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ORIENTADOR: PROF. CELSO SANCHEZ JOÃO DELFIM DE AGUIAR NADAES janeiro de 2004 A GENEALOGIA DA PRISÃO SEGUNDO MICHEL FOUCAULT UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSO PROJETO A VEZ DO MESTRE

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ORIENTADOR: PROF. CELSO SANCHEZ

JOÃO DELFIM DE AGUIAR NADAES

janeiro de 2004

A GENEALOGIA DA PRISÃO SEGUNDO MICHEL FOUCAULT

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSO

PROJETO A VEZ DO MESTRE

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.CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSO

PROJETO A VEZ DO MESTRE

Monografia apresentada à Universidade Cândido Mendes, como condição prévia para a conclusão do curso de pós-graduação latu senso em Psicologia Jurídica e a obtenção do título de especialização.

janeiro de 2004

A GENEALOGIA DA PRISÃO SEGUNDO MICHEL FOUCAULT

por João Delfim de Aguiar Nadaes

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Agradecimentos

A todos que direta ou indiretamente contribuíram na realização deste trabalho.

Muito obrigado.

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Homenagem a Michel Foucaultcomo marco no pensamento contemporâneo

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Resumo

Pretendemos nesta monografia retratar a genealogia da prisão a partir

da obra do filósofo francês Michel Foucault

Para tanto analisamos a relação existente entre o poder e o saber na

investigação sobre a verdade através das formas jurídicas do inquérito e do

exame.

Fizemos uma correlação entre a forma jurídica do inquérito com a

ostentação dos suplícios no período da Sociedade de Soberania e a forma

jurídica do exame com as práticas disciplinares do adestramento dos corpos

durante a Sociedade Disciplinar.

Para podermos mostrar que a genealogia da prisão apesar de ter

surgido na Sociedade de Soberania, utilizando-se das práticas do suplício por

meio do inquérito teve seu grande desenvolvimento com o advento da

Sociedade Disciplinar, tornando-se modelo de disciplina para toda uma época

através da técnica do exame cujo objetivo não seria apenas o de isolar os

excluídos, mas sim de formar uma identidade que é a de delinqüente.

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Sumário

Introdução .......................................................................................................... 1

Capítulo I – Do inquérito ao exame: as diferentes formas Jurídicas de investigação da verdade utilizadas ao longo da história segundo Michel Foucault .................................................................... 5

Capítulo II – Da sociedade de soberania `a sociedade disciplinar: da ostentação dos suplícios no corpo dos condenados aos recursos para o bom adestramento através da disciplina ............................................................................................................ 13

Capítulo III – A genealogia da prisão: da ilegalidade `a delinqüência.. ..................................................................................................... 33

Conclusão........................................................................................................... 43

Bibliografia ......................................................................................................... 46

Anexos ................................................................................................................ 49

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Introdução

Homem Primata

Desde os primórdios ate hoje em dia

O homem ainda faz o que o macaco fazia

Eu não trabalhava, eu não sabia

Que o homem criava e também destruía

Homem primata

Capitalismo Selvagem

Ôô ô

Eu aprendi a vida é um jogo

Cada um por si e Deus contra todos

Você vai morrer, e não vai pro céu

É bom aprender, a vida é cruel

Homem primata

Capitalismo Selvagem

Ôô ô

Eu me perdi na selva de pedra

Eu me perdi, eu me perdi

Arnaldo Antunes

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Nesta monografia de conclusão do curso de Filosofia, pretendemos

retratar a genealogia da prisão a partir a obra do filósofo francês Michel

Foucault.

Iniciamos nosso trabalho, analisando a relação existente entre o poder e

o saber na investigação sobre a verdade através das formas jurídicas do

inquérito e do exame. Para Michel Foucault, as relações de poder não ocorrem

exclusivamente na instância da justiça nem da violência, pois o poder não é

essencialmente contratual nem apenas repressivo. O que mostramos neste

trabalho é que as relações de poder se manifestam de forma diferente através

dos tempos, não estando ligadas ou localizadas em nenhuma parte específica

da estrutura social, por funcionarem como uma rede de dispositivos que a todos

e a tudo engloba, de acordo com os interesses políticos e econômicos de cada

época.

Em um segundo momento, fazemos uma correlação entre a forma

jurídica do inquérito com a ostentação dos suplícios no período da Sociedade

de Soberania e a forma jurídica do exame com as práticas disciplinares do

adestramento dos corpos durante a Sociedade Disciplinar. Procuramos mostrar

o quanto é fácil identificar o poder quando este age de forma repressiva, mas

mostramos que nem sempre ocorre dessa maneira, o poder aparece com toda

a sua força para além da simples repressão, não se restringindo ao simples

isolamento ou exclusão; ele também atua gerindo vidas e controlando-as sem

que os indivíduos se apercebam deste mecanismo que tem como objetivo

utilizá-los, aproveitando ao máximo o potencial individual por meio de um

aperfeiçoamento gradual e contínuo da capacidade produtiva.

A partir desta reflexão de Michel Foucault, procuramos mostrar que, em

sua genealogia, o poder é produtor de individualidades, sendo os indivíduos

resultado de uma produção da relação do poder com o saber de uma

determinada época. Em seus efeitos, o poder produz um saber, saber este que

cria individualidades dando-lhes identidades.

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Num terceiro e último momento, constatamos que a genealogia da prisão

apesar de ter surgido na Sociedade de Soberania, utilizando-se das práticas do

suplício por meio do inquérito teve seu grande desenvolvimento com o advento

da Sociedade Disciplinar, tornando-se modelo de disciplina para toda uma

época através da técnica do exame cujo objetivo não seria apenas o de isolar

os excluídos, mas sim de formar uma identidade que é a de delinqüente.

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CAPÍTULO I Do inquérito ao exame:

as diferentes formas jurídicas de investigação da verdade utilizadas ao longo da história segundo Michel Foucault

O Tempo Não Pára

Disparo contra o sol

Sou forte, sou por acaso

Minha metralhadora cheia de mágoas,

Eu sou um cara...

Cansado de correr na direção contrária

Sem dote de chegada,

Ou beijos de namorada

Eu sou mais um cara

(...)

A tua piscina tá cheia de ratos

Tuas idéias não correspondem aos fatos

O tempo não pára

Eu vejo o futuro repetir o passado

Eu vejo um museu de grandes novidades

O tempo não pára,

Não pára não, não pára

(...)

Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro

Transformam o país inteiro num puteiro

Pois assim se ganha mais dinheiro

Arnaldo Brandão/Cazuza

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Neste capítulo, mostraremos o que Michel Foucault entende por poder,

analisando a sua relação com o saber na investigação sobre a verdade através

das formas jurídicas do inquérito e do exame ao longo da história.

Para Michel Foucault a caracterização do poder está no fato de ele não

existir como um tipo de instância, não sendo por isso localizado em nenhum

ponto específico da estrutura social. O poder é ato ou acontecimento pois atua

ou acontece como dispositivo ou mecanismo que funciona como uma rede que

se dissemina por toda a malha social englobando a tudo e a todos na história.

“O problema é ao mesmo tempo distinguir os acontecimentos, diferenciar as redes e os níveis a que pertencem e reconstituir os fios que os ligam e que fazem com que se engendrem uns, a partir dos outros. Daí a recusa das análises que se referem ao campo simbólico ou ao campo das estruturas significantes e o recurso às análises que se fazem em termos de genealogia das relações de força, de desenvolvimentos estratégicos e de táticas. Creio que aquilo que se deve ter como referência não é o grande modelo da língua e dos signos, mas sim da guerra e da batalha. A historicidade que nos domina e nos determina é belicosa e não lingüística. Relação de poder, não relação de sentido. A história não tem “sentido”, o que não quer dizer que seja absurda ou incoerente. Ao contrário, é inteligível e deve poder ser analisada em seus menores detalhes, mas segundo a inteligibilidade das lutas, das estratégias, das táticas.”1

Do mesmo modo, todo saber também assegura o exercício de um poder.

Em As Palavras e as Coisas, o autor distingue na história do saber ocidental

dois cortes epistêmicos que marcam três momentos que se sucedem, apesar

de não serem contínuos. No primeiro corte, que ocorre na época do

Renascimento e o segundo corte que ocorre no final do século XVIII. Podemos

distinguir, respectivamente, a formação da Sociedade de Soberania, na qual se

destaca o inquérito, e a formação da Sociedade Disciplinar, na qual aparece a

técnica do exame como forma de investigação da verdade.

“São estes regimes diferentes que tentei delimitar e descrever em As Palavras e as Coisas esclarecendo que no momento não tentava explicá-los e que seria preciso tentar fazê-lo num trabalho posterior. Mas o que faltava no meu trabalho era este problema do “regime discursivo”, dos efeitos de poder próprios do jogo enunciativo.”2

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Em A Verdade e as Formas Jurídicas, Michel Foucault afirma que

existiram ao longo da história diversas formas jurídicas de investigação da

verdade. Primeiramente, a elaboração do que se pode chamar de formas

racionais da prova e da demonstração como meio de se produzir a verdade

surgiu no século V a.C. na Grécia. Até então, na sociedade grega desta época,

este conhecimento se dava através da prova e do desafio, em que não era

utilizado o testemunho nem havia um sistema judicial constituído.

A existência de uma terceira pessoa nos duelos relacionados à disputa

jurídica se restringia à necessidade de constatação de ocorrência da prova.

Não havia solicitação para o julgamento de um terceiro, os problemas eram

resolvidos pelos próprios indivíduos envolvidos. O uso do testemunho e da

retórica aparecem na Grécia do século V a.C., preconizando o surgimento do

inquérito.

“Houve na Grécia, portanto, uma espécie de grande revolução que, através de uma série de lutas e contestações políticas, resultou na elaboração de uma determinada forma de descoberta judiciária da verdade. Esta constitui a matriz, o modelo a partir do qual uma série de outros saberes – filosóficos, retóricos e empíricos – puderam se desenvolver e caracterizar o pensamento grego.”3

Assim sendo, uma marcante inovação ocorreu na Grécia, após uma

seqüência de manifestações que resultaram na constituição de determinada

forma jurídica de verdade que é o inquérito. Para haver o inquérito era

necessário que alguém tivesse sofrido algum tipo de dano ou se apresentasse

como vítima. Também era necessário que apontasse seu adversário para que

pudesse haver vingança ou acordo, evitando a realização da vingança através

da intervenção de um árbitro que estabelecesse, com o consentimento das

partes, o valor deste resgate.

A história do nascimento do inquérito, no entanto, permaneceu

esquecida após a queda do Império Romano, tendo sido retomada, sob outras

formas, vários séculos mais tarde, durante a Idade Média. O método grego do

inquérito não chega a fundar um conhecimento racional capaz de se

desenvolver indefinidamente, em compensação, o inquérito que surge na Idade

Média teve dimensões e repercussões imensas, sendo coextensivo ao próprio

destino da cultura ocidental.

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No direito feudal, o litígio entre os indivíduos era regulamentado por um

sistema de provas aceito por ambos os implicados, que a ele se submetiam.

Esse sistema visava não a verdade, mas a força, o valor e a importância de

quem o dizia. Primeiro, havia as provas referentes ao valor social da pessoa:

provas verbais, testemunhadas por pessoas que a conheciam. Em segundo

lugar, havia as que se davam pelo pronunciamento de fórmulas e frases que

não poderiam ser trocadas. Em terceiro lugar, estavam as provas mágico-

religiosas, dos juramentos, que não poderiam ser negadas. Finalmente, as

provas corporais chamadas de ordálios, que consistiam em submeter uma

pessoa a uma espécie de jogo de luta com o seu próprio corpo para constatar

se venceria ou fracassaria.

No sistema de provas, era necessário que fosse aceita ou não a

realização da prova. Caso fosse aceita, implicaria sempre em ganho ou perda,

ou seja, desfecho favorável ou desfavorável, não havendo a presença de um

terceiro personagem para mediar o jogo. Eram o equilíbrio das forças, a sorte, o

vigor, a resistência física e a agilidade intelectual que distinguiam os indivíduos,

de acordo com um mecanismo que se desenvolvia automaticamente,

mostrando que quem tem razão é o mais forte. A autoridade tinha apenas o

papel de testemunha da regularidade do processo.

Até a alta Idade Média, o essencial era o dano oriundo do conflito entre

duas pessoas, pois não havendo falta, não havia o sentido moral da mesma

forma que não havendo infração, não havia o sentido legal.

Com a formação das grandes monarquias, a partir do século XVII, surge

a necessidade da constituição de um Poder Judiciário, ao qual os súditos

deveriam submeter-se. Violar a lei passa a ser interpretado como violação à

autoridade do rei e do reino.

O instrumento do inquérito que era utilizado pela Igreja Católica

Romana, passa a estar a serviço do rei, fazendo surgir, em conseqüência, a

noção de infração associada à falta moral.

“Tem-se assim, por volta do século XII, uma curiosa conjunção entre a lesão à lei e a falta religiosa. Lesar o soberano e cometer um pecado são duas coisas que começam a se reunir. Elas estarão unidas profundamente no Direito Clássico. Dessa conjunção ainda não estamos totalmente livres.”4

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Até o século XII, a culpabilidade moral não existia, entretanto, a partir

daí, por influência da Igreja Católica Apostólica Romana, o inquérito passou a

ter a função de reorganizar ao seu redor todas as práticas jurídicas da Idade

Média até a Idade Moderna. Todas as formas de inquérito que surgiram a partir

da Idade Média são, no fundo, a explosão e o desdobramento dessa primeira

matriz que nasceu no século XII, e que o levou a se tornar um modelo geral do

saber desta época.

“O inquérito é precisamente uma forma política, uma forma de gestão, de exercício do poder que, por meio da instituição judiciária, veio a ser uma maneira, na cultura ocidental, de autentificar a verdade, de adquirir coisas que vão ser consideradas como verdadeiras e de as transmitir. O inquérito é uma forma de saber-poder.”5

Enquanto o inquérito se desenvolve como forma geral de saber durante

o Renascimento, a prova tende a desaparecer, deixando como rastro apenas

os elementos da tortura expressos no suplício, dura punição corporal, imposta

por sentença mas já mesclada com a preocupação de obter uma confissão que

servisse como inabalável prova de verificação.

Com a queda do Absolutismo no século XVIII e a passagem de uma

civilização rural para uma civilização urbana, a ordem jurídica é outra vez

alterada fazendo surgir a noção de contrato social. Isto quer dizer que a

segurança da sociedade passa a depender do interesse comum e da vida

social, do consentimento de todos os homens que renunciam às suas vontades

particulares em favor de toda a comunidade. Assim sendo, a punição passa a

incidir sobre os que rompem este pacto. O crime deixa de ser entendido como

falta moral ou religiosa, e se torna infração à lei que foi estabelecida em defesa

da sociedade. Nesse contexto, o infrator é visto como inimigo da população.

“Digamos, em linhas gerais, o seguinte: a revolução burguesa não foi simplesmente a conquista, por uma nova classe social, dos aparelhos de Estado constituídos, pouco a pouco, pela monarquia absolutista. Ela também não foi simplesmente a organização de um conjunto institucional. A revolução burguesa do século XVIII e início do século XIX foi a invenção de uma nova tecnologia do poder, cujas peças essenciais são as disciplinas.”6

A partir do fim do século XVIII e início do século XIX, com a sociedade

capitalista uma nova forma de organização judicial vai se constituir, surgindo a

noção de prevenção e periculosidade. O instrumento do inquérito, que desde o

século XVI já havia sido apropriado pelo discurso científico, é estendido a

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outras instituições como a da educação e da saúde através da técnica do

exame. Não preocupa mais, como ocorreu com o inquérito moral e religioso, a

busca da verdade revelada por Deus, mas o exercício da disciplina verificado

cientificamente pelo exame.

“O inquérito é precisamente uma forma política, uma forma de gestão, de exercício do poder que por meio da instituição judiciária, veio a ser uma maneira, na cultura ocidental, de autentificar a verdade, de adquirir coisas que vão ser consideradas como verdadeiras e de as transmitir. O inquérito é uma forma de saber-poder. É a análise dessas formas que nos deve conduzir `a análise mais estrita das relações entre os conflitos de conhecimento e as determinações econômico-políticas.”7

O que está em questão é o que rege os enunciados e os meios como

esses se relacionam entre si para constituírem um conjunto de proposições

aceitáveis cientificamente e, conseqüentemente, suscetíveis de serem

verificados por procedimentos também científicos. As práticas de controle

originadas neste período passam a determinar um saber singular sobre a vida

humana no qual a confissão ganha uma nova forma de expressão por meio das

ciências médicas, humanas e sociais.

A organização judicial não mais se restringe à simples punição mas à

separação do mal causado à sociedade e, sobretudo, à sua prevenção. Julgam-

se agora não só os atos que foram cometidos, mas também a possibilidade de

serem repetidos. “Toda a penalidade do século XIX passa a ser um controle

não tanto sobre se o que fizeram os indivíduos está em conformidade ou não

com a lei, mas ao nível do que podem fazer, do que são capazes de fazer, do

que estão sujeitos a fazer, do que estão na iminência de fazer.”8

A perícia psiquiátrica inicialmente restrita à investigação da

responsabilidade penal de adultos estende-se, a partir do século XIX, a outras

áreas do direito. O diagnóstico de crianças, dirigido à prevenção e profilaxia,

assim como o diagnóstico de condenados, visando tanto o tratamento a ser

aplicado segundo o cumprimento da pena, como a presunção de sua

reincidência ao crime, passam a ser objetos do exame de perícia.

Há valorização do testemunho dos peritos, que através de avaliações

científicas se acham em condições de pronunciarem sobre o comportamento

dos implicados prevendo ou presumindo qual será seu futuro. Segundo M.

Foucault, no século XIX, a elaboração do que se pode chamar de formas

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racionais da prova e da demonstração como meio de se produzir a verdade se

fez através da técnica do exame e da disciplina que visava uma vigilância

constante.

Podemos definir o que M. Foucault entende por verdade: “um conjunto

de procedimentos regulados para a produção, a lei, a repartição, a circulação e

o funcionamento dos enunciados”9, estando ligada circularmente aos sistemas

de poder, que a produzem e a reproduzem como efeitos deste mesmo poder.

“A verdade está circularmente ligada a sistemas de poder que a produzem e apóiam e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem. “Regime” da verdade.”10

Ao longo da história, impõe-se cada vez mais nas formas jurídicas de

investigação da verdade a formação de um saber experimental e especializado.

Assim, a partir do século XIX, todo agente de poder se tornou um agente de

formação do saber com a função de fornecer aos que lhe delegam o poder um

determinado saber correspondente ao poder exercido.

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CAPÍTULO I – Notas Bibliográficas

1 FOUCAULT, M. Microfísica do poder, p. 5. 2 Ibid., p. 4. 3 Idem. A verdade e as formas jurídicas, p. 55. 4 Ibid., p. 73. 5 Ibid. 6 Idem. Os anormais, p. 109. 7 Idem. A verdade e as formas jurídicas, p. 77 8 Ibid., p. 81. 9 Ibid., p. 14. 10 Ibid.

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CAPÍTULO II Da sociedade de soberania à sociedade disciplinar:

da ostentação dos suplícios no corpo dos condenados aos recursos para o bom adestramento através da disciplina

Burguesia

A burguesia fede

A burguesia quer ficar rica

E enquanto houver burguesia

Não vai haver poesia

A burguesia não tem charme nem é discreta

Com suas perucas de cabelo de bonecas

A burguesia quer ser sócia do Country

Quer ir a Nova York fazer compras

(...)

A burguesia tá acabando com a Barra

Afundam barco cheio de crianças

E dormem tranqüilos

E dormem tranqüilos

Os guardanapos estão sempre limpos

As empregadas uniformizadas

São caboclos querendo ser ingleses

São caboclos querendo ser ingleses

(...)

A burguesia é a direita

É a guerra

(...)

George Israel/Cazuza/Ezequiel Neves

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Procuramos mostrar, neste capítulo, como ocorreu a formação da

Sociedade de Soberania e da Sociedade Disciplinar. Também analisamos sua

relação tanto com as respectivas formas de punição, quanto com as formas

jurídicas de investigação da verdade, analisadas no primeiro capítulo através da

ostentação dos suplícios no corpo dos condenados e dos recursos para o bom

adestramento por meio da disciplina.

Os conflitos existentes entre a nobreza, a Igreja e os reis no controle e

produção de terras se prolongaram durante toda a Idade Média. No entanto, a

partir do século XII e XIII, surgiu um novo grupo social nesta disputa de poder

que foram os moradores das cidades, a “burguesia”. O resultado desses

conflitos foi em sua estrutura, o mesmo em todos os países da Europa

Ocidental e pode ser dividido em duas etapas.

A primeira se caracteriza pela acumulação ou concentração de poder

absoluto nas mãos dos reis. Ou seja, a autarquia da maioria e a parcela de

poder dos estados são reduzidas pouco a pouco até se consolidar o poder

ditatorial ou soberano em uma única figura. O aumento paulatino do setor

monetário da economia, no final da Idade Média, altera as relações de poder

existentes entre o senhor feudal e a nobreza, pois com a circulação da moeda

houve aumento de seu valor em detrimento do valor das terras. Com a coleta

de taxas e o pagamento do soldo a seu exército, firma-se o poder na figura do

rei.

A sociedade de soberania ocorre no período que vai do final da Idade

Média até o término do regime absolutista. Nesta sociedade, a relação de poder

recobre a totalidade do corpo social através da dualidade soberano-súdito.

“…enquanto durou a sociedade do tipo feudal, os problemas a que a teoria da soberania se referia, diziam respeito realmente à mecânica geral do poder; à maneira como este se exercia desde os níveis mais altos até os mais baixos. Em outras palavras, a relação de soberania, quer no sentido amplo, quer no restrito, recobria a totalidade do corpo social. Com efeito, o modo como o poder era exercido podia ser transcrito, ao menos no essencial, nos termos da relação soberano-súdito.”1

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O que se constituiu aos poucos, no fim da Idade Média, com o

surgimento de uma sociedade soberana, foi uma sociedade aristocrática

cortesã, que alcançou toda a Europa Ocidental, tendo como centro a cidade de

Paris, que ditava as normas de conduta para toda a nobreza.

A segunda etapa se inicia a partir da metade do século XVIII, em

decorrência da ascensão da classe média e o gradativo deslocamento de país

em país da sociedade aristocrática cortesã para as várias sociedades

burguesas nacionais. As sociedades aristocráticas cortesãs se tornaram cada

vez mais diferenciadas aparentando-se com as sociedades burguesas até a

sociedade de soberania perder, subitamente e para sempre, seu centro, com a

Revolução Francesa.

Os soberanos absolutistas foram obrigados, em função disso, a

manipular e se deixar manipular por esse novo mecanismo social, do qual não

mais participavam diretamente∗. Por um lado, protegiam e promoviam a

burguesia, quando a nobreza encontrava-se fortalecida. Por outro, inclinavam-

se à nobreza, quando a burguesia se mostrava impenetrável.

Assim é que surge no século XVIII um novo mecanismo de poder que se

torna incompatível com a sociedade de soberania. Este mecanismo se apoiava

mais nos corpos e seus comportamentos do que na terra e seus produtos.

“Mas, nos séculos XVII e XVIII, ocorre um fenômeno importante: o aparecimento, ou melhor, a invenção de uma nova mecânica de poder, com procedimentos específicos, instrumentos totalmente novos e aparelhos bastante diferentes, o que é absolutamente incompatível com as relações de soberania.”2

Este poder não soberano e alheio à forma da soberania é o poder

disciplinar, o qual é característico da sociedade disciplinar, onde o poder passa

a ser exercido de forma contínua através da vigilância e não mais

descontinuamente por meio de taxas e impostos, distribuídas no tempo, como

no regime soberano.

∗ O poder disciplinar apesar de ter como objetivo fazer desaparecer o aparato jurídico que sustentava a Sociedade de Soberania não o fez de forma total e sim parcial. Alguns princípios de soberania permaneceram no aparelho judiciário como princípio organizador dos grandes códigos jurídicos, pois se, por um lado, servia como instrumento de crítica ao poder absolutista limitando-o; por outro, sobrepunha aos mecanismos disciplinares um sistema de direitos que garantia direitos ao soberano através da soberania do Estado. Assim, por meio das sanções disciplinares se democratizou a sociedade de soberania, constituindo um direito público articulado à soberania coletiva.

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O mecanismo da Sociedade Disciplinar opõe-se ao mecanismo que a

Sociedade de Soberania exercia, mas não para destruí-la e si�

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Além de atingir sua vítima imediata, o crime passa a atingir também a

figura do soberano, pois, no regime absolutista, a lei emana do rei. A ação do

soberano funcionava como uma réplica direta àquele que o ofendeu, bem como

para o príncipe o castigo implica na reparação do prejuízo que foi trazido ao

reino.

“O papel essencial de teoria do direito, desde a Idade Média, é o de fixar a legitimidade do poder: o problema maior, central em torno do qual se organiza toda a teoria do direito é o problema da soberania.”5

O castigo do suplício era uma vingança pessoal e pública do soberano,

na qual o sofrimento físico teria uma função jurídico-política sendo função do

cerimonial reconstituir a soberania lesada pelo ocorrido. O suplício, então, não

restabelecia a justiça, mas reativava e ratificava o poder do rei.

O rei também possuía a seu dispor as famosas lettres de cachet que não

eram nem uma lei nem um decreto, mas uma ordenação que concernia a uma

pessoa. Era uma determinação, na maioria das vezes, solicitada pela família, à

igreja ou o patrão e se destinando à punição de algum desviante da ordem

familiar, da ordem eclesiástica e, sobretudo, da ordem trabalhista. A lettre de

cachet consistia, portanto, em uma forma de regulamentação de moralidade

cotidiana da vida social, uma maneira de assegurar seu próprio policiamento

para manutenção da ordem.

As práticas mais utilizadas para punição até aqui eram a da condenação

à morte, a do banimento ou da multa, não sendo a prisão utilizada para este

fim. A partir da lettre de cachet, quando esta era punitiva, era comum o uso da

prisão. A prisão, no entanto, não era uma pena muito utilizada pelo Direito nos

séculos XVII e XVIII.

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Na primeira parte de Vigiar e Punir, Michel Foucault afirma que a forma

de punição através da prisão foi uma nova tecnologia política do corpo que

surgiu no final do século XVIII, com o desaparecimento do suplício. Esse se

constituía pela aplicação de uma pena corporal dolorosa com o objetivo de

promover um certo grau de sofrimento que fosse apreciado, comparado e

hierarquizado como modelo.

A eliminação do espetáculo de tortura em lugar público representava a

instalação de uma nova tecnologia de domínio sobre o corpo, que consistia na

arte de aplicar um sofrimento a alguém como uma produção regulada na qual o

tipo de ferimento físico, a qualidade, a intensidade e o tempo deste sofrimento

variavam de acordo com a gravidade do crime, a pessoa do criminoso e o nível

social da vítima.

A confissão pública dos crimes foi abolida pela primeira vez na França

em 1791 e, posteriormente, em 1830, após ter sido restabelecida neste breve

espaço de tempo. Por outro lado, o procedimento de exposição do corpo do

condenado em praça pública é mantido até 1831 e abolido apenas em 1848. Já

a marca a ferro quente, o grande suplício dado aos traidores é abolido da

Inglaterra em 1834 e na França em 1832, permanecendo por algum tempo,

como resquício desta prática, os açoites a chicote.

Assim, as formas de punição menos diretamente física vão dando vez à

arte discreta de se fazer sofrer por meio de um arranjo de sofrimentos mais

sutis, mais velados e despojados de ostentação. Mesmo a guilhotina, a

máquina de morte rápida que começou a ser utilizada em 1760 na Inglaterra e

em 1792 na França, também desaparece no início do século XIX, assim como

todo espetáculo de punição física, sendo o corpo supliciado afastado e isolado.

O desacato à lei era considerado uma desobediência ao rei sendo por

isso digna de punição. As punições mais freqüentes no regime absolutista eram

o da exclusão social através do banimento, a da exclusão e do isolamento no

próprio interior do espaço moral por meio de escândalos e humilhações, do

trabalho forçado e o da pena de talião, em que se é punido da mesma forma

que se fez sofrer a vítima. Entretanto, a deportação desaparece rapidamente e

o trabalho forçado se tornou simplesmente uma forma simbólica de reparação.

Além disso, os mecanismos de escândalo nunca chegaram a ser postos em

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prática e a pena de talião também desapareceu rapidamente, tendo sido

denunciada como arcaica para uma sociedade moderna. Já no rito da execução

prévia, o próprio condenado proclamava sua culpa, reconhecendo-a

publicamente e confessando-a não só por meio do cartaz que levava, mas

também pelas declarações que era obrigado a fazer, sendo, em seguida,

distribuídas através de folhetins para exemplo e exortação. Assim, o canto de

morte, como uma epopéia, fazia parte do processo pelo qual o suplício fazia

passar a verdade para o corpo, por meio do gesto e das palavras do criminoso.

Estes discursos passam a ser muito criticados quanto a sua

autenticidade e, sobretudo, pela falta de humanidade. As publicações das

narrativas dos crimes em folhetim que serviam de propaganda desaparecem à

medida que se desenvolve uma literatura do crime especializada onde o delito

passa a ser glorificado, transformando o criminoso em ser privilegiado e seu ato

delituoso em obra de arte. Porém, não são simplesmente os folhetins que

desaparecem com o nascer da literatura policial, mas também os heróis

populares. Nem nas célebres execuções, os criminosos são vistos como maus,

mas como inteligentes e, se há punição, não há sofrimento através de torturas,

mas sim pela perda da liberdade. São, então, os jornais e revistas, a imprensa

falada e escrita que passam a trazer nas colunas policiais as ocorrências

diárias que sem a epopéia dos delitos e de suas punições, promovem um novo

tipo de herói, o herói criminoso.

A prisão, que pouco a pouco se tornou a grande punição do século XIX,

teve sua origem precisamente na prática para-jurídica da lettre de cachet. Ao

ser solicitado, o rei ordenava a lettre de cachet, que era enviada contra alguém

que não era enforcado, nem marcado, nem exilado, nem multado e sim levado

à prisão pela polícia onde permanecia por um tempo não fixado previamente.

O que aconteceu tanto na França, como na Inglaterra, no fim do século

XVIII e início do século XIX é decorrente da materialidade da riqueza, ou seja, o

fato de a fortuna ser cada vez mais inserida no interior de um capital que

substitui as formas de riqueza dos séculos XVI e XVII que eram essencialmente

avaliadas pela quantidade de terras.

“Mas na segunda metade do século XVIII o processo tende a se inverter. Primeiro com o aumento geral da riqueza, mas também com o grande crescimento democrático, o

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alvo principal da ilegalidade popular tende a ser não mais em primeira linha os direitos, mas os bens: a pilhagem, o roubo tendem a substituir o contrabando e a luta armada contra os agentes do fisco.”6

Mesmo deixando de lado as jurisdições religiosas, não se tinha ainda

uma organização judiciária organizada, hierarquizada e autônoma devido ao

poder real ser soberano. Por isso, existiam conflitos permanentes entre a justiça

feita pelos senhores feudais, a justiça feita pela corte, a justiça feita pela polícia

e, sobretudo, a justiça do próprio rei ou de seus representantes. Esses

poderiam interferir em qualquer momento, condenando ou impedindo o curso

regular da justiça de forma direta através do perdão ou da comutação e de

forma indireta por meio da evocação ao conselho ou aos magistrados.

Com o êxodo rural, houve, sobretudo na França, as pilhagens de terra

feitas pelos camponeses e trabalhadores do campo desempregados. As

grandes revoltas da segunda parte da revolução na Vendéia e na Provença

foram decorrentes de um mal estar dos pequenos camponeses trabalhadores

agrícolas que não encontravam mais neste sistema de divisão de propriedade

os meios de sobrevivência que tinham no regime das grandes propriedades

rurais. Essa nova distribuição espacial e social da riqueza industrial ocupou o

lugar da propriedade feudal e gerou uma nova forma de controle social no fim

do século XVIII. Em razão da necessidade de sustentação do poder absolutista,

ameaçado pelo surgimento de uma nova classe social que começa a ascender

– a burguesia –, o rei foi obrigado a fazer concessões no exercício de seu

poder.

“Ora, essa disfunção do poder provém de um excesso central: o que se poderia chamar o superpoder monárquico que identifica o direito de punir com o poder pessoal do soberano. Identificação teórica que faz do rei a font justitiae; mas cujas conseqüências práticas são verificáveis até no que se parece se opor a ele e limitar seu absolutismo. É porque o rei, por razões de tesouraria, se arroga o direito de vender ofícios de justiça que lhe “pertencem” que ele tem diante de si magistrados, proprietários de seus cargos, não só indóceis mas ignorantes, interesseiros, prontos ao compromisso. É porque cria constantemente novos ofícios que ele multiplica os conflitos de poder e de atribuição. É porque exerce um poder muito rigoroso sobre sua “gente” e lhes confere um poder quase discricionário que ele intensifica os conflitos na magistratura. É por ter posto a justiça em concorrência com um excesso de procedimentos de urgência (jurisdições dos prebostes ou dos chefes de polícia) ou com medidas administrativas, que ele paralisa a justiça regular, que a torna às vezes indulgente e incerta, mas as vezes precipitada e severa.”7

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Assim, no século XVIII, entra em discussão na França a organização do

poder judiciário em razão de dois tipos de poder: o que presta justiça e formula

uma sentença aplicando a lei e o que faz a própria lei. Os reformadores como

Beccaria, Servan e Target criticam a falta de confiabilidade do poder penal

devido às inúmeras instâncias que eram encarregadas de sua realização.

Na segunda metade do século XVIII, o protesto contra o suplício se

estende por toda a Europa, tornando intolerável e inaceitável a violência física

como meio de punição. Surge, então, a necessidade de se encontrar uma outra

forma de punir que fosse capaz de eliminar a confrontação física entre a figura

do soberano e a do condenado, bem como que terminasse com o conflito

frontal existente entre a vingança do príncipe e a cólera contida do povo,

através das figuras do carrasco e do supliciado.

“O momento em que se percebeu ser, segundo a economia do poder, mais eficaz e mais rentável vigiar que punir... Também é verdade que foi a constituição deste novo poder microscópico, capilar, que levou o corpo social a expulsar elementos como a corte e o personagem do rei. A mitologia do soberano não era mais possível a partir do momento em que uma certa forma de poder se exercia no corpo social. O soberano torna-se então um personagem fantástico, ao mesmo tempo monstruoso e arcaico.”8

A necessidade de eliminar o suplício ou a violência física produz, a partir

do século XVIII, uma preocupação por parte dos reformadores de fazer uma

“economia nos castigos”, visando a limitação do poder do rei.

Glorificam-se os grandes “reformadores” – Beccaria, Servan, Dupaty, Lacretelle, Duport, Pastoret, Target, Bergasse; os redatores dos Cahiers e os Constituintes – por terem imposto essa suavidade a um aparato judiciário e a teóricos “clássicos” que já no fim do século XVIII a recusava e com um rigor argumentado.9

Esta redução do castigo surge, primeiramente, com a preocupação de

tornar a morte do condenado mais humana, ou seja, mais suave. A lei, surge

com o objetivo fundamental de ter a humanidade como medida, mas também

com a finalidade de limitar o poder real.

“Ora, se confrontamos esse processo com o discurso crítico dos reformadores vemos uma notável coincidência estratégica. Realmente, o que eles atacam na justiça tradicional, antes de estabelecer os princípios de uma nova penalidade, é mesmo o excesso de castigo, mas um excesso que está ainda mais ligado a uma irregularidade que é um abuso do poder de punir.”10

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Na verdade, a passagem de uma criminalidade de sangue para uma

criminalidade de fraudes faz parte da mudança econômica e política ocorrida na

Europa, onde figuram o desenvolvimento da produção de bens, do acúmulo de

riquezas e a valorização jurídica e moral das relações da propriedade.

“O movimento global faz derivar a ilegalidade do ataque aos corpos para o desvio mais ou menos direto dos bens; e da “criminalidade de massa” para uma “criminalidade das ordas e margens”, reservada por um lado aos profissionais. Tudo se passa como se tivesse havido uma baixa progressiva do nível das águas – “um desarmamento das tensões que reinam nas relações humanas… um melhor controle dos impulsos violentos” – e como se as práticas ilegais tivessem afrouxado o cerco sobre o corpo e tivessem dirigido a outros alvos. Suavização dos crimes antes da suavização da lei.”11

Durante todo o século XVIII, dentro e fora do sistema judiciário, constitui-

se uma nova estratégia para se exercer o poder de punir: não punir menos,

mas punir melhor. Punir com uma severidade atenuada para punir com mais

universalidade e necessidade, inserindo no corpo social o poder de punir. A

conjuntura que nasce com a reforma não é a de uma nova sensibilidade ou

humanidade, mas a de uma nova política.

“Será uma transformação geral de atitude, uma mudança que pertence ao campo do espírito e da subconsciência? Talvez, com maior certeza e mais imediatamente, porém, significa um esforço para ajustar os mecanismos de poder que enquadram a existência dos indivíduos; significa uma adaptação e harmonia dos instrumentos que se encarregam de vigiar o comportamento cotidiano das pessoas, sua identidade, atividade, gestos, aparentemente sem importância; significa uma outra política a respeito dessa multiplicidade de corpos e forças que uma população representa. O que se vai definindo não é tanto um respeito novo pela humanidade dos condenados – os suplícios ainda são freqüentes, mesmo para os crimes leves – quanto uma tendência para uma justiça mais desembaraçada e mais inteligente para uma vigilância penal mais atenta do corpo social. De acordo com um processo circular quando se eleva o limiar da passagem para os crimes violentos, também aumenta a intolerância aos delitos econômicos, os controles ficam mais rígidos, as intervenções penais se antecipam mais e tornam-se mais numerosas.”12

A mesma sociedade que recuperou as leis passou a perder seus

cidadãos à medida que estes as violavam. O infrator era separado da

sociedade, mas não como no antigo regime em que o povo tomava partido ou

do crime ou da execução. A punição pública tinha como finalidade a associação

do descumprimento da lei ao isolamento social. A publicidade através de

castigos funcionava como sinais a serem aprendidos e não mais como um

terror a ser temido. Os castigos passam a ser vistos como uma escola ou

reformatório, onde tanto o local de sua execução, como os condenados

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poderiam ser visitados por toda a sociedade. No século XVII, a lei e o código

penal não só utilizam como princípio e como modelo para toda a sociedade a

transparência dos castigos, mas elabora um projeto de cidade punitiva.

“Eis então como devemos imaginar a cidade punitiva. Nas encruzilhadas, nos jardins, a beira das estradas que são refeitas ou das pontes que são construídas em oficinas abertas a todos, no fundo de minas que serão visitadas, mil pequenos teatros de castigos. Para cada crime, sua lei; para cada criminoso, sua pena. Pena visível, pena loquaz que diz tudo, que explica, se justifica, convence: placas, bonés, cartazes, tabuletas, símbolos, textos lidos ou impressos, isso tudo repete incansavelmente o Código. Cenários, perspectivas, efeitos de ótica, fachadas as vezes ampliam a cena, tornam-na mais temível, mas também mais clara. Do lugar onde está colocado o público poder-se-ia acreditar em certas crueldades que, na realidade, não acontecem. Mas o essencial para essas severidades reais ou ampliadas, é que, segundo uma economia estrita, todas elas sirvam de lição: que cada castigo seja um apólogo. E que, em contraponto a todos os exemplos diretos de virtude, se possam a cada instante encontrar como uma cena viva, as desgraças do vício. Entorno de cada uma dessas representações morais, os escolares se comprimirão com os seus professores e os adultos aprenderão que lição ensinar aos filhos. Não mais o grande ritual aterrorizante dos suplícios, mas no correr dos dias e pelas ruas esse teatro sério com suas cenas múltiplas e persuasivas.”13

Coloca-se o teatro do castigo no lugar do suplício, sendo este

equivalente, nesta nova penalidade, ao regicídio da anterior.

“O culpado teria os olhos furados; seria colocado numa jaula de ferro, suspensa em pleno ar acima de uma praça pública; estaria completamente nu; com um cinto de ferro em torno da cintura, seria amarrado às grades; até o fim de seus dias, seria alimentado a pão e água.”14

O poder sobre o corpo não deixou de existir totalmente até meados do

século XIX, entretanto, a pena não estava mais centralizada no suplício como

uma técnica de sofrimento. A certeza de ser punido é que devia desviar o

homem do crime e não mais o medo da tortura. É indecoroso ser passível de

punição, mas pouco glorioso punir. O essencial da pena não é punir

simplesmente, mas corrigir ou reeducar.

A prisão, a reclusão e o trabalho forçado geraram uma alteração na

tecnologia do poder com relação ao corpo. O castigo-corpo deixa de ser feito

como na época dos suplícios, passando a atuar como instrumento

intermediário, ou seja, através do enclausuramento ou da internação. Priva-se o

indivíduo de sua liberdade, considerada como um direito e como um bem.

O sofrimento físico e a dor no corpo deixam de ser elementos

constitutivos da pena: o castigo passou de uma parte das sanções

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insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos. Caso a justiça quisesse

manipular o corpo dos justiçáveis, isto só poderia ser feito à distância, seguindo

regras pré-estabelecidas que visavam ao objetivo de discipliná-lo. Na

Sociedade Disciplinar, o soldado se tornou um modelo que passou a ser

utilizado na organização das famílias, dos hospitais, das escolas e das prisões

através da disciplina. Esta exigia um espaço e um tempo para individualizar os

corpos dos indivíduos por meio de uma classificação que os distribuía numa

rede de relações de poder microfísica∗.

O objetivo da utilização da disciplina não se restringe apenas à

humanização, nem a simples repartição dos corpos, mas à maior eficácia na

produção de efeitos de poder sobre estes corpos. O poder disciplinar adestra e,

por meio desse adestramento dos corpos, fabrica indivíduos, conferindo-lhes

identidade e tornando-os objetos e instrumentos do seu exercício. Este

processo de adestramento dos corpos ocorre não mais por imposição ou

determinação de uma autoridade externa, como a do soberano ou algum de

seus representantes, mas de forma interna, por introjeções de auto-sugestões∗∗

das ciências médicas, humanas e sociais através das quais os indivíduos

exerciam o seu próprio controle sem terem consciência deste processo.

É sob a forma de provas, testes e avaliações nas escolas, consultas e

diagnósticos nos hospitais, recrutamento/seleção e treinamento nas fábricas e

classificações e exames criminológicos nas prisões que se pode verificar os

efeitos desse poder-saber que controla a cidade panóptica∗∗∗.

Por isso que a prisão se parece tanto com as fábricas, as escolas, os

quartéis, e os hospitais, assim como todos estes se parecem com a prisão, pois

esta é, sem dúvida, o modelo panóptico para todos estes estabelecimentos.

∗ Técnicas minuciosas que se referem, segundo M. Foucault, a um certo modo de investimento político e detalhado do corpo que funciona como uma espécie de anatomia política de detalhes na sociedade contemporânea. ∗∗ No ato de refletir sobre os próprios atos me volto contra mim mesmo através do sentimento de culpa. Deixo não só de identificar o meu agressor como sentir pena do mesmo ∗∗∗ Corresponde à planta de J. Bentham chamada “O Panóptico” em que a observação total e integral é feita por parte do poder disciplinador da vida de um indivíduo – louco, doente, condenado, operário, estudante. Estes são vigiados durante todo o tempo sem que vejam o seu observador, nem que saibam qual o momento em que estão sendo vigiados.

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A prisão passa a ser o grande modelo de penalidade da sociedade

disciplinar que usa a vigilância e a punição para multiplicar por toda a cidade o

controle do poder judiciário. A técnica do exame científico é tanto no hospital,

como na escola, na fábrica e na prisão essencial a esse processo por combinar

técnicas de hierarquia que vigiam com as de sanções que normalizam,

propiciando uma vigilância normalizadora que permite classificar para melhor se

punir.

Podemos, então, estabelecer uma correlação, baseada nos instrumentos

de organização do poder de punir, entre a Sociedade de Soberania, com o

inquérito e o suplício, e a Sociedade Disciplinar, com a técnica do exame e o

adestramento por meio da disciplina. Assim como houve a invenção do

inquérito judiciário no século XII, durante a Sociedade de Soberania, houve no

século XVIII, com a Sociedade Disciplinar, a invenção da técnica do exame.

Apesar de ambas terem sido inventadas por instâncias diferentes, tinham em

comum o mesmo objetivo, que era o controle da sociedade.

O processo de inquérito, como já mostramos, foi uma antiga trama fiscal

e administrativa que reapareceu com a reorganização ou reforma da Igreja

Católica Apostólica Romana e o crescimento dos Estados absolutistas nos

séculos XII e XIII. Ele atuou como uma forma de investigação autoritária da

verdade que substituiu os antigos processos de juramento, bem como os

duelos. O inquérito também representou o poder soberano que estabeleceu a

verdade através de um certo número de tramas regulamentadas que foram

fundamentais para a constituição das ciências empíricas sendo a matriz

jurídico-política desse saber.

Da mesma maneira que o inquérito político-jurídico, administrativo e

criminal, religioso e leigo está para as Ciências da Natureza, a análise

disciplinar está para as Ciências Humanas. Se, no entanto, o inquérito, como

forma de saber-poder, se distanciou do processo inquisitorial em que teve suas

raízes históricas, o exame permaneceu associado ao poder disciplinar que o

formou.

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CAPÍTULO II – Notas Bibliográficas

1 FOUCAULT, M. Microfísica do poder, p. 187. 2 Ibid., p. 187. 3 Ibid., p. 187. 4 Ibid., p. 8. 5 Idem. Em defesa da sociedade, p. 31. 6 Idem. Vigiar e punir, p. 78. 7 Ibid., p. 74. 8 Idem. Microfísica do poder, p. 130. 9 Idem. Vigiar e Punir, p. 70. 10 Ibid., p. 73. 11 Ibid., p. 71. 12 Ibid., p. 72. 13 Ibid., p. 101. 14 Ibid.

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CAPÍTULO III A genealogia da prisão:

da ilegalidade à delinqüência

Diário De Um Detento

Aqui estou, mais um dia.

Sob o olhar sanguinário do vigia.

Você não sabe como é caminhar com a cabeça

na mira de uma HK.

(...)

Tirei um dia a menos ou um dia a mais, sei lá...

Tanto faz, os dias são iguais.

Acendo um cigarro, vejo o dia passar.

Mato o tempo pra ele não me matar.

(...)

Já ouviu falar de Lucífer?

Que veio do Inferno com moral.

Um dia... no Carandiru, não... ele é só mais um.

Comendo rango azedo com pneumonia...

(...)

Mas pro Estado é só um número, mais nada.

Nove pavilhões, sete mil homens.

Que custam trezentos reais por mês, cada.

(...)

Mano Brown

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Neste capítulo, desejamos mostrar não só como ocorreu, ao longo da

história, o aumento acentuado da utilização da prisão pelo aparelho juridiário,

mas, sobretudo, analisar o motivo pelo qual isto se tornou possível.

A prisão, como vimos no capítulo anterior, surgiu durante a Sociedade

de Soberania, mas foi na Sociedade Disciplinar que se tornou o grande

instrumento de punição social, transformando-se em modelo, através da técnica

de exame, para todos os estabelecimentos disciplinares desta sociedade.

Como também já mostramos, a prisão foi desde seu início muito criticada

porque estava diretamente ligada ao poder real e se destinava apenas aos que

atentassem contra a vontade do rei, como no caso dos raptos ou diante do

abuso contra a liberdade, como no caso das desordens ou violência.

As penas aflitivas existentes nesta ocasião seriam de três tipos: de

detenção à masmorra, em que a pena de encarceramento era agravada por

diversas medidas como a solidão, a privação de luz e a restrição alimentar; de

limitação, em que estas medidas eram atenuadas apesar de permanecer a

privação de liberdade e a prisão propriamente dita, que se restringia ao simples

encarceramento, não havendo diferenciação dos delitos e das penas, pois o

que era determinante era a vontade do soberano. No entanto, em menos de um

século, a prisão se tornou a forma de punição mais freqüente na Europa. No

Código Penal de 1810 da França, a prisão ocupou um lugar destacado na

execução das penas entre a condenação à morte e o pagamento de multas. O

cadafalso, onde o corpo do supliciado era exposto à força por vontade do

soberano, e o teatro punitivo, onde a representação do castigo era

permanentemente dada ao corpo social, foram substituídos por uma grande

arquitetura fechada, complexa e hierarquizada que se integrou ao próprio corpo

do aparelho do Estado que é a prisão.

O muro alto, intransponível e fechado, que encerrava o mistério da

punição perdeu a transparência e o espaço público passou a ocupar não mais o

interior, mas o meio da cidade no século XIX.

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“E esse encarceramento, pedido pela lei, o império resolvera transcrevê-lo logo para a realidade, segundo uma hierarquia penal, administrativa, geográfica: no grau mais baixo, associada à cada justiça de paz, delegacia municipal; em cada distrito prisões; em todos os departamentos, uma casa de correção; no cume, várias casas centrais para os condenados criminosos ou os correcionais que são condenados a mais de um ano; enfim, em alguns portos, prisão com trabalhos forçados. É programado um grande edifício carceral, cujos níveis diversos devem se ajustar exatamente aos andares da centralização administrativa.”1

Foram inúmeras as críticas à prisão, como: não responder à

especificidade dos tipos de crimes; não produzir efeitos sobre o público, na

medida em que não era transparente; não poder acompanhar a execução da

pena; as arbitrariedades dos guardas e, conseqüentemente, a multiplicação de

seus vícios. As críticas se voltavam, sobretudo, para o fato de se manter os

detentos nos centros urbanos,o que tornava a prisão não só nociva, como inútil

e cara à sociedade. No entanto, a medida de reclusão se torna generalizada a

todos os que não são condenados à morte.

O ideal dos reformadores do século XVIII, em parte, cede lugar ao

grande aparelho uniforme das prisões, cuja rede de grandes edifícios se

estende, começando pela França indo até toda a Europa. Foi, pois, a partir

destes mesmos reformadores que se concedeu ao poder de punir um

instrumento eficaz que passou a classificar todos os comportamentos sociais. A

necessidade de uma classificação do crime e dos castigos gera de igual modo

uma necessidade de individualização da pena em conformidade com as

características singulares de cada criminoso. Passa-se, então, a calcular a

pena não em função do crime, mas de sua possível repetição e conseqüências

futuras, fazendo da punição uma arte de efeitos.

O projeto político de classificar as ilegalidades, generalizar a função

punitiva e delimitar o poder de punir termina por objetivar tanto o crime, quanto

o criminoso. O criminoso sai do pacto social desqualificado como cidadão,

apresentando em si um fragmento de natureza selvagem que demanda um

tratamento adequado. Por outro lado, a necessidade de medir os efeitos do

poder punitivo prescreve táticas de intervenção sobre todos os criminosos de

forma preventiva.

A passagem dos suplícios com seus rituais de ostentação às penas de

prisões alojadas em arquiteturas maciças, guardadas pelos segredos das

repartições disciplinares, não representou apenas a passagem da Sociedade

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de Soberania para a Sociedade Disciplinar, mas também representava a

mudança de uma penalidade, ou seja, a mudança de uma arte de punir para

outra, cujo marco foi a substituição em 1837, na França, da cadeia dos forçados

para a cadeia celular. Esta, oriunda da época das galeras, ainda subsistia após

a monarquia de Julho, mantendo sua tradição. O teatro punitivo imaginado pela

folhas volantes onde o condenado exortava o público a nunca imitá-lo é, pouco

a pouco, substituída pela prisão.

Ora, o que fora adotado em julho de 1837 para aperfeiçoar a cadeia não

foi a simples carroça coberta, mas uma máquina muito bem elaborada que é a

da cela, impedindo qualquer tipo de contato com o mundo exterior.

A cela, “…técnica do monarquismo cristão, que só existia em países

católicos foi assimilada pelas sociedades protestantes e utilizada como

instrumento através do qual se poderia reconstituir ao mesmo tempo o homo

oeconomicus e a consciência religiosa”2. O encarceramento, com a finalidade

de transformação da alma e do comportamento, faz sua entrada no sistema das

leis civis através do trabalho. A prisão se torna similar a uma fábrica onde os

detentos passam a trabalhar em comunhão.

A prisão não é uma oficina, mas funciona como uma máquina onde os

utensílios – operários – são, ao mesmo tempo, as engrenagens e os produtos.

Assim, um detento que cometia um roubo era transformado em um operário-

dócil. A utilidade do trabalho penal não é o lucro, muito menos a formação de

uma habilidade técnica, mas a construção de uma relação de poder que

submete o indivíduo a um aparelho de produção. Todo poder arbitrário, que no

antigo regime penal permitia aos juízes modular a pena ou por fim à mesma,

passou a ser exercido progressivamente por aqueles que diretamente

gerenciavam a punição. O juiz passou, então, a retificar suas avaliações a partir

do material que todos os gerenciadores da prisão forneciam. Desse modo, a

prisão foi concebida como um local de formação para um saber clínico sobre os

condenados.

O panoptismo se tornou, por volta do ano de 1830, o programa

arquitetural da maior parte dos projetos de prisões. Foi a maneira mais eficaz

de substituir a coação física pela inteligência da disciplina, tornando a

arquitetura transparente à gestão do poder, permitindo que a força ou as

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coações violentas fossem substituídas pelo adestramento suave de uma

vigilância sem falha que ordenasse o espaço segundo a humanização dos

castigos prevista na lei de execução penal. Assim, a punição passa a ser

exercida não mais por meio da violência física como no caso dos suplícios na

Sociedade de Soberania, mas pela disciplina através dos castigos

determinados pela lei de execução penal.

Foi por meio do vade mecum da administração da prisão, elaborado por

uma comissão técnica de classificação constituída por uma equipe

interdisciplinar de técnicos e agentes penitenciários, que o juiz passou a avaliar

individualmente o plano de tratamento a ser aplicado a cada prisioneiro. Neste

processo, o diretor da prisão teve um papel fundamental, pois coube a ele

presidir esta comissão, tendo a responsabilidade sobre tudo o que acontecesse

tanto aos membros desta equipe, como a qualquer um dos condenados. Por

meio de ofício, o diretor-presidente e toda a comissão interdisciplinar não só

recebem o condenado na prisão como o acompanham no decorrer do dia-a-dia

de sua detenção durante todo o período do cumprimento da execução de sua

pena.

A observação do delinqüente passa a ser fundamental no processo de

acompanhamento da execução da pena feita por esta comissão interdisciplinar.

A avaliação da Comissão Técnica de Classificação abrange não só as

indisciplinas cometidas no dia-a-dia do cárcere, como as causas dessas

infrações, devendo portanto ser pesquisada a vida pregressa do apenado.

O exame biográfico feito pelos técnicos se tornou parte essencial da

instrução judiciária para a classificação do comportamento do detento, não só

para a obtenção ou perda das regalias durante sua reclusão, mas

principalmente para a obtenção de benefícios quanto à mudança do regime

prisional. A história disciplinar de sua vida é analisada sob o tríplice aspecto: da

organização, da posição social e da educação. Pelo primeiro, constatavam-se

as inclinações perigosas; pelo segundo, as pré-disposições nocivas e pelo

terceiro, os maus antecedentes.

A técnica do exame penitenciário é exercida não sobre a relação dos

delitos, mas sobre a afinidade do criminoso com o crime. Desta forma, tanto o

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exame como o delinqüente, podem ser considerados tendo a mesma data de

nascimento.

“A técnica penitenciária e o homem delinqüente são de algum modo irmãos gêmeos. Ninguém creia que foi a descoberta do delinqüente por uma racionalidade científica que trouxe para as velhas prisões o aperfeiçoamento das técnicas penitenciárias. Nem tampouco que a elaboração interna dos métodos penitenciários terminou trazendo à luz a “existência objetiva” de uma delinqüência que a abstração e a inflexibilidade judiciárias não podiam receber. Elas apareceram as duas juntas e no prolongamento uma da outra como um conjunto tecnológico que forma e recorta o objeto a que aplica seus instrumentos.”3

A delinqüência se forma no submundo da prisão através da técnica do

exame que passa a considerá-la como anomalia, desvio ou doença que precisa

ser conhecida, avaliada, medida e diagnosticada para que os juizes possam

proferir suas sentenças.

“De fato, o que eu tinha tentado mostrar a vocês é que, de acordo com o Código Penal de 1810, nos próprios termos do célebre artigo 64, segundo o qual não há crime nem delito se o indivíduo estiver em estado de demência no momento do crime, o exame dever permitir, em todo o caso deveria permitir, estabelecer a demarcação: uma demarcação dicotômica entre doença e responsabilidade, entre causalidade patológica e liberdade do sujeito jurídico, entre terapêutica e punição, entre medicina e penalidade, entre hospital e prisão.”4

A prisão, esta região mais sombria do aparelho da justiça, é o local onde

o poder de punir, que não ousa se exercer com transparência, organiza

silenciosamente um campo de objetividade, em que o castigo funciona em

plena luz como terapêutica e a sentença se inscreve entre os discursos do

saber na aplicação da pena.

A prisão parece traduzir corretamente a idéia de que a infração lesou

além da vítima a sociedade inteira. Uma coisa é certa: a prisão nunca foi

simplesmente uma privação de liberdade que teria ganho com o tempo uma

função técnica de correção. Ela foi, desde o início, quando não existia o sistema

judiciário, uma detenção abusiva encarregada de um suprimento corretivo ou

ainda uma empresa de modificação dos indivíduos que funciona dentro de um

sistema legal através da privação da liberdade.

A questão é saber como a lei, que se diz comprometida com a

ressocialização, pode permitir que o indivíduo condenado a penas mais leves

se encontre preso no mesmo lugar que o criminoso condenado a penas mais

graves. Principalmente, considerando-se que a pena infligida pela lei tem como

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objetivo principal a reparação do crime e pretende também a regeneração do

culpado. Na verdade, a prisão tem um poder quase total sobre os detentos, os

quais controla com seus mecanismos internos de classificação e castigo,

desempenhando uma disciplina despótica.

Não é, portanto, um respeito exterior à lei ou apenas o receio da punição

que vai agir sobre o detento, mas a reflexão de sua consciência, pois o

isolamento do dia-a-dia na cela assim como o resultado de alguma infração

disciplinar assegura o encontro a sós do detento com o poder que se exerce

por ele próprio.

O temor decorrente do ato de infração de uma lei centrada no poder

externo é deslocada para uma instância interna fazendo com que o exercício de

punição seja exercido pela própria pessoa através do sentimento de culpa. Isto

marca a diferença fundamental entre a Sociedade de Soberania e a Sociedade

Disciplinar da mesma forma que a passagem do sistema feudal para o sistema

capitalista, mudando o meio de trabalho agrícola para industrial.

A discussão, que nunca se encerrou, sobre a validade da prisão

recomeça no período de 1840 e 1845, época de crise econômica e de agitação

operária, que começa a cristalizar a oposição entre operário e delinqüente, pois

os operários temiam a concorrência entre o seu trabalho e o dos criminosos na

cadeia, devido ao baixo custo destes, poder vir a diminuir os seus salários ou

mesmo gerar desemprego.

O trabalho pelo qual o condenado atende às suas próprias necessidades

requalifica o ladrão em operário dócil e é, nesse ponto, que intervém a utilidade

de uma retribuição pelo trabalho penal, impondo ao detento a forma moral do

salário como condição de sua existência. O salário faz com que se adquira

amor e hábito ao trabalho, dando aos malfeitores que ignoram a diferença entre

o meu e o seu o sentido da propriedade ensinando-lhes também a viver na

resignação do presente em função da expectativa de seu futuro. Enfim, uma

medida que permite avaliar quantitativamente o progresso de sua regeneração.

Não que o trabalho penal tivesse por objetivo a qualificação profissional

dos condenados, mas não só a sua disciplinarização, como o acirramento da

rivalidade entre os trabalhadores e os condenados.

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A luta contra a ilegalidade rompe o equilíbrio de tolerância que no antigo

regime era mantido nas diversas camadas sociais.

“Parece-me também que o século XVIII chegou a criar (e o desaparecimento da monarquia, do que chamamos de ancien régime [antigo regime], no fim do século XVIII, é precisamente a sanção disso) foi um poder que não é de superestrutura, mas que é integrado no jogo, na distribuição, na dinâmica, na estratégia, na eficácia das forças; portanto um poder investido diretamente na repartição e no jogo das forças.”5

Não se luta mais contra os arrendatários de impostos, o pessoal das

finanças ou os agentes do rei, nem contra os ofícios prevaricadores ou os maus

ministros e agentes judiciários, mas contra a própria lei e a própria justiça. A

prisão não é mais possível a todos os homens, e sim, é propriedade quase que

exclusiva de uma única classe social: a dos excluídos, que são “devolvidos” à

sociedade com uma nova identidade – a de delinqüente.

“Sim, a prisão foi o grande instrumento de recrutamento. A partir do momento que alguém entrava na prisão se acionava um mecanismo que o tornava infame e quando saia não podia fazer nada senão voltar a ser delinqüente. Caia necessariamente no sistema que dele fazia um proxemeta, um policial ou um alcagüete. A prisão profissionalizava. Em lugar de haver, como no século XVIII, estes bandos nômades que percorriam o campo e freqüentemente eram de grande selvageria, existe, a partir daquele momento, este meio delinqüente bem fechado, bem infiltrado pela polícia, meio essencialmente urbano e que é de uma utilidade política e econômica não negligenciável.”6

Este meio de detenção que isola de forma total os condenados

possibilita, a reincidência no crime ao invés da ressocialização. Segundo M.

Foucault, na França, “... de 1828 a 1834, de cerca de 35.000 condenações por

crime, perto de 7.400 eram reincidentes (ou seja um em cada 4,7

condenados)...”7, outro dado significativo é de que “... em 1831, em 2.174

condenados por reincidência, 350 haviam saído dos trabalhos forçados, 1.682

das casas centrais, 142 das 4 casas de correção submetidas ao mesmo regime

das casas centrais.”8.

Desta maneira, “as prisões não diminuem a taxa de criminalidade; pode-

se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de

criminosos permanece estável, ou, ainda pior, aumenta.”9. Pois, a “…prisão

torna possível, ou melhor, favorece, a organização de um meio de delinqüentes,

solidários entre si, hierarquizados, prontos para todas as cumplicidades

futuras.”10

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A prisão não pode deixar de fabricar delinqüentes, não por que não

funciona, mas por este ser o seu objetivo, através do tipo de vida que faz com

que os detentos tenham, isolados no interior de suas celas ou mesmo com o

trabalho inútil a que são forçados a fazer.

“A quebra de banimento, a impossibilidade de encontrar trabalho, a

vadiagem são os fatores mais freqüentes da reincidência”11. Além disso “a

prisão fabrica indiretamente delinqüentes, ao fazer cair na miséria a família do

detento.”12

Enfim, a prisão é eficiente no seu propósito ou no cumprimento de sua

meta, pois este foi e sempre será o de produzir a delinqüência como meio de

desviar as camadas sociais dos excluídos das lutas políticas, mantendo-os

isolados e controlados como sujeitos patologizados pelo crime.

“Que o enxerto da prisão no sistema penal não tenha acarretado reação violenta de rejeição se deve sem dúvida a muitas razões. Uma delas é que ao fabricar delinqüência, ela deu à justiça criminal um campo unitário de objetos, autentificado por ciências e que assim lhe permitiu funcionar num horizonte geral de verdade.”13

A justiça penal não condena todas as práticas ilegais por ter como maior

preocupação aquelas que ameaçam a hegemonia da classe dominante. Para

tanto, utiliza-se a polícia como meio auxiliar e a prisão como instrumento

punitivo. A delinqüência própria da classe dominante é tolerada pelas leis e

encoberta pelas mesmas. A prisão representa um modelo para a Sociedade

Disciplinar que enquadra os seus indivíduos, dando-lhes uma identidade do

nascimento ao túmulo.

Essa sociedade panóptica, cuja defesa onipresente é o encarceramento,

mostra que o delinqüente não se encontra fora da lei, mas ao contrário, dentro

desta, ou seja, no meio dos mecanismos que fazem passar insensivelmente

das disciplinas à lei, do domínio à infração. O delinqüente é um produto

institucional e a prisão visa não apenas a tornar dóceis os que estão prontos a

transgredir as leis, mas também aos que tendem a organizar a transgressão por

meio de uma tática de sujeição.

Abandonamos o reino dos suplícios, das rodas, dos patíbulos, das

forcas, dos pelourinhos, bem como a cidade carcerária que era o sonho dos

reformadores onde o teatro punitivo representava a justiça, ensinando os

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castigos no palco dos cadafalsos, nos dias de festa do Código. O modelo desta

cidade punitiva não tem mais, como na época do reinado, o poder como centro

e sim, uma rede de dispositivos de múltiplos níveis. A sua manutenção não se

faz mais através de um único centro de poder nem do contrato social de onde

nasceu o corpo com cabeça individual e coletiva, mas de uma repartição

estratégica de elementos de diferentes posições na malha disciplinar.

A prisão, portanto, não é filha das leis nem dos códigos nem do aparelho

judiciário, não estando subordinada ao tribunal que pensa que a controla por

meio de suas leis. A prisão, ao mesmo tempo, não é autônoma nem

independente, mas faz parte de uma série de dispositivos disciplinadores ou

carcerários que juntos exercem um poder de normatização.

“Parece-me, enfim, que o século XVIII instituiu, com as disciplinas e a normalização um tipo de poder que não é ligado ao desconhecimento, mas que, ao contrário, só pode funcionar graças à formação de um saber, que é para ele tanto um efeito quanto uma condição de exercício.”14

Conseqüentemente, as noções de repressão e eliminação da exclusão

dos marginalizados não são suficientes para descrever no centro da cidade

penitenciária a formação dos procedimentos técnicos e científicos que

colaboram na formação do indivíduo disciplinar. Toda a humanidade ocupa um

lugar destacado nesta rede de dispositivos, sendo efeito e causa das

complexas relações de poder e saber a que corpos e forças estão submetidos

por inúmeras engrenagens de aprisionamento que também fazem parte dessa

mesma estratégia de dominação.

Se há saída para a prisão, esta não está em elevar ou retirar seus muros

ou portões, também não está em melhor qualificar seus administradores ou seu

corpo técnico e muito menos os seus legisladores. Não consiste em saber

como torná-la viável ou ressocializadora, mas em encontrar uma alternativa que

seja algo diferente dela própria.

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CAPÍTULO III – Notas Bibliográficas

1 FOUCAULT, M. Vigiar e Punir, p. 103. 2 Ibid., p. 109. 3 Ibid., p. 226. 4 Idem. Os anormais, p. 38. 5 Ibid., p. 65. 6 Idem. Microfísica do poder, p. 133. 7 Idem. Vigiar e Punir, p. 234 8 Ibid. 9 Ibid. 10 Ibid., p. 235. 11 Ibid., p. 236. 12 Ibid. 13 Ibid., p. 227. 14 Idem. Os anormais. p. 65.

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Conclusão

Periferia É Periferia

Este lugar é um pesadelo periférico

Fica no pico numérico de população

De dia a pivetada a caminho da escola

À noite vão dormir enquanto os manos "decola"

(...)

Mais fácil se entregar, se omitir.

Nas ruas áridas da selva.

Eu já vi lágrimas demais,

o bastante pra um filme de guerra!

(...)

A covardia dobra a esquina e mora ali.

Lei do Cão, Lei da Selva, hã...

(...)

Quem vendia droga pra quem? Hã!

Vem pra cá de avião ou pelo porto ou cais.

Não conheço pobre dono de aeroporto e mais.

Fico triste por saber e ver

Que quem morre no dia a dia é igual a eu e a você.

Periferia é periferia.

Periferia é periferia.

(...)

Mano Brown

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Partimos da análise genealógica da relação existente entre o poder e o

saber na investigação da verdade através das formas jurídicas do inquérito e do

exame no primeiro capítulo. Relacionamos, no segundo capítulo, a forma

jurídica do inquérito com a prática da ostentação dos suplícios durante a

Sociedade de Soberania e a forma jurídica do exame com as práticas

disciplinares no período da Sociedade Disciplinar. No terceiro capítulo,

pudemos constatar como a genealogia da prisão apesar de ter sua origem na

Sociedade de Soberania com o objetivo de exclusão alcançou o seu auge com

a Sociedade Disciplinar por meio da técnica do exame.

Verificamos, na obra de Michel Foucault, que a prisão, desde a sua

origem esteve ligada a um projeto de transformação dos indivíduos, servindo de

instrumento tão preciso e aperfeiçoado quanto o foram a escola, o quartel e o

hospital. Todavia, o seu aparente fracasso foi denunciado quase ao mesmo

tempo que a inauguração do seu próprio projeto, pois logo se constatou que a

prisão, em vez de ressocializar os indivíduos reclusos pela primeira vez, servia

para produzir reincidências, além de aprimorar ainda mais na criminalidade

aqueles já inseridos no crime.

Este aparente fracasso não representou o insucesso do projeto, mas, ao

contrário, uma nova estratégia política e econômica de controle social que

também englobava as escolas, os quartéis e os hospitais.

A prisão serviu, portanto, de modelo para a Sociedade Disciplinar,

atuando como instrumento de recrutamento, sendo que os indivíduos que por

ela passam adquirem a identidade de delinqüente. Assim, a prisão transformou-

se em “penitenciária” durante a Sociedade Disciplinar estando diretamente

vinculada à produção da delinqüência. Se no seu início, durante a Sociedade

de Soberania, teve como único objetivo a exclusão, a partir da Sociedade

Disciplinar passa não só a excluir, mas a dar uma nova identidade a estes

excluídos que é a de delinqüentes.

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A falta de investimento nas prisões não foi e não é por acaso. A

ociosidade no seu dia-a-dia devido à falta de oportunidade de atividades

laborativas para todos e, sobretudo, o caráter na inutilidade do tipo de “trabalho”

penal faz parte da função da prisão. O problema não está em ensinar aos

presos alguma coisa, mas justamente poder não lhes ensinar nada para que se

tenha certeza de que não terão outra opção ao saírem em liberdade a não ser a

de voltarem a delinqüir.

Com o êxodo rural, a urbanização das cidades e o conseqüente aumento

do desemprego, os antigos bandos dos campos que atuavam com grande

violência contra os camponeses dão lugar a grupos fechados e organizados

que misturados à polícia e direcionados pela imprensa se tornam a grande

ameaça às classes trabalhadoras servindo de instrumento para coagi-la e

controlá-la. O desemprego e os trabalhos alternativos são uma das condições

econômicas que levaram à implantação do projeto da prisão, pois sem a

delinqüência não há uma industrialização de uma rede de segurança e

proteção.

A delinqüência foi e é por demais lucrativa para que deixasse de existir

ou para que se pudesse acreditar na possibilidade de uma sociedade sem

prisões.

A partir do século XIX, através da imprensa policial se constrói o

personagem do herói criminoso que agora comanda e dirige um grupo

organizado e leva através da imprensa os efeitos do terror. No entanto, estes

grupos fazem parte da construção da mesma estratégia econômico-política de

controle social que consiste em separar da população os grupos de excluídos

através da prisão para que aterrorizem não apenas os ricos mas sobretudo os

pobres, identificando estes excluídos como perigosos, além de imorais e dados

a todos os tipos de vícios.

Esta produção de identidade em série, construída no interior da prisão

através da técnica do exame, passa a ganhar autenticidade através da

imprensa.

Podemos, enfim, concluir que o exercício do poder se aperfeiçoou

através da prisão, construindo gradativamente objetos do saber como a técnica

do exame que por sua vez geraram novos efeitos do poder.

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