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153 Angela Acosta Giovanini de Moura * Raquel Giovanini de Moura ** UNIDADES DE CONSERVAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO AMBIENTAL PARA A PRESERVAÇÃO DO BIOMA CERRADO PROTECTED AREAS AS A TOOL FOR ENVIRONMENTAL MANAGEMENT FOR THE PRESERVATION OF CERRADO BIOME ÁREAS PROTEGIDAS COMO HERRAMIENTA DE GESTIÓN AMBIENTAL PARA LA CONSERVACIÓN DEL BIOMA CERRADO Resumo: A complexidade das questões ambientais apresenta-se como um dos maiores desafios impostos à comunidade global, especial- mente em relação ao desmatamento, cujos efeitos na desordem climática e na perda da biodiversidade já produzem reflexos. Nesse prisma, o estabelecimento de espaços especialmente protegidos constitui importante ferramenta de gestão ambiental diante da ocu- pação desenfreada da terra e do uso predatório dos recursos na- turais que a humanidade vem protagonizando há milênios. Dentro dessa perspectiva de análise, o presente artigo tem por objetivo de- monstrar que a implantação de novas Unidades de Conservação em Goiás pode contribuir para a proteção do bioma Cerrado, além de funcionar como um mecanismo de amortecimento dos prejuízos causados pelos alarmantes índices de desmatamento no estado. Abstract: The complexity of environmental issues presents itself as one of the major challenges imposed on the global community, es- pecially when related to deforestation, the effects of disorder on climate and biodiversity loss already produce reflections. In this sense, the establishment of specially protected areas is an * Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC-GO. Promotora de Justiça do MP-GO. ** Graduada em Direito pela PUC-GO.

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Angela Acosta Giovanini de Moura*

Raquel Giovanini de Moura**

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO AMBIENTAL PARA

A PRESERVAÇÃO DO BIOMA CERRADO

PROTECTED AREAS AS A TOOL FOR ENVIRONMENTAL MANAGEMENTFOR THE PRESERVATION OF CERRADO BIOME

ÁREAS PROTEGIDAS COMO HERRAMIENTA DE GESTIÓN AMBIENTALPARA LA CONSERVACIÓN DEL BIOMA CERRADO

Resumo:

A complexidade das questões ambientais apresenta-se como um

dos maiores desafios impostos à comunidade global, especial-

mente em relação ao desmatamento, cujos efeitos na desordem

climática e na perda da biodiversidade já produzem reflexos. Nesse

prisma, o estabelecimento de espaços especialmente protegidos

constitui importante ferramenta de gestão ambiental diante da ocu-

pação desenfreada da terra e do uso predatório dos recursos na-

turais que a humanidade vem protagonizando há milênios. Dentro

dessa perspectiva de análise, o presente artigo tem por objetivo de-

monstrar que a implantação de novas Unidades de Conservação

em Goiás pode contribuir para a proteção do bioma Cerrado, além

de funcionar como um mecanismo de amortecimento dos prejuízos

causados pelos alarmantes índices de desmatamento no estado.

Abstract:

The complexity of environmental issues presents itself as one

of the major challenges imposed on the global community, es-

pecially when related to deforestation, the effects of disorder

on climate and biodiversity loss already produce reflections. In

this sense, the establishment of specially protected areas is an

* Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC-GO.Promotora de Justiça do MP-GO.** Graduada em Direito pela PUC-GO.

important environmental management tool on the degradation of

land and predatory use of natural resources that humanity has

been starring for millennia. Within this framework of analysis, this

article aims to demonstrate that implementation of new protected

areas in Goiás can contribute to the protection of the Cerrado,

besides functioning as a damping mechanism of the damage cau-

sed by the alarming rates of deforestation in the state.

Resumen:

La complejidad de los problemas ambientales se presenta como

uno de los principales retos que se impone a la comunidad mundial,

especialmente en relación a la deforestación, cuyos efectos en el

desorden del clima y en la pérdida de la biodiversidad ya producen

reflejos. En ese sentido, el establecimiento de zonas protegidas es

una importante herramienta de gestión ambiental en la degradación

de la tierra y del uso predatorio de los recursos naturales que la hu-

manidad ha estado protagonizando por milenios. Dentro de este

marco de análisis, este artículo tiene como objetivo demostrar que

la aplicación de nuevas áreas protegidas en Goiás puede contribuir

a la protección del Cerrado, además de funcionar como un meca-

nismo de amortiguación de los daños causados por los alarmantes

índices de deforestación en el estado.

Palavras-chaves:

Unidades de Conservação, bioma Cerrado, meio ambiente, biodiver-

sidade.

Keywords:

Conservation Units, Cerrado biome, environment, biodiversity.

Palabras clave:

Unidades de conservación, Cerrado, medio ambiente, biodiversidad.

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INTRODUÇÃO

A problemática ambiental tem se apresentado como umadas maiores preocupações no mundo desde os fins da década de1960, quando movimentos ambientalistas, somados a acidentes eco-lógicos que marcaram o período (CARVALHO, 2001, p. 34), contri-buíram para a introdução da temática ambiental na agenda políticainternacional.

As ameaças ambientais relacionadas com a mudança climá-tica e o ritmo acelerado do aumento do efeito estufa imputável à açãohumana (VILELA, 2009, p. 49) impulsionaram a comunidade cientí-fica, bem como intelectuais, governantes e demais atores globais, abuscarem alternativas eficazes para o enfrentamento do fenômeno(MOURA, 2012).

Nesse aspecto, os desafios impostos por esses temasforam decisivos para que ocorresse, desde os anos de 1970, um au-mento significativo do número de organismos voltados à proteçãoambiental, objetivando a promoção de ações coordenadas. Tambémfoi a partir dessa época que se verificou o estabelecimento de umaparato legal para a proteção da natureza.

Dentre as medidas legais adotadas pela maioria dos paísesdo mundo, objetivando a proteção e a conservação dos recursos na-turais, destaca-se a normatização do uso da terra e a criação de Uni-dades de Conservação, considerados pelos governos e pelassociedades o meio mais eficaz de se conservar amostras significativasdos ecossistemas naturais ou da diversidade biológica dos países.

No estado de Goiás, a criação do primeiro parque estadualse efetivou na década de 1970, com o Parque Estadual da Serra deCaldas Novas, no sudeste goiano. Atualmente, Goiás tem 5,77% desua área protegida por Unidades de Conservação de proteção inte-gral e de uso sustentável, totalizando aproximadamente 82 unidades,que cobrem mais de 1,2 milhões de hectares. Em 1998, essas áreasrepresentavam apenas 1,3% da superfície do estado, o que demons-tra que nos últimos anos houve um avanço significativo na criaçãode Unidades de Conservação (GALINKIN, 2002, p. 87).

Por outro lado, estudos apontam que o modelo de desen-volvimento adotado com base em desmatamentos, queimadas, usos

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de fertilizantes químicos e agrotóxicos, comprometeu mais de dois ter-ços da cobertura vegetal do cerrado goiano, tendo 67% das áreas mo-dificadas, com voçorocas, assoreamento e envenenamento dosecossistemas, conforme acentua o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente(TRIGUEIRO, 2008, p. 54).

O Programa Cerrado, desenvolvido pela organização nãogovernamental Conservação Internacional Brasil, realizou pesquisarecente cujos indicadores concluem pelo desaparecimento do biomaCerrado até o ano de 2030 (MORAN, 2010, p. 87).

Assim, o objetivo do presente artigo é demonstrar que a im-plantação de novas Unidades de Conservação em Goiás apresenta-se como estratégia de gestão ambiental, visando a conservação daflora, podendo funcionar como um mecanismo de amortecimentodos prejuízos causados pelos alarmantes índices de desmatamentono estado, além de gerar benefícios sociais.

ORIGEM DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

A ideia de se reservar determinados espaços territoriais ob-jetivou, inicialmente, atender a uma necessidade ritualística para apreservação de lugares sagrados, nos quais o uso e mesmo a pre-sença humana eram proibidos. O propósito de preservação de al-guns espaços relacionava-se, ainda, à manutenção de estoques derecursos naturais; aos espaços para a caça e as cavalgadas; aos lo-cais para a obtenção de frutos, essências silvestres, madeiras e ou-tros recursos naturais. Vislumbra-se, pois, que a preocupação em seproteger determinada área não é típica das sociedades modernas,uma vez que a iniciativa tem sido buscada por distintas sociedadesem diferentes épocas (LEITE, 2004, p. 7).

Vale ressaltar, inclusive, que a existência das reservas reaisde caça já aparecem nos registros históricos assírios de 700 a.C. Osromanos já se preocupavam em manter reservas de madeira que vi-savam à construção de navios, dentre outros produtos. Na Índia, re-servas reais de caça foram estabelecidas no século III. Os senhoresfeudais destinavam porções significativas de suas florestas como re-servas de madeira, de caça e de pesca. Os poderes coloniais na

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África, ao longo dos dois últimos séculos, também destinaram espa-ços para a conservação de determinados recursos naturais (BEN-SUSAN, 2006, p. 87).

Para Bensusan (2006, p. 87), somente a partir da segundametade do século XIX o projeto de definir espaços para conservaçãofoi formatado, pois naquele momento a humanidade tornou-se o prin-cipal agente transformador da natureza, sendo evidente a diminuiçãode algumas áreas e espécies.

Pontua-se, dessa feita, a criação do Parque Nacional de Yel-lowstone, nos Estados Unidos da América, em 1872, com o objetivode preservar seus atributos cênicos, a significação histórica e o poten-cial para atividades de lazer. A partir da criação do Parque Nacionalde Yellowstone houve uma racionalização no processo de colonizaçãodo oeste americano, quando, inclusive, ocorreu a criação de diversasoutras unidades de conservação (BENSUSAN, 2006, p. 88).

Consta, por outro lado, que no continente europeu, após mi-lênios de colonização humana, os ambientes originais restaram con-sideravelmente diminuídos, o que contribuiu para que a Europaadotasse outro conceito de área natural protegida. Considerando quea paisagem natural modificada ainda apresentava importantes atri-butos de beleza cênica, embora ameaçada pelo crescimento urbanoe pela agricultura de larga escala, adotou-se um modelo que ficouconhecido na França como Parques Naturais (LEITE, 2004, p. 23).

A proposta consistia na criação de mecanismos jurídicos esociais para regular o uso da terra privada, destacando-se os acordospara preservar o uso do solo, os contratos visando a recuperação deatributos cênicos e biológicos e os acordos entre proprietários e or-ganizações civis para manter uma rede de trilhas para pedestres emáreas privadas (BENSUSAN, 2006, p. 89).

O propósito de preservação por meio da criação de parquesnacionais e outras unidades de uso restrito foi adotado por outros paí-ses, porquanto a preocupação com relação à destruição generalizadados recursos naturais assumiu uma postura global. Assim, em 1885,o Canadá criou seu primeiro parque nacional; a Nova Zelândia, em1894; a África do Sul e a Austrália, em 1898. A América Latina tambémfoi um dos primeiros continentes a copiar o modelo de parque nacional;o México criou sua primeira área protegida em 1894; a Argentina, em1903; o Chile, em 1926; e o Brasil, em 1937 (MILANO, 1997, p. 56).

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Com a ampliação de parques por todo o mundo, o significadode parque nacional passou a ter uma enorme variedade. Em cadapaís o modelo revestiu-se de características específicas (MILANO,1997, p. 58), tendo significados diferentes e até completamente opos-tos de um país para outro. Não havia ainda uma definição universal-mente aceita sobre os objetivos dos parques nacionais. Diante daintrincada mescla de variedades dos objetivos dos parques nos diver-sos países tentou-se, a partir de 1933, a unificação tanto de conceitoscomo de práticas, por meio de encontros e acordos internacionais deproteção à natureza (AMEND e AMEND, 1992, p. 26).

Com esse objetivo foi realizada a Convenção para a Pre-servação da Flora e Fauna em seu Estado Natural, em 1933, emLondres, ficando estabelecido um conceito para parque nacional,com três características básicas: a) áreas controladas pelo poder pú-blico; b) áreas para a preservação da fauna e flora, objetos de inte-resse estético, geológico e arqueológico, onde a caça é proibida; ec) áreas de visitação pública (QUINTÃO, 1983, p. 89).

Posteriormente, em 1940, realizou-se, em Washington, Esta-dos Unidos da América (EUA), a Convenção Panamericana, que ficouconhecida como Convenção de Washington, oportunidade em queforam discutidos os resultados da Conferência de Londres, as experiên-cias dos países presentes e os conceitos de parque nacional, reservanacional, monumento natural e reserva silvestre (MILANO, 1997, p. 61).

Vale ressaltar que o Brasil participou da Convenção deWashington, mas já registrava uma das primeiras áreas legalmenteprotegidas, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Instituído por D. JoãoVI no ano de 1808, a área tinha o escopo de ser fonte de pesquisasobre recursos naturais, além de proporcionar um ambiente agradável.

Importando o modelo adotado pelos EUA, materializado noParque de Yellowstone, André Rebouças, abolicionista e empreiteirode setor madeireiro, propôs a criação no Brasil de dois parques na-cionais: um em Sete Quedas e outro na Ilha do Bananal. No entanto,somente em 1937 foi criado o primeiro parque nacional brasileiro: oParque Nacional de Itatiaia (LEITE, 2004, p. 40).

Em 1959, foi elaborada pelas Nações Unidas a primeira listados parques nacionais e reservas equivalentes. A União Internacionalpara a Conservação da Natureza estabeleceu, no ano seguinte, aComissão de Parques Nacionais e Áreas Protegidas, com o intuito

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de promover, monitorar e orientar o manejo desses espaços.Importante anotar que o primeiro documento legal recomen-

dando estratégias de conservação da biodiversidade, por meio de uni-dades de conservação, se verificou em 1992, durante a Conferênciadas Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), oportunidade em que foi celebrada a Convenção das Nações Uni-das sobre Diversidade Biológica-CDB (MEDEIROS et al., 2011, p. 98).

O Brasil, como signatário da CDB, assumiu compromissosperante a comunidade internacional, no sentido de implantação deunidades de conservação em território nacional. Para tanto, foi insti-tuído o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas, delineandoprincípios, diretrizes, objetivos e estratégias de conservação de es-paços territoriais ecologicamente significativos. O Plano foi materia-lizado pelo Decreto n. 5.758, de 13 de abril de 2006, e é coordenadopor uma comissão no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, de-vendo contar com participação e colaboração de representantes dosgovernos federal, distrital, estaduais e municipais, de povos indíge-nas, de comunidades quilombolas e de comunidades extrativistas,do setor empresarial e da sociedade civil.

Salienta-se, no entanto, que diante dos objetivos de conserva-ção adotados em cada país, a necessidade de criação de tipos distintosde unidades de conservação ou categorias de manejo é diferenciadaem cada nação, de forma a atender objetivos locais. Assim, cada país,em razão das especificidades políticas, econômicas, culturais e de seusrecursos naturais, entende de uma maneira diferente quais devem seros objetivos de conservação da natureza. A partir desse enfoque, os go-vernos estabelecem seus sistemas nacionais de áreas naturais prote-gidas, estando essas áreas, no Brasil, conceituadas e definidas peloSistema Nacional das Unidades de Conservação da Natureza.

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO BRASIL – PERSPECTIVALEGAL

Afirma Leite (2004, p. 98) que os primeiros parques federaisforam criados na região sudeste-sul, a mais populosa e urbanizada

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do país. Somente a partir da década de 1960, com a expansão dafronteira agrícola e o aumento da destruição das florestas, foram cria-dos parques em outras regiões. Entre 1959 e 1961, foram criadosdoze parques nacionais, três deles no estado de Goiás e um no Dis-trito Federal (QUINTÃO, 1983, p. 95).

O desenvolvimento econômico, a partir da década de 1940,de base industrial, elevou as taxas de urbanização e ditou a expan-são das fronteiras agrícolas. O fenômeno da industrialização acen-tuou a destruição dos recursos florestais no país, tendo a expansãoda fronteira agropecuária se dado em direção a áreas que nos sé-culos anteriores haviam sido pouco ocupadas.

Para Drummond (1997, p. 16), o avanço da fronteira agrí-cola não foi o principal indutor na criação de Unidades de Conserva-ção nesse período. Com a mudança da capital nacional para Brasília,em 1961, no novo Distrito Federal, desmembrado de Goiás, houveuma expansão no fluxo migratório para essa região e, consequente-mente, a ocupação dos solos e a transformação dos ambientes na-turais. Essas áreas pareciam surgir para preencher as opções delazer da massa de funcionários públicos que seria instalada na novacapital, além de resguardar parte das formações existentes.

Com efeito, foi na década de 1970 que ocorreram alteraçõesprofundas relacionadas à conservação no Brasil, influenciadas pelomovimento conservacionista internacional e pela Conferência da Or-ganização das Nações Unidas, em Estocolmo/Suécia, em 1972. Noperíodo, foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal,que em 1979 elaborou o plano de sistemas de unidades de conser-vação no Brasil, com o objetivo principal de elaborar um estudo de-talhado das regiões propostas como prioritárias para a implantaçãode novas unidades.

Em 1992, foi enviada ao Congresso Nacional proposta delei sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC),sendo esta sancionada somente em 28 de julho de 2000, depois dequase oito anos de tramitação no Congresso Nacional.

Referida legislação (Lei 9.985/2000) conceitua, em seu ar-tigo 2º, inciso I, Unidades de Conservação como:

I - unidade de conservação: espaço territorial e seus recursosambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características

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naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, comobjetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial deadministração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.

Oportuno acentuar que a legislação em tela não cria, efeti-vamente, unidades de conservação, apenas estabelece diretrizespara sua criação, implantação e gestão. Conforme o estabelecido noPlano Nacional de Áreas Protegidas (PNAP), instituído pelo Decreton. 5.758, de 13 de abril de 2006, e pela Lei Federal n. 9.985/2000,as Unidades de Conservação são criadas por ato do Poder Público.A sua criação deve ser precedida por estudos técnicos e consultaspúblicas, para identificar a localização, os limites e as dimensõesmais adequadas.

As Unidades de Conservação, nos termos da mencionadalei, constituem estruturas a serem compreendidas sob três aspectos.Primeiramente, como espaços geográficos diferenciados dentro domodo de apropriação predatório que caracteriza a sociedade con-temporânea. Num segundo momento, como instrumentos de plane-jamento do território nacional. Por fim, como campos para odesenvolvimento técnico-científico brasileiro (DERANI, 2001, p. 238).

As Unidades de Conservação integrantes do SNUC divi-dem-se em dois grandes grupos, com características específicas. Oprimeiro grupo é o de Unidades de Proteção Integral, composto pelascategorias: estação ecológica; reserva biológica; parque nacional;monumento natural; e refúgio de vida silvestre. O segundo é o deUnidades de Uso Sustentável, incluindo área de proteção ambiental;área de relevante interesse ecológico; floresta nacional; reserva ex-trativista; reserva de fauna; reserva de desenvolvimento sustentávele reserva particular do patrimônio natural.

O objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é pre-servar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seusrecursos naturais, com exceção dos casos previstos na lei. Apenasos monumentos naturais e os refúgios de vida silvestre podem serestabelecidos em áreas particulares. As demais categorias têm deser de propriedade do estado, e, ademais, as áreas particulares in-cluídas em seus limites devem ser desapropriadas.

As Unidades de Uso Sustentável, a seu turno, têm como ob-jetivo compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável

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de parcela dos seus recursos ambientais. As florestas nacionais, asreservas extrativistas, as reservas de fauna e as reservas de desen-volvimento sustentável têm que fazer parte do patrimônio público.

CARACTERÍSTICAS DO CERRADO E A IMPORTÂNCIA DE SUACONSERVAÇÃO

O Cerrado brasileiro é uma região típica de savana tropical,na qual existe uma vegetação rasteira, formada principalmente porgramíneas, que coexiste com árvores e arbustos esparsos. O Cer-rado ocupa cerca de dois milhões de km², ou seja, 24% do territórionacional. É considerado a segunda maior formação vegetal brasi-leira, estando localizado na região central do Brasil, estendendo-seaté o litoral nordeste do estado do Maranhão e norte do estado doParaná (SANO et al., 2007, p. 14), mantendo contato com os outrosbiomas nacionais, exceto o Pampa.

O Cerrado reúne uma das maiores biodiversidades domundo e, devido a essa excepcional riqueza biológica, é consideradoum dos hotspots mundiais, ou seja, um dos biomas mais ricos eameaçados do planeta, com 6.429 espécies já catalogadas (KLINK;MACHADO, 2005, p. 147).

A importância do bioma ainda se evidencia pelo fato de oCerrado alimentar as nascentes das três maiores bacias hidrográfi-cas sul-americanas e diversas nascentes de rios que contribuempara seis das oito principais bacias hidrográficas brasileiras, como abacia Amazônica, a bacia do Tocantins, a bacia Atlântico Norte/Nor-deste, a bacia do São Francisco, a bacia Atlântico Leste e a baciados Rios Paraná/Paraguai (SCARIOT, 2005, p. 28).

Klein (2002, p. 83), estudando a vegetação do bioma Cer-rado, defende que esta não possui uma fisionomia única; ao contrá-rio, apresenta-se como um mosaico de formas fisionômicas, oramanifestando-se como campo sujo, ora como cerradão, ora comocampo cerrado, ora como cerrado ou campo limpo.

Inferiorizado por muito tempo, o bioma foi considerado umaárea pobre em biodiversidade, “motivo pelo qual cedeu espaço a

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grandes monoculturas e à pecuária, correndo sérios riscos de extinção”(MASCARENHAS, 2008, p. 57).

As árvores do Cerrado possuem uma arquitetura especial,conferindo-lhe a aparência de uma “floresta de cabeça para baixo”(TRIGUEIRO, 2008, p. 205), porquanto a maior parte de sua bio-massa é subterrânea, uma vez que as raízes das árvores se apro-fundam no solo em busca de água e nutrientes, especialmente naestação da seca (KLINK; MACHADO, 2005, p. 151), fenômeno quegarante às espécies vegetais do Cerrado destaque pelo seu enormepotencial em estocar carbono no solo.

De acordo com estudo do WWF (2012), os primeiros regis-tros de seres humanos na região do Cerrado remontam há doze milanos, tendo sua ocupação por populações não indígenas começadono século XVIII, devido a atividades de mineração de ouro e pedraspreciosas. No entanto, a atividade de extração de minério foi substi-tuída pela pecuária extensiva (WWF, 2012). Segundo Milaré (2007,p. 630), o Cerrado foi considerado símbolo da nova etapa de vidados brasileiros com a construção de Brasília, bem como incentivosoficiais levaram à construção de novas rodovias, ferrovias e pacotesde políticas agrícolas (WWF, 2012).

Sobre o tema, Moura (2012, p. 36) acrescenta que o estado deGoiás foi incluído na rota da política implantada pelo Estado Novo, noano de 1938, cuja ocupação se efetivou sem a orientação de uma políticade gestão ambiental, embora vigesse, à época, o Código Florestal de1934, “que proibia o desmatamento de um quarto da mata situada no in-terior da propriedade rural, o sacrifício de árvores ou vegetação conside-rada nobre, a ocupação de morros e encostas, entre outras”.

Destaca Maciel (2008, p. 48) que a cobertura vegetal dobioma Cerrado atingia 97% do território do estado de Goiás, encon-trando-se, atualmente, reduzida a 30%, em razão da ocupação an-trópica que se intensificou a partir da década de 1930, quandopolíticas de estímulo à ocupação do território (Centro-Oeste e Nortedo país) foram efetivadas estrategicamente pelo governo militar.Nesse sentido, destaca-se o movimento Marcha para o Oeste, quevisava a “expansão brasileira dentro de suas fronteiras e recolocavao problema da mão-de-obra necessária à coordenada conquista dointerior do país”. A ocupação e devastação do Cerrado se aceleraram,mais tarde, com a previsão, na Constituição de 1946, da mudança da

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capital do Brasil e sede do Governo Federal para a região Central,no Distrito Federal.

Os custos ambientais resultantes do crescimento econômicodo estado de Goiás comprometeram o bioma Cerrado, hoje ameaçadode extinção. Os números da destruição foram contabilizados peloIBAMA e pela ONG Conservação Internacional e se aproximam emtorno de 60% da área total do Cerrado (SILVA, 2005, p. 76).

O modelo de desenvolvimento adotado com base em desma-tamentos, queimadas, usos de fertilizantes químicos e agrotóxicos com-prometeu mais de dois terços da cobertura vegetal do Cerrado goiano, e67% das áreas estão modificadas, com voçorocas, assoreamento e en-venenamento dos ecossistemas (NOVAES apud MACIEL, 2008, p.49).

A perda da diversidade biológica do Cerrado implicará a perdanacional das possibilidades de uso sustentável de muitos recursos,como plantas medicinais e espécies frutíferas, abundantes no bioma.

De acordo com análise do WWF (2012), metade da vegeta-ção original do Cerrado foi desmatada pela plantação de soja, algodãoe cana-de-açúcar, pela pecuária extensiva, pela geração de energiae pela urbanização, estimando-se que apenas uma área de 20% dobioma esteja intacta, vez que suas áreas remanescentes encontram-se muito fragmentadas.

Com efeito, conforme projeto elaborado pela SEMARH(2013, p. 6), o estágio atual de desmatamento do Cerrado é grave:

Estudos tem mostrado que o Cerrado está seriamente ameaçado.Um número considerável de espécies animais e vegetais estaameaçado de extinção. O desmatamento foi extremamente elevadonas últimas décadas, atingindo 2,6 milhões de hectares (ha) porano, o que equivale a 7.000 hectares por dia. Estimativas indicamque apenas 20% da cobertura vegetal original permanecem em umestado próximo do natural, mas menos de 9% mantém-se em frag-mentos maiores que 1.000 ha, considerada a dimensão mínima viá-vel para a manutenção de populações geneticamente viáveis.Seguindo essa tendência, o Bioma desaparecerá até 2030.

Assim, o Cerrado teve uma área de 43,6% desmatada até 2002e de 47,8% até o ano de 2008. Nos anos de 2009 e 2010, a taxa anual dedesmatamento foi de 0,3%, sendo a maior taxa de supressão em relaçãoaos outros biomas brasileiros, segundo relatório do MMA; IBAMA (2011).

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Ainda, acerca da degradação do Cerrado, extrai-se de pro-jeto realizado pela SEMARH (2013, p. 7) que:

Depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o Bioma brasileiro que maissofreu alterações com a ocupação humana. Com a crescentepressão para a abertura de novas áreas, visando incrementar aprodução de carne e grãos para exportação, tem havido um pro-gressivo esgotamento dos recursos naturais da região. Nas trêsúltimas décadas, o Cerrado vem sendo degradado pela expansãoda fronteira agrícola brasileira. Além disso, o Bioma Cerrado épalco de uma exploração extremamente predatória de seu mate-rial lenhoso para produção de carvão.

Conquanto de inegável importância para o país, a Consti-tuição Federal não reconheceu o Cerrado como patrimônio nacional,dispensando, contudo, a outros biomas de biodiversidade menos ex-pressiva tal proteção (MOURA, 2012, p. 34). Destaque-se que o reco-nhecimento do Cerrado como patrimônio nacional é objeto de Projetode Emenda à Constituição, aprovado no Senado Federal e atualmenteencaminhado à Câmara dos Deputados. A inclusão do Cerrado comopatrimônio nacional ensejaria mais proteção pelo Estado, viabilizandoa realização de cooperações internacionais (MACARENHAS apudMOURA, 2012, p. 34).

Nesse diapasão, denota-se o menor esforço conservacio-nista dispensado a este bioma, quando outros ecossistemas rece-bem mais atenção. A Amazônia, por exemplo, possui 12% de suaárea protegida em unidades de conservação contra menos de 2%no Cerrado (KLINK, 1996, p. 26). Ademais, a maioria das unidadesde conservação na Amazônia “possui área superior a 100 mil hecta-res, enquanto no Cerrado apenas 10% das unidades possuem áreaacima de 50 mil hectares” (ALHO; MARTINS, 1995, p. 9).

Informa Sawyer (apud MACIEL, 2008, p. 58) que o governofederal realiza constante monitoramento sobre o desmatamento naAmazônia e no Pantanal, mas não há iniciativa semelhante em rela-ção ao Cerrado que, inclusive, tem se apresentado como alternativaao desmatamento na Amazônia.

Diniz et al. (2010, p. 28) apontam a necessidade da promo-ção do desenvolvimento sustentável no Cerrado:

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Várias linhagens e espécies endêmicas foram selecionadas naregião, mas, além deste aspecto, a diversidade do Cerrado podeser avaliada também pela complexidade das interações da vege-tação com o ambiente físico ou da vegetação com a fauna doBioma. Todo esse acervo natural está sendo rapidamente descar-tado e substituído por sistemas produtivos pouco ou nada susten-táveis. Importantes áreas com linhagens evolutivas únicas estãosendo erradicadas por um modelo econômico baseado unica-mente na exploração de espécies exóticas. Há necessidade dese discutir a implementação de modelos econômicos menosagressivos e socialmente mais justos, visto que a concentraçãode renda e de terras é ainda largamente observada no Cerrado.

Constata-se, por esse prisma, que o crescimento econômicono estado de Goiás, desde a década de 1930, importou em consi-derável ônus ao bioma Cerrado, impondo-se ao poder público a ado-ção de estratégias com o propósito de apontar caminhos epossibilidades para deter o processo, porquanto o grande desafioque se apresenta atualmente é o de conter o desmatamento e recu-perar o passivo ambiental como tentativa de conciliar o crescimentoeconômico e a conservação da natureza, uma vez que ambos sãoessenciais à manutenção da vida.

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO COMO MEDIDA DE PROTE-ÇÃO DO CERRADO

As Unidades de Conservação constituem medidas de polí-tica ambiental que melhor orientam as investidas que objetivam aconservação da diversidade biológica, dado o papel que desempe-nham na preservação da fauna e da flora, no estoque genético re-presentado pelos organismos vivos e na manutenção dos serviçosessenciais dos ecossistemas a favor da qualidade de vida do ser hu-mano (OLIVEIRA, 2002, p. 19).

Defende Oliveira (2002, p. 20) que as Unidades de Conser-vação desempenham reconhecida função a favor do meio ambiente,sobretudo pelo papel que desempenham no fornecimento de serviços

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ambientais, destacando-se a produção de oxigênio pelas plantas, oequilíbrio do ciclo hidrológico, a fertilidade do solo, a vitalidade dosecossistemas, a paisagem, o equilíbrio climático e o conforto térmico.

Estudos apontam (INPE, online) que nos estados onde acriação e implementação das Unidades de Conservação foram prio-rizadas, como nos estados de Amapá, Pará e Amazonas, os quaisdobraram suas áreas protegidas por meio desse mecanismo, regis-trou-se considerável queda do desmatamento nos últimos anos.

Cumpre destacar, nesse aspecto, os estudos dirigidos peloInstituto Nacional de Pesquisas Espaciais, ligado ao Ministério deCiência e Tecnologia, demonstrando que os estados que dobraramsuas Unidades de Conservação nos últimos anos têm conseguindodeter o processo do desmatamento, experiência que evidenciaserem as Unidades de Conservação estruturas promotoras da ge-ração de renda, além de estimularem o desenvolvimento regional elocal (INPE, online).

A abordagem desse cenário aponta a preocupação que oCerrado reclama. Registra-se que, em 2007, o Ministério do MeioAmbiente, em parceria com a The Nature Conservancy, elaborou omapa de Unidades de Conservação do Bioma Cerrado, denunciandoa pouca proteção que lhe é dispensada. Apenas 6,82% do biomaera protegido por Unidades de Conservação até 2007. A fragmenta-ção da paisagem, provocada em grande parte pela agropecuária,isola as Unidades de Conservação e demais remanescentes, dificul-tando o fluxo gênico, tão importante para a manutenção da biodiver-sidade (HAUFF, 2007, p. 2).

A riqueza concentrada no bioma Cerrado, considerado umhotspot, ou seja, uma das regiões mais ricas e biodiversas do mundo,reclama mais atenção para sua proteção e conservação. Os recursoshídricos do Cerrado, a potencialidade de estocar carbono abaixo eacima do solo, a variedade de suas espécies faunísticas e florísticasexigem sejam contidos os avanços da ocupação antrópica na região,assim como priorizada a adoção de medidas compensatórias pelosdanos já suportados (MOURA, 2012, p. 56).

Em 2010, o Brasil foi considerado a oitava economia mundial,com crescimento anual médio de 4%, sendo inegável que a abundân-cia de recursos naturais possibilitou seu crescimento (MEDEIROS etal., 2011, p. 6). Contudo, Medeiros et al. (2011, p. 6) asseveram que a

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disponibilidade de recursos naturais é limitada pelo tempo e espaçoe, portanto, a criação de Unidades de Conservação é uma das formasmais efetivas para atender à proteção dos recursos naturais relevantes.

Isso porque, além de preservarem a natureza, as Unidadesde Conservação prestam "serviços ecossistêmicos gratuitamente,beneficiando o equilíbrio ecológico e atividades humanas", como "amanutenção da qualidade do ar, da fertilidade do solo, o fornecimentode água limpa e a contenção de enchentes e erosões" (WWF, 2012).

De acordo com o MMA (2011, p. 13), o baixo investimentonas Unidades de Conservação resulta da falta de conhecimentoacerca do retorno financeiro que tais espaços podem propiciarquando efetivamente instituídos.

Assim, as Unidades de Conservação possibilitam que setoreseconômicos e a população brasileira usufruam de seus benefícios,como, por exemplo, suas águas, que compõem os reservatórios dasusinas hidrelétricas; o desenvolvimento de fármacos e cosméticos pro-duzidos por espécies protegidas; o turismo, que auxilia a economia dosmunicípios e a mitigação de gases de efeito estufa decorrentes da de-gradação dos ecossistemas naturais (MEDEIROS et al., 2011, p. 6).

Cumpre salientar que, de acordo com Medeiros et al. (2011,p. 38), as Unidades de Conservação são extremamente necessáriasà promoção da preservação ambiental e da provisão de serviços am-bientais, os quais são importantes para uma série de cadeias eco-nômicas. Ainda, Medeiros et al. (2011, p. 38) destacam o seguinte:

Como atestam os estudos apresentados, além da contribuiçãoeconômica agregada no âmbito nacional, a criação e a implemen-tação de Unidades de Conservação gera também oportunidadesde negócios, bem como renda e emprego nas áreas de influênciadessas unidades. Demonstra-se, ainda, que se as Unidades deConservação fossem adequadamente estruturadas, haveria umamaior dinamização de diversos setores econômicos ligados a elas,bem como uma maior e melhor provisão dos serviços sistêmicospor elas produzidos.

De acordo com estudo realizado pelo MMA (2011, p.12), sãopermitidos usos econômicos de efeitos positivos imediatos à econo-mia regional em 88,3% da área protegida pelas Unidades de Con-servação, por meio de atividades de produção florestal, extrativismo,

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turismo, agropecuária, agricultura e atividades de baixo impacto am-biental; a área de 11,7% restante é capaz de favorecer o desenvol-vimento local.

Asseveram Diniz et al. (2010, p. 26) que, nos municípiosonde a cobertura vegetal nativa foi mantida por meio das Unidadesde Conservação, as populações locais possuem opções de desen-volverem suas atividades econômicas de forma sustentável.

Ademais, o ICMS Ecológico garante a transferência anualde mais de R$ 400 milhões dos estados para os municípios, comocompensação pela criação e manutenção das Unidades de Conser-vação em seus territórios (MEDEIROS et al., 2011, p. 38).

De acordo com pesquisa realizada por Medeiros (apudMMA, 2011), o potencial econômico das Unidades de Conservaçãopode ser resumido da seguinte forma:

a) Somente as Florestas Nacionais e Estaduais da Amazônia têmo potencial de ampliar em mais de 100% a produção anual no paísde madeira nativa segundo o modelo de concessão florestal, oque geraria entre R$ 1,2 bilhão e R$ 2,2 bilhões;b) A visitação nos 67 Parques Nacionais tem potencial para gerarentre R$ 1,6 bilhão e R$ 1,8 bilhão por ano;c) A visitação nos 144 Parques Estaduais tem o potencial paraatrair cerca de 1,4 milhões de pessoas, o que poderá gerar entreR$ 90 milhões e R$ 103,3 milhões;d) A criação e manutenção das Unidades de Conservação evita-ram a emissão de pelo menos 2,8 bilhões de toneladas de car-bono, que se estima que equivalem a cerca de R$ 96 bilhões;e) 80% da hidreletricidade gerada no país têm como fonte de águapelo menos um rio a jusante de Unidade de Conservação;f) 35% da água captada para consumo humano depende de uni-dades de conservação;g) 9% da água para consumo humano é diretamente captada emUC e 26% é captada em fontes a jusante de UC; eh) A receita real de ICMS Ecológico repassada aos municípiospela simples existência de Unidades de Conservação em seusterritórios foi de R$ 402,7 milhões em 2009.

Segundo o MMA (2011, p. 12), “estudos têm demonstradocada vez mais que Unidades de Conservação também contribuempara o desenvolvimento econômico e redução da pobreza do país”.

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Ainda, Medeiros et al. (2011, p. 38) ressaltam que:

Conciliar o desenvolvimento e a conservação constitui uma estra-tégia eficiente, sustentável e socialmente justa para garantir cres-cimento econômico segundo um modelo em que a economia enatureza sejam tratados como elementos complementares, e nãoantagônicos. Conservar a biodiversidade garante não apenasmais crescimento, mas, principalmente, melhor crescimento.

Apesar de insuficientes para garantir sua perpetuação, asUnidades de Conservação do Cerrado protegem belezas incompa-ráveis e têm um importante papel nas economias locais e regionais:“cerca de 300 plantas nativas do Cerrado são usadas como alimento,remédio ou matéria-prima para artesanato, principalmente por popu-lações tradicionais” (WWF, 2012).

Nessa ordem, a implantação de novas unidades de conser-vação no Cerrado pode se apresentar como importante medida depolítica ambiental, visando a conservação e a preservação dos re-cursos florestais que o bioma encerra.

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO EM GOIÁS

A utilização de unidades de conservação como instrumentode política ambiental no estado de Goiás iniciou-se no ano de 1959,com a criação, pelo Governo Federal, do Parque Nacional do Ara-guaia, hoje situado no estado do Tocantins. Em 1961 foram criadosdois Parques Nacionais (Parque Nacional das Emas e Parque Na-cional da Chapada dos Veadeiros), após o que não se tem notíciada criação de nenhum outro nesse estado, exceto os estaduais, osquais foram criados nos anos de 1980 a 2000.

A legislação estadual1 define os parques estaduais como deposse e domínio público, que têm como objetivo básico a preservação

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1 Lei Estadual n. 14.247 de 29 de julho de 2002, criou o Sistema Estadual de Unida-des de Conservação no estado de Goiás.

de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e belezacênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o de-senvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental,de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico deacordo com o estabelecido pelo SNUC. São áreas que contêmamostras ecológicas significativas das diferentes populações, habi-tats e ecossistemas do território estadual que devem salvaguardar opatrimônio biológico existente. Portanto, os parques no estado deGoiás também são Unidades de Conservação de proteção integral,em consonância com a lei nacional maior (LEITE, 2004, p. 67).

Atualmente, no estado de Goiás a responsabilidade pelaexecução da política de conservação e preservação e por pesquisaspara o aproveitamento dos recursos naturais está a cargo da Secre-taria Estadual de Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Estadode Goiás (SEMARH) e da Agência Goiana de Meio Ambiente(AGMA), recentemente reincorporada à SEMARH.

Segundo a SEMARH, Goiás possui atualmente 5,77% doseu território dentro de áreas protegidas sob a forma de Unidadesde Conservação (UCs). As áreas que compõem o Sistema Estadualde Unidades de Conservação (SEUC) correspondem a 3,58% doterritório (12.173 km2), dos quais 1,1 milhões de hectares são de usosustentável e 113.300 ha são de proteção integral. As áreas protegi-das sob a forma de Unidades de Conservação Federais correspon-dem a 2,19% (744.400 ha) do território do estado, dos quais 364.400ha são de proteção integral e 378.000 ha são de uso sustentável.

Verifica-se, assim, que no estado de Goiás as Unidades deConservação estão bem abaixo do que recomenda a ConstituiçãoEstadual (GOIÁS, 2003), em seu artigo 128, que determina a cober-tura de 20% do território goiano de Unidades de Conservação.

Apesar da pouca proteção que o estado de Goiás dispensouà questão da proteção dos espaços com representatividade ecoló-gica relevante, o problema da perda de biodiversidade foi objeto decompromisso assumido pelo governo brasileiro que, juntamente comoutros duzentos governos estrangeiros, adotaram o Plano Estraté-gico para a Biodiversidade no período de 2011/2020, na reunião daConvenção sobre Diversidade Biológica em Nagoya, Japão, em ou-tubro de 2010. O documento recomenda que, até 2020, pelo menos17% dos ecossistemas terrestres e de águas interiores e 10% das

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zonas costeiras e marinhas, especialmente as áreas de especial im-portância para a biodiversidade e serviços de ecossistemas, deverãoestar protegidas (OLIVEIRA, 2002, p. 76).

No entanto, a área de Cerrado efetivamente protegida é pe-quena e há necessidade de criação de novas Unidades de Conser-vação no âmbito federal, estadual, municipal e particular, tendo emvista que o Cerrado possui mais de quatrocentas áreas prioritáriasde conservação, consoante estudo realizado pelo WWF (2012), combase em mapeamento do Governo Federal.

Por outro lado, a criação de novas Unidades de Conservaçãoenfrenta inúmeros problemas, como a regularização fundiária dasáreas declaradas como especialmente protegidas, o baixo número defuncionários alocados na gestão do SNUC, a falta de estrutura básicae a ausência ou a não revisão de planos de manejo, sobretudo a in-suficiência de investimentos (MEDEIROS et al., 2011, p. 9).

Não obstante a falta de incentivos, Medeiros et al. (2011, p.38) assinalam que

nas últimas duas décadas tem crescido, entre setores governa-mentais e não-governamentais da sociedade nacional, a convic-ção de que essa base de recursos naturais, incluindo suabiodiversidade, é fundamental para o desenvolvimento futuro dopaís pelos bens e serviços que oferece.

Conforme Medeiros et al. (2011, p. 38), é fundamental paragarantir a preservação e o uso sustentável dos recursos naturais, alémde propiciar o desenvolvimento social e econômico do país, que sejamviabilizados novos investimentos para a criação e ampliação das Uni-dades de Conservação. Ademais, as atividades econômicas de tu-rismo e exploração de recursos florestais devem ser fomentadas, paraque possam efetivamente garantir a melhoria da qualidade de vida dapopulação regional (MEDEIROS et al., 2011, p. 38).

Considerando que o estado de Goiás tem área de 340.166km² (34.166.000 ha), uma população de 5.230.000 habitantes, total-mente dentro do bioma Cerrado, e uma economia altamente depen-dente dos recursos naturais (SEMARH, 2013, p. 6), a criação denovas Unidades de Conservação no estado constituem um impor-tantíssimo instrumento de gestão ambiental para a preservação do

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Cerrado, o segundo maior bioma da América Latina, que, apesar deser rico em biodiversidade e em recursos hídricos, encontra-se ex-tremamente devastado.

CONCLUSÃO

O agravamento de problemas ambientais, como desmata-mento, poluição de cursos de água e extinção de espécies, bem comoa difusão de novos conhecimentos sobre os possíveis benefícios ad-vindos da conservação ambiental, tem contribuído para a crescenteatenção conferida a essas propostas no campo acadêmico e político.

Nesse contexto, merece especial atenção o bioma Cerrado porser uma das áreas mundialmente consideradas críticas quanto à ne-cessidade de conservação, em virtude da elevada diversidade biológicae da intensa pressão antrópica a que esse bioma vem sendo submetido.Contudo, poucas são as áreas efetivamente protegidas e estas apre-sentam ainda o inconveniente de estarem concentradas em poucas re-giões, cujo número é incompatível com o acentuado endemismo e coma extensa distribuição geográfica de espécies nesse bioma.

O estado de Goiás é o maior representante do Cerrado, im-pondo-se sejam priorizadas ações de gestão ambiental voltadas paraa conservação das áreas ecologicamente relevantes como medidapara viabilizar a conservação de um banco de dados de espéciesflorísticas e faunísticas do bioma, não apenas em razão da riquezaintraduzível de sua biodiversidade, mas como compromisso legal,ético e vital de se assegurar o equilíbrio ambiental garantidor da sadiaqualidade de vida a esta e às futuras gerações.

As unidades de conservação realmente constituem umaforma eficiente de conservação dos recursos naturais e sua criaçãodeve ser estimulada pelos atores que atuam na defesa do meio am-biente, em parceria com a sociedade.

Ademais, a criação de novas Unidades de Conservação emGoiás representaria um eficiente mecanismo de amortecimento dosprejuízos causados à biota em consequência do avanço da fronteiraagrícola e da ocupação urbana no Estado.

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Constata-se, finalmente, que a criação e a implantação denovas Unidades de Conservação no estado podem contribuir signi-ficativamente para a preservação da biodiversidade e para a recu-peração da cobertura vegetal do Cerrado goiano, em um percentualbem mais significativo que o representado por outras medidas decombate ao desmatamento em áreas privadas.

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