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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE DEPENDENTE QUÍMICO E FAMÍLIA, UMA VISÃO SISTÊMICA. Por: Elizangela Pereira Porto Dehoul Orientador Prof. Fabiane Muniz Niterói - Rio de Janeiro 2011 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

DEPENDENTE QUÍMICO E FAMÍLIA, UMA VISÃO SISTÊMICA.

Por: Elizangela Pereira Porto Dehoul

Orientador

Prof. Fabiane Muniz

Niterói - Rio de Janeiro

2011

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

2

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

DEPENDENTE QUÍMICO E FAMÍLIA, UMA VISÃO SISTÊMICA.

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Terapia de

Família.

Por: Elizangela Pereira Porto Dehoul.

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela oportunidade

que Ele me dá de viver e de ser feliz a

cada dia. Agradeço aos meus pais

Arnaldo e Lindaura pelo incentivo aos

estudos; Ao meu marido Átila que

tornou meu sonho de ser Psicóloga,

realidade; A minha avó Anéria que me

presenteou com essa especialização e

me presenteia a cada dia com sua

existência; Aos meus filhos Yan e

Giulia pela compreensão da minha

ausência em alguns momentos e a

minha Supervisora e Amiga Sandra

Barros que me proporcionou conhecer

e trabalhar com esse Universo

contagiante que é o da dependência

química e família.

4

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a Deus, aos meus

pais, a minha avó, ao meu marido aos

meus filhos, aos meus amigos e a toda

equipe da Clínica Pater Aldeia.

5

RESUMO

A dependência química é uma doença multifatorial que evolui e se

agrava progressivamente com a continuidade do uso, contudo, é um

mecanismo psicológico de alterações cerebrais que com o decorrer do tempo,

faz com que a pessoa busque o prazer para evitar o desprazer. O organismo

se acostuma com a substância e sua ausência provoca sintomas físicos, a

chamada síndrome da abstinência, isto acontece por que a pessoa se

acostumou a viver sob os efeitos da droga, marcando dois tipos de

dependência: a física e a psicológica. Muitas vezes o processo de

dependência pode agravar algumas outras perturbações do comportamento

que o indivíduo já possuía antes de se drogar, estabelecendo então uma

condição de comorbidade.

A maior dificuldade que os dependentes químicos encontram, está na

necessidade de promover mudanças no estilo de vida adoecido. Esse estilo de

vida não é só vivido pelo dependente, mas também por sua família, o que

caracteriza a adaptação da família também a esse comportamento do

dependente. É como se a família fosse “adoecendo junto”. No entanto,

entender o comportamento familiar é muito importante para um entendimento

maior da questão da dependência e da sua abordagem. Tendo em vista que o

abuso e a dependência de drogas indicam uma dinâmica familiar

comprometida. A dependência química no entanto, compromete o sistema

familiar. Percebe-se então, a família como peça chave no tratamento em

várias etapas do processo terapêutico, desde a abordagem inicial do problema

à permanência no tratamento e à prevenção de recaídas.

Nessa dinâmica familiar percebe-se a existência de um comportamento

muito comum nas relações familiares seja na família de origem ou na família

de escolha do dependente que é a co-dependência, que se caracteriza por um

transtorno emocional, são familiares que geralmente vivem em função da

pessoa problemática e de seus problemas. São pessoas que têm baixa auto-

6

estima, intenso sentimento de culpa e não conseguem se desvencilhar da

pessoa dependente, são pessoas que vivem tentando ajudar a outra pessoa,

esquecendo, na maior parte do tempo, de cuidar de sua própria vida,

esquecendo de si mesmo em função do outro e dos comportamentos insanos

desse outro. A co-dependência se inicia quando uma pessoa, numa relação

comprometida, tenta controlar o comportamento do outro, na esperança de

ajudá-lo. O que acontece na co-dependência, é que o comportamento do co-

dependente, reforça o comportamento do outro (dependente) e assim por

diante. O objetivo maior é acabar com esse comportamento para que se possa

ter atitudes mais funcionais.

Muitas vezes os familiares pensam que é fácil o dependente parar de

fazer uso da substância sozinho, o que não é verdade. É preciso ter ajuda, pois

a síndrome de abstinência é o conjunto de modificações orgânicas que se dão

em razão da suspensão brusca do consumo de droga geradora de

dependência física e psíquica. Uma das maneiras de manter-se limpo, é com o

programa de prevenção de recaída, cujo o objetivo do tratamento é manter

uma mudança de comportamento desejada e ensinar o dependente químico a

prever e a lidar com o problema da recaída. O primeiro passo, para a

prevenção de recaída, é a identificação das situações de alto risco para depois

se trabalhar alternativas para previní-las. A manutenção de todo esse

processo refere-se à fixação do comportamento modificado e merece muita

atenção. Para isso, é preciso que o dependente tenha um alto grau de

motivação. A dependência química por ser multifatorial, seu tratamento visa o

restabelecimento físico, psicológico, a reinserção social do indivíduo e a

mudança na qualidade das relações familiares. É importante fazer as escolhas

certas no processo de pedir ajuda. A busca por manter-se limpo é algo a ser

galgado dia a dia. É importante ressaltar que o dependente precisa de suporte

e as indicações de grupos de apoio, psicoterapia, terapia familiar, terapia de

grupo e intervenção medicamentosa durante um longo período são essenciais

para que o dependente possa manter-se limpo.

7

METODOLOGIA

Este trabalho pretender entender a dependência química de forma

sistêmica, através de pesquisas bibliográficas tendo como base os autores

Salvador Minuchin, Melody Beattie, Gisele Aleluia, dentre outros, tentando

fazer uma analogia de como isso funciona diretamente na prática. Neste

trabalho, serão abordados assuntos como: a idade aproximada em que se

experimenta a droga, de que forma uma pessoa se torna um dependente

químico e porque outras pessoas não se tornam, a estrutura familiar, as

relações familiares, co-dependência, síndrome de abstinência, prevenção de

recaída, formas de tratamento e manutenção.

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO I - Dependência Química 12

CAPÍTULO II - Teoria Estrutural da Família 20

CAPÍTULO III – Co-Dependência 28

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA CITADA 42

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 45

ÍNDICE 46

FOLHA DE AVALIAÇÃO 47

9

INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende compreender o que é a dependência química,

como ela se desenvolve e verificar os diversos fatores que contribuem para o

desenvolvimento e manutenção desta doença (dependência química).

Compreender o porquê, que em algumas famílias a dependência se instala e

em outras não, tendo como base as relações familiares do dependente

químico.

O consumo de substâncias psicoativas é uma característica comum a

populações da maioria dos países, inclusive a do Brasil, sendo o tabaco e o

álcool as mais utilizadas. Muitas variáveis ambientais, biológicas, psicológicas

e sociais, atuam juntas para influenciar a tendência de qualquer pessoa vir a

usar drogas e isto se deve à interação entre o agente (a droga), o sujeito (o

indivíduo e a sociedade) e o meio (os contextos sócio-econômico e cultural),

portanto ela é uma doença multifatorial. O indivíduo não nasce dependente, ele

se torna um dependente experimentando ou fazendo uso da droga em

determinado contexto social e familiar. E o desenvolvimento dessa relação é

que evolui para a dependência.

O uso de drogas existe desde os primórdios da Humanidade. A

relação dos indivíduos com as drogas foi se modificando ao longo do tempo, e

na contemporaneidade temos visto que o uso e o abuso se tornarem cada vez

mais complexos, não apenas isso, mas também a prevenção o controle e o

tratamento dos transtornos relacionados a esta questão.

A dependência química é uma doença progressiva, cônica e fatal.

Seu uso tem início de forma experimental, podendo evoluir para o uso

esporádico, uso freqüente, desenvolvendo o nível de tolerância e abstinência

até a dependência. É crônica, pois é incurável, e é fatal se não tratada.

A dependência química pode ser física e/ou psíquica, de modo que, a

droga age no sistema nervoso central (SNC) podendo ser depressora,

estimuladora ou perturbadora deste sistema. As drogas podem ser lícitas ou

ilícitas. E nem todas as pessoas que experimentam tornam-se dependentes

10

químicos. A pessoa que utiliza drogas pode ser considerada como usuário

experimental, usuário social, podendo evoluir para usuário habitual onde neste

momento é preciso ter atenção, pois, se é um hábito já virou rotina, e a rotina é

uma coisa muito difícil de ser modificada, o usuário abusivo não precisa de

motivos para fazer o uso, qualquer motivo é motivo para usar, ainda nessa

linha de evolução existe o dependente funcional e o dependente disfuncional,

nesses dois momentos a doença dependência química já se instalou, o

dependente funcional como o próprio nome diz, ainda funciona, mas já perdeu

praticamente tudo e por último o dependente disfuncional que é denominado

aquele que chega no “fundo do poço”, onde já perdeu tudo: o emprego a

dignidade o respeito, inclusive as relações familiares e só resta para ele “os

amigos de ativa”.

O início do uso pode ocorrer em qualquer fase da vida, mas o índice

maior é na adolescência, período de transição da infância para a idade adulta,

momento em que as transformações físicas, emocionais estão acontecendo. A

perda do corpo infantil, o desprendimento da família e maior proximidade com

o grupo de iguais ocorrem nessa fase da vida, podendo gerar uma crise de

identidade. No entanto, os adolescentes que obtém amparo social e emocional

para enfrentar estes momentos, sofrem menos.

O uso de substâncias químicas pode ocorrer por curiosidade e

influência de amigos, mas também como uma tentativa de aliviar sofrimentos

gerados pela transição da infância para a adolescência, por problemas

relacionais com a família, por características individuais de personalidade, etc.

A família é um tema amplo e complexo, porém só recentemente, na

década de 50, tornou-se uma área de estudo no campo da psicologia em que

ela própria é o objeto, apesar da sua importância psicológica na constituição

do sujeito, no que diz respeito a sua identidade, por meio dos sentimentos de

pertinência e diferença enquanto indivíduo.

Uma família é um tipo especial de sistema, com estrutura, padrões e

propriedades que organizam a estabilidade e a mudança. É também, uma

pequena sociedade humana, cujos membros têm contato direto, laços

emocionais e uma história compartilhada. Portanto, é de fundamental

11

importância compreender este fenômeno tão complexo devido a sua

multifatoriedade. Hoje é possível afirmar que não existe um modelo único e

generalizado de família no Brasil, e tampouco é possível descrever um perfil

único da dinâmica e estrutura das famílias de dependentes de drogas.

Nesta complexidade, os estudos para compreender, conceituar e

prevenir a multifatoriedade que permeia a drogadição, conjugam a idéia de que

os fatores biopsicossociais interferem diretamente e indiretamente no

processo. A drogadição permeia muitos sistemas, ou seja, acontece a

interação entre o indivíduo e a droga, o indivíduo com ele mesmo, e o indivíduo

e os outros subsistemas com os quais ele se relaciona, como: família, polícia e

o tráfico.

A idéia de que há influência da família no desenvolvimento da

drogadição é relevante. No entanto, não se pode definir apenas um tipo

específico de funcionamento. Nem todas as famílias de dependentes químicos

podem ser consideradas não funcionais, mas em muitas ocorre um processo

de circularidade em que a não funcionalidade e o abuso de drogas reforçam-se

mutuamente, mantendo assim, a homeostase familiar. Os sintomas da doença

do dependente químico, pode estar funcionado como um mecanismo

homeostático do sistema familiar, de modo que, dentro da disfuncionalidade, a

melhora do dependente químico pode fazer aparecer conflitos internos que a

família não sabe como lidar. Com isso, é possível entender que a família tenha

dificuldade em lidar com a recuperação do indivíduo em sua doença,

dependência química.

Compreender a realidade do dependente químico, e das pessoas que

o rodeiam, possibilita uma maior compreensão da função que a doença pode

estar exercendo sobre eles. E só assim, é possível pensar na recuperação em

dependência química.

12

CAPÍTULO I

DEPENDÊNCIA QUÍMICA

A dependência química é uma doença, que evolui e se agrava

progressivamente com a continuidade do uso. A dependência é o impulso que

leva a pessoa a usar uma droga frequentemente para obter prazer ou aliviar,

tensões, ansiedades, medos e sensações físicas desagradáveis e até mesmo

para tamponar um vazio existencial.

Existe no cérebro, uma área responsável pelo prazer e é nessa área

que as drogas interferem, ela é chamada de sistema de recompensa e é nela

que a ação química de diversas drogas interfere, uma área encarregada de

receber estímulos de prazer e transmitir essa sensação para o corpo todo.

Esse mecanismo vale para todos os tipos de prazer, como a temperatura

agradável, a emoção gratificante, a alimentação, o sexo.

Por uma espécie de curto circuito, elas provocam uma ilusão química

de prazer que induz a pessoa a repetir seu uso compulsivamente. Com a

repetição do uso se esquece todas as fontes naturais de prazer e só interessa

o prazer imediato propiciado pela droga, mesmo que isso comprometa e

ameace sua vida, levando todo o resto a perder o seu significado. (Laranjeira,

Ronaldo, 2004).

Segundo Laranjeira, Ronaldo (2004) a dependência, contudo, é um

mecanismo psicológico de alterações cerebrais que com o decorrer do tempo,

faz com que a pessoa busque o prazer para evitar o desprazer. Desta forma, a

dependência química pressupõe o mecanismo psicológico de buscar a droga e

a necessidade biológica que se criou no organismo. A dependência química,

entretanto, cria uma ilusão de prazer que acaba perturbando outros

mecanismos cerebrais.

O uso feito de forma intensa, quase todos os dias ou diariamente,

com conseqüências prejudiciais caracteriza que esse alguém se tornou

dependente. Caracterizado a dependência, a pessoa não consegue controlar o

13

consumo de drogas, agindo de forma impulsiva e repetitiva, tendo assim

dificuldade de largá-las.

O organismo se acostuma com a substância e sua ausência provoca

sintomas físicos, a chamada síndrome da abstinência, isto acontece por que a

pessoa se acostumou a viver sob os efeitos da droga. O que marca os dois

tipos de dependência a física e a psicológica.

A dependência física se caracteriza pela presença de sintomas e

sinais físicos que aparecem quando a pessoa para de consumir a droga e

diminui bruscamente o seu uso, (síndrome da abstinência). Já a dependência

psicológica corresponde a um estado de mal estar e desconforto que surge

quando o dependente interrompe o uso de uma droga. Os sintomas mais

comuns são ansiedade, sensação de vazio, e dificuldade de concentração,

podendo variar de pessoa para pessoa.

1.1 - Dependência de Drogas

Segundo Palhano (2000) a Organização Mundial de Saúde

(OMS), define que droga é “toda substância, natural ou sintética, que,

introduzida no organismo vivo, pode modificar uma ou mais de suas funções”.

O abuso de drogas é considerado pela Organização Mundial De

Saúde (OMS) como uma epidemia social, apresentando três fatores

fundamentais: o agente (a droga), o hospedeiro (o jovem) e o ambiente

favorável (família, grupo e ambiente).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabelece duas formas de

dependência de consumo de drogas:

- Dependência Psíquica: situação na qual existe um sentimento de

satisfação e um impulso psíquico que exige a administração regular ou

contínua da droga para produzir prazer ou evitar mal-estar. Esse estado mental

é evidentemente o mais potente de todos os fatores implicados na intoxicação

14

crônica com drogas psicotrópicas, e pode ser o único fator no caso de certos

tipos de droga.

- Dependência física: estado de adaptação que se manifesta pelo

aparecimento de intensos transtornos físicos quando se interrompe a

administração da droga. A síndrome de abstinência é constituída por um

conjunto específico de sintomas e sinais de caráter psíquico e físico peculiares

de cada tipo de droga. São aliviados pela administração da própria droga ou de

outra de ação farmacológica análoga pertencente ao mesmo tipo genérico.

Não aparecem manifestações de dependência física quando se matem a

administração de uma dose adequada. A dependência física é um potente

fator de reforço da influência da dependência psíquica no que se refere à

continuação do uso droga ou a recaída no consumo depois de uma tentativa

de retirada.

O conceito de dependência, na perspectiva sistêmica é entendido

enquanto mecanismo natural de adaptação. (Sudbrack, 2001).

Sudbrack (2001) acredita que a dependência a produtos tóxicos

encobre, na maior parte das vezes, dependências relacionais e em certos

casos, mascara distúrbios severos de natureza psiquiátrica. E que existe na

dependência uma busca de solução a questões que exigem do sujeito uma

resposta adaptada ao contexto. Na perspectiva sistêmica, a dependência é

avaliada em seus diferentes níveis qualitativos, os quais podem ser situados

em pelo menos três categorias: a dependência a substâncias, a dependência a

pessoas e a dependência ao contexto.

A dependência química representa a etapa final de um longo

processo de uso de uma ou várias substâncias. Normalmente, o processo

inicia-se de modo esporádico e algum tempo depois, a pessoa pode estar

imersa em um estágio de dependência de drogas. Para que um usuário se

torne um dependente químico, faz-se necessária uma certa experiência com a

substância. A dependência química instala-se de forma lenta, progressiva e

insidiosa. É um transtorno de evolução crônica, que quanto mais evolui, mais

prejuízo, em todos os sentidos, promove aos dependentes químicos. Ao longo

desta evolução observa-se que os fatores que serviriam de pretexto para iniciar

15

o uso, vão perdendo o significado, a importância e o valor, e vão sendo

substituídos pela própria condição de dependência à substância. Outros

fatores relacionados à vida perdem importância progressivamente. (Palhano,

2000).

1.2 - Critérios Diagnósticos para Dependência Química

Segundo Ramos (1999), dependente é um conceito usado quando

pelo menos três critérios dos sinais e sintomas a seguir estão presentes: 1)

estreitamento de repertório em que o consumo passa a respeitar certas

circunstâncias; 2) saliência no consumo: quando o indivíduo passa a selecionar

companhias e circunstâncias propícias para o uso de drogas; 3) alteração da

tolerância: é usual que as pessoas que fazem consumo freqüente e pesado de

determinada droga tornem-se resistentes a seus efeitos, necessitando cada

vez mais de maiores quantidades dela para obter o efeito original; 4)

desconforto na abstinência: quando na ausência da droga o indivíduo tem

reações psicológicas que denunciam o estado de desequilíbrio causado pela

aguda supressão delas; 5) alívio de desconforto com o consumo: quando os

sintomas de abstinência desaparecem tão logo o indivíduo faça um novo

consumo; 6) percepção subjetiva da compulsão (“fissura”) para usar: diz

respeito ao fato do indivíduo perceber um desejo prevalente de consumo que

passa a determinar sua conduta; 7) reinstalação da síndrome após abstinência

quando o indivíduo fica uma temporada (meses ou anos) sem usar

determinada droga e se reinstala o quadro rapidamente frente a novos

episódios de uso.

Os Critérios para Dependência de Substância (de acordo com o

DSM-IV) dizem respeito a um padrão mal-adaptativo de uso de substância,

levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por

três (ou mais) dos seguintes critérios, ocorrendo a qualquer momento no

mesmo período de 12 meses:

16

Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos: uma

necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para

adquirir a intoxicação ou efeito desejado; acentuada redução do efeito com o

uso continuado da mesma quantidade de substância

Abstinência, é uma atitude decisiva que se caracteriza por abster-se

da droga e a redução do uso de substâncias e que ao consumir a mesma,

alivia ou evita sintomas de abstinência. "A abstinência é a renúncia voluntária à

satisfação de um desejo ou necessidade (Lalande, 1993)”.

A substância é freqüentemente consumida em maiores quantidades

ou por um período mais longo do que o pretendido. Existe um desejo

persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso

da substância.

Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da

substância, na utilização da substância ou na recuperação de seus efeitos.

Importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas

ou reduzidas em virtude desse uso.

O uso da substância muitas vezes continua apesar da consciência de

ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser

causado ou exacerbado por esse uso, e embora a pessoa reconheça, ela não

consegue parar.

Os dois principais critérios seriam o aparecimento de tolerância

gradualmente maior para as mesmas doses (o que leva, inevitavelmente ao

aumento da dose normalmente utilizada, e o que explica os casos mais graves,

em que um indivíduo ingere até dois litros de aguardente, ou fuma cerca de 30

ou 40 pedras de crack em uma noite), juntamente com o aparecimento dos

chamados sintomas de abstinência quando da retirada ou diminuição da dose

da droga. Toda a vida do indivíduo, gradualmente e progressivamente passa a

se centrar no consumo da droga (ou no planejamento de como conseguir

acesso a mesma e ainda no tempo para recuperação dos efeitos da mesma),

com prejuízo das atividades sociais (incluindo trabalho, relações afetivas e

familiares, e no próprio autocuidado, com higiene e alimentação). Além disso, a

17

pessoa pode até ter consciência dos prejuízos que a droga pode estar

causando, mas ainda assim persiste no uso.

Em se tratando de drogas onde ocorre a síndrome de abstinência

mais intensa e potencialmente grave, muitas vezes com risco de vida como no

caso do álcool e do crack, muitas vezes a única alternativa acaba sendo a

internação em clínicas de reabilitação, seja de forma voluntária (ainda que na

maior parte das vezes os pacientes refiram estar ali por “livre e espontânea

pressão”, seja da família, seja dos empregadores) ou involuntária. Esta última,

mais controversa, requer centros capacitados para atender o indivíduo em toda

sua complexidade de necessidades, com presença de médico psiquiatra

especialista e psicólogos igualmente especialistas numa base diária, desta

forma proporcionando a chance do indivíduo perceber os prejuízos que a droga

vinha lhe causando, e na maior parte das vezes acabar aceitando a

necessidade de internação.

Existe um grupo de especialistas elaborando uma revisão do DSM-IV,

com previsão de publicação das novas normas diagnósticas e estatísticas em

até dois anos, que vem propondo uma verdadeira mudança de paradigma, a

visão de dependência química (em oposição ao transtorno de abuso de

substâncias, hoje considerada erroneamente uma fase mais amena do

transtorno, e mesmo ao considerado uso recreativo de substâncias) está

prestes a ser abandonada. Em pouco tempo a visão psiquiátrica do transtorno,

se dará de forma nebulosa, incluindo em um único diagnóstico (Transtornos

Relacionados ao Uso de Substâncias), ambas as situações anteriormente

estudadas como categorias distintas.

Esse novo olhar sobre a dependência química se transformou, possibilitando a

intervenção em fases mais precoces da doença ao invés de esperar o

indivíduo literalmente chegar ao fundo do poço da dependência química grave,

com suas características, tolerância e abstinência que tanto dificultam o

tratamento, já que alterações psicobiológicas mais importantes já estariam

instaladas.

A proposta atual do grupo de discussão sobre os novos critérios diagnósticos

para a questão do álcool e demais drogas psicotrópicas são:

18

Transtorno do Uso de Substâncias

- Padrão mal-adaptativo de uso de substâncias, levando a alterações

clinicamente significativas, manifestadas por dois ou mais dos seguintes

critérios, ocorrendo num período de pelo menos 12 meses:

Uso recorrente da substância resultando na falha em cumprir obrigações no

trabalho, escola ou casa; Uso recorrente da substância em situações em que

existe perigo físico real; Uso continuado da substância apesar de ter problemas

causados ou exacerbados pelos efeitos da substância nos âmbitos social ou

interpessoal; Tolerância, definida por: necessidade de quantidades maiores da

substância para conseguir a intoxicação ou o efeito desejado e efeito diminuído

com uso continuado da mesma quantidade da substância; Abstinência,

manifestada por: a síndrome de abstinência característica da substância em

questão (lembrando que a nova edição do DSM propões critérios bastante

claros e específicos inclusive na antes discutida questão da abstinência da

cannabis) e a mesma substância é utilizada para aliviar ou cessar os sintomas

de abstinência; A substância é geralmente utilizada em quantidades maiores e

por períodos de tempo maiores que originalmente planejado; Existe um desejo

persistente ou tentativas mal-sucedidas de controlar o uso ou parar o uso;

Bastante tempo é despendido em atividades voltadas a conseguir a

substância, usar a substância ou se recuperar dos efeitos da mesma;

Atividades sociais, ocupacionais ou recreativas importantes são abandonadas

devido ao uso da substância; O uso da substância é continuado apesar da

consciência de problemas físicos ou psicológicos causados ou exacerbados

pelo uso da substância; Fissura (craving) ou um desejo intenso de usar a

substância.

- Especificadores de gravidade:

• Moderada – 2 a 3 critérios positivos.

• Grave – 4 ou mais critérios positivos.

- Especificar ainda se:

19

• Com dependência fisiológica quando existem evidências de tolerância

e/ou abstinência.

• Sem dependência fisiológica evidente.

20

CAPÍTULO II

TEOTIA EATRUTURAL DA FAMÍLIA

Salvador Minuchin, psiquiatra, terapeuta de família da Escola

Estrutural, compreende a família pela forma predominantemente nuclear,

fundamentado no biológico. As idéias de Minuchin, que configuram a relação

familiar a partir da relação conjugal: o casal, ao se constituir, precisa separar-

se de duas relações anteriores, principalmente com os respectivos pais, isto é,

“o investimento no casamento a expensa de outras relações”; o casamento é

um primeiro momento em que os participantes irão confirmar ou não suas

novas identidades; “um contexto poderoso para confirmação e

desqualificação”; “refúgio para as tensões de fora” (Minuchin, 1990b, p.27).

Desta maneira, percebe-se a necessidade de a constituição familiar, iniciada

pelo casal, separar-se como um núcleo isolado e diferenciado. Muitas vezes a

terapia de família visa separar as fronteiras com o exterior, nos casos em que o

casal tenha essa dificuldade específica.

Com a chegada dos filhos o casal adquiri uma nova função, a

parental, que caracteriza a família como “uma instituição para educar as

crianças”, sendo a vida familiar dependente “de um sólido vínculo de casal”

(Minuchin, 1995, p.202). É nesse momento que surgem mais especificamente

as tarefas ligadas à socialização; a família exerce seu lugar de “matriz da

identidade”, possibilitando a seus membros a experiência de pertinência a um

grupo, assim como a experiência de sua separação, de sua autonomia. Entre

os pais e filhos, como entre o casal e o mundo exterior, é preciso que existam

fronteiras bem definidas e reguladas por regras que determinam quem e como

se participa das relações familiares. É sem dúvida uma definição da família

conjugal, constituída na modernidade. O processo de construção da

personalidade permanece localizado no interior da família e da convivência

íntima, apesar das transformações sociais.

21

Na Abordagem Estrutural visualizamos a ênfase na família nuclear,

caracterizando uma concepção moderna. Minuchin afirma que a família é a

melhor maneira para criar indivíduos autônomos, gerando estabilidade interior,

diante da constante mutação do mundo exterior à família. Ela é, portanto, o

meio mais eficaz na manutenção da sociedade enquanto protege contra o

mundo exterior. Para Minuchin (1990b), a família nuclear pode estar correndo

riscos devido à sobrecarga de suas funções. Mesmo considerando tipos

diferenciados de família, sua intervenção sempre privilegia uma construção

familiar que defina suas fronteiras ao constituir-se em separado. Afirma o

autor:

“Prefiro trabalhar com família nuclear, algumas vezes

modificando a composição do grupo (diferentes

subsistemas: casal, pai, e filho, irmãos e etc). (...) Em

algumas famílias (porém), o trabalho com membros

significativos da família ampla é importante”. (Minuchin,

1990a, p.139).

De acordo com Minuchin (1990) as funções da família atendem a dois

diferentes objetivos: 1) interno: a proteção psicossocial de seus membros; 2)

externo: a acomodação a uma cultura e a transmissão dessa cultura.

Em todas as culturas a família dá a seus membros o cunho da

individualidade. A experiência humana de identidade tem dois elementos: um

sentido de pertencimento e um sentido de ser separado. O sentido de

pertencimento de cada membro é influenciado por seu sentido de pertencer a

uma família específica. O sentido de separação e de individuação ocorre

através da participação em grupos extra familiares. Mas cada sentido de

identidade individual é influenciado por seu sentido de pertencimento a

diferentes grupos. Os componentes do sentido, de identidade de um indivíduo

mudam e permanecem constantes. A pessoa psicológica, que é entendida

separada, está vinculada com contextos exteriores. (Minucin, 1990).

Qualquer estudo da família deve incluir a sua junção com a

sociedade. Os conceitos das funções familiares também se modificam a

medida que a sociedade muda. Compreender a família como um sistema,

22

operando dentro de contextos sociais específicos é levar em consideração três

componentes: 1) a estrutura da família é a de um sistema sócio-cultural aberto

em transformação; 2) a família passa por um desenvolvimento, atravessando

certo número de estágios, que requerem reestruturação; 3) a família se adapta

a circunstâncias modificadas, de maneira a manter a continuidade e a

intensificar o crescimento psicossocial de cada membro. (Minuchin, 1990).

2.1 - Estrutura Familiar

Segundo Minuchin (1990), são três os componentes essenciais da

teoria estrutural da família: estrutura, subsistemas e fronteiras. E para perceber

a estrutura familiar, duas coisas são necessárias: um sistema teórico que

explique a estrutura, e observar a família em ação.

O que distingue uma família normal não é a ausência de problemas,

mas uma estrutura familiar funcional.

Localizar uma patologia na mente, não indica está dentro ou fora da

pessoa, a patologia pode está dentro do paciente, ou seja, em seu contexto

social. Quando as estruturas familiares são inflexíveis e não conseguem

adaptar-se adequadamente aos desafios do desenvolvimento ou determinadas

situações, surgem os transtornos de comportamentos. Esses movimentos

disfuncionais são desenvolvidos e mantidos por fronteiras rígidas ou difusas

separando os subsistemas da família. No entanto, os indivíduos são

subsistemas dentro de uma família.

De acordo com Minuchin (1990), a organização de subsistemas de

uma família fornece treinamento no processo de manutenção do “eu sou”

diferenciado, ao mesmo tempo em que dá exercício de habilidades

interpessoais em diferentes níveis. Para o bom funcionamento familiar, as

fronteiras devem ser nítidas.

Todas as famílias são concebidas como incidindo em algum lugar ao

longo de um continuum, cujos pólos são dois extremos de fronteiras difusas e

23

excessivamente rígidas. As operações nos extremos indicam áreas de

possíveis patologias. (Minuchin, 1990).

2.2 - Terapia Familiar Sistêmica na Dependência Química

Percebe-se a família como peça necessária ao tratamento em várias

etapas do processo terapêutico, desde a abordagem inicial do problema à

permanência no tratamento e à prevenção de recaídas.

“O acompanhamento da família do narcodependente tem sido

reconhecido como importante recurso para esclarecimento diagnóstico,

orientação clínica e tratamento psicoterápico, constituindo-se como

instrumento terapêutico complementar à assistência de tais quadros

(Constantitni, 1992)”. Para isso precisamos compreender o funcionamento

familiar e suas implicações na facilitação, manutenção e tratamento do

fenômeno da dependência.

2.3 - Dependência Química e adaptação familiar, como isso

funciona?

Sendo a dependência química uma patologia que se estabelece

progressivamente pela relação de um individuo com algum tipo de substância

psicoativa, esta relação faz com que, aos poucos, o indivíduo vá formando um

estilo de vida em função do uso da substância, e esse estilo se torna palco da

progressão da dependência, permitindo que a mesma se instale. No entanto, a

dependência química é uma doença que tem sua sintomatologia voltada para o

comportamento do indivíduo, para seu estilo de vida, sendo por isso

identificada a partir da observação deste. O indivíduo, movido pelo impulso

físico e psicológico do mecanismo de dependência, altera cada vez mais os

24

seus padrões habituais de ação, ou seja, aquilo que normalmente faria,

passando de forma progressiva a apresentar uma perturbação crônica de

comportamento. Muitas vezes o processo de dependência pode agravar

algumas outras perturbações do comportamento que o indivíduo já possuía

antes de se drogar, estabelecendo então uma condição de comorbidade.

A dificuldade parece estar principalmente localizada na necessidade

de promover mudanças no estilo de vida adoecido. Tal estilo de vida não é só

vivido pelo dependente, mas também por sua família. Existe a adaptação da

família também a esse comportamento do dependente. É como se a família

fosse “adoecendo junto”. A família vai aos poucos se ajustando ao estilo de

vida do indivíduo que vai se tornando dependente, e, com freqüência, não

parece oferecer muita resistência ao estilo de vida que a dependência imprime.

Os sentimentos são proibidos por serem muito doloridos e causarem muito

incômodo. O medo e a vergonha dominam. As relações ficam desgastadas, há

brigas constantes, desconfianças, mentiras, o uso de substância por parte de

outros membros da família, conjunto este que torna a convivência familiar

caótica e, como conseqüência, agrava o quadro da dependência e o

descontrole familiar. A família assim como o dependente, tem dificuldade de

reverter esse processo, e todos os esforços parecem fazer com que as coisas

piorem.

No entanto, entender o comportamento familiar é muito importante

para um entendimento maior da questão da dependência e da sua abordagem.

Tendo uma visão de que o abuso e a conseqüente dependência de drogas

indicam uma dinâmica familiar comprometida, compreendendo o fato de não

estar apenas abordando um indivíduo que se droga, mas um sistema familiar

no qual a dependência química de um de seus membros é um de seus fatores.

A dependência química então, se coloca como doença, comprometendo

aquele sistema familiar, e também como sintoma de um sistema familiar

comprometido.

A abordagem da família vem mostrando eficácia na redução de abuso

de drogas. Elas entendem que a relação entre o dependente e sua família

acontece por maio de uma influência recíproca em que nem o dependente

25

pode ser culpado pelo caos familiar, nem tampouco a família pode ser

particularmente responsabilizada pela doença do dependente. O tratamento do

fenômeno da dependência precisa integrar tanto os aspectos individuais do

dependente quanto os relacionais da dinâmica familiar adictiva.

A partir de uma abordagem sistêmica, entendemos que a família

pode ser um alvo eficaz de intervenção da questão da dependência. Sendo

assim, o tratamento da dependência não estaria subordinado apenas à

vontade do adicto em querer se tratar, pois muito pode ser feito se um membro

qualquer da família prestar atenção para essa problemática. Essa abordagem,

portanto, tende a valorizar a família enquanto um organismo dinâmico e

poderoso para influenciar a manter mudanças.

A influência da convivência familiar na formação da personalidade

parece ser um fator indiscutível, na década de 1950, o funcionamento familiar

passou a ser foco de investigação enquanto terreno de desenvolvimento de

patologias mentais. Profissionais que trabalhavam em instituições psiquiátricas

atentaram para o fato de que a melhora de seus pacientes provocava o

adoecimento de outro membro da família, que anteriormente estava saudável.

E vice-versa.

Segundo Nichols e Schwartz, (1998) a patologia, portanto, seria uma

forma de estabilizar a família.

O comportamento sintomático serve a função cibernética de preservar

o equilíbrio da família. Infelizmente, no decorrer do processo, um dos membros

da família pode ter assumido o papel de “paciente identificado”. Essa revolução

paradigmática se deve à mudança do foco do problema. As atenções

passaram do entendimento de conflitos internos como fontes de mal-estar,

para a crença de que os causadores e mantenedores de sofrimento emocional

seriam padrões de interação disfuncionais dentro das famílias, Isto

aconteceria, principalmente, através da forma de comunicação estabelecida no

sistema familiar, sendo este o principal objeto de Bateson (2000) e sua equipe.

Como todo sistema, a família é regida por regras que determinam seu

funcionamento e que dão o “ritmo” do relacionamento de seus membros. O

comportamento de qualquer membro da família afeta e é afetado por todos os

26

outros. Portanto, uma mudança vivida por um membro da família trará

mudança para todo sistema, obedecendo à propriedade de globalidade e

circularidade que os sistemas possuem.

Tais interações aconteceriam a partir da dinâmica relacional que

permite e regula a sobrevivência da família, possibilitando um senso de

continuidade e de identidade que dá sustento aos seus membros. Postulado

na biologia, o conceito de homeostase diz respeito à capacidade que todo

organismo possui de buscar espontaneamente condições de equilíbrio para

que lhe seja possível funcionar. É um mecanismo auto-regulador, que permite

ao organismo sobreviver às alterações de seu equilíbrio natural. Com a função

de restaurar o equilíbrio do sistema, o princípio da homeostase estaria a

serviço de regular qualquer impacto provocador de mudança e de desequilíbrio

na família.

Segundo Stanton, (1999) no caso da dependência química, a adicção

entra na família em uma determinada geração e costuma se perpetuar ao

longo do tempo. As pessoas à volta do dependente “acompanham” seu estilo

de vida respondendo de forma complementar ao comportamento disfuncional,

este por sua vez, realimenta a disfuncionalidade, perpetuando o padrão.

Algumas pessoas da família tendem a mudar seus horários ou deixar seus

empregos para cuidarem dos dependentes. O conceito de homeostase está,

portanto, está no centro da principal função do sintoma familiar.

Ackerman, (1986) propõe que a homeostase não seja encarada como

capacidade paralisadora do sistema, e sim como protetora deste. E seria esta

proteção que permitiria seu desenvolvimento através de um processo fluído de

mudança, permitindo a chegada de novos padrões relacionais, ao mesmo

tempo em que preservaria padrões já instalados que garantiriam os vínculos

dos membros do sistema familiar.

Esta dinâmica, portanto, garante o funcionamento e

consequentemente a continuidade do sistema familiar ao longo do tempo.

Como afirma Nichols e Schwartz, (1998).

27

2.4 - O Desenvolvimento do sintoma

Desenvolver um sintoma pode fazer parte da função reguladora,

exercendo uma dupla função. De um lado, manter o equilíbrio desse sistema,

de outro, sinalizar que o funcionamento do sistema possui “avarias” e precisa

ser revisto. Essas “avarias” têm várias causas e que sempre mostra alguma

dificuldade da adaptação do sistema a etapas do ciclo vital como nascimento,

casamento, morte, ou a eventos externos – crise econômica, guerra,

desemprego etc. (Papp P., 1992).

Segundo Papp P., (1992) a relação evento interno/externo depende

década família. Por isso é importante ter uma visão mais abrangente,

procurando saber que implicações esse comportamento sintomático estará

tendo na família – qual sua função no sistema familiar.

28

CAPÍTULO III

CO-DEPENDÊNCIA

Co-dependência é um transtorno emocional definido e conceituado

por volta das décadas de 70 e 80, relacionada aos familiares dos dependentes

químicos, e atualmente estendido também aos casos de alcoolismo, de jogo

patológico e outros problemas sérios da personalidade.

Uma definição mais próxima da verdade sobre o que é ser um co-

dependente, mas que ainda não é clara é o de ser um parceiro na

dependência.

Segundo Beattie, Melody (1997) a palavra co-dependência é uma

linguagem de centros de tratamentos, uma gíria profissional usada dentro

desses grupos que provavelmente é ininteligível para as pessoas fora da

profissão e mesmo para alguns dentro dela.

Co-dependentes são familiares, geralmente companheira (o), que

vivem em função da pessoa problemática, fazendo desta tutela obsessiva a

razão de suas vidas, sentindo-se úteis e com objetivos apenas quando estão

diante do dependente e de seus problemas. São pessoas que têm baixa auto-

estima, intenso sentimento de culpa e não conseguem se desvencilhar da

pessoa dependente. Beattie, Melody (1997).

Os co-dependentes vivem tentando ajudar a outra pessoa,

esquecendo, na maior parte do tempo, de cuidar de sua própria vida, anulando

sua própria pessoa, ou seja, esquecendo de si mesmo em função do outro e

dos comportamentos insanos desse outro. Essa atitude patológica costuma

acometer mães (e pais), esposas (e maridos) e namoradas (os) de alcoolistas,

dependentes químicos, jogadores compulsivos, sexuais compulsivos, etc.

Para Robert Subby co-dependência é: “Uma condição emocional,

psicológica e comportamental que se desenvolve como resultado da exposição

prolongada de um indivíduo a - e a prática de - um conjunto de regras

29

opressivas que evitam a manifestação aberta de sentimentos e a discussão

direta de problemas pessoais e interpessoais.” E para Earnie Larsen (s.d.),

pioneiro nessa temática, define a co-dependência como: “Aqueles

comportamentos aprendidos e derrotistas ou defeitos de caráter que resultam

numa reduzida capacidade de iniciar ou participar de relacionamentos de

afeto.”

Segundo Beattie, Melody (1997), “Co-dependente é uma pessoa que

tem deixado o comportamento de outra afetá-la, e é obcecada em controlar o

comportamento dessa outra pessoa.” Cada co-dependente tem uma

experiência diferente, decorrente de sua história de vida e de sua

personalidade. Ele envolve os relacionamentos com outras pessoas, sejam

alcoólicos, jogadores, viciados em sexo, comedores compulsivos ou pessoas

normais. A co-dependência envolve os efeitos que essas pessoas têm sobre

nós, e como, em retorno, tentamos afetar a elas.

Há controvérsias a respeito da co-dependência ser uma doença ou

não. Alguns especialistas dizem que a co-dependência é uma doença crônica

e progressiva, tal como a doença do dependente químico ou adicto. E que os

co-dependentes querem e precisam de pessoas doentes em volta deles para

estar felizes de uma maneira não saudável.

Segundo Thomas Wright (s.d.), que escreveu no livro Co-

dependency, An Emerging Issue: “Suspeita-se que historicamente os co-

dependentes têm atacado a injustiça social e lutado pelos direitos dos mais

fracos. Os co-dependentes querem ajudar. E creio que ajudaram. Mas,

provavelmente, morreram achando que não fizeram o bastante e sentindo-se

culpados. É natural desejar proteger e ajudar as pessoas que nos são caras. É

também natural sermos afetados e reagirmos aos problemas das pessoas à

nossa volta. Quando o problema se torna mais sério e continua involúvel,

ficamos ainda mais afetados e reagimos mais intensamente a eles.”

Para Beattie, Melody (1997), a co-dependência é principalmente um

processo reacionário, onde se reagem demais, reagem de menos. Mas

raramente agem. As pessoas reagem aos problemas, às dores, à vida e aos

comportamentos de outros. Reagem a seus próprios problemas, às suas dores

30

e ao seu comportamento. A co-dependência talvez não seja uma doença, mas

pode fazer das pessoas saudáveis, um doente. E pode contribuir para que as

pessoas à sua volta continuem doentes. Seja qual for o problema que a

pessoa tenha, a co-dependência envolve um sistema vicioso de pensar, sentir

e comportar-se em relação a nós mesmos e aos outros que nos pode causar

dor. Comportamentos co-dependentes ou viciosos são autodestrutivos. E

frequentemente, reagimos às pessoas que se estão destruindo; reagimos

aprendendo a destruir a nós mesmos. Esses vícios podem levar-nos, ou

manter-nos em relacionamentos destrutivos, em relacionamentos que não

funcionam. Esses comportamentos podem sabotar relacionamentos que

poderiam, de alguma maneira ter dado certo. Esses comportamentos podem

impedir que encontremos paz e felicidade com a pessoa mais importante de

nossa vida – nós mesmos. Esses comportamentos pertencem à única pessoa

que cada um de nós pode controlar, à única pessoa que podemos modificar:

nós mesmos. Beattie, Melody (1997).

“(...) alguns de nós aprendemos esses comportamentos

quando crianças. Outros aprenderam mais tarde na vida.

Podemos ter aprendido alguns desses comportamentos

através da nossa interpretação de religião. A algumas

mulheres foi ensinado que esses comportamentos eram

qualidades femininas desejáveis. Seja onde for que

tenhamos aprendido a fazer essas coisas, a maioria de

nós aprendeu direitinho a lição”. (Beattie, Melody 1997,

p.55).

Segundo o terapeuta Scott Egleston (s.d.), a “co-dependência é uma

maneira de tentar satisfazer necessidades que não consegue satisfazer às

necessidades. Estamos fazendo as coisas erradas pelas razões certas”.

Para Beattie, Melody (1997), a maioria das pessoas tem estado tão

ocupada atendendo aos problemas de outros que não tem tempo para

identificar, muito menos cuidar de seus próprios problemas.

Especialistas apontam que o primeiro passo, para a cura é a

conscientização. O segundo passo é a aceitação. A partir da aceitação da co-

31

dependência, pode-se realizar o maior ato de amor, a conscientização de que

a melhor ajuda e única possível é a mudança de nós. Buscando apoio em

psicoterapia, e tão importante quanto, frequentando salas de grupos de mútuo

ajuda como o Alanon, Naranon e Amor Exigente.

“A co-dependência é muitas coisas. É a dependência das pessoas,

em seus humores, comportamentos, doenças ou bem-estar, e seu amor. É

uma dependência paradoxal. Os co-dependentes parecem ser pessoas das

quais se depende, mas são dependentes. Parecem fortes, mas se sentem

desamparados. Parecem controladores, mas na realidade são controlados, às

vezes por uma doença como o alcoolismo”. Beattie, Melody (1997).

Para Cesar, Bel (2004), “muitas vezes pensamos, que somos a

melhor pessoa do mundo porque agradamos aos outros e não a nós mesmos.

Interrompemos nossas atividades para atender ao chamado alheio. Fazemos

sempre mais do que os outros nos pedem, e, habilidosamente, antecipamos

seus desejos e abrimos mão dos nossos com extrema facilidade. Depois,

ficamos chateados quando os outros não fazem o mesmo por nós. Não é

simples perceber que estamos fazendo este papel de salvador, pois os co-

dependentes têm muita dificuldade de conhecer seus sentimentos, estão

habituados a se sacrificar pelos outros e nem se dão conta de que, em vez de

controlar a sua própria vida, dedicam todo o seu tempo a controlar a vida dos

outros. Como co-dependentes, dizemos sim, mas na realidade queremos dizer

não; fazemos coisas que não queremos realmente fazer, ou fazemos o que

cabia aos outros fazer”. Uma atitude co-dependente pode parecer positiva,

paciente e generosa, pois está baseada na melhor das intenções, mas, na

realidade, é inadequada, exagerada e intrusa. A questão é que os co-

dependentes estão viciados na vida alheia e não sabem mais viver a sua

própria. Adoram dar, mas detestam receber, seja atenção, carinho ou ajuda.

Desta forma, quanto mais se dedicam aos outros, menos autoconfiança

possuem. Afinal, desconhecem os seus próprios limites e necessidades.

A co-dependência se inicia quando uma pessoa, numa relação

comprometida com um dependente, tenta controlar seu comportamento na

esperança de ajudá-lo. Como conseqüência dessa busca mal sucedida de

32

controle das atitudes do outro, a pessoa acaba perdendo o domínio sobre seu

próprio comportamento e vida. Se nos dedicarmos aos outros e nos

abandonar, mais à diante bateremos de frente com as conseqüências de

nossa atitude ignorante.

Reconhecer nossos limites e necessidades é tão saudável quanto a motivação

de querer superá-los. Sentir a dor do outro não quer dizer ter que repará-la.

Este é nosso grande desafio: sentir a dor com o intuito simplesmente de nos

aproximarmos dela, estarmos apenas junto, em vez de querer transformá-la de

modo imediato. Ter empatia não tem nada a ver com a necessidade

compulsiva de realizar os desejos alheios, própria dos relacionamentos co-

dependentes.

Stephen Levine (1996), em Acolhendo a pessoa amada, diz que “para

identificarmos se nossos relacionamentos são saudáveis ou não: Na co-

dependência, as balanças sempre pendem para um lado. É freqüente que um

tenha de estar ‘por baixo’ para que o outro se sinta ‘por cima’. Não há

equilíbrio, somente a temida gravidade. Em um relacionamento equilibrado não

há um ‘outro dominante’; os papéis estão em constante mudança. Quem tiver o

apoio mais estável sustentará a escalada naquele dia. A troca equilibrada entre

ceder e requisitar, dar e receber afeto e atenção nos aproxima de modo

saudável das pessoas que nos cercam sem corrermos o risco de criar vínculos

destrutivos”.

Assim como esclarece John Welwood (s.d.), Em busca de uma

psicologia do despertar (Ed.Rocco): “O paradoxo do relacionamento é que ele

nos obriga a sermos nós mesmos, expressando sem hesitação e assumindo

uma posição. Ao mesmo tempo, exige que abandonemos todas as posições

fixas, bem como nosso apego a elas. O desapego em um relacionamento não

significa que não tenhamos necessidades ou que não prestemos atenção a

elas. Se ignoramos ou negamos nossas necessidades, cortamos uma parte

importante de nós mesmos e teremos menos a oferecer ao parceiro. O

desapego em seu melhor sentido significa não se identificar com as carências

nem com as preferências e aversões. Reconhecemos sua existência, mas

permanecemos em contato com nosso eu maior, onde as necessidades não

33

nos dominam. A partir desta perspectiva, podemos escolher afirmar nosso

desejo ou abandoná-lo, de acordo com as necessidades do momento.”

Segundo Beattie, Melody (1997), a recuperação não é apenas divertida, é

também simples. Nem sempre é fácil, mas pó ser simples. Ela é baseada em

algo que muitos de nós ou esquecemos ou nuca aprendemos, cada pessoa é

responsável por si mesma. Envolve aprender um novo comportamento que é o

de se dedicar a nós mesmos.

O que acontece na co-dependência, é que o comportamento do co-

dependente, reforça o comportamento do outro (dependente) e assim por

diante. O objetivo maior é acabar com esse “jogo”, para que se possa ter

atitudes mais funcionais. Quanto mais o dependente disfunciona, mais o

familiar se sente obrigado a cumprir seu compromisso. Quanto mais o familiar

resolve os problemas do dependente, menos ele percebe o tamanho do seu

prejuízo, mantendo assim o padrão relacional, em que o comportamento de um

alimenta e provoca o do outro. Sair desse padrão não é nada fácil, mas

arriscar mudar, pode parecer uma alternativa capaz de dar um fim ao padrão

relacional disfuncional.

3.1 - Síndrome de Abstinência

Segundo Diniz, Maria Helena (2005), síndrome de abstinência é o

conjunto de modificações orgânicas que se dão em razão da suspensão

brusca do consumo de droga geradora de dependência física e psíquica. A

síndrome de abstinência apresenta sintomas como disforia, insônia,

ansiedade, irritabilidade, náusea, agitação, taquicardia e hipertensão. É muito

importante, para o tratamento correto, a identificação inicial do tipo de droga

usada porque as complicações diferem de acordo com a substância.

34

Para Zaleski, Marcos (s.d.), a crise de abstinência do álcool tem início

a partir de 72h de interrupção e pode causar delirium tremens e convulsões,

sendo mais severa em pacientes com episódios prévios. Apresenta sintomas

específicos como distúrbios táteis e visuais e convulsões. No caso da síndrome

de abstinência de opióides, o início do quadro depende da meia vida da droga.

Apresenta-se de forma semelhante a uma gripe severa, com dilatação pupilar,

lacrimejamento, rinorréia, bocejos, espirros, anorexia, náuseas, vômitos e

diarréia. Não causa convulsões nem delirium. Os estimulantes como a cocaína

e as anfetaminas apresentam como sintomas na abstinência o sono, aumento

do apetite, distúrbios motores, sintomas depressivos, desilusões, pensamentos

paranóicos e comportamento compulsivo.

Os sintomas de abstinência podem ser confundidos porque a

dependência de álcool usualmente está associada ao uso de outras drogas.

A síndrome de abstinência pode ser aguda (SAA) ou demorada

(SAD). A SAA corresponde aos sintomas físicos, psicológicos e sociais

provocados pela falta da droga, que ocorrem de 3 a 10 dias após o último uso.

A SAD corresponde aos sintomas baseados na sobriedade que ocorrem a

partir de meses ou anos após o uso final da droga. Os sintomas, que estão

ligados aos danos causados ao cérebro, apresentam-se durante a sobriedade

e podem ser descritos como mente confusa, problema de memória, reação

emocional exagerada ou apatia, distúrbios ou alterações do sono, problemas

de coordenação motora e sensibilidade ao stress. A SAD pode ocasionar

recaída com freqüência, porém seus sintomas são reversíveis se houver

tratamento adequado. (Zaleski, Marcos, s.d.).

Quando a droga é retirada do organismo, a tendência no cérebro é

que se obtenha o oposto do efeito da droga. Dessa forma, drogas estimulantes

têm depressão em sua abstinência, enquanto as drogas tranqüilizantes têm

inquietação e irritabilidade na falta delas. O tratamento farmacológico da

síndrome de abstinência de cada uma das drogas, busca compensar o estado

de desequilíbrio neuroquímico.

35

3.2 - Prevenção de Recaída

O programa de prevenção de recaída é um tratamento cujo objetivo é

manter uma mudança de comportamento desejada e ensinar o dependente

químico a prever e a lidar com o problema da recaída. A recaída é uma falha

na tentativa de mudança de um comportamento-alvo. Sendo um processo de

retorno do uso de drogas por uma pessoa que permaneceu abstinente por um

período de tempo, tendo utilizado nesse período, diversas tentativas de

mudança comportamental no sentido de sua recuperação. A pessoa que recai,

além de ter retornado ao uso de drogas após um período de abstinência curto

ou longo, deve ter iniciado uma mudança em seu estilo de vida, dentre eles o

não encontrar com amigos de ativa e não freqüentar os mesmos lugares onde

costumava consumir drogas. No entanto, o que determina se ocorreu ou não

uma recaída além de um período de abstinência é se o uso da droga foi ou não

seguido por uma tentativa de mudança comportamental e não um tempo maior

de abstinência. Isso não significa que a pessoa voltará a se comportar como

antes do início da recuperação. A recaída além de ocorrer o uso da droga, há

um retorno ao comportamento que apresentava antes do tratamento. As

recaídas ocorrem, mas podem ser evitadas. Elas não devem ser encaradas

como uma falha no tratamento, mas sim como um indicativo de que alguma

parte do modelo de prevenção de recaídas precisa ser revisto.

A recaída é um conjunto de sucessivos acontecimentos que

começam antes de a pessoa efetivamente usar alguma droga. Ela é um

processo e não um evento único, sem sinais de alerta, como muitos pensam,

ela é um processo que envolve atitudes, comportamentos e pensamentos que

geralmente começam bem antes do ato em si. É difícil determinar quando o

processo de recaída começa, mas na maior parte dos casos começa com uma

vivência ou mudança significativa, sendo tanto positiva como negativa. É uma

sequência de pensamentos e sentimentos que ocorrem em cadeia,

desencadeados por uma situação, acontecimento, ou mesmo lembrança,

36

agradável ou desagradável, que levam a pessoa a se colocar em situações de

risco. Em geral as pessoas negam e não procuram ajuda e com isso novos

problemas são criados e ignorados. Pensamentos positivos sobre o tempo em

que usava drogas começam a aparecer, e o uso das mesmas parece

totalmente justificável. Colocam-se em situações de risco e a pensar em

formas de obter a droga. As fissuras se tornam então cada vez mais intensas,

e logo a pessoa acaba usando a droga, terminando a cadeia de eventos que

caracterizam a recaída.

O primeiro passo, para a prevenção de recaída, é a identificação das

situações de alto risco do consumo para depois se trabalhar alternativas para

previní-las.

Segundo Beck (1997), o modelo cognitivo de recaída envolve uma

sequência de sete fases: 1) Estímulo de alto risco; 2) Crenças básicas sobre a

droga; 3) Pensamentos automáticos; 4) Vontade – fissura; 5) Crenças que

facilitam o uso; 6) Focalizar em estratégias instrumentais; 7) Uso contínuo ou

recaída.

Para Washton (1989), os principais pensamentos e atitudes

envolvidos no processo de recaída são:

- A “lua de mel” onde se têm a sensação de que já superou a

dependência e que seus problemas já estão resolvidos, simplesmente por ter

conseguido interromper o uso.

- Atitudes destrutivas e pensamentos aditivos. 1) Dificuldade para

aceitar a dependência; 2) Autopiedade; 3) Impaciência; 4) Esperando muito

dos outros; 5) Sendo negativo, culpando e sendo insatisfeito cronicamente; 6)

Quebrando as regras; 7) Sem a droga a vida não tem graça; 8) Atitudes e

crenças rígidas.

37

3.3 - Tratamento

A dependência química por ser multifatorial, seu tratamento visa o

restabelecimento físico, psicológico, a reinserção social do indivíduo e a

mudança na qualidade das relações familiares, já que tanto a família quanto o

usuário experimentam grandes sofrimentos antes de perceber a necessidade

de pedir ajuda. Tudo isso é muito complexo, por isso, é preciso que o

dependente tenha um alto grau de motivação. E importante fazer as escolhas

certas no processo de pedir ajuda. (Aleluia, Gisele 2007).

A internação, tratamento multidisciplinar especializado de forma

voluntária (parte do desejo do dependente) e à revelia (à força), busca

desintoxicar o indivíduo e não implica a cura da dependência química e se faz

necessária quando o indivíduo apresenta sintomas de abstinência muito

intensos ou quando desencadeaodos pelo uso excessivo de drogas ocorre

alguma comorbidade psiquiátrica, o que costuma ser grande dificultador para a

suspensão do hábito. Para muitos pacientes o uso da medicação é

fundamental para o desenvolvimento de uma recuperação satisfatória,

principalmente quando combinada com diferentes tipos de psicoterapia.

(Carneiro, Elizabeth 2007).

Outras alternativas, de tratamentos como acompanhamento

ambulatorial, grupos de mútua ajuda A.A. (Álcoolico Anônimos), N.A.

(Narcóticos Anônimos), terapias de grupo e outras abordagens voltadas à

mudança do comportamento oferecem diferentes estratégias para lidar com o

problema da dependência química e são componentes fundamentais no

tratamento efetivo da drogadição. O apoio da família em grupos respectivos é

de extrema importância para promover uma maior motivação e a manutenção

nessa nova etapa de recuperação. A recuperação é um processo à longo

prazo que requer boa vontade, disponibilidade e competência.

38

3.4 - Manutenção

A manutenção se refere a todo o processo de fixação do

comportamento modificado e merece muita atenção. Muitas vezes, nesse

momento o próprio paciente e as pessoas em sua volta diminuem suas

preocupações e são pegos de surpresa por já se considerarem os vencedores.

E é bom lembrar que o estágio de manutenção se perpetua por toda a vida.

Segundo (Prochaska, DiClemente & Norcross, 1992), existem quatro

estágios motivacionais: pré-contemplação, contemplação, ação e manutenção.

A estabilização do comportamento, que tem por objetivo evitar a

recaída, é a marca do estágio de manutenção. Estar apto a permanecer livre

do comportamento aditivo é o critério para se considerar alguém no estágio de

manutenção (Velicer, Prochaska, Fava, Norman & Redding, 1998).

Prochaska, DiClemente & Norcross (1992) afirmam que avaliar a

motivação para mudança, independentemente do tratamento utilizado, parece

ser um aspecto importante para a utilização de intervenções adequadas aos

pacientes.

O Modelo Transteórico de Mudança de Comportamento, descreve a

disponibilidade para a mudança a partir de estágios motivacionais pelos quais

o indivíduo caminha. Este modelo está baseado na premissa de que a

mudança comportamental é um processo e que as pessoas têm diversos

níveis de motivação e de prontidão para mudar (Calheiros, Andretta & Oliveira,

2006).

A busca por manter-se limpo é algo a ser galgado dia a dia, um

pacinho de cada vez e só por hoje. É importante ressaltar que o dependente

precisa de suporte e as indicações de grupos de apoio, psicoterapia, terapia

familiar, terapia de grupo e intervenção medicamentosa durante um longo

período são essenciais para que o dependente possa manter-se limpo.

39

CONCLUSÃO

Vimos que a dependência química é uma doença progressiva, cônica

e fatal. É crônica, pois é incurável, e é fatal se não tratada. Sua maior

incidência ocorre na adolescência, período de transição da infância para a

idade adulta, momento em que as transformações físicas, emocionais estão

acontecendo. A perda do corpo infantil, o desprendimento da família e maior

proximidade com o grupo de iguais ocorrem nessa fase da vida, podendo gerar

uma crise de identidade. Mas, o adolescente que obtém amparo social e

emocional para enfrentar estes momentos, sofre menos.

A drogadição permeia muitos sistemas, ou seja, acontece a interação

entre o indivíduo e a droga, o indivíduo com ele mesmo, e o indivíduo e os

outros. A idéia de que há influência da família no desenvolvimento da

drogadição é relevante. No entanto, não se pode definir apenas um tipo

específico de funcionamento.

Compreender a realidade do dependente químico, e das pessoas que

o rodeiam, possibilita uma maior compreensão da função que a doença pode

estar exercendo sobre eles. E só assim, é possível pensar na recuperação em

dependência química.

Entre os pais e filhos, como entre o casal e o mundo exterior, é

preciso que existam fronteiras bem definidas e reguladas por regras que

determinam quem e como se participa das relações familiares. O processo de

construção da personalidade permanece localizado no interior da família e da

convivência íntima, apesar das transformações sociais. Quando as estruturas

familiares são inflexíveis e não conseguem adaptar-se adequadamente aos

desafios do desenvolvimento ou determinadas situações, surgem os

transtornos de comportamentos. Esses movimentos disfuncionais são

desenvolvidos e mantidos por fronteiras rígidas ou difusas separando os

subsistemas da família. Os extremos indicam áreas de possíveis patologias

É preciso compreender a família como um sistema, operando dentro

de contextos sociais específicos.

40

Percebe-se a família como peça necessária ao tratamento em várias

etapas do processo terapêutico, desde a abordagem inicial do problema à

permanência no tratamento e à prevenção de recaídas.

Sendo a dependência química uma patologia que se estabelece

progressivamente esta relação faz com que, aos poucos, o indivíduo vá

formando um estilo de vida em função do uso da substância, e esse estilo se

torna palco da progressão da dependência, permitindo que a mesma se

instale.

A dificuldade estar localizada na necessidade de promover

mudanças no estilo de vida adoecido. Tal estilo de vida não é só vivido pelo

dependente, mas também por sua família. . É como se a família fosse

“adoecendo junto”. A família vai aos poucos se ajustando ao estilo de vida do

indivíduo que vai se tornando dependente.

O tratamento do fenômeno da dependência precisa integrar tanto os

aspectos individuais do dependente quanto os relacionais da dinâmica familiar

adictiva.

A partir de uma abordagem sistêmica, entendemos que a família

pode ser um alvo eficaz de intervenção da questão da dependência. Portanto,

uma mudança vivida por um membro da família trará mudança para todo

sistema.

Vimos que o Co-dependente é aquele familiar, geralmente

companheira (o), que vivem em função da pessoa problemática, fazendo desta

tutela obsessiva a razão de suas vidas, sentindo-se úteis e com objetivos

apenas quando estão diante do dependente e de seus problemas. Os co-

dependentes vivem tentando ajudar a outra pessoa, esquecendo, na maior

parte do tempo, de cuidar de sua própria vida, anulando sua própria pessoa,

ou seja, esquecendo de si mesmo em função do outro e dos comportamentos

insanos desse outro. E tal como a dependência química, a co-dependência é

uma doença crônica e progressiva e também precisa ser tratada, pois torna

pessoas saudáveis, um doente. E pode contribuir para que as pessoas à sua

volta continuem doentes. O que acontece na co-dependência, é que o

comportamento do co-dependente, reforça o comportamento do outro

41

(dependente) e assim por diante. Sair desse padrão não é nada fácil, mas

arriscar mudar, é uma alternativa capaz de dar um fim ao padrão relacional

disfuncional.

É importante perceber que não existem culpados ou responsáveis pela

dependência química, é preciso entender que todos que estão de alguma

maneira, envolvidos nessa doença sofrem com ela e que para tratar essa

doença é preciso de muita motivação interna e tão importante quanto isso, é a

necessidade do apoio familiar e a mudança de um padrão relacional que até

então não estaria funcionando muito bem, já que os familiares contribuem para

o desenvolvimento e manutenção da dependência química. Importante

também é a busca por atendimento especializado com uma equipe

multidisciplinar capacitada para fornecer subsídios para que o dependente

possa caminhar em busca de sua recuperação.

Só por hoje, funciona!

42

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5 - PICCHI, M. (1996). Vencer a droga. Experiências, prevenção e

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 7

SUMÁRIO 8

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I

DEPENDÊNCIA QUÍMICA 12

1.1 - Dependência de Drogas 13

1.2 - Critérios Diagnósticos para Dependência Química 15

CAPÍTULO II

TEORIA ESTRUTURAL DA FAMÍLIA 20

2.1 - Estrutura Familiar 22

2.2 - Terapia Familiar Sistêmica na Dependência Química 23

2.3 - Dependência Química e Adaptação Familiar, 23

como isso funciona?

2.4 - O Desenvolvimento do Sintoma 27

CAPÍTULO III

CO-DEPENDÊNCIA 28

3.1 - Síndrome de Abstinência 33

3.2 - Prevenção de Recaída 35

3.3 - Tratamento 37

3.4 - Manutenção 38

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA CITADA 42

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 45

47

FOLHA DE AVALIAÇÃO

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