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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA SAÚDE MENTAL E TERAPIA DE FAMÍLIA NA ABORDAGEM DE EMPOWERMENT Por: Clara Peçanha Pinheiro Orientador Profª. Fabiane Muniz Niterói 2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

SAÚDE MENTAL E TERAPIA DE FAMÍLIA NA ABORDAGEM DE

EMPOWERMENT

Por: Clara Peçanha Pinheiro

Orientador

Profª. Fabiane Muniz

Niterói

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

SAÚDE MENTAL E TERAPIA DE FAMÍLIA NA ABORDAGEM DE

EMPOWERMENT

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Terapia de Família.

Por: Clara Peçanha Pinheiro

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha mãe Gilda por estar presente em todos os momentos, com o seu jeito dócil e amoroso, que nem as agruras da vida conseguiram amargar. Agradeço ao pai Mário, pelo amparo que me deu durante todo este tempo, não titubiando de forma alguma em me ajudar, mesmo representando um sacrifício, sempre esteve presente me auxiliando no que eu precisasse. Quero que saiba que eu vejo tudo que fazes por mim e um dia espero poder agradecer à altura todo o apoio prestado por você e a mãe. Te adoro e te admiro pelo pai presente que é para Flávia, pois a maioria dos genitores de autistas, e de outras patologias, como bem sabemos fogem das atribuições que lhe são devidas e você faz o contrário, dá tudo de si para o bem-estar dela e mesmo assim não esquece de mim. Pai e mãe “coragem”, é isso que vocês são! Um exemplo!

A Flávia, minha irmã querida, que é a fonte inspiradora para a escolha deste tema. Te amo irmãzinha, espero um dia poder cooperar na tentativa de aliviar seu sofrimento com a minha especialização.

Ao vizinho atual Gilson, que porventura acompanhou os meus acessos de insegurança e aflição na feitura desta monografia sempre com um sorriso, me estimulando e abrandando a carga com o seu jeito leve e agradável.

As minhas queridas e amadas quase irmãs que conheci durante a minha graduação, em especial, a Mariana Moura, Sheila Laprovitera, Bruna Marques, que me acolheram em seus corações fazendo com que eu conhecesse o real sentido da amizade, aquela que nos momentos de alegria estiveram ali rindo e comemorando as passagens comigo e nos momentos de tristeza fazendo com que eu redescubra o que é sorrir, porque com vocês é impossível não fazê-lo. Vocês são as doidas da minha vida, se tivesse que escolher cada uma de vocês não o faria com tamanha perfeição, uma completa a outra e assim tinha de ser! Peço, por favor, que não se afastem nunca, pois são essenciais para mim!

A minha orientadora Fabiane Muniz pela compreensão e tolerância com os obstáculos que foram apresentados pelo cotidiano na finalização deste trabalho, que foi feito com o coração, pois representa a colaboração teórica da realidade empírica que se reflete na minha vida e na de outros familiares de portadores de transtornos mentais.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho primeiramente a minha irmã autista Flávia,

à mãe guerreira Gilda, ao pai fortalecido Mario e a todos

que me apoiaram, não me deixando desistir frente

aos inúmeros empecilhos para a conclusão

deste trabalho. Sem vocês não haveria

nem a idéia para a realização

do mesmo.

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RESUMO

Este trabalho se destina a debater sobre as principais características das ações de Saúde Mental no contexto de um Estado capitalista sob a ótica do neoliberalismo, contextualizando o movimento de Reforma Psiquiátrica no Brasil com os demais países, apontando as deficiências na realização de uma intervenção efetiva, em função da precariedade de serviços prestados pelo Estado. Dá destaque ao conceito de Terapia Familiar com a responsabilidade técnica do Assistente Social na relação doente mental/ família e doente mental/sociedade, considerando a abordagem de Empowerment. Palavras-chave: Saúde Mental; Terapia Familiar; Assistente Social; Empowerment.

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METODOLOGIA

Pesquisa bibliográfica realizada por meio de livros, artigos, projetos de lei e

políticas públicas propostas e / ou implementadas no Brasil. Material este

acerca das questões da Saúde Mental no Brasil, políticas públicas

relacionadas a ela, a posição do neoliberalismo e a abordagem terapêutica

pautada na proposta de Empowerment.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - A Reforma Psiquiátrica –

Uma elucidação acerca da história da luta social

antimanicomial 10

CAPÍTULO II - A relação doente mental / família 20

CAPÍTULO III – A desresponsabilização do Estado 29

CAPÍTULO IV – A proposta da terapia de família e as estratégias de Empowerment 38 CONCLUSÃO 50

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 52

WEBGRAFIA CONSULTADA 55

ÍNDICE 57

FOLHA DE AVALIAÇÃO

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INTRODUÇÃO

O Brasil vivenciou, durante um período de tempo demasiado, o

isolamento e os maus-tratos para com o usuário dos serviços de Saúde

Mental. O que ocasiona um número expressivo de pessoas que foram

separadas do convívio social e necessitam de um tratamento humanizado,

coletivo e terapêutico para a sua reintegração na sociedade. Percebe-se que a

família, juntamente com o portador de transtorno mental adoece, em função da

complexidade que envolve a descoberta da doença mental em seu meio, o

cotidiano conturbado e dificultado pela falta de condições no provimento de

cuidados de seu ente querido.

Algumas modificações e conquistas foram realizadas no que conserne a

maneira de operar os modelos assistenciais, o que faz com que se tenha

expectativa e esperança no propósito de que haja uma nova filosofia

assistencial, a que privilegie o cidadão, apoie os familiares e permita o estímulo

a organização de uma rede ampla e diversificada de recursos para essa

assistência. Assistência que assegure o bem estar global, estimule o exercício

pelo dos direitos de cidadania, civis e políticos.

O movimento da Reforma Psiquiátrica, em conjunto com os profissionais

de saúde comprometidos com a luta Antimanicomial, sobretudo os Assistentes

Sociais, se encontram presos pela armadilha do neoliberalismo, com a falta de

autonomia profissional que o modo capitalista impõe aos serviços de

atendimento, com a diminuição da oferta de atenção, reduzindos os direitos

sociais e fugindo da proposta da política de saúde construída na década de 80,

se encontrando a mercê dos interesses institucionais.

O presente estudo, feito por meio de pesquisa bibliográfica, incita a

reflexão sobre o

modo como se transcorre a Reforma Psiquiátrica sob a ótica neoliberal e quais

são as suas conseqüências no entorno dos sofrimentos psíquicos de todos os

membros que envolvem as famílias acometidas pela doença. Apresenta

estratégias de contenção da dor, opressão e discriminação deste Estado

capitalista completamente inserido no modelo neoliberal, por meio da

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recorrência a abordagem de Empowerment, utilizando como um de seus

instrumentos a Terapia de Família, aplicada pelo profissional de Serviço Social.

O primeiro capítulo aborda a trajetória histórica da Saúde Mental no

Brasil, fazendo um estudo comparativo com as reformas realizadas em outros

países, como Itália, França, que inspiraram o projeto da reforma brasileira na

sua essência. Apresenta uma pequena análise institucional da prática de

Saúde Mental envolvendo 23 estabelecimentos, procurando apontar questões

consideradas como as problemáticas frente a intervenção do Serviço Social.

Em seguida, assume como ponto prioritário de questionamento a

relação família/doente mental, buscando introduzir aspectos considerados

como eminentemente técnicos de Terapia de Família e que podem ser

assumidos pelo Serviço Social.

O capítulo III reflete sobre a desresponsabilização do Estado capitalista,

calcado numa ideologia neoliberal das ações de Saúde Mental, tudo

encaminhando na direção da perda de exercício de direitos da cidadania.

No quarto e último capítulo, aborda com maior especificidade, a lógica

do Empowerment relacionando-o às técnicas de terapia como um instrumento

que o Assistente Social pode e deve ter acesso no campo da Saúde Mental.

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CAPÍTULO I

A REFORMA PSIQUIÁTRICA – UMA ELUCIDAÇÃO

ACERCA DA HISTÓRIA DA LUTA SOCIAL

ANTIMANICOMIAL

Pretende-se neste capitulo mostrar as influências que as propostas dos

diversos movimentos sociais em países da Europa exerceram ou

contribuíram para embasar as propostas de superação do modelo brasileiro

no campo da Saúde Mental, ensejando ações direcionadas a uma Reforma

Psiquiátrica; aspirações dos movimentos de usuários, familiares e

trabalhadores na luta pela consolidação de um modelo novo, humanizado,

cujas ações legitimadoras resultaram num conjunto de diplomas legais, que

ordenam a Reforma Psiquiátrica brasileira, destacando-se a Lei 10.216, de

06 de abril de 2001.

1.1 A Reforma Psiquiátrica no Brasil

Na Europa, no fim dos anos 50 e no início dos 60 do Séc. XX, surge

uma proposta alternativa ao manicômio e o primeiro país que a implantou

foi a Inglaterra no governo do Partido Trabalhista em 1959. (BASAGLIA,

1983, p. 83)

A assistência médica foi estatizada e essa medicina estatizada envolveu

a psiquiatria na Inglaterra. Promoveu-se uma Reforma Sanitária, na qual o

manicômio deveria funcionar com características de hospital geral, do

mesmo modo que o hospital geral passaria a ser um hospital psiquiátrico

também. Verificou-se, nesse conceito assistencial, que a instituição podia

ser administrada sem o recurso da violência; poderia, portanto, ser mantida

sem opressão e sem revoltas. Revelou-se, também, que no interior dessas

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instituições psiquiátricas um paciente poderia ser terapeuta de outro

paciente, liberando os médicos. As organizações psiquiátricas podiam

passar do grupo dirigente à comunidade como um todo: com a participação

de todos na gestão da instituição, a denominada comunidade terapêutica.

(Ibid, p. 85)

Os hospitais ingleses abriram-se; a gestão torna-se diferente e muda a

disponibilidade do médico em relação à instituição. Esse novo modelo

aberto propiciou a diminuição da agressividade no âmbito da assistência e

revelou que o manicômio servia apenas para controlar a pessoa internada,

o caráter e a natureza política do manicômio.

Na França, aconteceu simultaneamente a mesma coisa, já com o

discurso mais politizado. O hospital Saint Alban foi aberto e a partir dessa

iniciativa outros mais foram criados, nascendo daí a psicoterapia

institucional.

Na Itália, um grupo de psiquiatras do manicômio de Gorizia em 1961

tenta humanizar essa instituição nos moldes do que estava sendo feito na

Inglaterra e França. Implantou-se a técnica da comunidade terapêutica,

aonde os pacientes podiam exprimir-se em assembléias diárias sob uma

nova relação médico-paciente, a exemplo da Comunidade Terapêutica

desenvolvida por Maxwell Jonas no Dingleton Hospital, na Escócia. Em

1971, Franco Basaglia, psiquiatra italiano que já trabalhara em Gorizia

assume com sua equipe o Hospital Pediátrico de Trieste. Desativa o

manicômio e inicia um processo de reinserção do internado em seu núcleo

social, já então contando com o apoio das forças populares, políticas e

culturais. Como proposta alternativa à destruição do manicômio de Trieste

foram implantados três centros de saúde mental no território, voltados para

atender aos interesses da comunidade.

A luta antimanicomial está no cerne da Reforma Psiquiátrica no Brasil e

sofreu importante influência do trabalho do psiquiatra italiano Franco

Basaglia: “[...] Basaglia conseguiu tirar a discussão sobre a loucura das

mãos dos psiquiatras para envolver psicólogos, assistentes sociais e

enfermeiros. Até então isso era inadimissível [...]”

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Amarante afirma que “As idéias, atitudes, das reformas psiquiátricas

européias e incorporadas com a bandeira antinstitucionalista chegam ao

Brasil com certo retardo” e encontram o país numa atmosfera de

impossibilidade do exercício da democracia. (AMARANTE apud SAMPAIO,

1997)

A sociedade enfrentou uma ditadura que perdurou por muitos anos e

que só se dissiparia em meado dos anos 80 do século XX. No entretanto,

em 1978 já se ensaiava o retorno à cena política dos movimentos sociais

nas principais capitais do país e dentre esse conjunto de movimentos

sociais é o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental que inicia o

processo de questionamento das políticas de assistências psiquiátricas

vigentes. (VASCONCELOS, 2000, p. 22)

No período de 1978-1982, acentuam-se na Sociedade Civil, as

mobilizações contra o modelo asilar e a mercantilização da loucura. Nesse

cenário, das articulações e congressos que já haviam criado o MTSM,

funda-se o Movimento de Renovação Médica, que ganha corpo com a visita

de lideranças mundiais do movimento da Psiquiatria Alternativa,

notadamente de Franco Basaglia. As palavras de ordem do Movimento nos

eventos foram de denúncias da desumanização dos hospitais psiquiátricos

públicos e privados, à indústria da loucura, reivindicações por melhores

condições de trabalho nos hospitais, expansão dos serviços ambulatoriais

em saúde mental.

Entre os anos de 1980-1987, assistiríamos à expansão e formalização

do Modelo Sanitarista (Ações Integradas de Saúde) e o SUS; à montagem

de equipes multiprofissionais e ambulatoriais de saúde mental, ao controle

e humanização do setor hospitalar, às políticas de co-gestão de hospitais

públicos entre o Ministério da Saúde e a Previdência.

No período de 1987-1992 ocorre o fechamento temporário do espaço

político para o interesse de mudanças exigidas pela sociedade e

promovidas pelo Estado. Contudo, mantém-se a luta política antimanicomial

e dá-se uma transição da estratégia política em direção a um modelo de

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desinstitucionalização psiquiátrica. É lançado em 1989, o Projeto de Lei

Paulo Delgado.

Entre 1992 e 1995 observamos o avanço e a afirmação da proposta de

desinstitucionalização psiquiátrica, a denominada “Desospitalização

Saneadora”, a implantação da Rede de Serviços de Atenção Psicossocial e

a emergência das Associações de Usuários e Familiares.

(VASCONCELOS, 2000, p.27-30)

Em 1994, a partir da implantação das políticas de governos neoliberais

até 2002 observamos limites e entraves à expansão da reforma psiquiátrica

no Plano Federal e uma lenta consolidação e difusão dos serviços de

atenção psicossocial no plano municipal.

No período de 2002 a 2011, o que se pode observar na esfera do

legislativo, é que ao mesmo tempo em que se apresenta importante

representação de bancada parlamentar compromissada com a reforma

psiquiátrica, há uma forte reação da bancada também compromissada com

o modelo privado mercantil da doença mental.

Na esfera do judiciário, se processa um certo empenho, através de uma

busca de questionamentos e atualizações dos códigos, dos procedimentos

processuais e institucionais visando os estatutos de incapacidade civil,

imputabilidade, na busca de comprometimento dos órgãos de defesa dos

interesses do cidadão e do estado com as causas da reforma e na defesa

dos direitos dos usuários e familiares no plano da saúde mental.

Na esfera do executivo, pela ocupação de postos importantes por

profissionais e servidores comprometidos com a reforma; na ocupação dos

conselhos nacionais, estaduais, municipais, distritais e locais de assistência

social, de saúde e de reforma psiquiátrica, por militantes e ativistas da luta

antimanicomial.

Na sociedade civil, entidades corporativas nas áreas de saúde mental e

social, nos partidos políticos, nas ONGS, cooperativas de trabalho,

movimentos sociais em geral, sindicatos, organizações culturais, etc.

desenvolvem-se atitudes acolhedoras e não discriminatórias para com as

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pessoas “diferentes”; que buscam ser solidárias na criação de cuidados em

relação àquelas com algum nível de dependência.

1.2 A ratificação da proposta da política

antimanicomial: A Lei Paulo Delgado

A Lei Federal de 10.216, sancionada em 2001, é resultado de longo

processo dos movimentos sociais no Brasil, iniciado ainda na década de

70, que propugnavam por um novo modelo assistencial na área de saúde

mental no país, em substituição ao modelo asilar, manicomial, vigente,

denunciado como excludente, estigmatizante e brutal.

Ao lado de um ordenamento correlato com a Lei 9.867, que dispõe

sobre a criação e o funcionamento de Cooperativas Sociais e da Portaria

do Ministério da Saúde nº 106, de 11 de fevereiro de 2000, que introduz os

Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental (SRT’s), a Lei Paulo

Delgado concretiza as diretrizes de superação do modelo de atenção

centrado no hospital psiquiátrico. (VITAL, 2007)

A Lei Paulo Delgado, “redireciona a assistência em saúde mental, dando

prioridade ao tratamento em serviços de atenção psicossocial, defendendo

a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais”. Determina

“que os pacientes há longo tempo internados em hospital psiquiátrico, com

uma situação de grande dependência institucional, sejam objeto de política

específica”. Tem a lei por finalidade “a inclusão social desses pacientes e a

mudança do modelo assistencial em saúde mental, com ampliação do

atendimento extra hospitalar”. (Ibid., p. 29, 31)

O Programa “De Volta Para Casa”, instituído pela Lei 10.708, de 31 de

julho de 2003 vem respaldar as determinações contidas na Lei Paulo

Delgado. Diz a Lei nº 10.708:

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“Art. 1º - Fica instituído o auxílio reabilitação psicossocial para assistência, acompanhamento e integração social fora da unidade hospitalar de pacientes acometidos de transtornos mentais internados em hospitais ou unidades psiquiátricas, nos termos desta Lei;

Parágrafo único – O auxílio é parte integrante de ressocialização de pacientes internados em hospitais ou unidades psiquiátricas, denominado “De Volta Para Casa”, sob coordenação do Ministério da Saúde.”(BRASIL apud Vital, 2007, p.32)

Os programas e benefícios supracitados fazem parte do processo de

Reforma Psiquiátrica: visam o resgate da cidadania, a redução dos leitos

psiquiátricos, qualificar, expandir e fortalecer a rede extra hospitalar como o “

os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais

Terapêuticos (SRT’s), Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais (UPHG)”, e

incluir as ações da saúde mental na atenção básica de saúde da família.

1.3 Análise institucional do Serviço Social em Saúde

Mental

É importante afirmar que esta breve análise foi formulada no que

conserne a apreciação da prática do Serviço Social nos estabelecimentos, com

insertação das problemáticas de intervenção do profissional no âmbito

institucional. A abordagem utilizada foi feita com base em estudos feitos por

meio de coleta de dados inserido no livro Serviço Social e Saúde Mental: Uma

análise institucional da prática de José Augusto Bisneto (2007).

A prática do Serviço Social foi pesquisada em 23 estabelecimentos no

Rio de Janeiro. Eles ora possuem serviços psiquiátricos tradicionais, tais como

enfermarias para internação ou ambulatórios clínicos, ora serviços alternativos

à internação, tais como oficinas assistidas, centros de atenção psicossocial,

clubes de lazer ou lares abrigados. Alguns tem ambos os serviços, que

podemos chamar de serviços mistos. Dividindo-se em estabelecimentos

públicos, privados e sem fins lucrativos.

Todos os estabelecimentos pesquisados possuem atendimento

multiprofissional, uma vez que a investigação se deu entorno da atuação de

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Serviço Social. A inserção de assistentes sociais como Trabalhadores de

Saúde Mental em tais estabelecimentos, em grande parte, se deu em

decorrência dos convênios com o SUS, fruto de portarias ministeriais que

estabelecem o atendimento em equipes multidisciplinares (BISNETO, 2007,

pg. 118-120).

A caracterização dos usuários desses estabelecimentos psiquiátricos

que podem trazer implicações para a prática do Serviço Social são as

seguintes:

Renda: O perfil dos usuários do Serviço Social nos estabelecimentos

supramencionados tem como fator mais significativo a origem de classe social.

Há uma predominância muito expressiva de pessoas de baixa renda e que não

possui bem algum. Existem também o que chamamos de desfiliados, pessoas

internadas há muitos anos ou moradores de rua que já perderam os laços

parentais. Isso decorre do fato de o Serviço Social estar conveniado ao

sistema de Seguridade Social, que une Previdência, Saúde e Assistência

Social atendendo a população mais carente que usufrui diretamente da

seguridade pública. Isto é, quando elas conseguem ser inseridas nestas

instituições.

Escolaridade: Varia do analfabetismo à universidade, mas com a

preponderância da deficiência típica dos extratos pobres. Em uma das

instituições há um programa de ensino especial para crianças psicóticas e

autistas com a participação do Serviço Social.

Gênero: A maioria dos serviços atendem homens e mulheres, sem que se

criem especificidades para análises. Existindo alguns estabelecimentos

voltados para um dos sexos. Dentro dos esbelecimentos mistos possuem

programas dirigidos ao público feminino ou ao masculino, com grupos de

reflexão para mulher, por exemplo.

Idade: Existem programas de atendimentos tanto para crianças como para

adultos, até idosos. Mas a predominância de atendimentos é voltada para os

adultos.

Bairro de moradia: Os usuários nem sempre moram próximo aos locais de

atendimento, aliás quase sempre não moram, apesar de haver a

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implementação na cidade do Rio de Janeiro de Centros de Atenção

Psicossocial (CAPS), que restrigem quase sempre seus atendimentos à

população que mora nos arredores, não aceitando usuários de municípios

vizinhos que não foram beneficiados com os CAPS, pois não possuem infra-

estrutura adequada para aceitação da população local e também das

imediações. Uma das poucas ações para contornar as dificuldades de

transporte dos usuários até os centros de atendimento foi a obtenção de

passes livres em ônibus, uma das reivindicações do movimento de usuários de

Saúde Mental.

Diagnóstico: Variado; predominando as psicoses e grande número de

dependentes de drogas lícitas ou ilícitas. Possuindo atendimento do Serviço

Social para os dependentes químicos. Em geral, o Serviço Social inserido nos

programas oferecidos pelos estabelecimentos trabalham com pacientes de

diagnósticos variados.

Estado Civil: Bem heterogêneo; não existem programas especiais para

segmentos particulares.

Etnia: Diversificada, seguindo os padrões locais, não possuindo programas

dirigidos a grupos étnicos e raciais.

As diferenças de etnia, gênero, etc., da classe dos usuários apontadas

acima, não criaram tipificações para um estudo da prática do Serviço Social no

sentido de analisar as contradições sociais e autonomia profissional em

estabelecimentos psiquiátricos. A categoria que influencia essa análise é a da

classe empobrecida. Um exemplo é o Rio de Janeiro, que mesmo recebendo

emigrantes de todo o Brasil, não ofere oferta de serviços diferenciados para os

mesmos. Com relação ao tempo de internação dos usuários, o Serviço Social

atende a todos, havendo inclusive programas especiais para o retorno ao lar

destes pacientes internados há muito tempo, mas não insere contradições

particulares à prática do assistente social. Uma observação relevante é a das

religiões dos usuários que são variadas, mas não existem práticas profissionais

específicas em Serviço Social e Saúde Mental para serem analisadas.

O assistente social, além de tentar compreender a lógica da assistência

social, precisa entender a lógica que reveste a racionalidade de funcionamento

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dos estabelecimentos de Saúde Mental e a lógica da instituição psiquiátrica (a

institucionalização histórica e social da psiquiatria). Infelizmente as duas

últimas são assuntos que dificilmente são ensinados na sua formação

profissional, no entanto são demandados na sua atuação em Saúde Mental

como agente subordinado ao saber e poder psiquiátricos

Bisneto (2007, p. 134) coloca que um dos dilemas da atuação em Saúde

Mental é que a profissão do Serviço Social enquanto instituição, que tenta se

apropriar de suas práticas, objetos, produtos, etc, mas as relações sociais

neste âmbito são até hoje muito mais incorporados pela psiquiatria e por outros

campos do mundo “psi”, tornando as condições do profissional de Serviço

Social muito difíceis. O produto da prática do Serviço Social é apropriado pelo

estabelecimento assim como o objeto institucional o é pela psiquiatria.

Um hospital psiquiátrico espírita, de propriedade de uma entidade

religiosa, paga salários bem mais altos para funcionários ligados à entidade

espírita e que fazem militância kardecista. Neste estabelecimento, o

depoimento das assistentes sociais, por um lado, não denotou prejuízos em

relação às assistências (psiquiátrica, psicológica e social), mas revelou

grandes insatisfações no nível da autonomia e realização pessoal e

profissional, pois neste estabelecimento não há muita possibilidade de

ascensão profissional e social se não fizerem alianças nas suas vidas pessoais

com a religião dos donos

Uma clínica psiquiátrica de propriedade de uma irmandade católica não

tem fins lucrativos, porém visa obter um excedente de receita que financie sua

missão religiosa no Brasil e até envie dinheiro para o exterior para ajudar a

custear a sede da instituição missionária. As práticas psiquiátricas e a

assistência social estão condicionadas ao imperativo de reduzir custos, mesmo

com prejuízos na eficácia e qualidade dos serviços, pois a determinação de

obter um superávit é primordial para a boa eficiência da catequese, a outra

atividade adicional da ordem religiosa proprietária deste estabelecimento

psiquiátrico.

“O Serviço Social é chamado a intervir na totalidade social da

problemática do usuário de serviços psiquiátricos, mas nessa totalidade pode

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estar incluída a alienação produzida pela própria psiquiatria” (BISNETO, 2007,

p. 158).

A prática do Serviço Social fica dividida pela ambigüidade de atender ao

objeto institucional “saúde mental” em uma perspectiva contextualizada do

processo saúde e doença, com visão de complexidade, ou atender a objetos

institucionais implícitos por detrás da demanda aparente de saúde mental

No Brasil, vimos assistindo nos anos 90 a um processo efetivo de

criação de serviços psiquiátricos substitutivos, principalmente de centros e

núcleos de atenção psicossocial, em paralelo a um processo que é chamado

de “desospitalização saneadora”, de fechamentos de leitos e instituições

hospitalares sem as mínimas condições básicas de hotelaria e de cuidados

médicos e de enfermagem, muito menos de uma intervenção efetiva do

profissional de Serviço Social (VASCONCELOS apud VASCONCELOS, 2000).

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CAPÍTULO II

A RELAÇÃO DOENTE MENTAL / FAMÍLIA

Na realidade brasileira, nos deparamos com a falta de interesse em

produções científicas que contestem e abordem a política de saúde no que

tange a saúde mental e a reforma psiquiátrica em andamento. Fato este que

faz com que o Estado se desinteresse pelo assunto, provocando uma

realidade muito difícil na vida dos usuários dos serviços de saúde mental e

familiares. Os mesmos se encontram desassistidos, sem as necessidades

básicas supridas, pois suas condições econômicas e sociais não lhes

possibilita adequadas condições de cuidado. Permitindo com que os vínculos

familiares fiquem cada vez mais fragilizados. Percebendo-se assim, que a

doença mental afeta a vida familiar, o clima emocional tencionando, as

ansiedades, os encargos que recaem sobre a família, com efeitos danosos

sobre o seu funcionamento... Enfim, a dinâmica familiar é totalmente alterada

(SILVA b E WITIUK, 2003).

Com base nesses conceitos, foi possível traçar temas pouco abordados

em produções científicas e de grande importância para a compreensão e

reflexão da dinâmica familiar do portador de transtorno mental, possibilitando

uma intervenção do Assistente Social, Terapeutas de Família e demais

trabalhadores no âmbito da saúde mental na tentativa de amenizar as agruras

do cotidiano destes familiares.

2.1 “Psicopatologia” familiar: A doença mental atingindo toda

família

Antes de abordar a situação da psique dos componentes familiares do

portador de transtorno mental, é preciso compreender a origem da

nomenclatura psicopatologia. Segundo Osorio e Valle (2002, p. 75),

evidenciou-se uma grande preocupação dos autores em sistematizar o que

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seria a “psicopatologia do grupo familiar”, desde os primórdios da terapia

familiar. Os esforços, contudo, acabaram por redundar em equívocas

extrapolações da psicopatologia individual, principalmente por parte de autores

da teoria psicanalítica habituados à terminologia buscada para identificar as

perturbações mentais interpretadas como processos intrapsíquicos.

Exemplo claro disso foi o de Richter, psicanalista alemão, que escreveu

o livro A família como paciente, em 1970, articulando à teoria psicanalista com

os aportes que emergem da teoria sistêmica, destacando a família como

portadora de distúrbios neuróticos similares aos expostos nos indivíduos. Ele

descorre sobre as neuroses de caráter familiar metaforicamente reconhecidas

pelas palavras-chave “sanitário” (famíla com neurose de ansiedade), “fortaleza”

(famíla paranóide) e “teatro” (família histérica). (OSORIO E VALLE, 2002, p.

75)

Autores como esse, estão extremamente preocupados com a

necessidade de sistematizar os achados clínicos e confia em categorias

diagnósticas referenciando as pesquisas no campo atual da terapia familiar. Já

os autores da linha sistêmica, diante desta constatação, lamentam que a

rotulagem diagnóstica tenha a tendência a estigmatizar o paciente identificado

ou usuário, exacerbando, assim, os próprios problemas que a terapia pretende

tentar resolver.

Como se pretende somente identificar a extensão e profundidade do

sofrimentos do sistema familiar em que é preciso intervir para que reduza a

gravidade e as problemáticas que envolvem o provimento dos cuidados destes

familiares, considera-se não como símiles psicopatológicos da nosografia

individual, mas uma dimensão que permita sua abordagem contextualizada na

dinâmica interacional intra-sistêmica. Por isso, é mais adequado falar de

disfunsões familiares, o que possibilita que o campo dinâmico das funções se

alterem sem que seja identificado o comprometimento das estruturas

subjacentes e assinala para a possibilidade da reversão. Enquanto não for

possível categorizar os fenômenos clínicos que ocorrem no sistema familiar

satisfatoriamente para permitir sua quantificação e qualificação estatística para

fins de pesquisa, é factível apenas descrevê-los sob a ótica do grau de

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sofrimento que ocasionam no campo relacional da família e através das

evidências das manifestações na retroalimentação desse sofrimento. (Ibid.,

p.76)

Melman (2008, p.48) relata que a psiquiatria moralizante persistia, no

que diz respeito às relações entre a famíla e o doente mental, na necessidade

de separar o paciente do ambiente familiar, propondo o mínimo de contato

possível entre o paciente com seu grupo parental. Entre as justificativas para

este procedimento, assegurava-se de um lado, a necessidade de “proteger” a

família da loucura. Se tratava de prevenir as influências negativas com que os

doentes mentais, que simbolizam a desordem moral e a indisciplina, podendo

contaminar os demais membros, principalmente os mais vulneráveis, como os

adolescentes, as crianças e as mulheres jovens.

Birman apud Melman (2008., p.49) afirma que o isolamento era preciso

porque a família, por outro lado, era a propiciadora do adoecimento mental.

Sustentando a hipótese sobre a influência negativa das relações familiares no

desencademento e evolução dos transtornos mentais, Esquirol, um psiquiatra

renomado dos primórdios da psiquiatria, narrou um número expressivo de

casos de pacientes que se mantinham clinicamente bem quando internados,

bastando o retorno ao núcleo familiar para que o quadro se agravasse. A

família então seria, dependendo do seu funcionamento interno, “uma fonte de

desequilíbrios, conduzindo à perda da razão”.

É necessário que a família seja vista não apenas como um “lugar” como

outro qualquer, um recurso. É uma evidência que é um espaço de afeto e

relações personalizadas significativas, mas não é vivenciada sempre como um

afeto positivo tanto pelo portador de transtorno mental como pela própria

família. O cuidado da família não envolve somente amor, mas sim condições

materiais concretas para o provimento do doente mental.

[...] a família do portador de transtorno mental nasceu da constatação pela observação de que a mesma era “estigmatizada”, por atores de diversas instituições de atendimento, ouvíamos afirmações como “eles não querem nem saber do doente, são uns folgados, um tipo de gente que não tem amor nem mesmo pelos seus familiares, abandonam o doente e não querem saber de nada” . Ao mesmo tempo no

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cotidiano, no atendimento individual ou grupal aos familiares, nos deparávamos com uma família fragilizada, debilitada, sobrecarregada e sem alternativas ou recursos de apoio para questões que se apresentavam no seu dia a dia marcado pela doença. (SILVA b E WITIUK, 2003, p.02)

Para ilustrar a condição do estado emocional do grupo familiar de um

portador de sofrimento psíquico foram escolhidas duas síndromes: O Autismo

e a Esquizofrenia.

De acordo com Morgan apud Bosa e Schmidth (2003), os

relacionamentos entre diferentes componentes da família se caracterizam por

interações recíprocas e bidirecionais. Os modelos de influência dentro de um

conjunto ocorre de maneira circular estabelecendo uma relação de mútua

interdependência de seus membros. Desta maneira, as condições presentes

de um dos componentes, como o estresse tende a repercutir nos demais

integrantes deste grupo, provocando um estresse familiar, por exemplo.

Considerando a reciprocidade entre seus integrantes, leva-se em conta que os

padrões de interação dos pais com o filho atingem ao mesmo tempo em que

são afetados pela relação do filho com estes pais.

Considerando o estresse como um dos desafios, Minuchin (apud Bosa e

Schmidth, 2003, p.7) expressa que o sistema familiar do autista se confronta

com quatro principais fontes de estresse: “1) contato estressantes de um

membro com forças extrafamiliares; 2) contato estressante de toda a família

com forças extrafamiliares; 3) estresse em pontos de transição na família; e 4)

estresse em torno de problemas idiossincráticos.”

O primeiro fator de estresse trata-se do contato estressante de um dos

membros com forças extrafamiliares, como por exemplo, a perda de um

emprego, exigindo o ajustamento de todos os membros familiares às novas

circunstâncias envolvidos por um membro. O segundo fator de estresse

envolve toda família com forças extrafamiliares, como por exemplo, uma

mudança de cidade. Exigindo uma necessidade de ajuste às novas

circunstâncias enfrentadas por todos os integrantes. O terceiro fator se dá por

mudanças inerentes ao ciclo de desenvolvimento familiar como por exemplo o

nascimento de outro integrante ou crescimento de um deles envolvidos, como

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o autista. Por fim, o estresse por meio de problemas idiossincráticos refere-se

à dificuldades que surgem em detrimento do tempo. Por exemplo, a família que

se encontra adaptada às demandas da doença crônica e um dos seus

membros modifica o quadro. À medida que a criança se desenvolve, novos

problemas surgem, necessitando novos ajustes. Através disso, pode-se dizer

que a “adaptação” familiar não progride e nem segue um sentido linear, ocorre

ao contrário, em “picos”

O papel ativo da familía é fundamental no tratamento, reabilitação e

reinserção social do que sofre de esquizofrenia. Muitas famílias buscam o

apoio junto aos profissionais de saúde, permitindo assim que estes enfrentem

as circuntâncias procurando a superação e sobrevivam às dificuldades que

encontram, no entanto, existem também aquelas que não o fazem, levando ao

seu adoecimento, ou seja, não sabem lidar com as crises, conduzindo à sua

destruição ou desestruturação (Alencastre e Moreno apud WIKIPEDIA, 2011).

Os problemas que geralmente ocorrem na família do esquizofrénico são os seguintes:

• MedoE "Ele poderá fazer mal a si ou às outras pessoas?"

• Negação da gravidadeE "Isso daqui a pouco passa", "Você não é como esse cara da televisão"

• Incapacidade de falar ou pensar em outra coisa que não seja a doençaE "Toda a nossa vida gira em torno do nosso filho doente"

• Isolamento socialE "As pessoas até nos procuram, mas não temos como fazer os programas que nos propõem"

• Constante busca de explicaçõesE "Ele está assim por algo que fizemos?"

• DepressãoE "Não consigo falar da doença do meu filho sem chorar". (WIKIPEDIA, 2011)

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2.2 A negação do trauma existente

É muito comum que as famílias ou até o usuário neguem seus traumas

ou até não tenham consciência de possuí-los. E quanto mais graves os

mesmos, mais são negados e camuflados. Diante da negação de um ou vários

traumas, tanto os que porventura possam ter desencadeado a doença, como a

falta de adaptação a vida nova, pode haver uma espécie de fuga neste

relacionamento ou sentimento pela pessoa portadora de transtorno mental,

que mais parece a “tábua de salvação”. (OLIVIER, 2008, p.15)

É comum que o indivíduo sempre que se depare com o trauma principal

ou pela decepção que possa ter tido pela constatação da problemática, agarre-

se a algo ou alguém que seja a “válvula de escape”. Porém, isso é muito

perigoso e nada benéfico, já que, a qualquer momento, o “objeto de adoração”

pode fugir do alcance e, assim, o traumatizado fica literalmente no chão. A

partir daí, a situação se agrava. Segundo a autora Lou de Olivier (Ibid., p.16),

houve o acompanhamento de diversos casos que se propagam da mesma

forma: Iniciando com um determinado trauma, não detectado, nem tratado, e

na sequência, desenvolvendo outros distúbios, como a bipolaridade e o TOC,

que são os mais comuns.

É preciso que os familiares ou o futuro usuário, tenham consciência do

problema e procure um auxílio terapêutico. A família precisa ter muito tato para

conseguir encaminhar o paciente a um terapeuta sem deixar isso claro.

Não se pode dizer, sob qualquer hipótese, por mais que o desequilíbrio esteja

aparente, ao acometido pela doença que ele precisa de ajuda ou de terapia ou

que é traumatizado. Pois além de não surtir efeito favorável, ou seja, além de

não convencê-lo da doença, ainda o torna rude e às vezes revoltado. A

solução é conversar (quando a doença não o impede de tal comunicação), é

preciso demonstrar interesse em saber sempre como ele se sente, fazer com

que ele pense sobre a situação, como ele se enxerga e, aos poucos ir

encaminhando para uma ajuda especializada e terapêutica. Mas nunca

dizendo claramente, só conduzindo para que o próprio usuário se conscientize

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da necessidade de ajuda profissional. Assim também deve ser feito com as

famílias que negam o trauma.

As famílias também precisam passar por um processo de recuperação.

É necessário que, nos esforços para dar assistência ao indivíduo com

transtorno mental e suas famílias, reconheçam que, assim como o portador de

sofrimento psíquico, as famílias passam pelo processo de recuperação. Esse

conceito identifica quatro estágios na recuperação de uma família com grave e

persistente doença mental: “descoberta/negação, reconhecimento/aceitação,

enfrentamento/competência e engajamento/proteção”. (HIRDES E

KANTORSKI, 2005, p.163)

A resiliência familiar vem traduzir o que o processo terapêutico

proporciona. O conceito de resiliência familiar é compreendido como a

capacidade de conquistar as mudanças e crescer em busca da superação das

adversidades provocadas por uma séria desordem psiquiátrica de um de seus

membros. Nesta perspectiva, o estresse e todos estes sentimentos que

envolvem readaptações constantes no cotidiano do esquizofrênico e outras

desordens mentais não representa que necessariamente crianças tenham

passado por experiências traumáticas com suas famílias, assim como um

número expressivo de pessoas sem doenças mentais graves tem esse tipo de

trauma. Mas não dá para negar que muitos indivíduos com doenças mentais

sérias convivem com circunstâncias familiares adversas quando adultos.

Existem evidências do desenvolver da resiliência em muitas famílias, a

despeito dos encargos subjetivos e objetivos em função do transtorno mental.

O mais importante nesse com conceito é a demonstração de que os

componentes familiares podem realmente resolver alguns problemas, intervir

nas crises e proporcionar a recuperação de seu ente querido. Não é fácil, mas

é possível em determinados casos. Em outros, tidos como gravíssimos, é

possível chegar ao menos a redução da freqüência e a duração das recaídas

psicóticas. (Ibid., p.164)

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2.3 Atendendo as famílias sem a “camisa de força” de técnicas

de uma metodologia funcional

Teorias surgem através de hipóteses, a partir da observação de fatos

reais. Ou seja, da prática. Depois de elaboradas, essas teorias possibilitam

subsídeos para uma melhor e mais aprofundada observação dos fatos.

Portanto, teoria e prática não se dissociam no campo epistemológico. Porém,

há diferenças significativas na forma como essa interação ocorre, sobretudo,

nos resultados que venha a apresentar. É possível afirmar, desde os

primórdios do pensamento humano que não existe criação pura: praticamente

ela toda está alicerçada em um conhecimento prévio. Assim, pode-se concluir

que toda práxis tem a influência de teorias prévias. (OSORIO E VALLE , 2002,

p. 151)

Urge a necessidade da consolidação de teorias já existentes ou a

criação de novas, por meio de pesquisa científica, relacionadas à observação e

análise da realidade dos fatos sobre a saúde mental.

Osorio e Valle (2002, p.152), afirmam que Freud, como uma das

mentes mais criativas de nossa história, descobriu o inconsciente dinâmico, e

na sequência de tal descoberta, criou um sistema referencial para a

abordagem psicoterápica dos conflitos humanos. “A teoria compreensiva dos

processos mentais, por ele criada, sustentou a práxis da técnica psicanalítica

no âmbito da relação dual paciente/analista.” Foi da observação do processo

mental nos pacientes, permitindo a auto-análise, que Freud estabeleceu

hipóteses, através dessas hipóteses a teoria da técnica psicanalítica, que com

a rica colaboração de seus discípulos foi possível estruturar um corpo de um

método psicoterápico no contexto do campo bipessoal. Muitos psicanalistas

extrapolaram esse método para a “grupanálise”.

Bertalanffy expressa que um grupo não pode ser compreendido com a

soma de suas partes e os resultados da análise do sistema não podem ser

aplicados ao grupo como um todo. A grupanálise desconsidera, de certa forma,

o fato de “grupo” e “indivíduos componentes” serem dois tipos com lógicas

distintas. (BERTALANFFY, 1968)

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Na década de 60, foi introduzido em nosso país o método terapêutico do

Psicodrama, criado por Jacob Levy Moreno, italiano, aluno de Freud. O

Psicodrama trata-se de um jogo dramático que tem como objetivo proporcionar

um vínculo terapêutico com o conflito. A cena do drama que representa o

conflito; sem conflito não há drama e sem o mesmo a cena não tem sentido, se

torna vazia, segundo o teatro. O psicodrama “propicia ao indivíduo expressar

livremente as criações do seu mundo interno, realizando-as na forma de

representação de um papel, pela produção mental de uma fantasia ou por uma

determinada atividade corporal”. (MELLO, 2009)

O Psicodrama pode ser com “Egos auxiliares” ou individual e ele nasceu

com uma intenção investigatória. O seu potencial terapêutico foi expandido no

atendimento a casais e famílias.

Com o advento das teorias sistêmicas e da interação humana, surgiu a

Terapia de Famílias e ela se desenvolveu adquirindo certa hegemonia no

campo das outras psicoterapias.

Winnicott apud Osorio e Valle (2002), esclarece que a técnica não pode

se sobrepor a quem a emprega; ela é simplesmente um instrumento, e só em

mãos habilidosas alcança a versatilidade que a torna útil.

Compreende-se que a criação de uma atmosfera terapêutica

acompanhada pela empatia com os familiares que procuram um tratamento

em família e o verdadeiro desejo de ajudar seus membros a ultrapassarem os

impasses e situações de conflito, propiciando uma interação adequada para

que encontrem, a partir de suas potencialidades, retomem os projetos de vida

desta família obstaculizados pelo sofrimento que os atingem, possibilitando o

equilíbrio.

É preciso estabelecer a aceitação das pessoas com suas singularidades

e o respeito às diferenças. Este é o princípio do Assistente Social

comprometido com a Terapia de Família e os demais profissionais do âmbito

da saúde mental comprometidos com a luta social Antimanicomial. A posição

muitas vezes reducionistas das teorias que embasam os comportamentos

técnicos vigentes se contrapõem ao alicerce do bem-estar psíquico e a

qualidade da vida familiar desejada.

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CAPÍTULO III

A DESRESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO

A política neoliberal resulta na contenção de despesas, com a

precariedade da oferta e a ausência de responsabilidade do poder central. O

Estado garante pouco ou quase nada aos que tem recursos escassos,

enquanto privilegiam os cidadãos com poder aquisitivo maior. Nessa

conjuntura, os portadores de transtornos mentais são os que mais se

ressentem, com a frieza de uma visão capitalista estão fadados ao desamparo

social e de benefícios para o seu bem estar físico, mental e social

A situações dos familiares dos portadores de doença mental é bastante

delicada, muitos não tem condições financeiras e meios de oferecer o mínimo

de dignidade aos seus entes e ainda assim são culpabilizados pela sociedade

e muitas vezes pelos próprios profissionais de saúde, tornando-se excluídos de

seus mais elementares direitos de cidadania.

3.1 Sociedade capitalista e saúde mental no Brasil

Recém-saída de um longo período de excessão, a ditadura que ocupou

o poder de 1964 até meado da década de 80 do século passado, a sociedade

brasileira, com a Constituição de 1988 consolida conquistas, amplia direitos

sociais, estabelece a cobertura universal na saúde como direito de todos,

reafirma o modelo não-mercantil, a gestão pública e o financiamento através

das contribuições sociais, no caso da previdência social. Introduz o direito à

assistência social para aqueles que dela necessitam, reafirma a importância

das ações dos governos e da sociedade civil. Ao mesmo tempo, os governos

que se seguiam, antes e após a Constituição de 88, não conseguiam

estabilizar a economia sob constantes crises, promoveram várias reformas e

ajustes:

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8 planos de estabilidade econômica, 4 diferentes moedas, 11 índices distintos para cálculo da inflação, 5 congelamentos de preços e salário, 14 políticas salariais, 18 mudanças nas regras de câmbio, 54 mudanças nas regras de controle de preços, 21 propostas de negociação da dívida externa e 19 decretos governamentais de austeridade fiscal. (COHN In. LAURELL, 1995)

No início da década de 90, sob pressão de organismos internacionais

credores – Banco Mundial e FMI, são aplicadas no Brasil medidas econômicas

propostas pelo ideário neoliberal do chamado Consenso de Washington:

Redução da intervenção do Estado na economia pelas privatizações, fim do

déficit público, abertura da economia para o mercado internacional, reforma

monetária fiscal e desregulamentação da economia. (SILVA a, 2004)

Segundo Sartor (Et. al, 2002) Na esfera social, as medidas de ajuste da

economia brasileira exigidas pela globalização capitalista trouxeram para a

sociedade brasileira um alto custo, aumento da informalidade no trabalho, sem

contratos de trabalho com carteira assinada e sem a cobertura do seguro

social, conseqüência da chamada desregulamentação trabalhista; adequação

forçada pela adoção no mundo da produção global do modelo de acumulação

flexível, baseado no método toyotista japonês em substituição ao fordista.

Harvey (1994) explica que o processo de trabalho o que distingue toyotismo é

a desespecialização dos trabalhadores profissionais e invés de dispersá-los,

torná-los especialistas multifuncionais.

A luta entre o capital e o trabalho no contexto de um “estado mínimo”

passa a desenvolver-se a partir de onde se fará a despesa governamental e

em tempos de escassez de recursos, a política social é apontada como

geradora de desequilíbrios, como algo que deveria ser acessado via mercado e

não como direito social. (BHERING, 1998).

No processo de aplicação das medidas neoliberais o Brasil pode ser

considerado um trágico exemplo com os ajustes operados no país que

envolvem cortes nos gastos sociais e significativas ações de socorro do Estado

ao capital privado. (Op.cit, p. 122)

No âmbito da Saúde Mental no Brasil, o Movimento da Reforma

Psiquiátrica possibilitou avanços institucionais com a Lei Paulo Delgado e

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legislação correlata, que propõe e institui o modelo assistencial em saúde

mental, edifica o novo estatuto social sobre o louco, o de cidadão como todos

os outros. (VITAL, 2007)

3.2 A posição do neoliberalismo

As transformações ocorridas na economia mundial – na organização da

produção, no gerenciamento da indústria, nas relações contratuais de trabalho,

tem como fundamento a reestruturação produtiva segundo o modelo toyotista

de acumulação flexível. (HARVEY, 1994)

As economias de escala baseadas na produção fordista de massa foram

substituídas por uma crescente capacidade de manufatura de variedade de

bens a preços baixos em pequenos lotes. As economias de escopo derrotaram

as economias de escala. Esses sistemas de produção flexível permitiram uma

aceleração do ritmo de inovação do produto, ao lado da exploração de nichos

de mercado altamente especializados e de pequena escala. Numa economia

em recessão e aumento da competição tornou-se um imperativo explorar

essas possibilidades; fundamentais para a sobrevivência. O tempo de giro –

essencial para a lucratividade capitalista – foi reduzido de modo traumático

pelo uso de novas tecnologias produtivas (automação, robôs) e de novas

formas de gerenciamento de estoques, por exemplo “just in time”, que corta

dramaticamente a quantidade de material necessária para manter a produção

fluindo. Mas a aceleração no tempo de giro na produção teria sido inútil sem a

redução do tempo de giro.

A acumulação flexível foi acompanhada na ponta do consumo, portanto, por uma atenção muito maior a modas fugazes e pela mobilização de todos os artifícios de indução de necessidades e de transformação cultural que isso implica. A estética relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar a todo fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética pós-moderna que acelera a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a mercadificação de formas culturais. (HARVEY, 1994, p.149)

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No plano macroeconômico, os governos da América Latina, em plena

crise fiscal, no início dos anos 90 do século XX, passam a adotar o receituário

do chamado Consenso de Washington – reunião de economistas liberais

convocados pelo Institut for International Economics, entidade de caráter

privado. Esses encontros de economistas de funcionários FMI, Banco Mundial,

BID e do governo norte-americano, cujo o tema LATIN AMERICAN

ADJUSTMENT: HOWE MUCH HAS HAPPENED? visava avaliar as reformas

econômicas em curso no âmbito da América Latina. Dessas reuniões foram

alinhavados os dez pontos:

1 – Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos a arrecadação, eliminando o deficit público; 2 – Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infraestrutura; 3 – Reforma tributária, que amplia a base sobre a qual incide a carga tributária, com maior peso nos impostos indireto e menor progressividade nos impostos diretos; 4 – Liberalização financeira com o fim das restrições que impeçam instituições financeiras internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor; 5 – Taxa de câmbio competitiva; 6 – Liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e estímulo a exportação visando a impulsionar a globalização da economia; 7 – Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo investimento direto estrangeiro; 8 – Privatização, com a venda de empresas estatais; 9 – Desregulação com redução da legislação de controle do processo econômico e das relações trabalhistas; 10 – Propriedade intelectual. (NEGRÃO, 1998)

Esse ideário, esse imperativo para o ajuste estrutural da economia

brasileira às exigências dos novos sistemas de produção e da globalização

capitalista, envolve o alto custo social: cria novos impostos, reduz

investimentos na área social, desemprego sem precedentes na história de

nosso país e crescente trabalho informal. (SILVA a, 2004)

As medidas de cariz neoliberal aplicadas em grande parte pelos

governos de Sarney, Collor, Franco, F.H. Cardoso, não se passaram,

evidentemente, numa idéia de justiça e igualdade social, de educação e saúde

para todos. Na esfera social, a concepção é a de concentrar os recursos

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disponíveis nos setores mais carentes e a focalização em detrimento da

universalização de direitos. (SARTOR Et. Al., 2002, p.119)

Políticas neoliberais de desinvestimento em políticas sociais públicas em

geral induzem a processos de desospitalização, já que a manutenção das

instituições psiquiátricas convencionais constitui item de custo elevado para o

Estado. Nessa modalidade, a tendência é gerar processos sem garantia de

assistência na comunidade, provocando negligência social e aumento da

população de rua, incluindo portadores de transtorno mental. Exemplo: as

políticas instituídas por Reagan na Califórnia e nos Estados Unidos e por

Thatcher na Inglaterra nos anos 80 (VASCONCELOS, 2002, p. 21).

Dentro dessa política, os governos estão interessados em diminuir os

custos da assistência psiquiátrica dos hospitais do Estado. Aproveitam-se da

onda neoliberal para não internar pacientes, mesmo sem criar serviços

alternativos suficiente, diminuindo verbas e não contratando novos

profissionais. Mas contraditoriamente, ou não, os governos continuam

interessados em repassar verba pública para os empresários do setor

psiquiátrico e “terceiro setor” filantrópicos, através de convênios que pagam

internação para os usuários dos serviços de Saúde Mental, para continuar

enriquecendo a burguesia e outros setores conservadores que compõem a

base da sustentação de seus mandatos. Pois, mesmo quando não existe

interesse econômico imediato, há na maioria dos casos, no Brasil,

favorecimentos pessoais ou ganhos político e ideológicos por trás das

corporações sem fins lucrativos (BISNETO, 2007, p. 42)

Segundo Bisneto (Ibid., p. 44), além do neoliberalismo ser uma nova

forma atualizada de redução de gastos com a população usuária e aumento da

acumulação capitalista para os donos de instituições e empresários, “os

trabalhadores de saúde mental estão sendo prejudicados pelo desemprego,

terceirização, precarização, instabilidade no emprego etc.” em função

justamente da reestruturação produtiva que vem atingindo até os serviços.

A lei atual prevê o aumento de recursos terapêuticos extra-hospitalares

e determina medidas diretamente relacionadas ao paciente. Entretanto, o que

se observa é um quadro totalmente diferente disso, já que está ocorrendo a

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extinção dos leitos hospitalares e não estão construindo os centros

assistenciais, os chamados Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), em

número satisfatório (os poucos que existem já estão lotados). O que ocorre,

portanto, é uma desassistência psiquiátrica em muitos aspectos (VITAL, 2007,

p. 45).

É necessário ressaltar que quando uma família recusa levar seu doente

para casa é porque ela já foi abandonada pelo Estado, com a falta de

programas assistenciais que garantam seus direitos. A desospitalização ao

mesmo tempo que é uma vitória para o alcance da reforma psiquiátrica,

provocou a desassistência e o desamparo para as famílias do doente mental

que pertencem aos segmentos subalternizados. Nesta lógica, a família

reproduz o processo de exclusão, gerado pela não concretização de proteção

social pelo Estado, através de políticas e programas necessários ao

atendimento das necessidades sociais dessas camadas que se encontra em

situação de vulnerabilidade social. (SILVA b E WITIUK, 2003)

Bisneto (2007, p.184), exprime que os diversos modos de exclusão

social criam uma capacidade patogênica na subjetividade dos indivíduos. Diz

ainda que esses indivíduos excluídos surgem de diversos segmentos sociais,

não somente dos historicamente pobres. Apresenta a nossa sociedade, no

atual momento, formas de mal-estar e sofrimentos mentais com novas

expressões. O neoliberalismo, a insegurança no trabalho, a rotatividade de

mão de obra, a transformação do processo produtivo, dos modos de produção,

o aumento do exército de reserva, acarretaram em aumento do número de

portadores de sofrimento psíquico e problemas mais complexos, e no domínio

da assistência a saúde mental, resultou em menos serviços, investimentos e

vagas na esfera da saúde pública para atender à população demandante.

No cenário de governos neoliberais, de acumulação flexível ou toyotista,

que transforma a estrutura ocupacional do trabalho, que teve como resultado

drástica redução dos postos de trabalho, que retirou direitos trabalhistas,

aumentou o número de horas trabalhadas pelos empregados remanescentes.

Há poucas expectativas de atenuação das incertezas e dos rigores na relação

empregado e empregador.

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A partir de 2002, com a eleição de Lula, que pôs em prática muitas de

suas propostas de cunho social, praticadas por sua sucessora a presidente

Dilma Roussef, com base majoritária nas casas legislativas, os investimentos

sociais foram ampliados, como por exemplo o PLS 168/11 que institui a

Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa Autista, que tem como

proposta equiparar o portador desse distúrbio à pessoa com deficiência, além

de criar um cadastro único dos autistas, com a finalidade de produzir

estatísticas nacionais sobre o problema. (BRASIL, 2011)

Face ao neoliberalismo cabe citar a seguinte constatação expressada

pelo presidente de El Salvador Maurício Funes: “A crise econômica e financeira

que começou em 2008 nos Estados Unidos evidenciou o esgotamento de um

modelo nascido do Consenso de Washington” e afirma que o Brasil

demonstrou nos últimos anos a “falsidade neoliberal da contradição entre o

equilibrio das políticas macroeconômicas e o aprofundamento e ampliação das

políticas sociais de equidade e inclusão”. (WIKIPÉDIA, 2011)

3.3 A perspectiva da desinstitucionalização e a cidadania

Não há como falar de desinstitucionalização e cidadania no campo da

saúde mental sem antes mencionar um grande nome que foi o do psiquiatra

Franco Basaglia, que inseriu a prática antimanicomial numa perspectiva

pragmática e desinstitucionalizadora na psiquiatria italiana, sendo assim, a

fonte inspiradora de maior influência na reforma psiquiátrica brasileira.

Basaglia (1982, p.07), expressa que:

“Éramos adestrados e condicionados a agir de modo a conservar a ordem social na qual estávamos inseridos. Era-nos delegado o exercício da violência e a incorporar no doente a nossa conduta. O paciente vinha à clínica universitária, espécie de ante-sala do manicômio, incorporava a punição implícita no diagnóstico, era usado como objeto de estudo e depois mandado de volta ao manicômio onde estava sendo destruído”.

A militância de Franco Basaglia no contexto da reforma psiquiátrica é

claramente ilustrada em uma provocação que o Dr. Claudio Macieira lhe fez

em uma de suas conferências:

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_Quando o Dr. Basaglia se põe como delegado público dos oprimidos, é evidente que ele não calcula uma etapa histórica da Psiquiatria e quanto ao se dar a derrubada do muro do asilo eu quero ressaltar que o asilo do manicômio não interessa mais à sociedade capitalista monopolista de onde o Dr. Basaglia provém[...] Basaglia responde-lhe bem o que consideramos o princípio e o fim da luta antimanicomial e da desinstitucionalização: _ O que ficou pouco claro em minha exposição é o fato de que recusamos a delegação de poder e tomamos o partido do oprimido. Eu concordo que seja uma afirmação, mas essa passagem da delegação não vem abstratamente e sim concretamente. Porque quando rejeito ser delegado da gestão manicomial eu transformo meu trabalho que estará então contra a lógica institucional. Eu acabo aceitando uma delegação diferente da antiga delegação. (Idem., 1985, p.117)

A luta antimanicomial e de desinstitucionalização da saúde mental é de

inclusão, de proteção de garantia de direitos e, portanto, pela dignidade

humana.

A conseqüência central do alijamento dos direitos de cidadania dos

doentes mentais é a amputação da dignidade humana, a perda progressiva da

auto-estima e da autonomia individual e coletiva.

O direito de cidadania do doente mental deve ser o direito de receber

assistência adequada, a garantia de participar da sociedade e de não ser pura

e simplesmente jogado em depósitos, como ainda é uma realidade brasileira.

(GUIMARÃES E MEDEIROS, 2002)

O processo de discussão e iniciativa concreta no sentido de mudar a

consciência coletiva e gerir a problemática do doente mental dentro da

sociedade brasileira vem tendo um percurso longo e polêmico. O Congresso

Nacional do MTSM, realizado em 1987 adota o lema “por uma sociedade sem

manicômio” e no mesmo ano realiza-se a 1 Conferência Nacional de Saúde

Mental no Rio de Janeiro. No ano de 1989, no Congresso Nacional, o Projeto

da Lei 3.657, do deputado federal Paulo Delgado, entra na pauta e o mesmo

só é aprovado e sancionada na Câmara Federal em abril de 2001. Lei essa

que propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais

e a extinção progressiva dos manicômios no Brasil. Esta conquista foi o marco

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da história social das lutas antimanicomiais, apesar do projeto ter sofrido

modificações significativas no seu texto normativo. (VITAL, 2007)

A assistência em saúde mental foi redirecionada, dando-se prioridade

ao tratamento em serviços de atenção psicossocial, defendendo a proteção e

os direitos dos portadores de sofrimento psíquico. (Ibid, p. 24)

A Lei Paulo Delgado é fruto do esforço de todo um movimento que

consegue consubstanciar-se como proposta concreta e viável a um futuro

próximo de resgate da cidadania do doente mental no Brasil.

O movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil encampa propostas de

desinstitucionalização reforçadas pela Luta Antimanicomial. Inspirados por

estas propostas, surgem em alguns Estados da Federação projetos similares

– No Rio Grande do Sul, em 1982; no Ceará, em 1983; em Pernambuco, em

1994; em Minas Gerais, 1995 e no Paraná também em 1995 – que vieram

como resultado de importantes processos de mudanças culturais para a

sociedade brasileira no final do século XX, que desrespeito a uma revisão dos

aparatos científicos, administrativos, jurídicos e éticos, relacionados com a

doença mental.

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CAPÍTULO IV

A PROPOSTA DA TERAPIA DE FAMÍLIA E AS

ESTRATÉGIAS DE EMPOWERMENT

O capítulo em questão insere uma proposta pautada no conceito da

Terapia Familiar como método de trabalho terapêutico com familiares e

portadores de sofrimentos mentais visando à reabilitação psicossocial ou até

mesmo quando a severidade da doença não a permite, simplesmente a

manutenção do quadro da doença estável, proporcionando a qualidade de vida

destes familiares um pouco menos abalada.

As famílias destes seres humanos “diferentes” são abandonadas pelo

Estado, ou seja, se encontram desassistidas. As mudanças que ocorreram na

contemporaneidade relacionadas à ordem econômica, propiciaram a exclusão

social e quando há a doença no cotidiano familiar, ocorre a vulnerabilidade dos

integrantes deste sistema. As enfermidades e as privações econômicas estão

diretamente associadas com o analfabetismo, alcoolismo, violência,

desemprego, submoradia e, sobretudo, a destituição de direitos. A doença

mental e a batalha pela sobrevivência é uma realidade na vida das famílias

brasileiras. Essas famílias necessitam de ajuda, pois chegam abaladas ao

serviço social, carentes de informações que lhes dê algum suporte para lidar

com a doença, a desassistência do Estado e a exclusão. É predominante em

nossa sociedade a exclusão do portador de transtorno mental. Entende-se que

esses segmentos vulneráveis, enquanto sujeitos de direitos, precisam de

proteção especial, sendo que para além de uma reorganização da

administração do Estado no âmbito da saúde mental, modificando o controlar

uma ação para o colaborar com uma ação; através da abordagem do

Empowerment, e a modificação nas metodologias de trabalho com essa

“atenção especial”, faz-se necessária a implantação e ampliação das políticas

públicas para atendimento das demandas emergentes dessa população.

(SILVA b E WITIUK, 2003).

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Neste capítulo compreenderemos melhor esta abordagem do

Empowerment, que perpassa a busca pela cidadania do portador de transtorno

mental através do “aumento do poder e autonomia pessoal e coletiva de

indivíduos e grupos sociais nas relações interpessoais e institucionais,

principalmente daqueles submetidos a relações de opressão, dominação e

discriminação social”. (VASCONCELOS, 2003, p. 20)

4.1 Conceito de Terapia de Família

A terapia de família é um meio de conceber e tratar dos conflitos

humanos; é um método de tratamento, das relações familiares, do indivíduo,

dos membros familiares como um todo e do vínculo entre eles. É uma busca

de alternativas novas que põe em evidência as potencialidades da própria

família, integrando o grupo familiar na resolução de seus problemas.

O que acorre com um indivíduo que mora com a família não decorre

apenas de suas circunstâncias internas, mas também das interações com

contexto abrangente em que está inserido. Como assinala Minuchin, ele

recebe o choque desse ambiente que atua sobre ele, o influenciando. Sendo o

terreno da patologia, a família. (EMILIANO, 2009)

Em 1909, Jung escreveu um artigo intitulado A Constelação Familiar.

Neste ensaio ele fez uma análise de resultados de testes de associações de

palavras que foram postas em práticas em integrantes de várias famílias.

Constatou-se que existiam associações muito parecidas em indivíduos da

mesma família, principalmente entre crianças e seus pais. Jung (apud Boechat,

2007, p. 28) nos diz:

A desarmonia latente entre os pais, uma preocupação secreta, desejos secretos e reprimidos, tudo isso produz na criança um estado emocional, com sinais perfeitamente reconhecíveis, que devagar mas segura e inconscientemente vai penetrando na psique dela, levando às mesmas atitudes, e portanto, às mesmas reações aos estímulos do meio ambiente... Tudo é retratado inconscientemente na criança, mesmo coisas das quais nunca se falou.

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Foi possível perceber que Jung atenta para o contágio psíquico, como

uma outra provável fonte de complexos. Este contágio e as tais influências

cruzadas atualizadas no vínculo do cotidiano, levaram os elementos testados a

padrões de relação bem parecidos. Esses estudos vieram confirmar as

descobertas de Freud, que já demonstrou a influência dos pais na construção

de da neurose dos filhos. Jung esclarece que os casos em que as respostas se

assemelhavam muito, não havia muita diferenciação psíquica e apontava como

sujeitos mais predispostos a problemas psíquicos, mas que, por estarem sob

influência dos outros membros, enxergavam-se menos ameaçados de conflitos

com os demais.

Segundo Richmond (apud Emiliano, 2009), a abordagem prática da

terapia de família por Assistentes Sociais é feita em torno da consideração do

efeito potencial de todas as intervenções na amplitude do nível sistêmico,

compreendendo e utilizando a reciprocidade da interação da hierarquia

sistêmica para fins terapêuticos. Contextualizando esses níveis sistêmicos

desde o individual até o cultural. A terapia familiar “assumiu uma visão

sistêmica da angústia humana”.

Mary Richmond em 1917, praticamente preveu as complexidades com

as quais a terapia de família se preocuparia na década de 80, tomando as

famílias como “sistemas dentro de sistemas”. Ela pensou a família não como

conjuntos isolados (sistemas fechados), mas encarando com um contexto

social particular, o que influencia em suas relações (sendo eles abertos).

Relacionando assim, o grau do vínculo emocional entre integrantes da família

com a capacidade de “sobreviver e florescer”.

O Assistente Social em atendimento às famílias precisam analisar as

questões subjetivas; para que a intervenção seja feita de modo satisfatório, as

questões sociais e ter uma noção de todo aparato legal pelos quais a família

pode recorrer para que sejam assegurados os seus direitos sociais. Esta

interação do Serviço Social e a terapia de família é uma das melhores formas

do profissional refletir sua história de vida, ampliar os horizontes interventivos

para a promoção da família e participar ativamente na construção da

cidadania.

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De acordo com Burd (In BURD e FILHO, 2004), a partir dos anos 70, no

trabalho com esquizofrênicos, a terapia de família cresceu, considerando todos

os elementos da família na qual existia essa doença como vítimas, concluindo

que a família como um todo (incluindo o PTM) necessitava de mudança.

Para Adolfo Loketek, “a terapia familiar é indicada no momento justo em

que os membros familiares querem saber de si em relação ao outro,

semelhante e/ou estranho”. (Ibid. p. 393)

A terapia de família tem como foco o processo de autonomia, que

perpassa o pertencer e o separar-se, o desenvolvimento da noção de como se

dá o funcionamento padrão, das escolhas e responsabilidades, de suas

dificuldades; a transição das pautas disfuncionais, permitindo outras

estratégias de funcionamento.

Emiliano (2010), destaca os principais benefícios da terapia familiar:

- Enfatizar a importância de se entender o comportamento das pessoas no contexto; -Possibilitar maior clareza das relações intrafamiliares, favorecendo o auto conhecimento e respeito pelo o outro. - Possibilitar a percepção de que a maioria das situações é determinada por padrões; - Permitir aos membros familiares e/ou indivíduos perceberem e entenderem as situações com maior clareza. - Possibilitar aperfeiçoar a comunicação e as relações interpessoais; - Aumentar a capacidade de tomada de decisões; - Estimular a responsabilidade pessoal. - Favorecer uma mudança construtiva desenvolvendo uma nova perspectiva e, consequentemente, novas atitudes e melhor qualidade de vida tendo em vista que a saúde engloba também os aspectos sociais, dentre os quais as relações familiares.

4.2 A recorrência a abordagem de Empowerment

Empowerment é um termo da língua inglesa, de tradução direta

complexa para o português. Alguns traduzem como fortalecimento, outros

como aumento da autonomia, que até são possibilidades interessantes, porém

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restringem a riqueza do termo. É mais válido usar o termo em inglês, que

mantém a complexidade e o espírito multifacetário do conceito, sugerindo o

sentido provisório de alargamento do poder e autonomia individual e grupal de

pessoas e movimentos sociais nas relações interpessoais e institucionais,

sobretudo, daqueles submetidos a relações de dominação, opressão e

discriminação social. (VASCONCELOS, 2003)

Para tratar deste assunto a fonte principal utilizada foi o livro O poder

que brota da dor e a opressão de Eduardo Mourão Vasconcelos, que é crítico

e auto-reflexivo, aonde são abordadas estratégias concretas de pessoas que a

partir do dia-a-dia de dor, opressão e discriminação, tem a perspectiva de

reconstruir suas vidas, mostrando para a sociedade como elas deveriam ser

vistas e tratadas, reafirmando um posicionamento e um poder que

efetivamente só podem ser protegidos e assumidos por quem sofreu e

vivenciou tais opressões. Trata-se de um apelo humano, social, ético e político,

tendendo não só para os que foram marcados por estas experiências, como

para as outras pessoas que tem “um coração aberto e querem um mundo mais

fraterno, solidário e sensível.”

Conforme Arthur Kleinman, especialista em psiquiatria transcultural

norte-americano, as doenças crônicas propõem sempre fundamentalmente

duas perguntas:

“_ Por que eu (nós)?

_ O que pode ser feito?”

No ponto de vista do autor, entretanto, podem ser acrescentadas outras

perguntas também essenciais:

_ Esta experiência que estou vivendo pode ter sentidos/significados pessoais e existenciais para além da dor e de todos os seus aspectos negativos e de sofrimento?

_ Esta experiência pessoal e existencial pode significar algo mais que vivências apenas individuais/singulares, e que possam ter algum valor para as demais pessoas que vivam experiências semelhantes? (VASCONCELOS, 2003)

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Kleinman esclarece que as ciências clínicas, biomédicas e

comportamentais não tem subsídeos para oferecer respostas satisfatórias a

tais perguntas para além de indicar fatores de risco e procedimentos clínicos,

nem tem meios de registrar e descrever o sofrimento para além da descrição

de dores e sintomas corporais e psiquiátricos. A filosofia, a antropologia e a

psicologia podem colaborar um pouco mais com mapeamentos e registros de

como estas perguntas foram respondidas de forma abstrata pelos homens até

hj, com métodos etnográficos, pesquisa filosófica, psicoterapia... Entretanto,

não oferecem respostas efetivas para as complexidades das questões da dor,

da emoção, do desespero, da “angústia moral” e da perda do sentido da vida.

As contribuições parciais das profissões ainda por cima dependem muito das

referências culturais da clientela, já que os sistemas que interpretam a doença,

o corpo e o sofrimento variam com a cosmovisão de cada pessoa e grupo

social. É comum o saber acadêmico-científico sustentar-se em exposições de

pesquisas muito particulares das “elites letradas das sociedades ocidentais”,

tendo mínima absorção e eficácia simbólica efetiva para a maioria da

população, principalmente no Brasil. (Ibid. p.22)

Além das perguntas, as doenças crônicas de ordem mental trazem

problemas e desafios de vários tipos que vem reiterar as perguntas

supracitadas. Alguns deles são:

_ os períodos de melhora, piora ou crise aguda, algumas vezes de forma previsível e compreensível, outras vezes não;

_ as mudanças corporais e/ou perceptivas advindas de vários tipos de doença ou deficiência e suas exigências de transformações inclusive físicas do espaço doméstico, em banheiros, nos prédios, nos meios de transporte, e no espaço urbano em geral, para permitir uma melhor qualidade de vida para as pessoas acometidas;

_ as despesas extras para custear remédios, exames, tratamentos, pessoal de apoio, bem como as complicações e custos mais gerais inerentes à contratação e ao acesso ao sistema de saúde;

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_ a atenção necessária para auscultar rotineiramente os processos corporais e psíquicos, no sentido de controlar os agentes de risco, as fontes potenciadoras de piora, de decidir quando iniciar ou terminar determinados procedimentos clínicos, quando utilizar remédios alternativos além dos rotineiros, quando procurar ajuda profissional ou mesmo, mais radicalmente, quando mudar de serviço ou profissional, dada a exaustão dos recursos utilizados até o momento;

_ os conflitos decorrentes das constantes falhas na qualidade ou nas características estruturais do sistema de saúde, das relações muitas vezes autoritárias, impessoais ou de negligências dos trabalhadores e profissionais;

_ principalmente na assistência psiquiátricas, a existência de instituições e formas de tratamento anacrônicas, segregadoras, violadoras dos direitos da cidadania e com efeitos mortificadores e violadores do eu. (VASCONCELOS, 2003, p. 23-24)

Lidar com todas essas situações na contemporaneidade, que já trazem

consigo suas confusões, pressões e estresses geralmente ainda adiciona

dificuldades intrínsecas da doença, acarretando frustrações, irritabilidade,

exaustão, e às vezes claramente uma revolta diante das limitações e

adversidades. Quem vive isso não é somente o usuário, mas os familiares e

cuidadores informais também. Além toda essa vivência, os sofrimentos

psíquicos exige um processo longo de acumulação de experiências, de troca e

pesquisa de informações, “dicas” informais, adequação à peculiaridade de

cada um, aprendizagem coletiva e individual, mas acima de tudo de luta,

acomodações à uma nova vida a todo instante e armazenamento de um

complexo de elaborações pessoal e coletiva de emoções e significados desta

vivência. Porém, lidar com estas questões desta forma depende

fundamentalmente da rede de apoio, suporte e solidariedade disponíveis para

cada pessoa ou grupo.

A maior parte destas questões e necessidades não podem ser providas

diretamente pelos serviços de atendimento a esta classe e pelos profissionais,

mas os mesmos podem se constituir como fontes de estímulo aos familiares e

ao suporte que a pessoa já tem, mas também estimulante para a construção e

ampliação desta rede social de auxílio.

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Vasconcelos (2003) incita que em outros países a assistência a na área

da saúde e na saúde mental tem uma estrutura de suporte que não é só

constituída por redes sociais informais constituídas por relações familiares,

comunitárias ou de amizade, mas também de grupos de usuários e familiares

que se organizam em verdadeiros movimentos sociais, com mobilização de

vários países, com forças de comunicação e interligação internacional. Para

compreender a proposta do Empowerment serão usados conceitos-chave para

o congraçamento das realizações mais usuais de suporte.

Amarante e Torre (2001, p. 73) analisam a gravidade do conceito de

alienação mental na formação do lugar social da loucura na sociedade

moderna, constituindo ainda um sujeito alienado, incapacitado de subjetividade

e de sofreguidão: “um não-sujeito da loucura ‘medicalizada’”. Após a análise

sobre a genealogia da subjetividade reconsideram as práticas atuais na saúde

mental que propõem a construção coletiva do “sujeito da loucura, não mais

como um alienado, mas como protagonista, isto é, de uma nova relação social

com a loucura”.

Vasconcelos aponta algumas das estratégias no campo da saúde

mental do Empowerment no Brasil, que são (2003, p. 26-34):

• Recuperação – É um conceito que tem origem nas doenças e

deficiências físicas, mas a partir dos anos 90 passou a ter a atenção no

campo dos transtornos mentais sérios. Hoje já é um termo reconhecido

no campo da reabilitação psicossocial em Saúde Mental nos Estados

Unidos. Na saúde mental este termo foi apropriado pelo movimento dos

usuários, se tornando um processo extremamente pessoal e coletivo de

alterações no quadro da doença que pode levar a uma vida satisfatória,

desejo e participação social, mesmo com as limitações ocasionadas

pelo transtorno. O processo trata-se de desenvolver novos sentidos a

vida em que a pessoa com o passar dos anos consegue ultrapassar os

efeitos mais trágicos da crise mental. Reelaborando tanto pessoal

quanto coletivamente o estigma que se associa ao transtorno na

sociedade, como os efeitos iatrogênicos dos medicamentos e da

assistência, criando coletivamente oportunidades de trabalho e

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reinserção social. Para a consecução desta proposta é preciso haver um

sistema de saúde mental orientado verdadeiramente para a

recuperação, como nos setores mais radicais e comprometidos com a

reforma psiquiátrica, assim como a existência de um movimento de

usuários e familiares que desempenhe os dispositivos de cuidado de si,

ajuda mútua, suporte mútuo e defesa de direitos e militância.

• Cuidado de si – São os dispositivos individuais e de composição das

experiências pessoais, incluindo a auto-ajuda. Uma das formas

essenciais é o apoio dos que podem ser chamados de “amigos irmãos”,

com quem se pode contar, desabafar, com regularidade e nas horas

mais difíceis, trocando emoções, experiências, sugestões e dúvidas.

Este processo precisa ter também um suporte de práticas de

profissionais, dos serviços de saúde mental, “dos dispositivos coletivos

do movimento dos usuários e da construção de narrativas”.

• Ajuda mútua – Esta prática ficou muito conhecida através dos grupos de

Alcóolicos Anônimo, Neuróticos Anônimos... Estes grupos de troca de

experiências, auxílio emocional, discussões com variadas estratégias

para lidar com os problemas são importantíssimos, mas as experiências

internacionais do movimento dos usuários em saúde mental indicam

que apesar dos pontos positivos, apresentam alguns entraves e

limitações. Principalmente, porque são grupos de ajuda mútua fechados

e não estimulam outros tipos de iniciativa, como os de suporte mútuo e

militância. Uma forma de ajuda mútua que é importantíssima também é

a internet, que permite a interação de pessoas de todo o mundo.

• Suporte mútuo – São iniciativas de cuidado e suporte concreto no

cotidiano dos portadores e transtorno e seus familiares. O suporte

mútuo compreende passeios e atividades culturais e de lazer, é o

cuidado informal com aquele integrante que está apresentando maior

dificuldade de lidar com as situações rotineiras do cuidado com a

doença; suporte ao familiar que está precisando de uma “folga”. Estes

podem atuar de várias formas: Trabalho para os usuários,

acompanhamento, cuidado domiciliar, dispositivos residenciais, clubes

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sociais, telefone de serviço de suporte pessoal, construção de cartilhas

informativas para temas relevantes.

• Defesa de direitos – Pode ser informal, inicialmente pela autodefesa,

capacitando o usuário ou o familiar a defender os seus direitos por si

próprio. Também pode ser feito com a intervenção de um companheiro

usuário a solucionar problemas na comunidade. Podendo ser formal

também, com a criação de serviços, em alguns casos liderados por

usuários, nos quais profissionas de saúde mental e advogados são

postos à disposição dos usuários e familiares para defender seus

direitos políticos, civis e sociais. Além desta prática, é necessário que o

atendimento seja expandido para a criação de cartas de direitos,

normas de serviços e de legislações municipais, estaduais e federais,

que consagrem os direitos dos usuários e familiares em todas as

esferas do sistema de saúde e da sociedade.

• Transformação do estigma e dependência na relação com a loucura e o

louco na sociedade – Emprego de iniciativas coletivas e individuais,

cotidianas, de caráter social, cultural e artístico para alterar mudar as

atitudes discriminatórias em relação ao louco nas relações, na mídia e

na sociedade mais ampla.

• Participação no sistema de saúde / saúde mental e militância social

mais organizada – São integradas as organizações descritas

anteriormente. Os usuários e familiares participam de instâncias e

conselhos de saúde, saúde mental e os de políticas sociais,

desenvolvendo projetos de pesquisa, avaliação e planejamento de

serviços, valorizando no sistema de saúde, saúde mental e assistência

social o testemunho, o ponto de vista e a voz dos que viveram ou vivem

concretamente, no plano pessoal, os problemas mentais.

• Narrativas pessoais de vida com o transtorno mental – É feita por meio

de gravações e escritas de depoimentos em primeira pessoa, contando

sua história de crise, das dificuldades durante o processo de estratégias

e tratamento na busca pela recuperação. Nos países anglo-saxônicos e

europeus esta é uma técnica de grande eficácia.

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As abordagens internacionais mais explícitas do que se entende sobre o

Empowerment, com construções teóricas e profissionais mais sistemáticas,

foram formuladas no campo da saúde mental na década de 50, nos países

escandinavos e tiveram uma expansão rápida nos países de língua inglesa. As

estratégias foram apropriadas e utilizadas pelos grupos e associações de

usuários e familiares de saúde mental em vários países desde os anos 70,

como na Holanda, o norte da Europa e Estados Unidos. Já em outros campos

a proposta de Empowerment se difundiu a partir dos anos 90, e hoje

representado um elemento central do Serviço Social e das políticas sociais na

Europa e nos principais países anglo-saxônicos.

A doença não provém da autoridade médica, “torna-se a própria

organização coletiva, convertendo-se em tomada de responsabilidade e

produção de subjetividade: ao invés de fundar-se sobre uma regra imposta de

cima, a organização se convertia por si mesmo num ato

terapêutico...”(BASAGLIA, 1985)

A necessidade de subjetivação confunde-se com a demanda de produzir

transformações, com o intuito de escapar das situações de vida que nos

oprimem, situações estas que impedem um contato direto com tudo que é

fundamental para a existência de cada sujeito. (MELMAN, 2008, p.144)

Faleiros (apud Vasconcelos, 2003, p.142) enfatiza a atuação do

profissional de serviço social com indivíduos, mas se sustenta em uma análise

que os integra em um contexto social e institucional mais amplo. Neste viés, o

Empowerment é compreendido como o “fortalecimento dos sujeitos da

intervenção profissional em um processo de articulação de recursos,

imaginários e redes, que são capitais ou patrimônios disponíveis nas relações

sociais de classe, gênero, raça e cultura”.

O tema do Empowerment, constitui o terreno movediço das relações de

poder, mesmo que sejam utilizados outros termos para designá-lo, ele se trata

de um território que necessariamente necessita-se enfrentar na busca por

uma profunda democracia, cidadania e igualdade social, já que estas tais

dimensões não podem ser decretadas de cima para baixo e as mesmas

exigirão a mobilização de todos os atores sociais comprometidos para a

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renovação e constando revolucionamento e nova criação da vida social.

“Esperar ou evitar as questões colocadas pela perspectiva do Empowerment,

em qualquer momento, seria entregar o terreno para a direita, ou simplesmente

perder o caminho”. (VASCONCELOS, 2003, p. 145)

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CONCLUSÃO

Procurou-se neste trabalho, aprofundar os conhecimentos relativos as

influências negativas que são trazidas pelo capitalismo, dentro de uma ótica

neoliberal quanto ao comprometimento do Estado com a implementação das

ações no campo da Saúde Mental, tal como o ver do Serviço Social.

Discutiu-se sobre a importância das técnicas de Terapia de Família, que

podem ser usadas pelo Assistente Social para o fortalecimento de sua relação

com o próprio grupo familiar e com a sociedade.

Nesse âmbito procurou-se analisar aspectos da abordagem do

Empowerment, tendo como técnico responsável para sua efetivação a figura

do Assistente Social. A abordagem revela a importância do Serviço Social para

este tipo de trabalho.

A pesquisa defronta-se com limites na contemporaneidade para o seu

desenvolvimento no interior das universidades, pois os impactos das políticas

neoliberais atingiram até o meio acadêmico. Os recursos para atividades de

pesquisa foram reduzidos e atingiram principalmente os grupos das áreas de

Ciências Humanas e Sociais, pois priorizam as áreas tecnológicas e

biomédicas, certamente são os grupos que o Estado capitalista espera retorno.

Diante do arrasamento das políticas públicas, mas especificamente as da

área de saúde mental, no contexto neoliberal, apresentam-se limites à atuação

dos assistentes sociais, na medida em que a conjuntura atual sugere a

redução dos gastos sociais. Diante de tal circunstância, o serviço social busca

novas possibilidades de intervenção, propondo a aplicabilidade das estratégias

de Empowerment, e para isso é absolutamente necessária a ruptura do

conservadorismo, tanto institucional quanto da atuação profissional, visando à

execução de uma práxis comprometida com os interesses dos usuários e

direcionada para a concretização dos direitos sociais.

Tratando-se do trabalho com famílias, com vistas à introdução de novas

técnicas e modelos de cuidados para tratamento do portador de transtorno

mental, é preciso criar uma espécie de parceria com os familiares. É

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necessário certa habilidade e capacitação para essa interação. Há que se ter

compreensão de que os elementos desta família possuem uma fragilidade

maior do que as demais, se encontrando em tensão e sofrimento emocional, o

que requer sensibilidade e respeito para a realização da intervenção

pretendida. A família caracteriza-se por uma unidade complexa, representando

um desafio para o profissional que desenvolve um trabalho junto a esses

sujeitos coletivos. É preciso que o aprimoramento técnico seja contínuo e

comprometido com a qualidade da assistência prestada pelo posicionamento

ético e crítico sobre suas ações.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

A REFORMA PSIQUIÁTRICA – UMA ELUCIDAÇÃO

ACERCA DA HISTÓRIA DA LUTA SOCIAL ANTIMANICOMIAL 10

1.1 - A Reforma Psiquiátrica no Brasil 10

1.2 - A Ratificação da proposta da política

antimanicomial: A Lei Paulo Delgado 14

1.3 – Análise institucional do Serviço Social

em Saúde Mental 15

CAPÍTULO II

A RELAÇÃO DOENTE MENTAL / FAMÍLIA 20

2.1 – “Psicopatologia” familiar:

A doença mental atingindo toda família 20

2.2 – A negação do trauma existente 25

2.3 Atendendo as famílias sem a “camisa de força”

de técnicas de uma metodologia funcional 27

CAPÍTULO III

A DESRESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO 29

3.1 – Sociedade capitalista

e saúde mental no Brasil 29

3.2 – A posição do neoliberalismo 31

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3.3 – A perspectiva da desinstitucionalização

e a cidadania 35

CAPÍTULO IV

A PROPOSTA DA TERAPIA DE FAMÍLIA E AS

ESTRATÉGIAS DE EMPOWERMENT 38

4.1 – Conceito de Terapia de Família 39

4.2 – Recorrência a abordagem de Empowerment 41

CONCLUSÃO 50

ANEXOS 49

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 52

WEBGRAFIA CONSULTADA 55

ÍNDICE 57