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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS- GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE O SUPERVISOR ESCOLAR COMO MEDIADOR DA LITERATURA NA PRÁTICA PEDAGÓGICA Por: Eleonora Porto Fernandes Santos Orientador Prof. Vilson Sérgio de Carvalho Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS- GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O SUPERVISOR ESCOLAR COMO MEDIADOR DA

LITERATURA NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Por: Eleonora Porto Fernandes Santos

Orientador

Prof. Vilson Sérgio de Carvalho

Rio de Janeiro

2007

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O SUPERVISOR ESCOLAR COMO MEDIADOR DA

LITERATURA NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Objetivo Geral: A presença da literatura na escola na formação do gosto literário, que busca promover letramentos múltiplos, prevendo, assim, diferentes níveis e tipos de habilidades, bem como diferentes formas de interação para a realização de práticas inter e transdisciplinares.

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AGRADECIMENTO

... à Deus, pela orientação e sabedoria, e a

minha querida família, todo o meu amor.

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DEDICATÓRIA

à minha filha Carolina e

ao seu mundo do futuro.

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EPÍGRAFE

“ A leitura, na verdade, é uma arte em processo.

Como Goethe, poderíamos todos reaprender a ler a

cada novo texto que percorremos. Mas há sobretudo

muito a aprender quando percebemos que ler não é

apenas decifrar o impresso, não é um mero savoir-

faire a que nos treinaram na escola, mas ler é

questionar e buscar respostas na página impressa

para os nossos questionamentos, buscar satisfação

à nossa curiosidade. Ler é sobretudo desejar, ainda

mais quanto o texto é literário.” CHIAPPINI, 1983.

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RESUMO A proposta dessa pesquisa é estabelecer um vínculo entre literatura e práticas pedagógicas, na intenção de localizar o ponto de encontro entre ambas com as demais disciplinas. Práticas de leitura responderiam a uma dupla dimensão da literatura na escola: por um lado à fruição individual do texto, que é como se lê literatura fora da escola, revela uma autêntica prática social; por outro lado, a reflexão e análise, a leitura como instrumento de aprendizagem e ensino, revelam a prática escolar, que mobiliza um saber institucionalizado, previamente definido; o que aponta para outro aspecto, o dos espaços de leitura na escola. Percebe-se que a literatura assim focalizada, prescinde da experiência plena de leitura do texto literário pelo leitor, entendendo a experiência literária como o contato efetivo com o texto. Por isso, faz-se sentido e urgente o letramento literário, ou seja, empreender esforços no sentido de dotar o educando da capacidade de se aproximar da literatura. Desse modo a leitura não é somente apropriação do ato de ler e escrever; ela envolve o domínio de um conjunto de práticas culturas que resulta de uma compreensão de mundo diferente daquela dos que não tem acesso à leitura. A leitura é muito mais do que um instrumento escolar, é um passaporte para a entrada na cultura escrita. O que se defende é a possibilidade de um espaço propício para trocas literárias na escola, transformando-a numa efetiva comunidade de leitores. Já que a escola não é o microcosmo fechado, toda obra literária pode servir de instrumento de aprendizagem, mas ao mesmo tempo deve persistir a dimensão social, uma vez que se forma para o mundo para fornecer ao aluno recursos intelectuais e lingüísticos para a vida pública.

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METODOLOGIA

Este trabalho pretende mostrar aos educadores e profissionais da área de

educação, quais passos devem ser dados para que ocorra uma relação harmoniosa entre

a literatura e as práticas pedagógicas nas escolas da rede pública. Esse processo implica

mudanças significativas e o interesse maior é optar por práticas que resultem da própria

atividade desenvolvida em sala de aula pelos alunos.

“A educação para a cidadania requer [...] que

questões sociais sejam apresentadas para a

aprendizagem e a reflexão dos alunos.”(PCN.

Brasília: MEC/SEF, 1997).

É como essa frase que os Parâmetros Curriculares Nacionais, no volume

dedicado aos temas transversais, inicia a discussão sobre a necessidade de serem

explorados, no âmbito escolar, temas como ética, pluralidade cultural, meio ambiente e

saúde, entre outros.

A inclusão desse tipo de tema já representa uma mudança de escola em relação

ao modo como até então via seus alunos e a si mesma. Em relação aos alunos, eles

passam a ser vistos como sujeitos que, desde cedo, além de se aventurarem pelo

universo da fantasia, podem refletir sobre certos problemas da realidade em que estão

inseridos. E a escola, assume um papel político, com vistas à ação e à transformação

social.

Nessa perspectiva, as atividades de leitura como um centro agregador de

interesses de várias disciplinas, torna-se o ponto de partida para a realização de projetos

inter e transdisciplinares. A apresentação de propostas para a realização de tais

projetos, que deve atender a tantos interesses que giram em torno da obra literária, com

a aproximação dos textos, a proposta de novos desafios e a possibilidade de diferentes

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vivências com palavras, dentre elas a fruição da obra literária, o prazer que ela

proporciona e seu valor estético.

A proposta triangular do ensino de arte preconizada por Ana Mae Barbosa,

designada como Apreciação, Produção e Contextualização, serve de ações

continuamente interligadas a obra literária. Ressalta a importância da contextualização

no processo educativo, que remete às formulações educacionais progressistas de

natureza mais geral ( Vygostsky, Paulo Freire e outros).

Um trabalho de leitura que leve em conta esses três momentos, permite

compreender os significados da escrita e da leitura literária para aqueles que dela se

apropriam nos contextos sociais. Trata-se de formar o leitor literário, daí pensar em

letramento literário, como estado ou condição de quem não é capaz de ler poesia ou

drama, mas dele se apropriar efetivamente por meio da experiência estética, fruindo-o;

considerando a literatura como aparece no Dicionário Aurélio em seu primeiro

significado – “ arte de compor ou escrever trabalhos artísticos em prosa ou verso.”

Por meio desta ação, chega-se a uma leitura criativa, a uma pedagogia narrativa,

que assegura o papel de destaque ao leitor no seu processo comunicativo com o texto,

fato ignorado na prática escolar que entende o texto como algo definitivo que não

necessita da colaboração do leitor para se construir um significado.

Nesse sentido, é pertinente citar as palavras de Benedito Nunes, quando lemos o

texto literário:

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“ [...] da adesão a esse mundo de papel, quando

retornamos ao real, nossa experiência, ampliada e

renovada pela experiência da obra, à luz do que nos

revelou, possibilita redescobri-lo, sentindo-o e

pensando-o de maneira diferente e nova. A ilusão, a

mentira, o fingimento da ficção aclara o real ao

desligar-se dele, transfigurando-o; e aclara-o já

pelo insight que em nós provocou.” (NUNES,1996,

p.3.)

Como para muitas comunidades de leitores, as práticas de leitura se efetivam

quase que exclusivamente na escola, podendo, a partir dela, projetarem-se para o

universo familiar dos alunos, deve-se destacar aqui os espaços de leitura na escola. O

projeto pedagógico com vistas à formação do leitor da literatura deve incluir a

estruturação de um sistema de trocas contínuo, sustentado por uma biblioteca com bom

acervo e por outros ambientes de leitura e circulação de livros, colaborando para criação

de uma comunidade de leitores tão importante para a permanência da literatura.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 11

CAPÍTULO I ................................................................................................................. 13

A CONTRIBUIÇÃO DO SUPERVISOR NA PRÁTICA DE LEITURA NA ESCOLA.

1.1: LER PARA QUÊ? A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA FORMAÇÃO DO

SUJEITO. .......................................................................................................................14

1.2: LEITURA HOJE. UMA CONVERSA COM OS EDUCADORES. ......................16

1.3: LEITURA? QUE ESPAÇO É ESSE?......................................................................20

CAPÍTULO II .................................................................................................................22

MÚLTIPLAS LINGUAGENS QUE FAZEM PARTE DO COTIDIANO ESCOLAR.

FUNDAMENTOS TEÓRICOS E PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DO LEITOR.

2.1: LER, PENSAR E INTERAGIR. ............................................................................24

2.2: DESCOBERTAS E SIGNIFICADOS NA BIBLIOTECA DA ESCOLA. UMA

PROPOSTA INTERDISCIPLINAR. .............................................................................26

CAPÍTULO III ...............................................................................................................31

LEITURA LITERÁRIA. ENTRE O SIGNIFICADO E O PRAZER.

3.1: A PROPOSTA TRIANGULAR DO ENSINO DE ARTE E A PEDAGOGIA

NARRATIVA/LEITURA CRIATIVA. .........................................................................35

3.2: TECENDO RELAÇÕES. PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES. .......................38

CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................40

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................................42

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INTRODUÇÃO

A iniciativa desse trabalho de pesquisa em torno da leitura literária como

práticas pedagógicas surgiu da elaboração de um plano de ação para propor ações

mediadoras de leitura na escola no curso de formação continuada para

professores/educadores da EJA e do ensino fundamental, um convênio da SEE

( Secretaria Estadual de Educação) e FNDE ( Fundo Nacional de Desenvolvimento e

Educação).

Já que a leitura do texto literário mobiliza esferas do ser mais raramente

acionadas, como a sensibilidade, a subjetividade, o gosto estético e a história pessoal de

cada um dos leitores; como possibilitar que a escola se transforme em um espaço

propício para trocas literárias, transformando-a numa efetiva comunidade de leitores?

O desafio será estabelecer as atividades de leitura literária; uma sensível

mudança de paradigma em relação ao modo como a escola vê seus alunos e como os

alunos interagem neste espaço de domínio literário, de modo que, estabeleçam diálogos

e sentidos com os textos e autores lidos.

Ora, se o que buscamos é uma educação de qualidade que propicie a formação

humanística e crítica do aluno, a literatura dentro ou fora da escola revela uma prática

social, que estimula a reflexão sobre o mundo, os indivíduos e suas histórias. Tais ações

sociais revestem-se de uma efetiva significação, pois concebe a aprendizagem como

conhecimento a ser construído e apropriado pelo aluno na conjunção/interação de

saberes de diferentes naturezas. Nesse cenário, na medida que tivermos o

comprometimento da supervisão escolar com os problemas da sala de aula, estimulando

um trabalho conjunto entre os professores, conscientes desse processo, eles poderão

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escolher as melhores intervenções de ensino, indicar eixos específicos para leitura e

situar sua prática individual num processo coletivo.

Assim, a estrutura básica do trabalho monográfico consistirá na elaboração de

três capítulos, cada qual versando sobre temas inerentes a prática pedagógica, a saber:

Capítulo I : A contribuição do supervisor na prática de leitura na escola.

Capítulo II : Múltiplas linguagens que fazem parte do cotidiano escolar.

Capítulo III: Leitura literária: entre o significado e o prazer.

Nesse sentido, é pertinente que se coloque que o fio condutor que perpassará

cada etapa de trabalho será sempre a noção de literatura como leitura de um texto

artístico que envolve questionamentos, pesquisas e desenvolvimento da capacidade

crítica dos alunos e sua aplicação nas escolas da rede pública.

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CAPÍTULO I

A CONTRIBUIÇÃO DO SUPERVISOR NA PRÁTICA DE LEITURA

A proposta deste trabalho leva a parceria da supervisão com o corpo docente, a

orientação, a direção e também a comunidade, a fim de desenvolver um trabalho

coletivo, visando a excelência do processo educativo e do ambiente escolar. Por um

lado, a prática da supervisão comprometida com os problemas de sala de aula, coloca-se

a serviço do professor, discutindo os dilemas enfrentados e, em conjunto buscar

soluções. Dessa forma constitui-se como profissional co-responsável pela construção de

uma equipe escolar coesa, engajada e, sobretudo, convicta da viabilidade operacional

necessária ao bom desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, principalmente

no que diz respeito à pratica de leitura na escola. Aqui, tomada em um sentido mais

amplo, como trabalho intelectual, necessário a qualquer disciplina, em todos os níveis

de ensino.

Por outro lado, o supervisor também perpassa por uma preocupação social, com

base na concepção de que a escola deve incorporar em suas atividades de leitura, os

diferentes textos que circulam na sociedade, adequados aos diferentes contextos de

produção. Mais do que métodos e técnicas de motivação para ler, são necessárias

providências que se relacionem à história do aluno. Afinal, a história de cada leitor tem

muito a ver com as relações dele com o saber, nas escolas e na sociedade.

Essa ação objetiva compreender o fazer pedagógico dentro de um contexto mais

amplo. Como afirma José Carlos Libâneo:

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“ A questão dos métodos se subordina à dos

conteúdos: se o objetivo é privilegiar a aquisição do

saber, e de um saber vinculado às realidades

sociais, é preciso que o s métodos favoreçam a

correspondência dos conteúdos com os interesses

dos alunos, e que estes possam reconhecer nos

conteúdos o auxílio ao seu esforço de compreensão

da realidade (prática social).( LIBÂNEO,1985.p.40)

Como não é uma questão a ser resolvida apenas na escola e pela escola; embora

a escola incentive e deseje a leitura, dificilmente forma o leitor, se não estiver em

sintonia com as novas demandas sociais, que busque o enfrentamento da complexidade

que caracteriza este novo século.

A maneira como o supervisor propõe, sugere e procura o apoio dos professores,

integra a prática de leitura, não apenas na escola, mas na vida em família e na

comunidade, o que marcará o futuro intelectual do jovem nas séries seguintes, no ensino

médio e superior. Tornar o aluno um bom leitor é pensar que esse será seu modo de

crescer e aprender, mesmo depois de sair da escola, como indivíduo mergulhado na

comunidade, com sua profissão, seus deveres e direitos de cidadão.

1.1: Ler para quê? A importância da leitura na formação do sujeito.

Ler não significa apenas decifrar códigos; a leitura é muito mais que isso: é uma

extensão da escola na vida das pessoas. As conquistas da vida humana estão

relacionadas com a leitura realizada no ambiente que se situa fora da escola, em suma, a

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forma de ser e de viver de uma pessoa identifica-se com a leitura que ela faz do mundo

em que vive.

Estas considerações realçam o caráter intrínseco do ato de ler: mais do que

desvelar um significado unilateral – o hipoteticamente atribuído por um autor a um

texto – a leitura é um exercício de interpretação tomado no seu mais legítimo sentido,

que é suplementar o texto com os próprios sentidos, vivências e semânticas.

“O ato de ler e escrever deve começar a partir de

uma compreensão muito abrangente do ato de ler o

mundo, coisa que os seres humanos fazem antes de

ler a palavra. Até mesmo historicamente, os seres

humanos primeiro mudaram o mundo, depois

revelaram o mundo e a seguir escreveram as

palavras.” ( FREIRE,1990.p.27)

Por isto mesmo, a leitura passou de questão escolar à esfera mais ampla, a

social. Isto é, a capacidade de interagir com o mundo, de ler e responder com autonomia

e crítica às informações circulantes.

Em quaisquer esferas sociais – letradas e não letradas – há unanimidade quanto à

importância da leitura na formação do sujeito. Seja como meio de viabilizar sua

ascensão social, ou seu ingresso no mundo da cultura oficial.

Hoje na empresa, a qualificação dos recursos humanos, é mola da produtividade,

que busca um indivíduo criativo, com autonomia de pensamento, sem se paralisar diante

de uma situação que não foi prevista. Verificando que o distanciamento e a indiferença

entre os funcionários, à falta de reflexão sobre enunciações diversas estão bloqueando a

inventividade, o diálogo e, por isso mesmo, a interação.

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O certo é que a leitura reúne atributos – lingüísticos, culturais, sociais – que

estimulam as qualidades, pessoais e profissionais que cada um carrega potencialmente.

1.2: Leitura Hoje. Uma conversa com os educadores.

E o que entendemos hoje por ler, nesta era de tantas descobertas e

transformações?

Há algum tempo que a palavra leitura vem sendo constantemente usada em

diferentes contextos:

Leitura de:

- imagens,

- símbolos,

- novas linguagens,

- gestos,

- uma situação,

- sonhos,

- mundo,

- vida.

Como sabemos, a aplicação constante do termo extrapolou completamente o

significado do dicionário. Invadiu várias áreas do conhecimento humano, ampliou o

próprio significado do ato de ler. Atualmente, falamos das inteligências múltiplas e da

inteligência emocional, que reforçam a necessidade das leituras das diferentes

linguagens.

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A pedagogia da leitura vem atualizando-se rapidamente: ora revê conceitos, ora

transforma práticas pedagógicas. A bibliografia que hoje temos sobre o assunto é

respeitável. Os relatos de práticas bem-sucedidas também são, felizmente, em bom

número.

Mas, ao lado de tantas descobertas, o contato com a leitura, toda informação

adquirida e acumulada por uma criança existe desde a sua concepção até sua entrada na

escola.

Origens: Vamos imaginar?

O nascimento: um salto qualitativo... Contatos diretos tomam conta do seu ser.

Olhos, ouvidos, nariz, boca e pele entram em ação, desenvolvendo

aceleradamente a conexão direta entre o mundo interno e o novo ambiente externo.

Os canais de comunicação funcionam ininterruptamente.

A todo o momento trazem as mensagens de fora que recebem um tratamento

interno de compreensão... A cada novo fato.

Aquele movimento de mergulhar para o interior de si e sair com uma nova

compreensão – o movimento da leitura – se consolida.

O resto dessa história é bem do nosso conhecimento. A psicologia, a biologia

descreve com precisão todo o desenvolvimento físico, motor, psíquico, mental e

emocional do ser humano.

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Sabemos como a construção de milhares de relações se realiza, mediada sempre

por uma leitura, uma interpretação dos fatos, objetos, pessoas, situações e sensações.

Constrói intensamente seu conhecimento do mundo, sua própria consciência.

Portanto, quando uma criança atinge a idade escolar, sua bagagem é bem maior

do que imaginamos. Apropriou-se, em quatro ou cinco anos, de coisas que a

humanidade levou milênios para conquistar.

Traços, desenhos, gestos e expressões, sons, sensações táteis de dor e prazer,

cheiros agradáveis e desagradáveis, o gosto bom e ruim. Todo um código cultural lhe é

apresentado. Ética e estética: o certo e o errado, o feio e o bonito. Tudo é captado com a

inteireza de seu ser.

Ao chegar à escola, com a paixão de conhecer-se e descobrir o mundo, a criança

adentra na leitura de símbolos humanos. Símbolos criados pela cultura de seus

semelhantes durante séculos e séculos. Entre eles, o de maior prestígio social: a escrita e

sua respectiva leitura.

No entanto, dessa bagagem existencial, tão única e pessoal, que a auxilia no

entendimento de si mesma e de sua própria vida, a escola tem pouco entendimento e

compreensão.

A escola está muito preocupada com seu currículo. Com o conteúdo que deverá

ser assimilado no prazo de x ou y de anos. É quase uma equação matemática... Os

milênios de conhecimento humano conquistados por essa criança em cinco anos, agora

pouco interessam...

Paradoxalmente, a função da escola é valorizar a leitura, elegendo-a como

atividade fundamental que possibilita a formação integral do aluno. Segundo Luiz

Carlos Cagliari, o melhor que a escola pode oferecer deve estar voltado para a leitura.

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Se um aluno não consegue pleno sucesso no assimilar conteúdos de outras

atividades, mas consegue dominar os requisitos necessários para que atue como um bom

leitor, a escola já terá cumprido uma grande parte de sua tarefa.

Muitos alunos não conseguem estabelecer um bom relacionamento com a

matemática, por exemplo, e atribuem a essa disciplina as dificuldades que encontram no

fato de não saber calcular nem desenvolver um raciocínio lógico; sequer imaginam que

o problema reside na falta de capacidade de dominar uma leitura diversificada. Os

alunos não foram preparados para ler números, relações quantitativas, problemas

matemáticos, estão moldados a um único tipo de texto. A escola privilegia a leitura

superficial, estimula o simples decifrar de códigos e evita a diversidade de textos;

prefere trabalhar com livros didáticos que trazem propostas prontas, textos que, muitas

vezes, impedem uma relação do aluno com a realidade em que vive, ou seja, totalmente

descontextualizados.

E assim, explicações extremamente importantes e que envolvem questões

interdisciplinares não são oferecidas, os alunos permanecem sem respostas, e mais, a

escola continua exigindo deles competência e rapidez para resolução de assuntos nunca

ensinados.

Por isso, é importante que o professor conheça as possíveis leituras de seus

alunos para que possa compreender as suas releituras e avaliar as suas propostas de

trabalho.

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1.3: Leitura? Que espaço é esse?

Construindo o espaço na escola.

A necessidade de transformar a escola em um espaço de análise, discussão e

reflexão da realidade, para articular e colocar em ação, conhecimentos, habilidades e

valores, o que exige o comprometimento, o envolvimento e a participação de todos.

E se a leitura é uma interação, precisamos identificar, na sala de aula, a

finalidade da leitura, permitindo que educadores e educandos transformem a

aprendizagem em processo flexível, potencializador de inteligências e dos valores

humanos.

Quando se questiona alguém sobre o que é leitura, pensa-se logo na leitura da

palavra escrita. Como o ato de ler é um processo de atribuição de significados, é preciso

entendê-lo de modo muito mais amplo: compreende a leitura do corpo, da fotografia, do

desenho, da pintura, da gravura, do mapa, do gráfico; há ainda a leitura da cidade, a

leitura do cinema, do vídeo, da televisão; mais recentemente a leitura do texto e da

imagem que passaram para a tela do computador.

Dada essa multiplicidade, as práticas de linguagem a serem tomadas no espaço

da escola, pressupõe um trabalho de produção de conhecimento, organizado por ações

de leitura, escrita, escuta e socialização de saberes, a ser orientados e avaliados contínua

e permanentemente pelos professores. Podem-se eleger estudos sobre as narrativas do

domínio literário; as narrativas dos grandes feitos históricos (locais, regionais,

nacionais); as narrativas do universo oral (da cultura popular); as narrativas do mundo

midiático (imprensa, TV e rádio); as narrativas do universo mítico; as narrativas do

mundo bíblico.

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Vale ressaltar, que esta proposta de abrir espaços sociais para a leitura, ganha

contornos diferentes, face a contextualização de cada escola. Além de contribuir para

que os docentes busquem novos horizontes e consolidem novos saberes na relação

teoria-prática.

“ A escola deve assumir o compromisso de procurar

garantir que a sala de aula seja um espaço onde

cada sujeito tenha direito à palavra reconhecido

como legítimo, e essa palavra encontre ressonância

no discurso do outro. Trata-se de instaurar um

espaço de reflexão em que seja possibilitado o

contato efetivo de diferentes opiniões, onde a

divergência seja explicitada e o conflito possa

emergir; um espaço em que o diferente não seja

nem melhor nem pior, mas apenas diferente, e que,

por isso mesmo, precise ser considerado pelas

possibilidades de reinterpretação do real que

apresenta; um espaço em que seja possível

compreender a diferença como constitutiva dos

sujeitos.” ( P.C.N. 1998.)

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CAPÍTULO II

MÚLTIPLAS LINGUAGENS QUE FAZEM PARTE DO

COTIDIANO ESCOLAR. FUNDAMENTOS TEÓRICOS &

PRÁTICAS NA AÇÃO DO SUPERVISOR NA FORMAÇÃO DO

LEITOR.

As diferentes linguagens permitem que o indivíduo opere mudanças no processo

de interação social. Essas mudanças se realizam no espaço, no tempo e nas relações

sociais, caracterizando um processo permanente de transformação.

A interação entre os homens, na realização de certas atividades comuns,

fundamenta-se no uso de diferentes linguagens, com uma codificação própria (palavras,

gestos, sinais de trânsito, símbolos matemáticos, lógicos ou químicos, cores,

configurações sonoras, etc.). Esse processo de interação pressupõe um contexto sócio-

cultural que torne possível essa troca. A linguagem viabiliza, portanto, a formação de

uma comunidade.

As linguagens artísticas (literatura, artes visuais, música, dança) recriam a

realidade de forma inusitada, possibilitando novos olhares e também na sua vida

cotidiana, o homem participa desse processo de renovação da forma de expressar o

mundo incorporando recursos próprios das linguagens artísticas. Cada grupo social

organiza a linguagem em função da sua visão de mundo.

A função da escola é, portanto, ampliar o domínio da linguagem para que o

indivíduo possa também ampliar a sua participação no mundo. À medida que esse

indivíduo usa a linguagem para nomear a realidade que o rodeia, ele se faz entender e

pode agir no sentido de mudar essa realidade. Assim, quanto mais variados forem os

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recursos de leitura do mundo, maiores serão as chances de conhecê-lo e de transformá-

lo. Essa característica humana não deve ser negada pela escola, mas colocada a serviço

da aprendizagem. Piaget afirma que toda ação, isto é, todo movimento, pensamento ou

sentimento, corresponde a uma necessidade:

“ O encontro como objeto exterior desencadeará a

necessidade de manipula-lo; sua utilização para fins

práticos suscitará uma pergunta ou um problema

teórico.[...] A cada instante, pode-se dizer, a ação é

desequilibrada pelas transformações que aparecem

no mundo, exterior ou interior.”( PIAGET,1978.p.11)

E, nesse jogo de equilíbrio e desequilíbrio, a criança vai passando por diferentes

estágios de desenvolvimento intelectual. Ela põe seu pensamento em confronto na

relação com o outro e descobre a necessidade de verificar suas idéias. A compreensão

de um sistema de signos produzidos culturalmente provoca mudanças nos processos

mentais do sujeito, já que é na interação social que a criança constrói sua subjetividade.

Segundo Vygotsky, é o contexto que dá sentido à palavra; ou, como diz Paulo

Freire, precisamos aprender a ler a “palavramundo”. Os diferentes posicionamentos

sobre esta questão, leva em consideração o grupo intra-sala de aula, o grupo escolar de

modo geral e o grupo social, no qual a escola está inserida; auxiliando o educando a

percorrer a trajetória entre o indivíduo e a coletividade.

Nesse contexto, a função do supervisor é partilhada com os professores, a fim de

compreender o fazer pedagógico dentro de um contexto mais amplo. Se o ato de ler

significa um processo de atribuição de significados, é preciso entendê-lo com sua

multiplicidade de leituras. Segundo Jean Foucambert, torna-se leitor significa ter acesso

aos escritos sociais sabendo encontrá-los onde eles estão; significa, pois ser usuário dos

equipamentos coletivos.

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“O leitor não é aquele que lê o livro proposto, mas

aquele que cria seus próprios meios de escolher os

livros que irá ler, que pratica uma atividade

metaléxica nas colunas dos jornais, na livraria, na

biblioteca; é aquele que conhece os meios para

encontrar e diversificar os textos ligados aos seus

interesses.” ( FOUCAMBERT,1994.p.135)

2.1: Ler. O caminho de prever, pensar e interagir.

Os textos possibilitam inúmeras leituras, isto é, duas pessoas podem

compreende-los de formas diferentes porque seus conhecimentos, experiências e ponto

de vista diferem; cada uma tem um jeito específico de compreender, analisar e refletir

sobre aquilo que lê. Deste modo, precisamos identificá-la na sala de aula, em uma

concepção de linguagem como fruto da interação entre sujeitos, para que ela deixe de

ser trabalhada como um ato mecânico, sem sentido.

“...processo em que os interlocutores vão

construindo sentidos e significados ao longo de suas

trocas lingüísticas, orais ou escritas.”(SOARES,

2002.p.5)

A leitura do texto consiste, portanto, no encontro de dois sujeitos por meio da

linguagem. Ler é um processo dinâmico no qual leitor e autor interagem mediados pelo

texto. Não é uma atividade passiva e, sim, um trabalho criativo que permite

compartilhar sentimentos, informações e idéias ou contrapor-se a argumentos e

convicções.

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Pela leitura há uma interação entre autor e leitor que promovem uma conversa

sobre um tema e completam-se a partir de suas experiências. Deste modo, autor e leitor

se tornam cúmplices: um precisa do outro para que haja a concretização do ato de ler.

A interação que acontece entre o texto escrito e o leitor é diferente daquela

estabelecida entre pessoas que estão envolvidas numa situação de fala.

Quando estamos conversando, muitos elementos estão envolvidos nesse ato;

pois, além das palavras que articulamos, usamos a gesticulação, expressão fisionômica,

entonação da voz, perguntas que dão significados à fala. Portanto, a interação que

acontece no texto escrito e o leitor é diferente, daquela estabelecida entre pessoas que

estão envolvidas numa situação de fala.

No ato de ler, o leitor se depara com palavras que foram escritas por alguém que

não está presente; sendo assim o autor não pode completar informações, provando que o

texto também age sobre o sistema cognitivo do leitor que, quando realiza a

leitura,deverá complementar o texto acrescentando informações, precisará dos próprios

conhecimentos para que possa compreender o texto e interagir com ele.

Associar a reflexão à ação e considerar as necessidades e possibilidades dos

alunos, intensificando o convívio com textos de diferentes gêneros textuais, mobiliza-o

a fazer uma leitura crítica do mundo, interagir conscientemente, desenvolver sua auto-

estima e valorizar sua identidade sócio-cultural, fundamental em um planejamento que

preveja a atuação integrada entre professores de diversas disciplinas.

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“A aposta que se faz aqui é que a ação pedagógica,

ao chamar a atenção para os aspectos

configuracionais, será uma ação mediadora entre

leitor e texto. Mediação que não deve impor as

estratégias do texto que se lê como o único caminho

a ser seguido pelo que aprende; mas mediação que,

alertando para tais aspectos, vai permitindo ao que

aprende a sua própria transformação pessoal pelo

fato de dispor, cada vez que lê, de outras

possibilidades de escolhas de estratégias de dizer o

que tem a dizer.”( GERALDI,1997.p.53)

2.2: Descobertas e significados na biblioteca da escola. Uma proposta

interdisciplinar.

Ler e escrever são tarefas na escola, privilegiadamente em cada sala de aula,

mas também na biblioteca, no refeitório, enfim a escola vista como espaço de estímulo

às diferentes relações com a leitura. A biblioteca passa a ser concebida como lugar que

estimula a circulação e a transferência da informação, que favorece a convivência dos

diferentes segmentos da comunidade escolar, pertencendo, portanto, a todos os usuários.

A biblioteca na escola serve como instrumento indispensável como apoio

didático-pedagógico e cultural, e também como elemento de ligação entre professor e

aluno na elaboração das leituras e pesquisas.

Ribeiro afirma que:

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“ a biblioteca possibilita acesso à literatura e as

informações para dar respostas e suscitar perguntas

aos educandos, configurando uma instituição cuja

tarefa centra-se na formação não só do educando

como também de apoio informacional ao pessoal

docente. Para atender estas premissas a biblioteca

precisa ser entendida como um espaço democrático

onde interajam alunos, professores e informação.

Esse espaço democrático pode estar circunscrito a

duas funções: a função educativa e a formação

cultural do indivíduo.”(RIBEIRO,1994. p.61)

Na função educativa, ela representa um reforço à ação do aluno e do professor.

Quanto ao primeiro, desenvolvendo habilidades de estudo independente, agindo como

instrumento de auto-educação, motivando a uma busca do conhecimento,

incrementando a leitura e ainda auxiliando na formação de hábitos e atitudes de

manuseio, consulta e utilização do livro, da biblioteca e da informação. Quanto à

atuação do educador e da instituição, a biblioteca complementa as informações básicas e

oferece seus recursos e serviços à comunidade escolar de maneira a atender as

necessidades do planejamento curricular.

Em sua função cultural, a biblioteca torna-se complemento da educação formal,

ao oferecer múltiplas possibilidades de leitura e, com isso, levar os alunos a ampliar

seus conhecimentos e suas idéias acerca do mundo. Pode contribuir para a formação de

uma atitude positiva, frente à leitura e, em certa medida, participar das ações da

comunidade escolar.

Nessas funções “ideais” de uma biblioteca escolar, poderemos relacionar

algumas, a seguir:

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a) cooperar com o currículo da escola no atendimento às necessidades dos

alunos, dos professores e dos demais elementos da comunidade escolar;

b) estimular e orientar a comunidade escolar em suas consultas e leituras,

favorecendo o desenvolvimento da capacidade de selecionar e avaliar;

c) incentivar os educandos a pensar de forma crítica, reflexiva, analítica e

criadora, orientados por equipes inter-relacionadas (professores +

bibliotecários);

d) proporcionar aos leitores materiais diversos e serviços bibliotecários

adequados ao seu aperfeiçoamento e desenvolvimento individual e coletivo;

e) promover a interação educador-bibliotecário-aluno, facilitando o processo

ensino-aprendizagem;

f) oferecer um mecanismo para a democratização da educação, permitindo o

acesso de um maior número de crianças e jovens a materiais educativos e,

através disso, dar oportunidade ao desenvolvimento de cada aluno a partir de

suas atitudes individuais;

g) contribuir para que o educando amplie sua percepção dos problemas

educacionais, oferecendo-lhe informações que o ajudem a tomar decisões no

sentido de soluciona-los, tendo como ponto de partida valores éticos e

cidadãos.

A biblioteca deve ser vista como um núcleo ligado ao esforço pedagógico e não

como um apêndice das escolas, pois é o centro ativo da aprendizagem. A biblioteca

escolar deve trabalhar com os professores e alunos e não apenas para eles. Mas na

grande maioria das vezes, na colocação de Sanches Neto:

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“ o papel da escola é criar estruturas, através de

bibliotecas muito bem equipada, para que o

eventual leitor se forme numa relação livre com os

livros, fazendo por conta própria as escolhas que

lhe forem mais adequadas. Uma destas escolhas é

justamente não ler. Não devemos querer

transformar todos os leitores profissionais. Isto é

uma utopia risível. O fundamental é facultar àquele

que é um leitor em potencial as condições para que

desenvolva o que traz consigo.” ( NETO,1998.p.2)

Acreditando na importância da leitura, o estímulo através da concretização do

hábito de leitura na formação das crianças espera-se contribuir com atividades

desenvolvidas nas bibliotecas escolares.

O fato é que, maioria das pessoas desconhece o verdadeiro papel de uma

biblioteca em suas vidas e, portanto, na vida da comunidade. Por inúmeras razões, as

bibliotecas escolares, principalmente as da rede pública, estão longe de cumprir sua

função no sistema educacional. Poucas escolas dispõem dos recurso e da visão

necessários (duas condições que nem sempre andam juntas...) para manter uma

biblioteca digna. E raros são os profissionais empenhados em prestar serviços que

realmente dêem suporte ao aprendizado e à vida cultural da escola.

Conseqüência direta ou indireta desse quadro, na grande maioria das escolas

públicas, quando há bibliotecas prevalece um sistema arcaico de utilização e

aproveitamento do acervo e não apenas por indigência material.

Mesmo aquelas que podem se dar o luxo de algum aparato tecnológico e de

práticas mais modernas relutam em investir nos recursos humanos, por exemplo o de

improvisar um guardião que terá como missão, de fato, guardar o geralmente precário

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material bibliográfico. E o fará, geralmente também, com zelo e uma rabugice de

burocrata. Os leitores – crianças e adolescentes, em sua maioria – irão freqüenta-la com

igual despreparo e desinteresse, sub-utilizando sempre os possíveis recursos. E o

contato prazeroso com a leitura, já de si tão concorrido nestes tempos de cultura visual,

torna-se mais um entre os deveres escolares.

“Longe de constituir mero depósito de livros, a

biblioteca escolar é um centro ativo de

aprendizagem. Nunca deve ser vista como mero

apêndice das unidades escolares, mas como núcleo

ligado ao pedagógico. O bibliotecário trabalha

com os educadores e não apenas para eles ou deles

isolados. Integrada à comunidade escolar, a

biblioteca proporcionará a seu público leitor uma

convivência harmoniosa com o mundo das idéias e

da informação.”( FRAGOSO,1994.p.43)

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CAPÍTULO III

LEITURA LITERÁRIA. ENTRE O SIGNIFICADO E O PRAZER.

A popularidade da idéia do “prazer de ler”, nas últimas décadas, não tem

correspondido a avanços pedagógicos e teóricos que de fato detalhem e dimensionem

qual é a natureza do prazer no contato com o texto. Vem daí, esta preocupação em

compreender esse processo de maneira que a sala de aula se torne, realmente, um espaço

do desfrute da leitura prazerosa.

Entendendo o lúdico como uma atividade que se manifesta sob forma de jogo. A

leitura lúdica, nesse sentido, é uma modalidade de jogo que se desencadeia a partir das

convenções do texto e oferece no processo prazer e conhecimento.

A leitura de literatura, a leitura de ficção é a que melhor realiza e preenche as

condições de leitura lúdica, pois o texto literário, seja narrativo ou poético, é uma

proposta de jogo. Na poesia, jogo com as palavras, com as sonoridades, com os

sentidos. Na narrativa, jogo de máscaras – jogo de faz-de-conta construído em

linguagem verbal.

As condições para a comunicação se estabelecem quando o leitor aceita a

proposta de jogo sugerida pelo texto. Nesse processo, a função do leitor está dada, mas

ele terá que exerce-la sob várias formas; uma delas é vestir as máscaras do texto,

conforme a identificação e catarse que experimente. Segundo, Regina Zilberman:

“ A catarse constitui a experiência comunicativa

básica da arte.[Enquanto componente comunicativo],

a identificação torna explícita sua função social,

estabelecendo ou legitimando norma.”( ZILBERMAN,

1989, p.57)

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A partir da participação no jogo, o leitor entra no processo produtivo da

comunicação; assim, o lúdico e os sentidos se realizam. Esta é uma das suas marcas, o

que difere o discurso literário dos demais (o jornalístico, o científico, o coloquial, etc.),

é a sua condição limítrofe, ou transgressão, que garante ao participante do jogo da

leitura literária o exercício da liberdade, e que pode levar a limites extremos as

possibilidades da língua.

O ensino de literatura (e de outras artes), visa sobretudo ao cumprimento do

inciso III dos objetivos estabelecidos pela lei LDBEN n. 9.394/96, a serem alcançados

pelo ensino médio (Art. 35):

I)consolidação e aprofundamento dos

conhecimentos adquiridos no ensino fundamental,

possibilitando o prosseguimento dos estudos;

II) preparação básica para o trabalho e para a

cidadania do educando, para continuar

aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com

flexibilidade a novas condições de ocupação ou

aperfeiçoamento;

III) aprimoramento do educando como pessoa

humana, incluindo a formação ética e o

desenvolvimento da autonomia intelectual e do

pensamento crítico. (LDBEN, 1996)

Considerando a literatura como fator indispensável de humanização:

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“Entendendo aqui por humanização [...] o processo

que confirma no homem aqueles traços que

reputamos essenciais, como o exercício da reflexão,

a aquisição do saber, a boa disposição para com o

próximo, o afinamento das emoções, a capacidade

de penetrar nos problemas da vida, o senso da

beleza, a percepção da complexidade do mundo e

dos seres, o cultivo do humor. A literatura

desenvolve em nós a quota de humanidade na

medida em que nos torna mais compreensivos e

abertos para a natureza, a sociedade, o

semelhante.” (CÂNDIDO, 1995, p.2490).

Para cumprir com esse objetivo, entretanto, não se deve sobrecarregar o aluno

com informações sobre épocas, estilos, características de escolas literárias, etc. Trata-se,

prioritariamente, de formar o leitor literário, melhor ainda, de letrar literalmente o

aluno, fazendo-o apropriar-se daquilo a que tem direito.

Mas o que vem a ser letramento literário? O termo letramento foi tomado da

lingüística, mas já é de uso bastante corrente entre os que se ocupam da educação,

Magda Soares recorre ao termo para designar um fenômeno também novo:

“Letramento: estado ou condição de quem não

apenas sabe ler, mas cultiva e exerce as práticas

sociais que usam a escrita.”( SOARES,2004,P.47).

Por extensão podemos pensar em letramento literário como estado ou condição

de quem não é capaz de ler poesia ou drama, mas dele se apropria efetivamente por

meio da experiência estética, fruindo-o. Conceituado desta forma:

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“Desfrute (Fruição): trata-se do aproveitamento

satisfatório e prazeroso de obras literárias,

musicais ou artísticas, de modo geral bens culturais

construídos pelas diferentes linguagens,

depreendendo delas seu valor estético. Apreender a

representação simbólica das experiências humanas

resulta da fruição dos bens culturais. Podem

propiciar aos alunos momentos voluntários para

que leiam coletivamente uma obra literária,

assistam um filme, leiam poemas de sua autoria – de

preferência fora do ambiente de sala de aula: no

pátio, na sala de vídeo, na biblioteca, no parque.

( PCN+.2002. p.67)

Assumindo com Soares (1997) a posição de que não há como ter escola sem ter

escolarização de conhecimentos, saberes, artes e, mais, que o surgimento da escola está

indissociavelmente ligado à constituição de “saberes escolares”, é fundamental que nós

professores, desde o início da escolarização, incorporemos, em nossa prática de

formação de leitores, duas perspectivas de análise quando abordamos as relações entre o

processo de escolarização e a literatura.

Numa primeira perspectiva, podemos interpretar as relações entre escolarização,

de um lado; e literatura, de outro; como sendo a apropriação pela escola, da literatura;

neste caso, faz-se uma análise do processo pelo qual a escola toma para si a literatura,

para atender a seus próprios fins, ou seja, “faz dela uma literatura escolarizada”.

Uma segunda perspectiva sob a qual podem ser consideradas as relações entre

escolarização, de um lado; e literatura, de outro; é interpretar essas relações a partir do

ponto de vista que existe a produção, para a escola de uma literatura destinada aos

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alunos; aqui analisa-se o processo pelo qual uma literatura é produzida para a escola,

para os objetivos da escola, para ser consumida na escola, pela clientela escolar.

Estas duas perspectivas é que vão determinar a contribuição de um processo de

leitura literária, com chances de durar para além do processo de escolarização.

Magda Soares considera o processo de escolarização como inevitável, mas

defende a possibilidade de descoberta de uma escolarização adequada a literatura.

“...que obedecesse, no momento da leitura, a

critérios que preservem o literário, que propiciem

ao leitor a vivência do literário, e não uma

distorção ou uma caricatura dele.Mas ainda, que

conduzisse eficazmente às práticas de leitura

literária que ocorrem no contexto social e às

atitudes e valores próprios do ideal de leitor que se

quer formar.” ( SOARES,1999.p.42)

Na verdade, importante seria, na leitura literária, a tentativa de não se

negligenciar o pacto ficcional que o jogo da linguagem e do imaginário tentam

estabelecer com os leitores e que somente estes serão capazes de instaurar, ou de

ignorar, no seu comportamento participativo. Da mesma forma, importante seria não

tratar como informativo ou instrucional, cobrando respostas objetivas e fechadas, textos

essencialmente subjetivos e abertos como os literários.

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“ Ler significa reler e compreender, interpretar.

Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a

partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a

vista de um ponto.Para entender como alguém lê, é

necessário saber como são seus olhos e qual visão

de mundo. Isto faz da leitura sempre uma releitura.”

( BOFF,1999. p.9)

Por isso, a nenhum mediador, seja ele o professor, seja ele o livro didático, seria

dado o direito ou privilégio de instaurar ou de ignorar esse pacto em lugar de outros

leitores. Ela seria, então, o fruto de uma reciprocidade entre as insinuações da autoria e

as disposições estéticas de cada leitor, embora, no mais das vezes, aconteça o contrário,

na escola.

Como a crítica que se faz à utilização pelo livro didático de fragmento de textos,

sempre dos mesmos autores, muitas vezes descontextualizados e com coerência e

coesão comprometidas. Por esse motivo, ler extratos ou adaptações de romances não é

atividade adequada, pois há perda da dimensão artística do escritor.

Em textos literários o “como” se diz é tão importante quanto o “que” se diz,

portanto os fragmentos ou diluições raramente criam envolvimento estético. A inserção

da literatura deve estar centrada na investigação do texto e no desenvolvimento de

capacidades leitoras e não mais, como acontecia, nas informações externas, tais como: a

periodização dos estilos de época, as características desses períodos ou de seus

principais autores.

O enfoque temático ajuda no entendimento da manifestação artística como

expressão de anseios, esperanças, sonhos, angústias, enfim, de sentimentos que

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perpassam o tempo e constituem a essência humana. Compartilhar com os alunos a

fruição desse patrimônio artístico é um dever de profissional e de cidadão.

Finalmente, há ainda um problema a enfrentar: a leitura de textos mais

complexos da cultura literária, mediante a crença de que o aluno não gosta de ler, ou de

que seus gostos não estão em consonância com o texto. Nesse sentido, no tocante às

escolhas das obras para leitura, dado o seu grau de legitimidade e a sua classificação

entre cultura popular e cultura erudita, Chartier comenta duas posições extremas:

“(...) para incitar a leitura, é preciso evitar duas

posições extremas: seja considerar como digno de

serem lidos somente os textos canônicos da cultura

clássica, seja, ao contrário, tomar as leituras como

equivalentes (...) o caminho é, pois estreito, mas

fundamental, que deve conduzir as próprias

práticas, desde leituras indignas, selvagens, até uma

relação mais enriquecedora com obras profundas e

densas.” ( CHARTIER,2000.p.14)

Nos processos de mediação de leitura literária, devemos considerar que tipo de

apropriações os leitores realmente fazem, ou seja, quais são as leituras literárias que os

leitores realmente tomam para si.

Se vista assim, essa atitude não seria libertária ou democrática, mas permissiva.

Pior ainda: não estaria embutido nessa escolha o preconceito de que o aluno não seria

capaz de entender/fruir produtos de alta qualidade?

Uma obra literária deve ser lida pelo que ela tem de “qualidade literária”, pelo

que ela pode acrescentar na trajetória de leitura de cada um dos nossos alunos e também

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pelo tanto que ela pode nos fazer avançar na grande aventura que é a aprendizagem da

vida.

“ Em nossa sociedade há fruição segundo as classes

na medida em que um homem do povo está

praticamente privado da possibilidade de conhecer

e aproveitar a leitura de Machado de Assis ou

Mário de Andrade. Para ele, ficam a literatura de

massa, o folclore, a sabedoria espontânea, a canção

popular, o provérbio. Estas modalidades são

importantes e nobres, mas é grave considerá-las

como suficientes para a grande maioria que, devido

à pobreza e à ignorância, é impedida de chegar

às obras eruditas.” ( CÂNDIDO, 1995, p.257)

3.1 : A proposta triangular do ensino de arte e a pedagogia narrativa (leitura

criativa).

Esta proposta apresenta conteúdos específicos de Arte-Educação baseada em

disciplina, a partir de condições estéticas da pós-modernidade, como os Critical Studies

(Estudos Críticos) na Inglaterra, e nos Estados Unidos, o (DBAE) Discipline Based in

Art Education. Esse método, formulado por professores-pesquisadores norte-

americanos,divide o ensino de artes em disciplinas voltadas para o desenvolvimento das

competências estética,artística, histórica e de crítica sobre arte.

No Brasil, ao contrário dessa divisão. A Abordagem Triangular, de Ana Mae

Barbosa (1991), propõe o ensino baseado em ações continuamente interligadas. Essa

proposta começou a ser sistematizada em 1983 e foi pesquisada entre 1987 e 1993 no

Museu de Arte Contemporânea (MAC), da USP, e na Secretaria Municipal de Educação

em São Paulo.

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A Aprendizagem Triangular está presente em documentos anteriores aos PCN,

passando a orientar o vocabulário e as ações dos professores. No entanto, a própria

autora ressalta que nos PCN,

“ [...] a nomenclatura dos componentes da

Aprendizagem Triangular designados como Fazer

Arte ( ou produção), Leitura da Obra de Arte e

Contextualização foi trocada para Produção,

Apreciação e Reflexão (da 1ª à 4ª série ) ou

Produção, Apreciação e Contextualização ( da 5ª à

8ª série).” ( BARBOSA,2003. p. 29)

A literatura, apesar de também ser integrante do mundo das artes, não aparece

incluída, porém associá-la à arte de ler e escrever é perfeitamente possível. Neste caso,

teremos o seguinte triângulo:

Leitor-autor

(produtor)

Leitor que contextualiza Leitor-apreciador

(contextualizar) (apreciar)

Um trabalho que leve em conta esses três momentos, pode ser nomeado, leitura

criativa.

Nesse processo a expressão escrita e sua respectiva leitura ganham outra

dimensão. A arte nos leva além dos limites do tempo e espaço: entramos em contato

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com o espírito humano de sempre, através de suas expressões – do homem da caverna

ao homem de hoje.

Podemos superar o caráter apenas utilitário da língua e atingir a dimensão que a

arte nos oferece. Podemos vencer os desgastes que a língua sofre por sua constante

utilização.

Propostas dessa natureza, em vez de considerar a literatura como uma produção

exclusivamente lingüística, consideram-na por sua característica distintiva enquanto

gênero textual: uma produção artística, aberta e plurissignificativa, cuja constituição

estética dependerá das características diferenciadas dos leitores, em função das

experiências prévias de mundo, dos textos e de arte de que usufruiu e que acumulou nas

suas oportunidades de letramento literário, para colocar na roda das intertextualidades.

Conforme Gumbretcht (1998), o que torna isso possível é o fato de que entre a

ação do autor e a ação do leitor, enquanto condições históricas para a formação de

significados, há, realmente, a possibilidade da produção de diferentes significados em

virtude de um trabalho deliberado, que cria as convergências do texto para diferentes

disposições receptivas. Essas convergências se constituem de “vazios” deliberados,

deixados pelo autor, a fim de que cada leitor possa preenchê-los a partir da sua própria

experiência de vida. Fala-se aqui, então, de recepções diferenciadas de leitores plurais.

Desse modo, cabe refletir que o vazio pode ser simplesmente um espaço

intencional não ocupada fazendo parte da ordenação criativa de um texto verbal ou não-

verbal em construção. A presença do som, da forma, do movimento, assim como a

ausência deles, permite, igualmente, diferentes modos de pensar e agir, novas formas

estéticas de percepção. Presença e ausência podem estabelecer um diálogo de

tranqüilidade e repouso ou de inquietação e ruptura, combinações geradoras de sentido

que exercitam a capacidade de ser humano de organizar e transmitir idéias.

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“ É sempre bom lembrar

Que um copo vazio

Está cheio de ar.”

( Gilberto Gil)

Quem sabe uma proposta pedagógica que trabalha com as narrativas, como algo

que toca a profundidade e a totalidade do leitor, e não somente sua dimensão racional.

Contudo não é suficiente narrar, mas narrar aberta e criativamente.

Narrar para passar a moral da história – conteúdos de valor – nada mais é que

ensinar, mas isso não necessariamente significa educar. E assim torna-se fácil

compreender por que o livro paradidático pode servir mais para enquadrar, domesticar e

adestrar, do que para libertar e individuar.

Uma pedagogia narrativa que se importe em educar, é aquela que valoriza e dá

espaço para a liberdade e a criatividade do leitor/ouvinte, sem impor padrões de

interpretação considerados corretos. É o leitor que vai se reconhecer na narrativa,

segundo sua situação existencial única. Porque o leitor encontra sentido na narrativa que

ele próprio faz da história, processando imagens, elaborando sínteses de opostos,

trazendo a consciência, por meio de imagens, aquilo que é, no fundo, ela mesma. Isso é

educar, sem menosprezar a capacidade do leitor em encontrar sentido para aquilo que lê,

faz ou pensa.

3.2 : TECENDO RELAÇÕES. PRÁTICA INTERDISCIPLINAR.

O trabalho com linguagens na escola têm como objetivo desenvolver

competências que permitam ao aluno fazer a leitura do mundo de forma a interagir

nesse mundo, a ter um papel social , ser conhecido, ser respeitado, desenvolver sua

auto-estima, desenvolver seu sentido de cidadania.

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Dessa perspectiva estudantes vivenciando oportunidades sistemáticas de leitura,

escrevendo e dialogando, e também professores, possam constituir-se como leitores e

produtores de textos. Professores e alunos leitores são capazes de produzir a sua escrita,

a sua comunicação no mundo, são a chave de mudança nas práticas tradicionais e

repetitivas de leitura e escrita na escola.

Para isso, todos os professores, não só de Português, mas também os de

Geografia, Matemática, História, Música, Ciências, Educação Física, Língua

Estrangeira, Literatura e Arte, precisam assumir seu papel de mediadores de leitura e

escrita.

Mais importante que reter a informação obtida pela leitura tradicional dos muitos

textos, nas muitas áreas que compõem o currículo escolar, as atividades de leitura e

escrita devem proporcionar aos alunos condições para que possam, de forma

permanente e autônoma, localizar novas informações pela leitura de mundo, e expressa-

las, escrevendo para e no mundo.

A provocação que está lançada é que a leitura, como tarefa de todas as áreas,

motive um olhar e um refletir sobre a ação do professor e da escola em conjunto. Para

que desperte o interagir orientado para uma formação mais ampla, completa e dinâmica;

que seja viável encaminhar ações interdisciplinares sobre oportunidade de construir

sentido e produzir conhecimento.

Como sugestões de repertório de leitura nas aulas de língua portuguesa, por

exemplo, pode-se pensar na proposição de seqüências que envolvam agrupamentos de

textos e temas neles abordados; mídias e suportes em que circulam; domínio ou esferas

de atividades de que emergem; seu espaço e/ou tempo de produção; práticas de

linguagem em que se encontram e comunidades que os produzem.

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Nas aulas de história, língua estrangeira e literatura, a leitura é uma competência

imprescindível. Seja para a interpretação de textos, imagens e mensagens. Nas

disciplinas de educação física, matemática e música, a construção de conhecimentos

com diferentes textos e códigos, com o corpo em movimento, com símbolos, com

notações musicais, estabelecendo conexões entre elas com outras áreas do currículo. Da

mesma forma com as disciplinas de arte, geografia e ciências, em que o domínio de

diferentes códigos e linguagens, permite a interação do sujeito com múltiplas paisagens

e grupos sociais.

Em desdobramento, podem ser propostas atividades variadas em que os alunos

se expressem criativamente escrevendo, lendo, declamando, dramatizando, refletindo

sobre sua própria experiência e a alheia, e não apenas consumindo as informações que o

professor ou o livro didático transmitem.

Ao lado da atividade de leitura orientada pelo gosto, pelo prazer de atribuir

sentido a um texto, cada professor, na aula de sua respectiva área (ou dois ou mais

professores em trabalho integrado) promoverá a leitura de textos, pelo que eles querem

expressar e não apenas para corrigir o “português” ou verificar o acerto de suas

respostas. Propiciará o encantamento da descoberta dos muitos sentidos e

desenvolvendo a habilidade de dialogar com os textos lidos, através da capacidade de

ler em profundidade e interpretar textos significativos para a formação de sua cidadania,

cultura e sensibilidade.

“A leitura não depende da organização do tempo

social, ela é, como o amor uma maneira de ser. A

questão não é de saber se tem o tempo para ler ou

não (tempo que, aliás, ninguém me dará), mas se me

ofereço ou não a felicidade de ser leitor.”

(PENNAC,1998.p.119)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A transformação do mundo começa pela transformação dos modos de ver o

mundo. A escola é um espaço de transmissão cultural, mas não é o único. Assim a

mediação do supervisor escolar como um elo de ligação entre alunos e professores sobre

a importância da leitura na formação de um cidadão, torna-se um importante

diferenciador no processo educativo.

Caracterizada pela prática social do aluno com o conhecimento organizado

trazido pelo professor, e o conteúdo da experiência social de professores e alunos

propicia o desenvolvimento de novas formas de atuação sobre a realidade; capaz de dar

um novo significado ao ensinar e ao aprender.

Como a leitura tem função primordial na escola, é uma habilidade que perpassa

todas as disciplinas e atividades escolares. Logo, priorizar a leitura significa atender um

critério de relevância social, atender a algumas exigências práticas do mercado de

trabalho e do mundo.

É preciso aproveitar as muitas possibilidades de intervenção pedagógica diante

das diferentes leituras que a sociedade impõem. A escola precisa trabalhar o mundo da

imaginação e da percepção, respeitando os diferentes modos de interpretar e aprender.

O estímulo da leitura literária, como uma atividade significativa e prazerosa para

além das práticas usuais, como o fruto de uma reciprocidade entre as insinuações da

autoria e as disposições estéticas de cada leitor. E desse modo, tornar a biblioteca da

escola um lugar agradável, dinâmico, onde prevaleça um clima de harmonia entre o

público leitor, seja qual for a faixa etária ou a posição na hierarquia da escola.

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