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3.1 INTRODUÇÃO A A unidade 3 tem como objetivo discutir, num primeiro momento, a proposta antropológica do estruturalismo elaborada pelo antropólogo francês Claude Lévi-Strauss. Sua proposta antropológica delineou quatro condições para que o pensamento estruturalista fosse efetivado como modelo analítico: o método como caráter sistêmico; o estruturalismo e o grupo de modelos; o estruturalismo enquanto modelo aberto a novas análises e o estruturalismo como modelo explicativo dos fatos observados. Num segundo momento, a unidade aborda as relações entre estruturalismo, linguística e psicanálise, como também prioriza a explicação da metodologia estruturalista, que é centrada no fato de extrapolar a experiência da percepção espontânea e da experiência da primeira impressão. Desse modo, é importante compreender que, para o estruturalismo, os homens fazem parte de um sistema e de uma estrutura que ignoram. Então, não é possível confundir estrutura social e relações sociais. Nessa perspectiva, o conceito de estrutura serve para explicar as relações vividas na sociedade e que estão latentes. AULA 3 A Escola Antropológica Estruturalista Autor: Prof. Dr. Marcelo Flório

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  • 3.1 INTRODUO

    A A unidade 3 tem como objetivo discutir, num primeiro momento, a proposta antropolgica do estruturalismo elaborada pelo antroplogo francs Claude Lvi-Strauss. Sua proposta antropolgica delineou quatro condies para que o pensamento estruturalista fosse efetivado como modelo analtico: o mtodo como carter sistmico; o estruturalismo e o grupo de modelos; o estruturalismo enquanto modelo aberto a novas anlises e o estruturalismo como modelo explicativo dos fatos observados.

    Num segundo momento, a unidade aborda as relaes entre estruturalismo, lingustica e psicanlise, como tambm prioriza a explicao da metodologia estruturalista, que centrada no fato de extrapolar a experincia da percepo espontnea e da experincia da primeira impresso. Desse modo, importante compreender que, para o estruturalismo, os homens fazem parte de um sistema e de uma estrutura que ignoram. Ento, no possvel confundir estrutura social e relaes sociais. Nessa perspectiva, o conceito de estrutura serve para explicar as relaes vividas na sociedade e que esto latentes.

    AULA 3A Escola Antropolgica Estruturalista

    Autor: Prof. Dr. Marcelo Flrio

  • ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA

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    Na unidade, sero discutidos os seguintes eixos temticos:

    Claude Lvi-Strauss e a Antropologia Estruturalista A Metodologia do Estruturalismo

    Ao final da unidade, espera-se que voc seja capaz de:

    Entender a proposta da teoria antropolgica de Claude Lvi-Strauss; Apreender as relaes entre a proposta estruturalista lvi-straussiana, lingustica e psicanlise freudiana;

    Compreender a metodologia do estruturalismo de Claude Lvi-Strauss.

    3.2 CLAUDE LVI-STRAUSS E A ANTROPOLOGIA ESTRUTURALISTAClaude Lvi-Strauss nasceu no seio de uma famlia judaica, em 1908, na Blgica. Migrou, quando jovem, em direo Frana, onde estabeleceu moradia e construiu sua carreira como antroplogo e como professor do Collge de France. Permaneceu na Frana at sua morte, em 2009, com 100 anos de idade. considerado um dos mais importantes pensadores e tericos da antropologia de todos os tempos.

    Lecionou na Universidade de So Paulo na dcada de 1930 e fez significativos trabalhos de campo com tribos indgenas, de 1935 a 1939. Essas pesquisas etnogrficas foram desenvolvidas junto aos povos indgenas Bororo e Nhambiquara em suas prprias aldeias, no Mato Grosso. Publicou importantes livros, tais como: Tristes Trpicos, a tetralogia As Mitolgicas, Saudades do Brasil e Antropologia Estrutural.

    O objetivo de Lvi-Strauss, ao estudar a estrutura da mente dos povos considerados primitivos (o termo primitivo ele questiona e tece crticas ao seu uso), que entende que esta igual das culturas mais complexas, consideradas civilizadas. Desse modo, sempre rejeitou a viso de que o modelo de cultura ocidental e sua histria a nica vlida. Assim, chega concluso de que as estruturas mentais so iguais entre os diferentes povos que habitam o planeta, pois o antroplogo parte do modelo terico de que a mente em todos os lugares do mundo atua com princpios e bases comuns. No entanto, cada grupo vivencia e experimenta em sua cultura mecanismos prprios, que atribuem sentidos prprios existncia.

    Lvi-Strauss foi um dos principais mentores do estruturalismo e, segundo sua proposta antropolgica, indicou quatro condies para que o pensamento estruturalista fosse efetivado como proposta metodolgica (LVI-STRAUSS, 1967, p. 316):

    1) O estruturalismo como carter sistmico

    Para Lvi-Strauss (idem, 1967, p. 316): Em primeiro lugar, uma estrutura oferece um carter de sistema. Ela consiste em elementos tais que uma modificao qualquer de um deles acarreta uma modificao de todos os outros.

    2) O estruturalismo e o grupo de modelos

    E Lvi-Strauss define a segunda condio (ibidem, 1967, p. 316): Em segundo lugar, todo modelo pertence a um grupo de transformaes, cada uma das quais corresponde a um modelo da mesma famlia, de modo que o conjunto destas transformaes constitui um grupo de modelos.

    3) O estruturalismo como modelo aberto a novas anlises

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    A terceira condio (ibidem, 1967, p. 316): Em terceiro lugar, as propriedades indicadas acima permitem prever de que modo reagir o modelo, em caso de modificao de um de seus elementos.

    4) O estruturalismo como modelo explicativo dos fatos observados

    E a quarta condio (ibidem, 1967, p. 316): Enfim o modelo deve ser construdo de tal modo que seu funcionamento possa explicar os fatos observados.

    O antroplogo em questo (LVI-STRAUSS, 1967, p. 316) elaborou o arcabouo terico do estruturalismo, num primeiro momento, a partir do dilogo com a lingustica estrutural de Ferdinand Saussure e de Roman Jakobson. Foi o contato estabelecido com essa teoria que lhe possibilitou compreender que a produo da linguagem (as linguagens no caso as lnguas emitem sinais e cdigos culturais) preconiza o estudo dos sistemas simblicos e, portanto, permite uma anlise que contribui para o desvelamento da atividade inconsciente dos grupos culturais. Nessa concepo, o modelo lingustico permite o estudo das relaes sociais por meio de modelos analticos. O prprio Lvi Strauss chegou a refletir sobre o assunto: As relaes sociais so a matria prima empregada para a construo dos modelos que tornam manifesta a prpria estrutura social.

    LVI-STRAUSS: A ESTRUTURA DA MENTE DOS POVOS A MESMA

    O objetivo de Lvi-Strauss, ao estudar a estrutura da mente dos povos considerados primitivos (terminologia que ele questiona e tece crticas ao seu uso), que esta igual das culturas mais complexas, consideradas civilizadas. Desse modo, sempre rejeitou a viso de que o modelo de cultura ocidental e sua histria a nica vlida. Assim, chega concluso de que as estruturas mentais so iguais entre os diferentes povos que habitam o planeta, pois parte do pres-suposto terico de que a mente em todos os lugares do mundo atuam com princpios comuns. No entanto, cada grupo vivencia e experimenta em sua cultura mecanismos prprios, medida que os indivduos atribuem sentidos prprios existncia.

    O linguista Ferdinand Saussure postula, em suas concepes estruturalistas, que a lngua um sistema que emite sinais e um sistema que deve ser considerado nas relaes entre as partes que o constituem. Nessa concepo, o antroplogo Mello (2011, p.264), ao referir-se s teorias de Lvi-Strauss, considera que a novidade de Saussure estava em considerar a lngua como sistema, j que no concorda em dissociar a lngua em elementos isolados (uma palavra emite sonoridades e deve ser associada a outras): uma grande iluso considerar um termo simplesmente como a unio de um certo som com um certo conceito. (...) pelo contrrio, deve-se partir do todo solidrio para obter, por anlise, os elementos que ele engloba

    Os referenciais da lingustica influenciaram o pensamento lvistraussiano, que pautado na noo de que a estrutura seria uma matriz de anlise construda a partir da observao da realidade social. Nessa acepo, as estruturas apenas so evidenciadas caso a observao etnogrfica seja realizada de modo distante (distante em termos analticos, mas presencial com o grupo estudado no lugar

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    onde vive e habita), do lado de fora (a reflexo gera o distanciamento para uma melhor anlise) da cultura estudada (MELLO, 2011, p. 265).

    A esse respeito, Mello comenta a viso de Lvi-Strauss e chega a afirmar que: o princpio fundamental que a noo de estrutura no se refere realidade emprica (o vivido cotidiano dos seres humanos nas culturas), mas aos modelos construdos em conformidade com esta. Desse modo, importante ressaltar, novamente, que o antroplogo francs afirmava que a noo de estrutura no pode ser confundida com a de relaes sociais, medida que as relaes sociais so os materiais culturais pelos quais so edificados os modelos estruturais inconscientes (idem, 2011, p. 265).

    Pode-se compreender, ento, que o estruturalismo um sistema que pode desvendar o funcionamento de uma determinada sociedade. De acordo com os antroplogos Marconi e Presotto (2011, p. 263), o conceito de estrutura lvi-straussiano revela os cdigos de uma realidade cultural: Refere-se estrutura como um sistema que reflete a realidade social ou cultural, seu funcionamento, as alteraes regulares a que est sujeita, o rumo das transformaes provocadas por fatores externos cultura, e as previses de reao quando alguma de suas partes afetada.

    O antroplogo francs exemplificou a questo de que a linguagem importante na constituio das estruturas de um grupo social com o estudo realizado sobre o parentesco nas sociedades, que concebido por ele como uma linguagem. Para tanto, deve-se colocar a anlise ao nvel das relaes entre os termos lingusticos que no podem ser estudados separadamente (Exemplo: o pai, o filho, o tio materno, entre outros). Desse modo, ao estudar o parentesco elaborado por um povo realiza-se o estudo da comunicao entre os integrantes de um determinado grupo e a cultura que altera a natureza e introduz uma ordenao e regras culturais: Quando se estuda o parentesco (...) estamos na realidade frente a diferentes modalidades de uma nica e mesma funo: a comunicao (a troca), que a prpria cultura, emergindo da natureza para introduzir uma ordem onde est ltima no havia previsto nada (LAPLANTINE, 2007, p. 137).

    Com base nessas premissas tericas, pode-se afirmar que, para a concepo estruturalista, o antroplogo, tal como um linguista, ao decifrar a estrutura de lnguas as mais diversas (como as lnguas das culturas indgenas) deve apreender o que est oculto e latente (escondido) na etnografia (descrio da cultura estudada). Nessa direo analtica, o antroplogo deve detectar o modelo inconsciente de um grupo social. O antroplogo Edgar de Carvalho, ao comentar a obra de Lvi-Strauss, compreende que ao se estudar as culturas, deve-se identificar o modelo das estruturas inconscientes do povo, que acabam por revelar o que estava em estado de latncia: a estrutura profunda, oculta e recalcada do real situada simultaneamente aqum e alm da histria (CARVALHO, 2003, p. 24).

    Alm do dilogo com a lingustica, Lvi-Strauss efetivou a construo de suas teorias, tambm, a partir da interlocuo com o pensamento do pai da psicanlise, Zygmunt Freud, ao considerar o mtodo psicanaltico como uma das chaves interpretativas para acesso s estruturas inconscientes, como, por exemplo, quando analisou os mitos dos povos indgenas.

    A ruptura, produzida pelo mtodo do estruturalismo, est em considerar que o nvel da conscincia no traduz na integridade o ser humano. O antroplogo compreende que as significaes devem ser buscadas tambm ao nvel inconsciente da mente humana. O surgimento do inconsciente como problemtica de estudo introduz uma crtica concepo de racionalidade (a razo no a nica que possibilita conhecer o homem) (LAPLANTINE, 2007, p. 134-136).

    Desse modo, compreende que o sujeito social permeado por estruturas que so preexistentes. Laplantine exemplifica da seguinte maneira essa questo: Eu sou pensado, sou falado, sou agido, sou atravessado por estruturas que preexistem. Assim, a antropologia como a psicanlise introduzem uma crise na epistemologia da racionalidade (idem, 2007, p.135).

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    Claude Lvi-Strauss: O Mentor da Teoria Antropolgica Estruturalista

    Claude Lvi-Strauss nasceu em1908, na Blgica, numa famlia judaica. Faleceu na Frana, em 2008, com 100 anos de idade, regio em que construiu sua carreira como antroplogo e como professor no Collge de France. considerado um dos maiores expoentes do pensamento estruturalista e da antropologia. Lecionou na Universidade de So Paulo na dcada de 1930 e fez trabalhos de campo com indgenas, de 1935 a 1939 junto aos povos indgenas Bororo e Nhambiquara em suas aldeias no Mato Grosso. Publicou importantes livros, tais como: Tristes Trpicos, a tetralogia As Mitolgicas, Saudades do Brasil e Antropologia Estrutural.

    Lvi-Strauss: Cultura como Conjunto de Sistemas Simblicos

    Toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas simblicos. No primeiro plano destes sistemas colocam-se a lingua-gem, as regras matrimoniais, as relaes econmicas, a arte, a cincia, a religio. Todos esses sistemas buscam exprimir certos aspectos da realidade fsica e da realidade social, e mais ainda das relaes que estes dois tipos de realidade estabelecem entre si e que os prprios sistemas simblicos estabelecem uns com os outros.

    Texto de:LVI-STRAUSS, Claude. Introduo ao Ensaio sobre a ddiva. In MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a ddiva. Lisboa: Edies 70, 1988.

    Nessa dimenso analtica, Lvi-Strauss entende que a diversidade cultural deva ser significativa para o cotidiano profissional dos antroplogos e, nesse sentido, alerta que preciso compreender que, ao analisar uma determinada sociedade, esta no se manifesta somente ao nvel da conscincia da propalada verdade dos valores das culturas modernas ocidentais.

    Desse modo, importante compreender que as prticas culturais esto presentes tambm em prticas consideradas erroneamente como povos primitivos, pois concebem a vida, a histria, as normas e os mitos a partir de outros critrios e vivncias diferenciadas do universo ocidental: Essa conscincia histrica do progresso (dos povos modernos ocidentais) no carrega consigo nenhuma verdade, um mito que convm estudar com os outros mitos, isto , estendendo no espao aquilo que o historiador percebe como escalonado no tempo (ibidem, 2007, p.138).

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    A Abordagem do Estruturalismo: Os Elementos Invariantes e as Dife-rentes Estruturaes Possveis

    De acordo com Laplantine, o estruturalismo compreende os elementos invariantes, as leis universais e a metfora do caleidoscpio em trs possibilidades:1. a existncia de um certo nmero de materiais culturais sempre idnticos, que, como as cartas ou os elementos do caleidoscpio, podem ser qualificados de invariantes;2. as diferentes estruturaes possveis destes materiais (isto , as ma-neiras com as quais se organizam entre si quando passamos de uma cultura para outra, ou de uma poca outra) que no esto em nmero ilimitado, pois so comandadas pelo que Lvi-Strauss chama de leis universais que regem as atividades inconscientes do esprito;3. finalmente, comparveis aplicao de leis gramaticais, o prprio desenrolar do jogo de baralho ou os movimentos do caleidoscpio que no para de girar, com algum que observa esse processo - o etn-logo dirigindo, no caso do autor de Tristes Trpicos (o antroplogo Lvi-Strauss), sobre o que percebe, um olhar que convm qualificar de esttico.

    Referncia Bibliogrfica:LAPLANTINE, Franois. Aprender Antropologia. So Paulo: Brasiliense, 2007.

    A antroploga Mariza Werneck aponta que Lvi-Strauss, ao entrar em contato com as proposies tericas de Freud, chegou concluso de que poderia utilizar explicaes referentes ao universo do inconsciente para analisar os grupos culturais. Essa viso est alicerada na noo de que a realidade social no pode ser decifrada nas suas primeiras evidncias, e que deve ser desvelada nas estruturas do inconsciente. Segundo a antroploga, acessar o inconsciente de um grupo cultural possibilita a realizao do estudo do simblico na cultura (2012, p. 45):

    (...) para Lvi-Strauss, o simblico uma condio a priori da sociedade, e no uma decorrncia. Considerado um fato primeiro, o simbolismo permite compreender a instituio mesma da sociedade, e todos os elementos de uma cultura como expresses desse simbolismo. A cultura, ento, passa a ser definida como um conjunto de sistemas simblicos, dentre os quais os mais importantes so a linguagem, as regras matrimoniais, as relaes econmicas, a arte, a cincia, a religio.

    No projeto da obra Mitolgicas, com quatro volumes, Lvi-Strauss desenvolveu anlises de diversos mitos e suas variantes e, para tanto, utilizou-se dos referenciais da psicanlise para apreend-los cientificamente. O estudo dos mitos possibilita o acesso ao desejo inconsciente de uma coletividade e, nessa dimenso, a leitura dos mitos pode desvendar as contradies que a sociedade no consegue resolver (idem, 2012, p. 45).

    Um exemplo de mito, que foi estudado por Lvi-Strauss, foi localizado pelo antroplogo em um canto Bororo no Brasil, enquanto fazia pesquisas de campo em territrios indgenas em Mato Grosso, na

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    dcada de 1930. A antroploga Werneck relata esse mito coletado na etnografia de Lvi-Strauss. (WERNECK, 2002, p.58-59):

    (Lvi-Strauss) (...) conta a histria de um incesto cometido por um jovem ndio com sua me. Ao descobrir a transgresso, o pai decide vingar-se e obriga o filho a realizar trs misses impossveis no `ninho das almas. Com a ajuda de uma av feiticeira que coloca a servio de seu protegido os poderes do colibri, do juriti e do gafanhoto, o jovem consegue realizar com sucesso as exigncias paternas.

    Frustrado em sua vingana, o pai convida-o, ento, a acompanh-lo na captura de filhotes de arara cujos ninhos se encontram nas encostas dos rochedos. Munido de um basto mgico - presente da av -, o desaninhador de pssaros consegue livrar-se de todos os perigos, metamorfoseando-se sucessivamente em lagartixa, em quatro tipos diferenciados de pssaros e em borboleta.

    Depois de muitas aventuras, regressa so e salvo sua aldeia, onde recebido pelo pai com o canto de saudao dos viajantes que retornam, como se nada tivesse acontecido.

    Disposto a no conceder o perdo nem ao pai, nem aos companheiros que o maltrataram, o heri leva a av para um pas longnquo e belo, e volta para realizar sua vingana.

    Em uma caada, fazendo-se passar por um veado, utiliza-se de falsos chifres e investe contra o pai, perfurando-o e jogando-o em um lago, onde devorado por peixes canibais. Somente os pulmes da vtima so poupados, e afloram tona dgua, sob a forma de plantas aquticas.

    Mata ainda todas as esposas do pai, inclusive a prpria me, e, por fim, envia para sua aldeia o vento, o frio e a chuva.

    O mito desaninhador de pssaros, acima descrito, considerado por Lvi-Strauss um mito referncia, o fio condutor por meio do qual percorre todo o universo mtico. O antroplogo demonstrou que o pensamento mtico indgena opera de maneira diferenciada das culturas metropolitanas ocidentais, mas no em nada inferior a elas (idem, 2002, p. 59).

    Para Lvi-Strauss, um mito somente pode ser compreendido na relao com outros mitos, inclusive de outras culturas e chegou a fazer analogias entre som e imagem, pois entendia que era possvel fazer uma analogia entre mito e discurso musical. Nessa viso, os mitos so considerados instrumentos de sobrevivncia para os homens, pois as vivncias mticas pretendem decifrar problemas e dilemas do vivido cotidiano (WERNECK, 2012, p.45).

    O antroplogo francs compreende que a procura dos mitos nas culturas indgenas o colocavam de frente ao desconhecido. Segundo o prprio Lvi-Strauss: As Mitolgicas ilustram o desenrolar, quase o dia a dia, de um trabalho de descoberta. Eu labutava em uma floresta virgem que, para mim, era um mundo desconhecido. Abria laboriosamente uma trilha atravs dos cerrados e dos macios quase impenetrveis (apud Werneck, 2002, p. 61). De acordo com a autora Werneck (2012, p. 47):

    Dessa forma, os mitos projetam modelos de inteligibilidade sobre o modus operandi do esprito humano. Penetrar na lgica desse caleidoscpio, no entanto, no tarefa fcil. Exige, como afirma Lvi-Strauss, uma espcie de ascetismo, pois o seu deciframento longo e penoso. Quem nele se aventura, certamente, como nos ritos iniciticos, ou no processo analtico, sair transformado.

    De acordo com Werneck (ibidem, 2012, p. 46), os sonhos (analisados por Freud) e os mitos (analisados por Lvi-Strauss) so acessveis, para os estudiosos na viso de Lvi-Strauss, tambm segundo o mtodo psicanaltico de interpretao dos sonhos. Est presente nessa concepo, que tanto os mitos como os sonhos, nascem de uma atividade mental inconsciente:

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    O ponto de partida comum aos dois pensadores (Lvi-Strauss e Freud) a ideia de que sonhos e mitos nascem de uma atividade mental inconsciente, qual s se tem acesso por meio de um mtodo especfico de anlise, seja o mtodo psicanaltico de interpretao dos sonhos, seja a anlise estrutural dos mitos. A afirmao de Freud de que os sonhos so a via rgia que leva ao conhecimento das atividades inconscientes da mente reproduz-se quase que literalmente em Lvi-Strauss, no que se refere aos mitos.

    Os mitos, na acepo levi-straussiana, agem contra o tempo linear e cronolgico, so prprias dos tempos denominados circulares e redondos, pois instituem o tempo que se utiliza de memrias involuntrias e fragmentadas do grupo social, diferentemente de sociedades determinadas pelo tempo linear. E, por isso que, na percepo de Carvalho (2003, p. 40-41), os mitos no podem ser explicados com base em uma anlise mtica isolada, mas nas relaes estabelecidas entre diversos mitos.

    De acordo com o prprio Lvi-Strauss: As relaes que provm dos mesmos conjuntos podem aparecer com grandes intervalos, quando nos colocamos numa perspectiva diacrnica (do tempo linear), mas se pretendemos restitu-los a seu reagrupamento natural, lograremos ao mesmo tempo organizar o mito em funo de um sistema temporal de um novo tipo (LVI-STRAUSS apud CARVALHO, 2003, p. 41)

    3.3 A METODOLOGIA DO ESTRUTURALISMODe acordo com Laplantine (2007, p.138), o estruturalismo compreende os elementos invariantes, as leis universais e as metforas do jogo do baralho e do caleidoscpio em trs possibilidades:

    1) a existncia de um certo nmero de materiais culturais sempre idnticos, que, como as cartas ou os elementos do caleidoscpio, podem ser qualificados de invariantes;

    2) as diferentes estruturaes possveis destes materiais (isto , as maneiras com as quais se organizam entre si quando passamos de uma cultura para outra, ou de uma poca outra) que no esto em nmero ilimitado, pois no esto em nmero ilimitado, pois so comandadas pelo que Lvi-Strauss chama de leis universais que regem as atividades inconscientes do esprito;

    3) finalmente, comparveis aplicao de leis gramaticais, o prprio desenrolar do jogo de baralho ou os movimentos do caleidoscpio que no para de girar, com algum que observa esse processo - o etnlogo dirigindo, no caso do autor de Tristes Trpicos (o antroplogo Lvi-Strauss), sobre o que percebe, um olhar que convm qualificar de esttico.

    A metfora dos jogos de baralho, utilizadas por Lvi-Strauss, contribui na explicao da metodologia do estruturalismo e nos modos para analisar os cdigos culturais de um grupo social (os mitos, as relaes de parentesco, as relaes sociais do ser humano em sociedade), medida que as reparties das cartas de um jogo independem da vontade de cada jogador. Nessa linha de pensamento, os jogadores diferentes acabam por no produzir uma mesma partida, mesmo que obedeam as mesmas regras do jogo (apud Laplantine, 2007, p. 137):

    O homem semelhante ao jogador pegando na mo, ao sentar mesa, cartas que no inventou, j que o jogo do baralho um dado da histria e da civilizao.

    Em segundo lugar, cada repartio das cartas resulta de uma distribuio contingente entre os jogadores, e se d independentemente da vontade de cada um. Existem as distribuies que so sofridas, mas que cada sociedade, como cada jogador, interpreta nos termos de vrios sistemas que podem ser comuns ou particulares: regras de um jogo, ou regras de uma ttica.

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    E sabe-se bem que, com a mesma distribuio, jogadores diferentes no fornecero a mesma partida, embora no possam, compelidos pelas regras, fornecer uma determinada distribuio qualquer da partida.

    Lvi-Strauss e as Metforas dos Jogos de Baralho e dos Movimentos do Caleidoscpio:

    A metfora dos jogos de baralho, utilizadas por Lvi-Strauss, contribui na explicao da metodologia do estruturalismo e nos modos para analisar os cdigos culturais de um grupo social (os mitos, as relaes de parentesco, as relaes sociais do ser humano em sociedade), medida que as reparties das cartas de um jogo independem da vontade de cada jogador. Nessa linha de pensamento, os jogadores diferentes acabam por no produzir uma mesma partida, mesmo que obedeam as mesmas regras do jogo.J a metfora do caleidoscpio, na concepo de Lvi-Strauss, tambm dialoga com a noo de tempo histrico, de modo a compreender que a combinao dos elementos simblicos, que podem ser at os mes-mos, porm provocam reordenaes nas organizaes das estruturas. Isso demonstra o quanto o antroplogo valoriza a histria nas estrutu-ras do inconsciente.

    Referncia Bibliogrfica:LAPLANTINE, Franois. Aprender Antropologia. So Paulo: Brasiliense, 2007, p.137-138.

    A metfora do caleidoscpio, na concepo de Lvi-Strauss, dialoga com a noo de tempo histrico, de modo a compreender que a combinao de elementos simblicos, que podem ser at os mesmos, provocam reordenaes nas organizaes das estruturas. Isso demonstra o quanto o antroplogo valoriza a histria nas estruturas do inconsciente (apud Laplantine, 2007, p. 238):

    Em um caleidoscpio, a combinao de elementos idnticos sempre d novos resultados. Mas porque a histria dos historiadores est presente nele nem que seja na sucesso de chacoalhadas que provocam as reorganizaes da estrutura e as chances para que reaparea duas vezes o mesmo arranjo so praticamente nulas.

    H uma ruptura na prtica antropolgica de Lvi-Strauss em relao noo de histria, quando esta concebida como explicao causal, ou seja, o antroplogo chegou a elaborar questionamentos em direo ideia de histria que objetiva procurar algo anterior, no passado, para que o presente seja compreendido. Est compreendida nessa noo uma crtica viso que o presente explicado pelo passado. Segundo o antroplogo, o historicismo (a viso linear e causal de histria) comparado ao estudo gentico, que explicar o agora por meio de algo que o antecede: anlise dos processos de explicao causal ope-se a inteligibilidade estrutural, inteligibilidade combinatria de uma instituio, de um comportamento, de um relato... (idem, 2007, p. 135)

    O mtodo do estruturalismo de Lvi-Strauss o oposto do conceito denominado atomismo (que o ato de considerar os elementos presentes nos cdigos culturais sem relacion-los totalidade o todo, pois desse modo, so pensados isoladamente). Nessa acepo, vale repetir o que foi

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    discutido nessa unidade, que o significado de um termo somente pode ser compreendido com base na relao com outras palavras da lngua ou do que for comparvel a esta (ibidem, 2007, p.135).

    Para o antroplogo, a metodologia do estruturalismo deve extrapolar a experincia da percepo espontnea e da experincia da primeira impresso de uma cultura estudada. Nesse sentido, importante compreender que os homens fazem parte de um sistema, de uma estrutura que ignoram. Ento, no possvel confundir estrutura social e relaes sociais. O conceito de estrutura serve para explicar as relaes vividas na sociedade (LAPLANTINE, 2007, p.138).

    Laplantine entende, portanto, que a estrutura para Lvi-Strauss uma anlise do sistema de relaes que deve ser compreendido com distncia do objeto de estudo: uma estrutura um sistema de relaes suficientemente distante do objeto que se estuda para que possamos reencontr-lo em objetos diferentes (idem, 2007, p. 138).

    Nessa vertente, as relaes empricas (dados da realidade social) somente so passveis de serem analisadas, a partir do momento que o antroplogo compreende que h um nmero limitado de invariantes nas estruturaes.

    De acordo com a viso da escola estruturalista de Lvi-Strauss (ibidem, 2007, p, 136), as invariantes culturais podem, assim, ser exemplificadas:

    a) As relaes dos homens com o universo transcendental (os deuses).

    As relaes do ser humano com as divindades apresentam um pequeno nmero de possibilidades: monotesmo (crena na existncia de um nico deus), politesmo (crena na existncia de diversos deuses), atesmo ( a inexistncia da crena em um deus ou vrios deuses) e agnosticismo ( a crena de que a existncia divina pode ser comprovada).

    b) As relaes das alianas entre homens e mulheres

    As relaes entre homens e mulheres parecem infinitas primeira anlise, porm apresentam algumas possveis relaes entre os grupos: levirato ( quando um irmo obrigado a casar-se com a viva de seu falecido irmo desde que este no tenha descendentes do sexo masculino), sororato ( um tipo aliana em que o homem substitui a esposa falecida pela irm mais nova), poligamia ( quando um cnjuge possui muitas esposas ou maridos) e monogamia ( quando um cnjuge possui uma nica esposa ou marido).

    Pode-se considerar o ato de comer, tambm como exemplo, para diferenciarmos a antropologia funcionalista de Malinowiski da antropologia estruturalista de Lvi-Strauss. A alimentao, para Malinowiski, equivale a uma funo metablica com o objetivo de servir manuteno da vida humana. J para Lvi-Strauss, a comida faz referncia a um sistema de cdigos culturais. A comida diz mais do que se imagina primeira vista (ROCHA; TOSTA, 2009, p. 99).

    Nesse sentido, pode-se dizer que as comidas ou at bebidas, na viso de Lvi-Strauss, podem ser fontes de prazer e at podem ser perigosas ou afrodisacas. Desse modo, a comida est relacionada aos cdigos e valores de uma cultura (idem, 2009, p.100):

    (...) mais do comemos alimentos, comemos smbolos. Na verdade, comidas e bebidas so fontes de prazer ou dor, so perigosas ou benfajezas, so afrodisacas ou inebriantes, enfim, so fontes de representaes e valores sociais. Quando comemos, obedecemos a cdigos de etiqueta; por exemplo, a comida que se come no almoo servida em jantar para convidados exigir um conjunto de regras e comportamentos diferentes. Assim combinamos os alimentos na medida em que buscamos conjugar por razes estticas e morais aquilo que comemos.

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    O Tempo nas Sociedades Ditas Primitivas e nas Sociedades Modernas

    Lvi-Strauss considera que as sociedades indgenas, diferentemente das sociedades modernas ocidentais, vivem o desejo de se manterem sem mudanas no decorrer dos tempos:(Umas culturas, as consideradas ditas primitivas) acariciam o sonho de permanecer como eram no tempo em que foram criadas na aurora dos tempos (...) outras como a nossa no se repugnam em se saberem histricas e creditam que a histria o motor de seu desenvolvimen-to (LVI-STRAUSS apud CARVALHO, 2003, p. 40).

    Referncia Bibliogrfica:CARVALHO, Edgar de A. Enigmas da Cultura. So Paulo: Cortez, 2003.

    O vesturio dos seres humanos e a moda nas culturas expressam simbologias (cdigos culturais). Pode-se dizer que so expressos na vestimenta: os gneros (se para homens ou para mulheres ou para ambos os sexos), as profisses (no caso dos uniformes mdicos ou policiais em determinadas culturas) e pode at expressar sentimentos (tais como luto ou sedues e desejos sexuais) (ibidem, 2009, p. 100-101).

    Desse modo, pode-se exemplificar que as dimenses da vida humana, tais como a culinria e a vestimenta so considerados, para Lvi-Strauss, como sistemas culturais que comunicam as regras, as relaes sociais entre os homens e os objetos da cultura. Este modo de pensar representa o mtodo estruturalista que se define para refletir sobre os sentidos que os seres humanos atribuem cultura nos grupos sociais. De acordo com Rocha e Tosta (ibidem, 2009, p. 100-101): A cultura existe como sistema de cdigos que comunicam o sentido das regras que orientam as relaes sociais entre os homens e as coisas.

    Dicas de Vdeos do Youtube

    Tema: Lembranas de Claude Lv-Strauss Sobre a Vinda ao Brasil na Dcada de 1930Link: Http://Www.youtube.com/Watch?V=Dhxc4kfy10a

    Tema: Entrevista Sobre o Livro Tristes TrpicosLink: Http://Www.youtube.com/Watch?V=7E4hvuploeq

    Tema: A Importncia da Obra de Lvi-StraussLink: Http://Www.youtube.com/Watch?V=0Y1msacexrw

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    SNTESEPrimeiramente, discutiu-se que Lvi-Strauss foi um dos principais mentores do estruturalismo e, segundo sua proposta antropolgica, indicou quatro condies para que o pensamento estruturalista fosse efetivado como proposta metodolgica (LVI-STRAUSS, 1967, p. 316):

    1) O estruturalismo como carter sistmico

    Para Lvi-Strauss (idem, 1967, p. 316): Em primeiro lugar, uma estrutura oferece um carter de sistema. Ela consiste em elementos tais que uma modificao qualquer de um deles acarreta uma modificao de todos os outros.

    2) O estruturalismo e o grupo de modelos

    E Lvi-Strauss define a segunda condio (ibidem, 1967, p. 316): Em segundo lugar, todo modelo pertence a um grupo de transformaes, cada uma das quais corresponde a um modelo da mesma famlia, de modo que o conjunto destas transformaes constitui um grupo de modelos.

    3) O estruturalismo como modelo aberto a novas anlises

    A terceira condio (ibidem, 1967, p. 316): Em terceiro lugar, as propriedades indicadas acima permitem prever de que modo reagir o modelo, em caso de modificao de um de seus elementos.

    4) O estruturalismo como modelo explicativo dos fatos observados

    E a quarta condio (ibidem, 1967, p. 316): Enfim o modelo deve ser construdo de tal modo que seu funcionamento possa explicar os fatos observados.

    Foi discutido, em seguida, que o objetivo de Lvi-Strauss, ao estudar a estrutura da mente dos povos considerados primitivos (terminologia que ele questiona e tece crticas ao seu uso), que esta igual das culturas mais complexas, consideradas civilizadas.

    Desse modo, o antroplogo sempre rejeitou a viso de que o modelo de cultura ocidental e sua histria a nica vlida. Assim, chega concluso de que as estruturas mentais so iguais entre os diferentes povos que habitam o planeta, pois parte do pressuposto terico de que a mente em todos os lugares do mundo atuam com princpios comuns. No entanto, cada grupo vivencia e experimenta em sua cultura mecanismos prprios, medida os indivduos atribuem sentidos prprios existncia.

    Os referenciais da lingustica influenciaram o pensamento lvistraussiano, que pautado na noo de que a estrutura seria uma matriz de anlise construda a partir da observao da realidade social. Nessa acepo, as estruturas apenas so evidenciadas caso a observao etnogrfica seja realizada de modo distante (distante em termos analticos, mas presencial com o grupo estudado no lugar onde vive e habita), do lado de fora (a reflexo gera o distanciamento para uma melhor anlise) da cultura estudada.

    Alm do dilogo com a lingustica, Lvi-Strauss efetivou a construo de suas teorias, tambm, a partir da interlocuo com o pensamento do pai da psicanlise, Zygmunt Freud, ao considerar o mtodo psicanaltico como uma das chaves interpretativas para acesso s estruturas inconscientes, como, por exemplo, quando analisou os mitos dos povos indgenas.

    A ruptura, produzida pelo mtodo do estruturalismo, est em considerar que o nvel da conscincia no traduz na integridade o ser humano. O antroplogo compreende que as significaes devem ser buscadas tambm ao nvel inconsciente da mente humana. O surgimento do inconsciente como problemtica de estudo introduz uma crtica concepo de racionalidade (a razo no a nica que possibilita conhecer o homem).

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    Em outro momento da unidade, discutiu-se que o mito desaninhador de pssaros, transcrito das aldeias Bororo no Mato Grosso, considerado por Lvi-Strauss um mito referncia, o fio condutor por meio do qual percorre todo o universo mtico. O antroplogo demonstrou que o pensamento mtico indgena opera de maneira diferenciada das culturas metropolitanas ocidentais, mas no em nada inferior a elas (idem, 2012, p. 59). Para Lvi-Strauss, um mito somente pode ser compreendido na relao com outros mitos, inclusive de outras culturas e chegou a fazer analogias entre som e imagem, pois entendia que era possvel fazer uma analogia entre mito e discurso musical. Nessa viso, os mitos so considerados instrumentos de sobrevivncia para os homens, pois as vivncias mticas pretendem decifrar problemas e dilemas do vivido cotidiano.

    Debateu-se na unidade, as metforas dos jogos de baralho e do caleidoscpio, utilizadas pelo antroplogo, em suas reflexes. A metfora dos jogos de baralho contribui na explicao da metodologia do estruturalismo e nos modos para analisar os cdigos culturais de um grupo social (os mitos, as relaes de parentesco, as relaes sociais do ser humano em sociedade), medida que as reparties das cartas de um jogo independem da vontade de cada jogador. Nessa linha de pensamento, os jogadores diferentes acabam por no produzir uma mesma partida, mesmo que obedeam as mesmas regras do jogo.

    J a metfora do caleidoscpio, na concepo de Lvi-Strauss, dialoga com a noo de tempo histrico, de modo a compreender que a combinao de elementos simblicos, que podem ser at os mesmos, provocam reordenaes nas organizaes das estruturas. Isso demonstra o quanto o antroplogo valoriza a histria nas estruturas do inconsciente.

    Por fim, discutiu-se que o mtodo do estruturalismo de Lvi-Strauss o oposto do conceito denominado atomismo (que o ato de considerar os elementos presentes nos cdigos culturais sem relacion-los totalidade o todo, pois desse modo, so pensados isoladamente). Nessa acepo, vale repetir o que foi discutido nessa unidade, que o significado de um termo somente pode ser compreendido com base na relao com outras palavras da lngua ou do que for comparvel a esta (ibidem, 2007, p.135).

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICASCARVALHO, Edgar de A. Enigmas da Cultura. So Paulo: Cortez, 2003.

    GOMES, Mrcio P. Antropologia: Cincia do Homem, Filosofia da Cultura. So Paulo: Contexto, 2012.

    LAPLANTINE, Franois. Aprender Antropologia. So Paulo: Brasiliense, 2007.

    LVI-STRAUSS, Claude. Introduo ao Ensaio sobre a ddiva. In MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a ddiva. Lisboa: Edies 70, 1988.

    LVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967.

    LVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trpicos. Lisboa: Ed. 70, 1979.

    MARCONI, MARINA de A; PRESOTTO, Zlia M. N. Antropologia: Uma Introduo. So Paulo: Editora Atlas, 2011.

    MELLO, Luiz G. Antropologia Cultural: iniciao, teoria e temas. So Paulo: Vozes, 2011.

    ROCHA, Everardo. O Que Etnocentrismo. So Paulo: Brasiliense, 1994.

    ROCHA, Gilmar; TOSTA, Sandra P. Antropologia & Educao. Belo Horizonte: Autntica Editora, 2009.

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    WERNECK, Mariza M. F. Claude Lvi-Strauss e as anamorfoses do mito. Margem, So Paulo, n. 16, pp. 51-63, dez. 2002.

    WERNECK, Mariza M. F. O trabalho do mito: dilogos entre Freud e Lvi-Strauss. Cincia e Cultura, So Paulo, vol. 64, n. 1, pp. 45-47, 2012.