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Uma Visão Ética na Filosofia Política do Desporto - O Homem Ético do Desporto que Vive na Polis - Dissertação apresentada às provas de mestrado em Ciências do desporto, realizado no âmbito do curso do 2º ciclo em Gestão Desportiva, nos termos do decreto lei 74/2006 de 24 de Março Orientador: Professor Doutor Rui Proença Garcia Marco André da Silva Alves Porto, 2014

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Uma Visão Ética na Filosofia Política do Desporto

- O Homem Ético do Desporto que Vive na Polis -

Dissertação apresentada às provas de

mestrado em Ciências do desporto,

realizado no âmbito do curso do 2º ciclo

em Gestão Desportiva, nos termos do

decreto – lei 74/2006 de 24 de Março

Orientador: Professor Doutor Rui Proença Garcia

Marco André da Silva Alves

Porto, 2014

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II

Alves, M. (2014). Uma Visão Ética na Filosofia Política do Desporto – O

Homem Ético do Desporto que Vive na Polis. Porto: M. Alves. Dissertação para

a obtenção do grau de mestre em gestão desportiva, apresentado à Faculdade

de Desporto da Universidade do Porto.

Palavras-chave: POLÍTICA, SOCIEDADE, ÉTICA, DESPORTO

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III

“… O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos

desonestos, dos sem carácter, dos sem ética...O que me preocupa é o silêncio

dos bons…Saiba que o seu destino é traçado pelos seus próprios

pensamentos e atitudes, e não por alguma força que venha de fora. O seu

pensamento é a planta concebida por um arquitecto para construir um edifício

denominado prosperidade. Você deve tornar o seu pensamento mais elevado,

mais belo e mais próspero. Enfrentaremos a força física com a nossa força

moral...Esta é a nossa esperança, esta é a fé com que regressarei para o Sul.

Com esta fé, poderemos cortar da montanha do desespero, uma pedra de

esperança…”

Martin Luther King

“…Se caio em busca do meu objectivo, busco forças em Deus, levanto-me e

sigo, tolerando as dores e obstáculos e se não conseguir atingir o meu alvo,

terei feito o máximo…Espero conseguir percorrer a pé todo o Canadá e

recolher um dólar por cada pessoa ao longo desta longa caminhada, para que

os médicos possam investigar a cura desta doença, se eu não chegar a

concluir a minha jornada, por favor completem-na…”

Terry Fox

“…Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, pela sua origem

ou ainda pela sua religião. Para odiar, as pessoas precisam de aprender, e se

podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar…”

Nelson Mandela

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V

Dedicatória

Dedico este trabalho à minha família, sempre presente nos bons e nos maus

momentos, dando-me a força e a tranquilidade necessária para a obtenção do

sucesso. A verdadeira felicidade está na própria casa entre as alegrias da

família. Neste sentido não poderei esquecer a minha segunda casa, ou seja, a

família FADEUP e prestar-lhe um tributo através desta dissertação com total

humildade, dignidade e humanidade.

Na família Fadeup, não poderia deixar de mencionar uma pessoa muito

especial. A Profª. Dr.ª. Olga Vasconcelos não só pelo seu profissionalismo mas

também pela sua amizade e sobretudo pela nobreza do seu espírito humano.

Uma verdadeira mãe jamais deixa o seu filho ao abandono e por tal facto

considero-a como a minha “mãe” nesta família. Esteve sempre presente para

me ajudar e apoiar em momentos obscuros, doentios, sombrios e muito

complicados por que passei nesta enorme montanha académica mas sempre

exigindo o rigor e o respeito, valores esses que deverão sempre nortear esta

casa no seio académico, social e político.

“Os momentos mais felizes da minha vida foram aqueles, poucos, que pude

passar na minha casa, com a minha família.”

Thomas Jefferson

Antigo Presidente dos Estados Unidos

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VII

Agradecimentos

A realização desta dissertação só se tornou possível devido a um conjunto de

pessoas muito importantes para mim que, direta ou indiretamente, me

apoiaram ao longo deste percurso de formação, instrução e crescimento

académico. A estes quero prestar o meu agradecimento:

Ao Professor Doutor Rui Proença Garcia, pela orientação, disponibilidade,

apoio e transmissão de conhecimentos ao longo de toda a minha vivência

académica e no desenvolvimento desta dissertação. Uma pessoa com quem

tive o privilégio de conviver desde o início do meu percurso na FADEUP, o

qual, considero como um “pai” nesta instituição por toda a dedicação,

preocupação e amizade. O meu muito especial obrigado.

À Mafalda, Virgínia e Patrícia por todo apoio e disponibilidade no âmbito

bibliográfico desta dissertação no que concerne à pesquisa inerente das obras

literárias existentes na biblioteca da FADEUP como também pela amizade.

A todos aqueles que em momentos difíceis me apoiaram nas decisões com

manifestações de carinho, de esperança e de luta para a construção de uma

sociedade justa, harmoniosa e saudável. Não é uma Utopia! Será uma

Realidade! Uma Utopia concretizável?!

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IX

Índice

Dedicatória V

Agradecimentos VII

Índice IX

Resumo XI

Abstract XIII

1. Intenção 1

2. Classificação Ética e Política 19

3. A Etimologia de Ética 43

4. O Homem Ético e Político do Desporto 53

5. Conduta, Virtude e Consciência Ética 63

6. Deveres do Homem Ético e Político do Desporto 89

7. Educação, Orientação e Estado Ético 109

8. Ética Profissional – O Homem e o Grupo 127

9. Profissão e o Ingresso Profissional 135

10. Função Ética e Social da Profissão 159

11. Dignidade e Finalidade do Homem Profissional 167

12. Conclusão 181

13. Referências Bibliográficas 187

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XI

Resumo

Esta investigação debruçou-se sobre a análise política e filosófica do homem

ético do desporto baseada na revisão bibliográfica, procurando desenvolver

uma conceção ética na filosofia política do desporto. Os objetivos foram

centrados na classificação ética e política, na etimologia de ética, no homem

ético e político do desporto, na conduta, virtude e consciência ética. Também

foram traçados como propósitos neste estudo os deveres do homem ético e

político do desporto, a educação, orientação e Estado ético, a ética profissional,

a profissão e o ingresso profissional, a função ética e social da profissão e a

dignidade e finalidade do homem profissional. Sócrates referiu que a filosofia é

a teoria racional da ética sendo que esta apresenta vários sistemas de

classificação. Viana distingue a ética teórica da ética prática, a ética intergrupal

da ética intragrupal, a ética geral da ética profissional e a ética docente da ética

utente. Bento refere que no desporto a tarefa da ética tem como objetivo refletir

sobre o desporto como um lugar de moralidade no contexto da vida social,

cultural e política. Comparato acrescenta que o homem ético tem deveres para

com os seus semelhantes mas também deveres para com o grupo, como este

também tem deveres para cada um dos seus componentes. Para Lopes de Sá

é importante realizar e operar uma ação afetiva que implica conhecer a

verdade e o bem mas também que o homem seja realizador e opere a

mudança no plano da afetividade. Viana refere que há deveres que o homem

terá que ter, tais como, o dever de sinceridade, de delicadeza, de obediência,

de perfetibilidade, de humanidade, de coragem e de trabalho. Platão refere que

ao Estado interessa a valorização do homem político e este apenas pode valer

enquanto elemento de solidariedade, trabalho e de harmonia social. Importa

uma base filosófica a ser seguida para que se forme uma estrutura e se tracem

os caminhos para uma ética profissional. Neste sentido Santo Agostinho diz

que a profissão pressupõe algumas ideias fundamentais, tais como, a inclusão

de permanência, retribuição, duração, personalidade, liberdade, caráter social,

vocação e aptidão, competência, probidade e espírito cívico. Para Aristóteles

dignificar a profissão importa conhecer a responsabilidade que esta implica e

cumpri-la integralmente com heroica obstinação.

Palavras-Chave: Política, Sociedade, Ética, Desporto

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XIII

Abstract

This research aimed the political and philosophical analysis of the sports ethical

man based on the bibliographic revision targeting the development of an ethical

concept on sports political philosophy. The objectives focused on the ethical

and political classification, on ethics etymology, on sports ethical and political

man, on behaviour, virtue and ethical awareness as well as on sports ethical

and political man duties, education, guidance and ethical State, professional

ethics, occupation and professional entrance, the social and ethical

performance of occupation and the professional man’s objective and dignity.

Socrates referred that philosophy was the ethics rational theory which

presented several classification systems. Viana differentiates between

theoretical and practical ethics, intergroup and intragroup ethics, general and

professional ethics and between the pedagogical and the usable ethics. Bento

sustains that in sports the ethics task aims to think about sports as a place of

morality within social, cultural and political life context. Comparato adds that the

ethical man has obligations not only towards his peers but also towards the

group, as the group feeds back towards each one of its members. Lopes de Sá

feels important to perform and operate a loving action which implies the

knowledge of the good and truth but also the man as a worker of this change.

Viana sustains that man should have duties, such as sincerity, politeness,

obedience, perfectibility, humanity, courage and work. Plato refers that the

State is interested in the political man’s improvement and this man only is an

asset while being an element of solidarity, work and social harmony. A

philosophical foundation must be followed and a structure must be framed and

the way must be drafted towards a professional ethics. Saint Augustine claims

that the professional occupation implies some fundamental ideas, such as

inclusion of perseverance, retribution, duration, personality, character, freewill,

social character, calling and skill, ability, uprightness, and civics. Aristotle wrote

that to give dignity to a professional occupation it is necessary to know the

responsibility of it and fulfil it completely with courageous pertinacity.

Key-Words: Politics, Society, Ethics, Sports

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1

1. Intenção

É meu intento estudar e abordar, ou seja, “olhar” para as questões pertinentes

relacionadas com a ética na política desportiva para uma melhor compreensão

do fenómeno desportivo e do homem na sua máxima extensão, o que pratica

desporto e o que se vê a fazer desporto, “Eu faço desporto e vejo-me a fazer

desporto”.

Centrarmo-nos nos por quês e nos para quês, para melhor definirmos, a

posterior, o como fazer e como atuar no contexto político da gestão do

desporto, será a forma mais correta para o desenvolvimento da sociedade e da

sua melhor humanização, trazendo à face presencial o humanismo perdido

entre as entranhas do passado e tanto proclamado mas com uma imensidão de

ausência de ideias para a respetiva conversão.

A importância de como alicerçar o desporto à referida corrente humanista para

incremento e aperfeiçoamento de uma componente política, social e económica

que garanta a sustentabilidade do fenómeno desportivo e de uma sociedade

respeitadora dos princípios e dos valores da moral.

Urge implementar um novo modelo de pensamento na sociedade que

protagonize a mudança de paradigmas e a ascensão de valores, princípios,

meios e fins que torne a gestão do Desporto mais eficiente, mais evolutiva e

mais conhecedora do fenómeno social e cultural e das suas várias relações

sociais e humanas, no fundo, orientar uma filosofia política baseada na ordem

ética.

Uma nova gestão e uma política centrada numa ética que derrote a imoralidade

e que se oriente no sentido da virtude, da glorificação e do humanismo, aliás, a

ética é a colocação de limites ao ser humano, para um bem-estar social e

humano através das suas múltiplas relações.

A dignidade humana acima de tudo permitirá sustentar uma política nobre e

alicerçada numa gestão leal e honesta ao serviço do homem, igualmente

fundamentada pela axiologia, através da força criadora da palavra ao nível dos

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vários discursos a serem implementados, nos quais poderemos presenciar

vários contextos político-económicos, sociais e desportivos.

Tais contextos apresentam analogias no sentido de uma transcendência

definida numa ética, bem como na componente de resistência à ignorância

intelectual, para uma construção social assente na Paideia e exercida pela

Areté.

Ao longo da dissertação, tentarei fundamentar à luz da filosofia e da política, o

que considero fulcral ser definido e compreendido. A relevância ética e moral

no desporto, na sociedade e por inerência na vertente política através dos

deveres e dos valores inseridos e contextualizados numa transversalidade

axiológica, levará a compreender que o desporto para além de uma alavanca

macroeconómica assume relevância no contexto educacional, cultural, social e

político conduzindo à formação de um ser humano digno e completo.

Pensarmos na construção de um bloco sedimentado de sabedoria e do

cumprimento honesto em qualquer plano de ação.

Para entendermos o fenómeno desportivo como um meio dinamizador crucial

no panorama ético-social e ético-político, devemos, inevitavelmente, enaltecer

as suas virtudes de dimensão e de elo social, ou melhor, como acontecimento

de regulação da sociedade onde assentam valores e por conseguinte uma

ética e uma estética que determinam o comportamento do “Eu” em relação ao

“Outro” e mais do que isso, a relação do “Eu” em comunhão com “Todos”. O

homem ético é o homem “belo” de alma e espírito permitindo um casamento

entre a ética e a estética.

Uma mera implementação de um projeto desportivo terá que passar pela

compreensão da gestão como veículo de desenvolvimento e de preparação

para uma dignidade humana assente nos padrões normativos de educação e

de cultura, quer na vertente ontológica da criação de uma nova palavra e de

um novo conceito de Gestão e de Política, quer na vertente axiológica, perante

os valores inerentes a tal propósito. Toda uma fundamentação no plano da

reflexão exercida pela filosofia terá repercussões no âmbito político e na

essência da gestão.

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Tal questão pode ser estabelecida e suportada pelo conceito de “fenómeno

social total” de Marcel Mauss, para que os fenómenos sociais mais importantes

possam ser considerados totais. Um “fenómeno social total” é aquele no qual

podemos ver em funcionamento traços ou vestígios de todas as instâncias

fundamentais da sociedade, nomeadamente, a família, a educação, a cultura, a

política, a religião e a recreação.

Para o mesmo autor qualquer fenómeno que tenha no seu funcionamento

estas seis instâncias é considerado um fenómeno social total. Contudo, o

fenómeno poderá ser definido como “social total” mesmo não comportando as

seis instâncias supramencionadas em detrimento de outras que sejam

fundamentais para o funcionamento social. De qualquer das formas, podemos

dizer que o desporto tem ligação com todas essas instâncias e por isso, pode

ser considerado um fenómeno social total, já que integra e interage com todas

as grandes instâncias sociais.

O desporto é um fenómeno simbólico da sociedade e se a amplitude deste

fenómeno desportivo construir pontes com a realidade social, poderá haver

uma esperança para que a sociedade se harmonize e se realize enquanto tal.

Então para compreendermos a sociedade, existe a necessidade de saber e

compreender a sua estrutura, através da análise dos seus fenómenos,

concretamente, do fenómeno desportivo.

Donald Guy (1993) refere que o Desporto é um fenómeno composto por seis

elementos: a atividade física, a competição, o divertimento, o objetivo a

alcançar, a regra e o espírito desportivo, detendo este espírito três dimensões,

nomeadamente, a equidade, o desejo de vencer e a lealdade.

É uma interpretação do fenómeno desportivo, de natureza sistémica, isto é,

sem a presença das seis dimensões, não se está perante o respetivo

fenómeno, pois se faltar algum elemento deixa de ser a definição de desporto.

Tal facto incorpora a ideia de que sem lealdade, sem espírito de equidade, sem

objetivo a alcançar e sobretudo sem regras não há desporto. Isto torna-se

muito útil para o desenvolvimento da temática e da sua pertinência na

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abordagem da ética na política do desporto, alicerçada no homem desportista

no contexto social, ou seja, na polis.

Costa (1995) também considera que além do desporto ser um “fenómeno

social total”, tornou-se um fenómeno verdadeiramente planetário, ou seja, o

desporto caracteriza a sociedade e “funciona” no mundo inteiro, operando

como uma religião onde apresenta os seus Deuses, as suas glórias e seguindo

as mesmas regras, o que o torna, para além de mítico-religioso, num fenómeno

cultural.

O desporto é uma maneira de exprimir a cultura de um povo, Portugal não joga

como a Inglaterra, nem o povo latino reage da mesma forma que o povo

nórdico. O desporto é um meio de transmissão de cultura, todos os holandeses

sabem que em Portugal há boas condições, quer estruturais quer climatéricas,

para o golfe e que se pratica muito e bem, e que tem uma boa gastronomia.

Estes aspetos de dimensão cultural no desporto, são cruciais na formação e

instrução do homem ético no desporto, pois só com um acrescento axiológico e

cultural é que poderemos estruturar o homem político e dirigente do desporto

na polis para outros pergaminhos, atitudes e comportamentos face à sua

consciência, conduta e tendência ética e a uma nova identidade, que para além

de ética, se reforce na dignidade.

Do ponto de vista ideológico, o partido comunista francês seguiu durante

muitos anos a perspetiva de Pierre de Coubertin (1919) que definia o desporto

como o culto voluntário e habitual do exercício muscular intensivo apoiado no

desejo do progresso ilimitado, fundamento da revolução industrial que esteve

na génese do desporto moderno, e não tendo medo de ir até ao risco. Nesta

perspetiva situa-se a divisa Olímpica: “,Citius, Altius, Fortius”, ou seja, ir “mais

rápido, mais alto, mais forte”. Esta ideia permite formular um pensamento da

gratificação do exercício e da elevação do corpo e do espírito, atuando e

confrontando, com as respetivas regras e o respeito por si próprio e pelos

adversários e portanto, perante uma atuação ética, implicando uma visão de

acordo com o dever e a conduta moral consciencializada no plano ético.

Contudo no plano da sociologia política, alicerçada na filosofia política do

desporto, sobre o estudo das bases sociais do desporto na política, e a sua

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aplicação, a posterior, ao conceito ético e estético, Brhom (1976) fundamenta o

desporto como uma atividade física competitiva e regulamentada e que é capaz

de servir para, no seu funcionamento, determinar o melhor desempenho, por

exemplo, o recorde e o melhor participante, isto é, o campeão. Torna-se

evidente que as respetivas bases sociais conectadas ao desporto se

correlacionam com os princípios éticos e morais do referido fenómeno e por

conseguinte é possível extrapolar da sociologia política, uma filosofia política

do desporto.

O desporto pode, então, ajudar a perceber, na perspetiva de Costa (1995),

todos os aspetos da sociedade. Mais do que um espelho da sociedade, o

desporto é um microcosmos, é a sociedade vista em ponto pequeno e

analisada de uma forma muito mais rápida e eficaz.

No desporto presencia-se o Bem e o Mal da sociedade, ou seja, ou se ganha

ou se perde, ou se é o melhor, ou se é o pior, tal como na sociedade. Ao

perceber o desporto, percebemos a sociedade, percebemos o homem na sua

máxima extensão.

A filosofia política do desporto pretende compreender a causa e a finalidade

dos assuntos políticos relativos ao fenómeno desportivo, apresentando uma

dimensão ética em estreita colaboração com a componente cientifica de âmbito

social e humano. Para tal, torna-se necessário ampliar o nosso entendimento e

o nosso conhecimento para uma dinâmica transversal do espaço da sociologia

política no que concerne ao entendimento político das bases sociais do

desporto, da antropologia política, no campo de uma reflexão fundamentada da

compreensão das relações e dos fenómenos sociais e culturais, como por

exemplo, a violência, o racismo e o desrespeito pelas regras no desporto, por

parte do homem político do desporto, o exercício político do poder e a

organização desportiva da polis.

É importante a fundamentação da pedagogia política, no seu âmbito de educar

o homem para uma decisão coletiva que é crucial no bom funcionamento

social. Há uma necessidade de objetivar uma ética na política, facto que, como

referi, a torna específica e uma sociologia política com o intuito de perceber o

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poder político no homem do desporto, enquanto ser sociável e perfetível, e na

comunicação do mesmo com a sociedade desportiva que o mesmo representa.

Para se compreender de uma forma mais elaborada o desporto e se poder

aplicar a forma mais perspicaz de gestão para um melhor contributo social, e

objetivar uma análise através de uma visão verdadeiramente digna da vertente

humana, não poderemos estar “contaminados” pelo referido desporto. Como

afirma Garcia o desporto pode ver-se como um labirinto, quando estamos no

meio do labirinto, não sabemos se estamos no caminho correto, no bom

caminho e se iremos ao encontro da melhor gestão do desporto.

Para o mesmo autor, só quem se encontrar “fora” é que poderá saber e obter

as respostas necessárias. Assim, temos que sair do desporto para entender o

respetivo fenómeno, para não estarmos ”contaminados” através da sua

projeção prática, por sermos praticantes desportivos, e perceber o por quê e o

para quê do desporto.

Garcia diz de uma forma muito esbelta e apelativa do ponto de vista filosófico

que importa ver o desporto numa outra dimensão, ou seja, como se

estivéssemos em “cima do castelo” a observar o que se encontra e como tudo

funciona e se organiza bem lá em baixo para entendermos e percebermos o

caminho a seguir, encontrando a saída e combater a falta de visão, só com o

espelho. Importa perceber se será que, estando na prática desportiva, vejo

como desportista.

Temos que “sentir” e ao mesmo tempo “analisar” para tomarmos as melhores

decisões no que concerne à melhor linha de pensamento organizacional, que

para obter a excelência jamais poderá intervir sem ser rumo à excelência e à

dignidade humana.

Na obra “ No Labirinto do Desporto. Uma Perspetiva da Antropologia” Proença

Garcia refere muito bem a necessidade de sairmos do nosso “Eu” como

praticante e sermos o nosso “Eu” a ver o desporto, vermo-nos a “ser” ou

vermo-nos a saltar, a correr, é assim que se compreende a dimensão humana,

os valores implícitos, a ver a ação humana.

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Brincava a criança

Com um carro de bois

Sentiu-se brincando

E disse, eu sou dois…

Há um a brincar

E há outro a saber

Um vê-me a brincar

E outro vê-me a ver…

Fernando Pessoa

“Eu sou dois!” fundamenta o autor a partir deste pensamento, “Eu” sou o

praticante e vejo-me a praticar , adaptando então o poema de Fernando

Pessoa ao caso em concreto. “Eu” sou o que faço desporto e que estuda

desporto, logo é mais fácil argumentar, intervir e agir, presenciando a ação

humana e os valores que se encontram implícitos num plano transversal e

aplicado ao desporto.

Torna-se imperativo perceber esta dupla vertente para que possamos entender

o Desporto na sua plena dimensão, pois o homem necessita de sair do labirinto

em que se encontra “contaminado” para melhor compreender as questões

levantadas e centradas na ética e na política numa perspetiva filosófica, para

assim ser mais fácil de argumentar e de pautar a sua intervenção e o seu

discurso.

O homem é um animal político pois só na polis, isto é, na cidade ou numa

localidade pode viver. Não basta que ele esteja tranquilo com a sua

consciência, importa que ele viva o mais humanamente possível e em perfeita

harmonia e entendimento com a sociedade de que faz parte, na sua relação

com o “outro” e com “todos” e com a qual mantém ligações humanas e

públicas.

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Por tal facto, é importante estudarmos e entendermos o homem político, para

se definir e construir uma corrente ética que se coadune com uma política que

lance e protagonize as linhas orientadoras, no âmbito virtuoso e racional, para

uma sociedade mais humana e justa tendo como ponto central o fenómeno

desportivo na construção do Estado Ético. O Estado como organização política

e com uma permanente consciencialização ética.

É essencial focar que Estado e Sociedade não são a mesma coisa. Através da

obra “O olhar de um politólogo sobre a sociedade” de Duarte Nuno Pinto é

possível mencionar alguns autores, nomeadamente, Marcelo Caetano no seu

trabalho “Manual de Ciência Política e Direito Constitucional”, que refere que o

Estado é constituído por um povo, fixado num território, de que é senhor, e que

dentro das fronteiras desse território institui, por autoridade própria, órgãos que

elaboram as leis necessárias à vida coletiva e impõem a respetiva execução.

Sem no essencial pôr em causa esta definição, torna-se crucial contrapor com

a opinião de outro autor, Freitas do Amaral, numa interpretação de ciência

política, encontrar uma definição de Estado. Para o autor, “Estado” é

considerado a comunidade constituída por um povo que, a fim de realizar os

seus ideais de segurança, justiça e bem-estar, governa um território e nele

institui, por autoridade própria, o poder de dirigir os destinos nacionais e de

impor as normas necessárias à vida coletiva.

Tendo por base uma linha de fundamentação da referida obra e dos autores

supramencionados posso concluir que o Estado é uma comunidade humana

onde os elementos essenciais são três: o povo, o território e o poder político.

Os fins do Estado são também três: a segurança, a justiça e o bem-estar. Para

Aristóteles o Estado surgiu para promover um conjunto de realidades

inacessíveis ao individuo isolado ou ao grupo familiar. Fundamentado em “A

Política”, a sua finalidade consiste em proporcionar aos seus cidadãos o

conjunto de meios necessários à sua realização e sobretudo à sua felicidade.

Esta só é todavia suscetível de ser alcançada através de práticas virtuosas,

como a amizade e o autodomínio. Uma sociedade justa é aquela onde os

cidadãos se comportam de forma justa. Não existem sociedades justas onde os

homens que a constituem não o são. É por esta razão que se afirma que só a

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formação moral de cada cidadão, por meio da qual ele se integra e aprende os

valores da sua comunidade, permite reconciliar, ao nível individual, a justiça e a

felicidade.

Um Estado ou Governo é, neste contexto, ilegítimo desde que não contribua

para o bem comum, isto é, a realização da natureza humana e a felicidade dos

seus cidadãos. A sociedade organiza o Estado para se proteger e se manter

em ordem, embora, por vezes, possa ser vítima da sua própria organização,

quando a autoridade é mal exercida e o poder se transforma em tirania ou falsa

aplicação da justiça acontecendo o mesmo no plano ético.

Não confundir com o Estado social ou Providência que representa a forma

organizativa de sociedade que fornece a resposta coletiva às necessidades dos

homens.

O ponto-chave desta dissertação reside na ânsia de conectar ou relacionar a

conduta do homem do desporto, que é a única a ser estudada pela ética, por

ser variável no tempo, em face da sua bondade e da sua virtude, atendendo à

sua consciência e conduta perante a temática da ética e da moral na filosofia

política do desporto. Parte da premissa do que se poderá entender como

virtude no seio desportivo e educativo em consonância com a vertente política

do homem constituinte do Estado.

Aristóteles abordou a questão da virtude, excelência e areté na consideração

ontológica de virtude de um homem bom e na de um bom cidadão, se seriam

idênticas ou diferentes, e partindo deste pressuposto poderemos definir os

alicerces para uma correta gestão no plano do desporto.

Se esta questão tem que ser estudada e analisada mais pormenorizadamente

para um melhor conhecimento da filosofia política do desporto, devemos

começar por descrever a virtude do homem (homem virtuoso) de uma maneira

sintética para que todos possam entender.

Aplicando ao fenómeno desportivo, por exemplo, e retratando o caso da

modalidade de ciclismo, assim como o ciclista é um membro de uma

comunidade, assim é o cidadão. Os ciclistas diferem uns dos outros em virtude

das diferentes tarefas, ou seja, uns são sprinters, outros são trepadores, outro

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é o chefe de equipa ou de fila, há o que é o “aguadeiro” e assim por diante na

constituição da equipa.

Sendo este o caso, é claro que a definição mais exata da virtude de cada

ciclista será específica do homem atleta em questão, mas também é evidente

que uma definição comum de virtude se aplica a todos, na medida em que a

conquista de uma prova em estrada, o “tour”, é um objetivo que todos devem

cumprir e que cada um deseja, é um objetivo da equipa vencer na classificação

geral e ter também os seus corredores como vencedores nas várias categorias

ou classes individuais.

Analisando e estabelecendo o devido paralelismo social, quanto aos cidadãos,

ainda que sejam desiguais, têm uma tarefa comum que é a de assegurar a

segurança, a harmonia, a dignidade, o desenvolvimento social, cultural,

educativo e desportivo da polis. Ora como a sociedade se constitui como o

governo político, no âmbito executivo, corroborado a nível legislativo, a virtude

do cidadão deve necessariamente ser relativa a esse mesmo regimento, a esse

governo e modelo legislativo e político. Entendendo que há diferentes

circunstâncias ou modelos de Governo inseridos no respetivo regimento

político, não pode existir uma única virtude perfeita do bom cidadão.

Segundo Aristóteles, o homem bom é chamado “bom” devido a uma virtude

única, a virtude perfeita. Obviamente, que é possível ser um bom cidadão sem

possuir a virtude que é a qualidade do homem bom.

Para Sócrates, a virtude é fazer aquilo que a cada um se destina. Aquilo que no

plano objetivo é a realização da própria essência, no plano subjetivo coincide

com a própria felicidade, em que a mesma alicerça o destino político.

É impossível que uma cidade ou localidade ou a abrangência desportiva se

componha inteiramente de homens bons. No entanto, cada cidadão deve

cumprir bem a função que lhe compete e é nisso que consiste a sua virtude:

um treinador ser um bom metodólogo e fisiologista, o atleta ser um bom

cumpridor do trabalho técnico e tático e o gestor ser um bom administrador e

cumpridor orçamental, ou seja, o homem desportista é o homem político que

veste as roupagens de homem virtuoso consoante a sua excelência vocacional,

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ou no treino propriamente dito ou na gestão, administração e execução

orçamental.

Por outro lado, como também é impossível que todos os cidadãos sejam iguais,

a virtude do cidadão não pode ser idêntica à do homem bom.

A virtude do bom cidadão deve pertencer a todos porque é esta a condição

necessária para a Polis ser a melhor. Mas, por outro lado, a virtude do homem

bom não pode pertencer a todos, já que não é necessário que sejam homens

bons os cidadãos que vivem na polis perfeita, tanto mais que a própria polis é

composta por elementos distintos.

Mencionando Aristóteles através da sua obra “Política”, assim como um

homem é composto, para além de espírito e matéria, de corpo e alma e a alma

de razão e de desejo, e a casa de homem e mulher, e a empresa de patrões e

empregados, também a polis é composta por estes elementos e de forma

idêntica no desporto, dado corresponder à sociedade em ponto pequeno.

Impera o desejo de vencer e ser o melhor, as rugas na alma e no corpo

marcadas pela dureza da derrota, a transpiração da alma nos momentos duros

com o intuito do autoaperfeiçoamento, na vivência diária com todos os

elementos da equipa, na relação com todos os intervenientes do processo de

treino e da organização institucional, na aplicação teórica e prática da sua

metodologia, na sua gestão e na sua política administrativa.

Deste pressuposto e entendimento, segue-se que não pode existir uma virtude

idêntica em todos os homens, assim como não pode haver uma só virtude

comum ao corifeu (chefe do coro) e aos seus coreutas, ou seja, ao treinador e

aos seus atletas.

É, pois, claro que a virtude do bom cidadão e a do homem bom não são

absolutamente idênticas. Mas poderá coincidir em alguém a virtude do bom

cidadão e a do homem bom?

Evocamos homem bom e prudente ao governante político responsável, e

Aristóteles referiu na sua obra que o homem político deve ser prudente, tal

como o homem desportista na pele de líder e de elemento responsável pela

organização da sua polis.

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A prudência é a única virtude peculiar do governante, do homem político, a

virtude particular aos governados não pode ser a prudência, mas sim a opinião

verdadeira, indo ao encontro do pensamento filosófico e político de Aristóteles.

Os governados, os homens que dependem das decisões do grande gestor do

desporto, podem ser comparados aos fabricantes de flautas e os governantes

políticos, o homem político legislador, aos tocadores. A grande virtude do

gestor do desporto, enquanto homem político que aplica um determinado

regimento mesmo no desporto, deverá ser a prudência, enquanto na faceta de

homem atleta governado, que lhe compete a obediência perante superiores

com total responsabilidade, competência e dignidade pelo trabalho em equipa.

Este paralelismo de divergência e convergência de homem bom e de bom

cidadão, a nível racional e virtuoso, na política do desporto, remete-nos

imperiosamente para a fundamentação de Kant, através do seu conceito

análogo de “homem de boa vontade”.

O homem político do desporto tem que defender o primado da honradez, deve

procurar ser honrado. A virtude é uma força ativa, o homem bom tem o dever

de demonstrar, por si, a eficiência dessa força. A honestidade não se apura

tanto pelas atitudes esporádicas e “espetaculares” no sentido exibicionista,

como pelo desejo sincero e constante de acertar e de praticar o bem. Ao

heroísmo “espetacular” de um dia, sobrepõem-se, como mais valioso, o

heroísmo moral de uma vida inteira, formado pelo enredo de pequenas virtudes

obscuras e silenciosas.

O homem político do desporto enquanto cidadão de boa vontade deve

pretender condignamente a sua posição no mundo, deve ter a estreita

obrigação de ser disciplinado, não abusando da posição por ele ocupada, nem

das circunstâncias, porventura favoráveis ao cometimento de excessos de

qualquer ordem. Para impor disciplina é preciso ser disciplinado, não abusando

da posição por ele ocupada, nem das circunstâncias, porventura favoráveis

para cometer e empreender excessos de qualquer ordem. Um homem

desportista bom, bem como um bom cidadão da política do desporto deve

saber ganhar e saber perder, ter cometimento e sensatez na vitória e

humildade e nobreza na derrota.

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Abundam, infelizmente, no desporto, pessoas que só evocam palavras de ódio,

e a estas devem contrapor-se palavras construtivas de moderação e de paz,

palavras suscetíveis de harmonizarem e consagrarem em vez de desunirem. O

homem de boa vontade, para marcar a sua posição no mundo de forma

honesta, deve ser, acima de tudo, na linha de Kant, um homem de obras. O

homem político do desporto, através dos seus atos, marcará a sua

personalidade, não precisará nem de provocar nem de proferir palavras

agressivas.

O homem político do desporto para ser útil à sua polis e constituinte de um

Estado ético, deve esforçar-se por ser um “animador”, mas não um qualquer

animador. Falo de um “animador” de boas ideias, de bons sentimentos e de

boas iniciativas, no qual, um homem político de nível superior não deverá

limitar-se a procurar o justo, o bom e o belo, deverá, isso sim, esforçar-se no

sentido de o revelar ao seu próximo e à sua sociedade.

No fundo, aquele que pretenda ser o verdadeiro homem bom da política do

desporto deve esforçar-se, no sentido de evitar a prática de alguns desvios

fatais que em muito abundam nas mentes de muitos, que se julgam o centro do

mundo, que se perdem perante a malícia da riqueza e que pretendem

desaustinadamente o poder e a força, como diria Martin Luther King,

“Enfrentaremos a força física com a nossa força moral… o seu destino é

traçado pelos seus próprios pensamentos e atitudes, e não por alguma força

que venha de fora...Você deve tornar o seu pensamento mais elevado, mais

belo e mais próspero.”

O sistema ético que presenciamos na sociedade contemporânea exerce uma

função de organizar ou ordenar a sociedade, com vista a uma finalidade geral,

e por isso, não existe ordem social desligada de um objetivo último, pois é

justamente em função dele que se pode dizer se o grupo, onde está inserido o

homem bom da gestão e da política do desporto, é ordenado ou desordenado,

se está diante de uma reunião ocasional de pessoas, ou de uma coletividade

ou instituição organizada.

A ordem é o conceito desta mesma relação, subordinada à definição de uma

finalidade, e essa verdade lógica elementar é, no presente, desconhecida pelos

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ideólogos da ordem por si mesma. O que se esconde, por trás dessa fórmula

de propaganda, é obviamente o favorecimento de determinadas pessoas,

classes sociais ou de grupos específicos, em detrimento do bem comum de

todo o povo e da polis.

Para a introdução de novos valores ou a defesa dos que já vigoram no seio

social, não basta o recurso à força, sendo indispensável uma total justificação

ética aliada à força moral. A consciência do bem e do mal, com o consequente

sentimento de justiça ou injustiça, é inerente à condição humana, qualquer que

seja a conceção que se tenha da sua origem, se se trata de algo inato, ou

totalmente adquirido no trajeto da vida social.

É neste terreno que se travam as grandes batalhas de ideias, e sem um

trabalho constante sobre a opinião pública, no plano ético e moral, tendem com

o tempo a enfraquecerem e a desarticularem, num processo semelhante à

segunda lei da termodinâmica (entropia), isto é, o valor que permite avaliar o

estado de desordem e que vai aumentando à medida que este evolui para um

estado de equilíbrio. O objetivo é de mostrar que as instituições desportivas

que patenteiam um determinado poder, onde se integra o homem bom do

desporto e o bom cidadão político, são justas, convenientes ou necessárias.

"A quantidade de entropia de qualquer sistema isolado no âmbito

termodinâmico, tende a incrementar-se com o tempo, até alcançar um valor

máximo".

De uma outra forma elucidativa, quando uma parte de um sistema fechado

interage com outra parte, a energia tende a dividir-se por igual, até que o

sistema alcance um equilíbrio térmico. Com o devido paralelismo social e

político-desportivo, um Estado ético e também do ponto de vista social, tende a

desmembrar-se e a autodestruir-se se não for justo, necessário e interventivo

no plano ético e moral para com o seu povo, e na sua relação com o homem

político do desporto, sendo necessário para se restabelecer um equilíbrio para

o respetivo funcionamento e para a sua sobrevivência enquanto Estado ético e

digno. Evidencia-se assim, a necessidade de uma dinâmica convergente de

ideias sobre o que é justo ou injusto assente na consciência do bem e do mal,

bem como no plano moral inerente à condição do homem ético no exercício do

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desporto e como elemento constituinte da sociedade, e portanto responsável

pelo seu normal funcionamento perante uma política social no âmbito da sua

intervenção e ainda uma sociologia política para o respetivo estudo.

Contudo, pretendo referir, embora a posterior nesta dissertação, que este

paralelismo entre homem bom e bom cidadão de Aristóteles, leva Rousseau a

abordá-lo e a estudá-lo, com o intuito de verificar as possíveis diferenças entre

humanidade e cidadania perante a questão levantada por Émile sobre a

posição do Estado como Contrato Social, também defendido por John Locke.

Surge o problema da possibilidade de se ser “homem” e “cidadão” ao mesmo

tempo, e separar estas duas dimensões humanas, o que quanto a mim seria

surreal.

Urge formar e instruir o homem e o cidadão, e a humanidade e a cidadania não

se completam nem se identificam, nem tão pouco se opõem, pois todo o

homem é formado no plano social, ou seja, os homens instituem a sociedade e

esta é instituída e institui os homens. Há um ciclo que, contudo, não se encerra

ou se explica racionalmente, pois não só o homem é razão e sentimento, mas

também o seu conhecimento, ou melhor, o seu saber é feito de razão e de

desejo.

É com base na interpretação desta linha de pensamento, que muitos filósofos e

sociólogos são defensores de que a educação só é possível dentro de uma

sociedade corrompida, e nem é possível uma educação entre o educador não

corrompido e um educando não corruptível, por esta natureza cíclica e pelo seu

conhecimento serem feitos, para além de razão, de desejo a todo custo.

Perante esta doutrina, poderíamos analisar o fenómeno desportivo no que

concerne à sua gestão e à sua política de uma forma nada digna, e por

conseguinte, sem conduzir a uma qualidade de vida para os seus

intervenientes, sem ética e sem moral, dado que transforma o homem político

do desporto num mero ser que marca a presença na sociedade sem afirmar a

diferença do ponto de vista humano perante a sua condição e identidade como

homem bom, de alma e de espírito.

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Presenciaríamos uma ausência de valores na formação do homem do

desporto, dado que sem valores não se instrui, num campo delimitado na

instrução de futuros profissionais para a reconstrução social e a respetiva

humanização do homem contemporâneo, muito para além da simples

cidadania, implícita a qualquer a ser humano integrado no contexto desportivo.

Para este sentido de entendimento, estes “homens” não existem e o paraíso já

está perdido, e nem se pensa em reencontrá-lo.

Rousseau frequenta a escola deste “Realismo de Maquiavel”. Nicolau

Maquiavel na sua obra “ O Príncipe” aborda a emancipação do poder político

em relação à ética e à moral, considerando-o uma utopia e portanto recusando

a grandiosa construção teórica da polis ou do Estado Ideal imaginado por

Platão.

Para ele, a "boa política" é antes de mais aquela que atinge o seu objetivo mas

não tem, para isso, de ser uma política moralmente boa ou moralizadora e

virtuosa.

O sucesso político não transforma um mal num bem. Um crime, mesmo que útil

em termos políticos, continua a ser um crime, só é necessário saber distinguir

os planos e ver que há atos moralmente reprováveis que são úteis e até

necessários em termos de política de governo. É o que se passa nesta

sociedade contemporânea. Numa sociedade com valores instituídos para o seu

funcionamento mas com uma total ausência na sua aplicação pelo homem

político do desporto, sendo bizarra a ausência da presença da edificação dos

mesmos valores, o homem consegue, perante o seu povo, subir a escadaria da

glorificação, com o afogamento de todos os princípios éticos, morais e de

ordem axiológica que pretendem colocar o homem no patamar divino da

condição e da dignidade humana.

Ao escrever o “ O Príncipe”, Maquiavel questiona-se em que condição se pode

dizer que "as crueldades são bem empregues"? E rapidamente acrescenta,

através de uma pequena frase primordial e fundamental, "Se é que a palavra

bem pode ser aplicada ao que é um mal". Perante esta análise e fazendo

emergir um pensamento político para a justificação da sua obra, isto quererá

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dizer que se uma crueldade pode ser um bem, ela só o poderá ser de um ponto

de vista político e nunca de um ponto de vista moral, e neste patamar

ideológico, separa-se a política da moral, pois, uma crueldade, um crime serão

instrumentos úteis, eficazes e talvez indispensáveis a quem governa, mas

nunca serão coisas boas ou moralmente louváveis.

Não estamos perante um “gangster” mas sim perante um homem que, em

termos políticos é realista e sabe que uma certa dose de mal, como mentiras,

agressões e crimes, é muitas vezes necessária, e é esta a visão que,

atualmente, avistamos na política nacional em qualquer das suas áreas de

ação, na ausência de grandes líderes, estadistas e humanistas. Além disso,

Maquiavel nunca aconselha o príncipe a mostrar-se regular e sistematicamente

imoral, se a virtude não tem, per si, qualquer valor político intrínseco ou

imortalidade.

Estamos perante diferentes visões da conceção de homem e de Estado, em

que se consubstanciam diferentes análises morais e éticas propícias a uma

intervenção estudiosa na área, quer a nível do desporto, bem como no plano

transversal, ao qual o fenómeno desportivo se encontra indexado num

multiverso de áreas, de conhecimentos, de pensamentos e de ações.

Por tais factos, apela-se a um conhecimento mais profundo da ética na filosofia

política do desporto e por inerência, ao homem ético do desporto que vive na

polis, constituindo-se como um homem político.

Em consequência, esta dissertação pretende apresentar as linhas de estudo

sobre a componente ética, o que se deve procurar para que se sinta e se

pratique o bem, hoje acolhida de uma forma relevante e primordial para o

sucesso político e desportivo, dada a “tortura das almas” que se debate na

condição humana atual.

Perspetivou-se a forma de entendimento do pensamento na Idade Clássica,

inclusive como veículo para a felicidade e para a justiça, que todavia com o

correr do tempo, arrefeceu na Idade Média, para depois tomar nova força no

período do Renascimento.

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Intentou-se analisar e compreender o homem político e ético do desporto e

quais os seus deveres para com a sua profissão e para com a sociedade em

que se insere, bem como estudar o homem e o grupo para uma vertente de

entendimento da ética profissional.

Importa também refletir sobre as classificações de ética e de política, os seus

objetivos e a distinção entre ética e moral.

Não é de somenos relevância perceber como se processa a conduta virtuosa

para uma consciencialização ética orientada numa educação tendo em vista

uma orientação ética na construção do Estado Ético.

Por último, e não menos essencial, comentar o conceito de profissão e o

ingresso profissional donde ramifica a assimilação da função ética e social da

profissão e a finalidade do homem político do desporto para a dignidade

profissional.

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2. Classificação Ética e Política

O objetivo principal deste capítulo é o de estabelecer algumas reflexões e

alguns fundamentos que possam possibilitar a compreensão da relação entre a

ética, através das suas várias classificações, e a conceção política.

A ética é um ramo da filosofia e perante este tipo de conhecimento temos de

compreender que o mesmo poderá ser interpretado de diversas formas,

consoante o tipo de homem que queiramos analisar. Como se a filosofia

apresentasse “várias interpretações e extensões” e por tal facto, torna-se

necessário considerá-la nos seus diversos aspetos, cada um dos quais tem

significado diferente e oferece perspetivas também distintas. A filosofia de vida

ou a filosofia desportiva e, por inseparabilidade, a filosofia política de um

poderá não ser igual à do outro elemento em comparação.

Se nos limitássemos a encarar a ética no plano geral ou abstrato, não

poderíamos com facilidade descobrir e entender a sua importância ou validade

no sentido da racionalidade, na lógica incutida na perceção do sentido ético e

moral. Por tal facto, há uma grande necessidade da realização de uma análise

adequada de acordo com classificações que sejam esclarecedoras.

Urge de uma vez por todas irmos ao encontro de respostas para questões

constantemente colocadas nos diferentes contextos e conjunturas ético-sociais,

ético-políticas e ético-desportivas, e de que raras vezes se conhece o seu

alcance e muito menos se obtém respostas esclarecedoras para as dúvidas do

homem.

Foco por exemplo, questões importantes de compreensão da extensão ética e

da política na sociedade e no desporto, a perceção das possíveis ligações da

ética e quais os setores humanos, a quem pode interessar a mesma ética.

Equacionando o problema desta maneira, podem-se indicar alguns caminhos

de classificação muito elucidativos e que segundo Viana (1989) revelam de

modo impressionante, a amplitude e transcendência da questão.

No geral e de acordo com o referido autor, é costume distinguir-se entre ética

teórica e ética prática, ou seja, tendo por base uma outra terminologia, entre

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Ética ciência e Ética arte. Importante será perceber estas duas vertentes, a

ética teórica, terá a categoria de ciência, sobreposta ao conhecimento

filosófico, do ponto de vista do estudo humano. Será o estudo do bem, do

dever e do fim último do homem, e a ela competirá a busca das leis ideais da

verdade moral. Estuda os problemas fundamentais e gerais no plano filosófico,

ou seja, o objeto, os fins e a responsabilidade do homem político do desporto.

Enquanto a ética prática será a categoria da “arte”, a técnica do bem e do

dever, e a ela competirá a busca das regras adequadas e válidas, suscetíveis

de orientarem a vida com acerto, assim como a adaptação dos princípios

ideais, como é o caso do ideal ético, às realidades e necessidades da vida,

com vista à conquista do bem perfeito, neste caso, o bem público no plano

político do desporto.

Viana (1989) salienta que se está, portanto, perante um binómio “ética ciência”

e “ética arte” mas este mesmo binómio não é suficiente para nos revelar, em

toda a sua transcendência, a missão polivalente da ética, nas sociedades

humanas. Profere que a ética não pode interessar apenas ao homem, como

individuo, interessa também ao homem como elemento integrante da

sociedade. Considerada sob este âmbito, apresentam-se dois ramos da ética, a

ética individual e a ética social.

Sendo o homem ético do desporto, como é, um animal político, dado que só na

polis pode viver, importa que ele esteja bem e em paz com a sua alma, com a

sua consciência. Todavia, isso não chega, pois implica também que ele viva de

uma forma verdadeiramente humana, em perfeita harmonia e ajuste com a

polis de que faz parte e com a qual mantém relações humanas.

Relacionando com a posição de Aranguren (1958), o homem como cidadão

terá de conduzir-se, eticamente, nos seus contatos com os seus semelhantes e

o próprio Estado terá de se interiorizar do ponto de vista ético, o “Estado ético”,

tratando eticamente aqueles que nele estão integrados. É uma questão de

“mútuos ajustamentos” como refere o autor, tais como, geográficos, jurídicos,

económicos, políticos, sociológicos, filosóficos, psicológicos e até mesmo

antropológicos.

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Mas tal como Lopes de Sá (1998) refere o assunto não poderá ser somente

analisado sob estes únicos pontos de vista, pois, na realidade, para além da

ética cívica, de caráter geral, há que ponderar outros tipos de relações

específicas, igualmente básicas, representadas pelas relações entre o homem

e os grupos em que ele está integrado e pelas relações entre os diversos

grupos, e sob este ponto, convém distinguir a ética intragrupal e a ética

intergrupal.

O homem do desporto como ser político, tem deveres para com o grupo ao

qual pertence ou no qual ingressa, e o grupo, por sua vez, tem deveres para

com os seus componentes, nomeadamente na forma ética como cada um

destes elementos se conduzir. Desta interação dependerá a coesão, a força, a

prosperidade, a continuidade e a dignidade de cada grupo na polis. Há portanto

uma dimensão política implícita no estudo e na classificação da ética.

Por outro lado, é preciso não esquecer que nas sociedades desportivas e por

conseguinte, humanas, não se verificam apenas relações entre indivíduos e

grupos, pois também se processam relações entre grupos, as quais não podem

ficar excluídas do âmbito moral e, têm por consequência, de ser reguladas por

princípios éticos, para que haja uma hierarquia, ordem e possibilidades de

coexistência pacífica no seio das coletividades, associações e instituições

desportivas e públicas.

Mas a questão ainda não poderá quedar-se neste âmbito, pois o homem é um

animal ativo, um ser que trabalha, e como tal, há que atribuir especial

relevância a este facto, tornando-se importante relacioná-lo com a opinião de

José Mallart (1960). Este autor considera necessário preparar as massas para

que estas trabalhem e produzam nas melhores condições técnicas e éticas,

proporcionando ao respetivo país um alto bem-estar.

Analisada à claridade deste critério, e para a política do desporto, a ética pode

ser considerada sob dois aspetos, sendo de salientar a posição de Viana

(1989) que diferencia entre a ética geral e a ética profissional, correlacionando-

se estes dois tipos de ética entre si, enquanto consideram o homem como

trabalhador e como político.

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Assim, na ética geral, o homem político do desporto não deverá esquecer a sua

situação profissional, em que, quanto mais importante e elevada for a atividade

desempenhada, o papel que tem na gestão e na política desportiva, tanto mais

ela se projetará do ponto de vista ético sobre o profissional, impondo-lhe uma

conduta que não o prejudique como trabalhador nem prejudique a profissão ou

vocação por ele desempenhada, e perante isto, é imperativo estabelecer

novamente a ponte com a opinião de José Mallart (1960).

Este sustenta que há uma necessidade da conveniência de glorificar o trabalho

prestado como serviço, com abnegação e heroísmo, com ânimo de contribuir

para o bem geral e político e a necessidade de associar intimamente a vida

profissional de todos os produtores numa irmandade, dentro da necessária

hierarquização.

É claro que a ética terá de fixar uma escala de valores gerais e especiais,

graduando estes últimos princípios, em função das respetivas profissões ou

vocações, desde o gestor desportivo até ao político responsável pela área.

Quanto mais transcendente e influente for a vocação ou a profissão

desempenhada, tanto mais exigente ela será eticamente, e irá impor mais

deveres apertados. Por isso mesmo, dirigindo a todas as pessoas que iniciam

uma atividade profissional ou vocacional, Fontègne (1974) apresenta um

preceito ideológico, muito particular e de enorme utilidade para aplicação no

contexto educativo, filosófico e político num possível paralelismo na

implementação de uma nova visão e estruturação do desporto, enquanto

fenómeno de dinamização e regulação social e política.

Fontègne (1974) menciona que o homem não é um ser isolado no mundo e por

tal deverá ser solidário com todos aqueles que o cercam e com quem trabalha.

É portanto necessário, no exercício da profissão, que se dê provas de

honestidade, de boa vontade, de probidade, de consciência. Se se tem medo

de tomar uma decisão, afasta-se de todos os empregos em que se tenha medo

de assumir uma certa responsabilidade.

Apreciando bastante este pensamento e com toda a fundamentação associada

dos restantes autores, a ética pode ser classificada como sendo o conjunto de

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determinações volvidas para uma época e para uma determinada instituição,

orientadas no sentido de assegurar à respetiva instituição um funcionamento

eficiente, condigno e honroso em prol da dignidade institucional e humana no

sentido da reconciliação da moralidade com o homem contemporâneo no

exercício político.

Na ação política é urgente uma atuação cirúrgica no plano ético e moral,

porquanto a dignidade é a fonte necessária ao homem para o seu

desenvolvimento, tendo repercussões futuras no conceito de qualidade de vida

do homem político do desporto. Pois sem a real dignidade não se poderá falar

de qualidade de vida na polis.

No exercício político em prol da sua sociedade jamais se deverá trocar os

valores éticos e morais que deverão nortear a atuação do homem-político pelo

trabalho e atuação menos nobre e de atitudes sombrias, cobertas de uma

imensidão branca que cega e apressa a entrar numa miopia ética. Não será

digno da sua atividade enquanto político ou professor, atendendo ao facto das

coisas terem um preço ou um valor, e se se troca, neste caso, a vertente do

bom exercício político pelo desrespeito pela sociedade, seja qual for o motivo

de tal atitude, é porque teve um preço; logo não têm dignidade.

É perante esta visão humanista, fundamentada por Kant, na sua obra

“Fundamentação da Metafísica dos Costumes” que considero fulcral a

honestidade, o trabalho solidário em prol das pessoas, a responsabilidade pelo

desenvolvimento e pela humanização, centrada numa ética redigida de todos

os bons costumes morais e direcionada para a sociedade, no caminho da

dignidade humana.

"No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa

tem um preço, pode pôr-se, em vez dela, qualquer outra coisa como

equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não

permite equivalente, então ela tem dignidade".

(Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes)

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Como o próprio Kant reconheceu, as respostas dadas às questões colocadas

dependiam do nosso conhecimento da natureza do próprio homem. O que

posso conhecer, fazer ou esperar, depende, em última análise, da minha

própria condição humana e a visão de Kant era a da ação de tal modo que se

tratasse a humanidade, tanto na sua pessoa como na do outro, sempre e ao

mesmo tempo, como um fim e nunca simplesmente como um meio.

Para Kant, “o ser humano é um valor absoluto, fim em si mesmo, porque

dotado de razão. A sua autonomia, porque ser racional, é a raiz da dignidade,

pois é ela que faz do homem um fim em si mesmo".

Portanto, não devemos conceber uma política sem ética como também sem

liberdade, embora no meu entender, seja necessário interpretarmos o sentido

da palavra “liberdade” e a função que o homem político queira dar à mesma.

Não se deverá confundir o termo “liberdade” no sentido aplicado à ação

humana com “liberdade” de pensamento. Mesmo num determinado plano de

ação é necessário perceber e compreender o sentido da palavra no respetivo

conceito, para não colocar em causa o sentido ético e moral do homem político

no desporto.

Esta conceção implica uma dimensão de “liberdade arbitrária” dado que em

sociedade há regras subjacentes a uma ética e estética para um

desenvolvimento moral na instrução dos indivíduos e para o normal

funcionamento da polis. Há hipótese de escolha na decisão a tomar, por parte

de cada elemento da polis, e por conseguinte necessitará de ser implementado

o total respeito com as próprias normas e regras sociais que deverão estar

assentes em padrões éticos e dirigidas a uma atuação política em prol da

sociedade, ancorada numa ética responsável que definirá os caminhos para a

liberdade do pensamento humano e de libertação da alma, no intuito da

elevação e da excelência humanas.

É imperativo perceber que a liberdade no sentido lato da palavra é utópica, pois

a vida em sociedade está assente em valores morais, em regras e leis que

assumem a respetiva relevância ética para o normal funcionamento social.

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Como referi, presenciamos um sistema de “livre arbítrio”, em que temos a

capacidade de escolha entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, de forma

consciente e com conhecimento. A pessoa tem o poder de decidir as suas

ações segundo o seu próprio desejo ou da forma como acredita ser o melhor

para si própria ou para a sua sociedade, isto é, desde que não prejudique

ninguém.

Santo Agostinho, através da sua obra “De Libero Arbitrio”, aborda a tese do

respeito pela liberdade humana e a origem do mal moral e diferencia de uma

forma clara os conceitos de liberdade e de livre arbítrio.

Segundo o mesmo autor, o livre arbítrio é a possibilidade de escolher entre o

bem e o mal, enquanto a liberdade é o bom uso do livre arbítrio. O que significa

que nem sempre o homem é livre quando põe em uso o “livre arbítrio”, uma vez

que depende sempre de como usa essa característica. Assim, o “livre arbítrio”

está mais relacionado com a vontade. Porém, uma distinção entre os dois é

que a vontade é um acto ou ação, enquanto o “livre arbítrio” é uma faculdade.

Tal distinção é muito importante para podermos aplicar corretamente os

conceitos e contextualizá-los à luz da filosofia política e do desporto.

Então, sendo a liberdade um conceito utópico, é questionável se realmente os

homens na nossa sociedade e no desporto têm a liberdade que dizem ter. Na

aplicação no contexto ético, a liberdade é relacionada com responsabilidade,

uma vez que um indivíduo tem todo o direito de ter liberdade, desde que essa

atitude não desrespeite ninguém e não transponha valores éticos e da moral.

Numa análise filosófica e centrada numa perspetiva política (filosofia política), a

liberdade é o conjunto de direitos de cada indivíduo, seja ele considerado

isoladamente ou em grupo, perante o governo do país em que reside, sendo o

poder que qualquer cidadão tem de exercer a sua vontade dentro dos limites

da lei.

Jean Paul Sartre, um grande pensador político e filósofo, aborda o tema da

liberdade e da sua contextualização política. Na sua visão, a liberdade é a

condição de vida do ser humano, o princípio do homem é ser livre. O homem é

livre por si mesmo, independente dos fatores do mundo, das coisas que

ocorrem, ele é livre para fazer o que tiver vontade. O homem é um ser que não

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pode querer senão a sua liberdade e que reconhece também que não pode

querer senão a liberdade dos outros, daí que ninguém vive livre sozinho. Para

Sartre não existe o destino, nós construímos o nosso futuro.

É importante percebermos que a nossa liberdade depende da liberdade do

“outro”. Quando alguém lidera um Estado ou toma alguma decisão política

baseia-se seguindo um conceito de liberdade de ação que definirá e

determinará a liberdade do mais comum cidadão como elemento social.

Todas as ações que busquem a tão proclamada liberdade terão que ter na sua

génese dois pilares, ou seja, a forma como se exerce o poder, por parte do

interveniente na decisão, procedendo à demonstração de liberdade de ação e a

responsabilidade que o homem que vive nessa mesma liberdade decretada,

imposta ou definida possui para com a sua sociedade.

Temos de perceber que a liberdade acaba quando se coloca em causa a

liberdade ou dignidade do “outro”. Por tal facto nenhum ser humano

conseguirá viver em liberdade sem o “outro”, sem o respeito, responsabilidade

e solidariedade de todos os elementos constituintes do Estado, na busca

transcendente do “Estado ético” constituido pelo “homem ético” dependente da

sua espécie e defensor de valores e princípios morais que definem a sua

posição enquanto “homem político”. Existe, pois, o intuito da concretização e

implementação de uma politica do Desporto alicerçada nos valores da moral,

dos bons costumes, do caráter, dos direitos, dos deveres e da ética.

A visão e o pensamento de Jean Paul Sartre não se desfoca da tese

defendida por Santo Agostinho, dado que para ele a liberdade é o bom uso do

livre arbítrio, ou seja, a liberdade tem regras e assenta perante os valores e

padrões éticos e morais. Para cumprir a sua liberdade, o homem dependerá

da liberdade imposta ao “outro” ou pelo “outro”. Estamos perante uma relação

entre o “Eu” e o “Outro” no que concerne ao limite do ser livre, pois a ética

impõe os respetivos limites à vida humana.

Segundo Santo Agostinho a liberdade é o bom uso do livre arbítrio. Se

aplicarmos a sua fundamentação à nossa área, verificamos que o desporto

apresenta um conjunto de regras para serem cumpridas, ou seja, tem uma

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regulamentação para impor os limites ao homem desportista ou ao homem

atleta, como queiramos designar. Portanto, está assente num prisma ético

para a respetiva regulação tal como na vida nos nossos dias onde se

presencia o bem e o mal, a vitória e a derrota.

Aliás, essas mesmas regras apresentam-se de acordo com uma ética que

evidencia uma escola axiológica, isto é, os valores inerentes ao fenómeno

desportivo entendendo o desporto como um fenómeno ético, observado e

estudado na sua prática pelo homem ético que se auto constitui como homem

político por inerência e por natureza.

Neste contexto, o conceito de liberdade, como também no desporto, é utópico

tal como o Comunismo e o Nazismo, conjuntamente com a Liberdade que

pertence ao quadro das utopias que nunca se concretizaram em Ideais, algo

atingível e alcançável. O Comunismo buscava uma sociedade perfeita que

ruiu com a queda do muro de Berlim; o Nazismo tinha em mente a elevação

da Raça Ariana e do orgulho alemão e dizimou milhares e milhares de

pessoas, de judeus a comunistas, de pessoas com deficiência a doentes, e

que ruiu com a segunda guerra mundial, para o bem da humanidade.

A política é uma fonte de intervenção utilizada a cada segundo pelo homem,

tornando-o num ser político, o “homem político”, na construção de uma

sociedade cada vez mais humana e tendo por base a ética, “o homem ético”,

dado que a política é uma extensão da ética, como refere Aristóteles. Contudo,

será mais correto, dado que a ética não é normativa, referir que a política é um

plano de fundo da ética, como se se tratasse de um cenário de atuação.

A política ao ser um plano de fundo da ética terá que permitir a caminhada

triunfante para o ideal de Paideia, ou seja, a elevação humana a partir da

educação e da cultura com o intuito de alcancar a Areté, a excelência e a

virtude humana. A política e a ética são os mecanismos para que os

processos de transformação social e por inerência, do fenómeno desportivo,

se processem.

Prosseguindo o estudo que tem por base este capítulo, é crucial perceber a

génese do conceito de política. Este conceito nasceu na cidade grega de

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Atenas, ou seja, na polis (cidade ou conjunto de aldeias) e por tal facto torna o

homem para além de ativo, um ser político. Na realidade, este conceito nasceu

intimamente ligado à ideia de liberdade já aqui demonstrada e analisada, que

para o grego era a razão própria da vida.

A política é algo semelhante a uma necessidade muito importante para a vida

do homem, e na verdade, tanto para a vida do indivíduo como para a

sociedade. Como as pessoas necessitam umas das outras para a sua

existência, é necessário estabelecerem-se regras, normas e princípios

assentes em padrões éticos e morais, sem os quais não seria possível o

respetivo convívio social que fomenta o fortalecimento das múltiplas relações

sociais e humanas na busca incessante pelo renascimento humanístico.

Os antigos Gregos consideravam que a política devia organizar e regular o

convívio das pessoas diferentes e não das pessoas iguais, no sentido da sua

forma de ser e de estar na sociedade e na vida, não havendo distinção entre

política e liberdade, estando ambas associadas à capacidade das pessoas em

agir, tomar decisões, no fazer, implementar e operacionalizar em público, o

local original do político.

Atualmente, os homens não conseguem pensar da mesma maneira devido às

desilusões geradas pela política sem dignidade e sem caráter, em relação ao

mau político e à atuação do mesmo no poder, pela falta do “humano” na

decisão e na ação. Isto remete-nos para uma nova conceção de “homem

ético” para credibilizar o novo “homem político” e assim se propiciar uma nova

filosofia e uma nova política social com a incorporação no desporto, e que seja

responsável pela formação de um novo ideal humano de dignidade,

responsabilidade e de alteridade para a criação de um “Estado Ético”.

É importante que todos percebam que a política é algo primordial para a vida

humana, tanto para a vida do homem como para a vida da sociedade.

Como as pessoas dependem umas das outras na sua existência, é necessário

haver regras, normas, razões morais, e que sem as mesmas, não seria

possível o convívio e a construção social como nós na atualidade a

concebemos.

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O objetivo da política deverá ser a garantia da ética na vida, no sentido mais

amplo, e a sua tarefa será a necessidade de se relacionar diretamente com a

grande aspiração dos homens contemporâneos, ou seja, a busca da felicidade

e da dignidade, suportada pelo conceito de política, defendido por Aristóteles.

A Política poderá ser considerada como a “arte de governar”. Contudo tal

preceito só será válido se estiver assente no princípio da Governamentalidade,

no qual, o homem político do desporto incute na sua iniciativa política critérios

de competência, responsabilidade, criatividade, dignidade, humanidade, ética e

estética e de instrução e formação.

Não é fácil discutir as questões da vida política nos dias de hoje, devido à

degradação moral e à desconfiança em relação aos homens que assumem a

ação e que exercem o poder para a respetiva tomada de decisão. O homem é

um ser político, todas as suas ações são políticas e motivadas por

pensamentos, comportamentos ou atos assentes em ideologias, ou seja, no

idealismo, no algo concretizável e real na ação.

Tudo o que fazemos na vida tem consequências e somos responsáveis pelas

nossas ações e perante esta minha linha de pensamento, e tendo, também, por

base o estudo de Aristóteles, considero a política como sendo o confronto ou o

debate de ideias, ideologias, doutrinas ou teses entre os homens que vivem na

polis, um estabelecer de diálogo entre o “homem ético” e o “homem político”.

Não podemos esquecer que a construção de tal percurso sem uma base ética

não levará ao encontro da luz da sabedoria que conduza a ação moral e digna

em prol da configuração da sociedade contemporânea e do próprio homem na

sua origem.

Com o poder de fundamentação, através deste estudo, a política no sentido

social, cultural e filosófico, sobre a qual se versa nesta dissertação, terá que

compreender o “homem político” que cada um de nós representa perante um

Estado que se pretende ético, “Estado ético”, tendo por base a presença do

mesmo homem também numa dimensão ética, o “homem ético” com o

respetivo acrescento axiológico.

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Exercemos ou fazemos política quando tomamos atitudes no nosso trabalho,

quando estamos a conversar num café ou na casa de um amigo e a ver um

jogo de futebol, quando exigimos os nossos direitos de consumidor ou quando

nos indignamos ao ver que tudo o que defendemos não é atendido pelos

nossos representantes legislativos e executivos no poder público.

A política é um campo de debate e de reflexão, isto é, um espaço para a

atuação do homem na sociedade, encontrar e expor os por quês e para quês, a

causa e a finalidade da vida humana, da alma e do espírito do homem para a

sua concretização como homem ético e digno de pertencer à sua polis.

Uma determinada política evidencia-se a partir de uma filosofia de vida e de

pensamento que remeterá o homem para a aspiração da boa gestão, ou seja,

encontrar o caminho a percorrer até chegar ao “como” implementar, elaborar,

realizar e cumprir passando por um conjunto de fases intermédias na

abordagem ética e estética das coisas, com execução científica ao nível das

ciências humanas (sociologia, antropologia, pedagogia ou psicologia) bem

como do conhecimento filosófico.

O estudo e a reflexão do homem desportista na polis através da sua ação

moral e dos respetivos modelos educativos em grupo ao encontro de um Ideal

Ético tendo por base uma educação para uma orientação construtora de um

novo “Estado Ético”.

A política está sempre presente nas nossas ações, sempre que agimos

fazemos política, faz parte do ser ativo que é o “homem político” que terá que

exercer as suas ações e atitudes perante uma ética, perante limites que não

coloquem em causa a ação social e pública, pois as nossas atitudes, as nossas

condutas, que são marcantes no estudo da ética, fazem parte da nossa ação

política perante a vida.

Somos responsáveis politicamente, no sentido grego da palavra, pela luta por

uma justiça social e desportiva e por uma sociedade inclusiva, verdadeiramente

democrática, assente nos pilares humanistas da dignidade para todas as

pessoas.

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No desporto a ação política presencia-se de igual forma, a cada jogada, a cada

conversa entre jogadores ou jogador e treinador estabelecendo um sistema de

comunicação, evidenciando uma experiência estética.

No dia seguinte aos jogos onde se discute a atuação dos jogadores,

treinadores ou árbitros, os ditos treinadores de bancada, tudo numa perspetiva

de interpelações do “homem político” acerca do “homem desportista” ou do

“homem atleta”. O mesmo homem que se deverá nortear pelo discurso ético,

pois é ele que vive em sociedade e que com o desporto deverá ser um homem

completo, e portanto terá que se apresentar como o “homem ético” para a

verdadeira atuação social, digna, solidária e humana respeitando os princípios

fundamentais do bom funcionamento social perante a moral dos bons

costumes.

O desporto para além de ser um espelho social, apresentando uma dimensão

cultural, é também um meio de atuação política, através das várias

performances e dos discursos vividos e presenciados e está assente em

padrões que determinam o comportamento ético no respetivo fenómeno,

restando somente ao homem do desporto escolher o caminho a seguir, uma

vez que somos seres com capacidade de pensamento, de racionalidade e de

alcançar a Areté.

Considero o “homem do desporto” como sendo o “homem político” que para se

completar terá que se evidenciar como “homem ético” para a construção de um

“Estado Ético”.

Muitas vezes deparámo-nos com discursos contraditórios em relação ao que se

diz e ao que se faz, tanto acerca do homem em ação no desporto quando

aborda as questões centradas, por exemplo, no “doping”, no racismo, acerca

da xenofobia ou até mesmo quando é abordado numa perspetiva moral.

Percebe-se que tal discurso não vai ao encontro da ação ou mesmo perante a

análise política, onde muitas vezes temos dificuldade de encontrar um ponto de

encontro entre o que se diz e o que se faz em que não será estranho para nós

o velho ditado “não faças o que eu faço, faz o que eu te digo”.

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Esta atuação ou este contexto discursivo poderá trazer dificuldade na

interpretação de determinadas atitudes a serem analisadas perante uma escala

axiológica, uma ética inserida nos valores, uma moral político-desportiva e

político-social, pois nem sempre o homem do desporto como homem político

faz o que diz ou vice-versa.

Perante esta situação, Viana (1989) revela que o problema ético pode, ainda,

ser considerado sob um outro aspeto, ou seja, as relações entre o que se diz

ou ensina e aquilo que se faz. Assim, existem possibilidades de distinguir entre

a “Ethica docens e a Ethica Utens”, ou seja, a ética docente e a ética Utente.

Para Viana (1989) a ética docente é a filosofia moral, que se elabora como

Ideal puro, sendo a ética utente a moral realmente praticada e vivida.

Como facilmente se compreenderá, estes dois tipos diferentes de ética nunca

se conjugam, porque para além do facto do homem político do desporto ter

uma forte atuação inconsciente, no plano social, desportivo e pessoal, trata-se

de algo inatingível, conquanto ninguém alcança a perfeição.

O homem do desporto é um ser perfetível, e portanto não poderemos tão

pouco tratar a ética no sentido mais abrangente como sendo um ideal, pois se

não é alcançável significa que é utópico, o que não quererá dizer que não

poderemos caminhar na busca da perfeição, e tal caminho com o respetivo

esforço, coragem e dedicação permitirá que tal utopia se aproxime cada vez

mais do ideal ético, isto é, de algo atingível e concretizável a qualquer

momento.

De facto, com este fundamento, podemos referir que é muito difícil de se

reunirem no mesmo homem político do desporto, e nas mesmas proporções, o

pensamento moral e o sentimento moral. Para Lopes de Sá (1998) em alguns

homens predomina a tendência para fazer moral especulativa ou passiva, isto

é, o não concretizar o ato moral em si e noutros, a moral ativa, com a respetiva

operacionalização, quer seja no contexto social, desportivo ou pessoal.

Já Santo Tomás de Aquino (filosofia Tomista) distinguia entre virtudes

dianoéticas ou intelectuais e virtudes éticas e morais.

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As primeiras levavam o homem a raciocinar perfeitamente, a perspetiva de

aquele que filósofa com rigor primoroso mas não vive como pensa. Por isso, é

que se ensina mais do que se pratica e às vezes há uma grande desproporção

entre a doutrina (teoria) e a prática. Algumas pessoas aproximam-se de tal

modo pelas suas considerações, que vão até ao exagero de pretenderem para

outros uma perfeição moral inatingível, como já foi salientado.

Viana (1989) acentua que é preciso realçar que a virtude perfeita, que

degenera numa “mania da virtude”, longe de ser uma força incentivadora e

dinamizadora, é uma simples inércia podendo tiranizar o homem, ou então

como refere Kant, fazê-lo resvalar para uma espécie de “ginástica ética” ou

“dialética moral”.

Em certos casos, a meditação filosófico-moral realizada no vazio de ideias

temáticas, resvala para formas vizinhas do fanatismo improdutivo ou pela

designação da filosofia Tomista de “masoquismo fronteiriço”.

O homem mais humano do desporto será, sem dúvida, aquele que relacione o

bom pensamento ético com uma fértil ética zelosamente praticada, em suma,

aquele que basear a sua conduta numa filosofia compreensiva e honesta.

Importa jamais esquecer que o juízo ético é de sua natureza, um juízo que

apresenta duas partes, ou seja, não é apenas o acordo ou desacordo em

relação a ideias, convicções ou crenças, implica, também, e principalmente,

atitudes e condutas ajustados à doutrina ou à ideologia formulada ou enaltecida

com uma base de sustentação concreta do que nos propomos realmente a

fazer ou executar de acordo com uma norma.

Tudo terá que ser construido com esforço, sagacidade e sabedoria, tal como

Sísifo, carregando o rochedo e percorrendo montanha acima, personificando a

capacidade sagaz que o homem tem de se transcender e de ultrapassar a

capacidade humana. A capacidade de superação perante os obstáculos sem

nunca desistir e definindo os trilhos ou caminhos a seguir, a percorrer, ou seja,

o nosso destino, ou como refere Sartre, o nosso futuro.

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Como refere Marinho (2008) somos seres capacitados de pensamento, de

razão e de areté e a nobreza de um homem desportista consiste no respeito

que deve a si próprio, ao outro, à vida, ao desporto e à sociedade.

Jornada de Sísifo

Sísifo foi por deus condenado

A levar uma pedra assaz tamanha

Por um serro, só sendo perdoado

Quando alcançasse o cimo da montanha.

Mas foi ignoto e bem terrível fado

Foi sempre inútil toda a sua sanha.

Mil vezes veio atrás extenuado

E retomou em vão essa campanha.

Sísifo não é mito legendário

Sísifos somos neste mundo vário,

Mas vasto de amargura desmedida.

Todos temos um sonho irrealizado.

Todos temos um fim inalcançado.

A jornada de Sísifo é a vida

Francisco Ventura

Baseando-me na fundamentação teórica da obra de Marinho (2008), “ Em

defesa do desporto de alto rendimento. Uma visão a partir da Gestão (pessoal)

desportiva”, tudo isto significa a capacidade que o homem político do desporto

tem de se superar e de se transcender, ir além da sua ascendência, ultrapassar

a condição humana, o seu próprio destino. Sísifo é mais forte que o seu

rochedo, é superior ao seu destino.

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A vida é um constante empurrar do rochedo em direção à constelação estrelar

e nesse sentido Marinho (2008) afirma que o recomeço é constante, a

exigência está patente, lágrimas no rosto criando rugas na pele e na alma. No

entanto, acrescenta na sua obra, que é a procura de um significado, de uma

resposta, de um suspiro que faz o homem continuar a percorrer as difíceis

encostas da verdade.

O ato de iniciar uma tarefa delegada requer uma análise aperfeiçoada, na

realidade, sempre que tal feito acontece, a referida autora menciona que o

Homem não é o mesmo, a pedra não é a mesma, a encosta não é a mesma, a

montanha não é a mesma, o objetivo não é o mesmo, só a ideia permanece.

Sísifo espelha a permanente luta pela perfeição e o facto de o rochedo nunca

alcançar o cimo da montanha, revela a tentativa sagaz do Homem na

persecução do desejo que visa atingir.

É muito duro e penoso, é sofrido, mas o destino ou o futuro, é mesmo assim,

obscuro e contudo sempre atento à mais ínfima oportunidade em auxiliar o

Homem político do desporto na busca da verdade e da linha perdida do

horizonte, transformando as Utopias em Ideais. No verdadeiro sentido, e como

refere Marinho (2008), o empurrar eterno do rochedo personifica o permanente

recomeçar de uma qualquer tarefa, seja ela física ou espiritual, em suma,

verdadeiramente humana.

O Desporto pela sua natureza pode ser caraterizado como um campo de

realização de utopias. Em boa verdade, o homem político através do fenómeno

desportivo, autorrealiza-se, transforma-se no verdadeiro “homem desportista”

ou “homem atleta”, e a capacidade de ir para além da sua ascendência só será

possível na íntegra com um acrescento axiológico, ou seja, subjugado a uma

ordem de valores e perante um conceito ético e moral, que conjuntamente com

o seu sentido cultural, distingue o Desporto de uma simples e mera atividade

física.

A presença do “homem político” como homem ético no homem desportista

enaltece a forma de viver, dado que a vida é um constante empurrar do

rochedo em direção às estrelas, pelo que o homem político será um eterno

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Sísifo na vida, o recomeço será constante, a exigência estará patente a cada

momento ou a cada instante, são as ditas lágrimas transbordadas,

denunciando a dureza e amargura do transpirar do corpo e da alma.

Contudo, é a procura de um significado, de uma resposta, de uma atitude ou de

uma concretização que faz o homem político continuar a percorrer as difíceis

encostas da construção de uma nova sociedade assente em diferentes valores.

Como refere Patrício, realmente o homem é uma escultura a ser trabalhada

mas também é a pedra dessa escultura, a ferramenta da escultura e o escultor

da mesma escultura. No desporto é igual. O homem atleta enquanto homem

político terá que lutar dia a dia para vencer, de se esforçar cada vez mais no

trabalho, tendo paciência com o seu próprio corpo, educando o seu corpo,

treinando cada vez mais, no sentido de alcançar o objetivo final com dignidade,

com o intuito de se completar para a transcendência humana.

O homem do desporto que para além de ser um animal político é um ser ativo

tenta sempre vencer e ser superior, mas como em tudo na vida, nem sempre

se ganha e aprende-se a adquirir a noção e o sentido da humildade na derrota.

O homem político do desporto necessita urgentemente da derrota para ser

melhor a cada dia que passa e orientar o seu pensamento e a sua atuação

para a superação. Depois de uma montanha há outra para subir com o fardo às

costas, o rochedo que personaliza as dificuldades, os obstáculos do homem na

concretização de um objetivo. Há que encarar com nobreza e dignidade cada

dificuldade e cada angústia pois trata-se da mais bela escola da vida. O

desporto ensina o homem político a ser correto, perspicaz, ousado, humilde,

digno e melhor a cada dia, a cada montanha que subir.

O desporto é uma verdadeira escola de vida. Abrem-se das trevas novos

caminhos, treina-se mais, mais e mais com o intuito de ser o melhor e se assim

se continuar, alcançar muitos ensinamentos, muitas vitórias, as quais

apresentam várias formas e sentidos. O desporto tem um objetivo que é a

superação, nem que seja melhor do que ontem, já é uma vitória, já são mais

meia dúzia de passos na subida da montanha rumo à Areté e à Imortalidade.

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A cultura que trabalha em prol do desporto e da educação onde o homem

procura a excelência, a honra, a coragem, a superação, o sacrifício. O

desporto não “vive” sem estes valores, pois como salienta Garcia o desporto

tem o valor que possui porque mantém vivos estes mesmos valores da

essência humana, onde temos que revitalizar o símbolo da Areté pois vivemos

numa sociedade do mínimo esforço.

Fundamentando na ótica de Garcia o homem político como homem do

desporto deverá pretender a dignidade e justiça (ser justo e aceitar a vitória e

a derrota), o ilimitado (buscar o limite, se é que há limite), a transcendência (ir

além da nossa ascendência, ser considerado como Deus), o reconhecimento

(há atletas que vivem por uma medalha, a transcendência), o conhecimento de

si próprio (quando as pernas não andam ou quando a nossa mente não

acompanha, estamos a conhecer o nosso corpo, o esforço para fazer melhor

para atingir o ilimitado, a superação).

No entanto, Marinho (2008) menciona que o desporto sofre desilusões

sentindo-se traído imensas vezes por falsos heróis e manchas sombrias que

põe em causa o ideal de Pierre de Coubertin, demonstrado na sua Ode

Olímpica, conforme texto retirado da obra da autora:

“ Ó desporto, tu és progresso! Para bem te servir, é necessário que o Homem

se aperfeiçoe, no corpo e na alma. E tu impõe-lhes o cumprimento duma

higiene superior e o afastamento de todo o excesso. Ensinas-lhe as regras

sensatas que hão de permitir no seu esforço o máximo de intensidade, sem

comprometer o equilíbrio da saúde”.

É necessário compreender o sentido da vida e das coisas que nos rodeiam

onde o verdadeiro mestre do “homem político” não poderá, em caso algum,

permitir que o seu aluno quebre as regras do respeito, dos bons costumes, da

ética e da moral, optando por caminhos pouco éticos na caminhada para a

realização dos objetivos.

Como sustentáculo do que foi referido, Marinho (2008) fundamenta que não se

poderá tolerar a alteração da mensagem e o uso inadequado da virtude e da

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fama pois tudo na vida se pode comparar à beleza das suas atitudes de acordo

com uma norma estética, assim como à monstruosidade, revelado no

“Realismo de Maquiavel”.

Em jeito de conclusão, considero fulcral abordar a componente do homem

político como homem legislador dado que o mesmo é considerado um animal

político que vive e legisla para a polis. Por tal ponto, é de extrema relevância

relacionar, mesmo que de uma forma sintetizada, a ética e o direito no estudo

da filosofia política do desporto.

Para se compreender a razão ética e moral no campo social e político torna-se

indispensável perceber e analisar a moral na sua relação com o direito, uma

vez que o homem enquanto ser político atua como um verdadeiro “homem

legislador”.

Segundo Viana (1989) o conhecimento filosófico mais antigo pretendia

enquadrar a vida humana num princípio ético universal, onde os próprios

juristas romanos faziam, por vezes, figurar o viver honestamente entre os

princípios do direito. O legislador que é o homem político, que vive na polis,

tem que ser um homem ético para a constituição do seu Estado, derrubando a

vergonha do manto branco da miopia intelectual e as sombras obscuras de

atuação, tornando-se digno de pertencer à humanidade.

Ninguém aceita, por norma ou em princípio, que o direito possa ser imoral, pelo

contrário, verifica-se que deve haver perfeita harmonia e acordo entre os

princípios morais e as normas jurídicas. O homem ético que legisla na polis e

para a polis é o mesmo homem político do desporto e que o regula quando

considera haver necessidade para tal.

Então Viana (1989) fundamenta que quando a moral decai, e os povos

degeneram eticamente, estando o desporto sujeito a tal decadência atendendo

à harmonização que este possui socialmente, logo o direito acorre a

transformar, em normas jurídicas com sanções materiais, os princípios éticos e

morais, enfraquecidos pelo desuso.

Cogliolo (1915) a este respeito esclarece que a separação completa entre o

direito e a moral não quer dizer que o primeiro não deva garantir a segunda. É

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antes supremo interesse do Estado cuidar o quanto possível da moralidade

externa (não da interna) do povo e disso é claríssimo exemplo a nulidade dos

contratos bonos mores (contra os bons costumes). É sabido que as boas leis

não podem fazer bem sem uma boa moralidade, e quanto mais afortunado e

grande é um povo, tanto mais corroborado pelo dever moral é o direito na

consciência de cada um e tanto mais existe o sentimento popular de querer

justiça e lutar pelo seu triunfo.

Podemos referir que quando as sociedades atingem um elevado nível de

desenvolvimento civilizado e uma boa consciência ética, os princípios morais

impõem-se, com plena superioridade, aos atos individuais mais intrínsecos e

até ao próprio pensamento.

Há, portanto, uma estreita ligação ou correlação entre a ética e o direito, e

sempre que a moral de um povo decai, tem o legislador, enquanto homem

político e legislador do desporto, de acorrer, imediatamente, a consolidar a

moral, transformando os deveres éticos em obrigações jurídicas, e as

proibições éticas em proibições jurídicas.

Isto explica-se desde há muito tempo, se considerarmos a visão de Le Bon

(1905) que sustenta que, o nível moral de um povo, ou seja, a forma como ele

respeita certas regras de conduta marca o seu lugar na escala da civilização, e

também o seu poder, a partir do momento em que a moral se desagrega e

todos os laços do edifício social se desagregam igualmente.

Relacionando-se com o pensamento de Le Bon (1905), Viana (1989) afirma e

acrescenta que esta desagregação moral pode manifestar-se sob forma

dissimulada e hipócrita, isto é, fingindo acatar a moral, mas desrespeitando-a

de facto, ou então sob a forma ostensiva e cínica, suscitável de desorientar as

consciências hesitantes ou os temperamentos perturbáveis e de provocar o

escândalo público ou de perturbar a própria ordem e estabilidade sociais.

Analisando estes autores, podemos, portanto, interiorizar alguns pontos, e

desde já, algumas situações e conceitos que são importantes termos em linha

de crítica para este tema da dissertação, pois o homem ético que vive, faz e vê

desporto na polis, na situação de “homem político legislador” é responsável

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pela sua posição social e pelo bem-estar das múltiplas relações humanas que

se estabelecem no Estado, incluindo na prática desportiva.

Não é a excessiva austeridade ou a rigidez das leis que melhor contribuem

para a moralidade da vida social. As leis mais eficazes são as leis praticáveis e

sensatas, justas e honestas, desde que se façam cumprir.

Na base deste pensamento, importa evidenciar a lição de São Tomás de

Aquino:

“ As leis humanas, sendo elaboradas para a generalidade dos homens, cuja

maioria é imperfeita, não devem proibir todos os vícios, mas apenas os mais

graves, aqueles cuja proibição é necessária à conservação da sociedade”

Através da lição de São Tomás de Aquino sob o ponto de vista político-social,

importa que haja harmonia entre a ética e o direito, porque a ética implica

harmonização dos sentimentos com o critério do bem, e o direito implica a

harmonização dos interesses humanos com o critério do justo, e assim

complementam-se mutuamente e a conformidade da lei com a moral facilita a

missão dos governantes, dos gestores e dos políticos da área do desporto.

O direito não pode desinteressar-se da ética, até porque o homem político, de

moralidade baixa, medíocre ou inferior tende a tomar por guia da sua conduta

muito mais o direito do que a moral, pois nos dias de hoje o que se presencia é

o direito a representar, para o homem, o que é permitido e o que é proibido e a

ideia de moral é absorvida ou apagada, a bem dizer, em face do direito.

Cogliolo (1915) apontou na sua obra “ Filosofia do direito privado” que a ética,

pressupondo o uso da liberdade moral e psíquica, não pode ser igualmente

sentida e praticada por todos os homens.

A ética marca um objetivo difícil de atingir, que nem todos os homens sentem

ou compreendem. Porém, a qualidade essencial de uma lei não é de agradar a

todos ou mesmo, apenas, à maioria, mas sim ser apta, como admite São

Tomás de Aquino, a assegurar o bem da sociedade. Evidentemente que há

homens na política do desporto medíocres na sua moralidade e que não

atingem esta verdade elementar.

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Esse homem do desporto não compreende que para ser beneficiário da paz e

da harmonia social é necessário que todos respeitem a lei, obedeçam à ordem,

observem a hierarquia. Para essas pessoas, mais do que para quaisquer

outras, torna-se indispensável a existência de uma lei explícita, formal e

garantida por sanções materiais, e seguindo a ideia de São Tomas de Aquino:

“ Uma lei humana positiva, mais necessária ainda, porque só ela pode servir de

base sólida para uma ação coerciva sobre os que procedem contra o bem da

sociedade ou dos outros homens. Essa lei é a lei civil que se funda na lei

natural, e é, como disse, em parte, a explicação das suas prescrições, a

determinação do que ela deixa indeterminado, a lei civil deverá promover o

bem comum”.

O jurista, como homem político e legislador, deve, pois, ser um homem

honesto, honrado e consciencioso, que tenha noção ética das suas

responsabilidades, pelo que o conteúdo e a substância das leis devem

corresponder às necessidades da vida social, disciplinada e honesta. O mesmo

princípio de fundamentação aplica-se ao desporto.

Isto levou Cogliolo (1915) a afirmar, que saber as necessidades de um povo

em cada momento, da sua vida, é obra de um grande regedor da coisa pública,

e as leis não devem inspirar-se em abstrações teóricas, mas surgir de uma

necessidade, e, satisfazendo-a, trazer uma utilidade.

Esta interpretação é de uma utilidade pertinente para se compreender a gestão

e a política desportiva e permitir o seu desenvolvimento quer do ponto de vista

cívico e regulamentar, quer no âmbito político e económico. No desporto

assentam normas e regras, que vão desde as regulamentares das respetivas

modalidades na vertente prática até às transações económico-financeiras que

se fazem.

Se tais princípios, meios ou fins éticos e normas jurídicas assentes nos

alicerces morais forem bem introduzidos e pensados poderão aperfeiçoar

muitíssimo o desporto.

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Por outro lado, se forem mal inseridos e com pouco alcance estrutural, a

utilidade será praticamente insignificante, devido à sua aplicação conforme com

um pensamento individualista e não de acordo com uma necessidade coletiva.

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3. A Etimologia de Ética

O capítulo que se apresenta tem por base fundamentar a origem da palavra

“ética”, bem como distinguir ética de moral, e não somenos relevante

apresentar noções do significado de felicidade como objetivo político.

Etimologia é o estudo da origem da palavra, nesta caso da palavra ética. A

palavra ética é de origem grega, proveniente do vocábulo êthos, que por sua

vez, deriva de éthos.

Será desde já importantíssimo definir o significado ou significados deste étimo

e tendo por base a análise bibliográfica, verifica-se que como em todas as

palavras, também a palavra “ética” foi evoluindo ao longo dos tempos e nem

sempre teve o mesmo significado.

Num primeiro momento, atendendo à ordem cronológica, a palavra “ética”

correspondia a “residência, morada, lugar onde se habitava”, primeiramente

onde habitavam os animais e numa fase posterior da mesma ordem

cronológica passou, também, a referir-se à morada dos homens e dos povos.

Num segundo momento passou-se a enunciar a palavra “ética” num contexto

um pouco diferente. Ética representava tudo aquilo que o homem trazia dentro

de si, ou seja, a sua atitude psíquica em relação a si próprio e ao mundo, tendo

evoluído, portanto, para comportamento, atitude moral ou estado de espírito.

Finalmente, e a partir de Aristóteles, a ética é integrada na filosofia, como nós a

conhecemos na atualidade (enquanto ramo da filosofia), sendo o seu

significado presente para os filósofos, embora sempre com algumas variantes

ou limitações, caracterizado como modo de ser, caráter.

Zubíri (1974) salienta que o vocábulo “êthos” apresenta um sentido muito mais

amplo e abrangente do que aquele que atribuímos, hoje, á palavra “ética”.

Menciona que o “ético” compreende antes de tudo, as disposições do homem

na vida, o seu caráter, os seus costumes e, naturalmente, também a sua moral.

Na realidade, poderia traduzir-se pelo modo ou forma de vida, no sentido

profundo da palavra.

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O caráter que aparece implícito no êthos é o obtido mediante o hábito, seja ele

qual for. Portanto, verifica-se um encadeamento que vai dos hábitos até aos

atos que derivam dos mesmos.

De acordo com Viana (1989), o objeto da ética não se relaciona com os atos

irresponsáveis do homem, mas sim com os atos livres e conscientes, pois só

estes são atos humanos.

Embora a maior parte das pessoas utilize os vocábulos ética e moral para o

mesmo fim e como sinónimos, torna-se imprescindível clarificar que há

divergência no que concerne à génese dos mesmos, ou seja, o vocábulo moral

tem como origem o latim “mores”, tendo os romanos tentado uma tradução

apropriada para ética embora “esquecendo-se” do sentido êthos. A génese da

ética é grega, gerada para sustentar uma ação genuinamente humana (êthos)

e também uma outra vertente, a do éthos subordinada às questões dos

hábitos, costumes, usos e regras, isto é, tudo o que se pode materializar na

apropriação social dos valores.

Há, portanto, diferença entre os dois vocábulos ética e moral, donde podemos

definir à partida, como se vem referindo que ética não é apenas um problema

de costumes, é mais alguma coisa, pois pressupõe três elementos

fundamentais da filosofia aristotélica, tais como, Eupraxia (boa conduta),

Eudaimonia (felicidade) e Makariotês (beatitude). Os próprios romanos

definiam a ética como a filosofia que trata da vida e dos costumes, ou seja,

integrava estes dois pontos de intervenção.

Bento (1998) no seu livro “ Desporto e Humanismo” também distingue e separa

ética de moral, de uma forma clara e à luz da abordagem científica e filosófica.

Para Bento (1998, p.61) e aplicando ao tema do desporto designa-se ética ao

espaço de reflexão e estudo quem tem como objeto “ o teor moral dos atos

desportivos”. Para o referido autor, a ética do desporto é a teoria da moralidade

da prática desportiva ou da prática moral do desporto. A sua tarefa é a de “

refletir sobre o desporto como um lugar de moralidade no contexto da vida

social, política e cultural”.

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A moral, por sua vez, apresenta-se em três categorias: como tradição moral,

como moral viva e como moral teórica ou teoria moral. Bento (1998) explica

que a tradição moral recorda a moral aclamada no passado, sendo válida e

atual até ao momento de conflito com imposições e interesses do presente. A

moral viva incute e nasce do comportamento atual.

Para o referido autor não é uma criação do livre arbítrio porque se baseia em

experiências e convicções pessoais e forma-se de atos espontâneos

integrando a receção do que é necessário e útil à luz do espírito do tempo, ou

seja, “ sob uma forte influência de fatores sociais e económicos e políticos”

Bento (1998, p.62)

Ainda Bento (1998,p.62) na obra “Desporto e Humanismo” refere que a moral

teórica referencia um sistema de normas e princípios ancorados “ numa ética

descritiva e normativa, destinada a balizar a atuação individual”. Porém, bem

raras vezes, ela se converte na moral viva e observada por toda a sociedade e

por isso ela cumpre apenas “ a função de utopia ou ideologia”.

O caráter adquire-se vivendo, embora a vida dependa da própria

personalidade, da forma de ser, estar e pensar de cada um de nós, e nesta

perspetiva, o pensamento de Fichte (1794), que posteriormente vários autores

seguiram, enquadra-se na perfeição, pois a classe de filosofia que se escolhe

depende da classe de homem que se é.

Viana (1989) alude que a ética implicará uma contínua evolução e

aprendizagem, à medida que se adquirem novas vivências e novas noções

morais e por isso, os princípios éticos serão, logicamente, princípios dos

costumes e da virtude e não apenas dos costumes.

O homem não é o ser inacabado nem perfeito e portanto, tratando-se de um

ser perfectível, isto é, que se encontra em constante aperfeiçoamento, resulta

que a ética também o será, “a perfeição ética há de realizar-se no tempo e com

tempo” como afirma Aranguren (1958, p. 62).

Os nossos projetos são elaborados no tempo, a perfeição é qualitativamente

diferente no decurso dos anos, a “experiência da vida” é experiência do tempo

vivido, por tal, há que dar tempo ao tempo, saber esperar, aproveitar a

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verificação de todas as condições, a realização de todas as possibilidades

previamente necessárias.

Para Lopes de Sá (1998) o sentido dado à ética tem sido o da ciência da

conduta humana perante o ser e seus semelhantes em que analisa o homem

virtuoso na conduta e a razão do ser.

Neste caso, e “lendo” o pensamento do autor há uma análise diferente,

integrando o estudo do comportamento humano, no individual e no grupo, e daí

a necessidade da ligação científica no sentido da compreensão dos problemas

e fenómenos sociais inerentes a tais atitudes e comportamentos, o que ditará a

atuação no terreno de uma linha orientadora no plano pedagógico, na

elaboração de uma teoria política, para a correta intervenção no âmbito da

dimensão politico-desportiva.

O homem de corpo e alma, não é um ser imperfectível, daí necessita de ser

reconstruido ao longo do tempo, pelo que tal horizonte é de extrema

importância para a reflexão do homem situado no tempo e no espaço. O

homem que faz desporto e que vê o desporto, as suas virtudes e inquietações

e que seja tratado à luz da reflexão filosófica do estudo da alma, inserida numa

componente científica no plano antropológico, da origem do homem, e

sociológico na sua relação em grupo como elemento convivente e constituinte

da polis.

Exige-se perceber os “por quês” e os “para quês” do desentendimento e do

desacerto axiológico e moral na política do desporto. A ética, enquanto ramo da

filosofia, impõe ao homem uma reflexão e ponderação da sua vida e da sua

alma, pois o filósofo está sempre consciente de ter uma alma, o homem em

quem o espírito e a alma predominam.

Aristóteles, na obra “ Ética a Nicómaco”, refere que entre a filosofia e a alma

existe uma relação natural, desconhecendo a filosofia, desconhece-se a alma,

é viver sem alma.

Contudo, o homem busca o pensamento filosoficamente puro e enquanto ser

integrado e situado projeta no plano da vida e define o “como” implementar, a

partir da mesma reflexão do homem ético no desporto, na comunhão do

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conhecimento sociológico, antropológico, psicológico, pedagógico e político, ou

seja, completado pelas ciências humanas.

Não podemos permitir que se dissocie a ética da explicação política, como não

poderá existir política sem a ética, embora na contemporaneidade o inverso

aconteça. Aristóteles considera a política como uma extensão, ou mais

corretamente, um plano de fundo da ética e neste sentido, para ele, também é

uma função do Estado criar condições para o cidadão ser feliz.

Para percebermos o conceito e todo o enredo político que está associado ao

homem ético do desporto, necessitamos de procurar o verdadeiro pensamento

filosófico, muitas vezes contemplado na alma de Sócrates, como guia das

almas, pois a política tendo como objetivo a busca incessante da felicidade,

reivindica a reflexão da vida humana pela ação que a filosofia exerce na alma.

Não podemos conceber uma explicação política sem estar acomodada à

filosofia, dado que a mesma intervém na vida, impõe uma finalidade que para

Aristóteles, assenta na virtude humana.

Como também se torna imperativo uma associação da política na filosofia pois

o filósofo é aquele que interpreta a alma, que lhe anuncia o seu destino, e que

ao mesmo tempo, age sobre ela, conduzindo-a à imortalidade e por isso, tal

intuito é contemplado perante os parâmetros de decisão política.

Por sua vez, a alma fornece ao homem político os materiais da sua construção,

da génese axiológica, ética e moral, com base na sua consciência, conduta,

tendência, bondade e até mesmo relativamente à boa vontade suplicada por

Kant. Ao mesmo tempo o homem político do desporto tem que conviver com

almas de diferentes ordens na enorme diversidade patenteada na Polis.

Tais processos e dinâmicas são de extrema relevância na definição e

classificação de política, para contextualização na gestão do desporto, pois é

um caminho filosófico de reflexão da vida e do homem, com vista à ação

humana. Por tal, é compreendido como um fenómeno territorial de sequências

verdadeiramente humanas como a virtude e a bondade ascendidas a uma

dimensão social e cultural em face às intenções e atuações relativas à própria

pessoa ou à sociedade em que se insere, isto é, na polis.

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A política, como plano de fundo da ética, que tem como objetivo a busca da

felicidade do homem apresenta um campo ou raio de ação na ciência

permitindo a comunhão de conhecimentos ou saberes. É uma estrutura que

apresenta como fio condutor da sua construção uma dimensão sociológica,

antropológica e pedagógica, e que se inicia na filosofia como reflexão do

homem na vida, na sua máxima extensão.

O homem de corpo e alma e como produtor e produto de cultura para definição

de uma determinada orientação prática ao nível da gestão e da administração

no seio da polis, dado que o homem é um ser que vive em grupo, o “homem

convivente”.

Por tal prisma, a política, para além de ser uma ciência, é sobretudo um campo

de reflexão filosófico, dado que trata da vida do homem e do objetivo da vida

humana, da dignidade e do humanismo, encontrando um envolvimento

tipicamente contemporâneo que se mune de um pensamento e de um

conhecimento multidisciplinar.

Envolve, pois, a sabedoria ética e moral da aprovação ou da desaprovação da

ação dos homens e a consideração do conceito de valor como equivalente de

uma avaliação do que é real e voluntarioso no campo das ações da virtude e

da bondade, tendo como objetivo fazer feliz o homem do desporto que vive na

polis.

Nesta fundamentação podemos definir o conceito de felicidade segundo várias

linhas filosóficas, tais como, John Locke, que referiu que a felicidade é um

“prazer duradouro”. Kant, através da sua obra “ Critica da razão prática” definiu

a felicidade como “a condição do ser racional no mundo”, para quem, ao longo

da vida, tudo acontece de acordo com o seu desejo e vontade.

Platão, discípulo de Sócrates, considerava que todas as coisas tinham uma

função, assim como a função do olho é ver, do ouvido, ouvir, a função da alma

é ser justa e virtuosa, e exercendo a justiça e a virtude o homem alcançará a

felicidade. Indo ao encontro do seu mestre, Sócrates, e de Aristóteles que

consideravam a respetiva virtude como objetivo político e como conceção da

felicidade humana.

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Então, e segundo a filosofia Grega, o conceito de felicidade é entendido como

o momento, o instante, o tempo em que o homem assim espera que jamais

acabe, um momento que o homem desejaria a eternidade, um momento que o

homem gostaria que durasse mais tempo.

Pretende-se, para o bem do homem, que esse estado corresponda ao

momento da criação das condições humanas e dignas para que o homem ético

do desporto consiga salvaguardar e exponenciar as suas características no

plano individual, em que o Estado Ético e também na vertente social conceba e

consubstancie as condições e oportunidades no exercício político.

O homem político do desporto como homem desportista necessita de exercer

com amor, paixão e dedicação o que lhe faz sentir feliz. Há que garantir e

permitir a execução do que se mais ama e estar o mais tempo possível naquilo

que se gosta e que se quer. Assim será muito mais fácil estar na vida, pois será

muito bom viver, não se quererá que a vida acabe e é nesta perspetiva que se

tem que desenvolver o homem ético no desporto que vive na polis, pois é esta

a ilustração da filosofia política do desporto.

A ética encara a virtude como prática do bem, e esta promove a felicidade do

homem, quer individualmente, quer coletivamente, mas também avalia os

desempenhos humanos em relação às normas comportamentais pertinentes.

A felicidade do homem deverá nortear a base de atuação do homem político,

pois a felicidade é a grande aspiração dos homens e o objetivo da política bem

como a garantia da ética e da moral na vida do homem contemporâneo

incorporado na polis, na busca dessa mesma felicidade e dignidade. A política

tem como princípio fundamental a busca da felicidade do homem desportista,

daí o homem desportista encarnar na pele de homem político.

Aristóteles na obra “ A Política”. (Livro IV, p.273) afirmou que “para o homem

não existe maior felicidade que a virtude e a razão” e situou tal pensamento no

sentido de que a prática do bem, que decorre do exercício da virtude, é a

felicidade e que ela deve ser praticada como ideal e de uma forma consciente

por parte do homem, ou seja, auto consciente, e parafraseando o conceito de

felicidade, significa que o homem para ser feliz terá que ser virtuoso e justo o

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mais tempo possível da sua vida, exercendo a razão de ser na vida com total

amor e paixão.

Contudo, algo leva o homem político do desporto a atuar de uma forma

diferente da sua natural “felicidade”, cujos motivos estão relacionados com a

complexidade do cérebro humano, que lhe sufoca a alma e o espírito, o seu

“ego” ou o seu “Eu”, perante um determinado momento da vida, dependendo

da consciência, da conduta e da tendência ética bem como de uma educação e

orientação tendo em vista um Ideal Ético na construção de um Estado social e

ético.

Urge, então, uma educação e orientação delineada numa perspetiva ética,

consagrando um Ideal Ético que vise moldar e colocar o homem ético da

política do desporto na devida condição humana em plena dignidade.

É neste cruzamento de conceitos que o homem político do desporto tem que

atuar, estudando e compreendo os por quês e os para quês do homem ético do

desporto, por vezes sair da linha natural da felicidade de vida defendida por

Aristóteles enquanto ser virtuoso e bondoso, concretizada perante a ética e a

moral.

Pois se a felicidade para o homem, segundo Aristóteles e Sócrates, são a sua

virtude e justiça, deveria, segundo este pensamento filosófico, de querer estar

sempre nesse estado de alma e de espírito, o que não acontece. É nesse

sentido que necessitamos procurar as respostas e a reflexão que nos alimente

de esperança de um dia conseguirmos, para uma gestão e uma política do

desporto plena de dignidade.

Tal fundamentação insere-se no caminho da afirmação de Aristóteles, quando

escreve que a felicidade é indiferentemente concebida pelo leigo e pelo sábio e

que o bem é o que se relaciona com o espírito e com a mente, mas não apenas

concebido, senão praticado, através da atividade virtuosa.

Ao afirmar em “A Política” (Livro IV, p.313) “ pelos atos que praticamos nas

nossas relações com os homens nos tornamos justos ou injustos” e que “ é

preciso ponderar, pois, pela qualidade dos atos que praticamos, verificando a

sua desconformidade se pode apreciar a diferença de carateres”, Aristóteles

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deixa claro que mesmo as situações ideais não alcançam todo o valor se não

se materializarem pela conduta virtuosa, o homem ético como ser virtuoso e

inscrito na Areté.

Mas a análise do tema da conduta e da virtude humana será ponto de encontro

num outro capítulo desta dissertação, capítulo V – Conduta, Virtude e

Consciência Ética.

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4. O Homem Ético e Político do Desporto

Neste capítulo, de uma forma apelativa, tentar-se-á perceber quem é o homem

ético e político do desporto recorrendo ao estudo do conhecimento filosófico e

ético enquanto ramo do mesmo saber.

Bernard Jeu, um desportista e filósofo, referiu que quer o desporto quer a

filosofia tratam das mesmas questões fundamentais para a vida humana e

portanto é possível fazer uma reflexão filosófica do desporto tendo na sua

génese o homem. O desporto é uma imagem da vida, a filosofia aborda as

questões sobre a vida. O desporto é uma imagem do homem e a filosofia apela

a uma reflexão do homem de corpo e alma.

O desporto pode ser o ponto de partida para colocarmos o homem integrado na

cultura atual, onde com a sua teatralização dos seus rituais concilia a morte

com a imortalidade. Um caso concreto de tal comprovação e linha de

pensamento aplica-se a Ayrton Senna que morreu em pista após um grande

embate, contra um muro de proteção, em plena prova do Grande Prémio de

Imola de Fórmula 1. Um grande campeão que ficará para sempre imortal, ou

seja, no pensamento de todos nós.

O desporto, como na política, também é um sistema de comunicação, através

dos jornais, das rádios, da televisão, dos adversários, onde vemos que o

homem que não comunica está morto. O homem que não interage, no desporto

e na política, está morto, e esta é uma das grandes lições a ser introduzidas na

gestão e política desportiva.

A este respeito, Bento (1998, p.62) menciona que é inquestionável que a

televisão desempenha um papel relevante no fomento do desporto e na

promoção do valor da sua prática. Não apenas no que diz respeito à veiculação

de imagens e informações sobre a realização dos eventos desportivos, sobre a

sua preparação, decurso e resultados, mas essencialmente por ajudar na

formação de atitudes e motivos e por permitir visualizar e desfrutar, em toda a

sua extensão, “as componentes estéticas do desporto, fazendo dele a oitava

arte”.

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Costa (1990) no seu estudo “Repensar a questão ética à luz do fenómeno

desportivo moderno” refere que Mircea Eliade (1945), no mesmo âmbito desta

investigação, colocou os valores da cultura humana e da mitologia e chegou à

conclusão que o desporto ajuda o homem desportista a criar a sua própria

imagem, e o homem que joga é uma espécie de metaforização do homem

religioso “Homo Religiosus”.

Apelando ao estudo antropológico, isto é, à análise da génese humana, Garcia

apresenta uma perspetiva de extrema relevância para este estudo, dado que

afirma que o homem tem um projeto de futuro apresentando a capacidade de

prever esse mesmo futuro e de projetar o que pretende que aconteça, ou seja,

por esta análise pode-se considerar a conceção de homem como sendo o”

homem Projeto de futuro”.

Huizinga, na sua obra “homo Ludens” (homem lúdico), referiu que o homem é

um ser que joga, sendo o jogo um elemento de cultura. O jogo está na génese

do pensamento, da descoberta de si mesmo, da possibilidade de experimentar,

de criar e transformar o mundo, onde se encontra patente o referido “lúdico”.

Na referida obra, a ideia do jogo era o ponto central para a civilização, o jogo

enquadra-se numa categoria absolutamente primária da vida, tão essencial

quanto o raciocínio do “homo sapiens” e da fabricação de objetos do “homo

faber”.

Mas o que importa mesmo, e tema deste capítulo, é referir quem será o homem

político do desporto e quem é o homem, no sentido filosófico, e de acordo com

o estudo político da ética.

A esta angústia pela busca do conhecimento responde Fulliquet (1945)

considerando que o homem é uma liberdade regulada, um livre poder

submetido a uma lei.

Na verdade, aquele que se afasta sistematicamente do plano ético, aquele que

ignora ou procura desconhecer a lei moral, perde a sua humanidade, porque

um homem desmoralizado é um ser alheio a si mesmo, que está fora da sua

essencial autenticidade e que, por isso, não vive a sua vida, não cria, nem

frutifica, nem domina o seu destino.

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Sem uma consciência idónea e sem uma perfeita integração na moral, não há

verdadeira humanidade, o homem, no entender de Aranguren (1958, p.63)

“pode dispensar-se de fazer metafisica, mas quer queiram, quer não, e por

muito imoral que seja o seu comportamento, é sempre um ser moral”.

O homem é ou deverá ser uma consequência com um contínuo louvor e em

contínua luta com as suas fraquezas e insuficiências, pois como refere Manso

(1938) o homem nasce na consciência, cresce com ela, é corpo e alma com

ela, faz-se espírito, sacrifício, humildade, heroísmo e santidade, graças à

fidelidade com que a serve e à submissão com que a venera. Na obra do

escritor ou do artista, na meditação do filósofo, na visão rescendente do

místico, no sentido da honra e do dever, no amor e na amizade, ele confessa a

sua presença e mais do que isso, a sua inspiração.

Quando não comanda o seu comportamento, quando este não tem unidade e

consistência, verifica-se, no homem ético do desporto, um processo

desagregador de desumanização porque a conduta pressupõe uma filosofia da

vida, em suma, uma ética.

Fora do contexto moral, o ser humano limita-se a ser o que é, e só a ética

poderá transformar o homem naquilo que deverá ser, através da aplicação dos

seus limites. De uma situação estática e imobilizadora, poderá levá-lo para uma

vida de louvor e adoração com uma contínua busca pela perfeição e Areté.

Viana (1989) refere que a virtude não é uma atitude meramente passiva ou

negativa, como, por vezes, se julgou, dado que quem se limita a aceitar ou

suportar o dever, está longe de ser um homem ético no desporto, é preciso

procurá-lo insistente e corajosamente.

Colocar acima do dever as suas paixões ou interesses sem significado de ser,

é animalizar-se, pois o homem que se deixa conduzir pelo simples egoísmo

perde, progressivamente, a sua condição humana, para se tornar num

instrumento passivo da natureza, visando alcançar fins desconhecidos e

incompreensíveis.

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A vida ética implica, pois, um contínuo esforço de melhoria, uma constante

ansiedade de perfeição e de justiça, dirigindo todas as suas ações segundo as

regras da justiça, tanto proclamada por Aristóteles.

Porém, temos que considerar que nem sempre é fácil encontrar e aplicar de

forma satisfatória as mencionadas regras da justiça, porque de facto, não há

situações puras, nem é possível optar-se sempre entre o “bem e o mal”, assim

de uma forma tão taxativa.

Em geral, o que se presencia na sociedade contemporânea é a necessidade de

escolher entre condutas ou “soluções mistas”, com doses mais ou menos

sensíveis e direcionadas de bem e de mal como de um fármaco se tratasse

para tratamento de uma doença crónica. Contudo diria de uma outra forma que

a conduta do homem político do desporto poderá ser bem ou mal direcionada e

compete ao mesmo decidir.

Lopes de Sá (1998) fundamenta este pensamento ao referir que nem mesmo a

pessoa mais virtuosa e mais conscienciosa pode deixar de cometer alguns

erros e de causar alguma dor ou sofrimento, e além disso, verificam-se, por

vezes, conflitos de dever que afligem e inquietam o homem do desporto de

consciência saudável.

Segundo Viana (1989) aqueles que, mesmo na melhor boa-fé, declaram ter a

sua consciência tranquila ou se enganam ou querem enganar. Quem vive sem

lutas íntimas, julgando ter sempre encontrado a verdade e o bem, é um homem

moralmente deficiente, sendo vítima de uma dupla insensibilidade, a

insensibilidade ao mal, porventura ou realmente feito e a insensibilidade à

dúvida moral e aos remorsos de consciência.

O homem no mundo contemporâneo é atacado por todos os lados, pelas suas

ideias, afetos ou paixões e estes fatores chocam-se e interferem uns com os

outros. Todo o homem que não é impermeável nem parcial, todo aquele que

não é homem de uma ideia, terá hesitações, inquietações e lutas íntimas antes

de seguir qualquer dever.

Como salienta Viana (1989) são pouquíssimos os problemas morais que

podem resolver-se de uma maneira completamente satisfatória, pois quando se

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sentem todas as ideias, há geralmente que sacrificar, em parte, alguns deles a

todos.

A “luta interior” do homem ético e político do desporto, não se manifesta,

unicamente antes de tomar qualquer resolução ou decisão, manifesta-se,

também, depois de ter agido.

O homem ético do desporto enquanto homem político na mesma área e na

vida, é uma consciência em plena vibração, e aquele que vive tranquilo, sem

problemas, sem dúvidas, mostra não sentir nem a amplitude, nem a

complexidade dos problemas humanos e desportivos.

Pois como refere Vaz Ferreira (1910), um excelente filósofo Uruguaio, na sua

obra “Lógica Viva”, um homem mesmo que tivesse resolvido todas as

dificuldades morais da sua vida e, se a sua organização moral e psicológica for

elevada, mesmo neste caso, terá dúvida, dúvida moral sobre o passado, no

presente e no futuro. Para Ferreira (1910) a dúvida moral é sofrimento e é

também intranquilidade de consciência. Assim, a falta de dúvida moral salvo

certos casos de uma grande simplicidade mental, não é critério de

superioridade, mas de inferioridade.

Perante isto, considero, que o homem ético do desporto é, pois, um ser em

constante evolução e reconstrução moral, um homem que se eleva, mesmo

quando erra, porque os seus erros serão, naturalmente, a escada do seu

aperfeiçoamento.

Porque o homem é um ser que não é perfeito, busca a perfeição a cada

instante da sua vida, daí ser considerado e definido como ser perfectível, mas

que jamais a conseguirá alcançar na sua máxima plenitude, deverá reconhecer

as suas virtudes e defeitos. Deverá analisar os seus erros e corrigi-los de

acordo com os mais elementares princípios, meios e fins éticos e morais para

um caminho mais próspero de desenvolvimento moral, social e político.

Considero que homem ético do desporto é efetivamente o “homem em

permanente reconstrução”.

Na ligação a esta minha fundamentação, Viana (1989) declara que uma

vertente para distinguir o homem ético do homem não-ético é que, neste último,

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o erro atrai o erro, cada dever traído arrasta, atrás de si, novas e mais graves

abdicações, deslizes e traições.

E aponta ainda, na mesma obra, com total significado, que segundo uma antiga

etimologia, atribuída, na velha Hélade, “Hélas”, (Grécia) à palavra do homem,

este seria aquele que olha para cima (para o céu), isto é, aquele que procura

viver sempre eticamente.

Bento (1998, p. 60) aponta as alterações na sociedade e na moral que são hoje

evidentes no desporto. A aproximação ao trabalho e a sua crescente

configuração à evolução do contexto social colocam o desporto sob o domínio

de uma lógica pouco sensível a comportamentos morais. “São disso exemplo a

ausência de fair - play e o aumento das várias formas de violência corporal dos

desportistas contra os outros e contra si mesmos”.

Segundo o mesmo autor, tal situação não acontece sem haver um sentido ou

significado, ou seja, devido à agregação ou junção do desporto com o mundo

da economia ou do comércio. Refere “as elevadas somas investidas no

negócio desportivo e a conversão dos clubes em sociedades por ações abrem

a porta à entrada de outros valores. O fair-play tornou-se um princípio

meramente formal e até fictício”.

Com este devido alicerce teórico, torna-se crucial a compreensão desta

situação real que permite estabelecer linhas orientadoras para o funcionamento

político e ético das instâncias sociais e desportivas. É imprescindível interpretar

o homem político e ético do desporto, como garante da harmonia, paz e justiça,

na sua pretensão de homem em constante reconstrução e que revitalize o

verdadeiro sentido do fair-play e do humanismo quer na sociedade de que faz

parte bem como no desporto.

O homem é um ser convivente e perfetível, não é um ser perfeito, nem formado

ou instruído completamente, encontra-se em constante reconstrução, e para

além do mais é elemento que interage e convive na polis.

O homem político do desporto não é um ser isolado, pois vive na sociedade e

integra-se irresistivelmente em vários grupos, no grupo familiar, no grupo de

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amigos, no grupo de vizinhos, no grupo recreativo, no grupo cultural, no grupo

desportivo ou no grupo profissional.

Importa a opinião de Comparato (2006) que se pronuncia relativamente ao

problema ético, sendo que este apresenta-se sob um aspeto duplo, isto é, a

ética pessoal e a ética em grupo.

O homem ético do desporto tem deveres para com os seus semelhantes,

quando considerado individualmente, mas por outro lado, tem deveres para

com o grupo, como este, aliás, tem deveres para cada um dos seus

componentes ou elementos.

A análise inicial do problema, sob o ponto de vista geral, é simples, porém, o

assunto torna-se mais complicado do que seria de supor, à medida que se

consideram as respetivas interações e ligações.

Interessa saber se haverá sempre uma perfeita concordância entre a moral do

homem, no individual, e a moral do grupo. Como também se a moral individual

influirá sobre a moral do grupo e vice-versa. Outro aspeto pertinente é tentar

perceber se um só individuo poderá dignificar ou corromper o grupo. Estes são

pensamentos lógicos neste estudo em que se pretende compreender o homem

ético e político do desporto.

Porém, não resta dúvida que a uma ética individual, há que associar uma ética

social e uma ética grupal, e tendo em apreciação Viana (1989) há que

considerar duas dimensões humanas, classificadas pelo mesmo autor, o

homem sócio e o homem companheiro.

O referido autor aponta que esta limitação da “liberdade” individual em nada

afeta a dignidade humana e a sua independência. Acrescentaria que tal

situação se presencia porque o homem é, fundamentalmente, um animal

político e um ser convivente.

A liberdade absoluta nunca existiu, a não ser na imaginação de alguns

utopistas, os homens nunca foram livres, dependeram sempre das condições

do meio envolvente, positiva ou negativamente e do contexto político-social,

quer da natureza quer das estruturas coletivas.

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Como salienta Galéot (1919) toda a organização significa constrangimento,

com vista à obtenção de uma satisfação subsequente e maior do que o

desprazer do constrangimento.

O homem apenas se realiza plenamente quando se integra num grupo, e,

através dele cumpre a sua missão humana, dedicando-se inteiramente à obra

que lhe coube por missão realizar. Mesmo as obras geralmente consideradas

individuais são fruto da vida coletiva (em sociedade), e importa, a cada um

prestar mediante elas, o maior número de benefícios à sociedade.

Unamuno, poeta e filósofo Espanhol, apresenta uma ideia interessante e

sublinha que o primeiro dever do homem não é diferenciar-se mas sim ser

homem pleno, íntegro, capaz de assimilar os mais diversos elementos que lhe

proporciona um ambiente diferenciado. E acrescenta, o dever de quem quer

que se consagre à ciência ou à arte, é estimar a sua obra mais do que a si

próprio e procurar não distinguir-se, mas alcançar a maior satisfação do maior

número dos seus semelhantes, a intensificação maior da vida própria e do

maior número possível de vidas alheias.

O homem não pode ser considerado como entidade isolada ou solitária, é um

ser social, ativo e por isso mesmo é que o seu processo de integração nos

grupos essenciais é um problema de crucial e de extrema importância.

Então teremos que analisar a questão da ética e da moral em várias

perspetivas transversais, pois torna-se imperativo compreendermos o

fenómeno perante uma inerência sociológica, na escolha de uma forma de

Gestão e de Política do Desporto e da Educação. Há uma questão de moral

social, cuja solução necessita, simultaneamente, das luzes da pedagogia e da

antropologia e dos dados da sociologia, a relação da filosofia com a ciência

característica do pensamento contemporâneo.

Em princípio tem de haver concordância entre a moral individual e a moral do

grupo, indivíduos imorais, desonestos e perversos não podem, como é óbvio,

assegurar uma vida moral condigna ao grupo no qual ingressam e trabalham,

indivíduos mal-intencionados ou indisciplinados prejudicam a coesão e a

moralidade do grupo. O homem ético do desporto tem que se munir de

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capacidade para afastar a malignidade da imoralidade permitindo o

desenvolvimento ético, moral e humano do desporto e da sua sociedade, a

polis.

O conceito da moral política, de onde resulta o de ética política, relaciona-se

intimamente com o conceito pessoal de honra e com o conceito mais extenso

de moral pública.

Ainda para Viana (1989) o grupo pode exercer sobre o indivíduo duas ações

contrárias, conforme os casos, ou seja, uma ação moralizadora ou uma ação

desmoralizadora.

Nesta última hipótese, o grupo não cumpre, evidentemente, a sua missão, a

par do homem ético, importa apenas a existência leal de grupos éticos, isto é,

grupos que se movam dentro dos princípios éticos básicos, e que fortaleçam as

estruturas psicomotoras do homem político do desporto.

É este, aliás, o processo normal de humanização, no qual, o grupo, quando

cumpre integralmente a sua missão, é, ou deve ser, como demonstra a

sociologia, um elemento socializador e disciplinador por excelência.

Proporciona ao homem mais um ambiente hierarquizado de valores humanos e

coordenador de liberdades e esforços individuais. Por isso mesmo é que a

pedagogia recorre, com frequência, aos grupos, para a formação educativa e o

ajustamento social das gerações imaturas ou precoces.

No âmbito político inserido no contexto ético, como já se reparou, há uma

relação entre a filosofia e as ciências humanas, como a psicologia, sociologia,

antropologia e a pedagogia, com o intuito de contribuir para o conhecimento e

estudo das questões éticas do comportamento. As mesmas refletem-se

perante a moral e colocam em causa o ser social tornando-se imperativa a

elaboração de modelos pedagógicos alicerçados na ética, e a serem

implementados em grupo e no grupo tendo o objetivo da colocação do homem

ético na sociedade construída e delineada perante as leis morais com pilares

fortalecidos na constituição do “Estado Ético”.

Ingressando no grupo, o homem político do desporto tende a melhorar a sua

personalidade, compreendendo melhor o quanto necessário é à vida ética, e a

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consequente necessidade de melhorar o nível das relações humanas e sociais,

com vista ao bem coletivo e ao bem geral em relação ao seu sucesso e ao

êxito da sua equipa.

O homem ético da política do desporto deve trabalhar eticamente, de acordo

com os princípios da virtude, os valores inerentes ao sistema do desporto, com

justiça e com o máximo de honradez e de coragem em prol da sua equipa, da

sua empresa, da sua sociedade, em suma, da sua polis.

A humanização do homem ético do desporto, por intermédio da ação política,

garantindo uma dinâmica profissional e organizacional no desporto, terá que

começar a ser, nos nossos dias, um dos processos preconizados para a

sociedade de massas em que vivemos.

Hoje assiste-se a uma desagregação progressiva do lar e das famílias e em

virtude disso ocorrem limitações nas influências éticas. Há que recorrer a

outros grupos, desde os grupos culturais, recreativos e desportivos, até ao

grupo por excelência, que é o grupo profissional inserido num contexto político,

no qual deverá desenvolver e mostrar total honradez e nobreza na sua

execução e no seu exercício.

A este propósito fundamenta Chacón (1979), relativamente à política do

trabalho, que os problemas da moral na política do trabalho podem ser um

processo eficaz de difusão de cultura, estruturando hoje a sociedade de

massas num processo crescente de especializações e que não deve terminar

no período de ensino ou aprendizagem mas que deveria continuar no interior

das empresas e das organizações.

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5. Conduta, Virtude e Consciência Ética

No presente tópico pretende-se elucidar acerca da conduta virtuosa para uma

consciencialização ética por parte do homem político do desporto. Para tal é

imperioso abordar os assuntos pertinentes para o esclarecimento das condutas

e dos comportamentos do homem, bem como se processam os mecanismos

éticos e virtuosos para a consecução da referida consciência ética.

A ética é a colocação de limites ao ser humano e não deverá ser considerada

como algo desagradável mas sim como uma filosofia da moral, humanizadora e

dignificadora. Viana (1989) menciona que nunca poderá ser considerada uma

filosofia casuística. Segundo ele, o casuísmo pode ter razão de ser para a

distinção do verdadeiro do falso mas não se aplica no que concerne à fixação

de normas de conduta.

A ética, com base na verificação efetuada, formula os princípios essenciais a

que deve subordinar-se a vida moral e a conduta do homem desportista em

toda a parte onde ele se encontre, indicando ao homem o seu dever.

A ética vai ao encontro de um problema básico humano, como refere Zubíri

(1989) a satisfação das aspirações morais é um dos principais objetivos das

diversas atividades humanas, e neste prisma a filosofia, que aborda e reflete

sobre o homem e sobre a sua vida na polis entronca, pois está na génese das

ciências humanas.

Procuram-se as respostas objetivas, emancipadas da abertura do espírito e da

alma do homem, anteriormente advinda pela âncora filosófica, no sentido do

como concretizar e planear tal ato de reflexão, permitindo uma conjugação de

saberes e assim se definir, para este estudo, uma filosofia política do Desporto.

Ninguém pode viver ao acaso e ao sabor das suas paixões ou caprichos

momentâneos. Tem de haver uma regra de conduta, uma norma à qual todos,

ou pelo menos a maioria, se subordinem.

Nenhuma sociedade, nem nenhum grupo pode viver fora de qualquer regra ou

lei, pois a vida é uma contínua determinação, uma contínua seleção e criação,

não é apenas um deixar-se viver.

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Lopes de Sá (1998) alude que os próprios grupos fora da lei (associações

secretas ou grupos terroristas) conseguem “viver” e resistir à pressão das

forças legais pelo facto de se sujeitarem a uma forte disciplina e aceitarem um

apertado código de honra, tal como eles o concebem.

No desporto presencia-se o mesmo facto pois verifica-se uma compartilha de

valores, por exemplo, num campeonato de boxe o pugilista que lute com o seu

adversário no ringue está perante um mesmo código de honra inerente ao

conceito de desporto numa vertente cultural.

Podemos matar respeitando as regras, o pugilista se cumprir a regra não é

punido pois quem entra num ringue sabe o que poderá acontecer. Tal como na

Guerra ou na Polícia, no desporto pode-se matar respeitando as regras pois há

um código de valores inerente ao mesmo fenómeno. Embora não relacionado

com o desporto mas tendo por base o pensamento de Clyde Kluckhohn no que

diz respeito ao conceito de “compartilha de valores”, poderemos também

integrar o desporto, nesta perspetiva, de compartilha de valores.

O referido autor fundamenta a cultura como meio de identificação com a

educação e que corresponde ao que o homem absorve da mesma educação.

Há um conjunto de valores inerentes, pois o desporto implica a aceitação de

uma punição pelo incumprimento de uma regra e sendo a cultura suportada

pela compartilha de valores irá colocar o desporto como um fenómeno cultural

para além de social, mítico-religioso, económico, político e recreativo.

Contudo ainda se presencia o etnocentrismo, ou seja, “lemos” muito o “Outro”

através do “Eu”, por exemplo, só consideramos culto e ético quem se encontrar

na nossa civilização. Em Portugal onde o futebol é o desporto-rei, quem não

praticar ou jogar a modalidade é considerado um atrasado no jogo e no

desporto do nosso povo. Não ocorre o conceito de Alteridade definido por

Emanuel Lévinas, o qual, significa o respeito e a aceitação pelo “Outro”.

Para que todas as pessoas estudiosas, ligadas ao desporto, possam perceber

no âmbito da aplicação ao correspondente fenómeno, se organizarmos um

duelo de esgrima com um colega, na via pública, e se um dos intervenientes

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morrer pelo ato do despique em si, o mesmo será punido com base na

legislação penal e do poder judicial.

Embora o desporto faça parte da sociedade, a mesma não aceita alguns

valores que se evidenciam no desporto e por tal não são compartilhados.

Poderei referir que dentro do desporto há uma compartilha de valores e um

código de honra diferente do da sociedade.

Porém, a norma ou lei que os homens devem respeitar quer como cidadãos,

quer como profissionais, terá de ser aquela que melhor se harmonize e se

coadune com a sua “humanidade” e “dignidade”, e aquela que melhor assegure

as possibilidades de vida em comum e de progresso social. Em todas as

comunidades, existe um mínimo ético, abaixo do qual as várias sociedades ou

grupos caem na decadência e na desagregação.

Segundo Durkheim (1985), um grande sociólogo e pensador político, as bases

da conduta moral estariam assentes na disciplina, implicando a existência de

uma autoridade capaz, digna de tal nome e de vida regular e regularizada. Não

somenos importante a adaptação à vida social, isto é, à vida em grupo (coesão

grupal), o que implicaria a aceitação e subordinação do grupo às normas nele

vigentes, como já se referiu, anteriormente, em casos concretos para

exemplificação teórica com o intuito de aplicação na prática através da Política

do desporto.

Viana (1989) menciona que a autonomia da vontade também desempenha um

papel crucial pois está subjacente a uma descrição correta do conhecimento

dos princípios fundamentais da moral e de uma escala de valores que cada um

deverá aceitar e adotar livremente.

Mas é de sublime pertinência perceber se a ética será um veículo de fácil

aplicabilidade no seio social e político. É claro que o problema é delicado e

difícil porque nem todos os homens se integram na lei moral e perante as

condutas da boa ética, quer por incapacidade, quer por ignorância ou malícia.

Tudo está dependente do que interiorizamos ou definimos como o senso moral,

ou seja, o conjunto de sentimentos mais profundamente radicados no espírito

humano, e tal senso na maioria das vezes não impede que inúmeros indivíduos

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se revelem inacessíveis à compreensão deste fenómeno que Lopes de Sá

(1998) refere ser psíquico, e por tal analisado à luz da ciência incorporada no

estudo filosófico da mente e da alma e sua relevância natural.

Neste ponto de análise, encontramos a referida ligação dos vários saberes que

nos ligam à contemporaneidade e o conhecimento científico interligado ao

saber filosófico na busca do rigor e da verdade para as respostas às questões

que procuramos a cada instante.

Para se interpretar com extrema coerência um fenómeno, uma atitude ou um

comportamento necessitamos de apelar aos vários tipos de sabedoria para que

a conclusão seja definida com exatidão, mesmo que não vá ao encontro de

resultados práticos, mas que seja simplesmente um estado de espírito e de

reflexão, e de uma natural libertação da alma a que se propõe a filosofia nas

múltiplas temáticas envolvidas, seja no contexto do desporto seja no âmbito da

filosofia política.

Já referia Saramago, uma sociedade de pessoas cobertas de um manto

branco, sem ideias, cegas de atitudes, e diria mais, constituída por cegos

morais que não têm senso-moral e que não se comportam perante a nobreza

da ética e do belo da sua implementação. Homem que não se coaduna com os

valores éticos nem tão pouco a nível estético, no “belo” da sua atitude ética

para uma comunhão do verdadeiro humanismo.

Para além da falta de um pensamento moral, não se apresentam ideias morais

nem pontos de encontro para uma mudança ética e comportamental,

continuaremos míopes morais, cujo senso-moral revela numerosas lacunas ou

ausências, o que faz com que as pessoas fiquem, pessoalmente, abaixo do

nível médio da ética e da moral social.

Este ponto de vista vai ao encontro do defendido por Viana (1989) que revela

que é também percetível, pelo conhecimento da sociedade, que muitos

homens de mediocridade de espírito observam os mais rigorosos princípios da

moral, mas não porque daí lhes venha utilidade, mas porque

inconscientemente se sentem obrigados a respeitá-los. Então, para Lopes de

Sá (1998) se a moral fosse o resultado de um raciocínio individual, as pessoas

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mais honestas seriam as que, pela sua maior capacidade intelectual, mais

facilmente pudessem elevar-se à conceção das condutas éticas e das leis da

adaptação entre o egoísmo e o altruísmo.

Por tal ponto, torna-se crucial referir que na maior parte das vezes a ética e a

moral surgem numa perspetiva social e grupal e não de forma isolada e

singular ou individual. Como o homem é um ser social será importante

estudarmos a vertente moral e ética no contexto de grupo, de funcionamento

social e de intervenção política.

Quando um homem se limita a praticar a virtude e a ser honesto sob pressão

de forças externas, é sinal que ignora o que faz e que atua dominado por cenas

sombrias. Para que as mesmas representações, as tais cenas sombrias e

esbatidas, se definam e consolidem, será fulcral consciencializar-lhe a

respetiva conduta ética e moral porque a consciência é uma síntese ativa em

perpétua realização, como Comparato (2006) tão bem menciona.

Só com base numa consciência moral será possível ao homem do desporto

formular juízos morais e juízos de valor que são a base de todo e qualquer

comportamento ético motivado, ou seja, comportamento dependente da

vontade humana pois só assim o tornará ético e moral.

A questão coloca-se em saber se poderá o homem, sem o auxílio da axiologia

conhecer a escala de valores indispensável à formulação das suas ideias e à

orientação da sua conduta.

Só a ética poderá marcar uma direção a seguir na vida, fixar um tipo de vida a

cada individuo, tratando-se de um problema evidentemente filosófico mas

também social e pedagógico, o que nos remete, como já foi referido, para

várias áreas do saber onde a filosofia ocupará um lugar de destaque na

reflexão e libertação do homem para melhor entender e concretizar a ação.

É importante o entendimento global dirigido para a perceção de que o homem

do desporto não pode viver isolado da ética e da moral, nem tão pouco

desconhecer o próprio “Eu” no plano afetivo, que não raro se sobrepõe ao

próprio “Eu” a nível intelectual.

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Em toda a reflexão e explicação filosófica do homem o sentimento

desempenha um papel deveras importante e relevante que é irredutível a

qualquer outra função, pelo que e para tal, e segundo Viana (1989) será crucial

conhecer a verdade e o bem, mas também que o “Eu” seja realizador e que

opere a mudança no plano da afetividade, sem o qual pouco ou nada se

conseguirá no âmbito da ética sem o “Eu” operante afetivo.

Conclui-se assim que agir eticamente não consiste apenas em pensar bem e

honestamente. Como se verifica, será necessária mais alguma substância para

o respetivo desenvolvimento. Temos necessidade de verificar os atos ou

condutas que se relacionam com o homem, mas que não partem dele de uma

forma direta e também distinguir no plano pessoal o ato que convém escolher e

dar-lhe oportuna execução, isto é, não chega quedar pela ideia, há que

concretizar tal conduta para se tornar uma ação ética.

É crucial ativar o “Eu” operativo para se ir ao encontro do “Eu” inteiramente

afetivo para que perante as ações realizadas pelas pessoas que nos rodeiam

saibamos verificar o mérito ou demérito, aprovando-as ou condenando-as com

justiça, caridade e oportunidade.

É importante também, ao realizar um ato, experimentar a satisfação do dever

cumprido ou sentir a mágoa por qualquer erro cometido. Está bem patente a

ligação do “Eu” operativo com o “Eu” afetivo para presenciar uma atitude ética

espelhada neste processo.

Não basta só um olhar para cada um dos “Eu” pois ficaremos ou sem a

afetividade, crucial no plano ético, ou sem o “Eu” como realizador de uma ação

afetiva, pois há que realizar e operar a respetiva ação para torná-la

substancialmente ética e moral.

Por tudo isto, podemos verificar que a ética é um ramo da filosofia que domina

a vida em todos os setores e em todos os estádios da existência humana, dado

que a moralidade do homem político do desporto é concebida como atitude e

como conjunto de qualidades ou valores morais.

O homem político do desporto terá de considerar a lição ética e de procurar

nela as luzes indispensáveis para sair da escuridão e do “manto branco” que

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nos cobre para uma miopia intelectual, afetiva e moral colocando o humanismo

como corrente filosófica indispensável para o desenvolvimento e para a

valorização da condição humana acima de tudo.

Importa referir que para a compreensão do fenómeno ético na sua total

plenitude há que entender que ocorre uma estreita e pertinente ligação entre

três vetores essenciais, tais como, conduta, virtude e consciência.

Relevante e marcante será perceber se conduta e comportamento significam o

mesmo. E também compreender o por quê do homem político do desporto se

desfocar da sua virtude e por conseguinte do seu conceito de felicidade de

vida, como ficou em aberto no capítulo IV – O homem ético e político do

desporto.

Para irmos ao encontro da tão desejada compreensão destas pertinências, é

essencial que se esclareça desde já como se define o conceito de “conduta” e

o que procura expressar, de uma forma sintética.

Segundo Lopes de Sá (1998) a conduta do homem é a sua resposta a um

estímulo mental, ou seja, é uma ação que se segue ao comando do cérebro e

que, manifestando-se variável, também pode ser observada e avaliada.

O mesmo autor menciona na sua explicação que tais respostas aos estímulos

não são sempre as mesmas, variando sob diversas circunstâncias e condições,

pelo que não se deve confundir o ato de conduta com um simples

comportamento, que também é uma resposta a um estímulo cerebral, mas é

constante, ou seja, ocorre sempre da mesma forma, diferenciando-se assim da

conduta, pois esta resume-se à variabilidade de efeitos e consequências que

apresenta na vida do homem.

Na aplicação e definição dos conceitos, tais como a ação, a atitude, o

comportamento e a conduta, existem diferenças que expressam razões,

também diferentes das consequências da influência do cérebro, sobre o que

ocorre na concretização dos seus estímulos e das suas respostas. Comparato

(2006) menciona que o que a ética estuda é a ação que, comandada pelo

cérebro, é observável e variável, representando a conduta humana.

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Ao estudarmos os motivos que levam a produzir uma conduta no homem

político e desportista, caminhamos numa linha de atuação para se alcançar o

conhecimento que promove a satisfação, o prazer ou a felicidade. É o objetivo

político e assim perceber e compreender o por quê e o para quê de um

afastamento do homem político que faz e vê desporto da felicidade inerente à

condição humanada pois há uma divergência nos conceitos, de qualidade de

vida assente na dignidade, de virtude e justiça para si e em relação à

sociedade que o envolve.

A vida feliz, prazerosa, adequada, o bem-estar pela prática racional da virtude,

muito importantíssimo na visão de Aristóteles, a sociedade, o Estado, como

Ideais de vida traçados para o bem, consoante matérias que se tornam objetos

de estudo através da ética, deixam de assumir o papel principal como objeto

isolado de investigação e de reflexão, quando se pretender alcançar o

conhecimento da conduta, como principal prioridade.

Aristóteles afirmou que para o homem não existe maior felicidade que a virtude

e a razão e que ao mesmo tempo, ele deve regular a sua conduta, se o sentido

direto da intervenção política e do respetivo objetivo se centrar na busca da

felicidade humana.

A virtude e a razão são meios e veículos fulcrais para o sucesso do homem

político enquanto homem ético dado que não existe maior felicidade que a

prática da virtude e a razão de ser na justiça, em que tais elementos são

integrantes no processo da ação humana e por tal, o homem desportista

deverá ter a capacidade de controlar a sua conduta.

Uma justificação de acordo com a filosofia política do desporto, no sentido ético

e moral da ação do homem que se “alimenta” de desporto e que tem

responsabilidades na sua administração e gestão, bem como pelo seu

crescimento e desenvolvimento social assente na Paideia e na Areté.

A ética, como estudo da conduta, todavia, já é percebida em Protágoras,

quando nos seus ensinamentos pregava o que fazer para se ser virtuoso

perante terceiros.

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Xenofonte indicou caminhos na ação do homem para que fossem observados

de forma adequada, perante cada um dos aspetos da sua presença, ou seja,

perante a divindade, os amigos, a sociedade, e a pátria, cada um exigindo uma

ação específica, uma conduta particular a ser observada e estudada e refletida

na verdadeira essência da alma.

O mesmo pensador, através da sua experiência, escreveu de uma forma muito

consciente como foi a sua relação com a administração e gestão, não só

militar, mas na vida prática do governo e da gestão da abundância e da

prosperidade para a satisfação das necessidades humanas e com uma grande

objetividade implícita no seu discurso.

Na sua obra “O económico” (cap. XIII) apresentou perspetivas de condutas que

realmente nos fornecem uma relação lógica impecável, como a que diz respeito

à gestão do bem público, quando sugeriu que aquele que não sabe administrar

a sua casa não sabe, também, administrar o Estado.

Segundo Lopes de Sá (1998) os pensadores da época entenderam por ética a

ação virtuosa, desde que esta resultasse do consenso de todos, ou seja, fosse

aceite como tal.

O estudo sobre a componente Ética e o que se deve procurar para que se sinta

e se pratique o bem deverá ser acolhido de uma forma relevante e primordial

para o sucesso político e desportivo, dada a tortura das almas que se abate

sobre a condição humana atual. Também foi nesta perspetiva que se traçou a

linha de entendimento e de pensamento da Idade Clássica, inclusive como

veículo para a felicidade e para a justiça, mas, com o decorrer dos séculos

perdeu força e notoriedade na Idade Média, para, depois, retomar com novo

vigor no período do Renascimento.

A forma de entender a conduta do homem, elemento político no desporto, a

favor da sua vida, a partir dos caminhos capitais e elementares que deve

assumir, variou, no tempo, em relação a diversos pensadores.

Para uma ideia sobre a evolução do raciocínio em torno do assunto, existem

alguns (entre vários) autores que merecem consideração para este estudo da

filosofia política do desporto centrado na componente ético-política.

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John Locke acompanha a tendência de conservação do homem e acrescenta

que se deve evitar a tristeza, servindo-se da experiência na capacidade de

sentir e refletir o que lhe vai na alma e no espírito, procurando-se, ao máximo,

a alegria e a felicidade de viver.

A Ética, nos séculos XVII e XVIII, não apresentou divergência quanto ao

sentido ao de uma valorização do homem enquanto animal político. Aristóteles

já evidenciava que a felicidade era o caminho, a partir da virtude e da razão e

esse terá que ser o objetivo de um novo conceito de política do desporto, na

sua prática e no seu entendimento teórico no plano construtivo de um “Estado

Ético” Este filósofo não diverge desta linha de Aristóteles.

Conservar-se em felicidade, alegria e prazer, como objetivo, como conduta

ética decisiva, foi uma forma de apresentar com uma nova roupagem velhos

pensamentos.

Locke, no início da sua obra,” Dois tratados para as ideias de Estado de direito”

nega o conhecimento inato, ou seja, afirma que tudo é adquirido nesse

particular, condicionando, pois, a estrutura mental a um processo de conquista

da verdade por um processo educacional e cultural, obrigatório, por iniciativa

do homem ou da própria polis, ou seja, imposto pela sociedade.

Isto permite concluir que a conduta, pelo espírito e pela alma, ou seja, pelo

nosso cérebro, é fruto de algo adquirido, excluídas, pois, para o filósofo, as

causas naturais.

O que falta entender é saber se esta posição de John Locke será a mais

correta para a compreensão do desenvolvimento da conduta do homem político

do desporto. O homem é, ao longo da sua vida, como se sabe do ponto de

vista científico, também muito influenciado pelo meio, havendo uma interação

entre o meio e a hereditariedade.

Assim, o meio é constituído por elementos que intervêm no comportamento de

cada indivíduo da sociedade.

A componente genética, isto é, hereditária, tem uma grande influência nas

características e na conduta de um indivíduo. Refiro-me sempre à sua

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influência nas características físicas (a cor da pele, dos olhos ou do cabelo).

Porém, a influência genética atua também sobre as estruturas orgânicas, como

por exemplo, no sistema nervoso e endócrino, cuja importância é relevante

para o comportamento e para a conduta humana e por inerência para uma

consciencialização ética.

Há quem defenda que o nosso desenvolvimento é influenciado, sobretudo pelo

meio, ou principalmente pela hereditariedade. Porém, a hereditariedade não

pode exprimir-se sem um meio apropriado, assim como o meio não tem

qualquer efeito sem o potencial genético. Podemos ter um homem atleta com

um potencial genético (teto genético) muito elevado, que sem a devida

estimulação e exercitação nunca chegará à glorificação ou apresentar uma

conduta ética digna.

Como, também, poderá ocorrer o inverso, isto é, um homem do desporto com

baixo potencial genético para uma determinada função, mas que através de um

enorme esforço e dedicação alcança patamares elevados de sucesso e uma

conduta humana irrepreensível. Por tal fundamentação, afirma-se

cientificamente que a hereditariedade e o meio interagem, determinando o

desenvolvimento orgânico, psicomotor, a linguagem, a inteligência, a

afetividade, o comportamento e a referida conduta.

Contudo, para John Locke a ideia é o objeto do pensamento e todas as ideias

brotam da sensação ou reflexão sendo o objeto da sensação uma fonte das

ideias. E tais factos implicam pela racionalidade uma abordagem filosófica do

homem de corpo e alma.

Tal posicionamento evidencia-nos como esse filósofo considerou as fontes da

conduta e como atribuiu importância à génese da conduta ou génese da

formação e da evolução ética, e como partindo da sua análise defende a

perceção como uma fonte da ideia e diz que a alma começa a ter ideias

quando começa a perceber.

O homem político do desporto só poderá apresentar um projeto desportivo se

perceber o por quê e o para quê do referido projeto, da mesma maneira, que

um treinador só poderá ter uma ideia de um plano de treino quando perceber o

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estado mental e físico do seu atleta. Tais factos processam-se de forma

idêntica no que concerne à conduta humana, isto é, só podemos ter uma ideia

da conduta e da diferença que ocorre relativamente ao termo comportamento,

quando percebermos o significado, o objetivo e acima de tudo o seu conceito.

Espinosa refere que na medida em que uma coisa está de acordo com a nossa

natureza é necessariamente boa e nenhuma coisa pode ser boa ou má para

nós, a não ser que tenha algo de comum connosco, e isto remete-nos para o

espírito de familiarização no homem do desporto com a ética.

Só aplicando a ética e a moral, e estarmos totalmente integrados nas mesmas,

é que o homem do desporto poderá compreender o quão útil ou não é a sua

aplicação e fundamentação, tanto para si como para o bem do grupo.

Espinosa defende que se a natureza criou o homem, foi para que o mesmo

pudesse exercer a sua função como tal, e portanto, seguir o que mais fosse

conveniente na sua conservação e bem-estar.

A consciência ética no entender de Espinosa incita o homem, na sua forma de

observar e que ele age de acordo com a energia que recebe, e com a

responsabilidade de moldá-la ao necessário, sem deformar a sua génese. Tal

como se percebêssemos a gestão como uma forma de regulação de energia

do nosso corpo em que não conseguimos estruturar ou organizar tudo ao

mesmo tempo, porque isso gasta muita energia e para tal o homem prefere

relaxar na execução e fazer uma coisa de cada vez.

Para Espinosa, a conduta para se ser natural e útil deve retornar ao amor, ao

útil, não por ser obrigatória, mas por ser necessária. Pois para ele a “vontade”

não deve ser indefinida, mas a de “causa necessária” e nega a liberdade como

essência, na vontade.

Refere o mesmo autor que não há na alma vontade alguma absoluta ou livre,

porque a alma é determinada por outra e esta, por sua vez, ainda por outra, e

assim até ao infinito.

O praticante do desporto é o filósofo do seu corpo, mas o homem político do

desporto enquanto homem desportista é mais do que isso. O homem político

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do desporto é o filósofo da sua alma, dado que ele sem alma não existe nem

consegue filosofar, da mesma maneira que controla vários estados de alma de

todos os elementos que pertencem à polis.

Espinosa tem como um princípio fundamental na sua teoria, a preservação da

liberdade, sendo este um dever de todos e do Estado, mas é necessário

percebermos bem o sentido que se queira dar à mesma liberdade. Neste

contexto Espinosa quis evidenciar que a liberdade não é o que se refere à

consciência, mas aos efeitos que sobre ela atuam na construção dos nossos

pensamentos.

Neste plano, vai ao encontro dos restante pensadores e filósofos políticos no

que concerne ao entendimento de liberdade de pensar consoante as

circunstâncias e as nuances da vida social e política perfazendo a generalidade

das ações na polis.

Segundo Espinosa, o facto de reconhecermos o que causa exteriormente, não

exclui a aceitação da nossa força interior, da nossa força moral, competente

para entendimentos e juízos da própria vida humana, neste caso particular, na

ação desportiva.

Seria absurdo que as ações que lesassem na prática contra nós mesmos ou

contra o nosso próximo fossem frutos de uma causa que tivesse na origem o

descontrolo, sobre o qual não possuímos nenhum domínio. Se eliminássemos

os atos da própria determinação, o ato doloso encontraria a justificação na

vontade alheia e não naquela que levou a ser a prática de tal conduta e, nesse

caso, seria injusto punir-se quem quer que fosse, pois ninguém seria

responsável por coisa alguma.

Se a virtude é da essência do homem, e o que o torna um ser feliz, o vício é a

sua antítese, mas não deixa de ser a sua vontade, decorrente do seu poder de

contrariar a sua natural conformação, consentido um destino sofrido, mas de

seu desejo.

No teorema de Espinosa, o mesmo aponta que o homem livre jamais age

enganado, age de boa-fé. O homem dirigido pela razão é mais livre na cidade,

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onde vive de acordo com a lei comum. Na solidão não obedece senão a si

próprio.

Immanuel Kant, na sua obra “Critica da razão pura” (1781) afirma que a razão

guia a moral e que são três os pilares em que se sustenta: Deus, liberdade e

Imortalidade, entendendo que a razão que não se aplica à moral deixa de ter

sentido e se imobiliza a produzir eternos enganos.

Reclama, para a moral, o emprego da Justiça de modo que a felicidade se

distribua de acordo com os méritos decorrentes da prática da virtude. O homem

virtuoso e racional do desporto deverá procurar a felicidade perante a mesma

virtude da razão de ser justo e atuar sempre de acordo com as leis da ética e

da moral.

Afirma entretanto, na sua obra “ Fundamentação da metafísica dos costumes”

(Secção I) que a simples inclinação para o cumprimento da lei, por respeito,

não é o exercício de uma vontade por si mesmo, na essência, referindo que o

valor moral da ação não reside, portanto, no efeito que dela se espera, também

não reside em qualquer princípio da ação que precise de pedir o seu

fundamento ou o seu objeto para este efeito esperado.

Kant justifica que sem liberdade não pode haver virtude e sem esta não existe

moral, nem pode haver felicidade dos povos, porque também não pode haver

justiça. No que tocava à felicidade escreveu que assegurar a cada homem a

sua própria felicidade é um dever, pois a ausência de alegria com o seu próprio

estado num remoinho de muitos cuidados e no meio das necessidades

insatisfeitas, poderia facilmente tornar-se uma grande tentação para

transgressão dos deveres.

O dever de ser feliz, dentro de limites de uma razão que inspira a boa vontade,

para ele tinha um duplo sentido, o da satisfação do ser e o do impedimento dos

atos antiéticos. Tal facto se comprova amplamente na prática quando o

desemprego aumenta, gerando, inevitavelmente, mais criminalidade e outras

mazelas sociais.

Kant atribui à “razão” a exclusiva responsabilidade da origem das ações éticas

e admite que só existe valor quando o homem age sob o impulso de um

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sentimento de dever, procedido da razão. Quando alguém cumpre um dever

ético por interesse, admite Kant, pode lucrar com isto, mas não pode receber a

classificação de virtuoso.

Por isto, escreveu na sua obra, anteriormente citada, que nada é possível

pensar que possa ser considerado como bom sem limitação, a não ser uma só

coisa, uma boa vontade.

“Poder, riqueza, honra, mesmo a saúde, e todo o bem-estar e alegria com a

sua sorte, sob o nome de felicidade, dão ânimo que, muitas vezes, por isto

mesmo, desanda em soberba, se não existir também a boa vontade que corrija

a sua influência sobre a alma e juntamente todo o princípio de agir e lhe dê

utilidade geral… a boa vontade parece constituir a condição indispensável do

próprio facto de sermos dignos da felicidade.” (Kant, Fundamentação da

metafísica dos costumes. Secção I)

O que ele designou de “boa vontade em si mesmo”, já mencionado neste

estudo, estava pois, acima das práticas usuais das virtudes que reconhecia

como habitualmente aceite, tais como, a modelação das emoções, moderação

das paixões, autodomínio, calma e reflexão e só aceitava a virtude completa se

originada de um precedente a que denominou de boa vontade.

Kant, este grande filósofo, viveu também numa época bastante difícil devido às

importantes mutações axiológicas que se evidenciaram. Foi demasiado

organizado e metódico e mesmo que nunca tivesse saído do seu país para

conhecer os outros povos e restantes Estados, não se pode negar que a sua

visão ética em grande parte aplica-se aos nossos dias, à sociedade

contemporânea.

Kant foi apologista do ser racional, como elemento ligado a uma comunidade,

com deveres para com ele mesmo e para com o todo e, a partir dessas

considerações, envolvido numa felicidade derivada da razão, ou seja racional,

elevou-se a sua doutrina guiada pelos trilhos atordoados da conduta,

condicionando o conceito do bem à lei moral e esta a uma vontade guiada pela

razão.

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Perante este estudo sobre a conduta humana, torna-se fulcral pensar a virtude

como meio de se alcançar a consciência ética.

Aristóteles, na sua obra, “Ética” (Livro I) aponta, “aos hábitos dignos de louvar

chamamos virtudes” e nesta expressão o referido pensador apela e ressalva o

efeito “louvor”, como causa determinante e não a virtude, em si, ou seja, o que

ela de facto representa.

Lopes de Sá (1998) comenta que podemos apontar casos práticos em que

virtuosos não são dignos de louvor em meios onde o vício prevalece, o que não

invalida o teor da virtude, por exemplo, o político que rouba mas que faz obra

em prol dos seus eleitores, faz o bem perante a sua sociedade, ou seja, a

quem o elege na polis, apresenta uma virtude, mas não é louvável no sentido

ético.

Entendo que a nossa observação das coisas ou do que queiramos observar

torna-se mais evidente, quando imaginamos que o “louvor” pode ser efeito de

uma forma particular de ver as coisas, de ver o mundo que nos rodeia, relativa

a um grupo de pessoas, ou também, uma visão particular de conduta do grupo.

Para Lopes de Sá (1998), a conduta virtuosa, como ele a entende, é algo

essencial e apoia-se na qualidade do homem em viver a vida de acordo com a

natureza da alma, ou seja, na prática do amor, no seu sentido pleno de não

produzir malefícios a si e nem ao seu semelhante, seja ele qual for.

E ao encontro desta teoria, foi o próprio Aristóteles que em divagações mais

profundas evidenciou que a virtude provém de algo intuitivo.

No sentido virtuoso não pode ser apenas o homem político do desporto, que se

comporta louvavelmente, mas o que também recebendo louvores os tem

provenientes de qualidades transcendentes e humanas, fundadas no respeito a

si e a todos os elementos constituintes da sociedade onde o mesmo se insere.

A virtude é uma capacidade ligada a origens da transcendência humana,

relacionada às propriedades do espírito, tornando-se essencial e que se

manifesta envolvida e contornada pelo amor, pela sabedoria, pela ação

competente em exercer o respeito ao homem e à prática do bem, pela reflexão

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que mantém a energia humana em convívio com outro mundo mais

abrangente, seja ele qual for.

Na conduta ética, a virtude é condição essencial, ou seja, não se pode

conceber o ético sem o virtuoso como princípio, nem deixar de apreciar tal

capacidade em relação ao grupo, à sociedade, à Polis.

A virtude está muito relacionada com o carácter, do ponto de vista explicativo

dos pilares éticos e morais e Marden (1925) clarifica o carácter como sendo a

vontade firma, justiça reta, inflexibilidade no cumprimento dos deveres e

energia em todos os atos.

A fonte dele é, pois, essa energia que provém, como diz o referido autor, de um

mundo invisível, mas beneficiado pela educação e também pela qualidade do

ambiente social em que se vive.

A crença num espírito perfeito, numa energia suprema, fonte da verdade e do

saber, da bondade e do amor, acompanha os homens há milénios e já

Sócrates referia-se a ela, ao admitir que tal fonte não possuía as iras e os

defeitos dos “Deuses do Olimpo”.

Marden (1925) narra que é uma energia tão vibrante que pode transferir-se, ou

seja, pode influir sobre outras e é habitual encontrar-se nas sociedades, onde

existem líderes virtuosos, esta ampliação da virtude aos demais membros.

O exemplo da conduta ética dos líderes dignifica uma sociedade e cria novos

elementos que seguem tal forma de viver, sendo modelos para serem

observados e abraçados no sentido de inspiração no caminho para o “além”,

pois a tomam como paradigma, isto é, como modelo ou como norma.

Precisamos, novamente, de grandes Estadistas, de grandes Humanistas para

constituírem a Polis mais humana, uma sociedade para todas as pessoas,

construída em harmonia e em virtude louvável para uma conduta humana e

digna na reconstrução do Estado Social com e para o desporto, assente nos

ideais da Paidéia e da Areté.

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Esta é a razão do Estado, quando bem dirigido, procurar perpetuar a memória

dos homens que servem de padrões e de exemplos de virtude e pela qual os

Códigos de Ética buscam preservar as suas imagens, onde nem sempre se

consegue, pois falta uma lei fundamental, que é a lei do “ que se cumpra o que

está na lei”.

A imagem da virtude, corporificada no homem político do desporto, leva as

outras pessoas da sociedade a seguirem o caminho da conduta perfeita, razão

pela qual merecem tais expoentes e a proteção necessária, pois são eles os

comandos do espírito e da alma, ou seja, existem homens que conseguem não

só ser virtuosos, mas também, promover a virtude.

A conduta é um efeito em que a causa é uma vontade, e esta se inspira em

algo que se materializa proveniente de um estado de consciência, contido no

carácter e que, por sua vez, é fruto de energias existentes no homem e que se

alteram pela forma de captar as vibrações éticas dos outros elementos da polis.

Há uma conduta desportiva porque há uma vontade do homem desportista em

praticar uma determinada modalidade, essa mesma vontade de praticar o

futebol deve-se, na alma do atleta ou do desportista a um estado de

consciência que está internamente ligado com o seu carácter e que esse

mesmo carácter depende de forças e de um potencial energético para atuar e

desenvolver as suas potencialidades de alma e espírito, propiciando a ação de

tal decisão. Não há dúvida de que o carácter distingue o indivíduo, sendo a sua

marca de ação como individualidade que permite a qualificação.

Para fundamentar este meu pensamento Menciono Marden (1925) que diz que

a virtude está além do carácter, mas um carácter virtuoso projeta-se e nivela-se

nesse além. Um bom caráter forma-se na virtude. Porém, a virtude não

depende das individualidades para existir, como o filósofo e pensador Grego,

Heráclito, afirmou ser o carácter o próprio destino do homem.

Neste sentido Lopes de Sá (1998) salienta que tudo tende a se reger pelo

poder da vontade sobre o uso do carácter, isto é, o carácter de um homem é

que vai determinar o sentido de uma determinada vontade. Sendo a vontade a

expressão do livre arbítrio, embora possa ser guiada por intuições e

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pressentimentos, aspetos estes que ainda não possuem uma definição

satisfatória no campo do conhecimento.

Temos exemplos de homens que, nascendo em condições de adversidade

ambiental chegaram, todavia, ao ápice da sabedoria e da glória, do poder e da

grandeza, tornaram-se grandes Estadistas e Humanistas. Seja como for, o

carácter, como forma de individualização, termina por identificar os indivíduos,

e quando se assenta na virtude, não há dúvida, revela sempre uma vida

competente para o homem político do desporto e para a sociedade. Nós

nascemos com a nossa individualidade, mas aperfeiçoamo-nos através da

educação, pois o carácter é adaptável e inconstante.

Por isso, no campo da ética, a promoção de uma cultura qualificada precisa,

realmente, de ser efetiva desde os primeiros anos de vida, sendo importante o

desporto como fenómeno social e educativo, por excelência, um meio para se

alcançar a tão proclamada humanização perdida numa imensidão de ideais,

que pela ausência da virtude humana passam a sistemas utópicos.

Cada homem continuará a ter a mesma estrutura, a sua individualidade digna

de respeito, dentro dos limites de qualidade do ser, em que a ética procura a

cada instante colocar limites para o bom funcionamento social, político e

desportivo.

Lopes de Sá (1998, p. 76) cita, “O carater, parece-me, é competente para

qualificar o ser, e quando for virtuoso, será, sempre, também, ético.”

Por tudo o que se tem referido no campo da ética, a consciência possui, então,

um aspeto característico de observação que vai desde o seu conceito até aos

vários ângulos ou vértices dos seus conflitos com as práticas sociais, e neste

caso, também, desportivas, inseridas obviamente no contexto social e humano.

Para a filosofia (ética enquanto ramo da filosofia), nos nossos dias, a

consciência resulta da relação íntima do homem consigo mesmo, ou seja, é

fruto da conexão entre as capacidades do “ego”, com as energias do nosso

espírito e da nossa alma e responsáveis pela nossa vida, ou seja, pelo nosso

“Eu”.

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Lopes de Sá (1998) acrescenta que a consciência ética é o estado decorrente

da alma e do espírito, através do qual não só aceitamos modelos para a

conduta, como efetivamos julgamentos próprios, e ainda nos condicionamos

mentalmente para a realização dos factos inspirados na conduta sadia, do bem

na conduta, para com os nossos semelhantes em geral e os do nosso grupo

em particular e também realizamos críticas a tais condicionamentos.

Aplicando esta fundamentação à Gestão e à política do desporto, poderemos

dizer que a consciência é o nosso “Disponível”, ou seja, é um Fundo, tal como

os clubes, em parcerias, usam para contratar um qualquer jogador e que se

encontra à nossa mercê para cumprir obrigações no nosso dia a dia, como se

fosse a nossa “caixa”, com a entrada e saída de dinheiro, e que se encontra em

plena circulação, com movimentos orientados para determinadas condutas que

são determinadas pelo nosso “Know-how “ (como fazer) através de um

determinado “background” (contexto) social, cultural, educativo, desportivo e

político.

Seguindo esta teoria, assim o nosso “Disponível” é extremamente útil para

constituir-se de um aporte derivado da nossa ação pessoal ou de outros

elementos da Polis. Tal como o nosso “Disponível”, que é realizado e

materializado de parcelas de entradas de diversas naturezas (dinheiro, cheque

ou multibanco), a consciência forma-se com parcelas de informações,

ensinamentos, influências ambientais, observações, perceções e até

sentimentos.

Só podemos pagar se possuirmos um “Disponível”, ou seja, um Fundo, com

dinheiro e por paralelismo ao tema da dissertação, só podemos agir eticamente

se tivermos uma consciência ética formada e numa atividade plena sem

deficiência moral.

Há aspetos da consciência ética que são muito importantes de serem

salientados e trazidos à discussão neste estudo, tais como, conhecer-se, auto

julgar-se e condicionar-se à prática; são estados da consciência que dependem

de vários fatores e conexões.

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Comparato (2006) refere que no campo ético, a questão prende-se a uma

conduta objetiva de comportamento de grupo que exclui o subjetivismo e é por

essa porta que a nossa conduta, como fruto da nossa consciência, passa por

julgamentos próprios, mas, também, de outros elementos da sociedade.

Em consequência desta atuação, ou seja, neste particular de objetividade,

torna-se genuinamente ética pois é elevada à discussão entre todos os

elementos do grupo para um consenso geral, pois caso contrário, seria

complicado gerir um clube, ministrar a área política do desporto ou até mesmo

gerar o consenso ético entre todos os atletas da mesma equipa.

Se desejarmos figurar como exemplo usando a Gestão do Desporto diríamos

que estamos permanentemente sujeitos a uma “Normalização da Gestão” que

nos estabelece como registar, classificar e demonstrar o percurso evolutivo na

construção de uma infraestrutura desportiva e os seus desvios orçamentais ou

até mesmo na estruturação de uma organização, associação, instituição ou de

um evento desportivo. Mas também, de uma Auditoria Interna às respetivas

contas e ao orçamento estipulado e definido inicialmente, que corrige, fiscaliza,

crítica e orienta as nossas ações como gestores e políticos desta nossa área

do desporto.

Os princípios de consciência têm indicado, por exemplo, na Política, como

manifestação geral, a tendência para um conservadorismo moral, para uma

realização compatível com a própria função de “Pessoa de Confiança”, como

deverá ser o cargo político.

O absorver os segredos da Instituição ou de um Ministério, que se representa,

ao obrigar-se a mantê-los em sigilo, por uma força ética, o político e por

inerência um gestor, em geral, é um homem com precaução no falar e no agir.

Não podemos, também, perder de vista, nesta questão, o conceito de

Descartes, que atribui à consciência o que se adquiriu como experiência. O

normal seria que quanto mais experiente fosse um gestor ou um político, tanto

mais viria a ter a sua consciência ética aguçada, mas nem sempre isto é o que

se verifica.

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Este ângulo de observação do filósofo francês pode ser lógico, mas Lopes de

Sá (1998) não o considera prático, para mais numa sociedade em que o

dinheiro tem-se sobreposto à humanidade.

O normal é que a sabedoria derivada da experiência melhore a conduta, mas

as ambições que residem nos egoísmos, que Descartes entende como prazer,

como felicidade, podem ser canalizados para um materialismo exacerbado e

condenável. O objetivo da política é a felicidade das pessoas, de todos os

homens da polis, e tais egoísmos que comprometem a falsa felicidade

colocarão em causa a verdadeira política e o digno “homem político” enquanto

homem de virtude.

Neste caso referido, da supremacia do valor monetário sobre o humano

processam-se deformações da consciência e rompe-se a moral tanto

proclamada, e se se troca o dinheiro pela moral, logo não há dignidade humana

nem garantia de uma qualidade de vida humana.

Neste território politico-desportivo de investigações sobre a consciência ética, é

possível ter uma clara visão do quanto ela depende do ambiente, das

circunstâncias que podem levar o homem político do desporto, em casos

extremos, a entrar em conflito com o interesse social e com os restantes

membros da polis.

Também pode ocorrer que o homem ético do desporto se volte contra medidas

preventivas dos poderes que gerem o Estado pelo homem político governante

e legislador e que forçam medidas em nome social, mas na verdade, com

lesões ao interesse individual do próprio homem do desporto que exerce o seu

trabalho na área desportiva e educativa.

Refiro-me, por exemplo, em termos práticos ao que se passa no seio da

política desportiva, com a intervenção do homem político legislador, em que o

poder desportivo representado pelo respetivo órgão legislativo estabelece

determinadas leis que obrigam ao homem ético do desporto a denunciar o seu

semelhante em situações em que são consideradas atuações desleais a nível

de concorrência, atendendo ao incumprimento de determinadas obrigações,

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quando os mesmos também estão perante as mesmas obrigações e sem as

aplicarem na prática.

Quando o respetivo exercício político, seja com o intuito profissional ou

meramente vocacional, a consciência ética atua na sua especificidade e

portanto apresenta virtudes também específicas, nesse caso, segundo Lopes

de Sá (1998) é preciso seguir-se a razão fundamental que é a da necessidade

de adicionar, no plano virtuoso, as pessoas que ele apelidou de “células

sociais”, isto é, o património social e a riqueza inerente ao mesmo.

Transpondo para a política do desporto, no caso do homem político, no seu

exercício quer no âmbito do treino desportivo quer na gestão das estruturas

orgânicas, é crucial ter como objetivo a defesa das “células sociais” de todos os

elementos constituintes da polis através do desporto, na sua relativa interação

com o Estado na vertente ética e social, pois caso não ocorra a respetiva

interação promovem-se desequilíbrios no seio da mesma polis.

Lopes de Sá (1998) atribui o termo “célula social”, pois para ele é o que há de

mais essencial de ser assegurado, prevenindo-se assim a ocorrência de

desequilíbrios. Ocorre assim como no caso da ideia de “unidade celular” em

face do objetivo que o homem político do desporto persegue e da interação que

deve existir com um organismo que representa o coletivo, ou seja, não se pode

dissociar a riqueza da célula social, isto é, da sociedade, nem esta do homem e

nem este da sociedade, sendo o homem um elemento integrante e convivente

da Polis e responsável pelo seu desenvolvimento de acordo com a sua conduta

virtuosa.

Não é possível imaginar a célula, a polis, sem que possua a riqueza como meio

que alimenta a própria existência da mesma, nem justificar seja o que for sem o

homem do desporto e nem uma sociedade sem a participação das suas

unidades que a compõem, integradas no sistema associativo, federativo e

governamental.

É fulcral definir um papel de gestor ou de político com virtudes numa

determinada área em que se executa a respetiva ligação e orientação na

solução dos problemas e fenómenos sociais inerentes à respetiva matéria,

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tendo por vista o equilíbrio social promovido através da defesa das “células

sociais”. Todos os elementos constituintes e orgânicos da Polis devem

patentear utilidade e primazia humana, atribuindo, de uma vez por todas, ao

homem do desporto, capacitado de alma e espírito, o seu lugar mais que

merecido no seio do comando político na área desportiva em sintonia com o

Estado Ético e composto na área social.

Uma consciência ética pode não corresponder à melhor das expetativas,

havendo condutas nada éticas, dependendo de certos fatores que deturpam a

dignidade humana motivados por fanatismos políticos camuflados de religiosos,

como por exemplo, o ataque às torres gémeas, a 11 de Setembro de 2001, em

que princípios e paixões de diversas naturezas ultrapassaram o limite

considerado ético e moral tendo existido uma extrapolação na passagem dos

próprios limites em qua a ética não conseguiu impor os ditos limites à condição

humana.

O mundo exterior pode mudar o mundo interior do homem político num

determinado tempo e em qualquer espaço, dependendo da qualidade da

estrutura da consciência ética e da força das circunstâncias do meio envolvente

numa interação entre a hereditariedade e o ambiente, dado que a ética é a

colocação de limites e nem sempre a mesma consegue impor os limites ao

homem.

A este respeito Meneu (1995) refere que essa maior incidência das alterações

são notadamente favorecidas pela ignorância, pela inexperiência, pela carência

de amor dos seres e que se espelham nos seus medos e consequentes

inseguranças e submissões. Quanto menos culto é o homem, mais é suscetível

de influências e quanto menos culta uma sociedade mais facilmente se deixa

levar por práticas enganosas dos que detêm o poder político, inclusive o

próprio fanatismo.

Quanto menos culta é uma classe, mais vulnerável se torna na sociedade,

quanto menos culta uma nação mais se torna suscetível de ser dominada, e

portanto é crucial a aposta numa educação com o intuito de formar e instruir o

homem político do desporto.

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A ignorância facilita o enfraquecimento da virtude. O filósofo grego,

Hermógenes versa sobre a ignorância, “dois ignorantes encontram-se e não

tardam em de agredir, dois sábios encontram-se e não tardam a se abraçar”. O

erro pode consagrar-se como conduta aceitável até perante a polis, isto é, na

envolvência social, e tornando-se ético na prática, todavia, jamais se poderá

aceitar como verdade nos princípios da Ética e nesse ponto é que se

diferenciam as qualidades das consciências, as quais determinarão as

respetivas condutas humanas.

O próprio Aristóteles, um dos mais consagrados pensadores da ética, tinha na

sua consciência a aceitação da escravatura como algo natural, consagrando

uma atitude aceite pela sociedade do seu tempo. Os seus conceitos provinham

dessa ética relativa à sua envolvência social e sobre o que se passava na Polis

desse tempo, e não nos podemos esquecer que, ao longo do tempo estivemos

em presença de vários tipos de sociedade, tais como, a Sociedade Tradicional,

Moderna ou a Ultra Moderna ou Contemporânea.

Associado a cada tipo de sociedade, teríamos um determinado tipo de

conhecimento, de saber e até mesmo de pensamento, em que uns prevaleciam

sobre outros.

Na sociedade tradicional estavam mais presentes e identificados os saberes

filosófico, religioso e teológico, como, posteriormente, na transição para a

sociedade moderna se encontrava alicerçado o conhecimento científico. Nesta

sociedade contemporânea evidenciamos a notoriedade de todos os tipos de

saberes, do filosófico ao científico, em harmonia e em conjugação, sendo que o

tipo de sociedade reivindica um determinado tipo de saber para si, o que vai

definir e orientar as mentes do homem do desporto que vive na Polis numa

determinada época.

Não podemos, num sentido absoluto, considerar Aristóteles, um antiético, já

que foi um dos pensadores mais notáveis da época em questão. Não obstante,

podemos admitir um estado especial de consciência derivado de uma

relevância de um saber imposto, o qual estava sob o forte impacto da pressão

do pensamento coletivo do seu tempo.

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Se aceitarmos a verdade de um determinado tempo como absoluta estaremos

negando a evolução do pensamento. Por tal facto, a verdade, como absoluto

alcançável a cada momento é atemporal, e a ética de cada época não pode

ser, perante a parte da moral, senão casos especiais de estudo, como é o caso

desta dissertação, jamais podendo alcançar o carácter de universalidade

científica.

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6.Deveres do Homem Ético e Político do Desporto

Compreender os deveres éticos que o homem político do desporto terá que

colocar em prática é de extrema relevância para o tema desta investigação, a

qual pretende levar ao leitor a face da revelação e da exteriorização do

comportamento do homem político do desporto em sociedade e perante a sua

profissão. Tais aspetos emergem para a necessidade de uma conduta virtuosa

e de uma consciencialização ética.

Muitas são as definições apresentadas para explicar e exemplificarem o dever,

tais como, a harmonização das faculdades individuais com as imposições do

bem geral, ou ainda podemos centrar-nos na definição da necessidade

absoluta que impõe à vontade uma lei imprescritível ou irrevogável e universal.

Mas estas e outras definições idênticas não bastam para o esclarecimento do

assunto, pois a sua importância é tão grande que impõe um maior

desenvolvimento do tema, e por tal motivo determina uma reflexão no âmbito

da filosofia política do desporto, tema desta dissertação.

O dever pressupõe e implica o conhecimento que diferencia as condutas

corretas das condutas incorretas do homem político do desporto. O dever

considerado sob este aspeto é a consciência clara que o homem civilizado

eticamente deve ter da atitude que deve adotar em cada momento, em face de

cada problema. Diz respeito à orientação do seu espírito e da sua alma e ao

sentido da ação implícita perante uma conduta para consigo próprio, para com

o desporto e para com a sociedade.

Segundo Viana (1989) o dever pressupõe e implica dois conceitos opostos, a

subjetivação e a objetivação. Exige subjetivação, para que o individuo saiba

aplicar, a si próprio, a lei moral, e não apenas enunciá-la.

Já Séneca afirmava que, não obstante, muitos homens conhecerem

teoricamente a vertente ética, a maior parte da sua vida fazem o mal, uma

outra parte não fazem nada, e o resto do tempo a fazer tudo diferente daquilo

que se deveria fazer.

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Porém e para Viana (1989) para além desta subjetivação, importa realizar um

esforço “sine qua non” de objetivação, e isto para que não se confunda o bem

geral com o bem individual.

Com efeito, o que é bom para um determinado homem nem sempre se

identifica com o bom, puro e simples, pois, para dar um exemplo, no primeiro

caso, o bom é um elemento estável e encontra-se essencialmente fora do

individuo. No segundo caso é inerente a ele e é instável, pois pode variar com

a sua disposição de espírito e de alma, com as mudanças da sua afetividade e

dos seus sentimentos.

O dever moral não consiste apenas em distinguir entre o bem e o mal. O autor

refere que estes são os dois polos, os dois núcleos-base, havendo entre eles

pontos intermédios, tais como o melhor, o pior ou o possível e o impossível e

até mesmo, o oportuno e o inoportuno. É por isso mesmo que a componente

moral implica duas funções, determinar claramente o bem moral e a interação

entre o objeto da moral e o homem com o qual ela se relaciona.

Ainda segundo a fundamentação do mesmo autor, o dever moral deve ser

considerado como algo de positivo e de inerente à própria vida e no

pensamento moral, pode surgir, também, o elemento negativo, mas apenas

com função reforçadora do elemento positivo, como por exemplo, “devo

guardar segredo; não devo falar” (p. 348) sendo a excelência humana a

condição primária e principal de todos os deveres éticos.

O “dever” de viver está implícito no dever de bem viver e todo o ser humano

vivente é um “devedor”. Por isso Viana (1989) evoca sob este prisma, que uma

morte pode ser uma infelicidade pública, se quem morreu foi um homem ético

ou um benefício público, se quem morreu foi um homem antiético.

Contudo penso que é sempre de lamentar a morte de um ser humano por mais

brutais que fossem os crimes cometidos em vida contra a sociedade, como por

exemplo, Saddam Hussein, através da dizimação com armas químicas no

Curdistão e no Irão, matando milhares de pessoas, mas nada no meu

entendimento, através do dever de punição do “homem legislador”, é

justificável para aplicação da pena de morte e sobretudo com a congratulação

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de tal ato como garantia de uma importante vitória para a liberdade de um

Estado.

Um Estado justo e Ético é um Estado com princípios éticos e morais, com

deveres e direitos com vista à humanização e à sua dignidade caminhando

para a glória, na qual deverá assentar o “dever” da excelência humana como

dever ético.

Um ponto importante será proceder em separado quanto à interpretação do

que possa ser o entendimento incorreto do “dever”, pois o dever moral não se

relaciona com as ideias de “retribuição” e de “gratidão”, com os interesses ou

ambições humanas e Renato Kehl (1958) fundamenta que o dever não implica

favores, retribuições, reciprocidade. Deve-se cumprir o “dever” perante os pais,

perante a família, a sociedade, a pátria, sem outro instinto que o de obedecer

aos imperativos abstratos, anónimos, da consciência coletiva.

Como já foi referido, o dever moral tem projeção pedagógica, politica e social, é

exemplo e lição. O dever bem cumprido enriquece o indivíduo e as nações, o

dever desprezado pode arruiná-los e a este propósito será essencial citar os

seguintes versos de Alfred Tennyson, poeta Inglês, referentes ao duque de

Wellington, incluídos no poema:

Death of the duke of Wellington

“Not once or twice in our fair island story. The path of duty was the way to

glory”.

“Mais uma vez, na história da nossa bela ilha, o caminho do dever foi o

caminho da Glória”.

O dever moral confunde-se com o caráter, entroncando com a disciplina e com

a hierarquia e quando alguém apresente rebeldia ou inacessibilidade ao

cumprimento do dever, tal atitude denuncia desorientação, falta de palavra,

indignidade, egoísmo e espírito antissocial. Muitas vezes ouvimos no nosso

dia-a-dia a expressão “ Um só homem, uma só palavra”.

Cada um, homem do desporto, trabalhador, pensa em vencer ou em superar

qualquer companheiro ou adversário, pois quer na vida quer no desporto não

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há inimigos, pelo contrário, há adversários sem os quais não seria possível

vencer nem alcançar a tão proclamada transcendência e imortalidade.

Mas há um “choque silencioso” de pessoas inquietas e de consciências

desformadas que cria, no mundo contemporâneo, uma atmosfera perigosa de

inveja, de angústia e de desagregação. Se o “vence”, vangloria-se e se “é

vencido”, desespera-se e pensa, desde logo, em tirar uma desforra.

Mesmo na orientação psíquica ou mental do trabalho cometem-se erros de

ordem filosófica e ética, praticados pelos homens. Na realidade este clima

moral está a tornar-se catastrófico, gerando, na sociedade, uma psicose de

uma surda adversidade e hostilidade, de uma permanente “guerra-fria”, e ao

agir deste modo, o trabalho desmoraliza e “intoxica” as almas, em vez de as

dignificar e enobrecer, pelo que o caminho que convém trilhar não será bem

este.

Para fundamentar a minha versão Viana (1989) refere que “de modo algum

interessa estar, cada um, ao trabalhar, a pensar continuamente naquele que

pretende superar, humilhar ou derrotar” (p.127).

Aquilo que cada homem, onde se situa o homem político do desporto, deve

esforçar-se por conseguir é a perfeição e o rigor no trabalho realizado, em

obediência aos princípios de cumprimento do seu dever, de execução do

melhor possível da sua missão ou tarefa e de fazer, cada um, o que pode e o

que deve sem lhe interessar, invejosamente, o que os outros façam.

Importa cumprir o dever e ser honesto e perfeito no que se faz perante a vida

em sociedade, em que o ponto de alcance e de execução deve ser a “obra”

que se realiza, o trabalho árduo conseguido, e não o “homem” que ao nosso

lado ou do outro lado da rua, em plena prova, ou na nossa equipa de projetos

de eventos desportivos também trabalha, e está em atuação connosco, num

verdadeiro palco de aprendizagem. Só assim é que poderemos melhorar as

nossas aptidões e qualidades.

Aliás, no desporto não há inimigos, como referi, só há adversários, pois o

homem político do desporto precisa do “outro”, seu colega, para se superar. É

este preceito que temos que interiorizar nas mentes e nas almas alheias ao

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desporto e que muito carecem do apoio da alma e do homem bom pois se cada

um se devotar, com a “alma limpa”, ao cumprimento dos seus deveres e

apenas pensar em trabalhar honrada e dignamente, com brio e consciência, o

mundo, sem deixar de progredir, tornar-se-á melhor e digno de ser vivido e os

homens estimar-se-ão sem reserva mental e as suas relações tornar-se-ão

mais cordiais e mais humanas.

É isto que espero! Esta é a sociedade contemporânea que terá que despertar

para atualizar o “chip” da humanização e da sua dignidade.

O dever cumpre-se não para superar outrem, mas por imperativo categórico,

por firme amor à justiça, à verdade, à honra e à lei, como evidencia o filósofo

Kant em “Fundamentos da Metafísica dos Costumes”.

“Dever! Pensamento admirável que não atua por insinuação, por lisonja ou por

qualquer espécie de ameaça, mas apenas com vista a manter na alma, a sua

lei aberta, e a granjear, deste modo, para o individuo, o respeito, embora nem

sempre a obediência; perante ele, todos os apetites são surdos, embora

secretamente se revelem” (secção I).

O dever moral não compete apenas aos grandes e poderosos, compete a

todos, em todos os setores da vida, em todas as profissões e vocações há

lugar para o dever, e quem não cumpre renega-se e trai a sua missão. A

melhor vida diz o sociólogo Francês Edmond Goblot não é a mais longa, mas a

mais rica, a mais rica de dois bens que não se separam senão nos seus graus

inferiores, o prazer espiritual e a ação honesta.

Muitas vezes sinto-me triste ao passar na rua e ouvir as pessoas, o homem

político do desporto a pretender estribar-se em argumentos tipicamente

ilusórios.

Não podemos esquecer-nos que cada um, cada homem político do desporto é

constituído de racionalidade, de pensamento e de poder de alcance da Areté, e

o sentido que cada um dará a essas virtudes só a ele dirá respeito na

construção do seu destino ou do seu futuro. Na realidade, o homem ético do

desporto deverá sempre cumprir, em todas as exceções, os seus deveres, sem

querer saber se as demais pessoas cumprem ou não.

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A admitir-se tal hipótese, o mesmo homem político do desporto, seria honesto e

desonesto, praticaria conjuntamente atos morais e atos imorais, conforme

tratasse com “pessoas de bem” e com “pessoas de mal” ou com pessoas

honradas e com pessoas desonradas. Isto tornaria, como é óbvio, as relações

humanas, no plano ético, instáveis, desorientadas e cínicas.

E relativamente a esta matéria será significativo mencionar um ponto

importante, a consciência ética, pois ela impõe um sentimento de cumprimento

da mesma e a isto podemos denominar “dever ético“ ou dever moral, como

outros pensadores referem, dado que a ética é considerada a teoria da moral.

Cumprir o que se faz útil e necessário à sobrevivência em harmonia, própria e

do grupo, dos semelhantes, da sociedade, é um “dever” ou obrigação perante

as regras de convivência.

Quer aceitando-se que isso seja uma disposição de vontade, como Kant

admitiu, bem como os sociólogos Spencer e Durkheim admitem, quer sob um

ângulo idealista, quer materialista, quer compulsório, o dever situa-se como

uma disposição especial a exigir o seu cumprimento como condição de

respeito, conveniência e êxito da conduta humana perante terceiros.

Há uma lógica natural do dever que, “partindo do nosso espírito” nos estimula a

cumprir os modelos mentais e educacionais, estes que recebemos e aqueles

que adquirimos pela convivência.

Segundo Spencer existe uma cobrança em nós mesmos que nos impele ao

correto e a questão é observada por um ângulo que muito se aproxima da

visão de Kant e ao que o mesmo denominou de “boa vontade”, como indução

ao sentimento de dever, como atuação de uma sensibilidade ética.

Na explicação de Lopes de Sá (1998) se um homem mantém sigilo sobre uma

informação que lhe revelaram, segue a respetiva conduta quase por um instinto

natural de vontade, mas, se não o faz, recebe, intimamente, repreensões da

sua consciência, sentindo um certo peso que não pode explicar mas que pode

perceber, a tal consciência pesada, que muitas pessoas dizem ter após alguma

decisão, além da condenação de quem foi prejudicado e de terceiros que

possam observar nesse ato uma desqualificação para quem o pratica.

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Um homem do desporto que use substâncias dopantes para melhorar o seu

rendimento desportivo sentirá que a sua consciência pesará por tal conduta,

mas a ânsia num grande desempenho o levará a tal, e se posteriormente em

prova for apanhado num controlo positivo e penalizado perante o sistema

desportivo será visto pelos colegas de profissão como um homem antiético.

Um elemento que não respeita a verdade desportiva desrespeitando o próprio

desporto em si, ou até mesmo, o facto de ser visto em tal prática pelos seus

colegas, ou ser mencionado perante os mesmos, mesmo antes de qualquer

resultado de punição do sistema desportivo, sofre com esta revelação que se

mostra punitiva perante os restantes elementos da equipa ou de profissão.

A ética, como conduta, é quase intuitiva, a partir das bases educativas comuns,

mas aperfeiçoa-se, como já foi mencionado, quanto à complexidade dos

deveres, pelos Códigos, através das Leis ou regras, pelo consenso nas

comunidades, aceites e geradas especialmente para tal fim.

O que parece existir em nós como algo natural pela força dos costumes pode

identificar-se, e quase sempre isto ocorre em regulamentos e leis, como ações

de ordem obrigatória.

Tais resultados normativos não permitem, por si só, no campo do

conhecimento a confusão do legal, do regulamentar com o ético, seja sob os

ângulos ou esferas da sensibilidade, como um complexo de tudo o que é

sensível no homem, isto é, tudo o que pelo homem pode ser percebido através

da sua racionalidade.

Lopes de Sá (1998) aponta na sua obra que o que contraria o normativo pode

não contrariar o ético e vice-versa, em sentido relativo. Quando, entretanto,

existe uma coincidência de princípios, tudo o que contraria tal consolidação é

uma violação e a transgressão, por efeito, passa a ser um defeito.

Assim, por exemplo, caluniar um amigo motivado pela inveja ou desejo de

ascensão social, é uma traição, e esta é um dos mais abomináveis defeitos do

homem e neste caso do político do desporto, condenável pela má qualidade

moral de quem o pratica. O traidor é um ser deformado moralmente, indigno do

respeito dos seus semelhantes e antes de tudo, um covarde. A obrigação de

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lealdade advém da virtude exigível para a amizade, para as relações de

ligações de trabalho e para o funcionamento social em harmonia na polis.

A emoção inerente que impele a distinguir o bem e o mal, que nos conduz em

direção ao que é certo e que nos reprova diante do errado, é, como o admitiu

Rosseau, algo natural, sendo esse o sentimento que nos modela para o dever,

pelas vias de uma consciência ética.

Aquele que vive no vício, como exemplifiquei no caso do amigo traidor, ou no

caso do “doping”, não possui a sensibilidade ética nem a racionalidade

pertinente, e termina, quase sempre, desprezado pelos seus próximos, amigos

ou colegas, como um marginal no seu grupo, embora possa, de uma forma

temporária, tirar proveito do seu ato indigno como acontece, por exemplo, no

ciclismo, quer com Marco Pantani ou com Armstrong.

A relacionar com o dever, e como já foi mencionado neste estudo, não

podemos deixar de abordar a pertinência da educação. Não entendo como útil

o que se denomina educação, deixando que o educando faça tudo o que quer,

ao sabor do acaso e de uma suposta liberdade, sem uma orientação

competente para o que é necessário no campo da moral e da ética.

Da mesma forma, não posso conceber uma comunidade profissional que não

esteja orientada por uma norma de conduta ética e que não eduque

constantemente o seu grupo, a sua sociedade, a sua polis.

A orientação para o cumprimento do dever é tarefa educacional permanente,

quer dos lares, quer das escolas, quer das Universidades, quer do Estado, quer

das demais instituições. Educar, que significa alimentar para o dever é

contribuir para a harmonia social e para o êxito do homem político do desporto

que recebe os modelos de conduta.

Sendo assim, o sentido do dever parece ter proveniência de disposições

ocultas no nosso espírito e em nós manifesta-se como se fosse uma vocação

ou aptidão específica em que tal missão parece ser uma parcela de um sistema

gigantesco e indefinido para nós, quanto às suas finalidades últimas, mas

plenamente identificável e percetível nos objetivos que nos estão próximos.

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Lopes de Sá (1998) faz referência que não tem conhecimento de casos nem

referências de estudiosos que pudessem ter comprovado a excelência da

conduta apenas por um efeito absolutamente natural. Embora saibamos que o

natural ocorra, isto não exclui a admissão de que também o aperfeiçoamento

se faça imprescindível.

Parece determinante e relevante a qualidade da educação, pois esta,

paralelamente ao bom caráter, ao ambiente sadio em que se forma o homem,

procura também uma consciência ética de qualidade, e a mesma ao firme

conceito de dever. Mesmo os dotados não podem prescindir do referido

“polimento”, desse acrescento à natureza.

Somos parte de uma sociedade que nos oferece grandes vantagens mas que

nos requer como participantes ativos da sua organização e servi-la deixa de ser

um dever imposto ou mesmo sugerível, para emergir do racional e do sensível.

A racionalidade de um dever para com a entidade social, ou seja, a nossa

sociedade, a polis, significa também ser sensível, ao que Lopes de Sá (1998)

designa de “lei de retorno”, ou ainda, ao que devemos dar, não só em razão do

que recebemos, mas como um princípio que nos habilita sempre a continuar a

receber, em face da nossa posição na interação dos benefícios. É neste prisma

que inserimos a velha máxima de São Francisco de Assis, “porque é dando

que se recebe”.

Paralelamente ao assunto da “racionalidade ética” é importante referir na sua

ligação ou conexão à “vontade ética” que tudo o que provém do carácter já

formado sob as condições da génese ética é ato de vontade.

Um complexo de atividades do homem político, já inserido no seu universo

mental, caracteriza o que denominamos de “vontade ética” a qual envolve a

ação e a reflexão, que no campo da ética se evidencia por uma atitude

aparentemente impensada e automática, como imposição de uma energia que

se situa na nossa mente e que nos força a praticar a virtude sem os maiores

raciocínios.

A vontade ética envolve, igualmente, a “tendência ética” que possui a sua

explicação nos efeitos de uma sensação de inclinação para a prática virtuosa.

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O desejo de agir corretamente, de praticar o bem, inerente à formação natural

de alguns dos homens é inegável quando na profissão recebem a educação

ética específica tornando-se verdadeiros gigantes da ética.

Vidari (1992) alerta, contudo, para se ter o cuidado e se evitar os extremos, ou

seja, a potencialização da tendência com a irracionalidade do excesso de rigor

que pode levar a radicalismos e terminar a prejudicar em vez de beneficiar a

sociedade e o homem político do desporto quando sob certas circunstâncias se

situa na inflexibilidade e na austeridade.

É pertinente focar o instinto ético na vontade ética, pois a ética é um fim e é o

que caracteriza o instinto ético uma vez que os valores são fins e não meios.

O instinto busca a utilidade porque é uma forma de ação que visa ao homem

político do desporto, mas, no sentido ético deve ser tomado com a

condicionalidade que liga o homem à sua sociedade, à sua polis.

Lopes de Sá (1998) salienta que embora o instinto seja fortemente subjetivo,

não poderá ser excluído da conceção ética, se ele se fundamenta numa

proteção respeitante dentro do todo em que o homem político se insere.

“O instinto ético não provém de algo que se recebeu nem do que se escolheu,

mas de uma disposição natural, biológica, de autoconservação pela prática de

uma ação, sendo estável na sua manifestação” (p.87).

Cada uma destas parcelas (ação reflexa, tendência ética e instinto ético)

constitui-se como um todo denominado de “vontade ética” e que tem a sua

importância e que se justifica como conceito dentro do estudo da matéria.

O estado de consciência ética está em interação com a vontade ética e o ato

volitivo, a espontaneidade aparente no cumprimento dos princípios das virtudes

morais e éticas provém de uma consciência formada, mas dela se distingue

pela forma e pela prática efetiva ou ação do estado consciente mental.

O homem antes de ser um animal político é um cidadão e é sobre a estrutura

deste que se formam as estruturas da sua atividade política. Há deveres que,

antes de serem políticos e profissionais ou vocacionais são humanos e cívicos.

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Quando certas virtudes e bons hábitos faltam ao individuo como cidadão, de

uma forma lógica irão faltar, naturalmente, ao homem político como ser político

do desporto.

Importa, por isso mesmo, fixar algumas regras essenciais, que o homem do

desporto, digno de tal nome, deverá respeitar evidenciando-se como o “homem

ético” integrado e camuflado ou inserido na pele de “homem político”.

Para tal, existe a necessidade de as acompanhar no âmbito de fundamentação

teórica inserida na lógica e nos pensamentos de São Tomás de Aquino e de

Santo Agostinho, sendo posteriormente mencionadas nas obras de Figueiredo

(1936) Renato Kehl (1958) e Viana (1989).

O dever de sinceridade no “homem honesto” em que este deve proceder e falar

sempre com boa-fé, sem intenções ocultas, sem reserva mental e sem malícia.

Quem procede com sinceridade é capaz de reconhecer o seu erro, quando lho

demonstram, seguindo a lição de Santo Agostinho: “ A objeção do adversário

deve ser, para vós, uma ocasião de vos instruíres”. Precisamos do adversário

no desporto para sermos melhores, para aperfeiçoarmos a técnica e a tática, a

própria prática política implica tal visão, o confronto de ideias, para um melhor

esclarecimento e desenvolvimento na busca da polis ideal como Estado Ético.

Menciona Renato Kehl (1958) que no que diz respeito à palavra convém

acentuar que o facto de ser sincero não quer dizer que se diga tudo o que se

pensa ou sabe. A sinceridade, para uma boa política, deve conciliar-se com a

prudência, “ Falar com sinceridade sobre coisas que devemos calar, é como

disse alguém, faltar à prudência, à honestidade, e, muitas vezes, à caridade”

(P.104).

Ser delicado, cortês, é um dever, em suma, ser humano não custa dinheiro. A

vida social e política, quando nela predomina uma correta e honesta

sociabilidade, isto é, uma verdadeira política, decorre num ambiente favorável e

feliz no bom sentido do conceito filosófico de felicidade, em estar o máximo de

tempo possível a fazer o que gostamos mesmo de fazer e vivermos para isso.

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Muitos problemas difíceis resolvem-se, apenas, com delicadeza. Aliás, há uma

antiga máxima que recomenda, “Respeita os outros, para seres respeitado”. A

falta de respeito pela pessoa do nosso próximo é a concretização de

sentimentos inferiores de egoísmo, e este transforma sempre em momentos

ordinários, repulsivos e desagradáveis.

Na política, as relações humanas devem ser norteadas pela calma, moderação

e ponderação. As atitudes violentas, intolerantes e agressivas arruínam,

prejudicam e são antissociais. O “homem político” na ação desportiva,

evoluído, educado, formado e instruído deve saber ouvir e saber calar, deve

saber guardar silêncio quando outras pessoas gritam e deve conservar-se

lúcido quando as outras pessoas ficam desorientadas e perdem o rumo.

A calma evita conflitos inúteis, muitos desentendimentos desagradáveis, muitas

discussões estéreis ou dececionantes. A propósito, pondera um filósofo “Uma

discussão surge entre duas pessoas, tu discordas, tu questionas

exaltadamente. Que concluir daí? Que tens razão? Não, apenas se pode

concluir que és violento e brutal”. Assim não poderá ser o homem político do

desporto.

Há necessidade de haver um dever de gratidão. A vida social e política no

desporto não pode basear-se sobre a injustiça, apresente-se esta de que forma

se apresentar.

O reconhecimento moral no seio social e político é um dos mais altos sinais e

prova de superioridade moral. Por isso, e de acordo com Viana (1989) a

ingratidão é uma consideração inflamante, o que levou a sabedoria dos povos

e das nações a condenar, “De mal-agradecidos está o inferno cheio”.

Evidentemente procede tão mal aquele que pretender forçar o seu próximo a

uma gratidão desmesurada ou humilhante, como aquele outro que tem

vergonha de se mostrar grato ou que retribui, abertamente, o bem recebido,

com toda a variedade de atos desumanos e cruéis.

No dever de obediência como dever geral, incluem-se alguns deveres

fundamentais, o cumprimento da palavra, o cumprimento dos contratos, o

dever de pontualidade, o dever de respeitar a honra alheia e o dever de

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escrupuloso cumprimento do trabalho. Em todos estes casos, o homem terá de

“obedecer” a uma combinação livremente aceite, a um princípio superior a ele e

útil ao seu bem e ao bem comum, e desobedecer a isso implica uma traição ao

contratado ou ao interesse geral, que é também o seu interesse.

A vida política e social baseia-se na confiança mútua: se alguém aceita fazer

alguma coisa em determinadas condições ou comparecer, a determinada hora,

em certo local, e se não cumpre o acordo pré estabelecido, comete uma falta

inadmissível.

Retirado da obra de Viana (1989) conta-se que, certa vez, um amanuense ao

serviço de Washington, quando este era presidente da República, chegou

tardiamente ao serviço alegando com cinismo:

“O meu relógio atrasa-se…

Se o seu relógio se atrasa, respondeu Washington com rara calma, arranje

imediatamente outro relógio, caso contrário, procurarei, eu, outro amanuense!”

No desporto evidencia-se tal desígnio, um atleta que hoje seja campeão e que

amanhã deixe de treinar e não queira mais saber do rigor do treino, que se

acomode ao passado e não prime a sua vida desportiva pela primazia, pela

verdade, pela precisão e pela eficiência que lhe permitirão ir ao encontro da

linha que lhe permitirá a sua superação e a busca pela transcendência está

definitivamente perdido e tornar-se-á um homem imoral.

No exercício político, um dirigente desportivo que permaneça sentado à luz do

passado brilhante e cintilante e que não tenha a astúcia de fazer mais e melhor

na sua carreira ao serviço da harmonia e da paz social, jamais alcançará a

virtude de um homem moral, de uma ética humana, será sempre um arruinado,

um devasso, um inútil e um corrupto para com o seu povo e para com a sua

polis.

No que diz respeito ao dever de perfetibilidade, o homem não é um ser perfeito,

mas é, sem dúvida perfetível e poderá ser trabalhado como refere Patrício, pois

o homem para além de ser a escultura é o escultor da escultura e a ferramenta

da mesma escultura. Pode cometer pecados e erros, mas deve procurar

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comete-los cada vez em menor número. O grande mal não está em errar mas

sim em persistir e insistir nos erros já cometidos, nada apreendendo com a sua

experiência pessoal.

É certo que há erros humanamente invencíveis, mas não é menos verdade que

também há erros perfeitamente vencíveis. Nenhum homem de boa vontade

deverá ou poderá escusar-se a dominar estes últimos.

Mas, para o fazer, é importante formar uma consciência insuscetível de errar

com frequência e vencer o amor-próprio. É preciso estar sempre vigilante,

porque a consciência pode enganar-se, se se mostrar duvidosa ou ser errada

ou falsa, isto é, se eventualmente classificar como boa uma má ação. E este

desvio tornar-se-á ainda muito maior se interferir no respetivo julgamento o

amor-próprio do indivíduo.

Relativamente ao dever de justiça, compete a cada um julgar o seu próximo

com zelo e humanidade, pois os seus juízos devem ser desapaixonados,

objetivos e corretos. O verdadeiro “homem ético” no desporto deve procurar

avaliar a verdade, esteja ela onde estiver, no amigo ou no inimigo, no

conhecido ou no desconhecido. A sua apreciação deve ser, tanto quanto

humanamente possível solta de sentimentos ou paixões desvirtuadas, como

por exemplo, a vingança, a inveja, o despeito, o interesse.

Na política do desporto, o cidadão consciente das suas responsabilidades não

deve acreditar cegamente em tudo que lhe dizem de suspeitoso e de mal. Deve

duvidar, com prudência, de boatos sem fundamento, de acusações maliciosas

ou de insinuações ofensivas.

É através de juízos formados com base em informações falsas, perversas ou

caluniosas, que muitos praticam ações injustas quer por palavras, quer por atos

colocando em causa toda a fundamentação e toda a ação política.

O dever de Humanidade é um dos que mais é mencionado nos livros e

compete ao “homem desportista” enquanto figura ética e moral tratar o seu

semelhante, o seu adversário em pista ou em jogo, o seu opositor no Estado,

com o devido respeito à pessoa humana para a respetiva atuação política.

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Este dever é extensivo a todas as pessoas e a todas as situações, aos que

mandam e aos que obedecem; aos que têm o poder de decidir e aos que não

têm esse mesmo poder. O dirigente desportivo, o treinador, ou político

responsável pala área do desporto, ao comandar a sua massa humana não

deve confundir autoridade com desumanidade, com autoritarismo ou com

brutalidade.

Por seu lado, o mais humilde homem não deve exigir o “impossível” ao seu

superior hierárquico, nem deve, tão pouco desvalorizá-lo só porque é seu

superior, não tendo a noção que só a unidade será sinónimo de vitória.

Todos os homens têm algo de comum na sua humanidade, e a caridade é uma

virtude que por todos deverá ser praticada, embora sob formas diversas.

Muitas vezes, aquele mesmo que se queixa da desumanidade do seu superior

hierárquico é o mesmíssimo que no seu plano familiar e social apresenta

comportamentos desviantes do tão proclamado humanismo.

Portanto, há aqui uma contradição, o mesmo indivíduo a queixar-se de um mal

que ele próprio pratica sobre outrem. Tal situação é deveras clara no contexto

político e desportivo, em que o “homem político” por inúmeras vezes aborda

questões sobre a ética ou sobre a falta dela em determinadas matérias quando

se sente prejudicado e noutros contextos da vida social atenta de diversas

maneiras e feitios contra o bem comum e institucional.

Há que presenciar o dever de coragem. No desporto há muitas pessoas

honestas no seu foro íntimo, e que, no entanto, procedem, com frequência,

desonestamente ou permitem a consumação de desonestidades, muito

simplesmente pelo facto de não serem capazes de tomarem atitudes definidas,

claras e firmes.

Estes indivíduos sofrem, fazem sofrer e espalham em redor de si ondas de

inquietação, de angústia e de mal-estar.

Estudos mostram que foram relatados medos, o receio, o espírito comodista,

inibem de procederem bem, não obstante conhecerem o bem. Alguns vão até

ao ponto de prejudicarem e ofenderem alguém e dirigirem-se-lhe a pedirem

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desculpa do mal que lhe causaram, “Eu reconheço que você foi ofendido nos

seus legítimos direitos…mas não pude fazer nada…” (Viana, 1989, p. 328).

O homem político no desporto que assim proceda é um divulgador insensato

do erro e do mal, uma moral abatida pode ser reabilitada por um direito severo,

assim como um direito mal orientado pode ser corrigido por uma moral rigorosa

e estamos perante a interação entre o direito e a moral.

E depois disto, importa ter coragem de servir de uma forma inequívoca e clara

as causas honestas, dignas, justas, mas servi-las de modo inteligente e reto,

em obediência a princípios racionais.

Há que se estabelecer o dever de trabalho. Como na vida, o desporto na sua

ação técnica e política implica este dever fundamental, como todas as pessoas

conhecedoras do fenómeno devem saber, a obrigação de evitar a inércia e de

desempenhar a atividade política compreendendo as capacidades psíquicas,

mentais e biológicas de cada um. Perante o trabalho dever-se-á nortear as

respetivas capacidades a todo um relacionamento do comportamento ético e

moral para a definição e integração do homem politico no seu trabalho em prol

do desporto, porque quando falamos do homem político e do homem

desportista estamos a estudar e a compreender o mesmo homem.

Aquele que pretender exercer a atividade política no desporto e na educação

terá que possuir aptidões e aquele que vê no trabalho um simples meio de

ganhar a vida, sem outra preocupação, afasta-se da ética da cidadania.

É preciso saber fazer da política um serviço social e trabalhar bem e

dignamente.

É importante trabalhar com honestidade, cada um no que sabe e fazendo

apenas o que pode fazer, sem pretensões a acumular atividades, apenas com

vista em lucros e sob o signo da ambição desmedida.

O último ponto deste capítulo que importa salientar promove uma abordagem

ao facto da sociedade não ser constituída por homens isolados. A sociedade

não é de modo algum uma disseminação de indivíduos solitários, os homens

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vivem em grupos constituindo e construindo uma polis bela de alma e espírito

no sentido do “Estado Ético”.

Esta realidade implica quatro tipos-base de fenómenos, de acordo com Viana

(1989).

a) Relações dos indivíduos dentro de cada grupo;

b) Relações dos grupos entre si;

c) Relações dos grupos com os indivíduos;

d) Relações dos indivíduos com os grupos;

Para a existência social, política, desportiva e comunitária ser possível torna-se

necessário que as supracitadas relações se processem a um nível mínimo de

dignidade, pois é precisamente a vida de relação, de ligação e de afinidade que

traça os contornos do mundo e das nações para a confiança mútua entre os

povos.

De facto, não pode haver convivência nem progresso sem alguns requisitos

essenciais, tais como um certo grau de agregação, a comunicação entre as

“pessoas” individuais e coletivas, uma vez que comunicar simboliza a nossa

existência. O homem desportista que não comunica está morto, e tal facto

torna-o no homem político por excelência na difusão do bem comum pela polis.

Neste sentido, e igualmente significativa, é a proximidade e boa vizinhança

entre indivíduos e grupos, nas várias formas, as relações definidas e honestas

entre os referidos indivíduos e grupos, e uma certa coesão dentro de cada

grupo, porque nenhum grupo poderá atuar confiadamente enquanto não

conseguir unir-se por opiniões comuns, afetos comuns e interesses comuns.

A vida em comum não é fácil e todos nós no nosso dia-a-dia sabemos disso.

Cada pessoa tem temperamentos diferentes, personalidades diferentes,

conceções de vida diferentes, interesses diferentes, aspirações diferentes,

formas de pensar diferentes assentes em filosofias de vida diferentes. Existe

um velho provérbio português que há muito reza: “Cada cabeça, cada

sentença”.

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No desporto presencia-se tal visão, pois trata-se de um fenómeno que para

além de cultural e de mítico-religioso, económico e político evidencia uma

conexão social acentuada, perante a qual Costa (1995) justificou como um

“facto social total”, sendo o desporto um regulador social e o espelho da

sociedade. O desporto faz apelo à inteligência e à cooperação com vista ao

rendimento e à superação, enquanto categorias axiológicas, entre todos os

elementos de uma equipa para se alcançar a tão proclamada vitória.

Mesmo no desporto dito “individual” há o coletivo, podemos observar a

presença do “homem sócio” pela definição de Viana (1989), o homem

integrante na sociedade, dado que para se superar e se transcender será

sempre necessário o “outro”, não como um inimigo, mas sim como adversário.

Então para que o grupo possa subsistir torna-se indispensável distinguir entre

os elementos agregadores e os elementos desagregadores, procurando

encontrar aquilo que é suscetível de unir e reconciliar os homens, e afastando

ou suprimindo as fontes de desunião e de desentendimento.

Terá de se estabelecer um mínimo de condições suscetíveis de tornarem

possível a coordenação de esforços e de boas vontades num ponto de

convergência, onde todos possam entender-se e dar-se as mãos na busca

incessante pela vitória, seja ela qual for.

Essas condições mínimas podem resumir-se, talvez, na admissão de uma base

ética, à qual quase todos e cada um em particular devem obedecer, como

respeitar, cumprir e fazer cumprir as leis emergentes da referida base ética.

Será também importante e fundamental admitir a sinceridade e a boa-fé do

referido “escol”, ou seja, a elite ética, procurando compreender a

transcendência da sua missão e procurando conhecer as intenções retas de

cada um, porque a condição indispensável para se viver harmoniosamente com

qualquer pessoa é conhecê-la bem.

De não somenos importância será afastar dignamente aqueles que na “escol”,

na elite ética, atraiçoam as bases éticas essenciais, mas logo aos primeiros

desvios, e antes que o mal alastre e se torne grave; antes que o mau exemplo

incite os perversos e antes que os justos e honestos sejam vítimas dos

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referidos desvios, porque toda a liberdade deve ser tida por legitima na medida

em que acresce o poder de fazer o bem, e fora daí, não.

“ A verdadeira liberdade, a que devemos desejar acima de tudo, é aquela que,

na ordem individual, subtrai o homem à escravidão dos erros e das paixões, a

pior das tiranias, e na ordem pública, oferece aos cidadãos regras prudentes,

facilita amplamente o bem-estar e salvaguarda a República de um domínio

arbitrário” (in Mário Gonçalves Viana).

A força e o poder tendem a desvairar o “homem atleta” e o “homem

desportista” e a levá-lo à prática de excessos e de abusos no exercício político

da sua atividade e na prática desportiva por inerência. Importa estar de

sobreaviso contra estes perigos e fixar princípios éticos fundamentais.

A força bruta, a força que é dada pelo poder ou pelos músculos, só vale

quando é colocada ao serviço do bem. Fora disto, semelhante força não passa

de um desvio lamentável. A força do espírito, da alma, da razão, da justiça, da

verdade e do bem é a verdadeira força, tanto para o homem que dirige, gere ou

administra, como para o homem que obedece e que deverá colocar a força

física de que possivelmente disponha ao serviço e em defesa das leis éticas,

obedecendo-lhes inteiramente e cumprindo-as com absoluta sinceridade.

Na ética desportiva e no exercício político do desporto, a força verdadeira não

se compadece com o medo, com a hesitação e com a impulsividade explosiva.

É dever do homem desportista enquanto ser político, responsável pela vida e

haveres dos outros, pela glorificação do seu Estado, não perder a serenidade e

a lucidez nas emergências difíceis, nas horas de luto, de dor, de sofrimento, de

perigo, de derrota, de triunfo, de alegria. Um indivíduo desorientado ou

descontrolado pode cometer, sem dar por isso e sem querer, as piores

indignidades morais.

Na ética desportiva e no exercício político do desporto a força verdadeira não

se compadece com a falta de confiança em si próprio, e aquele que duvida de

si fica à mercê das mais várias influências externas. Porém, a atitude contrária

é igualmente condenável, julgar-se alguém infalível e deixar-se dominar pelo

orgulho e pelo amor-próprio é um erro grave e de graves consequências. O

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político, o dirigente, o treinador ou líder deve ser firme, sem ser teimoso ou

rígido. Pode e deve saber desculpar as fraquezas daqueles que estão sob as

suas ordens, mas não deve ser “passa-culpas”.

Na ética desportiva e no exercício político do desporto a força verdadeira

revela-se por uma linha de conduta unitária, coerente e coesa, só por uma

conduta total. O homem versátil e inconstante, que manda ao acaso e ao

capricho de qualquer ideia súbita ou sob qualquer pressão, é um fraco e um

elemento de perturbação. Semelhante atitude pode resumir-se na seguinte

definição sugerida por Viana (1989): Ordem + Contraordem = Desordem.

Na ética desportiva e no exercício político do desporto, a força verdadeira tem

de se basear sobre a competência, sobre o conhecimento dos problemas e

sobre o exemplo. O político, o dirigente, o treinador ou líder responsável deve

saber pôr o homem certo no lugar que lhe compete, deve procurar conhecê-lo

razoavelmente bem, dando-lhe bons exemplos, ensinar-lhe a cumprir o seu

dever, proceder com boa-fé para com ele e recompensá-lo com perfeita justiça.

Só aquele que procede com reta consciência e saber pode sentir-se seguro de

si no posto que ocupa.

Na ética desportiva e no exercício político do desporto a força verdadeira não

consiste apenas em agir; consiste em resistir. Resistir à tentação do mal, da

corrupção, do facilitismo em evidenciar ou elevar o seu nome por fama alheia e

em resistir às pressões suspeitas do exterior.

O homem ético no desporto tem que saber resistir, igualmente, à influência dos

pequenos e dos grandes, dos astutos e dos fortes, nunca objetivar a prática de

uma infâmia por amizade, nem uma injustiça por ódio, ou um delito por

ambição. A força moral torna o homem superior às suas paixões e indiferente

às paixões do mundo.

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7. Educação, Orientação e Estado Ético

Para a obtenção de uma conduta virtuosa que direcione o homem político do

desporto nos trilhos gloriosos de uma consciencialização ética é importante que

o referido homem seja colocado perante uma educação que contemple uma

formação e instrução e que o oriente para a construção do Estado Ético.

Compreender o funcionamento de um “Estado Ético” implica perceber qual a

educação e orientação ética a ser seguida. Para tal, necessita da interpretação

com base na filosofia, de um fator de extrema relevância para este assunto, o

“Ideal ético”.

O Ideal moral terá de se basear na essência da própria natureza humana, pois

já São Tomás de Aquino considerava no seu tempo: “A natureza ocupa o

primeiro lugar em cada coisa.”

No Desporto não poderia ser diferente, dado que o Desporto só poderá ser

considerado como tal, atendendo ao facto de ser um acrescento à natureza

devido ao seu sentido cultural, para além do âmbito genético e instintivo.

O desporto é uma estrutura de sentido permitindo a interiorização do mesmo

como fenómeno cultural e que acrescenta algo à Natureza, sendo este o ponto

de partida para a nossa reflexão enquanto fenómeno humano, cultural, social e

político.

O acrescento axiológico, a escola dos valores, distingue o Desporto de uma

atividade física, e portanto o homem desportista como homem político

necessitará de se comportar em sociedade como um verdadeiro homem ético

construtor de um Estado de excelência humana perante as normas éticas na

composição do Ideal moral.

Considerando o problema sob este ponto de vista, Viana (1989) alude ao

poder da admissão no homem, a nível afetivo, de três atitudes fundamentais,

tais como, a irritabilidade, que implica atitudes defensivas ou de fuga, de

submissão ou de renúncia. A agressividade, que implica atitudes combativas,

de domínio, de ataque, de raiva e de ira. A reprodução, que implica atitudes de

conciliação, simpatia, cooperação, imitação ou amor.

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O homem terá de evitar o mal ou fugir do mesmo, submetendo-se às normas

éticas e de renunciar a quaisquer prazeres maléficos ou atividades nocivas.

Há que enfrentar de forma corajosa o mal, dando-lhe combate e procurando

dominá-lo, vencê-lo e suprimi-lo na medida do humanamente possível. Mas o

mais importante será o homem ético e político compreender que deverá possuir

uma atitude aberta e leal procurando amar o bem e praticá-lo, assim como

cooperar com o seu próximo e companheiro social, no sentido de melhorar a

sua conduta e a conduta alheia em benefício próprio e geral, isto é da

sociedade, para uma política social eficiente.

Então para uma correta política social e desportiva há que se construir um

homem com uma conduta ética assente em bases morais, cujo conteúdo de tal

propósito será a razão de ser do respetivo princípio ético e moral. Para poder

proceder desta maneira importa a cada pessoa poder e saber distinguir entre o

bem e o mal, a fim de poder escolher sempre o primeiro caminho, repudiando o

segundo.

Eis o ponto de partida essencial, segundo Aires Bello (1946), que admitindo

que na sua forma fundamental a consciência moral é inata, sendo necessário

de se reconhecer a consciência como sendo apenas a capacidade de emitir

juízos absolutos muito gerais, decorrentes imediatamente dos princípios

primeiros da moralidade.

Savianni (2009) estudou duas obras de Aires Bello, a “Filosofia Pedagógica” e

“Introdução à Pedagogia” e aponta uma contextualização do respetivo autor, o

qual refere que os princípios da moralidade podem reduzir-se aos seguintes: o

bem e o mal opõem-se, o bem é preferível ao mal, deve-se praticar o bem e

evitar o mal. São princípios muito gerais e que não podem de modo algum

servir de norma da conduta humana, se não forem aplicados num sistema

objetivo de deveres e exigências que constituem a lei moral”

Portanto, terá que se considerar uma outra dimensão para o estudo das

normas da conduta humana, muitas vezes afastado da linha de pensamento a

estudar, que é o problema das emoções.

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Então há que considerar, além dessa consciência de Aires de Bello (1946)

sobre os princípios gerais, o problema das emoções, porque a consciência é,

em suma, a capacidade de sentir as emoções éticas com vista à fixação de

ideias éticas.

Neste particular pode-se admitir que o homem político do desporto é

influenciado pelos sentimentos básicos da verdade, da beleza e do bem, pela

emoção do conhecimento ou da verdade, pela emoção estética ou de beleza e

pela emoção ética ou do dever.

Como facilmente se compreenderá, as próprias emoções da verdade e da

beleza entroncam-se na emoção ética, por isso é que o ideal ético é também

um ideal de verdade e de beleza, de verdade moral e de beleza moral. O ideal

ético é um Ideal estético, permitindo a comunhão perfeita entre a ética e a

estética, já abordada neste estudo.

Heguel (1876) refere no seu estudo que o objetivo supremo não é o

conhecimento da verdade, o conhecimento de Deus, e daí resulta que também

já não se conhece o que é o direito e o que é o dever.

Neste campo o Desporto funciona como uma verdadeira polis, atendendo à

presença ética e estética no debate, na linguagem e no planeamento

discursivo. A experiência estética no Desporto apresenta uma dimensão

emocional e comunicativa, o ambiente desportivo converte-se num terreno

emocional através da observação do fenómeno dada a sua sensibilidade (a

alegria, satisfação e calma na vitória, a tristeza, irritação e raiva na derrota).

O contato com o Desporto traduz-se num diálogo entre quem realiza e o que é

realizado e quem assiste. O desporto tendo algo para oferecer ao público,

constitui um elemento imprescindível à valorização do espetáculo desportivo e

à qualidade do diálogo que se estabelece, que deverá assentar em

determinadas características e patamares éticos e justos para o seu bom

funcionamento. Exemplos assertivos são:

Do estadista norte-americano Henrique Clay (1777-1852) que sendo candidato

à presidência da República proferiu uma frase que ficou célebre: “Prefiro ser

justo, a ser presidente da República”.

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E Wellington que afirmou: “ Há pouco ou nada, nesta vida, que valha a pena

viver, porém todos nós podemos caminhar direitos e cumprir o nosso dever”.

Mas, evidentemente, não basta conhecer o justo e sentir o justo, é

indispensável também praticar o justo. Embora segundo Espinosa, a falta moral

seja a consequência de um erro de julgamento, o que levaria a admitir que o

homem só por ignorância pratica o mal, o certo é que há diferença entre

conhecer o bem e praticar o bem.

É fundamental a importância moral do esforço honesto, talvez seja tempo de

reabilitar o valor do “esforço” e da “dor”, da disciplina, da vontade, ligada de

uma vez para sempre, não ao que agrada, mas também, a tudo o que

desagrada e que é duro e penoso.

Estamos perante uma sociedade do mínimo esforço, físico e espiritual, mas

teremos que ser eternos Sísifos na busca da verdade, da moral, do belo, da

sabedoria, da esperança e da plenitude. Monte a monte, sempre a empurrar o

rochedo, teremos que caminhar para a glorificação e para a transcendência

humana com total dignidade.

Viana (1989) pondera dois elementos fulcrais, a intenção e a ação que são de

extrema pertinência e relevância para este estudo na análise com total

conhecimento e transparência do bom funcionamento ético político e ético

social no desporto.

O propósito de fazer aquilo que julgamos justo deve ser completado por uma

ação concordante com semelhante objetivo, isto é, pela adoção dos princípios

éticos, gerais e especiais com vista à formulação de juízos éticos e à

submissão dos princípios e deveres éticos.

A ética, além do ideal a adotar na direção da vida, é também uma necessidade

da natureza mental e biológica, porque como refere Aranguren (1958) o

homem é, na sua constituição, um individuo moral.

Existe uma manifesta e até imperiosa tendência no homem, seja no exercício

de cidadania e político ou até mesmo no contexto social e desportivo, para

justificar os seus atos e pedir a justificação dos atos alheios.

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Indo ao encontro de uma dimensão antropológica, isto é verdadeiramente

humano e filosófico na sua génese, dado que a filosofia estuda as questões

centradas no homem, tendo Viana (1989) clarificado a aplicação da palavra

“justificação” como uma vertente que engloba o sentimento de justiça que é

inerente ao homem e que se concretiza em determinadas ações, tais como, dar

razão, negar razão, pedir contas ou até mesmo dar contas.

Para além do que faz ou executa o homem digno e ético de tal nome procura,

irresistivelmente, fazer ressaltar as suas boas intenções, porque é isso que

vale, como se presencia na sociedade e no desporto.

Soren Kierkegaard (1959) tem uma conceção muito interessante para

fundamentar a imagem de homem ético e honesto pois sustenta que quando

um homem receia a transparência é sinal que foge da ética, pois esta mesma

componente da moralidade na realidade vai ao encontro da noção de

transparência.

Por isso, a honestidade é mais do que cumprir fielmente a lei acima de tudo. É

cumprir conscientemente os deveres que a cada um competem, e segundo

Viana (1989) é uma virtude que consiste na prática rigorosa de todos os nossos

deveres, como homem cidadão e como homem-sócio.

A lealdade funde-se na intenção e não na ação e há igualmente juízes que são

justos por enganos, vestindo-se com a roupagem do homem do desporto,

experiente na dinâmica de jogo, e por vezes antiético que só quando erra é que

dá boas cartas aos jogadores mais novos e aprendizes. Por efeito deste

princípio pode qualquer homem ser íntegro e justo e ter concorrido para uma

ação injusta, como muitas vezes se presencia no desporto e no plano político.

O Ideal é, pois, conciliar o pensamento, o sentimento e a ação, procurando

viver num mundo mental e psicológico puro e sincero, virtuoso e coerente de

emoções saudáveis e de aspirações generosas.

Analisando a obra de Lopes de Sá (1998, p.80) deparamo-nos com uma

perspetiva de um enorme alcance ético. Como disse um velho e grande

homem sábio, de uma forma tão expressiva, e posteriormente postulado como

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uma regra do senso comum “uma noite com estrelas aprazíveis é melhor do

que mil noites nebulosas, sem o vislumbre de uma única estrela”

Só com ação é que poderemos ir ao encontro do “ideal” construindo uma nova

ética no sentido ontológico da palavra, pois de contrário estaremos a tratar de

uma “utopia”.

Assim a educação ética desempenha um papel crucial para o Ideal ético e

Viana (1989) faz referência a uma frase de Santa Teresa de Jesus, a qual

protagoniza a ideia de que dentro de cada um de nós há Deus e o demónio, e

mais tarde também, Henri Lacordaire, antigo deputado, educador e académico

Francês afirmou que no ser humano escondem-se um Santo e um malfeitor.

Através destes dois conceitos metafóricos ou simbólicos pretende-se salientar

que o homem político, neste caso, do desporto é impulsionado por duas forças

contrárias, ou seja, as forças do bem e as forças do mal, os bons instintos e os

maus instintos.

Conforme as forças que nos dominarem, assim nós seremos bons ou maus,

conforme o caminho que seguirmos, assim encontraremos o bem ou o mal,

conforme a escolha que fizermos, assim nos perderemos ou salvaremos.

A educação tem precisamente por objetivo básico elevar e canalizar o que há

de animalidade e de maldade no indivíduo. O fim principal da instrução refere

Leclercq é desenvolver o valor humano do homem, abrindo o seu espírito às

preocupações desinteressadas concernentes às transcendências do ser, isto é,

a verdade, o bem e o belo. É a ética com estética na formação do “homem

desportista” enquanto “homem político”.

Terá que haver uma formação, uma educação alicerçada numa componente

axiológica, e caso tal não ocorra, não caminharemos no sentido ético pois em

toda a sua plenitude humana é indispensável a educação moral, de acordo

com os princípios éticos e estéticos, como a única forma suscetível de dar ao

homem político do desporto as possibilidades de moralizar a sua conduta no

seio do mesmo desporto e da sua polis.

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O homem político do desporto terá de viver com vista a atingir determinados

fins, o que pressupõe o conhecimento dos valores correspondentes, isto é, a

realização de um esforço cognitivo sobre a existência tal como ela decorre na

prática, em conformidade com um suporte teórico fundamentado e a realização

de um esforço cognitivo sobre aquilo que o desporto e que a vida devem ser.

Viana (1989) explica estes dois “esforços” à luz da sua teoria. O primeiro

esforço é de caráter descritivo e analítico e o segundo esforço é de caráter

simbólico e normativo, mas estes dois esforços, segundo o mesmo autor, têm

de se integrar ou enquadrar numa escala de valores éticos adequados às

necessidades sociais, grupais e políticas.

Porém, estes dois esforços ainda não resolvem o problema, pois, para além

destas questões da axiologia, ou seja, dos valores, há mais alguma coisa a

considerar e de extrema relevância. Há uma experiência pessoal a

operacionalizar, porque só ela educa os homens e só ela, também, poderá

instruir o “homem do desporto” enquanto “homem político”.

A experiência pedagogicamente útil terá, contudo, de ser uma experiência

convenientemente dirigida, que implique um novo esforço, esforço de sacrifício.

A educação puramente prazerosa, para a qual se tem resvalado em excesso e

de um modo lamentável, não pode formar o “ homem ético” de que as

sociedades carecem e que a política necessita para a Humanização.

Lopes de Sá (1998) revê-se na “imagem” de que se a vida é constituída por

uma via interminável de limitações, onde nós próprios somos limitados, o

homem é um ser limitado, terá de se considerar errada toda e qualquer

pedagogia que facilite e que não habitue o homem imaturo às dificuldades, às

contrariedades e aos esforços.

Tal como o “homem desportista e atleta” com o rochedo às costas pela

montanha acima em total sofrimento, angústia e desespero, mas sempre com a

esperança de chegar ao topo da virtude, da vontade, da humildade, da

glorificação e da transcendência, para se definir como um verdadeiro lutador

das suas causas.

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Tal preceito, ou princípio, terá que encarar o “homem político” como lutador e

garante da coisa pública. Que o “homem político” encarne e vista as roupagens

do seu próprio “Eu” como “homem atleta” ou “homem desportista”. O homem

político do desporto tem, sempre, de caminhar limitado por várias forças e

poderes, tem de aprender a sujeitar-se a normas pré estabelecidas, tem de

aprender a resistir a diversos tipos de leis que o superam, tais como as sociais

e físicas.

Depois de aprender a obedecer às normas sobre as quais se estruturam as

sociedades organizadas e institucionalizadas, o homem tem de praticar essas

normas, pois nessa prática reside a base da própria ética e moral.

Stanley Baldwin, antigo primeiro-ministro Britânico, salientou que a educação

pela ação também se aplica às emoções éticas, pois assim como o exercício

fortalece a memória, assim o atuar conscientemente fortalece a consciência.

Para o antigo primeiro-ministro as teorias e os discursos morais podem servir

de estímulo ou de obstáculo, porém só o hábito de fazer o que julgamos justo

pode fortalecer-nos para praticar o justo e resistir ao injusto. O essencial é

preparar o homem político do desporto para resistir aos seus impulsos maus e

às suas paixões nocivas, para acatar conscientemente a ordem e o método,

para se colocar de sobreaviso contra as falsas grandezas, a força brutal, o

poder excessivo ou a riqueza inútil e deprimente.

Conforme salienta Kierkegaard (1959), todo e qualquer homem, ainda o mais

humilde, pode fazer obra útil, digna e bela, porque a ética nos seus diversos

domínios está longe de privar a vida da sua beleza dando-lhe pelo contrário um

significado especial, dando à vida paz, amparo e segurança.

Vencer os adversários e vencer-se a si mesmo é algo de entusiasmante, e isso

é o que faz o “homem ético” quando domina os seus instintos, os seus hábitos

ou vícios, isso é o que faz aquele que pratica o bem e cumpre os seus deveres

fundamentais quer na política, quer no desporto.

Na vida há todos os dias que escolher um caminho ou adotar uma norma, com

exclusão de outras, seguir ou não um princípio, um meio ou tendo um fim tanto

no desporto como na política.

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A educação pode e deve encaminhar o homem do desporto numa perspetiva

ética para o seu aperfeiçoamento e para o aperfeiçoamento da sociedade em

que vive e da qual depende.

Viana (1989) tem uma visão humilde e interessante, pois diz que sob o ponto

de vista ético o esforço de um indivíduo desfavorecido ou humilde engrandece,

mais do que o esforço de qualquer outro indivíduo bastante favorecido, pois

implica maior trabalho para resistir aos vícios e às paixões do que transpirar

mediante o trabalho corporal, em que o homem é muito mais do que “corpo”, o

homem político e desportista é alma e espírito.

A missão do responsável pela política educativa e desportiva consiste em

apresentar à sociedade e ao respetivo sistema educativo, a implementar no

contexto desportivo, o ideal ético ajustado às necessidades superiores ou

nobres de cada época, de cada momento, e estimulá-lo no sentido de o levar a

viver e a realizar esse mesmo Ideal. O homem é um ser que se desconhece,

ou seja, tem forças latentes que ignora possuir ou encaminha mal e

erradamente. O antigo conceito “conhecer a ti próprio” é uma recomendação

que encerra, em si, algo de platónico, atendendo à filosofia defendida por

Platão e que já na altura fora suportada e defendida por Sócrates.

Ao ler um livro de poemas depararam-se-me uns versos muito interessantes

para este tema e que vão ao encontro da filosofia platónica e da filosofia de

Sócrates (conhecer a ti mesmo).

Conhecer-te a ti mesmo…

Mas conhecer a quem?

Dos milhões de homem que por mim perpassam,

Qual deles é esse “eu”,

Que passa e não volta,

Esse “eu” que nunca consigo observar?

Anónimo

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No início de uma profissão ou vocação ou quando iniciamos um trajeto sem

termos conseguido ganhar experiência nas diversas situações ou atuações,

para sermos eficazes é importante passarmos pelas situações a fim de

podermos perceber de uma forma mais rápida e contextualizada os por quês

de alguns percalços ou insucessos.

Esta fase inicial de vida ou entrada numa profissão ou vocação integrada no

contexto social, desportivo e cultural, que se deverá pautar pelo enredo do bem

comum, é muitíssima problemática, exigente e perturbadora pelo que Marañon

(1958) designou por “idade ou fase esquemática”, por ser igual na

diferenciação. Para ele o homem que nunca se conhece bastante é justamente

nestes anos amorfos que menos se conhece.

É nesta fase que é premente a necessidade de uma educação orientada para a

ética e para a moral na preparação do homem ético e do homem político na

construção idealista do “Estado Ético”. Contudo, a educação pura e simples

mesmo quando realizada no plano ético não pode bastar como meio de

preparação para a vida moral plena.

Ao sair da escola e ao ingressar na vida profissional importa desde logo fazer

uma escolha, e essa capacidade de escolha implica o “estilo de vida” do

homem ético e político, pois como refere Proença Garcia nós temos ou

definimos um estilo de vida porque podemos escolher, o que não acontece, por

exemplo, numa criança. O optar por um caminho, por uma forma de viver, indo

ao encontro de um estilo de vida é humano, faz parte do homem ético no

desporto e também como homem político, do qual não nos podemos dissociar.

No que diz respeito à forma de atuar na vida, de estar no desporto e na política,

de implementar o crescimento, o desenvolvimento e a humanização que

convém seguir, antes mesmo de dar qualquer passo decisivo importa adotar

uma atitude ética.

Evitar a pressa exagerada de entrar na vida sem a indispensável maturidade,

pois indo ao encontro da linha de pensamento de Maranõn (1958) há uma

impaciência de chegar depressa ao fim que tanto prejudica o jovem homem

desportista na busca da transcendência.

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Há uma inquietação sem aquele crescente, lento e feliz interesse que deveria

animar quem ainda não se encontra preparado para alcançar os grandes feitos,

numa linha de fundamentação de Viana (1989), no sentido de conseguir a

imortalidade, de se preparar honestamente para o cumprimento da sua futura

atividade, do seu lugar na sociedade e na representação do seu país em prol

da dignificação humana.

Urge interpretar e sentir a vida social e política num plano superior, dado que a

ação de um indivíduo não pode privar os outros do bem que por natureza lhes

compete, pois nenhuma sociedade pode desprezar os direitos das outras e

proceder como se fosse única, como focava Correia de Barros (1945) através

da sua obra “Lições de filosofia Tomista”.

Deve-se procurar escolher com conhecimento de causa a atividade e o

posicionamento desportivo, social e político que mais convenha às suas

aptidões, carácter e temperamento com vista a obter-se um grande profissional

e um mestre digno no sentido da instrução de novas gerações com vista à

mudança de paradigmas para uma sociedade contemporânea em que o

desumano enforca o que é humano.

Além de educar, é preciso orientar as gerações imaturas ou precoces de modo

progressivo e constante, porque a experiência nem sempre aproveita como

lição e, em alguns casos, apenas se revela tarde demais.

Em fundamentação deste pensamento é importante o que afirma Viana (1989,

p. 148) “há porém, muito de fictício nessa ideia de que a experiência corrige, ou

corrige com frequência, os erros da vida individual”.

Transpondo para a posição do estudo político, mesmo que tenhamos uma

educação ética centralizada para um determinado ramo de atividade

profissional ou vocacional, mestria no que se faz com capacidade ética e moral

ou meramente para as relações sociais e com experiência quer vivida quer

alicerçada na componente da prática relativa a uma determinada formação, se

o homem não tiver uma orientação ética, jamais o “homem político” conseguirá

atingir a excelência humana (Areté).

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O homem sem apoio e sem prática, quer no desporto ou na forma de

elaboração política não consegue pois, a não ser em casos excecionais,

conhecer o mundo e interpretá-lo, porque isso implicaria a posse de uma

filosofia de vida a ele inacessível, se ninguém lha ensinar. Além disso, o

homem sem experiência e sem apoio não é capaz de por simples e instintiva

introspeção, descobrir as aptidões de que dispõem, aptidões muitas vezes

latentes, contraditórias, de graduações várias e confusas.

Urge que alguém procure discernir essas aptidões, definindo-as,

encaminhando-as, animando-as, concretizando-as e dirigindo-as para os fins

mais adequados ao bem individual, social e político, permitindo o crescimento e

desenvolvimento do desporto nas suas múltiplas facetas.

A escola que não cumpra a missão ética e que se limita a ensinar, cria um

homem que não quer ou não é capaz de aprender, pois o mundo precisa de

homens, e não de enciclopédias ou de dicionários ambulantes. Precisa de

homens que ao entrarem na vida já o façam com o mínimo essencial de

consciência e de dignidade, sem a febre exibicionista e insensata da riqueza,

do ganhar muito e depressa.

Nesta sociedade contemporânea, a componente material já há muito tempo

que ultrapassou a essência moral e ética, interessa o quanto se ganha e não o

como poderei ajudar. A esse propósito, antigo presidente norte-americano,

John F. Kennedy, teve a seguinte frase, “Não perguntes o que o teu país pode

fazer por ti. Pergunta o que podes fazer pelo teu país.”

Como o homem não é um ser isolado, vive em sociedade, e sendo um ser

profissional e político não o poderemos dissociar no seu contexto de profissão

exercida pelo “homem político”, é essencial integrar o homem profissional no

“homem social”, inserido na sua profissão, ou seja, “a sua arte”. As profissões e

as vocações e com elas a sociedade inteira sofrerão quando invadidas ou

ocupadas por indivíduos inaptos, desajustados e sem nível ético condigno.

A Gestão e a Política da Educação e do Desporto ficarão irremediavelmente

comprometidas nos seus destinos, no seu bom nome e na sua função social,

quando servidas por indivíduos sem a indispensável vocação, tais como a

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vocação científica, a vocação filosófica, a vocação sociológica, a vocação

pedagógica, a vocação política e a vocação humanitária.

Registe-se a este respeito ainda e mais uma vez a apreciação de Maranõn

(1958) que ao fundamentar a sua tese refere que muitos homens sem vocação

para engenheiros, isto é sem aptidões, foram por esforço da vontade bons

engenheiros. Mas sem aptidão para músico, investigador ou mestre, ninguém

foi um grande professor, um grande músico, nem descobriu coisa alguma, por

poderosa que tenha sido a sua vontade.

Cumpre à educação esclarecer e elucidar o homem ainda sem experiência e

sem visão do que é ético ou moral, embora agindo sempre com a maior

prudência, uma vez que a vocação desportiva e política nem sempre se revela

cedo.

Viana (1989) refere que mesmo nos casos de flagrante vocação precoce, ainda

há a temer que ela seja ilusória ou que exista em potência, e apenas se

manifeste numa fase posterior (vocação oportuna) ou na maturidade (vocação

tardia). Independentemente, porém, dos aspetos limitativos da vocação,

específica, que importa considerar, a mediocridade compromete de uma forma

irremediável a gestão e a política da educação e do desporto.

Urge, porém, salientar que no plano ético é preciso considerar o problema da

escolha de uma política do desporto de modo polivalente, pois não é só a

ausência de vocação e de aptidões que está em jogo no domínio da moral, no

exercício do homem na atividade do “homem político” enquanto homem de

alma.

Há outros fatores que terão de ser ponderados quando se trata de preparar o

homem no desporto para o cumprimento integral das suas funções, sejam elas

humanas ou profissionais, tais como, o caráter individual relacionado com as

questões éticas, classificado no ramo da formação, o meio social de origem, o

temperamento individual, e a formação geral, técnica e especial, classificadas

como sendo a respetiva instrução.

E nesta linha de pensamento é importante distinguir a formação da instrução,

dado que alimentar o homem de uma componente ética e moral integrada

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numa estrutura estética vai muito mais além da simples e mera instrução

técnica. Trata-se da mais pura formação do homem enquanto ser ético,

alicerçada numa componente axiológica e ontológica de um novo vocabulário

ético e estético, que o defina, irremediavelmente, como o garante de uma nova

sociedade, de uma nova visão de desporto e por inerência de um olhar

diferente do respetivo contexto político em busca do “Estado Ético”.

O homem sem caráter, astuto, ambicioso, vaidoso ou perverso na política

desportiva irá manifestar-se como um elemento de confusão e de perturbação.

A própria origem social ou o meio familiar em que o indivíduo viva pode inibir

ou dificultar o acesso a determinadas carreiras de nível superior.

Viana (1989) foca ainda um dado considerado como de máxima relevância.

Segundo ele pode-se também nomear com respeito ao temperamento, as

pessoas hesitantes, escrupulosas ou tímidas, como sendo contraindicadas

para atividades que exijam iniciativa, coragem, franqueza, pois nas pessoas

hesitantes o momento da ação é muitas vezes cheio de perplexidades e de

perigos, caminham às apalpadelas, pode conduzi-las a novas dúvidas e a

mudar as mais firmes resoluções.

A preparação geral e especializada (instrução) remete-nos para uma outra

componente da educação, a formação, com a vertente ética fundamental no

homem. Uma pessoa que atua no desporto e na política desportiva e educativa

de uma forma incompetente é um profissional imoral, não só por ser imperfeito

mas também porque pode praticar desonestidades por ignorância, mesmo na

melhor boa-fé.

Pode servir pessimamente a profissão, e mesmo na esfera vocacional,

comprometendo-a na sua eficiência, na sua produtividade e aos próprios olhos

do mundo. Compete às Universidades formar profissionais que atuem no

contexto político, social e educativo, com conhecimento técnico, ou seja com

instrução, para assumir os cargos, como também os alimentar de um sistema

de valores com o intuito de uma eficiente formação para que se consiga um

sistema de relações sociais e humanas que alie o sentido ético à eficiência

produtiva, gerando novos intelectos e novas almas capazes de mudarem a

sociedade, a polis.

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Assim, depois da toda a compreensão sobre a educação e orientação ética é

imperativo abarcar na teoria de que, para que as relações humanas e sociais

bem como as conexões públicas e políticas se processem e desenvolvam num

plano ético, tornar-se-á necessário, evidentemente, que o Estado que as

fiscaliza, orienta e garante seja um “Estado Ético”.

O Estado será, portanto, primeiro que tudo um Estado Humanista, que saiba

respeitar a pessoa humana, isto é, limitar os seus desvios e valorizar as suas

ações e virtudes, inibir as suas paixões e estimular as suas potencialidades

úteis.

Corroborando esta asserção, Trentin (1935) sobre a nobreza da política ao

serviço do homem sustenta que “o homem jamais pertence a uma coletividade

social pela totalidade do seu ser, das suas funções, da sua vida física e

psicológica. Se ele assim pertencesse em tal grau, deixaria de ser homem”.

Entre o Estado e o Homem deve existir uma contínua simbiose de ações e de

interações onde todos os fins morais, económicos, políticos, intelectuais e

estéticos que os indivíduos isolados ou associados (o homem cidadão e o

homem-sócio) podem atingir, constituem outras tantas funções do organismo

mais forte que é o Estado.

Cruz Costa (1949), filósofo Brasileiro, aponta uma dupla visão Estatal, e

menciona que o Estado não pode ser um organismo microcéfalo nem um

organismo macrocéfalo. No primeiro caso deixaria que a anarquia e o caos

dominassem a sociedade e no segundo caso esmagaria a personalidade

humana, criando uma civilização homicida e levando ao próprio genocídio.

Já Platão defendia a conceção da primazia humana na política e o princípio de

que as leis terão sempre como objetivo assegurar o bem do Estado e o bem

dos cidadãos, compreendendo, nestes, os bens humanos (saúde, beleza,

força, riqueza) e os bens divinos (sabedoria, temperamento, justiça, coragem).

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Ao Estado interessa, acima de tudo, a valorização do homem político do

desporto, e este apenas pode valer na medida em que for um elemento de

solidariedade, de trabalho, de disciplina e de harmonia social.

Cogliolo (1915) refere “ O Estado contemporâneo é, com efeito, um Estado de

Direito, não porque tenha como único escopo a tutela do direito, mas porque o

seu organismo, o seu operar, a sua constituição, são revistas de forma

jurídicas.” (filosofia do direito privado, 1915, p.74, in obra de Carvalho, H.)

Tal pensamento ainda se aplica nesta sociedade contemporânea na conceção

de “Estado ético”. Para cumprir estas missões o Estado terá que ser uma

pessoa de bem e um elemento ativo integrado no modelo geral contemporâneo

do “Estado ético interveniente” formado pelo “homem ético” enquanto ser ativo

no seu plano de ação, dando-lhe uma interpretação especial à luz das imortais

circunstâncias enquanto duradoiras do Humano e do Social.

A estrutura do Estado deve ser baseada em princípios éticos e toda a sua

legislação dever ser orientada, igualmente, por Ideais éticos que se

concretizem, ou seja, que não sejam utópicos. Mais ainda, a atuação do Estado

deve nortear-se pela mais íntegra retidão, imparcialidade e justiça e para que

todas as instituições políticas e desportivas vivam eticamente, importa que o

Estado lhes dê o exemplo e supervisione, em obediência aos mesmos

princípios éticos, toda a sua existência, hierarquia e interações.

O Estado é um sistema de organização da sociedade, um processo de

hierarquia de valores sociais, porque os relaciona e coordena num todo

orgânico e o direito não é a lei, é mais do que isso, é o que decide da injustiça

ou da equidade das leis. O Estado é apenas o seu primeiro servidor. Não há

Estado senão para servir o direito.

Num Estado assim, norteado pelas ideias superiores de Justiça e do Bem, não

haverá lugar para condutas irregulares e antiéticas. Em todos os setores da

vida política e pública o Estado sendo servido por homens à altura da sua

elevada e delicada missão agirá com critério e prudência, no desporto, na

educação, na política, na justiça, no trabalho, nas finanças e na economia.

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“ O Direito, ao regular as suas instituições, não pode afastar-se da ética e da

moral, nem tão pouco pode contrariar, para ser produtivo, as leis da economia

e da política”.

Pietro Cogliolo

Um Estado dirigido por homens não éticos de modo algum pode ser um

“Estado Ético”. Os homens, governantes políticos ou legisladores amorais ou

imorais comprometerão, irremediavelmente, as estruturas e as relações

humanas e éticas de todo o Estado.

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8. Ética Profissional – O Homem e o Grupo

Neste campo de estudo salienta-se a relação entre o homem e o grupo porque

o homem é um ser convivente e, portanto, necessita do “Outro” para viver,

assumindo um verdadeiro processo de socialização. Neste âmbito importa

esclarecer a ligação do homem não só com o seu grupo mas também com a

sua profissão. Neste sentido implica perceber as questões éticas centradas na

vertente profissional.

Há uma estreita interação entre o homem e o grupo. Por isso, tanto pode o

indivíduo influenciar o grupo para o bem ou para o mal, como, por outro lado,

pode o grupo influenciar o homem.

Na primeira hipótese Viana (1989) refere que são os homens, ativos, idealistas

e com poder de liderança, aqueles que conseguem exercer sobre qualquer

agrupamento uma ação decisiva informadora e conformadora.

Na segunda hipótese, o autor justifica que são os grupos bem estruturados e

de bom nível funcional que exercem uma influência mais ou menos sensível

sobre os indivíduos apáticos, amorfos, consonantes ou passivos.

Assim sendo, e dadas as referidas “interferências mútuas”, para que uma

sociedade tenha um bom nível ético torna-se indispensável que não só o

homem sócio como o homem político sejam um homem ético, mas que

também o grupo seja ético, isto é, que também ele viva e atue com moralidade.

No fundo é de desejar que o Ideal particular e o Ideal coletivo se fundam e

confundam no plano ético. Se um grupo não tiver ideais superiores e não os

procurar realizar de uma forma ativa, a moralidade individual ficará, sem

dúvida, comprometida, uma vez que, segundo Le Bon (1914) a moralidade do

grupo nasce de necessidades imperiosas que possuem às vezes, uma força e

uma estabilidade superiores às regras de conduta impostas pela lei, embora os

códigos não intervenham no sentido de as fazerem cumprir.

Então, a razão pela qual se exige uma disciplina do homem inserido no seu

grupo insere-se no facto de que as associações possuem, pelas suas

substâncias, uma necessidade de equilíbrio que pode ser encontrada indo ao

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encontro do pensamento de Lopes de Sá (1998), “quando a autonomia do

homem se coordena na finalidade do todo”.

Refere ainda Lopes de Sá (1998) que é a lei dos sistemas que se torna

imperativa, do átomo às galáxias, de cada indivíduo até à sociedade.

Perante tal afirmação do autor, em tudo parece haver uma tendência para a

organização e o homem político e gestor do desporto não foge a essa

organização. Todo o agregado, todo o sistema depende de uma disciplina

comportamental e de uma conduta, onde cada homem apresenta um

comportamento específico, conduzido ou guiado pela característica do trabalho

executado ou de uma determinada conceção de gestão e de política.

Nesta perspetiva cada conjunto de Gestores do Desporto deve seguir uma

ordem que permita a evolução em harmonia do trabalho de todos no sentido da

dignificação do desporto, a partir da conduta de cada um, através de uma tutela

no trabalho que conduza à regulação do individualismo perante o coletivo.

São exigíveis, portanto, uma conduta humana especial, que denominamos de

Ética, e o exercício de virtudes que da mesma derivam. O sentimento social é

um imperativo na construção dos princípios éticos, e estes são incompatíveis

sem o mesmo (sentimento social).

Quando o trabalho é executado só para receber dinheiro, em geral tem o seu

valor limitado e por outro lado, nos serviços realizados com amor e paixão

tendo em vista o benefício de terceiros, da sociedade, dentro de um grande

raio de ação, com consciência do bem comum, passa a existir como refere

Lopes de Sá (1998) a “expressão social” do mesmo. O valor ético do esforço

humano é, pois, variável de acordo com o seu alcance em face da comunidade.

O homem gestor que só se preocupa com os lucros da sua gestão no desporto

e da sua intervenção política e profissional, geralmente, tende a ter menor

consciência de grupo. Passa a haver um fascínio pela preocupação monetária,

e nesse sentido ao homem político do desporto pouco importa o que ocorre

com a sua comunidade e muito menos com a sociedade, o que, aliás, na obra

de Maquiavel, “O Príncipe”, corrobora.

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Nesse sentido, reconta-se uma saga que para suporte do tema desta

dissertação foi fundamentada através da interessante obra de Constanzo,

“Ficção- Realidade”, por mais paradoxal que pareça.

Dizem que um sábio procurava encontrar um ser completo em relação ao seu

trabalho. Entrou, então, numa obra e começou a questionar. Ao primeiro

operário perguntou o que fazia e este respondeu que procurava ganhar o seu

salário, ao segundo repetiu a pergunta e obteve a resposta de que ele

preenchia o seu tempo e finalmente, sempre repetindo a pergunta, encontrou

um que lhe disse: “ Estou construindo uma catedral para a minha cidade”.

A este último o sábio teria atribuído a qualidade de homem completo em face

do trabalho, como instrumento do bem comum.

A ausência de ética pode levar a discriminações e até a políticas desumanas,

como salienta ainda Constanzo, na obra “Ficção-Realidade”. O autor critica a

visão de certas superpotências em relação aos demais países e Estados e a

posição plena de egoísmo de certas sociedades que vivem às custas das

outras.

Mostra, criando na sua obra uma assembleia imaginária de sábios que o social

tem aspetos de ficção conveniente apenas a grupos, quando não se situa no

campo do Ideal, mas do interesse apenas dos dominantes do poder. Mostra

ainda como tais oligarquias destroem os ideais do Estado e como se

comportam desumanamente, onde o poder político está concentrado num só

partido, numa só família ou num só grupo económico-financeiro.

Portanto, quando nos referimos à classe, ao social, não nos podemos reportar

apenas a situações isoladas, a modelos particulares, mas a situações gerais

indo ao encontro do pensamento de Constanzo.

O individualismo e o egoísmo destravado de poucos pode atingir um número

expressivo de pessoas e até, através delas, influenciar o destino das nações,

dos Estados, partindo da ausência de conduta virtuosa de minorias poderosas,

preocupadas apenas com os seus lucros.

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Como bem refere Carrel (1949) uma sociedade que reconhece a primazia do

plano económico não se dá à virtude, porque a virtude consiste essencialmente

em obedecer às leis da vida, e quando o homem se reduz à atividade

económica, logo deixa de obedecer, a quase que tudo, às regras da natureza.

Tal pensamento vai ao encontro do defendido no concilio Vaticano II, a

economia ao serviço do homem e não o homem ao serviço da economia, neste

caso em particular, as instituições ao serviço do homem e não o homem ao

serviço das instituições.

Lopes de Sá (1998) salienta que sabemos que a conduta do homem tende ao

egoísmo e ao individualismo, mas para os interesses de uma classe, de toda

uma sociedade, é preciso que se acomode às normas porque estas devem

estar apoiadas em princípios de virtude. Como só a atitude virtuosa tem

condições de garantir o bem comum, a Ética tem sido o caminho justo,

adequado, para o benefício geral.

Há, portanto, necessidade de haver uma vocação para o coletivo, um homem

político do Desporto ao serviço do bem comum, onde a organização social

deverá apresentar-se como um progresso continuando igualmente a evoluir na

definição cada vez maior das funções dos cidadãos, na definição cada vez

maior das funções dos cidadãos.

Vidari (1922) afirmou que a formação das classes sociais é um facto de grande

importância ética que se completa no momento exato em que o homem sai da

sua homogeneidade estável de origem primitiva e forma grupos mais

determinados e estáveis.

Tal facto vai ao encontro do referido por Lopes de Sá (1998) que afirma que há

uma relação entre a evolução e a definição cada vez maior das classes

profissionais, pois estas dividem-se à medida que aumentam as

especializações para suprirem novas necessidades.

Sabemos que entre a sociedade de hoje (sociedade contemporânea) e aquela

antiga (tradicional) não existem mais níveis de comparação, quanto à

complexidade. Lopes de Sá (1998) revela que nos núcleos menores o sentido

de solidariedade era bem mais acentuado, assim como os rigores éticos.

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É preciso que cada um ceda alguma coisa para receber muitas outras, esse é

um princípio que sustenta e justifica a prática virtuosa perante a comunidade e

a sociedade, a polis. O homem político do desporto não deve construir o seu

bem destruindo o dos outros, nem admitir que só existe a sua vida em torno do

universo e por tal não deverá apresentar-se ao mundo como um “egocêntrico”.

Toffler (1995) considera que uma classe profissional se caracteriza pela

homogeneidade do trabalho executado, pela natureza do conhecimento exigido

preferencialmente para tal execução e pela identidade de habilitação para o

exercício da mesma. A classe profissional é, pois, um grupo dentro da

sociedade, isto é, definido por uma especialidade de desempenho de tarefa.

Não somenos importante de salientar que cada profissão tem as suas próprias

características e isto exige também um campo de virtudes pertinentes a um

desempenho de boa qualidade. Tais pontos de análise serão pertinentes para

os futuros gestores e políticos responsáveis na área executiva desportiva.

Traçar, pois, as linhas mestras para uma orientação ética é compor a filosofia

que será seguida e que forma a base essencial da mesma. Sejam quais forem

as linhas mestras de uma orientação ética, as mesmas terão que ser

declaradas perante pressupostos da virtude humana a serem seguidos.

A base filosófica a ser seguida é necessária para que se forme toda uma

estrutura perante a qual se trace os detalhes e os pormenores para uma ética

profissional. O princípio será sempre o de estabelecer qual a forma de um

profissional se conduzir no exercício profissional, de maneira a não prejudicar

terceiros, a comunidade e a sociedade e a garantir uma qualidade eficaz de

trabalho, e esta é para Lopes de Sá (1998) “a orientação filosófica

fundamental”.

Quando o homem político no desporto, por egoísmo ou por amoralidade,

apenas vê o seu interesse pessoal e apenas se sacrifica por si, desprezando

os interesses dos vários grupos aos quais está ligado, é sinal de desagregação

e de decadência.

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Estar-se-á na presença de uma profissão ligada ao desporto totalmente

enfraquecida, uma instituição sem força e sem projeção e de uma política

indigna de suporte social.

Viana (1989) fundamenta que o homem não deverá escravizar-se em relação

ao grupo, nem perder a sua personalidade no seu seio, mas deverá

compreender que lhe compete valorizar e honrar o grupo, pois Le Bon afirma

que o sucesso da coletividade a que ele pertence é, também, um êxito pessoal

seu, e segundo o mesmo autor o homem lucrará por duas vias, como ele

classifica, quer naquilo que bem fizer como “homem pessoa” bem como naquilo

que de bem fizer como “homem sócio”.

A primeira condição é aquela que diz respeito ao problema do trabalho. Não

querer trabalhar ou não poder nem desejar trabalhar bem representa uma

atitude negativa, antiética e antissocial.

No entanto, Viana (1989) alude que não é só quem é preguiçoso é que é

prejudicial ao grupo e ao seu próximo. Também é aquele que se mostra

incapaz do convívio honesto com os seus companheiros do grupo, e que entra

em conflito latente ou aberto com eles.

Há homens que são arredados do grupo ou dificultam a vida deste, não porque

não trabalham, mas sim por não saberem colaborar e conviver com os seus

companheiros da vida social ou profissional. Outros, não contentes com isso,

atacam e criticam o grupo que os sustenta e que lhes dá a “categoria” social e

não faltam aqueles que se fazem passar como componentes de um grupo,

comprometendo-o com a sua desonesta atuação e este ponto de extrema

relevância presencia-se no âmbito político.

Em suma, o grupo pode ser afetado na sua vida funcional e na sua honra, tanto

por homens que nele se introduzam como por homens que de fora procurem

comprometê-lo. Há que defender a profissão ou associação no desporto de

ambos, porque ambos são desajustados, comprometendo o equilíbrio, a

harmonia e a moral sociais.

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Há aspetos fundamentais na profissão que importa serem cuidados, estudados

e analisados no seu enquadramento social e político, como também na sua

integração coletiva.

A este respeito menciona-se a afirmação de Linton (1945) que refere que o

individuo e o seu meio ambiente constituem uma configuração dinâmica, cujas

partes mantêm uma relação recíproca tão íntima, em tal interação constante

que é muito difícil saber onde se encontram as linhas de demarcação.

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9. Profissão e o Ingresso Profissional

Este capítulo é centrado na explicação do conceito de profissão, nas

competências ético-profissionais e no ingresso profissional.

A expressão “profissão” provém do latim “professione”, do substantivo professio

que teve diversos significados naquele idioma, mas foi utilizado por Cícero

como “ação de fazer profissão de”.

Amendoeira (2008) refere que de um ponto de vista histórico é possível

identificar três conceções chave de “profissão”: as profissões antigas,

baseadas na aprendizagem e na moral; as baseadas no conhecimento técnico

burocrático, que se desenvolveram essencialmente a partir da Revolução

Industrial e as mais recentes, baseadas na prática e nos valores muito

associados ao desenvolvimento do profissional reflexivo.

O conceito de profissão, na atualidade, aquele que Lopes de Sá (1998)

classifica é o de “trabalho que se pratica com habitualidade a serviço de

terceiros”, ou seja, “prática constante de um ofício”.

A profissão tem, então, além da sua utilidade para o homem, uma expressão

social, ética e moral. Neste sentido torna-se imperativo fundamentar este

pensamento analisando na perspetiva de Cuvillier que destaca os seguintes

pontos:

1. É pela profissão que o homem se destaca e se realiza plenamente,

provando a sua capacidade, habilidade, sabedoria e inteligência,

comprovando a sua personalidade para vencer os obstáculos.

2. Através do exercício profissional o homem consegue elevar o seu nível

moral.

3. É na profissão que o homem pode ser útil ao seu grupo, à sua

comunidade, à sociedade e nela se eleva e se destaca na prática dessa

solidariedade orgânica.

De facto, se acompanharmos a vida de um profissional desde a sua formação e

instrução escolar até ao seu êxito final observamos o quanto ele produz e

recebe de utilidade.

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Aristóteles escreveu na sua obra “ Política” (cap. II) que o trabalho é um dever

social, que a salvação da comunidade é a ocupação de todos os cidadãos

qualquer que seja a diferença que entre eles exista.

Mas além de tudo, algo que realiza quem o faz, se realmente no exercício das

suas tarefas emprega o amor, a dedicação e a ética como guias das suas

ações.

A profissão permite ao homem político do desporto exercer a sua função de

solidariedade para com os seus semelhantes, com todos os elementos

constituintes da sua comunidade e sociedade, recebendo em troca, não só a

dignidade mas também o respetivo enriquecimento material para suporte da

sua sobrevivência e de uma vida em sociedade.

Amendoeira (2008) menciona que a primeira e principal responsabilidade ética

de um profissional é prestar o serviço profissional correspondente de forma

competente, isto é, procurando a excelência e fazê-lo com os meios técnicos

disponíveis de acordo com os critérios socialmente estabelecidos para o

correspondente grupo profissional.

Para o mesmo autor as profissões são práticas (ou pelo menos estão ao

serviço de uma prática, recebem dela as suas orientações, o seu sentido e o

seu critério da qualidade da realização das mesmas). Acrescenta a definição

de “prática” como uma forma coerente e complexa de atividade humana

cooperativa que está estabelecida socialmente com o fim de conseguir os bens

que só se conseguem desenvolvendo bem essas práticas.

As profissões têm uma história ao longo da qual foram adquirindo uma

configuração social onde acumularam conhecimentos, técnicas, hábitos,

imagens sociais do que é a profissão e o do que se espera dela, como é o caso

da gestão e política do desporto.

Na maioria das vezes o profissional do desporto assume esses hábitos sem os

questionar sob o ponto de vista da reflexão, a não ser considerando que os

aprendeu como um modo de fazer adquirido no processo de socialização pelo

qual se iniciou a fazer parte do grupo profissional a que pertence.

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Nesta perspetiva o conceito de “profissional” constrói-se a partir da qualificação

para a aquisição e desenvolvimento de competências técnicas alicerçadas na

ética, através do uso de saberes pelos profissionais.

Esta teoria é suportada por Freidson (1992) na medida em que o uso do termo

“profissão”, na linguagem anglo-saxónica especifica uma ocupação

concretamente organizada num corpo de conhecimentos e capacidades

baseadas numa disciplina de educação superior.

Como o homem está integrado no seu grupo profissional importa mencionar

Dubar (1997) que refere que “Grupo profissional” é um conjunto suavizado,

segmentado, em constante evolução que reagrupa pessoas ativas sob um

mesmo nome dotado de uma visibilidade social e de uma legitimidade política

suficientes, sobre um período significativo.

Importa também focar o conceito de “profissionalismo” que para Freidson

(1992) consiste na adoção por um grupo profissional, de um conjunto de

atitudes relativas ao trabalho e à sua identidade profissional, que são

características dos membros das profissões autónomas como poderá ser

considerado o gestor e político do desporto.

Nesta conjuntura, os membros de qualquer grupo profissional encontram-se

permanentemente perante um dilema: por um lado, a necessidade de um

controlo cada vez maior sobre a prática, tornando-a mais técnica, mais

codificada, mas com isso, facilitar a intervenção. Por outro lado, continuar a

monopolizar o seu campo através de racionalizações ideológicas sobre a

natureza do seu trabalho e das suas funções, afastando a possibilidade de

intervenção de estranhos à profissão.

Nesta linha de pensamento torna-se crucial perceber se “profissão” e “vocação”

seguem a mesma linha de orientação teórica e prática. De acordo com

Gyarmati (1975) as profissões distinguem-se das ocupações basicamente em

virtude da propriedade da autonomia, enquanto direito de regular e controlar a

sua própria atividade, e do monopólio profissional fruto de leis que impedem

indivíduos formalmente não considerados membros de determinado grupo

profissional de competir com os profissionais do grupo.

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A “autonomia profissional” é, segundo o mesmo autor, uma característica

ambígua porque por um lado permite às profissões livrarem-se do controlo da

sociedade à qual deveriam, em princípio, servir, e por outro lado a imagem da

profissão é de um poder cuja utilidade visa exclusiva e permanentemente ao

benefício da sociedade. O autor entende as profissões como os mais

importantes grupos de poder nas sociedades industrializadas.

Estudos de Durkheim (1978) acerca da divisão do trabalho social salientam o

papel das associações profissionais reconhecidas tanto pelo Estado quanto

pela sociedade, as quais, através de um poder formal assegurariam a

integração e a regulação social.

Parsons (1968), por sua vez, compreendia a identidade de uma profissão como

pautada numa “competência” técnica e prática, formalmente desenvolvida por

instituições educacionais e científicas, dando destaque aos aspetos universais

(na aplicação de princípios gerais para solução de problemas específicos das

pessoas), sociais (relacionados com a responsabilidade das suas ações em

face da sociedade), ressaltando aqui a questão da “vocação” profissional.

No entanto as relações entre grupos profissionais e entre eles e a estrutura

social são aspetos não discutidos por este autor. A sua preocupação, assim

como a de Abott (1988), parece estar mais centrada em explicar o que os

“profissionais” fazem do que como eles se organizam para realizar tais

atividades produtivas. Desta forma, o domínio de um conhecimento assume

papel central na abordagem destes dois autores.

Por outro lado, as perceções de Parsons (1968) e Abott (1988) permeavam

alguns pressupostos, tais como; o processo de profissionalização é

unidirecional, um “caminho sem volta”; a evolução de uma profissão não

depende explicitamente do desenvolvimento de outra profissão; os apelos da

estrutura social e cultural são mais importantes que o trabalho executado pelas

profissões; no interior das profissões prevalece homogeneidade e as

diversidades são tidas como contingenciais; e o processo de uma ocupação

tornar-se profissão não se altera com o tempo.

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Tais pressupostos que não têm em consideração fatores situacionais e

dinâmicos do processo de profissionalização foram discutidos e combatidos por

outros autores que resistiam à não contextualização das profissões.

A profissionalização de determinadas ocupações é percebida por Weber (1946)

como processo essencial da modernização no que diz respeito aos estatutos

sociais como dependentes das atividades desenvolvidas pelos membros e dos

critérios racionais de competência e de especialização.

Larson (1977) reconhece o processo de profissionalização como algo dinâmico

que varia conforme as contingências histórico-culturais, sugerindo a existência

de diversos tipos de profissionalismo, com características também

diferenciadas.

Outra contribuição da autora foi a expressão “projeto profissional”, na qual

retrata as estratégias que as lideranças profissionais adotam no sentido de

caminharem rumo ao monopólio do mercado de serviços e à mobilidade

(ascendente) coletiva, numa ordem social pautada na lógica económica.

Coelho (1999) diferencia “projeto profissional” de “projeto coletivo”,

compreendendo que o segundo pode espelhar interesses coletivos, mas não

efetivamente de controlo da profissão. Como já foi mencionado neste capítulo,

importa salientar o conceito de “competência” que segundo Le Boterf (2003) é

um conceito em construção.

Torna-se necessário, portanto, focar alguns autores que se debruçaram sobre

este tema para se perceber o contexto e traçar o conceito a ser utilizado para

os objetivos desta reflexão.

McLagan (1997) tenta resumir a questão, afirmando que no mundo do trabalho

a palavra “competência” tem assumido diversos significados normalmente

alinhados a características dos indivíduos ou das suas atividades produtivas e

resultados decorrentes.

Importa também diferenciar “qualificação” de “competência” e para tal Brígido

(1999) sugere que o conceito de qualificação incorpora um conjunto de

conhecimentos e habilidades adquiridos pelas pessoas no decorrer dos

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processos de socialização e de educação, formação e instrução que as

capacitavam potencialmente a desempenhar tarefas num lugar de trabalho de

maneira satisfatória. Já o conceito de competência diz respeito à capacidade

real para atingir uma finalidade num determinado contexto, em que esta

capacidade é constituída por certos conhecimentos e habilidades necessários

do indivíduo.

Conforme sustentam Brígido (1999) e Ramos (2001) a qualificação refere-se à

organização, ao lugar de trabalho ou cargo, à potencialidade de ação, à

possibilidade e facilidade de transferência, a algo estático e absoluto no tempo

e no espaço. A competência relaciona-se com a profissão (ou ocupação), com

o indivíduo, com os resultados reais por ele obtidos, com a dificuldade /

impossibilidade de transferência, com algo dinâmico, processual, relativo;

enfim, a competência é uma “construção social” como refere Tomasi (2004).

Roche (2004) lembra a descrição de Demailly (1987) acerca da competência

como algo a mais que torna eficiente a qualificação. A autora realizou, ainda,

uma comparação entre o conceito de “competência” e três dimensões da

vertente de “qualificação”, a social, a experimental e a conceitual, mostrando

pontos de interseção e de dispersão entre elas.

No âmbito da “competência”, Le Boterf (2003) define-a como a prática do que

se sabe em certo contexto, geralmente marcado pelas relações de trabalho,

pela cultura organizacional, pelas contingências, por diversas limitações. Para

o autor a competência traduz-se em ação, em saber ser e daí a mobilizar

conhecimentos em diferentes situações.

Fleury (2001) concebe a ideia de competência como sendo o resultado da

soma das duas linhas apresentadas anteriormente. Dessa forma, ele alarga o

conceito, evidenciando não apenas a presença de um conjunto de

qualificações como a necessidade da sua manifestação prática em

determinado contexto. Assim, o conceito amplia a sua abrangência na medida

em que engloba a geração de resultados ajustados aos objetivos

organizacionais.

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Dessa maneira, o conceito de competência vai além da simples qualificação.

Zarifian (2001) afirma que este se relaciona com a capacidade do indivíduo de

assumir iniciativas, estar além do prescrito, compreender e dominar situações

em constante mutação, ser responsável e reconhecido por outros. A perceção

desse autor deriva de basicamente três pontos: a natureza contingencial do

mundo moderno, o teor participativo da comunicação no interior das

organizações e os seus impactos na visão de serviços dentro e fora das

organizações.

Le Boterf (2003) acrescenta ao estudo variáveis relacionadas com a

aprendizagem, na medida em que situa a “competência” num ponto

convergente entre a pessoa, a sua formação educacional e a sua experiência

profissional. Este autor afirma, ainda, que “competência” é um saber agir

responsável que engloba saber mobilizar, integrar e transmitir conhecimentos,

recursos e habilidades, em determinado contexto profissional.

Assim sendo, tal saber gera uma consequência inevitável, que é o seu

reconhecimento por outros.

Na mesma linha, Bognanno (1994) correlaciona o conceito a um leque de

atitudes que permitam adaptação rápida a um ambiente cada vez menos

estável, incitem o uso produtivo do conhecimento e promovam inovação e

aprendizagem permanentes. Tais atitudes configuram-se como relevantes para

a obtenção de alto desempenho no exercício de funções ao longo de uma

carreira profissional e no contexto de uma estratégia corporativa.

A profissão como exercício habitual de uma tarefa ao serviço de outras

pessoas insere-se no complexo da sociedade como uma atividade específica.

Trazendo tal prática benefícios recíprocos a quem pratica e a quem recebe o

fruto do trabalho, também exige nessas relações a defesa de uma conduta

condizente com os princípios éticos específicos.

Para Viana (1989) o conjunto de profissionais que exercem o mesmo ofício

determina a criação de diferentes classes profissionais e também uma conduta

pertinente, e tais propósitos aplicam-se aos gestores e políticos do desporto.

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Existem conceitos claros, no âmbito da gestão e da política do desporto, de

observação do comportamento, nas diversas esferas em que o mesmo se

processa, isto é, perante o conhecimento, perante o cliente ou o prestador de

serviço, perante o colega de trabalho, perante a classe, perante a sociedade,

perante a nação e Estado e mais do que tudo, perante a própria humanidade

como conceito global.

A consideração ética, sendo relativa, também hoje é analisada do ponto de

vista da necessidade, e refere Lopes de Sá (1998) do ponto de vista da

necessidade de uma conduta de efeitos amplos, globais, mesmo diante de

povos que possuem tradições e costumes diferentes.

A juntar a esta posição, temos a perspetiva de Viana (1989) o qual salienta que

seria uma enorme audácia procurar definir profissão, quando é certo como já

se viu anteriormente, constituir esta palavra no singular uma pura abstração, e

isto porque as profissões são inúmeras e de características variadíssimas.

Aliás, é sempre difícil definir principalmente no domínio das ciências humanas,

de sua natureza complexas e transcendentais.

Torna-se, por isso mesmo, preferível apresentar em vez de uma definição

delimitadora e rígida, um conceito flexível acerca de profissão, em suma, uma

enumeração das características do fenómeno profissional, considerado no seu

aspeto genérico.

A profissão pressupõe algumas ideias fundamentais, tais como, a inclusão de

permanência, retribuição, duração, personalidade, liberdade, carácter social,

vocação e aptidão, competência, probidade e espírito cívico.

A profissão, seja ela qual for, e dentro do ramo da gestão e política desportiva

implica uma ideia de estabilidade e de fixidez. Quem exerça qualquer atividade

acidentalmente não pode ser, nela, considerado profissional. Quem

desempenhe muitas atividades simultaneamente, sem se fixar numa ou sem

atribuir primazia a uma delas, é um “faz-tudo”, é um homem de sete ofícios,

mas não é um profissional porque desempenha todos eles mal e

insatisfatoriamente.

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Então para Viana (1989), desta noção basilar, de permanência, algumas

ilações éticas podem, desde já, tirar-se:

a) O homem que ingressa numa profissão com ideias de brevidade ou

fugacidade sem o propósito sincero de nela permanecer compromete

desde logo uma condição primária.

b) O homem que muda frequentemente de profissão ao sabor dos seus

caprichos ou paixões não poderá ser bom profissional, porque não se

dedicará a nenhuma profissão com espírito de continuidade: estará

sempre com a ideia de abandonar a respetiva profissão e de procurar

outra mais fácil. Isto não lhe permitirá dedicar-se a fundo ao serviço que

lhe compete.

Destas alíneas defendidas teoricamente, há primeiro que referir que a visão a

respeito da permanência na profissão encontra-se, a meu ver, desatualizada,

pois a profissão para toda a vida já não é duradoura. No presente e no futuro

temos e teremos várias profissões. Posteriormente pode-se, então, conceber a

ideia de que o homem político enquanto homem ético e gestor do desporto não

é moralmente obrigado a manter-se toda a vida preso a uma determinada

profissão, mas, ao ingressar na profissão, deve ter o desejo honesto de nela se

conservar e de a ela se consagrar regularmente. A instabilidade e a

versatilidade são atitudes mentais contrárias ao próprio “fundo” ou “essência”

do conceito de profissão.

Relativamente à retribuição Viana (1989) afirma que a profissão, além de ser

uma atividade com forma permanente, é uma atividade remunerada. Aquele

que não auferir do seu trabalho qualquer importância com regularidade, será

um amador e não um profissional.

É claro que alguém pode desempenhar várias atividades, e de todas receber

remuneração. Nesta hipótese, profissão será aquela através do qual o

indivíduo receber a retribuição mais elevada, isto é, a retribuição que lhe

assegure a manutenção da sua vida familiar e social, enquanto as restantes

atividades, ou porque não se apresentem com configuração de permanência,

ou porque apenas proporcionem pequenos ganhos, e neste contexto aplicado à

gestão desportiva, serão atividades-satélite, complementares da profissão.

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Quanto à duração, um outro elemento categorizado, só há profissão quando

determinada atividade tem sequência e continuidade. Os serviços acidentais ou

esporádicos que se executam ocasionalmente não podem considerar-se

incluídos entre as profissões.

Aquele que durante oito, dez ou quinze dias, por ano, cumpre qualquer missão,

certamente que trabalha, mas pode afirmar-se que não exerce uma profissão.

Esta, como já se terá compreendido, implica ideias de estabilidade, de

sequência e de remuneração periódica, bastante para assegurar a manutenção

da vida física, moral e espiritual do indivíduo.

É claro que há necessidade de considerar a existência de profissões cíclicas,

isto é, de profissões dependentes do tempo ou da natureza, como são as

profissões de funcionários de hotéis, de termas e praias, de pescadores e até

mesmo a de gestores desportivos. Em tal hipótese, essas atividades devem

assegurar, aos indivíduos, as condições mínimas de existência durante o resto

do ano, para poderem ser consideradas como profissões.

Este problema apresenta uma grande relevância ética, pois, muitas vezes,

acontece que há indivíduos que, desempenhando certas atividades

secundárias, durante um curto período do ano, pretendem através dessas

atividades, desempenhar com espírito ganancioso e até desonesto, viver a

maior parte do ano sem trabalhar, à custa dos lucros obtidos, abusiva ou

ilegitimamente, num breve lapso de tempo.

Outros pretendem justificar com esses intervalos de “laboriosidade esporádica”

a sua ociosidade de sucessivos e longos meses, ou vão mais longe, até ao

ponto de mascararem atividades ocultas e elícitas permanentes com essas

incidentais atividades “visíveis”.

Finalmente, o problema ainda interessa sob um outro aspeto. O facto de

alguém viver ou parecer que vive um ano inteiro à custa dos lucros de quinze

ou trinta dias de trabalho passageiro pode exercer sobre as pessoas

desprevenidas uma sugestão de degradação, levando-as a acreditar que é

possível viver com pouco trabalho, que não é preciso trabalhar todo o ano para

se viver, muitas ocasiões, com abundância ou fartura.

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Semelhantes ideias, na maioria dos casos falsas, podem conduzir ao desprezo

pelo trabalho contínuo e ao desejo de aventuras mais ou menos desonestas e

antissociais.

A profissão relaciona-se com a personalidade, como é defendido por Viana

(1989) e por isso, cada um deve, especialmente, trabalhar em harmonia com

as suas capacidades e possibilidades. Aqueles que seguem como um rebanho

qualquer grupo de indivíduos não exercem uma profissão, “prestam um

serviço”, como os animais ou as máquinas.

Trabalhar numa profissão inadequada ou que contrarie o pensamento ou o

sentimento de alguém é negar a própria essência da profissão, porque se não

há sintonia entre o indivíduo e a atividade o serviço será mal executado ou

executado em grande esforço e sem a harmonia necessária.

Não esquecer o conceito de liberdade, o qual, resulta, como é evidente, do

anterior, e com ele se inter-relaciona. Para se poder afirmar que alguém

desempenha uma determinada profissão, importa admitir que esse alguém

escolheu livremente.

O trabalho forçado, imposto não pode considerar-se, moralmente, como

profissão. Por isso é que Viana (1989) não lhe chama de trabalho profissional,

aliás, qualquer serviço executado sem “liberdade” implica a negação da própria

ideia de um trabalho perfeito, digno e zeloso, porque pressupõe esforço

relutante e contrariado, executado com todos os reflexos de defesa em

funcionamento.

O caráter social na profissão é de extrema relevância, seja ela qual for, e

implica necessariamente a prévia existência de uma sociedade organizada na

qual as diversas atividades se encontrem devidamente separadas e

distribuídas com vista ao bem geral e ao interesse público. Nos povos

primitivos não havia profissões, o homem trabalhava para a família, praticando,

sem distinção, todas as atividades essenciais à conservação da existência

individual e familiar. Mas a profissão também, por sua vez, tem de ser

estruturada e organizada com vista a servir os interesses comuns da

sociedade, da polis.

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Qualquer atividade que não sirva o bem comum e a melhoria e progresso

sociais não poderá merecer o nome de profissão, mais se acrescenta, qualquer

atividade que não se enquadre na orgânica coletiva, que contrarie ou

prejudique a moral pública, terá de ser eliminada ou ajustada à vida

comunitária.

A profissão não mais é do que trabalho organizado, com vista a servir a

organização social e o bem geral.

No que concerne à vocação, em princípio, não há homens sem qualquer

aptidão, sem jeito para alguma coisa. Com o conceito de profissão, terão pois

de se relacionar os conceitos de aptidão e de vocação. Cada pessoa tem

inclinações próprias, mais ou menos pronunciadas, convindo, portanto, que

trabalhe de harmonia com elas.

Só desta maneira será o seu esforço agradável e eficiente sob o ponto de vista

qualitativo e quantitativo. Quem trabalha em esforço em algo para que não tem

a respetiva vocação, em serviços que lhe repugnam ou desagradem, sem amor

e paixão não servirá corretamente a profissão e detestá-la-á. Precisamos de

uma política e gestão do desporto que harmonize este amor e esta paixão de

trabalho com a aptidão e vocação.

E com a aptidão, relaciona-se a competência. Seguindo a linha de Viana (1989)

é preciso, além de ter disposição natural ou simpatia para cada trabalho,

possuir competência para o desempenhar, dependendo esta qualidade

daquela, da boa vontade e do estudo. Aquele que não dispõe da necessária

preparação, instrução, formação geral e específica será, necessariamente, um

mau profissional.

A incapacidade e a incompetência comprometem, irredutivelmente, a profissão

e prejudicam o bem-geral, não só os interesses particulares considerados

isoladamente mas também os interesses coletivos, os interesses das várias

famílias, da totalidade dos cidadãos, de toda a “polis”, da saúde das

populações, da ordem e tranquilidade públicas e da boa gestão do desporto.

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No que diz respeito à probidade, ou seja, total retidão e integridade, toda e

qualquer atividade que não tiver um objetivo honesto e que não funcionar

honestamente não poderá ser considerada profissão para Viana (1989).

O trabalho na política e gestão do desporto que não seja honesto não deverá

dar origem a qualquer vocação ou profissão. Por outro lado, qualquer profissão

que não seja exercida com honradez e probidade, ou terá de ser refugada ou

reformada.

Viana (1989, p.267) deixa uma opinião muito clara sobre o assunto, “por

consequência, o culto da honestidade deve ser integrado com o culto da

competência, sem a qual a moralidade pode existir em indivíduos isolados, mas

não tarda a declinar no comportamento de uma classe detentora da liderança.”

O gestor desportivo relaciona-se com as políticas desportivas que por sua vez

estão relacionadas com os dados sociais, económicos, educacionais e

financeiros de uma sociedade.

Profissões que funcionem fora do espírito ético afetarão o moral da coletividade

e das restantes profissões, entre as quais existe estreita interação entre o

gestor, o político e o professor. O trabalho profissional é pois, uma autêntica

função social e servir a profissão equivale a servir a coletividade, a

comunidade, ou seja, a polis.

Aquele que não cumpre os seus deveres profissionais não cumpre, por esse

facto, os seus deveres sociais. O bom profissional deve, por isso mesmo,

possuir espírito de serviço, procurando servir o bem público através da sua

atividade laboriosa e tal facto dever-se-á evidenciar numa nova gestão e

política do desporto.

Há homens que pretendem receber da profissão o mais possível e dar-lhe o

menos possível, para não falar que há indivíduos de nível ético tão baixo, que

apenas trabalham por amor do dinheiro. Semelhantes “criaturas” serão sempre

indivíduos medíocres, serão maus cidadãos pura e simplesmente, por serem

maus profissionais e levarão a um mal-estar no seio da polis.

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Com observância, Viana (1989, p. 278) revela “ a profissão é um contributo

para o bem-comum. Nada mais é do que a expansão ou distensão da própria

personalidade em favor do bem-comum. A convivência humana não é possível

sem um mínimo de honradez e de boa vontade”.

Patrício (2002) refere na sua obra “ Ontem, hoje, amanhã: a unidade criadora

do tempo nos ofícios da profissão” que o tempo faz o homem, constrói a sua

essência, o tempo cria sempre e temos o poder de atuar no tempo no sentido

da obtenção do conhecimento e na esperança desenfreada da instrução e

dignificação da profissão “ Estamos no Tempo. Diríamos, melhor ainda: Somos

no Tempo. Ou, finalmente: Somos Tempo. Ontem, Hoje, Amanhã. Somos,

fomos, seremos. Somos o que fomos e somos o que seremos, como seremos

o que fomos e o que somos. É a unidade do Tempo. Unidade criadora? O

Tempo leva, o Tempo traz. Cria sempre”.

Ao abordar o tema da profissão, obviamente, que não poderia deixar passar

em claro a temática relativa ao ingresso na devida profissão e neste caso, com

objetivo de estudo para a gestão e política desportiva.

À medida que as várias classes se tornam mais numerosas e à medida que por

força da imprudência, da leviandade, da má seleção, do espírito de aventura e

do desnivelamento moral das sociedades nelas se introduzem numa crescente

progressão indivíduos inaptos, desajustados ou irresponsáveis, torna-se cada

vez mais difícil manter no seu seio a coesão e o elevado moral que seriam de

desejar.

Como será fácil de compreender, o problema não pode ser resolvido apenas

dentro de cada profissão mediante processos éticos e jurídicos. Como será

fácil de compreender é um contrassenso este de permitir o ingresso na

profissão de gestor desportivo ou até mesmo a nível político de homens sem

idoneidade ou sem capacidade, e pretender posteriormente adaptá-los, ou

moralizá-los, quando é certo faltarem-lhes as indispensáveis condições

mínimas para bem cumprirem a sua missão.

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Viana (1989) refere que a inferiorização de muitas profissões resulta deste

facto impressionante, delas serem “invadidas” e “estranguladas” por

incompetentes e inaptos, por aventureiros e maliciosos.

A gestão e a política desportiva têm de ser protegidas e defendidas eticamente,

impedindo-se que nelas ingressem inaptos, incompetentes ou indivíduos

contraindicados.

É um ato ilógico e absurdo permitir a entrada em profissões de escol, numa

verdadeira vertente ética, apenas por piedade mal compreendida, por

relaxamento ou favoritismo, de indivíduos incapazes e amorais ou imorais, e

pretender, ato contínuo, capacitá-los e reabilitá-los.

Com esta atitude ilógica compromete-se a vida humana e o prestígio das

instituições, do Estado e da sociedade, desilude-se e desmoraliza-se a parte

mais saudável das coletividades, da “polis”, gerando, nela uma atitude

sistemática de desilusão, de pessimismo e de fadiga moral.

Com o passar dos anos percebemos que nada evolui no sentido da

humanização, pelo contrário, degrada-se a cada década que passa. Para

fundamentar este pensamento, a afirmação na Assembleia Nacional, em 1957,

do Prof. Cid Dos Santos:

“ A sociedade actual parece já não acreditar que uma questão possa ser

tratada com desinteresse, só pela questão. E procura sempre descobrir na

mente de quem tomou essa questão em mãos uma ideia de ataque ou de

defesa num plano mesquinho ou numa finalidade secreta, mesmo quando esse

desinteresse seja patente. Por mais que se diga, por mais que se demonstre,

ninguém acredita.”

(In O Século. Lisboa, 13 de Março de 1957).

A ética tem, pois, de começar por considerar o problema da seleção pessoal,

defendendo o princípio de que a escolha da profissão implica uma atitude ética

e deve impor um comportamento ética base.

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A seleção não pode limitar-se, por isso mesmo, a uma simples verificação das

condições físicas e de conhecimentos.

Urge alargar o rastreio dos candidatos às respetivas profissões, a outros

fatores, tais como, o temperamento, o carácter, os hábitos morais, os vícios, os

antecedentes escolares e profissionais e os serviços prestados de forma

gratuita às instituições, por exemplo, em regime de voluntariado.

Quando não se proceda desta forma, a profissão ficará à mercê de indivíduos

sem categoria, capazes de logo no primeiro minuto se desviarem do bom

caminho, comprometendo a profissão e a sociedade.

Para Lopes de Sá (1998) este problema é dos mais importantes e também dos

mais delicados, porquanto a seleção profissional é passível de sofrer

numerosas limitações na sua desejável objetividade, em que vários fatores, tais

como, a simpatia ou piedade pelos candidatos, a influência política ou

plutocrática dos candidatos e a intervenção de terceiras pessoas em favor dos

candidatos.

Viana (1989) defende que segundo a doutrina ética, a única defensável, a

escolha do profissional deverá ser feita apenas em atenção às qualidades,

capacidades, méritos e demais atributos do indivíduo.

Para o mesmo autor, escolher e nomear nestas condições representa um

valioso serviço prestado à sociedade. O homem que proceda com justiça e

respeito pelo bem público procede honestamente e cumpre o seu dever. Como

também, o homem que é escolhido ou nomeado nas referidas condições sente-

se naturalmente honrado com a justiça que lhe fizeram sem necessidade de

“mendigar” proteções e empenhos.

A sociedade ou “polis”, beneficiará desta conduta por duas vias, isto é, pelo

exemplo animador de uma tão boa prática moral, e também pela repercussão

favorável sobre as diversas instituições sociais e públicas.

Do que foi exposto até ao momento importa referir que há uma imperiosa

necessidade de rever numa nova base rigorosamente ética, os costumes das

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pessoas responsáveis, as quais “à força de maus hábitos” acabam por não ter

a consciência dos seus desvios e erros morais.

Estabelece-se, portanto, esta posição para que a profissão funcione no plano

ético, sendo indispensável que o ingresso dos respetivos profissionais da

gestão desportiva obedeça a normas éticas, cumpridas com justiça, escrúpulo

e dignidade.

Há, portanto, necessidade de serem incutidos deveres profissionais. Lopes de

Sá (1998, p. 158) tem uma posição também clara e inequívoca relativamente

ao ingresso profissional, na medida em que “todas as capacidades necessárias

ou exigíveis para o desempenho eficaz da profissão são deveres éticos”.

O propósito ou finalidade do exercício profissional é a prestação de uma

utilidade a terceiros e à sociedade, todas as qualidades pertinentes à

satisfação das necessidades de quem requer a tarefa passam a ser uma

obrigação perante o desempenho.

Há, portanto, um complexo de deveres que se impõem no ingresso da

profissão e que passam a governar a ação do indivíduo perante o seu cliente, o

seu grupo, a sua empresa, os seus colegas, a sociedade, o Estado e

especialmente perante a sua própria disposição mental e espiritual.

Lopes de Sá (1998) defende que se distinguem os valores nas tarefas e

também a importância destas em face da conduta humana observável perante

a execução.

No pensamento de Simpson, essas mesmas distinções, por si só, já seriam

suficientes para a consideração científica do estudo da questão. Uma vez

escolhido o trabalho que desempenhará com habitualidade, o homem gestor ou

o homem político do desporto compromete-se com todo um agregado de

deveres éticos, pertinentes e compatíveis com a escolha da tarefa a ser

desempenhada.

Existem aspetos de uma realidade, virada ao trabalho, que apresenta

particularidades próprias e também peculiares a cada especialização, ou seja,

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há um complexo de valores pertinentes a cada profissão e neste caso à gestão

e política do desporto.

Quando escolhemos a nossa profissão, o que fazer, devemos consultar a

nossa consciência, isto é, se a tarefa é realmente a desejável, proporcionada

com o que nos agrada e se possuímos competência para a realizar.

Nem sempre a escolha coincide com a vocação, mas feita a eleição, inicia-se

um compromisso entre o homem gestor e o trabalho que se propõe a realizar.

Tal compromisso, essencial, está praticamente virado para a produção com

qualidade, ou seja, para a materialização de todo um esforço, no sentido de

que se consiga oferecer o melhor trabalho, o melhor resultado final.

Por exemplo, o sistema de vagas nas faculdades, limitando a entrada de

candidatos, leva, algumas vezes, os estudantes que desejam formar-se em

algo em particular e que enveredam por carreiras que não eram as da sua

primeira escolha por aproveitar vagas de outros cursos. Posteriormente podem

transformar-se em excelentes profissionais por se encantarem com a carreira

para que se habilitaram, mas isto exigirá um enorme esforço de motivação.

Não basta escolher a profissão de gestor, é preciso que ao procurar o

conhecimento da tarefa, haja uma ligação sensível com a mesma de modo a

que possa ser prazerosa. Daí, a prática sob as influências do amor e do que se

faz concretamente desejável.

A génese, a proveniência do dever é, portanto, a eleição da tarefa. Daí

decorrem os compromissos do pleno conhecimento da mesma. Tudo se

complementa com o dever da qualidade da execução com uma conduta

valorosa, calcada numa escolha de práticas úteis e causadoras de benefícios.

Depois de interpretar esta visão de Lopes de Sá (1998) podemos compreender

que estas são as relações essenciais no fenómeno do dever ético, isto é, a

escolha da profissão implica o dever do conhecimento e o dever do

conhecimento implica o dever da execução adequada.

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Aquele que elege um trabalho como meio de vida precisa fazer dele algo

prazeroso, ou seja, deve estar estimulado, por si mesmo a exercer as tarefas,

não só por convicção da escolha, mas por identificar-se com o selecionado.

Saga didática, extraída da obra de Lopes de Sá (1998) sobre a capacidade de

escolha, atribuiu-se à vida de Mozart e à de um aluno que lhe perguntava

sempre o que deveria compor, ao que o mestre sempre respondia: “ É preciso

esperar”. Um dia, o aluno, impaciente retrucou afirmando que ele, Mozart, já

compunha aos cinco anos de idade, ao que aquele génio da música

respondeu: “ Mas eu nunca perguntei a ninguém sobre o que deveria compor.”

Por tal, Lopes de Sá (1998) afirma que quando a seleção da tarefa está de

acordo com a consciência identificada com a escolha, dificilmente ocorrem as

transgressões éticas, porque estas seriam violações da vontade contrárias ao

próprio ser.

Isto não significa, todavia, que ninguém possa tornar-se um apaixonado adepto

de outro conhecimento, tendo escolhido o que não lhe era movido pelo que

entendia estar vocacionado.

A História regista muitos casos de profissionais de uma área que acabaram por

se notabilizar noutras, em razão das suas genialidades e até da descoberta de

aptidões que eles mesmos desconheciam.

Para Viana (1989) há deveres muito importantes para o ingresso na profissão,

tais como, o dever de prestar serviço de harmonia com o exigido pela

profissão; o dever de pontualidade e assiduidade; o dever de lealdade,

correção e delicadeza; o dever de reserva, segredo ou sigilo profissional,

conforme os casos.

O dever de prestar serviço é um princípio geral, moralmente fundamental, isto

é, quem ingressa numa profissão fica obrigado a cumpri-la com exatidão e

integridade. Se não satisfaz às exigências do seu cargo, falta um dever base,

quer isso aconteça por inaptidão, quer por incompetência, por malícia, por

leviandade ou por desonestidade.

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Como já referido sobre a política e ética geral, a ética exige do homem ético

que ele se conduza objetiva e corretamente em cada situação em que se

encontre, tal como lho impõem as relações e existências humanas. Por outro

lado, existe a exigência que o próprio homem do desporto dê, em cada caso,

uma resposta correta, com base numa convicção que concorde com o sistema

informador de cada situação e que, ao mesmo tempo, exprima intrinsecamente

a sua autenticidade como valor moral.

Se qualquer das partes faltar ao que se comprometeu a realizar, compromete,

irremediavelmente, uma situação bilateral, ou seja, um acordo expresso, formal

ou tácito. Se não cumpre, não pode moralmente exigir que a outra parte

cumpra aquilo que previamente se fixara.

O dever de pontualidade e de assiduidade completa o dever considerado

anteriormente. Não basta trabalhar bem aquele que é competente, pois se não

trabalha com regularidade, se não comparece ao serviço às horas devidas e se

falta imensas vezes compromete a vida funcional da instituição, afeta a sua

disciplina, torna o seu trabalho precário.

O mesmo pode dizer-se com respeito à assiduidade, quem se compromete a

comparecer todos os dias ao serviço e começa a faltar sem motivos sérios,

recorrendo a mentiras, embustes, ou desculpas artificiosas procede com

desonestidade e má-fé, prejudica o serviço e desmoraliza o restante pessoal,

criando às entidades responsáveis dificuldades de ordem vária.

É dever de todo o homem digno de tal nome ser leal, correto e dedicado para

com as pessoas com quem trata. Mas se essas pessoas são aqueles de quem

depende, este dever ainda mais culmina.

Todas as atividades e negócios, todos os trabalhos executados em comum

devem ser realizados com base em relações compreensivas e amáveis, de boa

colaboração e entendimento. A delicadeza não custa dinheiro e a lealdade

torna as relações humanas confiantes e justas.

É costume, desde longa data, admitir que em certas profissões se impõe o

dever do segredo profissional. Mas, na verdade, importa considerar atualmente

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este problema de um modo mais amplo, distinguindo, para o efeito entre:

discrição, segredo, reserva e sigilo.

“Se nem todas as profissões exigem segredo ou sigilo, de um modo geral,

todas impõem, ao profissional, o dever de ser discreto e reservado. Aliás, a

própria filosofia popular considera estas virtudes como condição indispensável

de uma vida social tranquila e feliz, sem complicações e sem intrigas:

A bom calar chamam “santo,

Mais vale calar, que mal falar;

Muito falar, muito errar;

Na boca do discreto, o público é secreto.”

(in obra de Mário Gonçalves Viana)

No ingresso da profissão temos também que analisar, de alguma forma, as

virtudes profissionais. Muitas são as virtudes que um profissional precisa de ter

para que desenvolva com eficácia o seu trabalho. Na verdade, existem

múltiplas exigências, mas entre elas destacam-se algumas, básicas, sem as

quais se torna impossível a obtenção do êxito moral.

Quase sempre, na maioria dos casos, o sucesso profissional faz-se

acompanhar de condutas fundamentalmente corretas. Tais virtudes básicas

são comuns a quase todas as profissões, mas destacam-se ainda mais

naquelas de natureza liberal, em que é necessário um conhecimento no

domínio das letras ou das ciências, como pode ser o caso do gestor e do

político desportivo.

Lopes de Sá (1998) define virtudes profissionais para o ingresso profissional

como aquelas que são indispensáveis, sem as quais não se consegue a

realização de um exercício ético competente, seja qual for a natureza do

serviço prestado. Tais virtudes devem formar a consciência ética estrutural, os

alicerces do carácter e, em conjunto, habilitarem o profissional ao êxito no seu

empenho.

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Entre as virtudes básicas que se deverá focar como imprescindíveis a quase

todas as profissões, particularmente naquelas em que o serviço prestado se

deriva dos conhecimentos formados nas universidades, notadamente naquelas

de maior alcance e intervenção social estão os casos da política e da gestão

aplicadas ao ramo desportivo.

Há características que são deveras importantes para o ingresso na profissão,

por exemplo o zelo ou o cuidado com o que se faz e que na perspetiva de

Viana (1989) começa com uma responsabilidade individual, ou seja,

fundamentada na relação entre o homem o e o objeto de trabalho.

O antigo imperador romano, o sábio e filósofo Marco Aurélio na antiguidade

clássica já advertia escrevendo sobre esta questão: “ O homem é exigente com

os outros; o homem superior é exigente consigo mesmo.”

O zelo é uma virtude que, como as demais, depende muito do próprio homem e

pela qualidade do serviço mede-se a qualidade do profissional.

Quando alguém procura um gestor nesta área do Desporto, entrega ao mesmo,

juntamente com o trabalho requerido, algo material muito precioso, isto é, a

confiança. Maus serviços são, pois, em princípio, traições à confiança

depositada.

É digno recusar um trabalho sobre o qual não se tem a convicção sobre a

dedicação que poderá ser dada. Indigno é aceitar uma tarefa, sem a certeza de

que é factível, dentro dos limites máximos do possível e sem que haja

possibilidade de ser realizada com desvelo.

Um profissional percebe, dentro de si mesmo, o que é preciso fazer para que a

tarefa se desempenhe da melhor maneira possível e se não o sente é porque

ainda não está apto para ser um profissional.

Quem não conhece como fazer, logicamente não terá aptidão para

compreender a extensão do objeto ou matéria de trabalho e, nesse caso, se

aceita, pratica não só um ato de negligência, mas, principalmente, um de

desonestidade.

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A atitude zelosa principia com a aceitação do trabalho e só termina aquando da

entrega. A este respeito Lopes de Sá (1998) atenta a falta de zelo, deixar de

cumprir tudo o que se faz necessário para o desempenho eficaz de uma tarefa

cuja responsabilidade se assumiu.

Em todas as profissões e entre elas a gestão desportiva, quando não há zelo

ou atenção, ocorrem as transgressões éticas. Também aqueles que muitas

vezes já se julgam famosos podem perder a consciência ética, relaxando

quando ao zelo.

Perante tal, pronuncia-se relativamente à delegação de tarefa a um colega de

menor experiência ou mesmo a um simples estagiário, e tal facto, caracteriza

falta de zelo quando o delegado não tem capacidade para cumprir com êxito o

estabelecido.

O mesmo autor revela o desejar fazer cuidadosamente, procurar ser perfeito,

abranger todas as possibilidades que garantam a boa qualidade do que se faz,

ser eficaz e cumprir tudo isto com amor e prazer caracteriza bem a virtude do

zelo.

Quando o profissional se identifica com a sua tarefa, pelas vias do amor a ela,

só pode exercer o zelo, pois este depende de tal fator. A gestão e política do

desporto exercida com paixão, carinho, amor e dedicação permitirá aos seus

profissionais cumprirem a sua função com total rigor e zelo, garantindo à

sociedade justiça, dignidade e cumprimento do seu dever ético e moral.

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10. Função Ética e Social da Profissão

Esta abordagem prende-se com a função social e ética da profissão e dos seus

desafios para a construção de um verdadeiro Estado digno humano. Analisa-se

também a temática do “profissionalismo” e da “profissionalidade” bem como o

bem-estar corporativo integrado no âmbito profissional.

Nalini (2001) menciona que a profissão é uma atividade pessoal desenvolvida

de maneira estável e honrada a serviço de outros e em benefício próprio, de

conformidade com a própria vocação e em atenção à pessoa humana.

Para Viana (1989) toda e qualquer profissão tem uma função ética e social, que

importa reconhecer e o facto de pertencer a uma profissão torna o indivíduo

socialmente útil e impõe-lhe, como já referido anteriormente, deveres

específicos.

Para o mesmo autor, cada vez se considera mais vergonhoso não

desempenhar qualquer atividade económica e útil. O qualitativo “sem profissão

“ não agrada a ninguém. Aquele que não tem uma profissão, não só se sente

diminuído, mas também é olhado por todo o mundo com surpresa e

desconfiança. Viana (1989) afirma “ a profissão é um título e uma dignidade”.

A política, como plano de fundo da ética é tema desta dissertação como,

também, o estudo dos pontos sociais, humanos e públicos, e em face disto

tratar as questões sociais e éticas profissionais, dado que a profissão confere

diferentes regalias, e em contrapartida, deveres e obrigações.

Duas são as entidades que naturalmente se assumem a tal, ou seja, o Estado

e a própria profissão. Viana (1989) considera que o Estado age de fora para

dentro, no interesse do bem geral ou da moral pública, e com vista a proteger

os membros da profissão contra possíveis desvios dos respetivos dirigentes, e

isto porque uma das missões do Estado consiste precisamente em proteger os

fracos.

O objetivo de todo o ser humano deverá ser de estabelecer-se

profissionalmente, porém a ética deve ser a base da construção da vida de

qualquer profissional. Exercer a profissão com zelo, diligência e honestidade é

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dever de todo o gestor e político do desporto comprometido com a sociedade,

com os colegas e com o seu grupo profissional.

O exercício ético é de suma importância para qualquer pessoa, e também

enquanto profissional. Muitos não conseguem assimilar e agir segundo os

princípios éticos e ter humanidade. Ser humano consiste em saber viver,

respeitar e ajudar os outros a viver a vida humana com todas as vicissitudes.

Numa sociedade de profissionais “especializados”, fragmentada em mil

contextos funcionais importa pensar na forma de encontrarmos a humanidade.

Cada profissão apresenta uma dimensão social e ética, e a gestão e política do

desporto não foge à regra. Cada profissão é exercida na base de um contrato

social implícito que é necessário explicitar e cumprir refere Amendoeira (2008).

Ao atribuirmos importância à identidade profissional como dimensão social e

ética essencial para a compreensão do contributo que a singularidade dos

trajetos profissionais dá a uma profissão, interessa refletir sobre o conceito de

“profissionalidade” e no que o distingue do conceito de “profissionalismo”.

O “profissionalismo” pode ter um sentido diferente de “profissionalidade”, na

medida em que se refere à proficiência para lidar com as questões éticas, com

os valores e a intervenção mais apropriada a cada situação.

Segundo Alonso (2004) a ideologia do profissionalismo assenta em sete

princípios: A preparação especial; a elevada posição social e económica; a

resistência ao controlo público; o monopólio e outros privilégios corporativos; os

princípios aristocráticos; a realização da cultura profissional e a ética da

responsabilidade na relação com as pessoas ou utentes.

Para o mesmo autor é possível ser membro de uma profissão sem ser um

profissional no verdadeiro sentido da palavra e é igualmente possível ser um

profissional sem ser membro de uma profissão e mesmo ter um

comportamento de profissional (no sentido do profissionalismo) enquanto

desenvolve uma atividade não profissional.

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O conceito de profissional adquire assim a dimensão singular, a partir da

evolução de um perfil que vai do profissional técnico ao intelectual crítico,

passando pelo profissional reflexivo.

No que concerne ao conceito de “profissionalidade” anteriormente abordado,

enfatiza-se segundo Tavares (2003) a característica essencial do mesmo, na

medida em que existam profissionais efetivamente autónomos e criativos, sem

deixarem de ser colaborativos, responsáveis e livres, constituindo-se numa

qualidade dinâmica que está em construção e em construção permanente.

É essencial valorizar o profissional reflexivo como aquele que constrói saberes

para além das competências, considerando competência como o resultado da

mobilização dos saberes (de qualquer tipo) em situação, sendo essencial a

transferibilidade desses mesmos saberes, através da recontextualização para

outros contextos-interação, tornando os profissionais mais competentes em

novas situações e no seio social e ético.

Pressupõe-se que o profissional do desporto possui os conhecimentos teóricos

e as habilidades práticas que (atualizados devidamente) lhe permitem saber o

que deve fazer em cada caso individual que se lhe apresente, e fá-lo.

Constitui uma parte importante do “êthos” profissional a reflexão permanente

sobre o que significa o bem intrínseco da profissão e a que se dedica cada

profissão para o conjunto da vida humana vivida na maior e melhor plenitude

alcançável.

Isto permite uma reflexão permanente, aberta e partilhada em todas as

direções. Como definir e redefinir uma e outra vez as metas da própria

profissão, considerando as técnicas e os recursos disponíveis bem como as

metas desejáveis a atingir na cultura na qual exerce. Por outro lado como se

pode contribuir a partir da própria profissão, dos seus saberes e competências

para esclarecer, possibilitar e criticar a perspetiva do próprio saber profissional

e do modo da atuação organizacional e institucional.

A instituição atua no seu próprio seio zelando a honra e o prestígio

profissionais, e para Viana (1989) o Estado impõe aos membros de cada

profissão leis e regras ditadas pela estrutura estatal e pelos seus interesses

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fundamentais. Para o mesmo autor, a profissão dita, no domínio interno, aos

componentes de cada grupo profissional uma deontologia e regulamentação

aplicável a todos, elaborada e sancionada pela própria instituição, com vista á

sua moralidade, prestígio, eficiência, produtividade e dignidade.

Do ponto de vista do funcionamento ético-social, torna-se imperativo, fixar e

limitar as atribuições de cada profissão, no sentido de evitar os conflitos de

jurisdição, os desvios, os erros e as injustiças.

Não somenos importantes para Viana (1989) do ponto de vista ético social são

os deveres inerentes não só à profissão, mas também os deveres de cada

grupo dentro da profissão, considerando a respetiva hierarquia, preparação,

responsabilidades e funções. Selecionar o ingresso do homem, no sentido de

assegurar à profissão trabalho eficiente e satisfatórias relações humanas e

públicas, bem como assegurar uma satisfatória organização funcional com

base no respeito mútuo, na moral e na justiça e defender, quando tal seja

necessário, o princípio do “numeros clausus” e o bom nome da profissão.

Como é possível analisar, a profissão do ponto de vista ético social e como

prática habitual de um trabalho oferece uma relação entre necessidade e

utilidade no âmbito humano, exigindo uma conduta específica para o sucesso

de todas as partes envolvidas.

Para Lopes de Sá (1998) quem pratica a profissão dela se beneficia, assim

como o utente dos serviços também disfruta de tal utilidade. Contudo, isto não

significa que tudo seja útil entre as duas partes, ou para terceiros ou até

mesmo para a sociedade.

Um grande empresário, um homem responsável pelo teor político executivo do

desporto terá forçosamente que estar informado sobre a orientação a seguir ou

até mesmo como rentabilizar o seu negócio ou a sua política de administração

pública ou de índole privada, e neste caso necessitará de um profissional

especializado na área da gestão e da política desportiva.

Em reciprocidade, o profissional da gestão desportiva necessita do trabalho e

da oportunidade que o empresário ou o responsável pela política executiva lhe

vai oferecer. Estas são relações diretas entre quem presta o serviço e o que

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deste se beneficia, ao que classifico de “necessidades mútuos” para o

respetivo funcionamento social.

Na oportunidade gerada ou oferecida, tem o profissional pela gestão do

desporto meios de mostrar todas as suas capacidades e, em decorrência,

construir o seu conceito profissional.

O conceito profissional é a evidência, perante terceiros, a sociedade, das

capacidades e virtudes do homem no exercício de um trabalho habitual de

qualidade superior.

Não se constrói um conceito pleno sem que se pratique uma conduta também

qualificada, não dissociando a componente ética da componente profissional,

ou seja, integrar a formação com a instrução.

Lopes de Sá (1998) realça que o valor profissional deve acompanhar-se de um

valor ético para que exista uma integral imagem de qualidade. Quando só

existe competência técnica, profissional e científica e não existe uma conduta

virtuosa, a tendência é que o conceito, no campo de trabalho, possa denegrir-

se de forma bastante notada em profissões que lidam com maiores riscos.

A este respeito, e a nível político, Lopes de Sá (1998, p.168) diz o seguinte:

“ Ao longo do exercício da minha profissão, tive oportunidade de conhecer

profissionais que, sendo empregados do Governo, aceitavam causas contra

este, utilizando nomes de terceiros e se tornando, pois, servos de dois

senhores, maculando a sua conduta e estabelecendo um conjunto de práticas

viciosas.”

A profissão que pode enobrecer pela ação correta e competente pode também

dar anseios à desmoralização através da conduta inconveniente com a rutura

dos princípios éticos.

É necessário perceber, dada a sua importância, o valor social da profissão e o

do profissional inserido no contexto social no âmbito profissional.

É inequívoco que o trabalho individual influencia e recebe influências do meio

onde é praticado, pois Lopes de Sá (1998) justifica tal facto na ideia de que não

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é somente no seu grupo que o profissional dá uma grande contribuição ou a

encobre.

Quando adquire a consciência do valor social da sua ação em sociedade, onde

se poderá praticar ou realizar feitos que alcançam repercussões amplas.

Quando o Estado, como organização promovida pela sociedade motiva a ideia

do coletivo e do grupo e quando as administrações públicas são sinceras com

o seu povo.

Da mesma forma quando a justiça é aplicada sem protecionismos e sem

esconder, apresentando o medo, os erros dos mais poderosos, podemos

interiorizar o conceito alicerçado na ideia de Lopes de Sá (1998), o qual

fundamenta que a consciência social se exerce com maior influência e que

perante um exercício ineficaz da autoridade e de um poder corrupto e

incompetente abala-se a vontade de uma ação de cooperação para com o

Estado.

Como afirmou Spengler (1945) a ideia do Estado que requer a participação

igualitária de todos é consequência de todo um processo histórico e de uma

cultura que se consolida nessas áreas do Ideal.

Idealmente é imprescindível que os profissionais se preocupem com o social,

mas se não são induzidos a isso, o que tende a ocorrer é a ação irresponsável

de todos.

Quando o profissional, isoladamente, e as classes profissionais, através das

suas entidades representadas agem a favor de uma cooperação orgânica,

social, consegue-se o estádio idealmente desejável.

É preciso, todavia, para que isso ocorra, que haja uma atmosfera moral

competente, nem sempre observável na nossa época, isto é, na sociedade

contemporânea.

Escreveu Toffler (1995), a respeito da questão, analisando a situação do fim do

século XX, que a lista dos problemas que a nossa própria sociedade enfrenta é

interminável. Sentimos o cheiro do apodrecimento moral de uma civilização

industrial moribunda, enquanto vemos as instituições, uma atrás da outra,

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sucumbir num turbilhão de ineficácia e corrupção. Consequentemente, o ar

enche-se de amarguras, queixas e clamores por uma mudança radical.

O referido autor, ao reclamar que o mundo mudou, mas que a política e o

procedimento ético não acompanharam tal mudança, mostra o elevadíssimo

grau de decadência moral a que se chegou, em razão do poder das minorias

que vêm mantendo uma fachada de democracia, mas sem que o povo tenha

ação sobre os verdadeiros destinos das suas nações.

A realidade mostra-nos que os enormes recursos que foram conquistados no

campo do conhecimento não se fizeram acompanhar de evoluções no campo

da política, do social, e tudo isso é consequência da debilidade da educação

moral e desrespeito pelas instituições.

A luta pelo mercado de trabalho, por exemplo, tem também produzido

fenómenos sociais típicos de desrespeito entre as classes, dentro de um outro

desrespeito geral que não observa os compromissos da qualidade de trabalho,

mas exclusivamente a produção do lucro.

Como conceber o verdadeiramente moral perante a nação, perante o Estado,

perante a sociedade, perante a humanidade é um tema deveras complexo e

fonte de estudo e análise nesta dissertação.

É crucial que o Ético perante o Estado deva ser encontrado dentro de uma

filosofia de virtudes, de prática do bem, de encontro com a felicidade, como

recomendou Aristóteles, ou com o prazer, como admitiu o filósofo Inglês

Jeremy Bentham, mas é difícil de aceitar que as “filosofias” ou as “bandeiras

subjetivas de grupos do poder” possam ser o conjunto de parâmetros a serem

seguidos para a verdadeira política social e por inerência desportiva, do que se

deve aspirar como conduta humana.

Entre a vontade ética, aquela da conceção de Kant, de Espinosa e aquela que

se toma para satisfazer as tais “bandeiras”, Lopes de Sá (1998) menciona

“parecer existir um conflito ideológico de profundidade”.

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O objetivo do Estado é o bem público, mas nem sempre os seus atores, os

seus dirigentes incumbidos de cumprir tais propósitos se comportam dentro de

uma filosofia sadia e motivadora da ética.

A ideia de um Estado infalível, idealmente perfeito, tem-se comprovado uma

utopia, mas a meta a alcançar tem que ser a de uma organização eficaz, pois o

desejável está em possuir-se um sistema social, humano e desportivo que

possa coordenar e ansiar pela liberdade, o crescimento e o bem-estar de todos

os demais.

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11. Dignidade e Finalidade do Homem Profissional

Neste capítulo tratar-se-á das questões centradas na dignidade e na finalidade

na profissão. Relativamente ao homem político e gestor do desporto e à

dignidade e finalidade enquanto homem profissional importa mencionar três

aspetos fundamentais, a dignidade, a preparação e a responsabilidade

profissional.

Há necessidade de abordar a conceção de dignidade humana e da sua relação

com o contexto social, político e profissional que é muitíssimo relevante para

este estudo pois está na génese da nobreza da preparação profissional, da

qual depende a responsabilidade na respetiva profissão. Neste caso pretende-

se estudar apelando a uma compreensão no ramo da gestão e política do

desporto.

Da dignidade na profissão no âmbito político e profissional resulta a imperiosa

necessidade de admitir que sendo igualmente dignas as profissões intelectuais,

liberais, burocráticas, técnicas, mecânicas, manuais, assim como as atividades

noutros tempos designadas por servis, cumpre ao homem em plena harmonia

servi-las todas com dignidade. Da forma como cada um as servir, assim essas

profissões se elevarão ou abaixarão.

Seja qual for a atividade desempenhada, no âmbito da gestão e política do

desporto, é indispensável que cada um proceda mais do que com honestidade,

com probidade, ou seja, com retidão e honestidade, porque ser “probo” é mais,

muito mais do que ser honesto. Cumpre ao homem político do desporto em

plena harmonia servi-la com dignidade, da forma como cada um a servir, assim

a profissão se elevará ou abaixará.

O honesto evita o mal, esclarece Renato Kehl (1958) que cumpre os deveres,

respeita as leis e preconceitos, prova inteligência e argúcia. O probo tem o

culto natural da dignidade, da perfeição, graças à potência hereditária do que

se dominou “talento moral”.

Quanto mais elevada for a posição do profissional do desporto e quanto

maiores forem as suas responsabilidades, tanto mais se lhe deve exigir uma

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conduta proba, “a técnica, desacompanhada da probidade, só pode criar

profissionais desonestos, tanto mais perigosos, quanto mais hábeis forem”,

afirmou Pires de Lima (1953).

Para Viana (1989) o profissional é um zelador de duas dignidades, ou seja, a

dignidade da profissão e a dignidade da sua pessoa. Le Bon (1914) esclarece a

este respeito, que o sentimento de honra é uma necessidade de dignidade

pessoal, que leva a evitar certos atos e a realizar outros, mesmo contrários aos

nossos interesses, com o único objetivo de conservar a estima própria e a

estima dos nossos semelhantes, da sociedade, da polis.

Para desempenhar qualquer profissão na área da gestão e da política do

desporto importa ao homem ter-se preparado para ela. A preparação para ser

um digno gestor desportivo variará, como é óbvio, conforme a maior ou menor

dificuldade ou transcendência do trabalho por ela exigida.

Decorre deste facto a seguinte lição conduzida por Viana (1989), “aquele que

ingressa em qualquer profissão sem a necessária preparação, pratica um ato

malicioso reprovável, a menos que se trate de um ato irresponsável. Porém,

neste caso, o indivíduo revela não ser verdadeiramente humano”, pois, e

segundo Romero (1953), o homem é, em primeiro lugar, uma “consciência

intencional” em que sem ela não há homem.

Da mesma maneira, torna-se crucial abordar a posição a este respeito de

Lopes de Sá (1998, p.181) que orienta o seu pensamento ao encontro de Viana

(1989) e afirma, “aquela profissão cuja preparação exija mais tempo ou mais

estudo ou aquela profissão cuja preparação exija mais aptidões ou mais

responsabilidades, tem de ter retribuição proporcional à graduação destes

valores. Semelhante facto não pode, eticamente, conferir-lhe qualquer

privilégio, além dos inerentes à própria liberdade e dignidade da função. Não

podem existir profissões-castas intangíveis. Se o profissional não cumprir os

deveres éticos, ficará sujeito às leis, como qualquer outro”.

Nos dias de hoje questiona-se muito a responsabilidade de alguém numa

determinada área técnica, mas é indispensável salientar que ela varia bastante

em função das diversas profissões. Além da responsabilidade legal e

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administrativa, há uma responsabilidade comutativa segundo Viana (1989), de

natureza essencialmente moral, que depende do tipo de atividade

desempenhada, e por tal apresenta-se uma responsabilidade individual e uma

coletiva ou solidária como o mesmo autor a classifica.

Conforme se trata de uma ou de outra, ou de ambas conjuntamente, assim

devem ser impostas obrigações morais ajustadas a cada serviço, não podendo

ninguém desobrigar-se a elas.

Mas Viana (1989) acrescenta a esta tese, tendo por base o seu pensamento da

ética profissional, que estas responsabilidades têm que ser consideradas sob

um outro ângulo, e por tal, acrescenta as responsabilidades de vidas, de

haveres e as de reputações.

A vida depende muito de um profissional, dirigente ou não, depende de um ou

muitos homens e pode depender de muitos profissionais, por exemplo, de

médicos, engenheiros, arquitetos, gestores ou políticos.

O mesmo pode dizer-se relativamente aos bens económicos como são os

casos das sociedades anónimas. Finalmente, a reputação e o bom nome dos

homens da polis depende da maneira como atuarem certos profissionais, como

os professores, administradores, gestores ou políticos.

Em alguns casos a responsabilidade pode ser múltipla e abranger as várias

hipóteses consideradas, pois a vida tem um enorme valor, dado que a perda

económica pode arrastar à morte, porque a desonra e a vergonha injusta e

indevida podem causar doença e desespero, que segundo Viana (1989) “são

vestíbulos da morte”.

Urge, por consequência, atribuir à responsabilidade profissional na gestão do

desporto a maior atenção no plano ético, porque o mais grave, o mais nocivo, o

mais destruidor de todos os males que afrontam a vida portuguesa, como já

Simões (1945) referia, é a falta de dignidade profissional, ou melhor, a não

dignificação das profissões.

Para dignificar a profissão, neste caso a da gestão desportiva importa conhecer

a responsabilidade que esta implica e cumpri-la integralmente em todas as

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ocorrências e no dia-a-dia, com heroica obstinação, indo ao encontro da

fundamentação de Viana (1989).

O referido autor fundamenta este pensamento e acrescenta que o prestígio não

se improvisa, vai-se criando lentamente, através de uma atuação irreprimível,

eficiente e contínua.

Com este pensamento podemos referir que não há profissão ou ocupação, seja

qual for o seu tipo, da gestão à política, na qual seja possível adquirir prestígio

a não ser mediante este esforço consciencioso, que para o mesmo autor

“implica muitas vezes a renúncia ao triunfo fácil mas efémero, e pressupõe

sensaborias inevitáveis, quando há o propósito de realizar um trabalho de

fôlego, não obstante as dificuldades que se oponham e o tempo que exija.”

Tendo por base esta conceção, a responsabilidade profissional em qualquer

sector da gestão à política desportiva deve ser avaliada além da capacidade,

pelo empenho que se aplica para prestar em todos os casos um serviço

honesto, nunca inferior ao prometido. Quando não se tem a certeza de poder

realizar qualquer trabalho, não deve ninguém admiti-lo como possível, o

homem profissional do desporto consciente deve analisar friamente as

possibilidades de realização da operação que se propõe executar.

Se considerar viável deve declará-lo e se julgar o contrário, também o deve

dizer, mesmo quando tal signifique a perda de um negócio, de um contrato

para um evento desportivo ou de um ato de intervenção política no seio da

sociedade.

A dignidade na profissão da gestão desportiva irá depender muito da dignidade

do homem político do desporto na sua vertente individual. O problema da

dignidade do homem é analisado em função do lugar central que este ocupa no

universo, ponto de referência de toda a realidade.

Houve sempre uma preocupação em valorizar o homem na sua condição

terrestre e tal ponto é bem patente em certos autores humanistas, tais como,

Gianozzo Manetti, discípulo de Ambrogio Traversari, que lembrou o homem e a

sua dignidade ao realçar o valor da atividade humana, mas só na medida em

que esta lhe era conferida pelo Criador.

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Contudo foi com Giovanni Pico Della Mirandola, um dos homens a quem os

“vindouros” reconheceram a marca de génio, que a valorização humana atingiu

a máxima expressão.

Gianozzo Manetti não visiona o alcance ontológico e ético da valorização do

homem em que tal intuição está reservada ao referido Giovanni Pico Della

Mirandola.

Para o Conte di Concordia, ou seja, Pico Della Mirandola, esta questão surge

como uma abordagem muito mais elaborada, podendo detetar-se na temática

da dignidade do homem a articulação de três níveis de compreensão, isto é, de

clareza, um problema da razão, um problema da liberdade humana e um

problema de ser.

Segundo o autor é a capacidade racional que permite ao homem tomar

consciência da sua dimensão como ser livre. A abordagem do

antropocentrismo Piquiano, isto é, a função que o assunto da dignidade ocupa

no cerne do universo vem alicerçada a partir da consideração da liberdade

humana, direcionada para a ação ética, portanto, com alcance prático. Mas

articulando um nível ontológico, ou seja, existencial e para se perceber o

sentido ontológico da ética, isto é, da força criadora da palavra é fulcral

compreender-se como o homem aborda as questões da consciência ética e do

valor moral, neste caso, na sua profissão.

Pico Della Mirandola fundamenta na sua obra “Discurso sobre a Dignidade do

homem” que “o homem é o ser mais digno da Criação de Deus, porque foi

colocado no centro do Universo e porque de tudo quanto foi criado ele possui

as sementes”. (XXIII)

Segundo o mesmo, ser ontologicamente de natureza indeterminada, permite

distinguir-se por tal facto tanto do mundo natural como do mundo angélico (dos

anjos), distingue-se ainda devido a ser o artesão ou operário de si mesmo, tal

como referiu Patrício, o homem é a escultura a ser trabalhada, a pedra dessa

escultura, a ferramenta da mesma escultura e o escultor da mesma escultura.

O homem é responsável pela direção da sua existência, pelo seu destino, pelas

marcas que deixará na sua profissão e na sua sociedade e pelos trilhos que

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pretende seguir de tal modo que para Pico Della Mirandola o problema da sua

natureza não se pode pôr a priori, mas tão-só à posteriori.

Enquanto o animal, devido à natureza que lhe é dada à partida, só pode ser

animal e o anjo só pode ser anjo, o homem tem quase o poder divino de se

constituir segundo aquilo que quiser ser, de ser um ótimo gestor e político do

desporto e digno da sua vocação ou profissão dando o melhor de si para o seu

povo, para a sua sociedade, a sua polis, ou simplesmente, ignorar a honradez

e desprezar a sua profissão.

Pode degenerar até aos brutos e pode regenerar-se até aos anjos, mas a

possibilidade de viver como os animais ou como os seres espirituais depende

inteiramente de si mesmo, isto é, da sua escolha.

Pico Mirandola fundamenta que o homem ser da natureza indeterminada e

indefinida, “ está condenado à liberdade, por parte de Deus. E porque tem de

escolher, o homem é fautor do seu destino. Eis o grande milagre”. (XXV)

O homem não se deve contentar com as coisas medíocres, mas deve aspirar

às mais altas. Deverá preocupar-se por alcançar de uma forma digna a

imortalidade e a transcendência no exercício da gestão e da política do

desporto.

Pico Della Mirandola refere que há um compromisso ético diferente do dado

ontológico pois encontra-se perante uma ética do poder ser, em que o homem,

orientado pela razão e desde que seja possível age com vista à obtenção dos

mais altos valores espirituais. Esta é uma outra forma de a sua superioridade

se expressar relativamente a todos os outros seres criados.

Mas esta dignidade do homem tem também um alcance ontológico. Pico Della

Mirandola alerta para o facto de o homem se constituir como um ser de

natureza indefinida e indeterminada não apontar para uma pobreza ontológica,

mas para uma riqueza como sublinha “porque em si estão colocadas todas as

sementes dos seres criados, há no homem uma superabundância que lhe é

conferida à partida e que lhe compete, mediante a escolha, fazer frutificar”.

(Discurso sobre a dignidade do homem, XXIII)

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O homem possui, então, o poder de se autodeterminar e deste modo coloca-se

acima do mundo físico biológico, isto é, apresenta um alcance cultural

inscrevendo-se aqui o problema da responsabilidade moral.

Numa outra perspetiva pode-se analisar o tema sobre a dignidade do homem e

perceber que a mesma é uma qualidade intrínseca, inseparável de todo e

qualquer ser humano, é característica que o define como tal.

A conceção de que em pensamento da sua condição humana e

independentemente de qualquer outra particularidade, o homem é titular de

direitos que devem ser respeitados pelo Estado e pelos seus semelhantes, pela

sociedade. É, por tal, um atributo tido como inerente a todos os homens e

configura-se como um valor próprio que o identifica e pode trazer-se a esta

discussão a visão antropológica de Leonardo Boff, transcrita por Oliveira

(2005), aquando do insulto da dignidade:

“Nada mais violento que impedir o ser humano de se relacionar com a

natureza, com seus semelhantes, com os mais próximos e queridos, consigo

mesmo e com Deus. Significa reduzi-lo a um objecto inanimado e morto. Pela

participação, ele se torna responsável pelo outro e como cria continuamente o

mundo, como um jogo de relações, como permanente dialogação.”

(in Fé e Política: Fundamentos)

Todo o ato que promova a degradação da dignidade atinge o cerne da

condição humana, promove a desqualificação do homem político do desporto

como homem profissional e agride também o princípio da igualdade, dado que,

a meu ver, é inconcebível a existência de maior dignidade nuns do que noutros.

Pode trazer-se à colação a explicação de Silva (1998) acerca do conceito de

dignidade da pessoa humana, a fim de se entender o significado para além de

qualquer conceção, neste caso política, posto que a dignidade é, como

referido, condição inerente ao homem, atributo que o caracteriza como tal, “a

dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um

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desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência

especulativa, tal como a própria pessoa humana”.

A explicação de Silva (1998) vai ao encontro do pensamento e entendimento

de Malheiros (2003) ao focar sobre as dificuldades de uma definição precisa e

razoável de dignidade humana. E como relembra este autor, foi Kant quem

definiu o entendimento de que o homem, por ser pessoa, constitui um fim em si

mesmo e, então, não pode ser considerado como simples meio, de modo que a

instrumentalização do ser humano é vedada.

Tal definição tem inspirado os pensamentos filosóficos e políticos na

contemporaneidade. A dignidade não pode ser renunciada, de tal forma que

não se pode falar na pretensão de um homem de que lhe seja concedida

dignidade, dado que o atributo lhe é inerente dada a própria condição humana.

Desta posição destaca-se a capacidade do homem agir e intervir em prol da

sua sociedade e profissão, contribuindo para o bem-estar social dando o

melhor de si, dignificando de uma forma nobre a gestão e política do desporto.

Para o estudo da dignidade humana e na sua aplicação ao homem profissional

da gestão desportiva não devemos afastar-nos do ponto de vista ontológico da

ética. É fulcral compreender-se como o homem aborda as questões da

consciência ética e do valor moral.

A consciência ética corresponde a uma decisão proclamada por cada um de

nós sobre o valor moral dos nossos atos, isto é, enquanto os julgamos

louváveis (louvor) ou reprováveis (reprovação), bons ou maus, em

conformidade com uma regra, norma ou princípio que nos transcende.

Enquanto o cientista apenas afirma a verdade que julga descobrir, com base no

princípio de causalidade e perante a objetividade, o artista exprime e traduz as

emoções que a beleza, enquanto ramo estético, nele despertou, o homem

moral e ético do desporto sente-se interiormente vinculado a um imperativo que

lhe dita o que deve fazer.

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Segundo Freitas (2000) se a vontade não pode impor diretamente a verdade

pois não depende dela, nem a beleza porque é objeto de sensibilidade e de

gosto, nem sequer o amor dado, porque se trata de uma fonte oculta, indica e

prescreve uma obra a fazer, uma tarefa a cumprir.

Ao contrário da restante animalidade (irracional), a vida do homem político do

desporto, o seu impulso e a sua disposição de vida atinge um nível superior,

caracterizando-se pela espontaneidade interior sempre em desenvolvimento e

em expansão, proveniente de decisões livres e refletidas de quem pode

escolher os princípios, meios e os fins (o sentido axiológico) que a eles

conduzem.

O homem político do desporto deverá aspirar a um equilíbrio interior, a uma

harmonia para viver bem consigo próprio, alcançados graças a uma decisão

pessoal inteligente e livre. Para Freitas (2000) as nossas ações, de forma

alguma nos poderão ser indiferentes pois obedecem a uma lei que, por um

lado, ditamos a nós mesmos (autonomia) e, por outro lado, reconhecemos não

depender só de nós (heteronomia).

Nesta nunce, a consciência moral equivale a uma sentença proferida por cada

um de nós sobre o valor moral dos nossos atos, isto é, enquanto os julgamos

louváveis ou reprováveis, bons ou maus, em conformidade com uma regra,

uma norma ou um princípio que nos transcende.

Segundo Kant, relativamente à consciência moral e retirado da obra “ Para uma

fundamentação ontológica da ética” de Freitas (2000, p. 19) “ duas coisas

enchem o meu coração de admiração e de veneração sempre novas e sempre

crescentes na medida em que a reflexão nelas incide e a elas se aplica: céu

estrelado acima de mim e a lei moral em mim…A experiência moral eleva

infinitamente o meu valor como inteligência, pela minha personalidade, na qual

a lei moral me manifesta uma radical independência em relação à animalidade

e mesmo a todo o mundo sensível”.

Transpondo para a gestão e política do Desporto, o valor moral mostra-se

irredutível e desmedido com qualquer outro valor e suas possíveis

combinações que caraterizam o ato do homem político como tal, enquanto livre

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e conscientemente colocado, nunca podendo ser assumido como meio ou

instrumento para a realização de outros valores, pois é fim de si mesmo, vale

por si só.

Se a vida é condição necessária para a realização do valor moral, o mesmo

valor impõe-se, por sua vez, como razão de ser da própria vida, como sentido

do ser, e ao mesmo tempo, o seu significado e sua direção.

Freitas (2000) acrescenta que assentando-se como valor próprio da pessoa, o

valor moral apresenta-se como universal, e portanto, o que é moralmente bom

para mim, sê-lo-á também para todos os que se encontrem nas mesmas

condições.

Encarnar o valor moral nas nossas atitudes e comportamentos é para nós uma

promoção, tal como se pretende no homem ético do desporto como homem

político, traí-lo é um “atentado” à nossa dignidade de seres racionais, uma

desistência. Mas não é o aperfeiçoamento que nos faz morais, mas sim a

moralidade que nos torna perfeitos.

A experiência do “remorso” e do “arrependimento” sublinha a eminente

dignidade do valor moral e o seu cumprimento ou incumprimento despertam

sentimentos de satisfação (alegria) ou de desgosto (tristeza) que constituem o

que habitualmente designamos por boa ou má consciência e esta ontologia da

ética, a força da criação da palavra ética reveste-se no desporto e no homem

político do desporto e no homem profissional.

Para Martins (2000) só há moralidade para o homem que se “sabe duplo e

dividido”, que aspira a unir-se, a ser “um. Se o “Eu” tende a reunificar-se no

arrependimento, começa a obrigar-se no dever e a condenar-se no remorso.

O arrependimento define o estado de uma consciência unificada que,

reprovando a falta, deseja firmemente emendar-se e o outro, ou seja, o

remorso, apresenta a obscuridade de uma consciência dividida entre o apego à

falta e a vergonha que lhe provoca. Há uma pressão meramente intelectual,

classificada por Martins (2000) como o homem enquanto ser de intelecto,

tensão causada por uma apreensão da inteligência, a compreensão do que é

bom ou do que é mau.

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Sem a intervenção da inteligência o nosso ato seria cego ou brioso, sem a

intervenção da vontade não se produziria e a dignidade na profissão não

existiria.

Martins (2000, p 29) foca o seu pensamento em Pascal e aponta “que a razão

ordena-nos muito mais imperiosamente do que um senhor, porque

desobedecendo a um é-se infeliz, desobedecendo à outra, é-se parvo. O

pensamento constitui a grandeza do homem.”

Urge iniciar um percurso de pensamento sóbrio, definido, delineado perante as

diretrizes do bem e assente nos pilares políticos de reflexão e de intervenção

para uma correta gestão do desporto e mais do que tudo, para elevar com base

na cultura e na educação o homem ao patamar da dignidade e da bondade em

sociedade, refletindo nos seus atos, pois será a base do alicerce para atuação

dos princípios da boa moral e da sadia ética.

O homem político do desporto é um ser decisor em matérias políticas em prol

de um sistema desportivo idóneo e digno, já para não evocar a sua capacidade

de liderar todo um processo social de um Estado, enquanto instituição e como

constituinte de um sistema interativo de partilha de opiniões livres e

democráticas, tendo por base uma ordem axiológica, ética e moral.

Para concluir este capítulo importa compreender a finalidade da vida humana

através dos fundamentos de Maquiavel e de Kant, perceber a finalidade do

homem gestor e político do desporto.

Torna-se fulcral projetar uma imortalidade para o homem político do desporto

assente no seu esforço para a boa vontade como virtude essencial na busca

pela felicidade como objetivo político tendo em mente a construção de um novo

modelo de sociedade e de gestão desportiva.

Para Ortega y Gasset a vida humana não tem uma natureza estática, ou seja, é

sempre igual a si mesma, mas apresenta-se num estado de transformação

contínua. Ela é, propriamente analisando, um eterno escolher, uma eleição

permanente de caminhos, uma projeção para o futuro.

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Busca-se a felicidade a cada momento, a cada instante e este princípio de vida

terá quer ser o objetivo do homem político do desporto, pois a política tem tal

objetivo como fundamento de ação. O que importa na vida, como já foi referido

na dissertação, não é só o viver, mas sim viver para o bem. O verdadeiro

sentido da vida humana é manifestamente ético.

Para Comparato (2006) assim como a vida orgânica não se confunde com a

vida propriamente humana, do mesmo modo há que se distinguir, na vida de

todos nós, entre o fim e a finalidade do homem e neste caso, do homem gestor

e político do desporto.

É importante esclarecer que o fim é a extremidade física de algo, o término de

um lapso de tempo, ou o ponto de chegada de um percurso.

Já finalidade apresenta dois sentidos. Comparato (2006) refere que ela é, de

um lado, a utilidade de uma coisa, aquilo para o que ela serve, de outro lado

fala-se também em finalidade, em referência, ao ser humano, para indicar o

intuito de uma ação, ou o objetivo de toda uma vida que se pretende que seja

digno, moral e ético na profissão e na sociedade.

Neste último sentido, é fácil perceber que a ideia de finalidade distingue-se

nitidamente da de fim. Se o termo final da vida orgânica, qualquer forma de

vida orgânica, é a morte, esta não pode, obviamente ser a finalidade da vida

humana e da profissão.

Comparato (2006) fundamenta que a busca da imortalidade aparece como uma

característica permanente do ser humano (transcendência humana), e é deste

impulso irreprimível para superar a dimensão meramente corpórea da morte

que se alimentam todas as religiões.

Nesta perspetiva deverá assentar a conceção do homem na busca da

dignidade na sua profissão e na sua ação, pois assiste-se a um desprezo pelo

povo por parte da componente política, e perante isto há que haver uma

política do e para o povo assente numa gestão digna no contexto profissional,

com sentido de apresentação ética para a sua implementação na sociedade.

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Nos discursos, Maquiavel (Livro I, cap. IV) sustenta que “onde existe igualdade,

não se pode instituir um principado, e onde ela não exista, não se pode instituir

uma república.”

Acontece que o povo é incapaz de se governar a si mesmo, como se pode

analisar na obra “O príncipe” (exortação final), a Maquiavel esta parecia-lhe

uma verdade da maior evidência. “Uma multidão sem chefe é inútil”, assim

como um exército sem chefe é facilmente derrotado.

A sua dúvida quanto à natureza humana levou Maquiavel a reconhecer que em

toda a sociedade há sempre uma luta permanente entre o povo e os grandes

senhores como hoje ainda se apresenta, e daí a necessidade de uma nova

intervenção política.

A obra de Nicolau Maquiavel foi, sem dúvida, o mais severo requisito contra a

debilidade do poder político em Itália, despedaçada pelo estado de permanente

beligerância entre pequenos soberanos locais que acabaram por transformá-la

num simples “brinquedo” de forças externas (“os bárbaros”).

Poucos anos depois de Maquiavel fazer essa advertência, abria-se um novo

período de divergências internas, não mais na Itália, mas em várias partes da

Europa, como consequência política inevitável da Reforma Protestante, que foi

incontestavelmente a primeira revolução social do mundo moderno.

Se a finalidade do homem é a felicidade, então, como objetivo da política

deverá assentar o homem gestor do desporto na sua intervenção profissional

com total dignidade e boa vontade para o bem social e moral pois o sentido da

vida do homem é ético.

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12. Conclusão

Esta dissertação incidiu sobre as questões éticas da filosofia política do

desporto, a qual se debruça nos por quês e nos para quês das questões

políticas do desporto assentes na ética cujo significado presente para a filosofia

é traçado como o modo de ser ou caráter. A política é uma extensão da ética,

ou melhor, é um plano de fundo, um cenário onde a mesma ética atua,

permitindo ao homem do desporto ser um animal politico na construção de um

Estado Ético. Tendo como ponto de partida esta investigação foi possível retirar

importantes conclusões.

A ética é definida não apenas como um problema de costumes mas sim como

um conjuntura que pressupõe a boa conduta, a felicidade e a beatitude. A ética

no desporto é o espaço de reflexão e de estudo que tem por objeto o teor moral

dos atos desportivos, sendo a ética desportiva a moralidade da prática

desportiva ou da prática moral do desporto. A sua tarefa tem como objetivo

refletir sobre o desporto como um lugar de moralidade no contexto da vida

social, cultural e política. O objetivo da política centra-se na busca da felicidade

através de uma conduta virtuosa onde podemos definir o conceito de felicidade

como sendo um prazer duradouro ou um momento que se pretende que

perdure no tempo pela eternidade.

Apontaram-se os sistemas de classificação da ética na abordagem política e

distinguiu-se a ética teórica (ética ciência) da ética prática (ética arte). A

primeira está ligada ao conhecimento filosófico, ao estado do bem, do dever e

da finalidade do homem, em que busca as ideias da verdade moral, ou seja, os

problemas fundamentais e gerais no plano filosófico. Por outro lado, a segunda

busca as regras adequadas e válidas, causáveis de orientarem a vida com

acerto assim como a adaptação dos princípios ideais, como é o caso do ideal

ético, as realidades e necessidades da vida.

Diferenciou-se a ética intragrupal da ética intergrupal. O homem político do

desporto tem deveres para com o grupo ao qual pertence ou no qual ingressa e

o grupo também tem deveres para com os seus componentes. Da forma ética

como cada um destes elementos se conduzir assim dependerá a coesão, a

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força e a dignidade de cada grupo na polis. Há portanto uma dimensão política

implícita no estudo da classificação ética. Verificou-se, também, que não

existem apenas relações entre indivíduos e grupos pois também se processam

relações entre grupos que têm que ser reguladas por princípios éticos para que

haja uma coexistência pacífica no seio das organizações.

Concluiu-se que há uma ética geral e uma ética profissional. Na ética geral, o

homem político do desporto não deverá esquecer a sua situação de

profissional. Quanto mais elevada for a atividade desempenhada tanto mais se

projetará do ponto de vista ético sobre o profissional impondo-lhe uma conduta

que não o prejudique como trabalhador nem prejudique a profissão.

Especificou-se a ética docente e a ética utente. A diferença entre o que se diz

ou se ensina e aquilo que realmente se faz. A ética docente é a filosofia moral

que se elabora como ideal puro, sendo a ética utente a moral realmente

praticada e vivida.

A ética é classificada como sendo o conjunto de determinações admitidas

numa época e numa determinada instituição orientadas no sentido de

assegurar à respetiva instituição um funcionamento eficiente e honroso em prol

da dignidade institucional e humana. Sendo a política o confronto ou debate de

ideias, ideologias, doutrinas ou teses entre os homens que vivem na polis. Um

estabelecer de diálogos entre o homem ético e o homem político no verdadeiro

local de discussão política que é a polis para a respetiva iniciativa política.

A vida do homem político implica um esforço contínuo de melhoria, uma

constante ansiedade e luta pela perfeição dirigindo todas as suas ações

segundo as regras da justiça. A “luta interior” do homem ético e político do

desporto não se manifesta somente antes de tomar qualquer decisão ou

resolução, mas também se manifesta na ação. O homem ético do desporto

enquanto ser político é uma consciência em plena vibração, e aquele que vive

tranquilo sem problemas, sem dúvidas, mostra não sentir nem a amplitude,

nem a complexidade dos problemas humanos e desportivos.

Esta dissertação permitiu concluir que o homem não é um ser perfeito, ele

busca a perfeição a cada instante da sua vida, daí ser considerado e definido

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como ser perfetível. Deverá analisar as suas virtudes e defeitos, reconhecer os

seus erros e corrigi-los de acordo com os mais elementares princípios, meios e

fins éticos e morais para um caminho cada vez mais próspero de

desenvolvimento moral, social e político. O homem ético do desporto, para

além de convivente pois vive em sociedade, é efetivamente o “homem em

permanente reconstrução”.

O conceito da moral política, de onde resulta o de ética política está

relacionado de uma forma muito próxima com o conceito pessoal de honra e

com o conceito mais extenso de moral pública. O homem do desporto não

pode viver isolado da ética e da moral, nem tão pouco desconhecer o seu

próprio “Eu” no plano afetivo, que não raro se sobrepõe ao próprio “Eu” a nível

intelectual.

É importante conhecer a verdade e o bem mas também que o “Eu” seja

realizador e que opere a mudança no plano da afetividade, por tal, há

necessidade que o “Eu” seja um “Eu” operante afetivo, ou seja, realize e opere

uma ação afetiva. A ética é a ação, que comandada pelo cérebro, é observável

e variável, representando a conduta humana. A produção de uma conduta leva

ao homem do desporto a entrar numa linha de atuação para se alcançar o

conhecimento que promova a satisfação, o prazer e a felicidade.

É dado assente que não existe maior felicidade que a prática da virtude mas

para existir a mesma terá que haver liberdade e sem virtude não existe moral,

nem pode haver felicidade dos povos porque também não pode haver justiça.

A conduta virtuosa apoia-se na qualidade do homem em viver de acordo com a

natureza da alma. A virtude estando relacionada com o caráter na conduta

ética é condição essencial pois não se pode conceber o ético sem o virtuoso

como princípio, nem deixar de apreciar tal capacidade em relação ao grupo, à

sociedade, à polis.

Relativamente aos deveres do homem ético e político do desporto esta

investigação também concluiu que o dever pressupõe dois conceitos:

Subjetivação e objetivação. Subjetivação para que o homem saiba aplicar, a si

próprio, os princípios morais e não apenas enunciá-los e objetivação para que

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não se confunda o bem geral com o bem individual. Somos parte integrante da

nossa sociedade e portanto devemos servi-la. Tal facto deixa de ser um dever

imposto ou mesmo sugerível, para nascer do racional e do sensível. A

racionalidade do dever para com a entidade social significa ser sensível, “lei do

retorno”, devemos dar, não só em função do que recebemos, mas como

princípio de vida que nos habilita a continuar a receber.

Relacionada com a racionalidade ética encontra-se a vontade ética dado que

tudo o que provém do caráter já construído sob as condições da génese ética é

ato de vontade. O instinto ético busca a utilidade porque é uma forma de ação

que visa o homem político do desporto mas no seu sentido ético. A soma da

ação com a tendência ética e com o instinto ético denomina-se por vontade

ética. Há deveres que o homem ético e político do desporto deverá ter, tais

como, o dever de sinceridade, de delicadeza, de obediência, de perfetibilidade,

de justiça, de humanidade, de coragem e de trabalho.

Como objetivo deste estudo a educação deve encaminhar o homem político do

desporto numa perspetiva ética, para o seu aperfeiçoamento e para a melhoria

da sociedade em que vive e da qual depende. Há necessidade de uma

educação orientada para a ética na preparação do homem ético e do homem

político na construção do ideal de Estado ético. Ao Estado interessa a

valorização do homem político do desporto e este apenas o pode ser na

medida em que for elemento de solidariedade, de trabalho, de disciplina, e de

harmonia social.

A estrutura do Estado deve ser orientada em princípios éticos e toda a sua

legislação, mesmo no âmbito desportivo, deve ser balizada por ideais éticos. A

atuação do estado deve assentar-se pela íntegra retidão, imparcialidade e

justiça. Para que as organizações “vivam” eticamente importa que o Estado

lhes dê o exemplo e supervisione em obediência aos princípios éticos toda a

sua existência, hierarquia e interações.

Ficou também demonstrado nesta investigação que há uma ligação entre o

homem e o grupo. Tanto o indivíduo pode influenciar o grupo para o bem ou

para o mal como o grupo pode também influenciar o homem.

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Sãos os grupos bem estruturados e de bom nível funcional que exercem uma

influência mais ou menos sensível sobre os indivíduos apáticos, amorfos,

consonantes ou passivos. Os homens ativos, idealistas e com poder de

liderança são os que conseguem exercer, sobre qualquer argumento, uma

decisiva ação informadora e conformadora.

É necessária uma base filosófica a ser seguida para que se forme toda uma

estrutura e perante a mesma se tracem os detalhes e os pormenores para uma

ética profissional. O princípio será sempre o de estabelecer qual a melhor

forma de um profissional se conduzir no exercício profissional, de maneira a

não prejudicar a comunidade ou a sociedade e a garantir uma qualidade eficaz

de trabalho. Esta é uma “orientação filosófica fundamental”.

A profissão apresenta uma expressão social, ética e moral pois é pela profissão

que o homem político do desporto se destaca e se realiza plenamente através

da sua capacidade, habilidade, sabedoria e inteligência. Através do exercício

profissional o homem do desporto consegue elevar o seu nível moral e é na

profissão que o mesmo homem pode ser útil ao seu grupo, à sua comunidade,

à sociedade. A profissão pressupõe alguns pontos fulcrais, tais como, a

inclusão de permanência, a retribuição, a duração, a personalidade, a

liberdade, o caráter social, a vocação e aptidão, a competência, a probidade e

o espírito cívico.

No ingresso profissional é necessário compreender o temperamento, o caráter,

os hábitos morais, os vícios, os antecedentes escolares e profissionais e os

serviços prestados de forma gratuita às instituições, por exemplo, a nível de

voluntariado. Quando não se procede desta forma a profissão ficará à mercê

de indivíduos sem categoria, capazes de se desviarem do bom caminho e

comprometendo a profissão.

Chegou-se à conclusão que para além destas nuances há características que

são importantes na profissão e no seu ingresso, por exemplo, o zelo ou o

cuidado com o que se faz e que começa com uma responsabilidade individual

fundamentada na relação entre o homem e o objeto de trabalho.

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Toda e qualquer profissão apresenta uma dimensão ética e social, pois

pertencer a uma profissão torna o indivíduo socialmente útil e impõe-lhe

deveres específicos. No estudo desta dimensão social concluiu-se que há que

distinguir no conceito de profissão os conceitos de profissionalidade e de

profissionalismo. Então neste pressuposto o profissionalismo está diretamente

relacionado com a proficiência e com as questões éticas e os valores,

enquanto que a profissionalidade significa a autonomia dos profissionais

(autonomia, criatividade, colaboração, responsabilidade e liberdade no trabalho

e na profissão).

Neste objetivo de trabalho foi também estudado e analisado o valor

profissional. Ele deve acompanhar-se de um valor ético para que exista uma

integral imagem de qualidade. Quando só exista competência técnica,

profissional e científica e não exista uma conduta virtuosa a tendência é de que

o conceito de trabalho possa denegrir-se em profissões que lidam com maiores

riscos como é o caso da política desportiva.

O objetivo do Estado é o bem público, embora os seus atores incumbidos de

cumprir tais propósitos se devam comportar dentro de uma filosofia sadia e

motivadora da ética. Seja qual for a profissão é importante que cada um

proceda com honestidade e probidade. Cumpre ao homem político do desporto

em plena harmonia servi-la com dignidade, pois da forma como cada um a

servir, assim a profissão se elevará ou abaixará. Dignificar a profissão importa

conhecer a responsabilidade que esta implica e cumpri-la em todas as

ocorrências e com heroica obstinação.

A dignidade na profissão dependerá também da dignidade do homem político

do desporto na sua vertente individual. A dignidade humana tem um alcance

ontológico pois o homem possui o poder de se autodeterminar e deste modo

colocar-se acima do mundo físico biológico, isto é, apresenta um alcance

cultural. A finalidade do homem profissional é a felicidade, e neste contexto o

objetivo da política do desporto deverá assentar as suas raízes numa

intervenção profissional com total dignidade e boa vontade para o bem social e

moral, pois o sentido da vida do homem do desporto é ético.

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