a

lei elaborada de acordo com a competência especificamente

outorgada pela Constituição.

Portanto, prevalece a idéia da corrente pluralista, a qual evidencia a

natureza contraprestacional da taxa. O que a estrema de outras espécies

tributárias é justamente o conjunto de caracteres peculiares, tais como a

especificidade, a divisibilidade e a efetividade da prestação pública.

O Supremo Tribunal Federal adotou o entendimento no sentido de que

o serviço de iluminação pública é de natureza uti universi prestado para toda a

coletividade.

O leading case foi o Recurso Extraordinário nº 233.332-612, da relatoria

do Ministro Ilmar Galvão.

12 TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE NITERÓI. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ARTS. 176 E 179 DA LEI MUNICIPAL Nº 480, DE 24/11/83, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 1244, DE 20/12/93. Tributo de exação inviável, posto ter por fato gerador serviço inespecífico, não mensurável, indivisível e insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, a ser custeado por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais. Recurso não conhecido, com declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos em epígrafe, que instituíram a Taxa no município. (Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário, RE 233.332-6, data do julgamento: 10/3/99, DJ: 14/5/99: Relator Min. Ilmar Galvão). Vale trazer à colação parte do texto no RE 233332-6, do voto da lavra de Sua Excelência do Supremo Tribunal Federal Ministro Celso de Mello, in verbis: (...) “O que é preciso perquirir é se o serviço de iluminação pública é um serviço prestado uti universi, um serviço geral, ou um serviço prestado uti singuli,ou específico. Ou, noutras palavras, se o serviço é destinado à coletividade toda, dado que, se (sic) se tratar de um serviço geral, destinado à coletividade toda, deve ser remunerado pelo imposto. E mais: é preciso verificar se o serviço é divisível, vale dizer, de utilização individual e mensurável. A resposta a essas indagações não é outra : o serviço de iluminação pública é um serviço destinado à coletividade toda, não é um serviço que pode ser dividido em unidades autônomas para cada contribuinte. É, na verdade, um serviço prestado uti universi, e não uti singuli. Roque Carraza, ao dissertar à respeito dos serviços gerais, prestados uti universi, “isto é , indistintamente a todos os cidadãos, ” exemplifica com o serviço de iluminação pública (‘Curso de Direito Constitucional Tributário, cit. pág. 327.’). Hely Lopes Meirelles, que defendera a constitucionalidade da Taxa de Iluminação Pública, reconsiderou-se, depois. Leciona, no seu Direito Municipal Brasileiro, 10ª ed. págs. 147-148, que ‘não é cabível a cobrança de taxa pelo calçamento de via pública ou pela iluminação de logradouro público, que não configuram serviços específicos, nem divisíveis, por serem prestados uti universi e não uti singuli.(...) Evoluímos para a posição atual por

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In casu, o Município de Niterói interpôs o recurso ementado perante o

Supremo Tribunal Federal com o objetivo de assegurar a cobrança do serviço

de iluminação pública pela espécie tributária taxa, o que foi repudiado através

de decisão plenária em maioria. O argumento principal utilizado pelo Pretório

Excelso reside na necessidade, para utilizar a espécie taxa para remunerar o

serviço de iluminação pública, de o serviço ser dotado das características da

especificidade e da divisibilidade, o que não ocorre com o serviço de

iluminação pública, porque não se pode identificar cada um dos seus

beneficiários e muito menos fracionar a prestação do serviço de iluminação.

Esta posição foi adotada em reiteradas decisões no Supremo Tribunal

Federal que culminaram no seu enunciado de Súmula 670, pacificando o

entendimento no sentido de ser inadmissível a remuneração do serviço de

iluminação pública através de taxa.

Entretanto, irresignados com o posicionamento pacificado pelo

Supremo Tribunal Federal(que o professor Ricardo Lobo Torres apelidou de

Inconstitucionalidade útil), os municípios realizaram o lobby pertinente no

Congresso Nacional para a inserção do artigo 149-A da Constituição da

República Federativa do Brasil.

O autor Luiz Emygdio13 entende que a referida exação é

inconstitucional, pois, primeiro, não ocorre a situação de parafiscalidade

ensejadora da criação de uma contribuição; segundo que o artigo 149 da

Constituição Federal admite, taxativamente, somente três espécies de

contribuições especiais relativas ao parafisco: sociais, interventivas(como a

Contribuição sobre a Intervenção do Domínio Econômico CIDE – art. 177, § 4º,

da CRFB) e corporativas. É inviável enquadrar a contribuição de iluminação

pública no quadro das contribuições especiais, eis que se trata de um serviço

de natureza fiscal e classificado como uti universi.

Sustenta o autor a violação ao primado da segurança jurídica com a

criação de um tributo não alocado no Sistema Tributário Nacional pelo poder

constituinte originário. O alcance da segurança jurídica, para o eminente autor,

verificarmos que esse serviço (o de iluminação pública) não é prestado uti singuli, mas sim uti universi, insuscetível, portanto, de utilização individual e mensurável’(...)”.

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ao acompanhar Roque Antônio Carraza, diz respeito aos ideários de certeza e

equidade.

O próprio Supremo Tribunal Federal deliberou no Recurso

Extraordinário nº 138.284, DJ de 1º de julho de 1992 que o nosso sistema

tributário adotou a teoria quinquipartite dos tributos, estabelecida pelo poder

constituinte originário. Uma Emenda Constitucional não possui legitimação

para criar uma nova espécie tributária:

a) imposto - visa a remuneração de serviço com caráter genérico. Por

esta razão, não é tributo vinculado;

b) taxa - objetiva remunerar serviço público específico e divisível (é

tributo vinculado);

c) contribuição de melhoria – o seu fato gerador é a execução de obra

pública ocasionadora de valorização imobiliária (também vinculada);

d) empréstimo compulsório – tem a função do Estado lato sensu obter

receita, nos casos do art. 148 da CRFB, consistindo em tributo restituível;

e) contribuição parafiscal – destinado ao parafisco (CRFB, art. 149).

Verifica-se também a vilipêndia do regime de discriminação de rendas

insculpido pelo poder constituinte originário, através do qual somente permite

que a União exerça competência residual exclusivamente em matéria de

impostos(CRFB, art. 154, I) e contribuições sociais(CRFB, art. 195, § 4º).

Neste passo, na questão analisada, foi conferida competência residual aos

municípios e ao Distrito Federal no tocante a uma contribuição que nem é

social e muito menos imposto. Ainda que assim as considerasse, a

Constituição Cidadã continuaria sendo violada por vício de iniciativa nos seus

artigos 154, I e 195, § 4º.

O Supremo Tribunal Federal no RE nº 573.675, de Santa Catarina,

publicada no DJe de 21 de maio de 2009, entendeu que a contribuição de

iluminação pública é constitucional, está conforme o art. 149-A da Constituição

Federal, entendendo que não houve ofensa aos princípios da isonomia e da

capacidade contributiva.

13 Cf. JÚNIOR, Luiz Emygdio Franco da Rosa. Op. cit. p. 310 a 314.

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Veja-se a ementa:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RE INTERPOSTO

CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O

CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - COSIP. ART.

149-A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR

7/2002, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, SANTA CATARINA.

COBRANÇA REALIZADA NA FATURA DE ENERGIA ELÉTRICA.

UNIVERSO DE CONTRIBUINTES QUE NÃO COINCIDE COM O DE

BENEFICIÁRIOS DO SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO QUE LEVA EM

CONSIDERAÇÃO O CUSTO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA E O

CONSUMO DE ENERGIA. PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA

QUE EXPRESSA O RATEIO DAS DESPESAS INCORRIDAS PELO

MUNICÍPIO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA

CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. INOCORRÊNCIA. EXAÇÃO QUE

RESPEITA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E

PROPORCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO

IMPROVIDO. I - Lei que restringe os contribuintes da COSIP aos

consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio

da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos

os beneficiários do serviço de iluminação pública. II - A

progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da

iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não

afronta o princípio da capacidade contributiva. III - Tributo de caráter

sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita

se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a

contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte. IV -

Exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da

proporcionalidade. V - Recurso extraordinário conhecido e improvido.

(RE 573675, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal

Pleno, julgado em 25/03/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO

DJe-094 DIVULG 21-05-2009 PUBLIC 22-05-2009 EMENT VOL-

02361-07 PP-01404 RTJ VOL-00211- PP-00536 RDDT n. 167, 2009,

p. 144-157 RF v. 105, n. 401, 2009, p. 409-429)

Dentro da óptica sintetizada através da virada kantiana, a

jurisprudência do pretório Excelso está incoerente com a Constituição da

República Federativa do Brasil em razão de a Emenda Constitucional violar as

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limitações insculpidas a partir de 1988 no Brasil, com esteio no primado do

Estado democrático de direito.

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CONCLUSÃO

Analisado todo o histórico do poder constituinte em vários países, a

formação tanto do poder constituinte originário, quanto o de reforma.

Diante do que foi sustentado, conclui-se que o poder constituinte

derivado possui limitações formais e materiais conforme demonstrado.

Verificou-se a natureza uti universi do serviço de iluminação pública,

pois ele não é prestado para um grupo especificado de pessoas. Assim, a via

ideal para o custeio do serviço de iluminação pública é a da receita dos

impostos, pois esta receita deve ser utilizada tendo como foco o cidadão que o

Código Tributário Nacional nomeou de contribuinte no seu artigo 121,

parágrafo único, inciso I.

O Supremo Tribunal Federal albergou o entendimento de que a taxa

de iluminação pública era inconstitucional, sumulou o entendimento no seu

enunciado de súmula nº 670.

Cumpre assinalar que, em decorrência do citado posicionamento do

Supremo Tribunal Federal os municípios realizaram um lobby no Congresso

Nacional para aprovarem a Emenda Constitucional nº 39/02, que autorizou aos

municípios instituírem a malsinada contribuição de iluminação pública.

O Pretório Excelso emanou entendimento recente no sentido de que a

contribuição de iluminação pública é constitucional e que sequer viola

princípios constitucionais, como os da isonomia e capacidade contributiva.

Observamos que, permissa vênia, a decisão da Corte Constitucional

alberga idéia que é incoerente com o sistema de limitações ao poder

constituinte derivado, eis que a referida Emenda Constitucional é

flagrantemente inconstitucional pelos fundamentos aduzidos no decorrer deste

trabalho, por violarem cláusulas pétreas que estão insertas no texto

constitucional, como as do caput do artigo 5º do Texto Magno, quando protege

o direito à vida, à liberdade, à segurança jurídica e à propriedade.

A nossa esperança está na reforma tributária para sanar esses vícios

no ordenamento jurídico brasileiro, que, aguardamos sua efetivação com a

aproximação entre o direito e a moral.

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Constituição da República Federativa do Brasil. Serie Legislação Brasileira,

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ÍNDICE

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47

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 8

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I

PODER CONSTITUINTE 11

1.1 – Considerações históricas 11

1.2 – Natureza e limites do poder constituinte 15

1.3 – Poder constituinte originário e poder constituinte de

Reforma 20

CAPÍTULO II-

LIMITAÇÕES AO PODER CONSTITUINTE DERIVADO 24

CAPÍTULO III

A CONSTRUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DOS

VALORES NA EUROPA. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

ACERCA DOS FENÔMENOS DO

PÓS-POSITIVISMO, DA VIRADA KANTIANA. 28

CAPÍTULO IV

O CASO DA CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA 33

CONCLUSÃO 42

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 43

ÍNDICE 47

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48

FOLHA DE AVALIAÇÃO 49

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49

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição:

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