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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE COTAS E UNIVERSIDADE: AÇÕES AFIRMATIVAS PARA O SEGMENTO NEGRO NO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO. Por: Lucio Benedito Mauro Barbosa Orientador: Prof. Vilson Sérgio de Carvalho Vitória 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

COTAS E UNIVERSIDADE: AÇÕES AFIRMATIVAS PARA O

SEGMENTO NEGRO NO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO.

Por: Lucio Benedito Mauro Barbosa

Orientador: Prof. Vilson Sérgio de Carvalho

Vitória

2010

1

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

COTAS E UNIVERSIDADE: AÇÕES AFIRMATIVAS PARA O

SEGMENTO NEGRO NO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO.

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Candido Mendes como

requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Docência do Ensino Superior

Por: Lucio Benedito Mauro Barbosa

2

AGRADECIMENTOS

A Deus. Sem Ele eu não conseguiria.

A toda minha família, especialmente à

minha mãe Marlene.

Ao meu amigo João Laux.

Ao meu orientador, Prof. Vilson Sérgio de

Carvalho.

A todos que direta ou indiretamente

contribuíram para a realização deste

trabalho.

3

DEDICATÓRIA

À minha querida mãe Marlene.

4

RESUMO

O trabalho objetiva analisar a importância das cotas étnicas no acesso da

população negra às universidades públicas. Historiciza a questão racial

brasileira e a trajetória do negro na educação. Investiga os desafios

encontrados pelos negros no acesso ao ensino superior público no Brasil.

Propõe soluções para o acesso e a permanência dos negros nas

universidades públicas. Trata de uma pesquisa qualitativa e quantitativa.

Considera o foco na questão étnico-racial a partir da trajetória do negro na

história do Brasil. Avalia as heranças do pós-abolição e seus reflexos na

educação. Examina a insuficiência de políticas públicas e ações afirmativas

para o segmento negro no ensino superior público. Revela a importância das

cotas étnicas. Valoriza a política de cotas étnicas e a inserção do negro nas

universidades públicas federais.

5

METODOLOGIA

“Tudo o que sei do mundo, mesmo devido à ciência, o sei a partir de minha visão pessoal ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência nada significariam1”.

Ao abordarmos a questão das cotas étnico-raciais para o acesso dos negros

nas universidades públicas federais, optamos pela pesquisa qualitativa e

quantitativa. Segundo Abramovay e Castro (2006), as vias qualitativa e

quantitativa estão sendo utilizadas como estratégia de pesquisa superando

assim as limitações de cada uma. Além disso, essas duas vias têm sido muito

utilizadas para abordar as relações raciais na educação (Abramovay e Castro,

2006).

Seguimos o caminho qualitativo considerando o foco na questão étnico-racial

brasileira e suas relações com a educação superior pública. Para compor a

amostra da pesquisa qualitativa, escolhemos as universidades públicas

brasileiras.

Sabemos que existe uma série de complicações nas questões de auto-

atribuição de cor ou raça em nosso país, mesmo sendo guiados segundo os

critérios do IBGE. Entretanto, um dos objetivos dessa pesquisa foi deixar claro

que a categoria de negros engloba pretos e pardos.

1 MERLEAU-PONTY apud TRIVIÑOS, 1995, p.43. http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/6121.pdf

6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................. 07

CAPÍTULO I - A TRAJETÓRIA DO NEGRO NA HISTÓRIA DO BRASIL ...... 08

1.1 Pós-Abolição: As Heranças da Escravidão................................................ 09

CAPÍTULO II - O NEGRO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA.............................. 19

2.1 Pretos e Pardos são Negros ..................................................................... 23

CAPÍTULO III - A QUESTÃO DAS COTAS ÉTNICAS.................................... 31

3.1 Cotas Étnicas e Universidade.................................................................... 33

CONCLUSÃO ................................................................................................. 39

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA...................................................................... 40

ANEXOS ......................................................................................................... 42

ÍNDICE............................................................................................................. 49

FOLHA DE AVALIAÇÃO................................................................................. 50

7

INTRODUÇÃO

O estudo das ações afirmativas para o acesso do segmento negro nas

universidades públicas tornou-se um tema relevante, pois ainda vivemos em

uma sociedade onde o negro, pobre, trabalhador, estudante de escola pública,

é discriminado.

Ao refletir sobre “os porquês” da realização desse trabalho, procuramos situar

as razões pela preferência do tema, cotas e universidade. Além disso, a

escolha do tema precisava estar restrito à linha de pesquisa à qual o curso

está vinculado, ou seja. Docência do Ensino Superior. Sendo assim,

delimitamos o tema à questão do ensino superior público e as cotas étnicas,

especificamente para o segmento negro.

O trabalho analisou a trajetória do negro na História do Brasil e a sua cultura.

Contemplou a sua resistência, durante a escravidão, por mais de três séculos,

e até os nossos dias. Ressaltamos que a escravidão foi usada para nomear e

demarcar os lugares dos negros na sociedade brasileira, tornando a

classificação por cor uma marca carregada de preconceitos e estereótipos.

Mesmo após a “abolição” o negro teve que lutar muito para sobreviver e ainda

continua lutando. Hoje, em vários aspectos, os negros são os mais vulneráveis

e os mais atingidos pela miséria, fome, falta de moradia, assistência à saúde e

à educação, especialmente no ensino superior. Esses são os resquícios da

escravidão.

O objetivo geral da nossa pesquisa foi analisar a importância das cotas étnicas

no ensino superior público e avaliar como a questão étnico-racial brasileira se

faz presente nessas universidades. Foram estas e algumas outras questões

que nortearam o nosso trabalho e provocaram várias reflexões acerca da

questão étnico-racial na educação superior brasileira, especificadamente nas

universidades públicas.

8

CAPÍTULO I

A TRAJETÓRIA DO NEGRO NA HISTÓRIA DO BRASIL

Antonil, escrevendo sobre o tormento da cana-de-açúcar batida, torcida, cortada em pedaços, arrastada, moída, espremida e fervida, descreveu o calvário de escravos pais e de escravos filhos. Estes também haviam de ser batidos, torcidos, arrastados, espremidos e fervidos. Era assim que se criava uma criança escrava (PRIORE, 2004, p. 184).

O Brasil é um país marcado fortemente pela cultura africana. Assim, para

compreendermos a questão étnico-racial brasileira, precisamos ir às suas

origens, ou seja, à História da África e à sua relação mais intensa com a

História do Brasil. Segundo Lima (2006), da África foram arrancados pela força

cerca de 11 milhões de seres humanos, feitos escravos, e trazidos

compulsoriamente para as Américas. Desses 11 milhões de escravos que

vieram para as Américas, 40% mantiveram-se no Brasil, ou seja, mais de 4

milhões. Para Elkins (apud CASHIMORE, 2000), todo africano tornado escravo

passou por uma experiência traumática, cujo rude impacto físico foi enorme e

cujas conseqüências suplantaram qualquer outro evento por que já tivesse

passado. Ser escravo naquela época implicava, além de tudo, a inferioridade

da “raça” negra.

Os africanos que aqui chegavam não carregavam nada consigo, além de seus

corpos, suas crenças, valores, tradições e memórias. Os bantos, nagôs, minas

e jejes, arrancados da África e trazidos à força para o Brasil e escravizados,

foram generalizados como negros africanos e/ou escravos. O termo “africano”

servia para identificar a sua origem, o termo “negro” era a referência de sua

condição racial e o de “escravo” descrevia sua condição social; isso produziu

uma fusão de significados entre os termos: todos referentes a uma condição

de inferioridade.

Se os portugueses trouxeram para o Brasil uma identidade cultural bastante

homogênea, as populações nativas caracterizavam-se pela grande diversidade

étnica e cultural. Os diferentes grupos africanos que vieram para o Brasil eram

9

de várias regiões da África: Congo, Guiné, Sudão, Angola, Moçambique entre

outras. Esses povos chegavam à América com suas línguas, crenças,

costumes, religiões e tradições variadas; essas populações contribuíram para

acentuar a heterogeneidade e a riqueza cultural da população brasileira.

A escravidão era algo natural para a sociedade portuguesa. Nem o Estado

nem a Igreja católica condenavam a imposição da escravidão africana com

suas práticas. Não havia reprovação pelo fato de se comprar e escravizar um

homem; a Igreja e a sociedade aprovavam, a Justiça garantia. Mattos (apud

Freire, Motta e Rocha, 2004, p. 67), revela que, entre os séculos XVI e XVII,

[...] mais de 1 milhão de pessoas viveram como escravos na Península Ibérica. A população escrava somava, em fins do século XVI, cerca de 10% da população do Algarve e de Lisboa. Desde então, a presença escrava em Portugal continuou a crescer em números absolutos até a proibição da entrada de novos cativos no reino, pelo Marquês de Pombal em 1761.

Para Carril (1997), a condição de escravo não significou apenas uma forma de

trabalho, pois colocava a pessoa do escravo sob a vontade do senhor,

retirando-lhe a condição de ser humano. Considerados como simples

mercadorias, os escravos formavam a base econômica da sociedade e eram

responsáveis por quase todo trabalho executado na colônia. Não interessavam

quais fossem os afazeres, o escravo era parte de uma engrenagem, e sua

força de trabalho era tão cativa quanto seu corpo e sua vontade.

1.1 Pós-Abolição: As Heranças da Escravidão

O Brasil foi o último país da América a abolir o regime escravista legal. A

começar da Abolição em 13 de maio de 1888 e da Proclamação da República

em 15 de novembro de 1889, o negro começa a sua luta pelo reconhecimento

da sua identidade e inserção na nova sociedade. Na verdade, da Colônia ao

Império, mesmo após a abolição, a mentalidade escravista continuou viva no

interior das instituições, inclusive na República.

10

Essa mentalidade colaborou para impedir a ascensão social de negros e

mestiços na sociedade brasileira. De certa forma, isso os obrigou a buscar a

miscigenação com o branco como possibilidade de ascender na escala social e

melhorar sua condição de vida. Para Carneiro (2002), ao miscigenar-se com o

branco, o negro conseguiu clarear a pele e, ao alisar os cabelos, aproximou-se

do ideal de beleza branca.

Por séculos e séculos, a escravidão negra no Brasil foi usada para nomear e

demarcar os lugares dos negros na sociedade, tornando a classificação por cor

uma marca carregada de preconceitos e estereótipos. Foi isso que criou, ao

longo dos séculos, tanto no escravo quanto no senhor, representações sociais

e experiências de submissão tão profundas que, ainda hoje, afirmam o lugar

do negro em determinados segmentos da sociedade.

Na condição de mão-de-obra escrava, em todos os postos de trabalho manual

do Brasil Colonial ao Monárquico, até o final do século XIX, tudo que foi

erguido em nosso país teve a participação predominantemente do negro,

escravo ou livre. Por mais de três séculos, essa população negra viveu todo

tipo de violência, preconceito2 e discriminação3.

Após a abolição, os negros não tinham recursos financeiros para trabalhar por

conta própria, não tinham educação para buscar uma boa posição na

sociedade nem contavam com nenhum tipo de ajuda do governo. Em geral,

muitos permaneceram onde estavam: trabalhando como empregados nas

fazendas em troca de comida e abrigo. Além disso, muitos continuavam a ser

tratados como subalternos, marcados pela escravidão e pelo racismo, outros

se misturavam à multidão de pobres e desvalidos. A um só tempo, grande

parte da sociedade branca e rica tratava os negros com uma atitude racista e

2 Conceito ou opinião formados antecipadamente, sem conhecimento dos fatos. É uma idéia

pré-concebida e desfavorável a um grupo racial, étnico, religioso ou social. Implica aversão e ódio irracional contra outras raças, credos, religiões, etc. (Carneiro 2002, p. 6).

3 Tratamento desfavorável dado a uma pessoa ou grupo com base em características raciais ou étnicas. Por exemplo, impedir uma pessoa de assumir um emprego por não ser branca é um ato de discriminação (Carneiro 2002, p. 6).

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desprezível, fruto de um intenso preconceito racial construído durante os quase

quatro séculos de escravidão legal ao longo da História do Brasil.

Segundo Bento (2002), a elite brasileira desejava apresentar o Brasil como um

país branco no século XIX, no entanto o censo de 1872 já revelava que 55%

da população brasileira era negra. A solução encontrada pelos deputados da

Assembléia Legislativa da Província de São Paulo nesse tempo (e as de outros

Estados) foi o estímulo à imigração européia e à miscigenação, como forma de

“clarear” a população brasileira com o passar dos anos. Dessa forma, iniciou-

se a campanha imigrantista.

Os imigrantes europeus eram mais valorizados pelos senhores de terras, pois

simbolizavam a chegada do progresso enquanto o negro era sinônimo de

atraso. Assim, os negros ainda foram culpados pelos problemas sociais e

econômicos existentes no Brasil pós-abolição.

Além disso, a entrada de imigrantes europeus no Brasil era defendida por

muitos daqueles que acreditavam na tese do “branqueamento” da população

brasileira. O imigrante “branco” europeu era sinônimo de civilização e

representava a chegada do progresso no país, ao passo que os negros e

mestiços eram vistos como uma “mancha” responsável pelo atraso econômico

e social e cultural do país.

Bento (2002) informa que os imigrantes europeus que chegaram ao Brasil

traziam como única experiência de trabalho as atividades rurais, ou seja, a

mesma praticada pelo ex-escravo. Entretanto, as novas oportunidades

estavam reservadas apenas àqueles que acabavam de chegar da Europa.

Quanto aos recém “libertos”, foram de fato excluídos do processo de

industrialização e crescimento econômico que se iniciava no país. Bento (2002,

p. 32) nos adverte:

Não podemos esquecer que o ex-trabalhador escravo havia sido o principal produtor de riquezas durante quase quatro séculos, no entanto, não recebeu nenhum tipo de indenização, tendo sido

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entregue à própria sorte. Assim, com o fim do escravismo, passou a ser estranhamente considerado preguiçoso.

Para a elite brasileira, o futuro do Brasil pertenceria àqueles de pele branca.

Até mesmo alguns pensadores abolicionistas e defensores do branqueamento

da população brasileira afirmavam a inferioridade do negro em relação ao

branco e o acusavam de ser o responsável pelo atraso cultural e econômico do

país. Segundo Teixeira (2002, p. 225):

A campanha [Abolicionista] foi envolvida por um certo racismo, latente na obra de alguns pensadores. Tavares Bastos, por exemplo, afirmava categoricamente a inferioridade biológica da raça negra. Já para Sílvio Romero, o problema era a mestiçagem, geradora de uma sub-raça que não poderia sobreviver. Defendia por isso o “branqueamento” da população com a entrada de imigrantes europeus – posição com a qual concordavam visitantes estrangeiros, como o biólogo francês Louis Couty, para quem o Brasil tinha falta de “cidadãos” e devia trazê-los da Europa com a imigração [grifo nosso].

Bento (2002) explica que, para os intelectuais e filhos de fazendeiros que

estudavam na Europa e traziam na bagagem a simpatia pelas novas idéias

racistas em moda no velho continente, o Brasil deveria ser formado com o

“sangue superior” dos europeus. Assim, podemos perceber que até mesmo a

censura à escravidão foi baseada em um racismo explícito quando se

comparava o negro ao imigrante. Para Pedro, Czesnat, Cardoso, Falcão, Silva

e Cherem (1988, p. 29),

A própria critica à escravidão fundava-se no racismo, já que se acompanhava da apologia do imigracionismo como parte de um projeto de modernização que tinha entre seus requisitos o branqueamento da nação. Ao negro, considerado culturalmente inapto para participar desse processo civilizatório, só restava, desde aquela época, a marginalização [grifo nosso].

De uma maneira geral, a transição para a condição de homens livres não foi

marcada por um processo de integração dos negros à sociedade. Ao contrário,

enquanto o governo apoiava a chegada dos imigrantes, os negros eram

desprezados, desamparados, desempregados e discriminados. Quando muito,

alguns conseguiam trabalho em pequenas roças de subsistência ou, então,

tornavam-se parceiros nas fazendas de café. Outros abandonavam as antigas

propriedades onde eram escravizados e iam parar nas cidades, formando

13

bolsões de pobreza nas favelas, além de uma mão-de-obra marginalizada pela

concorrência desfavorável com o imigrante. Segundo Freire, Motta e Rocha

(2004, p. 228),

[...] sem apoio do governo na transição para a condição de homens livres, obrigados a concorrer em condições desfavoráveis com os imigrantes no mercado de trabalho, os negros recém libertos tiveram que enfrentar um duro quadro de desigualdades raciais para poderem se integrar com cidadãos brasileiros [grifo nosso].

Mattos (2005) ressalta que, quando a Lei Áurea foi assinada, 95% dos

descendentes de africanos já eram livres, alguns até faziam parte da elite

intelectual e das lutas abolicionistas. No entanto, após essa lei, os negros

foram jogados ao mundo dos brancos, sem nenhuma assistência. Livres, mas

excluídos de participação social e política, efetivas. A Abolição não veio

acompanhada de uma reforma agrária, pois muitos foram impedidos de

comprar terras. Não houve nenhuma reforma econômica, social ou

educacional que atendesse a essa massa recém-liberta. Silva (1988, p. 10)

esclarece:

A classe dominante administrou de tal maneira as mudanças que os ex-escravos não tiveram garantias plenas de acesso à posse ou à propriedade da terra, ao trabalho e ao salário. Onde, pois, a revolução social, se não se alterou a relação entre dominador e dominado? A Abolição representou uma das tantas modernizações conservadoras da nossa história.

Após a Abolição as estruturas sociais permaneceram intactas.

Simultaneamente, a inexistência de reformas sociais mais amplas permitiu a

continuidade da exploração do ex-escravo. Dessa forma, alguns fazendeiros

continuavam empregando o antigo cativo em troca de alimento e “moradia” ou

pagando míseros salários. Desse modo, mesmo depois da Abolição, muitos

ex-escravos continuaram trabalhando para seus ex-donos. Carneiro (2002, p.

16) explica:

Nos últimos anos da escravatura no Brasil, poucas eram as alternativas de trabalho e as oportunidades oferecidas aos negros e mulatos. Não se criaram condições para que a população negra se integrasse na nova ordem social. Os antigos escravos e seus descendentes continuaram a ser tratados como parias, discriminados pela cor e pela classe social e chamados pelos tradicionais

14

estereótipos: boçal, sujo, estúpido, atrasado, bruto, imoral, mentiroso, degenerado.

O Rio de Janeiro, capital do Império, atraiu muitos libertos. Porém, o seu

mercado de trabalho nascente não possuía condições de absorver essa mão-

de-obra, proporcionando o surgimento de um amplo contingente de

desempregados e subempregados. A coação e a violência não eram mais

aplicadas pelo chicote, mas por meio de normas que pretendiam acabar com a

"folga" e a "vadiagem". Carneiro (2002, p. 16) diz:

Raras eram as profissões às quais os negros conseguiam ter acesso. Livres e analfabetos, tentavam vender cestos, galinhas, doces, tabaco. Alguns, mais espertos e conhecedores da natureza, serviam de guias aos viajantes estrangeiros enviados para estudar no Brasil, geralmente a serviço das grandes potências européias.

Considerados, na época, como feios, sujos, fedidos, malandros, preguiçosos e

ladrões, os negros continuaram sendo excluídos pela “sociedade branca” e

europeizada. Além disso, não lhes era permitido o exercício pleno da

cidadania. Desse modo, proliferaram grupos, como os capoeiras, que vagavam

pelas ruas da cidade, tentando sobreviver de recursos considerados como

ilícitos. Carneiro (2002, p. 16) explica que “a fome e o abandono os levaram ao

alcoolismo, ao crime e até mesmo à loucura. As condições insalubres em que

viviam e os maus-tratos a que eram submetidos favoreciam a manifestação de

doenças e os surtos de insanidade”.

Em relação à condição de “livre” na sociedade brasileira, podemos perceber

que o negro permaneceu à margem do universo econômico, social e cultural

estabelecido por uma sociedade regida pelo branco. Além disso, continuou

sujeito ao preconceito e aos novos mecanismos de discriminação e controle

social.

Dessa forma, para manter seus privilégios sem recorrer à violência física

explícita, a coletividade branca utilizou-se de todos os recursos ideológicos,

para criar imagens, teorias, palavras e “silêncios” que desprestigiassem o

negro, a sua cultura, trajetória, e, principalmente, História. Desse modo,

15

durante o início da República, todos os documentos oficiais relativos à

escravidão foram queimados e destruídos, impossibilitando ao negro

reconstruir, do seu passado em diante, as suas origens, a sua trajetória e a

sua história. Teixeira (2002, p. 227) explica:

Quanto ao passado [escravagista], era preciso esquecê-lo com urgência. O exemplo clássico dessa pressa foi dado pelo ministro Rui Barbosa, que, logo após a instalação da República, com o apoio do Congresso Nacional, mandou queimar documentos oficiais relativos à escravidão, como matrículas de escravos e listas do Fundo de Emancipação, para impedir que os antigos senhores insistissem nos processos de indenização e para “apagar a lembrança do triste período escravocrata” [grifo nosso].

A destruição desse passado criou lacunas na História do Brasil que ainda hoje

impede alguns de conhecer e compreender o processo sociohistórico de

marginalização, exclusão e discriminação dos negros na nossa história e a sua

relação com o nosso presente. Ademais, a destruição da sua História foi

apenas um dos recursos utilizados para reforçar e perpetuar os estereótipos e

as ideologias racistas contra o negro no Brasil até os dias atuais.

Nesse processo sociohistórico, a construção da identidade do negro foi

marcada por um tipo de preconceito que se internalizou nas relações sociais,

conservando e reproduzindo a discriminação racial e o desprezo pelas pessoas

de cor. Dessa forma, a origem étnica africana, afrodescendente, ou afro-

brasileira, será estigmatizada pelo preconceito e pelo racismo, ora explícitos,

ora camuflados, durante toda a História do Brasil. É desse contexto

sociohistórico que serão construídas as relações étnico-raciais e a identidade

do negro no Brasil. O Atlas Histórico Istoé Brasil 500 anos (1998, p. 297)

registra:

A identidade negra [...] que se forma no Brasil arca com o fardo da escravidão, da opressão, preconceito e discriminação. Aparece para a mentalidade dominante como um estigma, a ponto de não ser assumida por grandes personalidades negras como Pixinguinha [Alfredo da Rocha Viana Fº, 1898-73], Grande Otelo [Sebastião de Sousa Prata, 1915-93] ou Pelé [Édson Arantes do Nascimento, 42-].

Até mesmo as pessoas dessa origem étnica irão “assimilar”, por meio dos

vários mecanismos de controle social, esse preconceito e essa discriminação

16

contra si mesmas a ponto de não se assumirem como tal, ou seja, o

preconceito contra os negros também está presente entre os próprios negros.

Para Bento (2002), os negros convivem numa sociedade que sempre os

discrimina e os associam a uma imagem negativa; muitos internalizam essa

imagem sobre si próprios, negando sua cor, criticando outros negros e se

esforçando para que pareçam brancos. Isso os leva a sentirem-se inferiores e

a perder sua autoconfiança. Segundo o Atlas Histórico Istoé Brasil 500 anos

(1998, p. 297),

Na 1ª geração pós-1888 a identidade negra brasileira alcança um novo estágio, após séculos de germinação, sobretudo nos bairros negros e a seguir nas favelas dos centros urbanos com maior densidade de afrodescendentes (Rio, Salvador). Nascem o samba, o carnaval dos ranchos e blocos precursores das escolas de samba. Multiplicam-se os terreiros de candomblé. Todas essas manifestações são tratadas como casos de polícia. Até os anos 30 sambistas, capoeiras, pais e mães-de-santo são perseguidos, presos, desterrados.

Segundo Reis (2002), a religião de origem africana foi proibida e perseguida

pela polícia que invadia terreiros, quebrava tudo, agredia as pessoas e

seqüestrava os objetos de culto. Somente em 1952 o candomblé passou a ser

permitido, com a obrigatoriedade de se registrar nas secretarias de Segurança.

Ainda hoje, em vários aspectos, os negros são os mais vulneráveis e os mais

atingidos pela miséria, fome, falta de moradia, assistência à saúde e à

educação. São eles os que trabalham nas profissões de mais baixo escalão,

são os mais humildes e ganham os piores salários. Além disso, há o

preconceito, o racismo e discriminação. O Atlas Histórico Istoé Brasil 500 anos

(1998, p. 297) registra:

A discriminação, porém, continua amplamente praticada, como mostram as estatísticas sobre renda e escolaridade, a desproporcional presença de não-brancos entre presidiários, vítimas da violência policial ou dos grupos de extermínio [...]

Entretanto, nos últimos anos, essa situação vem-se alterando. Bento (2002)

explica que a ampliação da autoconsciência e também da consciência sobre o

racismo, por influência do Movimento Negro e da convivência com outros

17

negros e brancos anti-racistas, vem fazendo que os negros tenham cada vez

mais orgulho da sua raça. O Atlas Histórico Istoé Brasil 500 anos (1998, p.

297) declara:

O movimento negro contemporâneo estrutura-se a partir dos anos 70, como parte do ascenso popular dos últimos anos da ditadura [...] Entidades negras multiplicam-se como nunca (Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas, Grupo de Artistas Negros, Centro de Estudos da Cultura e Arte Negra, Instituto de Pesquisas das Culturas Negras). Em 7/6/78 o MNU (Movimento Negro Unificado) realiza em S. Paulo seu 1º ato contra a discriminação e o preconceito [...] A Constituição de 88 transforma a prática do racismo, de contravenção em crime inafiançável [...].

O Movimento Negro manteve a tradição de resistência e luta do povo negro

brasileiro, que por séculos lutam contra a opressão, a discriminação e o

racismo. Nos anos noventas, o Movimento passou a representar um dos mais

originais e promissores movimentos sociais na sociedade brasileira. Segundo

Gomes (2005, p. 89) explica que “o movimento negro brasileiro, a partir da

década de 90, passa a pleitear a elaboração, implementação e o

desenvolvimento de políticas específicas voltadas para esse segmento”. Bento

(2002), ressalta que dois objetivos orientaram a ação das entidades negras: o

combate às desigualdades raciais por meio da luta pela transformação social e

a valorização da identidade e cultura negras.

São visíveis as conquistas obtidas por aqueles que lutam contra o racismo. Os

resultados dessa luta já começam a surgir: de simples contravenção penal, o

racismo passou a ser considerado como crime, conforme a Constituição

Federal de 1988, exatamente um século após a abolição:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei [grifo nosso].

O Parecer do Conselho Nacional de Educação CNE/CP 3/2004, explica que

compete ao Estado a promoção e o incentivo de políticas de reparações, no

que cumpre ao disposto na Constituição Federal, Art. 205. Este artigo assinala

18

o dever do Estado de garantir indistintamente, por meio da educação, iguais

direitos para o pleno desenvolvimento de todos e de cada um, enquanto

pessoa, cidadão ou profissional. O Parecer ainda esclarece (BRASIL, 2004, p.

11):

Sem a intervenção do Estado, os postos à margem, entre eles os afro-brasileiros, dificilmente, e as estatísticas o mostram sem deixar dúvidas, romperão o sistema meritocrático que agrava desigualdades e gera injustiça, ao reger-se por critérios de exclusão, fundados em preconceitos e manutenção de privilégios para os sempre privilegiados.

Conforme afirma Bento (2002), atualmente nas ruas dos centros urbanos,

jovens, mulheres e adultos negros não apenas mudam a forma de vestir-se e

de usar o cabelo, como também exibem visível orgulho do grupo étnico a que

pertencem. Além disso, é crescente o número de grupos que usam a música,

como os rappers, para se afirmar e lutar contra o racismo e a discriminação.

Toda essa revolução cultural atingiu não apenas os negros, mas todas as

pessoas interessadas em contribuir para que se desenvolva um mundo onde

as diferenças culturais sejam vistas como riquezas e não como elementos

ameaçadores.

Porém, não podemos cruzar os braços e nos esquecer de que ainda hoje há a

necessidade urgente de se pensar em ações estratégicas que visem a

resultados concretos de reparação a essa população negra historicamente

excluída. Além disso, são necessárias discussões e ações nas prioridades

políticas, econômicas e sociais, com a intervenção do Estado na realidade

dessa população. Quem sabe, assim, seja possível ajudar a garantir a real

igualdade sócio-racial. Essa igualdade pode-se dar também mediante a

implantação de ações que valorizem não apenas o negro, mas a sua trajetória,

história e cultura.

19

CAPÍTULO II

O NEGRO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

A educação está presente em todo lugar. O ato humano de educar existe na

família, no trabalho pedagógico da escola, na rua, no ato político e na luta por

um outro tipo de escola, por um outro tipo de mundo. Não podemos falar em

apenas uma educação, mas em múltiplos meios e formas de ensinar e

aprender.

A educação deve servir à humanidade; deve servir para educá-la, torná-la

melhor, desenvolver nela tudo o que tem, e tudo a que tem direito. Contudo, o

controle sobre o saber se faz em boa medida por meio do que se ensina e a

quem se ensina. Ou seja, há educações desiguais para classes desiguais.

Segundo Brandão (1995) o que existe na verdade é a preservação de tipos de

saber e de meios de sua transferência de uma geração para outra.

Brandão (1995) também afirma que, na década de 50, sociólogos americanos

realizaram algumas pesquisas que confirmaram que, mesmo nos Estados

Unidos, o filho do operário estuda para ser o operário que acaba sendo, e o

filho do médico para ser médico ou engenheiro. Apesar de ser um projeto

teórico de reprodução da igualdade, a educação da sociedade capitalista

avançada reproduz e aplica a desigualdade social, sem esquecer de fazer

alarde em festa de formatura quando algum filho de operário consegue sair

formado da Faculdade de Engenharia. Brandão também afirma que (1995, p.

55):

Os escravos e os filhos dos deserdados da fortuna – lavradores livres, artistas pobres, artesãos – aprendiam “no ofício”. Rara vez um deles alisava com o traseiro magro o banco de madeira de alguma escola, razão por que o país tinha, até há poucos anos, um dos maiores índices de analfabetismo em todo o mundo. Havia, portanto, duas educações em curso. Uma era a da escola, destinada aos filhos das “gentes de bem”. Ali, fora o ensino de primeiras letras, havia cursos sempre não-profissionalizantes, que ensinavam latim, grego, literatura e música para os que chegavam até depois dos estudos primários.

20

Brandão (1995) ressalta ainda que a outra educação era a da oficina,

misturada com a da vida, destinada pelos ossos do ofício aos filhos “da

pobreza”. Segundo ele (1995, p. 55), ”analfabetos “de pai e mãe”, mas

excelentes lavradores, mineradores, pedreiros, carapinas, ourives, ferreiros,

estes homens “rudes”, porque “sem cultura”, de acordo com a visão das elites,

mas sábios do saber que faz o trabalho produtivo, fizeram a riqueza e as obras

do país e de cada uma de suas cidades”.

Brandão explica que a educação existe onde não há a escola. Não há uma

forma única nem um único modelo de educação e a escola não é o único lugar

onde ela acontece, e talvez nem seja o melhor. Para ele, o ensino escolar não

é a sua única prática, e o professor profissional não é o seu único praticante. A

educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que

a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua

sociedade. Sendo assim, a mesma educação que ensina pode deseducar

(Brandão, 1995, p.13).

No Brasil, se considerarmos a História da Educação e sua produção teórica,

perceberemos que a situação do negro e do mestiço não tem provocado muito

interesse acerca reflexões educacionais. Sabemos da precariedade de dados

sobre a trajetória escolar dos alunos negros e mestiços, desde o ensino

fundamental até o universitário. Segundo o portal Ensino-Afro-Brasil, Ágere

(2005, p. 1):

[...] o racismo se acha incrustado em todo o tecido social, impedindo que nem sequer as garantias de alcance geral tenham efetividade, tais como a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, além do respeito à integridade física e moral do preso e outras conquistas que freqüentemente afrontadas, revelam as facetas mais visíveis da violência que desumaniza a população negra, esmagando a auto-estima de crianças e jovens a partir das salas de aula com o pretenso aprendizado dos conteúdos de livros ditos didáticos, comumente preconceituosos e estereotipados, fazendo da evasão escolar fenômeno com maior incidência entre negros.

Ademais, algumas publicações recentes acerca das desigualdades raciais no

Brasil e, em particular, dos seus reflexos no sistema educacional brasileiro, têm

contribuído para conhecer, um pouco mais, as condições de acesso e

21

permanência desses/as aluno/as no sistema escolar. Segundo os dados do

portal Ensino-Afro-Brasil, Ágere (2005, p. 1):

Em relação à média de anos de estudo e instrução formal das pessoas de vinte e cinco anos ou mais, por cor ou raça, há uma diferença de dois anos de escolaridade a menos nas populações de ascendência africana. A população branca, em 2001, apresentou 6,9 anos de estudo, enquanto a população de ascendência africana apresentou 4,7 anos de estudo [...]. Vale ressaltar que a média de anos de estudo no Brasil aumentou, mantendo, porém, um nível de desigualdade entre as populações de origem étnica diferente, e que essa diferença permanece, mesmo que isolemos os dados de condição econômica e renda familiar. Em outras palavras, a população pobre branca tem anos a mais de estudos que a população pobre negra.

Precisamos refletir sobre a constituição das identidades individuais e sociais

desses sujeitos na escola, pois esta possui uma função social. Além disso,

devemos pensar nas condições de acesso e permanência dessa população

negra e mestiça no sistema de ensino.

A Escola é a segunda instituição responsável pelas relações de sociabilidade

de crianças e jovens, depois, é claro, da família. Segundo a LDB 9394/96 (Lei

de Diretrizes e Bases da Educação), em seu Art. 2º, a educação é

primeiramente dever da família e, depois, do Estado. Além disso, a educação

deve ser inspirada nos princípios da liberdade e nos ideais de solidariedade

humana, pois tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu

preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Além do mais, a LDB assegura em seu Art. 26-A: “Nos estabelecimentos de

ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o

ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira (Incluído pela Lei nº 10.639, de

9.1.2003). E ainda afirma em seu parágrafo 1º: “O conteúdo programático a

que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos

Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na

formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas

áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.(Incluído pela

Lei nº 10.639, de 9.1.2003). A LDB também esclarece que os conteúdos

referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de

22

todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística,

Literatura e História Brasileiras. Segundo o portal Ensino-Afro-Brasil, Ágere

(2005, p. 3):

[...] ao observarmos alguns dos instrumentos do currículo escolar ao longo da história da educação no Brasil, veremos que, por exemplo, os conteúdos escolhidos pelo currículo escolar não legitimam a presença do negro como uma das matrizes fundantes na constituição do povo brasileiro. Este é um conteúdo restrito ao período da escravidão, e que, mesmo assim, apresenta o negro como subalterno e inferior.

É evidente o processo de exclusão escolar voltado principalmente à população

negra e mestiça em nosso país. No entanto, precisamos tomar cuidado ao

analisar esses processos que, aparentemente, explicam essa exclusão. Caso

contrário, trataremos como uma “coisa” a condição da população negra e

mestiça em nosso país.

Um dos princípios que devem orientar os temas, os projetos e as atividades

pedagógicas em relação à questão étnico-racial na escola é a desconstrução

do preconceito racial e a reafirmação da auto-estima da população negra e

mestiça.

Precisamos ensinar e aprender sobre essa diversidade, propor situações de

aprendizagem que sejam desafiadoras e que tragam novos conhecimentos.

Além disso, precisamos tomar cuidado, e ter discernimento, para não em

“armadilhas” e ensinar temas carregados de imagens e crenças baseadas no

preconceito e na discriminação. A escola precisa aprender a propor situações

de aprendizagem que considerem a presença fundamental dos negros e

mestiços em nossa sociedade, caso contrário, estará apenas reproduzindo os

antigos processos de exclusão desse segmento da sociedade. Segundo o

portal Ensino-Afro-Brasil, Ágere (2005, p. 1):

A convivência social construída “pelos de cima”, de traço imperial mesmo com a Proclamação da República, deixa proeminente a marca do alijamento de homens e mulheres livres por lei, mas despossuídos de direitos, ficando à mercê de simpatias e generosidades pessoais para vencer barreiras, lograr estudar, galgar uma ocupação decente, ainda que a Constituição democrática de 1934 repudiasse a

23

discriminação, sendo neste ambiente que se faz a Lei n.1.390, somente em 3 de outubro de 1941, que “Inclui entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de raça ou de cor”, conhecida como Lei Afonso Arinos, para punir a recusa a negros em estabelecimentos de ensino, comerciais, como hotéis, restaurantes, lojas etc., bem como a criação de obstáculos ao acesso a cargo público ou emprego em autarquias, sociedades de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, entre outras condutas.

A escola pode ser um lugar facilitador do encontro com imagens e referências

identitárias positivas para os negros. Entretanto, precisamos ficar atentos ao

que se oferece como material. Precisamos expor a intenção firme de

democratizar a imagem e os exemplos positivos e reais da presença da

população negra e mestiça na nossa História, e no nosso cotidiano, a fim de

desmontar os preconceitos e estereótipos, historicamente consolidados,

durante séculos de exclusão da população afrodescendente em nosso país.

2.1 Pretos e Pardos são Negros

Sabemos que existe uma série de complicações nas questões de auto-

atribuição de cor ou raça em nosso país, mesmo quando guiados pelos

critérios do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Esta origem

da classificação por cor é carregada de um conteúdo marcadamente

discriminatório, e com ele vêm junto conceitos, opiniões e incertezas que

informaram, ao longo da nossa história, o lugar de cada um – brancos e negros

– no imaginário social. Segundo Osorio (2004), embora seja plausível supor

que existam imperfeições e erros na definição da pertença dos indivíduos aos

grupos raciais delimitados pelas categorias da classificação, a quase totalidade

das pessoas se enquadra em um dos cinco grupos disponíveis pelo IBGE:

amarela, branca, preta, parda ou indígena.

Osorio explica que a classificação de “cor ou raça” empregada pelo IBGE, “ao

contrário do que alguns pensam,4 não foi inventada por burocratas, tendo mais

de um século de história”. Já no século XIX, o vocabulário étnico e racial era

muito mais elaborado e diversificado do que o correntemente empregado. 4 E.g.,”burocratas desse órgão [o IBGE] inventaram uma definição que não agrada a quase

ninguém: a cor parda” (Rodrigues, 1995, p.32).

24

Constata-se ainda que havia termos que eram relacionados à posição do negro

no sistema escravocrata: escravo, peça, liberto, livre e forro. Ademais,

(Rodrigues, 1988 e Schwarcz, 1987. apud Osorio 2004, p. 104), explicam que:

Estes termos podem aparecer como substantivos ou como adjetivos, como em “preto forro”. Outros termos dizem respeito à origem étnica, compreendendo fula, nagô, angola, mina, dentre outros; estes também podem aparecer como substantivos ou como adjetivos (“preta mina” etc.). Há também os termos que designam vários tipos de mestiçagem: crioulo. mulato, cabloco, cafuso e mameluco. Finalmente, há os termos mais relacionados às variações da cor da pele: negro, preto, pardo, branco, retinto, azeviche, oviano, cor retinta. Cores esdrúxulas, como a “cor tostada de lombo assado”, já eram empregadas.

Segundo Osorio (2004, p. 132), a classificação de “cor ou raça” aplicada nas

pesquisas do IBGE “não é simplesmente uma invenção que saiu de algum

gabinete desse órgão. Ela e suas categorias têm uma história, que reflete em

grande grau a própria história das relações raciais brasileiras nos últimos dois

séculos”. Dentro de toda essa grande variedade de termos étnco-raciais, três

se destacam como os mais usados: preto, pardo e branco. Assim, no primeiro

Censo oficial brasileiro, realizado em 1872, esses vocábulos raciais de grande

fluência social foram os designadores das categorias da classificação racial.

Osorio (2004, p. 105) ressalta que tal escolha foi muito apropriada, “pois em

um levantamento dessa natureza é importante que os termos empregados

tenham uso corrente e o mais disseminado possível, para proporcionar maior

uniformidade e confiabilidade aos dados obtidos.” Além dessas três categorias,

no Censo de 1872 havia a categoria “caboclo”, que definia o grupo dos

indígenas. Ademais, as categorias preta e parda eram as únicas aplicáveis à

parcela escrava da população, embora pudessem também enquadrar pessoas

livres, assim nascidas ou alforriadas (Osorio, 2004, p. 105).

No segundo Censo brasileiro, o de 1890, o termo pardo foi substituído por

mestiço. Os Censos subseqüentes ignoraram a raça até 1940, quando a cor da

população voltou a ser coletada, quase segundo as mesmas categorias do

Censo de 1872. Osorio explica que (2004, p. 105):

25

O termo designador dos mestiços voltou a ser pardo, e devido ao fluxo de imigração asiática, foi criada a categoria amarela. Não havia uma categoria específica para indígenas. Desde então, a única alteração no sistema classificatório, que não foi empregado no Censo de 1970, foi justamente o acréscimo da categoria indígena na década de 1990. É interessante notar que, do Censo de 1940 até o de 1991, a classificação era só de “cor”. Foi com a inclusão da categoria indígena, a partir do Censo de 1991, que a classificação passou a ser de “cor ou raça”, ganhando suas cinco categorias atuais.5

Segundo Osorio, o método de identificação racial é um procedimento

estabelecido para incluir os indivíduos em grupos definidos pelas categorias de

uma classificação. Ele afirma que “a sociedade não precisa saber quanto uma

pessoa , ou seus ancestrais, é preta, basta saber se, em seu contexto

relacional, sua aparência a torna passível de ser enquadrada nessa categoria

para considerá-la uma vítima potencial de discriminações, diretas ou

estruturais”. Ademais, Osorio explica que (2004, p. 86):

[...] Existem basicamente três métodos de identificação racial, que podem ser aplicados com variantes.6 O primeiro é a auto-atribuição de pertença, no qual o próprio sujeito da classificação escolhe o grupo do qual se considera membro. O segundo é a heteroatribuição de pertença, no qual outra pessoa7 define o grupo do sujeito. O terceiro método é a identificação de grandes grupos populacionais dos quais provieram os ascendentes próximos por intermédio de técnicas biológicas, como a análise do DNA.

Osorio (2004, p. 94) esclarece ainda que: “nos registros de nascimentos ou de

óbitos, por exemplo, a cor dos sujeitos classificados é sempre definida por

heteroatribuição, por motivos óbvios”. Já em cadastros nos quais o próprio

interessado é o responsável pelo fornecimento da informação, a raça é

normalmente definida por auto-atribuição. Osório (2004, p. 95) também

ressalta que, no Brasil, existe uma extensa discussão sobre qual método de

identificação seria o mais apropriado. Além disso, a identificação por auto-

atribuição envolve o problema da variação social da cor, “pois a extensa

literatura disponível sobre o assunto, a despeito das ênfases diferenciadas em

classe ou raça, é unânime em afirmar que a ascensão social pode

5 O comentário vale também para a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. 6 A auto-atribuição, por exemplo, pode ser registrada pelo próprio sujeito em um formulário ou

pode ser respondida ao entrevistador que o registra. 7 Nada impede que a identificação por heteroatribuição seja realizada por mais de um

observador externo.

26

embranquecer, havendo copiosos exemplos do fenômeno”. Portanto, Osório

(2004, p. 95) explica que:

[...] à luz do ideal de branquitude vigente, é de se esperar que as pessoas que carregam menos traços negros em sua aparência tendam a se considerar brancas, e que essa tendência varia de acordo com a situação socioeconômica, com as pessoas mais abastadas também tendendo à escolha do branco, o fato de que a classificação de cor é realizada por auto-atribuição pode se afigurar problemático.

Os problemas em relação à auto-atribuição são ocasionados pelo mito da

democracia racial e pelas características particulares da ideologia racista

brasileira. Osorio (2004, p.96) esclarece que esta ideologia permitiria a

“mudança da linha de cor para os mais abastados e/ou para os que têm

poucos traços da ascendência africana [...] no fundo, a opção pela auto ou

pela heteroatribuição de pertença racial é uma escolha entre subjetividades: a

do próprio sujeito da classificação, ou a do observador”. Uma mesma pessoa,

inserida em determinadas relações sociais, em contextos delimitados, pode ser

vista como branca, e em outras relações e contextos, como parda, ou mesmo

preta. Dessa forma, no Brasil, a concepção de branco e não-branco varia em

função do grau de mestiçagem, de indivíduo para indivíduo, de classe para

classe, de região para região

Os estudos sobre as questões étnico-raciais no Brasil, têm revelado uma

variação maior de cores auto-atribuídas, principalmente quando existe a

presença de marcas e traços do fenótipo negro. Ao contrário, quando a

predominância é do fenótipo branco, as dúvidas de auto-atribuição são bem

menores e a medida de cores também. Contudo, isso não nos impede de

observar que os indicadores socioeconômicos, colhidos nos censos e nas

pesquisas domiciliares, aproximam pretos e pardos e distanciam brancos e

negros.

Nos Estados Unidos, como define Nogueira (apud Osorio, 2004, p. 108) o

preconceito racial é de origem. Enquanto que no Brasil, o preconceito racial é

de marca. Segundo Osorio (2004, p. 109):

27

[...] O preconceito racial de origem prejudica os que descendem do grupo discriminado, não importando se as pessoas trazem em sua aparência física os traços de seu grupo de origem. Em caso de miscigenação, o produto do cruzamento é identificado com o grupo discriminado, mesmo se fisicamente se caracterize pela aparência do grupo discriminador.

Por outro lado, as expressões que denotam o preconceito racial de marca

estão de tal forma impregnadas na nossa sociabilidade que já ficaram

naturalizadas no nosso cotidiano como pertencimento social. De acordo com

Oracy (1985, apud Osorio, 2004, p. 111), “a marca principal que permite a

identificação das potenciais vítimas de preconceito é a cor, para a qual existe

uma espécie de escala de gradação que vai do estritamente branco (o nível

ideal) ao completamente preto”. Além disso, quanto mais negra é uma pessoa

maior é a probabilidade de ser vítima do preconceito.

Para Telles & Lim (apud Osorio, 2004, p. 113) a classificação racial é

socialmente percebida de formas distintas e “essas diferenças nas percepções

da raça são importantes porque categorizar pessoas e tratá-las de acordo com

isto freqüentemente tem conseqüências deletérias para os indivíduos”. Por

vezes, critica-se não a classificação, mas uma das formas de se empregá-la.

Para Osorio (2004, p. 113) o emprego da classificação se “constitui na

agregação de pessoas pretas e pardas para a formação de um grande grupo

populacional, os negros, majoritário na maior parte das unidades da

federação”.

De um ponto de vista histórico, social e econômico a situação dos pardos seria

intermediária entre pretos e brancos. Outros estudos com base em evidências

empíricas mais sólidas mostraram haver nenhuma ou pouca diferença entre os

dois grupos (Telles e Lim, 1998. apud Osorio, 2004). Sendo assim, pretos e

pardos se distinguem bastante dos brancos, mas diferem pouco entre si.

A união de pretos e pardos em uma mesma categoria, negros, acentua o

problema da fronteira entre pardo e branco. Assim, fica difícil imaginar o pardo

na fronteira do branco como negro, pois “os traços que o relacionam ao

28

“fenótipo” negro estão extremamente diluídos” (Osorio 2004, 114). Contudo,

devemos lembrar que o propósito da classificação racial não é estabelecer um

tipo “biológico”, mas aproximar o indivíduo de uma caracterização sociocultural.

Segundo Osorio (2004) os pardos têm menos traços do fenótipo negro, mas

estes existem, pois se não fosse assim não seriam pardos, e sim brancos. Ele

ainda ressalta que (2004, p. 114):

[...] a agregação de pretos e pardos e sua designação como negros se justifica duplamente. Estatisticamente, pela uniformidade de características socioeconômicas dos dois grupos. Teoricamente, pelo fato de que as discriminações, potenciais ou efetivas, sofridas por ambos os grupos são da mesma natureza. Ou seja, é pela sua parcela preta que os pardos são discriminados.

Para Osorio (2004), não há qualquer problema em identificar o branco, o preto

e o amarelo, tampouco o indígena. A fonte de toda a ambigüidade está no

pardo, e mais especificamente na fronteira entre o pardo e o branco. Ademais,

parece haver uma recusa crescente ao termo preto, que também possui uma

carga semântica negativa, em favor de negro, categoria que tem aumentado

proporcionalmente nas declarações espontâneas. Schwarcz (1987, apud

Osorio 2004, p. 123): mostra que:

[...] em fins do século XIX os termos negro e preto eram usados em contextos bem distintos: negro era aplicado aos insubmissos, aos capoeiras e quilombolas, àqueles que se recusavam à dominação branca e à aderência ao ideal de branquitude imposto pela brasilidade; enquanto preto era reservado aos escravos e alforriados submissos, que se contentavam com a posição subalterna e se esforçavam para cruzar as portas do “mundo dos brancos” [...] .

Sendo assim podemos indagar: quem é pardo? Osorio (2004, p. 124) responde

que “a categoria parda é a dos mestiços, de qualquer tipo, resultante da

miscigenação das outras quatro categorias raciais “puras” da classificação”.

Devido às características da população brasileira em seu processo histórico de

formação, e da imigração ao longo da nossa história, podemos afirmar que

praticamente “todos os pardos devem ter ao menos o branco e o preto como

ascendentes, pois os índios foram sistematicamente exterminados e

empurrados para as fronteiras do território nacional, e a imigração asiática foi

extremamente concentrada em determinadas áreas” (Osorio 2004, p. 124):

29

Não podemos excluir a possibilidade de que existam mestiços só de brancos com amarelos e/ou indígenas, ou só de negros com esses dois últimos grupos. Mas essa é uma probabilidade muito pequena: a esmagadora maioria dos mestiços brasileiros muito provavelmente tem ao menos um preto e um branco entre os seus ascendentes.8

Osorio (2004) ainda descreve uma das reportagens do suplemento especial da

Folha de São Paulo que apresentou um levantamento, “Em defesa do

mestiço”, onde havia a seguinte afirmação: “Ninguém quer ser identificado com

essa palavra horrorosa [pardo], de conotação racista, ariana, o branco sujo,

duvidoso” (ap. Valle Silva, 1999b, p.87 apud Osorio, 2004, p. 125). Ele ainda

ressalta que em entrevista aos repórteres do referido jornal, uma técnica em

demografia do IBGE dá declarações desconcertantes:

“O termo pardo é um verdadeiro saco de gatos. Tudo o que não se enquadra nas outras categorias é jogado lá dentro. É a lata de lixo do Censo” (ap. Rodrigues, 1995, p.32); e depois, a mesma entrevistada pondera que os resultados da PNAD9 de 1976, todavia, recomendavam, como demonstrado acima, a manutenção da “lata de lixo”. Valle Silva, também se referindo a esses dois exemplos, considera que são formas “exuberantes” (1999b, p.87) de se referir à classificação.

O termo pardo não é ruim em si, mas tornou-se rejeitado por aquilo que

designa e lembra, o mestiço. No imaginário brasileiro, o pardo era um dos

entraves a impedir o país de ser europeizado e branco, moderno e

desenvolvido; um entrave ao sonhado lugar entre as sociedades “civilizadas”.

Para Osório (2004, p. 125):

[...] em face à preferência explícita pelo termo moreno ao invés de pardo, críticos apressados que desconhecem a história dos termos chegaram a acusar o IBGE de “inventar” a categoria parda. Nada mais injusto: a cor parda não foi “inventada” por supostos burocratas racistas ou insensíveis do IBGE que a teriam impingido, do alto de suas torres de marfim, à população morena. O termo pardo tem uma história, e já era empregado em levantamentos e projeções sobre a composição racial da população ao menos desde 1798.10

8 Essa afirmação encontra apoio no estudo de Pena et al. (2000) sobre as origens genéticas de

uma amostra de brasileiros brancos. 9 PNAD – Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio

10 Como se pode inferir a partir de dados apresentados por Rodrigues (1988).

30

Além disso, o termo pardo já tinha uma carga extremamente negativa. Mas,

como dito, isso se devia ao fato de que o pardo, além de não ser branco, era a

lembrança constante do “problema” de ter o Brasil recebido quantidades

excessivas de sangue negro que se misturou ao branco, o que lhe teria

subtraído a “pureza” e trazido uma série extensa de conseqüências negativas.

Osorio (2004, p. 126) explica ainda que:

[...] o pardo, que é o mestiço, é o branco conspurcado pelo preto e pelo indígena; pelos fetichistas, pelos antropóides em estado inferior da evolução, pelos membros de sociedades culturalmente atrasadas. Portanto, pardo não é um termo ruim em si, mas veio a tornar-se rejeitado como aquilo que designa e, por conseguinte, lembra, o mestiço, que não carrega em seu corpo a fixidez dos “fenótipos puros” que permitem taxonomias raciais precisas.

Para Osorio (2004), a classificação racial brasileira é singular, e reflete

preocupações produzidas pela história nacional. Além disso, ele ressalta que

não existe uma classificação internacional para raças ou para etnias. Ele

explica que (2004, p. 132):

[...] O número de categorias da classificação também não se configura como um problema, pois ao contrário do que por vezes é propalado, os brasileiros usam um conjunto restrito de termos de identificação racial – o que justifica a indução à escolha da cor, ao invés do registro de respostas espontâneas. Deste conjunto, o termo moreno é um dos mais escolhidos, todavia não faz parte da classificação. Há razões históricas e técnicas para esta exclusão, que deve ser mantida, pois o termo moreno revela, muita vez, uma espécie de recalque coletivo que trai a rejeição da ascendência negra.

Assim, de acordo com a classificação do IBGE, podemos inferir que pretos e

pardos são negros. Não obstante, a delimitação desses grupos ainda é

imprecisa no Brasil, pois a definição da pertença racial pode variar de acordo

com a condição social e econômica do indivíduo.

31

CAPÍTULO III

A QUESTÃO DAS COTAS ÉTNICAS

Já faz algum tempo que a questão das cotas étnicas vem provocando debates.

Para o segmento negro são mais de 121 anos de luta pela igualdade racial no

Brasil e por sua inclusão no ensino superior público brasileiro. Segundo

Queiroz (2004, p.9):

[...] A escola contribui para a reprodução das desigualdades sociais na medida em que existem duas redes de ensino diferenciadas, uma delas pública, de ensino precário, de baixa qualificação a que estão sujeitos os segmentos empobrecidos da sociedade, entre os quais os negros estão mais representados; na medida em que os currículos escolares privilegiam conteúdos da cultura de determinado grupo, deslegitimando a cultura de outros segmentos sociais; na medida em que na escola são reforçados os estereótipos e preconceitos vigentes na sociedade, como as representações sobre o gênero, a raça e outras tantas, responsáveis pela reprodução da imagem depreciativa de determinados segmentos sociais.

Queiroz ainda afirma que “a exclusão se exacerba à proporção que se elevam

os graus de escolaridade, ampliando-se, deste modo, a desigualdade entre os

segmentos sociais” (2004, p.10).

Hoje o debate sobre as cotas é público e aberto, porém há cerca de duas

décadas o tema das ações afirmativas e do acesso dos negros ao ensino

superior era um tema tabu para a elite brasileira. Segundo Queiroz, “a

ausência, nas instituições de ensino superior, de informações sobre a condição

racial dos alunos que freqüentam seus cursos é um fator que tem contribuído

para dificultar a análise da situação dos segmentos raciais nesse espaço do

sistema de ensino” (2004, p.11).

No entanto, podemos observar que houve um avanço que não deve ser

desprezado. Queiroz também afirma que somente a partir dos anos 60 do

século passado, começa a ser questionada, mais fortemente, a visão do Brasil

como país de relações raciais harmônicas, com os estudos que mostram as

barreiras à integração do negro à sociedade (2004, p.13).

32

Segundo Marcos Chor Maio e Ricardo Ventura Santos, a implementação de

políticas de ação afirmativa vêm adquirindo maior visibilidade na versão “cotas

raciais” para ingresso no ensino superior. Busca-se o reconhecimento não

apenas do racismo como um grave problema de iniqüidade social, mas

também a necessidade de se criar instrumentos políticos que o vençam a partir

do diagnóstico das desigualdades raciais. Assim, de um Estado “neutro” em

matéria racial até meados dos anos 1990, observa-se a formulação de

propostas de políticas públicas racializadas. Eles afirmam que tais mudanças

ocorreram a partir do processo de (Maio e Santos, 2005):

[...] redemocratização da sociedade brasileira inaugurada no final dos anos 1970 coincide, no plano das ciências sociais, com a divulgação de novas interpretações sobre as relações raciais no Brasil. Até então, os estudos patrocinados pela Unesco no início da década de 1950 e seus desdobramentos nos anos 1960 haviam revelado as tensões entre o mito da democracia racial e o “racismo à brasileira”. O inventário realizado pelo chamado Projeto Unesco sobre o preconceito e a discriminação racial caminhou pari passu com a reiteração da diferença com relação à experiência norte-americana. O ciclo de pesquisas da Unesco tornou-se um marco, entre os cientistas sociais, na caracterização da questão racial no Brasil (Maio, 2001).

Maio e Santos explicam que até meados dos anos 1990, a adoção de políticas

de ação afirmativa no Brasil era objetivo de controvérsias tanto no movimento

negro como entre cientistas sociais do campo das relações raciais. Entretanto,

o tema passou a ser discutido no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Este, havia sido orientado por Florestan Fernandes no início da década de

1960, quando concluiu sua tese de doutorado sobre as relações entre

capitalismo e escravidão no Rio Grande do Sul. Eles analisam que (Maio e

Santos, 2005):

[...] os atos mais simbólicos do que práticos do governo FHC abriram espaço para que organizações da sociedade civil buscassem definir e implementar políticas de ação afirmativa mediante projetos voltados para a educação, mercado de trabalho patrocinados por fundações filantrópicas internacionais, empresas, igrejas, etc. Além disso, ampliou-se o número de órgãos estaduais e municipais voltados para a população negra.

33

Com a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial,

Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, realizada em setembro de

2001, em Durban, África do Sul, ocorreu a grande virada rumo as ações

afirmativas no Brasil. Segundo Maio e Santos “os efeitos de Durban se fizeram

sentir no Brasil de imediato. O governo estava atento a demonstrar, no plano

internacional, seu interesse em cumprir resoluções elaboradas em fóruns

multilateriais em nome dos princípios da igualdade, inclusive racial, sob o signo

dos direitos humanos”. Eles esclarecem que (Maio e Santos, 2005):

[...] No plano estadual e municipal, diversas iniciativas foram realizadas para a implementação do sistema de cotas. Aquela que obteve maior destaque no final do ano de 2001 foi a da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, que estabeleceu uma porcentagem das vagas das universidades estaduais para pretos e pardos (Maggie; Fry, 2004). A partir de 2002, o debate e a implementação de políticas de ação afirmativa com viés racial, com foco no sistema de cotas, estenderam-se por diversas universidades públicas, tanto estaduais como federais. Em sua ampla maioria, com regras variadas, foram definidos mecanismos centrados na autodeclaração dos candidatos. [...]

Algumas universidades federais e estaduais (como a Universidade Federal da

Bahia e a Uerj), que implantaram o sistema de cotas por meio unicamente da

autodeclaração. Já a UnB estabeleceu critérios adicionais à autodeclaração

para definir os beneficiários, ou seja, quem seriam os “negros”. Entretanto,

lideranças do movimento negro, chamaram a atenção contra sugestões ou

tentativas por parte do governo ou de outras instâncias para fins do

estabelecimento de critérios para classificação racial que não se embasassem

unicamente na autodeclaração. Cabe lembrar que a ampla maioria das

instituições que adotaram as cotas no país tem preferido depender unicamente

da autodeclaração (Maio e Santos, 2005).

3.1 Cotas Étnicas e Universidade

Segundo Queiroz pretos e pardos têm níveis de escolaridade sensivelmente

inferiores aos dos brancos da mesma origem social. Além disso, a inserção no

mercado de trabalho e de renda tendem a ser menores para os negros, o que

os leva a afirmar que pretos e pardos estão expostos a desvantagens

34

vinculadas especificamente à condição racial. Queiroz (2004, p.64) ainda

ressalta que:

[...] aos negros estão reservadas as escolas em condições mais precárias. Há um maior número de negros freqüentando a escola no turno noturno, inclusive na rede particular, em cursos que, no mais das vezes, tem um menor número de horas diárias de aula.

Queiroz ainda avalia que (2004, p.65) o atraso escolar é maior entre alunos

negros, o que sugere que não apenas a condição econômica nivela a

população negra, mas a discriminação tem um peso considerável nesse

processo.

A fim de diminuir essas desigualdades, algumas universidades públicas

implementaram ações afirmativas enquanto que outras passaram a discutir

projetos similares. Segundo a Universidade Estadual de Goiás (UEG) “apenas

nos últimos cinco anos houve um índice de ingresso de estudantes negros no

ensino superior maior do que jamais foi alcançado em todo o século XX”. E

mais:

[...] a caracterização desse avanço sem precedentes em nossa história como um privilégio de raça, menospreza o fato de que as medidas responsáveis por esse cenário trouxeram um conjunto novo de oportunidades que estava vedada a milhões de pessoas que ocupam os estratos mais baixos de nossa sociedade.

Até o presente, as iniciativas de inclusão racial e social no Brasil no campo do

ensino superior público contam com uma história rica e complexa. Essa história

a qual nos referimos se baseia em um processo concreto de luta pela

igualdade após mais de um século de exclusão dos negros do ensino superior

público. Soma-se a isso a controversa ideologia do mito de uma ‘democracia

racial’ que, de fato, nunca tivemos. Queiroz (2004, p.15) explica que:

[...] Aqueles que conseguem driblar os obstáculos interpostos no seu trajeto escolar e logram ultrapassar a barreira representada pelo vestibular, seguem ainda prisioneiros deste destino, que lhes reserva um lugar de menor importância dentro das opções oferecidas pelo ensino superior.

35

Ademais, Queiroz ainda ressalta que “as pessoas de cor sofrem uma

desqualificação peculiar e desvantagens competitivas que provêm de sua

condição racial” (2004, p.14). Nesse sentido, a demanda por políticas

compensatórias específicas para os negros no Brasil insere-se na busca da

justiça social em uma sociedade que historicamente se mostra racista,

preconceituosa e excludente. Dessa forma, as cotas significam mais do que

uma reserva de vagas, mas uma mudança e um compromisso ético do Estado

brasileiro na superação de uma desigualdade que está baseada em um

histórico de exclusão que atinge de forma particular os negros. Queiroz (2004,

p.14) avalia que :

[...] a perpetuação da estrutura desigual de oportunidades entre brancos e negros na sociedade brasileira se dá, por um lado, em decorrência de um padrão de segregação geográfica, condicionado pela escravidão e, posteriormente, reforçado pelo estímulo à política migratória, que concentrou desproporcionalmente os negros em regiões predominantemente agrárias, e menos desenvolvidas do país, onde as oportunidades econômicas e educacionais eram menores. E, por outro, porque as práticas racistas, abertas e sutis, e a violência simbólica exercida contra os negros impedem sua mobilidade social ascendente, na medida em que os obriga a regular suas aspirações de acordo com o que é culturalmente imposto e definido como o lugar apropriado para as pessoas de cor.

Para a Universidade Estadual de Goiás (UEG) “a primeira apresentação formal

de uma proposta por ações afirmativas surgiu justamente na Convenção

Nacional do Negro Brasileiro, realizada em 1945 e 1946, no Rio de Janeiro”. E

mais, um dos resultados desse evento:

[...] foi o documento denominado “Manifesto à Nação Brasileira” [...] Um dos tópicos do “Manifesto” determinava como parte do programa definido pela Convenção “trabalhar pela valorização (sic) e valoração do negro brasileiro em todos os setores: social, cultural, educacional, político, econômico e artístico”. Para atingir esses objetivos, os editores do jornal Quilombo fizeram cinco proposições. A terceira proposição foi assim definida: “lutar para que, enquanto não for tornado gratuito o ensino em todos os graus, sejam admitidos brasileiros negros, como pensionistas do Estado, em todos os estabelecimentos particulares e oficiais de ensino secundário e superior do país, inclusive nos estabelecimentos militares”.

Na verdade, a pretensão do “Manifesto à Nação Brasileira” era propor uma

ação afirmativa fundamentada na reparação dos danos causados pela

escravidão e pelo racismo da república brasileira aos negros livres após 1889.

36

Outra importante marca na longa luta pelas cotas raciais foi a Marcha Zumbi

dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, no dia 20 de

novembro de 1995, que chegou a reunir em Brasília 50 mil manifestantes. Por

fim, fora entregue pelas lideranças negras ao então Presidente Fernando

Henrique Cardoso, uma carta em que estava incluída a seguinte demanda:

“Desenvolvimento de ações afirmativas para o acesso dos negros aos cursos

profissionalizantes, à universidade e às áreas de tecnologia de ponta”.

Segundo os dados da Universidade Estadual de Goiás (UEG), as primeiras

universidades a instituírem cotas para negros, em 2002, foram a Universidade

do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual do Norte

Fluminense (UENF). Entretanto, não por iniciativa própria, mas por meio de

uma lei aprovada em 2001 na Assembléia Estadual do Rio de Janeiro.

Também em 2002, a Universidade Estadual da Bahia (UNEB) adotou o

sistema de cotas na graduação e na pós-graduação.

Nesse sentido, outras universidades passaram a adotar o sistema de cotas.

Segundo a Universidade Estadual de Goiás, a Universidade de Brasília, em

2003, tornou-se a primeira instituição federal de ensino superior a aprovar

cotas para negros. Ademais, a UNB também foi a primeira universidade a

tomar essa decisão exclusivamente com base na autonomia acadêmica.

Também em 2003, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a

Universidade Federal de Alagoas (UFAL) aprovaram as cotas. Em seguida, em

2004, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) aderiu ao sistema. Assim,

universidades federais e estaduais passaram a estabelecer alguma

modalidade ou mecanismos de acesso que direcionava uma porcentagem

mínima de suas vagas aos candidatos cotistas.

Dessa forma, contradizendo todas as insensatas previsões sobre uma possivel

guerra racial os projetos de prática de ações afirmativas e outras formas de

acesso da população negra ao ensino superior, receberam legitimidade social.

Desse modo, em 2007 foi notadamente formidável para a concretização das

37

ações afirmativas como uma escolha admissível no repertório das políticas

públicas para a democratização do ensino público no Brasil.

Segundo dados da Universidade Estadual de Goiás11, na primeira década do

presente século, a realidade dos sistemas de inclusão por ações afirmativas no

ensino superior brasileiro encontrava-se da seguinte forma: 55 Instituições de

Ensino Superior Público adotaram Ações Afirmativas Étnico-raciais. 42 IES

públicas adotaram cotas. 33 IES públicas adotam cotas étnico-raciais.

Totalizando: 69 Instituições de Ensino Superior Público adotaram Ações

Afirmativas no Brasil, durante a primeira década do presente século. Os dados

implicam é uma respeitável mobilização e um fervor de reflexões e debates

advindos nos espaços universitários em todas as regiões do país.

A ação pelas cotas étnicas no ensino superior público e seus resultados

positivos para a produção de conhecimento estão apenas no começo. Junto

com os novos estudantes negros que hoje ingressam nas universidades

aparecem novos temas de pesquisa, demandas por novos currículos e

também busca por mais professores negros. Segundo dados da Universidade

Estadual de Goiás12:

A porcentagem média dos docentes das universidades públicas mais importantes do país raramente ultrapassa 1%. Assim, o grande movimento atual pelas cotas, que por enquanto cresce como uma frente fragmentada e articulada de autônomos em cada campus de cada cidade e estado do país conduz inevitavelmente a uma meta geral, já vislumbrada: que as medidas de inclusão de negros e índios possam ocorrer em todas as universidades públicas.

O movimento contemporâneo pelas cotas, de extensão realmente nacional, já

baliza um acontecimento igualmente extraordinário na luta por justiça social na

trajetória do negro na história do Brasil. De acordo com a Universidade

Estadual de Goiás13:

11 Disponível em: <http://www.ueg.br/materia/-mais-cotas-raciais/622> Acesso em: 01 junho

2010 12 Idem 13 Disponível em: <http://www.ueg.br/materia/-mais-cotas-raciais/622> Acesso em: 01 junho

2010

38

Atualmente, o país conta com mais de 20 mil cotistas negros cursando a graduação em universidades brasileiras de todas as regiões. Paralelamente a esse grande movimento de inclusão racial nas universidades públicas, funciona desde 2005 o PROUNI, que abre as portas das universidades para jovens de baixa renda, com uma porcentagem, entre eles, de negros, através de um sistema de bolsas do Ministério da Educação. Somente em três anos o PROUNI já alocou 440.000 bolsas e conta com 310.000 alunos, assim distribuídos segundo a classificação do IBGE: Brancos 142.275; Pardos 98.494; Negros 39.128; Amarelos 6.318; Indígenas 903; Não-informados 22.961.

As cotas étnicas para o segmento negro nas universidades públicas e o

PROUNI, podem conseguir em poucos anos, serem capazes de alocar quase

meio milhão de estudantes negros no mercado de trabalho ou em programas

de pós-graduação e extensão. Desse modo, leva-se esperança pessoal e

familiar sem comparação na história da sociedade brasileira.

39

CONCLUSÃO

A difusão das ações afirmativas para o acesso do segmento negro ao ensino

superior público é produto de uma luta histórica e uma admirável mobilização

social que causou um fervor de debates em ambientes acadêmicos e políticos

em todas as regiões do país.

No Brasil, a importância das cotas étnicas é tanto mais expressiva quando se

trata da admissão por parte das instâncias governamentais, do

reconhecimento das desvantagens a que estão submetidos os negros,

realidade sistematicamente negada, ao longo do tempo, por meio da imagem

do Brasil como uma “democracia racial”.

A colocação das cotas nas pautas de votações das Universidades brasileiras

provocou mobilização, coação, articulação e produção intelectual de opiniões,

argumentos, modelos e propostas de como promover a igualdade étnica e

racial no ensino superior público, em uma amplitude sem paralelo em nenhuma

década passada da história do Brasil.

As conclusões que emergiram dessa análise, sinalizam para a necessidade de

novas pesquisas que aprofundem os resultados encontrados, no sentido de

compreender os mecanismos que atuam para determinar as escolhas e

trajetórias dos indivíduos negros, no ensino superior público.

Ressaltamos a urgência na adoção de medidas que ampliem a participação de

estudantes negros nos espaços valorizados do ensino universitário público,

onde sua presença é ainda bastante rarefeita.

40

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ABRAMOVAY, Mirian; CASTRO, Mary Garcia. Relações raciais na escola: reprodução de desigualdades em nome da igualdade. Brasília: UNESCO, INEP, Observatório de Violências nas Escolas, 2006. Disponível em: <http://www.cereja.org.br/arquivos_upload/relacoes_raciais_escola.pdf> Acesso em: 08 nov. 2007. BENJAMIN, Roberto. A África está em nós: história e cultura afro-brasileira. João Pessoa: Grafset, 2004. BENTO, Maria Aparecida Silva. Cidadania em preto e branco: discutindo as relações raciais. São Paulo. Editora Ática, 2002. BORGES, Edson; MEDEIROS, Carlos A.; D’ADESKY, Jacques. Racismo, preconceito e intolerância. São Paulo: Atual, 2002. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. São Paulo: Circulo do Livro, 1995. (Coleção Primeiros Passos, vol.19). BRASIL. Lei 10.639/03. Estabelece a inclusão no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira. Brasília: MEC, 2003. BRASIL. Lei 9.394 de 20 de dezembro 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb011_00.pdf>. Acesso em: 16 nov. 2007. Brasília: MEC, dez. 1996. BRASIL. Constituição (1988).Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. CARNEIRO, Maria Luiza. O Racismo na História do Brasil: mito e realidade. São Paulo: Ática, 2002. CASHMORE, Ellis. Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Summus, 2000. COTA no próximo concurso. A Tribuna, Vitória, a. 68, p. 33, 18 mar. 2007. CURRÍCULO, escola e relações étnico-raciais. Curso de Formação em História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. c2005. ÁGERE, Cooperação em Advocacy. Disponível em: <http://www.ensinoafrobrasil.org.br/app/conteudo/bin/Topico/aulas/un2/aula2.02.pdf> Acesso em: 14 abr. 2005.

41

DIREITO é Legal no Combate ao Racismo. Curso de Formação em História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. c2005. ÁGERE, Cooperação em Advocacy. Disponívelem:<http://www.ensinoafrobrasil.org.br/app/conteudo/bin/Topico/aulas/un6/aula6.02.pdf> Acesso em: 14 abr. 2005. FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro: séculos XVIII e XIX. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. LIMA, Mônica. História da África: temas e questões para a sala de aula. In: OLIVEIRA, Iolanda. SISS, Ahyas. (Orgs.) População Negra e Educação Escolar. Cadernos 7 do Periódico do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira (PENESB), Rio de Janeiro, EdUFF, n. 7, p. 71-105, 2006. MAIO, Marcos Chor and SANTOS, Ricardo Ventura. Política de cotas raciais, os "olhos da sociedade" e os usos da antropologia: o caso do vestibular da Universidade de Brasília (UnB). Horiz. antropol. [online]. 2005, vol.11, n.23, pp. 181-214. ISSN 0104-7183. doi: 10.1590/S0104-71832005000100011. MARTINS, Tânia Barbosa. Processos de exclusão social: a contribuição do conteúdo e ensino de História e a visão dos jovens e adultos. GT: Educação de Pessoas Jovens e Adultas, n.18 – UFSCAR/ CAPES. Disponível em:http://www.anped.org.br/reunioes/28/textos/gt18/gt181156int.rtf>. Acesso em: 17 out. 2007. MOREIRA, H.; CALEFFE, L. G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. Cap. 3 OSÓRIO, Rafael Guerreiro. O sistema classificatório de “cor ou raça” do IBGE. In: BERNADINO, Joaze; GALDINO, Daniela. (Org.). Levando a raça a sério: ação afirmativa e universidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p. 83-135. PIRES, Rosane de Almeida. Educação de Jovens e Adultos. In: MEC. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Brasília: SECAD, p. 97-117, 2006. QUEIROZ, Delcele Mascarenhas. Universidade e desigualdade: brancos e negros no ensino superior. Brasília: Líber Livro, 2004.

42

ANEXOS

Índice de anexos

Anexo 1 >> Mapa das instituições federais de ensino superior com ações

afirmativas: cotas / número de vagas. Disponível em:

<http://www.ueg.br/materia/-mais-cotas-raciais/622> Acesso em: 01 junho

2010.

Anexo 2 >> Mapa das instituições federais de ensino superior com ações

afirmativas: bônus. Disponível em: <http://www.ueg.br/materia/-mais-cotas-

raciais/622> Acesso em: 01 junho 2010.

Anexo 3 >> Mapa das instituições estaduais e municipais de ensino superior

com ações afirmativas: cotas / número de vagas. Disponível em:

<http://www.ueg.br/materia/-mais-cotas-raciais/622> Acesso em: 01 junho

2010.

Anexo 4 >> Mapa das instituições estaduais e municipais de ensino superior

com ações afirmativas: bônus. Disponível em: <http://www.ueg.br/materia/-

mais-cotas-raciais/622> Acesso em: 01 junho 2010.

43

ANEXO 1

MAPA DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR

COM AÇÕES AFIRMATIVAS: COTAS / NÚMERO DE VAGAS

1) Universidade Federal do Pará/PA (50% para candidatos de escolas

públicas, destes 40% para pretos e pardos).

2) Universidade Federal de Roraima/RR (60 vagas em licenciatura indígena

para indígenas).

3) Universidade Federal de Tocantins/TO (5% para indígenas)

4) Universidade de Brasília/DF (20% para negros e 10 vagas para indígenas)

5) Escola Superior de Ciências da Saúde/DF (40% para candidatos de escolas

públicas)

6) Universidade Federal da Grande Dourados/MS (60 vagas em licenciatura

indígena para indígenas)

7) Universidade Federal do Maranhão/MA (25% para candidatos de escolas

públicas, 25% para negros, 1 vaga para indígena e 1 vaga para deficiente

físico em cada curso)

8) Universidade Federal do Piauí/PI (5% para candidatos de escolas públicas)

9) Universidade Federal de Alagoas/AL (20% para negros de escolas públicas,

e destes 60% para mulheres)

10) Universidade Federal da Bahia/BA (45% para candidatos de ensino médio

público, sendo 2% p/ indígenas, 37,5% para negros e 5,5% para outros

candidatos de ensino médio público)

11) Universidade Federal do Recôncavo Baiano/BA (45% para candidatos de

ensino médio público, sendo 2% p/ indígenas, 37,5% para negros e 5,5% para

outros candidatos de ensino médio público)

12) Universidade Federal de Juiz de Fora/MG (50% para candidatos de

escolas públicas, e destes 25% para negros)

13) Universidade Federal do Espírito Santo/ES (40% para candidatos que

cursaram quatro séries do ensino fundamental e todo o ensino médio em

escolas públicas e ter renda familiar até 07 salários mínimos)

14) Universidade Federal de São Paulo/SP (10% prioritariamente para negros

44

de ensino médio público, se não houver preenchimento, completar com outros

candidatos de escolas públicas)

15) Universidade Federal de São Carlos/SP (50% para candidatos do ensino

médio público, sendo 35 % destes para negros e 01 vaga não cumulativa por

curso p/ indígenas, progressivamente)

16) Universidade Federal do ABC/SP (50% para candidatos de escolas

públicas, destas 27% para negros e 0,4% p/ indígenas)

17) Universidade Federal do Paraná/PR (20% para negros, 20% para

candidatos de educação básica pública, 10 vagas para indígenas)

18) Universidade Federal Tecnológica do Paraná/PR (50% para candidatos de

escolas públicas)

19) Universidade Federal de Santa Catarina/SC (20% para candidatos de

educação básica pública, 10% para negros, prioritariamente de educação

básica pública, e 6 vagas para indígenas)

20) Universidade Federal do Rio Grande do Sul/RS (30% para candidatos de

escolas públicas, sendo metade para negros)

21) Universidade Federal de Santa Maria/RS (em 2008, 20% para candidatos

de escolas públicas, 10% para negros, 5% para deficientes físicos e 5 vagas

para indígenas)

22) Universidade Federal do Pampa/RS (em 2008, 20% para candidatos de

escolas públicas, 10% para negros, 5% para deficientes físicos e 5 vagas para

indígenas)

ANEXO 2

MAPA DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR

COM AÇÕES AFIRMATIVAS: BÔNUS

23) Universidade Federal de Pernambuco/PE (10% a mais na nota, para

candidatos de escolas públicas)

24) Universidade Federal Rural de Pernambuco/PE (10% a mais na nota, para

candidatos de escolas públicas no interior de PE)

45

25) Universidade Federal do Rio Grande do Norte/RN (percentuais a mais

para candidatos de escolas públicas, variáveis por curso)

26) Universidade Federal Fluminense/RJ (10% a mais na nota para

candidatos de escolas públicas com exceção de colégios de aplicação,

colégios federais, universitários e militares; reserva de 20% das vagas de

licenciaturas em matemática, física ou química para professores da rede

pública)

Em discussão: Universidade Federal de Uberlândia/MG, Universidade Federal

de Mato Grosso/MT, Universidade Federal do Ceará/CE, Universidade Federal

de Roraima/RR, Universidade Federal da Paraíba/PB, Universidade Federal

de Goiás/GO, Universidade Federal do Rio de Janeiro/RJ, Universidade

Federal de Ouro Preto/MG, Universidade Federal de Grande Dourados/MS,

Universidade Federal de Sergipe/SE, Universidade Federal de Minas

Gerais/MG

ANEXO 3

MAPA DAS INSTITUIÇÕES ESTADUAIS E MUNICIPAIS DE

ENSINO SUPERIOR COM AÇÕES AFIRMATIVAS: COTAS /

NÚMERO DE VAGAS

27) Universidade Estadual do Amazonas/AM (80% para estudantes do

Amazonas que não tenham curso superior completo nem o estejam cursando

em instituição pública de ensino, destes, 60% para candidatos do ensino

médio público)

28) Universidade Estadual do Mato Grosso/MT (25% para negros de escolas

públicas ou privadas com bolsa)

29) Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/MS (20% para negros, 10%

para indígenas)

30) Universidade Estadual de Goiás/GO (20% para negros, 20% para

candidatos de escolas públicas, 5% para deficientes ou indígenas)

31) Fundação de Ensino Superior de Goiatuba/GO (10% para candidatos de

46

escolas públicas, 10% para negros e 2% para indígenas e portadores de

deficiência)

32) Universidade Estadual de Pernambuco/PE (20% para candidatos de

escolas públicas, fora escolas técnicas federais e militares)

33) Universidade Estadual da Bahia/BA (40% para afrodescendentes do

ensino médio público)

34) Universidade Estadual de Feira de Santana/BA (50% para candidatos com

ensino médio e pelo menos dois anos do ensino fundamental (5ª a 8ª série)

em escolas públicas e, dessas, 80% serão ocupadas por negros)

35) Universidade Estadual de Santa Cruz/BA (50% para candidatos de ensino

médio público, dessas 75% para negros, 02 vagas para índios ou quilombolas

em cada curso)

36) Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia/BA (50% para

candidatos de escolas públicas, destes, 60% para negros e 5% para índios e

seus descendentes)

37) Universidade Estadual de Minas Gerais/MG (20% para afrodescendentes,

20% para candidatos de escolas públicas, 5% deficientes físicos e indígenas,

todos com baixa renda)

38) Universidade Estadual de Montes Claros/MG (20% para

afrodescendentes, 20% para candidatos de escolas públicas, 5% deficientes

físicos e indígenas, todos com baixa renda)

39) Universidade Estadual do Rio de Janeiro/RJ (20% para escola pública,

20% para negros e 5% deficientes físicos ou indígenas ou filhos de policiais

mortos em serviço – até R$ 630 per capita)

40) Universidade Estadual do Norte Fluminense/RJ (20% para escola pública,

20% para negros e 5% deficientes físicos ou indígenas ou filhos de policiais

mortos em serviço – até R$ 630 per capita)

41) Centro Universitário Estadual da Zona Oeste/RJ (20% para escola pública,

20% para negros e 5% deficientes físicos ou indígenas ou filhos de policiais

mortos em serviço – até R$ 630 per capita)

42) Fundação de Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro/RJ (20% para

escola pública, 20% para negros e 5% deficientes físicos ou indígenas ou

filhos de policiais mortos em serviço – até R$ 630 per capita)

47

43) Centro Universitário de Franca/SP (20% para negros, 5% para candidatos

de escolas públicas e 5% para deficientes)

44) Universidade Estadual de Londrina/PR (até 40% para candidatos de

escolas públicas, destas até metade para negros, dependendo da demanda, 6

vagas para indígenas)

45) Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR (10% para candidatos

oriundos de escolas públicas e 5% para candidatos negros de escolas

públicas e 6 vagas para indígenas integrantes das tribos paranaenses)

46) Universidade Estadual de Maringá/PR (seis vagas para indígenas

integrantes das tribos paranaenses)

47) Universidade Estadual do Oeste do Paraná/PR (idem)

48) Universidade Estadual do Paraná/PR (idem)

49) Universidade Estadual do Norte do Paraná/PR (idem)

50) Universidade Estadual do Centro-Oeste/PR (idem)

51) Escola de Música e Belas Artes do Paraná/PR (idem)

52) Faculdade de Artes do Paraná/PR (idem)

53) Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana/PR (idem)

54) Fundação Faculdade Luiz Meneghel/PR (idem)

55) Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão/PR (idem)

56) Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Cornélio

Procópio/PR (idem)

57) Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Jacarezinho/PR

(idem)

58) Faculdade Estadual de Educação Física de Jacarezinho/PR (idem)

59) Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro de Jacarezinho/PR

(idem)

60) Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí/PR

(idem)

61) Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá/PR

(idem)

62) Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória/PR

(idem)

48

63) Centro Universitário de São José/SC (70% para candidatos que cursaram

a 2ª e 3ª séries do ensino médio público de São José/SC)

64) Faculdade Municipal de Palhoça/SC (80% para residentes em Palhoça/SC

e que cursaram a 3ª série do ensino médio em escola pública)

65) Universidade Estadual do Rio Grande do Sul/RS (50% para candidatos de

baixa renda – renda familiar per capita de até R$ 410, 10% para deficientes

físicos)

ANEXO 4

MAPA DAS INSTITUIÇÕES ESTADUAIS E MUNICIPAIS DE

ENSINO SUPERIOR COM AÇÕES AFIRMATIVAS: BÔNUS

66) Universidade Estadual de Campinas/SP (de uma média padronizada de

500 pontos, adiciona 30 pontos para candidatos de escolas públicas e 40

pontos se for também preto/pardo/indígena)

67) Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/SP (de uma média

padronizada de 500 pontos, adiciona 30 pontos para candidatos de escolas

públicas e 40 pontos se for também preto/pardo/indígena)

68) Universidade de São Paulo/SP (3% a mais na nota para candidatos de

ensino médio público)

69) Faculdade de Tecnologia de São Paulo/SP (3% a mais na nota para

negros, 10% a mais para candidatos do ensino médio público e 13% a mais

para negros do ensino médio público)

DISCUTEM: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/BA, Universidade

do Estado de Santa Catarina/SC, Universidade Estadual do Pará/PA

49

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 01

AGRADECIMENTO 02

DEDICATÓRIA 03

RESUMO 04

METODOLOGIA 05

SUMÁRIO 06

INTRODUÇÃO 07

CAP. I - A TRAJETÓRIA DO NEGRO NA HISTÓRIA DO BRASIL 08

1.1 – Pós-abolição: as heranças da escravidão 09

CAP. II - O NEGRO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA 19

2.1 Pretos e Pardos são Negros 23

CAP. III - A QUESTÃO DAS COTAS ÉTNICAS 31

3.1 Cotas Étnicas e Universidade 33

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 40

ANEXOS 42

ÍNDICE 49

FOLHA DE AVALIAÇÃO 50

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes - Projeto A Vez do

Mestre

Título da Monografia: Cotas e Universidade: ações afirmativas para o

segmento negro no ensino superior público.

Autor: Lucio Benedito Mauro Barbosa

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Avaliado por: Conceito: