univens – nove anos de história concretizando uma...
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UNIVENS – Nove anos de história concretizando uma outra economia
Aline Mendonça dos Santos1
Title: UNIVENS - Nine years of history materialize one another economy
Abstract
The objective of this text is to deal with, under some aspects, about a demonstrative case of
the solidary economy lived deeply by workers of a located solidary economic enterprise in the city
of Porto Alegre RS/BR. Is the Joined Cooperativa de Costureira Unidas Venceremos (UNIVENS)
that through its experience it comes presenting significant visibility in the effective society. The
text produced here allows to understand the dynamics adopted for the workers whom the
UNIVENS to an importance promotes politics, social and economic that cause certain impact in the
society where if it inserts.
Key words: Solidary Economy, Solidary Economic Enterprise, Social Representations
Resumo
O objetivo deste texto é tratar, sob alguns aspectos, de um caso demonstrativo da economia
solidária vivenciado por trabalhadoras de um empreendimento econômico solidário localizado na
cidade de Porto Alegre RS/BR. Trata-se da Cooperativa de Costureira Unidas Venceremos
(UNIVENS) que através de sua experiência vem apresentando significativa visibilidade na
sociedade vigente. O texto aqui produzido permite compreender a dinâmica adotada pelas
trabalhadoras que promove a UNIVENS a uma importância política, social e econômica causando
certo impacto na sociedade em que se insere.
Palavras-chaves: Economia solidária, Empreendimento Econômico Solidário, Representações
Sociais
1Doutoranda em Serviço Social – Área de concentração “Política Social e Trabalho” da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro/ RJ/ BR); Mestre em Ciências Sociais Aplicadas titulada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (São Leopoldo/ RS/ BR); Assistente Social graduada pela Universidade Católica de Pelotas (Pelotas/ RS/ BR).
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INTRODUÇÃO
O Rio Grande do Sul foi um dos primeiros estados brasileiros a ser cenário de experiências
de economia solidária. Foi e é um importante espaço de interação entre diferentes agências e
programas de fomento a economia solidária, bem como de empreendimentos motivados a se
consolidarem enquanto experiência de economia solidária. Nesse sentido, o movimento de
organização da economia solidária se expande no Estado, aglutinando diversos agentes envolvidos
com o tema. A partir desse processo, visualiza-se uma série de iniciativas que se destacam pela
dinâmica de trabalho diferenciada que adotam na perspectiva de consolidar a economia solidária.
A UNIVENS – Cooperativa de Costureira Unidas Venceremos – é um dos percussores
dessa história no Rio Grande do Sul, e, sem dúvida, é um dos empreendimentos que exibe maior
destaque se tornando uma referência significativa para a economia solidária no Estado e
consequentemente no Brasil e no mundo. Ao longo dos nove anos de existência da UNIVENS, são
muitos os convites que as trabalhadoras do empreendimento recebem na perspectiva de ocuparem
espaços onde podem socializar suas práticas. É por essa relevância política, social e econômica que
elegi a UNIVENS como empreendimento a ser discutido neste trabalho. Eu tive a oportunidade de
estudar tal Empreendimento Econômico Solidário (EES) 2 na ocasião em que eu estava no
mestrado, quando investiguei as representações sociais dos trabalhadores nos EES da região
metropolitana de Porto Alegre no Estado do Rio Grande do Sul no Brasil. Dos EES pesquisados a
UNIVENS é o que mais vem se destacando não só por sua organização coletiva interna, mas por
sua inserção em espaços políticos da sociedade. Nesse sentido, entendi como conveniente
aprofundar meu estudo sobre esse empreendimento e socializa-lo nesta produção.
Dessa forma, este estudo se caracteriza como um recorte de uma pesquisa mais elaborada
que resultou na minha dissertação de mestrado. Para realizar tal estudo optei por uma pesquisa
qualitativa de estudo de caso.
A coleta dos dados na pesquisa não foi um processo acumulativo e linear. Os dados foram
colhidos, interativamente, num processo de idas e voltas, nas diversas etapas da pesquisa e no
intercâmbio com os sujeitos. Nessa pesquisa os dados não foram coisas isoladas, acontecimentos
fixos, captados em instantes de observação. Eles se deram em um contexto fluente de relações:
como fenômenos que não se restringem às percepções sensíveis e aparentes.
2Entendidos como organizações coletivas de trabalhadores, de geração de trabalho e renda, regidas por princípios de autogestão, democracia, participação, igualitarismo, cooperação no trabalho, auto-sustentação, desenvolvimento humano e responsabilidade social. (Gaiger, 1999).
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Assim sendo, o empreendimento apresenta uma situação inusitada, própria, que foi
explorada durante o ano de 2003 através de vistas ao empreendimento, diálogos formais e
informais, e acompanhando o EES em suas inserções econômicas, sociais e políticas. Levando-se
em consideração esses processos e suas respectivas características, atendi, em parte, o estudo da
experiência da UNIVENS, mas ainda foi necessário estudar os acordos e normas estabelecidos
pelos trabalhadores no empreendimento para consolidar a organização coletiva. Para isso procedi a
uma análise de documentos. A pesquisa documental consistiu em adquirir conhecimentos a partir de
informações advindas de material gráfico e audiovisual.
Partindo desse processo metodológico, procurei sistematizar este trabalho em três partes.
Num primeiro momento faço uma breve discussão sobre o desenvolvimento da economia solidária
no Brasil, bem como no Estado do Rio Grande do Sul; Logo, traço um perfil da UNIVENS
pautando a forma como o empreendimento vem se consolidando no decorrer da história e; por fim,
realizo uma longa reflexão sobre a forma como os trabalhadores produzem suas representações a
partir da prática de trabalho solidário na UNIVENS.
Cabe dizer que este trabalho trata muito mais de questões subjetivas referentes ao EES,
uma vez que, como já dito, esta produção é oriunda de um processo investigativo que resultou na
minha dissertação de mestrado que tinha expressões da subjetividade como questões principais.
1 UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL
1.1 Contexto excludente
Nas duas últimas décadas, houve uma adesão da sociedade a teorias neoliberais,
permitindo ao sistema capitalista a expansão da globalização e a intensificação do processo de
abertura da economia aos mercados internacionais. Privatizaram-se atividades sociais e econômicas,
incrementou-se aceleradamente a reestruturação produtiva, o que trouxe uma maior concentração do
poder econômico.
A indústria brasileira sofre uma perda de mercado e várias empresas fecham suas portas e
reduzem o número de empregos. Com isso, milhões de trabalhadores estão sendo excluídos e ficam
à margem do mercado de trabalho. A atual conjuntura se configura num campo de competitividade
onde tudo é disputa: as empresas disputam o mercado, e em conseqüência disso, disputam a redução
de custos de produção; por outro lado, as pessoas disputam espaços no mundo do trabalho, uma vez
que as empresas, buscando reduzir custos e ampliar lucros, investem em tecnologia, e promovem a
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produção com menos pessoas trabalhando. Ocorre uma reestruturação nos meios de produção,
menos trabalhadores são requeridos para produzir bens de consumo final. Com isso, temos um
quadro de exclusão e desemprego que afeta todas as camadas da sociedade, principalmente, a mais
empobrecida, a menos qualificada.
Antunes (1995), ao refletir sobre esta temática, apresenta-nos as dificuldades de
enfrentamento, os questionamentos da classe trabalhadora que visam a superar o desemprego
estrutural:
Como é possível resistir a uma onda tão intensa? Como é possível elaborar um programa econômico alternativo que incorpore os milhões de trabalhadores que não participam do mercado e que vivem da miséria e da economia informal? Como é possível resgatar um novo modelo econômico que elimine definitivamente a superexploração do trabalho, que particulariza o capitalismo industrial brasileiro, cujo salário mínimo é degradante? Quais são os contornos básicos desse modelo econômico alternativo cuja lógica deverá iniciar a desmontagem do padrão de acumulação capitalista vigente no país? Como é possível pensar numa ação que não impeça o avanço tecnológico, mas faça em bases reais, com ciência e tecnologia de ponta desenvolvida em nosso país? Como é possível um caminho alternativo que recupere valores socialistas originais, verdadeiramente emancipadores? Que não aceite a globalização e uma integração imposta pela lógica do capital, integradora para fora e desintegradora para dentro? Como é possível hoje articular valores inspirados num projeto que olha para uma sociedade para além do capital, mas que tem que dar respostas imediatas para a barbárie que assola o cotidiano do ser que vive do trabalho? (...) Estes são, como se pode perceber, desafios enormes. (ANTUNES, 1995, p. 01)
Frente ao exposto, tem-se que a sociedade capitalista engendra uma dinâmica de
transformações sociais as quais incidem diretamente no cotidiano dos trabalhadores. O desemprego
estrutural surge como uma das principais expressões da questão social e, portanto, um grande
desafio para os trabalhadores.
Dessa forma, tem-se que a falta de emprego é a causa mais evidente do desajuste social. As
transformações representam uma minimização do emprego, sobretudo se elas se somarem, como
afirma Guimarães:
Na década de 90, a globalização da economia e a reestruturação produtiva, somadas à privatização das empresas públicas, representaram para os trabalhadores brasileiros, principalmente aqueles inseridos no mercado formal, uma dramática ruptura, responsável por um quadro de desemprego com índices jamais vistos em nossa história. Trabalhadores antes incluídos nos mercados formais vieram somar-se aos já historicamente excluídos, pertencentes ao mercado informal. A partir do momento que a referência social do trabalhador está atrelada à sua inserção na economia, a perda do trabalho formal significa muito mais que a perda financeira (GUIMARÃES, 1999, p.05).
Nesse contexto de mudança se visualiza um movimento de novas formas de organização
do trabalho e da produção, bem como importantes formas de trabalho coletivo, pois esta situação
está levando vários grupos de trabalhadores a se unirem para assumir o controle da organização do
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seu trabalho e de processos produtivos. Os trabalhadores se envolvem com a economia solidária
motivados por aportes externos, entidades que acreditam na economia solidária como uma possível
alternativa ao desemprego, que convidam os trabalhadores a participar de cursos, reuniões, feiras
sensibilizando-os a se organizarem e aderirem ao processo.
É expressivo o número de experiências coletivas de trabalho e de produção que se
configuram em todo o país. Os trabalhadores, impulsionados pela falta de alternativas e por
convicções políticas, organizaram-se nas mais diversas formas como cooperativas de produção, de
consumo, de crédito e de serviços, associações, empresas de autogestão, bancos comunitários e
várias organizações populares, que no geral compreendem o que esta se chamando de economia
solidária.
1.2 A economia solidária no Brasil e no Estado do Rio Grande do Sul (RS)
Paul Singer, estudioso que tem se dedicado ao tema no Brasil, em alguns pronunciamentos
costuma dizer que a economia solidária está ressurgindo (Seminário a Outra economia – Hotel
Embaixador- Porto Alegre - RS), não se trata de uma simples herança do cooperativismo, mas uma
revivência das lutas históricas dos trabalhadores. Trata-se de um movimento dos trabalhadores
colocado em pauta frente a crise social do país, condicionado pela crise do capitalismo que abre
espaço para novas formas de economia.
A economia solidária teve importante contribuição de alguns pensadores socialistas
utópicos do século XVIII, entre eles Owen, Proudhon e Fourier. Eles imaginaram a constituição de
organizações coletivas que não tivessem apenas um dono, mas vários deles, acreditavam na
possibilidade de uma estrutura diferente de gestão e produção que estabelecesse uma nova relação
da comunidade com a economia (ANTEAG, 2000).
Essas novas formas de gestão sempre surgiram na tentativa de superar a questão social da
época. Independentes do momento histórico em que são abordados, os empreendimentos solidários
surgem sob o impulso de uma dinâmica socioeconômica condicionada por uma grande crise
econômica.
No Brasil, as cooperativas despontam durante o período após a Segunda Guerra Mundial.
Com a informatização, oriunda do que a história chama de Terceira Revolução Industrial, de 1980
até os dias de hoje, o mundo vive uma outra grande crise e os trabalhadores começam a apresentar
estratégias de sobrevivência. Foi então que floresceu a economia solidária.
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A economia solidária no Brasil passou a ter visibilidade com o processo de fechamento das
fábricas, quando os trabalhadores reagiram assumindo a massas falidas e modificando as relações
de trabalho a partir de uma prática coletiva, autogestionária e solidária. Foram situações deste
caráter que deram início á ANTEAG3, que surge na perspectiva de afirmar o movimento como
resposta dos trabalhadores e consolidar o processo como alternativa ao sistema vigente.
Embora a economia solidária tenha despertado a atenção dos diferentes segmentos da
sociedade só nos anos 90, ela já vem se destacando há mais tempo nas relações de produção de
pequeno porte, organizadas por núcleos familiares e pela comunidade, não apresentando um caráter
de geração de emprego e renda, mas de subsistência, embora muitas destas experiências
transcendam o patamar da subsistência, atingindo níveis de acumulação e crescimento (GAIGER,
1999).
Souza (SINGER & SOUZA, 2000) diz que os empreendimentos comunitários, também
identificados como empreendimentos populares (TIRIBA, 2001), têm iniciativa de seus membros e
de algum agente externo (igreja, associação de moradores, Ongs4) e seus trabalhadores não têm
qualificação profissional, têm baixa escolaridade e, em geral, são mulheres e jovens, (antes
exerciam funções de donas de casa e estudantes) e ainda, que tais empreendimentos localizam-se na
periferia das cidades.
Por muito tempo, as diferentes formas de economia solidária (autogestão, associações...)
permaneceram ocultas e, às vezes, ainda são. No princípio, esses empreendimentos não
apresentavam grande importância, depois foram despertando maior atenção. Assim argumenta
Gaiger: Nos anos de 1980, essas iniciativas tinham pequena visibilidade. (...) Naquela época, eram, muito mais, obra de entidades assistências ou filantrópicas. Aos poucos, esse campo vai ganhando visibilidade social e, agora, se pode falar também em visibilidade política. É quando vai surgir o conceito de Economia Solidária, junto com outros conceitos que procuram dar conta dessa realidade. (...) Nos anos de 1980, não se falava em economia solidária, mas em projetos comunitários; não se falava nem em experiência de geração de renda. Esse é um termo dos anos de 1990. (GAIGER, 2000, p. 168-169)
Portanto, no Brasil, primeiro observou-se o crescimento de cooperativas agropecuárias que
visavam reforçar a classe dos produtores rurais. Logo as empresas de autogestão e as experiências
populares roubaram a cena, provocando o interesse de aportes externos que se constituíram na
perspectiva de apoiar os empreendimentos coletivos e consolidar uma outra relação de trabalho na
sociedade contemporânea. 3 Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária. 4 Organizações Não Governamentais.
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Frente à conjuntura desfavorável propiciada pela dinâmica da sociedade, é visível que a
economia solidária tenha aparecido com maior incidência nos anos 90, como reação ao processo de
fechamento dos postos de trabalho, à exclusão social, tornando-se um foco crescente de interesses e
atenções, como alternativa e tentativa de inserções no mundo do trabalho. As pessoas têm mais
espaços no mundo do trabalho se estiverem coletivamente organizadas do que isoladas (SINGER,
2000).
No Rio Grande do Sul a economia solidária ganha um destaque considerável quando um
conjunto de experiências surgidas nos meios populares urbanos e rurais a partir dos anos 80,
promovidas por organizações que buscavam opções de geração de renda, começaram a causar certo
impacto no Estado. Experiências cooperativas não são um fenômeno novo no Estado, mas
raramente as iniciativas de economia solidária se inserem nos mesmos espaços institucionais do
cooperativismo tradicional. Algumas cooperativas formaram-se a partir de benefícios
constitucionais e se burocratizaram. Existem cooperativas de comercialização cujos sócios são
capitalistas (isto ocorreu muito na década de 80 com as cooperativas agropecuárias) e estas
cooperativas pouco têm em comum com as iniciativas que compõem a economia solidária e que são
formadas por trabalhadores que procuram criar para si e para a sociedade alternativas democráticas
ao sistema. Assim afirma ICAZA, (2004:17). No Rio Grande do Sul, há uma importante tradição cooperativa e associativa que se desenvolveu desde inícios do século XX e teve um crescimento significativo nos anos 60 e 70. Porém o campo de experiências de geração de renda dentro de uma perspectiva solidária tem apresentado uma renovação e revitalização significativa, ampliando-se sistematicamente nas últimas duas décadas. Pode-se afirmar que o movimento da economia solidária tem processos, dinâmicas e espaços de atuação próprios, os quais se diferenciam das práticas cooperativas institucionalizadas até os anos 70.
Os governos da frente popular do Rio Grande do Sul foram pioneiros na implantação de
políticas públicas para Economia Solidária, isso acarretou uma forte motivação, por parte do poder
público, na constituição de EES. Nesse sentido, importantes perspectivas políticas e institucionais
abriram-se para o Estado e para as organizações da economia solidária.
A gestão do PT (Partido dos Trabalhadores) no governo do Estado (1999-2002) fez um
forte investimento na implantação da política de economia solidária, tendo que primeiramente
suspender políticas implementadas nos governos anteriores, como a acolhida de empresas
multinacionais por meio de incentivos fiscais e a privatização de órgãos públicos. Num segundo
momento, o governo implantou o “Programa de Economia Popular e Solidária” alocado à principal
Secretaria de Estado relacionada ao desenvolvimento econômico. Dessa forma, o programa estava
orientado a realizar políticas emancipatórias alicerçadas em cinco frentes de sustentação dos
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empreendimentos: educação para a autogestão, capacitação do processo produtivo, financiamento,
comercialização e apoio à formação de novos empreendimentos.
Mas antes mesmo do PT promover esta política a nível estadual e nacional5, já a realizava
em esferas municipais. Destaca-se aqui o caso de Porto Alegre que teve forte influência na história
da UNIVENS. Gaiger (2003:10) faz a seguinte observação a respeito do processo na capital gaúcha:
O Poder Público em Porto Alegre concentrou sua ação no fomento a grupos de baixa renda, visando à sua organização econômica associativa. As políticas do município direcionaram-se principalmente ao setor informal, compreendendo associações de reciclagem do lixo urbano e a grupos de produção nos ramos de artesanato, confecções e prestação de serviços6. Além da formação gerencial e da intermediação de recursos, a prefeitura de Porto Alegre oferece a determinados grupos um período de incubação, onde instalações adequadas servem ao funcionamento e à consolidação de novos empreendimentos. Essa segunda linha de trabalho, todavia, ficou restrita a poucos empreendimentos e não logrou exercer um efeito demonstrativo convincente. A lentidão burocrática do aparelho estatal, somada à descontinuidade das políticas implementadas e, principalmente, ao modo diferenciado de concebê-las, pelas sucessivas administrações, resultou em um baixo impacto sobre a economia popular do município, sem produzir a necessária dinamização sistêmica entre os diversos agentes produtivos, nem gerar estruturas de escala, propícias ao seu efetivo desenvolvimento7.
A UNIVENS foi um dos empreendimentos privilegiados pela estrutura condicionada pela
prefeitura de Porto Alegre (POA). Durante sete anos o empreendimento teve como sede a
Incubadora de Economia Popular da Prefeitura de POA, utilizando a estrutura física e alguns outros
recursos disponibilizados pela mesma. Nos próximos itens discorreremos sobre esta situação do
EES.
2 CARACTERIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO
2.1 Procedimento metodológico
5 Durante a gestão do PT no Estado do RS foi motivado um GT Nacional de economia solidária que provocou Plenárias Nacionais de economia solidária. A partir dessas plenárias, configurou-se uma comissão responsável em negociar junto ao Governo Lula, a inserção de políticas públicas para a economia solidária na plataforma de governo e foi resultado desse diálogo que foi formada a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) dirigida pelo professor Paul Singer. 6 Programas semelhantes foram implantados em outros municípios, perfazendo meia centena de empreendimentos e havendo, ademais, subsidiado uma das linhas de trabalho do atual governo do Estado. 7 Projetos de estímulo à qualificação e à comercialização dos produtos solidários, ou possuem um efeito momentâneo e
economicamente restrito, como as Feiras de Economia Solidária, ou estão por evidenciar sua viabilidade, como a Etiqueta Popular e a Central de Comercialização, ou representam espaços de discussão entre os agentes, indispensáveis mas sem garantia de resultados concretos, como o Fórum Metropolitano de Apoio à Economia Solidária.
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Para obter um perfil do empreendimento realizei um procedimento quantitativo que
identifico como a primeira etapa da pesquisa de campo: um cadastro do perfil dos trabalhadores do
EES. Para isso, utilizei um formulário simples (anexo 1)8. A intenção prévia era aplicar esse
instrumento com todos os trabalhadores, mas isso não foi possível, pois alguns dos trabalhadores
estavam de férias, outros de licença e outros ainda trabalhavam fora do espaço coletivo da
cooperativa. Na UNIVENS, algumas cooperadas trabalham com costura em suas próprias casas.
O fato de não realizar o trabalho com todos os cooperados não prejudicou a pesquisa, pois
se fez o cadastro da maioria dos trabalhadores, o que permitiu uma amostra adequada do perfil
apresentado pelo empreendimento.
Feito esse levantamento, optei por utilizar o programa de computador sphinx para a
tabulação dos dados, o que facilitou muito essa etapa da pesquisa, uma vez que foi necessário
apenas apresentar os dados, para que o programa os organizasse de forma padronizada. A tabulação
e gráficos resultados desse trabalho estão no anexo 2.
Com os dados dessa primeira etapa da pesquisa somados aos dados fornecidos pelo grupo
de pesquisa ECOSOL9 e aos materiais fornecidos pela UNIVENS (estatutos, regimentos, fotos,
recortes de jornais), foi possível uma melhor compreensão desse empreendimento e, unindo a
observação e a interação, também foi possível entender a dinâmica dele.
2.2 Apresentação da UNIVENS
UNIVENS – Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos
O empreendimento iniciou em 1996, a partir de um projeto que tinha por objetivo oferecer
uma atividade econômica para mulheres sem oportunidade de trabalho. Com essa perspectiva as
mulheres procuraram o Hospital Conceição oferecendo trabalho de confecção. Devido à
necessidade de entrar em licitação para fornecer tal produto ao hospital decidiram legalizar a
cooperativa. Além dessa tentativa, tiveram outras iniciativas, como a produção de multimistura,
para fornecimento ao hospital, e a confecção de camisetas e uniformes para empresas. Infelizmente
a idéia inicial, de fornecer produtos de confecção para o hospital, nunca se concretizou, mas as
outras frentes deram resultado. Acabaram ganhando todas as licitações do hospital para a venda de
8 O questionário é composto de questões fechadas e duas questões abertas que foram codificadas e tabuladas. 9 Grupo de pesquisa da Universidade o Vale do Rio dos Sinos (RS), vinculado ao CNPq e coordenado pelo prof. Dr. Luiz Inácio Gaiger.
10
multimistura. A confecção e a serigrafia de roupas também foram consolidadas em outros espaços,
mas não no hospital. A Cooperativa é registrada e legalizada desde junho de 1996.
As trabalhadoras da UNIVENS são vizinhas, há tempos interagem juntas em lutas e
movimentos comunitários. No período inicial, o trabalho realizado com a alimentação tinha um
objetivo social. Com o tempo, isso foi mudando. As trabalhadoras foram especializando-se e o
trabalho com a alimentação foi crescendo. Hoje existe uma procura grande desse serviço e essa
atividade não é mais principalmente social e sim, econômica.
Este grupo é formado predominantemente por mulheres, moradoras da Vila Nossa Senhora
Aparecida, no bairro Sarandi, de Porto Alegre, que apresenta uma forte tradição comunitária. A vila
onde se situa a cooperativa, na zona norte de Porto Alegre, é uma área ocupada em 1979, que após
uma longa luta por parte dos moradores foi desapropriada e regularizada pelo poder público
municipal. A boa infra-estrutura do bairro deve-se à grande participação da população no
Orçamento Participativo do município.
No início da atividade, as trabalhadoras não tinham espaço para consolidar a cooperativa,
reuniam-se na capela da comunidade e a maior parte do trabalho era realizado na casa das
associadas, pois não havia espaço suficiente para a produção coletiva. Através de mobilização
muito conquistaram, como um espaço via prefeitura conseguido através do Orçamento
Participativo. Para ocupar tal espaço o grupo passou a participar do Projeto Ações Coletivas da
Prefeitura Municipal, através da Secretaria Municipal de Indústria e Comércio (SMIC), que
promoveu cursos profissionais (costura e serigrafia). Em 1998, foi inaugurada a primeira
Incubadora de Economia Popular de Porto Alegre, onde o grupo dispôs de espaço físico e infra-
estrutura (telefone, fax, secretaria etc). Trata-se de um espaço dotado de instalações e área física
adequadas, além de ser próximo ao local de moradia das integrantes. Esse ambiente permitiu melhor
organização do trabalho (máquinas colocadas num único local, horário coletivos, maior agilidade
entre as etapas de fabricação etc), organização do estoque, relacionamento mais profissional com os
clientes - que passam a ter condições de ver o produto - e significativa economia de custos. No
inicio do ano de 2005, as cooperadas, realizaram um antigo sonho: inauguraram a sede própria que
continua localizada próximo ao local de moradia das integrantes.
Fruto da mobilização das cooperadas, a UNIVENS ainda contou com o apoio de técnicos
do Hospital Conceição, na produção da multimistura; da IOCHPE10 que doou o maquinário; do
10 Antiga empresa Massey-Ferguson.
11
CAMP11, que viabilizou a compra de parte dos equipamentos com um recurso a fundo perdido; da
Cáritas Regional, para a compra de equipamentos e capital de giro; e ainda da Fundação Luterana.
A UNIVENS está organizada em três grupos de trabalho diferentes: a costura, a cozinha e
a serigrafia. Os próprios trabalhadores escolheram em qual grupo de trabalho ficar, de acordo com
suas especificações profissionais e neles se especializaram. Assim, não ocorrem trocas de setores e,
no interior de cada um, é facultado, porém raro, que alguém mude de função. Caso isso ocorra,
geralmente, é de comum acordo.
Por falta de espaço e por conveniências familiares, algumas cooperadas trabalhavam em
casa (com a construção da nova sede esta realidade mudou), com máquinas que podem ser suas ou
da cooperativa. A confecção das camisetas (principal produção da cooperativa hoje) é dividida
igualmente entre as costureiras. As demais peças são distribuídas observando o interesse das
trabalhadoras e as condições de produção. Quem trabalha nesse setor recebe pela produção,
segundo o valor agregado ao produto, variável com o modelo da confecção. Na cozinha e na
serigrafia, as sobras são divididas de forma igual para todos. Não há comissão pelo exercício de
cargo administrativo.
Quando alguém vai ingressar na cooperativa faz um período de experiência e, se aprovado,
passa a ser membro da cooperativa formalmente. Não há empregados, salvo para atender picos
elevados de demanda.
A demanda da UNIVENS ocorre por encomendas e contratos periódicos, não dispondo de
vendedores ou intermediários. Havendo uma determinada encomenda, o grupo não se nega a dar
conta. Na dúvida sobre as possibilidades de atender ao pedido, decidem em reunião, aceitando, às
vezes, alongar a jornada semanal de trabalho. Os sócios porventura ausentes na discussão acatam a
decisão da maioria.
São realizadas reuniões, válidas como assembléias ordinárias, quinzenais, com todo o
grupo, em que se prestam contas das atividades, se apresentam os resultados e se faz o planejamento
para os próximos dias. O grupo mantém uma forte militância na zona norte da cidade de Porto
Alegre, com ativa atuação no Orçamento Participativo, discussão de projetos de geração de renda,
articulação com o movimento sindical e atuação no fórum municipal, metropolitano, estadual e
brasileiro de economia solidária.
O mercado da UNIVENS está concentrado nas organizações sindicais, movimentos
populares e entidades de natureza socio-política, dirigindo-se a eventos, como o FSM12, campanhas
11 Centro de educação popular. 12 Fórum Social Mundial.
12
sindicais e eleitorais etc. Desta forma, está situado no próprio contexto dos movimentos e de suas
articulações, onde a Cooperativa utiliza suas estratégias de marketing e vendas. Outra boa parte da
produção é destinada à demanda de empresas na confecção de uniformes de trabalho.
O grupo sempre buscou a estratégia de participar de tudo o que está sendo realizado na
cidade (eventos, seminários, feiras, fóruns). Isso levou a uma divulgação do trabalho e ampliou o
conhecimento do tipo de produção que a cooperativa tem. Acreditam que essa foi uma das melhores
estratégias usadas.
Como já foi dito, trata-se de um empreendimento constituído predominantemente de
mulheres. Apenas 11,8% dos trabalhadores são homens e esses trabalham especificamente na
serigrafia, segmento que foi incorporado depois no EES. A maioria das trabalhadoras executa suas
atividades na costura, sendo esse o segmento mais promissor da cooperativa nos dias de hoje
(tabulação 2, anexo 2).
A idade dos trabalhadores é bastante variável, com idades que vão dos 20 aos 60 anos,
existindo uma predominância maior de trabalhadores que tem idades de 36 a 52 anos e possuem
uma escolaridade que varia entre básica e fundamental.
A maior parte das trabalhadoras da UNIVENS é casada, atingindo um percentual de
64,7%, tendo ainda 17,6% na condição de separada, 5,9% de viúvas e 11,8% solteiras (tabulação 3,
anexo 2). Dessa forma, é possível averiguar que as trabalhadoras possuem responsabilidades
familiares, e constituem famílias com uma média de 4 pessoas (tabulação 4, anexo 2).
A experiência de trabalho na cooperativa é praticamente a primeira experiência fora de
casa de muitas das cooperadas pois, ou eram “donas de casa”, ou trabalhavam como costureiras
autônomas, atendendo pedidos em suas próprias residências (tabulação 7, anexo 2). No relato das
trabalhadoras, percebe-se que a inserção das mesmas no EES é resultado de diversas circunstâncias
(9, anexo 2), mas o fato de que precisavam trabalhar para contribuir para a renda familiar, por força
da atual conjuntura social, foi a situação apresentada por mais da metade das entrevistadas.
Nem todas as trabalhadoras são sócias fundadoras do EES: existe um percentual de 35,3%
das cooperadas que estão no EES desde sua constituição, outra parcela significativa do grupo
participa da UNIVENS há pelo menos 3 anos e uma minoria está no grupo há menos de 2 anos. Isso
significa que as trabalhadoras encontram-se em diferentes estágios de vivência da prática coletiva
dos EES e isso contribui para entendimentos diferentes a respeito do mesmo. Trata-se de um
empreendimento parcialmente heterogêneo, pois as trabalhadoras não possuem uma dinâmica
parelha de envolvimento com o empreendimento, ou seja, elas vêm de experiências de trabalho
diferentes e vivenciaram momentos históricos do empreendimento que são distintos.
13
Para concluir, todos os associados vivem do trabalho da cooperativa, consideram
positivamente o retorno financeiro e apreciam a vida comunitária experimentada dentro e fora do
EES.
3 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NA EXPERIÊNCIA DE ECONOMIA
SOLIDÁRIA
3.1 Vivência de solidarismo e representações
Com uma visão mais elaborada da realidade do empreendimento, passei para a segunda
etapa da pesquisa de campo: uma entrevista orientada por roteiro, estruturada com base nos temas-
indicadores: solidariedade, participação, poder e confiança. Nessa etapa, busquei entrevistar
quatro trabalhadores do empreendimento. A primeira fase da pesquisa permitiu conhecer os
trabalhadores e amadurecer a escolha dos entrevistados. Os critérios de seleção dos mesmos
corresponderam: trabalhadores envolvidos com os empreendimentos do meio do período de
constituição do EES ao início do mesmo; trabalhadores que estivessem em diferentes setores dentro
do EES; trabalhadores de ambos os sexos; tanto trabalhadores oficialmente envolvidos com a
administração do empreendimento, quanto trabalhadores que não assumem um posicionamento
formal nos conselhos.
A seguir, é possível conferir com mais detalhes algumas características específicas dos
trabalhadores13. O quadro abaixo traça o perfil dos trabalhadores selecionados para esse fim. Para
melhor visualização do cruzamento é necessário acompanhar as legendas:
13 Ao aludir os entrevistados empreguei nomes fictícios, a fim de resguardar o anonimato dos trabalhadores.
14
IDADE
FUNÇÃO NO EES TEMPO NO EES ATIVIDADE ANTERIOR
MOTIVAÇÃO
ADM.
FISC.
CHÃO
FUND.
MEIO
NOVO
MESMO
DIF
CASA
ACRED ALT REM
UNIVENS CLÁUDI
A (3)14
40 X X X X X X
LUíSA (4)
42 X X X X
ANA (6)
60 X X X X X
LUCAS (16)
45 X X X X X
Legenda – características
ADM Conselho administrativo FISC Conselho fiscal CHÃO Trabalho com a produção FUND Sócio fundador MEIO Sócio que está no EES no meio do período de constituição do
mesmo NOVO Sócio que recentemente entrou no EES MESMO Faz parte do segmento predominante entre os trabalhadores DIF Faz parte de um segmento diferente da maioria dos trabalhadores do
EES CASA Trabalhava em casa antes da inserção no EES ACRED Acreditou no projeto ALT Única alternativa (desempregado) REM Melhor remuneração
Ao observar a tabela, percebe-se que os perfis dos entrevistados seguem situações
predominantes do empreendimento, mas também contemplam situações minoritárias, por exemplo:
o caso de Luísa, que é considerada uma trabalhadora nova (com menos tempo de inserção no
empreendimento que os demais trabalhadores), num empreendimento considerado antigo (com 7
anos ou mais de constituição).
14 O nº. dentro dos parênteses indica a posição das respostas do entrevistado na tabulação do questionário da primeira fase da pesquisa – anexos 2.
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O quadro apresenta o perfil dos entrevistados de modo um tanto superficial e faz-se
necessário apresentar um pouco mais das trajetórias profissionais dos mesmos. Trajetórias essas que
estão à base das representações sociais15 que os mesmo possuem e externalizam.
Cláudia começou a trabalhar com 15 anos de idade e já percorreu vários setores, pois já
trabalhou em hotel, escola, posto de saúde e fábricas de produção. Segundo ela, o trabalho nas
fábricas de produção teve um marco muito significativo na sua vida, uma vez que foi onde percebeu
as grandes contradições da sociedade e sentiu a necessidade de se engajar na luta contra as
desigualdades. Com essa concepção, Cláudia integrou um movimento nacional de jovens
trabalhadores da pastoral operária, numa época em que as lutas sindicais estavam em evidência
(houve greve geral no Brasil). Cláudia sente-se privilegiada por ter adquirido e vivenciado novos
valores a partir desse movimento, num momento histórico tão importante do país.
Cláudia logo tornou-se uma liderança do movimento e foi liberada para militar durante três
anos, período em que percorreu o Brasil para fortalecer a luta dos trabalhadores. Com esse mesmo
intuito, morou em Fortaleza, onde trabalhou numa fábrica de confecção, mesmo sem experiência no
ramo, pois na avaliação do grupo era importante que Cláudia se inserisse naquele meio, a fim de
fortalecer o setor. Um ano depois, Cláudia retornou à Porto Alegre, onde continuou sua luta por
algum tempo, participou de oposições sindicais, foi perseguida pelos patrões e, após perder a
eleição sindical, foi demitida. Nesse meio tempo, Cláudia casou com um outro líder do movimento
que hoje está à frente do sindicato dos metalúrgicos de Porto Alegre.
Com a demissão, Cláudia resolveu trabalhar em casa como costureira, a fim de se realizar
profissionalmente e ficar mais perto dos filhos. Trabalhando em casa, acabou envolvendo-se com o
movimento popular da região e, conseqüentemente, com o orçamento participativo municipal, que
trouxe vários benefícios para a vila e, portanto, maior interação à comunidade, cuja organização deu
origem à cooperativa UNIVENS.
Cláudia é uma das principais lideranças da cooperativa e sabe da sua importância para a
mesma, pois a experiência adquirida durante a trajetória profissional resultou em valores
importantes para o grupo. Também reconhece que, infelizmente, seus colegas não tiveram
oportunidades semelhantes as dela.
15 Representação Social é uma forma de conhecimento socialmente elaborada e compartilhada, que tem objetivo prático e contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. Também designada ‘saber de senso comum’ ou ‘saber ingênuo’, ‘natural’, distingue-se do conhecimento científico. Mas é tida como objeto de estudo igualmente legítimo, devido a sua importância na vida social e à elucidação que possibilita dos processos cognitivos e das interações sociais (JODELET, 2001, s.p.).
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Participar da cooperativa é algo fundamental para Cláudia. Em seu relato, diz não trocar
esse trabalho por nenhum outro. Além de sentir prazer no trabalho e de estar ajudando a consolidar
uma alternativa concreta de trabalho, Cláudia acredita no projeto em que está inserida e diz que a
economia solidária tem que dar um salto qualitativo e significar alguma coisa no desenvolvimento
do país.
Luísa começou a trabalhar com 15 anos. Logo casou, teve filhos e por esse motivo ficou
muito tempo sem trabalhar fora de casa, até surgir um trabalho em uma facção, onde trabalhou
durante 8 anos e onde aprendeu a costurar. A facção fechou e Luísa ficou desempregada. Sua irmã
trabalhava na cooperativa e a indicou como sócia. Foi aceita. Na cooperativa, Luísa está
trabalhando há 2 anos e há 1 ano está trabalhando no espaço de produção coletiva da cooperativa,
pois no primeiro ano trabalhou em casa. Apesar do pouco tempo de trabalho na cooperativa, Luísa
percebe diferenças na dinâmica do trabalho e acredita que as coisas são melhores assim.
Ana trabalhou até os 27 anos na lavoura, quando mudou-se para Porto Alegre, onde
trabalhou como empregada doméstica em algumas residências. Numa delas aprendeu a costurar,
pois sua patroa era proprietária de uma malharia. Logo, Ana foi trabalhar na malharia – 1º emprego
com carteira assinada – mas não demorou muito e a pequena empresa fechou. Ana foi trabalhar em
outras casas, até ser empregada numa grande malharia, onde trabalhou durante 11 anos. Quando
saiu dessa fábrica, Ana trabalhou em lancherias, na própria vila onde morava, e quando iniciaram as
discussões sobre a cooperativa, Ana acreditou no projeto e optou em se dedicar a ele.
Ana, assim como Cláudia, participa do Orçamento Participativo. Ela acredita que a
participação é a responsável pelo bom andamento de seus projetos e atribui seu desenvolvimento
pessoal a essas reuniões de que participa, na comunidade e na cooperativa.
Lucas, como suas colegas, começou a trabalhar muito cedo – com 14 anos. Primeiro
trabalhou em oficina mecânica e depois se profissionalizou em chapeação e pintura. Além das
oficinas, trabalhou durante 15 anos na empresa Santa Rosa e depois como autônomo. Sua inserção
na cooperativa aconteceu por acaso foi convidado para trabalhar na cooperativa – na serigrafia –
durante um período em que a mesma estava com muito serviço. A principio, se tratava de uma
atividade temporária, mas Lucas foi ficando e lá está há 4 anos.
Para concluir este item, é importante ressaltar que a pesquisa contemplou trabalhadores
que vivenciam experiências diferentes frente ao EES. Tendo trabalhadores que já possuíam um
perfil de liderança antes da constituição do empreendimento, trabalhadores que desenvolveram o
processo de liderança durante a experiência de economia solidária e trabalhadores que, por algum
motivo, não se caracterizam como lideranças.
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3.3.1 Ponderações sobre os caminhos utilizados
As entrevistas com esses trabalhadores foram muito dinâmicas. Embora havendo roteiro
previamente elaborado, os trabalhadores ficaram bem à vontade para falarem. Tratou-se de uma
conversa onde os entrevistados falaram a respeito de suas vidas profissionais e da implicância que
essas relações de trabalho trouxeram para suas vivências cotidianas.
Foram entrevistas realizadas com muita acuidade, o que possibilitou uma comodidade por
parte dos entrevistados, que expuseram suas histórias pessoais de trabalho, suas relações com o
empreendimento, suas motivações e aspirações. Para tanto provocou-se o diálogo em momentos
distintos e relacionados:
• Apurar elementos da vivência de cada um dos trabalhadores, relacionando-os
com suas trajetórias profissionais;
• Confrontar os elementos da vivência passada com a vivência cotidiana,
verificando a compreensão dos trabalhadores sobre as mudanças ocorridas nesse período;
• Identificar os fatores ligados ao cotidiano dos trabalhadores que os aproximem
dos temas-indicadores: solidariedade, participação, poder e confiança;
• Captar os sentimentos dos trabalhadores a respeito dos respectivos projetos.
Quais as aspirações futuras?
A fim de vencer esses objetivos, as entrevistas com os trabalhadores foram diálogos
provocativos, ou seja, iniciava pedindo que o trabalhador falasse de sua trajetória profissional até
chegar ao EES. A partir desse relato, interrompia, vez ou outra, estimulando-o a falar de
circunstâncias e experiências nas quais fosse possível identificar mudanças importantes em suas
práticas e em suas representações.
Por mais que eu pedisse para que falassem de sua relação com o empreendimento, não
necessariamente do EES em si, eles se referiram na maior parte do tempo à constituição e ao
desenvolvimento da cooperativa. Falavam de si, mas volta e meia mencionavam a cooperativa.
Refletido sobre esse fato, percebi que aquela era uma reação normal; primeiro, porque todos eles
sabem que o motivo de tantos pesquisadores os procurarem é o diferencial que o EES propõe frente
aos outros empreendimentos; segundo, porque nem mesmo eles têm claras as suas condições em
relação ao empreendimento. A fala de Luísa reflete bem essa afirmação:
“Houve uma mudança, mas explicar como foi essa mudança eu não sei. Eu sei que eu me
sinto melhor, me sinto mais dada com as pessoas, como chegar nelas, até mesmo com as próprias
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colegas e dizer como tem que ser. Até mesmo agora, falando contigo, primeiro eu fiquei quieta e
não sabia o que dizer pra ti e agora a gente começa a conversar e eu consigo me soltar um pouco
mais...”.
Embora suas falas tenham se voltado mais para o empreendimento do que para suas
relações com o mesmo, atenderam as metas da pesquisa. De toda forma, os trabalhadores se referem
a uma experiência que eles estão vivenciando e, como diz Jodelet, a forma como as pessoas vêem o
mundo é uma forma de se representarem nele, portanto, a maneira com que os trabalhadores
enxergam o processo que estão vivenciando é uma maneira de se representarem.
Os aspectos de tempo, história da UNIVENS e a própria história dos trabalhadores
contribuem para depoimentos muito diferentes, afinal, por mais que existam trajetórias muito
semelhantes, são experiências diferentes. Experiências repletas de idéias e valores, assumidos por
indivíduos que configuram uma realidade complexa, que nos dá elementos diversos para a
compreensão da mesma. Por esses motivos, tal realidade jamais é apreendida na sua totalidade, mas
pode-se fazer uma aproximação que permita uma análise coerente e legítima.
É importante dizer que, apesar do diálogo estabelecido durante as entrevistas, houve temas-
indicadores que não renderam materiais suficientes para realizar uma análise. Em contrapartida, o
diálogo abriu espaço para outras questões, que se manifestaram tão importantes quanto àquelas
estabelecidas previamente.
A segunda etapa da pesquisa permitiu explorar os valores, princípios e percepções dos
trabalhadores. Os principais materiais utilizados para organizar a análise que segue foram as
transcrições das entrevistas, a observação e as anotações no diário de campo.
3.3.2 As mudanças de comportamento
A proposta de organização do trabalho coletivo, chamado economia solidária, tende a
promover mudanças na forma como os trabalhadores se relacionam com o empreendimento,
provocando uma mudança nos comportamentos dos mesmos, que passariam a ser mais
participativos e solidários. Esse fato é manifestado pelos próprios trabalhadores, ao reconhecerem
que, antes da sua inserção no EES, tais comportamentos não existiam.
“A mudança sempre tem, eu trabalhava em firma, aqui já é um outro processo de
trabalho” (Lucas).
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“Sim, a gente percebe uma mudança porque quando eu trabalhava de empregada eu
levantava às 6 horas da manhã, pegava o ônibus e ia pro meu serviço. Eu não conhecia o lugar
onde eu morava, porque tu sai de manhã, volta de noite e chega final de semana tu fica dentro de
casa. Então tu não tem um conhecimento da zona que tu mora, tu não a conhece como um todo. No
momento que eu comecei a trabalhar na cooperativa, eu comecei a conhecer o local onde eu
morava e as pessoas que me rodeavam, que eram amigas e eu conhecia, mas a gente não tinha nem
um contato, então p’ra mim (...). No meu comportamento houve mudança, porque tu tem que
agarrar e aprender a conviver com outras pessoas no dia-a-dia, porque tu não és mandada, então
quando tu trabalha dentro de uma empresa tudo que acontece o patrão ou o gerente vai resolver e
quando a gente vai trabalhar aqui, num grupo, tu tem que ter uma outra postura, tu tem que
conhecer as pessoas e saber dizer as coisas nas horas certas, porque às vezes tu tens que agarrar
ouvir e ficar quieta, p’ra depois, no outro dia, tu agarrar, refletir aquilo que foi dito e passar
adiante se for necessário. Então, a gente tem que ter um comportamento, uma mudança muito
grande dentro da gente mesmo. Se a gente não tiver uma união, o grupo não consegue agarrar...”
(Ana).
Os trabalhadores reconhecem uma mudança na prática, no comportamento, mas não
necessariamente nas suas maneiras de pensar, ou seja, nas suas representações sociais. Na
UNIVENS há uma prática comprometida com o discurso.
O conflito dos novos valores com os valores anteriores foi se desconstituindo no decorrer
da história do empreendimento. A UNIVENS vive esse conflito com menos intensidade do que os
empreendimentos oriundos de massa falida (onde o impacto da relação capital versus trabalho é
muito mais presente). Isso porque os trabalhadores vêm de segmentos distintos, organizaram-se a
partir do movimento comunitário – deste modo, já viviam uma relação de participação e democracia
– o tempo de organização (nove anos) contribui para o alívio desse conflito.
Enfim, mesmo assim, os trabalhadores ainda estão marcados por uma cultura dominante,
padronizada, em que muitas vezes, predomina a divisão do trabalho, a divisão entre patrão e
empregado. Nesse sentido, os trabalhadores ainda carregam um sentimento de subordinação visível
e seus comportamentos oscilam entre o novo e o velho, sendo que o novo ainda é algo que nem
todos os trabalhadores assimilaram. O discurso do cooperativismo e da organização coletiva, grande
parte dos trabalhadores tem, mesmo não tendo incorporado os valores e princípios de forma intensa.
A disparidade está nos diferentes momentos históricos que os trabalhadores estão vivendo. Na
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UNIVENS, os trabalhadores falam de suas práticas com mais emoção, as falas a seguir refletem
isso:
“Tem uma caminhada com muito conflito ainda. Essa compreensão de empregados, de
cumprir uma tarefa, de chegar ao final do mês e dizer: acabou, agora é uma coisa que é nossa, é
um empreendimento coletivo, que amanhã depende da gente, que se ele for melhor vai ser bom pra
todo mundo. Isso a gente bate muito, a gente discute muito. Quem já tem essa compreensão sou eu
(...). Tem uma caminhada de mudança, mas muito pra se fazer e acho que a gente vai fazer isso a
vida inteira. Para mim, isso da cooperativa tem uma marca muito grande, eu não trocaria a
cooperativa hoje por nada, por nenhum cargo de confiança, por nenhum emprego, por nada. Não
me prende nada a questão do valor financeiro daqui, eu gosto de levantar de manhã cedo e pensar
que eu vou vir pra cá...” (Cláudia).
Percebe-se que existe uma mudança de comportamento nas relações de trabalho, mas nem
sempre essa mudança vem acompanhada de novas representações.
A RELAÇÃO COM O NOVO EMPREENDIMENTO
Todos os quatro trabalhadores entrevistados apresentam, em maior ou menor grau, uma
proximidade e credibilidade com o empreendimento. A diferença está na cumplicidade, no
envolvimento que os trabalhadores têm com o mesmo.
O crescente envolvimento dos trabalhadores com os EES ocorre por motivos diferentes,
mas todos baseados no retorno e no benefício que a prática da economia solidária lhes garante. Esse
retorno se manifesta de várias formas, seja no aspecto financeiro, seja por uma situação de
autonomia ou de solidariedade.
O compromisso com a produção é o mais evidente, pois esse compromisso os
trabalhadores trazem consigo das práticas de trabalho anteriores que mobilizam a relação de
trabalho em torno da produção. É com essa compreensão que os trabalhadores organizam o trabalho
no EES e afirmam a importância da união no sentido de que o produto final é resultado de esforços
individuais. No EES, o envolvimento com a produção é maior que em práticas anteriores, pois o
aumento da produção significa manter seus postos de emprego e conquistar melhorias para o
empreendimento - que é de todos. Nesse sentido, a união em torno da produção existe em função do
interesse individual dos trabalhadores.
Já o compromisso com a administração do negócio reflete-se na participação efetiva dos
trabalhadores com os processos de decisão, fiscalização, ética etc. Os trabalhadores se referem aos
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mecanismos de participação formal (assembléias, conselhos) como espaços fundamentais para o
bom andamento do empreendimento. Os trabalhadores da UNIVENS apresentam certa satisfação ao
descrever como, aos poucos, foram se apropriando desses espaços, já que, no início tinham receio e,
quase sempre, apenas uma pessoa falava. No momento atual, essa situação mudou e as pessoas,
deliberadamente, opinam e manifestam interesse nas decisões do empreendimento. Percebe-se
também um envolvimento informal dos trabalhadores, estão normalmente atentos e, no decorrer do
trabalho, comentam situações que podem ser abordadas na próxima assembléia.
Enfim, o compromisso com o EES existe, embora seja falho em algumas circunstâncias,
mesmo porque nem todos os trabalhadores têm a mesma concepção em relação ao empreendimento.
De uma maneira geral, percebe-se que a relação dos cooperados com o EES vai estreitando-se aos
poucos, em decorrência de um processo que une vivência e reflexão sobre a nova prática.
Sem dúvida, o compromisso do trabalhador em relação ao EES é proporcionado por uma
dinâmica de colaboração que se configurou desde o início. Ao constituírem o empreendimento, os
trabalhadores passaram por inúmeras dificuldades que não seriam enfrentadas e superadas se não
houvesse um sentimento de colaboração. De certa forma, houve uma doação por parte dos
trabalhadores que se envolveram, a fim de consolidar o empreendimento. A fase inicial exigiu
muito dos trabalhadores e tiveram que começar a fazer mais do que sabiam fazer, ou seja, se
esforçaram a fim de colaborar. Isso permitiu uma ampliação dos conhecimentos dos trabalhadores
que passaram a se envolver com todas as instâncias do EES. O sentimento de colaboração não
cessou com o tempo. Os trabalhadores perceberam que essa dinâmica e constante busca está ligada
ao crescimento do empreendimento, implicando diretamente no desenvolvimento de cada um. O
compromisso com o EES é maior ou menor, na medida em que o trabalhador associa o seu futuro
com o bom desenvolvimento do empreendimento.
A RELAÇÃO ENTRE OS TRABALHADORES
“Liberdade no trabalho” é uma expressão unânime na fala dos entrevistados, ao se
referirem ao trabalho na cooperativa. Os trabalhadores sabem suas obrigações para com a produção
e o fato de terem uma relação de trabalho mais livre, brincam uns com os outros, conversam, enfim,
uma relação que os deixa mais à vontade para trabalhar, não significa prejuízo para o processo
produtivo, ao contrário. Diante deste ambiente de trabalho, mais livre, os trabalhadores
desenvolvem melhores relações uns com os outros. Isso se evidencia no cotidiano, nas relações de
poder, de solidariedade e de confiança. Existe a clareza que no EES há uma maior circularidade das
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funções e dos saberes mas, ao mesmo tempo, percebe-se que há certo afastamento dos mesmos em
relação aos cargos de gestão.
Na UNIVENS, a relação de poder é mais horizontal, mas mesmo assim existe certa
centralização do poder. Isso é reconhecido pelos trabalhadores e a priori não os incomoda, pois não
interfere na boa relação que os trabalhadores mantêm entre si. Nesse empreendimento, existe
claramente uma liderança que se destaca, que durante os anos de EES vem assumindo o papel de
presidente. Quando conversamos com os trabalhadores sobre essa situação, disseram que não
entendiam que tal pessoa fosse mais que eles, que se ela assumiu tal cargo era porque assim elas
queriam e alegaram que a colega sabe conduzir o processo de forma democrática e participativa. Na
fala das cooperadas:
“(...) ela nunca faz nada por conta dela. Se tiver que resolver alguma coisa ela faz uma
reunião e vê quem está de acordo e quem não está de acordo. Não faz nada por conta dela, ela
sempre bota a par, pr’á gente saber o que tá acontecendo na cooperativa. Nada é assim: fizeram e
eu não fiquei sabendo. Nada disso. Às vezes, é a gente que não presta atenção. Nada fica sem
ninguém saber. A gente resolve na reunião e ela põe tudo em prática. Ela sempre quer que a gente
esteja mais junta ainda” (Luísa).
“Pr’á mim, não existe relação de poder, existe relação de responsabilidade. Ela é nossa
presidenta, ela é a pessoa que lidera o grupo por que ela tem o conhecimento maior, mas não quer
dizer, que por isso ela se acha como poderosa. Não. Ela até gostaria que tivessem outras que
dividissem aquela responsabilidade que ela tem...” (Ana).
Portanto, percebe-se que a questão do poder ainda apresenta lacunas do ponto de vista
teórico, mas parece que os trabalhadores têm essa questão bem resolvida. A figura do presidente, ou
de qualquer outro membro do conselho administrativo, não é soberana como costumava ser nas
experiências de trabalho que tiveram anteriormente. Para eles, soberano é o coletivo. O conselho
administrativo, na posição de delegado, conduz o EES da forma como o grupo resolve. O fato da
mesma pessoa estar com a responsabilidade administrativa há muito tempo não implica o princípio
de igualdade defendido pelo grupo.
Diante dessa mesma situação, percebe-se que o que move essa relação dos trabalhadores na
UNIVENS é a confiança que os trabalhadores desenvolveram uns nos outros. Nem todas as
iniciativas de economia solidária possuem a confiança que esse grupo possui, isso faz muita
diferença. Trata-se de uma confiança construída ao longo do tempo, que criou raízes mesmo antes
dos trabalhadores constituírem os respectivos empreendimentos.
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A UNIVENS tem sua história ligada a uma comunidade, unida para melhorar as condições
de habitação das pessoas que residiam naquele espaço. Quando resolveram montar a cooperativa, as
pessoas já tinham uma história em comum, uma história de luta. Outro fator que contribui para a
relação de confiança entre as trabalhadoras da UNIVENS é que, além de colegas de trabalho, são
todas vizinhas. Elas convivem dentro do espaço de trabalho e fora dele também.
Enfim, de certa forma, a confiança é assegurada pelos trabalhadores e é essa relação que
mantém a harmonia que existe no ambiente de trabalho.
Outro indicador fundamental é a solidariedade. No cotidiano dos EES a solidariedade se
manifesta por atitudes como cuidado, amparo, socorro. Existe uma preocupação, um zelo entre os
trabalhadores que os diferencia de uma empresa capitalista. São várias as situações abordadas nas
entrevistas que dimensionam essa questão como um importante pilar na sustentação da boa relação
entre os trabalhadores. Existe uma compreensão em relação aos problemas pessoais dos
trabalhadores, hoje eles olham para isso com atenção, prontos para escutar e apoiar no que for
preciso. Percebe-se aqui uma relação de reciprocidade: “eu faço por ti porque amanhã pode ser eu
que esteja no teu lugar". Eis o relato de Cláudia:
“Nós temos um fator que você não vai encontrar em outras cooperativas. Não posso dizer
que no final ele é mais positivo ou negativo, eu até acho que ele é mais positivo, mas, assim, é
difícil de acontecer em outra. Todo mundo mora aqui, todas nós somos vizinhas, temos uma
relação com marido, com filhos, com pai e tal. Isso provoca esse zelo maior do que se fosse uma
outra cooperativa. A cooperativa em si eu acho que já tem um zelo maior, acima de qualquer coisa,
existe atenção. A gente se preocupa se uma pessoa chegou triste, se ela foi embora cedo. A gente se
preocupa, quer saber – o que será que está acontecendo? Se estiver com algum problema, a gente
vai atrás, ou então se ela liga, diz que não está bem, a gente liga depois para saber o que é que
aconteceu, pergunta se ela melhorou. Aqui, a gente acaba tendo mais ainda porque tem essa
relação próxima. Mesmo em questão de trabalho. Nós tivemos problemas internos de produção por
causa de um sócio – se fosse numa empresa normal o que ela faria? Mandaria ele embora – aqui
não, a gente chamou, conversou, veio pr’á assembléia, a gente discutiu três vezes. Bom, segundo o
estatuto ele estaria fora, mesmo assim foi dada uma nova chance e ainda bem que isso acabou se
desenvolvendo e a própria pessoa acabou caindo fora por conta. Ninguém tinha coragem de dizer
assim: puxa não tem mais condições. Então, às vezes, isso é ruim porque a gente vai deixando de
tratar como um empreendimento econômico. Acaba prejudicando o funcionamento da cooperativa
por preservar esse zelo que se tem. Mas se faz todo o possível e acaba também se deixando de dizer
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algumas coisas. Por quê? Porque é uma cooperativa e porque tem esse outro aspecto da nossa
relação”.
Situações como essa acontece, colocando os trabalhadores frente a frente com problemas
que em outro momento eram ignorados. Com o decorrer do processo, eles foram descobrindo que
os problemas pessoais interferem no trabalho e na produção e o melhor a fazer é auxiliar as pessoas
a resolver as dificuldades, assim o retorno para o empreendimento certamente vai ser melhor.
A RELAÇÃO COM O MOVIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA
Dentre tantas situações, percebeu-se que o compromisso não se configura apenas na
produção ou administração do negócio, mas também na consolidação da nova proposta: economia
solidária. As maneiras como os trabalhadores me receberam, nas vezes em que fui ao
empreendimento, exemplifica parte dessa situação. Para eles, colaborar com a pesquisa significa
projetar o empreendimento para outras instâncias da sociedade e promover mudanças no que for
conveniente ao EES. Isso ficou claro nas conversas que tivemos e explícito no primeiro contato,
quando apresentei a proposta e, da maneira deles, disseram que não queriam ser só objetos de
pesquisa, mas se apropriarem dos resultados da mesma. Outro fato, que serve como exemplo desse
compromisso, é a participação em atividades que buscam promover o movimento da economia
solidária como fóruns municipais, regionais, estaduais e nacionais; reuniões e seminários
promovidos pelas entidades de apoio; participação em espaços de comercialização; troca de
experiências de acordo com os respectivos segmentos, etc.
Nesse mesmo sentido, os trabalhadores foram promovendo uma relação de partilha,
cuidado, troca e ajuda com outros grupos. Essa solidariedade manifestou-se em algumas falas:
“Eu sempre me pergunto o que é empreendimento solidário, eu não sei o que é. A gente é
solidária uns com os outros: agarrar e ajudar. Por exemplo, agora a gente tá partilhando com 10
famílias com o projeto da fome, estamos ensinando a fazer crochê, se tiver alguém que quiser
aprender a costurar, a gente também vai ser disponível, a gente é solidário com outros grupos...”
(Ana).
Assim, os trabalhadores se surpreendem com a nova dinâmica de trabalho, de como a nova
prática promove melhores relações entre eles e com o que está fora do EES, de como a vivência no
grupo os tornou pessoas melhores, capazes de conduzir um empreendimento com responsabilidade
e compromisso com o que os cerca. A valorização da “ajuda mútua” corresponde a uma perspectiva
de que com união, somando forças, ajudando a solucionar problemas há de se alcançar resultados
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melhores no desenvolvimento do EES. No início, os objetivos individuais e coletivos se associaram
de forma mecânica mas, com o tempo, passaram a associar-se de forma articulada, estratégica,
apresentando-se mutuamente implicados. Dessa forma, vivenciar e descobrir a experiência da
economia solidária é fundamental para o processo de economia solidária.
A UNIVENS tem uma significativa inserção nos espaços fora do EES. Como já abordado,
a UNIVENS já começou inserida no movimento comunitário. Atualmente, além de lugar cativo no
Orçamento Participativo do município de Porto Alegre, a UNIVENS ocupa espaços significativos,
na maioria de lideranças, em diversas manifestações de consolidação da Economia Solidária como:
Fóruns Metropolitano, Estadual e Brasileiro de Economia Solidária (a UNIVENS é um dos EES
que fazem parte da delegação do Rio Grande do Sul no Fórum Brasileiro de Economia Solidária);
UNISOL Brasil (órgão representativo das cooperativas); Fórum Social Mundial, etc. O
envolvimento com esse último provocou uma forte relevância para a cooperativa que participa do
FSM desde o início, através de oficinas e da comercialização de seus produtos. No FSM 2005 a
UNIVENS teve uma inserção bem mais relevante, uma vez que foi responsabilizada junto a mais
cooperativas da área têxtil a confeccionar as sacolas do evento. Essa rede de produção solidária
resultou na realização de uma atividade que debateu a construção da cadeia do algodão orgânico da
economia solidária. O encontro discutiu todos os estágios de produção, desde o fornecimento de
algodão orgânico por agricultores assentados até o aproveitamento de pigmentos naturais utilizados
por indígenas do Mato Grosso do Sul garantido assim renda aos produtores e aumentando a oferta
de um produto ainda escasso no mercado brasileiro.
Fato é que os contatos realizados nesses espaços coletivos de consolidação do movimento
da economia solidária resultaram na formação de uma cadeia produtiva para romper com a
necessidade de obter matéria prima na indústria da economia formal.
Em outubro de 2005, a Comunidade do Cantagalo - Rio de Janeiro - foi o cenário do
lançamento da JUSTA TRAMA. Trata-se da marca oriunda do processo de construção desta cadeia
de solidariedade e agroecologia. Estão envolvidos no projeto: agricultores familiares da associação
ADEC - CE, coletores de sementes da cooperativa AÇAÍ - RO, fiadores da cooperativa CONES -
SP, tecedores da TEXTILCOOPER – SP, e costureiras da cooperativa UNIVENS - RS e da
empresa autogestionária FIO NOBRE - SC. Estes empreendimentos, todos da economia solidária,
são os donos da marca JUSTA TRAMA.
A Justa Trama representa uma importante contribuição para a construção de um novo
modelo de economia, embasado em valores da autogestão, da solidariedade e da inclusão. O
produto derivado desta cadeia é produzido de forma coletiva, agroecológica – feita com o emprego
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de técnicas de conservação do solo e da água e de controle de pragas com produtos naturais
inofensivos aos trabalhadores – é isento de qualquer produto químico sintético, radicalmente
diferente da produção convencional.
Nesse sentido, os trabalhadores da UNIVENS estão engajados não só num projeto
econômico, mas num projeto de sociedade diferente dos padrões convencionais. Conforme explicita
a fala a seguir:
“A Cooperativa para muitas deu um novo sentido para a vida. Despertou para a
participação na comunidade, no Orçamento Participativo e em diversos fóruns. Crescemos na
troca de idéias e sobre tudo no verdadeiro sentido da solidariedade, que deve ser um sentimento
básico para construir uma sociedade diferente da que existe”. (Cláudia)
O PAPEL DECISIVO DA PARTICIPAÇÃO
Na concepção dos trabalhadores, o empenho que cada um tem com o seu trabalho é o que
vai promover o empreendimento. No que diz respeito à produção, os trabalhadores consideram-se
igualmente capazes e desempenham suas atividades com empenho, diferentemente do espaço de
gestão, em que muitos ainda não sentem possuir aptidão necessária para administrar. Embora esse
seja um obstáculo a ser superado, no que dizem respeito às suas funções, os trabalhadores
apresentam maior responsabilidade e uma dedicação voluntária em relação ao trabalho. Isso resulta
de um somatório entre o empenho e a liberdade no trabalho, promovendo sua satisfação e a dos
demais.
No que diz respeito à gestão, também existe uma responsabilidade do cooperado, mesmo
que não esteja diretamente envolvido com a administração, Trata-se de uma responsabilidade
implicada na participação sobre as decisões e, a partir daí, o trabalhador experimenta uma
realização advinda do fato de estar definindo os rumos de seu trabalho que, somada à realização na
produção, promove uma satisfação para com o trabalho.
A participação é um dos fatores decisórios no processo de consolidação do EES. Os outros
temas-indicadores visados nas entrevistas tais como: liberdade, compromisso, confiança e outros,
adquirem um outro significado a partir da participação, internalizando-a como parte indissociável
da nova relação de trabalho.
O ato de participar do desenvolvimento do EES permite que o trabalhador se aproxime do
sentido integral do próprio trabalho, até então estranho a ele. Isso, em função de que a participação
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inibe a contradição que existe entre gestão do processo de trabalho e realização da mesma. Nesse
sentido, há uma assimilação efetiva do trabalhador em relação ao seu próprio trabalho.
O diálogo é um destaque nas intervenções dos trabalhadores. A partir do diálogo eles
identificam diferenças, erros etc. Trata-se de uma mútua exposição das angústias, dúvidas,
percepções, preferências etc.
No EES as divergências são bem vindas, é claro para os trabalhadores que elas são
necessárias para a reflexão do grupo. Entendem que é saudável as pessoas admitirem posições
diferentes, afinal as pessoas são diferentes.
A existência de conflitos no interior do EES é responsável pelo aumento da participação. A
valorização da diferença faz os trabalhadores reverem seus posicionamentos, implicando uma
mudança em suas próprias percepções. Assim, conduzem suas representações sociais: a partir de
uma interação com o outro.
Um outro elemento, que contribui pra o estreitamento da relação entre o trabalhador e o
trabalho, é a apropriação do produto. Na UNIVENS, a relação com o produto é mais estreita:
“(...) bom, eu quero fazer alguma coisa também que me dê prazer porque, até então, o
trabalho sempre foi algo que eu fiz por uma necessidade de sobrevivência, mas não como opção.
(...) eu acho que é o que todos os trabalhadores fazem: trabalham para sobreviver, pelo salário.
Mas não porque é alguma coisa que se realize como pessoa (...). Comecei a me sentir muito feliz e
muito realizada, por saber fazer um produto como um todo, que era algo que eu não sabia fazer.
Eu andava pela rua e via as pessoas com uma roupa que eu tinha feito, então primeiro eu acho que
eu me reencontrei como pessoa ao ver que eu podia fazer uma coisa por inteiro...” (Cláudia).
Os trabalhadores têm presente a necessidade de agregar esforços para a constituição de um
produto de qualidade. Disso depende o futuro do EES e, conseqüentemente, seus próprios futuros.
Enfim, é claro que a prática da economia solidária possibilita um envolvimento maior dos
trabalhadores com o processo de trabalho e isso estimula um trabalhador sujeito, ativo e cidadão.
Vivenciar a nova relação de trabalho e consolidar uma outra cultura induz a um sujeito disposto a
construir uma outra sociedade, pois o indivíduo leva consigo, para fora do EES, princípios de
igualdade e participação.
Dessa forma, pode-se dizer que a mudança de comportamento dos trabalhadores no EES
contribui para o desenvolvimento de outras representações sociais, que se estendem para além do
universo da cooperativa. Essa questão remete às elaborações teóricas da economia solidária, que
afirmam que os valores vividos dentro dos EES tendem a transbordar para outros espaços,
favorecendo uma sociedade democrática, justa e solidária (SINGER, 2000).
28
Por fim, a interação com o outro, somada à responsabilidade com o trabalho, parece
construir a nova relação dos trabalhadores, seja com o EES, seja com os demais trabalhadores, ou
consigo mesmos.
Concluindo esta etapa de análise, vejamos algumas das aspirações que os trabalhadores
exprimem sobre a economia solidária:
“Eu acho que a economia solidária tem vários olhares. Eu acho que hoje em dia se
mistura muito essa coisa da economia solidária com o projeto de exclusão social. Mas a economia,
a trabalhada em empreendimentos de forma solidária, eu acredito que essa é a grande alternativa.
Eu aposto nisso como uma grande alternativa, mas ela tem que vir acompanhada de mais ousadia
(...) eu acho que está na hora de nós dar um grande salto, de interferir na economia. Nós
precisamos significar alguma coisa no PIB brasileiro, de poder dizer: olha é possível tocar uma
empresa, onde não tem patrão, mas que vários trabalhadores se juntaram e decidiram essa forma
coletiva de trabalhar. Uma economia que faz um bom produto, que tem mercado nacional,
internacional, que conseguem dividir e ter uma condição boa de vida. Eu acho que ainda tem muito
amadorismo e muito romantismo. Eu acho que a economia solidária tem que dar esse passo a mais,
porque daí ela viabiliza também os que estão começando (...). Ou se acredita ou não se acredita.
(...) Tem que acreditar nisso, porque é bom. A gente trabalhar junto. A gente muda a vida da gente,
a gente constrói novas relações, é tu andar pra frente e ver que não é mais possível tu viver num
mundo tão individualista” (Cláudia).
Diante dessa fala é possível dizer que, para os trabalhadores, a economia solidária é uma
alternativa viável ao processo de exclusão social da sociedade contemporânea. São muitas as
dificuldades para consolidar tal alternativa, mas pelo que vimos, se as pessoas acreditarem e
persistirem, podem construir uma relação de trabalho diferenciada, capaz de promover práticas
participativas e democráticas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora não se trate de dar um caráter conclusivo às questões aqui abordadas, mesmo
porque não é essa a intenção do trabalho, algumas observações derivadas deste processo de
pesquisa merecem ser enunciadas.
É certo que existe uma debilidade nos EES, no que diz respeito a capital financeiro e
condições técnicas. Isso não é característico só da UNIVENS, mas da maioria das iniciativas de
economia solidária do Brasil. A economia solidária ainda não conquistou um apreço significativo da
29
sociedade e de organizações de crédito, mas o pouco apoio que existe tem sido suficiente para
consolidar avanços.
Mesmo com dificuldades, a UNIVENS sobrevive há nove anos. As fragilidades técnicas e
financeiras não obscurecem o elemento político e solidário do empreendimento. O elemento
político e a constituição de um ambiente participativo e democrático são fatores decisivos para que
a economia solidária seja sustentada e configurada como alternativa de geração de trabalho e renda
e alternativa para o trabalhador viver outra relação de trabalho, que impede a acumulação de capital
e promove outras representações sociais.
No EES, o trabalho alcança a centralidade, na medida em que os trabalhadores tornam-se o
centro do contexto de gestão e de produção dos EES. A participação, responsável pelo
envolvimento do trabalhador com esse processo é também responsável por um desenvolvimento
pessoal dos trabalhadores que se permitem conceber novas representações, por isso, é possível dizer
que os benefícios oriundos do trabalho coletivo e cooperativo extrapolam o material e o econômico.
O atual estágio da economia solidária no Brasil ainda é incipiente, porém a experiência da
UNIVENS nos permite visualizar avanços significativos que causam impactos no modo de
produção capitalista possibilitando sonharmos com uma sociedade mais justa e solidária.
Pode-se dizer que as práticas de economia solidária, mesmo incipientes, atuam sobre a
subjetividade dos trabalhadores, alterando suas representações sociais. Não é possível afirmar que
todas as representações se manifestam em benefício das novas práticas e relações de trabalho. Mas é
bem verdade que os entrevistados apresentam traços de mudanças, mesmo aqueles mais resistentes
reconhecem o fato de que existe uma diferença no atual contexto e que, bem ou mal, eles também
modificam, construindo outras percepções do espaço de trabalho, e fora dele também.
As novas representações sociais dão sentido à constituição de um sujeito coletivo que se
assume numa realidade social plural, onde valores são internalizados a partir da vivência em grupo.
As atitudes se manifestam em prol do coletivo de trabalho, que passa ter uma grande importância
nas vidas dos trabalhadores e consequentemente da sociedade.
Na consolidação de tal processo, vislumbra-se a formação de sujeitos, vivenciando a nova
prática, estabelecendo uma relação consigo mesmo, fazendo uma reconstrução identitária que
provoca mudanças em suas atitudes, comportamentos e, conseqüentemente, em suas práticas. Os
trabalhadores, sujeitos do processo histórico, respeitam o diferente, são questionadores,
simpatizantes da mudança, e assimilam novas representações sociais. Trata-se de um sujeito que,
de alguma forma, percebe a transformação que ocorre com ele diante de uma interação social
diferente.
30
Nesse sentido é possível manter viva a utopia de uma nova cultura de trabalho a partir de
práticas associativas e participativas. Trata-se de uns dos grandes desafios da economia solidária,
que deverá continuar a ser perseguido por todos aqueles que acreditam na possibilidade de uma
outra economia e, conseqüentemente, numa outra sociedade.
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32
ANEXOS
ANEXO 1
ENTREVISTA (formal):
Nome:
Idade: Sexo: ( ) M ( ) F
Estado civil:
Quantas pessoas na família:
Função no empreendimento:
Tempo que está no empreendimento:
Que atividade exercia antes de vivenciar a prática de ES?
O que motivou a inserção no EES?
33
ANEXO 2
Tabulação da Pesquisa Representações Sociais nos Empreendimentos Econômicos Solidários
na região metropolitana de Porto Alegre. (ano 2003)
1º FASE: UNIVENS
1.idade
Idade do Trabalhador?
idade
menos de 28,17de 28,17 a 36,33de 36,33 a 44,50de 44,50 a 52,67de 52,67 a 60,83
60,83 e acima
TOTAL OBS.
No. cit. Freq.
2 11,8% 2 11,8% 5 29,4% 4 23,5% 2 11,8% 2 11,8%
17 100% Mínimo= 20,00, Máximo= 69,00Soma= 750,00Média= 44,12 Desvio-padrão= 13,42 A questão é de resposta aberta numérica. As observações são reagrupadas em 6 categorias de igual
amplitude.
Distribuição em setores de 'idade'
2
2
54
2
2menos de 28,17de 28,17 a 36,33de 36,33 a 44,50de 44,50 a 52,67de 52,67 a 60,8360,83 e acima
34
2.sexo
Sexo do trabalhador?
sexo
masculinofeminino
TOTAL OBS.
No. cit. Freq.
2 11,8% 15 88,2%
17 100%
Distribuição em setores de 'sexo'
2
15
masculinofeminino
3.estado civil
Estado civil?
estado civil
solteirocasado
separadoviúvo
TOTAL OBS.
No. cit. Freq.
2 11,8% 11 64,7% 3 17,6% 1 5,9%
17 100%
35
Distribuição em setores de 'estado civil'
2
11
3
1solteirocasadoseparadoviúvo
4.nº de pessoas
Quantas pessoas na família?
nº de pessoas
menos de 2,33de 2,33 a 2,67de 2,67 a 3,00de 3,00 a 3,33de 3,33 a 3,673,67 e acima
TOTAL OBS.
No. cit. Freq.
1 5,9% 0 0,0% 0 0,0% 4 23,5% 0 0,0%
12 70,6%
17 100% Mínimo= 2,00, Máximo= 4,00Soma= 62,00Média= 3,65 Desvio-padrão= 0,61 A questão é de resposta aberta numérica. As observações são reagrupadas em 6 categorias de igual
amplitude.
36
Distribuição em setores de 'nº de pessoas'
1
4
12
menos de 2,33de 2,33 a 2,67de 2,67 a 3,00de 3,00 a 3,33de 3,33 a 3,673,67 e acima
5.função
Qual sua função no empreendimento?
1 : Costureira, 2º tesoureira
2 : Costureira/ cortadeira
3 : Costureira, presidente
4 : Costureira/ corte.
5 : Costureira, 2º secretária
6 : Costureira, vice presidente.
7 : Costureira
8 : Costureira, 1º secretária.
9 : Costureira, 1º tesoureira
10 : "Cozinheira, (o que eu sou agora Nelsa?) conselho fiscal (eu nem sei o que sou?)".
11 : Costureira, conselhos fiscal
12 : Cozinheira
13 : Cozinheira
14 : Serigrafia
15 : Serigrafia
16 : Serigrafia, Conselho fiscal
17 : Serigrafia
37
5.1.função_C
Pós-codificação da questão texto 'função'
função_C
costureiracozinheiraserigrafia
conselho administrativoconselho fiscal
TOTAL OBS.
No. cit. Freq.
11 64,7% 2 11,8% 4 23,5% 6 35,3% 3 17,6%
17 O número de citações é superior ao número de observações devido às respostas múltiplas (2 no
máximo).
Distribuição em setores de 'função_C'
11
24
6
3costureiracozinheiraserigrafiaconselho administrativoconselho fiscal
6.tempo
Qual o tempo em que está no empreendimento?
1 : 7 anos
2 : 7 anos
3 : 7 anos
4 : 1 ano e 8 meses
5 : 7 anos
38
6 : 7 anos
7 : 6 meses
8 : 2 anos e 6 meses
9 : 3 anos e 6 meses
10 : 3 anos
11 : 2 anos e 5 meses
12 : 7 anos
13 : 3 anos
14 : 15 dias
15 : 2 anos e 6 meses
16 : 3 anos e 6 meses
17 : 4 anos
6.1.tempo_C
Pós-codificação da questão texto 'tempo'
tempo_C
meses1 ano2 anos3 anos4 anos5 anos6 anos7 anos
TOTAL OBS.
No. cit. Freq.
2 11,8% 0 0,0% 1 5,9% 5 29,4% 3 17,6% 0 0,0% 0 0,0% 6 35,3%
17 100%
39
Distribuição em setores de 'tempo_C'
2
1
5
3
6
meses1 ano2 anos3 anos4 anos5 anos6 anos7 anos
7.atividade
Que atividade exercia antes de vivenciar a prática de ES?
1 : Dona de casa
2 : Dona de casa
3 : Costureira autônoma
4 : Costureira da empresa Facção.
5 : Dona de casa
6 : Trabalhava como cozinheira numa lancheria.
7 : Costureira autônoma
8 : Costureira autônoma
9 : Estagiária do Banco do Brasil (estudava)
10 : Trabalhava como recepcionista num consultório dentário.
11 : Comerciária. Trabalhou em lojas e no supermercado BIG
12 : Dona de casa
13 : Trabalhava com serviços gerais de um hotel
14 : Desempregada
15 : Comércio
16 : Trabalhava com chapeação e pintura (autônomo)
17 : Estudava
40
7.1.atividade_C
Pós-codificação da questão texto 'atividade'
atividade_C
Dona de casacostureira autônoma
costureira de empresacozinheira lancheria
estudanterecepcionistacomerciária
serviços geraisdesempregada
chapeção e pintura
TOTAL OBS.
No. cit. Freq.
4 23,5% 3 17,6% 1 5,9% 1 5,9% 2 11,8% 1 5,9% 2 11,8% 1 5,9% 1 5,9% 1 5,9%
17 100%
Distribuição em setores de 'atividade_C'
4
3
112
1
2
1
11
Dona de casacostureira autônomacostureira de empresacozinheira lancheriaestudanterecepcionistacomerciáriaserviços geraisdesempregadachapeção e pintura
8.motivação
O que motivou a inserção no EES?
1 : Não queria trabalhar de empregada. Na cooperativa não tem patrão, trabalham para si próprias.
2 : Falta de dinheiro e a necessidade de ajudar em casa
3 : Não trabalhar sozinha e sim com outras costureiras. Produzir junto e tocar um empreendimentos
que...
41
4 : A empresa que trabalhava fechou, ficou desempregada; a irmã trabalhava na Univens e a
indicou com...
5 : Adora costurar e além disso trabalha em casa. Cuida da casa e ainda ganha um dinheiro, ajuda
no o...
6 : "Acreditar no projeto. Parei de trabalhar na lancheria e decidi que o projeto era bom. Acredito
q...
7 : "É uma coisa mais certa, sempre tem serviço, nunca para".
8 : "Necessidade de ter uma renda mais garantida".
9 : "Primeiro porque estava desempregada, tinha ganhado neném e não tinha mais como voltar para
o meu...
10 : "Minha mãe que já trabalhava aqui e me trouxe para cá".
11 : "A minha amiga trabalhava aqui e ela sabia que eu costurava muito bem, aí ela me convidou,
me cha...
12 : "Eu ficava sozinha, as filhas trabalhavam, o marido trabalhava, o neto que mora comigo
trabalha,...
13 : "Minha nora que me trouxe para cá e eu estou aqui".
14 : Necessidade financeira.
15 : "Tava desempregada aí eu vim fazer um extra aqui na Univens e me convidaram para ficar, eu
gostei...
16 : "O rapaz que era meu futuro genro me convidou para dar uma mão, tinha muito serviço na
época, aí ...
17 : Estava desempregado
8.1.motivação_C
Pós-codificação da questão texto 'motivação'
42
motivação_C
desempregadaopção
necessidadeconvidaram p/ participar
acreditou no projetoa coop. tem mais serviço
é mais uma rendavivenciar novos valoresmelhor, tem liberdade
precisava trabalhar
TOTAL OBS.
No. cit. Freq.
5 29,4% 4 23,5% 6 35,3% 6 35,3% 2 11,8% 1 5,9% 4 23,5% 2 11,8% 4 23,5%
10 58,8%
17 O número de citações é superior ao número de observações devido às respostas múltiplas (10 no
máximo).
Distribuição em setores de 'motivação_C'
5
4
6
621
4
2
4
10 desempregadaopçãonecessidadeconvidaram p/ participar acreditou no projetoa coop. tem mais serviçoé mais uma rendavivenciar novos valoresmelhor, tem liberdadeprecisava trabalhar