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Imprimir ( ) João Luis Trofino, presidente do conselho da cooperativa Uniforja: "Sequer vimos a cor do dinheiro, o empréstimo do BNDES seguiu direto para a massa falida" 20/06/2013 - 00:00 Operários viram donos com crédito no BNDES Por Marli Olmos Aquecida em temperatura de 1.500 graus, a barra de aço ganha luzes em tons de vermelho e amarelo enquanto desliza lentamente na prensa. No comando da imensa máquina que dá a primeira forma aos anéis para câmbio de caminhão está o operador José Pereira, concentrado num trabalho que ele conhece há muito tempo. Já são 30 anos na mesma empresa. Nos primeiros 14, José foi operário; nos últimos 16, um dos donos. Como José, todos dentro da fábrica usam o mesmo uniforme. Por isso, quem não conhece a história da Uniforja, fabricante de conexões de aço forjado, em Diadema (SP), diria que todos ali são operários. Mas na verdade, empregados e patrões misturam-se na linha de produção, em funções idênticas. Das 480 pessoas que trabalham na Uniforja, 286 são os proprietários da empresa. Os antigos empregados assumiram a gestão da empresa, então chamada Conforja, em 1997, ao perceberem que a falência era iminente. Criaram uma cooperativa e mudaram o nome para Uniforja. O modelo inspirou os trabalhadores de outras duas empresas na mesma situação, uma em Mococa e outra em Salto, ambas no interior de São Paulo. Embora distantes geograficamente, as três cooperativas têm muito em comum. Elas foram fundadas por grupos familiares que foram à ruína, atuam no ramo metalúrgico, fabricam produtos semelhantes e seus principais clientes são grandes multinacionais. Nos últimos anos, uma conquista em comum também serviu de impulso à atividade do trio: a obtenção de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Nos três casos, os recursos do BNDES foram liberados durante as gestões do PT no governo federal. A Uniforja, de Diadema, obteve dois financiamentos durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Já a Copromem, nome da cooperativa de Mococa, e a Metalcoop, de Salto, conseguiram a liberação dos empréstimos no governo de Dilma Rousseff. A Uniforja, que saiu na frente nos pedidos ao BNDES, e também nesse caso inspirou as outras duas cooperativas, está em festa, pois acaba de quitar a última parcela do primeiro financiamento, de R$ 28 milhões, obtido há dez anos. Essa empresa já está no segundo empréstimo, de R$ 15 milhões, liberado pelo BNDES em 2006. Em geral, empresas recorrem ao BNDES quando planejam investir em expansão industrial ou compra de máquinas. Mas no caso de cooperativas, como a história costuma envolver falências das antigas empresas, o dinheiro serve, antes de mais nada, para salvar a atividade, evitar despejo e até quitar débitos trabalhistas dos próprios cooperados e ex-funcionários. No caso da Uniforja, o primeiro financiamento nem passou pela empresa. "Sequer vimos a cor do dinheiro; o empréstimo do BNDES seguiu direto para a massa falida", diz, com bom humor, o presidente do conselho, João Luis Trofino. A falência da antiga Conforja foi decretada em 1999, dois anos depois da criação da cooperativa. Com a transferência do dinheiro para a massa falida, os cooperados conseguiram comprar o patrimônio da empresa, que até então Operários viram donos com crédito no BNDES http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso... 1 de 2 15-04-2015 18:30

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    Joo Luis Trofino, presidente do conselho da cooperativa Uniforja: "Sequer vimos acor do dinheiro, o emprstimo do BNDES seguiu direto para a massa falida"

    20/06/2013 - 00:00Operrios viram donos com crdito no BNDESPor Marli Olmos

    Aquecida em temperatura de 1.500 graus, a barra de ao ganha luzes em tons de vermelho e amarelo enquanto desliza lentamente naprensa. No comando da imensa mquina que d a primeira forma aos anis para cmbio de caminho est o operador Jos Pereira,concentrado num trabalho que ele conhece h muito tempo. J so 30 anos na mesma empresa. Nos primeiros 14, Jos foi operrio;nos ltimos 16, um dos donos.

    Como Jos, todos dentro da fbrica usam o mesmo uniforme. Por isso, quem no conhece a histria da Uniforja, fabricante deconexes de ao forjado, em Diadema (SP), diria que todos ali so operrios. Mas na verdade, empregados e patres misturam-se nalinha de produo, em funes idnticas. Das 480 pessoas que trabalham na Uniforja, 286 so os proprietrios da empresa.

    Os antigos empregados assumiram a gesto da empresa, ento chamada Conforja, em 1997, ao perceberem que a falncia era iminente.Criaram uma cooperativa e mudaram o nome para Uniforja. O modelo inspirou os trabalhadores de outras duas empresas na mesmasituao, uma em Mococa e outra em Salto, ambas no interior de So Paulo.

    Embora distantes geograficamente, as trs cooperativas tm muito em comum. Elas foram fundadas por grupos familiares que foram runa, atuam no ramo metalrgico, fabricam produtos semelhantes e seus principais clientes so grandes multinacionais. Nos ltimosanos, uma conquista em comum tambm serviu de impulso atividade do trio: a obteno de financiamentos do Banco Nacional deDesenvolvimento Econmico e Social (BNDES).

    Nos trs casos, os recursos do BNDES foram liberados durante as gestes do PT no governo federal. A Uniforja, de Diadema, obtevedois financiamentos durante o governo de Luiz Incio Lula da Silva. J a Copromem, nome da cooperativa de Mococa, e a Metalcoop,de Salto, conseguiram a liberao dos emprstimos no governo de Dilma Rousseff.

    A Uniforja, que saiu na frente nos pedidos ao BNDES, e tambm nesse caso inspirou as outras duas cooperativas, est em festa, poisacaba de quitar a ltima parcela do primeiro financiamento, de R$ 28 milhes, obtido h dez anos. Essa empresa j est no segundoemprstimo, de R$ 15 milhes, liberado pelo BNDES em 2006.

    Em geral, empresas recorrem ao BNDES quando planejam investir em expanso industrial ou compra de mquinas. Mas no caso decooperativas, como a histria costuma envolver falncias das antigas empresas, o dinheiro serve, antes de mais nada, para salvar aatividade, evitar despejo e at quitar dbitos trabalhistas dos prprios cooperados e ex-funcionrios.

    No caso da Uniforja, o primeiro financiamento nem passou pela empresa. "Sequer vimos a cor do dinheiro; o emprstimo do BNDESseguiu direto para a massa falida", diz, com bom humor, o presidente do conselho, Joo Luis Trofino. A falncia da antiga Conforja foidecretada em 1999, dois anos depois da criao da cooperativa.

    Com a transferncia do dinheiro para a massa falida, os cooperados conseguiram comprar o patrimnio da empresa, que at ento

    Operrios viram donos com crdito no BNDES http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso...

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  • arrendavam, e o juiz ainda conseguiu autorizar a quitao dos crditos trabalhistas,tanto dos cooperados como de ex-funcionrios que no quiseram integrar acooperativa.

    No caso da Copromem, a cooperativa de Mococa, a maior parte dos R$ 30 milhes doBNDES servir para a construo de uma nova fbrica, que dever ser inaugurada emoutubro. Quando a antiga empresa faliu, em 1999, os cooperados passaram a pagaraluguel para a massa falida, masas corriam o risco de serem despejados em 2015,prazo fixado pelo juiz.

    O presidente da Copromem, Pedro Luiz de Souza, no v a hora de inaugurar o novo prdio, numa rea industrial cerca de 10quilmetros do atual. Os 13 anos de trabalho na cooperativa foram mais do que suficientes para lhe ensinar que o empreendedor desucesso tambm tem de aprender a eliminar desperdcios. Em terreno acidentado, o layout da fbrica atual desfavorece o fluxocontnuo da produo. "Detectamos que um nico processo chega a percorrer 1.300 metros at ser concludo", diz Souza.

    Apertada em meio cidade, que cresceu em volta, a antiga fbrica tambm no oferece rea para refeies. Com refeitrio previsto naobra, na nova fbrica ningum mais vai ter que se deslocar at a prpria casa para almoar, como faz a maioria hoje.

    O destino que a Metalcoop, de Salto, deu ao financiamento que obteve do BNDES ainda mais incomum. O dinheiro foi usado nosleiles para arrematar instalaes e mquinas pelo grupo de diretores dos cooperados. Ao contrrio das outras duas, a Picchi, antigaempresa que deu origem a essa cooperativa, no foi falncia. No dia em que a direo confessou aos empregados que no tinha maiscondies de cumprir as obrigaes, em meados de 2002, os empregados propuseram um sistema de co-gesto, com arrendamento doparque fabril por uma cooperativa de empregados. "Para se livrar do problema, a empresa jogou a toalha", afirma o presidente doconselho e diretor financeiro da Metalcoop, Mauro Alves Martins.

    Mas o risco de perder tudo surgiu quando comearam a aparecer os processos trabalhistas contra a antiga empresa. A Justia comeoua fazer a penhora e a leiloar os bens, incluindo o prdio da fbrica. Os cooperados foram aos leiles e no deixaram escapar nada. Comas dvidas aumentando, decidiram recorrer ao BNDES. Depois de vrios meses de anlise, em novembro de 2011, a instituio liberouos R$ 7 milhes que serviram para recuperar a sade financeira da cooperativa.

    Os motivos dos fracassos de empresas que se transformam em cooperativas so parecidos. Em geral, so grupos familiares, cujashistrias de sucesso e projeo no mercado no vo alm da primeira gerao. Segundo os cooperados, o fundador da Conforja erabom empresrio e bom patro. Jos Cavalieri, operrio poca e cooperado hoje, lembra que ele trazia at caixas de batatas da fazendapara distribuir para os empregados. A empresa tinha mquinas com alta tecnologia, importadas da Alemanha, e o domnio de processosnicos lhe garantia grandes clientes no mercado interno e exportaes para todo o mundo. Mas quando a segunda gerao assumiu ocomando, no s a Conforja como todas as demais 15 empresas da famlia foram bancarrota.

    Martins, da Metalcoop, lembra que o fundador da antiga empresa costumava ir Europa, estudava processos e voltava com novastecnologias e prensas inglesas de ltima gerao. "Mesmo sendo empregados, percebamos que a empresa era vivel por ser pioneiraem forjados a frio. Alguns clientes chegavam a bater porta pedindo para comprar", diz.

    Operrios viram donos com crdito no BNDES http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso...

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