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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA O PAPEL DO (A) ORIENTADOR (A) EDUCACIONAL NO CONTEXTO DE ABRIGAMENTO: AÇÕES E INTERFERÊNCIAS POR: SILVANA MUNIZ XAVIER ORIENTADORA: PROFª FLÁVIA CAVALCANTI Niterói 2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O PAPEL DO (A) ORIENTADOR (A) EDUCACIONAL NO

CONTEXTO DE ABRIGAMENTO: AÇÕES E INTERFERÊNCIAS

POR: SILVANA MUNIZ XAVIER

ORIENTADORA:

PROFª FLÁVIA CAVALCANTI

Niterói

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O PAPEL DO (A) ORIENTADOR (A) EDUCACIONAL NO

CONTEXTO DE ABRIGAMENTO: AÇÕES E INTERFERÊNCIAS

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Orientação Educacional e

Pedagógica.

Por: Silvana Muniz Xavier

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, Pai todo poderoso que me sustentou e que me

sustenta a cada dia da minha vida.

À minha mãe, ao meu pai (in memorian) aos meus irmãos, aos meus

familiares, aos meus amigos e namorado pelo amor, companheirismo e

suporte nos momentos difíceis.

A todas as pessoas que passaram pela minha vida durante todo o meu

período de formação que, de alguma maneira, me incentivaram.

Aos meus professores e a minha orientadora pelas contribuições dadas

a elaboração deste trabalho.

A todos do Abrigo Municipal Casa da Criança e a orientadora da escola

onde alguns dos abrigados estudam que colaboraram para o desenvolvimento

da minha pesquisa. Agradeço pelo carinho e atenção de todos.

A todos que me auxiliaram nessa jornada. O meu muito obrigada.

4

DEDICATÓRIA

Dedico o presente trabalho a todos que

contribuíram para sua elaboração.

5

RESUMO

A presente monografia constitui-se na pesquisa sobre O papel do (a)

orientador (a) educacional no contexto de abrigamento: ações e interferências.

É produzida pela minha inquietação por pesquisar dentro do espaço

institucional do abrigo e verificar o papel do (a) orientador (a) educacional

frente a situação de abrigamento. Abordando as suas ações e intervenções.

Para tanto, escolhi o Abrigo Municipal Casa da Criança, localizado em Cabo

Frio. Abordei o trabalho de alguns funcionários do abrigo. E de uma orientadora

da rede municipal de ensino, no qual alguns alunos estão inseridos.

Realizei entrevistas e observações, colocando em análise alguns

aspectos do cotidiano de crianças e adolescentes abrigados. E do trabalho

realizado pela orientação educacional.

6

METODOLOGIA

A metodologia apresentada para a realização desta pesquisa contou

com a pesquisa bibliográfica, onde buscou-se suporte teórico para concretizar

o trabalho, e através da pesquisa de campo, onde buscou-se informações com

a assistente social e diretora do Abrigo Municipal Casa da Criança e a

orientadora educacional de uma das escolas onde estudam seis abrigados.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - O abrigamento no Brasil 10

CAPÍTULO II - Abrigo Municipal Casa da Criança 15

2.1 Característica do funcionamento 15

2.2 Rotina da assistência social na Casa da Criança 16

CAPÍTULO III – Orientação educacional: Atribuições 18

CAPÍTULO IV - Entrevistas 23

4.1 Motivo do abrigamento 23

4.2 Rotina 26

4.3 Relação com a família e com o abrigado 27

4.4 Preparação para sair do abrigo/inserção no campo de

Trabalho 27

4.5 Trabalho da Orientação Educacional junto ao abrigado 28

CONCLUSÃO 31

ANEXOS 32

BIBLIOGRAFIA CITADA 38

ÍNDICE 39

8

INTRODUÇÃO

Este trabalho monográfico nasce da curiosidade de saber sobre o

cotidiano das crianças e adolescentes abrigados e o papel do (a) orientador (a)

educacional no contexto de abrigamento, suas ações e interferências junto aos

alunos abrigados e qual o olhar do (a) orientador (a) neste contexto.

Muitas vezes me questionei a respeito deste fato, diante disto pretendo

analisar o trabalho do (a) orientador (a) educacional diante de alunos da Rede

Municipal de Ensino de Cabo Frio que se encontra em situação de

abrigamento.

Apesar do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) preconizar, que o

acolhimento em instituição é uma medida provisória e excepcional, a ausência

de políticas públicas eficazes, de programas oficiais de auxílio às famílias entre

outros fatores, leva as crianças e os adolescentes a permanecerem muito

tempo abrigados. Percebe-se que a cultura da institucionalização ainda se faz

presente, em detrimento à convivência familiar e comunitária.

Mas na realidade, não é isso que acontece. Um grande número de

abrigados ao entrar, tem referências familiares que são perdidas com o tempo,

muitas vezes completamente, alguns ficam muito tempo na instituição ou

nunca a deixam. O abrigo perde a função para qual foi criado, de acordo com a

lei, e o espaço criado para protegê-los, transforma-se em mecanismos que

viola os seus direitos como à liberdade e à convivência familiar.

A responsabilidade pelo processo de reintegração familiar não é só do

abrigo, mas também da rede de proteção integral à criança e ao adolescente.

Todos os envolvidos – Varas da Infância e Juventude, Conselhos Tutelares,

Organizações Sociais, Poder Público, Comunidade – precisam assumir

efetivamente suas responsabilidades.

9

Este estudo pretende destacar o papel do (a) orientador (a) educacional

no contexto de abrigamento. Abordar as intenções do (a) orientador (a)

educacional para compreender e auxiliar de forma adequada o aluno que se

encontra em situação de abrigamento e verificar a sua importância nas ações

desenvolvidas com os alunos em situação de abrigamento.

Pretendo analisar as práticas do (a) orientador (a) educacional no espaço

escolar x abrigo, e sua contribuição na formação das crianças e adolescentes no

seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e social.

Delimitarei meu trabalho entre o Abrigo Municipal Casa da Criança, que

esta localizado na cidade de Cabo Frio e escola onde os abrigados estudam.

Apontarei alguns discursos da prática cotidiana para mostrar as relações

de poder existentes no abrigamento, e como o mesmo caracteriza-se como

uma das formas de proteção, que através da normalização, disciplinalização e

adestramento vão constituindo o controle.

No capítulo I A História do Abrigamento no Brasil, no capítulo II falarei do

Abrigo Casa da Criança, no III a Orientação Educacional: atribuições, no capítulo

IV As entrevistas e V Considerações finais.

No sentido de referendar as reflexões desta pesquisa, busquei subsídios

nas obras de: ARANTES, 1995; BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente.

Lei Federal nº8069/90 de 13/07/1990; DANZELOT, 1980; FOUCAULT, 2001;

GIACAGLIA, 2010; GRISPUN, 2011; LIMA, 2008; PASSETTI, 1999; RIZZINI,

1995; PROCESSI, 2007; SCHEINVAR, 1998 e VANBALEN, 1983.

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CAPÍTULO I

O ABRIGAMENTO NO BRASIL

O abandono de crianças no Brasil se dá desde o período Colonial e

Imperial, quando crianças eram deixadas nas portas das igrejas, das

residências e nas ruas. A assistência à infância é marcada inicialmente pela

atuação de instituições religiosas com suas ações de caridade, tendo como

mecanismo o sistema da roda dos expostos. Com o grande aumento de

crianças abandonadas cria-se em 1726 a primeira Roda na Bahia e em 1738

no Rio de Janeiro. Arantes (1995) afirma que:

Para acomodar o crescente número de abandonos e diminuir a taxa de mortalidade, a Roda do Rio de Janeiro mudou várias vezes de local – o que mostra o avanço da investida médico-higienista em um setor até então considerado prioritariamente caritativos. (p.192)

O sistema da Roda dos Expostos, por iniciativa da Santa Casa de

Misericórdia, atendeu bebês abandonados até meados do século XX, tendo

uma alta taxa de mortalidade. Segundo Ubaldo Soares (Apud Arantes, 1995) a

Roda do Rio de Janeiro foi desativada em 1938, dando início a uma legislação

específica para crianças pobres que deixam de ser objetos apenas da caridade

e passam a ser objetos das ações governamentais. Como apresenta Passeti

(1999):

A partir dos anos 20, a caridade misericordiosa e privada praticada prioritariamente por instituições religiosas tanto nas

11

capitais como nas pequenas cidades cede lugar às ações governamentais como políticas sociais. A sua expansão ocorrerá entre as duas ditaduras (Estado Novo, de 1937 a 1945 e a Ditadura Militar, de 1964 a 1984), quando aparecem os dois primeiros códigos de menores: o de 1927 e o de 1979. (p.350)

As práticas caritativas foram tomando cunho filantrópico. Ao longo da

história foram criados mecanismos através dos quais o Estado intervém nas

famílias, especialmente nas pobres. A medicina foi se aliando à filantropia e a

outros saberes, e penetrando no modo da família lidar com suas crianças,

criando práticas e medidas de proteção e enquadramento.

O discurso higienista defendido pelo saber médico serviu como controle

sobre a população pobre em nome da necessidade do ensino de hábitos

morais e de higiene, minando a força de resistência da população pobre,

destituindo-a da capacidade de resistir, entendendo-a como perigosa,

vagabunda e viciosa, tendo assim, que vigiá-la e agir sobre os focos das

doenças e desordem para moralizá-la.

O Estado, através de um aparato asilar, assistencial, fundamentado em

saberes médicos e jurídicos, oferece os meios para controlar os meninos

pobres e moldá-los para a submissão. Assim, a infância pobre é vista como um

problema gravíssimo, que exige medidas enérgicas e urgentes, levando o

Estado buscar formas de maior controle da família, criando mecanismos para

docilizar os corpos e enquadrá-los em normas. Para tanto, institui-se

mecanismos judiciais para intervir nas famílias pobres, a fim de corrigi-la,

surgindo assim, instituições em nome da proteção das crianças “perigosas”

e/ou "em perigo". Como aponta Van Balen (1983):

Em relação à antiga caridade, a transformação de dar assistência ao pobre é bastante diferente. A caridade consagrava a perda de autonomia do individuo ou a mantinha aquém da medicinidade, ou seja, em função dos critérios da honorabilidade da família e da prática religiosa. A filantropia traça uma linha no interior da organização da vida familiar, fazendo uma distinção, a partir de critérios próprios de cada instituição, entre a possibilidade da autonomia por meio da poupança e de uma assistência associada a uma tutela completa. (...) É necessário impor um conjunto de técnicas

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disciplinares para a recuperação do equilíbrio e para “domesticar” o povo. (p.56-57)

A etimologia da palavra filantropia deriva suas raízes do grego philos

(filos) amor (amante de, amigo de) e antropos, que se traduz como homem

(ser humano), assim filantropia significa amor à humanidade. Mas suas

estratégias mostram como essa noção de amor e de humano têm implicado no

controle e na tutela dos ditos “amados”.

A filantropia, no Brasil, marcada pelo donativo personalizado, baseado

em valores cristãos e centrado em relações de reciprocidade e redes

religiosas, adquire visibilidade e está presente em programas governamentais

e empresariais. Scheinvar (1998) aponta que:

A filantropia estabelece parâmetros que a distanciam da caridade tradicional (doações, esmolas, asilos, etc.) assim como do Estado. De forma sucinta pode-se dizer que a caridade se dedica ao controle dos pobres, seja através de sua reclusão ou da esmola. Suas estratégias são individualizadas, tendo como eixo a vergonha de deter uma condição que ameace certa ordem social, pelo que o auxílio que oferece, sua intervenção, depende diretamente do "bom comportamento" dos definidos como necessitados. (p. 67)

O Estado reconhece a existência de entidades filantrópicas,

regulamentando seus fins sociais e a cooperação financeira praticada para

com as mesmas, através de isenções de impostos, subvenciona organizações

privadas que executam políticas públicas, exigindo-se em contrapartida a

gratuidade de atendimento para a população pobre. Segundo Lima (2008)

apud Donzelot:

Não se pode conceber a filantropia como uma fórmula ingenuamente apolítica de intervenção privada na esfera dos

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problemas ditos sociais, mas sim como uma estratégia deliberadamente despolitizante face à instauração dos equipamentos coletivos, ocupando uma posição nevrálgica eqüidistante da iniciativa privada e do Estado. Se considerarmos os núcleos em torno dos quais se organizará a atividade filantrópica do século XIX constataremos que todos eles se caracterizam pela busca de uma distancia calculada entre as funções do Estado liberal e a difusão de técnicas de bem-estar e de gestão da população. Em primeiro lugar, há o pólo assistencial que se apóia nessa definição liberal do Estado, remetendo para esfera privada as demandas que lhe são formuladas em termos de direito ao trabalho e à assistência. (...) em segundo lugar, há o pólo médico-higienista que não visa refrear uma demanda inflacionista do papel do Estado, mas, ao contrario, utilizá-lo como instrumento direto, como meio material de conjurar os riscos de destruição da sociedade através do enfraquecimento físico e moral da população, do surgimento de lutas, de conflitos que marcariam o livre agenciamento das relações sociais com o ferrete de uma violência política que ameaçaria aniquilar o que o Estado tem como simples missão garantir. (p.60)

A partir da década de 20 cresce a intervenção do Estado na assistência,

formalizando modelos de atendimento. No início dos anos 40 se estabelece o

Serviço de Assistência ao Menor (SAM). Em 1964 é criada a FUNABEM, novo

órgão de proteção à infância que, segundo Arantes (1995), surgiu de uma

instância federal, que era encarregada de formular políticas para o menor a

nível nacional, com seus braços executivos a nível Estadual (as FEBEMs) para

substituir o SAM.

Por volta da década de 80 o movimento em prol dos direitos das

crianças e dos adolescentes denuncia as formas com que a chamada proteção

era oferecida aos meninos pobres e a institucionalização dos mesmos. O

movimento partia do entendimento que havia uma prática constante de se

internar crianças pelo fato de serem pobres, como efeito da Política Nacional

do Bem Estar do Menor.

O movimento culminou com a revogação do Código de Menores e sua

substituição pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que regulamenta o

artigo 227 da Constituição Federal de 1988. Hoje não se fala mais em

internação de menores abandonados, mas de abrigamento de crianças e

adolescentes em situação de risco. O que determina o ECA. Art.121.

14

A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita ao princípio de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento.

E conforme consta no art.123:

A internação deverá ser cumprida em entidade eclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida reigosa separação por critério de idade, compleição física e gravidade da infração.

Como determina o ECA Art.101. Parágrafo único:

O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.

No entanto, parece que a variação da linguagem não tem implicado,

necessariamente, a transformação das práticas, como se propõe a lei.

Atualmente, predominam nas instituições crianças e adolescentes cujas

trajetórias de vida vêm sendo traçadas no movimento entre a casa, a rua e o

abrigo.

15

CAPÍTULO II

ABRIGO MUNICIPAL CASA DA CRIANÇA

2.1 Característica do funcionamento

O Abrigo Municipal Casa da Criança, tem sua sede à Rua Austrália, 33

Jardim Caiçara – Cabo Frio – RJ é destinado às crianças e adolescentes de

Cabo Frio, Arraial do Cabo, Armação de Búzios e São Pedro da Aldeia.

A Instituição existe há dez anos. Sendo que no início não era legalizada,

com a chegada da atual diretora deu-se inicio a legalização. Atualmente

mantém 26 abrigados, inclusive cinco bebês, que estão ali devido a situação

de risco (violência doméstica, abandono, maus tratos, abuso ou negligência

dos pais). Eles são encaminhados pelo Ministério Público, Vara da Infância e

Juventude e pelo Conselho Tutelar, passam por avaliação, posteriormente as

assistentes sociais e a psicóloga buscam conhecer a realidade da família para

reinserção ou adoção.

Quando a equipe não consegue a reinserção, após esgotar todos os

recursos possíveis, é feita a adoção, geralmente para casais não sanguíneos,

após estágio de convivência.

O abrigo não é responsável pelas adoções. Quem quiser se habilitar

precisa procurar a Vara da Infância e da Juventude, no fórum de Cabo Frio, e

formalizar o pedido. Além do mais, as visitas devem ser feitas mediante

documentação.

O abrigo possui alojamentos específicos para bebês e outros para

crianças e adolescentes, separados por faixa etária e sexo. Há sala de lazer,

dormitórios e refeitório. Os jovens com idade escolar freqüentam as aulas em

escolas públicas.

Atualmente a instituição conta com os serviços de duas assistentes

sociais, uma psicóloga, uma diretora que também é psicóloga, dezesseis

cuidadores, dois auxiliares administrativos, seis auxiliares de serviços gerais,

duas cozinheiras, um porteiro e dois motoristas.

16

O usuário atendido nesta instituição vem encaminhado de formas

diferenciadas: pelo Juizado da Infância e da Juventude e pelos Conselhos

Tutelares de Cabo Frio. Nos casos de encaminhamentos pelos citados órgãos,

o usuário chega à instituição mediante a apresentação de um documento,

caracterizando a oficialização do atendimento. Atualmente, não atendem mais

o usuário que vai pessoalmente à instituição solicitando abrigo. Nestes casos,

as famílias são encaminhadas para o conselho tutelar que é o órgão

responsável pelos serviços de triagem e encaminhamento.

2.2 Rotina da assistência social na Casa da Criança.

O trabalho sistemático de assistência social na Casa da Criança teve

início há dez anos, sendo que a assistente social que foi entrevistada está na

instituição há nove meses. A atuação é direcionada para os usuários e seus

familiares.

Segundo a instituição é feito um trabalho de abordagem com o objetivo

de conhecer o usuário, sua história, para pensar a possível forma de atuação

junto a este, através de entrevistas, visitas domiciliares e assistidas. Quando o

mesmo é encaminhado com um breve relato social, procuram partir da

informação que é repassada para obter dados mais significativos. O abrigo tem

como objetivo primário dar apoio ao usuário, providenciando, quando

necessário, documentos tais como certidão de nascimento, identidade e CPF.

Os motivos que levam à sua institucionalização são: família com

situação de risco pessoal, maus tratos, exploração por parte da própria família

ou nenhuma condição econômica de subsistência. O abrigo faz relatórios

periódicos para o Juizado da Infância e da Juventude e preenche o PAI para o

Ministério Público e para o juizado duas vezes ao ano para a realização da

audiência concentrada.

As atividades do abrigo sob a responsabilidade da assistente social

são: Intervenções, visitas domiciliares, visitas assistidas, encaminhamentos

17

diversos, matrícula escolar, elaboração de relatórios, reuniões de grupo,

reuniões familiares, estudo de casos em conjunto com o Juizado e a

Promotoria, a fim de tentar sanar as dificuldades / problemáticas que se fazem

presentes na realização dos trabalhos, principalmente as burocracias e demora

em respostas de solicitações feitas aos órgãos públicos: marcações de

consultas, exames, internações com o devido acompanhamento do abrigado;

verificação de saídas e visitas aos abrigados em finais de semana; trabalhos

burocráticos para atendimento aos órgãos públicos.

18

CAPÍTULO III

ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL: ATRIBUIÇÕES

O livro de Mírian Grinspun “A Orientação Educacional: Conflito de

paradigmas e alternativas para a escola” mostra de forma interessante o

percurso da História da Orientação Educacional que teve início pela

implantação da Orientação Profissional e pouco a pouco foi se estruturando

nas escolas em uma dimensão inicial de aconselhamento e orientação no

sentido mais psicológico do que pedagógico.

O trabalho integrado era mais teórico e desejado do que prático e

efetivado. A Orientação atravessou várias décadas em que, para uma grande

maioria ela seria a responsável para resolver ou solucionar problemas de

conduta e comportamento dos alunos. Hoje se pretende uma Orientação que

realize suas atividades/funções numa proposta interdisciplinar, tendo como

eixo principal o caráter pedagógico da Escola na construção da cidadania.

Os aspectos sociais, políticos, culturais, o advento das novas

tecnologias, inserem os indivíduos dentro de um novo cenário em que suas

ações, fruto desta nova realidade, precisam ser pensadas, analisadas à luz de

uma reflexão sobre esse novo contexto. As transformações não ocorrem

apenas fora da escola, mas também no espaço-tempo chamado escola e,

portanto, nos próprios sujeitos que vivem e convivem nesta escola. A

Orientação Educacional é vista e trabalhada como parte de um todo e não

como um serviço que presta serviço aos alunos; em outras palavras, procura-

se perceber o papel da Orientação Educacional num mundo cercado por

grandes mudanças e onde a educação dela faz parte não apenas como

simples peça de uma engrenagem. A Orientação seria uma coadjuvante da

Educação, e nesse sentido ela se faz necessária para que o papel principal -

que é o da educação – aconteça na plenitude de seus objetivos e finalidades.

A escola, de modo geral, tem enfatizado mais seus aspectos cognitivos,

e hoje sabemos que a rede de conhecimentos há muito já ultrapassou os

muros da Escola. Acontece que a formação do sujeito não depende somente

19

desses conhecimentos, mas sim de todas as demais abordagens que tecem

esta formação, portanto, aspectos afetivos e criativos. O conhecimento, em

termos de razão, é o dado principal da escola enquanto ensina e o aluno

aprende; mas a escola tem que se preocupar, e muito, com os valores e

sentimentos, com as atitudes e emoções que fazem parte desta formação. A

Orientação Educacional ajuda nesse processo formando parcerias dentro da

escola, colaborando com professores nos desafios que a educação hoje

apresenta e pretende ser. A educação está sempre em busca e um futuro

melhor, portanto, ela pretende ver a questão de nova realidade, onde explícita

e implicitamente passa todas as questões do imaginário social desta realidade.

Os alunos problemas de ontem podem e devem ser vistos como o

resultado/causa dos problemas sociais, portanto, problemas de todos nós

nesta grande teia que se forma de tramas e dramas na formação desse aluno,

isto é, na formação do cidadão nos dias de hoje. O passado nos direciona para

entender a história; o presente nos impulsiona para acreditar num futuro

melhor. Não é a Orientação Educacional a responsável pelos problemas dos

alunos; todos são responsáveis na escola, mas o Orientador revela/desvela,

analisa/reflete, ajuda/colabora na crítica desse processo. O que significa que a

Orientação é um dos conhecimentos na rede de conhecimentos no mundo da

educação.

Grinspun mostra seus confrontos e conflitos apontando para novos

paradigmas que surgem quando pretendemos pensar na formação do sujeito e

na possibilidade de sua totalidade de ser.

Portanto cabe ao orientador educacional buscar informações no trabalho

do professor no dia-a-dia com a turma, onde tudo acontece e partir daí,

fornecer a ele subsídios para sanar problemas, melhorar o ambiente para

propiciar oportunidades favoráveis à aprendizagem. Este profissional trabalha

diretamente com os alunos, ajudando-os no desenvolvimento global e

facilitando o processo, desta forma o trabalho em parceria com os professores

ajuda na compreensão de comportamentos dos estudantes, agindo de maneira

adequada em relação a eles. O seu papel em relação à escola é o de

organizar o trabalho para que seja colocada em prática a proposta pedagógica,

20

tem como função de orientar, ouvir e dialogar com os responsáveis e com a

comunidade.

Esse é o profissional que se preocupa com a formação pessoal de cada

estudante. Assim sendo, cabe a ele ter uma visão real da sua comunidade.

Como foi apresentado no levantamento de dados do abrigo (ver anexo) os

abrigados estudam em várias escolas municipais, das quais, segundo a

assistente social entrevistada, somente duas orientadoras, de escolas distintas

possuem contato com o abrigo e participam de reuniões, a assistente social

vai a escola uma vez ao mês para obter informações sobre os alunos que

estão abrigados, elas mantém contato através de telefonema, sempre estão

informando uma a outra sobre as crianças e adolescentes.

O (A) orientador (a) educacional é um dos profissionais da equipe de

gestão que trabalha diretamente com os alunos, ajudando-os em seu

desenvolvimento pessoal; em parceria com os professores, para compreender

o comportamento dos estudantes e agir de maneira adequada em relação a

eles; com a escola, na organização e realização da proposta pedagógica; e

com a comunidade, orientando, ouvindo e dialogando com os responsáveis.

O (A) orientador (a) educacional deve pautar seu trabalho na busca de

compreender seu desenvolvimento nas relações com o meio social da

comunidade escolar, apontando para o exercício da cidadania através de

convites, com criatividade, com inovação. Seu trabalho calcado nessas

referências contribuirá verdadeiramente para o alcance dos objetivos propostos

pela escola.

Deve proporcionar sua ação visando os desenvolvimentos integrais

da personalidade do individuo e seu ajustamento pessoal e social.

De acordo com Grinspun (2011):

A orientação educacional busca o aluno real, concreto, historicamente situado, sendo trabalhada junto com ele a

21

questão de seus direitos e deveres. Esse aluno, principalmente das classes populares, deve ter acesso à escola e nela permanecer. A escola democrática é aquela que aceita desigualdades na entrada e propicia igualdades na conclusão do curso. A evasão, a repetência e o fracasso escolar, dentre outros dados, são aspectos pertinentes à dimensão social, onde a Orientação se faz presente buscando conhecer o contexto, interpretá-lo e trabalhar, junto com os alunos, a fim de superar as dificuldades existentes. Na medida em que vai se socializando, o aluno vai construindo sua formação como sujeito, portanto a sua subjetividade. Convém lembrar que a escola é um dos espaços do cotidiano do sujeito onde a subjetividade está sendo formada. (p.102)

O (A) orientador (a) educacional tem que ter em mente os objetivos

da ação educativa, os valores que permeiam todo o processo e os métodos

usados para que tudo aconteça de forma satisfatória.

A orientação educacional está ligada a uma metodologia de trabalho

e a uma filosofia de educação tendo por objetivo uma organização sistemática

de conceitos e de valores que possam orientar a seleção e o julgamento dos

fins da ação educativa.

O (A) orientador (a) educacional, para traçar seus planos de ação

deve estar ciente dos ideais filosóficos e culturais da instituição e ter claro que

tipo de cidadão quer formar. Permitindo assim, a realização de um trabalho

efetivo em parceria com o abrigo. Segundo a assistente social os abrigados

estudam em cinco escolas do município, mas só há um trabalho efetivo com as

orientadoras de duas escolas, que constantemente entram em contato com o

abrigo, participam de reuniões, possibilitando assim, a interação com a

instituição onde alguns alunos estão abrigados.

Como aponta Grinspun (2011):

O Orientador Educacional é um profissional que, trabalhando com a questão de valores, com a pessoa humana, colaborará na formação desse aluno, desse sujeito social, que vive a história do seu tempo, mas protagoniza a sua própria história como ator principal. Não basta dar-lhe as ferramentas para

22

viver esse tempo, mas discutir, analisar, refletir sobre as suas ferramentas a partir do próprio contexto social e a devolução que a ele se dará a partir do seu próprio compromisso com a sociedade. (P.208)

A ação nos abrigos deve ser fortalecida e uma equipe interdisciplinar

tem muito a contribuir com a qualificação do trabalho. O Orientador

Educacional é um profissional que por se preocupar com o cotidiano e o fazer

humano pode vir a ter uma participação significante na melhoria da atenção

oferecida. Entretanto, para se desconstruir o modelo asilar, disciplinar e/ou

assistencialista ainda freqüentemente encontrado há que se investir em

entender quais foram os erros históricos na atenção à criança e ao

adolescente e procurar formas alternativas de intervenção.

23

CAPÍTULO IV

ENTREVISTAS

Com o presente capítulo pretendo destacar pontos das entrevistas que

considero importantes para serem analisados. As entrevistas (em anexo) foram

realizadas com a assistente social do abrigo e a orientadora educacional de

umas das escolas onde seis abrigados estudam e a mesma mantém sempre

contato com a instituição. Também entrevistei a diretora, mas não coloquei em

anexo, já que as respostas eram de conteúdo idêntico a da assistente social.

Abordarei algumas falas que não estão nas entrevistas. Porém foram citadas

pelas profissionais.

Fui muito bem recebida e todos atenderam prontamente ao meu pedido.

As entrevistas sugerem análises, e aqui apenas serão abordados alguns

aspectos. Para fins de apresentação e organização das discussões, agrupei as

falas em torno de cinco eixos de análise, os quais nomeei da seguinte forma:

motivo do abrigamento; rotina; relação com a família e com o abrigado;

preparação para sair do abrigo/inserção no campo de trabalho e trabalho da

Orientação Educacional junto ao abrigado.

Analisarei as falas como forças presentes no campo pesquisado e,

nessa medida, como forças constituintes de certa realidade.

4.1 Motivo do abrigamento

Segundo a assistente social, atualmente, o principal motivo de

abrigamento é abandono e maus tratos.

Essa é uma realidade vivida por muitas famílias que não têm com quem

deixar os filhos e acabam deixando-os sozinhos. Outras por serem viciadas

e/ou marginalizadas. Devido a isto a família é desaprovada e interditada, assim

levando ao abrigamento dos filhos. Como aponta Scheinvar (1998):

24

(...) A família moderna não só está diretamente associada ao contexto político de governo, como a uma forma de governo que tece a trama da sociedade moderna. A relação que se estabelece com o modelo tradicional de família se dá enquanto um instrumento do poder. Como afirma Donzelot, "a família é a menor organização política possível" e os mecanismos para exercer tal poder emergem como relações de amparo e proteção. (p.69)

As condutas de amparo e proteção são naturalizadas e questões são

levantadas mediante aos fatos estabelecidos no abrigo. Até que ponto essas

crianças e adolescentes estão realmente sendo amparadas e protegidas? Pois

algumas delas gostam e se sentem bem na instituição, porém muitas não se

sentem protegidas e sim enclausuradas, querem estar com a família, com os

amigos, querem viver em sociedade.

Muitas pessoas vêem o abrigamento como a única medida para

solucionar o problema, mas segundo a assistente social, muitas vezes é a

primeira medida tomada pelo Conselho Tutelar.

O trabalho com as famílias é fundamental no abrigo, e as mesmas

devem ser acolhidas, já que em sua maioria, elas têm uma vida marcada por

um longo processo de dificuldades e sofrimento. Perante ele, tanto os

abrigados quanto suas famílias passam por práticas de tutela, como aponta

Scheinvar (1998):

A tutela é a referência à desqualificação da família, o que significa, por um lado, o reconhecimento virtual ou real da incapacidade dos pais exercerem seus poderes e, por outro, da necessidade de que o Estado protetor os assuma diretamente ou designe uma nova figura. A criança não é subordinada a uma comunidade, mas a um espaço privado; é um valor atribuído a seus guardiães particulares. Valor que é cobrado através da relação disciplinar. Esse valor não permeia apenas à família, mas a todo espaço onde a relação com a criança se institucionaliza. (p.69/70)

25

Mas, o abrigo não obtém meios para ajudar a família, quando há a

possibilidade o auxílio é dado, porém vários casos dependem de políticas

públicas eficazes, o que infelizmente não ocorre. A assistente social citou o

caso de um abrigado, que nem devia estar no abrigo, pois é viciado e está

precisando de ajuda, já foi solicitado ao município um pedido de internação

para o seu tratamento e nada foi feito.

Muitas vezes famílias são acusadas de abandonarem seus filhos, porém

existem muitos casos em que os responsáveis precisam trabalhar, não têm

com quem deixar o filho e vêem no abrigo um meio para que seu filho seja

cuidado. Como aponta Lima (2008):

(...) falta de condição da família em estar com a criança, em situações que tratam, na verdade, de falta de condições dignas de existência para a família. A família não é a violadora de direitos da criança, mas sim ela mesma sujeito de violação por parte do poder público. E a criança sob justificativa de estar sendo protegida, sofre as conseqüências de um afastamento de seus vínculos. (p.93/94)

Perguntei à assistente social qual o principal motivo de abrigamento e

ela respondeu: “O principal motivo de abrigo atualmente é o abandono e maus

tratos da família”.

Observa-se nessa fala que o fator econômico que muitos estão

envolvidos, deixar a criança fora da rede escolar, ter que deixar a criança

sozinha para trabalhar, com isso a criança começa a fugir ou se envolver em

atitudes ilícitas e começa a sofrer risco social na localidade.

Como aponta Lima (2008) em sua pesquisa:

26

Uma característica hoje presente nas razões do abrigamento, que não se verifica no passado, diz respeito à questão do risco na comunidade. (...) Sabemos que ser ameaçado pelo tráfico, ser expulso de sua comunidade, não poder retornar, é um tipo de sociabilidade que só é possível em comunidades abandonadas pelo poder público, onde o Estado se faz presente hegemonicamente através da polícia e do confronto. (p. 97)

Quando perguntei a assistente social se já teve fuga ou tentativa da

mesma ela disse que sim. Pois, há aqueles se adaptam com facilidade à

situação de abrigo, outros não aceitam e querem voltar para o seu lar, ou até

mesmo para a rua.

4.2 Rotina

As atividades são realizadas de acordo com o horário estipulado pelo

abrigo.

A rotina vivida pelos abrigados da Instituição ocorre da seguinte forma:

às 6h e 30min todos acordam, tomam café, os que estudam de manhã vão

para escola, retornam, tomam banho, almoçam, descansam, brincam, fazem

as atividades de casa, fazem cursos, aulas extras e suas atividades

especializadas. Os que estudam a tarde fazem as mesmas atividades pela

manhã.

4.3 Relação com a família e com o abrigado

As ações realizadas pelo abrigo para incentivar a convivência das

crianças e adolescentes com suas famílias ocorrem quando há possibilidade.

Primeiro são realizadas visitas assistidas, depois inserem as crianças em

27

projetos da Prefeitura e encaminha a família para terapia familiar e

atendimento psicológico.

A instituição não permite festas e nem visitas, a diretora alega que as

crianças e adolescentes já estão sofrendo a perda, rejeição, e quando chega

alguém para visitá-los e não tem a intenção de adotá-los ou quer somente

fazer uma festa no final de ano ou no Dia das Crianças cria-se expectativas

nos abrigados. É permitido que faça festa fora do abrigo e os convidem a

participarem. Ela até citou que a proprietária de uma pizzaria convida uma vez

por mês as crianças para irem até o estabelecimento.

Os abrigados só recebem visitas das pessoas habilitadas para adoção e

os que estão sendo estudada a reinserção familiar (com a família nuclear ou

de extensão). E somente duas crianças que estão para reinserção vão para

casa nos finais de semana.

Diante do histórico dessas crianças e adolescentes há uma valorização

do espaço, portanto há também uma compreensão do que os abrigados

necessitam como a responsabilidade com que o abrigo tem em relação ao

destino delas, o comprometimento da equipe, a dimensão do afeto e do olhar

sobre essas crianças e adolescentes.

4.4 Preparação para sair do abrigo/inserção no campo de

trabalho

Devido à falta de recursos muitos abandonam os estudos para trabalhar

e ajudar à família. Pode-se discutir como o abrigo os prepara para "nada", pois

quando saem não têm proteção/profissão/inserções e o destino é a pobreza,

pois para se profissionalizar têm que ter um suporte.

Sobre as escolhas pessoais temos que problematizar quais são as

opções concretas de escolhas que o sujeito tem e as limitações que encontra,

o que faz alguém escolher um caminho ou outro e sabe-se que em

determinado campo da vida não há possibilidades para todos.

28

4.5 Trabalho da Orientação Educacional junto ao abrigado

Abordei com a orientadora educacional se ela realiza algum trabalho

específico com os alunos abrigados e a mesma respondeu que não e disse

que os alunos são inseridos na comunidade escolar normalmente. Só há uma

conversa prévia para identificar se há algum hábito inadequado que possa ser

trazido para a escola. A orientadora todo inicio de ano, vai ao abrigo para

entender a história de cada aluno.

Como aponta Foucault (2001):

(...) Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma mecânica do poder, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade). E diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). (...) a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada. (p.119)

O (A) orientador (a) passou a atuar de forma a atender os estudantes

levando em conta que eles estão inseridos em um contexto social, o que

influencia o processo de aprendizagem.

Como aponta Grinspun (2011):

A Orientação Educacional se apresenta à dimensão política como a uma das promotoras da escola, o que nos leva a perceber que educar é um ato político. Sem se afastar dessa concepção, a Orientação busca trazer subsídios da realidade do aluno que favoreçam sua compreensão de seu meio, de suas expectativas e de seus interesses. (p.101)

29

Em reflexão e análise do papel do orientador educacional na escola

pública brasileira que atende aos alunos das classes populares. Para isso

apresenta análise dos mecanismos de seletividade da atual escola pública e

sua relação com a crise social do país.

Como afirma Giacaglia (2010):

Além da saúde do corpo, a escola, e nela o Or.E., deve também se preocupar com aspectos psicológicos dos alunos. Dada a complexidade da problemática familiar, agravada pelas crises socioeconômicas que afetam a família, a freqüência de alunos com problemas emocionais tem aumentado gradativamente. Muitos apresentam comportamentos agressivos, de revolta ou de apatia. Outros mostram-se tímidos ou superprotegidos, enquanto os primeiros chamam a atenção e são, muitas vezes, atendidos, alunos excessivamente tímidos tendem a passar quase desapercebidos, por não causarem problemas para escola. É possível, entretanto, que estejam, devido à timidez, enfrentando dificuldades de relacionamento ou evitando experiências de aprendizagem que seriam importantes para o seu desenvolvimento. (p.213)

Neste quadro, avalia a importância e necessidade da presença do

orientador educacional na escola, a partir do estudo das opções teórico-

práticas que fundamentam o seu trabalho. Distingue as duas concepções de

orientação educacional presentes na escola hoje evidenciando aspectos

fundamentais da prática de orientadores que atuam na rede municipal de

ensino. Afirma a importância político-pedagógica da orientação educacional na

escola, introduzindo experiências que apresentam caminhos para o

redimensionamento da prática educativa através do resgate do cotidiano extra-

escolar do aluno.

30

CAPÍTULO V

CONCLUSÃO

Procurei ao longo deste trabalho refletir sobre o abrigamento de crianças

e adolescentes do Abrigo Municipal Casa da Criança. E o respectivo trabalho

que lá é realizado e o trabalho desenvolvido pela orientadora educacional de

uma das escolas no qual os abrigados estudam.

Com os referenciais teóricos e com as análises realizadas a partir dos

discursos e práticas de alguns profissionais do cotidiano pesquisado pude

verificar o quanto os abrigados carregam consigo as marcas de um processo

de institucionalização, que implica no afastamento do vínculo familiar gerando

uma fragilização e culpabilização.

A vida no abrigo leva ao afastamento das referências familiares. Alguns

abrigados têm o convívio com as famílias, outros raramente são visitados,

gerando assim a quebra dos elos. O fato dos abrigados terem pessoas que

permaneçam conectadas a eles entrevê diversas possibilidades de

acolhimento fora do contexto do abrigo.

Tenho que ressaltar que várias crianças e adolescentes foram e serão

beneficiados com o abrigo, mas a falta de recursos materiais não deve

construir ponte para o confinamento dos abrigados, pois a falta de políticas

públicas e sociais tem levado várias crianças e adolescentes equivocadamente

ao abrigo. Percebe-se que a cultura da institucionalização ainda se faz

presente, em detrimento à convivência familiar e comunitária.

Como aponta Lima (2008): A problematização das construções feitas ao longo da história em torno da infância e adolescência pobres e suas famílias, assim como em torno da assistência e proteção as crianças e adolescentes, tem como proposta contribuir para construção de outros olhares sobre os mesmos, considerando-os em suas potencialidades e capacidades de criação sobre suas vidas, de modo a enfrentar movimentos de culpabilização e estigmatização das famílias, assim como pressionar o Estado na garantia de condições plenas de cidadania. (p.140)

31

Pude verificar em minha pesquisa que não há um trabalho da

orientadora educacional direcionado ao contexto de abrigamento, e suas

ações, seus olhares e interferências junto aos alunos abrigados são os

mesmos diante de todo o corpo discente, como a própria orientadora expôs, as

crianças e adolescentes abrigados são tratados da mesma forma que os

outros. Sendo que a mesma visita o abrigo, quando é possível e os diálogos e

reuniões ao invés de serem realizados com a família são realizados com um

representante do abrigo, que geralmente é a assistente social ou a diretora.

De acordo com Grinspun (2011):

A orientação educacional trabalha pelo viés da dimensão social da escola, desvelando o contexto social de nossa realidade e, evidentemente, o dos próprios alunos envolvidos no processo de ensino/aprendizagem. As tensões, conflitos, contradições, normas, controles e disciplinas estão presentes na escola. Essa análise precisa ser discutida para que o funcionamento da Escola seja compatível com seus princípios. (p.102)

Afirmo que as tensões, conflitos, contradições, normas, controles e

disciplinas estão presentes também nas famílias, nos abrigos, e em toda forma

de relacionamento.

Percebe-se quanto o trabalho da orientação educacional é importante

para contribuir na formação das crianças, adolescentes, digo também adultos no

seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e social.

Pelo que observei e analisei no meu trabalho chego à conclusão que

ficaram várias perguntas a serem feitas, muitas inquietações a serem

aguçadas, porém o trabalho de pesquisa nos remete a estas análises, portanto

sinto-me realizada por ter sanado algumas das minhas inquietações.

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ANEXOS

ENTREVISTAS

I- ASSISTENTE SOCIAL

1 Quanto tempo você trabalha na Instituição?

- Há nove meses.

2 Desde quando a instituição tem o serviço de assistente social e como é

realizado este trabalho?

-Há mais ou menos oito anos. O trabalho é realizado através de intervenções,

visitas domiciliares e assistidas, encaminhamentos, diversos, matrícula em

escolas, cursos, elaboração de relatórios, etc

3 Como foi criado o abrigo?(História, fundação, administração)

- Surgiu da necessidade de criar um lugar para atender as crianças

necessitadas. Começou com uma casa, num outro bairro, depois passou para

o atual endereço, mas não havia nenhuma documentação de legalização da

instituição. Quando chegou a atual diretora foi realizado todo o processo de

legalização.

4 Quantos são os abrigados, idade e sexo?

- São vinte e cinco abrigados no momento, sendo nove meninas e dezesseis

meninos de 0 a 17 anos.

5 Quantos são os funcionários e suas funções?

- Três cozinheiras, doze monitores, dois auxiliares administrativos, uma

recepcionista, dois motoristas, seis auxiliares de serviços gerais, uma diretora,

duas assistentes sociais, uma psicóloga e um enfermeiro.

33

6 Como é a rotina dos abrigados?

- Às 6h e 30min todos acordam, tomam café, os que estudam de manhã vão

para escola, retornam, tomam banho, almoçam, descansam, brincam, fazem

as atividades de casa, fazem cursos, aulas extras e suas atividades

especializadas. Os que estudam a tarde fazem as mesmas atividades pela

manhã.

7 Os abrigados recebem visitas?(De quem, quando, horário)

- Recebe visita das pessoas habilitadas quem está para adoção e os que estão

sendo estudada a reinserção familiar (com a família nuclear ou de extensão).

8 Quantas crianças e adolescentes vão para casa nos finais de semana?

- Duas crianças que estão em reinserção.

9 Já houve fuga ou tentativa da mesma?

- Várias vezes.

10 A instituição tenta fazer a reintegração com a família?

-Sim

11 Algumas dessas crianças foram colocadas em famílias substitutas?

- Já. Mas, geralmente as crianças menores que são adotadas.

12 São providenciadas documentações para crianças e adolescentes que não

as possuem?

-Sim.

13 É enviado relatório periódico sobre as crianças e adolescentes para a Vara

da Infância e Juventude e para o Conselho Tutelar?

34

- Só é enviado para a Vara da Infância e da Juventude e para o Ministério

Público.

14 O abrigo realiza alguma ação para/com a família biológica?

- Procura atender a família dando cesta básica e procurando atendimento

médico.

15 Quais são as ações realizadas pelo abrigo para incentivar a convivência das

crianças e adolescentes com suas famílias?

- Quando há possibilidade. Primeiro são realizadas visitas assistidas, depois

inserem as crianças em projetos da Prefeitura e encaminha a família para

terapia familiar e atendimento psicológico.

16 Quais são as ações realizadas pelo abrigo para incentivar a convivência

comunitária?

- Inserção nas atividades realizadas na Praça Airton Sena, Projeto Limpinho e

Jovem do Futuro.

17 Quais são as ações realizadas pelo abrigo para preparar gradativamente os

adolescentes para maioridade?

- Conseguir o primeiro emprego.

18 A Instituição tem alguma ação de apoio aos ex-abrigados?

- Não.

19 De onde vêm os recursos do abrigo?

- Do município.

20 Qual é o principal motivo de abrigamento?

35

- Abandono e maus tratos.

21 O abrigo pretende aumentar o número de vagas?

- Não.

22 Existem atividades dentro do abrigo?

- Não.

23 Como o conselho tutelar age na instituição?

- Recebe a denuncia e leva a criança ou adolescente para o acolhimento.

24 Todos os abrigados estudam na mesma escola?

- Não. Estudam em sete escolas do Município.

25 Como é a relação da instituição com a (s) escola (s) onde os abrigados

estudam?

- Boa.

26 Como é a relação da Instituição com a Orientação Educacional das escolas

onde os alunos estudam? Visitam a instituição? Participam de reuniões?

Fazem algum trabalho em parceria com a instituição?

- Relação bem próxima, principalmente com duas escolas do município. A

assistente social vai até a escola, a orientadora vai até o abrigo. Elas mantém

sempre contato através de telefonemas. Participam das reuniões.

Não há um trabalho realizado em parceria.

36

II- ORIENTADORA EDUCACIONAL

1Há quanto tempo atua como Orientadora Educacional?

- Há seis anos.

2 Já exerceu outras funções na escola? Quais?

- Sim. Auxiliar de Secretaria.

3Qual o número de alunos por Orientador Educacional na escola em que você

atua?

- São 380 alunos.

4 O serviço de Orientação Educacional dispõe de espaço físico adequado?

- Não. Nas escolas em que atuo não há salas adequadas para atendimento

aos responsáveis e aos alunos.

5Como você avalia a postura dos Orientadores Educacionais atualmente?

- No Município onde atuo, acho que estamos conseguindo deixar

o assistencialismo para trabalharmos com a profilaxia.

6 Quais os principais obstáculos encontrados por você no desempenho de

suas funções?

- Normalmente nosso trabalho é pautado também no desempenho de algumas

pessoas envolvidas: professor e órgãos competentes, que muitas vezes não

são tão comprometidos assim.

7 O seu contato direto com alunos ocorre geralmente em que ocasiões ou por

quais motivos?

- Visitas às turmas, e atendimento individual, normalmente encaminhado pelo

professor, com exceção dos alunos que já são acompanhados por algum

motivo, como: baixo rendimento, faltas, comportamento etc.

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8 Na escola em que você atua há alunos que vivem em abrigo? Quantos?

- Sim. Seis alunos.

9 Você realiza algum trabalho específico com estes alunos?

- Não. Os alunos são inseridos na comunidade escolar normalmente. Só ha

uma conversa prévia para identificarmos se há algum hábito inadequado que

possa ser trazido para a escola.

10 Como eles convivem na escola?

- Normalmente, como qualquer outra criança.

11 Você tem contato com o Abrigo? Participa de reuniões?

- Sim. Todo inicio de ano, vou ao abrigo para entender a história de cada

aluno.

12Qual a postura que você tem com o Abrigo e vice-versa?

- Normal. Cobro exercícios de casa e presença na reunião de pais.

13 O que você acha do abrigo?

- Estão caminhando e melhorando a cada dia, mas poderia ser melhor.

38

BIBLIOGRAFIA CITADA

ARANTES, Esther M. M. Rostos de Crianças no Brasil. In: PILLOTTI, Francisco

e RIZZINI, Irene (org.). A Arte de Governar Crianças: A História das Políticas

Sociais, da Legislação e da Assistência á Infância no Brasil. Rio de Janeiro:

Instituto Interamericano del Niño/Editora Universitária Santa Úrsula/Amais,

1995.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº8069/90 de

13/07/1990.

DANZELOT, Jacques. A polícia das famílias. Trad. Albuquerque, M. T. da

Costa. Rio de Janeiro. Edições Graal, 1980.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir - História da Violência nas Prisões. Ed.

Vozes, RJ, 2001.

GIACAGLIA, Lia Renata Angelini. Orientação Educacional na prática:

Princípios, histórico, Legislação, técnicas e instrumentos. São Paulo. Cengage

Learning, 2010.

GRINSPUN, Mírian P. S. Zippin. A orientação educacional: conflito de

paradigmas e alternativas para a escola. São Paulo. Cortez, 2011.

LIMA, Isabel Costa. Discursos e práticas de proteção à infância e

adolescência: O abrigo em questão. Dissertação. Projeto de Pós-Graduação

em PPFH da UERJ, Rio de Janeiro, 2008.

PASSETTI, Edson. Crianças carentes e políticas públicas. In: DEL PRIORE,

Mary (org). Histórias das crianças no Brasil. Paulo, Contexto, 1999.

SCHEINVAR, Estela. Anotações para pensar a proteção à criança. In: Revista

do Departamento de Psicologia-UFF. Vol 10 - nº 2 e 3 - Maio a dez.1998.

VAN BALEN, Age D. J. Van. Disciplina e controle da sociedade: análise do

discurso e da prática cotidiana, São Paulo: Cortez, 1983.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTO 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 07

INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I - O abrigamento no Brasil 10 CAPÍTULO II - Abrigo Municipal Casa da Criança 15 2.1 Característica do funcionamento 15 2.2 Rotina da assistência social na Casa da Criança 16 CAPÍTULO III – Orientação educaciona: atribuições 18 CAPÍTULO IV - Entrevistas 23 4.1 Motivo do abrigamento 23 4.2 Rotina 26 4.3 Relação com a família e com o abrigado 27 4.4 Preparação para sair do abrigo/inserção no campo de Trabalho 27 4.5 Trabalho da Orientação Educacional junto ao abrigado 28 CONCLUSÃO 31 ANEXOS 32 BIBLIOGRAFIA CITADA 38 ÍNDICE 39