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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE ACESSO À JUSTIÇA SOB A PERSPECTIVA DAS ONDAS RENOVATÓRIAS DE MAURO CAPPELLETTI Por: Claudia Almeida de Vasconcellos Orientador Prof. Jean Alves Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

ACESSO À JUSTIÇA SOB A PERSPECTIVA DAS ONDAS

RENOVATÓRIAS DE MAURO CAPPELLETTI

Por: Claudia Almeida de Vasconcellos

Orientador

Prof. Jean Alves

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

ACESSO À JUSTIÇA SOB A PERSPECTIVA DAS ONDAS

RENOVATÓRIAS DE MAURO CAPPELLETTI

Apresentação de monografia à Universidade Candido

Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Direito Processual Civil.

Por Claudia Almeida de Vasconcellos

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AGRADECIMENTOS

Ao meu marido Pedro Sérgio Nunes

Leal por todo o esforço e sacrifício no

auxílio à realização desse trabalho.

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DEDICATÓRIA

Dedico essa monografia ao meu marido,

sem o qual a mesma não teria sido

realizada.

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RESUMO

Considerando a luta histórica pela melhoria do acesso à justiça, o

Projeto de Florença, do qual participou Mauro Cappelletti, elaborou um estudo

sobre as barreiras do acesso à justiça e possíveis soluções encontradas por

juristas de vários países, relatando estas através das “três ondas renovatórias”.

Basicamente verificou-se que existem entre as partes, na demanda, diferenças

extremamente acentuadas quanto à capacidade financeira, informação,

experiência e outros fatores que impedem a reivindicação, pelas pessoas

pobres e comuns, de seus direitos. No que tange ao sistema judiciário, seu alto

custo e lentidão prejudicam a eficiência. Assim esse trabalho inicia abordando

aspectos gerais do acesso à justiça, enumera os problemas encontrados e

sintetiza as reformas que vêm tentando resolvê-los ao longo do tempo,

contidas nas “três ondas renovatórias.”

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METODOLOGIA

Este trabalho trata de uma pesquisa bibliográfica. Inicialmente tentei

enfatizar aspectos gerais do acesso à justiça consultando o livro de Mauro

Cappelletti e Bryan Garth, bem como a obra de Fernando de Castro Fontainha.

Recorri também aos artigos escritos por Valdenir Cardoso Aragão, José Renato

Nalini e Carolina Lobato Goes de Araújo.

Em seguida, abordei as três ondas renovatórias através da síntese de

suas respectivas reformas, descritas no livro de Mauro Cappelletti e Garth,

complementando com informações contidas nas obras de Fernando de Castro

Fontainha, Gregório Assagra de Almeida e Cândido Rangel Dinamarco, além

do artigo de Josélia Ferreira dos Reis e da monografia de Larissa Weyne

Torres de Melo.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

ACESSO À JUSTIÇA 9

CAPÍTULO II

PRIMEIRA ONDA RENOVATÓRIA 18

CAPÍTULO III

SEGUNDA ONDA RENOVATÓRIA 26

CAPÍTULO IV

TERCEIRA ONDA RENOVATÓRIA 33

CONCLUSÃO 38

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 39

ÍNDICE

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INTRODUÇÃO

O tema desta monografia é Acesso à Justiça sob a Perspectiva das

Ondas Renovatórias de Mauro Cappelletti.

A questão central deste trabalho é a verificação da contribuição das

ondas renovatórias de Mauro Cappelletti na ampliação do acesso à justiça.

O tema sugerido é de fundamental relevância, pois o acesso à justiça

constitui requisito fundamental para a garantia do direito de todos, estando

previsto na Constituição como direito fundamental.

Frequentemente o acesso à justiça é confundido com acesso aos

tribunais, sendo importante uma abordagem em sua complexidade, visto que

engloba, além do bom patrocínio, a celeridade processual e a eficácia das

decisões judiciais.

Atualmente, não obstante a precária eficácia das decisões judiciais e a

lentidão na prestação jurisdicional, as pessoas carentes de recursos quando

necessitam defender os seus direitos, ou contam com o serviço deficiente das

defensorias públicas, ou ingressam nos Juizados Especiais entregues à própria

sorte.

Desse modo, tendo em vista a tramitação do projeto de lei do novo

Código de Processo Civil, seria de relevante interesse a pesquisa de formas de

viabilizar o acesso à justiça.

São, portanto, objetivos desta pesquisa: analisar o acesso à justiça em

seus aspectos gerais; analisar cada onda renovatória e verificar sua

contribuição na ampliação do acesso à justiça.

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CAPÍTULO I

ACESSO À JUSTIÇA

1.1. Considerações Iniciais

O acesso à justiça, em sentido amplo, abrange a assistência jurídica em

juízo e fora dele, incluindo os serviços de informação e orientação, além de um

estudo crítico do ordenamento jurídico existente na busca de soluções para sua

aplicação mais justa.

O acesso à justiça não está restrito apenas ao acesso ao Poder

Judiciário e suas instituições, mas a uma ordem de valores e direitos

fundamentais para o ser humano, uma vez que, constitui a principal garantia

dos direitos subjetivos, devendo ser compreendido como fenômeno social.

1.2. Direito Fundamental

Conforme as sociedades cresceram e tornaram-se complexas, o

conceito de direitos humanos começou a se modificar, pois as ações e relações

apresentaram caráter mais coletivo que individual, Assim foram reconhecidos

os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e

indivíduos. Nesse contexto, as modernas constituições passaram a garantir

direitos individuais e sociais como o direito ao trabalho, à saúde, à segurança

material e à educação, sendo fundamental a atuação do Estado para assegurar

tais direitos básicos, cuja efetividade depende do acesso à justiça.

"O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito

fundamental - o mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico

moderno e igualitário que pretenda garantir e não apenas proclamar os direitos

de todos". (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 12)

O direito de pleno acesso ao Judiciário encontra-se disposto no artigo 5°,

XXXV e LXXIV da Constituição Federal de 1988: "a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" e "o Estado prestará

assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de

recursos".

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O acesso à justiça, na qualidade de direito fundamental, demanda uma

ação direta no local dos fatos pela comunidade organizada, a fim de resolver

conflitos que jamais chegariam ao Judiciário devido à ausência dos poderes

constituídos e ao alto custo do processo.

Todas as Constituições brasileiras estabeleceram o princípio da garantia

da via judiciária, significando que esta seria acessível à defesa de todo e

qualquer direito, não só contra particulares como também contra o Poder

Público.

"Como todo o espírito da Constituição é eminentemente social, de justiça

social, depreende-se que o acesso à justiça, a par de ser um direito do cidadão

brasileiro, guinda-se à qualidade de direito fundamental constitucionalmente

garantido" (Aragão, 2010, p. 2).

1.3. Conceito

O conceito de acesso à justiça vem transmutando através do tempo.

Nos estados liberais dos séculos dezoito e dezenove, os litígios civis eram

solucionados através de uma filosofia extremamente individualista. O direito ao

acesso judicial consistia apenas no direito formal de propor ou contestar uma

ação.

O acesso à justiça, na qualidade de direito natural, nessa época,

prescindia de proteção pelo Estado, que somente não permitia sua violação por

outros direitos, omitindo-se quanto à capacidade das pessoas de defender

seus direitos utilizando plenamente a justiça e suas instituições; uma vez que,

esta restringia-se àqueles que podiam financiar os seus custos. Desse modo, a

igualdade era formal, porém não efetiva.

Ainda recentemente, o estudo jurídico era formalista, dogmático, voltado

basicamente para a exegese, origem histórica e operacionalidade das normas

de forma hipotética.

Alguns juristas brasileiros contribuíram de forma expressiva para o

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conceito de acesso à justiça, dentre eles podemos destacar Paulo Cezar

Pinheiro Carneiro como instituidor dos quatro princípios informadores do

acesso à justiça. São eles: acessibilidade, operosidade, utilidade e

proporcionalidade.

A acessibilidade envolve a melhoria das condições para o sujeito

alcançar a justiça com a viabilidade de acesso a informações e a minimização

de custos, bem como, de outros entraves.

A operosidade prega a atitude ética dos operadores da justiça e a

efetividade de seus instrumentos e institutos na sua realização.

De acordo com a utilidade, o processo deve assegurar ao vencedor o

restabelecimento do seu direito violado de forma mais efetiva e menos onerosa

ao vencido.

A proporcionalidade é utilizada quando, ao proferir uma decisão judicial,

o magistrado, em uma escala de valores, prioriza um princípio ou uma norma

em detrimento de outra com o objetivo de proteger o bem mais valioso.

O livro "Teoria Geral do Processo", escrito por Antônio Carlos de Araújo

Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, contém

considerações importantes sobre o acesso à justiça, Dentre elas pode-se

ressaltar o fato de que o acesso à justiça não se restringe simplesmente à

admissão da ação em juízo. Sendo primordial o alcance a uma ordem jurídica

justa. Apontam também, como fonte constitucional do acesso à justiça, o inciso

XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, que enuncia: "A lei não excluirá da

apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito".

Cândido Rangel Dinamarco defende a decadência da teoria da

discricionariedade da Administração na interpretação com o reconhecimento da

diferença entre direitos subjetivos e interesses legítimos, bem como, ratifica a

natureza constitucional dos princípios processuais, os quais têm evidenciado o

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acesso à justiça. Aborda também a cláusula do due process e os decorrentes

princípios do contraditório, da ampla defesa e do juiz natural.

Alexandre Freitas Câmara considera as três ondas renovatórias de

Cappelletti o meio de alcançar o efetivo acesso à justiça, princípio processual

mais importante e integrante dos direitos humanos, sendo, desse modo,

protegido pelos princípios supremos da liberdade, igualdade e fraternidade,

além dos princípios estruturais da irrevogabilidade e complementaridade

solidária, este consagrado pela Conferência Mundial de Direitos Humanos

(Viena-1993).

Paulo Cesar Santos Bezerra entende ser o acesso à justiça um

problema ético-social e o Estado liberal responsável pela grande desigualdade

e exclusão social. O autor igualmente compara exclusão social com exclusão

da justiça, concluindo não ser possível uma justiça justa sem uma sociedade

justa. Assim a solução do problema de acesso á justiça demanda mudanças na

sociedade e na ética.

Leonardo Greco acha fundamental na evolução do acesso à justiça a

educação básica, a sobrevivência digna e a minimização dos problemas

sociais, uma vez que, a ignorância e a miséria marginalizam os indivíduos de

tal forma, que só podemos esperar descrença nas instituições estatais por

parte de pessoas submetidas à mendicância, prostituição, criminalidade e

exploração.

Oswaldo Agripino de Castro Junior defende a participação popular na

administração da justiça através de Juizados Especiais e Tribunais do Júri, pois

o ingresso na magistratura e Ministério Público exige tempo para estudar e

condições para arcar com os custos de livros e cursos, o que seleciona apenas

candidatos pertencentes às classes mais altas, elitizando esses operadores do

direito.

Anderson Peixoto de Faria considera o papel fundamental das ações

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afirmativas no acesso à justiça, combatendo a discriminação de excluídos

como: negros, mulheres, idosos e deficientes físicos, exemplificando como tais

ações as leis 9099/95 e 10173/01.

Joaquim Falcão aponta duas alternativas para a solução do problema de

acesso à justiça: pressões externas e a formação de lideranças internas no

Poder Judiciário.

Enfim, Boaventura de Souza Santos afirma que a desigualdade social

ocasiona tamanha ignorância capaz de impedir o hipossuficiente de realizar o

seu direito, ainda que, consiga reconhecê-lo.

1.4. Entraves ao Acesso à Justiça

Inicialmente a total igualdade entre as partes litigantes jamais será

alcançada, restando à Justiça o esforço em minimizar as possíveis diferenças.

Assim pessoas e organizações dotadas de grande capacidade financeira são

privilegiadas ao participar de demandas, porque possuem recursos para

suportar longos processos e defender seus interesses de forma mais eficiente.

Os custos processuais, por sua vez, são muito altos, incluindo

honorários advocatícios e custas judiciais, principalmente se a parte recorre a

advogados particulares, cujos serviços são bastante dispendiosos. Assim, por

vezes, os custos ultrapassam o valor a ser recebido tornando a demanda fútil.

O tempo de espera pela execução da decisão geralmente é bastante

longo, aumentando os custos de tal forma que os hipossuficientes ou

abandonam a causa, ou se sujeitam a acordos cujos valores são muito

inferiores ao que deveria ser recebido. Inclusive a Convenção Européia para

Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais considera

inacessível a Justiça que não apresenta resultado em tempo razoável.

O desconhecimento da população, em geral, sobre seus direitos

exigíveis a nível jurídico e os meios disponíveis para ajuizar as respectivas

demandas constitui importante barreira ao seu acesso à justiça, impedindo-a

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de recorrer a processos judiciais, pois as pessoas, além de desconfiar de

advogados, sentem-se intimidados pelos procedimentos extremamente formais

e o ambiente opressor dos tribunais. O problema se agrava quando esses

indivíduos enfrentam litigantes habituais, que apresentam diversas vantagens

como: maior experiência, menor custo devido à diversidade de casos, grande

oportunidade de desenvolver relações informais com os membros do Poder

Judiciário e possibilidade de experimento de estratégias em determinados

casos, aumentando a chance de êxito no futuro.

Quanto aos interesses difusos, as partes interessadas possuem

dificuldade em se organizar na elaboração da demanda, devido à dispersão ou

carência de informação, então a população opta em confiar nos governantes

para a proteção do interesse público ou de determinados grupos.

No Brasil, embora seja tratada como fundamento na Constituição, a

justiça social inexiste. Paulo Sergio Pinheiro, Leonardo Greco e Paulo Cezar

Santos Bezerra verificaram que apenas 30% dos brasileiros têm acesso às

garantias e direitos fundamentais constitucionais. Quanto aos 70% restantes,

constituem bolsões de miséria submetidos ao poder de quadrilhas de

criminosos. Assim, a despeito do bom ordenamento jurídico, o acesso à justiça

torna-se difícil diante dos graves problemas sociais brasileiros. Ademais a

população carente ou interage com o Estado paralelo criado pelo tráfico de

drogas ou é oprimida pelo Estado repressivo representado pela força policial.

Quanto à distribuição de renda, é uma das mais injustas do mundo. Por

outro lado a remuneração do trabalho, que corresponde, em sua maioria, ao

salário mínimo nacional, é a menor do continente americano, é 40% dos

trabalhadores, de regiões menos desenvolvidas, possuem jornada acima de

cinqüenta horas semanais, acrescidas de aproximadamente 20 horas gastas

com o transporte.

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“Diante deste quadro que fala por si, pende uma única

consideração preliminar ao abordarmos as barreiras

econômicas do acesso à justiça: a de que as

desigualdades sociais não tornam apenas os litigantes

desiguais financeiramente, mas também de forma cultural

e fática” (Fontainha, 2009, p.87).

1.5. As Ondas Renovatórias

Na busca da efetivação do acesso à justiça, vários países do mundo

Ocidental elaboraram três possíveis soluções: a primeira onda consistiu na

assistência judiciária; a segunda referia-se a reformas para viabilizar a defesa

de interesses difusos, especificamente nas áreas de proteção ambiental e

direitos do consumidor e a terceira abordava a reforma interna do processo, na

busca da efetividade da tutela jurisdicional.

A primeira onda renovatória iniciou em 1965, concentrando-se na

prestação de assistência jurídica aos pobres. Tal movimento analisou o

elevado valor das custas processuais, a falta de representação por advogado e

a ausência de informação sobre os próprios direitos. Cabendo ressaltar o alto

custo do serviço de advogados mais capazes.

A segunda onda renovatória trata da questão da representação dos

interesses difusos e de grupos. Uma vez que, a característica individualista do

processo dificulta a representatividade dos interesses de grupos, devido à

carência de instrumentos jurídicos, adequados. Assim foram criadas formas de

viabilização da coletivização da tutela.

Com o advento dessa onda, verificou-se o despreparo do Ministério

Público em lidar com conflitos de tal magnitude e a falta de legislação estatal

regulando a proteção de interesses coletivo e difuso.

A terceira onda de acesso à justiça refere-se à reforma interna do

processo, sendo um dos seus principais objetivos a representação de todos os

direitos, tais como, os individuais, coletivos, difusos, privados, públicos ou de

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tutelas de urgência. Conforme Mauro Cappelletti:

“...esse enfoque encoraja a exploração de uma

ampla variedade de reformas, incluindo alterações nas

formas de procedimento, mudanças na estrutura dos

tribunais ou a criação de novos tribunais, o uso de

pessoas leigas ou paraprofissionais, tanto como juízes

quanto como defensores, modificações no direito

substantivo destinadas a evitar litígios ou facilitar sua

solução e a utilização de mecanismos privados ou

informais de solução dos litígios. Esse enfoque, em

suma, não receia inovações radicais e compreensivas,

que vão muito além da esfera de representação judicial”

(Cappelletti; Garth, 1988, p. 71).

A reforma processual busca expandir a tutela individual, coletivizando as

demandas por meio da ação civil pública, ação coletiva e ação popular; além

disso, visa à redução de formalismo dos atos processuais, agilização do

procedimento, antecipação de tutela, aprimoramento das decisões e

efetividade dos julgados.

O trinômio adequação – tempestividade – efetividade, de Kazuo

Watanabe, sugere que os direitos metaindividuais possuam mecanismos

processuais adequados para que possam ser alcançados no menor tempo

possível e com o mínimo de custos e sacrifício para as partes.

O aumento na efetividade da prestação jurisdicional proporciona maior

funcionalidade, no sentido de alcançar os fins a que se propõe. Tal efetividade

não engloba somente o ingresso em juízo, mas também a redução de conflitos

através de outros meios, como arbitragem e conciliação elidindo situações

injustas no caminho para a plenitude do acesso à justiça.

Cândido Rangel Dinamarco aponta quatro objetivos principais das

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reformas processuais: simplificação dos procedimentos, redução dos custos de

um processo longo, aumento na qualidade do provimento jurisdicional e a

efetividade da tutela. Nesse sentido, diversas reformas processuais são

paulatinamente introduzidas ocasionando a modernização e coletivização do

acesso à justiça.

Alguns autores afirmam existir uma quarta onda renovatória, através de

núcleos de prática jurídica capazes de aperfeiçoar a formação de profissionais,

na área do Direito, atentos à realidade e aos problemas enfrentados pela

estrutura econômico-político-social. Cabendo aos juristas, aplicadores do

direito e advogados a proposição de formas de aprimoramento do sistema

judiciário,

Vale ressaltar que a prestação de assistência jurídica gratuita por

graduandos proporciona o contato direto com o público carente,

conscientizando-os das principais dificuldades enfrentadas por essas pessoas

no acesso à justiça.

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CAPÍTULO II

A PRIMEIRA ONDA RENOVATÓRIA

As primeiras providências para melhorar o acesso à justiça nos países

ocidentais relacionaram-se ao empenho em disponibilizar serviços jurídicos aos

pobres, visto que a assistência judiciária é fundamental na interpretação de leis

e procedimentos cada vez mais complexos.

Tais serviços, na maioria dos países, apresentavam-se ineficientes,

baseando-se em assistência gratuita prestada por advogados particulares

devido à imposição legal. Assim os profissionais mais experientes e capazes

dedicavam maior parte do seu tempo a trabalhos remunerados que à

assistência judiciária gratuita.

Diante do problema, a Alemanha, em 1919 – 1923, passou a remunerar

os causídicos que fornecessem assistência judiciária a todos os necessitados.

Na Inglaterra, o estatuto de 1949 criou o Legal Aid and Advice Scheme.

Este sistema não somente compensava os advogados particulares pelo

aconselhamento jurídico, como também, pela assistência judiciária.

Entretanto o auge do movimento de reforma da assistência judiciária

ocorreu nos últimos doze anos, especialmente na década de 60, que priorizou

a assistência judiciária no rol de reformas. Desse modo, tal movimento iniciou

em 1965, nos Estados Unidos, através do Office of Economic Opportunity, o

qual incluiu os programas de serviços jurídicos entre os programas de Ação

Comunitária, perpetuando-se pelo mundo no início da década de 70.

Em janeiro de 1972, a França criou o “securité sociale”, no qual o Estado

custeava os honorários advocatícios. Em maio de 1972, a Suécia transformou

em Lei um programa inovador; nesse mesmo ano, a Lei de Aconselhamento e

Assistência Judiciária da Inglaterra expandiu o sistema implantado em 1949,

principalmente quanto ao aconselhamento jurídico. Já a Província Canadense

de Quebeque criou o primeiro programa de assistência judiciária custeado pelo

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governo. Em outubro de 1972, a República Federal da Alemanha aumentou a

remuneração dos advogados particulares que prestavam assistência jurídica

aos pobres. Em julho de 1974, surgiu, nos Estados Unidos, a Legal Services

Corporation que preservou e ampliou o programa do Office of Economic

Opportunity, já extinto.

Áustria e Holanda também passaram a remunerar melhor os advogados

e a Austrália realizou várias reformas.

O maior destaque nas reformas de assistência judiciária na Áustria,

Inglaterra, Holanda, França e Alemanha Ocidental foi o sistema judicare, de

acordo com o qual a assistência judiciária passa a ser um direito para as

pessoas de baixa renda, que são representadas por advogados particulares

pagos pelo estado.

Embora tenha representado um grande avanço no esforço para ampliar

a assistência judiciária, o sistema judicare elimina o custo porém não consegue

resolver outros problemas enfrentados pelos pobres, como o despreparo para

reconhecer as causas e buscar auxílio, considerando que o advogado não

estimula as pessoas a identificar seus direitos e os remédios jurídicos

apropriados. Então os hipossuficientes, ao invés de reivindicar novos direitos

como consumidores e inquilinos, dentre outros, recorrem ao sistema judicare

geralmente para solucionar conflitos em matéria criminal ou de família, com os

quais estão mais familiarizados. Além disso, os pobres sentem-se intimidados a

comparecer em um escritório de advocacia e expor seus problemas. Por outro

lado, a representação judicial não ameniza a desvantagem do hipossuficiente

em face de litigantes organizacionais. Cabe adicionar que os sistemas judicare

não impetram ações coletivas e os pobres enfrentam muitos problemas

jurídicos como grupo ou classe.

A assistência judiciária prestada por advogados remunerados pelo

Estado visa à defesa dos interesses dos pobres como classe, conscientizando-

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os sobre novos direitos. Consiste em pequenos escritórios localizados nas

comunidades pobres, facilitando a interação entre as pessoas e os advogados,

que utilizam casos-teste, atividades de lobby ou outras atividades com a

finalidade de promover reformas na legislação, em benefício dos pobres

enquanto classe. Esses profissionais orientam os membros da comunidade a

reivindicar seus direitos dentro e fora dos tribunais.

Tal sistemática supera o sistema judicare porque, além dos custos,

transpõe a barreira da desinformação jurídica. Além disso, os escritórios podem

apoiar interesses difusos ou de classe, podendo adquirir as vantagens dos

litigantes organizacionais através do conhecimento e experiência em lidar com

os problemas típicos da comunidade. Contudo há falhas, uma vez que, a

grande repercussão e o melhor resultado apresentado pelos casos-teste e as

iniciativas de reformas legais, geralmente, induzem o advogado de equipe a

descuidar do interesse individual e a adotar uma atitude paternalista em

relação à comunidade.

Certamente o maior problema enfrentado pelo sistema das equipes de

advogados é a dependência financeira dos cofres públicos, pois praticam

atividades políticas contra o próprio governo.

Alguns países optaram por combinar o sistema judicare com o sistema

das equipes de advogados, acreditando serem complementares.

O modelo combinado possibilita ao pobre escolher entre o serviço de um

advogado particular, com tratamento individualizado, ou o serviço de

advogados em equipe, mais especializados nos problemas da comunidade.

Assim sendo, Austrália, Holanda e Grã Bretanha criaram centros de

atendimento jurídico para complementar o sistema judicare. Desse modo, a

Inglaterra implementou os “centros de atendimento jurídico de vizinhança” em

áreas pobres; a Suécia estendeu a assistência judiciária às classes médias.

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2.1. A Defensoria Pública como Forma de Garantir o Acesso à

Justiça

Um expressivo processo de mobilização da sociedade brasileira,

empenhada em estabelecer uma ordem política e jurídica que efetivasse os

direitos fundamentais, criou a Constituição Federal de 1988. Então os membros

da Assembléia Nacional Constituinte instituíram vários meios capazes de

assegurar a aplicação das normas inovadoras, especialmente no Poder

Judiciário. Desse modo, os constituintes estabeleceram a função institucional

dos membros do Ministério Público como “advogados da sociedade”,

concedendo a eles garantias e prerrogativas capazes de possibilitar o

cumprimento da missão de defesa de interesses indisponíveis sociais e

individuais. Criou-se também a Advocacia Pública, representada pela

Advocacia Geral da União e Procuradorias Gerais dos Estados e Municípios,

para proteger os interesses da Administração Pública. Igualmente foi prevista a

advocacia particular, à qual couberam garantias e independência para propiciar

a realização de sua atividade liberal.

Contudo o legislador percebeu que as instituições descritas não eram

suficientes para assegurar o acesso de todos à justiça, criando um órgão

específico de prestação de assistência jurídica integral aos carentes, a

Defensoria Pública, prevista no artigo 134 da Constituição Federal, que torna-

se essencial na defesa dos direitos de todos aqueles atingidos pela injustiça

social e na aplicação prática e concreta do princípio da isonomia.

A Defensoria Pública, além de ajuizar demandas, possibilita aos pobres

reconhecer seus direitos, a forma de exercê-los e a disponibilidade de formas

alternativas de solução de litígios.

O Ministério da Justiça, através da Secretaria de Reforma do Judiciário,

fortaleceu a Defensoria Pública com o intuito de fortalecer igualmente as

instituições judiciais, o que culminou na Emenda Constitucional nº 45 (Reforma

do Judiciário), responsável pela autonomia orçamentária e funcional das

Defensorias Públicas.

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Vale ressaltar que a Defensoria Pública não se limita apenas à

administração da justiça, como também, celebra acordos posteriormente

homologados pelo juízo competente, atribuindo-lhe força executória, o que

impede a instauração de inúmeros processos. No que tange à Curadoria

Especial, o defensor público reivindica o interesse do incapaz desprovido de

representante legal ou quando os interesses daquele chocam-se com os deste,

bem como, o do réu preso e dos citados por edital ou hora certa.

A constatação da importância desse órgão reside no fato de que,

aproximadamente, 60% dos processos judiciais originam-se da Defensoria

Pública.

Indubitavelmente uma das mais importantes inovações da Constituição

Federal de 1988 foi a criação da norma sobre a instituição da Defensoria

Pública, órgão estatal apto a gerar condições de igualdade, orientação jurídica

e defesa dos pobres, sendo previstas sua organização em todo o território

nacional.

O Brasil é um dos poucos países que conferiu caráter constitucional a

esse órgão, porém sua estruturação nos diversos Estados brasileiros ainda

apresenta-se incipiente, o que não permite sua efetivação. Assim a

comunidade, por desconhecer o trabalho dos defensores públicos, deixa muitas

vezes de recorrer a eles. Ademais a quantidade de recursos e defensores

ainda é insuficiente.

A Defensoria Pública, embora seja uma instituição una e indivisível,

organiza-se em: Defensoria Pública da União, Defensoria Pública do Distrito

Federal e dos Territórios e Defensoria Pública dos Estados, ambas compostas

por defensores públicos dotados de cargos de provimento efetivo, por concurso

público de provas e títulos, cujas carreiras subdividem-se em entrâncias e

jurisdições.

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2.2. A Implantação do Serviço Social na Seção de

Atendimento dos Juizados Especiais Federais.

O Serviço Social foi implantado na criação do Egrégio Tribunal Regional

Federal para atuar na área de Recursos Humanos. Posteriormente o assistente

social passou a trabalhar nas Centrais de Penas e Medidas Alternativas,

desempenhando importante papel na aplicação de medidas aos apenados nos

casos de menor potencial ofensivo.

Em 2002, a assistente social, com lotação destinada ao Serviço de

Saúde dos servidores, constantemente era consultada pelos usuários da Seção

de Atendimento e Distribuição dos Juizados Especiais Federais quanto a

questões relativas à saúde ou redirecionamento de determinados casos à

instituição adequada. Então decidiu-se, em 2005, incluir o Serviço Social nas

atividades da referida seção, lotando-se uma assistente social para atuação

específica no pré-atendimento dos juizados Especiais Federais, o que já havia

sido implementado em São Paulo.

Desse modo, observou-se que muitos usuários recorriam ao JEF devido

a notícias, veiculadas pelos meios de comunicação de massa, sobre a

possibilidade do emprego da via judicial em casos de perdas salariais ou

intensa burocracia das instituições; bem como inclusão na rede pública de

saúde e restabelecimento de serviços interrompidos pelas instituições, vide o

fornecimento de medicamentos. Igualmente vários aposentados e pensionistas

procuram a via judicial antes de reivindicar seus direitos pela via administrativa

por total desinformação. Vários cidadãos também recorrem à Seção de

Atendimento e Distribuição dos Juizados a fim de obter informações sobre

possíveis perdas financeiras com planos econômicos.

O Serviço Social primeiramente entrevista o usuário, avaliando

criteriosamente o seu problema, para em seguida orientá-lo a demandar

judicialmente ou encaminhá-lo à instituição requerida com o intuito de que o

caso seja analisado inicialmente por via administrativa.

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Os resultados alcançados têm sido bastante positivos, com o acesso a

atendimento médico e inclusão em programas de tratamento intensivo e

cirurgia cardíaca. Do mesmo modo, várias pessoas com dificuldade em

conseguir cópia do processo administrativo do Instituto Nacional de Seguridade

Social, visando à impetração de ação judicial, obtiveram tais cópias através de

encaminhamento pelo Serviço Social. Isso denota a importância do trabalho

não só na conscientização dos indivíduos sobre seus direitos, como também no

auxílio à instrução nos processos judiciais.

A interação com as diversas instituições é fundamental no sentido de

propiciar a inclusão dos cidadãos, especialmente os mais carentes, que devido

à ausência de orientação deixam de ser beneficiados pelos serviços públicos.

Uma inovação do projeto do Serviço Social no Atendimento dos

Juizados, em fase de estruturação, consiste na atuação específica e privativa

do assistente social na realização de perícias. Considerando que, a Lei nº

8662/93, a qual regulamenta a profissão, dispõe que a atuação do assistente

social, no campo das perícias, é de atribuição privativa, sendo tal trabalho

essencial especificamente nas ações de Benefício de Prestação Continuada.

2.3. Possibilidades e Limitações da Assistência Judiciária

Reconhecidamente as medidas adotadas nos últimos anos para

aperfeiçoar a assistência judiciária constituíram um grande avanço. Desse

modo, os pobres vêm sendo assistidos, em números cada vez maiores, nas

causas de família, criminais e surpreendentemente quanto a direitos novos, na

qualidade de autores ou réus. Entretanto o número de advogados ainda é

insuficiente, principalmente nos países em desenvolvimento. Uma vez que, são

necessárias vultosas dotações orçamentárias para que esses profissionais

atendam os hipossuficientes, considerando serem altos os honorários de um

advogado capaz e experiente. Assim geralmente, se a remuneração é

inadequada, ou o advogado não se interessa em assumir o caso, ou trata-o

com desdém.

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Nota-se que atualmente as sociedades, a despeito de todos os reforços,

não conseguiram disponibilizar profissionais suficientes para atender a

demanda de todos os que não podem arcar com a despesa de seus serviços.

Nesse sentido, a Suécia, que apresenta os menores índices de pobreza, foi o

único país a lograr êxito.

Persiste ainda a barreira das pequenas causas individuais, porque

mesmo as pessoas capazes de custear os serviços de um advogado,

freqüentemente não possuem condições econômicas de enfrentar o risco de

propor e perder uma pequena causa. Igualmente os advogados financiados

pelo governo não consideram viáveis tais causas.

Quanto ao modelo de advogados de equipe, estes costumam defender

interesses difusos dos pobres como classe, contudo ignoram outros

importantes interesses difusos como o dos consumidores e do meio ambiente.

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CAPÍTULO III

A SEGUNDA ONDA RENOVATÓRIA

Esse movimento voltou-se para a melhora do acesso à justiça através do

enfoque à representação dos interesses difusos.

Observou-se que o processo civil tradicional não permitia a proteção

desses interesses pela própria estrutura, qual seja, a de um sistema de solução

do conflito entre duas partes com interesses individuais, cujas normas de

legitimidade, procedimento e atuação dos juízes dificultam a defesa dos

interesses difusos por particulares.

Atualmente reformas legislativas e decisões dos tribunais, quanto à

legitimação ativa, facilitam a representação dos interesses difusos, que

demanda uma modificação no papel do juiz e nos conceitos de “citação” e

“direito de ser ouvido”, pois nem todos os titulares do direito difuso podem

comparecer em juízo, sendo necessário um representante adequado para

reivindicar os direitos da coletividade, não sendo possível a “citação” de todos

os seus membros. Ademais a decisão deve obrigar a totalidade do grupo, ainda

que não tenham sido ouvidos; assim o conceito de coisa julgada também deve

ser revisto.

Pode-se notar que a visão individualista do processo judicial

gradativamente se funde com uma concepção social, coletiva.

A ação governamental, embora ainda constitua o principal meio de

defesa dos interesses difusos, não tem obtido muito êxito. Nos países de

common law e do sistema continental europeu, as instituições governamentais

não estão sendo capazes de proteger o interesse público. O Ministério Público

dos sistemas continentais e instituições análogas como o Staatsanwalt alemão

e a Prokuratura soviética vêm apresentando dificuldades em defender os

interesses difusos recentemente surgidos; isto porque, sofrem pressões

políticas e, muitas vezes, falta-lhes qualificação técnica em áreas não jurídicas,

a qual é exigida na representação dos novos direitos. Ademais os interesses

difusos geralmente são requeridos contra entidades governamentais.

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O governo, a fim de solucionar o problema, tem criado novas

instituições. Desse modo, os Estados Unidos implementaram o “advogado

público” capaz de representar o interesse público em qualquer procedimento

administrativo ou judicial. Na Suécia, o Ombudsman do Consumidor foi criado

para representar interesses coletivos dos consumidores, podendo ainda

instaurar processos visando ao impedimento de práticas inadequadas de

propaganda e publicidade e negociar cláusulas de contratos-padrão com os

empresários.

Nesse sentido, afirma Cappelletti (Cappelletti; Garth, 1988, p. 55):

“Conforme se assinalou acima, no entanto, a

solução governamental parece ter limitações inerentes,

mesmo quando funcione do melhor modo possível. É

preciso acrescentar a energia e o zelo particulares à

máquina burocrática, a qual, muito amiúde, torna-se

lenta, inflexível e passiva na execução de suas tarefas”.

Outra reforma ocorreu com a permissão de que um cidadão,

denominado Procurador – Geral Privado, propusesse ações para impugnar ou

paralisar ações governamentais. Tal reforma é muito evidente no campo de

proteção ambiental, como a admissão de ações privadas nos Estados Unidos

para garantir o cumprimento da Lei Antipoluição Atmosférica. Já a lei italiana

permite que qualquer pessoas litigue com as autoridades municipais devido à

concessão irregular de permissões para construção. Na Bavária, qualquer

pessoa pode impetrar ação popular contra legislação estadual que contrarie a

Constituição Bávara de 1946.

Uma solução também empregada é a denominada “Organizational

Private Attorney General” (Procurador-Geral Organizacional Privado),

organização particular que representa interesses públicos ou coletivos. Nesse

sentido, a França recentemente produziu reformas bastante relevantes. A Lei

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Royer atribuiu legitimação ativa às associações de consumidores para

defender o interesse coletivo dos mesmos, criando controles, em parte

confiados ao Ministério Público, visando a assegurar que as associações

habilitadas reivindiquem adequadamente o interesse coletivo dos

consumidores, para isso dirimindo eventuais abusos. Igualmente a França

adotou solução semelhante a fim de proteger as minorias raciais e o meio

ambiente. Esses grupos representativos podem defender direitos coletivos que

o Ministério Público não foi capaz de representar eficientemente, estando

inclusive aptos a intentar procedimentos perante o Tribunal Comercial.

Na Alemanha, a Lei sobre Contratos-Padrão concedeu legitimidade ativa

às associações de consumidores para requerer a ilegalidade de determinadas

cláusulas contratuais. Utilizada nos países de “common law”, especialmente

Austrália e Grã-Bretanha, a ação delegada é proposta por indivíduos ou grupos

com permissão do procurador geral. Essa ação então prossegue sob a sua

supervisão e controle.

As reformas citadas evoluíram no sentido de reconhecer a importância

da atuação de grupos privados perante as ações de agências governamentais,

todavia ainda faltam-lhes recursos e especialização para defenderem

eficientemente um interesse difuso contra, geralmente, grandes organizações

melhor estruturadas e com vultosas reservas financeiras.

O fato de um litigante representar uma classe de pessoas, na demanda,

evita os custos gerados por uma organização permanente, proporcionando as

vantagens dos litigantes organizacionais. Porém tais ações exigem

especialização, experiência e recursos que somente grupos permanentes,

prósperos e bem assessorados possuem, além do poder de compelir o governo

a emitir decisões. Assim os Estados Unidos criaram os “advogados do

interesse público” que se organizaram em sociedades, cujo tipo mais comum

era uma organização de fins não lucrativos mantida por instituições

filantrópicas.

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Essas sociedades passaram a apresentar centenas de casos

importantes em juízo e muitos outros já concluídos, além de atuarem em

procedimentos administrativos e atividades extrajudiciais, apoiando grupos

existentes ou substituindo grupos ainda não formados.

A assessoria pública consistiu em uma instituição norte-americana cujo

exemplo com maior êxito foi o Escritório de Assessoria Pública, voltado para o

auxílio aos usuários de ferrovias no reconhecimento e defesa dos seus

interesses, mobilizando ou subsidiando grupos. O seu trabalho destaca-se pela

eficiência, devido à independência, orçamento adequado e uma equipe

sensível e treinada, podendo viabilizar a criação de grupos permanentes

capazes de lutar pelos próprios direitos, através da via administrativa ou

judicial.

Segundo Cappelletti, a assessoria pública foi a melhor dentre as

reformas, nesse sentido, apresentadas pelos Estados Unidos. Entretanto, num

estudo realizado pelo Centro de Representação Popular de Wisconsin, seu

autores concluíram que havia a necessidade de uma solução mista para o

problema da representação dos interesses difusos. Desse modo afirma

Cappelletti:

“A combinação de recursos, tais como as ações

coletivas, as sociedades de advogados do interesse

público, a assessoria pública e o advogado público

podem auxiliar a superar este problema e conduzir à

reivindicação eficiente dos interesses difusos”.

(Cappelletti; Garth, 1988, p. 67)

No Brasil, o Projeto Cidadão, realizado pelo Tribunal de Justiça do Acre

e a Casa da Cidadania, organizada pelo Ministério Público do Estado de

Rondônia, constituem exemplos na prestação de serviços similares ao de um

escritório-modelo ou uma assessoria jurídica popular.

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3.1. Direitos Coletivos no Brasil

São fragmentados em interesses difusos, coletivos e individuais

homogêneos. Difusos são os direitos indivisíveis, com titulares indeterminados

ou indetermináveis ligados por circunstâncias de fato. Os direitos coletivos

também são indivisíveis, porém há entre os titulares determináveis um vínculo

factual, classista ou categórico jurídico formal. Quanto aos interesses

individuais homogêneos, são divisíveis, estando os sujeitos determinados

ligados por circunstâncias de fato, sem que haja necessariamente vínculo entre

eles.

A lei de Ação Civil Pública (1985) primeiramente disciplinou os direitos

coletivos, prevendo a tutela dos interesses difusos. Em 1998, a constituição

Federal abordou a proteção aos direitos coletivos no inciso II de seu artigo 129.

Já os direitos individuais homogêneos foram adicionados aos anteriores pelo

art. 81, §U, III do Código de Defesa do Consumidor (1990).

A relevância política e social dessas ações, juntamente com a

complexidade e novidade da matéria, demandam uma interpretação restrita de

suas respectivas normas legais para evitar que possíveis abusos possam

causar grave dano a interesses econômicos e sociais legítimos. Todavia o

excessivo formalismo e vigor com que são tratados os interesses

transindividuais pela doutrina e grande parte dos tribunais, por vezes,

inviabilizam a reivindicação pela sociedade civil de seus direitos diante do

Estado, contrariando o pensamento de Alexandre Câmara de que o princípio

do acesso à justiça é o mais importante do processo civil, devendo os meios de

defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos constituir um

instrumento de reivindicação dos mesmos pela sociedade civil para a esfera

pública.

Um Estado democrático deve incentivar a organização da sociedade

civil, com o intuito de torná-la apta a lutar por seus legítimos interesses diante

da esfera pública.

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Um Estado democrático deve incentivar a organização da sociedade

civil, com o intuito de torná-la apta a lutar por seus legítimos interesses diante

da esfera pública. Contudo a servilização e burocratização gradual dos

sindicatos demonstram o temor das classes dominantes diante de ameaças de

organização da sociedade civil. Vale ressaltar que o aumento no grau de

escolaridade torna os indivíduos mais participantes em atividades políticas e

sociais.

Em relação aos direitos difusos, afirma Fernando de Castro Fontainha:

“...sua plena realização e a realização de seus

instrumentos jamais se dará enquanto vivermos sob o

jugo da máquina estatal fascista e autoritária que é o

Estado Brasileiro, sem as mínimas manifestações de

instituições realmente democráticas e participativas.”

(Fontainha, 2009, p.109)

Os interesses difusos crescem em importância na sociedade moderna

devido ao surgimento de uma economia massificada no que tange ao trabalho,

produção, turismo, comunicação, assistência social, previdência, dentre outros.

Então tornou-se necessário adequar o direito processual para possibilitar a

tutela jurisdicional dos direitos que surgiram, os quais passaram a integrar os

denominados direitos fundamentais de terceira geração. Assim institutos como

a legitimidade ad causam, citação, litisconsórcio, coisa julgada e liquidação de

sentença tiveram que ser revisados.

A representação adequada na tutela dos interesses transindividuais

constitui um problema a nível mundial. No Brasil, tal problema foi minimizado

pela Lei de Ação Civil Pública, no seu art. 5º, e pelo art. 82 do Código de

Defesa do Consumidor, que estabeleceram um rol de representantes legais

dentre os quais destaca-se o Ministério Público, principal defensor dos

interesses de massa.

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Cabe acrescentar que Mauro Cappelletti reconhecer ter o Ministério Público

brasileiro sobressaído como instituição legítima e detentora dos requisitos

fundamentais na defesa dos interesses coletivos da sociedade.

Em relação ao tema, afirma Gregório Assagra de Almeida:

“A par de tudo isso, o estudo do direito processual

coletivo como um novo ramo do direito processual já é

um grande avanço e muito poderá ajudar na

compreensão dos princípios e das regras interpretativas

pertinentes às demandas coletivas, o que é fundamental

para a efetividade dos direitos e interesses massificados”.

(Almeida, 2003, p. 85)

Antes da vigência da Lei de Ação Civil Pública (LACP), apenas

basicamente a Lei de Ação Popular regulamentava a tutela dos direitos

coletivos. Assim, com o advento da LACP, houve uma revolução no direito

processual, principalmente quanto ao instituto da legitimidade para agir, o qual

foi estendido a entidades sociais como sociedades civis e sindicatos. Ademais

a LACP implementou meios para possibilitar tutela mais abrangente de direitos

de massa. Todavia a LACP protegia apenas algumas espécies de direitos

difusos e coletivos em sentido estrito. Então surge o Código de Proteção e

Defesa do Consumidor, que inova com normas, especialmente em relação aos

consumidores, as quais preencheram verdadeiros anseios sociais. Desse

modo, o CDC passa a interagir com a LACP formando um microssistema de

tutela dos interesses coletivos, constituindo os interesses difusos, coletivos em

sentido estrito e individuais homogêneos.

O Relatório Geral do Projeto de Florença cita a Ação Popular (Lei nº

4717/65) como exemplo brasileiro de viabilização da defesa de interesses

difusos em juízo, para complementação das ações governamentais.

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CAPÍTULO IV

A TERCEIRA ONDA RENOVATÓRIA

Denominada de “o enfoque do acesso à justiça” por abranger o conjunto

de instituições, pessoas e procedimentos empregados no processamento ou

prevenção de litígios, complementa as duas primeiras ondas renovatórias

buscando mecanismos procedimentais que tornem efetivos os direitos

substantivos.

Esse enfoque demanda reformas nas formas de procedimento, estrutura

dos tribunais, criação de novos tribunais, utilização de paraprofissionais nas

atividades de juízes e defensores, modificações no direito material com o intuito

de evitar ou facilitar a solução de litígios e o emprego de métodos privados na

solução de conflitos. Isso deve-se ao reconhecimento da necessidade do

processo civil se adaptar ao tipo de litígio e aos diversos fatores e barreiras

envolvidos, com o desenvolvimento de instituições efetivas para tratá-los. Em

suma, as reformas devem incidir em todo o sistema judicial.

Quanto às reformas propriamente ditas, o continente europeu instituiu

movimentos como a livre apreciação da prova, concentração do procedimento,

contato imediato entre juízes, partes e testemunhas, além de juízos de

instrução para buscar a verdade e, consequentemente, a igualdade entre as

partes, designados de “oralidade”. Tais movimentos foram adotados pela

Áustria e, de acordo com o processualista Franz Klein, tornaram o processo

civil mais simples, rápido, barato e acessível aos pobres.

Em 1977, o Ministro da Justiça francês determinou a eliminação, a partir

do ano seguinte, de todas as custas judiciais.

No processo civil germânico, o “Modelo de Stuttgart”, bastante difundido,

consiste em um procedimento que envolve as partes, advogados e juízes em

debate oral sobre os fatos e o direito em questão, ocasionando aceleração no

procedimento e decisões que as partes geralmente aceitam sem recorrer.

Entretanto tornar os tribunais simples e baratos não representa a

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solução de todos os problemas, uma vez que, os juízes para aplicar leis

complicadas a situações diversas de forma justa, demandam advogados

capazes e procedimentos altamente estruturados.

A reforma mais relevante operada no processo foi considerada a criação

de tribunais especializados. Tornou-se premente a necessidade de

implementação de fóruns mais acessíveis para o julgamento de pequenas

causas individuais, visto que, é perceptível a dificuldade que pessoas comuns

enfrentam na defesa dos novos direitos substantivos, principalmente se os

litigantes forem os governos ou corporações. Desse modo, afirma Mauro

Cappelletti:

“A grande tarefa dos reformadores do acesso à justiça é,

portanto, preservar os tribunais ao mesmo tempo em que

afeiçoam uma área especial do sistema judiciário que

deverá alcançar esses indivíduos, atrair suas demandas

e capacitá-los a desfrutar das vantagens que a legislação

substantiva recente vem tentando conferir-lhes”.

(Cappelletti; Garth, 1988, p. 92)

Juízes singulares ou juízes menos qualificados (formalmente), limitações

à apelação e maior oralidade tem sido utilizados na redução de custos quando

as causas versam sobre pequenos valores. Todavia muitos tribunais de

pequenas causas tornaram-se muito complexos, dispendiosos e lentos, por

outro lado, outros destinam-se mais à cobrança de dívidas do que

propriamente à reivindicação de direitos por indivíduos comuns.

Há exemplos promissores de tribunais de pequenas causas na Austrália,

Inglaterra, Suécia e Estados Unidos, os quais primam pela rapidez, menor

formalidade, julgador ativo, e a possibilidade de dispensar a presença de

advogado.

O principal objetivo das reformas recentes é a redução do custo e

diminuição no tempo de duração do processo. Assim Suécia e Inglaterra, com

o intuito de inibir a contratação de advogado pelas partes, não concede ao

vencedor da demanda o reembolso pelo pagamento de honorários

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advocatícios. Além disso, muitos órgãos na Austrália vedam a representação

por advogados. Tais ações, entretanto, são criticados porque autores pobres e

desassistidos não estão preparados para litigar.

Em Nova Iorque, há um tribunal de pequenas causas que funciona à

noite, todas as sextas-feiras, no qual atuam advogados paraprofissionais da

comunidade, para permitir o acesso das pessoas que trabalham.

Na Suécia, além do funcionário do tribunal de pequenas causas orientar

as partes quanto à elaboração de requerimentos e à definição de provas

necessárias, há um sistema de aconselhamento jurídico.

A simplificação de algumas regras de produção de provas, como

também maior atuação e menor formalidade por parte dos juízes, constituem

ajuda de grande valia para o litigante juridicamente desassistido.

No que tange às ações de cobrança, muito freqüentes nos tribunais de

pequenas causas, cabe aos reformadores evitar o congestionamento no

tribunais com demandas incontroversas e estimular os consumidores a se

defenderem nos casos em que contestam a existência do débito.

Nas reformas de pequenas causas, tem sido relevante a conciliação. Na

Suécia, o juiz dá preferência à conciliação pelas partes, enquanto os tribunais

de pequenas causas australianos a consideram o seu maior objetivo. Já o

Canadá iniciou um serviço voluntário de mediação com pessoas treinadas por

agências oficiais de defesa do consumidor; assim, não havendo acordo, o

serviço de aconselhamento tornou as partes mais confiantes, preparando-as

para comparecerem ao tribunal, e reduziu o tempo de julgamento.

Muitos reformadores propõem a concessão de maior liberdade aos

julgadores no sentido de proferirem decisões baseadas mais na “justiça” do

que na legalidade. Nos tribunais de pequenas causas australianos, dos quais

se exige decisões “justas e equânimes”, a experiência foi bem sucedida.

Existe uma tendência para a implantação de “tribunais vicinais de

mediação”, com o intuito de resolver questões relativamente insignificantes

como pequenos danos à propriedade ou delitos leves envolvendo relações

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comunitárias. Dessa forma Estados Unidos, China, Cuba, Índia, dentre outros,

inclusive países da Europa Oriental, adotaram tal modelo por sua simplicidade

de baixo custo. Enfim afirma Cappelletti: “Tribunais vicinais bem organizados,

atendidos principalmente por pessoal leigo, podem auxiliar a enriquecer a vida

da comunidade, criando uma justiça que seja sensível às necessidades locais.”

(Cappelletti; Garth, 1988, p.120)

Todavia os tribunais de pequenas causas não foram eficientes na

solução dos problemas relacionados a consumidores. Então surgiram

organismos e procedimentos específicos para as demandas envolvendo

consumidores, dentre os quais se pode destacar a utilização de meios de

comunicação, arbitragem privada e arbitragem governamental.

O Japão igualmente implementou um sistema de proteção ambiental que

permite o acesso de pessoas comuns, com assessoria técnica, a diversos

órgãos, gratuitamente, diante dos quais podem apresentar suas demandas. Já

o Canadá criou um órgão acessível e barato apenas para lides entre senhorios

e inquilinos.

A reforma trabalhista italiana foi de grande relevância no acesso á justiça

dos trabalhadores, oferecendo assistência judiciária custeada pelo Estado;

concentrando o procedimento na primeira instância com a utilização de apenas

um juiz, a quem são concedidos amplos poderes; simplificando os

procedimentos e restringido os recursos para que o empregado receba sua

indenização o mais rápido possível.

A utilização de “parajurídicos”, espécies de assistentes jurídicos, tem

desempenhado importante papel com suas funções, dentre outras, de

pesquisa, entrevista de clientes, investigação das causas, aconselhamento

jurídico e preparação de casos para julgamento. Alguns países também

adotam planos de seguro jurídico, que oferecem cobertura para despesas

jurídicas de uma variedade de demandas.

Foram observadas inúmeras vantagens na simplificação de

determinadas causas, como a redução dos custos, do tempo de duração do

processo e da sobrecarga nos tribunais.

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4.1. Métodos Alternativos na Decisão de Causas Judiciais

Na busca de procedimentos mais simples e informais, estão sendo

utilizados gradativamente o juízo arbitral, a conciliação e os incentivos

econômicos pelos litigantes antes de recorrerem aos tribunais. Tais soluções

podem ser obrigatórias, opcionais, aplicando-se geralmente a determinados

tipos de causa, como as pequenas ou as relativas a consumidores.

O juízo arbitral, técnica antiga, caracteriza-se pela informalidade,

rapidez, julgadores com formação técnica ou jurídica e decisões que vinculam

as partes. O seu maior inconveniente é o custo dos honorários do árbitro.

Então alguns Estados financiam os árbitros ou incumbem os juízes dessa

função.

A conciliação, por evitar o acesso aos tribunais com suas despesas e

procedimentos lentos, oferece benefícios tanto às partes quanto ao sistema

jurídico. Por outro lado, fundamentada em acordo, a probabilidade de

satisfação dos litigantes é maior, pois a decisão não forma vencedores e

vencidos. Assim vários métodos foram criados para estimular a conciliação das

partes.

Outra solução alternativa é o emprego de incentivos econômicos para

propiciar acordos extrajudiciais, que já são preferivelmente adotados devido

aos custos do processo e a sua lentidão. Então Inglaterra, Austrália e Canadá

implementaram o “sistema de pagar o julgamento”, segundo o qual, o autor que

recusa uma proposta de conciliação razoável, terá que arcar com os custos da

demanda de ambas as partes. Tal método não demonstrou ser equânime

porque os autores geralmente são as partes individuais economicamente mais

fracas e menos experientes. Desse modo, Michigan criou um sistema em que,

na opinião de especialistas, não sendo aceito um acordo razoável, tanto o autor

quanto o réu devem arcar com os custos. Entretanto esse sistema restringe-se

a ações de indenizações por danos.

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CONCLUSÃO

Observei o empenho, a nível mundial, em proceder a reformas, nos

sistemas jurídicos, que viabilizem o acesso à justiça, principalmente dos mais

pobres os quais, por muitas vezes, devido à falta de informação e incapacidade

financeira, são impedidos de reivindicar seus direitos. Contudo, a despeito das

grandes conquistas, ainda há muito a ser feito.

Vale ressaltar que, embora a reforma judicial seja imprescindível, não

produzirá resultado algum se reformas políticas e sociais não integrarem a

população miserável que vive à margem do Estado.

Quanto às reformas, seu êxito varia de acordo com as características

sócio-político-econômicas e culturais de cada país onde são implementadas.

Por outro lado, a criação de muitos órgãos e procedimentos especiais pode

tornar confuso o sistema judiciário, especificamente no que tange à

competência.

Na busca por um procedimento mais simples e de baixo custo, não

podemos esquecer das garantias fundamentais do processo civil,

principalmente a imparcialidade do juiz e o contraditório, sob pena de violação

dos fundamentos do procedimento justo.

Enfim, muitas reformas já ocorreram e outras são extremamente

necessárias, entretanto devemos sempre zelar pela qualidade do sistema

judiciário, ampliando o seu alcance sem deixar de preservar seus princípios e

instituições essenciais.

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BIBLIOGRAFIA

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http://www.cjf.jus.br. Acessado em 05/07/2010.

CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. RS: Fabris, 1988.

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10/07/2010.

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REIS, Josélia Ferreira dos. A Implantação do Serviço Social na Seção de

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I 9

ACESSO À JUSTIÇA 9

1.1 – Considerações Iniciais 9

1.2 – Direito Fundamental 9

1.3 – Conceito 10

1.4 – Entraves ao Acesso à Justiça 13

1.5 – As Ondas Renovatórias 15

CAPÍTULO II 18

A PRIMEIRA ONDA RENOVATÓRIA 18

2.1- A Defensoria Pública como Forma de Garantir o Acesso à Justiça 21

2.2 – A Implantação do Serviço Social na Seção de Atendimento dos Juizados

Especiais Federais 23

2.3 – Possibilidades e Limitações da Assistência Judiciária 24

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CAPÍTULO III 26

A SEGUNDA ONDA RENOVATÓRIA 26

3.1 – Direitos Coletivos no Brasil 30

CAPÍTULO IV 33

A TERCEIRA ONDA RENOVATÓRIA 33

4.1 – Métodos Alternativos na Decisão de Causas Judiciais 37

CONCLUSÃO 38

BIBLIOGRAFIA 39

ÍNDICE 40