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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO VEZ DO MESTRE Contos de Fadas - Um facilitador do processo arteterapêutico Valéria Pires Medeiros Orientadora: Fabiane Muniz Rio de Janeiro 2003

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

Contos de Fadas - Um facilitador do processo arteterapêutico

Valéria Pires Medeiros

Orientadora: Fabiane Muniz

Rio de Janeiro

2003

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

Contos de Fadas - Um facilitador do processo arteterapêutico

Apresentação de Monografia à Universidade Candido

Mendes como condição prévia para conclusão do Curso de

Pós-Graduação “Lato Sensu” em Arteterapia em Educação

e Saúde Mental.

Por: Valéria Pires Medeiros

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AGRADECIMENTOS

A meus pais por todo o apoio e incentivo que me deram

em todo o processo de feitura desta monografia.

Aos meus amigos Amalia Bastos, Charlotte Kaschner,

Claudia Bastos, Fátima Regina B. de Freitas, Izabel Maria

P. Cassiano, Marcelo G. Oliveira Figueiredo, Marcos

Vinícius C. de Oliveira, Maria José Narciso, Tarcísio

Henicke dos Santos, pelas valiosas contribuições que me

deram ao longo deste trabalho.

A todos os amigos que de alguma forma contribuíram.

A mestre Eveline Carrano pelo incentivo e sugestões que

foram muito proveitosas no decorrer de toda a pesquisa.

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DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia ao meu filho Miguel por

todas as alegrias que me proporciona e pela paciência

para suportar todos os difíceis momentos.

À amiga Maria Adília D. Pinto pelo incentivo para

fazer o curso.

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RESUMO

Considerando o escopo desta pesquisa, que objetiva dar uma visão da

importância terapêutica dos contos de fadas durante toda a vida do indivíduo, os contos de fadas têm como referência básica o processo de individuação, processo este que é tratado de forma mais detalhada no conteúdo deste trabalho, facilitando a descoberta da identidade e comunicação. Os contos de fadas sugerem vivências que são de grande importância ao desenvolvimento do indivíduo, contribuindo para a formação mais harmoniosa da criança e como pode ajudar o adulto no processo de auto-conhecimento culminando na sua transformação.

Utiliza-se no decorrer deste trabalho a teoria vasta e significativa da obra de Carl Gustav Jung, para analisar a estrutura ficcional e psicológica dos contos de fadas, estabelecendo um paralelo com a visão psicanalítica de Sigmund Freud. Para Jung, o inconsciente é fruto do inconsciente individual e coletivo, dos problemas biológicos, pessoais e fisiológicos vivenciados pelo indivíduo, e é também um processo de natureza criativa. Jung mostra que a "conquista do inconsciente" se dá quando o indivíduo aceita o seu inconsciente, enquanto Freud acredita que esse trabalho de trazer à tona o inconsciente, ou seja, "a conquista", se dá quando este inconsciente é controlado.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I 08

O VALOR TERAPÊUTICO DOS CONTOS DE FADAS

CAPÍTULO II 18

A LINGUAGEM SIMBÓLICA DOS CONTOS DE FADAS

CAPÍTULO III 37

OS CONTOS DE FADAS COMO FACILITADORES NA ARTETERAPIA

CONCLUSÃO 45

BIBLIOGRAFIA 47

ANEXO - CONTO RAPUNZEL 48

ÍNDICE 52

FOLHA DE AVALIAÇÃO 53

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INTRODUÇÃO Os contos de fadas se apresentam como um universo rico de imagens

simbólicas que podem amplamente ser utilizadas no processo terapêutico, ou seja, são

formas simbólicas pelas quais a psique se manifesta.

A Arteterapia percorrendo ainda caminhos misteriosos se utilizará dos

contos de fadas como pretexto e propósito para desenvolver atividades, tanto no atelier

como no campo pedagógico.

A teoria junguiana trabalhará com todo o legado cultural da humanidade,

com a linguagem do inconsciente, com as imagens arquetípicas, os símbolos, com todas

as informações reprimidas da psique humana que, quando trazido à consciência através

do processo terapêutico, contribui para a expansão e estruturação de toda a estrutura

psíquica.

No primeiro capítulo desta monografia ressaltamos o valor terapêutico

dos contos de fadas, ou seja, da importância dos contos na vida da criança e nas diversas

fases que se seguem na vida do indivíduo, e a sua utilização em várias culturas; a

estrutura do conto, estabelecendo um paralelo entre os contos de fadas, o mito e a

literatura infantil e um breve histórico sobre os irmãos Grimm.

No segundo capítulo, abordaremos tanto a linguagem simbólica dos

contos e seus significados com a sua estrutura básica apontando para o processo de

individuação. Após um breve histórico de Carl. G. Jung, abordaremos o universo dos

contos através de sua teoria com uma explanação sobre símbolos, arquétipos, conceitos

como anima, animus, persona, self, sombra, as funções psicológicas e a amplificação

dos símbolos.

No terceiro capítulo deste trabalho daremos ênfase sobre como os contos

de fadas podem ser utilizados como facilitadores na Arteterapia, abordando o conto

Rapunzel, dos irmãos Grimm, tratando da relação familiar com o enfoque feminino.

A conclusão desta monografia nos sugere que os contos de fadas

realmente se mostram como facilitadores no processo arteterapêutico e que estes podem

e devem ser utilizados durante as diversas fases da vida do indivíduo.

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CAPÍTULO I

O VALOR TERAPÊUTICO DOS CONTOS DE FADAS.

Os contos de fadas não são somente histórias que os pais, ou professores

contam para as crianças com a intenção de faze-las dormir ou apenas para simples

diversão destas, a função dos contos de fadas é muito mais importante. Podemos dizer

seguramente que, esses contos são toda a essência do ser humano; são a moralidade e a

cultura passadas numa linguagem acessível à criança que ainda não desenvolveu o

pensamento abstrato; são como um caminho às profundezas da alma que leva às

maiores verdades de toda a humanidade, onde mais tarde, surgirão as esperanças e se

originarão os ideais.

De nada adianta tentarmos explicar e ensinar a criança pequena o que

julgamos certo ou errado com palavras, idéias, teses, e teorias que formulamos e

desenvolvemos ao longo da vida, pois estes conceitos são fruto do pensamento racional

e abstrato que desenvolvemos com o passar dos anos e, portanto, não teria nenhum

significado real para ela. É neste contexto que os “Contos de Fadas” são inseridos,

alimentando as necessidades, respondendo as perguntas que ainda não foram

formuladas racionalmente e conduzindo as futuras gerações ao conhecimento de

conceitos como o amor, a verdade, beleza, bondade e etc. Perguntamos então, como os

contos fazem isso? A resposta consiste no fato de que nos sete primeiros anos de vida a

criança é pura sensação, pois tudo o que vem ao seu encontro é aprendido com os seus

mais puros sentimentos. Desta maneira, o aprendizado para ela torna-se algo natural e

sutil, já que utilizará como instrumento a alma, ou seja, a sua essência, sendo esta uma

das personagens de nossos contos.

O que os contos transmitem para as crianças em formação através de sua

linguagem simbólica são ensinamentos, lições de como elas podem lidar e enfrentar as

inúmeras dificuldades que virão no decorrer de suas vidas, mesmo que inesperadas e, às

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vezes, injustas e, ao final, saírem vitoriosos. Os significados contidos nos contos e nos

mitos são de extrema importância, já que eles permitem que a pessoa consiga se

abstrair, ou seja, deixar a sua relação concreta imediata e dessa forma lidar melhor com

as suas manifestações mais agressivas e primitivas. São nos contos de fadas que a

criança descobre o campo de atuação de suas forças anímicas para o presente e o futuro.

Desta forma, torna-se impossível imaginarmos uma infância sem os

“Contos de Fadas” e seus personagens. Esta fase de nossas vidas precisa desta nutrição

para que possamos encontrar nossas forças interiores e enfrentar com segurança o

futuro, seja ele qual for. É através desse alimento que descobrimos a beleza que a

fidelidade da alma nos proporciona, que a pureza é sua maior ventura e que na pobreza

surge o brilho interior. O conto de fada nos faz entender o que de fato encontraremos

em nossas vidas, pois não existe uma vida sem sofrimento, dificuldades, medos e

angústias, mas se seguirmos os conselhos dos contos e enfrentarmos qualquer problema,

com vontade e sem nos deixar abater, o bem triunfará sobre o mal, ou seja,

conseguiremos transpor os obstáculos que a vida nos impõe, pois ao final teremos a

certeza que tudo terminará bem.

Sob um outro ponto de vista em relação à importância destes contos em

nossas vidas, é sabido que pessoas já adultas, às quais durante toda a infância ouviram

ou leram contos de fadas, em momentos de aflição e desespero nos quais não

encontravam alternativas, lembravam-se dos heróis e heroínas presentes nas histórias e

se confortavam, podendo encontrar soluções para os seus problemas. Bruno Bettelheim,

psicólogo e professor da Universidade de Chicago, resume a importância dos contos de

fadas em sua vida, quando narra sua experiência vivida num campo de concentração

nazista. Ele lembra que no decorrer dos momentos mais terríveis da sua vida, sempre

retornava a sua memória mensagens contidas nos contos de fadas. Desta experiência

podemos concluir que quando nos encontramos diante de situações difíceis, muitas

vezes insuportáveis, e se nos mantivermos fiéis aos nossos princípios, sobreviveremos e

tornaremo-nos mais fortes e valorosos, "seremos felizes para sempre".

Diante desta experiência percebemos que o conto vivifica as forças

imaginativas latentes no subconsciente pressionando-as para o seu desenvolvimento. Os

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contos de fadas sempre nos oferecem uma lição, uma esperança de um final feliz, e sua

utilização se adapta a diversas fases da vida do homem

Em contradição ao pensamento de muitas pessoas, os contos de fadas não

foram feitos apenas para crianças; também muitos adultos – embora isso seja menos

freqüente em nossa cultura tão orientada para o lado racional – são atraídos por eles e

pressentem o sentido mais profundo em seu conteúdo. No Oriente, o conto de fada,

como parte integrante da vivência dos adultos, é muito mais difundido do que entre nós.

O amor deste povo para com esses contos e a crença nessas histórias é algo absoluto.

Para eles não resta dúvida de que esses contos podem salvar da desgraça aquele que os

escuta. Ainda nos dias de hoje pode-se encontrar no Oriente o narrador profissional de

contos de fadas.

As "Mil e Uma Noites" é a mais famosa compilação de contos orientais.

Neste livro, encontramos não só a legítima matéria árabe, mas também rastros de contos

indianos, além da magia e demonologia persa. Neste conto uma série contos é narrada

por Sherazade ao rei, e que este se transforma como pessoa reconhecendo que há muito

tempo havia deixado para trás sentimentos importantes, e em conseqüência disto se

torna uma pessoa mais feliz.

Muitos adultos ignoram o real significado e a simbologia dos contos de

fadas, criticam as histórias de forma contundente, chegando muitas vezes a bani-la da

vida de seus filhos. Para essas pessoas, as imagens dos contos não passam de grandes

mentiras que iludem a mente infantil a respeito da vida mundana. No entanto, para

aqueles que conhecem o porquê do grande interesse das próprias crianças em relação

aos contos de fadas e sabe das ações destes sobre a alma humana, é bem oposta a essa

imagem preconceituosa, produzida apenas no intelecto materialista e calculista do

adulto enrijecido pelas dificuldades da vida, que esquece por completo da existência do

seu ser interior. Este tipo de pensamento é típico de um adulto que provavelmente não

teve em sua infância a companhia dos contos, não apresentando depois a seus filhos, já

que não faz parte de seu interior e acaba tirando a criança do seu natural mundo de

fantasias.

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Através dos contos, as mães podem tranqüilizar seus filhos, mostrando-

lhes que há sempre um “reencontro”. É maravilhoso para uma criança pequenina ouvir

que alguém muito menor do que ela, como o Pequeno Polegar, consegue realizar tantas

coisas e no final ainda salva os seus pais. Quando uma criança, por influência dos

contos, adquire confiança e percebe que sempre é possível encontrar o caminho de volta

para casa, assim como respostas para suas dúvidas inconscientes, essa criança estará

pronta para enfrentar experiências ainda mais cheias de aventuras e encantamentos e

seguir adiante.

Os contos de fadas unem o “mundo do adulto” ao “mundo da criança”

como uma ponte, pois o mundo intelectual da consciência nos separa do mundo da

fantasia, mágico com imagens maravilhosas, tornando quase impossível essa

comunicação, mas através dos contos de fadas temos a possibilidade de recuperar parte

deste tão importante mundo mágico dos “Contos de Fadas” com toda a riqueza de

significados contidos neles.

Podemos afirmar que os contos de fadas são apresentados como instrumentos de

valor terapêutico, pois representam um fenômeno universal, por terem se originado do

inconsciente coletivo. Os contos de fadas apresentam-se com o mesmo conteúdo onírico

encontrado nos sonhos e funcionam como fonte de sabedoria e entendimento do

obscuro mundo do inconsciente. Os contos de fadas representam uma das expressões

mais significativas dessa ânsia permanente de saber e ter domínio sobre a vida, (a

palavra fada tem origem no latim fatum, que significa destino, fatalidade; assim, os

contos de fada são contos do destino e da vida.), que caracteriza o homem de todas as

épocas. A trama e os personagens dos contos de fadas oferecem a possibilidade de

movimentar, transformar, harmonizar a energia psíquica de quem ouve, e por isso eles

são contados desde a mais remota antigüidade, passados de forma oral por centenas de

anos.

1.1 A estrutura do conto de fadas

Os contos de fadas são entendidos de forma mais significativa no universo

infantil o que torna uma condição um estudo mais sistemático sobre a literatura infantil.

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Ressaltamos aqui que os contos de fadas, conforme mencionado anteriormente, por sua

volatilidade também se destinam à juventude e senilidade.

Segundo José Fernando Miranda, “a ausência de definições para a literatura

infantil não significa considerá-la sub literatura”. É assim que muitas vezes a rica e

criativa literatura infantil é reduzida ao ambiente escolar como uma ferramenta apenas

para o recrear e o educar. Certamente essa literatura ultrapassa esses limites, pois por

mais que seja imaginosa relata parte da História com suas tradições, bem como atende

direta ou indiretamente a uma série de valores desejáveis pela sociedade. Esta última

consideração sobre a literatura infantil aproxima-se muito do universo dos contos de

fadas, que se destaca dentro de tal produção literária.

Os contos de fadas permitem, durante a sua leitura e interpretação, que as

pessoas vivam mais intensamente os seus impulsos e transformem em expressão

simbólica o combate dos heróis contra os inimigos. Para Bruno Bettelheim, os contos de

fadas evocam imagens que permitem que a pessoa entre em contato direto com o

inconsciente. E mesmo que a narrativa apresente crueldades ou “aspectos socialmente

incorretos”, essas imagens perdem seu impacto porque o conto de fadas entremeia

fantasias ao redor da história, logo o leitor oscila entre o universo do “é verdade: pois é

assim que um ser real age” E o universo do “é mentira: é apenas uma história” O que

verdadeiramente interessa ao cunho deste trabalho é que o sujeito estabeleça um

paralelo entre seus conflitos e as situações vividas pelos personagens ficcionais.

Para que não haja uma frustração em relação aos contos de fadas, estes

apresentam sempre um final feliz ao herói, pois assim não há possibilidade de temor,

seja a descoberta do leitor positiva ou negativa ele sempre “viverá feliz para sempre”.

Outra característica que valoriza os contos de fadas é que estes nunca

confrontam o leitor diretamente ou lhe dizem o que escolher, eles desenvolvem o desejo

de uma consciência mais elevada apelando à imaginação.

O objetivo deste trabalho é os contos de fadas, mas é necessário esclarecer que

os mitos se distinguem dos contos fundamentalmente pelo caráter pessimista: os contos

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de fadas são otimistas, não ficando disponíveis a responsabilidade da sorte, das virtudes

do herói, ou interferência de figuras sobrenaturais.

Octavio Paz faz uma aproximação do mito ao poema, segundo ele, nem

todos os mitos são poemas, mas todo poema é um mito e que o poema repete e recria

um momento, um fato ou um conjunto de fatos que, de certa forma, se tornaram

arquétipos.

Há um aspecto, talvez considerado o mais importante, que diferencia um

verdadeiro conto das inúmeras obras de literatura infantil: “Contos de Fadas” não tem

autor. Mas, então de onde vêm estas histórias tão ricas? A resposta para esta questão

perfaz tempos muito remotos, ou seja, o início da história da humanidade, do

desenvolvimento do mundo. Nesta época, tudo o que se fazia presente na vida dos

homens era aprendido através de imagens e vivenciado com a ajuda da intuição que os

regiam. Isto porque ainda não haviam adquirido o pensamento racional e abstrato que

traz consigo o despertar da consciência individual, como o que possuímos atualmente.

Com o passar do tempo, porém, esse homem intuitivo foi desenvolvendo a razão e

tornando-se mais racional e materialista, desligando-se das imagens de ensinamento e

moralidade que antes recebia. No decorrer deste processo, o ser humano sente a

necessidade de continuar recebendo esse tipo de conhecimento e acabou por transformar

as imagens intuitivas em contos de fadas.

Assim, quando conhecemos as obras de outros povos, notamos que os

contos de fadas não representam as características de um determinado lugar, mas eles

pertencem a toda a humanidade, e notamos que, não importa o país em que se vive, pois

podemos ouvir as mesmas histórias, camuflada na linguagem de outras culturas,

apresentando algumas pequenas variações dependendo do lugar. Entre os celtas, por

exemplo, os poetas e contadores de histórias que mais se destacavam passavam a ser

chamados de “Fili”(ou Filidh). Estes, depois de um longo aprendizado de doze anos,

têm todas as histórias decoradas em suas mentes, costumavam exercer a sua profissão

principalmente em banquetes e festivais, realizados em comemoração de importantes

datas. Fazia parte desse ofício designado aos Filis, recolher as diversas lendas de sua

cultura, elas continham em si muito material semi-histórico para que pudessem ser

conhecidas por gerações futuras. Também na cultura de nosso país, lendas e sagas

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guardam retratos de influências imaginativas que nos contam, além das grandes

verdades da vida, os acontecimentos históricos como numa verdadeira aula de história.

Outra herança recebida desses sábios conhecimentos são os inúmeros

provérbios populares cujos significados apresentam-se de forma simbólica. Quando, por

exemplo, dizemos por alguma razão que “engolimos um sapo”, estamos usando

imagens representativas para podermos expressar melhor aquilo que realmente

queremos dizer, uma vez que não é um hábito comum do nosso dia a dia o ato de

engolir um sapo. Em alemão, quando uma pessoa está com azar, diz-se que ela está

“coberta de piche” - a imagem vista no conto da Senhora Holle, quando a filha legítima

da viúva passa pelo portal e é coberta por uma chuva de piche.

Ao observarmos o desenvolvimento de uma criança desde o seu nascimento até

a idade dos dezoito anos, que todos nós repetimos, na individualidade, exatamente as

mesmas fases percorridas pela humanidade como um todo em seu desenvolvimento.

Nos primeiros anos de vida, nos comportamos de forma bastante intuitiva, visto que não

temos a consciência de nada do que acontece ao nosso redor e utilizamos como material

para o aprendizado que então se inicia, apenas as nossas sensações. Nesse período,

correspondente aos nove primeiros anos de vida, aprendemos apenas através de

imagens e vivências, pois somos predominantemente seres adormecidos e sonhadores.

A medida em que crescemos, vamos desenvolvendo, de forma gradativa, o intelecto

racional e abstrato que nos leva à “maturidade terrena”. Nesse processo, o jovem

durante a puberdade começa a utilizar mais o seu lado racional, dando prioridade a

lógica, a razão, a matéria em lugar da pura intuição e sensações primárias, despertando

então para a existência do seu corpo físico, desligando-se das mais puras imagens de sua

infância. Ao atingirmos a maioridade, por volta dos vinte e um anos, adquirimos a plena

consciência do nosso ser e do mundo em que vivemos. A partir de então podemos atuar

nele de forma mais concreta para prosseguirmos em nosso caminho.

As obras literárias de histórias infantis, em oposição aos autênticos

“Contos de Fadas”, têm origem na rica imaginação de seus grandes autores e foram

elaboradas apenas para distrair e divertir as crianças. Entre estes autores encontra-se

Hans Christian Andersen – talvez o maior escritor de livros direcionados a primeira fase

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de nossas vidas, visto, muitas vezes, como autor de contos de fadas, por leitores que

ignoram a real origem de nossos contos.

Os contos de Andersen foram escritos por ele mesmo e, muitas vezes

inspirados na sua infância sofrida. Suas histórias, assim como as dos diversos autores

infantis, também transmitem à criança pequena uma moralidade passada no nível da

razão, com uma linguagem de fácil compreensão e descontraída. Essa moralidade

contém ensinamentos desenvolvidos pelo próprio autor da história e que atingem,

principalmente, a razão das crianças pequenas que as ouvem.

Andersen trabalhava com o código social, ou seja, retratava nas suas

histórias problemas próprios da "Persona", a máscara social que usamos. Na "Persona",

encontramos as características que devem ser consideradas como aparência como, por

exemplo; os conceitos morais, o bem e o mal, o feio e o bonito, o certo e o errado, entre

outros. Essas características são muito valorizadas na sociedade.

Muitas dessas obras, porém, são destituídas de um final feliz e podem

deixar o leitor deprimido ou triste, principalmente quando contada para crianças

menores de sete ou oito anos de idade, pois estas não estão ainda com o seu lado

emocional/racional preparados para compreender certos tipos de emoções e atitudes

dos personagens da história.

1.2 Os irmãos Grimm

Após abordarmos as diferenças entre o conto de fadas e a literatura

infantil, não poderíamos deixar de citar os Irmãos Grimm, já que estes também

escreveram livros com histórias infantis, as quais são inteiramente consideradas

verdadeiros contos de fadas.

Jacob e Wilhelm Grimm nasceram em Hanau, Alemanha. Jacob que

viveu de 1785 a 1863, e Wilhelm 1786 - 1859). Os dois, inicialmente seguiram os

mesmos passos do pai, estudando Direito, em Marburg. Mais tarde, porém,

abandonaram a advocacia para dedicarem-se à literatura. Descobriram a metafonia,

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sobre a palatização das vogais, e a apofonia, explicação das estruturas verbais a partir

das variações vocálicas, temas fundamentais para o desenvolvimento do alemão

moderno.

Em 1830, ambos assumiram a posição de professor da Universidade de

Göttingen. Nesta universidade pertenciam ao grupo “os sete de Göttingen”, um grupo

de professores que protestava a suspensão injusta da Constituição Estatal pelo rei de

Hannover, Wilhelm IV. Como conseqüência desse movimento, em 1837, os sete

mestres foram demitidos. Isso, entretanto, não foi motivo para acabar com a carreira

literária dos irmãos Grimm, quatro anos mais tarde, foram convidados para ocupar o

cargo de professor na Universidade de Berlim. Nesta cidade viveram e morreram. Mas

antes de para lá se transferirem, moraram em Kassel.

No meio dessa turbulência profissional, os irmãos Grimm conseguiram publicar

vários trabalhos independentes e em colaboração. Muitos destes trabalhos tiveram

considerável impacto no mundo de língua germânica, bem como no resto do mundo. As

contribuições de Jacob incluem a gramática alemã (1819), que estabeleceu o campo da

pesquisa da língua germânica. As antigas canções dos Mestres Cantores alemães (1811)

e A história da língua alemã (1848). Entre as várias publicações de Wilhelm estão As

histórias do herói alemão (1829) e A língua alemã antiga (1851).

A obra mais famosa de trabalho em colaboração, intitulada Contos de

Fadas dos irmãos Grimm, foi publicada pela primeira vez em 1812-1815 (mais histórias

foram adicionadas em 1857). Apesar do título, os irmãos Grimm não foram os criadores

dessas histórias, elas foram coletadas de diversas fontes. Durante treze anos

colecionaram histórias da tradição oral, o primeiro volume (1812) continha o que

recolheram em Hessen, nos distritos de Meno e Kinzing, do condado de Hanau. O

segundo volume foi concluído em 1814. A maior parte das lendas do segundo volume

foi-lhes contada pela senhora Viedhmaennin, uma camponesa oriunda da aldeia de

Niedezwehn, perto de Kassel. A mulher de Wilhelm e sua família também estavam

entre os que contribuíram com algumas histórias.

Ao estabelecermos uma breve comparação entre os irmãos Grimm e

Perrault, nascido em Paris em 12 de janeiro de 1628, que escreveu seus livros de contos

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como folclore para adultos; observamos que enquanto os Irmãos Grimm foram

considerados como uma fonte mais fidedigna, Perrault modificou alguns contos que

ouviu.

“Os Contos de Fadas infantis são narrados para que, com sua luz pura e

suave, os primeiros pensamentos e as forças do coração despertem e cresçam. Mas

como sua poesia simples pode agradar e a sua verdade ensinar a qualquer pessoa e, por

ser no aconchego do lar que esses contos continuam sendo narrados e se transmitem de

geração em geração, eles são chamados de Contos de Fadas da família. O Conto de

Fadas fica afastado do mundo, num local cercado e tranqüilo, de onde ele não espia para

lado algum. Por isso, desconhece nomes e lugares, nem mesmo tem uma terra natal

definida. é algo que pertence a uma pátria comum”.(Wilhelm Grimm)

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CAPÍTULO II

A LINGUAGEM SIMBÓLICA DOS CONTOS DE FADAS

“Era uma vez, num reino distante..., (...) e viveram felizes para sempre”.

Toda criança e contadores de histórias conhecem essas frases e sabem que sempre as

encontrarão, assim como outras semelhantes e de mesmo significado, no começo e final

dos contos. E por que? O que significaria um começo tão comum e de sempre haver um

final feliz para as histórias?

Com a famosa “Era uma vez...”, começa a extensa maioria dos contos de

fadas e logo eles nos transportam de volta a um tempo distante, tempo este onde

acontecem coisas realmente incríveis, impossíveis para o pensamento e cronologia

racional. Neste lugar e tempo distantes encontraremos monstros, bruxas, fadas, animais

mágicos e falantes. É um mundo cheio de milagres, onde coisas extraordinárias

acontecem.

Enquanto crianças, estabelecemos uma ligação muito intensa com os

contos tendo lido e ouvido por muitas vezes, assim também, geralmente, nós os

deixamos de lado de forma depreciativa , quando ficamos mais velhos, ignoramos o real

valor dos contos de fadas. Poucos adultos, hoje em dia, teriam a calma, a motivação e a

paciência do rei Schahrirar, para escutar durante 1001 noites histórias e reconhecer que

foi benéfico para ele, pois sentimentos e sensações que ele pensava ter perdido há muito

tempo com o passar dos anos como o amor, a confiança, o relacionamento humano,

foram reencontrados nesse processo. Sherazade ao final de cada conto de fada que

narrava dizia: “Ó rei! Estas lendas estão cheias de significados misteriosos, que somente

os iniciados conhecem”, ou seja, era preciso um grau de reflexão para compreender as

mensagens que cada conto transmitia.

No nosso "mundo real", na nossa vida, também existe este "Era uma

vez". Todos temos algum momento na vida onde quase que diariamente acontecem

coisas novas e fantásticas. Se pensarmos um pouco tudo o que para o adulto é natural e

faz parte do seu cotidiano, a princípio foi descoberto e apreendido pela criança.

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O grau de conhecimento que as crianças adquirem e realizam durante a

infância é surpreendente, cada novidade é como um acontecimento milagroso.

Infelizmente, nenhum de nós poderia se lembrar ou reviver o sentimento que nos

invadia ao dar os primeiros passos; mas somos capazes de nos lembrar de feitos mas

recentes, como andar de bicicleta pela primeira vez, por exemplo. Por todos os lados

quando o homem alcança algo de inteiramente novo ocorre o mesmo à transição do

herói do conto de fada, do mundo real, do dia a dia para o mundo encantado e

desconhecido que deve ser libertado ou onde se pode buscar um valor que nos coloca

acima da existência trivial. As bruxas e os monstros são as nossas próprias

incapacidades e medos personificados contra os quais temos que lutar; os animais

solícitos e as fadas são as nossas capacidades e possibilidades ainda desconhecidas, que

nestas situações podemos obter. Desta forma, se concretiza em outro plano, aquilo que

no conto de fada é fantasia.

Essas novas aquisições e criações, que se realizam com freqüência

durante a infância não cessam completamente durante o curso de uma vida desenvolvida

de forma sadia. Contanto que a pessoa não se entorpeça em rotina vazia, e isto

infelizmente é muito freqüente entre as pessoas na fase adulta, vivemos de vez em

quando um conto de fada, é como se um verdadeiro milagre entrasse em nossa vida

como algo original, novo e transformador. Em cada existência humana há importantes

estágios do processo vital, nos quais isto tem que ocorrer. Todos experimentam, após a

etapa da dependência materna, a primeira autonomia e desligamento na fase da

teimosia; toda pessoa também experimenta na puberdade o despertar da sexualidade e a

necessidade de relacionamento com o outro sexo. Cada um tem a experiência relativa

aos problemas da meia idade, quando a vida declina e deveria ir mais em profundidade

do que ser mais superficial. E cada um vivência a morte, com o problema da transição

para o outro mundo ou outra forma de existência, do qual ainda nos é desconhecida.

Quando nos deparamos com tais situações novas e muitas vezes angustiantes, tentamos

formar uma imagem das eventuais possibilidades e quais os perigos a enfrentar. Nesta

fase, as imagens coletivamente transmitidas podem nos ajudar através de seus símbolos.

Essas imagens, quando bem entendidas, podem dizer através de seus

símbolos, como o homem resolveu ou poderia ter resolvido tal situação. A linguagem

dessas camadas tem vários níveis, no fundo todo símbolo verdadeiro é insondável.

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Desta forma, a compreensão de um conto de fada pode ter vários lados. O psicológico é

somente parte dos possíveis conteúdos, e em cada fase da vida um símbolo pode ser

preenchido por outro conteúdo concreto, adicional. Desta forma, ganha-se uma maior

compreensão e um sentido novo e mais profundo.

Jung compara o conto de fada e o sonho a um teatro onde indivíduo

representa a cena e também todos os papéis: é ator, diretor, autor, público e o crítico. A

diferença entre os sonhos e os contos de fadas é que estes contêm somente elementos

coletivos e não possuem nenhuma relação com a grande quantidade de desejos pessoais,

nem com nossas preocupações e necessidades diárias.

Encontramos neles somente as formas típicas, universalmente válidas

ou possíveis. Todos os personagens do conto de fada, também o herói e a heroína, não

são figuras humanas, mas são figuras arquetípicas.

É justamente por esta razão que sempre se pode dirigir a interpretação

de um conto de fada segundo a psicologia masculina ou feminina, como também

adaptá-la aos problemas das diversas fases da vida.

Nos contos de fadas, a figura mais jovem geralmente tem uma

aparência mais frágil ou desajeitada, mas isso é uma tática estratégica para percorrer o

caminho do herói, pois este ser de aparência inferior, desprezado e inadaptado,

corresponde a função psíquica até o momento não desenvolvida, que por muitas vezes é

capaz de resolver os problemas surgidos na psique e de libertar um novo valor do

inconsciente.

A estrutura básica do conto de fadas refere-se ao processo de

individuação, expressa os obstáculos que precisam ser vencidos. Podemos dividir esta

estrutura em três fases básicas, o início, o meio e o fim do conto. No início há sempre

um estranhamento, uma ruptura, um desligamento de um estágio da vida.

Durante o desenvolvimento do conto, o leitor percebe a essência

da história e toma uma atitude; há o confronto, ou seja, a superação de obstáculos e

perigos e inicia o processo da descoberta do novo, onde ele entrará em contato com a

polaridade oposta e descobrirá as possibilidades e suas potencialidades; e, no final

alcançará a germinação, o florescimento e a transcendência através da união dos

opostos, e o final feliz.

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Os contos de fadas ao fazerem referência basicamente ao processo de

individuação facilitam a descoberta da identidade e comunicação, sugerindo

experiências que são necessárias ao desenvolvimento dos indivíduos.

2.1 Dados biográficos de Carl G. Jung

Carl Gustav Jung nasceu em 26 de julho de 1875 em Kesswil, cidade

às margens do lago Konstanz, numa aldeia pertencente ao cantão da Turgóvia, na Suiça.

Carl Gustav tinha quatro anos quando a família mudou-se para o

vilarejo de Klein-Hünningen, nos arredores da Basiléia, passando a viver no presbitério

do castelo de Laufen, onde seu pai, Johann Paul Achilles Jung (1842-1896), exercia as

funções de pastor protestante da Igreja Reformada Suiça. Além de pastor, o pai de Carl

G. Jung havia feito doutorado em filologia e lingüística. A Basiléia era, na época, um

dos centros culturais mais importantes da Europa.

O avô paterno, de quem herdou o nome, nascera em Mannheim, na

Alemanha, estudara Ciências e Medicina em Heidelberg e como Samuel, o pai de sua

mãe, também mostrava inclinações poéticas. Carl Jung, avô, muda-se para a Basiléia a

fim de lecionar na universidade.

Sua mãe, Emilie Preiswerk Jung (1848-1923), era filha caçula de um

pastor da Basiléia, Samuel Preiswerk, erudito e dotado para poesia, que exercia a função

de livre-docente em língua e literatura hebraicas e Augusta Preiswerk, era espírita.

Introvertido e sensível, Jung teve muitos momentos de intensa

solidão. Passava horas brincando sozinho, construindo torres com cubos de madeira,

desenhando quadros de batalhas, ou enchendo um caderno com borrões de tinta para as

quais criava interpretações fantásticas.

Aos seis anos o pai começou a ensinar-lhe latim, enquanto a mãe lhe

contava histórias sobre religiões exóticas, particularmente da Índia, impressas em um

livro ilustrado para crianças, Orbis pictus (Imagens do Universo), do século XVII. Jung

demonstra muito o fascínio que mantinha por aquelas imagens do Oriente,

particularmente em Símbolos da Transformação.

Aos onze anos Jung entrou para o ginásio da Basiléia, separando-se do

convívio dos seus amigos camponeses, entrando em contato com crianças mais bem

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vestidas do que ele, que passavam as férias nos Alpes e já haviam estado na praia, filhos

de pessoas poderosas, Jung compreendeu que era pobre, visto que era apenas o filho de

um simples pastor protestante da aldeia.

Jung revela as restrições que fazia ao pai. Desde cedo ele viu no pastor

um homem estagnado na qual faltavam forças para seguir sua própria linha de

desenvolvimento; o homem não enfrentava as dúvidas religiosas que o atormentavam.

O pastor temia as experiências religiosas imediatas, agarrava-se à fé, amparava-se na

Bíblia e nos dogmas, Jung não aceitava este tipo de atitude; tinha mais afinidades com a

sua mãe, ainda menino descobriu que existiam nela duas personalidades. Uma

convencional, correspondente à esposa de um pastor, que exigia do filho boas maneiras

entre outras coisas; e outra investida de estranha autoridade, misteriosa, dotada de algo

que às vezes lhe causava medo. Quando esta segunda personalidade emergia, o menino

Carl Gustav percebia que a voz de sua mãe tornava-se mais grave e profunda.

Não são encontradas referências a nenhum período de fervor religioso

ligado ao protestantismo, nem mesmo durante a infância. No entanto, a idéia de Deus

fascinava-o intensamente. E o mais interessante é que, apesar de ser filho de um pastor,

as suas cogitações não giravam em torno de Cristo. Impressionava-se com os

sofrimentos que tanto homens quanto animais passavam e isso o levava a imaginar que

Deus intencionalmente houvesse criado um mundo cheio de contradições. O menino

sentia e pensava Deus como uma poderosa força avassaladora que trazia consigo tanto a

bem-aventurança como o terror e o desespero. Esses pensamentos eram secretos, pois

não tinha a quem comunicá-los, tendo em vista que eram muito diferentes de tudo o que

se dizia na igreja e em casa. Invadia-lhe, então o sentimento de que era diferente dos

demais.

A escolha da profissão também não foi uma escolha fácil, pois tinha

interesse em vários campos do conhecimento humano. Finalmente decidiu-se pela

medicina. Seu pai conseguiu que a universidade concedesse uma bolsa, pois a família,

muito pobre, não tinha como arcar com as despesas do curso.

Tudo fazia crer que Jung se especializasse em clínica médica. O

catedrático já o considerava seu assistente. Mas quando se preparava para o exame de

psiquiatria do currículo médico, leu no tratado de Kraft-Ebing conceitos que o

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interessaram, na psiquiatria ele poderia também desenvolver as outras áreas de seu

interesse e encontrar um foco de convergência.

Jung conclui o curso de medicina em 1900, aos vinte e cinco anos, e

foi ocupar o cargo de segundo assistente no hospital Burgholzli, de Zurique. Este

hospital vivia um período de intensa atividade científica, sob a direção de Eugen

Bleuler, um dos maiores psiquiatras de todos os tempos.

A carreira de Jung neste hospital foi das mais brilhantes. Em 1902

passava a primeiro assistente e defendia sua tese de doutorado, que teve como título

“Psicologia e patologia dos fenômenos ditos ocultos”. Trata-se de um estudo do caso de

uma jovem médium espírita.

No ano de 1905 foi designado Primeiro Oberartz, ou seja, assumia o

posto imediatamente abaixo de Bleuler na hierarquia do hospital. No mesmo ano era

nomeado Privat-Dozent, iniciando cursos de crescente repercussão na Universidade de

Zurique.

No ano de 1906, Jung publicou os Estudos sobre as associações; a

Psicologia da demência precoce em 1907 e, em 1908, O conteúdo das psicoses .

Somente em 1907 Jung entra em contato pessoal com Freud. No dia

27 de fevereiro daquele ano Jung vista Freud em Viena, esta primeira visita prolongou-

se por treze horas a fio de conversação, onde Freud reconhece o alto valor de Jung e viu

no suíço, não-judeu, o homem capaz de levar a psicanálise adiante.

De 1907 a 1912 estabeleceu-se estreita colaboração entre Jung e

Freud. Em 1909, viajaram juntos aos Estados Unidos, por ocasião das comemorações do

vigésimo aniversário da Clark University, lá Freud pronunciou as célebres Cinco

conferências sobre psicanálise e Jung apresentou vários trabalhos relativos a associações

verbais.

Em 1910 foi fundada a Associação Psicanalítica Internacional. Freud

usou toda a sua influência para que Jung fosse eleito presidente desta Associação. Mas

em 1912, o livro de Jung Metamorfoses e símbolos da libido marcava divergências

doutrinárias profundas que o separaram de Freud.

Jung casou-se em 1903 com Emma Rauchenbach, nascida em 1882. O

casal teve cinco filhos, Emma era uma companheira devotada, solidária e muito

interessada pelos problemas da psicologia. Dedicou-se durante anos a pesquisas sobre a

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legenda do Graal, morrendo, porém antes de concluir sua obra (1955). Seu livro

Interpretação psicológica da legenda do Graal, levado a termo pela Dra. Marie Louise

von Franz, foi publicado em 1960.

Aos trinta e oito anos (1913) Jung havia cumprido todas as tarefas da

primeira metade da vida, conquistara renome científico internacional; começava uma

nova fase em sua vida. Foram rompidos os laços com o grupo psicanalítico, e nesse

mesmo ano de 1913, Jung renuncia ao título de Privat-Dozent (em 1909 demitira-se do

cargo de psiquiatra do Burgholzli).

Em Memórias, escritas aos oitenta três anos Jung refere-se às

experiências interiores vivenciadas entre dezembro de 1912 e fins de 1918, Jung nunca

interrompeu seu trabalho profissional necessário à manutenção da família, não tendo ele

emprego nem rendas, serviu durante a Primeira Guerra Mundial como comandante do

campo de prisioneiros de Chateau d'Oex.

Durante o tempo de suas experiências internas Jung não publicou

nenhum livro, para ele, os acontecimentos internos deveriam ser observados e

experienciados intimamente. Destacam-se, porém, duas conferências pronunciadas em

Londres, "Sobre a compreensão psicológica e sobre a importância do inconsciente em

psicopatologia", julho de 1914; "A estrutura do inconsciente", 1916 mais tarde ampliada

num livro – As relações entre o ego e o inconsciente – ; A psicologia do inconsciente,

1917; Sobre o inconsciente, 1918.

No ano de 1921 foi à África do Norte; em 1924-1925 conviveu com

índios Pueblo da América e em 1925-1926 esteve no monte Elgon, na África Oriental

inglesa. A principal intenção nessas viagens, segundo declara, era encontrar

oportunidade para ver a imagem do europeu refletida nos olhos de outras culturas. A

imagem que Jung captou do branco foi a de que os europeus mostram uma outra face

que não a de colonizadores, missionários, civilizadores etc. Jung fez uma comparação

com uma ave de rapina que procura com crueldade presas, ou salteadores, ou piratas.

Ele trouxe uma análise das reações do europeu no mundo selvagem, e importantes

aquisições sobre a psicologia do primitivo.

O período que se seguiu a tipos psicológicos foi dedicado por Jung ao

reexame de suas intuições, vivências pessoais e observações clínicas referentes ao

inconsciente coletivo. Seus trabalhos sobre o conceito do inconsciente coletivo e os

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arquétipos foram, na maioria, primeiro apresentados em forma de conferências, e só

publicados em livros anos mais tarde. Por exemplo: o ensaio “Arquétipos do

inconsciente coletivo”(Eranos, 1914) foi publicado anos depois; o trabalho sobre o

“Arquétipo-mãe” nascido no Eranos de 1938 veio tomar lugar nas obras de Jung em

1954.

Jung apresenta mais uma descoberta numa conferência feita no Eranos

de 1935, “Simbolismo dos sonhos e o processo de individuação” seguida em 1936 de

uma outra “A idéia de redenção em alquimia”. Essas conferências foram retrabalhadas e

publicadas em um volume sob o título de Psicologia e alquimia.

Em 1945 Jung completou setenta anos, estava no alto de sua atividade

criadora, publicou Psicologia da transferência, em1946, e Misterium coniunctionis em

1955, quando o autor atinge oitenta anos.

Simultaneamente, escrevia vários ensaios entre eles Resposta a Job,

em 1952, um de seus livros mais belos e discutidos; depois dos oitenta anos escreveu

ainda Presente e futuro, em 1957, e Um mito moderno (os discos voadores), em 1958.

Apresentou no Congresso Internacional de Psiquiatria, Zurique, 1957, um trabalho

sobre esquizofrenia que não é somente uma interpretação teórica sobre a doença, mas

também está repleto de indicações utilizáveis pelo psiquiatra clínico no seu dia-a-dia.

O conjunto de obras completas de Jung consta, na edição inglesa, de

dezoito volumes, afora numerosos seminários mimeografados, que pertencem ao

Instituto C. G. Jung, de Zurique.

A partir de 1933 correram boatos que Jung teria simpatia pelo

nazismo. Em 1930, Jung fora eleito vice-presidente da Sociedade Médica Internacional

em Psicoterapia, com sede em Berlim. O presidente da Sociedade era E. Kretschmer.

Quando Hitler tomou o poder, E. Kretschmer, deixou a presidência, e os membros da

Sociedade pediram a Jung que assumisse, pois a sua condição de suíço e sua autoridade

científica representavam verdadeira tábua de salvação. Sob a presidência de Jung, a

Sociedade Médica Internacional de Psicoterapia conseguiu realizar dois congressos fora

da Alemanha: um em Copenhague, 1937, e outro em Oxford, 1938.

Com o aparecimento do livro Psicologia e religião, 1940, as

autoridades nazistas decidiram que toda a obra de Jung seria interditada e queimada em

toda a Alemanha e em todos os países ocupados por Hitler.

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Jung possuía uma casa de campo em Bollingen (S. Gall), começou a

construí-la em 1923, e a cada ano construía anexos como torres e pátios. Anos mais

tarde, em 1955, construiu um andar superior adicionado a parte central, somente mais

tarde nas suas Memórias, ele percebeu que dessas diferentes partes, construídas com

vários anos de permeio, constituíam um símbolo da totalidade psíquica. A casa de

Bollingen era “a representação em pedra dos meus mais íntimos pensamentos e dos

conhecimentos que eu tinha adquirido”.

A cada ano Jung passava mais tempo na sua casa em Bollingen. Na

primavera de 1961, não chegou a ir para lá; adoeceu e na tarde de 6 de junho de 1961

veio a falecer.

Pode-se dizer a partir da sua breve biografia, que Jung foi coerente em

toda a sua vida no seu pensamento e ações aplicando-os em sua vida profissional.

2.2 Teoria de Jung aplicada aos contos

Segundo Dante Moreira Leite, Jung foi um dos primeiros e mais

queridos discípulos de Sigmund Freud : a mútua admiração pouco duradoura não foi

facilmente explicada, porém esta questão não interessa ao tema desse trabalho.

Os primeiros trabalhos apresentam a tentativa de uma comprovação

experimental da teoria freudiana e a ela se deve a associação livre da técnica

psicanalítica, contudo Jung caminha para um sistema cada vez mais complexo e menos

passível de verificação.

Ao contrário de Freud, Jung não pensa num conflito único: organismo

versus ambiente, a libido pode tomar duas direções fundamentais e assim determinar a

introversão e a extroversão. Entretanto a vida social nem sempre é antagônica ao

indivíduo, podendo ser mais ou menos favorável ao seu desenvolvimento, ou ao

desenvolvimento de algumas de suas tendências.

A introversão e a extroversão são duas atitudes básicas,

provavelmente inatas que correspondem à conhecida dicotomia entre o mundo interno e

o externo, embora complementares são geralmente separadas, tendendo uma revelar a

outra. O sujeito introvertido direciona sua libido para o seu mundo interior enquanto o

extrovertido, para o mundo externo.

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Jung apresenta os seguintes conceitos opostos: mundo externo -

mundo interior, consciência - inconsciente (pessoal e coletivo), Persona - animus e

anima, ego - sombra. Admite também o Eu. A Persona se desenvolve como respostas às

exigências ambientais, é mais superficial e indica a possibilidade de uma mesma pessoa

apresentar várias máscaras de acordo com as diferenças ambientais. Nos contos de fadas

observamos que o papel assumido pelo indivíduo são aparências, as quais podem ser

integradas, quando consideradas como tais, possibilitando as características interiores

aparecerem e o indivíduo dar mais um passo na individuação, no desabrochar das

características essenciais do ser. São características da "Persona" a profissão, o estado

civil, a raça, a nacionalidade, todos os conceitos morais, o bem e o mal, o feio e o

bonito, o certo e o errado, a posição social, sentimentos como a pena, a compaixão,

entre outros, ou seja, todas as características que devem ser consideradas como

aparências.

No extremo oposto está o animus, no caso feminino e o anima, no caso

masculino. Animus é a alma masculina que toda mulher tem no íntimo e o anima é o

inversamente proporcional. Esse princípio permite que o homem entenda a mulher e que

a mulher entenda o homem. Por exemplo, no conto, quando a personagem é a princesa,

o príncipe é o animus e o casamento é o processo de integração do animus na

consciência, ou seja, a mulher tomou consciência do seu animus e, agora, o tem como

companheiro na sua aventura pela vida.

O ego é aquilo que, em até certo ponto, o indivíduo aceita em si mesmo,

e, por isso, constrói-se com o sacrifício das qualidades ou tendências opostas que são

deslocadas para o inconsciente individual e passam a constituir a sombra; esta é a

imagem oposta ao ego. A noção de inconsciente coletivo se baseia nas experiências

recorrentes dos ancestrais humanos ao qual cada século acrescenta variações e

diferenciações. Neste inconsciente coletivo estão os arquétipos, que são imagens que

contrariam a consciência, pois dificilmente serão encontrados em sonhos ou no

pensamento racional.

Além destes conceitos Jung diferencia quatro funções intelectuais -

pensamento, sentimento, percepção e intuição e procura analisar suas características

de acordo com seu aparecimento em introvertidos e extrovertidos. Jung identificou

quatro funções psicológicas que o ego utiliza para se orientar, organizar e experimentar

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a vida: o pensamento, a sensação, a intuição e o sentimento. Essas funções são uma

espécie de pontos cardeais da consciência.

As quatro funções de adaptação operam na consciência em oposição duas

a duas, ou seja, pensamento x sentimento e sensação x intuição; as primeiras são

consideradas funções de adaptação racionais tendo em vista que elas funcionam através

da reflexão, seguindo as leis da razão, buscando sempre o que parece ser razoável; o

sentimento também é uma função racional, pois enquanto o pensamento opera através

de julgamentos, o sentimento está sempre avaliando, acrescentando e pesando o valor de

alguma coisa; já a sensação e a intuição são funções irracionais, estão ligadas a

percepção, pois elas operam como forma do indivíduo perceber o mundo e a si mesmo.

Para Jung, a intuição é a percepção através do inconsciente, é o sentir de

uma forma diferente, é como se estivéssemos tendo um pressentimento, uma espécie de

premonição. A sensação também é uma função irracional, apesar de estar ligada aos

fatos, pois ela é uma percepção que se dá através dos órgãos dos sentidos.

Quando nós adotamos uma atitude, seja ela introvertida ou extrovertida,

no durante o nosso desenvolvimento, tendemos a utilizar conscientemente uma dessas

quatro funções, que com o tempo , vai se tornando a função principal ou superior; a

função principal é aquela que aparece no dia-a-dia com mais freqüência, que usamos

para resolver os nossos problemas e para nos relacionarmos. Geralmente a função

principal é acompanhada por uma segunda função, que é chamada de secundária. Se

uma delas é do tipo irracional, a outra será racional. Se, por exemplo a função principal

for o pensamento - função racional - , a secundária será uma das outras duas funções

irracionais - sensação ou intuição - e nunca a correspondente oposta - sentimento - que

neste caso, permanecerá no inconsciente.

O trabalho de trazer o inconsciente à tona para Jung se distingue do

Freud, pois para o primeiro o indivíduo conquista o seu "mundo inconsciente" no

momento em que o aceita, já o segundo considera a conquista quando ele é controlado.

Em outras palavras, enquanto Freud é um racionalista, Jung é um místico, isto explica o

fato de Freud ver o inconsciente como uma região obscura e incoerente e Jung, como

um reservatório de aspectos mais valiosos e significativos do pensamento e do

sentimento do homem.

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2.3 - Símbolos e arquétipos

Os contos de fadas são manifestações psíquicas que refletem a natureza

da alma, são histórias que se passam no nosso interior e refletem a natureza da alma

humana.

Todos os personagens, animais, cenários, paisagens e até o menor objeto

ou detalhe de um conto de fadas, têm uma simbologia toda especial e de extrema

importância; entretanto, o sentido que é atribuído a cada simbologia poderá variar de

acordo com o indivíduo. E para entendermos o que acontece internamente com o

indivíduo quando ele entra em contato com os contos de fadas, será importante

interpretar os símbolos segundo a teoria junguiana.

A linguagem que o conto utiliza é o inconsciente, falam diretamente ao

indivíduo sem a necessidade de usar a razão como intermediária, ele entra em contato

com o inconsciente através das imagens; é através dessas imagens que se entra em

contato com as bruxas, os monstros, os medos que assustam as crianças e indivíduos de

outras faixas etárias (assim como as crianças, os adultos também têm os seus medos).

Com a ajuda das fadas ou de algum elemento mágico, o indivíduo reúne forças para se

desvencilhar do mal que o assusta ou preocupa.

Assim como Freud, Jung baseia sua metodologia na prática da confissão

levando em consideração os sonhos, mas existe divergência com Freud na forma que

esse sonho é interpretado. Para Jung o inconsciente é uma disposição psicológica

coletiva de natureza criativa , enquanto para Freud, o inconsciente é um pequeno

apêndice da consciência onde estão reunidas todas as incompatibilidades.

Jung considera que a psicologia do indivíduo é condicionada a fatores

histórico-temporais, problemas que o indivíduo tenha vivenciado - biológicos, pessoais

e fisiológicos - e, é também um processo de criação.

É importante destacar a característica finalista do símbolo em Jung, que

foi o que iniciou a sua ruptura com Freud, por exemplo, um símbolo que na primeira

análise pode parecer que o indivíduo tem problemas sexuais, na interpretação finalista,

ele poderia estar prestes a suplantar alguma fase difícil na evolução interna, logo o

símbolo se torna final quando ele é direcionado. É importante ressaltar que o indivíduo

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é único, com experiências únicas, logo, um símbolo não teria um mesmo significado

para dois indivíduos.

As várias interpretações dadas aos contos de fadas e sonhos não são

excludentes, sempre há espaço para uma nova interpretação. Então, qual seria a

definição de símbolos para Jung e quais seriam as suas funções?

Segundo Jung, em todo símbolo tem sempre presente a imagem

arquetípica, mas nem toda imagem arquetípica é um símbolo por si só. O símbolo é uma

estrutura muito complexa e nela reúnem-se opostos numa síntese que vai além das

capacidades de compreensão disponíveis no presente e que ainda não pode ser

formulada dentro de conceitos, inconsciente e consciente se aproximam, ou seja,

símbolos são palavras ou imagens podem se familiar no dia-a-dia. Implica alguma coisa

vaga, desconhecida, oculta.

Uma parte do símbolo está acessível à razão, e outra vibra de forma

oculta no inconsciente. Figuras sintéticas, que substituem coisas e idéias conhecidas

não são símbolos, mas sinais; por exemplo: as asas estampadas nos quepes dos

aviadores. As representações figuradas de objetos ideais ou materiais também não são

considerados símbolos mas alegorias; por exemplo: a Justiça é representada por uma

mulher com uma venda nos olhos. Para Jung, os símbolos são a expressão de coisas

significativas, para qual não há, no momento, a formulação perfeita.

Os símbolos têm vida, estão sempre atuando e alcançam dimensões

queo conhecimento racional normalmente não alcança; eles transmitem intuições

extremamente estimulantes que funcionam como um prenuncio a fenômenos ainda

desconhecidos.

O conceito formulado por Jung sobre símbolo é diferente do conceito

formulado por Freud que considera como símbolo as representações disfarçadas de

conteúdos reprimidos no inconsciente; para Jung, estes são apenas sinais. Freud

também afirma que a simbolização nasce como resultado dos conflitos entre a censura

e as pulsões reprimidas, já Jung não vê a atividade formadora de símbolos como

resultado de um conflito, mas vê como uma ação mediadora, ou seja, uma tentativa de

encontro entre opostos que é movido pela tendência à totalização. Vale ressaltar mais

uma diferença entre as concepções de Freud e Jung relativo aos símbolos para

estabelecer um parâmetro entre elas; segundo Freud, os símbolos, apesar de

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numerosos referem-se sempre a um pequeno número de idéias inconscientes que

dizem respeito ao indivíduo e ao seu corpo, às personagens família, aos fenômenos do

nascimento, da sexualidade e da morte.

Na concepção junguiana, o símbolo é uma linguagem universal com

infinitas possibilidades, capaz de exprimir por intermédio das imagens muitas coisas

que transcendem as problemáticas específicas dos indivíduos. A característica do

símbolo é a de permanecer indefinidamente sugestivo e complexo.

Freud afirma que todas as experiências da vida psíquica de um

indivíduo ficam gravadas no inconsciente, nada se apaga, todo o conteúdo se conserva,

e retornam e surgem quando existem circunstâncias que criam estas possibilidades.

A concepção de Jung é diferente. Ele vê no inconsciente a árdua tarefa

de resolver os conteúdos, de agrupá-los e reagrupá-los, mais tarde, chega a conclusão

de que algo muito mais importante acontecia, ou seja, que os conteúdos do

inconsciente não se mantinham necessariamente iguais para sempre, eram passíveis de

transformações . O inconsciente sofre e produz mudanças, influencia e poderá

influenciar o ego . O símbolo é sempre dinâmico, nunca estático.

Os contos de fadas auxiliam ao acompanhar o processo de

transformação do indivíduo, assim também como os sonhos, para isso é necessário

estabelecer relações entre as histórias e a sua vida cotidiana, seu passado ou suas

fantasias sobre o futuro. O método consiste em analisar os conteúdos oníricos e as

associações por meio de comparações das imagens e traçando paralelos entre as

imagens e os símbolos primitivos e históricos. A amplificação é usada para estender o

campo de significados e de relações afetivo-emocionais que determinado conto pode

abordar. Para utilizar a amplificação simbólica de forma mais completa, precisamos de

material interpretativo colhido nas mais diversas áreas do conhecimento humano,

principalmente na mitologia, na história das religiões, na cultura artística e na história

da civilização.

A própria narrativa do conto, ou seja, a seqüência em que a história é

contada, fornece elementos para a seleção de símbolos a serem amplificados. Por isso

é muito importante prestar atenção na maneira como a história é contada.

É de extrema importância dedicar uma atenção especial às imagens

arquetípicas em virtude do fato de que a consciência trabalha com o aval dos instintos

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e dos arquétipos, e isto é importante para que a saúde psíquica estabeleça o diálogo

entre o consciente e assim nos apropriarmos da influência energética que surge do

dinamismo das estruturas de fundamento da vida psíquica.

Segundo a teoria junguiana, conhecer os arquétipos é de extrema

importância, pois eles são os personagens dos contos de fadas. A teoria dos arquétipos

é desenvolvida a partir das próprias experiências de Jung e de seus pacientes

O mundo dos arquétipos é o mundo invisível dos espíritos, deuses

demônios, vampiros, duendes, ogros, heróis e heroinas, fadas e todos os personagens,

bons ou maus, de épocas passadas da humanidade sobre os quais foi depositada forte

carga de afetividade.

Para Jung, arquétipos são possibilidades herdadas para representar

imagens similares, são formas instintivas de imaginar. São matrizes arcaicas onde

configurações análogas ou semelhantes tomam forma. Como então se originariam os

arquétipos? Eles são o resultado do depósito das impressões superpostas deixadas por

certas vivências fundamentais, comuns aos seres humanos, repetidas através dos

milênios. Vivências típicas tais como as emoções e fantasias relacionadas a

experiências com a mãe, encontros do homem com a mulher, vivências de situações

difíceis, fenômenos da natureza, etc. O arquétipo funciona como um nódulo de

concentração de energia psíquica. Quando essa energia toma forma, teremos a imagem

arquetípica, não podendo ser chamado de arquétipo pois este é virtual.

Então, para Jung, a psique é constituída de conteúdos conscientes e

inconscientes; os conteúdos inconscientes podem ser individuais ou coletivos. O termo

coletivo é utilizado por Jung, por ser o inconsciente de natureza universal e não

individual. Isso quer dizer que, há conteúdos e modos de comportamento que são os

mesmos em qualquer lugar do mundo e em todos os indivíduos. No arquétipo,

Jung analisa a constituição do ser. Jung formula também a teoria da relação-objeto,

nesta teoria ele analisa a interação das pessoas, levantando a problemática do

conhecimento e da relação com o mundo através de imagens e projeções. Logo,

arquétipos são modelos de seres criados com os conteúdos do inconsciente coletivo.

"Pode-se supor que um espírito, no qual o tipo de "espírito livre" deverá

um dia amadurecer e florescer por completo, teve sua experiência decisiva numa

grande separação, e que antes ele fora um espírito preso, eternamente amarrado a seu

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rincão. O que o liga com mais força? Que laços são quase desatáveis? Em indivíduos

diferenciados, de alto nível, serão os deveres; o respeito que próprio aos jovens, o

temor e o carinho por tudo o que de há muito venerado e digno, a gratidão pelo chão

onde nasceram, pela mão que os conduziu, pelo santuário em que aprenderam a rezar;

seus momentos mais sublimes serão suas amarras mais fortes, seus mais duradouros

compromissos. A grande separação vem repentinamente para indivíduos presos

assim..."( Nietzsche, apud C. G. Jung, Símbolos da Transformação, p. 302).

Nos contos a figura da mãe tem uma representação arquetípica muito

interessante; é com grande freqüência que aparece na figura da madrasta ou da bruxa

que cria uma menina, estamos então entrando em contato com o chamado arquétipo-

mãe. Este arquétipo pode ser visto como um desencadeador do processo de

individuação.

O arquétipo-mãe, como todos os outros arquétipos, tem duplo aspecto: o

positivo e o negativo, mas é geralmente este o desencadeador do processo de

conscientização do ser. Na maioria dos casos, o personagem (o ego) vai superando os

vários obstáculos e com isso vai integrando os arquétipos. Alguns, no entanto,

sucumbem no meio do caminho, como no caso de Chapeuzinho Vermelho, numa de

suas versões, onde a história de Perrault termina com a vitória do lobo.

Devemos sempre ter em mente que todos os personagens são arquétipos

do inconsciente coletivo, que atuam no interior de um único indivíduo; logo, do ponto

de vista psicológico, a madrasta má, ciumenta, castradora, é como a menina vê a mãe,

ou quem estiver no seu lugar. Esta imagem corresponde muitas vezes à realidade,

porque a mãe também age influenciada pelo arquétipo-mãe coletivo, no seu próprio

inconsciente.

Para Jung, o mundo dominado pela mãe é o mundo da inércia do

inconsciente, de bem-aventurança durante a infância. "No decorrer do

desenvolvimento da consciência individual, a figura do herói é o meio simbólico

através do qual o ego emergente vence a inércia do inconsciente, liberando o homem

amadurecido do desejo regressivo de uma volta ao estado de bem-aventurança da

infância, em um mundo dominado por sua mãe" (C. G. Jung, O Homem e seus

Símbolos, p.118).

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As histórias dos contos de fadas, têm mostrado simbolicamente o início

do processo de individuação com a saída da casa dos pais; lá fora, com certeza, há

perigos, desafios, quedas, mas nunca derrotas, no caminho da individuação tudo são

possibilidades de conscientização, derrotado é o que não arrisca.

É na individuação que se dá o confronto do consciente com o

inconsciente, é no conflito e também na colaboração entre ambos, que os múltiplos

componentes da personalidade amadurecem e unem-se numa síntese. O processo de

individuação não consiste num desenvolvimento linear. É um movimento

circunvolução que conduz a um novo centro psíquico, ou seja, a individuação é o

caminho do indivíduo em direção ao próprio indivíduo. A este centro psíquico citado

acima, Jung chamará de self (si mesmo).Quando o consciente e o inconsciente estão

ordenados em torno do self, a personalidade está completa. Então, o self será o

centro da personalidade total, assim como o ego é o centro da consciência.

Como já visto anteriormente, nesse caminho da individuação, o primeiro

passo é a entrada no inconsciente, é como mirar-se num espelho. Este espelho revela a

face que é mostrada ao mundo, a "Persona", já citada neste trabalho no capítulo

anterior. A "Persona" é um complexo sistema de relações entre a consciência

individual e a sociedade; não é porém totalmente individual pois nela contém também

uma parte da psique coletiva, ou seja, é uma máscara da psique coletiva que aparenta

uma individualidade, embora não passe de um papel. "No fundo ela, não tem nada de

real; ela representa um compromisso entre o indivíduo e a sociedade, acerca daquilo

que alguém parece ser: nome, título, ocupação, isto ou aquilo. De certo modo, tais

dados são reais; mas em relação à individualidade essencial da pessoa representam

algo de secundário." (C. G. Jung, O Eu e o Inconsciente, p. 32)

Há um pequeno detalhe muito interessante carregado pelos personagens

dos contos de fadas: nenhum deles possui nomes, justamente por representarem partes

do mundo interior de cada um de nós, e não apenas de um ou outro determinado

indivíduo. Ainda assim conhecemos contos que nomeiam alguns de seus personagens,

mas esses nomes também possuem um porquê específico, e não são escolhidos

aleatoriamente. Um exemplo muito evidente é a personagem Rapunzel, seu nome em

alemão significa rapôncio, que é uma planta que tem belas flores em formato de sino.

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Podemos então traçar um paralelo entre a bela voz de Rapunzel que ecoa da torre e o

som de sinos.

Nos contos de fadas, a Sombra é personificada como alguém do mesmo

sexo da personagem. São personalidades sombrias que representam deficiências que

precisamos vencer, traços obscuros do nosso caráter de natureza emocional, podendo

nas histórias aparecer sob a forma de dragões, monstros, de irmãs ciumentas e

maldosas ou do irmão ligado às coisas materiais.

Depois de livrar-se do invólucro falso da Persona e vencer o poder

sugestivo da Sombra, depara-se com outro aspecto da nossa psique: a anima ou

animus, que também já foi comentada brevemente no capítulo anterior.

Como já foi colocado anteriormente, toda experiência humana só é

possível se houver uma predisposição subjetiva, que consiste numa estrutura psíquica

inata permitindo ao homem ter mais experiências. Assim, todo ser do homem, corporal

e psíquico já pressupõe o da mulher. Assim é que pais, mulher, filhos, nascimento e

morte, são, para ele, imagens virtuais, predisposições psíquicas, e tais categorias são

de natureza coletiva.

A anima é a personificação de todas as tendências psicológicas

femininas na psique do homem: os sentimentos, as intuições, a receptividade ao

irracional, a capacidade de amar, etc. Ela aparece nas fantasias e nos contos de

fadas personificada como uma mulher, tem muitas faces, não tem intenções, ou seja,

não pretende fazer bem ou mal a alguém. Os arquétipos não têm conceitos morais,

éticos e estéticos que se ajustam aos nossos conceitos culturais, ou seja, seu saber é

diferente e parece sem sentido ao homem integrado à civilização ocidental. "Há

finalidades anímicas além das finalidades conscientes, sendo que até mesmo ambas

podem opor-se entre si" (C. G. Jung, Estudos sobre Psicologia Analítica, p. 205).

Jung chama de animus a personificação masculina na psique da mulher.

Diferentemente da anima, o animus não se apresenta como um único indivíduo, mas

como vários indivíduos. Para ele, o animus mais parece uma reunião de pais e outras

autoridades, que formulam opiniões incontestáveis e racionais. O animus seria a parte

concreta de todas as experiências ancestrais da mulher em relação ao homem, é um ser

criativo que pode fazer uma ligação para o Self.

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No conto de fadas a integração da anima ou do animus é retratada

através do casamento, é um processo interno, psíquico, uma mudança interior do ser

do indivíduo. Essa mudança interior remete a uma nova postura com relação ao sexo

oposto, pois as figuras nas quais a anima e o animus se projetam, transformam-se e o

indivíduo passa então a se relacionar com outro tipo de homens ou mulheres

enriquecendo também o seu relacionamento.

"Conhece-te a ti mesmo" é a questão fundamental da filosofia socrática,

nessa segunda etapa do diálogo de Sócrates, ele propunha superar as dificuldades de se

atingir o autoconhecimento, ou seja, conceber as próprias idéias. Ele transportava para

o campo da filosofia o exemplo de sua mãe, Fenareta, que como parteira ajudava a

trazer crianças ao mundo, ele também ajudava as pessoas a conceberem as suas

próprias idéias. E é conhecendo-se a si mesmo, somente desta forma, os indivíduos

crescem e se transformam, é retirando as máscaras, uma após a outra, que o indivíduo

se coloca no mundo, e as leitura e interpretação de contos são muito importantes nesse

processo, fazendo com que o indivíduo se conheça e seja ele mesmo.

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CAPÍTULO III

OS CONTOS DE FADAS COMO FACILITADORES NA

ARTETERAPIA

Os contos de fadas preparam o indivíduo para enfrentar seus dilemas

numa compreensão pré-consciente de assuntos que o perturbariam muito se fossem

impostos à sua atenção consciente. Como os contos de fadas trabalham com uma

linguagem simbólica, o indivíduo pode desprezar aquilo para o qual não está preparado.

As histórias estão submersas no inconsciente do indivíduo e existe uma

série de estratégias que podem ser utilizadas para traze-las à consciência, ou seja, como

os contos de fadas podem sem facilitadores na Arteterapia.

A terapia tem como função básica promover o processo de tratamento e

de cura através da busca da individuação. Na arteterapia o tratamento se dá através da

prática e exige uma ação plástica; é nesta ação, desenvolvida através da arte, que o

indivíduo traz a tona imagens inconscientes.

A arte, como elemento facilitador da harmonização da pessoa, faz com

que os conteúdos do inconsciente aflorem; este foi o fundamento do trabalho da Dra.

Nise da Silveira, no Hospital Psiquiátrico do Rio de Janeiro, onde desenvolveu, em

sessões de terapia ocupacional, atividades artísticas com esquizofrênicos. Neste

hospital, o atelier de pintura adquiriu uma posição especial em virtude dos seus muitos

freqüentadores manifestarem intensa criação imaginária resultando numa grande

produção. Este fato contrastava com o número reduzido de atividades dos pacientes que

não freqüentavam o atelier.

Este atelier proporcionava àqueles indivíduos a oportunidade das

imagens do inconsciente tornarem-se expressivas e organizadas, e isto facilitava uma

reorganização psíquica daqueles indivíduos. Segundo um dos seus pacientes definindo

sua experiência no atelier, ele afirmava que havia mudado para o mundo das imagens,

que sua alma havia mudado para outra coisa e que as imagens invadem a alma do

indivíduo. Podemos verificar que tanto o autor da obra de arte como o observador pode

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se transpor para o mundo do inconsciente, pois é através da palavra, da cor, do ritmo, da

forma entre outras coisas que o inconsciente é trabalhado permitindo, desta forma, que

este se encontre mais organizado. Jung chama esta ”viagem” ao inconsciente de

Processo de Individuação, que já foi tratado mais detalhadamente no capítulo anterior.

Destacamos também que o caminho da imaginação ativa pode alcançar

às imagens inconscientes, dependendo da preferência de cada indivíduo, para isso,

pode-se utilizar várias modalidades expressivas, como: o teatro, a dança, a pintura, a

modelagem, a colagem ou desenho. Com estas modalidades, observamos que com

menor freqüência e intensidade os sonhos acontecem, reduzindo a pressão que o

inconsciente exerce, produzindo desta forma um efeito terapêutico.

Jung alerta, entretanto, que ao analisar as imagens surgidas no processo

terapêutico, nem sempre é necessário que se faça uma interpretação, pois este tipo de

análise é mais interessante para o conhecimento científico. Um indivíduo harmonizado é

aquele que tem os seus sentidos igualmente harmonizados. Esta harmonização ocorre

através do trabalho coordenado com o inconsciente. Alguns estudos mostram que os

mais variados estímulos sensoriais ativam em diferentes áreas cerebrais, logo quanto

maior a quantidade de estímulos, mais áreas são trabalhadas.

No sentido de busca da individuação e da harmonização do ser humano,

os contos de fadas podem ser considerados facilitadores, pois despertam os sentidos.

Por exemplo, quando estes são narrados estimula-se de forma intensa a audição. No

caso de uma representação, além da visão, outros sentidos também são despertados,

principalmente se houver uma interação. Além de despertar os sentidos, os contos de fadas trabalham os conteúdos

inconscientes, trazendo-os à consciência. Assim, como podemos trabalhar os contos de

fadas relacionando-os a outras formas artísticas? O diferencial consiste no fato de que

nos contos acontece a descrição simbólica da história interna do indivíduo, ou seja, o

processo de individuação. O personagem principal é o indivíduo e os outros são os

arquétipos.

É importante ressaltar, por exemplo, que assim como o excesso de atividade

intelectual pode trazer alguma dificuldade para o indivíduo lidar com sentimento, assim

também a atividade artística sem a intelectual pode formar indivíduos com dificuldades

para lidar com a vida material do dia-a-dia.

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O resgate dos contos de fadas e também dos mitos podem facilitar o

encontro e a compreensão das histórias contadas nas histórias contemporâneas dos

indivíduos que se encontram em processo terapêutico, pois estas histórias se entrelaçam

à história do indivíduo. Aliar a narração das histórias com as técnicas artísticas para

expressar os conteúdos simbólicos abrem caminhos para o surgimento das imagens

arquetípica e mítica.

Neste contexto, os contos de fadas são inseridos num processo onde

funcionam como um facilitador, pois podem ser utilizados como aquecimento, ou seja,

como uma preparação para a terapia ou para a consigna seja ela qual for.

Conforme exposto em capítulo anterior, observamos que em Arteterapia

os indivíduos são sensíveis as imagens. Esses indivíduos escolhem um conto e voltam a

ele sempre que necessário; um outro conto pode ser escolhido com a mesma temática, o

que significa que há uma grande variedade de contos que servem a uma única

problemática.

Esta ligação entre a problemática do indivíduo e o conto narrado é

trabalhado da mesma forma que um sonho; através dos procedimentos de amplificação

dos símbolos o que contribui ainda mais para o desenrolar do processo terapêutico.

Dentro deste processo trabalhamos não somente o ego, identificado

geralmente com o personagem que é o herói ou a heroína do conto, mas também a

compreensão de todos os outros personagens, dos símbolos e a personificação dos

próprios complexos inconscientes. Quanto maior o número de contos de fadas, seus

arquétipos e símbolos o arteterapeuta conhecer mais ele poderá desenvolver seu

trabalho e maior será sua compreensão acerca dos fatos.

O conto de fadas é uma forma artística única, pois serve de

entretenimento e favorece o desenvolvimento da personalidade da criança; oferece

significado em vários níveis diferentes e contribui enriquecendo a vida da criança de

muitas maneiras, ou seja, conforme exposto anteriormente, os contos de fadas são

especiais não apenas por ser uma forma de literatura, mas como obras de arte

inteiramente compreensíveis para as crianças e adultos, como nenhuma outra arte o é.

Desde a antigüidade, os contos de fadas são o documentário psíquico da

humanidade e, ao mesmo tempo, são também a afirmação de que cada indivíduo é único

na coletividade. Existem registros que na Grécia antiga, por volta do século V a C., a

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arte já era utilizada de forma terapêutica para promover, recuperar e manter a saúde;

assim a arte era considerada transformadora e colaboradora na construção de homens

mais saudáveis e criativos.

Dentro do universo junguiano a arte é instrumento terapêutico e é uma

prática amplamente utilizada nas estratégias terapêuticas. A abordagem junguiana

acredita que os indivíduos, no decorrer de suas vidas, enquanto passam por seus

processos de auto-conhecimento e transformação são orientados por símbolos e estes

surgem do self, representando para cada indivíduo a totalidade da psique e a essência de

cada um. Assim, na vida, o self precisa se reconhecido, compreendido e respeitado.

Na Arteterapia seguindo a linha junguiana, o caminho é o de fornecer

suportes materiais adequados para que a energia psíquica transforme símbolos em

criações diversas. Estas criações retratam os vários estágios da psique, ativando e

realizando a comunicação entre inconsciente e consciente. Este processo colabora para o

entendimento e tratamento de conflitos afetivos, facilitando a estruturação da

personalidade através do processo criativo.

Conforme mencionado anteriormente, Jung descreveu detalhadamente

como em várias culturas, etapas do processo de individuação eram codificadas em

símbolos com temas parecidos e estas representações do inconsciente coletivo repetidas

nos mitos, contos de fadas, tradições religiosas, ritos de passagem e todo o legado

cultural de uma civilização. Estas imagens que pertencem a humanidade aparecem nos

sonhos, desenhos, pinturas, esculturas e nos símbolos produzidos através da imaginação

ativa e nas técnicas de meditação e visualização. O universo junguiano na Arteterapia

fornece uma direção no entendimento da produção simbólica, cabendo ao arteterapeuta,

com o cliente que cria o símbolo, elucidar o seu significado, considerando todos os

aspectos relacionados à singularidade e historicidade de cada indivíduo.

Como acontece com outras formas de expressão artísticas, o significado

mais profundo do conto será diferente para cada indivíduo e diferente também para este

mesmo indivíduo em momentos diferentes da sua vida, ou seja, um mesmo conto pode

ter diferentes significados dependendo das necessidades e interesses do momento;

assim, com os contos mergulhados no mar do inconsciente, a arteterapia se utilizará

deles e das respectivas consignas para trazer a consciência e trabalhar os seus símbolos

e as imagens que representam fenômenos psicológicos arquetípicos, sugerindo ainda a

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necessidade de se renovar internamente e essa renovação só é adquirida à medida que as

forças pessoais inconscientes tornam-se disponíveis para o indivíduo.

3.1 Rapunzel e sua abordagem na arteterapia

O conto de fadas a ser abordado neste trabalho é Rapunzel dos irmãos

Grimm. Esta escolha se dá em virtude da riqueza de símbolos, temas e consignas que

podem ser trabalhados neste conto.

Ao considerar a estrutura do conto Rapunzel, notamos que uma relação

metonímica é estabelecida entre o título da história, ou seja, um nome que pertence a

história é retirado de sua significação no contexto e passa a levantar outros signos

quando intitula a obra. Caberá ao leitor satisfazer suas pressuposições ao acabar a

leitura, assim como as expectativas criadas antes da leitura serão colocadas em xeque, é

necessário verificar se existe uma relação entre os signos presentes no título e os signos

presentes no texto. Por exemplo, a floresta, o deserto e a torre representam o ambiente e

o espaço. O ambiente em que a história se desenvolve pode ser analisado sob duas

vertentes: o espaço e o tempo. Quanto ao espaço, verifica-se referências ao espaço

geográfico: floresta, deserto, torre, horta, janela, muro, bem como referências ao espaço

psicológico que correspondem às interpretações sígnicas do espaço geográfico: torre -

proteção, prisão, floresta - inconsciente, e outros.

Quanto ao tempo, percebe-se que a narrativa do conto de fadas é curta, e

portanto seu tempo é reduzido: a intriga inicia antes do nascimento de Rapunzel e

termina um pouco após ter feito quatorze anos

O fato que merece destaque é o uso de recursos da temporalidade que

podem por exemplo, ser atemporais - "Era uma vez" ou "nunca mais se separaram", a

antecipação - antes de o leitor saber, a bruxa cita a gravidez da mulher, assim os fatos

não são apresentados em ordem cronológica, ou seja, "dois anos depois" - elipse, não há

indicação da infância de Rapunzel, e alguns outros.

Os contos de fadas não individualizam por nomes os personagens, como

exemplo de personagens dentro do conto proposto, podemos citar: a mãe, a feiticeira,

Rapunzel. Esta característica possibilita que o leitor identifique inconscientemente as

figuras arquetípicas propostas por Jung, Os personagens podem ser descritos

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fisicamente "transformou-se numa linda menina" ou "uma cabeleira muito longa e bela,

cor de ouro" e também psicologicamente "o homem que muito a amava" ou "Possessa

de raiva, agarrou a bela trança".

Outro aspecto importante é a inversão de papéis no curso da história: a

bruxa que era uma boa mãe, possessa de raiva corta o cabelo de Rapunzel e a coloca

num deserto, ou o esperado herói que salvará Rapunzel da prisão, e que termina por ser

salvo pelas lágrimas mágicas da própria Rapunzel. Não há portanto uma estrutura fixa

entre o protagonista e o antagonista ou mesmo entre estes e os coadjuvantes.

3.2 - Análise dos principais símbolos no conto Rapunzel

Partindo, nesta etapa do trabalho, para uma análise básica dos principais

símbolos do conto de fadas Rapunzel, dos irmãos Grimm, e pesquisando os profundos

significados de alguns aspectos da história, começando pelo próprio do nome do conto

Rapunzel, observa-se que há uma relação importante entre o nome do conto e a heroína

da história.

De acordo com o dicionário Langenscheidts Tasche-wörterbuch,

Rapunzel em alemão significa rapôncio. Rapôncio na primeira acepção do Novo Aurélio

– O dicionário de Língua Portuguesa – século XXI “denominação comum a duas

plantas da família campanuláceas”. Esta espécie de plantas fazem parte de uma família

de plantas superiores, quase sempre herbáceas e ou subarbustivas, que têm belas flores

actinomorfas e hermafroditas que levam estames com anteras coniventes e fruto

capsular. Podemos observar que a planta escolhida pelos irmãos Grimm para esta

história é uma erva, que possui uma parte aérea e anual, época em que floresce, e sua

parte subterrânea é a mais forte e refaz a parte aérea na época favorável ao crescimento.

Esta planta além de medicinal e de rara beleza produz flores com o formato de sino o

que pode fazer uma alusão direta a encantadora voz de Rapunzel que ecoa do alto de

uma torre assim como fazem os sinos.

A torre é o elemento símbolo do conto que estabelece uma cadeia

significativa de proteção e castração desde o início até o fim da intriga. Num primeiro

momento a torre se relaciona com o grande muro que de certa forma protegia a horta

que ninguém ousava transpor. Num segundo momento a proteção é o própria atitude de

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o marido satisfazer a mulher. Num outro momento, a torre oscilará entre proteção como

sendo local seguro em que Rapunzel seria separada do resto do mundo e também a

castração, como sendo um empecilho do despertar do animus de Rapunzel. E ainda num

último momento podemos estabelecer uma relação de proteção e castração no

casamento de Rapunzel e na ida para o palácio.

Ao analisar o elemento floresta, notamos que na época em que o conto

foi escrito as aldeias habitáveis poderiam ser rodeadas de mata fechada, o que justifica

o aspecto real deste elemento, que se estende no seguinte aspecto simbólico, é o

elemento símbolo do inconsciente, de contato com a terra (elemento terra para Jung), de

vida, visto que a terra é fértil e está ligada a imagem da grande mãe.

Segundo o dicionário de símbolos "o cabelo era uma das principais armas

da mulher, o fato de que esteja à mostra ou escondida, atada ou desatada é, com

freqüência, um sinal de disponibilidade, do desejo de entrega ou da reserva de uma

mulher", a trança remete a idéia de ingenuidade bem como a própria tradição da época,

no conto ela assume a função de escada que permitirá o acesso a torre.

No caso Rapunzel permitir ao príncipe que use seus cabelos pode ser

visto como um sinal de entrega ao príncipe. Ainda segundo o mesmo dicionário

acreditava-se que os cabelos tinha o dom de conservar relações íntimas com esse ser,

mesmo depois de separados do corpo. Os cabelos simbolizam suas propriedades ao

concentrar espiritualmente suas virtudes e suas forças. Quando a bruxa corta os cabelos

de Rapunzel, ela tira todas as suas "forças" no que diz respeito a possibilidade de sair

da torre, e ao mesmo tempo a bruxa corta as suas virtudes. É como se a bruxa declarasse

que Rapunzel já não é mais pura. Vale recordar que o corte de cabelos de adolescentes

era acompanhado de preces em algumas culturas, outra referência simbólica acerca do

cabelo seria a sua cor de ouro, que nos sugere uma característica para tornar a Rapunzel

preciosa. Percebe-se que o conto mantém uma narração linear até o momento em que os

cabelos de Rapunzel são cortados, pois o conflito é ativado e invertido quando o

príncipe, que seria o salvador de Rapunzel, é prejudicado ao subir na torre pela isca dos

cabelos, assim os cabelos que antes significavam o valor das virtudes de Rapunzel,

tornaram-se um elemento prejudicial.

Enfocando o primeiro contato com o universo masculino, sabe-se que

Rapunzel, criada numa torre, afastada de todos e apenas em contato com a bruxa,

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desconhecia o elemento masculino sendo assim negado o desenvolvimento do seu

animus. O primeiro contato masculino de Rapunzel foi com o príncipe, e de acordo com

o conto ela se assusta inicialmente, mas logo depois ela reconhece na figura masculina

do príncipe a possibilidade de se libertar dessa situação, já que é a própria Rapunzel que

propõem a escada de seda para sair da torre. Isso acontece aos 14 anos, após conhecer o

príncipe que lhe aponta uma nova alternativa de vida. Mas abandonar a sua vida não é

fácil e é preciso planejamento. Por isso pede ao príncipe que lhe traga todos os dias uma

meada de seda para que construa uma escada para a sua fuga. Mas é a bruxa que acelera

este processo quando a expulsa e a manda para o deserto. Se Rapunzel após ter tido

contato com o príncipe perdera a sua pureza, a torre não seria mais necessária para a

sua proteção, restando à bruxa a exclusão de Rapunzel. O deserto não oferece a

fertilidade da floresta, com a proteção da grande mãe, e permite que Rapunzel se

exponha e reflita sobre a sua nova condição.

Em relação a cegueira do príncipe, é sabido que a cegueira está presente

em muitos mitos e lendas. Vale lembrar a cegueira de Édipo após descobrir que havia

praticado incesto e assassinado o pai, e a de Tirésias que em uma das versões do mito

teria ficado cego após ver Atenas nua. O príncipe, numa atitude desesperada, atira-se da

torre e por eventualidade ficou cego. Sugerimos que a cegueira do príncipe pode

significar a penalidade por ter "aberto os olhos de Rapunzel".

As lágrimas que curam representam ficcionalmente o elemento mágico

do conto de fadas, elemento este que garante o final feliz da história com todas as

funções restabelecidas.

O despertar dos sentidos demonstra neste conto uma posição especial;

pois este conto no desenvolver de sua intriga refere-se também aos sentidos, como por

exemplo: a visão da mulher na janela e a perda da visão do príncipe, o paladar da

beterraba e a audição da voz de Rapunzel.

Estas interpretações foram formuladas a partir de um ponto de vista

feminino, ou seja, considerando a relação mãe e filha, o que não impede que este conto

tenha outras interpretações, pelo ponto de vista masculino, pela idade do leitor, pela

cultura e etc.

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CONCLUSÃO

Após destacar os contos de fadas dentre os demais facilitadores em

Arteterapia, foi possível comprovar a sua eficácia utilizando como procedimento

metodológico a pesquisa bibliográfica. Esta pesquisa foi fundamentada na linha

junguiana, fazendo em alguns momentos do trabalho um contraponto com o enfoque

freudiano, para estabelecer a diferença entre o método de análise de Carl G. Jung e

Sigmund Freud.

Atesta-se que os contos se apresentam como facilitadores no processo

arteterapêutico, pois eles fazem referência aos processos simbólicos inconscientes, ou

seja, trabalhando com o processo de individuação, o caminho que o indivíduo percorre

em direção a ele mesmo e a amplificação simbólica, utilizada para, como o nome já

sugere, ampliar o campo de significados e de relações afetivo-emocionais que os contos

de fadas podem abordar. São facilitadores também por se adequarem a diversos grupos

de diferentes idades; não ficando restritos apenas ao universo infantil, e por estimularem

amplamente a imaginação.

O conto Rapunzel, utilizado como material para análise, mostrou-se com

excelente potencial facilitador e terapêutico, pois aborda incisivamente as relações

familiares com conseqüências sociais. Dentre todos os enfoques que podem ser

trabalhados com este conto, foi escolhido o feminino, chamando a atenção para a

relação mãe/filho. É, portanto, um conto que muito se aplica ao ambiente terapêutico

Ressalta-se em relação à simbologia aferida ao conto Rapunzel, que ele

possui uma variedade de aspectos significativos mais apropriados para trabalhar com

grupos de adolescentes, adultos e idosos, por sua temática, e ainda que seja aplicada

para crianças, não aborda situações que muitas pensam ser vivenciadas ou imaginadas

num contexto infantil.

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Concluímos então que os contos funcionam como uma espécie de

alimento anímico para o ser humano e que, portanto, possibilitam também o nosso

desenvolvimento espiritual, através da nossa imaginação, atuando no nosso

subconsciente quando nos transformamos em uma princesa, quando encontramos o

nosso príncipe encantado, conquistamos um novo reino, enfrentamos e matamos uma

fera ou uma bruxa malvada e alcançamos o topo da mais alta torre.

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BIBLIOGRAFIA

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CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. RJ: José

Olympio Editora, 1999.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio – O Dicionário da Língua

Portuguesa – século XXI. RJ: Nova Fronteira, 1999.

GRIMM, irmão. Mundo da Criança - vol. 3. História de fadas. RJ: Delta, 1947.

GRINBERG, Luiz Paulo. Jung – O homem criativo. SP: Editora FTD, 2003.

Http://www.angela-lago.com.br/5Grimm.html – Pesquisada em 16/01/2003.

Http://www.riotal.com.br/coojornal/rkloss048.htm - Pesquisada em 16.01.2003

JUNG, Carl G (org.). O Homem e seus Símbolos. RJ: Nova Fronteira, agosto/1999.

LAGENSCHEIDTS TASCHEN-WÖRTERBUCH. Dicionário português/alemão.

Berlim: Alemanha, 1995.

LEITE, Dante Moreira. Psicologia e Literatura. SP: Hucitec, 1987.

MIRANDA, José Fernando. Estória Infantil em sala de aula. RS: Sulina, 1978.

PAVONI, Amarilis. Os Contos e os Mitos no Ensino – Uma abordagem jungiana. SP:

Ed. Pedagógica e Universitária Ltda, 1989.

PAZ, Octavio. O Aro e a Lira, RJ: Nova Fronteira, 1982.

SILVEIRA, Nise da. Jung, Vida e Obra. 16a edição revisada. Coleção Vida e Obra. RJ:

Paz e Terra, 1997.

SILVEIRA, Nise da. Imagens do Inconsciente. RJ: Alhambra, 1982.

SHARMAN-BURKE, Juliet e GREENE, Lis. O Tarô mitológico: uma nova

abordagem para a leitura do tarô. SP: Siciliano, 1988

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ANEXO - CONTO RAPUNZEL Rapunzel Era uma vez um casal que desejava ter um filho. Um dia, afinal a mulher

teve esperanças da que Deus ia satisfazer o seu desejo. Nos fundos de sua casa havia

uma janela da qual se avistava uma esplêndida horta, cheia de lindos legumes e ervas.

Era cercada por um grande muro e ninguém ousava transpô-lo, porque a horta pertencia

a uma feiticeira que tinha grande poder.

Uma tarde, a mulher estava à janela e reparou num canteiro, onde

estavam plantadas as mais belas beterrabas que já havia visto. Eram tão frescas e

apetitosas, que imediatamente desejou comê-las. Este desejo foi aumentando, dia a dia,

e, quando viu que não podia obtê-las, começou a definhar, ficando pálida e

enfraquecida.

O marido muito preocupado com a sua transformação, perguntou-lhe:

- Que é que você tem? Alguma coisa a aflige?

- Ah! Suspirou ela. Se eu não conseguir comer algumas daquelas

beterrabas que estão na horta, atrás de nossa casa, tenho certeza de que morrerei.

O homem que muito a amava, pensou: "Antes que minha esposa morra,

dar-lhe-ei algumas daquelas beterrabas custe o que custar".

Ao anoitecer, pulou o muro, agarrou umas beterrabas apressadamente e

levou-as à esposa. Ela fez logo uma salada e comeu-a vorazmente. Estava tão gostosa

que, no dia seguinte, desejou, mais do que nunca, comer outras beterrabas.

Sem perda de tempo, o marido ao escurecer, pulou novamente o muro e

apanhou umas beterrabas. Quando, porém, já ia voltar, parou horrorizado: a bruxa parou

a sua frente.

- Como ousou descer à minha horta e roubar minhas beterrabas? Você

pagará bem caro por esta ousadia! Disse a bruxa.

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- Deixe-me explicar-lhe, pediu ele. Não sou um ladrão vulgar, apenas

queria satisfazer o desejo de minha esposa. Ela estava tão ansiosa por provar suas

beterrabas que por certo morreria se não o fizesse.

A feiticeira, já menos irritada, retrucou:

- Se o caso é este, permito que leve quantas ela quiser, mas imponho

uma condição - você deverá entregar-me a criança que sua mulher vai ter. será bem

tratada e cuidarei dela como verdadeira mãe.

O homem, horrorizado, sem saber o que fazer, acabou concordando.

Quando nasceu o bebê, a bruxa apareceu, levou-o consigo e deu-lhe o nome de

Rapunzel.

Rapunzel transformou-se numa linda menina. Quando completou doze

anos, a feiticeira levou-a para uma torre na floresta, a qual não tinha escadas, nem

portas. Bem no alto havia uma janela. Quando ela desejava ver a menina, chegava

em baixo e gritava:

- Rapunzel! Rapunzel! Jogue sua trança.

Rapunzel tinha uma cabeleira muito longa e bela, cor de ouro. Quando

ouvia a voz da bruxa, atirava a trança pela abertura da janela. O cabelo caia até o

jardim e a bruxa subia por ele, como se fosse uma escada.

Dois anos depois, aconteceu que o filho do rei, passeando na floresta,

passou pela torre e ouviu uma canção muito melodiosa. Parou, então, para escutá-la

melhor. Era Rapunzel, que naquela solidão, passava o tempo exercitando sua bela

voz. O filho do rei ficou tão maravilhado que quis subir à torre, para ver quem

cantava assim, mas não encontrou porta, nem escada. Voltou para casa.

Entretanto, aquela voz tocara profundamente seu coração e diariamente

ele voltava à floresta para ouvi-la. Um dia, quando lá estava, atrás de uma árvore,

viu a bruxa aparecer e gritar:

- Rapunzel! Jogue seu cabelo.

Rapunzel jogou a trança e por ela subiu a bruxa.

"Se isto é a escada por onde se sobe", pensou o príncipe, eu também

tentarei minha sorte". No dia seguinte, ao escurecer, foi até a torre e

gritou:

- Rapunzel! Jogue o seu cabelo.

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Imediatamente a trança caiu e ele subiu. A princípio, Rapunzel

ficou horrivelmente assustada, mas o filho do rei falou-lhe como amigo. Contou-lhe

que seu coração tinha ficado tão excitado ao ouvir a sua voz, que ele não tivera mais

sossego e fora forçado a ir vê-la, Rapunzel, então, tranqüilizou-se.

Quando o rapaz lhe perguntou se o aceitava para esposo, ela,

vendo o quanto ele era belo e jovem, pensou: "Por certo há de amar-me mais do que

a velha feiticeira". Disse-lhe que sim, estendeu-lhe a mão e acrescentou:

- Não sei como descer daqui. Traga-me todos os dias, uma meada de seda e com ela

tecerei uma escada. Quando estiver pronta, descerei e você me levará em seu cavalo.

Combinaram que se veriam sempre ao escurecer.

A feiticeira nada sabia desta história, mas, um dia, Rapunzel lhe

disse:

- A senhora é mais pesada do que o filho do rei.

- Ah! Criança malvada! Gritou a bruxa. Pensei que tinha separado

você do resto do mundo e, quando acaba, você me enganou!

Possessa de raiva, agarrou a bela trança de Rapunzel, cortou-a e

pendurou-a na abertura da janela. Tirou a menina da torre e levou-a para o deserto,

onde a deixou só e infeliz.

Ao anoitecer, o príncipe veio à torre e gritou:

- Rapunzel! Jogue sua trança.

A bruxa jogou e o rapaz subiu mas que surpresa! Em vez da sua querida

Rapunzel, encontrou a feiticeira, que o recebeu às gargalhadas, dizendo:

- Não esperava encontrar-me aqui, não é? Fique sabendo que

nunca mais verá Rapunzel. Levei-a para um lugar onde ninguém a encontrará e de

onde jamais sairá.

O rapaz, desesperado, atirou-se torre abaixo. Não morreu, mas

caiu em cima de espinhos que lhe atingiram os olhos, cegando. Não pode mais achar

o caminho de casa e ficou vagando pela floresta, na maior miséria.

Andando, sem rumo, um dia chegou ao deserto. De longe ouviu

uma voz que lhe pareceu familiar. Era um canto triste, que lhe trazia certas

recordações. Aproximou-se e Rapunzel logo o reconheceu. Atirou-se ao seu

pescoço, chorando. Duas de suas lágrimas caíram nos olhos do príncipe, e

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imediatamente ele viu tudo claro, como antes. Foram juntos para o palácio, onde se

casaram e nunca mais se separaram.

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ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 02 AGRADECIMENTO 03 DEDICATÓRIA 04 RESUMO 05 SUMÁRIO 06 INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I 08

O VALOR TERAPÊUTICO DOS CONTOS DE FADAS 08

1.1 - A ESTRUTURA DO CONTO DE FADAS 11

1.2 - OS IRMÃOS GRIMM 15

CAPÍTULO II 18

A LINGUAGEM SIMBÓLICA DOS CONTOS DE FADAS 18

2.1 - DADOS BIOGRÁFICOS DE CARL G. JUNG 21

2.2 - TEORIA DE JUNG APLICADA AOS CONTOS 26

2.3 - SÍMBOLOS E ARQUÉTIPOS 29

CAPÍTULO III 37

OS CONTOS DE FADAS COMO FACILITADORES NA ARTETERAPIA 37

3.1 - RAPUNZEL E UMA DE SUAS ABORDAGENS NA ARTETERAPIA 41

3.2 - ANÁLISE DOS PRINCIPAIS SÍMBOLOS NO CONTO RAPUNZEL 42

CONCLUSÃO 45

BIBLIOGRAFIA 47

ANEXO - CONTO RAPUNZEL 48

ÍNDICE 52

FOLHA DE AVALIAÇÃO 53

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PROJETO A VEZ DO MESTRE

Pós-Graduação "Lato Sensu" Título da Monografia: "Contos de Fadas - Um facilitador do processo arteterapêutico". Autora: Valéria Pires Medeiros Data da entrega: 29 de setembro de 2003. Avaliado por: Conceito: Avaliado por: Conceito: Conceito Final: