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0 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE SUGESTÃO EM ARTETERAPIA A Presença e a Influência da Sugestão em Arteterapia Por: Edésio Fernandes Carneiro Orientador Prof a . Fabiane Muniz Rio de Janeiro 2004

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

SUGESTÃO EM ARTETERAPIA

A Presença e a Influência da Sugestão em Arteterapia

Por: Edésio Fernandes Carneiro

Orientador

Profa. Fabiane Muniz

Rio de Janeiro

2004

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

SUGESTÃO EM ARTETERAPIA

A Presença e a Influência da Sugestão em Arteterapia

Apresentação de monografia à

Universidade Candido Mendes como

condição prévia para a conclusão do

Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”

em Arteterapia.

Por: Edésio Fernandes Carneiro

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AGRADECIMENTOS

Principalmente aos meus pais, que sempre são

meu “ponto de foco” quando necessito de alguém

em quem posso confiar, também por sempre se

preocuparem com minha saúde ao me verem em

muitas madrugadas, por semanas e meses a fio,

debruçado em muitos livros e em meu computador,

em função desta pesquisa. Ao saudoso amigo Dr.

David Akstein (£), Psiquiatra e grande pesquisador

dos efeitos da sugestão, por ter, enquanto ainda

vivo, me encorajado em minhas pesquisas sobre o

tema sugestão, e por ter me possibilitado, devido

ao farto material científico que encontrei em seus

livros, acesso às mais diversas e valiosas

informações a respeito do tema em questão,

podendo me proporcionar uma extensa

fundamentação teórica à minha pesquisa.

(£) Falecido no ano de 2003

Em sua memória, Dr. David Akstein.

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DEDICATÓRIA

A todos os profissionais da área de saúde que passam a vida a estudar e se dedicar em função da saúde do próximo. A todos os profissionais da área de saúde mental que persistem atuar em uma área de tamanha subjetividade, mesmo com tantas informações que se conflituam e se divergem a todo instante.

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“Agora começamos também a compreender a ‘magia’

das palavras. É que as palavras são o mediador mais

importante da influência que um homem pretende

exercer sobre o outro; as palavras são um bom meio de

provocar modificações anímicas naquele a quem são

dirigidas, e por isso já não soa enigmático afirmar que a

magia das palavras pode eliminar os sintomas

patológicos, sobretudo aqueles que se baseiam

justamente nos estados psíquicos.

Todas as influências anímicas que se revelaram

eficazes na eliminação das doenças têm algo de

incerto. Os afetos, a concentração da vontade, o desvio

da atenção, a expectativa confiante, todas essas forças,

que ocasionalmente eliminam a doença, deixam de

fazê-lo em outros casos sem que se possa

responsabilizar a natureza da doença pelo resultado

diferente. Evidentemente, é o caráter autocrático das

personalidades psiquicamente tão diversas que estorva

a regularidade dos resultados terapêuticos.”

Sigmund Freud

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RESUMO

Esta pesquisa examinou as relações e influências entre elementos do processo de sugestão (hetero ou auto) e a prática de Arteterapia. Partindo de estudos e observações em torno da prática da Arteterapia, e da sugestão enquanto um processo consequente que ocorre através de induções na parte introdutória dos “trabalhos” terapêuticos, assim como, no desenvolvimento da terapia como um todo. As práticas de Arteterapia geralmente são precedidas de técnicas de relaxamento e/ou uso de métodos como: “imaginação ativa” e “imaginação dirigida”, que são métodos que induzem e direcionam à “trabalhos de imaginação”, que acabam por tornarem-se trabalhos indutores e induzidos, pela sugestão, de idéias, imagens, lembranças, etc. Independente dos métodos utilizados, o simples trabalho com as artes já é um trabalho de autoprodução e autopoiese, um trabalho de auto-sugestão através de uma “focalização concentrada” no imaginário do próprio indivíduo; este trabalho é também livre, pois há uma liberdade para criar e poder concentrar-se em algo, e é esta liberdade para criar que facilita uma possibilidade de melhor enxergar-se, perceber-se e refletir sobre si mesmo e suas próprias produções, como também, um trabalho espontâneo e silencioso de elaboração psíquica com questões mais profundas, que, na dinâmica da vida, no “corre-corre do dia-a-dia”, ficam, na maior parte do tempo, relegadas. A força da palavra também é destacada nesta pesquisa, assim como, os elementos, crença, fé, expectativa, obediência, convicção, e, principalmente, imaginação, que ganham força junto à procedimentos facilitadores à sugestão, tais como, uma bom rapport e uma diversidade de aspectos transferenciais. Foi também de grande valia a exploração dos elementos concentração e dissociação, percebidos no estudo enquanto condições elementares e quase sempre ocorrentes na relação terapia–sugestão, e, principalmente, na relação arteterapia-sugestão. Enfim, a pesquisa conclui, que há a presença e a influência do elemento sugestão nas práticas de Arteterapia, seja através das induções preliminares, seja no desenvolvimento do próprio trabalho de Arteterapia, ou mesmo, a partir do próprio trato com a arte em si.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I 10

SUGESTÃO: REFLEXÕES PRÉVIAS 11

CAPÍTULO II 17

SUGESTÃO E ARTETERAPIA 18

CAPÍTULO III 41

EFEITO PLACEBO E ARTETERAPIA 42

CAPÍTULO IV 48

RELATOS HISTÓRICOS DO USO E INFLUÊNCIA DA SUGESTÃO 49

CONCLUSÕES 63

BIBLIOGRAFIA 65

ANEXOS 70

ÍNDICE 71

FOLHA DE AVALIAÇÃO 72

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como proposta principal identificar e investigar a

presença da sugestão e sua influência (em seu sentido mais amplo) na terapêutica

da Arteterapia. É de se considerar, que tal investigação é de grande importância,

principalmente, devido ao fato de não ser muito comum se dar uma devida

importância à influência da sugestão, tanto nas situações “normais”, comuns de

nossas vidas, quanto nas situações que se referem às mais diversas terapias e

psicoterapias, de forma que, até na própria psicologia o seu valor quase sempre

passa desapercebido.

Pode-se afirmar, de antemão, que a presença do fator “sugestão”,

influencia nossas vidas, sem mesmo que percebamos. Também, no sentido

terapêutico, sabe-se do seu reconhecido valor em determinadas correntes teóricas

da psicologia, como a comportamental, por exemplo, assim como, a da hipnologia, a

qual, não só é a que mais valoriza “o poder” da sugestão, como também o tem como

principal instrumento em sua prática.

É importante se destacar que a sugestão não é somente aquilo que

se conhece no campo das terapias, como: sugestão direta, sugestão hipnótica,

método ou técnica de sugestão; a sugestão é o puro ato de sugerir, insinuar, lembrar,

provocar, promover, proporcionar, fornecer, instigar, inspirar, estimular, influenciar,

motivar, expressar, aconselhar, etc.

Na medicina, a sua influência é de conhecimento público, e,

praticamente “incontestável”, já que, por exemplo, diversas pesquisas científicas

comprovam a força da sugestão no chamado efeito placebo, onde, muitas vezes,

indivíduos são “curados” por medicamentos “inócuos”, de certa forma, só pelo fato de

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terem sido sugestionados de que estariam ingerindo algum tipo de medicamento

eficaz para aquele devido sintoma ou doença.

Isso será analisado, principalmente, quando se falar da questão da

transferência e do efeito placebo. Assim, as influências, e/ou efeitos, da sugestão,

sejam positivos ou negativos, podem ser observados, evidenciados e obtidos de

diversas formas, seja em função do ambiente, seja em função das relações

intergrupais, interpessoais, onde há trocas diversas, de indivíduo para indivíduo, dos

grupos, sociedades, clãs, religiões, instituições, etc; todos repletos de

heterogeneidades culturais e comportamentais de seus “componentes”, devido as

suas diferenciadas culturas, doutrinas, classes econômicas, entre outros, e à

experiências específicas, originais e internas de cada um.

Em terapias, por exemplo, na maioria das vezes, pode-se perceber a

influência da sugestão na emotividade, na voz e na fala do arteterapeuta e na forma

como ele conduz todo o trabalho; portanto, no trato natural com seus clientes.

Uma diversidade de fatores pode influenciar no indivíduo, como, por

exemplo, os sons emitidos e as formas de se expressar (ou de espressão) do

terapeuta, podem mexer com conteúdos implícitos, inconscientes em cada um – uma

voz autoritária pode lembrar um pai autoritário, pode lembrar hostilidade – uma voz

pausada, melodiosa e tranquila pode ser relaxante, pode lembrar a calma de uma

placenta com os sons cadenciados de uma batida de coração, ou ao contrário, pode

irritar, cansar, etc. Tudo dependerá, das experiências, dos conteúdos

psicoemocionais e da condição biopsicosocial de cada um.

Mas é o trabalho de relaxamento, que geralmente é utilizado como

passo inicial na maioria dos trabalhos de Arteterapia, além da forte entrega do cliente

quando em manejo com as artes, é que serão os maiores influenciadores e/ou os

mais influenciados no que se refere à fatores da sugestão ou da auto-sugestão.

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O que se busca, principalmente, através de investigações, é

identificar se há, em maior ou menor grau, influências, sejam positivas ou negativas,

de sugestão na prática da Arteterapia.

Portanto tal estudo é de grande valor, já que, tem como principal

objetivo, se buscar identificar, fatos que demonstram a força e a influência do

elemento sugestão na terapêutica da Arteterapia; já que, a sugestão, é de uma forma

ou de outra, relatada como fator de “cura”, ou de adoecimento, mas que pouco é

estudado e quase nunca percebido com a real efetividade de influência que se

presume possuir nos mais diversos processos relacionados ao comportamento

humano, principalmente no que se refere aos fatores doença e cura; valorizando,

também, a força da imaginação e/ou uso das imagens e lembranças, inerentes aos

clientes em seus trabalhos com os símbolos intrapsíquicos explorados através da

arte.

Neste sentido, este trabalho, busca responder, através de pesquisa

bibliográfica, a seguinte questão: Há presença e influência da sugestão na prática

terapêutica da Arteterapia?

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CAPÍTULO I

SUGESTÃO: REFLEXÕES PRÉVIAS

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1- SUGESTÃO: REFLEXÕES PRÉVIAS

Pode-se, “em função do senso comum”, no que se refere ao

significado do termo sugestão1, à priori, considerar que sugestão é, qualquer tipo de

influência, de forma proposital ou não proposital, que se dê através de (ou entre)

dois ou mais interlocutores, seja verbalmente, por escrito, gestos, olhares, objetos ou

qualquer outra forma que possa influenciar um interlocutor, seja durante um estado

de indução direta (muitas vezes em estado de relaxamento) ou indireta, como

também em situações de comportamentos e/ou ações naturais. Lembrando que toda

sugestão (hetero), para que faça efeito, terá que haver, a priore, uma espécie de

“atravessamento” da auto-sugestão do(s) próprio(s) interlocutor(es) que se pretende

influenciar.

Podendo-se, também, considerar, em um sentido mais restrito,

como: o ato de incutir em outra pessoa (ou em si próprio: auto-sugestão), idéias,

pensamentos, intenções, vontades, fazendo com que tal pessoa acate e faça como

suas, as idéias de alguém que sugere algo, ou, no caso da auto-sugestão,

potencialize-se uma idéia, desejo ou vontade própria, através, por exemplo

(principalmente), de um trabalho de concentração no foco da idéia, alterando-se

assim, de forma coordenada ou controlada (não necessariamente), suas funções

mentais e/ou psicofísicas. Logo, levando ao sugestionado, uma reprodução de

impressões previamente recebidas, que se converteriam em ponto de partida de

novas idéias e novos conceitos.

Segundo Brunner e Zeltner (2002, p.244), sugestão é:

...conselho, persuasão, insinuação /.../ Forma de comunicação mediata ou imediata na qual a ação, pensamento, sentimento e atitudes de uma pessoa

1 Isto (o significado do termo sugestão) será explorado, de uma forma mais abrangente, no capítulo posterior.

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são influenciados por uma ou várias outras pessoas, em grande parte prescindindo do controle consciente. Sugestionabilidade é a disposição de uma pessoa se deixar influenciar dessa forma. A eficácia dos processos da Sugestão depende tanto de características pessoais como idade, sexo, condição vigil, experiências infantis como também de fatores situacionais, como a falta de informações suficientes, a presença de condições de estresse, a possibilidade de obter vantagens, e pressão do grupo. å Auto-sugestão.

Enquanto que Aulete (1970, p.3452), define sugestão como:

...ação ou efeito de sugerir; instigação; inspiração; insinuação /.../ Influência psíquica exercida sobre uma pessoa por palavras ou ações; realização subconsciente de uma idéia /.../ hipnose e auto-sugestão /.../ Suggestio.

Portanto, produzir sugestão, é “infiltrar uma idéia na psique” de um

interlocutor, ou de si próprio, com vistas à sua realização. Ela pode ser alcançada

através de uma variedade de estímulos, sejam verbais, visuais, olfativos, táteis,

sócio-culturais, etc.

O rapport, que é considerado um tipo indireto de sugestão, é a

relação que se estabelece entre o paciente (ou aluno, cliente, etc.) e o terapeuta, (ou

professor, facilitador, etc). Esta relação é carregada de elementos sugestivos. Da

mesma forma considera-se que as transferências (que também podem ocorrer em

quaisquer tipos de relações interpessoais) também são formas de sugestões, tal

como comenta Freud (1980, v.XVI, cap.I(120) p.39)2: “E devemos dar-nos conta de

que, em nossa técnica, abandonamos a hipnose apenas para redescobrir as

sugestões na forma de transferência.”

Nas Obras Completas de Freud, encontra-se um capítulo intitulado

de “Resenha de Hipnotismo, de August Forel” (FREUD, op. cit., v.I, cap. IX, p.27),

que busca dar um definição para o que é sugestão. Assim Freud (op.cit.) dirá:

Quando tive o privilégio de receber ensinamentos pessoais do professor Bernheim sobre os problemas do hipnotismo, pareceu-me verificar que ele

2 Cd-rom (edição eletrônica), volume I, capítulo IX , pág. 27: numeração de página contada a partir da mudança de página da própria barra de rolamento do programa (em seu estado normal de abertura do programa). Nesta e nas demais citações de Freud, Breuer ou Forel.

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denominava sugestão a toda influência psíquica eficaz exercida por uma pessoa sobre outra, e que considerava como “sugerir” todo esforço no sentido de exercer uma influência psíquica em alguma outra pessoa. Forel procura estabelecer uma distinção mais clara. Uma seção sobre “Sugestão e Consciência”, rica em idéias, intenta compreender a atuação da sugestão com base em determinadas hipóteses fundamentais relativas aos eventos psíquicos normais.

Portanto, a sugestionabilidade é um fator presente nas mais diversas

áreas de nossas vidas: no trabalho, nos esportes, nas formações de grupos de todas

as espécies, nos rituais religiosos,etc.

Neste sentido Akstein (1973, p.202), a respeito de certos tipos de

rituais religiosos, relacionando transes alcançados através de processos sugestivos

ritualísticos e mudança de estados tensionais corporais-psíquicos, afirma o seguinte:

O transe cinético, da Umbanda, da Quimbanda ou do Candomblé, por si só constitui /.../ uma maneira benéfica de liberação dos estados tensionais, beneficiando ou propiciando a cura de inúmeras condições psiconeuróticas e psicossomáticas. É uma opinião que temos defendido após incontáveis observações desses transes, em tais indivíduos que a eles se submetem. Depois de algum tempo de prática desses transes, tais indivíduos encontram neles um refúgio para as suas aflições quotidianas, para a sua mediocridade, uma compensação para as suas frustrações. Essas sessões atuam, também como um moderador das quietudes das classes mais pobres que a elas frequentam; os crentes encontram a resposta, pela boca dos médiuns, dos seus mais dolorosos problemas; descarregam seus problemas, evaporam-se suas tensões; a música monótona, ritmada, agradável age como catalisadora da inibição hipnogênica que se apresenta numa boa parte desses assistentes.

Portanto, em sua citação, Akstein parece demonstrar que, através de

um processo que indica ter por base uma espécie de transe causado por “sugestão

ritualística”, se pode possibilitar um alcance de resultados psicoterapêuticos e

corporais positivos.

Da mesma forma, Freud3, em seus estudos e conclusões, também

explicita a importância e “força” que possui a sugestão numa visão psicodinâmica e

psicofisiológica, através de uma análise comparativa da visão das principais escolas

de psicologia e psiquiatria de sua época:

3 A referência desta citação de Freud foi perdida.

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A escola neurológica parisiense de Charcot investigava os principais fatores determinantes dos fenômenos hipnóticos ao nível das excitações periféricas ou centrais que atuam sobre o sistema nervoso: por exemplo, fixação do olhar numa imagem, afagar suavemente o couro cabeludo. Em contrapartida, a Escola de Bernheim, de Nancy, considera que essas excitações desempenham tão-somente um papel de veículo, de meio propício à “inspiração” das representações, por exemplo a do sono. Ao ser introduzida, a representação do sono provocaria um “estado de dissociação cerebral” que tornaria o sujeito particularmente acessível a outras sugestões. Esse estado de dissociação seria o próprio princípio da hipnose.

Freud4 também destaca o efeito sugestivo na base das

“transferências” ocorrentes na relação terapeuta – paciente:

Porém, é precisamente na sugestão e na hipnose que a transferência desempenha o maior papel; proponho-me tratar mais detalhadamente esse tema num estudo à parte. Depois que tive conhecimento desse mecanismo, compreendi essa paciente histérica que, no final do tratamento por sugestão, me pediu a minha fotografia para que, olhando-a, as minhas palavras lhe acudissem de novo ao espírito, prolongando assim o efeito terapêutico; mas suspeito muito de que, na realidade, ela queria simplesmente uma lembrança daquele que soube propiciar alguns momentos agradáveis ao seu espírito atormentado por conflitos, mediante falas suaves e amistosas, leves toques “rituais” na testa e a possibilidade de fantasiar com toda a quietude na penumbra de um consultório. Uma outra paciente, que sofria de uma obsessão de asseio, confessou sem rodeios que, para agradar a seu médico, que considerava simpático, pôde vencer por mais de uma vez sua compulsão.

Ainda demonstrando a forte influência terapêutica da sugestão e de

elementos ou fatores que sugestionam na “construção” da transferência, Freud5 cita

o seguinte: “Semelhanças físicas irrisórias – cor dos cabelos, gestos, maneiras de

segurar a caneta, nome idêntico ou só vagamente parecido com o de uma pessoa

outrora importante para o paciente – bastam para engendrar a transferência” .

Vianna (1990, p.101), destacando um, entre os infindáveis fatores

sugestivos existentes nas mais diversas relações pessoais, utilizando como exemplo

a relação terapeuta-cliente, faz perceber, que estes fatores também podem vir a ser

negativos, no que se refere ao trabalho em si, e em seus possíveis resultados

terapêuticos: “A relação do tipo professor-guru-onipotente e aluno-fiel-subserviente

pode ser muito prejudicial ao trabalho que se está desenvolvendo, assim como a

própria vida.”

4 A referência desta citação de Freud foi perdida. 5 A referência desta citação de Freud foi perdida.

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Demonstra ainda Vianna (op. cit., p.121), a importância e influência

das relações existentes nos grupos. A forma como nos relacionamos com nossos

interlocutores (neste caso: alunos), sugestivamente, poderá implicar nas mais

diversas reações e comportamentos:

Mas é exatamente o que quero, isto é, chegar até eles, iniciar uma relação de cumplicidade, de confiança, de troca, porque não creio que seja possível dar uma boa aula para pessoas que você nunca viu e não sabe nem o nome. Uma aula dessas é inútil.

Logo, fatores sugestivos, tais como, confiança, cumplicidade, troca,

etc estão presentes, de uma forma ou de outra, em todas as relações.

Fatores relacionados ao que conhecemos como efeito placebo,

também são de importante destaque para a pesquisa. Neste sentido, Bernik (2002,

p.1) dirá: “Atualmente, a hipnose é reconhecida como um tipo de tratamento

adequado para certos quadros psiquiatricos, e até mesmo como um método de valor

para aumentar a resistência imunológica de pacientes.”

Já Forel (apud, Freud, 1980, v.I, c.IX, p.20) dirá que “

Por meio da sugestão sob hipnose, é possível produzir, influenciar, impedir (inibir, modificar, paralisar, ou estimular) todos os fenômenos subjetivos conhecidos da mente humana e uma grande parte das funções objetivamente conhecidas do sistema nervoso

Freud (op. cit. v.I, cap.IX, p.20), segue a citação de Forel dizendo:

“...isto é, influenciar as funções sensitivas e motoras do corpo, determinados reflexos

e processos vasomotores (a ponto mesmo de causar bolhas!) e, na esfera psíquica,

influenciar sentimentos, instintos, memória, atividade volitiva e assim por diante.”

Enquanto que Gerhardt (2001, p.1) afirma que :

Os cientistas sempre acreditaram não existir nenhum tipo de resposta química do corpo ao placebo. Qualquer efeito seria apenas resultado de

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auto-sugestão. No entanto, ao examinar pessoas com mal de Parkinson que receberam placebo /../ Nossos resultados mostram que o efeito placebo não só é real como de considerável magnitude.

Amaral e Sabbatine (1999, p.1) informam resultados de pesquisa,

em processos cirúrgicos, onde “...pacientes operados ficticiamente tiveram 80% de

melhora. Os que foram operados de verdade tiveram apenas 40% /.../ o placebo

funcionou melhor que a cirurgia.”

Breuer (1980, v.II, c.III (4), p.8) destaca a forte influência que

possuem, os estados de sonolência, distração e devaneio, que são muito comuns

em processos terapêuticos, em estados sob sugestão, e, principalmente, em

processos de trabalhos com Arteterapia:

Nos estados de distração e devaneio /.../ a excitação intracerebral cai abaixo de seu nível lúcido de vigília. Esses estados bordejam a sonolência e se convertem em sono. /.../ A semelhança entre essa situação e os determinantes da hipnose parece inconfundível. O indivíduo que vai ser hipnotizado não precisa realmente adormecer /.../ mas seu fluxo de representações deve ser inibido. Quando isso acontece, toda a massa de excitação fica à disposição da representação sugerida. /.../ É dessa maneira que a auto-hipnose /.../ parece surgir em algumas pessoas — através da introdução de afeto num devaneio habitual.

Portanto, até em “estados normais” ou em situações onde há um

certo desligamento, um devaneio, etc, a sugestão parece se fazer presente e

atuante, e em Arteterapia, é propiciada esta possibilidade, justamente pelo “total”

(ou parcial) desligamento e pela “total” (ou parcial) liberdade criativa que são

possibilitados ao cliente.

Pode-se concluir, portanto, que a sugestão acaba por parecer, como

uma condição sine qua non a qualquer tipo de terapia, assim como, em todas as

relações humanas, e, especialmente, em Arteterapia.

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CAPÍTULO II

SUGESTÃO E ARTETERAPIA

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2- SUGESTÃO E ARTETERAPIA

2.1 – Sugestão e Seu Significado

É de grande importância para esta pesquisa, se definir, à priori, o

que significa sugestão no seu sentido literal (de dicionário), já que, no sentido da

terapêutica, é comum se associar sugestão, somente à “técnica de sugestão” (ou, de

sugestão direta) ou hipnose; muito utilizada, principalmente por Freud, no início de

sua carreira psicoterapêutica.

Há de se considerar que “a sugestão” (ou: sugestão), seu termo e

significado, devam ser retomados e repensados na clínica, redescobrindo, assim,

seus importantes benefícios e sua utilidade na terapêutica. Destacando-se, portanto,

nesta pesquisa, o seu significado de fato, pode-se crer que isto, de alguma forma,

poderá facilitar uma possível desvinculação da mesma, à um “estigma” que lhe é

conferido, estigma, este, que geralmente à liga somente à técnica da hipnose ou da

sugestão direta; como também, que poderá facilitar a identificação de sua ocorrência

nas mais variadas práticas terapêuticas, tal como a Arteterapia.

Brunner e Zeltner (2002, p.244), em seu dicionário de

Psicopedagogia e Psicologia educacional definem sugestão da seguinte forma:

Sugestão: /.../latim: suggestio, conselho, persuasão, insinuação /.../ Forma de comunicação mediata ou imediata na qual a ação, pensamento, sentimento e atitudes de uma pessoa são influenciados por uma ou várias outras pessoas, em grande parte prescindindo do controle consciente. Sugestionabilidade é a disposição de uma pessoa se deixar influenciar dessa forma. A eficácia dos processos da Sugestão depende tanto de

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características pessoais como idade, sexo, condição vigil, experiências infantis como também de fatores situacionais, como a falta de informações suficientes, a presença de condições de estresse, a possibilidade de obter vantagens, e pressão do grupo /.../ Auto-sugestão.

Já o dicionário contemporâneo da língua portuguesa Aulete (1970,

p.3452) dará a seguinte definição para sugestão:

“Sugestão: /.../ ação ou efeito de sugerir; instigação; inspiração; insinuação /.../ Influência psíquica exercida sobre uma pessoa por palavras ou ações; realização subconsciente de uma idéia. Cf. hipnose e auto-sugestão. // F. lat. Suggestio.”

Também, segundo Aulete (1970, p.3452), sugerir, sugestionar e

sugestivo, receberão os seguintes significados:

Sugerir: /.../ lembrar, dizer a meia voz ou em segredo; insinuar; trazer ao espírito (alguma idéia) /.../ Promover; proporcionar; fornecer; provocar /.../ Sugestionar: /.../ produzir sugestão em, inspirar, estimular, sugerir /.../ Sugestivo: /.../ que sugere, que inspira, que instiga.

Portanto, já à priori, podemos destacar que sugestão significa o ato

de: aconselhar, persuadir, insinuar, instigar, inspirar, lembrar, promover, proporcionar,

fornecer, provocar, estimular, trazer ao espírito alguma idéia, exercer influência

psíquica, dizer a meia voz ou em segredo, etc. Neste caso, acho também de grande

importância, se destacar as definições destes termos que a significam ou identificam.

Então o que significam os mesmos?

Ferreira (1993, pp.9, 231, 258, 306, 308, 309, 331, 419, 445, 446,

449) irá defini-los da seguinte forma:

Aconselhar: Dar conselho a /.../ Indicar a vantagem de; recomendar. /.../ Pedir ou tomar conselho.; Estimular: /.../ Dar estímulo a, incitar /.../ Animar, encorajar.; Estímulo: /.../ Aquilo que ativa a ação orgânica no homem, no animal e na planta, que o(s) incita a algo /.../ Aquele ou aquilo que impele à ação.; Fornecer: /.../ Abastecer de /.../ Gerar, produzir /.../ Proporcionar o necessário a.; Influenciar: Exercer influência em, receber influência em, ou receber influência.; Influência: /.../ Ato ou efeito de influir; influxo /.../ Ação que uma pessoa ou coisa exerce sobre outra; influxo /.../ Animação, entusiasmo /.../ Prestígio, crédito /.../ Ascendência, predomínio.; Insinuar: /.../ Fazer penetrar no ânimo de; persuadir /.../ Dar a entender de modo sutil ou

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indireto /.../ Introduzir sutilmente ou com destreza /.../ Introduzir-se com habilidade ou dissimulação., Inspirar: /.../ fazer que (uma idéia, concepção, etc.) se apresente; sugerir...; Instigar: /.../ Incitar, estimular /.../ Açular, provocar, provocar (animais)...; Lembrar: /.../ Trazer à memória; recordar /.../ Dar a idéia de; sugerir. Propor /.../ Ter lembrança; recordar-se.; Persuadir: /.../ Levar a crer ou a aceitar /.../ Induzir, convencer /.../ Induzir à Persuasão; convencer /.../ Adquirir persuasão; convencer-se.; Promover: /.../ Dar impulso a; fazer avançar /.../ Causar, originar /.../ Diligenciar para que se realize /.../ Elevar a (cargo ou classe superior).; Proporcionar: /.../ Dar, oferecer.; Provocar: /.../ Desafiar /.../ Insultar /.../ Produzir, causar /.../ Atrair /.../ Causar desejo sexual em /.../ Dirigir provocação...

Portanto, pode-se concluir que sugestão, “no seu sentido literal”, em

função de suas derivações, significa: aconselhamento, recomendação, estímulo,

incitação, animação, encorajamento, fornecimento, abastecimento, produção,

influência, entusiasmo, prestígio, crédito, ascendência, predomínio, insinuação,

persuasão, inspiração, instigação, provocação, lembrança (ato de lembrar ou fazer

lembrar), recordação, idealização, indução, convencimento, promoção, motivação,

oferecimento, desafio, insulto, atração, introdução (com habilidade ou dissimulação).

É também, o ato de: propor; levar a crer ou a aceitar; gerar; proporcionar; dar

impulso; fazer avançar; dar origem; diligenciar para que se realize algo; causar

desejo sexual; como também: a apresentação de uma idéia ou concepção; o que

ativa a ação orgânica, o que impele à ação, etc.

Portanto, sugestão, é muito mais do que geralmente se costuma

delimitar como seu significado, que na clínica, não se dá o devido valor de seus

efeitos, benefícios e/ou malefícios.

2.2 – Estados Sob Sugestão

Os “estados sob sugestão” são mais comuns do que geralmente se

pensa, eles certamente estão presentes, de uma forma “natural”, no dia-a-dia de

nossas vidas, e certamente fazem parte de nossa estruturação psíquica e física

(nossa “formação psicofisiológica”), e na psicossomática, como um todo.

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Entre outras formas, um estado sob sugestão pode “ocorrer

naturalmente”, ou pode ser induzido, de forma direta ou indireta, através, por

exemplo, de estados de relaxamento (principalmente), muito comum em situações

terapêuticas (ou até, paradoxalmente, em condições de forte estresse), ou ainda, em

situações relacionais (relacionamentos interpessoais) comuns, principalmente nas

grupais, tais como as ocorrentes em: reuniões institucionais, religiosas, filosóficas,

místicas, rituais, cerimoniais, familiares, etc.

É um tipo de estado (“alterado” de consciência?) que se manifesta por

interferências ou introjeções de aspectos sugestionadores que podem,

principalmente, facilitar um aumento da criação imaginativa, podendo até

proporcionar, tanto uma diminuição quanto um aumento (paradoxo) do “exame da

realidade”, podendo assim estabelecer uma provável disposição mental (no sentido

da subjetividade de pensamentos, idéias, imaginações, etc), de forma que, por

exemplo, idéias (imaginativas) possam vir a ser recebidas e experimentadas de uma

maneira praticamente “real”; também podendo vir a ser um facilitador de condições

em que o indivíduo possa voltar-se de forma mais concentrada “para dentro de si

mesmo” (“um mergulho interno”), através de processos que podem envolver

aspectos, tanto de concentração, quanto de dissociação do pensamento6, podendo

facilitar um acesso mais direto à conteúdos inconscientes.

2.3 – Sugestão, Autopoiese e Alteridade em Arteterapia

Poesia, segundo Ferreira (1993, p.429), significa “a arte de criar imagens, de

sugerir emoções por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e

significados. Caráter do que emociona, toca a sensibilidade.”

Arteterapia é poesia pura, é autopoiese, e ela, talvez sem que se

perceba, faz uso da sugestão, que também não deixa de ser uma forma de

6 Esta relação entre processos de concentração-dissociação ou dissociação-concentração, ao meu ponto de vista, estaria diretamente ligada aos (e presente nos) estados sob sugestão; sendo inerente aos mesmos.

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autopoiese. Sabemos que a arteterapia, em um primeiro momento da técnica (ao se

iniciar um trabalho de arteterapia), geralmente (na maioria das vezes) faz uso de

sons (musicais ou não), melodias e/ou ritmos sonoros, como também, emociona,

toca e sensibiliza através de “induções ou sugestões imaginativas” (“imaginação

dirigida”), que levam o sujeito da terapia a buscar significados internos, através da

criação de imagens e, conseqüentemente, do encontro com emoções (e vice-versa).

O uso e/ou ocorrências da “sugestão terapêutica” (não

necessariamente como um fim, mas como um meio, ex: indução à lembranças:

através da técnica conhecida como imaginação dirigida), seja através da arteterapia

ou qualquer outra terapia (também ocorre nas mais diversas formas de relações

interpessoais), nada mais é que uma forma de autopoiese, já que uma autopoiese

significa a capacidade para a construção de poesias internas, capacidade de se

autoproduzir, trazer de dentro de si uma capacidade de mudar a si mesmo. Logo,

em toda terapia existe também uma autopoiese, pois, o sujeito que busca uma

terapia busca mudanças, busca uma autopoiese.

Toda “imaginação dirigida”, ou seja, induzida, é (ou, não deixa de

ser) uma sugestão (onde se sugere um tipo de imaginação), e toda sugestão

(hetero) é, antes de qualquer coisa, uma auto-sugestão, logo, é também uma forma

de autopoiese, não existindo, portanto, sugestão sem auto-sugestão, e se não

existe sugestão (hetero) sem auto-sugestão, pode-se, da mesma forma, concluir

que não existe poesia sem autopoiese. Se não existe sugestão sem auto-sugestão

e não existe poesia sem autopoiese, “paradoxalmente”, não haverá auto-sugestão

ou autopoiese sem alteridade, já que “não podemos estar vivos sem o outro”. 7

A ocorrência dos estados sob sugestão (logo, de autopoiese, e

também de alteridade) é mais comum do que se pensa, até porque estes estados

não se diferenciam do estado normal da forma como se imagina, ou, pode-se até

afirmar, que fazem parte dos (“ditos”) estados normais. Essa separação na verdade

inexiste: o que há, de fato, é uma fusão, que se flexibiliza, seja “para mais”, seja 7 Neste caso, o “alter” depende do “auto”, assim como, o “auto” depende do “alter”, como uma espécie de “gangorra”. Eles só podem existir enquanto uma “unidade” que oscila, que varia, enquanto vértices de um mesmo elemento; um é parte do outro, um só existe se o outro também existe, logo, “o ‘um’ é o ‘outro’ ’’.

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“para menos”. Logo, estão presentes no dia-a-dia de nossas vidas, e fazem parte de

nossa (flexível, e em permanente mudança) estrutura(ção), formação e/ou dinâmica

psicofisiológica e/ou psicossomática. As sugestões, ou os estados sob sugestão,

possibilitam, não somente formar, como também “quebrar” muitas das nossas mais

variadas estruturas, de maneira a nos possibilitar experimentar outros modelos de

funcionamento sobre nós mesmos, principalmente no que se refere ao nosso

sistema de crenças, e isto é autopoiese “pura”.

Em arteterapia, portanto, uma espécie de “transe” leve, pode ser

induzido através das variadas técnicas de (hetero ou auto) relaxamento utilizadas,

ou mesmo das chamadas “técnicas de imaginação dirigida” ou “imaginação diretiva”

(que, na maioria das vezes, não deixa de ser de relaxamento), ou através de várias

outras práticas que fazem uso de alguma forma de comunicação, de forma a atingir

a sensorialidade através dos órgãos dos sentidos (do suposto sujeito em terapia),

induzindo e/ou despertando a atenção para (ou através de) algo. E mesmo sem o

uso das técnicas indutivas (que convidam à imaginação), a própria “concentração”,

que se alcança quando se está produzindo “qualquer” tipo de arte, leva a este

mesmo “estado de imaginação”; que se estabelece praticamente como um transe

leve: um estado sob sugestão poderia representar um estado onde um sujeito está

muito “mais ligado”, “mais conectado” consigo próprio, com suas idéias, questões e

liberdade de ser, onde está mais presentificado em si mesmo, momento em que,

provavelmente, retoma uma maior, e/ou melhor, “visibilidade” da própria vida.

Pode-se concluir que, a arteterapia, antes de qualquer coisa, pode

propiciar ao cliente, uma descoberta de que ele pode ser capaz de produzir (ou se

tornar produtivo, através de) algo, que certamente é bastante significativo para ele;

isso se dará, a partir (e através) de suas próprias produções artísticas: as produções

que são efetivadas no próprio trabalho terapêutico.

2.4 – Sugestão, Arteterapia e Criatividade

A Criatividade é algo que deve ser estimulada nos indivíduos, pois

“só assim”, estes terão uma possibilidade de melhor lidar com todas as situações

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difíceis que são inerentes ao convívio em sociedade. A sociedade atual parece não

dar muito valor e crédito à criatividade, pois, na grande maioria de seus setores, ao

invés de fornecer uma possibilidade do indivíduo se perceber enquanto capaz de

criar, de produzir, de buscar soluções próprias para situações adversas e também de

fazê-lo sentir-se capaz de produzir conhecimento, coisas e/ou idéias novas, perpetua

uma condição, idéia e consciência de reprodução dos mesmos.

Sabemos que reproduzir é importante e necessário para todos nós, é

algo que não pode ser estancado de nosso sistema, mas, por que não se aderir à

propostas que também valorizem a produção criativa? O indivíduo não pode ser ele

mesmo se “o ele mesmo” não for reconhecido enquanto uma unidade diferenciada,

sem que ele tenha a possibilidade e/ou capacidade de reconhecer e valorizar a si

próprio e suas capacidades.

A repressão ocorre justamente quando a criatividade é afastada,

pois, criatividade é “liberdade”, é criação, e não há possibilidade (ou, ao menos, isso

dificulta o ato) de criar, de ser imaginativo em sistemas repressores. Um sistema

repressivo aponta para uma castração, uma castração da liberdade e da

possibilidade de criar.

Segundo Goldberg (apud, VIRGOLIM, s.d., p.18), “CRIATIVIDADE é

um processo que leva a um produto artístico específico; e também uma atitude em

relação a si mesmo e aos outros que fornece a possibilidade de relações íntimas

através da paixão, do desejo e da imaginação”. Isso me faz perceber, com clareza,

como é importante se valorizar o indivíduo em suas capacidades individuais, assim

como, suas próprias e específicas produções, que na verdade não são possíveis de

serem afastadas, de fato; e serem reprimidas não é bom, pois, certamente,

acarretarão frustrações no indivíduo e bloqueios no próprio aprendizado.

Pode-se dizer, que, talvez não sejamos apenas “capazes de produzir,

construir, inventar novos objetos, coisas, idéias, ações, reformulações”; mas que

somos, também, necessitados de tais capacidades; isto equivale à necessidade de

transcender às mesmas. Tais capacidades acabam por tornarem-se necessidade

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perante as dificuldades a serem enfrentadas nos dias atuais e no futuro, logo,

devemos nos dotar de tais capacidades, e a nossa sociedade não pode se privar de

tal “obrigação”, no sentido de facilitar tais capacitações. Quando falamos em nos

capacitarmos, falamos em nos sugestionarmos positivamente, valorizando a auto-

estima e a crença em si próprio.

O “fenômeno” da capacidade de inventividade e criatividade dos

indivíduos da época do Renascimento, a meu ver, se deu, principalmente, por força

de uma nova consciência ou uma nova conscientização de valorização das

capacidades pessoais, uma valorização da capacidade de criar e inventar, a

valorização do homem, que deixa de olhar somente para fora, e passa a olhar para

dentro de si próprio, passando a acreditar mais em si e em suas possibilidades e

capacidades. O Renascimento foi um movimento que favoreceu “a crença em si

próprio” (uma auto-sugestão), a crença de que somos capazes de produzir muito

mais (“autoprodução” – autopoiese – auto-sugestão), e de forma muito melhor do que

pensamos; não é atoa que grande parte das invenções humanas se deram nesta

época, e de forma brilhante. Talvez houvesse uma forte sugestão de crença em si

mesmo (valorização do homem).

A sugestão, neste sentido, pode funcionar, portanto, como forma de

valorização da criatividade e capacidade de inventividade, individuais (grupais

também), não somente a inventividade no sentido de uma produção material, mas

também no sentido de uma “inventividade da própria vida”, uma inventividade para se

produzir e ser produzido. Sem inventividade e criatividade ficamos praticamente

impossibilitados de crescimento pessoal. A criatividade e a inventividade podem

representar, à priori, uma crença em si mesmo, uma auto-sugestão, mas que sempre

dependerá, no mínimo, da legitimação social, caso contrário, tal “força” pode se

tornar nula.

2.5 – A Cura Pelas Imagens e a Relação Mente-Corpo

A questão da “relação” corpo-mente, até os dias de hoje, provoca muita

polêmica e diversas opiniões que se divergem, mas tenho uma posição que percebe

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mente e corpo como uma só coisa. Torna-se difícil acreditar que se possa separar

uma coisa da outra; ao meu ver, não há menor possibilidade de se efetivar algo que

seja só corporal, ou só mental: só posso pensar e imaginar algo se tenho um corpo

que possa me dar essa condição, e não posso sentir nada sem uma “mente” para

fazer-me sentir o que se tem para sentir. Difícil, também, é se conceber a

possibilidade de se pensar (fazer uso do pensamento), sem usar músculos e

neurônios, assim como, usar algum músculo sem ter uma consciência para isso (o

inconsciente só pode existir se antes houver uma consciência, e ele faz parte da

consciência: não disse consciente, mas sim consciência); pode-se crer, portanto,

que uma imagem mental (ou uma imaginação) influi diretamente na saúde

psicofísica. Neste sentido, fica muito fácil se concordar com Epstein (1989, p.15)

quando afirma que: “Os efeitos físicos benéficos das imagens mentais não seriam

surpreendentes se estivéssemos acostumados a pensar nos aspectos mental e

físico como os dois lados de um espelho ao qual chamamos de corpo.”

Exemplos não faltam de melhoras ou “curas” que são relatadas em

função do próprio pensar, e o pensar, ao meu ver, é inseparável do imaginar. O

próprio Epstein (op. cit, p.13) dá um bom exemplo disso quanto relata o caso de um

sujeito que lhe procurou, sujeito este que supostamente teria se curado através de

suas próprias imagens, de sua própria imaginação, com a ajuda de uma terapeuta:

“Após estes três anos infrutíferos, ele procurou uma mulher que praticava ‘imagens

visuais’ ou, mais precisamente, a terapia do ‘sonho acordado’. Ele havia tido quatro

sessões com ela, uma por semana, durante um mês e se considerava curado.”

Imaginar uma cura e por esta imaginação obter resultados positivos,

é o mesmo que sugestionar-se à cura e ter seu desejo realizado através desta idéia

ou imaginação da cura ou de melhora. Em qualquer terapia temos que partir de um

precondição de imaginar algo, pois é impossível não se imaginar algo por algum

momento, pois, imaginar é pensar. Não tenho como entrar em contato com

lembranças, pensamentos ou idéias, sem poder (ou, sem ter que) imaginá-las. De

acordo com Epstein (op. cit., p.15):

As imagens mentais são um tipo de pensamento usado para fazermos contato com nossa realidade subjetiva interna. Minha experiência como um

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médico que pede aos seus pacientes que examinem suas vidas internas mostraram-me que esta escultura de vida interna é formada por imagens.

Em terapias, as imagens, as induções e as sugestões, geralmente

são usadas sem que se perceba claramente, mas o são (na maioria das vezes, sem

que se tenha consciência disso). Um bom exemplo disto é destacado por Epstein

(op. cit., p.14) quando ele se refere à “consigna” usada pelo por Freud no início de

um tratamento pela Psicanálise:

...a explicação de Freud aos analistas sobre o uso da “livre associação”, era, em essência, um exercício de imagens. No exercício proposto por Freud, o analista pede ao paciente que imagine a ambos viajando em um trem, com o paciente olhando pela janela e descrevendo ao analista tudo o que vê.

Portanto, ao meu ver, a imaginação é “matéria prima” da terapêutica,

e a Arteterapia terá a mesma (a imaginação), como seu principal “instrumento”, já

que: “trabalhar” com arte, é trabalhar com a imaginação, com a criação.

2.6 – Sugestão na Arteterapia e os Estados de Relaxamento e de

Dissociação-Concentração

A Arteterapia tem por base, à priori, a motivação, seja, à uma

imaginação, à um “mergulho interno”, à um encontro do sujeito da terapia consigo

mesmo, etc; através do uso de sons, músicas, técnicas de relaxamentos, meditação,

e/ou até mesmo através de “indução” direta. O divã, da Psicanálise, não deixa

também de cumprir semelhante função: sua função é de, não somente interditar o

olhar, mas, ao meu ver, também facilitar a ocorrência ou surgimento de um estado de

relaxamento, a partir (e/ou em direção), principalmente, de um estado de

concentração e/ou dissociação (paradoxos?: [äsujeito/conteúdoså] å ä

[åsujeito/conteúdosä] - ???). Logo, haverá um encontro com questões mais

profundas, mais inconscientes. Isso se dará, portanto, através de um trabalho que

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geralmente envolve, a concentração (ou centramento) da atenção (à uma fala, um

som, um ritmo, uma idéia, etc: um estímulo, seja qual for), para que assim o sujeito

possa se dissociar de defesas (até certo ponto necessárias) inconscientes, e/ou

através da dissociação da atenção para que o sujeito possa se concentrar nas

lembranças, por exemplo, transpondo, assim, as defesas, ou mesmo “passando ao

longe delas” (paradoxos?). Essas defesas inconscientes, naturalmente cerceiam

possíveis contatos mais diretos do sujeito com suas próprias lembranças e/ou

emoções mais profundas (sua própria realidade).

Em uma de suas passagens em: “Sobre os Sonhos”, Freud (1980,

v.V, cap.VII(9o, X), p.92) relata algo que pode-se até arriscar a se fazer uma espécie

de analogia entre alguns aspectos do funcionamento psicodinâmico e do

funcionamento neurofisiológico; neste caso, nos estados, do sono, e da formação

dos sonhos (ou estados de relaxamento):

Em certas condições, uma das quais é o estado de sono, a relação de forças entre as duas instâncias se modifica de tal maneira que o recalcado não pode mais ser refreado. No estado de sono, isto provavelmente ocorre graças a um relaxamento da censura; quando isso acontece, torna-se possível ao que até então estava recalcado facilitar-se o caminho para a consciência. Entretanto, visto que a censura nunca é completamente eliminada, mas simplesmente reduzida, o material recalcado tem de submeter-se a certas alterações que atenuam seus aspectos ofensivos. O que se torna consciente, nesses casos, é um compromisso entre as intenções de uma das instâncias e as exigências da outra. Recalcamento — relaxamento da censura — formação de compromisso: este é o modelo básico da gênese não apenas de sonhos, mas também de muitas outras estruturas psicopatológicas; e nesses casos podemos observar também que a formação de compromisso é acompanhada por processos de condensação e deslocamento e pelo emprego de associações superficiais, com as quais nos familiarizamos no trabalho do sonho.

Isso quer dizer, que relaxar, pode (em tese) significar o mesmo que

relaxar a censura. Portanto, isto poderá ocorrer em quaisquer situações onde haja

relaxamento: não é só no sono ou no sonho, mas em qualquer estado que se

aproxime disto. Ao fecharmos os olhos, automaticamente começamos a imaginar de

forma mais “intensa”.

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Na maioria das circunstâncias da vigília o psiquismo é coordenado

por um controle consciente voluntário, mesmo assim, os outros sistemas que são

atuantes são plenamente capazes de “dominar” a consciência (determinismo

psíquico). Entretanto, durante um estado sob sugestão (relaxamento, transe,

hipnose, etc.) o controle desloca-se, de forma a reduzir o poder do controle

consciente voluntário, assim, ações normalmente voluntárias podem tornar-se

involuntárias.

Muitas vezes, o relaxamento é também alcançado via uma tensão

inicial, como em estados de “choque”, por exemplo, como em muitas técnicas que

primeiro nos remetem a um estado de tensão inicial, para logo chegarmos a uma

relaxação (“depois da tempestade vem a bonança”). Isto poderá ocorrer, no sentido

de uma “tensão” muscular, em técnicas de Yoga, em exercícios de Bioenergética ou

da Biossíntese, em ações do Psicodrama (tensão, também, na ação dramática),

como também, nas ações da transferência negativa, que Reich afirmava ser

importante (sua ocorrência) no início de um tratamento psicoterapêutico. Não é difícil

percebermos tal dinâmica, já que a ab-reação e a catarse, queira-se ou não,

perceba-se ou não, de uma forma ou de outra, fazem parte da maioria das

psicoterapias. É bom lembrar que o relaxamento é alcançado em algum momento,

mas não necessariamente sendo precedido da tensão.

Em casos de “transes” provocados intencionalmente, pelo menos um

ponto vigil se manterá, reforçando um estado que ficará entre uma espécie de sono

misturado com vigília. Aí é que se pode esperar um maior entendimento de tal

estado, que para muitos parece mágico, assustador ou místico. Ao meu ver, a

dinâmica que fica estabelecida, é uma espécie “in and out” (dentro e fora), uma

fusão (mais homogênea) entre conteúdos conscientes e inconscientes.

Provavelmente este seja o estado alcançado quando em trabalho de Arteterapia,

que se aproxima do que se conhece como: estados oníricos.

A sugestão pode levar a uma espécie de “estado alterado de

consciência”, que se manifesta por interferências e/ou introjeções na psique de

aspectos que facilitam um aumento da criação imaginativa, podendo proporcionar

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situações em que o indivíduo possa voltar-se, mais facilmente, e de forma mais

abrangente e profunda, para dentro de si mesmo, através de processos que

envolvem, principalmente, aspectos relacionados à concentração e à dissociação8.

Facilitando assim um acesso mais direto à conteúdos inconscientes; e, na

arteterapia, facilitando uma maior (ou melhor) “liberalização” (ou liberdade) da

expressão, através das ações (produções artísticas) do sujeito que está em terapia,

o sujeito “concentrado” em sua autopoiese, em sua autoprodução; o sujeito

concentrado em si (comum à todas as terapias: uma concentração em si).

De acordo com Epstein (1989, p.15)

...a habilidade de compreender e de se comunicar na linguagem das imagens provavelmente precede a habilidade de se comunicar com palavras. O processo de nos tornarmos conscientes da linguagem das imagens só requer, essencialmente, que voltemos nossa atenção a ela.

O estado sob sugestão é um estado de atenção e receptividade

intensificada (concentrada) e de aumentada reatividade a uma idéia ou série de

idéias (novas conexões neuronais: neuroplasticidade e autopoiese), é um estado que

se caracteriza através de uma relação ou ação simultânea entre concentração e

dissociação psíquica, tal como Freud (1980, v.XX, cap.I, p.78) descreve, referindo-se

ao sono: “...A precondição mental necessária de sono é a concentração do ego sobre

o desejo de dormir e a retirada da energia psíquica de todos os interesses da vida...”

(concentração-dissociação?). Portanto, estruturas, processos ou dinâmicas psíquicas

podem ser conectadas, reconectadas, “recriadas” (criadas também), conforme o

estabelecido por uma sugestão (seja ela hetero ou auto), que poderá se encaminhar,

seja de uma forma mais livre, ou mais (hetero ou auto) dirigida (induzida). É como se

os estados de dissociação-concentração ou concentração-dissociação9,

possibilitassem uma linha de comunicação mais direta, e concomitante, entre estado

de vigília e estados alterados de consciência, como se pudessem fazer uma espécie

de “ponte” mais direta, mais livre (uma espécie de “fusão homogeneizada”) entre

8 Esta relação entre processos de concentração-dissociação ou dissociação-concentração, ao meu ponto de vista, estaria diretamente ligada aos (e presente nos) estados sob sugestão, de relaxamento ou alterados de consciência (ou mesmo normais: “em sua variação flexível”). 9 Lá ... “bem no fundo”, sabemos que nada no ser humano é “verdadeiramente dissociável”. No máximo, somente apresentam “diferentes lados (ou formas) de uma mesma ‘moeda’” (???).

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consciente e inconsciente (incluindo o sistema pré-consciente), e/ou entre as

instancias Id, Ego e Superego, como também, em um sentido funcional fisiológico,

entre as camadas corticais mais superficiais e as camadas mais profundas do

cérebro (mais ligadas ao emocional e/ou instintual).

Assim, supostamente, pode-se (em tese) imaginar a possibilidade de

ocorrência de “estados paradoxais de comunicações, e ações”; de forma a se poder

dissociar, separar, ou isolar elementos psíquicos, ideações, etc; podendo, assim, se

possibilitar novas relações (interações) entre estruturas psicodinâmicas, e/ou

neurofisiológicas (neuroplasticidade?), que em estado de vigília podem se encontrar

“mais arrumadas”, e de forma mais “hermeticamente” estruturadas, (quase que

“cristalizadas”). Em relação ao aspecto em questão, Akstein (1999, p.144), quando,

por exemplo, se referia ao transe cinético da TTT, uma terapia psicocorporal que ele

próprio criou, e que induz a um “auto-transe” afirma o seguinte:

O retorno do homem a uma condição primitiva /.../, removendo condições impostas pela civilização que impedem a descarga de certas tensões, dá ao indivíduo momentos de autenticidade; dá também a possibilidade de um melhor ajustamento familiar e social em consequência de um melhor equilíbrio psíquico e psicossomático. /.../ a liberação de emoções reprimidas determina o referido equilíbrio devido a que os centros emocionais e neurovegetativos no sub-córtex estão fisiológica e anatomicamente conectados.

Portando, o estado sob sugestão também facilita a ocorrência de

“específicos estados psicofísicos” que permitem influenciar condições psíquicas,

somáticas e viscerais, que geralmente se dão através da interação entre o paciente e

seu terapeuta, como também nas relações “comuns” (entre pessoas ou grupos), etc.

Logo, se dará também em arteterapia.

Em Arteterapia, mesmo sem que se perceba, é comum existir

experiências de estados de “automatismos” (quando, por exemplo, estamos

envolvidos em uma pintura ou escultura), estados alterados de consciência, estados

de transe; estados hipnóticos (hipnoidais ou “sob transe hipnótico”); estados de

relaxamento, estados sob sugestão, etc; isso acontece, por exemplo, como já foi

relatado, quando estamos absorvidos e/ou concentrados em algum trabalho de

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expressão artística (autopoiese). Esta relação entre transe, dissociação e

automatismo, é relatada por Akstein (op. cit., p.187) da seguinte forma:

Transe e dissociação, para certos autores, têm a mesma significação, tal é a estreita ligação que existe entre os dois. A dissociação é bem evidente, por exemplo, na situação em que o paciente toma consciência de que seus movimentos são automatizados ou impulsionados sem o controle de sua vontade ordinária.

Em momentos em que estamos com a atenção “muito absorvida”

(concentração), “muito ligada”, muito concentrada em algo, tal como, quando

estamos em alguma produção artística, muitas vezes, por exemplo, conseguimos não

nos sentir incomodados por estímulos não desejados, como, por exemplo, um

barulho externo ou uma dor somática. O mais interessante é que tudo isso acontece

sem que seja eliminada por completo a nossa consciência do estado de vigília, e

haverá sempre um ou mais pontos vigís que estarão mais receptivos, que podem ser,

o da audição, o visual, o olfativo, o tátil, etc, muitas vezes, devido à forte

concentração da atenção direcionada aos mesmos (concentração: fator agregador),

em detrimento da inibição de outros pontos, pela diminuição da atenção (dissociação:

“desagregação, separação da atenção”) aos mesmos.

Este movimento de concentração-dissociação, muito comum em

estados de relaxamento (dirigido/induzido ou não) também pode ser percebido na

dinâmica do sonho, onde um relaxamento da resistência pode possibilitar a

emergência de conteúdos inconscientes, enquanto que o retorno à vigília pode

possibilitar um recuo dos conteúdos inconscientes. De acordo com Freud (1980, v.IX,

cap.I, p.106):

Durante o sono, juntamente com uma diminuição geral da atividade mental, dá-se um relaxamento da força da resistência que as forças psíquicas dominantes opõem ao que é reprimido. É esse relaxamento que possibilita a formação dos sonhos, e é por isso que estes constituem o melhor caminho para o conhecimento da parte inconsciente da mente — só que, via de regra, ao se restabelecerem das catexias psíquicas da vida de vigília, os sonhos se desvanecem e o inconsciente é obrigado a evacuar mais uma vez o terreno que conquistara.10

10 Quando Freud afirma: “...É esse relaxamento que possibilita a formação dos sonhos, e é por isso que estes constituem o melhor caminho para o conhecimento da parte inconsciente da mente...” (grifo meu), pode-se

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A estrutura essencial do “estado sob sugestão” (sob indução: ou

através de) não é necessariamente o sono, mas sim uma condição de uma alta

receptividade à (hetero ou auto) sugestão, com ou sem a presença do sono. Nesta

condição qualquer sugestão oferecida a uma pessoa pode ter um exagerado efeito

sobre seu pensamento, mas o sucesso também dependerá do próprio desejo do

indivíduo, desejo este, que não deixa de ser resultante das mais diversas influências

exercidas pelo meio. Portando, este estado é muito comum quando se está absorvido

em trabalhos terapêuticos, principalmente em arteterapia.

Ainda não se conhece, por completo, como a sugestão altera as

funções cerebrais, mas estudos sobre o tema revelam que a sugestão afeta os

mecanismos da atenção em uma parte do cérebro chamada sistema reticular

ascendente (SRA), localizado no tronco cerebral. Neste sentido, para Akstein (1999,

pp.172-3):

O monoideísmo é tanto mais intenso, quanto o é o reflexo de investigação, o qual é a base fisiológica da atenção. A atenção, fisiologicamente, corresponde à ativação predominante, através da formação reticular (Sistema Reticular Ativador Ascendente), de uma zona bem limitada do córtex cerebral, em conexão com um importante ou vital interesse do indivíduo. Todos os hipnotistas sabem que, sem a atenção, não há hipnose. A atenção expectante e hiperconcentrada é a base sobre a qual se desenvolve a fenomenologia indutora da hipnose. Quando há essa especial atenção, já se estabelece, desde o começo, uma limitação do campo da atividade consciente do córtex cerebral, permitindo desde logo uma série de fenômenos, significando que se instituiu então o que se conhece como estado de hipnose em vigília.

Esta área do Sistema Reticular Ascendente, além de possuir diversas

funções relacionadas ao sono, ao estado de vigília (de alerta), e à percepção

sensorial, bombardeia o cérebro continuamente com estímulos provenientes dos

órgãos dos sentidos, provocando excitações diversas. A inibição do SRA leva a um

estado de baixa alerta, a estados de sonolência e, consequentemente, a uma espécie

de "desligamento" sensorial. deduzir que o relaxamento da psique leva (ou pode levar) a um relaxamento das resistências, podendo também induzir aos sonhos, que, neste caso, representaria o estado de dissociação (das idéias, pensamentos, etc.); logo: o relaxamento induz à dissociação, que “nos levará” aos conteúdos inconscientes.

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A dança, por exemplo, seja ela ritualística ou não (que nunca deixa

de ser artística e autopoética), de acordo com Akstein (1999, p.19), possui um poder

curativo. Deste modo, ele descreve que:

A dança, graças à harmoniosa integração movimento-emoção, permite obter um equilíbrio psíquico e psicossomático. Isto é explicado pela ligação (direta ou indireta) dos centros emocionais (ou sistema límbico) com os centros neurovegetativos, com o sistema reticular, com a musculatura em geral e com o córtex cerebral.

Neste sentido, pode-se até considerar, de antemão, que pode existir

a ocorrência de aspectos “curativos” também em Arteterapia, principalmente quando

trabalham com ações mais vinculadas às emoções, tais como: na Biodança, na

Psicodança, no Psicodrama, na pintura, modelagem, escultura, etc11. Todas elas são

formas expressivas de artes (ou de expressão artística), todas são formas de auto-

sugestão.

Para se entrar em estado alterado de consciência, o terapeuta

geralmente utiliza uma indução através de uma série de sugestões persuasórias, de

forma a levar a um estado de concentração. Deste modo, pode-se deduzir que

qualquer estado de concentração pode facilitar, ou induzir a um estado sob sugestão

(estado de transe, estado alterado de consciência, etc.)

A indução (hetero ou auto) pode sugerir que o indivíduo se

desprenda12 das preocupações comuns, se sinta mais calmo, mais sonolento ou mais

confortável do que o habitual, como também, pode propor que a realidade esteja

começando a mudar, pode ser convidado a abandonar o excessivo autocontrole e

passar a ver a realidade de forma diferente. Isto certamente irá levar à quebra de

resistências internas, e consequentemente, à emergência de conteúdos

inconscientes, havendo assim, uma espécie de “inundação” da consciência com

conteúdos e afetos que geralmente não participam diretamente da esfera da

consciência, quando em estado de vigília, resultando em (ou resultante de) uma 11 Afinal, o que não está ligado às emoções? 12 Diminuição da censura e/ou das resistências psíquicas.

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espécie de “homogeneização”, uma fusão entre conteúdos psíquicos conscientes e

inconscientes. Tal processo é mais comum de ocorrer nos estados de sono, ou, mais

propriamente, nos estados oníricos. Estes estados, como já foi citado anteriormente,

geralmente dão lugar a automatismos. Neste sentido, Akstein (1973, p.182),

descreverá o seguinte:

Outra condição para produzir a chamada divisão da consciência, dizia Binet, ‘é a concentração da atenção sobre um único ponto.’ Assim, para ele, havendo este estado de concentração da atenção, haverá a distração do resto, com alguma espécie de anestesia, o que abre caminho às ações automáticas.

A experiência do “transe terapêutico” (ou relaxamento, sonolência,

etc.) é um produto da sugestionabilidade (seja interna ou externa), e de processos

motivadores. Uma indução por sugestão, seja ela de forma direta ou indireta, produz

determinado conjunto de expectativas, motivações, atitudes, sentimentos e

imaginações nas pessoas, que também já estariam mantendo atitudes e

expectativas geralmente favoráveis em relação ao meio experimental ou clínico,

principalmente se estiverem dispostas a empenhar-se num comportamento não

habitual; logo, elas irão desempenhar os “papeis” que lhes serão sugeridos (auto /

hetero – sugestão).

Uma forte concentração dirigida a uma única idéia ou pensamento

pode dar lugar a uma espécie de “inércia da vontade”, da mesma forma, uma

“inércia da vontade” pode dar lugar a uma forte concentração dirigida a uma única

idéia ou pensamento (um paradoxo). No sentido do processo concentração-

dissociação, Akstein (1999, p.187), citando Binet, descreverá o seguinte:

Para Binet (1912), quando há uma atenção convergente, /.../ sobre um só fenômeno (o qual pode ser uma sensação, uma imagem, um sentimento), produz-se consequentemente ‘um estado temporário de monoideísmo’. Como resultado haverá a ‘distração de outras partes da consciência’. Isto explicaria o fenômeno da dissociação e os fenômenos dela resultantes como, por exemplo, a anestesia durante transes.

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Creio, portanto, na existência de uma relação paradoxal13 entre a

concentração da atenção e uma dissociação psíquica, na forma de causa-efeito:

Paradoxos:

Ao meu ver:

A atenção concentrada å facilita ou induz a algum tipo de å dissociação.

A dissociação å facilita ou induz a algum tipo de å atenção concentrada.

Neste sentido, faço uma correlação entre tal premissa ao que Breuer

(1980, v.III, cap.III(4), p.8) relatou na seguinte passagem:

Nos estados de distração e devaneio /.../ a excitação intracerebral cai abaixo de seu nível lúcido de vigília. Esses estados bordejam a sonolência e se convertem em sono. Se, durante tal estado de absorção e enquanto o fluxo de representações é inibido, um grupo de representações de tonalidade afetiva estiver em ação, criará um alto nível de excitação intracerebral que não será consumida pelo trabalho mental e ficará à disposição do funcionamento anormal, como a conversão. /.../ A concentração no grupo afetivo de representações começa por produzir uma “ausência da mente”. /.../ O indivíduo que vai ser hipnotizado não precisa realmente adormecer, isto é, sua excitação intracerebral não precisa mergulhar ao nível do sono; mas seu fluxo de representações deve ser inibido. Quando isso acontece, toda a massa de excitação fica à disposição da representação sugerida.

Em situações de sugestão pela via verbal, por exemplo, geralmente

é o foco auditivo que irá “orquestrar” (via hetero-sugestão) toda a dinâmica

anteriormente descrita.

Akstein (1999, p.74), lembrando fatos históricos relacionados a

Charcot, e articulando a fase paradoxal ao chamado estado crepuscular, estado este

que se dá entre o sono e a vigília, cita o seguinte:

Coisa semelhante ocorria com Charcot na Salpetrière onde ele, simplesmente com a sua presença, induzia as mais variadas e extravagantes manifestações da “grande histeria” em seus pacientes. /.../ Assim, é

13 Neste caso, penso em paradoxos (“entre partes”), que só se dissociam do ponto de vista teórico, pois creio serem os mesmos, partes de uma mesma coisa que “nunca” se dissocia de fato (mesmo em estados de conversão). Ao meu ver, ocorrem apenas variações (no sentido de uma espécie de “onipotência” e/ou “onipresença”, e até, quem sabe, “onisciência”) de um mesmo elemento.

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importante nos darmos conta da influência que exerce a sugestão verbal e extra-verbal sobre indivíduos em um estado alterado de consciência. Neste estado prepondera a chamada fase paradoxal da reatividade do córtex cerebral. É uma das fases intermediárias entre vigília e o sono. Essa fase paradoxal é própria dos estados hipnóticos. Nela, a sugestão opera obtendo os melhores efeitos.

Assim, este estado poderá ser alcançado diante de um estímulo

rítmico, monótono e persistente (comum nas práticas de arteterapia), ou também,

através de atitudes, acontecimentos, ou situações de caráter mais forte, mais

incisivos, como um choque violento, por exemplo; ou mesmo, pelo próprio silêncio.

Portanto, pode-se supor, que as imagens, os símbolos, a

concentração da atenção (ou centramento, para alguns), que podem ser alcançados

através de induções auto-sugestivas ou hetero-sugestivas, são, ao mesmo tempo,

meios e fins uns dos outros; e que são fatores ocorrentes em quaisquer produções

artísticas, em terapias (de uma forma geral), e, obviamente, em Arteterapia; e o

relaxamento é uma base facilitadora para que este processo ocorra, talvez até

“necessário”.

2.7 – Sugestão na forma de Transferência e a Arteterapia

Freud, aparentemente, “sem que percebesse” muito bem, ou, no

mínimo, sem ter dado muito destaque ao fato, em muitos de seus textos faz alusão

ao uso da sugestão, inclusive em suas últimas publicações. Fala da sugestão, tal

como se ela significasse o mesmo que transferência, e também inclui a sugestão

enquanto um “recurso” a ser usado na clínica psicanalítica. Sutilmente, ele fala de

sugestão, mas não aquela sugestão que hipnotiza, de fato, mas sim uma sugestão

leve e comum, em momentos e situações diversas dentro do processo psicanalítico.

Tal fato não é muito diferente em Arteterapia ou em qualquer

outra terapia, pois, somos sempre sugestionados e ao mesmo tempo

sugestionadores.

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Nesta passagem, Freud (1980, v.XX, cap.IV pp.12-13) destaca a

sugestão e transferência, colocando-as praticamente no mesmo significado:

A transferência é uma prova do fato de que os adultos não superaram sua antiga dependência infantil; ela coincide com a força que foi designada como ‘sugestão’; e é somente aprendendo a fazer uso dela que o médico fica capacitado a induzir o paciente a superar suas resistências internas e a eliminar suas repressões.

Parece de grande importância, se enfatizar que a transferência, a

empatia e os estímulos ambientais, são fatores essenciais para que se possa

alcançar bons resultados em qualquer conduta terapêutica, logo, o rapport, que

evidência a relação médico-paciente, se torna primordial em terapias. Freud (op.cit,

v.VII.02, cap.VI, pp. 29-30) foi bastante enfático nesta passagem em que fala sobre o

rapport, destacando não só a relação transferencial, como também as alterações da

atividade muscular resultantes de situações sob sugestão hipnótica, facilitando um

entendimento, de forma com que se possa fazer uma possível ponte de ligação entre

rapport, transferência e Arteterapia; ressaltando-se, principalmente, a importância do

“fenômeno” da psicossomática:

Muitos dos fenômenos da hipnose, como as alterações da atividade muscular, têm apenas um interesse científico. Mas a marca mais significativa da hipnose, e para nós a mais importante, reside na atitude do hipnotizado perante seu hipnotizador. Enquanto o hipnotizado comporta-se perante o mundo externo como se estivesse adormecido, com todos os seus sentidos desviados dele, está desperto para a pessoa que o hipnotizou: vê e ouve apenas a ela, compreende-a e lhe dá respostas. Esse fenômeno, chamado de rapport na hipnose, encontra um paralelo na maneira como algumas pessoas dormem...

Portanto, havendo uma boa empatia, uma transferência positiva,

uma confiança depositada no terapeuta, (em tese) tais fatores já poderão funcionar,

de antemão, como uma espécie de efeito placebo, assim, quanto maior for o

prestígio do terapeuta, provavelmente, maior deverá ser a confiança e a credulidade

do deu interlocutor, logo, maiores “poderão ser” as possibilidades de resultados

benéficos, em casos de tratamentos. A crença, pode “abrir caminhos” para

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transformações em toda dinâmica do indivíduo, seja no campo físico, biológico,

fisiológico ou psicológico.

Já, se houver um fenômeno de transferência negativa, geralmente

pode acontecer do indivíduo não aceitar muito bem determinado terapeuta. A

estimulação negativa poderá atuar como uma defesa em relação à cura, e,

conseqüentemente, como um possível reforço para (ou reforçador da) doença, ou

até poderá atuar como um elemento desencadeador e/ou motivador de novas

doenças. Logo, não posso me furtar a explanar que, ao meu ver (em tese), em

relações negativas, onde ocorrem (por exemplo), maus tratos, rejeições, falta de

entendimento mútuo, agressões físicas ou morais, enfim, quaisquer elementos que

possam ser imputados de forma negativa a um sujeito, estes, provavelmente

funcionarão como verdadeiros desencadeadores, ou “gatilhos” para o surgimento,

manutenção ou reforço de doenças, atuando na forma de um “efeito em cadeia”, ou

“efeito em cascata” (o bem desencadeia o bem – o mal desencadeia o mal).

Uma situação negativa poderá gerar uma doença, que poderá

influenciar em outra, depois em outra, e assim por diante. O mesmo poderá

acontecer no sentido contrário, no sentido do bem, quando há uma compreensão,

uma boa vontade, uma aceitação, um amor, enfim, estimulações positivas, poderão

agir no sentido de cura.

Freud (op.cit., v.VII.02, cap.VI, pp.10-11) relatou a força das

influências externas, que podem se transformar em resistências internas ou em

motivadores internos:

Os estados afetivos persistentes de natureza penosa, ou, como se costuma dizer, “depressiva”, tais como desgosto, a preocupação e a tristeza, abatem a nutrição do corpo como um todo, causam o embranquecimento dos cabelos, fazem a gordura desaparecer e provocam alterações patológicas nas paredes dos vasos sangüíneos. Inversamente, sob a influência de excitações mais alegres, da “felicidade”, vê-se o corpo inteiro desabrochar e a pessoa recuperar muitos sinais de juventude. Evidentemente, os grandes afetos têm muito a ver com a capacidade de resistência às doenças infecciosas; /.../ a observação médica de que a propensão a contrair tifo e

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disenteria é muito mais significativa nos membros de um exército derrotado do que na situação de vitória. Ademais, os afetos — embora quase que exclusivamente os depressivos — muitas vezes bastam por si mesmos para ocasionar doenças, tanto no tocante aos males do sistema nervoso com alterações anatômicas demonstráveis quanto no que concerne às doenças de outros órgãos...

Neste sentido, da transferência, seja positiva ou negativa, Freud

(op.cit., v.XVI, cap.I(130), p.1), em sua conferência XXVII, já havia afirmado que a

própria transferência é uma sugestão: “...Os senhores perguntaram-me por que não

utilizamos a sugestão direta na terapia psicanalítica, de vez que admitimos que

nossa influência se baseia essencialmente na transferência — isto é, na sugestão...”.

Através da seguinte afirmação de Freud (op.cit, v.XVI, cap.I(120)

p.39) pode-se também evidenciar tal pensamento: “E devemos dar-nos conta de

que, em nossa técnica, abandonamos a hipnose apenas para redescobrir as

sugestões na forma de transferência.”

Portanto, Freud relaciona transferência e sugestão como se fossem

a mesma coisa, dando o mesmo valor às mesmas, como se fossem sinônimos.

Logicamente, pode-se crer, isto poderá ser percebido desta forma somente até

determinado aspecto, pois o termo sugestão significa algo mais abrangente,

enquanto que o termo transferência possui uma maior limitação em relação ao

contexto em que o fenômeno se apresenta. Então, poderíamos dizer que

transferência é um tipo de sugestão, como também, que a sugestão pode se calcar

num tipo particular de transferência. Logicamente, como em qualquer terapia, ocorre

a transferência, logo, ocorrerá também a sugestão.

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CAPÍTULO III

EFEITO PLACEBO E ARTETERAPIA

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3- EFEITO PLACEBO E ARTETERAPIA

3.1 – Efeito Placebo e Arteterapia: Imaginação, Convicção, Expectativa, Credulidade?

A sugestão pode estar presente na Arteterapia, e funcionando com

resultados de forma similar ao do efeito placebo, pois, o uso da sugestão de forma

mais direta na terapêutica, (geralmente em técnicas que induzem a um estado de

relaxamento), já é considerado (por alguns), como um método de grande valor para

que se possa propiciar um aumento da resistência imunológica de pacientes,

podendo inclusive aumentar o nível de leucócitos, que são responsáveis pela defesa

do nosso organismo contra as doenças. Este tipo de trabalho, por sugestão (através

de hipnose), tem sido muito utilizado principalmente na terapia da AIDS, onde

pesquisas parecem “comprovar” que o método, fazendo uso da via psíquica,

rapidamente altera a imunologia dos pacientes. Tal com pode ser evidenciado pelo

comentário de Bernik (1997, p.1):

Atualmente, a hipnose é reconhecida como um tipo de tratamento adequado para certos quadros psiquiatricos, e até mesmo como um método de valor para aumentar a resistência imunológica de pacientes, aumentando o nível de células brancas (leucócitos) responsáveis pela defesa do nosso organismo contra as doenças. Por esse motivo, tem sido muito utilizada na terapia da AIDS, pois parece ser o método que mais rapidamente altera a psicoimunologia dos pacientes (alteração do sistema imune através da psique).

Provavelmente tal processo deva funcionar “na mesma linha” do

conhecido efeito placebo, onde uma simples sugestão dirigida a um paciente,

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dizendo, por exemplo, que ele estaria tomando um remédio com efeitos curativos,

sem saber que não se trata de um medicamento de fato e sim de um placebo

(produto inócuo), pode de fato “curá-lo”, ou, no mínimo, ocasionar uma melhora e/ou

remissão de sintomas.

O efeito placebo parece estar ancorado, antes de mais nada, na

credulidade (na fé), na confiança, na convicção da cura, na expectativa positiva que

se cria, na influência da autoridade que induz a uma determinada crença, etc. Mas

por trás de tudo há sempre o valor da imaginação, pois, ao meu ver, sem ela nada

funcionará, ela, aparentemente, acaba por ser a base de todos esses fatores. Isso

acaba por reforçar a “tese” da inseparabilidade do corpo e da mente.

Neste sentido, Epstein (1989, p.19) irá comentar o seguinte:

Quem reconhece a unidade básica do corpo-mente não se surpreende que pesquisadores estejam encontrando uma correlação entre emoções negativas e baixa imunidade. Da mesma forma, convicções positivas nos trazem emoções positivas, como humor, alegria e felicidade, e os pesquisadores têm demonstrado que as emoções positivas estão ligadas a respostas imunológicas positivas.

A sugestão tem influências que, até os dias atuais, parecem

“inexplicáveis” (por completo), no que se refere ao seu “poder” de influência no

combate à sintomas; é interessante se destacar que a sugestão tem sua influência

tanto em estados sob hipnose quanto em estados normais ou em estado de vigília.

Ao se sugerir algo, é impossível que isto não afete em nada, tanto no corpo quanto

na mente (corpo-mente). Se ouço, se sinto, no mínimo, para que isso ocorra,

movimento milhares de neurônios.

Neste sentido, Freud (1980, v.XVI, cap.I(130), p.1) dirá o seguinte:

A sugestão direta é a sugestão dirigida contra a manifestação dos sintomas; é uma luta entre nossa autoridade e os motivos da doença. Nessa atuação, os senhores não se preocupam com esses motivos; simplesmente pedem ao paciente para que suprima a manifestação desses motivos nos sintomas. Não faz qualquer diferença essencial se os senhores colocam, ou não, o paciente em hipnose. Bernheim /.../ afirmava que a sugestão era o elemento

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essencial nos fenômenos do hipnotismo, que a própria hipnose já era um resultado da sugestão, um estado sugerido; e ele preferia praticar a sugestão em estado de vigília, que pode conseguir os mesmos efeitos da sugestão sob hipnose.

O efeito placebo geralmente ocorre com a presença de um recurso

(o placebo), que é um falso medicamento. Este elemento só funciona como um

referencial material, mas, geralmente, simplesmente a “sugestão pura”, já é

suficiente para o alcance dos resultados esperados. Em Arteterapia, por exemplo, ao

efetuar uma sugestão, como, por exemplo, pedindo para que o cliente visualize “uma

luz com poderes curativos”, ao meu ver, não deixa de ser uma ação que poderá

resultar em um efeito placebo.

As sugestões simples podem produzir muitos efeitos, como:

modificações do ritmo cardíaco, do nível de glicose no sangue, inibição das

contrações do trabalho de parto, controle dos sonhos, redução da dor, formação de

bolhas na pele, etc. As sugestões são especialmente eficazes quando

acompanhadas de estratégias, para que, assim, se possa ajudar as pessoas a

melhor dirigirem a imaginação, de acordo com as sugestões feitas.

O falso medicamento é somente um instrumento, um artifício

material, pois, a sugestão (em tese) é que é o verdadeiro “placebo”, e, a imaginação,

o verdadeiro substrato (e/ou “articulador”), tornando-se o principal e inicial caminho

para que se possa buscar os esperados efeitos benéficos de “melhora” ou de “cura”.

O poder das imagens e/ou imaginações, já é bastante reconhecido por alguns

teóricos, tal como pode-se perceber nesta passagem de Epstein (1989, p.19): “A

técnica de imagens mentais serve para limpar as convicções negativas do tipo ‘ervas

daninhas’ e substituí-las por convicções positivas, sementes. À medida que você se

torna jardineiro de seu próprio jardim, a autocura se torna possível.”

Argumentos como o poder da mente, ou a fé, muitas vezes são

usados para justificar a recuperação de pessoas doentes que não receberam

nenhum tipo de tratamento convencional. O placebo, neste caso, é a auto-sugestão,

através da crença, da confiança, etc; “basta acreditar, sem duvidar, sem desconfiar”.

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Só não se pode garantir que isto terá de fato um resultado positivo em todas as

situações.

Freud (1980, v.VII.02, cap.VI, p.38) afirma que a sugestão

(hipnótica), atua até em inflamações:

É que o hipnotismo é útil não apenas em todos os estados de nervosismo e nos distúrbios devidos à “imaginação”, mas também para romper hábitos patológicos (como alcoolismo, vício em morfina, aberrações sexuais) e ainda em muitas doenças orgânicas, inclusive inflamatórias, nas quais se tem uma perspectiva, mesmo persistindo o distúrbio subjacente, de eliminar os sintomas incômodos para o enfermo, tais como as dores, inibições do movimento etc.

Há evidências, apresentadas por cientistas, de que o efeito placebo

é um efeito psicológico real, inclusive com resultados positivos no tratamento do mal

de Parkinson. Também afirmam, que o simples ato de receber algum tipo de

tratamento, já pode ser eficiente, devido à expectativa de benefício que ele cria:

Segundo suas pesquisas, a crença (a fé) em estar tomando algo realmente eficaz

contra o mal de Parkinson, causou nos pacientes que tomaram o placebo, a

liberação da dopamina, que é um mensageiro químico do cérebro que participa do

controle dos movimentos automáticos e involuntários do corpo. O mesmo ocorreu

com pacientes que tomaram anfetaminas. Portanto, evidencia-se que a sugestão é

capaz de proporcionar mudanças na dinâmica bioquímica de nosso corpo, podendo

tanto levar à cura quanto à doença.

Tal como é citado por Gerhardt (2001, p.1):

Algumas vezes argumentos como o poder da mente ou a fé são usados para justificar a recuperação de pessoas doentes que não receberam nenhum tipo de tratamento convencional. Pois agora cientistas no Canadá apresentam evidências de que esse efeito psicológico é real - e de considerável magnitude, /.../ Num estudo publicado hoje na revista científica ‘Science’ (www.science.mag.org), pesquisadores da Universidade da Colúmbia Britânica afirmam que o simples ato de receber algum tipo de tratamento (seja ele ativo ou não) pode ser eficiente devido à expectativa de benefício que ele cria - o chamado efeito placebo. No caso dos pacientes com Parkinson, a crença em estar tomando algo realmente eficaz contra a doença causaria a liberação da dopamina, um mensageiro químico do cérebro envolvido no controle dos movimentos automáticos e involuntários

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do corpo. Os cientistas sempre acreditaram não existir nenhum tipo de resposta química do corpo ao placebo. Qualquer efeito seria apenas resultado de auto-sugestão. No entanto, ao examinar pessoas com mal de Parkinson que receberam placebo, Jon Stoessl - coordenador do estudo da ‘Science’ - e seu grupo constataram que a história não era exatamente assim. ‘Nossos resultados mostram que o efeito placebo não só é real como de considerável magnitude. As modificações observadas são comparáveis às que ocorrem naqueles que tomam anfetamina, conhecida por liberar quantidades substanciais de dopamina’, disse Stoessl à Folha.

Os mesmos pesquisadores, afirmam que a depressão, a dor, e

agora o mal de Parkinson, são as três desordens que já se constatou estarem

associadas à disfunção de neurotransmissores (mensageiros químicos) no sistema

nervoso central. Logo, a liberação desse neurotransmissor pode ser um mecanismo

comum do efeito placebo nas três condições. Acredita-se também, que outras

substâncias químicas podem ser liberadas em resposta ao placebo. Desta forma,

ibid (op. cit, p.1) comenta:

Para Raúl de la Fuente-Fernández, pesquisador-visitante na Universidade da Colúmbia Britânica e principal autor do estudo, existem três condições médicas nas quais o efeito placebo já foi, repetidas vezes, constatado como sendo proeminente: dor, depressão e mal de Parkinson. "Curiosamente, as três desordens estão associadas à disfunção de neurotransmissores [mensageiros químicos] no sistema nervoso central", disse de la Fuente-Fernández à Folha. O pesquisador reconhece que, embora o impacto na ativação do sistema da dopamina possa ser maior nos pacientes com mal de Parkinson, a liberação desse neurotransmissor pode ser um mecanismo comum do efeito placebo nas três condições. Stoessl pondera que outras substâncias químicas mais relevantes para as condições de dor e depressão podem ser liberadas em resposta ao placebo. ‘Peptídeos opióides [moléculas que imitam a ação do ópio], no caso da dor, ou mesmo uma combinação de ambas [dopamina e outras substâncias]’, exemplifica.

Os sentimentos se misturam: a expectativa, a crença, a convicção, a

confiança, a imaginação, e parecem se fundir, transformando-se em uma espécie de

“massa imaginativa” (“homogênea”), e que pode possuir uma força concentrada e

benéfica, que muito poderá influenciar na direção da cura.

Segundo Amaral e Sabbatini (1999, p.1):

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O efeito placebo é poderoso. Em um estudo realizado na Universidade de Harvard, testou-se sua eficácia em uma ampla gama de distúrbios, incluindo dor, hipertensão arterial e asma. O resultado foi impressionante: cerca de 30 a 40% dos pacientes obtiveram alívio pelo uso de placebo! Além disso, ele não se limita a medicamentos, mas pode aparecer em qualquer procedimento médico. Em uma pesquisa sobre o valor da cirurgia de ligação de uma artéria no tórax na angina de peito (dor provocada por isquemia cardíaca crônica), o placebo consistia apenas em anestesiar o paciente e cortar a pele. Pois bem: os pacientes operados ficticiamente tiveram 80% de melhora. Os que foram operados de verdade tiveram apenas 40%. Em outras palavras: o placebo funcionou melhor que a cirurgia.

No que se refere à expectativa positiva (ou: “esperança”, para

alguns), Freud (1980, v.XII, cap.VI, p.39) também relata a sua grande importância

sugestiva: “...Ainda e preciso levar em conta diversas circunstâncias aptas a reduzir

consideravelmente nossas pretensões em relação à terapia hipnótica e a restituir a

sua justa medida as esperanças talvez despertadas nos doentes...”.

Se o efeito placebo é na realidade um efeito de sugestões, logo

poderá ocorrer em situações normais da vida, ganhando força se for aplicado em

ambiente terapêutico, que traz diversos fatores ou condições indutoras favoráveis,

facilitadoras da sugestão, tais como as já citadas (crença, expectativa, imaginação,

confiança, convicção, obediência, etc.). Logo, poderá ocorrer o efeito placebo em

quaisquer terapias, sejam individuais, grupais, institucionais ou familiares; e na

Arteterapia, a possibilidade que é dada ao “uso da imaginação”, e de se liberar a

criatividade, pode revelar uma importante busca em direção de uma “autocura”.

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CAPÍTULO IV

RELATOS HISTÓRICOS DO USO E INFLUÊNCIA DA

SUGESTÃO

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4 – RELATOS HISTÓRICOS DO USO E INFLUÊNCIA DA

SUGESTÃO 14

O uso da sugestão, na antiguidade, já era percebido em uma

diversidade de rituais religiosos. Condutas consideradas mágicas eram

simplesmente elementos sugestivos de “cura de doenças”.

O uso da sugestão ou auto-sugestão, já era observado há 2.500

anos a.C., na Índia e na Caldéia. Através de exercícios de contenção da respiração

e fixação do olhar na extremidade do nariz15, os iogues, há muitos séculos, já se

exercitavam pela alteração da consciência, entrando em transe por auto-sugestão,

logo, em estado de catalepsia16, deixando a audiência em estado de forte

expectativa17.

14 Fonte de consulta: AKSTEIN, D. “Hipnologia”. Rio de Janeiro: Editora Hypnos,1973. 15 A reversão do olhar, seja para centro-acima ou centro-abaixo, é observada quando dormimos, assim como em transes hipnóticos ou estados alterados de consciência, estados de relaxamento, estados delirantes, no orgasmo sexual, etc. Lembrando que todos estes estados estão diretamente relacionados ao conceito de Inconsciente, de Freud. Já há hoje uma técnica terapêutica “de indução ao transe e a estados dissociativos” chamada EMDR (Eye Movement Desensitization e Peprocessing / Dessensibilização e Reprocessamento Através de Movimentos Oculares), onde o terapeuta conduz conjuntos de movimentos oculares no cliente, logo depois que o mesmo é chamado a recordar-se de um tema perturbador em sua vida, vindo a relatar o que se passa em sua “mente”, sem censurar, controlar, dirigir, julgar ou analisar os conteúdos que emergem. Movimentos de reversão do olhar, assim como de fixação do olhar, também são verificadas variadas técnicas terapêuticas, principalmente, hipnóticas ou de relaxamento, onde muitas vezes se usa pontos para focalização, ou até mesmo “uma focalização para um olhar interno”. 16 Estado em que se observa rigidez dos músculos, permanecendo o indivíduo em posição em que é colocado. 17 Um estado de forte expectativa também é considerado um estado de alta sugestionabilidade, onde o efeito da concentração parece, na verdade, dissociar, podendo-se até representar, neste caso, que: concentrar é igual a dissociar. Portanto, penso que, o estado de forte concentração, ao contrário do que muitos pensam, “enxergando-o por outro angulo”, outro viés, por outro tipo de registro fenomenológico, é um estado que na verdade leva a uma dissociação, que pode até vir a liberar uma variedade de conteúdos psíquicos, ainda no plano do simbólico, ou, em um sentido neurofisiológico, até de planos mais elevados (menos corticais ou mais corticais), no sentido de um possível desbloqueio nas intercomunicações entre as mais diversas áreas ou esferas cerebrais, em unidade

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Na China, no século 18 a.C., a sugestão era praticada na indução de

transes, em busca de comunicação com os mortos. A indução, através de músicas e

danças, fazia surgir movimentos convulsivos da face e membros. Profetizas se auto-

hipnotizavam durante cerimônias de exorcismo através de instrumentos de cordas e

sopros, que as levavam a um intenso estado de êxtase religioso.

Na Caldéia, videntes dormiam nos chamados templos de sono18;

para seus povos possuíam o dom da segunda visão.

Para os sumérios-ácades, as doenças eram provindas de demônios,

e a religião, assim como a magia, se confundia com a medicina. Assim, receitas

consideradas mágicas, eram percebidas como sendo dotadas de poder curativo.

Receitas de remédios, que os chamados hierofantes aprendiam em sonhos, eram

muito procuradas.

No Egito antigo também existiam os templos do sono, que logo

surgiram na Ásia menor, Grécia e Roma, espaço onde, segundo a crença, os

doentes iam, para dormir, e ter sonhos que lhe dariam revelações dos deuses. O

templo de Serapis, que se propunha a dar sono a quem o havia perdido. Sacerdotes

de Menfhis, respondiam “dormindo” às consultas médicas19.

Também no Egito, sacerdotes curavam doenças pelo tato e pelo

sopro, e sacerdotes do templo de Isis, adormeciam jovens, que durante o sono,

acreditava-se, ficarem possuídas da capacidade de ver nos doentes as causas de

suas doenças, e de indicar o tratamento necessário para as mesmas. com o corpo como um todo. Uma espécie corporeificação, uma espécie de dissociação para a RE-união, RE-organização, RE-flexão, etc. 18 A palavra “hipnose” vem do grego, e quer dizer sono. Entretanto, do ponto de vista fisiológico, o estado hipnótico, em determinados aspectos, se diferencia do estado de sono. Mas é importante se ressaltar que, o estágio Alfa, do início do sono, ou mesmo em vigília, é considerado reparador, e facilitador para a geração e/ou produção de insights (na esfera psicodinâmica), e também, um estágio que pode possibilitar um excelente restabelecimento físico e psíquico, e um possível aumento da imunidade contra doenças, enquanto o estagio Beta, ou Beta acelerado, que podem ser produtores ou resultantes de estados de alto estresse (distress), podem ser considerados altamente nocivos em determinadas circunstâncias. Podemos, portanto, nesse aspecto, dicotomizar, o estágio Beta (ou Beta acelerado), com o estágio Alfa. 19 Quando se relata: “dormindo”, pode não representar exatamente o dormir, de fato, mas sim, um estado de transe hipnótico ou estado dissociativo.

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Em Tebas, no Egito, foi encontrado um papiro datado de 1552 a.C.,

o papiro de Tebas, que parecia revelar uma técnica sugestiva semelhante com as

ainda utilizadas na atualidade. O papiro trazia a seguinte prescrição: “para abrandar

a dor, ponha as mãos sobre a pessoa e diga que a dor vai desaparecer”.

Foi encontrada na antiga Babilônia, uma leitura de inscrição

cuneiforme que descreve um médico-sacerdote visitando um doente e fazendo-lhe

passes. Posteriormente, foi descoberta uma escultura onde uma divindade é vista

fazendo passes às costas de um doente20.

A fixação do olhar da sugestão e da hipnose, também é relacionada

por alguns, ao mito da fixação do olhar de Medusa, da mitologia grega: por ela ter

ofendido Minerva, seus belos cabelos foram transformados em serpentes e seus

olhos com o poder de transformar em pedra todos que fitasse com o olhar. Após

cortar a cabeça de Medusa, Persêu levava sua cabeça para guerras, onde

petrificava os inimigos com o olhar21.

Em estado de transe por auto-sugestão, os oráculos e sibilas

profetizavam, tal como os atuais médiuns espíritas.

Apolônio de Thiana, discípulo de Pitágoras, aplicava corpos

magnetizados ao doente para tratar a epilepsia. O consideravam também com

poder de predizer o futuro e anunciar o que se passava a grandes distâncias.

Segundo Hipócrates, a melhor medicina era a que se aprendia

durante o sono. Os oráculos gregos também operavam sob auto-sugestão, e

algumas vezes assistidos por drogas e fumos vulcânicos.

20 Os “Passes” ainda hoje são muito utilizados em variados campos de terapias, principalmente no campo das terapias alternativas, exotéricas, esotéricas ou ocultistas, assim como em religiões como: o espiritismo, o kardecismo, etc. No passado tais atos se confundiam com a medicina, pois era difícil se separar magia, religião e medicina. Estas, na maioria das vezes eram exercidas por um mesmo alto dignitário religioso que era visto como detentor desses “grandes poderes”. 21 No francês, é usada a expressão meduser, como sinônimo de petrificar, pasmar, paralisar pelo espanto ou medo.

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Os romanos também utilizavam passes em seus templos para se

curar doenças. Na Grécia, as sibilas, em transe profundo e com amnésia absoluta,

após entrarem em convulsões, produziam profecias do futuro. Galeno (131 a 201

d.C.), por fazer passes magnéticos aplicando a hipnose na medicina, foi expulso de

Roma. Ele também afirmava que nos sonhos aprendia muito22.

Para alguns, também Jesus praticou exorcismos ou expulsões de

demônios em certas enfermidades através de imposição das mãos23.

Sacerdotes médicos da seita dos druidas, para proceder a

tratamentos, utilizando-se de métodos sugestivos, colocavam os doentes em estado

de transe.

Os esquimós, em determinados rituais, empregavam sugestivos, e

contínuos, toques de tambores, e depois, dançando e cantando, sacerdotes-médicos

induziam-se a uma auto-hipnose (ou auto-sugestão), em seguida procurando livrar

os doentes de certos males. Povos da África como os Zulús, os Bantús, Iorubás,

Abissínios, Ashantis, indígenas americanos Chippewas, Siouxs, Paviotsos, entre

outros, caiam em êxtase por cânticos de curandeiros, chegando até a obter

anestesias. Pajés araucanos chilenos e argentinos provocavam um transe por

sugestão hipnótica em seus doentes, sugestionando-os depois, de que estariam

abrindo seus ventres e mexendo em seus intestinos para curar-lhes. Índios

brasileiros de diversas tribos, também se entregavam a diversos tipos de rituais com

características hipnótico-sugestivas, sob ações de insuflações, de passes e

palavras.

Na Grécia, monges de uma seita do Monte Athos, buscavam uma

visão mística de Deus, através da contemplação do próprio umbigo, chamados de

22 É importante se destacar a ligação existente entre o estado de transe, relaxamento ou do sono, com: vidência, profecias, etc. 23 Atualmente existe uma prática denominada Reiki, onde se praticam supostas curas, através da imposição das mãos.

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onfalopsíquicos: entravam em êxtase após prolongada contemplação, assim

obtinham alucinações e visões religiosas24.

Avicena médico e filósofo persa, que viveu entre 980 a 1036, dizia

que a imaginação do homem podia não só atuar sobre seu próprio corpo, como

também sobre os corpos de outros seres à distância25, e que podia, também,

fasciná-los e modificá-los, fazendo adoecer ou recobrar a saúde.

Roger Bacon (1214-1294) e Arnaldo de Villanueva (1235-1312),

acreditavam na transmissão de doenças por simpatia. Pietro Pomponazzi (1462-

1524) afirmava que a imaginação provoca no indivíduo reações fisiológicas, e que

pode ela, sob a influência da crença ou desejo, realizar o objeto imaginado, seja a

doença ou a cura. Tal afirmação continua muito difundida nos dias de hoje em idéias

e/ou teorias que se apóiam na tese da “força do pensamento positivo”, na crença ou

fé “absoluta” (nas religiões, a fé, é indicada como uma condição sine qua non para

se alcançar curas e/ou “milagres”).

Paracelso (1493-1541), empregava materiais magnéticos para

realizações de cura. Rudolf Gockel (1572-1621) e João Baptista Van Helmont (1577-

1644) (descobridor do suco gástrico), também expuseram idéias a respeito do

magnetismo, semelhantes às de Paracelso. E Van Helmont (1577-1644) definiu e

descreveu o magnetismo da seguinte forma:

Dá-se o nome de magnetismo à influência oculta que os corpos exercem a distância, uns sobre os outros, seja por atração, seja por repulsão. (...) Podemos aplicar a um corpo todas as forças de que somos dotados, comunicar-lhe, enfim, certas propriedades e nos servir como intermediários,

24 Creio que seja importante se destacar, que na maioria dos rituais e cultos, em sua maioria religiosos, existem, de diferenciadas formas, procedimentos, eventos ou efeitos que se repetem, tais como, a concentração e a dissociação, ou até: uma concentração para se chegar a uma dissociação (e vice-versa), que, necessariamente, não instituem ou representam uma desorganização ou um desequilíbrio, pelo contrário, parecem até representar, direta ou indiretamente, um reequilíbrio, uma reorganização, ou um estado gerado para se intentar uma busca de tal reequilíbrio. 25 À partir daí pode-se tentar buscar um paralelo entre, o construto de Avicena, a prática intitulada Psicologia sistêmica, e principalmente, a prática conhecida como “constelação familiar”, de Bert Hellinger, na qual participantes de um grupo terapêutico são colocados, em posições ou situações, de forma a representar: familiares, parentes (ou pessoas que foram próximas, ou íntimas, da família) do sujeito que está em foco (fazendo a sua terapia), representando, portanto, sua constelação familiar. Na constelação são representados tanto os vivos, como os falecidos, como também, alguns que nem chegaram a nascer (abortados, natimortos, etc).

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para operar efeitos salutares. (...) Há dentro do homem uma energia tal, que por sua vontade somente e sua imaginação, ele pode agir para fora de si, imprimir uma virtude e exercer uma influência durável sobre um objeto bem distante. (...) A vontade é o principal dos poderes. (apud, Akstein, 1973, p.10)

Afirmava também, que para se exercer a força magnética, seria

necessário que houvesse determinada concordância entre o operador e o paciente.

Isto se compara ao que chamamos hoje de rapport, enfatizando a importância da

relação e das emoções que se estabelecem entre terapeuta e “paciente”, e suas

influências na busca de “curas” ou progressos terapêuticos.

Já Roberto Fludd (1576-1637), denominou o magnetismo como “um

sistema de simpatia e antipatia mútuas ou, fluidismo universal”. Ele fazia curas

através de aplicação de ímã, água magnética e placas metálicas sobre o corpo dos

doentes.

Daniel Schwenter, em 1636 teria sido o primeiro a tratar da

“fascinação da galinha”, que posteriormente veio a se chamar de hipnotismo animal,

cataplexia ou acinesia. Em 1646, Kircher surge com um trabalho sobre o

“encantamento do galo”, com experiências feitas com giz, indicando as possíveis

influências sugestivas ocorrentes sobre os animais.

O irlandês Greatrakes (1628-1693), realizava curas através da

imposição das mãos. Relata-se que suas curas alcançavam êxito inclusive no

tratamento do câncer e da peste.

O austríaco Franz Anton Mesmer (1734-1815) é quem teria

propiciado o verdadeiro nascimento da hipnologia, ele criou a teoria do “magnetismo

animal”. Sustentava que os corpos celestes exercem sobre os seres vivos uma ação

direta por meio de um fluido, o “fluido universal”, que seria animado de movimentos

semelhantes a um fluxo e refluxo, mantendo uma influência recíproca; podendo nos

fazer lembrar da teoria da energia orgon de Reich.

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Relata-se que o padre Josef Gassner, que vivia na Suíça, exorcizava

e curava, e que, por volta de 1770, em uma de suas supostas curas: depois de uma

entrada teatral na sala, teria tocado com seu crucifixo uma senhora camponesa que

prontamente teria caído no chão, em latim, ele teria ordenado para que ela movesse

seu braço esquerdo, o que ela o teria feito, vindo a parar ao comando “cesset”;

depois teria a ordenado para que o coração dela batesse mais vagarosamente, logo

ele teria encontrado o seu pulso muito lento; a um outro comando, ele teria

aumentado seus batimentos cardíacos para 120 batimentos por minuto, ordenando

depois para que ela permanecesse “morta” no chão, anunciando que poderia depois

lhe restaurar a vida, em seguida teria anunciado a sua morte, devido não serem

perceptíveis, nem o pulso, nem a respiração. A um comando, diz-se que ela teria

“revivido", levantando-se (supostamente) “curada” de sua doença (após ter sido

também ordenado “ao demônio” para que partisse). Por este fato, Gassner teria sido

considerado o primeiro hipnotista experimentador, por produzir modificações do

pulso e da respiração em seus pacientes.

Hehl, padre jesuíta, professor de astronomia da universidade de

Viena, curava enfermos por meio de ferros imantados e mandou construir ímãs em

diversas formas, que representavam os órgãos a que se destinariam a curar,

acreditando que os ímãs teriam poderes curativos, o que mais tarde passou a se

chamar de magnetoterapia.

Mesmer sustentou a idéia de que o corpo humano seria composto da

mesma substância que o universo, logo, o corpo estaria sujeito a suas influências

diretas, que atuariam no organismo por meio do sistema nervoso. Para ele o

importante era que se produzisse uma “crise” (ou “convulsão”), que era considerado

um meio da natureza vencer a doença. Tais reações podem ser relacionadas aos

conceitos de ab-reação e catarse.

Possuidor de grande prestígio, Mesmer tinha sua residência

frequentada por muitos artistas. Ele adorava música tal como adorava a medicina,

tanto que Mozart era um dos frequentadores mais assíduos. Já não podendo

atender aos seus clientes separadamente, inventou o baquet: uma bacia, ou tina,

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onde, segundo ele, o “magnetismo animal” podia ser armazenado. Contendo

limalhas de ferro e pedaços de vidro na parte inferior e água até certo limite, também

pode nos fazer lembrar o a caixa de orgon de Reich. Dentro do baquet se

dispunham algumas garrafas arrumadas concêntricamente. Este recipiente era

fechado na sua parte superior por uma tampa da qual se projetavam ganchos de

ferro, aos quais os doentes tocavam partes afetadas. Para se propiciar a ação do

“magnetismo animal”, era indicado aos pacientes que os mesmos deveriam enlaçar

as suas mãos, formando uma “corrente magnética”. Ele também empregava música

de órgão e espelhos em seu procedimento terapêutico, pois achava que tais

procedimentos aumentavam o magnetismo animal.

No ano de 1778 ele conheceu o médico Charles Deslon, irmão mais

jovem do rei, que mais tarde tornou-se Charles X da França. Deslon veio a ser o

protetor mais importante de Mesmer.

Em 1779, Mesmer, em uma publicação, afirmou que nem todos os

pacientes seriam suscetíveis ao fluído, por não terem o desejo forte e sincero de se

curarem, pois, estes pacientes deveriam colaborar e ter afinidade com o

magnetizador. A esta relação de maior proximidade estabelecida entre o paciente e

o magnetizador, ele deu o nome de “rapport”. Aqueles pacientes que chegavam à

“crise” obtinham a (suposta) cura de seu mal, já os pacientes “mais violentos”, para

evitar que se machucassem, eram levados para um quarto acolchoado, conhecido

como o “inferno das convulsões”.

Um dos mais fortes elementos facilitadores da ocorrência de efeitos

sugestivos é o prestígio do “terapeuta”, isto era algo que Mesmer gozava fartamente;

contudo, Mesmer não conseguia audiência com as sociedades científicas para

demonstração de sua teoria do magnetismo animal.

Em 1784, a fim de obter um parecer sobre o magnetismo animal, o

rei nomeou uma comissão composta de membros da Academia de Ciências da

Faculdade de Medicina. Foram estudados os tais “fluídos invisíveis” e “impalpáveis”

do magnetismo animal, os próprios investigadores se submeteram ao processo do

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tratamento no baquet e nada sentiram. Esta comissão não se dirigiu a Mesmer e sim

a Deslon.

A conclusão dos estudos da comissão foi a de que tudo se resumia

apenas na imaginação, no contato e na imitação, e que a imaginação sem

magnetismo, produzia convulsões, enquanto o magnetismo sem imaginação nada

produzia.

Deslon passou então a acreditar que a imaginação poderia influir nas

curas, logo afirmou estar a comissão com a razão, até onde afirmavam que era a

imaginação que desempenhava o maior papel no chamado magnetismo animal”.

Mesmer, então, foi considerado culpado por considerarem

charlatanesco todo aparato empregado nas curas dos doentes, já que, com sua

casaca lilás bem chamativa e uma varinha na mão, não dava um aspecto de

seriedade, além da pompa, os espelhos e a música, que também não faziam parte

do arsenal terapêutico próprio daquele tempo. Hoje se sabe que a forma e

ambientação de um consultório, assim como as ações e atitudes do terapeuta,

podem, de antemão, funcionar como fatores sugestionadores, podendo já induzir

(positivamente ou negativamente) previamente os pacientes a determinadas crenças

relacionadas à cura.

Um terapeuta, através de seu vestuário, suas atitudes, sua falta, ou

excesso, de prestígio, poderá até estar contribuindo para uma má ou boa aceitação

de seu trabalho, logo podendo influir nos resultados do tratamento. A simples “figura”

(o biótipo), ou presença do terapeuta, podem atuar de forma sugestiva, positiva ou

negativamente.

O nobre Marquês de Puységur, discípulo de Mesmer, descreveu

pela primeira vez o sonambulismo. Casualmente, quando “magnetizava” um

camponês para curá-lo de dores reumáticas, percebeu que o paciente caía em um

profundo sono com movimentos respiratórios tranquilos, e que ele podia falar sem

sair do sono, e com uma lucidez maior do que a habitual. Chamou isto de

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sonambulismo artificial. Estava, portanto, descoberto, o estágio mais profundo do

sono hipnótico, que até hoje é chamado sonambúlico.

Abade faria, “O Conde de Monte Cristo”, surge em Paris. José

Custódio de Faria, um monge português, já conhecia fenômenos hipno-sugestivos

praticados na Índia. A princípio adotou as idéias de Mesmer e Puységur, depois

libertou-se de tudo, afirmando que o essencial era a sugestão. Foi o primeiro a

explicar o hipnotismo como uma sugestão. Já diferenciava o sono comum do sono

hipnótico.

O médico inglês, John Elliotson, que foi professor da Universidade

de Londres e presidente da “Royal Medical Society”, interessou-se no emprego da

sugestão, que ainda era conhecida por magnetismo, e o introduziu na prática

hospitalar, tanto para objetivos cirúrgicos como psiquiátricos, assim, diversas

intervenções cirúrgicas sem dor foram realizadas através do chamado “sono

magnético”. Logo o conselho da universidade proibiu o uso do mesmerismo no

hospital.

Esdaile (1808-1859), médico nascido na Escócia, fez suas primeiras

experiências de “anestesia magnética”, obtendo resultados positivos. Relata-se que

ele chegou a realizar mais de 3000 intervenções cirúrgicas sob sugestão hipnótica. A

sociedade britânica de medicina acabou por interdita-lo ao exercício da medicina, e,

como seu mestre Mesmer, teria morrido pobre e sem prestígio.

Braid, cirurgião de Manchester, nascido em 1795, foi o criador da

primeira terminologia e conceituação científica do hipnotismo. Inicialmente, ele era

radicalmente contra as chamadas “práticas magnéticas”, um dia teria ido assistir a

uma demonstração de Lafontaine, com o propósito de desmascará-lo, neste dia

Lafontaine induziu uma jovem ao sono profundo, Braid saiu de lá impressionado,

mas ainda não acreditava nos tais “fluidos astrais” de Mesmer. Após experimentos,

utilizando-se de sugestão pela via visual, em que fazia que seus pacientes focassem

um ponto brilhante (fixação do olhar) até que os olhos cansassem (procedimento de

Braid), concluiu que o fenômeno do mesmerismo era subjetivo e que não dependia

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de poderes pessoais do magnetizador, nem de influências astrais ou minerais, mas

sim que era algo físico, mecânico, de ordem fisiológica, devido a uma alteração nos

órgãos, principalmente o da visão26.

Em 1843 Braid publica seu livro sobre o assunto, batizando o estado

de magnetizado de: “sono neuripnológico”. Daí foi abreviado para hipnologia,

nascendo assim as expressões derivadas hipnotismo. Mais tarde, ele descobriu que

o sono hipnótico não era semelhante ao sono comum fisiológico, pensou em mudar-

lhe o nome, mas a expressão já estava consagrada e permanece até hoje.

Liebault, um jovem médico francês que morava em Nancy,

acrescenta à fixação do olhar de Braid, a sugestão verbal.

Em 1881, o médico francês Hippolite Bernheim, após visitar

Liébeaut, veio a se convencer da autenticidade dos fenômenos, tornando-se amigo e

discípulo de Bernheim.

Bernheim foi o primeiro a perceber que o estado hipnótico era

normal a todos as pessoas, vindo logo a afirmar que “todos nós somos

sugestionáveis, uns mais, outros menos”.

Na mesma época em que Liebault e Bernheim constituíam a

chamada “Escola de Nancy”; o professor Jean Martin Charcot, neurologista de

grande prestígio e líder da “Escola de Salpetrière” (Paris), estudava o “grande

hipnotismo”. Ele lidava exclusivamente com histéricas na sua enfermaria, resultando

daí a crença de que a sugestibilidade era uma característica da histeria.

Com Sigmund Freud surge a Psicanálise, isto ocorre justamente

quando ele abandona o uso da sugestão direta, e da técnica hipnótica. Freud

inicialmente tratou seus pacientes utilizando-se da técnica sugestivo-hipnótica, mas

26 Muito me intriga a resultante que se dá pela ação físico-mecânica da movimentação dos olhos, principalmente no que se refere a reversão do olhar. Creio que tal fenômeno mereça investigações mais profundas.

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gradualmente evoluiu para o método da associação livre (que ele próprio criou),

vindo a ser chamada de Psicanálise.

Em 1885 Freud vai a Paris estudar na clínica de Charcot,

familiarizando-se com a hipnose enquanto método de produção dos sintomas

histéricos e de seu tratamento. Nesta época, seu amigo Dr. Breuer o comunica que

teria tratado de uma mulher histérica através da técnica hipnótica, conseguindo fazer

com que seus sintomas desaparecessem. Entusiasmado Freud começa a aplicar

esse método no tratamento de seus próprios pacientes histéricos, obtendo bons

resultados.

Freud, prosseguindo em sua experiência, verifica que não era

uniformemente fácil se induzir ao estado hipnótico, e que alguns dos bons resultados

alcançados, tendiam a ser transitórios. Percebeu também, que algumas de suas

pacientes tornaram-se por demais sexualmente apegadas a ele durante o

tratamento hipnótico.

Bernheim demonstrou a um grupo do qual Freud fazia parte, que a

amnésia de um paciente podia ser removida sem voltar a hipnotizar o paciente, e

que, se a insistência fosse bastante persistente, o paciente acabava por relembrar o

que havia esquecido sem que precisasse ser hipnotizado novamente. Freud então

deduziu que poderia ser capaz também de remover a amnésia histérica sem

hipnose, e começou a fazê-lo. Desenvolveu a técnica psicanalítica, cuja essência

consiste em o paciente comunicar ao psicanalista quaisquer pensamentos, sem

exceção, que lhe venham à mente, abstendo-se de exercer sobre eles uma

orientação consciente ou uma censura. Assim Freud inicia a teorização do que

chamou de “associação livre” e abandona por totalmente a hipnose. Portanto, a

Psicanálise nasceu a partir da rejeição e abandono da hipnose. Entretanto, Freud

(1980, v.XVII, cap.V, p.21), admitiu a necessidade da aplicação da hipnose para

encurtar o tempo do tratamento psicanalítico, caso esta terapia tivesse de ser

empregada em larga escala:

É muito provável, também, que a aplicação em larga escala da nossa terapia nos force a fundir o ouro puro da análise livre com o cobre da

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sugestão direta; e também a influência hipnótica poderá ter novamente seu lugar na análise, como o tem no tratamento das neuroses de guerra.

No ano de 1901, Ivan Petrovich Pavlov, introduziu na fisiologia dos

níveis superiores do sistema nervoso central, o método dos reflexos condicionados.

Em 1923 afirmou, que a inibição interna, o sono e a hipnose são um só e mesmo

processo, e que, no córtex cerebral existe a representação de todos os órgãos e do

organismo em sua totalidade, podendo-se, através dele, intervir nos processos

orgânicos. Afirmou também, que a palavra, como fator fisiológico, se torna

especialmente poderosa na fase paradoxal do estado hipnótico: um “excitador

universal”.

Depois da Segunda Guerra Mundial, nos anos 50, a hipnose

readquiriu uma dignidade científica quando foram constituídas importantes

associações médicas de estudo, especialmente nos EUA e na Europa.

Os principais pesquisadores sobre hipnose foram M. Erickson e

L. Wolberg, nos EUA; L. Chertok, França; e F. Granone, na Itália. Foi Milton

Erickson quem mais pesquisou e produziu sobre o tema. Foi considerado também

um grande terapeuta devido a sua grande criatividade e multiplicidade de técnicas

desenvolvidas. Ele inicia as chamadas técnicas de sugestão indireta; antes

prevalecia a hipnose por sugestão direta.

Erickson considera o estado hipnótico, como “um estado de atenção

e receptividade intensificado e de aumentada reatividade a uma idéia ou série de

idéias”.

De formação psicanalítica, Erickson, logo se distanciou dela,

recriando um novo conceito de inconsciente, vindo a criar uma terapia própria, que

consiste na elaboração de um método particular para cada problema.

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Amigo de Erickson, Dr. David Akstein faz surgir a técnica de transe

cinético, criando o método da “T.T.T.” (Terpsicoretranseterapia), apresentada em

1965 no Congresso Internacional de Hipnose, em Paris. Akstein foi o presidente

fundador da “Sociedade Brasileira de Hipnose Médica”, membro honorário da

“American Society Of Clinical Hipnosis”, membro da “Internacional Society For

Clinical and Experimental Hypnosis”, membro fundador da Associação Psiquiátrica

do Rio de Janeiro, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e Presidente

honorário da Sociedade de Hipnose Psicoterapêutica do Estado do Rio de Janeiro

(Sohipsi), fundada em 14/10/99 por um grupo de psicólogos, ao qual também fiz

parte, enquanto membro fundador e diretor de comunicações.

Através da T.T.T, (um tipo de terapia psicocorporal) espera-se que

os pacientes liberem tensões represadas mediante o transe cinético, o qual é

induzido e mantido com o auxílio de sons musicais, sendo o tambor o instrumento

mais importante na técnica. A indução de seu transe é semelhante às empregadas

no Vodu, na Umbanda, na Quimbanda, no Candomblé, entre os Derviches Giradores

do Egito, entre os Esquimós e entre muitas outras tribos africanas e clãs religiosas

ou não religiosas.

O paciente, de pé, olhos fechados, com a cabeça voltada para o teto

ou para baixo, com o queixo colado no peito, depois da produção de um

monoideísmo (concentração do pensamento em uma única idéia) e de uma

hiperventilação, sob a ação de música do estilo tribal, é levado a girar sobre o seu

próprio eixo. Na maior parte das vezes o transe se desenvolve desde o início com

movimentos, sendo o paciente incorporado ao ritmo da música para dançar ou agir

como melhor o desejar.

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CONCLUSÕES

A sugestão, portanto, é algo universal e está presente em nosso

cotidiano, e, de uma forma mais influente do que se imagina. Se sugestão significa a

condição de aconselhar – estimular – fornecer – influenciar – insinuar – inspirar –

instigar – lembrar – persuadir – promover – proporcionar ou provocar, onde ela

poderá não estar presente?

A saúde (ou a doença) mental é algo que tem total influência da

sugestão, pois, através de tudo, e qualquer coisa, que possamos ser afetados pelo

meio, sugestivamente, seja por pessoas ou “coisas”, podemos formar, transformar,

modificar e “melhorar” (e até piorar) nossa estrutura psicofísica, mesmo se houver

algum tipo de problema, à priori, seja, congênito, hereditário ou mesmo genético. A

sugestão pode influenciar, tanto na saúde quanto na doença; e, na Arteterapia, a

influência sugestiva poderá se dar da mesma forma.

Pude concluir, que o direcionamento da atenção é uma espécie de

ponto chave no que se refere à “fenômenos” ligados às sugestões, como também às

transferências. Ao concentramos nossa atenção em algo, pode significar,

exatamente, quebrar resistências: dirigir a atenção a algo pode ser o mesmo que

permitir ser afetado por algo: liberando ou permitindo que uma outra coisa, ou “um

outro”, se incorpore (ou se introjete)” em nossa subjetividade, podendo-se propiciar,

uma espécie de “fusão” entre a nossa subjetividade e a do outro (ou da outra coisa),

pois, nada mais somos que uma soma de subjetividades que absorvemos no

ambiente ao qual nós mesmos somos elementos integrantes.

Se deixarmos que essa resistência se quebre, se abra, quando a

relaxamos, não há outra saída que não seja, uma “incorporação ao nosso ser”, de

elementos do “objeto” aos quais direcionamos nossa atenção, e de carona, seus

desejos, idéias, incentivos, motivações e interesses. Suas influências, poderão ser

positivas ou negativas, mais elas as serão, elas irão afetar e influenciar. A exemplo

disso: nossos mitos, nossos ídolos, geralmente são aqueles que, de uma forma ou

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de outra, temos mais acesso, pois nos deixamos afetar mais por eles, somos mais

influenciados por eles.

Reforço conclusões minhas (anteriores), onde penso que: esta é a

essência, este é o sentido entrevisto na dinâmica da sugestão: direcionamento da

atenção å concentraçãoå relaxamento/diminuição das resistências/dissociação

(intencional ou não) å /percepção å afetação/influência/absorção å

consequências/efeitos (altamente subjetivos: amor? Ódio? Compaixão? Negação?

Reforço da resistência ou da doença? Cura? Etc.) å retro-alimentação do processo

(que poderá ser continuado ou impedido) é äå fixação? äå retro-alimentação?

Portanto, conclui-se que o processo de sugestão é um fenômeno

universal (não só ocorrente em terapias), logo, queira-se ou não, irá também ocorrer

em Arteterapia. Seus métodos, seja no sentido psíquico (mais subjetivo), seja no

sentido das emoções, ou até no sentido físico (somático), proporcionarão uma

facilitação da ocorrência e influência de estados (sob sugestão) que poderão

interferir diretamente nos resultados terapêuticos.

Esta pesquisa não se esgota aqui, creio que o estudo de diversos

elementos aqui citados, devam ser aprofundados, tais como: “a reversão do olhar”,

que normalmente ocorre em estados hipnoidais; a relação concentração-

dissociação, e “todos” os efeitos relacionados ao relaxamento, assim como,

quaisquer elementos ligados, direta ou indiretamente, ao fator sugestão. Outros

fatores importantes seriam: a imaginação, a crença e o pensamento positivo.

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ANEXOS

Reportagem

Jornal Extra – Caderno Viva Mais – Rio, 3 de setembro de 2003

Emoção Negativa reduz as defesas

Tristeza afeta sistema imunológico

Uma pesquisa divulgada esta semana revelou as

primeiras provas concretas de que o humor afeta o

sistema imunológico. Pesquisadores da Universidade

de Wisconsin verificaram que a ativação de regiões

associadas a emoções negativas e à depressão

enfraquece a resposta do sistema imunológico à

vacina contra gripe. O organismo dessas pessoas

produz defesas quando estimulado pela vacina.

– Essa é a primeira vez que flagramos o cérebro e

podemos relacionar esse tipo de atividade ao

enfraquecimento do sistema imunológico – disse

Richard J. Davidson, diretor do Laboratório de

Neurociência da Emoção da Universidade de

Wisconsin e autor do estudo.

Pessoas que apresentam maior atividade no córtex

pré-frontral direito do cérebro, ligado à depressão,

quando relembravam momentos tristes tiveram uma

produção de anticorpos menor.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I 10

SUGESTÃO: REFLEXÕES PRÉVIAS 11

CAPÍTULO II 17

SUGESTÃO E ARTETERAPIA 18

2.1 – Sugestão e Seu Significado 18

2.2 – Estados Sob Sugestão 20

2.3 – Sugestão, Autopoiese e Alteridade em Arteterapia 21

2.4 – Sugestão, Arteterapia e Criatividade 23

2.5 – A Cura Pelas Imagens e a Relação Mente-Corpo 25

2.6 – Sugestão na Arteterapia e os Estados de Relaxamento e de

Dissociação-Concentração 27

2.7 – Sugestão na forma de Transferência e a Arteterapia 37

CAPÍTULO III 41

EFEITO PLACEBO E ARTETERAPIA 42

3.1 – Efeito Placebo e Arteterapia: Imaginação, Convicção,

Expectativa, Credulidade? 42

CAPÍTULO IV 48

RELATOS HISTÓRICOS DO USO E INFLUÊNCIA DA SUGESTÃO 49

CONCLUSÕES 63

BIBLIOGRAFIA 65

ANEXOS 70

ÍNDICE 71

FOLHA DE AVALIAÇÃO 72

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE Pós-Graduação “Lato Sensu”

Título da monografia:

SUGESTÃO EM ARTETERAPIA - A Presença e a Influência da Sugestão em

Arteterapia

Autor: Edésio Fernandes Carneiro Data da Entrega: ___________________________________________ Avaliado por: ____________________________ conceito: __________________ Avaliado por: ____________________________ conceito: __________________ Avaliado por: ____________________________ conceito: __________________ Conceito Final: ______________________________________________

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