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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA ELAINE DO CARMO SOUZA A GUARDA COMPARTILHADA NO DIREITO BRASILEIRO E AS IMPLICAÇÕES NO TOCANTE À PRISÃO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS Rio de Janeiro 2013 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

ELAINE DO CARMO SOUZA

A GUARDA COMPARTILHADA NO DIREITO BRASILEIRO E AS IMPLICAÇÕES

NO TOCANTE À PRISÃO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS

Rio de Janeiro

2013

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A GUARDA COMPARTILHADA NO DIREITO BRASILEIRO E AS IMPLICAÇÕES NO

TOCANTE À PRISÃO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS

Monografia apresentada ao Instituto A Vez

do Mestre com vistas à obtenção do

certificado de Pós-graduação em Direito

Privado e Civil

Orientador: Professor Jean

Rio de Janeiro/2013

ELAINE DO CARMO SOUZA

Ao Soberano, Fiel e Incomparável Senhor da Vida,

Deus, o qual seja toda honra e toda a glória, desde

agora e para sempre. Amém.

AGRADECIMENTOS

A Deus, por tudo que me permitiu chegar até aqui.

À minha família que, mesmo diante das dificuldades,

sempre acreditou em mim.

Aos irmãos e amigos que torcem por mim e me

motivam sempre a seguir em frente.

Aos meus amigos de classe do curso de Direito

Privado e Civil e aos professores pelos breves, mas

bons momentos que tivemos em sala de aula.

Deus abençoe vocês!

EPÍGRAFE

“O amor é sofredor, é benigno; o amor não é

invejoso; o amor não trata com leviandade, não se

ensoberbece;

Não se porta com indecência, não busca seus

próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal;

Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;

Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”.

I Corintios 13: 4-7

RESUMO

Com o advento da Constituição Federal de 1988, baseada no princípio da

dignidade da pessoa humana, ocorreram profundas transformações no seio da sociedade civil

brasileira, sobretudo na maneira de se interpretar o indivíduo, que passou de mero destinatário

das leis para se constituir como parte efetiva do todo.

Tal inovação refletiu diretamente em nosso ordenamento jurídico, ensejando na

quebra de muitos paradigmas, especialmente no Direito de Família, ao reconhecer a isonomia

entre o homem e a mulher no comando do lar e dos filhos. Essa igualdade de funções acabou

por gerar alguns conflitos, que redundaram no aumento da dissolução da sociedade conjugal e,

consequentemente na discussão acerca da guarda da prole.

Nesse sentido, o presente trabalho monográfico visa abordar o instituto da

guarda compartilhada, implementado recentemente em nosso ordenamento, como solução

mais eficaz ao interesse do menor no atual cenário jurídico-social, bem como à problemática

da prisão civil do devedor de alimentos.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .... ........................................................................................................................9

1. FILIAÇÃO: ASPECTOS JURÍDICOS E SOCIAIS............................................................ .. 11

1.1. Aspectos históricos da filiação………………………………………………………..…11

1.2. A filiação no Código Civil de 1916..................................................................................13

1.3. A Constituição de 1988 e os reflexos no Direito de Família............................................14

1.4. A atual classificação da filiação no contexto social brasileiro.........................................16

1.5. A filiação e a intervenção do Estado................................................................................18

2. DO PODER FAMILIAR........................................................................................................20

2.1. Conceito............................................................................................................................20

2.2. Origem do Poder Familiar: O Pátrio Poder.......................................................................20

2.3. Influência do Direito Lusitano..........................................................................................22

2.4. O Poder Familiar na atualidade.........................................................................................23

2.5. Características do poder familiar brasileiro......................................................................24

2.6. O Poder Familiar e a violência contra os filhos................................................................25

2.7. Hipóteses de suspensão e extinção do Poder Familiar.....................................................27

3. DA GUARDA........................................................................................................................33

3.1. Conceito............................................................................................................................33

3.2. A Evolução da Guarda no Brasil......................................................................................33

3.3. Tipos de guarda ...............................................................................................................35

3.3.1. Guarda Unilateral....................................................................................................37

3.3.2. Guarda Alternada....................................................................................................38

3.3.3. Guarda Compartilhada............................................................................................38

4. DA GUARDA COMPARTILHADA NO BRASIL..............................................................40

4.1. As deficiências inerentes à guarda tradicional.................................................................40

4.2. Guarda Compartilhada e a reestruturação familiar no contexto social brasileiro............40

4.3. Questionamentos à adoção da guarda compartilhada......................................................44

4.3.1. Divergência de pontos de vista dos pais.................................................................44

4.3.2. Instabilidade psíquica do menor ............................................................................44

4.3.3. Alteração de domicílio dos pais..............................................................................45

4.4. Vantagens na aplicação da guarda compartilhada ..........................................................46

4.4.1. Pleno exercício do Poder Familiar pelos pais.........................................................47

4.4.2. Benefícios usufruídos pelos pais em conseqüência do método...............................48

5. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS .............................................................50

5.1) Previsão legal ...................................................................................................................50

5.2) Aspectos positivos da prisão civil do devedor de alimentos ............................................50

5.3) Aspectos negativos da prisão civil do devedor de alimentos ...........................................52

5.4) A Guarda compartilhada e a prestação de alimentos .......................................................53

CONCLUSÃO ...........................................................................................................................54

BIBLIOGRAFIA ..................................................................................... . ................................56

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa contribuir para a análise de um novo instituto surgido

no seio do Direito de Família, em resposta à evolução da sociedade brasileira, que é a Guarda

Compartilhada, instituída pela Lei 11.698/2008. Busca analisar os aspectos jurídicos e sociais

deste instituto, inserido recentemente em nosso ordenamento jurídico, aparecendo como uma

solução para um novo tempo, com vistas a priorizar o interesse do menor, a fim de evitar

manipulações pelos detentores de sua guarda, quando da dissolução da sociedade conjugal.

Todavia, para que isto ocorra de forma bem sucedida, é fundamental que haja

consenso entre os genitores, pois, uma vez aplicada a guarda compartilhada, tanto o pai

quanto a mãe passam a participar integralmente da vida do filho, sem necessidade de prévio

agendamento de visita periódica, sendo, desta forma, extremamente importante que

mantenham um bom relacionamento. Desaparecem os limites do exercício da maternidade e

paternidade determinado por varas de família, uma vez que tanto um quanto o outro poderá

ter livre acesso aos filhos, sem qualquer impedimento legal.

Nesse sentido, a referida guarda pode ser estabelecida por meio de

determinação judicial ou através de consenso dos pais e, caso não seja estipulada no curso das

ações de separação, divórcio ou dissolução de união estável, é possível requisita-la em ação

autônoma proposta por um dos pais.

Não obstante tratar-se de um avanço no Direito de Família, este tema ainda é

bastante controvertido em nossa sociedade, pois a quebra de paradigmas é um obstáculo a ser

superado. A representação social do papel da mulher ao longo do tempo, como responsável

pelo cuidado do lar e educação dos filhos, e do homem, como provedor, “chefe de família”,

assim referido no Código Civil de 1916, ainda se encontra muito arraigado em nossa cultura.

Assim, além da necessidade de ultrapassar-se o referido aspecto histórico, tem-

se outro aspecto de bastante relevância, que é o psicológico, cuja utilização é bastante comum

tanto aos que defendem a adoção da guarda compartilhada, quanto para aqueles que a

contestam.

Os defensores da guarda compartilhada alegam ser esta um meio de o menor

vivenciar realidades distintas e participar de meio social diverso, o que traria experiências

profícuas para seu desenvolvimento. Ademais, seria uma forma de coibir abusos, uma vez que

por razões subjetivas, muitos pais se utilizam de seus filhos para ferir emocionalmente o ex-

parceiro.

10

Outro aspecto bastante relevante em defesa do instituto é o da fixação de

alimentos, os quais continuarão a obedecer ao binômio utilidade-possibilidade, porém sendo

levado em consideração o aumento da participação efetiva dos pais ausentes do lar.

Em contrapartida, os opositores à adoção da guarda compartilhada, alegam que

a aplicação de tal medida poderá causar às crianças e adolescentes uma série de confusões,

influenciando negativamente na formação de sua personalidade, tendo em vista o surgimento

de dúvidas ao participarem de contextos diferenciados.

Insta mencionar que o presente trabalho não pretende defender a adoção do

método de maneira irresponsável, mas com todo o acompanhamento necessário para a maior

eficácia possível, com avaliações periódicas a serem realizadas por profissionais

especializados, a fim de decidir por sua continuidade ou não; afinal, ante a instabilidade do

vivenciada nos dias atuais, não só na família, mas no mundo como um todo, há que ser

considerada a hipótese de flexibilização de todos os institutos, a fim de que sejam aplicados

no melhor interesse dos seres envolvidos e, neste caso, trata-se de crianças e adolescentes.

Porém, para que seja mais bem compreendido o tema da guarda compartilhada,

faz-se necessário a análise de outros temas diretamente relacionados, motivo pelo qual serão

minuciosamente estudados em capítulos próprios, como a filiação, o poder familiar e as

espécies de guarda existentes, os quais serão fundamentados a partir de teses doutrinárias,

jurisprudência e, principalmente, textos de lei, a fim de que seja esclarecida a viabilidade do

instituto.

Por outro lado, será efetuada uma breve análise da adoção da guarda

compartilhada e seus efeitos em relação ao pagamento de pensão alimentícia, surgindo como

uma possível solução à prisão civil do devedor de alimentos.

Desta forma, esperamos chegar ao final deste estudo, contribuindo

valiosamente para a análise do tema.

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1 – Filiação: aspectos jurídicos e sociais.

1.1) Aspectos históricos da filiação.

Preliminarmente, faz-se necessário um estudo acerca do desenvolvimento do

conceito de filiação no Direito Sucessório, que originariamente pautou-se nos parâmetros

impostos pelo direito romano (Lei das XII Tábuas), de cunho radicalmente religioso, baseado

na autoridade ilimitada do patriarca, a qual abrangia desde o poder de tirar a vida do filho até

de vendê-lo, depois de ouvir o conselho familiar. Tal prerrogativa concedia ao chefe da

entidade familiar o direito de escolha em relação aos integrantes de sua família, pelo que

poderia dispor da vida de seus membros, incluindo até mesmo o sacrifício de anciãos.

A condição de filhos era reconhecida somente aos nascidos na constância do

matrimônio, repudiando-se outros havidos como ilegítimos, isto é, os concebidos fora do

casamento. Tais descendentes, também conhecidos como “bastardos” não desfrutavam da

condição de sucessores legítimos, aos quais cabiam a incumbência de substituir o pater

familiae, ou seja, mesmo que aqueles tenham sido varões e/ou primogênitos, características

importantes à referida sucessão, não a alcançavam ante a ausência de vínculos morais e

religiosos para os padrões sociais da época. Não obtinham sequer o amparo elementar de seus

pais, como por exemplo, a percepção de alimentos, situação que somente seria modificada no

direito brasileiro, anos mais tarde, pela Lei do Divórcio, Lei n.6.515, de 26 de dezembro de

1977.

Neste contexto, a filiação era conceituada, como legítima, legitimada e

ilegítima, conforme a concepção matrimonial ou extramatrimonial e ainda, os filhos

ilegítimos eram classificados em naturais, espúrios, adulterinos e incestuosos. Para melhor

ilustrar essa situação, eis a lição de GISELE HIRONAKA:1

Os filhos espúrios, por sua vez, seriam os oriundos da união de homem e mulher impedidos de se casarem na época da concepção, por laço de parentesco em grau proibido ou por já serem casados - ambos, ou um deles, apenas - com outra pessoa. Duas seriam as espécies de filhos espúrios: os adulterinos e os incestuosos.

Os adulterinos seriam os nascidos de pessoas impedidas de casar em virtude de casamento com terceiros (art. 183, VI). A adulterinidade poderia ser bilateral ou unilateral. Seria adulterino a patre se gerado por homem casado e mulher solteira, viúva ou divorciada, e a matre se fosse a mulher a casada.

1 HIRONAKA, Gisele M. F. N. Dos filhos havidos fora do casamento. Disponível em: <http://www.sedep.com.br>

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Os incestuosos seriam os nascidos de pessoas impedidas de se unirem por matrimônio válido em razão de haver entre elas parentesco: natural, civil ou afim (art. 183, I a V), “na linha reta até o infinito e na linha colateral até o 3º grau”.

Na lição de Orlando Gomes2 “o caráter incestuoso da filiação tem de

apresentar-se no momento da concepção. Se o impedimento matrimonial surge depois, como

por exemplo, o que resulta do vínculo de afinidade, o filho será simplesmente natural”.

Por ocasião do surgimento do Código Civil de 1916, observou-se a queda de

algumas barreiras no tocante à filiação, inovando o ordenamento jurídico na ampliação do

reconhecimento dos filhos ilegítimos, bem como daqueles havidos por meio de adoção, sem

assegurá-los, entretanto, o direito à sucessão, quando da existência dos chamados herdeiros

legítimos, cuja paridade ocorrerá somente por ocasião da promulgação da Constituição

Federal de 1988, com seu artigo 227, § 6º, o qual será oportunamente melhor analisado.

1.2) A filiação no Código Civil de 1916

O Código Civil de 1916 dedicou um capítulo exclusivo ao tratamento da

filiação3. Observa-se pela exegese do texto legal, a intenção do legislador em defender os

2 Direito de família. 14. ed. Atualização de Humberto Theodoro Junior. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

3 Art. 337. São legítimos os filhos concebidos na constancia do casamento, ainda que anulado (art. 217), ou mesmo nulo, se se contraiu de boa fé (art. 221). (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919) Art. 338. Presumem-se concebidos na constância do casamento: I - os filhos nascidos 180 (cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal (art. 339); II - os nascidos dentro nos 300 (trezentos) dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite, ou anulação. Art. 339. A legitimidade do filho nascido antes de decorridos os 180 (cento e oitenta) dias de que trata o no I do artigo antecedente não pode, entretanto, ser contestada: I - se o marido, antes de casar, tinha ciência da gravidez da mulher; II - se assistiu, pessoalmente, ou por procurador, a lavrar-se o termo de nascimento do filho, sem contestar a paternidade. Art. 340. A legitimidade do filho concebido na constância do casamento, ou presumido tal (arts. 337 e 338), só se pode contestar, provando-se: (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919) I - que o marido se achava fisicamente impossibilitado de coabitar com a mulher nos primeiros 121 (cento e vinte e um) dias, ou mais, dos 300 (trezentos) que houverem precedido ao nascimento do filho; (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919) II - que a esse tempo estavam os cônjuges legalmente separados. Art. 341. Não valerá o motivo do artigo antecedente, n° II, se os cônjuges houverem convivido algum dia sob o teto conjugal. Art. 342. Só em sendo absoluta a impotência, vale a sua alegação contra a legitimidade do filho. Art. 343. Não basta o adultério da mulher, com quem o marido vivia sob o mesmo teto, para elidir a presunção legal de legitimidade da prole. Art. 344. Cabe privativamente ao marido o direito de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher (art. 178, § 3°). Art. 345. A ação de que trata o artigo antecedente, uma vez iniciada, passa aos herdeiros do marido. Art. 346. Não basta a confissão materna para excluir a paternidade. (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919) Art. 347. Revogado pela Lei n° 8.560, de 29.12.1992: Texto original: A filiação legítima prova-se pela certidão do termo do nascimento, inscrito no registro civil. Art. 348. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 5.860, de 30.9.1943) Art. 349. Na falta, ou defeito do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação legítima, por qualquer modo admissível em direito: I - quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente; II - quando existirem veementes presunções

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interesses dos filhos legítimos, por ocasião do matrimônio ou fora deste, desde que haja

presunção de filiação. Entretanto, a principal finalidade do diploma em questão foi a de

conferir maior igualdade no tratamento entre os filhos legítimos e legitimados, conforme se

infere do artigo 352: “Os filhos legitimados são, em tudo, equiparados aos legítimos”. Não

obstante ao dito reconhecimento, não havia paridade entre eles, uma vez que os chamados

legitimados, não nascidos na constância do matrimônio, herdariam apenas a metade do

quinhão a que o filho legítimo teria direito, o que demonstra cabalmente a persistência do

legislador em manter a diferença.

resultantes de fatos já certos. Art. 350. A ação de prova da filiação legítima compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor, ou incapaz. Art. 351. Se a ação tiver sido iniciada pelo filho, poderão continuá-la os herdeiros, salvo se o autor desistiu, ou a instância foi perempta. Art. 352. Os filhos legitimados são, em tudo, equiparados aos legítimos. Art. 353. A legitimação resulta do casamento dos pais, estando concebido, ou depois de havido o filho (art. 229). Art. 354. A legitimação dos filhos falecidos aproveita aos seus descendentes. Art. 355. O filho ilegítimo pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente. Art. 356. Quando a maternidade constar do termo de nascimento do filho, a mãe só a poderá contestar, provando a falsidade do termo, ou das declarações nele contidas. Art. 357. O reconhecimento voluntário do filho ilegítimo pode fazer-se ou no próprio termo de nascimento, ou mediante escritura pública, ou por testamento (art. 184, parágrafo único). Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho, ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes. Art. 358. Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos. Art. 359. O filho ilegítimo, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro. Art. 360. O filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob poder do progenitor, que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram, sob o do pai. Art. 361. Não se pode subordinar a condição, ou a termo, o reconhecimento do filho. Art. 362. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, dentro nos 4 (quatro) anos que se seguirem à maioridade, ou emancipação. Art. 363. Os filhos ilegítimos de pessoas que não caibam no art. 183, I a VI, têm ação contra os pais, ou seus herdeiros, para demandar o reconhecimento da filiação: I - se ao tempo da concepção a mãe estava concubinada com o pretendido pai; II - se a concepção do filho reclamante coincidiu com o rapto da mãe pelo suposto pai, ou suas relações sexuais com ela; III - se existir escrito daquele a quem se atribui a paternidade, reconhecendo-a expressamente. Art. 364. A investigação da maternidade só se não permite, quando tenha por fim atribuir prole ilegítima à mulher casada, ou incestuosa à solteira (art. 358). Art. 365. Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação da paternidade, ou maternidade. Art. 366. A sentença, que julgar procedente a ação de investigação, produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento; podendo, porém, ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia daquele dos pais, que negou esta qualidade. Art. 367. A filiação paterna e a materna podem resultar de casamento declarado nulo, ainda mesmo em as condições do putativo. Art. 368. Só os maiores de 30 (trinta) anos podem adotar. (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 8.5.1957) Parágrafo único. Ninguém pode adotar, sendo casado, senão decorridos 5 (cinco) anos após o casamento. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 3.133, de 8.5.1957) Art. 369. O adotante há de ser, pelo menos, 16 (dezesseis) anos mais velho que o adotado. (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 8.5.1957) Art. 370. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher. Art. 371. Enquanto não der contas de sua administração, e saldar o seu alcance, não pode o tutor, ou curador, adotar o pupilo, ou o curatelado. Art. 372. Não se pode adotar sem o consentimento do adotado ou de seu representante legal se for incapaz ou nascituro.(Redação dada pela Lei nº 3.133, de 8.5.1957) Art. 373. O adotado, quando menor, ou interdito, poderá desligar-se da adoção no ano imediato ao em que cessar a interdição, ou a menoridade. Art. 374. Também se dissolve o vínculo da adoção: (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 8.5.1957) I - quando as duas partes convierem; (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 8.5.1957) II - nos casos em que é admitida a deserdação. (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 8.5.1957) Art. 375. A adoção far-se-á por escritura pública, em que se não admite condição, nem termo. Art. 376. O parentesco resultante da adoção (art. 336) limita-se ao adotante e ao adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, a cujo respeito se observará o disposto no art. 183, III e V. Art. 377. Quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária. (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 8.5.1957) Art. 378. Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para o adotivo.

14

Uma das formas de se obter o reconhecimento da legitimidade era a de ajuizar

uma ação (art. 349) desde que houvesse provas ou veementes presunções de fatos já certos. É

de se imaginar a dificuldade de comprovar-se a filiação nesta época, uma vez que não existia

o desenvolvimento tecnológico da atualidade que, por meio dos exames de DNA, permite a

prova em tempo recorde, derrubando-se qualquer dúvida surgida no processo, conforme bem

salienta Zeno Veloso4:

a possibilidade de utilização deste marcador genético como meio de prova, analisando-se a estrutura genética dos supostos pai e filho, obtendo-se respostas definitivas sobre a alegada relação de parentesco, revolucionou o tema, e o direito de família, quanto a esta questão, não pode continuar sendo o mesmo, baseado em princípios, critérios, presunções e conhecimentos que perderam valor e qualquer sentido diante do fantástico progresso representado por esta nova técnica de comparação de genes.

Por outro lado, cabe ressaltar que neste contexto nenhum avanço foi obtido em

relação ao direito de filhos havidos como espúrios – adulterinos ou incestuosos - que

permaneciam à margem das relações sociais, situação que seria modificada somente com o

advento da Lei 883/49, que concedeu ao filho adulterino a possibilidade de reconhecimento,

desde que houvesse dissolução da sociedade conjugal do pai.

Todavia, a igualdade de tratamento, digo, sem discriminação de qualquer

natureza viria somente anos mais tarde, com o advento da Constituição Federal de 1988, o que

será analisado mais detidamente a seguir.

1.3) A Constituição de 1988 e os reflexos no Direito de Família

Inovou o diploma constitucional de 1988 ao primar pelo Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana como Pilar de um Estado Democrático de Direito. Porém, para

melhor compreensão da importância trazida ao nosso ordenamento jurídico, com a

promulgação da nova Carta Constitucional, convém esclarecer o que seja dignidade da pessoa

humana.

O princípio insculpido no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal destaca

o reconhecimento do indivíduo como um ser social, cujos interesses não se confundem com

os do Estado, ou seja, o homem deixa de ser um mero destinatário das leis para participar

efetivamente do processo de desenvolvimento da sociedade. Passa-se à interpretação da lei

4 Direito brasileiro da filiação e paternidade: Ed. Malheiros, 1997.

15

com a finalidade de proteger o cidadão, guardando-o até mesmo de eventuais arbitrariedades

do Estado. Como bem ressalta ALEXANDRE DE MORAES:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

A nova Carta Constitucional, além das alterações sociais mencionadas,

provocou inúmeros reflexos que em nosso Direito Civil, sobretudo no Direito de Família, no

qual as relações passaram a ser interpretadas não somente pelo aspecto patrimonial, como as

estabelecidas até aqui, mas principalmente pelo viés afetivo.

Não obstante, outras transformações também foram concretizadas por meio da

Constitucionalização do Direito de Família, como por exemplo, o papel desempenhado pela

mulher, que alcançou o mesmo status do marido no casamento; e a plena igualdade entre os

filhos, desaparecendo a figura de legítimo, ilegítimo ou adotivo.

Quebra-se, assim, um paradigma constituído ao longo da história da sociedade,

passando a mulher ao exercício do comando da família, juntamente com o homem e, por outro

lado, tem-se a igualdade jurídica entre os filhos, sendo contemplados pela primeira vez, os

adotivos, ou seja, filhos por afeição, conforme se depreende do artigo 227, § 6°, in verbis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. [...] § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Estabelece-se, neste contexto, a plena paridade no tocante à filiação, onde

todos, independentemente da condição em que foram integrados à família, gozarão dos

mesmos direitos, pelo que não será considerado o conceito de legítimo e ilegítimo aplicado

nas legislações anteriores. Tal igualdade encontra-se reiterada no art. 1696 do Código Civil,

que aduz: “Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os

16

mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas

à filiação”, o que inquina ilegal todo e qualquer ato discriminatório.

1.4) A atual classificação da filiação no contexto social brasileiro

Objetivando a melhor compreensão do tema - a importância da guarda

compartilhada - faz-se necessária algumas considerações acerca da filiação, em seus aspectos

jurídico, biológico e sócio-afetivo. Para tanto cabe, neste início, pormenorizar cada um deles,

com vistas a uma análise mais detida sobre o tema.

No aspecto jurídico, a filiação é interpretada como a relação que liga os filhos

a seus pais, quer naturalmente ou por meio de adoção, uma vez que a Constituição de 1988

consagrou em seu artigo 227, § 6º, a igualdade entre os mesmos. Segundo Carlos Roberto

Gonçalves, a filiação é “a relação de parentesco consaguíneo, em primeiro grau e em linha

reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se tivessem gerado”.

Tal ligação traduz-se na responsabilidade de guarda do menor pelos pais, a fim de zelarem por

seu desenvolvimento físico, mental e emocional, configurando-se em um munus publico que o

Estado impõe a estes, o que será visto de maneira mais detalhada ao tratarmos do poder

familiar.

No que tange ao biológico, a filiação se encontra restrita às informações

genéticas que o indivíduo levará por toda sua vida. Tal aspecto, hodiernamente, tem sido

bastante utilizado para a comprovação de filiação como, por exemplo, teste de DNA, o que

em nosso ordenamento, garante a proteção legal aos reconhecidos por este método.

Outro aspecto, de igual importância, senão maior, é o afetivo, embasado no

envolvimento emocional entre pais e filhos, o que merece especial atenção, por abranger mais

do que uma obrigação imposta por lei, inserindo-se na órbita sentimental, que se revela

fundamental para a formação da personalidade do indivíduo. Muitas vezes, a sociedade é

surpreendida por atitudes intempestivas de determinadas pessoas e, quando analisada a

história dessas, verifica-se a ocorrência de uma lacuna afetiva, ausência de estrutura familiar.

Não obstante sua importância, a relação de afetividade não costuma ser tratada

como fundamental ou determinante em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista que,

quando comprovada a filiação jurídica ou biológica, a afetiva torna-se quase que esquecida.

Podemos citar como exemplo, os casos em que algumas crianças são criadas por madrastas ou

padrastos e, por ocasião do falecimento de seus respectivos cônjuges, são totalmente afastadas

de quem as criou, transferindo-se sua guarda a parentes mais próximos, muitas vezes sem

17

qualquer relação afetiva com o menor, pelo simples fato de que o nosso Direito tende a

priorizar o laço sanguíneo, em detrimento dos laços emocionais.

De acordo com a doutrina de Juliane Fernandes Queiroz5, a filiação em nossos

dias outros deve ser interpretada de forma a considerar o enfoque sócio afetivo como o mais

relevante de todos, nos seguintes termos:

O novo comportamento cultural, no tocante à paternidade, insere o mundo moderno em outro contexto social, em que a função de pai deve ser exercida no maior interesse da criança, sem que se atenha à própria pessoa em exercício da referida função.

[...] Por isso, atribui-se que o verdadeiro vínculo que se trava com os pais é o afetivo e, portanto, pais podem perfeitamente não ser os biológicos.

[...] Assim, em questões que envolvam conflitos de paternidade biológica e social, o interesse melhor e maior da criança deverá nortear a decisão.

Por fim, o aspecto social pelo qual, no decorrer de nossa história, a mãe se

encarregava da educação dos filhos e o pai, do sustento. Tal situação se reflete nas decisões

proferidas por nossos tribunais, pelo que forçoso trazer à colação a jurisprudência do STJ que,

mutatis mutandis, traduz a situação vivida ao longo dos anos em nossa história:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA E SUCESSÕES. INVENTÁRIO.BENS FRUTOS DO TRABALHO DO CÔNJUGE INVENTARIADO INTEGRAM A MEAÇÃO DA VIÚVA INVENTARIANTE. [...] - Muito embora as relações intrafamiliares tenham adquirido matizes diversos, com as mais inusitadas roupagens, há de se ressaltar a peculiaridade que se reproduz infindavelmente nos lares mais tradicionais não só brasileiros, como no mundo todo, em que o marido exerce profissão, dela auferindo renda, e a mulher, mesmo que outrora inserida no mercado de trabalho, abandonou a profissão que exercia antes do casamento, por opção ou até mesmo por imposição das circunstâncias, para se dedicar de corpo e alma à criação dos filhos do casal e à administração do lar, sem o que o falecido não teria a tranqüilidade e serenidade necessárias para ascender profissionalmente e, conseqüentemente, acrescer o patrimônio, fruto, portanto, do trabalho e empenho de ambos. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 895.344/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2007, DJe 13/05/2008)

Neste último aspecto, em que pese a tradição apontada no julgado, o

desenvolvimento da sociedade, sobretudo nos últimos anos, trouxe certa alteração nos papéis

sociais, sobretudo o da mulher que, conforme tratado no item anterior, ganhou status de 5 QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade : aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial. Doutrina e Jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. Págs. 52, 55, 59.

18

igualdade com o homem, desaparecendo, inclusive, a figura do “chefe de família”, consagrada

nas edições anteriores ao Código Civil de 2002, ocupando ambos o mesmo patamar,

conforme observado nos artigos 5º, inciso I, juntamente com o artigo 226, § 5º, ambos da

Constituição Federal de 1988.

A referida alteração se deu em virtude da necessidade da participação da

mulher no sustento de seu lar, o que a fez sair de sua casa, do cuidado de seus filhos, em

busca do mercado de trabalho, possibilitando a conquista de seu espaço, que foi

posteriormente legitimado pela própria Constituição, ao trazer garantias ao mercado de

trabalho da mulher.

A independência obtida pela mulher em relação ao seu cônjuge causou

inúmeros conflitos conjugais, o que redundou em um aumento considerável do número de

separações e divórcios em nosso contexto social, pelo que alguns lares são transformados em

verdadeiros campos de batalha e, no centro deste conflito estão os filhos que, em

conseqüência das situações vivenciadas, passam a sofrer alguns prejuízos em sua formação

psicossocial, por meio da perda do referencial materno ou paterno, conforme seja sua guarda

concedida ao pai ou à mãe.

Desta forma, travam-se verdadeiras guerras nos tribunais, onde são discutidos

os supostos direitos dos pais sobre os filhos que, quase sempre tem a guarda concedida à mãe,

que representa a figura histórica da cuidadora, enquanto o pai, como provedor, torna-se

obrigado ao pagamento de pensão alimentícia.

1.5) A filiação e a intervenção do Estado.

A dissolução da sociedade conjugal provoca o surgimento de uma lacuna na

estrutura familiar, ante a ausência do pai ou da mãe que, no momento em que a guarda é

definida, obtém o direito de visitação, muitas vezes precário, cujo período é previamente

determinado, seja consensualmente ou judicialmente.

Na tentativa de suprir as falhas, o ordenamento jurídico brasileiro tem inovado

ao permitir uma intervenção cada vez maior do Estado nas relações concernentes ao Direito

de Família, com o fim de privilegiar os interesses do menor, por tratar-se de pessoas

incapazes. Assim, a responsabilidade pelo bem estar do menor passa a ser considerado não só

como uma obrigação pura e simples, mas como um munus do Estado aos pais, a fim de que o

exerçam com base na lei. Nesse sentido, dispõe o ECA em seu artigo 7º que “A criança e o

adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas

19

sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em

condições dignas de existência”. Isto é, aduz a lei que o Estado intervirá a fim de

proporcionar o pleno exercício do poder familiar pelos pais.

Dedicou o Código Civil de 2002 um capítulo exclusivo para tratar a questão da

proteção aos filhos no caso de separação judicial ou divórcio, conforme se verifica nos artigos

1.583 a 1.590, que serão detidamente analisados adiante, no estudo da guarda.

Desta forma, há de se admitir o grande avanço obtido no que tange à filiação

com a inclusão do Estado nas relações familiares, pois concede garantias à criança e ao

adolescente, ao construir políticas públicas e, principalmente, leis que as proporcione

segurança contra quaisquer atos abusivos, sejam aqueles praticados pelos pais ou por qualquer

outra pessoa da sociedade.

Uma vez comprovada a filiação, entra em cena o Poder Familiar, ou Pátrio

Poder, instituto de extrema relevância que experimentou importantes alterações ao longo da

história, conforme será visto no capítulo a seguir.

20

2 – Do Poder Familiar

2.1) Conceito

Trata-se de um conjunto de direitos e obrigações atribuídos aos pais pelo

Estado, com o objetivo de proteger e garantir o desenvolvimento dos filhos, sendo por isso,

irrenunciável, indisponível e imprescritível. Este instituto sofreu importantes transformações

ao longo da história, uma vez que, inicialmente, pautado no direito romano (vide item 1), era

utilizado para satisfazer apenas os interesses do chefe de família, concentrado na figura do pai

e, mais tarde, passou a privilegiar os interesses dos filhos, ou seja, transmutou-se de um pólo a

outro da relação familiar, conforme se verá adiante.

2.2) Origem do Poder Familiar: O Pátrio Poder

O Pátrio Poder brasileiro remonta ao Direito Romano, segundo o qual o pater

familias, ou patriarca, dispunha de autoridade absoluta sobre aqueles que viviam sob sua

dependência, não se restringindo aos laços de sangue mas, pelo princípio da agnação, a todos

aqueles que de alguma forma viessem a pertencer ao seu núcleo, quer por adoção, por

trabalho, como por exemplo os escravos ou ainda, pelo casamento de seus filhos, ao contrário

do que ocorria em relação às filhas que, ao se casarem desligavam-se de seus lares de origem

e passavam a integrar às famílias de seus respectivos maridos, sujeitando-se à autoridade do

patriarca do novo núcleo familiar.

A figura masculina recebia a responsabilidade de “chefe de família”, o que

sujeitava a mulher, interpretada como colaboradora, e os filhos à sua autoridade, pois aquele

respondia por todos os atos dos integrantes de sua família, conforme se depreende do artigo

233 do Código Civil de 1916, a seguir transcrito:

Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos (arts. 240, 247 e 251). (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962) Compete-lhe: I - a representação legal da família;(Redação dada pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962) II - a administração dos bens comuns e dos particulares da mulher que ao marido incumbir administrar, em virtude do regime matrimonial adotado, ou de pacto antenupcial (arts. 178, § 9°, I, c, 274, 289, I e 311);(Redação dada pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962)

21

III - o direito de fixar o domicílio da família, ressalvada a possibilidade de recorrer a mulher ao juiz, no caso de deliberação que a prejudique; (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962) IV - Inciso suprimido pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962: Texto original: O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residencia fora do teto conjugal (arts. 231, II, 242, VII, 243 a 245, II e 247, III) IV - prover a manutenção da família, guardada as disposições dos arts. 275 e 277. (Inciso V renumerado e alterado pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962).

Ou seja, cabia ao marido a administração exclusiva do lar, no qual estabelecia

as regras que deveriam ser seguidas por todos e isto, de forma regular, uma vez que recebia

legitimação pelo Estado. Pela interpretação do texto normativo, verifica-se que, até mesmo

para o exercício de atividade profissional, a esposa deveria receber autorização do marido, do

contrário, estaria legalmente impossibilitada.

Com relação aos filhos, segundo Carlos Roberto Gonçalves6, no direito

romano, o pátria potestas “visava tão somente ao exclusivo interesse do chefe de família.

Este tinha o jus vitae et necis, ou seja, o direito sobre a vida e a morte do filho”. Com o

passar do tempo os poderes outorgados ao chefe de família foram restritos, ou seja, este não

podia mais expor os filhos (jus exponendi), matá-los (jus vitae et necis) ou entregá-los como

indenização (noxae deditio).

No entanto, mesmo com a restrição imposta, o homem continuava como

“cabeça da casa”, e a mulher permanecia exercendo o papel de coadjuvante no seio da família,

ou seja, tinha sua função, porém auxiliar, o que viria a ser alterado anos mais tarde, quando da

conquista de seu espaço fora do lar, por meio da Lei 4121/62. Esta alteração se deu por conta

da emancipação conquistada ao longo dos anos, igualando sua posição à do marido, como

provedora e responsável pelo lar.

Cabe ressaltar que a igualdade entre pai e mãe no seio da família começaria a

se destacar por ocasião da edição do Estatuto da Mulher Casada, inserido em nosso

ordenamento pela Lei 4.721 de 17/08/1962, que alterou a redação do art. 380 do CC de 1916,

para declarar que, durante o casamento, o pátrio poder competia aos pais, sendo o exercitado

pelo marido com a colaboração da mulher. Neste sentido prescreve também os artigos 1.631 e

1634 do Código Civil de 2002.

Outra valiosa contribuição no sentido de reforçar o papel dos pais, adveio do

Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, que em seu artigo 21 prescreve:

6 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, volume VI.

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Art. 21 - O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.” (Estatuto da Criança e do Adolescente.

Este dispositivo revogou os artigos do Código Civil supratranscritos, em

decorrência da regra insculpida no art. 226, § 5º, da CF: Os direitos e deveres referentes à

sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

2.3) Influência do Direito Lusitano

Em que pese a origem baseada no direito romano, o direito de família

brasileiro foi grandemente influenciado pelo direito português, uma vez que, por ocasião da

independência brasileira, o país não possuía leis que disciplinassem a matéria, permanecendo,

portanto, as diretrizes de Portugal, que tinha como característica principal, da mesma forma

que o romano, o exercício do pátrio poder pelo pai, que possuía deveres e obrigações em

relação à sua família, que abrangiam, inclusive, a administração dos bens de seus filhos, cuja

obtenção não se desse por meio de seu próprio trabalho.

Todavia, tal situação perdurava até que o pátrio poder fosse extinto, o que

poderia ocorrer em ocasiões como morte, emancipação dos filhos e outras, como bem

esclarecidas na lição de Karen Ribeiro Pacheco7:

A extinção do pátrio poder se daria pela morte do pai ou do filho, pelo banimento do filho da família à qual pertencia, pelo casamento, pela carta de emancipação (quer de filhos maiores ou menores), pelo exercício de cargos públicos (nessa hipótese deveria o filho ser maior de vinte e um anos), pela colação de grau acadêmico, pela entrada do pai ou do filho em religião aceita institucionalmente, pela investidura em ordens sacras maiores, com o aceite de legado que implicasse emancipação do filho.

Conforme observado, ainda que possível a extinção do pátrio poder, esta

jamais ocorria por abuso de autoridade do pai, que poderia dispor como bem entendesse de

seus filhos, situação bastante diversa do momento atual, o que demonstra a evolução ocorrida

desde a independência até os dias de hoje, no Direito de Família.

7 SALLES, Karen Ribeiro P. N. de. Guarda Compartilhada. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002.

23

2.4) O Poder Familiar na atualidade

Atualmente, com a evolução do direito de família, o instituto do pater potestas

deu lugar ao poder-dever, que busca a defesa dos interesses do menor, passando de um direito

de poder para o direito de proteger, e isto se deu a partir de uma maior influência do Estado

nas relações pais e filhos, objetivando a proteção dos direitos do menor, resultando em um

munus público concedido pelo referido ente tanto ao pai quanto à mãe.

Desta forma, a responsabilização pela proteção e a vida dos filhos não pode

ser ilidida por quaisquer dos cônjuges, devendo prevalecer tal obrigação em caso de separação

destes, sendo certo que o término da relação conjugal não enseja a ruptura nas relações dos

pais com os filhos.

Hodiernamente, o Poder Familiar pode ser definido como o conjunto de

direitos e obrigações inerentes aos pais em relação aos filhos, em igualdade de condições,

visando o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos indivíduos em suas relações sociais e

interpessoais. De acordo com os ensinamentos de Caio Mário Pereira da Silva:

A relação de Pátrio Poder, também conhecida como Poder Familiar, importa em um complexo de direitos e deveres quanto à pessoa e bens do filho, exercidos pelos pais na mais estreita colaboração, sendo que os mesmos, são interdependentes em autonomia para preservar do melhor modo possível todos os interesses que dizem respeito ao menor (não emancipado) de tal forma, que ambos possam com segurança administrar a vida de seus filhos durante o processo de formação.

Tais atribuições incluem o bem estar físico, mental, social e emocional dos

filhos, sendo ambos os pais responsáveis pela educação, saúde, proteção e assistência prestada

aos mesmos. Por este motivo, já se cogitou em chamar o poder familiar de poder-dever dos

pais, haja vista possuírem mais deveres do que direitos.

Assim, devido à influência do Cristianismo, o poder familiar, ao longo do

tempo, transformou-se de um poder absoluto, dominador, em um dever de guarda e zelo por

parte dos pais em relação aos filhos, que deixaram de ser vistos apenas como produto do

matrimônio, para se tornar parte de um todo, ou seja, como parte da sociedade, transcendendo

à órbita privada. O Estado passa a interferir na família para proteger o menor, por meio de

atribuição de deveres aos pais, considerado como um munus público, para a guarda e

conservação de sua integridade. A criança e o adolescente passam a ser protegidos contra

quaisquer atitudes que ensejem riscos ao seu desenvolvimento, nos termos do artigo 98 do

ECA:

24

Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;

III - em razão de sua conduta

Todavia, cabe destacar que, para que o exercício do pátrio poder se dê de

forma plena, aos filhos também são atribuídos os deveres de obediência e respeito à

determinação aos seus pais e, para que isto ocorra, a lei destinou aqueles a possibilidade de

responderem por eventuais ilícitos que vierem a praticar, ainda que menores de idade, como

por exemplo, o disposto no artigo 928, caput, do CC/2002: “O incapaz responde pelos

prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou

não dispuserem de meios suficientes”. Infere-se deste dispositivo, a hipótese de

responsabilização civil, ainda que subsidiária, pelo descumprimento do dever legal, de não

causar dano a outrem.

2.5) Características do poder familiar brasileiro

Pode-se destacar como características do pátrio poder a irrenunciabilidade, a

indelegabilidade, a imprescritibilidade e a incompatibilidade com a tutela, bem como a

condição de munus público concedida pelo Estado, este último fundamental para a

compreensão da importância da influência do Estado nas relações de família.

A irrenunciabilidade se refere à impossibilidade de os pais recusarem-se ao

exercício dos direitos e deveres inerentes à prole, que lhes são impostos pela lei. Isto significa

que não podem abrir mão da responsabilidade do exercício do poder familiar. Os pais não

podem renunciar ao instituto, nem transferi-lo a outrem, sob pena de responderem civil e

penalmente em caso de descumprimento. Como mencionado anteriormente, o poder familiar é

um munus público, ou seja, os pais exercem a responsabilidade sobre os filhos de acordo com

o estabelecido pelo Estado, que possui interesse direto na formação do indivíduo, que

futuramente integrará a titularidade das relações sociais, assim que se torne capaz. Desta

forma, existe a presunção de que indivíduos bem formados e cuidados poderão exercer

exemplarmente seu papel, na construção de uma sociedade melhor e, por via de conseqüência,

um Estado melhor.

25

Estabelece o artigo 1.630 do Código Civil que os filhos se encontram sujeitos

ao poder familiar, enquanto menores. Significa dizer que, enquanto incapazes para a vida

civil, os pais são responsáveis por suas atitudes. Na ausência de um dos pais, o outro exercerá

o pátrio poder com exclusividade. Este não poderá ser maculado pela ocorrência de

dissolução da sociedade conjugal.

No tocante à indelegabilidade, afirmar que um poder é indelegável, significa

dizer que não pode ser transferido a terceiros, salvo exceção do artigo 166 do ECA, que trata

das hipóteses em que poderá ser formulada petição para que o menor seja integrado em

família substituta8.

Ao conceder o poder familiar, o Estado visa à conservação da integridade

física, psíquica e moral do indivíduo, baseado num direito fundamental assegurado pela

Constituição a todos os regidos por ela, preceituando em seu o artigo 227 ser dever da família

assegurar os direitos ali arrolados, salvos de toda a forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão.

Assim como indelegável e irrenunciável, o poder familiar é imprescritível.

Significa dizer que a qualquer tempo em que se tome conhecimento da existência de um filho,

poderá haver o reconhecimento. Mesmo depois da morte, o aludido poder protegerá o

indivíduo, neste caso, com o patrimônio, pois uma vez comprovada a filiação, conforme visto

anteriormente, concorrerá na sucessão em igualdade de condições com eventuais irmãos,

reflexo da igualdade estabelecida no artigo 227, § 6º da Constituição Federal.

2.6) O Poder Familiar e a violência contra os filhos

Outro fator que merece destaque no tratamento das relações entre pais e filhos

e que colaborará muito para a compreensão da importância da guarda compartilhada no seio

do Direito de Família, é a violência física e moral sofrida por crianças e adolescentes dentro

de seus lares, os quais são submetidos a verdadeiras sessões de espancamentos e humilhações,

quando não chegam a perderem suas vidas, pela intolerância de seus pais.

Tal acontecimento não é incomum em nossa sociedade, haja vista os casos que

ganharam repercussão em nosso país nestes últimos anos, como por exemplo, o de Isabela

8 Art. 166. Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do poder familiar, ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poderá ser formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes, dispensada a assistência de advogado.

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Nardoni9, que provocou um verdadeiro estarrecimento na sociedade. Todo o país acompanhou

de perto o drama vivido pela família da menina, querendo alguns, conforme noticiado pelos

jornais, fazer justiça com as próprias mãos.

Em momentos como este, surge a necessidade uma reflexão mais aprofundada

sobre o compartilhamento da guarda, uma vez que a proximidade dos pais com os filhos,

repercutiria positivamente no relacionamento destes e, consequentemente, levaria à uma

queda nos índices alarmantes de violência em nosso atual contexto. Alguns poderão

questionar acerca dos pais que convivem com os filhos e os maltrata. A resposta, porém, deve

ser dada a partir da análise do contexto que envolve cada família. Alguns casais vivem juntos,

mas não levam harmonia a seu lar, causando reflexos em suas relações com os filhos.

O emprego intencional da violência contra a criança por seus pais, no exercício

do poder familiar é um fenômeno conhecido desde os primórdios da humanidade e estudado

por vários ramos da ciência tais como a Medicina, a Psicologia, o Serviço Social e o próprio

Direito. As relações violentas entre pais e filhos sempre foram tratadas com cautela em

virtude das conseqüências que acarretam para os envolvidos, assim também pelo receio que a

sociedade possui de destruir o mito da família protetora e idealizada.

A Constituição Federal, em seu artigo 226, parágrafo 8º, afirma que: “O

Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um de seus membros, criando

mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

O ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 5º, garante que nenhuma

criança ou adolescente poderá ser objeto de qualquer forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão, sendo punida na forma da lei qualquer ação ou

omissão que atente contra seus direitos fundamentais.

O Estatuto da Criança e do Adolescente fornece algumas medidas de proteção

ao menor, tais como: a orientação, apoio e acompanhamento temporários, requisição de

tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou

ambulatorial. Percebe-se através desta provisão que, de uns anos para cá, cresceu a

9 Refere-se à morte da menina brasileira Isabella de Oliveira Nardoni que, aos cinco anos de idade, foi arremessada do 6º andar de um edifício, no qual residiam Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, respectivamente pai e madrasta da criança, em São Paulo, na noite de 29/03/2008. O caso gerou grande repercussão pública em função das evidências deixadas no local do crime, de que o próprio pai juntamente com sua mulher, teriam praticado o crime, pelo qual foram condenados por homicídio doloso triplamente qualificado, nos termos do art. 121, § 2°, incisos III, IV e V.

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preocupação do Estado com o bem-estar dos jovens. Nessa linha, foi pensado o instituto da

guarda compartilhada, que contribuirá para a diminuição gradativa da violência, permitindo a

ambos os genitores, acesso à vida de seus filhos.

2.7) Hipóteses de suspensão e extinção do Poder Familiar

O Pátrio Poder, conforme visto anteriormente, baseado no princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana, configura-se em um múnus público, ou seja,

um conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais pelo Estado, na busca do

aperfeiçoamento e desenvolvimento do indivíduo em suas relações sociais, nos termos do

artigo 227, caput, da Constituição Federal (vide item 1.3), c/c artigo 1634 do Código Civil:

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Cabe ressaltar que o exercício de tais deveres, por tratar-se de múnus público,

será subsidiado pelo Estado, a quem cabe proporcionar os recursos para seu efetivo

desempenho, por meio de políticas públicas, nos termos do artigo 226, § 7º, da Constituição.

No entanto, de acordo com o próprio dispositivo legal, é vedada a coerção por parte de

instituições públicas ou privadas, ou seja, o Estado atuará como fiscalizador, sendo-lhe

permitida a intervenção direta, apenas em casos extremos. Desta forma, para garantir que tais

deveres fossem efetivamente observados, inseriu o ordenamento jurídico as hipóteses de

suspensão e extinção do poder familiar, na proporção do descumprimento da obrigação legal.

Dispõe o artigo 1637 do Código Civil/2002:

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

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Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

Percebe-se que a legislação pátria se encontra estruturada com o objetivo de

garantir o melhor interesse da criança e do adolescente, uma vez que a suspensão não deve ser

caracterizada apenas como medida punitiva aos pais, mas principalmente, uma forma de

proteção ao menor.

Além dos deveres mencionados no artigo supratranscrito, cabe aos pais

assumirem outros encargos, esparsamente constantes na Constituição Federal e no Estatuto da

Criança e do Adolescente, tais como: sustento, guarda, educação, dignidade, respeito,

convivência familiar, entre outros, a fim de proporcionar o pleno desenvolvimento do

indivíduo. Destaca-se, nesse momento, a apresentação de um exemplo de aplicação da medida

suspensiva, da lavra da Excelentíssima Ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do

Superior Tribunal de Justiça:10

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO/SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR E/OU APLICAÇÃO DE MEDIDAS PERTINENTES AOS PAIS, GUARDA, REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS E CONTRIBUIÇÃO PARA GARANTIR A CRIAÇÃO E O SUSTENTO DE MENOR. SITUAÇÃO DE RISCO PESSOAL E SOCIAL. SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR DO PAI SOBRE O FILHO. APLICAÇÃO DE MEDIDAS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA. VISITAS PATERNAS CONDICIONADAS À TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO DO GENITOR.

- É certo que, pela perspectiva de proteção integral conferida pelo ECA, a criança tem o direito à convivência familiar, aí incluído o genitor, desde que tal convívio não provoque em seu íntimo perturbações de ordem emocional, que obstem o seu pleno e normal desenvolvimento.

- O litígio não alcança o pretenso desenlace pela via especial, ante a inviabilidade de se reexaminar o traçado fático-probatório posto no acórdão recorrido, que concluiu pela manutenção da decisão de suspensão do poder familiar do genitor e das visitas ao filho enquanto não cumprida a medida prevista no art. 129, inc. III, do ECA (encaminhamento do pai a tratamento psiquiátrico), por indicação de profissionais habilitados.

- Há de se ponderar a respeito do necessário abrandamento dos ânimos acirrados pela disputa entre um casal em separação, para que não fiquem gravados no filho, ao assistir o esfacelamento da relação conjugal, os sentimentos de incerteza, angústia e dor emocional, no lugar da necessária

10 REsp 776.977/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/09/2006, DJ 02/10/2006, p. 273

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segurança, conforto e harmonia, fundamentais ao crescimento sadio do pequeno ente familiar.

Recurso especial não conhecido.

Note-se que o referido acórdão não determinou a destituição definitiva do

genitor em relação ao poder familiar, mas tão somente condicionou seu exercício ao

cumprimento de medida que garanta a segurança do menor, qual seja, o acompanhamento por

profissionais habilitados, a fim de que se recupere do transtorno mental que, por hora, o

acomete. Tão logo comprove o restabelecimento de sua condição mental, poderá novamente

exercer o poder que a lei lhe reserva.

Diferencia-se, desta forma, a suspensão da extinção, por seu caráter

temporário, cessando-se a medida quando saneado o problema ou vício que a ocasionou.

Restringe-se apenas o exercício do poder parental, não havendo a supressão do mesmo, exceto

pela superveniência de fatores que a demande, como a reiteração dos motivos que levaram à

suspensão.

Outra peculiaridade da suspensão se refere à possibilidade de sua aplicação,

que pode ser parcial ou total, conforme preleciona CARLOS ROBERTO GONÇALVES11:

A suspensão pode ser total, envolvendo todos os poderes inerentes ao poder familiar, ou parcial, cingindo-se, por exemplo, à administração dos bens ou à proibição de o genitor ou genitores ter o filho em sua companhia. A suspensão total priva o pai, ou a mãe, de todos os direitos que constituem o poder familiar, inclusive o usufruto, que é um de seus elementos e direito acessório.

Na hipótese de perda temporária do pátrio poder por um dos pais separados, a

guarda da criança passará automaticamente ao outro e, em sua falta, ser-lhe-á nomeado tutor.

Deve-se ressaltar, entretanto, que a tutoria também é passível de ser destituída, como por

exemplo, nos casos em que os interesses do menor colidam com os do tutor e, ainda, por

negligência deste último, nos termos do artigo 1.766 do Código Civil.

No que se refere à extinção do pátrio poder, esta poderá se dar por fatores

naturais, tais como os previstos nos incisos I ao IV do artigo 1635 do Código Civil12, ou por

11 Direito Civil Brasileiro, cit., v. VI, p. 416-417. 12 Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar: I - pela morte dos pais ou do filho; II - pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único; III - pela maioridade; IV - pela adoção; V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.

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meio de decisão judicial, nos termos do inciso V do mesmo artigo. Esta última se aplica às

situações em que a suspensão não é suficiente para garantia da integridade do menor,

ensejando, assim, a extinção do poder familiar, nos termos do artigo 1638 do Código Civil:

Art. 1638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I – castigar imoderadamente o filho;

II – deixar o filho em abandono;

III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

Nesses casos, não se trata de questões temporárias que possam ser saneadas por

simples determinação judicial, como o exemplo do acórdão que suspendeu o poder familiar, é

mais complexo, uma vez que envolve fatores subjetivos, como o caráter dos pais, o que

representa sérios riscos ao bem-estar do menor.

Para melhor esclarecimento do conteúdo do artigo 1638 do Código Civil, faz-

se necessário pormenorizar cada um de seus itens, como segue:

I) Castigar imoderadamente o filho. Diz respeito ao excesso na aplicação de

castigos ou punições, nas quais as crianças são submetidas a situações humilhantes ou

degradantes, como no caso de violência doméstica, não raro em nossos dias. Tal atitude se

configura em abuso da autoridade parental, o que autoriza o juiz a suspender o poder familiar,

podendo até destituí-lo, caso haja reincidência.

II) Deixar o filho em abandono. Refere-se à prática de negligência pelos pais

no cuidado dos filhos. O referido abandono não se caracteriza apenas em não acolhê-los, mas

fazê-lo de forma deficiente, como ocorre nas situações em que, embora as crianças estejam

dentro de seus lares, são deixadas sozinhas enquanto seus pais saem para tratar de seus

próprios interesses. Não raros são os casos de crianças encontradas mortas por

estrangulamento ou queimaduras, em consequência de acidentes ocorridos na ausência dos

pais.

III) Praticar atos contrários à moral e aos bons costumes. Estão diretamente

ligados à questão do pudor, da honra, da libertinagem. Visa a lei proteger a formação do

31

indivíduo, que começa dentro do lar. Não podem os pais submeter o menor à convivência com

práticas subversivas, como o álcool, as drogas e a prostituição.

IV) Incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo 1.637 - Tal

dispositivo trata das hipóteses de suspensão do poder familiar. Assim, embora a medida não

enseje na imediata extinção do poder dos infratores sobre seus filhos, essa poderá ocorrer nos

casos de reiteração do comportamento que determinou a suspensão.

Como exemplo da aplicação do artigo 1.638 do Código Civil, destaca-se os

seguintes precedentes jurisprudenciais dos diversos Tribunais pelo Brasil:

FAMÍLIA. EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR EM FACE DA MÃE. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. RESTRIÇÃO DO DIREITO DE VISITAS. MEDIDA RECOMENDÁVEL NA ESPÉCIE EM JULGAMENTO. - Não se concede a violação do sigilo bancário quando, em ação que objetiva a extinção do poder familiar exercido pela mãe, esta providência revela-se inócua. - Se a convivência da mãe com as filhas menores é moralmente prejudicial, em razão de suspeita de prostituição, uso constante de bebidas e entorpecentes e há a recusa de tratamento psicoterápico, é prudente que o direito de visitação fique suspenso. - Hipótese na qual as filhas enfatizaram, em depoimento à assistência social, que a convivência com a mãe é conflituosa e pode gerar transtornos psicológicos de difícil reparação. (TJMG, AI 594626 – 5, 1ª Câmara Cível, rel. Des.(a) Alberto Vilas Boas, j. 20/01/2010).

APELAÇÃO CÍVEL. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. O Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente protegem os interesses dos menores, viabilizando que estes, se não tiverem dos genitores a proteção e garantia de seus direitos inerentes ao poder familiar (guarda, alimentação e educação), sejam colocados em uma família substituta, que lhes garanta afeto, conforto, respeito, ou seja, uma vida digna, cabendo, para tanto, a destituição do poder familiar. O artigo 23, do ECA, dispõe que "A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do pátrio poder" (atual poder familiar). Entretanto, constata-se que o deferimento dos pedidos exordiais não se fundamenta em dificuldades econômicas dos genitores/Apelantes, mas na evidente negligência e abandono, o que demonstra a completa falta de condições destes para garantir a proteção e os direitos das filhas na forma prevista, não só pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), mas, também pelo Código Civil. Negado seguimento ao Recurso. (TJRJ, Ap. 2009.8.19.0206 - 18ª Câmara Cível, rel. Des. (a) Leila Albuquerque, j. 31/05/2011). APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. PROCEDÊNCIA. ABANDONO CARACTERIZADO. No caso dos autos, o infante foi abrigado ainda quando bebê em razão de haver sofrido maus tratos e, por mais de um ano, não recebeu visitas dos pais biológicos. Assim, restou caracterizado o abandono, hipótese de extinção

32

do poder familiar, com base no artigo 1.638, inciso II, do Código Civil. Negaram provimento ao apelo. (TJRS, Apelação Cível Nº 70038220976, Oitava Câmara Cível, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 14/04/2011)

APELAÇÃO CÍVEL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. SENTENÇA NO SENTIDO DE DESCONSTITUIR PODER FAMILIAR. PRESENTES OS ELEMENTOS NECESSÁRIOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. A perda do poder familiar possui um caráter protetório do menor e não punitivo aos pais. A decisão de destituição do pátrio poder consiste na conduta omissiva da genitora diante de suas obrigações elencadas no art. 22 do ECA e no art. 1634 do CC. (TJPR, Apelação cível nº 473795-5, de Rio Negro, Rel. Des. José Cichocki Neto, ac. nº 10031 12ª Câm. Cível, j. 03/09/2008).

Pela análise do ementário acima, é possível observar a preocupação dos

julgadores na aplicação da norma em questão a fim de garantir a integridade física e moral do

menor. Trabalha-se a extinção do poder familiar como medida punitiva, pelo descumprimento

do dever de guarda pelos pais, ao mesmo tempo em que se configura como protetiva em

relação ao menor.

Inquestionável, pois, os avanços obtidos na esfera de proteção ao menor, o que

enseja a necessidade de se buscar mais alternativas que garantam seu pleno desenvolvimento,

pelo que demanda a efetiva participação do Estado, sociedade e, principalmente, dos pais.

33

3 – Da Guarda

3.1) Conceito

A Guarda configura-se como um dos elementos do poder familiar, pelo qual é

atribuído ao indivíduo o dever de zelar pela integridade física e mental do menor ou incapaz

posto aos seus cuidados, através da prestação de assistência material, moral e educacional, nos

termos dos artigos 33, 1ª parte do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA c/c 1566, IV e

1589, ambos do Código Civil.

Antes, porém, de adentrarmos diretamente no instituto, cabe trazer uma breve

digressão do mesmo no cenário brasileiro, desde sua implementação até à atualidade.

3.2) A Evolução da Guarda no Brasil

O instituto da guarda no Brasil experimentou critérios bastante diferenciados

em sua aplicação no Direito de Família ao longo dos anos.

Inicialmente, o primeiro diploma a tratar o assunto no Brasil foi o Decreto

181/1890 que, em seu artigo 90, determinava que os filhos fossem entregues ao cônjuge

inocente, isto é, a quem não teria dado causa à dissolução da sociedade conjugal, pois este

possuiria mais condições morais para educar o menor, devendo o outro cônjuge prestar

assistência financeira tanto ao filho, quanto à mulher, caso fosse pobre.

Anos mais tarde, por ocasião da edição da Lei 3071 de 1º de janeiro de 1916 –

Código Civil – passou-se a admitir a aplicação da guarda por meio de duas hipóteses:

dissolução amigável da sociedade conjugal ou a judicial. Na primeira hipótese, artigo 325, a

guarda era definida por meio de acordo celebrado entre os ex-cônjuges: “No caso de dissolução

da sociedade conjugal por desquite amigável, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a

guarda dos filhos”. No tocante à segunda, o artigo 326 dispunha que a guarda deveria ser

atribuída, levando-se em consideração alguns fatores como a culpa dos pais, a idade e o sexo

da criança.

Tal entendimento perdurou em nosso ordenamento jurídico até à edição da Lei

4121/62 (Estatuto da Mulher Casada) que, alterou o dispositivo referente à dissolução

judicial, passando a vigorar da seguinte forma: se o cônjuge fosse considerado inocente, os

filhos ficariam com ele; nos casos de culpa de ambos, ficariam com a mãe, não sendo mais

levados em consideração a idade e o sexo da criança, como na lei anterior; e, ainda, foi

reconhecida a possibilidade de guarda, se ambos os cônjuges, além de culpados, pudessem de

34

alguma forma trazer qualquer prejuízo de ordem moral para os menores, nos seguintes

termos:

Art. 326. Sendo desquite judicial, ficarão os filhos menores com o conjuge inocente. (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962)

§ 1º Se ambos os cônjuges forem culpados ficarão em poder da mãe os filhos menores, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles. (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962)

§ 2º Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da mãe nem do pai, deferirá o juiz a sua guarda a pessoa notoriamente idônea da família de qualquer dos conjuges ainda que não mantenha relações sociais com o outro, a que, entretanto, será assegurado o direito de visita. (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962)

Com o advento da Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio) foram revogadas as

disposições relativas à culpa quando da dissolução da sociedade conjugal, pois, conforme

visto até aqui, tratava-se de um fator determinante para definir com quem ficaria a guarda do

menor, conservando-se o sistema vigente em seus demais termos.

Por fim, a promulgação da Constituição Federal de 1988 que, conforme

mencionado, trouxe ao nosso ordenamento jurídico uma característica mais humanizada,

assegurando ao menor a posição preponderante nas relações familiares, cuja disciplina veio

com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), no qual lhe foi atribuído direitos

básicos para seu desenvolvimento, como a guarda, convivência familiar, educação, sustento e

outros.

Insta ressaltar, neste momento, que o exercício da guarda não se encontra

restrito à pessoa do pai ou da mãe, ou de ambos, mas, no caso de impedimento destes, a

qualquer pessoa, preferencialmente que possuam laços sangüíneos com o menor, bem como

condições de provê-lo em todos os aspectos, principalmente afetivo. Aduz o artigo 33do ECA,

que o guardião poderá opor-se a qualquer pessoa, inclusive aos pais, na defesa do melhor

interesse do menor: A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e

educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a

terceiros, inclusive aos pais. Tal como o poder familiar, o presente instituto é indelegável e

intransferível, com exceção do artigo 39, § 1º do diploma retro mencionado.

35

Conclui-se, desta forma, tratar-se a Guarda do principal instrumento a

legitimar o exercício do poder familiar em nosso ordenamento, onde se destaca o exercício

pautado no interesse do menor, diferentemente do que ocorria na sociedade patriarcal, que

perdurou a até pouco tempo em nossa história.

Outrossim, o dever de guarda não é mais exclusivo do pai ou da mãe, mas do

Estado e de toda a sociedade, conforme disposto no artigo art. 4º, caput, da Lei 8069/90, a

saber:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Caso o exercício da guarda não se faça de maneira satisfatória, isto é, se o

responsável, não observando os preceitos legais, expuser o menor a situações vexatórias,

submetendo-o a violência física ou moral, poderá ser destituído, conforme estudado

anteriormente no item 2.7 deste trabalho, abrindo-se, inclusive, a possibilidade de integração

do menor a famílias substitutas. Neste sentido aduz o artigo 19 do Estatuto da Criança e do

Adolescente:

Art. 19. Toda a criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

Após este breve relato acerca da evolução da guarda no Brasil, tem-se a

problemática acerca de sua aplicação, ante a existência dos tipos existentes em nosso

ordenamento jurídico, o que será destaque do item a seguir.

3.3) Tipos de guarda

A guarda, como foi visto, encontra-se inserida no poder familiar como um

encargo exercido pelos pais em igualdade de condições sobre seus filhos menores. Tal

igualdade geralmente é exercida de forma comum enquanto perdura o casamento ou a união

estável. Porém, quando de sua dissolução, um dos primeiros questionamentos que surgem é:

Com quem ficarão os filhos? A partir daí, na maior parte das vezes, inúmeras lutas são

travadas nos tribunais, com o objetivo de se definir a quem competirá a guarda dos filhos

36

menores, pois, por lei, tanto o pai quanto a mãe possuem o direito de exercício do poder

familiar e não o perdem com o fim do relacionamento.

Na separação consensual será observado o acordo estabelecido entre os

cônjuges, desde que os interesses do menor sejam preservados, conforme disposto nos artigos

1574, parágrafo único e 1590, ambos do Código Civil/2002.

Entretanto, os maiores conflitos são travados no contexto da separação

litigiosa, na qual a guarda é debatida envolta em outros fatores que não estão diretamente

relacionados ao menor, mas ao emocional dos genitores que, muitas vezes, não conseguem

distinguir seus problemas pessoais das relações com os filhos.

Ante a complexidade da questão, nossos legisladores atribuíram especial

atenção ao tema, uma vez que o Código Civil destaca um capítulo especial para tratar este

assunto13.

Nosso ordenamento jurídico contempla duas espécies de guarda, a saber: a

provisória ou temporária e a permanente ou definitiva.

13 Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. . § 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. § 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II – saúde e segurança; III – educação. § 3o A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos. Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. § 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas. § 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada. § 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar. § 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho. § 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade. Art. 1.585. Em sede de medida cautelar de separação de corpos, aplica-se quanto à guarda dos filhos as disposições do artigo antecedente. Art. 1.586. Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais. Art. 1.587. No caso de invalidade do casamento, havendo filhos comuns, observar-se-á o disposto nos arts. 1.584 e 1.586. Art. 1.588. O pai ou a mãe que contrair novas núpcias não perde o direito de ter consigo os filhos, que só lhe poderão ser retirados por mandado judicial, provado que não são tratados convenientemente. Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente. Art. 1.590. As disposições relativas à guarda e prestação de alimentos aos filhos menores estendem-se aos maiores incapazes.

37

Pode-se destacar a guarda provisória ou temporária por seu caráter de

transitoriedade, pelo qual inexiste a intenção de transferir os cuidados do menor à pessoa ou

família que a possua, podendo ser revogada a qualquer tempo.

No tocante à guarda permanente, esta se caracteriza por ser definitiva, vez que

quando concedida, considera-se o menor efetivamente integrado à família. Ou seja, é

permanente quando o instituto é visto como um fim em si mesmo, desejando o guardião que a

criança ou adolescente seja membro efetivo de sua família, com as obrigações e direitos daí

advindos, sem que o menor seja pupilo ou filho (ECA, arts. 33, § 1º, início e 34). Subdivide-

se a em unilateral e bilateral, da qual se extraem a guarda alternada e a guarda compartilhada,

tema do presente trabalho.

3.3.1) Guarda Unilateral

O exercício da chamada guarda unilateral se encontra regulado no artigo 1583,

§§ 1º, primeira parte e 2º, do Código Civil, nos seguintes termos:

Art. 1583. A guarda será unilateral ou compartilhada: 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) [...] § 2º A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I - afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II - saúde e segurança; III - educação.

Desta forma, o exercício direto do poder familiar passa a ser atribuído ao pai

ou a mãe, ficando a criança sob a guarda de apenas um dos ex-cônjuges, enquanto ao outro é

concedido o direito de visita, ao mesmo tempo em que lhe é atribuída a obrigação de

supervisionar os interesses do(s) filho(s), nos termos do § 3º do dispositivo supra.

Outra atribuição do genitor não detentor da guarda se refere à prestação de

alimentos, que muitas vezes, torna-se palco de muitas discórdias, ensejando inclusive a

aplicação de prisão civil, consoante inteligência do artigo 733, § 1º, do Código de Processo

Civil14.

14 Art. 733 - Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. § 1º - Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.

38

O modelo em questão limita as visitas a fins de semana alternados, ao mesmo

tempo em que divide o período de férias escolares e datas festivas. Estabelece-se, desta forma,

uma obrigação rígida, que pode contrariar os desejos do menor e, muitas vezes, compromissos

inadiáveis de seus pais.

3.3.2) Guarda Alternada

A guarda alternada é uma das modalidades da guarda bilateral. Tem como

característica a alternância do exercício do poder familiar por ambos os genitores, ou seja, são

estabelecidos períodos nos quais a criança morará com o pai e, em seguida, com a mãe e vice-

versa, como, por exemplo, um mês na casa de cada um ou uma semana, enfim, passa a

inexistir qualquer tipo de rotina para o menor que usufrui deste tipo de guarda, podendo gerar

sérios prejuízos ao seu bem-estar físico e mental. Para defini-la melhor, cabe transcrever a

lição de JORGE AUGUSTO PAIS DE AMARAL:

A guarda alternada caracteriza-se pela possibilidade de cada um dos pais deter a guarda do filho alternadamente, segundo um ritmo de tempo que pode ser um ano escolar, um mês, uma semana, uma parte da semana, ou uma repartição organizada dia a dia e, consequentemente, durante esse período de tempo deter, de forma exclusiva, a totalidade dos poderes-deveres que integram o poder paternal. No termo do período, os papéis invertem-se.15

Desta forma, torna-se inconveniente sua adoção, uma vez que impede a

consolidação dos padrões, valores e formação da personalidade do menor, pois a quantidade

de mudanças experimentadas pelo mesmo poderá ensejar em uma instabilidade psíquica.

3.3.3) Guarda Compartilhada

Consiste no modelo de guarda que permite aos pais efetiva e equivalente

autoridade legal para tomar decisões importantes quanto ao bem estar de seus filhos e,

consequentemente, uma paridade maior no cuidado deles, em comparação com os que adotam

a guarda unilateral.

Esse sistema de guarda teve sua origem na Inglaterra, na década de 60, onde

aconteceu a primeira decisão favorável. Estendeu-se a França e ao Canadá, chegando mais

tarde ao Brasil e Estados Unidos. Foi inserido em nosso ordenamento jurídico por meio de Lei

11.698/2008, que acrescentou o § 1º ao artigo 1.583 do Código Civil, e a definiu como sendo 15 AMARAL, Jorge A. P. de. Do casamento ao divórcio. p. 168.

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“a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não

vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”.

Em comparação com os outros tipos mencionados neste capítulo, configura-se

no sistema mais eqüitativo no tocante ao exercício do poder familiar, uma vez que ambos os

genitores possuem os mesmos direitos e obrigações, não perdendo de vista a atribuição legal

que lhes foi confiada.

De acordo com Silvio Rodrigues: 16

O pátrio poder é o poder familiar, considerado em direito de família, como direito indisponível, inalienável, irrenunciável e imprescritível, desde que os pais não sejam impedidos pela suspensão ou destituição do poder familiar, ou deixem de exercê-lo. Ainda, o poder familiar deve ser exercido em igualdade, pois é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes, cabendo aos pais a responsabilização pelos atos dos filhos menores que estejam em sua guarda, devendo estes, na forma das penalizações legais, arcarem com o ônus de ressarcimento por eventuais danos causados por seus filhos.

Desta forma, ao mesmo tempo em que desaparece a figura de mero fiscal ou

pagador de pensão alimentícia, a guarda compartilhada permite a continuidade dos papéis de

pai e mãe, o que será de suma importância ao desenvolvimento integral do menor.

Ante a importância do tema da guarda compartilhada, reservar-se-á o capítulo

seguinte para tratá-lo de forma exclusiva, no qual se pretende demonstrar como se dá seu

funcionamento, quebrando o mito proposto por alguns opositores que, ao confundirem com o

instituto da guarda alternada, alegam ser prejudicial à formação do indivíduo. Outrossim,

buscaremos demonstrar a importância da utilização deste método para o desenvolvimento do

indivíduo, bem como tratar-se de uma resposta salutar aos tempos modernos.

16 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, 1998. p. 347. in IVANIKE, Cláudia Regina Franke. Poder familiar. Disponível em: < http://www.partes.com.br/cidadania/ninarocha/poderfamiliar.asp >. Acesso em 14 de junho de 2011.

40

4 – Da Guarda Compartilhada no Brasil

4.1) As deficiências inerentes à guarda tradicional

Antes de tratarmos acerca das vantagens da guarda compartilhada, faz-se

necessário demonstrar as deficiências do sistema tradicional que demandam sua substituição.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística17, o direito de

família brasileiro tende a manter a exclusividade da guarda do menor na dissolução da

sociedade conjugal, ficando a mãe como responsável na maioria absoluta dos casos, tanto na

separação quanto no divórcio, conforme demonstra o quadro abaixo:

Quadro Estatístico da Guarda no Brasil

IBGE – 2001

Responsáveis Separação Divórcio

Mãe 92,7% 90,3%

Pai 4,4% 5,7%

Ambos 2,4% 2,7%

O sistema da guarda unilateral, tradicionalmente adotado em nosso

ordenamento jurídico, não se mostrou eficaz em responder às novas situações familiares

vividas em face da separação dos casais, tendo em vista que sua aplicação fragiliza o vínculo

familiar, quando não o interrompe, provocando inúmeros transtornos a todos os envolvidos

por ela.

Dispõe o artigo 1583, § 3º, do Código Civil de 2002 que o genitor que não

possua a guarda deverá supervisionar os interesses dos filhos. Porém, resta evidente a

impossibilidade de tal supervisão, uma vez que não há como exercê-la de maneira plena nos

encontros marcados a cada quinze dias, como tradicionalmente é acordado, bem como durante

metade das férias escolares e, muito menos, em datas festivas.

Diante das alterações ocorridas em nosso ordenamento, onde não mais se

privilegia os interesses dos pais, mas do menor, não se pode limitar seu direito de conviver

com seus pais de maneira normal, pois o vínculo afetivo não se estabelece por meio de regras

17 IBGE – Estatísticas do Registro Civil. Rio de Janeiro: IBGE, 2001, v. 8, pp. 32 e 33.

41

impostas pelo Judiciário, nas quais em caso de descumprimento poderá acarretar sanções ao

genitor.

Deve-se ressaltar que o referido descumprimento não se relaciona à prática de

maus-tratos, mas, por exemplo, a um atraso na devolução da criança ao detentor da guarda,

que pode aproveitar-se da situação para prejudicar o ex-cônjuge, seja por rancor, mágoa ou

quaisquer outros motivos que fogem totalmente à esfera do menor.

Não há como se vislumbrar coerência na aplicação da guarda exclusiva como

melhor interesse do menor, visto que não oferece nenhum benefício para sua vida, muito pelo

contrário, os interesses considerados são os dos ex-cônjuges, pois o distanciamento desejado

pelos mesmos, acaba por se refletir na criança. Nesse sentido, válido trazer à colação, o artigo

9º da Convenção Internacional dos Direitos da Criança18, o qual acentua que:

1. Os Estados Partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem, em conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança. Tal determinação pode ser necessária em casos específicos, por exemplo, nos casos em que a criança sofre maus tratos ou descuido por parte de seus pais ou quando estes vivem separados e uma decisão deve ser tomada a respeito do local da residência da criança. 2. Caso seja adotado qualquer procedimento em conformidade com o estipulado no parágrafo 1 do presente Artigo, todas as Partes interessadas terão a oportunidade de participar e de manifestar suas opiniões. 3. Os Estados Partes respeitarão o direito da criança que esteja separada de um ou de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos, a menos que isso seja contrário ao interesse maior da criança.

Cabe ressaltar, porém, que o presente trabalho não defende a inaplicabilidade

da guarda exclusiva de maneira radical, mas que seja utilizada sempre que o exigir o interesse

dos filhos, pois, logicamente, não há que se considerar confiável a companhia de genitores

inaptos, como por exemplo, portadores de transtornos que ofereçam riscos à segurança do

menor.

Outro problema comumente experimentado neste modelo refere-se ao prejuízo

sofrido pelo detentor exclusivo da guarda, que acaba por assumir sozinho as responsabilidades

inerentes a ambos os pais, constituindo-se o outro como mero fiscalizador de suas atribuições,

ao mesmo tempo em que é interpretado pelo menor como um ser ausente e irresponsável.

A atenção demandada pela criança e principalmente, pelo adolescente, pelas

peculiaridades de sua idade, pode gerar um sentimento de frustração em seu responsável, que

18 Decreto n° 99.710, de 21 de Novembro de 1990.

42

lhes deve dedicação quase que exclusiva, pois qualquer erro pode ser-lhe imputado como

descuido, o que poderá ser causa de um novo conflito.

Assim, a concessão da guarda que, inicialmente, significaria um privilégio,

acaba por exercer uma pressão muito grande sobre seu detentor, visto que possui o poder-

dever de cuidar do menor sob a fiscalização do ex-cônjuge, do Estado, da Justiça e da

sociedade. Tal situação pode se voltar contra o menor, que passa a ser encarado como

responsável pela condição de “precariedade” a que foi reduzida a vida de seu guardião.

Tão grave quanto à situação descrita é a o sistema de visita. Traduz-se na

hipótese mais lamentável de todas, pois a convivência familiar passa a acontecer de forma

pré-determinada e, o genitor passa a ser visto apenas como um visitador, cumpridor de

protocolos, sem que lhe seja oportunizada a construção de vínculos verdadeiramente afetivos

com seus filhos que, de igual forma, são privados da presença de sua outra referência natural.

Por fim, tem-se o pagamento da pensão alimentícia, que consiste no desconto

mensal dos proventos do genitor, não detentor da guarda, que será destinado ao sustento do

menor. Neste caso, não obstante o dever de contribuir financeiramente para as despesas

relacionadas à criação dos filhos, o genitor que não possui condições de fazê-lo é apontado

como negligente, sendo levado aos tribunais, onde assiste a decretação de sua prisão cível,

conforme verificado no decisum proferido pela 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio

de Janeiro:19

Agravo de instrumento. Execução de Alimentos. Artigo 733, do CPC. Decisão que decreta a prisão civil do executado por 30 (trinta) dias. A prisão alimentar não tem caráter punitivo, mas constitui meio de coação em face do devedor que resiste em cumprir com a sua obrigação. Pagamento da obrigação alimentar de forma irregular. A justificativa apresentada pelo Agravante não tem o condão de afastar a determinação imposta pela decisão agravada, uma vez que apenas noticia a impossibilidade de quitar o débito alimentar. O fato de haver constituído nova família, com nova prole, não pode ser reconhecido, por si só, como justificativa para o não pagamento de pensão alimentícia. Legalidade da prisão civil. Recurso de agravo a que se nega seguimento, nos termos do artigo 557, caput, do CPC.

Assim, diante de todas as situações aqui mencionadas, constata-se que a guarda

unilateral não responde às demandas sociais, muito menos jurídicas de nosso tempo, tendo em

vista que não se baseia no melhor interesse da criança e do adolescente, cerne do atual sistema

constitucional brasileiro.

19 TJRJ, Ag. Inst. 0023859-60- 7ª Câmara Cível, rel. Des. Luciano Rinaldi, j. 25/05/2011.

43

4.2) Guarda Compartilhada e a reestruturação familiar no contexto social brasileiro

As transformações ocorridas no modelo familiar tradicional, por meio das

condições trazidas pela Carta Constitucional de 1988 são inegáveis, o que demanda uma

evolução no sistema de guarda em nosso país, pois até aqui costumeiramente a guarda era

concedida à mãe, por seu papel de cuidado do lar, ao passo que ao pai era atribuído o dever de

sustento da família.

Atualmente, tais papéis encontram-se compartilhados, à medida que, conforme

visto ao longo deste trabalho, a mãe passou a ser tão provedora quanto o pai, e este tão

responsável no cuidado dos filhos quanto à mãe, ocasionando um estreitamento nas relações

entre pais e filhos. Todavia, a isonomia entre homem e mulher causou um impacto muito

grande nas relações matrimoniais, o que ocasionou um grande número de divórcios,

dissolvendo, assim, o vínculo familiar até então constituído.

A interrupção do referido vínculo gera um desgaste físico e emocional nos

agentes envolvidos, sobretudo nas crianças que, muitas vezes não compreendem o porquê dos

acontecimentos que as circundam. Simplesmente acordam e vêem que a pessoa com quem

estão acostumadas não se encontra mais lá e, mais grave ainda, não se relacionarão mais como

antes.

A guarda compartilhada vem justamente para solucionar este tipo de

problema, pois permite a continuidade do vínculo familiar entre pais e filhos, uma vez que,

conforme mencionado várias vezes no presente estudo, o que se dissolve é a sociedade entre

os cônjuges e, jamais entre a criança e o adolescente e seus pais. Nesse sentido aduz CENISE

MONTE VICENTE: 20

O vínculo familiar é um aspecto tão fundamental na condição humana, e particularmente essencial ao desenvolvimento, que os direitos da criança o levam em consideração na categoria convivência, estar junto. O que está em jogo não é uma questão moral, religiosa ou cultural, mas vital.

Partindo dessa premissa, da importância da continuidade do vínculo familiar,

pretende o presente trabalho demonstrar as vantagens da adoção deste tipo de guarda em

nosso ordenamento jurídico, que inclui a participação de ambos os ex-cônjuges na educação e

cuidado com os filhos, em razão dos princípios constitucionais de igualdade entre homens e

mulheres e da paternidade responsável.

20 VICENTE, Cenise Monte. “O direito à convivência familiar e comunitária: uma política de manutenção do vínculo”. In: QUINTAS, Maria M.R.A. Guarda Compartilhada. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010, p. 6.

44

4.3) Questionamentos à adoção da guarda compartilhada

Como todo e qualquer método novo, em que se defende sua inserção num

sistema já estabelecido, a guarda compartilhada também sofre alguns questionamentos, pelo

que na defesa de sua implantação faz-se necessário conhecermos os dois lados.

No item 3.3.3 conceituou-se o instituto do compartilhamento da guarda, bem

como algumas de suas vantagens foram explanadas no decorrer deste trabalho, mas agora

convém nos determos acerca de eventuais implicações inerentes à sua adoção.

Afinal, para se defender uma idéia é necessário conhecer os dois lados e, neste

item pretende-se analisar cada argumento, debatendo-os à medida do possível, uma vez que

não são tão desprovidos de relevância que não possam ser considerados, porém, não se

constituem como obstáculos à implantação da guarda compartilhada.

4.3.1) Divergência de pontos de vista dos pais

Alegam os defensores desta tese que o menor pode sofrer algum tipo de

confusão ao conviver com pontos de vista distintos.

Tal argumento não merece prosperar à medida que a diversidade de

pensamentos é algo inerente ao ser humano, que terá que lidar com isso durante toda a sua

existência, como por exemplo, em seu trabalho, cujos chefes tenham pontos de vista

diferenciados.

A divergência de opiniões não é exclusividade de ex-cônjuges, ocorrendo entre

marido e mulher, pais e filhos, irmãos, amigos e, assim por diante, o que não configura

motivo suficiente a ensejar a não aplicabilidade da guarda compartilhada.

Nos casos em que sejam constatados prejuízos ao menor, devem os

responsáveis recorrer ao Judiciário, nos termos do artigo 1.631, parágrafo único, do Código

Civil: Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer

deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.

4.3. 2) Instabilidade psíquica do menor

Argumenta-se que a criança necessita de um ambiente mais estável possível

para seu desenvolvimento, pois não possuiria capacidade de adaptação suficiente a lares

distintos nesta fase.

45

Ora, não há que se confundir guarda compartilhada com guarda alternada,

conforme já salientado anteriormente, pois para o exercício da primeira, não há necessidade

de mudança constante de ambiente. O convívio do menor com ambos os genitores não

demanda a alteração de residência, mas a possibilidade de desfrutar da presença de seus pais

sem as burocracias impostas pela guarda unilateral, o que gera maior estabilidade no seu

desenvolvimento psicológico.

Para Waldyr Grisard Filho a guarda compartilhada, ao contrário desse

pensamento, tem como pressuposto uma residência fixa do menor, gerando para ele a

estabilidade que o Direito e a Psicologia desejam, de forma que sejam evitadas grandes

alterações em sua vida e rotina.21 Segundo Laura Affonso da Costa Levy e Maiana Ribeiro

Rodrigues:22

A residência única, onde o menor se encontra juridicamente domiciliado, define o espaço dos genitores ao exercício de suas obrigações. Assim, permite que os ex-parceiros deliberem conjuntamente sobre o programa geral de educação dos filhos, compreendendo não só a instrução, como meio de desenvolvimento da inteligência ou aquisição de conhecimentos básicos para a vida de relação, como também a que tem um sentido mais amplo, ao desenvolvimento de todas as faculdades físicas e psíquicas do menor. Afirmação esta que se refere ao fato dos pais terem o dever de acompanhar seus filhos não só nas atividades educacionais e na vida escolar, mas também no desenvolvimento emocional, proporcionando momentos particulares com eles, bem como oferecer atenção, carinho, comprometimento, etc.

Logo, o fato de ser desnecessária a divisão de períodos de residência do

menor, favorece também a aplicação da guarda compartilhada pois, nunca é demais enfatizar,

o que se partilha é a responsabilidade, o afeto, o carinho e outros tipos de deveres conforme

muito bem colocado na citação acima pelas autoras Laura Affonso, advogada do direito de

família e Maiana Ribeiro, psicóloga.

4.3.3) Alteração de domicílio dos pais

Resolvida a questão da residência do menor, insurgem-se os opositores do

instituto trazido pela Lei 11.698/2008, sob outro argumento: a mudança de endereço dos pais,

o que frustraria a continuidade do sistema, gerando um desgaste emocional no menor.

21 FILHO, Waldyr G. Guarda Compartilhada. P. 179 22 LEVY, Laura. C.e RODRIGUES, Maiana R. Guarda Compartilhada: um enfoque psico-jurídico. Jus Navegandi, 2010.

46

Ora, de acordo com o mencionado no item anterior, a guarda compartilhada

não demanda mudança dos filhos para a casa de seus pais, como na guarda alternada. Desta

forma, a alteração de domicílio de um dos genitores, não enseja a extinção do método, uma

vez que o exercício da guarda se dá por meio da comunicação entre os pais e, a menos que se

mude para um local isolado do mundo, é plenamente passível de continuidade via telefone,

carta ou internet. Como exemplo desse entendimento, a decisão proferida pela 4ª Câmara de

Direito Civil do TJSC, que negou seguimento ao recurso interposto pelo pai que se valia do

presente argumento, para que lhe fosse concedida a guarda exclusiva de sua filha:23

APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA - MEDIDA INICIALMENTE DEFERIDA NA MODALIDADE COMPARTILHADA - IMPOSSIBILIDADE - GENITORES RESIDENTES EM UNIDADES DA FEDERAÇÃO DIVERSAS - CONSTANTE ALTERAÇÃO DO MEIO SOCIAL QUE SE REVELA PREJUDICIAL AO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA - PREVALÊNCIA DO SEU MELHOR INTERESSE - PAIS QUE REVELAM IGUALDADE DE CONDIÇÕES PARA EXERCER A GUARDA - VARÃO, CONTUDO, QUE DEMONSTRA MAIOR PREOCUPAÇÃO COM A PREPARAÇÃO DA FILHA PARA O FUTURO - PREVALÊNCIA SOBRE O CONFORTO MATERIAL A SER PROPORCIONADO PELA MÃE - MERA ALEGAÇÃO DE POSSÍVEL MUDANÇA DE DOMICÍLIO DA GENITORA QUE TAMPOUCO SE MOSTRA CAPAZ DE DERROGAR O DELICADO ACERTO DA DECISÃO DE 1º GRAU - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

No tocante ao desgaste emocional, não há como se vislumbrar uma sensação

pior do que a de abandono trazida pela guarda tradicional. Embora longe, o genitor poderá

participar ativamente da vida do filho, sendo igualmente responsável por todas as decisões

importantes que lhe digam respeito.

Logicamente que o detentor direto exercerá o poder familiar de forma mais

efetiva, pois não faz sentido consultar o outro sobre que roupa o menor irá usar ou se poderá

comprar um brinquedo, por exemplo. Porém isso não descaracteriza o compromisso que

ambos possuem acerca do desenvolvimento do menor.

4.4) Vantagens na aplicação da guarda compartilhada

Após destrincharmos alguns questionamentos ao instituto, chegou o momento

de conhecermos as vantagens de sua aplicabilidade, além, é claro, das razões explanadas no

23 TJSC, Apelação Cível n. 2011.011405-9. 4ª Câmara Cível. Rel. Luiz Fernando Boller, j. 20/05/2011.

47

item 4.3, que tiveram o condão de impugnar cada argumento contrário, motivo pelo qual não

serão novamente discutidas neste item.

Deve-se ressaltar, desde já, que a aplicação do sistema deve ser precedida do

atendimento de dois requisitos fundamentais que são a aptidão de ambos os genitores, o que

envolve a capacidade afetiva, moral e legal; e um bom relacionamento entre eles, pois a

ausência deste quesito não impedirá adoção do método, mas causará muitos entraves à sua

execução.

Se a guarda unilateral encontra-se um tanto obsoleta em nossos dias, há que se

encontrar uma nova alternativa que atenda às demandas surgidas no novo contexto jurídico

brasileiro, cuja evolução foi devidamente tratada no item 4.2.

4.4.1) Pleno exercício do Poder Familiar pelos pais

A presença constante dos pais na vida do menor responde ao seu melhor

interesse, pois a desconstituição do casamento não enseja na ruptura de seu vínculo com

ambos os genitores, o que diminui consideravelmente ou até mesmo extingue o trauma pelo

que passaria nesse momento.

Desta forma, a criança não se verá mais no centro dos conflitos travados nos

tribunais, vez que ambos os pais já possuem sua guarda. Nesse sentido, aduz Maria Manuela

Quintas:24

Os pais podem continuar resolvendo outras questões na Justiça, mas os filhos não serão objeto delas. A criança sente-se culpada pela separação dos pais, quando é motivo de discussão. O fato de diminuir os conflitos acelera o processo que, se longo, é prejudicial ao menor. Evita ainda, que os filhos tenham que escolher com qual dos pais querem ficar.

Outra consideração a ser feita neste item, como bem ressaltado por QUINTAS,

é o caso de um dos pais virem a falecer. Estando a criança habituada a qualquer dos genitores,

certamente terá seu sofrimento amenizado.

Assim, não restam dúvidas de que tal modelo é o que melhor corresponde aos

anseios tanto dos pais quanto da sociedade, pois todos são beneficiados em todos os aspectos,

principalmente o afetivo, pois a guarda compartilhada aumenta a cada dia o vínculo familiar

que nunca deveria ser ilidido, principalmente por conflitos inerentes a emoções dos pais que,

conforme visto, não pode alcançar o melhor interesse dos filhos. Tal entendimento, ainda que

24 QUINTAS. Maria M. R. A. Guarda compartilhada, p. 88.

48

de forma não pacífica, encontra-se presente em nossos tribunais como se verá no exemplo a

seguir:

Agravo de Instrumento. Decisão que determinou que a Agravante restabelecesse a visitação paterna e a guarda compartilhada da menor nos temos do acordo firmado. Inexistência de elementos de prova a indicar que a convivência da filha com o pai seja prejudicial à formação moral e física da criança. Parecer da douta Procuradoria neste sentido. O Convívio com o pai mostra-se fundamental para consolidação emocional e a solidificação de vínculos naturais da menor. Princípio constitucional do melhor interesse do menor. Recurso a que se nega seguimento. (TJRJ, Agravo 0062727-44.2010.8.19.0000. 9ª Câmara Cível, Rel. Des. Carlos Eduardo Moreira Silva, j. 16/03/2011).

Os genitores, assim como o Estado e a sociedade, têm a obrigação de contribuir

para o pleno desenvolvimento de seus filhos, nem que para isso tenham que passar sobre os

seus problemas, em busca desse interesse maior. Além disso, de acordo com o já salientado, o

bom relacionamento dos pais é fundamental para o sucesso do modelo, pois não há como ter

consenso no meio de brigas ou confusões, provocadas por mágoas ou até recalque por alguma

ou por ambas as partes.

Ademais, o instituto da guarda não é inflexível podendo, caso seja constatado

algum prejuízo sério para o menor, ser alterado a qualquer tempo, como se pode verificar a

partir do julgado proferido pela 8ª Câmara de Direito Privado do TJSP, que segue:

Guarda. Suspensão da guarda compartilhada. Estado do litígio compatível com o instituto. Necessidade de regulamentação de visitas em lugar neutro. Recurso parcialmente provido, com observação. (TJSP, Ag. Instrumento 564.016-4/1. 8ª Câmara de Direito Privado. Rel. Caetano Lagrasta, j. 29/07/2009)

Desta forma, não há porque se impor tanta resistência à guarda compartilhada,

ou a qualquer outro método que vise o maior interesse da criança e do adolescente, vez que

resta evidente a possibilidade de alteração nos casos em que a medida não seja bem sucedida.

4.4. 2) Benefícios usufruídos pelos pais em conseqüência do método

A adoção da guarda compartilhada não é só benéfica em relação ao menor,

mas também aos seus pais, à medida que o sistema anterior, conforme salientado, ao mesmo

tempo em que sobrecarregava o detentor da guarda de responsabilidades sobre o menor,

excluía o outro. Surge então a questão do artigo 1583, § 3º, do Código Civil, que atribui ao

49

não guardião o dever de fiscalizar. Ora, na prática não funciona desta forma, tendo em vista a

distância em relação aos filhos, não sendo suficientes dois finais de semana por mês para a

efetiva participação do genitor na vida deles.

No contexto da guarda em questão, o que antes detinha a exclusividade, tem a

seu favor a possibilidade de dividir com o outro a responsabilidade que lhe era atribuída,

aliviando as pressões a que estava submetido, bem como lhe permite maior tempo para a

reestruturação de sua vida; simultaneamente, o genitor que não possuía a guarda, passa a

exercer efetivamente o poder parental, afastando-se, assim, a figura do visitador e pagador de

pensão.

Segundo Morgenbesser e Nehls:

A guarda compartilhada produz um bem-estar psicológico, pois ambos os pais sabem que não tomarão sozinhos, as decisões importantes. Produz também um bem-estar pragmático, pois ambos sabem que existirá um cooperador se alguma crise ou imprevisto ocorrer.

Infere-se a partir daí as vantagens que a aplicação da guarda compartilhada

proporciona, pois a identidade familiar do menor não pode ser ilidida. Se os adultos possuem

problemas em suas relações, tem que resolver entre si, devendo evitar o máximo possível que

os filhos sejam afetados por eles.

50

5 - Prisão civil do devedor de alimentos

5.1) Previsão legal

O instituo da prisão civil do devedor de alimentos encontra-se disciplinado

pelo artigo 733 do Código de Processo Civil, que estabelece tal possibilidade ante o

inadimplemento do pagamento de prestações alimentícias determinadas por ordem judicial,

nos seguintes termos:

Art. 733. Na execução de sentença ou da decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para em 03 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo. § 1º. Se o devedor não pagar, nem se escusar o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 01 (um) a 03 (três) meses.

O ordenamento jurídico não entende tal medida como penalidade, mas meio

coercitivo à satisfação do dever imposto pelo Estado. Acerca da matéria, JOSÉ CARLOS

BARBOSA MOREIRA, assim preleciona:

“A imposição da medida coercitiva pressupõe que o devedor, citado, deixe escoar o prazo de três dias sem pagar, nem provar que já o fez, ou que está impossibilitado de fazê-lo (art. 733, caput). Omisso o executado em efetuar o pagamento, ou em oferecer escusa que pareça justa ao órgão judicial, este, sem necessidade de requerimento do credor, decretará a prisão do devedor, por tempo não inferior a um nem superior a três meses (art. 733, §1°, derrogado aqui o art. 19, caput, fine, da Lei n. 5478). Como não se trata de punição, mas de providência destinada a atuar no âmbito do executado, a fim de que realize a prestação, é natural que, se ele pagar o que deve, determine o juiz a suspensão da prisão (art. 733, § 3°), que já tenha começado a ser cumprida, quer no caso contrário.”25

Desta forma, percebe-se que a norma prevê um método que não considera

punitivo, mas coercitivo. Insta salientar, por oportuno, que em nosso ordenamento jurídico a

prisão civil do devedor de alimentos sempre será utilizada como última alternativa.

No decorrer deste capítulo far-se-á uma digressão sobre o tema, a fim de

analisar um pouco melhor tal instituto.

5.2) Aspectos positivos da prisão civil do devedor de alimentos

Tratam-se os alimentos de prestação pecuniária, decorrente de lei, devida aos

dependentes, visando sua subsistência e desenvolvimento social dos mesmos. Possui, em tese,

caráter de urgência, tendo em vista que as necessidades do alimentando não pode esperar.

25 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, pág. 261.

51

Assim, ante a importância da provisão dos alimentos, criou o nosso ordenamento jurídico uma

forma de impor ao devedor o cumprimento desta obrigação, que é a prisão civil.

A prisão civil do devedor de alimentos, conforme mencionado acima, trata-se

de medida excepcional prevista no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal de 1988,

que assim dispõe:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;

Ainda assim, é possível observar por parte de nossa sociedade a prisão civil do

devedor de alimentos como algo positivo. É inegável sua eficácia em relação ao pagamento de

valores atrasados pelos devedores de alimentos, pois ninguém imaginaria ser preso por sua

irresponsabilidade.

A prisão civil do devedor de alimentos surgiu como resposta aos anseios

daqueles que se viam com responsabilidade exclusiva pela manutenção dos filhos menores

que, sem qualquer apoio do genitor ausente do lar, não encontravam medida coercitiva para

obrigá-los a cooperar com a formação da prole.

No entanto, conforme estabelecido no artigo 19 da Lei 5478/68, a prisão pelo

não adimplemento das parcelas relativas a alimentos terá duração de, no máximo, 60 dias.

Fica então o questionamento: Será esta uma medida eficaz ou apenas paliativa? Deve-se

ressaltar, ainda, que a cobrança por meio da referida medida somente abrangerá as três

últimas parcelas vencidas, devendo as demais ser cobradas na forma do artigo 732 do Código

de Processo Civil, pois entendeu o legislador que tais valores não teriam o condão de suprir

necessidade atual do alimentando, pelo que perderia sua função de garantia de sobrevivência.

Outro aspecto considerado positivo é que a lei não limita o número de prisões

deste tipo, ou seja, se alguém que acabou de deixar a prisão novamente incorre no

inadimplemento das prestações devidas ao alimentando, poderá retornar ao presídio até que

cumpra sua obrigação.

De igual forma, é a possibilidade insculpida no artigo 734 do CPC, que

autoriza o juiz a determinar o desconto das prestações alimentares direto do contracheque do

devedor, o que impossibilita a utilização de alegações falsas por parte daqueles que agem de

má-fé.

52

Desta forma, mesmo coercitivamente, haverá uma garantia legal de que o

genitor participe diretamente do sustento de seus filhos.

5.3) Aspectos negativos da prisão civil do devedor de alimentos

Quando se fala em aspectos negativos, não se pretende sugerir que a prisão

civil do devedor de alimentos seja banida de nosso ordenamento jurídico, mas que seja

aplicada com cautela, visando o real interesse do menor, não só em seu aspecto financeiro,

mas familiar e psicológico também.

Não se pode esquecer que, conforme já tratado neste estudo, há que se levar

em consideração os aspectos jurídicos, biológicos e sócio-afetivos dos menores neste entrave,

pois o fato de saberem que um de seus pais se encontra preso não proporciona uma situação

confortável para os filhos.

Sem dúvida que a prisão civil aqui tratada se consubstancia em medida eficaz

ao adimplemento das obrigações, mormente quando se trata de uma parcela da população

acostumada a descumprir as leis.

E por falar em descumprimento de leis, sabe-se que boa parte dos devedores de

alimentos o fazem porque querem. Tal conduta revela um caráter duvidoso de tais indivíduos

que, ao se depararem com o sistema carcerário existente em nosso país, poderão se tornar

presas fáceis do sistema criminoso.

Por outro lado, nem todas as pessoas se tornam devedoras de maneira

voluntária, antes, deparam-se muitas vezes com as dificuldades conhecidas de nossa

sociedade, como por exemplo, a colocação no mercado de trabalho, o que dificulta a obtenção

dos valores devidos a título de pensão alimentícia.

Outro aspecto não menos importante, é o fato de que, muitas vezes, este

método é utilizado para satisfazer desejos pessoais de ex-cônjuge, funcionando como uma

vingança pessoal, onde o interesse do menor não é o objetivo principal da ação.

Por fim, a medida em tela, da mesma forma que possui eficácia, pode deixar de

produzi-la. Isto porque, conforme mencionado acima, é medida excepcional e temporária,

existindo pessoas que preferem ser presas do que pagar pensão.

Para se amenizar estas situações aqui colocadas, existe a necessidade de que

haja métodos efetivos de participação dos genitores na vida dos filhos, como é o caso da

guarda compartilhada, pois afigura-se desarrazoado que, em pleno século XXI, ainda tenha

que se utilizar métodos primitivos como a prisão civil para que as pessoas cumpram com suas

obrigações.

53

5.4) Guarda compartilhada e a prestação de alimentos

A exigência de prestação de alimentos não desaparece com a guarda

compartilhada, mas sem dúvida ocorre certa flexibilização, à medida que a responsabilidade

exercida em conjunto imprime uma participação mais direta do genitor ausente do lar. Assim,

a convivência com o menor permitirá o suprimento gradativo das necessidades deste, não

ensejando as verdadeiras batalhas pelo pagamento da pensão alimentícia, o que evitaria,

inclusive, a ocorrência de prisão civil, nos termos do artigo 733 do CPC.

Acerca da prestação alimentícia afirmam Margaret F. Brining e F.H.

Buckley:26

O genitor não guardião não consegue enxergar facilmente como sua contribuições financeiras são gastas, e consequentemente assume o risco de que algum dinheiro seja desperdiçado. Com a guarda compartilhada, ao contrário, o genitor não guardião pode monitorar esses problemas através de seu crescente acesso e responsabilidades para com os filhos.

Desta forma, a fixação de alimentos deve obedecer aos critérios de participação

do genitor na vida do menor, tendo seu valor acrescido ou diminuído na proporção da

contribuição habitual do mesmo, o que tenderá a aumentar com sua presença no cotidiano do

filho. A título de exemplo, segue a transcrição do decisum proferido pela 1ª Câmara Cível do

TJRJ:27

Direito Civil. Guarda Compartilhada. Alimentos devidos por ambos os cônjuges. Fixação da Pensão à luz do binômio necessidade-possibilidade, considerando a existência dos demais filhos dos genitores e de suas condições econômicas. Impossibilidade de livrar a genitora do pensionamento, sob pena de violação do dever de sustento. Pensão Fixada em 15% do salário mínimo. Valor que, apesar de ínfimo, tem o condão de contribuir para com os gastos da alimentanda. Responsabilidade Solidária. Recurso a que se nega seguimento.

Na hipótese vertente, a adoção do sistema de guarda compartilhada aliada a

outros fatores, embora não tenha havido proporcionado a isenção do pagamento de pensão

alimentícia pela mãe, reduziu-o de forma razoável ao fixar o valor correspondente a 15% do

salário mínimo, como aduziu o próprio julgado, revelando-se um valor possível de adimplir.

Isto ocorre, como salientado, devido à possibilidade de participação efetiva proporcionada

pelo sistema.

26 BRINING, Margaret F. e BUCKLEY, F. H. “Joint Custody: Bonding and Monitoring Theories”. In QUINTAS, Maria M.R.A. Guarda Compartilhada. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010, p. 91. 27 TJRJ, APELAÇÃO 0001043-73.2010.8.19.0209. 1ª Câmara Cível, rel. Des. Custodio Tostes, j. 13/04/2011.

54

CONCLUSÃO

Não obstante ser a guarda compartilhada um tema controvertido, conforme

observado ao longo do trabalho, ante a quantidade de argumentos utilizados em sua oposição,

é a modalidade de guarda que melhor responde às necessidades do menor na atual conjuntura

jurídico-social brasileira.

A Constituição Federal de 1988 trouxe importantes transformações no Direito

de Família que, além de conceder isonomia entre a mulher e o homem na administração do

lar, deslocou o foco do poder familiar, no qual se passou a privilegiar os interesses do menor,

contrariando as convenções até aqui estabelecidas, nas quais os pais dispunham da vida dos

filhos conforme melhor lhes conviessem.

A edição da Lei 8069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente inseriu em

nosso ordenamento jurídico um conjunto de normas que visa a proteção integral do menor,

por meio de direitos e garantias que ensejem seu pleno desenvolvimento, entre eles o do

convívio familiar. Assim, somente através da guarda é possível que se estabeleça a

convivência entre pais e filhos que, durante o matrimônio ocorre de maneira normal, ao passo

que no ato de sua dissolução torna-se ameaçada por motivos que não se relacionam

diretamente ao menor.

Como atributo do poder familiar, a guarda deve ser exercida por ambos os

genitores, pois no momento da dissolução da sociedade conjugal, o que se rompe é a relação

homem-mulher e não pais e filhos, razão pela qual o atributo concedido a ambos pela Lei, de

proteger e zelar pelo desenvolvimento dos últimos, deve continuar em pleno vigor.

Não obstante o munus atribuído pelo Estado, deve ser levado em consideração

que, no momento da separação dos pais, o menor é o ser mais atingido devido à sua

fragilidade natural, pois não possui a plena capacidade de compreender as circunstâncias que

o cercam, motivo pelo qual deve ser tratado como foco da decisão a respeito de seu destino.

Um dos objetivos, senão o principal, da aplicação da guarda compartilhada é

justamente o de aliviar a carga de sofrimento do menor, não o privando da continuidade de

seu vínculo afetivo tanto com o pai quanto com a mãe. Ademais, conforme salientado neste

trabalho, o maior interesse da criança e do adolescente é que permaneçam amparados por seus

genitores de forma efetiva, ao contrário do que proporciona as visitas pré-agendadas e, a mera

contribuição financeira que, por muitas vezes, faz-se objeto de conflitos nos tribunais, pelo

que se admite, inclusive, a prisão civil, passível de gerar traumas irreversíveis ao menor.

55

Outrossim, para que o instituto em tela funcione de maneira eficaz, faz-se

necessário que todos estejam envolvidos nesse propósito, principalmente os pais, pois se

desejam o desenvolvimento saudável de seus filhos, devem contribuir para que seus interesses

estejam em primeiro lugar, mesmo que para isso tenham que alocar seus conflitos em segundo

plano. Nesse sentido, pode o Juízo utilizar-se do auxílio de uma equipe interdisciplinar,

composta de profissionais especializados que possam dar suporte à aplicação do instituto.

A guarda compartilhada ao mesmo tempo em que se constitui na forma mais

adequada de resposta às evoluções ocorridas em nosso ordenamento jurídico, pautado no

princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, constitui-se na que melhor atende

às necessidades físicas e psicológicas, tanto destes quanto de seus pais, pois permite que

continuem participantes ativos no desenvolvimento de seus filhos.

Por fim, não se espera que o método defendido por este estudo venha a trazer

solução para todos os conflitos existentes nas relações familiares, mas, resta evidente que sua

aplicação, desde que devidamente viabilizado, se traduz na melhor alternativa para que os

impactos sejam bastante amenizados.

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