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UNIVERDIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE TÍTULO DO TRABALHO: “HISTÓRIAS DE FAMILIARES DE PRESOS POR: DIONÉIA FARIA ORIENTADOR: EDUARDO BRANDÃO RIO DE JANEIRO RJ ANO 2011

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UNIVERDIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

TÍTULO DO TRABALHO:

“HISTÓRIAS DE FAMILIARES DE PRESOS

POR:

DIONÉIA FARIA

ORIENTADOR:

EDUARDO BRANDÃO

RIO DE JANEIRO – RJ

ANO 2011

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UNIVERDIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

TÍTULO DO TRABALHO:

“HISTÓRIAS DE FAMILIARES DE PRESOS

Monografia apresentada à UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES como requisito parcial para obtenção do grau de especialização em psicologia jurídica.

POR :DIONÉIA FARIA

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AGRADECIMENTOS

...a minha amiga Maria Laura de São Paulo, por ter me convidado para fazer o curso de pós-graduação e sua ajuda na elaboração final desta monografia.

...sou extremamente grata ao Silvio Vigo que, gentilmente, através da sua compreensão e incentivo me deu forças para executar este trabalho.

...Nádia Degraza Ribeiro, pela oportunidade de estagiar na Secretaria de Administração do Estado do Rio de Janeiro – SEAP sob sua supervisão, além de transmitir seus conhecimentos em sala de aula no curso de pós-graduação. E colaboração de material bibliográfico.

....a Márcia Badaró pela colaboração de material bibliográfico e orientação.

...aos colegas de trabalho aos quais em algum momento ofereceram sua ajuda na parte de informática.

...especialmente ao meu orientador Eduardo Brandão pela competência, dedicação e muita paciência.

...finalmente a minha família que se privou em alguns momentos da minha companhia.

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DEDICATÓRIA

Em primeiro lugar dedico esta monografia ao ESPÍRITO SANTO DE DEUS que iluminou minha mente e me deu o entendimento para executar esta tarefa.

Em segundo lugar a minha mãe, pois, tenho a certeza, que de onde ela estiver estará, vibrando pela minha conquista, como sempre o fez.

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RESUMO

A prática de estágio, no projeto intitulado “Grupo de Ligação” de sala de

espera, com familiares de presos, realizada na Secretaria de Administração do

Estado do Rio de Janeiro (SEAP), possibilitou-me perceber e refletir, a partir do

convívio com o grupo, na escuta dos relatos de suas histórias, tentar entender

um pouco mais o contexto, bastante complexo, desta realidade de vida. Por

isto, foi necessário um aprofundamento teórico e sistematização do problema

para melhor entendimento.

A prisão exerce nos indivíduos um poder disciplinar de vigiar e controlar,

poder que se renova e se transforma em cada época, utilizando os mais

variados métodos que vão desde a violência física até a aplicação dos

princípios de ressocialização.

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METODOLOGIA

Para realização desta monografia foi utilizado relatos dos familiares de

presos durante o período de estágio, leitura de livros, revistas e jornais e

pesquisa bibliográfica.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

A HISTÓRIA DA ORIGEM DA PRISÃO 10

1. A Instituição Prisional

2. A Prisão no Brasil

CAPÍTULO II

A FAMÍLIA DO PRESO 21

1. História de Familiares de Presos

CAPÍTULO III

O PSICÓLOGO NO SISTEMA PRISIONAL 28

1. A Inserção do Psicólogo no Sistema Prisional

2. A Prática do Psicólogo na Área da Execução Penal

CAPÍTULO IV

POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA PENITENCIARIO 34

1. Políticas Públicas Prisionais e Desenvolvimento Humano

2. Direitos Humanos dos Presos

CONCLUSÃO 44

BIBLIOGRAFIA 47

8

INTRODUÇÃO

Essa monografia advém de questões suscitadas a partir da criação e participação no projeto – intitulado grupo de “LIGAÇÃO” de sala de espera, com familiares de presos do sistema prisional do Estado do Rio de Janeiro, realizado na Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro (SEAP), nos setores da Subsecretaria de Tratamento Penitenciário, localizada no Edifício da Central do Brasil, todas às segundas-feiras à tarde, onde fiz estágio supervisionado para o curso de Pós-Graduação em Psicologia Jurídica.

O que me motivou a fazer este trabalho denominado “Histórias de Familiares de Presos”, é que a partir desta vivência singular foi possível observar a dor e o sofrimento na fala de cada um e sentir a relação que envolve a família do preso com a instituição, ou seja, o relacionamento com os maus tratos no sistema penitenciário e outras queixas sobre a prisão de seu familiar, seu contato com ele durante a reclusão, a adaptabilidade à nova realidade outras necessidades que são acolhidas ao longo do trabalho, o que enriquece cada vez mais, a proposta de atuação, tornando-a multidisciplinar envolvendo os psicólogos e assistentes sociais das unidades, ouvidoria e Coordenadoria de Saúde do Sistema Penitenciário.

A dificuldade de trabalhar com esses familiares me fez buscar aprofundamento na pesquisa teórica para conhecer um pouco mais desse universo e contexto dos presos. Tal relação perpassa pelo viés de uma cultura inserida ao longo da história da sociedade, criando um estigma em relação ao preso. Segundo Golffman, o estigma é um sinal utilizado pela sociedade para discriminar os indivíduos portadores de determinadas características. O fato de o sujeito ter cometido um ato delituoso, faz com que ele adquira um estigma que irá enquadrá-lo numa dinâmica existencial, onde seus hábitos anteriores, com relação à família e com os amigos, a liberdade de ir e vir, dentre outras coisas, irão se transformar frente à realidade da prisão. A proposta deste trabalho é trazer à baila o estado de sofrimento em que se encontra o familiar do preso ao longo de sua prisão. Ele é desenvolvido em quatro capítulos.

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No primeiro capítulo intitulado “A HISTÓRIA DA ORIGEM DA PRISÃO”, a intenção é de examinar a construção da prisão como meio central da punição criminal. Foucault cria uma moldura à idéia que a prisão tenha se tornado parte de um mais amplo “sistema carcerário”, que se tornou uma instituição soberana – que tudo hegemoniza – na sociedade moderna. O sistema cria carreira disciplinar para quem aceita permanecer “na linha” que lhes foram predeterminadas. É fundamental o princípio que o sistema não pode criar outro, senão, delinquente.

No segundo capítulo abordarei, a partir da experiência, ao longo de minha participação no projeto de estágio no grupo de “LIGAÇÃO” de sala de espera com familiares de presos, a importância não só da escuta de sua história, bem como, o apoio afetivo e efetivo oferecido a eles durante o atendimento.

O terceiro capítulo com o nome “O PSICÓLOGO NO SISTEMA PRISIONAL”, em sua primeira parte, falarei de como o profissional psicólogo foi inserido na instituição prisional e na segunda parte a sua prática de rotina na área de execução penal.

No quarto capítulo “POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO”, em sua primeira parte “Políticas Públicas Prisionais e Desenvolvimento Humano”, ressalto a ressocialização dos apenados, como forma de influenciar mudanças nos estabelecimentos prisionais, bem como, promover o desenvolvimento humano. E numa segunda parte denominada “Direitos Humanos dos Presos” tento comentar a violação e a total inobservância destes direitos.

10

CAPÍTULO I

A HISTÓRIA DA ORIGEM DA PRISÃO

1. A INSTITUIÇÃO PRISIONAL

O processo histórico de implantação da Instituição Prisão e de seus

mecanismos de poder, a reconstrução do que já aconteceu e que está morto,

definido, mas que a história consiste em localizar, o que teve início no passado

e está vivo, presente e pode determinar ou já esta determinando o futuro.

(BAREMBLITT, 1996).

A prisão ocupa um lugar de destaque não só no imaginário como

também no funcionamento da sociedade capitalista ocidental atual. Ela possui

caráter multifacetário no universo social: está relacionada ao crime e o seu

controle e intimidação, e também, à ressocialização dos criminosos, e

recentemente com a ideia de direitos humanos.

A prisão não é recente na história da humanidade. Na idade moderna vai

servir como local de custódia para criminosos que seriam submetidos, à

aplicação de pena como castigos corporais ou pena de morte. Ela é

apresentada como instituição total eficaz, não só para reparar os danos

causados à sociedade pelo crime, como também, disciplinar e administrar o

criminoso, seja pela via de correção ou via de neutralidade das “classes

perigosas” de acordo com a legislação e funcionamento da sociedade. Ao

11

estudar a metamorfose dos métodos, punitivos, Foucault, descreve três

modalidades do poder de punir: o suplício, a punição e a disciplina. Os

suplícios e a pena capital foram às penas preferenciais no período feudal,

atingindo aos mais pobres, elas correlacionavam o tipo de ferimento físico, a

qualidade, a intensidade, o tempo dos sofrimentos com a gravidade do crime, a

pessoa do criminoso e o nível social de suas vítimas, que também, atacavam o

soberano. Desta forma, o suplício tinha função jurídico-política de reconstruir o

poder de soberania lesada, e enfatizar a superioridade do soberano.

(Ouverney, 2007)

Segundo FOUCAULT (1975, p.32) o poder através do suplício é uma

produção diferenciada de sofrimentos.

O suplício penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma

produção diferenciada de sofrimentos um ritual organizado não para

marcação das vítimas e manifestações do poder e que pune; não é

absolutamente a exasperação de uma justiça que esquecendo seus

princípios perdesse todo o controle. Nos “excessos” dos suplícios se

investe toda a economia de poder.

Esse tipo de punição acontecia porque se acreditava que o homem

somente se tornaria obediente se tivesse o seu corpo castigado, uma vez que

sua alma seria objeto de Deus e este se encarregaria de julgá-la. No suplício o

povo era chamado como espectador: era convocado para assistir às

exposições, às confissões públicas, às forças. Os cadáveres dos supliciados

muitas vezes, eram colocados em evidência, perto do local de seus crimes. As

pessoas somente tinham que saber e ver com seus próprios olhos, porque era

necessário que tivessem medo, mas também porque deviam ser testemunhas

e garantias da punição e até certo ponto deviam tomar parte dela.

Assim o corpo dos condenados tornava-se um bem social útil à medida

que servia como lição, como exemplo para os outros. Neste cenário o povo

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servia de testemunha e garantia de punição. Mas esta intervenção popular no

suplício trouxe um problema político, pois o povo reivindicava e protestava,

alguns condenados acabavam tornando-se heróis, santos, de memória

venerada.

Com a máquina de enforcamento aperfeiçoada e adotada em 1783

objetivou-se a lenta agonia dos suplícios. Em 1791 entra em cena o carrasco

da guilhotina. Todo condenado teria a cabeça decepada fazendo com que a

morte fosse igual para todos os condenados, um acontecimento visível, mas

instantâneo, onde o contato físico era reduzido. Conforme (FOUCAULT 1975,

p.13) a punição vai se transformando deixando o campo da percepção visual

para utilizar outras artimanhas:

A punição vai se tornando, pois, a parte mais velada do processo penal,

provocando várias consequências: deixa o campo da percepção quase

diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída a sua

fatalidade não a sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que

deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a

mecânica exemplar da punição muda às engrenagens.

Na Metade do século XVIII filósofos, teóricos do Direito, juristas e

magistrados protestam pelo movimento de reforma. Há necessidade de punir

de outra forma, era preciso eliminar o confronto físico. (FOUCAULT, 1975,

p.14) afirma que o castigo visaria outros objetivos:

O castigo passou a uma arte das sensações insuportáveis a uma

economia dos direitos suspensos. Se a justiça ainda tiver que manipular

e tocar o corpo dos justiçáveis, fará a distância, propriamente segundo

regras rígidas e visando um objetivo bem mais elevado.

Este afrouxamento da penalidade deu-se concomitantemente à

diminuição dos crimes de sangue e das agressões físicas, prevalecendo

o roubo e os crimes de fraude, fato este desencadeado pelo

desenvolvimento da produção, pelo aumento das riquezas, pela

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valorização da propriedade privada e pelo forte crescimento

demográfico.

Mudanças sociais ocorreram no fim do século XVIII e princípio do século

XIX que levaram a alteração do jogo do poder. Que foi gradativamente

segundo ele, o afirmar-se. A prisão como forma generalizada da sanção para

todo tipo de crime é resultado do desenvolvimento da disciplina que cria

“corpos dóceis”, ideais para as exigências modernas. A disciplina fabrica assim

corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”, ela aumenta as forças do

corpo e diminuem essas mesmas forças. Se a exploração econômica

separa a força e o produto do trabalho, a coerção disciplinar estabelece no

corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação

acentuada. Procede em primeiro lugar à distribuição dos indivíduos no

espaço, à medida que se concentram as forças de produção, o importante é

tirar delas o máximo de vantagens e neutralizar seus inconvenientes, de

proteger os materiais e ferramentas e de dominar as forças de trabalho. Cada

indivíduo no seu lugar, e cada lugar em um indivíduo. Procedimento, portanto,

para conhecer, dominar e utilizar. A disciplina individualiza os corpos por uma

localização que não os implanta, mas os distribui e os faz circular numa rede

de relações. O corpo, do qual se requer que seja dócil até em suas mínimas

operações, opõe e mostra as condições de funcionamento próprias a um

organismo. O poder disciplinar tem por correlato uma individualidade não só

analítica e “celular”, mas também natural e “orgânica”.

As grandes reformas da legislação penal na França e Europa no século

XIX são circunstâncias atenuadas e faz nascer novo período do Direito Penal –

o humanismo – com a modificação do sistema penal na elaboração das leis,

ela vai procurar ajustar o indivíduo às reformas legislativas e não desviá-lo da

utilidade social, diferente de afastar os que são nocivos à sociedade

impedindo-os de recomeçar como defesa a sociedade. Para assegurar o

controle do indivíduo em seu comportamento à instituição penal não pode mais

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estar inteiramente em mãos de um poder autônomo - o poder judiciário - o juiz

já não julgará sozinho, há uma contestação entre eles - judiciário executivo e

legislativo - passando para uma rede de poderes institucionais que irão

responder a esses mandatos que emergem de diversas instâncias laterais:

polícia, psiquiatria, psicologia criminológica, vigilância e correção pedagógica

com as funções não mais de punir o indivíduo e sim corrigir sua virtualidade.

Segundo (Foucault, 1993 p. 219-220).

Todo aquele “arbitrário” que no antigo regime penal, permitia aos juízes

modular a pena e aos príncipes eventualmente dar fim a ela, todo

aquele arbitrário que os códigos modernos retiraram do poder judiciário,

vemo-lo se reconstituir, progressivamente, do lado do poder que gere e

controla a punição.

Estas mudanças ocasionaram uma grande transformação onde o

sofrimento da dor física foi substituído pela dor da alma na forma de poder da

sociedade disciplinar diferente das sociedades penais – idade de controle

social. A prisão aparece como instrumento de modulação de pena, adquire um

poder onde o castigo é decidido e um saber sobre o criminoso é produzido de

acordo com as normas disciplinares vigentes em cada estabelecimento, novas

punições serão acrescentadas às leis. (FOUCAULT 1975, p. 230) traduz o

objetivo da prisão da seguinte maneira:

A prisão ao aparentemente “fracassar”, não erra seu objetivo; ao

contrario, ela o atinge na medida em que suscita no meio das outras uma

forma particular de ilegalidade, que permite separar, por em plena luz e

organizar como um meio relativamente fechado, mas penetrável. Ela

contribuiu para estabelecer uma ilegalidade visível, marcada, irredutível

a certo nível e secretamente útil – rebelde e dócil ao mesmo tempo; ela

desenha, isola e sublinha uma forma de ilegalidade que parece resumir

simbolicamente todas as outras, mas que permite deixar as que se quer

ou deve tolerar.

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O fenômeno da reincidência permite ver o fracasso da prisão em seus

objetivos de corrigir o criminoso e prevenir os crimes, a reincidência passa a

ser cada vez mais debatida nos meios jurídicos e afins, logo essa falha será

atribuída ao próprio delinqüente, visto como um tipo natural: “o efeito

delinqüente, ao qual a prisão deve dar uma resposta adequada”, Foucault

(1993, p.3).

Percebemos, assim que a produção e as estratégias do poder ao longo

da história utilizaram como instrumento os mais variados métodos de punição.

É importante ressaltarmos que as técnicas utilizadas para o remanejamento do

poder de punir servem para aprimorar e adestrar o corpo humano. Portanto o

que interessa realmente para o poder não é expulsar os homens do convívio

social ou impedir que roubem ou matem, mas sim gerir suas vidas

aproveitando suas potencialidades, diminuindo sua capacidade de revolta, de

resistência, de luta, para assim utilizá-los, pois a delinquência controlada

apresenta suas vantagens, é possível orientá-la para que seja um agente em

benefício dos grupos dominante.

Este novo exercício de poder trouxe grandes transformações, como por

exemplo, os reajustes institucionais que implicaram a mudança de regime

político, a maneira pela qual as delegações de poder no ápice do sistema

estatal foram modificadas. As transformações estavam presentes em várias

esferas sociais, como nas escolas, hospitais e outros. Mas será a

transformação na esfera da prisão que iremos nos reter.

A prisão exprime o ato pelo qual se priva a pessoa de sua liberdade de ir

e vir, recolhendo-a a um lugar seguro e fechado, de onde não poderá sair, ela

se veste de um paradigma do panóptico onde os presos serão observados dia

e noite, avaliados, punidos ou compensados, e quando a tortura, muito usada

no período feudal para fins de prova será ressignificada e se oferece a forma

16

ideal de punição moderna. Segundo Foucault, este é o motivo pelo qual a

punição generalizada “gentil” das correntes e trabalhos forçados teve que ceder

lugar ao cárcere que era a modernização ideal de punição e parte mais ampla

do “sistema, carcerário”, o sistema cria carreiras disciplinares para quem aceita

permanecer “na linha” predeterminada. (Foucault, 1996, p.88).

Um novo saber, de tipo totalmente diferente, um saber de vigilância, de

exame, organizado em torno da norma pelo controle dos indivíduos ao

longo de sua existência. Essa é a base do poder, a forma de saber-poder

que vai dar lugar não as grandes ciências de observação como no caso

do inquérito, mas ao que chamamos de ciências humanas: psiquiatria,

psicologia, sociologia, etc.

Durante vários séculos a prisão serviu de contenção nas civilizações

mais antigas como Egito, Babilônia, Grécia, etc., a sua finalidade era lugar de

custódia e tortura.

No direito eclesiástico, a penitenciária era a melhor forma de punição e

com isso, foram então construídas prisões denominadas penitenciárias, onde

os acusados cumpririam penitência e esperariam o momento em que seriam

guiados para a fogueira.

Na idade média as sanções estavam submetidas ao arbítrio dos

governantes, que as impunham em função do status social a que pertencia o

réu. A amputação dos braços, a força, a roda e a guilhotina constituem o

espetáculo favorito das multidões deste período histórico.

Neste mesmo período, assistia-se ao poder da igreja em punir. A

punição foi pelos tribunais de inquisição, período em que a pena ensejava o

arrependimento do infrator.

17

Na idade moderna, durante os séculos XVI e século XVII a pobreza se

abate e se estende por toda a Europa. No mesmo período, as guerras, as

expedições militares, as devastações de países, a extensão de núcleos

urbanos, etc., contribuíram para o aumento da criminalidade.

A suposta finalidade das instituições consistia na reforma dos

delinquentes por meio do trabalho e da disciplina. Tinham objetivos

relacionados com a privação geral, já que pretendia desestimular a outros da

vadiagem e da ociosidade.

A mais antiga arquitetura carcerária em 1596 foi o modelo de Amsterdã

Rasphuls para homens, que se destinavam em princípio a mendigos e jovens

malfeitores. As penas eram leves e longas com trabalho obrigatório. Existia a

vigilância contínua exortação e leituras espirituais. As técnicas penitenciárias

imaginadas no fim do século XVII deram direcionamento às atuais instituições

primitivas.

Antes das casas de correção propriamente ditas, surgem casa de

trabalho na Inglaterra, no ano de 1677, Worcester e em Lenblin no ano de

1707, ao passo que em fins do século XVII já havia vinte e seis. Nessas casas,

os prisioneiros estavam divididos em quatro classes: os explicitamente

condenados ao confinamento solitário, os que cometeram faltas graves na

prisão, os bem conhecidos e os velhos delinquentes.

Em 1597 e 1600, criou-se também em Amsterdã a Spinhis, para

mulheres e uma seção especial para meninas adolescentes, respectivamente.

Já as raízes do direito penitenciário começaram a formar-se no século

XVII, com os estudos de BECCARIA e HOWARD. Durante muito tempo o

18

condenado foi objeto de execução penal e só recentemente é que ocorreu o

reconhecimento dos direitos da pessoa humana do condenado, ao surgir à

relação de direito público entre o estado e o condenado.

O direito penitenciário resultou na pretensão do condenado. Esses

direitos se baseiam na exigência de se respeitar a dignidade do homem como

pessoa moral.

2. A PRISÃO NO BRASIL

Segundo REGINA CÉLIA PEDROSO, a primeira menção à prisão no

Brasil foi dada no Livro V das Ordenações Filipinas do Reino, Código de leis

portuguesas que foi implantado no Brasil durante o período Colonial. O Código

decretava a Colônia como presídio de degredados. A pena era aplicada aos

alcoviteiros, culpados de ferimentos por arma de fogo, duelo, entrada violenta

ou tentativa de entrada em casa alheia, resistência a ordens judiciais,

falsificação de documentos, contrabando de pedras e metais preciosos. O

território colonial foi utilizado como local de cumprimento das penas até o ano

1808.

Segundo os rumos da jurisprudência em todo o mundo, a implantação

de um sistema prisional se fazia necessário no Brasil. A assimilação da nova

modalidade penal fez-se pela constituição de 1824 que estipulou as prisões

adaptadas ao trabalho e separação dos réus.

Na época, a opinião pública também tomou parte nos debates sobre a

implantação do regime penitenciário em nosso país e missões especiais foram

enviadas a países como Estados Unidos, Inglaterra e França, com o objetivo

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de verificar as verdadeiras circunstâncias do aprisionamento e gerenciamento

das prisões-modelo.

A Constituição de 1824 estabelecia que as prisões deveriam ser

seguras, limpas arejadas, havendo a separação dos réus conforme a natureza

de seus crimes. Mas as casas de recolhimento de presos do início do século

XIX mostravam condições deprimentes para o cumprimento da pena por parte

do detento.

No início do século XX a legitimidade social da prisão ganhou variações

para um melhor controle da população carcerária com a reforma do sistema

penal do início de 1940, a partir da nova Legislação Penal, com os novos textos

do Código Penal, do Código de Processo Penal e das Leis das Contravenções

Penais, ouve uma profunda modificação na estrutura. Do Estado Brasileiro, que

se inaugura com a revolução de 1930 e se consolida durante o Estado Novo.

Surgiram tipos modernos de prisões adequadas à qualificação do preso

segundo categorias criminais: contraventores, menores, processados, loucos e

mulheres.

Os asilos de contraventores tinham por finalidade o encarceramento dos

ébrios, vagabundos, mendigos, em suma, os considerados antissociais.

Os asilos de menores se propunham a empregar uma pedagogia

corretiva à delinquência infantil. Pressupondo a inocência do réu, foi proposta

uma prisão de processados, considerando-se não convenientes já condenados

ou provavelmente criminosos.

20

Os mecanismos criminais foram idealizados para aqueles que sofriam

alienação mental e requeriam um regime ou tratamento clínico. Enquanto que

os cárceres de mulheres seriam organizados de acordo com as indicações

especiais determinadas por seu sexo.

Com implicação da reforma penal, põe-se em prática um programa de

concentração carcerária, que tem no projeto da penitenciária agroindustrial na

penitenciária de mulheres e no sanatório penal em Bangu, no Rio de Janeiro,

seu modelo. Na época, tratava-se de um programa amplo, de caráter nacional,

para atender as modificações impostas pelo novo Estatuto Penal sendo

realizado simultaneamente nos principais Estados da União.

Em julho de 1984 é sancionada a Lei nº 7.210, Lei de Execução Penal,

que tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e

proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do

internado.

Atualmente, existem várias instituições penais em todo o território

brasileiro. No Rio de Janeiro, onde foi idealizado o programa de concentração

carcerária, encontra-se o complexo de Gericinó, antigo complexo Bangu. Este

complexo reúne nove penitenciárias. Sendo uma feminina, dois presídios,

quatro casas de custódia, um hospital, um sanatório penal, dois institutos

penais e um centro de tratamento em dependência química.

21

CAPÍTULO II

A FAMÍLIA DO PRESO

1. HISTÓRIA DE FAMILIARES DE PRESOS

Existem em nossa sociedade diferentes formas de poder que se

constituíram ao longo da história como práticas sociais. Uma dessas formas é a

prisão a qual exerce nos indivíduos um poder disciplinar de vigiar e controlar.

Em Vigiar e Punir, na parte dedicada à prisão, Foucault descreve o

isolamento como um dos princípios básicos da prisão. O isolamento do

condenado em relação ao mundo exterior, incluindo o que motivou a infração e

as cumplicidades que a facilitaram, propiciaria a reflexão e levaria ao remorso.

Goffman(1974, p.11) define instituição total como “um local de

residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação

semelhante, separados da sociedade mais ampla, por considerável período de

tempo, leva uma vida fechada e formalmente administrada”.

As famílias já se constituíam enquanto grupo mantendo algum tipo de

relacionamento antes da ida do homem (irmão, esposo, filho) para a prisão

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mantendo-se agora nesta nova situação e novo espaço físico uma continuidade

das relações estabelecidas anteriormente nos mesmos ou em novos moldes.

O trabalho A Interseção da Ordem Penitenciária e a Ordem Familiar,

de Theresa Maria Galvão da Silva, com pesquisa de campo na penitenciária

Milton Dias Moreira, trazem exemplos de famílias que se estruturam de forma

tradicional após a prisão do chefe de família. Antes este homem vivia na rua

em noitadas, bebendo, jogando e agora o grupo familiar tem uma vida

parcialmente semelhante comum, especialmente aos domingos.

O isolamento da instituição prisional e dos presidiários não é absoluto.

Os muros das prisões são fronteiras reais e simbólicas demarcadas por

“experiências suficientemente significativas” (Velho 1987 p.16).

Através dos relatos dos familiares no “Grupo de Ligação” tentava

entender o que era a prisão, estar preso e como e por que haviam ingressado

na marginalidade e na prisão. Os discursos dos familiares apresentavam

pontos recorrentes como a passagem pela prisão e o trabalho realizado lá

dentro como prova de ressocialização aliados à compreensão de que o crime

não compensa, era tudo ilusão. A disposição para o trabalho honesto e as

obrigações com a família que o espera lá fora ou que virá a constituir, poderá

fazer com que adquira forças e motivação para manter-se afastado da

reincidência.

Os familiares presentes nos grupos preocupavam-se com seus vínculos

familiares e de trabalhos, manifestando muito sofrimento e vergonha pelo fato

de um membro da família estar preso. O tempo que um filho ou marido

permanece na prisão representa perda significativa em termos econômicos e

gastos com visitas ao presídio.

23

Nas famílias de presos a mulher tem papel de destaque. As esposas

assumem o controle doméstico e a educação dos filhos na ausência do marido,

as mães são o mais forte vínculo do preso com o mundo externo, são as visitas

constantes. A família é um elemento chave na vida do criminoso. A história de

vida do delinquente o distingue do infrator e não o ato criminoso. (Foucault.

1987).

Um dado essencial na vida destas famílias é a luta contra a violência. A

família do preso está na confluência de todas essas mazelas: a miséria,

preconceito e as violências sofridas nas idas ao presídio onde é penalizada

junto com o familiar preso, são vista com suspeita e submetida à revista; este

procedimento implica uma inspeção humilhante no corpo e nos objetos que

porta.

No projeto intitulado “Grupo de Ligação” de sala de espera, com

familiares de presos pude, ao longo do estágio, entrar em contato direto com a

realidade, do dia a dia desse familiar. Pensar no seu modo de vida, na

problemática do afastamento do seu familiar para a prisão (na maioria dos

casos o homem), e a adaptabilidade “dolorosa”, as dificuldades financeiras, os

preconceitos e a inserção nos mecanismos de poder da prisão.

Para compreender melhor este projeto é preciso levar em conta o

cotidiano da família que provoca importantes rearranjos nas relações sociais.

Diante da prisão a família se vê em uma nova situação: como por

exemplo, garantir a sobrevivência dos demais membros, lidar com os

problemas de revolta dos filhos, preconceito da sociedade, as normas de

imposições da própria prisão visto que a família acaba sendo inserida no jogo

de poder das práticas prisionais que tem suas ramificações que vão desde o

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espaço físico, o isolamento; o trabalho penal a educação penitenciária; e os

maus tratos no sistema penal; -“o poder disciplinar sobre o corpo do

condenado” -.

Frente a toda esta problemática percebi que a família ou acaba

depositando nas mãos do sistema e da sociedade a solução para todos seus

problemas, ou então passam a articular diversas atividades para enfrentar o

afastamento do familiar preso. Começam a manter laços de parentesco e

vizinhança estreitos, a fim de “ajudarem-se” mutuamente. Além de se adaptar a

vida, sem um de seus membros a família tem que se submeter às normas e

regras do presídio; cada visitante ou familiar deve ter sua carteirinha de

identificação para poder realizar a visita segundo as normas da casa. -

“Percebe-se neste sentido, a prisão como forma de disciplina através do poder

sobre o corpo não somente dos reeducando como de seus familiares” -.

As mulheres e outros membros que realizam visitas reclamam do

tratamento dispensado por alguns agentes penitenciários, reclamam que é o

mesmo para os animais, protestam que “não são bichos e merecem respeito”.

Para estas pessoas um tratamento adequado se traduz no respeito à sua

condição de mãe, esposas e irmãs de cidadãos, por mais que os mesmos

estejam em conflito com a lei.

Através da escuta dos seus relatos obtive elementos para reflexão e

tentar entender a dinâmica vivenciada por esta família. Percebo que a prisão

não é um universo isolado, mas atravessado pelo contexto social, neste

sentido, o poder prisional possui uma eficácia e uma estratégia tão grande que

suas técnicas de normatização além de gerenciar a vida do sujeito apenado,

acabam controlando a vida de todas as pessoas que de uma forma ou de outra

estão envolvidas neste contexto, não só no apenado que é privado de

liberdade, mas também em toda família.

25

Todos sabem que existem inúmeras repercussões negativas em relação

ao encarceramento. - Revela-se assim a intenção da prática de punir que é

impedir a desordem e sua generalização para que os outros não pratiquem e

nem tomem como exemplo o crime ou delito praticado. - (Foucault, 1975).

O contexto do sistema prisional nas suas diversas práticas atravessa o

cotidiano do apenado, bem como, aquelas que ultrapassam os muros do

presídio e se fazem presentes na família do preso. A família acaba sendo

focalizada como geradora de sujeitos, elemento essencial para disciplinar e

orientar as aspirações dos indivíduos e é devido a estes conceitos que a prisão

investe os seus mecanismos de poder não só no corpo dos condenados como

também nos seus familiares.

A proposta de realização deste grupo de atendimento ao familiar do

preso foi aproveitar o tempo de espera, para conhecê-los, ouvindo o que

tinham a dizer sobre sua história, a prisão de seu familiar, seus contatos com o

mesmo durante a reclusão e como a família estava se adaptando a esta nova

realidade (estes familiares compareciam ao setor de transferência da

Coordenação de Acompanhamento de Execução Penal, para obter

informações diversas, e avaliar a possibilidade de transferência de seu preso

para outra unidade) - uma vez que as mães e esposas além de comparecer a

coordenação para solicitar a transferência, queriam reivindicar coisas, falar,

desabafar, queixar-se do tratamento que recebiam nas unidades.

As queixas mais freqüentes eram: o tratamento desumano na revista

feita antes da visita; a realização de entrevistas para exame criminológico,

independente de solicitação do familiar, o que acarreta um atraso no processo

de soltura, porque o exame não fora concluído; dificuldades enfrentadas nos

cuidados dos netos e filhos dos homens presos; distância entre a unidade e a

residência dos familiares, por vezes em outros municípios; problemas de saúde

26

orgânica anterior à prisão ou desenvolvido durante o aprisionamento e saber se

está recebendo tratamento adequado; interno com depressão; dificuldade de

contato com a Defensoria Pública; solicitação de atendimento psicológico e

médico, (porque o interno está agressivo, violento e possui história de

dependência química, e sintomas de transtorno mental); não estão

conseguindo fazer a carteira; problemas no recebimento de correspondência

ou Sedex; mães com mais de um filho preso em unidades distantes entre si;

mortes recentes na família e lutos não elaborados associados à prisão do filho;

dificuldade de aceitar que o familiar tenha reincidido após todo apoio recebido,

ou não cumprem às exigências legais dos benefícios de progressão de regime

ou liberdade condicional; tornam-se foragidos e levados de volta a cadeia.

É óbvio que tudo isso produz inúmeros questionamentos: De fato, como

pode pretender a prisão ressocializar o criminoso quando ela o isola do

convívio com a sociedade e o incapacita por esta forma, para as práticas da

sociabilidade? Como pode pretender reintegrá-lo ao convívio social, quando é a

própria prisão que o impede para a “sociedade dos cativos” onde a prática do

crime valoriza o indivíduo e o torna respeitável para a massa carcerária? Como

conciliar as experiências da disciplina e da segurança com o mandato dos

direitos dos presos? A Oficina do Diabo, (p.13).

Um dos fatores que, geralmente, é considerado favorável, é a existência

de um “apoio familiar”, ou seja, uma vinculação do preso com familiares que

estejam em liberdade. Estes familiares, na maioria das vezes, são parte da

família de origem do apenado. Raras vezes são novos vínculos estáveis

adquiridos após o encarceramento.

Neste trabalho tive a oportunidade de ouvir a fala dos familiares e,

através dessa escuta sentir se há esperança na repercussão do familiar preso,

27

bem como, na qualidade de estímulos que os mesmos oferecem ao apenado

para que este se recupere.

O apoio efetivo e afetivo do familiar ou parente que visita o preso é

importante na dinâmica familiar e na construção de sua personalidade.

28

CAPÍTULO III

O PSICÓLOGO NO SISTEMA PRISIONAL

1. A INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NO SISTEMA PRISIONAL

O que passou a nortear esta formação é um dos indicadores dispostos

no Código de Ética Profissional dos Psicólogos No capítulo que trata “Das

responsabilidades e relações com instituições empregadoras e outras”, artigo

4°, parágrafo 1º, define este Código:

O psicólogo atuará na instituição de forma a promover ações para que

esta possa se tornar um lugar de crescimento dos indivíduos, mantendo

uma posição crítica que garanta o desenvolvimento da instituição e da

sociedade.

Segundo informações contidas no trabalho Resgate Histórico da

Psicologia no Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro (Trabalho

apresentado no VII Encontro Clio Psyché.Mimeo., em 6 de outubro de

2006.na UERJ.RJ), realizado pelos psicólogos do sistema penitenciário desse

estado, o ingresso dos primeiros psicólogos no sistema penal brasileiro ocorreu

no Rio de Janeiro, em meados da década de 60, logo após a regulamentação

da profissão no Brasil (1962). No Manicômio Judiciário Heitor Carrilho, no

período de 1967 a 1976, esses profissionais faziam suas residências

acadêmicas integrando o corpo técnico que trabalha com os chamados “loucos

29

infratores”, considerados inimputáveis diante da lei, e que cumpria, naquele

estabelecimento hospitalar, a medida de segurança.

Entretanto, nos estabelecimentos prisionais do país, a presença de

psicólogos ocorreu em diferentes épocas, às políticas e as estruturas

administrativas de cada estado. Segundo BADARÓ, (2006), no Rio de Janeiro,

por exemplo, ingressaram no fim da década de 1970, expandindo suas ações

do âmbito das medidas de segurança (manicômio judiciário) para o campo das

penas privativas de liberdade (estabelecimentos prisionais), participando de

projetos que visavam à individualização do cumprimento das penas por meio

de atividades de classificação dos apenados e acompanhamento de seus

“tratamentos penitenciários”.

Nesse mesmo trabalho, fazem referência à Exposição de Motivos da

Nova Parte Geral do Código Penal:

“[...] De acordo com a Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do

Código Penal, de 09 de maio de 1983, o tratamento penitenciário

consistia na aplicação individualizada do regime progressivo da pena –

fechado/semi-aberto/aberto – consoante as „condições personalíssimas

do agente‟ auferidas por meio de exames criminológico, bem como, na

atribuição de trabalho „segundo as aptidões ou ofício anterior do preso‟.

Esse tratamento visava à redução da reincidência por meio da „outorga

progressiva de parcelas da liberdade suprimida „e baseava-se no „mérito

„do condenado e em uma „prognose´de sua „presumida adaptabilidade

social. Posteriormente a Lei de Execução Penal, lei nº 7210, de

11.07.1984, instituiu um sistema de direitos e deveres, sanções e

recompensas que regulamentava a aplicação da disciplina, bem como,

as disposições de apuração e avaliação da reação dos condenados a

esse „tratamento´. Definiu também as assistências a que o preso fazia

jus (assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e

religiosa), (A assistência à saúde referida no texto da Lei constitui-se

no atendimento médico, farmacêutico e odontológico (art. 14), não

fazendo menção à assistência psicológica). Esse tratamento

penitenciário não consiste, portanto, em uma abordagem clínica ou de

saúde, termo em geral associado à expressão „tratamento´, mas, sim,

30

em uma expectativa de alteração da conduta dos sujeitos por meio da

própria regulação da pena e da disciplina penitenciária [...]”

2. A PRÁTICA DO PSICÓLOGO NA ÁREA DA EXECUÇÃO PENAL

Trabalhar na reconstrução de nossa própria prática, tendo em vista as

políticas públicas e os Direitos Humanos, tem sido corajosamente, a forma

como os psicólogos têm se reinventado nos últimos anos. A atenção dos

psicólogos junto ao Sistema Prisional inclui-se nesta proposta. (ANA MERCÊS

BAHIA BOCK – Presidente – XIII Plenário do Conselho Federal de Psicologia.

A atuação do psicólogo junto às unidades, no dia a dia, de suas práticas

de rotina desenvolvidas nas prisões, transcorre em meio a centenas de papéis

orientados para a observação, que são infindáveis: - o exame e o

conhecimento da personalidade delinquente; laudos; relatórios ou pareceres,

feitos ou por fazer; a classificação e a proposição para o tipo de tratamento à

reinserção social; diagnósticos e prognósticos; os exames criminológicos -.

Além disso, há inúmeras sessões da Comissão Técnica de Classificação

(CTC). Em fim, todo um instrumental para apurar as infrações disciplinares, que

em outro contexto, tiveram sua importância. De acordo com a visão de

Calligaris (2006).

“[...] A partir do século XIX, a Psiquiatria e a Psicologia invadiram os

tribunais para mostrar a juízes e jurados que, por trás dos crimes, havia

„o criminoso”. Compreendê-lo significava reconhecer uma circunstância

„atenuante [...]. Acontece que (descoberta de Michel Foucault) essa

atitude generosa também respondia à vontade de policiar o

comportamento humano. [...]. A novidade da lei moderna é a seguinte:

criminosos são os atos, nunca os sujeitos [...].

Em 1984, com a promulgação da Lei de Execução Penal, fundamentada,

no princípio da individualização da pena, implementou e instituiu a . Comissão

Técnica de Classificação (CTC) como dispositiva para o acompanhamento da

31

mesma. Esse exame, realizado por psiquiatra, psicólogo e assistente social,

tinha por objetivo identificar, no início do cumprimento da pena, as múltiplas

causas que, na história dos indivíduos, constituíram fatores geradores da

conduta deleitosa, traçando, um perfil psicológico com vistas ao tratamento

penitenciário, e, por ocasião do livramento condicional ou progressão de

regime, permitir a avaliação das mudanças ocorridas ao longo da pena no

sentido de sua superação, apontando o juiz da Vara de Execução Penal um

“prognóstico psicológico” quanto a um possível retorno ou não à delinquência

(artigo 83, parágrafo único, do Código Penal).

A concepção positivista e determinista que fundamenta o exame

criminológico busca investigar o ser humano, estuda-lo, percebê-lo, sondá-lo e

identifica-lo em toda a sua história de vida de modo que se possa prever o

comportamento “apto” a viver na sociedade. Em outras palavras, a crença nas

essências (boa ou má), que emerge no contexto histórico de meados do século

XX, permeia o pensamento científico nos diversos campos do conhecimento,

inclusive na Psicologia, como aponta Coimbra (2003). Diz ela.

“[...] A Psicologia se pergunta: quem é esse homem? Como e qual é o

seu mundo interno? E o seu íntimo? Acreditando que tem possibilidade

de atingir o âmago do ser – nomeado sujeito -, a Psicologia vai

produzindo um determinado modo de ser humano”.

À CTC (comissão multidisciplinar composta por um psicólogo, uma

assistente social, um psiquiatra, dois chefes de serviço e presidida pelo diretor

do estabelecimento prisional), caberia elaborar o programa individualizado e

acompanhar a execução das penas privativas de liberdade, além de elaborar

pareceres nos quais deveriam “propor as progressões de regime, bem como as

conversões” (art. 6º da LEP). (o texto desse artigo foi alterado pela Lei 10792,

de 1º de dezembro de 2003, retirando da CTC essa atribuição). Entretanto, na

maioria dos estados, essa atribuição ainda permanece.

32

Boa parcela dos psicólogos que atuam nas unidades prisionais e

hospitais penitenciários vem, há muito, buscando alternativas de trabalho para

além da função pericial, proposta pela Lei de Execução Penal, acreditando que

a Psicologia possa contribuir com outras práticas mais libertadoras e

comprometidas com os direitos humanos. No entanto, são experiências

isoladas, pouco divulgadas entre os profissionais e a mídia, Como dizem

Dahmer, Badaró e outros (2003 p. 76-77):

“Sabemos que as prisões operam numa quase total falta de

transparência quanto à gestão da vida cotidiana de presos e familiares. É

um isolamento mudo e surdo: do lado de fora dos muros, pouco se sabe,

pouco se conhece acerca dos problemas que ocorrem internamente. A

interpretação dessa surdez e mudez se faz, geralmente, nos momentos

de grandes motins, quando a revolta e a indignação dos presos se

processam de forma violenta, culminando na apreensão de reféns e

mortes [...]. As últimas duas décadas são pródigas quanto à veiculação

de notícias acerca de rebeliões brasileiras, e, através delas, a opinião

pública se apropria do conhecimento de parte das infrações inerentes

aos agentes do estado no que se refere à vida dos presos: prisões

superlotadas, presos amontoados em espaços exíguos, sem água

corrente, sem iluminação natural, presos provisórios misturados com

presos condenados, por exemplo. Tal quadro de horror nem sempre

mobiliza a sociedade e governantes para buscas de soluções mais

efetivas”

É importante ressaltar que estamos atravessando um momento difícil.

Focalizando a área penal, e a modalidade de relação predominante entre o

Judiciário e a Psicologia é de subordinação. Mesmo diante da alteração da Lei

de Execução Penal (LEP) há juízes resistentes à mesma, que solicita aos

psicólogos exames criminológicos para concessão de benefícios ou progressão

de regime, exigindo prognóstico quanto à reincidência criminal que sequer, está

prevista, a assistência psicológica aos reclusos. Os psicólogos, bem como, os

demais técnicos que trabalham nessas instituições, dificilmente têm contato

com o funcionamento interno das prisões, geralmente por problemas de

segurança ou por falta de tempo, mais muitas vezes, por desinformação ou

33

desinteresse, não costumam ter acesso às galerias – desconhecendo e/ou

silenciando acerca dos reais problemas dos estabelecimentos onde trabalham

inclusive no que diz respeito às costumeiras sessões de tortura. (Kolker,

2002).

Assoberbados de tarefas os psicólogos dificilmente podem realizar

algum outro trabalho transformador com os internos e/familiares e algum tipo

de relacionamento com os demais funcionários – com a tentativa de adaptar o

que aprenderam em sua formação, apesar das diretrizes vem sendo objeto de

reflexão em fóruns de debates.

Para repensar e refletir sobre a prática do psicólogo no sistema prisional,

encerro com os questionamentos de Kolker (2004, p.202):

“[...] se vimos que as prisões produzem efeitos de subjetivação, que o

sistema penal, ao configurar a delinquência, contribui para reprodução

dos delinquentes, o que podemos fazer para trabalhar pela

desconstrução dessas carreiras, para a produção de desvios nessa

trajetória que se quer preconizar como irreversível? Como utilizar nossas

competências, não para reafirmar destinos, e, sim, para ajudar a

conduzir o desvio para outras direções mais criativas e a favor vida?”

34

CAPÍTULO IV

POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA PENITENCIARIO

1. Políticas Públicas Prisionais e Desenvolvimento Humano

No Estado Democrático de Direito é imprescindível que exista coerência

entre legislação e políticas públicas. Fazem parte de nosso cotidiano leis que

não são cumpridas e políticas públicas que são descoladas das leis. Na área

do sistema penitenciário, esse deslocamento, essa distância entre o que está

estabelecido na legislação e o que os presos vivenciam é absolutamente

dramático.

O Brasil, além de signatário de documentos internacionais que dispõem

sobre o tratamento de presos e a proteção de seus direitos, têm uma Lei de

Execução Penal (LEP) que regulamenta, detalhadamente, as condições de

cumprimento das penas, os direitos dos presos, a organização dos sistemas

penitenciários estaduais etc. No entanto, visitar as prisões deste país é

constatar o fosso gigantesco que existe entre a lei e as políticas públicas para a

área.

Hoje em dia são mais de trezentos e sessenta mil (Ministério da Justiça,

2007) homens e mulheres presas, em sua grande maioria vivendo em

35

condições degradantes e desumanas, em celas superlotadas e fétidas, onde a

ociosidade é a regra, os espancamentos são constantes, e falta tudo, inclusive

assistência médica e jurídica. O Estado brasileiro, com raríssimas exceções,

não provê as necessidades dos presos, como vestuário, sabonete e papel

higiênico. (no livro Estação Carandiru de Dráuzio Varella, ele procura mostrar

na prática a realidade da barbárie do sistema penal).

A megarrebelião que atingiu, no ano de 2001, as prisões de São Paulo

serviu para demonstrar que quando o poder público não cumpre minimamente

suas obrigações para com a massa carcerária, ignora de forma flagrante a

legislação do país e faz vista grossa para a corrupção, abre espaço para o

surgimento de grupos que por meio de estratégias diversas, inclusive

assistencialismo, conquistam a lealdade dos presos, transformando-os em

massa de manobra a ser utilizada para os mais variados objetivos, inclusive

rebeliões.

A situação de penúria dos sistemas penitenciários estaduais é

dramática. Na área federal, as liberações de verbas, quando ocorrem,

destinam-se em sua quase totalidade à construção de unidades prisionais. São

mínimos os recursos destinados às áreas da educação e do trabalho dos

presos ou ao treinamento de agentes de segurança penitenciária. Mesmo

investindo prioritariamente em construção de novos estabelecimentos, o déficit

de vagas permanece muito alto.

O Estado ressente da falta de verbas para investimentos em políticas

públicas prisionais, especialmente as voltadas para a ressocialização dos

apenados que podem influenciar mudanças nos estabelecimentos prisionais

promovendo o desenvolvimento do ser humano.

36

A ressocialização tem como meta fazer com que o preso seja

humanizado, objetiva a transformação da personalidade do apenado, onde

seriam embutidos valores morais necessários para torna-lo apto a viver em

sociedade; tirando dele tudo que contribuiu para que cometesse o delito,

promovendo oportunidades de trabalho e ocupação econômica do cidadão,

especialmente o das camadas mais pobres, para que estes conquistem a

capacidade de se auto reproduzir econômica e socialmente, também evitando

a reincidência.

As organizações prisionais no Brasil possuem objetivos oficiais que

diferem do que realmente se observa. Silva (2001, p.11) afirma que as prisões

no Brasil são verdadeiros campos de concentração de pobres. A intenção

oficial de ressocialização colide com a objetividade e mortificação do ser –

característica das Instituições Totais Goffman (2007, p.11), chega-se a

conclusão de que uma prisão, em sua natureza fundamental, é uma instituição

total. Toda instituição absorve parte do tempo e do interesse de seus membros

deste modo tende a criar um mundo particular para esse indivíduo. Quando a

tendência à formação desse mundo particular se torna de certa forma

exagerada, estas instituições recebem o nome de instituições totais, como é o

caso das prisões. Na definição de Goffman, os presídios ultrapassam o

conceito de instituições disciplinares de Foucault.

O controle de todas as atividades diárias, com regras e horários rígidos,

além de um controle severo por parte de uma autoridade central única e a

conveniência com o mesmo grupo de pessoas, manifesta na penitenciária um

mundo à parte. A estrutura prisional, desde sua arquitetura até as rotinas é

voltada para o controle do preso através da submissão, de forma alguma

contribuindo para a melhora do internato.

37

A prisionização produz carência afetiva e efeito castrador na vida

psíquica e social do preso, além da fuga e percepção, deturpada de si e dos

outros. Pela prisionização, o indivíduo perde iniciativa para o bem e desenvolve

a iniciativa para o mal (Farias Júnior, 1996). A castração do ser e de

individualidades leva uma perda de identidade onde não importa a liberdade,

pois ela é distante e não será mais problema da instituição. Quando “a estada

do internado é muito longa, pode ocorrer, caso ele volte para o mundo exterior,

o que já foi denominado “desculturamento”, que o torna incapaz de enfrentar

alguns aspectos de sua vida diária”. (Goffman, 2007, p.23)

“[...] propugna radicalmente pela extinção das prisões e a sua

substituição por uma nova política criminal, assim entendida como um

conjunto de medidas de prevenção contra o crime, reparação deste e

proteção social [...]”.Soares (1980 apud Farias Júnior, 1996,

p.314),

Farias Júnior (1996) complementa que o custo deste processo é

insustentável para o país. Enquanto envolver o indivíduo em sua complexidade

for a preocupação principal de uma penitenciária, em detrimento de sua

ressocialização os índices de reincidências permanecerão altos. Não funciona

para a sociedade, pelo contrário, alimenta, abriga o indivíduo enquanto ele se

instrui na criminalidade. O castigo imposto na prisão degrada física, moral e

psicologicamente o recluso. Se, por este sofrimento, o indivíduo resolve não

mais retornar à criminalidade, ele poderia voltar sem rótulos ou preconceitos ao

convívio social e a sistemática teria credibilidade. Contudo, essa não é a

realidade e só os “penólogos correcionalistas” conseguem vislumbrar a

finalidade recuperativa na prisão.

As políticas públicas devem articular os diferentes atores envolvidos no

cenário da ressocialização para incentivar mudanças profundas no indivíduo

preso, nas estruturas de penalização e nas organizações que participam desse

processo. O desenvolvimento local atinge sucesso nas mudanças sócio-

38

humanas porque é na localidade que as alterações sócio-econômicas ocorrem

e, através delas, é possível pretender um sistema prisional ressocializador.

A complexidade das relações entre os envolvidos – Estados, presos,

empresas - e suas relações com o ambiente é preponderante para o sucesso

das políticas públicas prisionais de desenvolvimento local. As estratégias

escolhidas devem permitir ultrapassar a praxe do raciocínio linear de causa e

efeito.

Cabe às políticas públicas promover ferramentas de incentivo para o

desenvolvimento de parcerias entre o Estado e as empresas, aumentando a

tímida iniciativa de oportunizar trabalho, educação e profissionalização para os

apenados que queiram, e diminuição de custos para as empresas que

aproveitam a força de trabalho carcerário. Também devem definir e analisar as

melhores estratégias que contemplem o desenvolvimento local, humano, social

e econômico, sem escravizar o trabalhador e de forma competitiva para as

empresas.

Senhora (2007, p.13) enfatiza que no ambiente local é que ocorrem as

interações sociais entre as empresas, redes de infra-estrutura e pessoas, que

exige uma abordagem moderna, democrática, transparente e competente para

que as ações articuladas do governo e das instituições com a sociedade local,

construa

O Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária é subordinado ao

Ministério da Justiça. Preconiza-se para esse órgão a implementação, em todo

o território nacional, de uma nova política criminal e principalmente

penitenciária a partir de periódicas avaliações do sistema criminal,

39

criminológico e penitenciário, bem como, a execução de planos nacionais de

desenvolvimento quanto às metas e prioridades da política a ser executada.

O Estado estabeleceu entre suas metas de políticas prisionais (Conselho

Nacional de Política Criminal e Penitenciária, 2007) o incentivo fiscal para que

empresas se instalem nas penitenciárias; o estímulo ao trabalho, a instituição

escolar além do envolvimento da sociedade na reinserção dos presos.

Em estudo sobre a ótica dos apenados realizado por Gomes (2007), o

trabalho foi apontado pelos reclusos como a principal atividade ressocializante,

(36,73%), seguida pela educação (26,65%), pela assistência religiosa

(18,45%), e pela assistência social (18,17%).

Apesar do discurso oficial do objeto ressocializador das penas, muito

pouco se observa de concreto na atuação do Estado para cumprir esse papel.

A atividade econômica não é suficiente para ocupar os trabalhadores comuns,

cujo excedente de mão de obra causa o desemprego, o emprego informal e o

subemprego. Nessa realidade do cotidiano nacional não se esperam muitas

ações públicas para o desenvolvimento do trabalho nas instituições penais,

pois, concorrem com a oferta de emprego para a população.

Para que se operem transformações na vida do detento, as políticas

públicas podem integrar a vontade daqueles detentos que querem uma nova

oportunidade e facilidade e incentivos para a instalação de empresas nas

penitenciárias ao gerar: acesso a educação e cultura, com o objetivo de

garantir aos presos o seu ingresso ao conhecimento, e desse modo facilitar a

sua entrada no mercado de trabalho; apoio social e psicológico, com o intuito

de proceder a alterações nas bases formativas desse indivíduo e de promover

sua inclusão social.

40

2. Direitos Humanos dos Presos

Os Direitos Humanos dos presos estão previstos em diversos estatutos

legais. Em nível mundial existem várias convenções como a Declaração

Universal dos Direitos Humanos, Declaração Americana de Direitos e Deveres

do Homem e a Resolução da ONU que prevê as Regras Mínimas para o

Tratamento do Preso.

Em nível nacional a Carta Magna reservou 32 incisos do artigo 5º, que

trata das garantias fundamentais do cidadão destinadas à proteção das

garantias do homem preso. Existe ainda em legislação específica a Lei de

Execução Penal – os incisos de I a XV do artigo 41, que dispõe sobre os

direitos infraconstitucionais garantidos ao sentenciado no decorrer na execução

penal.

No campo legislativo, nosso estatuto executivo-penal é tido como um

dos mais avançados e democráticos existentes. Ele se baseia na ideia de que

a execução da pena privativa de liberdade deve ter por base o princípio da

humanidade, sendo que qualquer modalidade de punição desnecessária, cruel

ou degradante será de natureza desumana e contrária ao princípio da

legalidade.

No entanto, o que tem ocorrido na prática é a constante violação dos

direitos e a total inobservância das garantias legais previstas na execução das

penas privativas de liberdade. A partir do momento em que o preso passa a

tutela do Estado ele não perde apenas o seu direito de liberdade, mas também

todos os outros direitos fundamentais que não foram atingidos pela sentença,

passando a ter um tratamento execrável e a sofrer os mais variados tipos de

castigos que acarretam a degradação de sua personalidade e a perda de sua

41

dignidade, num processo que não oferece quaisquer condições de preparar o

seu retorno útil à sociedade.

Isto posto percebemos claramente uma distorção, haja vista, que o

próprio sistema penitenciário não possibilita ao homem preso de ressocializar-

se, pois seus mais remotos direitos não são respeitados.

A cadeia não comporta a totalização dos apenados, os agentes

penitenciários não têm formação adequada e tampouco ética no cotidiano com

o preso; muitas vezes desrespeitando princípios básicos de Direitos Humanos

e das Garantias Fundamentais.

Tudo isto gera conseqüências drásticas, que não cumprem, nem de

longe, com o objetivo de reintegrá-los e ressocializá-los à sociedade.

Neste contexto, são fatos modernos e recentes da realidade do Sistema

Penitenciário:

Cadeias Públicas segregam presos a serem condenados e com

condenações definidas, em virtude da inexistência de vagas nas

poucas penitenciárias em atividade. A superpopulação dos

estabelecimentos penais em atividade acarreta a violência sexual

entre os presos, a presença de tóxico, a falta de higiene que

ocasionam epidemias gastrointestinais etc.;

Presos condenados a regime semi-aberto recolhem-se a Cadeia

Pública para repouso noturno, gerando revolta entre os demais que

não gozam de tal benefício.;

Doentes mentais, mantidos nas cadeias, contribuem para o aumento

da revolta dos presos, os quais têm que suportar a perturbação

durante o dia e no repouso noturno, de tais doentes;

42

As condições em que se encontram os estabelecimentos penais em

atividade (superpopulação, falta de higiene, tóxico, violências

sexuais) não fazem mais do que incentivarem ao crime;

Um em cada três presos está em situação irregular, ou seja,

deveriam estar em presídios, mas encontram-se confinados em

delegacias ou cadeias públicas;

De 10% a 20% dos presos brasileiros podem estar contaminados

com o vírus da AIDS;

A maioria dos presos cumpre penas de quatro a oito anos de

reclusão, por crimes como: roubos, furtos, tráfico de drogas etc.;

É bem verdade que não podemos atribuir como causa de reincidência,

somente o fracasso da prisão. Temos de levar em consideração a contribuição

de outros fatores pessoais, políticos e sociais.

O direito à salvaguarda da dignidade, o direito ao respeito da pessoa

humana, o direito a intimidade são os direitos mais agredidos na maior parte

das prisões do mundo. Desde a admissão, começa o despojamento da

personalidade do preso: a de algemas nos pulsos, revista no corpo nú à vista

de todos, troca de traje pessoal e uso de chuveiros coletivos na presença de

guardas etc.

O direito a informação, enunciado no art. 26 da Declaração Universal

dos Direitos do Homem e do Cidadão, é de vital importância para a

ressocialização do detento, pois tanto humaniza o regime penitenciário, como

concorre para o aprimoramento cultural do recluso. O direito com a

comunicação com o mundo exterior abre a prisão para o mundo livre e visa à

desistitucionalização da prisão. O condenado não pode perder o contato com a

sociedade, para a qual se prepara gradativamente.

43

Enquanto isso não ocorre, as prisões são cenários de constantes

violações dos direitos humanos e consequentemente dos direitos dos presos.

Têm sido cada vez mais frequentes o enfrentamento entre presos e

carcereiros, assim como brigas de ajustes de contas entre os próprios presos.

Não pode haver mais dúvidas de que o Sistema Penitenciário Brasileiro

está falido, além de inútil como solução para os problemas da criminalidade.

Nele há um desrespeito sistemático aos direitos humanos garantidos pela

Constituição, inclusive aos condenados.

Diante das lamentáveis condições penitenciárias, o discurso que prega a

reclusão como forma de ressocialização de criminosos ultrapassa a raiz da

hipocrisia tolerável.

44

CONCLUSÃO

Ao abordar um fenômeno social com objetivo mais amplo a

compreensão da dinâmica de uma sociedade, pode-se focar as grandes

estruturas como o sistema econômico ou político ou analisar situações

específicas do cotidiano, pois de uma forma ou de outra estaremos

vislumbrando aquela sociedade em questão.

A realização deste trabalho intitulado “A História de Familiares de

Presos” mostrou a importância da dinâmica familiar no seu dia a dia e saber

como ele lida com esta temática tão complexa. O relacionamento da família

com o sistema prisional nas diversas práticas de poder que atravessavam o

cotidiano do apenado, bem como, àquelas que ultrapassam os muros do

presídio e se fazem presentes na sua vida.

Buscar compreender que as práticas como as relações não são

estáticas, estão sempre em movimento, se construindo e se desconstruindo ao

longo da história, se manifestando nos discursos produzidos, nas regras

estabelecidas, nas concepções das pessoas, nos seus modos de agir, andar e

viver.

Proponho retomar alguns pontos que emergiram do processo de estágio,

das experimentações e aprendizagens voltadas ao trabalho profissional e da

própria análise sócio histórica da instituição prisional bem como as implicações

que o aprisionamento provoca no indivíduo apenado como em seus familiares.

45

A análise sócio histórica da prisão me fez compreender as estratégias do

poder. Foi a partir dos séculos XVII e XVIII que as monarquias desenvolveram

os grandes aparelhos de produtividade do poder – o exército, a polícia, os

hospitais e os métodos de punição, isto é, instrumentos que permitiram e

permitem até hoje fazer circular os efeitos do poder de forma contínua,

ininterrupta e natural.

Na prisão o poder se manifesta através da disciplina, das regras, das

limitações, proibições e obrigações. O corpo humano entra em uma espécie de

máquina que modifica seus gestos, seu comportamento, fabricando indivíduos

submissos. A transformação dos indivíduos na instituição punitiva adotou

caráter ressocializador através do trabalho penal, da progressão de regime, do

controle e da educação penitenciária. Estes mecanismos servem para treinar

os indivíduos, para gerir suas vidas, controlar suas ações para que assim seja

possível utilizá-los, aproveitar suas potencialidades, torna-los força de trabalho

diminuindo sua capacidade de revolta e de resistência contra as ordens de

poder.

Através do contato com a realidade familiar pude verificar que estes

mecanismos de poder são projetados para fora da prisão atingindo este

familiar, o qual é inserido nesta prática tornando também um instrumento

completo de dominação, pois através dela é possível construir um saber sobre

a vida do seu apenado.

A partir deste estudo posso concluir que os familiares dos presos têm

opiniões que concordam ou complementam as opiniões destes acerca do

sistema penitenciário.

46

Sejam ou não os sentimentos dos apenados influenciados por

dificuldades reais do sistema, esses sentimentos são compartilhados pelos

familiares, mesmo porque as famílias não dispõem de outras informações do

que se passa no presídio que não as que lhes são fornecidas pelo parente

preso.

47

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