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Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Revista Jurídica: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária. Ano 65, nº 480, Outubro de 2017.

Diretor: Elton José Donato

Bimestral: 1953-1962; trimestral: 1963-1965; irregular: 1966-1967; anual: 1968; trimestral: 1977; bimestral: 1982; mensal: 1988

Tiragem: 4.000 exemplares

ASSINATURAS: São Paulo: (11) 2188-7507 – Demais Estados: 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico:São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188-7900

Demais Estados: 0800.7247900

Os conceitos emitidos em trabalhos assinados são de responsabilidade de seus autores. Os originais não serão devolvidos, embora não publicados. Os artigos são divulgados no idioma original ou traduzidos.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias dos originais obtidas na Secretaria do Supremo Tribunal Federal e dos demais tribunais.

Proibida a reprodução parcial ou total, sem autorização dos editores.

E-mail para remessa de artigos: [email protected]

© Revista Jurídica®

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036-060 – São Paulo – SPwww.sage.com

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

ISSN 0103-3379

ANO 65 – OUTUBRO DE 2017 – Nº 480

RepositóRio AutoRizAdo de JuRispRudênciASupremo Tribunal Federal: 03/85

Superior Tribunal de Justiça: 09/90Tribunais Regionais Federais 1ª, 2ª e 4ª Regiões

FundAdoR

Professor Angelito Asmus Aiquel

diRetoR executivo

Elton José Donato

GeRente editoRiAl

Milena Sanches Tayano dos Santos

cooRdenAdoR editoRiAl

Cristiano Basaglia

conselho editoRiAlAda Pellegrini Grinover – Alexandre Pasqualini – Alexandre Wunderlich

Anderson Vichinkeski Teixeira – Antonio Janyr Dall’Agnol Jr.Araken de Assis – Arruda Alvim – Carlos Alberto Molinaro

Cezar Roberto Bitencourt – Daniel Francisco Mitidiero – Daniel UstárrozDarci Guimarães Ribeiro – Eduardo Arruda Alvim – Eduardo de Oliveira Leite

Eduardo Talamini – Ênio Santarelli Zuliani – Fátima Nancy AndrighiFredie Didier Júnior – Guilherme Rizzo Amaral – Humberto Theodoro Júnior

Ingo Wolfgang Sarlet – Jefferson Carús GuedesJoão José Leal – José Carlos Barbosa Moreira – José Maria Rosa TesheinerJosé Roberto Ferreira Gouvêa – José Rogério Cruz e Tucci – Juarez Freitas

Lúcio Delfino – Luis Guilherme Aidar Bondioli Luís Gustavo Andrade Madeira – Luiz Edson Fachin – Luiz Guilherme MarinoniLuiz Manoel Gomes Júnior – Luiz Rodrigues Wambier – Márcio Louzada Carpena

Mariângela Guerreiro Milhoranza – Paulo Luiz Netto LôboRolf Madaleno – Salo de Carvalho – Sergio Cruz Arenhart

Sérgio Gilberto Porto – Teresa Arruda Alvim Wambier – William Santos Ferreira

colAboRAdoRes destA ediçãoDaniel Blume Pereira de Almeida, João Carlos Leal Júnior, Laffitte Fernandes,

Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson

Sumário

Su

ri

o

Doutrinas

Civil, ProCessual Civil e ComerCial

1. Ensaio sobre a Prorrogação dos Prazos Decadenciais em Decorrência das “Férias dos Advogados” (CPC/2015, Artigo 220)Daniel Blume Pereira de Almeida ..................................................9

2. Litigância de Má-Fé e Abuso do Direito Processual: Análise das Consequências Jurídicas sob a Ótica do Novo Código de Processo Civil BrasileiroJoão Carlos Leal Júnior ................................................................15

3. Da Capacidade de Inovação Normativa Jurídica do Poder Judiciário – Analisando o Dogma do “Legislador Negativo”Laffitte Fernandes e Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson ...........37

Penal e ProCessual Penal

1. Do Conteúdo Normativo da Regra da Vedação da Pena de Morte no BrasilRocco Antonio Rangel Rosso Nelson ...........................................61

Jurisprudência

Civil, ProCessual Civil e ComerCial

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça .........................................................792. Superior Tribunal de Justiça .........................................................95

3. Tribunal Regional Federal da 1ª Região .....................................105

4. Tribunal Regional Federal da 2ª Região .....................................115

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência Civil, Processual Civil e Comercial ....121

Penal e ProCessual Penal

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Supremo Tribunal Federal ..........................................................135

2. Superior Tribunal de Justiça .......................................................145

3. Tribunal Regional Federal da 4ª Região .....................................155

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência Penal e Processual Penal .....................163

Índice Alfabético e Remissivo ...................................................184

EDITORIAL

A Revista Jurídica trata de temas atuais e de suma relevância aos profissionais do direito. Os trabalhos doutrinários, de autoria de relevantes juristas, são divididos nas áreas cível e penal.

Doutrina Civil

O Procurador Daniel Blume Pereira de Almeida entende ser necessária uma atualização jurisprudencial quanto à interrupção dos prazos decaden-ciais que se encerrem durante o período de que cuida o art. 220 do CPC/2015, a fim de se alcançar o objetivo legislativo do NCPC, que contemplou o direito ao descanso dos advogados, bem assim em atenção ao princípio do irrestrito acesso à Justiça.

O Mestre João Carlos Leal Júnior afirma que a boa-fé processual foi con-sagrada como princípio expresso no novo Código de Processo Civil ao prever que aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com este paradigma. Disso decorrem deveres positivos e negativos a serem estritamente observados por todos os sujeitos – ainda que coadjuvan-tes – do processo civil. A atuação processual do autor, réu ou interveniente em descompasso com a boa-fé objetiva e com os respectivos deveres que dela derivam pode acarretar em litigância de má-fé, fenômeno indesejado em um processo que se pretende cooperativo, democrático, justo e devido. Sob essa perspectiva, analisa-se o abuso do direito de litigar como forma característica de litigância de má-fé, com enfoque no combate propugnado pelo novo esta-tuto processual a esta desvirtuada forma de atuação, a qual vem de encontro com o princípio do acesso à justiça em sua concepção atual.

O Professor Rafael Laffitte Fernandes e o Mestre Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson analisam o atual papel do Poder Judiciário na estrutura dos Poderes da República Federativa do Brasil. A proposta é analisar a crescen-te atuação do Poder Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, dentro do que se convencionou chamar de ativismo judicial. A pesquisa em tela, utilizando uma metodologia de análise qualitativa e usando abordagem

hipotético-dedutiva de caráter descritivo e analítico, analisará casos concre-tos decididos pelo Poder Judiciário brasileiro e suas implicações no arranjo político-institucional brasileiro, ponderando sobre a legitimidade do ativis-mo judicial.

Doutrina Penal

O Mestre Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson faz uma análise dogmá-tica quanto à dimensão normativa da regra da vedação da pena de morte no sistema jurídico brasileiro, face a sempre existencial crítica à pena de morte em si, bem como problemas pontuais no que tange à chamada “lei do abate” e à pena de liquidação da pessoa jurídica em decorrência de crimes ambientais.

Os Editores

Doutrina

Do

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Cível

Do

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Ensaio sobrE a Prorrogação dos Prazos dEcadEnciais Em dEcorrência das “Férias

dos advogados” (cPc/2015, artigo 220)Daniel Blume Pereira De almeiDa

Procurador do Estado do Maranhão, Advogado com Especialização em Processo e Direito Eleitoral e Membro

do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão.

“Férias dos advogados”. Art. 220 do CPC. Direito ao descan-so. Prazos decadenciais. Prorrogação para o primeiro dia útil subsequente. Amplo acesso à justiça. Aime. Atualização juris-prudencial. Necessi dade.

A doutrina civil, tradicionalmente, aponta o instituto da decadên-cia como improrrogável, ao contrário da prescrição, que enseja interrup-ção e suspensão (CC, art. 207). Entretanto, tal preceito tem sido flexibi-lizado pela jurisprudência, em atenção ao princípio do amplo acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV)1.

Com efeito, em regra, muito embora prazos de natureza deca-dencial não se submetam à interrupção ou suspensão, tem-se admiti-do a aplicação do art. 224, § 1º, do CPC/2015 (antigo art. 184, § 1º, II,

1 Vide TSE, Recurso contra Expedição de Diploma nº 671, acórdão, Rel. Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, DJe, tomo 065, 09.04.2013, p. 37; e STJ, EREsp 667.672/SP, 2007/0160889-0, Corte Especial, Rel. Min. José Delgado, J. 21.05.2008, DJe 26.06.2008.

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do CPC/1973), nos casos em que se dá a decadência em dia no qual não há o funcionamento normal da Justiça (fóruns e tribunais), como sucede, por exemplo, nos recessos e férias forenses.

O cerne da controvérsia do vertente ensaio reside em saber se as férias dos advogados, instituídas pelo art. 220 do NCPC, prorrogam o prazo de decadência para o ajuizamento de ação de impugnação de mandato eletivo – AIME, que é de 15 dias, na forma do art. 14, § 1º, da Constituição Federal.

Digamos que a diplomação dos eleitos tenha ocorrido em 13 de dezem-bro de 2016 e o protocolo da AIME apenas em 23 de janeiro de 2017 (primeiro dia útil após o prazo da suspensão prevista no art. 220 do CPC/2015). Seria a ação tempestiva?

Sobre aludida suspensão dos prazos, Daniel Amorim Assumpção Neves2 entende que “a contagem dos prazos é interrompida durante o pe-ríodo previsto por lei, sendo devolvido à parte o saldo do prazo ainda não transcorrido antes do início do período de suspensão”. Na passagem, o autor, todavia, não especifica se sua afirmação incluiu os prazos decadenciais3.

Após refletirmos sobre o tema, parece que a melhor interpretação a ser dada é no sentido de que haja a prorrogação dos prazos decadenciais para o primeiro dia útil após as “férias dos advogados”, pois o espírito da norma é justamente permitir o descanso dos advogados no período compreendido entre 20 de dezembro e 20 de janeiro do ano subsequente, como se dá, mutatis mutandis, com os demais profissionais do Direito, conforme as peculiaridades de cada carreira. No período das “férias dos advogados”, não há sentido que os integrantes da classe e o jurisdicionado continuem apreensivos, atentos, preocupados com prazos prescricionais ou mesmo decadenciais. O acesso à Justiça, o direito ao repouso e o objetivo legislativo do CPC/2015 estão bem acima de ortodoxias cíveis ou processuais, como a discutida na espécie.

Sabemos que a jurisprudência eleitoral entende, talvez em uníssono, que as chamadas “férias dos advogados” não teriam o condão de prorrogar prazos decadenciais, haja vista o seu caráter material. Diz que a aplicação do art. 220 do NCPC somente ocorreria em casos de prazos processuais. Ressalta ainda que os protocolos da Justiça permanecem abertos no período, o que

2 Manual de direito processual civil. Volume único. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 360.3 Não encontramos doutrina processual eleitoral específica sobre o tema.

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não inviabilizaria o aviamento de medidas judiciais urgentes, a fim de afastar a “improrrogável decadência”4.

Ao observarmos precedentes, data venia, percebemos que não houve a conveniente atualização do entendimento acerca do tema posto, após a vi-gência do CPC/2015. Assim como se discutiu na vigência do CPC/1973 so-bre a prorrogação – ou não – do prazo decadencial quando o termo ad quem se dava dentro do período em que havia recesso ou férias forenses5, hoje e aqui, a questão de ordem prática que surge é se ocorre a prorrogação do prazo de-cadencial para o primeiro dia útil depois do período denominado de “férias dos advogados”, positivado pelo art. 220 do novo CPC.

Entendemos que, ao se prorrogar o prazo para o primeiro dia útil, em razão de o lapso temporal se expirar no curso de recesso judiciário ou férias dos advogados, estaremos a possibilitar às partes/advogados a opção de uti-lizarem ou não esse benefício legal.

Não se mostra razoável negar-lhes o direito à prorrogação do prazo, até porque tanto no denominado “recesso judiciário” (dias 20/12 a 06/01, instituído pelo art. 62, I, da Lei nº 5.010/1966) como nas “férias dos advoga-dos” (período de 20/12 a 20/01), a consequência legal será idêntica, qual seja, a suspensão dos prazos, conforme dispõe o art. 3º da Resolução CNJ nº 244, de 12.09.2016, que regulamentou os prazos e o expediente forense no período natalino6. Dessa forma, o art. 220 do NCPC criou o que Humberto Theodoro Júnior habilmente denomina de recesso especial, cujo efeito é o mesmo das férias coletivas7.

4 TSE, RESPE 8804, Relª Min. Luciana Lóssio, DJe 30.06.2015, p. 71; TRE-BA, RE 558, Rel. Fábio Alexsandro Costa Bastos, DJe 03.06.2015; TRE-ES, RCED 237, Rel. Des. Samuel Meira Brasil Junior, DJe 29.06.2017, p. 5/6; TRE-SP, Relª Desª Marli Marques Ferreira, DJeSP 26.07.2017; e TRE-PA, RE 1675, Relª Desª Lucyana Said Daibes Pereira, DJe 20.02.2017.

5 STJ, EREsp 667.672/SP, Corte Especial, Rel. Min. José Delgado, J. 21.05.2008, DJe 26.06.2008.6 “Art. 3º Será suspensa a contagem dos prazos processuais em todos os órgãos do Poder

Judiciário, inclusive da União, entre 20 de dezembro a 20 de janeiro, período no qual não serão realizadas audiências e sessões de julgamento, como previsto no art. 220 do Código de Processo Civil, independentemente da fixação ou não do recesso judiciário previsto no art. 1º desta Resolução. Parágrafo único. O expediente forense será executado normalmente no período de 7 a 20 de janeiro, inclusive, mesmo com a suspensão de prazos, audiências e sessões, com o exercício, por Magistrados e servidores, de suas atribuições regulares, ressalvadas férias individuais e feriados, a teor do § 2º do art. 220 do Código de Processo Civil.”

7 Código de Processo Civil anotado. 20. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 264.

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Como vemos, os prazos continuarão suspensos no período de 20 de dezembro a 20 de janeiro, não sendo relevante para a situação o fato de se tratar de recesso judiciário ou férias dos advogados, prazos prescricionais ou decadenciais, materiais ou processuais. Distinções tecnicistas não podem suplantar o amplo acesso à Justiça, nem o sagrado direito ao repouso decor-rente do princípio da dignidade da pessoa humana.

Não merecem prosperar os argumentos de que os prazos decadenciais têm natureza material, logo seria impossível sua interrupção ou suspensão. No que tange a recesso e férias forenses, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, independentemente de se tratar de prazo decadencial ou prescricional, o objetivo da lei processual é disponibilizar às partes condições de acesso ao Judiciário – sem nenhuma restrição, razão pela qual se prorro-gam os prazos decadenciais. Entende que, por sua própria natureza, Natal e Ano Novo são períodos nos quais, de algum modo, o Judiciário não opera de forma plena8. Acreditamos que idêntico raciocínio há de ser aplicado aos prazos decadenciais durante as chamadas “férias dos advogados”. Entende-mos que o prazo decadencial não se suspende, vez que permanece a fluir no decorrer do período estabelecido pelo art. 220 do CPC/2015, porém o seu vencimento fica postergado para o primeiro dia útil depois das férias.

No período de que cuida o art. 220 do CPC, também não ocorre o fun-cionamento pleno da Justiça. Não há sessões e audiências. Em muitos tribu-nais, o expediente é reduzido. A Portaria nº 7/2017 do TRE-MA9, por exem-plo, estabeleceu que o horário de expediente da Secretaria do Tribunal, dos Fóruns e Cartórios Eleitorais da capital e do interior do Estado seria cumpri-do das 13 às 18 horas. Ou seja, o horário foi reduzido, não havendo expedien-te normal no período10.

Outro ponto importante. A ação de impugnação de mandato eletivo – de natureza desconstitutiva como a rescisória – não está contemplada, de forma expressa ou tácita, como ação que tenha curso regular no período de férias forenses e/ou dos advogados. Não é possível se ampliar a regra pro-

8 STJ, EREsp 667.672/SP, 2007/0160889-0, Corte Especial, Rel. Min. José Delgado, J. 21.05.2008, DJe 26.06.2008.

9 “Art. 1º Estabelecer que, no período de 7 a 31 de janeiro de 2017, o horário de expediente da Secretaria do Tribunal, dos Fóruns e Cartórios Eleitorais da capital e do interior do Estado será cumprido das 13 às 18 horas.”

10 STJ, REsp 802.561/DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe 05.03.2008.

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cessual que está configurada no art. 215 do CPC/201511, que veda a suspen-são ou prorrogação dos prazos forenses nas hipóteses em que especifica.

Quanto à prorrogação do prazo para a proposição de ação rescisória, que, como a AIME, possui caráter decadencial, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que não repercute no desate do litígio a natureza prescricional ou decadencial conferida ao prazo12, pois deve prevalecer o irrestrito acesso à Justiça. Tal entendimento não há de ser afastado no caso de prazos decaden-ciais expirados entre 20 de dezembro e 20 de janeiro. Falamos das Justiças Comum e Eleitoral, porque, em se tratando de prazos, o intérprete, sempre que possível, deve orientar-se pela interpretação mais liberal, atento às ten-dências processuais contemporâneas, com esteio nos princípios da efetivida-de, da instrumentalidade e do amplo acesso à Justiça. Afinal, “sutilezas da lei nunca devem servir para impedir o exercício de um direito”13.

Entendemos, por tudo, ser necessária uma atualização jurisprudencial quanto à interrupção dos prazos decadenciais que se encerrem durante o pe-ríodo de que cuida o art. 220 do CPC/2015, a fim de se alcançar o objetivo legislativo do NCPC, que contemplou o direito ao descanso dos advogados, bem assim em atenção ao princípio do irrestrito acesso à Justiça.

rEFErências

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Código Eleitoral anotado e legislação complementar. 12. ed. Brasília: Tribunal Superior Eleitoral, Secretaria de Gestão da Informação, 2016. 1162 p.

GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016. 750 p.

LULA, Carlos Eduardo de Oliveira. Direito eleitoral. Leme: Imperium, 2008. 771 p.

MEDEIROS, Marcílio Nunes. Legislação eleitoral comentada e anotada. Salvador: JusPodivm, 2017. 1296 p.

11 “Art. 215. Processam-se durante as férias forenses, onde as houver, e não se suspendem pela superveniência delas: I – os procedimentos de jurisdição voluntária e os necessários à conservação de direitos, quando puderem ser prejudicados pelo adiamento; II – a ação de alimentos e os processos de nomeação ou remoção de tutor e curador; III – os processos que a lei determinar.”

12 EREsp 667.672/SP, Corte Especial, Rel. Min. José Delgado, J. 21.05.2008, DJe 26.06.2008; e REsp 57.367-0, Rel. Min. Vicente Leal, DJU 17.06.2006.

13 REsp 11.834/PB, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, J. 17.12.1991, DJ 30.03.1992, p. 3993.

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NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 47. ed. atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2016. 2333 p.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Volume único. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. 1760 p.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de Processo Civil anotado. 20. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. 2049 p.

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Litigância dE má-Fé E abuso do dirEito ProcEssuaL: anáLisE das consEquências

Jurídicas sob a Ótica do novo cÓdigo dE ProcEsso civiL brasiLEiro

João Carlos leal Júnior

Mestre em Direito Negocial pela UEL, Advogado em São Paulo/SP.

RESUMO: A boa-fé processual foi consagrada como princípio ex-presso no novo Código de Processo Civil ao prever que aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acor-do com esse paradigma. Disso decorrem deveres positivos e nega-tivos a serem estritamente observados por todos os sujeitos – ainda que coadjuvantes – do processo civil. A atuação processual do autor, réu ou interveniente em descompasso com a boa-fé objetiva e com os respectivos deveres que dela derivam pode acarretar em litigân-cia de má-fé, fenômeno indesejado em um processo que se preten-de cooperativo, democrático, justo e devido. Sob essa perspectiva, analisa-se o abuso do direito de litigar como forma característica de litigância de má-fé, com enfoque no combate propugnado pelo novo estatuto processual a esta desvirtuada forma de atuação, a qual vem de encontro com o princípio do acesso à justiça em sua concepção atual.

ABSTRACT: The procedural good faith was elevated as a principle in the new Brazilian Civil Procedure Code by predicting that anyone who participates in the process should behave in accordance with this standard. There are positive and negative duties to be strictly observed by all subjects of the civil procedure, not only the parties. Their procedural performance in disagreement with the good faith and its respective duties can lead to bad faith litigation, undesired phenomenon in a process that is intended cooperative, democratic, fair and due. From this perspective, the abuse of the right to litigate is analyzed as a characteristic form of bad faith litigation, with a focus on the combat established by the new procedural law for this distorted form of action, which contradicts the principle of access to justice in its current conception.

PALAVRAS-CHAVE: Acesso à justiça; abuso do direito; litigância de má-fé; abuso do direito de ação.

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KEYWORDS: Access to justice; abuse of rights; bad faith litigation; sham litigation.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Notas preliminares sobre o princípio da boa-fé processual; 2 Do acesso à justiça à litigância de má-fé; 3 Con-sequências jurídicas da litigância de má-fé sob o prisma do novo CPC; Conclusões; Referências.

introdução

Em um Estado Democrático de Direito, o processo, visto como meio de realizar direitos, inclusive fundamentais, e solucionar conflitos de interesse, restaurando a paz social – essencial à manutenção da vida em sociedade –, não deve se desencadear de qualquer forma. O Estado deve seguir um mo-delo prévio, demarcado em dispositivos normativos, de sorte que as partes possam participar adequadamente da formação da cognição judicial, influin-do efetivamente no convencimento do julgador1. Fala-se, então, em devido processo legal.

O princípio do devido processo legal, ou constitucional, é entendi-do como a base sobre a qual todos os demais princípios constitucionais do processo civil se sustentam. A expressão origina-se do inglês due process of law, e na Constituição de 1988 está consubstanciada no inciso LIV do art. 5º: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

O devido processo pode ser estudado sob duas perspectivas: proces-sual e substancial2 (ou material). O primeiro significado da cláusula guarda estrita conexão com o princípio de acesso à justiça: trata-se de elemento que

1 Cássio Scarpinella Bueno, aliás, chega a sustentar que o devido processo é amplo o suficiente para se confundir com o Estado Democrático de Direito. (BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2010. p. 138)

2 O substantive due process faz-se presente em todos os campos do Direito. Essa dimensão do princípio confunde-se com o chamado postulado da razoabilidade, uma vez que este tem sua origem e desenvolvimento ligados à garantia do devido processo legal. Pela aludida perspectiva, viabiliza-se o controle do arbítrio do Poder Público. Assim, por meio do substantive due process, procede-se ao “exame de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality) das normas jurídicas e dos atos do Poder Público em geral” (BARROSO, Luis Roberto. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito constitucional. Revista do Ministério Público, Rio de Janeiro, v. 4, p. 117, 2010).

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visa a atingir essa meta, por meio do desenvolvimento do processo, tutelan-do, consequentemente, a dignidade humana.

Por intermédio dessa fórmula, tem-se o conjunto de garantias constitu-cionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição3. “Nessa senda, pode-se dizer que todos os princípios e garan-tias processuais contidos na Constituição decorrem da cláusula do devido processo”4. Ampla defesa, contraditório, publicidade, juiz natural, motivação das decisões e razoável duração do processo, entre outros5, são compreendi-dos, então, como decorrência direta da consagração do direito fundamental em observância, por serem indispensáveis a um processo que se pretenda justo e equitativo6.

O due process indica “as condições mínimas em que o desenvolvimento do processo [...] deve se dar”7. Trata-se, pois, de conformar o método de ma-nifestação de atuação do Estado-juiz a um padrão de adequação aos valores que a própria Constituição Federal impõe à atuação do Estado e em confor-midade com aquilo que, dadas as características do Estado brasileiro, espe-ram aqueles que se dirigem ao Poder Judiciário obter dele como resposta. É um princípio, destarte, de conformação da atuação do Estado a um especial modelo de agir8.

Enfim, a garantia do acesso à justiça tem como conteúdo o direito ao processo, com as garantias do due process of law.

A adoção desse modelo impõe, de consequência, a exigência de um processo leal, pautado na boa-fé. A Constituição assegura um modelo garan-tista de jurisdição que requer, portanto, um “fair trial, no sentido de garantir

3 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 82.

4 LEAL JÚNIOR, João Carlos. Morosidade do Judiciário e os impactos na atividade empresarial. Curitiba: CRV, 2015.

5 Consoante Medina e Teresa Arruda Alvim Wambier, cuida-se de garantias mínimas, que “constituem o ponto de partida para o estudo do sistema processual positivo. Impondo ao processo e à sua disciplina algumas condições básicas de legalidade e de correção, operam [...] em todos os seus momentos ou fases” (MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo civil moderno: parte geral e processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2009. p. 58).

6 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit.7 BUENO, Cássio Scarpinella. Op. cit., p. 137.8 Ibid., loc. cit.

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a participação equânime, justa, leal, enfim, sempre imbuída pela [...] ética dos sujeitos processuais”9. Só assim haverá um processo devido, justo e equita-tivo.

Partindo dessas premissas inaugurais, este trabalho trata da litigância de má-fé e do abuso do direito processual, procedendo a uma análise das consequências jurídicas sob a ótica do novo Código de Processo Civil brasi-leiro (NCPC).

Assim, inicialmente, traz apontamentos preliminares sobre o princípio da boa-fé processual, abordando a gênese da norma e as funções da boa-fé objetiva, com os deveres que dela se originam. Após, analisa a garantia cons-titucional de acesso à justiça e seu desvirtuamento ocasionado pela litigância de má-fé.

Por fim, cuida das consequências jurídicas do abuso do direito de liti-gar, especificamente quando caracterizada litigância de má-fé, sob o prisma do NCPC, abordando a repressão judicial dessa mazela, bem como as altera-ções advindas com o novo estatuto processual.

1 notas PrELiminarEs sobrE o PrincíPio da boa-Fé ProcEssuaL

Nas relações humanas, boa-fé (do latim: bona fide), verdadeiro conceito ético-social, consubstancia-se na intenção de ser justo e honesto. Trata-se de valor que concerne aos fatores socioculturais de dados lugar e momento, re-fletindo a realidade que informa e forma a ordem jurídica em que se insere10. Ingressando propriamente no âmbito do Direito, a expressão conta com duas acepções distintas. Fala-se, então, em boa-fé subjetiva e objetiva. A primeira (boa-fé-crença) significa estado de consciência; ignorância, crença errônea “acerca da existência de uma situação regular”. Denota convencimento indi-vidual de agir conforme o Direito – é aplicada, de regra, no âmbito do direito das coisas, especialmente em matéria possessória11.

A boa-fé objetiva (boa-fé-lealdade) – esta relevante para o estudo ora desenvolvido –, por sua vez, refere-se a um padrão de comportamento. Quer

9 STF, RE 464.963-2/GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 14.02.2006.10 EHRHARDT JÚNIOR, Marcos. A boa-fé na experiência jurídica brasileira. Revista de

Processo, São Paulo, v. 55, 2013.11 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo

obrigacional. São Paulo: RT, 1999. p. 411.

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significar modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, de acordo com o qual cada indivíduo deve ajustar sua conduta, agindo como se espera de um ser íntegro: com honestidade, lealdade e probidade12.

Como lembra Stoco13, a boa-fé constitui “atributo natural do ser huma-no, sendo a má-fé o resultado de um desvio de personalidade”. É por isso que se tem como princípio geral do Direito, verdadeiro axioma, que “a boa-fé se presume; a má-fé se prova”.

Em todos os quadrantes do Direito pátrio, atua a boa-fé com maior ou menor intensidade, embora seja de maior destaque sua análise e estudo den-tro do direito privado, notadamente no direito civil e do consumidor. Fala-se em um princípio geral de boa-fé, expressado pela doutrina “como uno de los princípios generales que serven de fundamento al Ordenamiento, informan la labor interpretativa y constituyen decisivo instrumento de integración”14.

Nas palavras de Reale15, a boa-fé não constitui imperativo ético abstra-to, mas norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas ulteriores consequências.

São relevantes as funções desempenhadas pela boa-fé objetiva: i) her-menêutico-integrativa; ii) criadora de deveres jurídicos; iii) limitadora (ou de controle) do exercício de direitos subjetivos16.

A primeira função é a mais propagada, atuando como elemento hábil ao preenchimento de lacunas com as quais possam se deparar os operadores do Direito, colmatando-as, bem como auxiliando na tarefa hermenêutica do exegeta. O art. 113 do CC, ao tratar dos negócios jurídicos, explicitou que devem eles “ser interpretados conforme a boa-fé [...]” [grifos nossos]. Assim, a interpretação das normas deve ser pautada pela boa-fé objetiva, partindo de um modelo fulcrado nos valores da honestidade, lealdade e probidade, como dito acima; outrossim, sendo a lei omissa, deve o julgador recorrer a esse arquétipo para preencher o vazio legal existente, homenageando a conduta proba e íntegra esperada dos indivíduos.

12 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 411.13 STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual. São Paulo: RT, 2002. p. 37.14 PEREZ apud STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual. São Paulo: RT, 2002. p. 42.15 REALE, Miguel. A boa-fé no Código Civil. Revista de Direito Bancário e do Mercado de

Capitais, São Paulo, v. 21, 2003.16 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 428.

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Já a segunda função, de notável aspecto prático, refere-se à criação de deveres anexos, laterais, ou instrumentais, que devem ser observados pelas partes que compõem as relações jurídicas, como informação, esclarecimento, transparência, cuidado, respeito, probidade e cooperação.

A terceira função da boa-fé, por fim, impõe limites ao exercício de di-reitos subjetivos, calcada na ideia de que nenhum direito é absoluto. Guar-da, portanto, ligação com o ideal de função social reconhecido aos institutos jurídicos e ao direito como um todo, com base na inserção da dignidade da pessoa humana como fundamento central da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CRFB). Nesse sentido, no que concerne aos contratos, dispôs o CC que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (art. 421) e que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princí-pios de probidade e boa-fé” (art. 422) [grifos nossos].

Reforçando a premissa aventada de que a boa-fé, como princípio geral do Direito, deita raízes por todas as searas jurídicas, não foge de sua influên-cia, por conseguinte, o direito processual civil. O art. 5º do NCPC, nesta ve-reda, dispõe que “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”17. O dispositivo é claro em estender sua incidência para além da clássica tríade juiz, autor e réu. Advogados, peritos, assistentes, serventuários, tradutores, membros do Ministério Público – en-fim, todo aquele que, de algum modo, concorre para a atividade processual – devem reverência à norma que impõe comportamento pautado pela boa-fé.

O art. 322, § 2º, do NCPC, por sua vez, ao tratar do pedido, dispõe que a interpretação deste “considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé”. É o reconhecimento expresso, pela via legislativa, da existência de um princípio infraconstitucional do processo impondo a boa-fé como baliza comportamental.

17 “Os sujeitos do processo devem comportar-se de acordo com a boa-fé, que, nesse caso, deve ser entendida como uma norma de conduta (boa-fé objetiva). Esse é o princípio da boa-fé processual, que se extrai do [...] CPC. [...] Os destinatários são todos aqueles que de qualquer forma participam do processo, o que inclui, obviamente, não apenas as partes, mas também o órgão jurisdicional. [...]. A vinculação do Estado-juiz ao dever de boa-fé nada mais é senão o reflexo do princípio de que o Estado [...] deve agir de acordo com a boa-fé, e, por, de maneira leal e com proteção à confiança. Trata-se de uma cláusula geral processual [...].” (DIDIER, Fredie. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, v. 1, 2009. p. 46)

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As três funções preditas da boa-fé objetiva fazem-se igualmente pre-sentes no território processual: guiam o Magistrado, indicando escorreita in-terpretação das normas e suprindo eventuais lacunas; criam deveres18 jurídi-cos de atuação ética e proba para todos que, de alguma forma, participam do processo; e limitam o exercício de direitos subjetivos, proscrevendo abusos19.

Quanto aos deveres jurídicos, positivos e negativos, decorrentes da boa-fé, o NCPC, em seu art. 77, prescreve que:

“Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:

I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;

II – não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;

III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;

IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisó-ria ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;

V – declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o en-dereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;

VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito liti-gioso. [grifos nossos]

18 A título de exemplo, entre os deveres das partes e respectivos advogados, podem- -se mencionar os “deveres de veracidade e lealdade (art. 77, I)”, de “cumprimento das decisões jurisdicionais (art. 77, IV)”, de “informar nos autos o endereço, residencial ou profissional, onde receberão intimações (art. 77, V)”; já quanto ao juiz, as obrigações “de fundamentar a sua decisão (art. 11), assegurar às partes igualdade de tratamento (art. 139, I), velar pela duração razoável do processo (art. 139, II) [...]” (CARNEIRO, P. C. A boa-fé no processo. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa et al. (Coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 69).

19 Às partes e procuradores são vedadas a prática de inovação ilegal no estado de fato de bem ou do direito litigioso (art. 77, VI), a produção de provas e atos inúteis ou desnecessários a declaração ou a defesa do direito (art. 77, III), a provocação de incidentes e interposição de recursos meramente protelatórios (art. 80, VII) (CARNEIRO, P. C. A boa-fé no processo. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa et al. (Coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 69).

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O aludido rol não exclui outros deveres previstos no próprio Codex, bem como em leis extravagantes.

Enfim, as três funções ventiladas, destarte, conformam e definem o dito princípio da boa-fé processual.

2 do acEsso À Justiça À Litigância dE má-Fé

Consectário da vida em sociedade é a presença de conflitos de inte-resse entre seus membros, os quais se caracterizam “por situações em que uma pessoa, pretendendo para si determinado bem, não pode obtê-lo – seja porque (a) aquele que poderia satisfazer a sua pretensão não a satisfaz, seja porque (b) o próprio direito proíbe a satisfação voluntária da pretensão”, acarretando insatisfação social20.

Em virtude de fatores de ordens diversas21, que colaboraram na alte-ração da estrutura das sociedades, bem como com a tomada de consciência por grande parte da população do desrespeito de seus direitos, seja pelo Es-tado, por empresas ou por outros indivíduos, houve, especialmente no final do século passado, uma “explosão de litigiosidade”, expressão utilizada por Boaventura de Souza Santos22 para descrever o sobejo incremento do número de ações judiciais – fenômeno verificado marcadamente no Brasil. Fala-se, então, em “democratização do acesso à justiça”23.

20 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 26.

21 Tais como o reconhecimento de direitos sociais, frequentemente desrespeitados (seja pelo Estado ou por entes privados, quando por eles responsáveis), gerando litígios envolvendo relações trabalhistas, direito à saúde e previdência social; o surgimento da chamada sociedade de massa, ou globalizada, especialmente em grandes centros urbanos, com problemas intrínsecos até então menos corriqueiros, tais como a poluição do ar e das águas pelas indústrias, a fraude publicitária, dentre outros, demandando a intervenção do Estado-juiz; as alterações nos modelos e estruturas familiares, com a invocação da jurisdição para dirimir conflitos dos mais diversos.

22 SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução à sociologia da administração da justiça. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 21, p. 17, nov. 1986.

23 “O marcante crescimento do acesso à Justiça fez que diferentes grupos sociais descobrissem o caminho dos tribunais, orientados por expectativas eventualmente inamoldáveis ao contexto judicial, mas utilizando-se de prerrogativas da Constituição Cidadã, de textura aberta, permeada pela indeterminação dos conceitos.” (GONÇALVES, Barbara. Acesso e decesso à justiça, litigância abusiva e a crise da efetividade do Judiciário. 2007. Trabalho de Conclusão de Curso (Mestrado em Direito) – Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2007)

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Ao acionar o Judiciário, buscam os indivíduos acesso à justiça, mas não mais no sentido puro e simples de mero ingresso ao sistema judicial24: há, atualmente, a cobrança pela prestação de uma justiça efetiva, com uma pres-tação jurisdicional entregue de forma adequada, efetiva e tempestiva. A ex-pressão “acesso à justiça” é, assim, de difícil definição, embora reste clara a imposição de que o sistema seja igualmente acessível a todos e que, ao mes-mo tempo, produza resultados que sejam individual e socialmente justos25.

O acesso à justiça passa a ser tido como

direito humano e fundamental, na medida em que é garantido por do-cumentos internacionais dos quais o Estado brasileiro é signatário, assim como pela Constituição de 1988, razão pela qual esforços devem ser feitos para que seja efetivado, deixando de constituir mero texto normativo.26-27

O Estado brasileiro, como os demais países latino-americanos, é mar-cado por desigualdade acentuada, baixa mobilidade social e subdesenvolvi-mento28. Apesar de peculiaridades existentes em cada um, esses países pos-suem basicamente os mesmos problemas, dentre eles questões sociais e inú-meros óbices na concretização de direitos humanos29. Nesta senda, o acesso

24 O direito de acesso à justiça era anteriormente concebido como “direito de acesso ao Poder Judiciário, ou seja, mero direito de ação, bastando oportunizar às pessoas que tivessem suas pretensões examinadas pelo Estado-juiz para que o aludido direito já fosse tido por satisfeito. Entretanto, em uma Constituição cujo preâmbulo abriga a intenção de instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos, e elege a justiça como um dos valores supremos de uma sociedade que se pretende fraterna e pluralista, o mero direito de ação não satisfaria os objetivos do Estado” (LEAL JÚNIOR, João Carlos. Neoconstitucionalismo e o acesso à justiça no Estado brasileiro contemporâneo. RePro 265, mar. 2017).

25 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1988. p. 08.

26 LEAL JÚNIOR, João Carlos; PICCHI NETO, Carlos. Acesso à justiça e abuso do direito de ação. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 465, p. 59, jul. 2016.

27 Este direito constitui “o ponto fulcral do princípio da dignidade da pessoa humana, porque essencial para a concretização dos demais direitos quando obstaculizados. Em virtude de seu realce, pode ser concebido como a base da processualística moderna, constituindo a ideia central a que converge toda a oferta constitucional e legal dos princípios e garantias” (LEAL JÚNIOR, João Carlos. Neoconstitucionalismo e o acesso à justiça no Estado brasileiro contemporâneo. RePro 265, mar. 2017).

28 PNUD. Informe regional sobre desarrollo humano para América Latina y el Caribe 2010. Costa Rica: Editorama, 2010.

29 “La desigualdad es una de las principales características que de finen la historia de América Latina y el Caribe. Una muy alta y persistente desigualdad que, acompañada de una baja movilidad social, han llevado a la región a caer en una ‘trampa de desigualdad’. En un círculo vicioso difícil de

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à efetiva justiça enfrenta entraves do mais diversos, como custos, burocracia e morosidade, destacando-se, ainda, outro óbice: seu uso desvirtuado, por meio do abuso do direito30 de litigar, consistente em verdadeira contraversão do direito, utilizado de forma ilegítima.

Verifica-se, portanto, como sobredito, a existência de fenômeno nocivo às importantes conquistas advindas do reconhecimento do acesso à justiça em sua concepção atual: o chamado abuso de direitos processuais, notada-mente de ação e de defesa.

Neste particular, a doutrina aponta que o fato de ter-se atingido ta-manho grau de acessibilidade à justiça não representa, necessariamente, o regular e legítimo direito de ação e de defesa. “Uma das mazelas decorrentes deste incremento é, justamente, a abusividade do direito de litigar”31.

Desta forma, “quem se vale do processo sem finalidade séria e legíti-ma, com excessos, lesando injustamente a esfera jurídica de terceiros, com indevido apoio no direito de acesso à justiça, comete [...] abuso do direito de litigar, incidindo em ato ilícito”32.

Abusa do direito de ação ou de defesa, destarte, aquele que atua mo-vido por interesses “egoísticos, emulativos e descomprometidos com os fins do processo e da própria jurisdição”33. É possível falar em abuso processual tanto no que respeita ao conteúdo das alegações, quanto no que tange à forma

romper […]. La igualdad importa en el espacio de las libertades efectivas; es decir en términos de la ampliación para todos de las opciones de vida realmente disponibles para que puedan elegir con autonomía. Importan las oportunidades y el acceso a bienes y servicios, pero también el proceso mediante el cual los individuos son sujetos activos de su propio desarrollo, incidiendo responsablemente sobre sus vidas y su entorno inmediato.” (PNUD. Op. cit., p.6-7)

30 Consoante ensina Diniz, o abuso constitui-se no uso de um “direito, poder ou coisa além do permitido ou extrapolando as limitações jurídicas, lesando alguém”. Sob a aparência de um ato legal ou lícito, esconde-se a ilicitude no resultado, “por atentado ao princípio da boa-fé e aos bons costumes ou por desvio de finalidade socioeconômica para a qual o direito foi estabelecido. No ato abusivo há violação da finalidade econômica ou social”. A autora prossegue: “O abuso é manifesto, ou seja, o direito é exercido de forma ostensivamente ofensiva à justiça. [...]” (DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 209).

31 KORENBLUN, Fábio. Acesso à justiça vs. abuso do direito de litigar: uma necessária análise ao assoberbamento do Poder Judiciário. Migalhas, São Paulo, mar. 2015. Disponível em: http://www.migalhas.com.br. Acesso em: 26 mar. 2016.

32 LEAL JÚNIOR, João Carlos; PICCHI NETO, Carlos. Acesso à justiça e abuso do direito de ação. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 465, p. 70, jul. 2016.

33 GONÇALVES, Barbara. Op. cit.

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pela qual os litigantes atuam34. Trata-se, respectivamente, do dever de veraci-dade e de estrita observância às regras procedimentais.

Como é cediço, “cresce cada vez mais o abuso e o descomprometimen-to com os verdadeiros escopos – especialmente os sociais – da Jurisdição, tão bem elucidados por Cintra, Dinamarco e Grinover, consistentes na pacifica-ção com justiça e promoção do bem comum”35. Nesse contexto, o abuso do direito de litigar

pode ser prática levada a efeito por particulares, sejam pessoas físicas ou jurídicas, bem como por entes, entidades e órgãos da Administração Públi-ca; assim, a Fazenda Pública e o Ministério Público também estão sujeitos ao cometimento de abusos, que deverão ser observados e, por conseguinte, reprimidos pelo Estado-juiz.36

O abuso dos direitos processuais deve ser eficazmente combatido, já que, além de, naturalmente, causar danos à parte adversa, contribui, ade-mais, para a morosidade processual, seja por aumentar o número de deman-das a serem julgadas, seja por criar incidentes protelatórios, que delongam ilegitimamente o caminho processual. Ou seja, cuida-se de conduta que pre-judica a parte contrária e, “em última análise, o Estado, responsável pelo de-sempenho da função jurisdicional com presteza e justiça. Com isso, contribui, ainda, para o descrédito do Poder Judiciário como instituição, o que deve ser combatido, especialmente em um cenário de crise reconhecido por todos os segmentos sociais”37-38.

34 Ibid.35 LEAL JÚNIOR, João Carlos; PICCHI NETO, Carlos. Acesso à justiça e abuso do direito de

ação. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 465, p. 71, jul. 2016.36 Ibid., loc. cit.37 Ibid., p. 72.38 “Em decorrência de fatores de ordens diversificadas, o Poder Judiciário brasileiro,

instituição do Estado responsável pela resolução de conflitos de interesse por meio da prestação jurisdicional, vivencia, de há muito, crise de proporções dramáticas. Anacronismo e inoperância, em razão especialmente de legislação desatualizada, falta de recursos humanos e excessivo formalismo, têm levado a um descrédito generalizado desta instituição, que, contraditoriamente, é oficialmente responsável pela garantia e realização dos direitos, quando violados, ou mesmo ameaçados, dos indivíduos [...]. Nas últimas décadas, as dimensões dessa crise ganharam maior amplitude, especialmente por conta de maiores reclamos da população, a cada dia mais insatisfeita com a instituição em pauta: ‘tem diminuído consideravelmente o grau de tolerância com a baixa eficiência do sistema judicial e, simultaneamente, aumentado a corrosão no prestígio do Judiciário’” (LEAL JÚNIOR, João Carlos; MUNIZ, Tania Lobo. Reflexos da morosidade do judiciário

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O desvirtuamento do direito de acesso à justiça (direito este que se diri-ge a autor, réu e interveniente), por meio do abuso processual (seja do direito de ação ou de defesa), em flagrante desrespeito à cláusula da boa-fé, requer real enfrentamento por parte do Estado, a fim de reprimir o fenômeno com eficácia e rigor, em homenagem ao devido processo legal e ao acesso à justiça.

É nesta seara que ganha importância o adequado tratamento à temática da litigância de má-fé, com a previsão de consequências jurídicas àqueles que nela incidirem.

3 consEquências Jurídicas da Litigância dE má-Fé sob o Prisma do novo cPc

A litigância de má-fé corresponde ao abuso dos direitos de ação e defe-sa pelos atores processuais. Consubstancia-se na ação ou omissão deliberada da parte ou terceiro interveniente que, abusando do seu direito processual, “tem o intuito de prejudicar sujeito processual que ocupe posição contrapos-ta, tendo consciência do injusto e falta de razão”39. Não descurou desta maze-la processual o NCPC, assim como os diplomas que o antecederam.

Já no CPC/1939 havia previsão do tema de forma genérica no art. 3º, que dispunha:

Art. 3º Responderá por perdas e danos a parte que intentar demanda por espírito de emulação, mero capricho ou erro grosseiro.

Parágrafo único. O abuso do direito verificar-se-á, por igual, no exercício dos meios de defesa quando o réu opuser maliciosamente resistência injus-tificada ao andamento do processo.

O CPC/1973, ao tratar da “responsabilidade das partes por dano pro-cessual”, igualmente cuidava da litigância de má-fé, reprimindo-a, como for-ma de salvaguardar a boa-fé e proteger, especialmente, a reverência ao Poder Judiciário. No art. 16, era previsto que “responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente”. O art. 17 trazia rol de condutas caracterizadoras do fenômeno, ao passo que o art. 18 indicava as consequências jurídicas:

nas relações negociais internacionais. Revista Internacional de Estudios de Derecho Procesal y Arbitraje, Madrid, n. 3, 2012).

39 ANGHER, Anne. Litigância de má-fé no processo civil. São Paulo: Rideel, 2005. p. 77.

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Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o liti-gante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.

O CPC/2015 reproduziu de forma idêntica, em seus arts. 79 e 80, o contido, respectivamente, nos arts. 16 e 17 do CPC/1973. Nesse sentido, o art. 80 traz o rol de condutas que caracterizam litigância de má-fé, ensejando responsabilização:

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incon-troverso;

II – alterar a verdade dos fatos;

III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI – provocar incidente manifestamente infundado;

VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Percebe-se que as hipóteses fundam-se no irrestrito respeito ao stan-dard de boa-fé processual, com os decorrentes deveres de lealdade, probida-de, veracidade, informação, transparência, cuidado, respeito e cooperação.

Há discussão na doutrina acerca da natureza deste catálogo de condutas: se numerus clausus ou numerus apertus. Há quem sustente, como Gajardoni40, ser o rol meramente exemplificativo, “porque as condutas consideradas inad-missíveis pelo dispositivo são repletas de termos abertos e indefinidos”. En-tretanto, tendo em vista que se trata de dispositivo sancionatório, defende-se aqui a natureza taxativa41 das hipóteses listadas, como amplamente dissemi-

40 GAJARDONI, Fernando. Dos deveres das partes e de seus procuradores. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa et al. (Coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 286.

41 Neste sentido: NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015; STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual. São Paulo: RT, 2002.

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nado nos tribunais pátrios42 – o que não impede o Magistrado de reconhecer, eventualmente, a prática de abuso do direito processual pelo litigante, ainda que não se enquadre na definição legal de litigância de má-fé. O eg. STJ, aliás, já se manifestou sobre a necessidade de enquadramento a uma das hipóteses previstas no dispositivo retromencionado:

Para a condenação em litigância de má-fé, faz-se necessário o preenchi-mento de três requisitos, quais sejam: que a conduta da parte se subsuma a uma das hipóteses taxativamente elencadas no art. [...] do CPC; que à parte tenha sido oferecida oportunidade de defesa (CF, art. 5º, LV); e que da con-duta resulte prejuízo processual à parte adversa (RSTJ 135/187, 146/136).

Evidentemente, como indica o trecho do julgado transcrito, faz-se im-prescindível facultar a ampla defesa ao litigante de má-fé, antes de ser decla-rada judicialmente – e com a devida fundamentação (art. 93, IX, da CF) – a ocorrência do ato com as respectivas sanções.

Neste passo, o reconhecimento judicial da litigância de má-fé enseja tríplice responsabilização, conforme se extrai do art. 81:

Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. [grifos nossos]

Assim, além da multa, é cabível indenização por perdas e danos43 e con-denação no pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios.

O NCPC realizou importante alteração no que concerne à multa apli-cável. Como visto, no CPC/1973, a sanção pecuniária deveria ser fixada em quantia não excedente a um por cento sobre o valor da causa. Agora o pata-mar foi alterado: o valor mínimo será de um por cento, podendo chegar a até dez por cento do valor corrigido da causa. Ademais, nos termos do § 2º do art. 81, “quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo”. A modificação legislativa em exame teve por fito garantir que a sanção atinja o objetivo de coibir eficazmente a prática de litigância de má-fé, já que, na sistemática an-

42 TJSP, AGR 02462621020128260000/SP, DJ 15.02.2013; TJPR, AC 1355664-6, DJ 24.06.2015; TRF3, AC 19659/SP, DJ 08.10.2014; TJDFT, AI 123518720108070000, DJ 28.09.2010.

43 Entende-se cabível a condenação por perdas e danos quando haja abuso do direito de litigar, ainda que não se enquadre em hipótese listada no art. 80 do NCPC.

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terior, era comum a fixação de valores irrisórios, por conta da limitação legal de um por cento sobre o valor da causa, bem como da ausência de previsão de fixação com base em outro parâmetro.

Registre-se que se trata, sempre, de responsabilidade da parte, não do causídico, como indica a rubrica da Seção II (“Da Responsabilidade das Partes por Dano Processual”).

Para que haja a condenação, pressupõe-se dolo da parte, consubstan-ciado em conduta intencionalmente maliciosa e temerária, inobservado o dever de proceder com lealdade44. Não basta, portanto, conduta com culpa stricto sensu, nem se trata de responsabilidade objetiva, muito embora se este-ja diante de abuso de direito processual.

Quanto à indenização prevista na lei, o eg. STJ, em julgamento de em-bargos de divergência, entendeu que aquela não exige verificação de prejuízo efetivamente causado pela parte com a conduta lesiva praticada no âmbito do processo. Trata-se, destarte, de dano in re ipsa.

Processual civil. Embargos de divergência em recurso especial. Indenização por litigância de má-fé. Art. 18, caput e § 2º do CPC. Natureza reparatória. Prova do prejuízo. Desnecessidade. 1. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a indenização prevista no art. 18, caput e § 2º do Códex processual tem caráter reparatório (ou indenizatório), decorrendo de um ato ilícito processual. Precedente da Corte Especial, julgado pelo rito do art. 543-C do CPC. 2. É desnecessária a comprovação do prejuízo para que haja con-denação ao pagamento da indenização prevista no art. 18, caput e § 2º do Código de Processo Civil, decorrente da litigância de má-fé. 3. Embargos de divergência conhecidos e providos.45

Neste ponto, o magistério de Bedaque é esclarecedor: “Desnecessária a demonstração efetiva do prejuízo. Pode o juiz calculá-lo, à luz dos dados apontados, fixando o respectivo valor. Fosse exigível a comprovação das per-das e danos, dificilmente o dispositivo teria aplicabilidade. O dano marginal do processo, decorrente da demora na entrega da prestação jurisdicional, foi agravado pelo litigante de má-fé [...]. Só isso já é suficiente para configurar prejuízo material, passível de indenização”46.

44 STJ, REsp 418.342, 3ª T., Rel. Min. Castro Filho, J. 11.06.2002.45 STJ, EREsp 1133262/ES, Corte Especial, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 03.06.2015.46 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. In: MARCATO, A. Carlos (Coord.). Código de Processo

Civil interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 97.

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De acordo com o art. 81, § 3º, do NCPC, “o valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitra-mento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos”.

Destaca-se que a eventual “concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impos-tas” (art. 98, § 4º, do NCPC), abrangida neste dispositivo a multa por litigân-cia de má-fé. Obviamente, vale o mesmo para a indenização fixada a título de perdas e danos em favor da parte adversa (vítima da litigância de má-fé). Neste particular, é importante lembrar que nada impede que mesmo o ven-cedor da causa possa ser condenado em litigância de má-fé, caso incorra em alguma das hipóteses legais.

Vale lembrar que “a prática reiterada da litigância de má-fé autoriza o juiz a impor repetidas sanções”47 a cada vez que o litigante agir de acordo com algum dos tipos legais.

Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, “o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária”, nos termos do art. 81, § 1º, do NCPC.

Na casuística, há diversos exemplos de abuso de direito no processo caracterizados como litigância de má-fé: interpor recurso meramente prote-latório; insistir no prosseguimento da ação, ocultando a existência de transa-ção realizada entre as partes48; impetrar inúmeros mandados de segurança idênticos perseguindo a concessão de liminar (STJ, REsp 705201); apresentar sucessivos pedidos reconsideração em face de acórdão (STJ, AI 1269673); ma-nipular dolosamente trechos de acórdão citado como paradigma com o fim de criar incoerência não existente na tentativa de desacreditar decisão ante-riormente proferida (STJ, REsp 947.927); basear-se a defesa em documento juntado pela própria ré que mostra conteúdo totalmente diverso do alegado; induzir testemunha a mentir em juízo; discutir matéria coberta pela coisa julgada ou pela preclusão; postular a anulação da sentença para a reabertura da instrução para realização de exame pericial e, após, negar-se a submeter--se a ele49.

47 FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2008. p. 478.48 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:

RT, 2015.49 NEGRÃO, Theotonio et al. Novo Código de Processo Civil e legislação processual em vigor.

47. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 175.

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Dinamarco, com razão, pontua que as situações concretas devem ser interpretadas com sensata razoabilidade, “de modo a evitar a repressão a condutas que somente revelem astúcia ou espírito de luta, sem transbordar para o campo do excesso”50. Isso, todavia, não impede o Judiciário de empres-tar ao instituto a devida eficácia que merece, uma vez que, com frequência, são observadas situações em que presente hipótese legal, sem que seja reco-nhecida e, de consequência, aplicadas as penalidades cabíveis.

Percebe-se que as soluções para este desvirtuamento dos direitos pro-cessuais estão previstas na lei. Especialmente com as positivas alterações le-vadas a efeito pelo novo diploma processual, deverão os juízes agir com ri-gor, aplicando as penalidades sempre que confirmada a incursão pelo litigan-te em um dos dispositivos legais, atendidos os demais requisitos para tanto.

Espera-se, com isso, alteração na deturpada visão daqueles que ainda entendem o processo como um campo profícuo para abusos, deslealdade e má-fé, passando, enfim, a compreender o modelo processual que deriva das linhas traçadas na Constituição cidadã: o de um processo justo, devido, de-mocrático e, especialmente, cooperativo, fundado na boa-fé e na lealdade que deve inspirar os que buscam efetivo acesso à justiça.

concLusÕEs

Valor que concerne aos fatores socioculturais de dados lugar e momen-to, a boa-fé consubstancia-se na intenção de ser justo e honesto, repercutindo por todos os ramos do Direito brasileiro.

O Direito distingue a expressão em duas acepções distintas: boa--fé subjetiva e boa-fé objetiva. A primeira (boa-fé-crença) significa estado de consciência; ignorância, crença errônea acerca da existência de uma situação regular, denotando convencimento individual de agir conforme o direito; a segunda (boa-fé-lealdade) refere-se a um padrão de comportamento, signifi-cando modelo de conduta social ou standard jurídico, de acordo com o qual cada indivíduo deve ajustar sua conduta, agindo como se espera de um ser íntegro: com honestidade, lealdade e probidade.

Atuando a boa-fé, com maior ou menor intensidade, em todos os qua-drantes do Direito pátrio, é possível falar em um princípio geral de boa-fé,

50 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 274.

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não fugindo de sua influência, consequentemente, o direito processual civil, que agora reconheceu expressamente, no art. 322, § 2º, do NCPC, o “princípio da boa-fé”.

São relevantes as funções desempenhadas pela boa-fé objetiva: i) her-menêutico-integrativa; ii) criadora de deveres jurídicos; iii) limitadora (ou de controle) do exercício de direitos subjetivos. Todas se fazem presentes no território processual: guiam o Magistrado, indicando escorreita interpretação das normas e suprindo eventuais lacunas; criam deveres jurídicos de atuação ética e proba para todos que, de alguma forma, participam do processo; e limitam o exercício de direitos subjetivos, proibindo abusos.

O acesso à justiça representa direito fundamental consagrado na Cons-tituição brasileira, constituindo o ponto fulcral do princípio da dignidade da pessoa humana, porquanto imprescindível para a concretização dos demais direitos quando obstaculizados. Em virtude de fatores de ordens diversas, que colaboraram na alteração da estrutura das sociedades, bem como com a tomada de consciência por grande parte da população do desrespeito de seus direitos, houve, nas últimas décadas, verdadeira “explosão de litigiosidade”. Com esse fenômeno, o acesso à efetiva justiça enfrenta entraves do mais di-versos, como custos, burocracia e morosidade, destacando-se, ainda, outro óbice: seu uso desvirtuado, por meio do abuso do direito de litigar, consis-tente em verdadeira contraversão dos direitos em sede processual, utilizados de forma ilegítima.

Verifica-se, portanto, a existência de situação nociva às importantes conquistas advindas do reconhecimento do acesso à justiça em sua concep-ção atual: o chamado abuso de direitos processuais, notadamente de ação e de defesa, causado por aquele que atua movido por interesses egoísticos, emulativos e descomprometidos com os fins do processo e da própria juris-dição.

O abuso dos direitos processuais deve ser eficazmente combatido, já que, além de, naturalmente, causar danos à parte adversa, contribui para a morosidade processual, seja por aumentar o número de demandas a serem julgadas, seja por criar incidentes protelatórios, que delongam ilegitimamen-te o caminho processual.

O desvirtuamento do direito de acesso à justiça (direito este que se diri-ge a autor, réu e interveniente), por meio do abuso processual (seja do direito de ação ou de defesa), em flagrante desrespeito à cláusula da boa-fé, requer

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real enfrentamento por parte Estado, a fim de reprimir o fenômeno com efi-cácia e rigor, em homenagem ao devido processo legal e ao acesso à justiça.

É nesta seara que ganha importância o adequado tratamento à litigân-cia de má-fé, que corresponde ao abuso dos direitos de ação e defesa pelos atores processuais. Não descurou desta mazela processual o NCPC, assim como os diplomas que o antecederam.

O art. 80 do NCPC traz, em rol taxativo, condutas que caracterizam litigância de má-fé, ensejando responsabilização, como deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso, alterar a verdade dos fatos, usar do processo para conseguir objetivo ilegal, opuser resistência injustificada ao andamento do processo e proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo, entre outras.

As hipóteses fundam-se no irrestrito respeito ao standard de boa-fé pro-cessual, com os decorrentes deveres de lealdade, probidade, veracidade, in-formação, transparência, cuidado, respeito, e cooperação.

O reconhecimento judicial da litigância de má-fé enseja tríplice respon-sabilização: multa, de um a dez por cento sobre o valor corrigido da causa; indenização por perdas e danos; e condenação no pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios.

Para que haja a condenação, pressupõe-se dolo da parte, consubstancia-do em conduta intencionalmente maliciosa e temerária, inobservado o dever de proceder com lealdade.

Quanto à indenização prevista na lei, não se exige verificação de prejuí-zo efetivamente causado pela parte com a conduta lesiva praticada no âmbito do processo. Trata-se de dano in re ipsa.

A prática reiterada da litigância de má-fé autoriza o juiz a impor repe-tidas sanções a cada vez que o litigante agir de acordo com algum dos tipos legais.

Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

Na casuística, há diversos exemplos de abuso de direito no processo caracterizados como litigância de má-fé: interpor recurso meramente prote-latório; insistir no prosseguimento da ação, ocultando a existência de tran-sação realizada entre as partes; impetrar inúmeros mandados de segurança

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idênticos perseguindo a concessão de liminar; apresentar sucessivos pedidos reconsideração em face de acórdão. Enfim, são variadas as possibilidades.

Especialmente com as positivas alterações levadas a efeito pelo novo diploma processual, deverão os juízes agir com rigor, aplicando as penalida-des sempre que confirmada a incursão pelo litigante em um dos dispositivos legais, atendidos os demais requisitos exigidos para tanto.

Espera-se, com isso, alteração na deturpada visão daqueles que ainda entendem o processo como um campo de batalha, propício para o cometi-mento de abusos, deslealdade e má-fé, passando, enfim, a compreender o modelo processual que deriva das linhas traçadas na Constituição cidadã: o de um processo justo, devido, democrático e cooperativo, fundado na boa-fé e na lealdade que deve inspirar os que buscam efetivo acesso à justiça.

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da caPacidadE dE inovação normativa Jurídica do PodEr Judiciário – anaLisando

o dogma do “LEgisLador nEgativo”*

innovation caPacity LEgaL rEguLations oF thE Judiciary – anaLysing thE dogma

oF “nEgativE LEgisLator”rafael laffitte fernanDes

Professor Efetivo de Direito do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) – Campus Natal (Central),

Professor-Instrutor do Curso de Gestão e Apuração da Ética Pública, promovido pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República em

parceria com a Escola de Administração Fazendária (ESAF), Pesquisador na Área de Democracia, Cidadania e Direitos Fundamentais, Mestre

em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Especialista em Ética pela Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, Especialista em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Potiguar, Graduado em Direito pela Universidade Potiguar.

roCCo antonio rangel rosso nelson1

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Especialista em Ministério Público, Direito e Cidadania pela Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte, Especialista

em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Potiguar, Ex-Professor do Curso de Direito e de outros cursos de Graduação e Pós-Graduação do Centro

Universitário Facex, Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Extensão e Responsabilidade Social, vinculado à linha de pesquisa “Democracia,

Cidadania e Direitos Fundamentais” do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, Campus Natal-Central, Professor Efetivo de Direito do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, Campus João Câmara.

RESUMO: Este texto tem como objetivo analisar o atual papel do Poder Judiciário na estrutura dos Poderes da República Federativa

* Artigo de investigação elaborado de estudo desenvolvido na linha de pesquisa “Democracia, Cidadania e Direitos Fundamentais”, inscrito no Grupo de Estudo e Pesquisa em Extensão e Responsabilidade Social, do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, Brasil.

1 Autor do livro Curso de direito penal – Teoria geral do crime. 1. ed. Curitiba: Juruá, v. I, 2016.

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do Brasil. A proposta é analisar a crescente atuação do Poder Judi-ciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, dentro do que se convencionou chamar de ativismo judicial. A pesquisa em tela, utili-zando uma metodologia de análise qualitativa e usando abordagem hipotético-dedutiva de caráter descritivo e analítico, analisará casos concretos decididos pelo Poder Judiciário brasileiro e suas implica-ções no arranjo político-institucional brasileiro, ponderando sobre a legitimidade do ativismo judicial.

PALAVRAS-CHAVE: Poder Judiciário; ativismo judicial; judiciali-zação; limites; implicações.

ABSTRACT: This text has the purpose of analyzing the actual role of the Judicial Power in Brazil. The objective is to analyze the incre-asing of the actuation of the Judicial Power, specially the Supreme Court, in the context of what is called judiciary activism. In our text we will study concrete cases and their implications in the political structure of Brazil, thinking over how judiciary activism is legit.

KEYWORD: Judicial Power; judiciary activism; judicialization; li-mits; implications.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O Supremo Tribunal Federal e o ati-vismo judicial; 1.1 Em busca de um conceito de ativismo judicial; 1.2 Em defesa do ativismo judicial; 1.3 Manifestação do ativismo no casuísmo jurisprudencial; 1.4 O desenvolver de um pensamento crí-tico sobre o ativismo judicial; Das considerações finais; Referências.

introdução

Em 5 de outubro de 1988, surgia a nova Constituição Federal da Re-pública Federativa do Brasil. Fruto do trabalho de 559 parlamentares, a nova Carta Magna tinha como objetivo redemocratizar o País após longo período de ditadura militar.

O então Deputado pelo PMDB/SP Ulysses Guimarães, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, ao discursar quando da promulgação da nova Constituição, chamou-a de “Constituição Cidadã”, “documento da li-berdade, da democracia e da justiça social do Brasil”2, tendo em vista que a

2 CHAGAS, Marcos; LOURENÇO, Iolando. 5 de outubro de 1988: Ulysses promulga “Constituição Cidadã”. Agência Brasil. Disponível em: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2008-10-01/5-de-outubro-de-1988-ulysses-promulga-constituicao- -cidada>. Acesso em: 30 maio 2013.

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Constituição de 1988 foi elaborada com o intuito de documentar e assegurar direitos que garantiriam uma cidadania eficaz e ativa.

O texto constitucional, consagrando a teoria da tripartição dos Poderes, aduz, em seu art. 2º: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Ao longo do seu corpo, a Carta Magna deixa claro que não adotou uma divisão rígida na função da cada Poder, permitindo que um determinado Poder exerça, além da função típica, as chamadas funções atípicas.

Assim, o Poder Legislativo, além de exercer sua função típica (legislar e fiscalizar o Poder Executivo), tem atribuições executivas (realiza licitações e concursos públicos, por exemplo) e judiciais (o Senado julga diversas au-toridades acusadas de crime de responsabilidade); o Poder Executivo, cuja função típica é administrar, pode editar medidas provisórias que têm for-ça de lei (ato de caráter legislativo, portanto), bem como emite decisões em processos administrativos (ato de natureza judicial); o Poder Judiciário, por sua vez, além de julgar (sua função típica), tem funções atípicas legislativas (na elaboração dos Regimentos Internos dos Tribunais) e executivas (realiza licitações e concursos públicos etc.).

Percebe-se, portanto, que cada Poder, por meio de funções típicas e atípicas, tem a responsabilidade de promover a solidificação dos direitos fun-damentais.

A noção clássica do papel do Poder Judiciário assevera que a função do juiz é aplicar a lei ao fato concreto, lei essa fruto do trabalho do Poder Legislativo.

Os Magistrados seriam a “boca da lei”3, como disse Montesquieu. Pos-teriormente, aos juízes foi reconhecido o direito de interpretar as leis, mas dentro da lógica jurídica estabelecida pelo Parlamento. Com o passar do tem-po e o surgimento do controle de constitucionalidade, o Poder Judiciário, em diversos países, recebeu autorização constitucional para funcionar como “legislador negativo”, podendo invalidar leis e atos dos demais Poderes que contrariassem a Constituição4.

3 MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat. Do espírito das leis. Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2007. p. 172.

4 “[...] é possível sustentar que, no Estado Democrático de Direito, ocorre um sensível deslocamento do centro de decisões do Legislativo e do Executivo para o plano da justiça constitucional. Pode-se dizer, nesse sentido, que no Estado Liberal, o centro de decisão

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O próprio Supremo Tribunal Federal (daqui para frente chamado pela sigla STF), inclusive, é explícito ao dizer que a ele não cabe o papel de le-gislador, como se depreende da Súmula nº 339/STF: “Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia” (grifos nossos). No julgamento do Mandado de Segurança nº 22.690, o Ministro Celso de Mello explicita:

Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido pelo postulado constitucio-nal da reserva de lei, atuar na anômala condição de legislador positivo (RTJ 126/48, RTJ 143/57, RTJ 146/461-462, RTJ 153/765, v.g.), para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Judiciário – que não dispõe de função legislativa – passaria a desem-penhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com eviden-te transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes. (STF, MS/CE 22.690, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, J. 17.04.1997, DJ 07.12.2006, p. 36)

Entretanto, tem sido observado no sistema constitucional comparado que o Poder Judiciário tem rompido esse conceito clássico e se manifesta-do pró-ativamente em questões de alta relevância e impacto, como lembra Barroso:

De fato, desde o final da Segunda Guerra Mundial verificou-se, na maior parte dos países ocidentais, um avanço da justiça constitucional sobre o espaço da política majoritária, que é aquela feita no âmbito do Legislati-vo e do Executivo, tendo por combustível o voto popular. Os exemplos

apontava para o Legislativo (o que não é proibido é permitido, direitos negativos); no Estado social, a primazia ficava com o Executivo, em face da necessidade de realizar políticas públicas e sustentar a intervenção do Estado na economia; já no Estado Democrático de Direito, o foco de tensão se volta para o Judiciário. Dito de outro modo, se, com o advento do Estado Social e o papel fortemente intervencionista do Estado, o foco de poder/tensão passou para o Poder Executivo, no Estado Democrático de Direito há uma modificação desse perfil. Inércias do Executivo e falta de atuação do Legislativo passam a poder ser supridas pelo Judiciário, justamente mediante utilização dos mecanismos jurídicos previstos na Constituição que estabeleceu o Estado Democrático de Direito.” (STRECK, Lenio Luiz. Hemenêutica jurídica e(m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 52)

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são numerosos e inequívocos. No Canadá, a Suprema Corte foi chamada a se manifestar sobre a constitucionalidade de os Estados Unidos fazerem testes com mísseis em solo canadense. Nos Estados Unidos, o último ca-pítulo da eleição presidencial de 2000 foi escrito pela Suprema Corte, no julgamento de Bush v. Gore. Em Israel, a Suprema Corte decidiu sobre a compatibilidade, com a Constituição e com atos internacionais, da cons-trução de um muro na fronteira com o território palestino. A Corte Consti-tucional da Turquia tem desempenhado um papel vital na preservação de um Estado laico, protegendo-o do avanço do fundamentalismo islâmico. Na Hungria e na Argentina, planos econômicos de largo alcance tiveram sua validade decidida pelas mais altas Cortes. Na Coreia, a Corte Constitu-cional restituiu o mandato de um presidente que havia sido destituído por impeachment. Todos esses casos ilustram a fluidez da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo.5

No Brasil não tem sido diferente. O STF tem, nos últimos anos, se pro-nunciado sobre diversos temas de grande relevo: afirmou ser constitucional a incidência de contribuição previdenciária sobre os proventos dos aposenta-dos e pensionistas (ADIn 3.105, Rel. Min. Cezar Peluso, J. 18.08.2004); julgou inconstitucional a chamada “cláusula de barreira”, que restringia direitos aos partidos políticos sem expressão (ADIn 1.351, Rel. Min. Marco Aurélio, J. 07.12.2006); autorizou a greve no serviço público (MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 25.10.2007); declarou constitucional lei que dava passe livre para deficientes no transporte coletivo (ADIn 2.649, Relª Min. Cármen Lúcia, J. 08.05.2008); vedou o nepotismo nos três Poderes (Súmula Vinculante nº 13, aprovada na Sessão Plenária de 21.08.2008); determinou a fidelidade partidária (ADIn 3.999 e ADIn 4.086, Rel. Min. Joaquim Barbosa, J. 12.11.2008); autorizou pesquisas com células-tronco embrionárias (ADIn 3.510, Rel. Min. Ayres Britto, J. 29.05.2008); decidiu pela demarcação contínua da área de 1,7 milhão de hectares da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, a ser ocupada apenas por grupos indígenas (PET 3.388, Rel. Min. Ayres Britto, J. 19.03.2009); sentenciou pela inexigibilidade de diploma para o acesso e exercício da profissão de jornalista (RE 511.961, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 17.06.2009); reconheceu a união estável de casais homossexuais (ADIn 4.277/DF e ADPF 132/RJ, Rel. Min. Ayres Britto, J. 05.05.2011); liberou a

5 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica>. Acesso em: 30 maio 2013.

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chamada “Marcha” pela legalização do uso da maconha (ADIn 4.274, Rel. Min. Ayres Britto, J. 23.11.2011); declarou constitucional a “Lei da Ficha Limpa” (ADC 29, ADC 30 e ADIn 4.578, Rel. Min. Luiz Fux, J. 16.02.2012); autorizou a interrupção da gravidez de feto anencefálico (ADPF 54, Rel. Min. Marco Aurélio, J. 11.04.2012); considerou constitucional a política de cotas étnico-raciais (ADPF 186, Rel. Ricardo Lewandowski, J. 26.04.2012) e sociais (RE 597285 com repercussão geral, Rel. Ricardo Lewandowski, J. 05.05.2012) para seleção de estudantes em universidades.

1 o suPrEmo tribunaL FEdEraL E o ativismo JudiciaL

1.1 Em busca de um conceito de ativismo judicial

A atuação recente do STF reacendeu o debate, no Brasil, em torno do chamado “ativismo judicial”.

Definir ativismo judicial é uma missão difícil, na medida em que exis-tem diversas acepções para o termo, muitas vezes empregado em sentido pejorativo pelos seus críticos6.

O ativismo judicial, em um sentido amplo, implica um progressivo deslocamento, para o Poder Judiciário, de decisões que, a priori, não seriam de sua alçada7. Há, assim, uma mudança do papel do Poder Judiciário no arranjo político-institucional, que passa a ter uma posição proativa na efeti-vação de direitos fundamentais e concretização de políticas públicas.

6 “Assim, em meio à dificuldade de se definir o ativismo judicial, mas, em contrapartida, com a existência de diversos entendimentos sobre a temática, em uma tentativa de sistematizar as concepções existentes, é possível elencar, por exemplo, algumas perspectivas de abordagem: a) como decorrência do exercício do poder de revisar (leia-se, controlar a constitucionalidade) atos dos demais poderes; b) como sinônimo de maior interferência do Judiciário (ou maior volume de demandas judiciais, o que, neste caso, configuraria muito mais a judicialização); c) como abertura à discricionariedade no ato decisório; d) como aumento da capacidade de gerenciamento processual do julgador, dentre outras.” (TASSINARI, Clarissa. Ativismo judicial: uma análise da atuação do Judiciário nas experiências brasileira e norte-americana. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Programa de Pós-Graduação em Direito, São Leopoldo/RS, 2012. p. 22)

7 Desse modo, tem-se uma concepção de ativismo que pode ser assim sintetizada: como a configuração de um Poder Judiciário revestido de supremacia, com competências que não lhe são reconhecidas constitucionalmente. (TASSINARI, Clarissa. Op. cit., p. 25)

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O ativismo seria, portanto, um “ir além” do Poder Judiciário em re-lação às suas funções típicas, o que ganhou força diante das exigências da democracia moderna, que exige do Poder Judiciário uma jurisprudência que rompa com a concepção rígida da separação dos poderes.

Apesar da citada dificuldade, utilizar-se-á o conceito empregado por Barroso:

A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista manifesta-se por meio de diferentes condutas, que in-cluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legis-lador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normati-vos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.8

Deve-se frisar que ativismo judicial (gênero) não se confunde com judi-cialização da política e com a criação judicial do Direito (espécies)9.

A judicialização da política consiste em sentenças judiciais que substi-tuem os atores políticos (Legislativo e Executivo) na tomada de decisões que seriam, a priori, naturais e exclusivas dos mencionados atores10. A criação ju-dicial do Direito, por sua vez, ocorre quando o Poder Judiciário, ao interpre-tar a norma, amplia seu sentido para abarcar situações que aparentemente não foram previstas pelo Parlamento.

Para efeitos deste artigo, vamos considerar o processo de judicialização da política, bem como a criação judicial do Direito como modalidades do ati-vismo judicial, em que o Poder Judiciário realiza funções típicas de natureza

8 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica>. Acesso em: 30 maio 2013.

9 “[...] há um equívoco em considerar judicialização da política e ativismo judicial como se fossem o mesmo fenômeno; [...].” (TASSINARI, Clarissa. Op. cit., p. 26)

10 Em sentido diverso do adotado nesse artigo: “[...] judicialização da política é um ‘fenômeno contingencial’, isto é, que insurge de determinado contexto social, independente da postura de juízes e tribunais, ao passo que o ativismo diz respeito a uma postura do Judiciário para além dos limites constitucionais.” (TASSINARI, Clarissa. Op. cit., p. 26)

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política de mais Poderes (judicialização da política) ou inova criativamente no ordenamento jurídico (criação judicial do Direito). Ademais, não quere-mos, neste trabalho, entrar em uma discussão que pode acabar no campo da semântica11.

1.2 Em defesa do ativismo judicial

O principal argumento a favor do ativismo judicial é que, diante da re-tração dos demais Poderes, que falham na efetivação dos direitos fundamen-tais, cabe ao Poder Judiciário, dentro da sua missão de guardião da Consti-tuição, interpretar o texto constitucional de forma a extrair o máximo de sua efetividade, criando situações não previstas explicitamente na norma, mas que decorrem de valores implícitos no corpo constitucional.

Pensamos que a atuação do Poder Judiciário em esferas atípicas decor-re da somatória de vários fatores.

Em primeiro lugar, cumpre lembrar que a Constituição Federal de 1988 determinou ao Estado a obrigação de satisfazer diversos direitos funda-mentais, sendo missão do Poder Público, como aduz o preâmbulo da Carta Magna, “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.

Ao longo do texto constitucional, encontram-se diversos dispositivos que reforçam o enunciado preambular: a cidadania e a dignidade da pessoa humana são fundamentos da República (art. 1º); a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e re-gionais são objetivos fundamentais da República (art. 3º); todos têm direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art. 5º); são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à in-

11 “No âmbito da doutrina brasileira, há certa dificuldade de, ao menos, fixar-se um acordo semântico do que seja o ativismo judicial, de modo que tal postura acaba revelando-se basicamente como uma exagerada interferência do Judiciário na sociedade (protagonismo judicial) ou, então, termina sendo aleatoriamente invocada na tomada de decisões, por meio de critérios de conveniência. Por esse motivo, muitas vezes resta impossibilitada a apresentação de uma necessária distinção entre ativismo judicial e judicialização da política.” (TASSINARI, Clarissa. Ativismo judicial: uma análise da atuação do Judiciário nas experiências brasileira e norte-americana. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Programa de Pós-Graduação em Direito, São Leopoldo/RS, 2012. p. 128)

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fância, a assistência aos desamparados (art. 6º); é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos (art. 23, X); a ordem econômica é fundada na va-lorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170); o sistema financeiro nacional de ser estruturado de forma a promover o de-senvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade (art. 192); a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como obje-tivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193); a seguridade social deve ter uni-versalidade da cobertura e do atendimento (art. 194, I); a saúde é direito de to-dos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196); a previdência social tem como objetivo resguardar o trabalhador (art. 201); a assistência social será prestada a quem dela necessitar, indepen-dentemente de contribuição à seguridade social (art. 203); a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205); o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais (art. 215); é dever do Estado fomen-tar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um (art. 217); o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas (art. 218); todos têm direito ao meio am-biente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o de-ver de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225); a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado (art. 226).

Em segundo lugar, o nosso modelo de controle de constitucionalidade ganhou relevante amplitude com a Constituição Federal de 1988. O STF, por meio da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e da ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato nor-mativo federal (art. 102, I, a), bem como por meio da ação direta de inconsti-tucionalidade por omissão (art. 103, § 2º), possui legitimidade tanto para anu-lar atos inconstitucionais de todos os Poderes, bem como pode determinar a ação destes quando a omissão violar direito constitucional. As decisões, nes-

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ses casos, “produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal” (art. 102, § 2º).

Em terceiro lugar, o movimento neoconstitucionalista ganhou força no Brasil, em parte impulsionado justamente pela descrença populacional nos Poderes Executivo e Legislativo. O citado movimento prega uma maior valorização dos princípios constitucionais, por meio de uma leitura constitu-cional do Direito positivo que, para ser aplicado, deve antes passar por uma filtragem valorativa constitucional12. Há uma aproximação do Direito com a Moral13-14.

12 “[...] A partir de 1988, e mais notadamente nos últimos cinco ou dez anos, a Constituição passou a desfrutar já não apenas da supremacia formal que sempre teve, mas também de uma supremacia material, axiológica, potencializada pela abertura do sistema jurídico e pela normatividade de seus princípios. Com grande ímpeto, exibindo força normativa sem precedente, a Constituição ingressou na paisagem jurídica do país e no discurso dos operadores jurídicos” (BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. Themis: Revista da Esmec – Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará, Fortaleza, v. 4, n. 2, p. 37-38, jul./dez. 2006). “Nesse ambiente, a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com a sua ordem, unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito. Esse fenômeno, identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. Como antes já assinalado, a constitucionalização do direito infraconstitucional não tem como sua principal marca a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucional” (BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. Themis: Revista da Esmec – Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará, Fortaleza, v. 4, n. 2, p. 38-39, jul./dez. 2006).

13 “Com o Segundo Pós-Guerra, tornou-se evidente a insuficiência do positivismo. No plano epistemológico, caiu por terra a separação absoluta entre o sujeito e o objeto do conhecimento que embasava a defesa de uma descrição acrítica e asséptica do direito. Percebeu-se que a pré-compreensão do sujeito influi e ajuda a determinar o resultado de sua investigação. No plano filosófico, as experiências totalitárias do século XX tornaram evidente que o direito apto a assumir qualquer conteúdo pode ser o instrumento do arbítrio. O resultado disso foi a retomada do compromisso com a validade substantiva do direito – esquecido desde o declínio do pensamento jusnaturalistas.” (PIRES, Thiago Magaçhães. Pós-positivismo sem trauma: o possível e o indesejável no reencontro do direito com a moral. In: DE PAULA, Daniel Giotti; FELLET, André Luiz Fernandes; NOVELINO, Marcelo (Org.). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 32). “Em razão disso, surgiram e desenvolveram-se diversas escolas de pensamento que defendiam a reaproximação entre Direito e moral, em um movimento conhecido como ‘virada kantiana’”.

14 “[...] A leitura moral propõe que todos nós – juízes, advogados e cidadão – interpretemos e apliquemos esses dispositivos abstratos considerando que eles fazem referência a

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Em quarto lugar, a Constituição Federal fortaleceu determinados ór-gãos que colaboram para que as omissões do Estado sejam levadas ao Poder Judiciário. O Ministério Público tem independência funcional, administrati-va e financeira para proteger (por meio de ação civil pública, por exemplo) os interesses difusos e coletivos, além dos interesses sociais e individuais indis-poníveis (arts. 127 a 130). A Defensoria Pública, que também goza de inde-pendência funcional, administrativa e financeira, presta assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 134). As duas instituições constantemente têm levado ao Poder Judiciário deman-das envolvendo a efetivação de direitos fundamentais e/ou correções dos atos dos gestores públicos.

Em quinto lugar, pode-se destacar que a Carta Política de 1988 prevê mecanismos de controle popular dos atos do Poder Público: garantiu a qual-quer cidadão legitimidade para propor ação popular que vise a anular ato le-sivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à mora-lidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência (art. 5º, LXXIII); tornou plena a liberdade de associação para fins lícitos (art. 5º, XVII), podendo tais associações fiscalizar a Administração Pública e, desde que regularmente criadas, têm legitimidade para interpor ações judiciais contra atos do Poder Público (inclusive ações civis públicas, conforme a Lei nº 11.448, de 15 de janeiro de 2007); assegura o direito de im-petrar mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prer-rogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º, LXXI).

Em sexto lugar, o § 1º do art. 5º da Constituição Federal determina que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Além disso, o inciso XXXV do art. 5º aduz que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Constata-se, por-tanto, que o nosso modelo constitucional obriga o Poder Judiciário a, sempre que provocado, agir no sentido de efetivar os direitos fundamentais quando estes sofrerem uma violação.

princípios morais de decência e justiça [...]” (DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martin Claret, 2006. p. 02). “A constitucionalidade moderna promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre ética e Direito [...]” (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 328).

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Em sétimo lugar, certos temas envolvem questões polêmicas e, por te-rem um custo político muito alto para quem toma determinada posição sobre a matéria, não são decididas pelos Poderes Executivo e Legislativo de forma proposital, já que estes têm receio da reação da opinião pública. Isto posto, essa inércia deliberada acaba, muitas vezes, levando ao Poder Judiciário, que não depende da vontade dos eleitores, a missão de solucionar tais questões.

Em oitavo lugar, a Carta Magna utiliza conceitos jurídicos indetermi-nados e polissêmicos (como, por exemplo, dignidade, função social, mora-lidade, ordem pública, entre outros), bem como a figura das cláusulas ge-rais15-16, que podem ter significados diferentes diante de cada caso concreto, o que estimula a atuação concretizadora do intérprete.

15 “Com significação paralela aos conceitos legais indeterminados, as cláusulas gerais (Generalklauseln) são normas orientadoras sob forma de diretrizes, dirigidas precipuamente ao juiz, vinculando-o ao mesmo tempo em que lhe dão liberdade para decidir. As cláusulas gerais são formulações contidas na lei, de caráter significativamente genérico e abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral, que tem natureza de diretriz.” (NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: RT, 2008. p. 212)

16 “Considerada, pois, do ponto de vista da técnica legislativa, a cláusula geral constitui uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente ‘aberta’, ‘fluida’ ou ‘vaga’, caracterizando-se pela ampla extensão do seu campo semântico. Essa disposição é dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe um mandato (ou competência) para que, à vista dos casos concretos, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, mediante o reenvio para elementos cuja concretização pode estar fora do sistema; estes elementos, contudo, fundamentarão a decisão, motivo pelo qual não só resta assegurado o controle racional da sentença como, reiterados no tempo fundamentos idênticos, será viabilizada, através do recorte da ratio decidendi, a ressistematização destes elementos, originariamente extrassistemáticos, no interior do ordenamento jurídico” (MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 35, n. 139, jul./set. 1998. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/383/r139-01.pdf?sequence=4>. Acesso em: 30 maio 2013, p. 08). “Multifacetárias e multifuncionais, as cláusulas gerais podem ser basicamente de três tipos, a saber: a) disposições de tipo restritivo, configurando cláusulas gerais que delimitam ou restringem, em certas situações, o âmbito de um conjunto de permissões singulares advindas de regra ou princípio jurídico. É o caso, paradigmático, da restrição operada pela cláusula geral da função social do contrato às regras, contratuais ou legais, que têm sua fonte no princípio da liberdade contratual; b) de tipo regulativo, configurando cláusulas que servem para regular, com base em um princípio, hipóteses de fato não casuisticamente previstas na lei, como ocorre com a regulação da responsabilidade civil por culpa; e, por fim, de tipo extensivo, caso em que servem para ampliar uma determinada regulação jurídica mediante a expressa possibilidade de serem introduzidos, na regulação em causa, princípios e regras próprios de outros textos normativos. É exemplo o art. 7º do Código

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Por fim, as minorias políticas, derrotadas no Parlamento, têm ajuizado ações no Poder Judiciário para que este assegure sua participação no proces-so político17.

1.3 manifestação do ativismo no casuísmo jurisprudencial

Todo esse cenário fortaleceu a atuação do Poder Judiciário, que se tor-nou extremamente atuante na concretização dos direitos fundamentais, dei-xando de ser apenas legislador negativo, tendo a jurisprudência um papel criativo e não e mera subsunção dos fatos à norma escrita. No julgamento da ADIn 3.510 (células-tronco embrionárias), assim se manifestou o Ministro Gilmar Mendes em seu voto:

O Supremo Tribunal Federal demonstra, com este julgamento, que pode, sim, ser uma Casa do povo, tal qual o parlamento. Um lugar onde os di-versos anseios sociais e o pluralismo político, ético e religioso encontram guarida nos debates procedimental e argumentativamente organizados em normas previamente estabelecidas. As audiências públicas, nas quais são ouvidos os expertos sobre a matéria em debate, a intervenção dos amici curiae, com suas contribuições jurídica e socialmente relevantes, as-sim como a intervenção do Ministério Público, como representante de toda

do Consumidor e o § 2º do art. 5º da Constituição Federal, que reenviam o aplicador da lei a outros conjuntos normativos, tais como acordos e tratados internacionais e diversa legislação ordinária” (MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil brasileiro. Revista de informação Legislativa, Brasília, a. 35, n. 139, jul./set. 1998. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/383/r139-01.pdf?sequence=4>. Acesso em: 30 maio 2013, p. 09).

17 “No mérito, salientando ter havido, na espécie, o preenchimento dos requisitos do § 3º do art. 58 da CF, concluiu pela afronta ao direito público subjetivo, nesse dispositivo assegurado, às minorias legislativas, de ver instaurado o inquérito parlamentar, com apoio no direito de oposição, legítimo consectário do princípio democrático. Ressaltou, ademais, que a ocorrência da lacuna normativa no texto do regimento interno do Senado Federal não seria óbice a que o Supremo, valendo-se dos meios de integração, sobretudo por força do disposto no art. 412, VI e VII, daquele diploma legal – o qual estabelece a competência da Mesa para decidir, nos casos omissos, de acordo com a analogia, bem como preserva os direitos das minorias –, suprisse essa omissão por aplicação analógica de prescrições existentes no âmbito do próprio legislativo da União, quais sejam, o art. 28, § 1º e art. 9º, § 1º, dos regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Congresso Nacional, respectivamente, que preveem solução normativa para situações em que os líderes partidários deixem de indicar representantes de suas próprias agremiações para compor comissões [...].” (Informativo nº 386 do STF, Brasília, 2 a 6 de maio de 2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo386.htm>. Acesso em: 5 maio 2013)

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a sociedade perante o Tribunal, e das advocacias pública e privada, na de-fesa de seus interesses, fazem desta Corte também um espaço democrático. Um espaço aberto à reflexão e à argumentação jurídica e moral, com ampla repercussão na coletividade e nas instituições democráticas. [...] Portanto, é possível antever que o Supremo Tribunal Federal acabe por se livrar do vetusto dogma do legislador negativo e se alie à mais progressiva linha jurisprudencial das decisões interpretativas com eficácia aditiva, já adota-das pelas principais Cortes Constitucionais europeias. A assunção de uma atuação criativa pelo Tribunal poderá ser determinante para a solução de antigos problemas relacionados à inconstitucionalidade por omissão, que muitas vezes causa entraves para a efetivação de direitos e garantias fun-damentais assegurados pelo texto constitucional.18

No julgamento do Mandado de Injunção nº 721/DF (Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 30.08.2007), o STF disse ser dever do Judiciário, tendo em vista o art. 5º, LXXI, e seu § 1º da Constituição Federal “não apenas emitir certidão de omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberda-des constitucionais, a prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”, cabendo ao Poder Judiciário “viabilizar, no caso concreto, o exer-cício desse direito, afastando as consequências da inércia do legislador”19.

Percebe-se, assim, que o STF não mais se contenta com o chamado “apelo ao Legislador”, em que o Poder Judiciário apenas declara a mora do Parlamento, recomendando que este faça a legislação cuja ausência impede o exercício pleno de determinado direito fundamental.

A ideia de “apelo ao Legislador” é uma decorrência natural da teoria da separação dos poderes, na medida em que o Poder Judiciário não pode, em tese, obrigar o Poder Legislativo à legislar, determinando o trancamento da pauta dele até que a legislação seja elaborada. Todavia, o Poder Judiciário, diante da omissão do Parlamento, tem solucionado as lacunas legislativas por meio de decisões que preenchem o vácuo legislativo.

Destacam-se dois exemplos.

O primeiro é o caso da greve no serviço público. A Constituição Fede-ral, em seu art. 37, VII, aduz que “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”.

18 STF, ADIn 3.510/DF, Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, J. 29.05.2008, DJ 28.05.2010.19 STF, MI 708/DF, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 27.10.2007, DJ 31.10.2008.

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Trata-se de norma de eficácia limitada, ou seja, enquanto não sobrevier a lei de que trata o inciso, os servidores públicos teoricamente ficam impe-didos de exercer o direito de greve. Tendo em vista que o Poder Legislativo nunca editou a citada lei, o STF, ao julgar o Mandado de Injunção nº 708, decidiu que a omissão do Parlamento em regulamentar a matéria era tal que cabia ao Poder Judiciário agir no caso, tendo o STF decidido pela aplicação da Lei Geral de Greve (Lei nº 7.783/1989) aos servidores públicos enquanto não surgir a lei específica do art. 37, VII:

Tendo em vista as imperiosas balizas jurídico-políticas que demandam a concretização do direito de greve a todos os trabalhadores, o STF não pode se abster de reconhecer que, assim como o controle judicial deve incidir sobre a atividade do legislador, é possível que a Corte Constitucional atue também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo. A mora legis-lativa em questão já foi, por diversas vezes, declarada na ordem constitu-cional brasileira. Por esse motivo, a permanência dessa situação de ausên-cia de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis passa a invocar, para si, os riscos de consolidação de uma típica omissão judicial. Na experiência do direito comparado (em especial, na Alemanha e na Itália), admite-se que o Poder Judiciário adote medidas normativas como alternativa legítima de superação de omissões inconstitucionais, sem que a proteção judicial efetiva a direitos fundamentais se configure como ofensa ao modelo de separação de poderes (CF, art. 2º). [...] Considerada a omissão legislativa alegada na espécie, seria o caso de se acolher a preten-são, tão somente no sentido de que se aplique a Lei nº 7.783/1989 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis (CF, art. 37, VII).

O segundo exemplo foi o caso discutido na ADPF 54, que tratava da autorização para a interrupção da gravidez de feto anencefálico; é um claro exemplo que envolveu o debate acerca do neoconstitucionalismo e da legiti-midade do Poder Judiciário para atuar como legislador positivo.

O art. 128 do Código Penal apenas autoriza o aborto em duas hipóte-ses: se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário) e se a gravidez resulta de estupro. O STF autorizou o aborto no caso objeto da ADPF. O relator, Ministro Marco Aurélio, que votou pela procedência do pedido, afirmou:

A imposição estatal da manutenção de gravidez cujo resultado final será irremediavelmente a morte do feto vai de encontro aos princípios basilares

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do sistema constitucional, mais precisamente à dignidade da pessoa hu-mana, à liberdade, à autodeterminação, à saúde, ao direito de privacidade, ao reconhecimento pleno dos direitos sexuais e reprodutivos de milhares de mulheres. O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura ou a um sacrifício que não pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exi-gido. [...] Se alguns setores da sociedade reputam moralmente reprovável a antecipação terapêutica da gravidez de fetos anencéfalos, relembro-lhes de que essa crença não pode conduzir à incriminação de eventual conduta das mulheres que optarem em não levar a gravidez a termo. O Estado bra-sileiro é laico e ações de cunho meramente imorais não merecem a glosa do direito penal. A incolumidade física do feto anencéfalo, que, se sobreviver ao parto, o será por poucas horas ou dias, não pode ser preservada a qual-quer custo, em detrimento dos direitos básicos da mulher. No caso, ainda que se conceba o direito à vida do feto anencéfalo – o que, na minha óptica, é inadmissível, consoante enfatizado –, tal direito cederia, em juízo de pon-deração, em prol dos direitos à dignidade da pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à privacidade, à integridade física, psicoló-gica e moral e à saúde, previstos, respectivamente, nos arts. 1º, inciso III, 5º, cabeça e incisos II, III e X, e 6º, cabeça, da Carta da República.20

A citada decisão foi vista como uma decisão ativista, no sentido de que criou uma terceira hipótese de aborto autorizado, o que deveria ter sido feito pelo Parlamento, como ressaltaram, inclusive, os votos vencidos dos demais ministros.

O Ministro Ricardo Lewandowski disse que “não é dado aos integran-tes do Judiciário, que carecem da unção legitimadora do voto popular, pro-mover inovações no ordenamento normativo como se fossem parlamentares eleitos”21. O outro Ministro vencido, Cezar Peluso, aduziu:

Se o Congresso não o fez, parece legítimo que setores da sociedade lhe demandem atualização legislativa, mediante atos lícitos de pressão. [...]. Não temos legitimidade para criar, judicialmente, esta hipótese legal. A ADPF não pode ser transformada em panaceia que franqueie ao STF a

20 Informativo nº 661 do STF, de 9 a de 13 de abril de 2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo661.htm>. Acesso em: 5 maio 2013.

21 Informativo nº 661 do STF, de 9 a de 13 de abril de 2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo661.htm>. Acesso em: 5 maio 2013.

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prerrogativa de resolver todas as questões cruciais da vida nacional. [...]. É o Congresso Nacional que não quer assumir essa responsabilidade, e tem motivos para fazê-lo.

A Ministra Ellen Gracie, que, em questão de ordem22, votou pelo não conhecimento da ação, explanou em seu voto:

O que vem ao crivo do Tribunal nesta ação? Uma norma velha de 65 anos que, ao momento da promulgação da Constituição Federal de 1988, foi re-cepcionada, como todo o Código Penal. Essa disposição de lei comina com pena privativa de liberdade quem promova o abortamento. Criadas foram duas exceções em que tal prática não será penalizada. O que a ação pre-tende é fazer inserir, nesse dispositivo, por criação jurisprudencial, uma terceira causa exculpante. Ou seja, que, além do abortamento sentimental (gravidez fruto de violência) e do abortamento terapêutico (risco para a vida da mãe), também seja isento de penalidade o abortamento de feto diagnosticado como anencefálico. É, sem dúvida, atuação legislativa que se pretende do Tribunal. A esse propósito, é preciso também registrar que inúmeras são as iniciativas parlamentares tendentes a alargar as excluden-tes de ilicitude da prática de abortamento. Sete desses projetos encontram--se em tramitação conjunta nas casas legislativas, um deles foi arquivado no Senado em 21.10.2004 e outro, em regime de tramitação ordinária, aguarda parecer. [...]. Entendo, Senhor Presidente, que a sociedade brasileira precisa encarar com seriedade e consciência um problema de saúde pública que atinge principalmente as mulheres das classes menos favorecidas. E deve fazê-lo por meio de seus legítimos representantes perante o Congresso Na-cional, não, ao contrário, por via oblíqua e em foro impróprio, mediante mecanismos artificiosos que, inobstante o brilho com que deduzidos os argumentos na inicial e na sustentação oral pelo eminente Professor Luiz Roberto Barroso, acarretaria uma ruptura de princípios basilares, como o da separação de poderes e a repartição estrita de competências entre eles. Parece-me profundamente antidemocrático pretender obter, por essa via tão tortuosa da ADPF, manifestação a respeito de um tema que, por ser controverso na sociedade brasileira, ainda não logrou apreciação conclu-siva do Congresso Nacional, ainda que registradas tantas iniciativas legis-lativas em ambas as Casas. Não há o Supremo Tribunal Federal de servir

22 Na questão de ordem foi discutido se a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) deveria ser conhecida pelo Tribunal, não sendo julgado o mérito da ação. O julgamento da questão de ordem ocorreu em 27 de abril de 2005. O mérito da ação foi julgado apenas em 11 de abril de 2012.

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como “atalho fácil” para a obtenção de resultado – a legalização da prática do abortamento – que os representantes eleitos do povo brasileiro ainda não se dispuseram a enfrentar.23

Percebe-se, assim, que, para o STF, a questão central não é se o Poder Judiciário pode ou não inovar o ordenamento jurídico, criando judicialmente o Direito, mas de definir os casos em que isso seja realmente necessário.

No caso em questão, os votos vencidos deixaram claro que a questão analisada deveria ser debatida primeiramente no âmbito do Parlamento, lo-cal que teria legitimidade democrática para resolver o tema. Os votos vence-dores afirmaram que o Parlamento teve tempo para fazê-lo, mas não o fez, autorizando o Poder Judiciário a intervir.

1.4 o desenvolver de um pensamento crítico sobre o ativismo judicial

O ativismo tem sido alvo de críticas, dentre as quais a que, se o ativis-mo judicial é aplicado sem critérios definidos, temos o risco de substituir-mos os agentes políticos – que são eleitos pelo povo – pelos Magistrados, que não exercem mandato com representatividade popular e, por isso, não teriam legitimidade para praticar atos que seriam, em tese, dos demais Pode-res. Destacam o fato de os juízes não responderem politicamente pelas suas decisões24.

Em caso de judicialização excessiva, os onze homens que compõem o STF se sobreporiam ao Presidente da República e aos membros do Congresso Na-

23 Informativo nº 661 do STF, de 9 a de 13 de abril de 2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo661.htm>. Acesso em: 5 maio 2013.

24 “h) A recepção de um ativismo judicial à brasileira, portanto, acabou gerando uma série de problemas ao constitucionalismo no Brasil, como: h.1) a fragilização de uma teoria do direito voltada para as peculiaridades do contexto jurídico brasileiro (a partir da utilização de uma mixagem de teorias advindas de tradições jurídicas distintas): h.2) a perda da autonomia do direito em face do que Lenio Streck chama de ‘predadores externos’ do Direito, que consistem em decisões judiciais fundamentadas em critérios não jurídicos; h.3) e a defesa da discricionariedade, que elimina o compromisso democrático e a responsabilidade judicial na decisão das comendas jurídicas, o que se toma ainda mais preocupante em razão da caracterização de um cenário marcado por um imensa procura pelo Judiciário.” (TASSINARI, Clarissa. Ativismo judicial: uma análise da atuação do Judiciário nas experiências brasileira e norte-americana. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Programa de Pós-Graduação em Direito, São Leopoldo/RS, 2012. p. 131)

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cional, eleitos por milhões de brasileiros como seus representantes. Gargarella resume bem a questão:

Como é possível que um minúsculo grupo de juízes, que não sejam eleitos diretamente pela cidadania (como o são os funcionários políticos), e que não estejam sujeitos a periódicas avaliações populares (e, portanto, gozam de estabilidade em seus cargos, livres do escrutínio popular) possam pre-valecer, em última instância, sobre a vontade popular?25

Ademais, enquanto a política trabalha com os binários governo/opo-sição e maioria/minoria, o Direito trabalha com lícito/ilícito e legal/ilegal, como ressalta Campilongo26.

Alega-se, também, que o movimento neoconstitucionalista, quando radicalizado, tem levado a um “oba-oba” constitucional, em que toda e qual-quer lei pode ser relativizada pela interpretação do Poder Judiciário, trans-formando-o em um Poder Constituinte permanente e usurpando do Poder Legislativo a função constitucional de legislar.

O tema é extremamente complexo e atual e gira em torno da discussão sobre se tem o Poder Judiciário autorização constitucional para determinar políticas públicas e criar judicialmente o Direito.

Contra tais críticas lembra Barroso que “a maior parte dos Estados democráticos reserva uma parcela de poder político para ser exercida por agentes públicos que não são recrutados pela via eleitoral, e cuja atuação é de natureza predominantemente técnica e imparcial”27.

Sendo a obrigação de edificar a cidadania uma função essencial do Es-tado, essa missão também é de responsabilidade do Poder Judiciário, princi-palmente quando há indolência dos demais Poderes. Caso o Poder Judiciário apenas repetisse os ditames do Parlamento, a população continuaria refém das omissões estatais.

25 GARGARELLA, Roberto. A justiça frente ao governo. Barcelona: Editorial Ariel, 1996. p. 11.26 CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa. 2. ed. São Paulo: Saraiva,

2011. p. 100.27 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática.

Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicia - -lizacao_ativismo_legitimidade_democratica>. Acesso em: 30 maio 2013.

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Ademais, o fato de os magistrados não serem eleitos não os isentaria de accountability (responsabilidade política), já que, “se todo o poder emana do povo”, como determina a Carta Magna, em seu art. 1º, parágrafo único.

O Poder Judiciário, sendo um Poder, também deve satisfação à coleti-vidade dos motivos de suas decisões. Considerando que as decisões judiciais sempre devem ser fundamentadas (art. 93, IX, da CF/1988), a carência de legitimidade representativa do Poder Judiciário seria então compensada pela natureza argumentativa, como lembra Alexy:

O princípio fundamental: “Todo poder estatal origina-se do povo” exige compreender não só o Parlamento, mas também o tribunal constitucional como representação do povo. A representação ocorre, decerto, de modo diferente. O parlamento representa o cidadão politicamente, o tribunal ar-gumentativamente. Com isso, deve ser dito que a representação do povo pelo tribunal constitucional tem um caráter mais idealístico do que aquela pelo parlamento. A vida cotidiana do funcionamento parlamentar oculta o perigo de que maiorias se imponham desconsideradamente, emoções de-terminem o acontecimento, dinheiro e relações de poder dominem e sim-plesmente sejam cometidas faltas graves. Um tribunal constitucional que se dirige contra tal não se dirige contra o povo senão, em nome do povo, contra seus representantes políticos. Ele não só faz valer negativamente que o processo político, segundo critérios jurídico-humanos e jurídico-fun-damentais, fracassou, mas também exige positivamente que os cidadãos aprovem os argumentos do tribunal se eles aceitarem um discurso jurídico--constitucional racional. A representação argumentativa dá certo quando o tribunal constitucional é aceito como instância de reflexão do processo político. Isso é o caso, quando os argumentos do tribunal encontram eco na coletividade e nas instituições políticas, conduzem a reflexões e discussões que resultam em convencimentos examinados. Se um processo de reflexão entre coletividade, legislador e tribunal constitucional se estabiliza dura-douramente, pode ser falado de uma institucionalização que deu certo dos direitos do homem no estado constitucional democrático. Direitos funda-mentais e democracia estão reconciliados.28

28 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático. Para a relação entre direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdição constitucional. Trad. Luís Afonso Heck. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 217, p. 55-66, jul./set. 1999. p. 55.

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Dworkin, por sua vez, assevera que a “fiscalização judicial assegura que as questões mais fundamentais de moralidade política serão apresenta-das e debatidas como questões de princípio, e não apenas de poder político”29.

Rawls ressalta que os ministros das Cortes Constitucionais devem usar da “razão pública” para explicar e justificar suas decisões, diferentemente do Poder Executivo e Legislativo30.

Interessante mencionar, ainda, que, no âmbito do STF, esse tribunal tem se valido dos institutos dos amigos da corte e das audiências públicas para reduzir esse déficit de representatividade.

O próprio STF tem se mostrado atento aos questionamentos que fazem sobre sua atuação, conforme notícia divulgada em seu sítio eletrônico:

Ativismo judicial ou cumprimento da Constituição? Mais que uma indaga-ção, esta é uma reflexão do decano da Suprema Corte brasileira, Ministro Celso de Mello, sobre o papel constitucional do Supremo Tribunal Federal e as eventuais opiniões de que o Tribunal extrapola suas atribuições ao pro-mover ativismo judicial. O ministro define ativismo judicial como “uma necessidade transitória de o Poder Judiciário suprir omissões do Poder Le-gislativo ou do Poder Executivo que são lesivas aos direitos das pessoas em geral ou da comunidade como um todo”. [...]. Na avaliação do decano, o Supremo Tribunal Federal é chamado a exercer suas atribuições consti-tucionais de maneira moderada, responsável e prudente. “Isso é ativismo? Não vislumbro, mas se vislumbrar a prática de ativismo, vejo um ativismo judicial moderado, mas tornado necessário pela injustificável omissão do Congresso Nacional. É para isso que existe o Poder Judiciário”, frisou. [...]. Ao citar discurso proferido pelo então Senador Rui Barbosa, na tribuna parlamentar, em 29 de dezembro de 1914, o ministro afirmou que o STF não é infalível e que pode errar, “mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, de decidir por último, de dizer alguma coisa que deva ser con-siderada como erro ou como verdade”.31

29 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípios. Trad. Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 69.

30 RAWLS, John. O liberalismo político. São Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 212.31 Notícias STF, segunda-feira, 15 de novembro de 2010. Disponível em <http://www.stf.

jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=165752>. Acesso em: 30 maio 2013.

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das considEraçÕEs Finais

A Constituição Federal aduz, em seu art. 102, caput, que “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”.

O advérbio “precipuamente” pode ser interpretado, no contexto da ci-tada frase, de duas maneiras. A primeira possibilidade é que a função princi-pal do STF é proteger a Constituição Federal, interpretando-a adequadamen-te, mas não seria o único poder autorizado a fazê-lo. A segunda possibilidade é a de que, dentre todos os Poderes, o intérprete principal e preponderante da Constituição Federal seria o Poder Judiciário, em especial o STF, que teria a última palavra na matéria.

Apesar da discussão, o fato é que nosso sistema de revisão judicial não prevê mecanismos imediatos que possam cancelar decisões do STF que sejam tidas como antidemocráticas.

Conforme mencionado, anteriormente, as decisões definitivas de méri-to do STF, proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, “produzirão eficácia contra todos e efei-to vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Admi-nistração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.

Isto posto, o Parlamento brasileiro, apesar da decisão do STF, não se encontra vinculado a ela, podendo legislar contrariamente ao que foi decidi-do. Contudo, a nova legislação (inclusive emendas constitucionais) poderá ser questionada perante o STF, que dará a última palavra sobre a constitucio-nalidade dela, ficando o Poder Legislativo refém da decisão.

Cumpre destacar que o próprio STF define-se como “árbitro definiti-vo da constitucionalidade das leis” (RE 433.101-AgRg, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, J. 06.12.2005). No julgamento do Habeas Corpus nº 87.585-8/TO, o Ministro Celso de Melo foi direto ao dizer que o STF estaria autorizado a funcionar como Poder Constituinte, reformulando a Constituição:

[...] a interpretação judicial desempenha um papel de fundamental impor-tância, não só na revelação do sentido das regras normativas que compõem o ordenamento positivo, mas, sobretudo, na adequação da própria Consti-tuição às novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam a sociedade con-temporânea. Daí precisa observação de Francisco Campos (Direito constitu-cional, v. II/403, 1956, Freitas Bastos), cujo magistério enfatiza, corretamen-te, que, no poder de interpretar os textos normativos, inclui-se a prerroga-

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tiva judicial de reformulá-los, em face de novas e cambiantes realidades sequer existentes naquele particular momento histórico em que tais regras foram concebidas e elaboradas. Importante rememorar, neste ponto, a lição desse eminente publicista, para quem “o poder de interpretar a Constitui-ção envolve, em muitos casos, o poder de formulá-la. A Constituição está em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la [...]. Nos Tribunais incumbidos da guarda da Constituição, funciona, igualmente, o poder constituinte”.32

Na visão do STF, a feitura da Constituição não se esgota com a atuação do legislador, tendo em vista que a Carta Magna é um documento aberto a uma interpretação pluralista que tem como objetivo atingir os valores funda-mentais da sociedade, dentro do que ensina Haberle33.

Desta feita, uma posição ativista do Poder Judiciário deve ser feita com parcimônia, devendo haver certa deferência do Poder Judiciário com as es-colhas feitas pelo Parlamento e pelo Poder Executivo, na medida em que não se pode presumir que somente o Poder Judiciário tem a sapiência necessária para interpretar e aplicar a Constituição.

Da mesma maneira não podemos aceitar que somente o Parlamento tenha a sabedoria para formular uma legislação perfeita e acabada que supra todas as necessidades de uma sociedade dinâmica como a atual. Isto posto, a criação judicial do Direito pode ser um mecanismo eficaz na concretização dos valores explícitos e implícitos da Constituição.

rEFErências

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32 STF, HC 87.585-8/TO, Pleno, Rel. Min. Marcos Aurélio, J. 12.03.2008, DJ 07.12.2006.33 HABERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da

Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Consti-tuição. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1997. p. 27.

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Doutrina

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Penal

do contEúdo normativo da rEgra da vEdação da PEna dE mortE no brasiL*

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roCCo antonio rangel rosso nelson1

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Especialista em Ministério Público, Direito e Cidadania pela Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte, Especialista em Direito Penal e Criminologia pela Universidade

Potiguar, Ex-Professor do Curso de Direito e de outros Cursos de Graduação e Pós-Graduação do Centro Universitário Facex, Membro

do Grupo de Estudo e Pesquisa em Extensão e Responsabilidade Social, vinculado à Linha de Pesquisa “Democracia, Cidadania e Direitos

Fundamentais” do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, Campus Natal-Central, Professor Efetivo de Direito do Instituto

Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, Campus João Câmara.

RESUMO: A pesquisa em tela, fazendo uso de uma metodo-logia de análise qualitativa, usando-se os métodos de abor-dagem hipotético-dedutivos de caráter descritivo e analítico, adotando-se técnica de pesquisa bibliográfica, tem por linha de fundo fazer uma análise dogmática quanto à dimensão normativa da regra da vedação da pena de morte no sistema jurídico brasileiro, face a sempre existencial crítica à pena de morte em si, bem como problemas pontuais no que tange à chamada “lei do abate” e à pena de liquidação da pessoa jurí-dica em decorrência de crimes ambientais.

* Tema explicitado em: NELSON, Rocco Antonio Rangel Rosso. Curso de direito penal – Teoria da pena. Curitiba: Juruá, v. II, 2017.

1 Autor do livro Curso de direito penal – Teoria geral do crime. 1. ed. Curitiba: Juruá, v. I, 2016.

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PALAVRAS-CHAVE: Vedação a penas cruéis; pena de morte; fra-casso do Estado de Direito; configuração de uma não pena.

ABSTRACT: On-screen research, using a methodology of qualitative analysis, using the methods of hypothetical-deductive approach of a descriptive and analytical character, adopting a technique of bibliographical research, has as its background a dogmatic analysis of the dimension normative of the rule of the prohibition of the death penalty in the Brazilian legal system, in view of the ever existential criticism of the death penalty it self, as well as specific problems regarding the so-called “slaughter law” and the liquidation penalty of the legal person as a result of environmental crimes.

KEYWORDS: Prohibition cruel punishments; death penalty; failure of the rule of law; setting a not worth it.

SUMÁRIO: Das considerações iniciais; 1 Breves apontamentos his-tóricos sobre a pena de morte no Brasil; 2 Críticas à pena de morte; 3 Da vedação da pena de morte e repercussões intrassistêmicas – Alguns pontos de debates; 3.1 Da “Lei do Abate”; 3.2 Da pena de extinção da pessoa jurídica na hipótese de crime ambiental; Das con-siderações finais; Referências.

das considEraçÕEs iniciais

Historicamente, a pena de morte sempre esteve presente nos mais diversos sistemas jurídicos do mundo, constituindo-se em uma das penas principais e de aceitação pacífica pela sociedade, vindo, tão somente, com os ideais iluministas (século XVIII), a ser ventilada crítica referente a sua des-proporcionalidade e desumanidade.

Em face de uma oposição, apenas a partir da idade moderna a pena de morte constitui-se arsenal do jus puniendi da boa parte dos Estados contem-porâneos.

Luigi Ferrajoli aponta a presença da pena de morte na grande maioria dos países ainda:

[...] A pena de morte está ainda presente em quase todo o mundo: somente 28 Estados a aboliram por completo; em 129 países – dentre os quais gran-de parte dos Estados Unidos, a União Soviética e quase todos os países africanos e asiáticos – é aplicada inclusive em tempo de paz; e em outros 18 países, entre os quais a Itália, Grã-Bretanha e Espanha, está prevista só para o tempo de guerra. Portanto, as vítimas da pena de morte contam--se, ainda hoje, aos milhares em cada ano. Somente nos Estados Unidos,

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em particular, foram julgadas 3.862 pessoas de 1930 até hoje, na sua maior parte negros. [...].2

Como se afere na cartografia sobre pena de morte, adotada no globo, referente a outubro de 2016, a situação descrita por Luigi Ferrajoli sofreu al-terações, principalmente no bojo europeu. Todavia, é certo que a quantidade de legislações com a previsão de pena de morte ainda é extremamente signi-ficativa, principalmente, na África, na Ásia e no Oriente Médio.

Figura 1 – Cartografia com os países que adotam a pena de morte:3

Em quantidade de execuções destaca-se a China e, em seguida, Irã, Arábia Saudita, Iraque e Paquistão, tendo, no ano de 2016, o registro de 1634 execuções pela anistia internacional4. Na América, apenas nos Estados Unidos tem-se o registro de pessoas executadas em 20165.

2 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão – Teoria do garantismo penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 355.

3 L’ACAT. Disponível em: <https://www.acatfrance.fr/public/acat_carte_peine_de_mort_oct-2016.jpg>. Acesso em: 15 ago. 2017.

4 Pena de morte 2016: fatos e números. Disponível em: <https://www.acatfrance.fr/public/acat_carte_peine_de_mort_oct-2016.jpg>. Acesso em: 15 ago. 2017.

5 “Pelo oitavo ano consecutivo, os EUA foram o único país a realizar execuções na região das Américas, com 20 pessoas executadas em 2016 (oito menos que em 2015). Esse foi o menor número de execuções registradas em um único ano desde 1991.” (Pena de morte 2016: fatos e números. Disponível em: <https://anistia.org.br/noticias/pena-de-morte- -2016-fatos-e-numeros/>. Acesso em: 15 ago. 2017)

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No seio da Constituição Federal do Brasil de 1988, tem-se a vedação expressa da pena de morte, no bojo dos direitos fundamentais individuais, o que evidencia uma clara limitação ao jus puniendi estatal, excepcionando, tão somente, na hipótese de guerra declarada.

Art. 5º [...]XLVII – não haverá penas:a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;[...]

Destaca-se que o presente regramento constitucional constitui-se em cláusula pétrea (art. 60, § 4º) por configurarem direito individual do cidadão, não podendo ser modificado por proposta de emenda à constituição (limita-ção material). Soma-se a isso a cláusula de proibição de retrocesso prescrita na Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 22 de novembro de 1968 (art. 4, item 3): “Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido”6.

Aponta-se, ainda, que o Brasil é signatário do Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional, o qual é competente para julgamento de crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão, e, apesar da elevada gravidade dos crimes a serem processados, ventilou como pena de maior gravidade a pena perpétua, não se socorrendo da pena de morte7.

Art. 77Penas Aplicáveis1. Sem prejuízo do disposto no art. 110, o Tribunal pode impor à pessoa condenada por um dos crimes previstos no art. 5º do presente Estatuto uma das seguintes penas:a) pena de prisão por um número determinado de anos, até ao limite má-

ximo de 30 anos; oub) pena de prisão perpétua, se o elevado grau de ilicitude do fato e as con-

dições pessoais do condenado o justificarem.2. Além da pena de prisão, o Tribunal poderá aplicar:a) uma multa, de acordo com os critérios previstos no Regulamento Pro-

cessual;

6 Ratificado pelo Brasil por meio do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992.7 Ratificado pelo Brasil por meio do Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002.

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b) a perda de produtos, bens e haveres provenientes, direta ou indireta-mente, do crime, sem prejuízo dos direitos de terceiros que tenham agi-do de boa fé.

No Código Penal Militar brasileiro, está prevista a forma de execução da pena de morte, o qual se dará via fuzilamento, bem como os tipos penais perpetrados em tempo de guerra8, no qual se aplica a pena ora analisada.

Art. 56. A pena de morte é executada por fuzilamento.

O desiderato do presente trabalho é a análise dogmática quanto à di-mensão normativa da regra da vedação da pena de morte no sistema jurídico brasileiro, fazendo uso, para tanto, de uma metodologia de análise qualita-tiva, usando-se os métodos de abordagem hipotético-dedutivos de caráter descritivo e analítico, adotando-se técnica de pesquisa bibliográfica.

1 brEvEs aPontamEntos histÓricos sobrE a PEna dE mortE no brasiL

É importante fazer o relato histórico da previsão da pena de morte no ordenamento jurídico brasileiro.

Encontrava-se prevista no Código Criminal do Império9, não tendo sido aplicada mais a partir de 1865 e sendo excluída no Código Penal Repu-blicano de 189010.

8 Os crimes militares em tempo de guerra encontram-se no livro II do Código Penal Militar a partir do art. 355.

9 Código Penal Imperial de 1830: “Art. 38. A pena de morte será dada na forca. Art. 39. Esta pena, depois que se tiver tornado irrevogavel a sentença, será executada no dia seguinte ao da intimação, a qual nunca se fará na vespera de domingo, dia santo, ou de festa nacional. Art. 40. O réo com o seu vestido ordinario, e preso, será conduzido pelas ruas mais publicas até á forca, acompanhado do Juiz Criminal do lugar, aonde estiver, com o seu Escrivão, e da força militar, que se requisitar. Ao acompanhamento precederá o Porteiro, lendo em voz alta a sentença, que se fôr executar. Art. 41. O Juiz Criminal, que acompanhar, presidirá a execução até que se ultime; e o seu Escrivão passará certidão de todo este acto, a qual se ajuntará ao processo respectivo. Art. 42. Os corpos dos enforcados serão entregues a seus parentes, ou amigos, se os pedirem aos Juizes, que presidirem á execução; mas não poderão enterral-os com pompa, sob pena de prisão por um mez á um anno. Art. 43. Na mulher prenhe não se executará a pena de morte, nem mesmo ella será julgada, em caso de a merecer, senão quarenta dias depois do parto”.

10 Código Penal de 1890: “Art. 43. As penas estabelecidas neste codigo são as seguintes: a) prisão cellular; b) banimento; c) reclusão; d) prisão com trabalho obrigatorio; e) prisão disciplinar; f) interdicção; g) suspensão e perda do emprego publico, com ou sem inhabilitação para exercer outro; h) multa”.

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A Constituição Republicana de 1891 foi a primeira constituição brasi-leira a vetar expressamente a pena capital:

Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§ 21 Fica, igualmente, abolida a pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra.

[...]

A Constituição Polaca de 1937 permitia que o legislador prescrevesse a pena de morte nos crimes políticos e no homicídio cometido por motivo fútil ou com extremos de perversidade.

Art. 122. [...]

[...]

13) Não haverá penas corpóreas perpétuas. As penas estabelecidas ou agravadas na lei nova não se aplicam aos fatos anteriores. Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, a pena de morte será aplicada nos seguintes crimes:

a) tentar submeter o território da Nação ou parte dele à soberania de Esta-do estrangeiro;

b) atentar, com auxilio ou subsidio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, contra a unidade da Nação, procurando des-membrar o território sujeito à sua soberania;

c) tentar por meio de movimento armado o desmembramento do território nacional, desde que para reprimi-lo se torne necessário proceder a ope-rações de guerra;

d) tentar, com auxilio ou subsidio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, a mudança da ordem política ou social estabeleci-da na Constituição;

e) tentar subverter por meios violentos a ordem política e social, com o fim de apoderar-se do Estado para o estabelecimento da ditadura de uma classe social;

f) a insurreição armada contra os Poderes do Estado, assim considerada ainda que as armas se encontrem em depósito;

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g) praticar atos destinados a provocar a guerra civil, se esta sobrevém em virtude deles;

h) atentar contra a segurança do Estado praticando devastação, saque, in-cêndio, depredação ou quaisquer atos destinados a suscitar terror;

i) atentar contra a vida, a incolumidade ou a liberdade do Presidente da República;

j) o homicídio cometido por motivo fútil ou com extremos de perversidade.

O referido dispositivo constitucional fora regulamento pela Lei Consti-tucional nº 1/1938 e pelo Decreto-Lei nº 431/1938.

Com a Constituição Federal de 1946, tem-se a proibição, novamente, da pena de morte, salvo situação de guerra.

Art. 141. [...]

§ 31 Não haverá pena de morte, de banimento, de confisco nem de caráter perpétuo. São ressalvadas, quanto à pena de morte, as disposições da legislação militar em tempo de guerra com país estrangeiro. [...] (grifos nossos)

No período da ditadura militar, em consonância com a ideologia de segurança nacional, a pena de morte foi novamente instituída através do Ato Institucional nº 14/196911, sendo ab-rogado pela Emenda Constitucional nº 1, de 197812.

Destaca-se que, em 1969, por meio da Lei de Segurança Nacional, tinha--se a previsão de diversos tipos penais em que a pena de morte encontrava-se prescrita como norma secundária. Verbi gratia:

11 Ato Institucional nº 14/1969: “Art. 1º O § 11 do art. 150 da Constituição do Brasil passa a vigorar com a seguinte redação: ‘Art. 150. [...] § 11 Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar. Esta disporá também, sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na Administração Pública, Direta ou Indireta’”.

12 Emenda Constitucional nº 1/78: “Art. 153. [...] § 11 Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, nem de banimento. Quanto à pena de morte, fica ressalvada a legislação penal aplicável em caso de guerra externa. A lei disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário ou no caso de enriquecimento no exercício de função pública”.

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Art. 8º Entrar em entendimento ou negociação com govêrno estrangeiro ou seus agentes, a fim de provocar guerra ou atos de hospitalidade contra o Brasil.

Pena: reclusão, de 15 a 30 anos.

Parágrafo único. Se os atos de hostilidade fôrem desencadeados:

Pena: Prisão perpétua, em grau mínimo e morte, em grau máximo.

2 críticas À PEna dE mortE

Os Professores Zaffaroni e Pierangeli fazem duras e acertadas críticas à pena de morte, afirmando que ela não constitui uma pena de fato, posto não atingir nenhuma das finalidades preventivas dela, vindo a constituir, apenas, uma forma de impedimento físico com a remoção em definitivo do ser huma-no, não vislumbrando sequer justificativa na seara do Direito Penal Militar13.

Para o atual horizonte de projeção do direito penal, a pena de morte fica fora do conceito de pena. Vimos que no direito penal contemporâneo a pena tem uma função preventiva especial particular [...], reconhecida até mesmo pelos partidários da prevenção geral, visto que admitem que a exe-cução da pena exerça este papel. Pois bem, a chamada “pena de morte” não cumpre qualquer função desta índole, mas simplesmente a função de suprimir um homem, definitiva e irreversivelmente.

[...]. Seu tratamento já não é atribuição do direito penal, restando examinar se é admissível para o resto da ordem jurídica.14

13 “Cabe indagar se nossa afirmação abarca também a pena de morte prevista no âmbito do direito penal militar. Entendemos que a chamada pena de morte não é pena em qualquer ramo do direito penal, mas que o direito penal militar em tempo de guerra merece uma consideração especial. A guerra é o fracasso do direito, é um fenômeno que escapou ao direito. Frente a esse fenômeno, a legislação de guerra não faz mais do que prever algumas consequências desta especial circunstância, dentre as quais cabe considerar a possibilidade de uma situação de inculpabilidade, isto é, de inexigibilidade de outra conduta especialmente regrada, e frente a qual se encontra o exército como instituição de emergência. É claro que por ‘guerra externa’ deve-se entender o tempo durante o qual há um estado de guerra internacional que surte todas suas consequências jurídicas, inclusive a aplicação das normas internacionais a respeito (tratamento concedido aos prisioneiros, submissão à proibição de certas armas etc.).” (ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 6. ed. São Paulo: RT, v. I, 2005. p. 672)

14 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 6. ed. São Paulo: RT, v. I, 2005. p. 671.

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Lembram os mesmos autores que, nos Estados Unidos, país com tra-dição no que tange à aplicação da pena de morte, em 1972, a Suprema Corte Americana, no caso Furman v. Georgia, declarou a pena de morte inconsti-tucional. Em voto do Ministro da Justiça Brennan, este afirma que a pena de morte constitui uma pena cruel incomum, indo além do poder de infligir do Estado, violando, assim, a 8º e a 14º emendas15.

Todavia, tal entendimento fora revisto em 1976, apesar de não desna-turar a importância do precedente de 197216.

A crítica à pena de morte no Estado Moderno, apresenta-se na obra iluminista de Cesare Beccaria (primeiro crítico a propor a abolição da pena de morte), a qual não vislumbra qualquer base jurídica para a pena de morte, sendo esta contraditória ao próprio contrato social, visto que o cidadão que cedeu a fração de sua liberdade para formação do Estado nunca foi com in-tuito de ceder, também, sua vida.

Quem poderia ter concedido a homens o direito de fazer degolar seus iguais? Tal direito não tem por certo a mesma origem que as que protegem.

15 Furman v. Georgia, 408 U.S. 238 (1972) – Decided June 29, 1972. “Mr. Justice Brennan, concurring. The question presented in these cases is whether death is today a punishment for crime that is ‘cruel and unusual’ and consequently, by virtue of the Eighth and Fourteenth Amendments, beyond the power of the State to inflict” (p. 258). [...] “There are, then, four principles by which we may determine whether a particular punishment is ‘cruel and unusual’. The primary principle, which I believe supplies the essential predicate for the application of the others, is that a punishment must not, by its severity, be degrading to human dignity. The paradigm violation of this principle would be the infliction of a torturous punishment of the type that the Clause has always prohibited. Yet ‘[i]t is unlikely that any State at this moment in history’, Robinson v. California, 370 U.S. at 370 U. S. 666, would pass a law providing for the infliction of such a punishment. Indeed, no such punishment has ever been before this Court. The same maybe said of the other principles. It is unlikely that this Court will confront a severe punishment that is obviously inflicted in wholly arbitrary fashion; no State would engage in a reign of blind terror. Nor is it likely that this Court will be called upon to review a severe punishment that is clearly and totally rejected throughout society; no legislature would be able evento authorize the infliction of such a punishment. Nor, finally, is it likely that this Court will have to consider a severe punishment that is patently unnecessary; no State today would inflict a severe punishment knowing that there was no reason whatever for doing so. In short, we are unlikely to have occasion to determine that a punishment is fatally offensive under any one principle” (Disponível em: <https://www.law.cornell.edu/supremecourt/text/408/238#writing-USSC_CR_0408_0238_ZC1>. Acesso em: 10 mar. 2017, p. 282).

16 Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 6. ed. São Paulo: RT, v. I, 2005. p. 671.

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[...]. Será o caso de supor que por sacrificar uma parte ínfima de sua liber-dade, cada indivíduo tenha desejado arriscar a própria vida, o bem mais precioso de todos?

[...] A pena de morte, pois, não se apoia em nenhum direito. É guerra que se declara a um cidadão pelo país, que considera necessária ou útil a elimi-nação desse cidadão. Se eu provar, contudo, que a morte nada tem de útil ou de necessário, ganharei a causa da humanidade.17

Além disso, assinala o pensador iluminista que a experiência secular aponta o fracasso da pena de morte em inibir a prática criminosa.

“A experiência de todos os séculos demonstra que a pena de morte jamais deteve celerados determinados a praticar o mal. [...]”18.

Bem ensina o Professor Magalhães Noronha, no seu clássico Curso de direito penal, que a eficácia do direito penal está na certeza da punição, o qual se dá com Judiciário aparelhado e leis justas. A pena de morte é o inverso da certeza do castigo19.

[...]. Aplique-se com exatidão nosso Código Penal, criem-se casas de custó-dia e tratamento, manicômios judiciários, colónias agrícolas, etc., e o país não terá de pensar em pena de morte.20

Finaliza-se esse tópico com as palavras de Nelson Hungria: “[...]. A jus-tiça penal não pode reconhecer a própria falência, aniquilando os delinquen-tes, contra o dever de solidariedade humana, ao invés de procurar reivindi-cá-los moralmente, na medida do possível, para o seu reajuste ao convívio social”21.

17 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 51-52.

18 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 52.

19 Cf. NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 36. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2001, p. 230.

20 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 36. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2001. p. 231.21 HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. 5. ed. Rio de

Janeiro: Forense, v. I, t. II, 1978. p. 472.

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3 da vEdação da PEna dE mortE E rEPErcussÕEs intrassistêmicas – aLguns Pontos dE dEbatEs

3.1 da “Lei do abate”

No ordenamento jurídico brasileiro, há previsão do abatimento de ae-ronave classificada como hostil, segundo o art. 303, § 2º, do Código Aeronáu-tico Brasileiro, alterado pela Lei nº 9.614/1998:

Art. 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fa-zendárias ou da Polícia Federal, nos seguintes casos:

I – se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal fim;

II – se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional;

III – para exame dos certificados e outros documentos indispensáveis;

IV – para verificação de sua carga no caso de restrição legal (art. 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do art. 21);

V – para averiguação de ilícito.

§ 1º A autoridade aeronáutica poderá empregar os meios que julgar neces-sários para compelir a aeronave a efetuar o pouso no aeródromo que lhe for indicado.

§ 2º Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classifi-cada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada.

[...]. (grifos nossos)

O referido dispositivo legal foi regulamentado, tão somente, em 2004 pelo Decreto nº 5.144, sem haver o debate e a publicidade devida quanto à situação fática envolvida.

A questão da destruição da aeronave tida como hostil ganha relevância na política de combate ao tráfico ilícito de entorpecentes22, em que o crime

22 “Em resumo, os programas que autorizam o abate de aeronaves civis apresentam como ponto de partida a concepção de guerra às drogas criada e difundida pelos EUA. Não obstante, justificavam-se para alguns países latino-americanos na necessidade

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organizado faz uso de pequenos aviões para transportar a droga, partindo de países fornecedores para o Brasil.

O próprio Decreto nº 5.144/2004 especifica quando a aeronave será considerada suspeita – tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins:

Art. 2º [...]

I – adentrar o território nacional, sem Plano de Voo aprovado, oriunda de regiões reconhecidamente fontes de produção ou distribuição de drogas ilícitas; ou

II – omitir aos órgãos de controle de tráfego aéreo informações necessárias à sua identificação, ou não cumprir determinações destes mesmos órgãos, se estiver cumprindo rota presumivelmente utilizada para distribuição de drogas ilícitas.

É clarividente que o art. 303, § 2º, do Código Aeronáutico Brasileiro não passa incólume ao processo de filtragem constitucional, visto a flagrante inconstitucionalidade do referido dispositivo por estar em desacordo com a vedação constitucional da pena de morte, salvo em hipótese de guerra decla-rada.

Afira que, com a destruição da aeronave, tem-se, em verdade, a apli-cação de pena de morte, determinada pelo Poder Executivo, sem um devi-do processo legal ou fixação de pena por um tribunal, em clara violação do princípio da proporcionalidade, legalidade,culpabilidade e tripartição dos poderes.

Há diversos trabalhos, sejam artigos ou monografias, que vislumbram a mácula da inconstitucionalidade da referida lei.

Nossa Constituição contempla a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e também determina que o país reger-se-á, em suas relações internacionais, pela prevalência dos direitos humanos entre outros princípios.

de combater o narcotráfico como um problema associado às guerrilhas em atuação na Região Amazônica. [...].” (FEITOSA, Gustavo Raposo Pereira; PINHEIRO, José Augusto de Oliveira. Lei do Abate, guerra às drogas e defesa nacional. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 55, n. 1, p. 66-92, 2002, p. 75. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292012000100005>. Acesso em: 5 ago. 2017)

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Da mesma forma, no Título II, ao prever os direitos e garantias fundamen-tais, entre outros contempla a inviolabilidade do direito à vida; a proibição de pena de morte, salvo em caso de guerra declarada; a inafastabilidade de lesão ou ameaça de direito da apreciação pelo Poder Judiciário; garantia de que ninguém será processado ou sentenciado senão pela autoridade com-petente; ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; e que a todos é assegurado o devido processo legal com o contraditório e a ampla defesa.

Por outro lado, a própria Constituição, em seu art. 60, § 4º, inciso IV, proí-be, até mesmo através de emenda constitucional, a abolição dos direitos e garantias individuais nela contemplados.

Assim sendo, é evidente que a Lei do Abate é totalmente inconstitucional, pois, como já analisado no decorrer deste trabalho, afronta todos os direitos e garantias enumerados.23

O Professor Luiz Flávio Gomes logo se manifestou refratário à cha-mada “Lei do Abate”: “A medida de destruição nos termos do Decreto nº 5.144/2004, em suma, implica ostensiva afronta ao texto constitucional e incompatibilidade com princípios do ordenamento jurídico brasileiro”24.

É certo que a presente contenda dá margem a grande debate doutriná-rio25, tendo em vista aqueles que defendem a medida de abate como válida.

Caso o piloto persista na hostilidade, ele estará abrindo mão do seu direito de defesa bem como será considerado invasor e, desta forma, poderá ser interceptado e, eventualmente, abatido. Não se trata, portanto, de pena de morte, como afirmam alguns, já que esta seria caracterizada por uma medi-

23 GONÇALVES, Maria Denise Abeijon Pereira. A Lei nº 9.614/98: considerações acerca do tiro de destruição de aeronaves consideradas hostis ao Estado. In: Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11373>. Acesso em: 7 mar. 2017.

24 GOMES, Luiz Flávio. Lei do Abate: inconstitucionalidade. Disponível em: <https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1990529/lei-do-abate-inconstitucionalidade>. Acesso em: 7 mar. 2017.

25 “A ausência de registros de derrubada de aviões civis pela FAB ou de mortes pacificou temporariamente a maior parte das críticas à Lei do Abate, principalmente no campo jurídico. [...].” (FEITOSA, Gustavo Raposo Pereira; PINHEIRO, José Augusto de Oliveira. Lei do Abate, guerra às drogas e defesa nacional. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 55, n. 1, p. 66-92, 2002, p. 87. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292012000100005>. Acesso em: 5 ago. 2017)

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da judicial, mas sim de uma ação militar que visa à dissuasão da presença clandestina de aeronaves no espaço aéreo pátrio.26

Ao avaliar a lei, percebeu-se que a fase de autorização do tiro de destruição é excepcional e cautelosa, passando por diversas outras fases anteriores de interceptação pacíficas, sendo realizada apenas quando necessária e última medida cabível para se deter a aeronave, visando resguardar assim, frisa-se novamente, a soberania e a segurança nacional.

Ainda, a medida de segurança ora adotada apresenta uma clara diferença quanto à pena de morte, vez que possuem naturezas e características dis-tintas, tendo em comum apenas a finalidade e justificativa de aceitação, a de proteção de soberania, podendo o tiro de destruição ser considerado nada mais que uma legítima defesa do Estado ante a uma ameaça.

Em síntese, a Lei do Abate parece atender as exigências para observância dos preceitos de direito, coerente aos ditames constitucionais e a realidade do entendimento do Estado brasileiro quanto à preservação de sua sobe-rania e segurança nacional, mesmo diante do caso em que o direito a vida aparentemente lhe é contraposto.27

3.2 da pena de extinção da pessoa jurídica na hipótese de crime ambiental

A Lei nº 9.605/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administra-tivas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, prevê a possibilidade de responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Neste bojo de penalização da pessoa jurídica, há previsão da liquida-ção dela quando identificado que sua constituição ocorreu de forma prepon-derante para permitir, facilitar ou ocultar prática de crimes de natureza am-biental.

Tal prescrição encontra-se no art. 24 da Lei de Crimes Ambientais:

26 COELHO JR., Fernando Gonçalves. A constitucionalidade da Lei do Abate ou do tiro de destruição. Disponível em: <http://www.sbda.org.br/revista/1834.pdf>. Acesso em: 7 mar. 2017, p. 25.

27 LOPES, Marcelo Leandro Pereira; LOPES, Sarah Maria Veloso Freire. A Lei 9.614/98 (Lei do Abate) e a inviolabilidade do direito à vida: análise da proposta de ADIn 1.00.000.000836/2005-71 SM-RS. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=231d831a778dc5cb>. Acesso em: 7 mar. 2017, p. 20.

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Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instru-mento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional. (grifos nossos)

Há doutrina que vislumbra a inconstitucionalidade de tal dispositivo, posto que configuraria a “pena de morte” para a pessoa jurídica.

Não vislumbramos inconstitucionalidade, visto que, em uma interpre-tação histórica, a vedação à pena de morte sempre se dirigiu a pessoa física por configurar uma pena que excluiria o próprio ser humano.

A pessoa jurídica é uma “ficção” que só se legitima quando atende ao princípio da função social da empresa, o qual é a manifestação do postulado da socialidade.

Quando se tem uma pessoa jurídica constituída com o fito de vilipen-diar o bem jurídico meio ambiente, tem-se a quebra da função social da em-presa, que autoriza sua desconstituição.

das considEraçÕEs Finais

A partir de uma perspectiva de um direito penal garantista, o qual pro-pugna pela limitação do jus puniendi estatal, bem como do mais profundo sentimento humanitário, não coadunamos com a licitude da pena de morte como sanção penal, nem mesmo em hipóteses de crime de guerra.

É fulcral perceber que a pena de morte não se constitui em uma sanção penal em verdade, posto que a sanção penal, além do caráter retributivo, só se justifica quando atende, também, ao caráter preventivo. A pena de morte é o processo de desumanização da pessoa, em que o caráter retributivo (a verdadeira essência da pena para alguns) deixa de ter razão de ser defronte ao extermínio do cidadão infrator.

O recurso à pena de morte é o atestado de fracasso do Estado de Direi-to e indicativo de um governo autoritarista, onde se faz uso do direito penal como solução a ondas de violência e de crimes, quedando-se a norma penal em um mero simbolismo.

De sorte que entendemos que o art. 303, § 2º, do Código Aeronáutico Brasileiro, alterado pela Lei nº 9.614/1998 (“Lei do Abate”), que prescreve a destruição de aeronave tida como hostil, cuja ordem será tomada pelo chefe

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do Poder Executivo Federal, apresenta-se conspurcado fatalmente pela in-validade decorrente de sua inconstitucionalidade natural por incompatibi-lidade com a norma constitucional de vedação da pena de morte, salvo em situação de guerra declarada.

O positivismo constitucional é claro: pena de morte no Brasil, apenas, em decorrência de guerra declarada, conforme os tipos penais militares pres-critos para o tempo de guerra.

Imaginar que o combate ao narcotráfico pode justificar o abatimento de aeronave em espaço aéreo brasileiro por ordem do chefe do Poder Executivo Federal não só infringe a vedação da pena de morte, como os postulados da tripartição dos poderes, do devido processo legal, do princípio da não culpa-bilidade, da proporcionalidade, da legalidade, vindo a constituir-se em um verdadeiro rasgo do sistema garantista brasileiro.

Por fim, no que tange à sanção de liquidação da pessoa jurídica em face de infração ambiental, entende-se que o dispositivo do art. 24 da Lei nº 9.605/1998 não macula o regramento da vedação da pena de morte, ten-do em vista que o desiderato do regramento constitucional, historicamente, sempre fora dirigido à figura do ser humano, e, no direito contemporâneo, a razão de ser de uma pessoa jurídica dar-se em obediência ao princípio da função social da empresa.

rEFErências

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Jurisprudênciacível

STJSuperior Tribunal de JuSTiça

Recurso Especial nº 1.678.525 – SP (2013/0030816-2)Relator: Ministro Antonio Carlos FerreiraRecorrente: Banco Santander Brasil S/AAdvogado: Carlos Augusto Tortoro Júnior e outro(s) – SP247319Recorrido: Sonia Ramyra Barros MendesAdvogados: Reginaldo L. Estephanelli e outro(s) – SP025677

Guilherme A. Estehanelli – SP288250

EMENTA

dirEito ProcEssuaL civiL – ação dE PrEstação dE contas – intErEssE

ProcEssuaL – aLiEnação Fiduciária – busca E aPrEEnsão – LEiLão EXtraJudiciaL

– vEícuLo automotor – administração dE intErEssE dE tErcEiro – cabimEnto

1. A violação do art. 844 do CPC/1973 não foi debatida no Tribunal de origem, o que implica ausência de prequestio-namento. Incidência da Súmula nº 282/STF.

2. No caso de alienação extrajudicial de veículo automo-tor regida pelo art. 2º do Decreto-Lei nº 911/1969 – redação anterior à Lei nº 13.043/2014 –, tem o devedor interesse proces-

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sual na ação de prestação de contas, quanto aos valores decorrentes da venda e à correta imputação no débito (saldo remanescente).

3. A administração de interesse de terceiro decorre do coman-do normativo que exige destinação específica do quantum e a entrega de eventual saldo ao devedor.

4. Após a entrada em vigor da Lei nº 13.043/2014, que alterou o art. 2º do Decreto-Lei nº 911/1969, a obrigação de prestar contas ficou expressamente consignada.

5. Recurso especial conhecido em parte e não provido.

ACÓRDÃO

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso es-pecial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Buzzi, Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região) e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

Brasília/DF, 05 de outubro de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Antonio Carlos Ferreira Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto pelo Banco Santander S.A., com fundamento no art. 105, III, alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão do TJSP, assim ementado (e-STJ fl. 177):

APELAÇÃO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – DL 911/1969 – INADIM-PLEMENTO – BUSCA E APREENSÃO DE VEÍCULO – PRESTAÇÃO DE CONTAS – ADMISSIBILIDADE – DESTINAÇÃO DO VEÍCULO – VENDA DO BEM – EVENTUAL SALDO POSITIVO – POSSIBILIDADE – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE NORMAS – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA.

O recorrente alega contrariedade ao art. 267, VI, do CPC/1973, adu-zindo, em síntese, ser incabível ação de prestação de contas relativa aos va-

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lores auferidos com o leilão extrajudicial do veículo apreendido em busca e apreensão.

Afirma ser a prestação de contas “o caminho jurídico válido para solu-cionar conflitos sobre divergência entre mandante e mandatário, ou ainda em relação a qualquer pessoa que administre bens ou recursos de terceiro” (e-STJ fl. 195), circunstâncias não presentes na espécie.

Além disso, no seu entendimento, “a pretensão da recorrida não merece acolhida, [...] visto que visa à prestação de contas proveniente da apreensão de veículo em ação de busca e apreensão, para verificar se há even-tual saldo em seu favor” (e-STJ fl. 196).

Sustenta também afronta ao art. 844 do CPC/1973, sob o argumento de que a recorrente não teria demonstrado fato relevante, que justificasse o pedido de prestação de contas.

Foram apresentadas contrarrazões (e-STJ fls. 203/212).

É o relatório.

EMENTA

dirEito ProcEssuaL civiL – ação dE PrEstação dE contas – intErEssE

ProcEssuaL – aLiEnação Fiduciária – busca E aPrEEnsão – LEiLão EXtraJudiciaL – vEícuLo automotor – administração dE

intErEssE dE tErcEiro – cabimEnto

1. A violação do art. 844 do CPC/1973 não foi debatida no Tribunal de origem, o que implica ausência de prequestionamento. Incidência da Súmula nº 282/STF.

2. No caso de alienação extrajudicial de veículo automotor regida pelo art. 2º do Decreto-Lei nº 911/1969 – redação anterior à Lei nº 13.043/2014 –, tem o devedor interesse processual na ação de prestação de contas, quanto aos valores decorrentes da venda e à correta imputação no débito (saldo remanescente).

3. A administração de interesse de terceiro decorre do coman-do normativo que exige destinação específica do quantum e a entrega de eventual saldo ao devedor.

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4. Após a entrada em vigor da Lei nº 13.043/2014, que alterou o art. 2º do Decreto-Lei nº 911/1969, a obrigação de prestar contas ficou expressamente consignada.

5. Recurso especial conhecido em parte e não provido.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira: Trata-se, na origem, de ação de prestação de contas ajuizada pela recorrida – Sônia Ramyra Barros Mendes –, objetivando conhecer o resultado da alienação extrajudicial do veículo automotor, apreendido na forma do Decreto-Lei nº 911/1969, e rece-ber eventual saldo em seu favor.

Na inicial, proposta em 23 de março de 2010, a autora ponderou ter a busca e apreensão do bem ocorrido em 26 de janeiro de 2009, sem que tivesse, desde então, notícia sobre a alienação do veículo. Postulou a procedência do pedido de prestação de contas, para apurar os valores auferidos e verificar sua correta aplicação.

Ainda segundo a autora, o objeto do contrato de alienação fiduciária, firmado em 2007, foi um veículo usado Fiat Uno Mille, ano 1994. As presta-ções foram pagas até a décima oitava, do total de trinta e seis, quando execu-tada a liminar de busca e apreensão.

Na sentença, o juiz julgou procedente o pedido e determinou a pres-tação de contas, no prazo de 48 horas após o trânsito em julgado. Ponderou que apesar de contestada a demanda, a instituição financeira não comprovou a existência de leilão e tampouco apresentou demonstrativo de valores.

O Tribunal de origem manteve a sentença concluindo, em resumo, que a relação jurídica entre as partes possibilita a prestação de contas, apontan-do inclusive precedente desta Corte Superior, REsp 67.295/RO, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, 3ª T., DJ 07.10.1996.

No recurso especial, a controvérsia gira em torno do cabimento da ação de prestação de contas relacionada à venda extrajudicial de veículo automotor, apreendido judicialmente à luz do art. 2º do Decreto-Lei nº 911/1969, na re-dação anterior à Lei nº 13.043/2014, objeto de contrato de alienação fiduciária.

vioLação do art. 844 do cPc/1973

Preliminarmente, quanto à violação do art. 844 do CPC/1973, o recurso não pode ser conhecido. Isso porque o Tribunal de origem não se manifes-

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tou sobre a tese proposta no especial, carecendo do necessário prequestiona-mento.

A redação do dispositivo é a seguinte:

Art. 844. Tem lugar, como procedimento preparatório, a exibição judicial:

I – de coisa móvel em poder de outrem e que o requerente repute sua ou tenha interesse em conhecer;

II – de documento próprio ou comum, em poder de co-interessado, sócio, condômino, credor ou devedor; ou em poder de terceiro que o tenha em sua guarda, como inventariante, testamenteiro, depositário ou administra-dor de bens alheios;

III – da escrituração comercial por inteiro, balanços e documentos de arqui-vo, nos casos expressos em lei.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, em nenhum momento, tratou de exibição judicial ou de seus requisitos, razão pela qual, no ponto, o recur-so esbarra na Súmula nº 282/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.”

intErEssE ProcEssuaL na ação dE PrEstação dE contas

Quanto à violação do art. 267, VI, do CPC/1973, o recurso especial não prospera.

De início, importa diferenciar o caso tratado nos autos de outras duas situações em que a ação de prestação de contas foi objeto de exame nesta Corte Superior, em sede de recurso repetitivo.

distinção Em rELação aos rEPEtitivos rEsPs 1.293.558/Pr E 1.497.831/Pr

Há diferenças substanciais entre o presente caso e os acórdãos proferi-dos nos REsps 1.293.558/PR e nº 1.497.831/PR, julgados sob o rito dos recur-sos repetitivos.

As ementas de tais precedentes são as seguintes:

PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CON-TROVÉRSIA – ART. 543-C DO CPC – AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CON-TAS – CONTRATOS DE MÚTUO E FINANCIAMENTO – INTERESSE DE AGIR – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA

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1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese: “Nos contra-tos de mútuo e financiamento, o devedor não possui interesse de agir para a ação de prestação de contas.” 2. No caso concreto, recurso especial não provido.

(REsp 1.293.558/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª S., Julgado em 11.03.2015, DJe 25.03.2015)

PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL REPETITIVO – AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS – SEGUNDA FASE – CONTRATO DE ABER-TURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE – JUROS REMUNERATÓ-RIOS E CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS – IMPOSSIBILIDADE DE REVI-SÃO DOS ENCARGOS CONTRATUAIS, QUE DEVEM SER MANTIDOS NOS TERMOS EM QUE PRATICADOS NO CONTRATO BANCÁRIO SEM PREJUÍZO DA POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO RE-VISIONAL

1. Tese para os efeitos do art. 543-C do Código de Processo Civil de 1973: – Impossibilidade de revisão de cláusulas contratuais em ação de prestação de contas.

[...]

(REsp 1.497.831/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Relª p/ Ac. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª S., Julgado em 14.09.2016, DJe 07.11.2016)

No primeiro julgado, a controvérsia refere-se à possibilidade de ajui-zamento da ação de prestação de contas no contrato de mútuo “em relação aos encargos e critérios aplicados no cálculo das prestações de seu contrato” (trecho do relatório do voto condutor).

O debate envolvia a própria essência do contrato de mútuo. Concluiu--se que a prestação de contas seria inviável, por inexistir gestão de bens alheios.

Não é o mesmo caso. No presente, discute-se a possibilidade de pres-tação de contas em ponto específico. Não se relaciona com as cláusulas do contrato (juros, encargos, etc.), mas com o produto da alienação do bem. O foco direto, neste caso, é o ato processual – eventual existência de saldo cre-dor consequente da alienação extrajudicial.

O segundo julgado repetitivo trata da impossibilidade de ajuizar ação de prestação de contas com “a pretensão de alterar ou revisar cláusula con-tratual” (excerto do voto condutor – e-STJ fl. 8). Concluiu-se, não ser viável a

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ação porque as limitações do rito especial acabariam por afetar o contraditó-rio e a ampla defesa.

No presente caso, não há nenhum conflito sobre interpretação ou apli-cação de cláusulas contratuais.

O contrato enquanto expressão da autonomia privada não é a causa de pedir da presente ação de prestação de contas, mas sim o ato processual de alienação extrajudicial – o leilão do bem, o respectivo valor arrecadado e a eventual existência legal de saldo remanescente.

Não há, portanto, pedido de revisão de cláusulas ou de interpretação do contrato de mútuo.

Cumpre mencionar, por fim, que, no julgamento por esta Quarta Tur-ma do REsp 1.244.361/PR, DJe 30.10.2012, a Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, considerando incabível a prestação de contas objetivando revisão contratual, ressalvou expressamente a distinção dos casos, sendo oportuno transcrever o seguinte excerto do voto:

Na hipótese de contrato de financiamento, ao contrário, não há a entrega de recursos do correntista ao banco (depósitos), para que ele administre os recursos e efetue pagamentos, mediante débitos em conta-corrente. O banco entrega os recursos ao tomador do empréstimo, no valor estipulado no contrato, perdendo a sua disponibilidade, cabendo ao financiado resti-tuir o valor emprestado, com os encargos e na forma pactuados. Não há, portanto, interesse de agir para pedir a prestação de contas, de forma mer-cantil (CPC, art. 917), de receitas e débitos sucessivos lançados ao longo da relação contratual.

[...]

A pretensão deduzida na inicial, voltada a aferir a legalidade dos encar-gos cobrados (comissão de permanência, juros, multa, tarifas), deveria ter sido veiculada, portanto, por meio de ação ordinária revisional, cumulada com repetição de eventual indébito, no curso da qual pode ser requerida a exibição de documentos, caso esta não tenha sido postulada em medida cautelar preparatória.

Registro que não se cogita, no caso presente, de busca e apreensão e leilão judicial de bem objeto de alienação fiduciária, hipótese na qual, em tese, caberia a prestação de contas dos valores obtidos com a alienação, pois haveria administração de crédi-tos do consumidor. (Grifei.)

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PossibiLidadE da PrEstação dE contas

A ação de prestação de contas constitui instrumento para conferir a correta administração de bens, valores ou interesses de terceiros. Possui pro-cedimento singular, dividido em duas fases distintas, primeiramente averi-guando-se o dever de prestar as contas, para depois se realizar o acerto dos valores.

Em relação à venda extrajudicial do bem, nos contratos de alienação fiduciária, existe precedente específico desta Corte, que concluiu pelo seu ca-bimento, conforme se observa na seguinte ementa:

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – Efetuada a venda do bem pelo credor, tem o devedor o direito a prestação de contas. (REsp 67.295/RO, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, 3ª T., Julgado em 26.08.1996, DJ 07.10.1996)

Extrai-se do voto correspondente o seguinte: “O produto da venda, descontadas despesas, haverá de ser aplicado no pagamento do crédito, ca-bendo ao devedor o que eventualmente sobejar. Patente o seu direito de co-nhecer o valor das respectivas parcelas e, para isso, o caminho adequado é a prestação de contas.”

O interesse do devedor fiduciário é evidente nos casos de alienação extrajudicial. Se, por um lado, garante-se ao credor uma forma executiva ex-tremamente célere e sem interferência direta do Estado, por outro, tem o de-vedor, no mínimo, o direito de saber da solução realizada pelo credor, a qual necessariamente afeta seu patrimônio. O caso em exame exemplifica muito bem esse interesse.

A autora menciona que adquiriu, em 2007, um veículo Fiat Uno Mille usado, ano 1994. Pagou 18 (dezoito) prestações das 36 (trinta e seis) pactua-das, quando o automóvel foi objeto de busca e apreensão e, passado mais de 1 (um) ano, não obteve informação nenhuma sobre o destino dos valores ar-recadados com sua alienação. Postulou o conhecimento do valor da alienação e a forma como se realizou a imputação do crédito.

Em outras palavras, busca saber o quantum da arrecadação e a forma de aplicação dos valores, sabendo-se que a lei impõe ao credor “aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver” (art. 2º do Decreto-Lei nº 911/1969).

No momento da alienação extrajudicial, precisamente com o produto da venda, surge a administração de interesse do devedor. Ao credor cumpre

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zelar pela correta destinação da quantia, nos moldes estabelecidos pela nor-ma. Essa incumbência também está ligada ao patrimônio do devedor, o qual ficará vinculado pela dívida remanescente ou terá saldo a receber.

Portanto, a administração de interesse de terceiro decorre do comando normativo que exige destinação específica do quantum e a entrega de even-tual saldo ao devedor fiduciário.

Caracterizada a administração de interesse de terceiro, é viável o ajui-zamento da ação de prestação de contas, especificamente quanto à alienação extrajudicial do bem apreendido.

A interpretação da Súmula nº 384/STJ reforça esse entendimento. Sua redação é a seguinte:

Cabe ação monitória para haver saldo remanescente oriundo de venda ex-trajudicial de bem alienado fiduciariamente em garantia.

O verbete trata da impossibilidade, também em alienação fiduciária, de a instituição financeira executar de pronto o eventual saldo remanescente da venda extrajudicial, pois não há título executivo hábil. Terá então que de-monstrar, ainda que por ação monitória, eventual saldo devedor. Portanto, a cobrança do remanescente dependerá da demonstração efetiva dos créditos e débitos relativos à venda do bem, concluindo-se surgir daí a obrigação de o credor apresentar contas.

A respeito da súmula referida, oportuno citar o seguinte trecho do acórdão proferido no REsp 2.432, Rel. Min. Athos Carneiro (4ª T., Julgado em 13.11.1990, DJ 17.12.1990):

Ora, admitida tal possibilidade legal, de o credor vender o bem pelo preço que melhor lhe aprouver, sem que o devedor possa pretender sequer uma prévia avaliação judicial ou extrajudicial, parece-nos necessário, embora tão respeitáveis opiniões em contrário, igualmente admitir a contrapartida: o saldo remanescente em favor do credor perde sua liquidez, restando o contrato, ou o título cambiário a ele vinculado, descaracterizado como títu-lo executivo. Necessário é ponderar que, salvante exceções expressamente previstas em lei (como os créditos fiscais), o título executivo provém da prévia e expressa anuência do devedor quanto ao an e ao quantum debeatur. Vale ressaltar que o próprio Decreto-Lei nº 911 dispõe que se o preço da venda não for suficiente ao pagamento do crédito e despesas, “O devedor continuará pessoalmente obrigado a pagar o saldo devedor apurado”, mas não refere que tal saldo possa ser cobrado pela via executiva.

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Inegável, portanto, a existência de um vínculo entre o credor e o de-vedor, decorrente da correta imputação do saldo da venda extrajudicial do bem, o que autoriza a propositura da ação de prestação de contas.

A doutrina também entende nesse sentido, sendo oportuno citar, de início, Orlando Gomes, no ponto em que se refere à possibilidade de fiscali-zação dos atos de alienação extrajudicial pelo devedor:

É irrecusável ao devedor esse direito de fiscalização, pois, do contrário poderia o credor de má-fé ou por desinteresse, vender a coisa por preço vil, seja para ficar, na realidade com a sua propriedade plena e definitiva, violando, no fundo, a proibição do pacto comissório, seja para continuar credor e receber mais do que lhe era efetivamente devido. Além disso, ao aplicar o produto da venda na satisfação do crédito, inclui o credor as des-pesas a que deu lugar, nada mais justo sendo que o devedor possa verificar sua exatidão. (Alienação fiduciária em garantia. São Paulo: Editora RT, 1970, p. 110.)

A lição de Hélio do Valle Pereira retrata a possível efetividade da ação para o próprio credor fiduciário. Aponta que seria vantajoso ajuizar ação de prestação de contas (na modalidade de dar contas) para constituir o título executivo em relação ao saldo remanescente, o que, em sentido contrário, confirma a possibilidade dessa ação por parte do devedor:

A prestação de contas será particularmente importante nas relações entre fiduciante e fiduciário, tanto mais em respeito à apuração de saldo devedor subsequente à venda do bem objeto da garantia fiduciária.

O pedido pode ser formulado indistintamente por fiduciante ou fiduciá-rio, pois assiste legitimidade ativa àquele que tem o dever de prestar con-tas (credor), assim como àquele que tem o direito de exigi-las (devedor) (art. 914 do CPC).

[...] Essa demanda terá uma vantagem adicional para o credor. É que ven-dido extrajudicialmente o bem, não se tem reconhecido liquidez suficiente para autorizar a imediata execução de saldo devedor. Seria necessário, pelo caminho cognitivo, obter sentença condenatória e, só então, migrar para a execucional. No entanto, pode o fiduciário adiantar-se, prestando contas e, reconhecido saldo em seu favor, prosseguir por meio de execução por título judicial (quanto à decisão que reconhecer o quantum em seu favor constituído). (A nova Alienação fiduciária em garantia. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 181/182).

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Portanto, há interesse de agir (utilidade e adequação) para o devedor fiduciário ajuizar ação de prestação de contas, especificamente quanto aos valores decorrentes do leilão extrajudicial do bem e a sua imputação no débi-to, ocorrida no curso da ação de busca e apreensão.

A título de esclarecimento, importa mencionar, que não há possibilida-de de alcançar essa prestação de contas no próprio âmbito da ação de busca e apreensão. Com efeito, além do objeto da ação ser restrito ao aspecto posses-sório, visando à consolidação da posse plena, porque não há título executivo a amparar eventual cumprimento de sentença a respeito do saldo remanes-cente.

Aliás, esse aspecto foi bastante discutido nesta Corte Superior, culmi-nando com a edição da Súmula nº 384/STJ, acima transcrita, que esclareceu inexistir liquidez e certeza quanto ao saldo remanescente da alienação fidu-ciária.

Sobre esse assunto, foram precisas as considerações do eminente Mi-nistro Luis Felipe Salomão, no REsp 265.256/SP, julgado em 05.02.2009, DJe 26.02.2009, conforme se verifica abaixo:

A aplicação do art. 5º do DL 911/1969, por outro lado, não tem o alcance pretendido pelo recorrente. Isso porque não se está a dizer que após a venda extrajudicial poderá preferir o credor a via executiva para o recebimento do saldo devedor remanescente.

Ao reverso, e por óbvio, tal dispositivo apenas concede ao credor a faculda-de de optar pela via executiva ou pela busca e apreensão. Porém, optando o credor por essa última diretriz – busca e apreensão e posterior venda extrajudicial –, ser-lhe-á vedada a via executiva, por inexistência de título que a aparelhe.

Por tais fundamentos, não se há reconhecer certeza e liquidez ao saldo remanescen-te apurado com a venda extrajudicial do bem, porquanto feita ao largo do crivo do Poder Judiciário e sem o consentimento do consumidor, que é, sem dúvida, a parte mais frágil da relação jurídica em exame.

Portanto inexiste certeza e liquidez quanto ao saldo remanescente apu-rado em sede de leilão extrajudicial, o que por óbvio remete as partes às vias ordinárias, ou à monitória.

Isso porque o art. 2º do Decreto Lei nº 911/1969 estabelece o dever, posteriormente à venda, do credor aplicar o preço no pagamento dos seus

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créditos e das despesas decorrente dessa modalidade de alienação. Tais va-lores deverão ser comprovados e poderão ser objeto de impugnação pelo de-vedor, ampliando-se a cognição sobre o assunto. Ressalte-se que o parágrafo primeiro do mencionado dispositivo estabelece vários encargos que poderão fazer parte do crédito e influenciar no saldo:

§ 1º O crédito a que se refere o presente artigo abrange o principal, juros e comissões, além das taxas, cláusula penal e correção monetária, quando expressamente convencionados pelas partes.

A comprovação de todos os elementos que compõe o saldo devedor remanescente deverá ser realizada pelo credor, inviabilizando essa apuração no mesmo procedimento da busca e apreensão. Sobre a inexistência de certe-za e liquidez quanto à obrigação remanescente, além do anterior, o seguinte julgado:

CIVIL E PROCESSUAL – EXECUÇÃO SEM LIQUIDEZ – REGISTRO EM BANCO DE DADOS POR ÓRGÃO MANTENEDOR – PLEITO DE INDE-NIZAÇÃO POR DANO MORAL CONTRA A PRETENSA EXEQUENTE – IMPROCEDÊNCIA – DISCUSSÃO À ÉPOCA NO JUDICIÁRIO QUANTO À POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO AUTOMÁTICA DO SALDO REMA-NESCENTE DA VENDA EXTRAJUDICIAL EM CONTRATO DE ALIE-NAÇÃO FIDUCIÁRIA

1. “A execução tramita por conta e risco do exequente, prevendo os arts. 475-O, I, e 574 do Código de Processo Civil sua responsabilidade objetiva por eventuais danos indevidos ocasionados ao executado” (REsp 1313053/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 04.12.2012, DJe 15.03.2013).

2. Nos termos do art. 574 do CPC, “o credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexisten-te, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução”.

3. Cotejando os precedentes do STJ, verifica-se que não é a mera extinção do processo de execução que rende ensejo, por si só, a eventual responsa-bilização do exequente; ao revés, só haverá falar em responsabilidade do credor quando a execução for tida por ilegal, temerária, tendo o executado sido vítima de perseguição sem fundamento. Se não fosse assim, toda exe-cução não acolhida – qualquer que fosse o motivo – permitiria uma ação indenizatória em reverso.

4. Na hipótese, a recorrente ajuizou ação de indenização buscando respon-sabilização por danos morais, haja vista que anterior execução ajuizada pela recorrida – no valor de R$ 3.749,24 (três mil, setecentos e quarenta e

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nove reais e vinte e quatro centavos) – veio a ser extinta em razão da falta de liquidez do título executivo e, segundo alega, teria acarretado a sua ne-gativação nos órgãos de proteção ao crédito.

5. Ocorre que, apesar do reconhecimento da iliquidez do título, a verdade é que à época havia possibilidade de execução automática do saldo rema-nescente neste tipo de contenda – a questão era conflituosa no Judiciário quando da propositura da ação, em 2002 –, inclusive sendo objeto de em-bate no STJ.

6. De fato, o contrato de alienação fiduciária em garantia ostenta eficácia executiva. Porém, com a venda extrajudicial do bem, é-lhe retirada a liquidez e certeza indis-pensáveis a todo e qualquer título executivo.

7. Portanto, o cabimento da execução era um tanto duvidoso, mas não há sinais de má-fé, nem sequer tal ponto foi aventado pelas instâncias ordi-nárias. Por outro lado, também não se pode concluir que a execução em comento é ilegal ou temerária e, por conseguinte, não há falar em respon-sabilidade da exequente.

8. Outrossim, o acórdão recorrido asseverou que, no caso vertente, a recor-rente não se desincumbiu de demonstrar “que a inclusão de seu nome foi determinada pela Norvape e não pelo próprio Serasa, que da publicidade às execuções existentes”. Entender de forma diversa demandaria o reexa-me fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula nº 7 do STJ.

9. Recurso especial não provido.

(REsp 1229528/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 02.02.2016, DJe 08.03.2016)

aLtEração no art. 2º do dEcrEto-LEi nº 911/1969

Destaco que a Lei nº 13.043/2014 alterou a parte final do art. 2º do De-creto-Lei nº 911/1969, determinando que o resultado da alienação extraju-dicial fosse demonstrado ao devedor, com a respectiva prestação de contas:

Art. 2º No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou cre-dor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudi-cial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas de-

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correntes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014 – grifei.)

Portanto, a partir da nova redação do art. 2º do Decreto-Lei nº 911/1969, não há mais dúvida quanto ao cabimento da ação de prestação de contas em hipóteses como a destes autos.

Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e nego-lhe provi-mento.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUARTA TURMA

Número Registro: 2013/0030816-2

Processo Eletrônico REsp 1.678.525 / SP

Números Origem: 00096250920108260196 1960120100096253 2013003008162 201300308260196 96250920108260196

Pauta: 05.10.2017 Julgado: 05.10.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Maria Soares Camelo Cordioli

Secretária: Dra. Teresa Helena da Rocha Basevi

AUTUAÇÃO

Recorrente: Banco Santander Brasil S/A

Advogado: Carlos Augusto Tortoro Júnior e outro(s) – SP247319

Recorrido: Sonia Ramyra Barros Mendes

Advogados: Reginaldo L. Estephanelli e outro(s) – SP025677 Guilherme A, Estehanelli – SP288250

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Alienação fiduciária

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CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Marco Buzzi, Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região) e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Mi-nistro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

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STJSuperior Tribunal de JuSTiça

Sentença Estrangeira Contestada nº 15.639 – EX (2016/0109324-1)Relator: Ministro Og FernandesRequerente: A. A. da C.Advogada: Larissa Fonseca dos Santos e Silva – DF022766Requerido: S. M.Advogado: Defensoria Pública da União – Curador Especial

EMENTA

dirEito intErnacionaL Privado – ProcEssuaL civiL – sEntEnça EstrangEira contEstada – PartiLha dE bEns dEcrEtada PELa Justiça dos Estados unidos da américa – arts. 15 E 17 da LEi dE introdução Às normas do dirEito brasiLEiro – arts. 216-c, 216-d

E 216-F do ristJ – PEdido dE homoLogação dE sEntEnça EstrangEira dEFErido ParciaLmEntE

1. A homologação de sentenças estrangeiras pelo Poder Judi-ciário possui previsão na Constituição Federal de 1988 e, desde 2004, está outorgada ao Superior Tribunal de Justiça, que a realize com atenção aos ditames do art. 15 do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (LINDB) e do art. 216-A e seguintes do RISTJ.

2. Nos termos dos arts. 15 e 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e dos arts 216-C, 216-D e 216-F do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, que, atualmente, discipli-nam o procedimento de homologação de sentença estrangeira, cons-tituem requisitos indispensáveis ao deferimento da homologação, os seguintes: (i) instrução da petição inicial com o original ou cópia autenticada da decisão homologanda e de outros documentos in-dispensáveis, devidamente traduzidos por tradutor oficial ou jura-mentado no Brasil e chancelados pela autoridade consular brasilei-

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ra; (ii) haver sido a sentença proferida por autoridade competente; (iii) terem as partes sido regularmente citadas ou haver-se legalmen-te verificado a revelia; (iv) ter a sentença transitado em julgado; e (v) não ofender “a soberania, a dignidade da pessoa humana e/ou ordem pública”.

3. No caso, a partilha de bens imóveis situados no Brasil, em decorrência de divórcio ou separação judicial, é competência exclu-siva da Justiça brasileira, nos termos do art. 23, III, do Código de Processo Civil. Nada obstante, a jurisprudência pátria admite que a Justiça estrangeira ratifique acordos firmados pelas partes, inde-pendente do imóvel localizar-se em território brasileiro. Contudo, tal entendimento não pode se aplicar à situação em exame, em que não houve acordo, inclusive porque o réu, devidamente citado, não compareceu ao processo estrangeiro.

4. Assim, a partilha decretada no estrangeiro é válida tão so-mente em relação ao imóvel adquirido no Brasil em data anterior ao casamento, não havendo como homologar a partilha do imóvel cuja aquisição se deu já na constância do casamento e nem, tampouco, cabe discutir a partilha dos bens situados no estrangeiro.

5. Pedido de homologação de sentença estrangeira deferido parcialmente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima in-dicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, deferiu parcialmente o pedido de homologação de sentença, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Marco Buzzi, Nancy Andrighi, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Felix Fischer, Francisco Falcão, João Otávio de Noronha, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Luis Felipe Salomão.

Convocados os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Marco Buzzi.

Brasília, 04 de outubro de 2017 (data do Julgamento).

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Ministra Laurita Vaz Presidente

Ministro Og Fernandes Relator

CERTIDÃO DE JULGAMENTO CORTE ESPECIAL

Número Registro: 2016/0109324-1 Processo Eletrônico SEC 15.639/US

Número Origem: 201400734843

Pauta: 16.08.2017 Julgado: 16.08.2017

Segredo de Justiça

Relator: Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. José Bonifácio Borges de Andrada

Secretária: Belª Vânia Maria Soares Rocha

AUTUAÇÃO

Requerente: A. A. da C.

Advogada: Larissa Fonseca dos Santos e Silva – DF022766

Requerido: S. M.

Advogado: Defensoria Pública da União – Curador Especial

Assunto: Direito civil – Família – Casamento – Dissolução

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Corte Especial, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Adiado o julgamento.

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RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de pedido de homologa-ção de sentença estrangeira que A. A. da C. interpõe em face de S. M., com a finalidade de homologar a partilha de bens efetivada pela Justiça dos Estados Unidos da América.

Alega a requerente ter contraído matrimônio com o demandado, em Roma, Itália, no dia 09.07.1999, tendo se divorciado em 10.07.2011, por sen-tença proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Connecticut, Estados Unidos da América, transitada em julgado em 06.07.2011.

Esclarece que, em 02.04.2014, ingressou com pedido de homologação de sentença estrangeira, no tocante ao divórcio, na qual foi proferida decisão homologatória, transitada em julgado, com a expedição da respectiva carta de sentença.

Aduz que, no entanto, a sentença que decretou o divórcio – e já de-vidamente homologada – não deliberou sobre a partilha dos bens do casal. Acrescenta que, somente em 19.10.2015, o Tribunal de Justiça do Estado de Connecticut, Estados Unidos da América proferiu ordem judicial, no que se refere à partilha de bens.

Requer, dessa forma, “seja homologada a sentença estrangeira de divór-cio bem como a decisão estrangeira de partilha, em complemento ao divór-cio, a fim de que ambas produzam todos os efeitos de direito no Brasil”.

Junta instrumento procuratório, cópia da sentença estrangeira, da sua tradução e chancela consular, bem como comprovante de recolhimento das custas judiciais e cópia da decisão proferida na SE 11667 (e-STJ, fls. 5-48).

Com vista dos autos, o Ministério Público Federal opinou pela comple-mentação da instrução do feito (e-STJ, fls. 122-123).

A parte autora junta petição e documentos (e-STJ, fls. 126-133).

Com nova vista dos autos, o Ministério Público Federal opinou pelo indeferimento do pedido (e-STJ, fl. 138).

Determinada a citação por edital do requerido (e-STJ, fl. 140), foi essa providência efetivada (e-STJ, fls. 143-144), havendo transcorrido o prazo de resposta (e-STJ, fl. 146).

A Presidência deste STJ determinou a notificação da Defensoria Públi-ca da União para oficiar no feito (e-STJ, fl. 148).

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A DPU requer seja deferida, em parte, a homologação do pedido (e-STJ, fl. 153).

Com nova vista dos autos, o Ministério Público Federal opinou pela determinação à autora de juntada de novos documentos (e-STJ, fl. 158), o que foi deferido pela Presidência do STJ (e-STJ, fl. 160).

A parte autora junta petição e documentos (e-STJ, fls. 167-174).

Com vista dos autos, o Ministério Público Federal pugna pela parcial homologação do pedido, “tão somente para admitir a partilha do imóvel, sito no Brasil, adquirido pela requerente em data anterior ao casamento (matrícu-la nº 23083)” (e-STJ, fls. 179-180).

A Presidência deste STJ, diante da contestação ofertada pela DPU, de-terminou a redistribuição do feito (e-STJ, fl. 182).

Distribuída a demanda a esta Relatoria (e-STJ, fl. 185), determinei que fosse intimada a parte requerida para oferecimento de tréplica (e-STJ, fl. 187).

O prazo para tréplica decorreu sem manifestação (e-STJ, fl. 193), tendo a DPU acostado posteriormente petição (e-STJ, fl. 198).

O Ministério Público Federal ofereceu parecer final, ratificando a ma-nifestação anterior (e-STJ, fls. 179-180), no sentido da parcial homologação da sentença estrangeira (e-STJ, fls. 199-200).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Como é sabido, a ho-mologação de títulos judiciais proferidos no estrangeiro está prevista no art. 15 do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro):

Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos:

a) haver sido proferida por juiz competente;

b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;

c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;

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d) estar traduzida por intérprete autorizado;

e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

Em razão da Emenda Constitucional nº 45/2004, houve a alteração da competência do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Jus-tiça e foi aprovada a Resolução nº 9/2005. O referido ato normativo detalha os requisitos da alínea c do art. 15 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, conforme o art. 5º:

Art. 5º Constituem requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira:

I – haver sido proferida por autoridade competente;

II – terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;

III – ter transitado em julgado; e

IV – estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil.

Os requisitos legais se encontram plenamente atendidos neste caso (e-STJ, fls. 6-48, fls. 128-133 e fls. 169-174), quanto à prova da citação do reque-rido e consequente revelia verificada no processo estrangeiro, ao trânsito em julgado e estar a decisão devidamente autenticada por autoridade consular brasileira e com tradução oficial e/ou juramentada.

Tais aspectos nem sequer são postos em dúvida na peça contestatória, pelo requerido, em cujo bojo a própria Defensoria Pública da União, na con-dição de curadora do réu revel, assim consignou (e-STJ, fl. 153):

O defensor público curador especial de Silvano Marconi nada tem a opor à homologação apenas e tão somente da parte da decisão que versa sobre imóvel situado no estrangeiro. No entanto, naquilo que toca ao imóvel lo-calizado no Brasil, não poderá a decisão norte americana aqui produzir efeitos.

Não tendo sido mera ratificação de um prévio acordo, vedada será a ho-mologação da decisão estrangeira, impondo-se, nesses termos, o parcial indeferimento da pretensão inicial.

No caso em exame, a questão controvertida diz respeito à homologa-ção da sentença no que se refere à partilha do bem imóvel adquirido na cons-tância do casamento e daqueles bens imóveis localizados no exterior.

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Nesse particular, a manifestação do Ministério Público Federal é exau-riente, nos seguintes termos (e-STJ, fl. 180):

[...] 5. No casamento foi adotado o regime da comunhão de bens. Em petição de fls. 167/168, a requerente informa que o imóvel de matrícula nº 23083 (lote 19) foi adquirido quando ela ainda era solteira.

Mas, de acordo com a documentação apresentada, o imóvel de matrícula nº 7875 (lote 20) foi adquirido na constância do casamento (fls. 170 e 174).

6. Observa-se que o provimento homologando promoveu a partilha dos bens de propriedade do casal, inclusive, dispondo sobre bens imóveis si-tuados no Brasil.

Ocorre que a partilha de bens imóveis situados no Brasil, em decorrên-cia de divórcio ou separação judicial, é competência exclusiva da Justiça brasileira, nos termos do art. 23, III, do novo Código de Processo Civil. Certo que a jurisprudência pátria admite que a Justiça estrangeira ratifique acordos firmados pelas partes, independente do imóvel localizar-se em ter-ritório brasileiro. Esse, contudo, não é o caso dos autos, onde não houve acordo, inclusive porque o réu, devidamente chamado, não compareceu ao processo estrangeiro.

7. Em resumo, a partilha decretada no estrangeiro é válida tão somente em relação ao imóvel de matrícula nº 23083, adquirido em 9 de janeiro de 1997, portanto em data anterior ao casamento. Mas, na inexistência de acordo entre as partes, não há como homologar a partilha do imóvel de matrícula nº 7875, adquirido em 30 de março de 2000, já na constância do casamento, que fora realizado em 27 de outubro de 1999 (fls. 170 e 174). Tampouco cabe discutir a partilha dos bens situados no estrangeiro.

8. Assim, o Ministério Público Federal opina pelo deferimento parcial do pedido de homologação, tão somente para admitir a partilha do imóvel, sito no Brasil, adquirido pela requerente em data anterior ao casamento (matrícula nº 23083).

Ante o exposto, defiro, em parte, o pedido de homologação desta senten-ça estrangeira, tão somente para admitir a partilha do bem imóvel situado no Brasil, adquirido pela demandante em data anterior ao casamento (matrícula nº 23.083).

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO CORTE ESPECIAL

Número Registro: 2016/0109324-1 Processo Eletrônico SEC 15.639/US

Número Origem: 201400734843

Pauta: 04.10.2017 Julgado: 04.10.2017

Segredo de Justiça

Relator: Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Oswaldo José Barbosa Silva

Secretária: Belª Vania Maria Soares Rocha

AUTUAÇÃO

Requerente: A. A. da C.

Advogada: Larissa Fonseca dos Santos e Silva – DF022766

Requerido: S. M.

Advogado: Defensoria Pública da União – Curador Especial

Assunto: Direito civil – Família – Casamento – Dissolução

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Corte Especial, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Corte Especial, por unanimidade, deferiu parcialmente o pedido de ho-mologação de sentença, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Marco Buzzi, Nancy Andrighi, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Felix Fischer, Francisco Falcão, João Otávio de Noronha, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Luis Felipe Salomão.

Convocados os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Marco Buzzi.

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TrF 1ª rTribunal regional Federal da 1ª região

Numeração Única: 0013046-64.2005.4.01.3800Apelação Cível nº 2005.38.00.013138-9/MGRelator(a): Juiz Federal Henrique Gouveia da CunhaApelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSProcurador: DF00025372 – Adriana Maia VenturiniApelado: Kenneth Lewin RempAdvogado: MG00042972 – Lasaro Candido da Cunha e outros(as)

EMENTA

ProcEssuaL civiL – Embargos À EXEcução – PrEscrição da PrEtEnsão EXEcutÓria E PrEscrição

intErcorrEntE – aFastamEnto – rEvisão dE bEnEFício PrEvidEnciário – EXcEsso dE EXEcução

– rmi do bEnEFício rEvista PELo inss a Partir dE novEmbro dE 2000 – Embargos acoLhidos Em

PartE – ProvimEnto ParciaL da aPELação

1. Nos termos da Súmula nº 150/STF, o prazo prescricional da execução é o mesmo da ação de conhecimento, premissa que afasta, de plano, a tese invocada pelo embargante no sentido de que o prazo prescricional para o exercício da pretensão executória corresponde-ria a dois anos e meio.

2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que “se o título judicial estabelecido no processo de conhecimento não firmara o quantum debeatur, somente efetivada a liquidação da sentença é que se poderá falar em inércia do credor em propor a execução, independentemente de tratar-se de liquidação por artigos, por arbitramento ou por cálculos” (REsp 1336026/PE, Rel. Min. Og Fernandes, 1ª S., Julgado em 28.06.2017, DJe 30.06.2017).

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3. Não há que se falar, na espécie, em prescrição da pretensão executória, vez que, após o fornecimento dos elementos indispen-sáveis à elaboração da conta, o exequente ajuizou a execução ainda dentro do prazo prescricional.

4. De igual forma, não ficou caracterizada a prescrição inter-corrente no processo de execução – que se verifica após a citação da autarquia para pagamento do débito –, pois, a partir do momento em que o embargante exerceu a pretensão executória dentro do pra-zo prescricional, o processo não mais ficou indevidamente paralisa-do, sem movimentação útil.

5. O exercício da pretensão executória deve guardar estrita e fiel observância aos termos do título executivo, sendo defeso ao exe-quente extrapolar os comandos e contornos nele definidos, sob pena de violação à coisa julgada. Portanto, o excesso de execução, a teor do disposto no art. 743, I, do CPC, caracteriza execução indevida, ou seja, não encontra fundamento no título executivo judicial.

6. Por força de sentença transitada em julgado, o INSS foi condenado a rever a aposentadoria por tempo de serviço do autor, transformando-a em aposentadoria de ex-combatente, nos termos da Lei nº 5.698/1971, com o pagamento das diferenças daí decor-rentes (fls. 30/39). O recurso de apelação interposto pelo INSS foi parcialmente provido apenas para se reconhecer a prescrição das parcelas vencidas antes do quinquênio antecedente à propositura da ação (fls. 41/44).

7. Sustentou o INSS a existência de excesso de execução, sob dois fundamentos: (i) foi utilizado, na competência de 11/1984, um abono no valor de $ 53.411,00, que não foi concedido ao exequente/embargado; e (ii) os cálculos foram estendidos até 05/2004, quando o correto seria limitá-los a 06/2000, pois, a partir de 07/2000, o bene-fício já se encontrava devidamente implantado.

8. Quanto à primeira incorreção apontada, sem razão o INSS, consoante informações prestadas pela Contadoria do Juízo em pri-meiro grau, não impugnadas pela autarquia em sede recursal, bem como nos termos da própria planilha apresentada pela própria au-tarquia (fl. 82).

9. Já no que concerne à limitação dos cálculos, assiste razão em parte ao recorrente. Da análise das informações prestadas pela Contadoria desta Corte à fl. 181, em conjunto com as informações à fl. 146 e documentos às fls. 147/173, especialmente do histórico de

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crédito à fl. 158, verifica-se, sem margem a dúvida, que a renda men-sal inicial do benefício de titularidade da parte autora foi a partir de novembro de 2000, o que impôs a retificação dos cálculos, objeto da execução, para se decotar as diferenças devidas a partir do referido mês e ano, apurando-se a importância de R$ 50.546,03, atualizada até junho de 2004.

10. Por fim, é assente nesta Corte a compreensão no sentido de que “as informações prestadas pela Divisão de Cálculos Judiciais possuem presunção de veracidade, sendo a Contadoria o órgão de auxílio do Juízo e sem qualquer interesse na lide, os cálculos por ela operados devem prevalecer, até prova em contrário. Não concor-dando o devedor-executado cabe, em embargos à execução, compro-var o alegado excesso ou supressão, não bastando mera referência a valores que julgar corretos” (AC 0035558-19.2001.4.01.3400/DF, Rel. Des. Fed. Candido Moraes, 2ª T., e-DJF1 p.471 de 28.08.2015).

11. Apelação a que se dá parcial provimento.

ACÓRDÃO

Decide a 2ª Câmara Regional Previdenciária do Tribunal Regional Fe-deral da 1ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 28 de agosto de 2017.

Juiz Federal Henrique Gouveia da Cunha Relator Convocado

RELATÓRIO

O Exmo Sr. Juiz Federal Henrique Gouveia da Cunha (Relator Convo-cado):

Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo INSS contra sentença que julgou improcedentes os embargos à execução.

Sustentou o recorrente, em síntese: a) a prescrição da pretensão exe-cutória, ao fundamento de que apresentou seus elementos de cálculo em 06.10.2000 e deles o apelado teve vista em 28.11.2000, tendo protocolizado sua petição de execução em 03.11.2004, ou seja, quase 4 (quatro) anos depois;

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b) o prazo prescricional corresponde a dois anos e meio, nos termos da legis-lação de regência da espécie; c) os cálculos apresentados pelos exequentes apresentam dois equívocos: (i) utilizar, na competência de 11/1984, um abo-no no valor de $ 53.411,00, que não foi concedido; e (ii) estender os cálculos para 05/2004, quando o correto seria limitá-los em 06/2000, pois, a partir de 07/2000, o benefício já se encontrava devidamente implantado.

Contrarrazões apresentadas.

Decisão à fl. 131 determina a remessa dos autos à Corej para verificação da alegação do INSS quanto à limitação dos cálculos a junho de 2000.

Informações prestadas pela Corej à fl. 139.

Parecer apresentado pelo Núcleo de Cálculos e Perícias Judiciais do INSS à fl. 146, acompanhado de documentos às fls. 147/173.

Diante da documentação juntada pelo INSS, foi determinado o retorno dos autos à Contadoria para cumprimento da decisão de fl. 131.

Informações prestadas pela Contadoria do Juízo à fl. 181, acompanha-da de memória de cálculo às fls. 182/183.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço da apelação.

Não se verifica na espécie a ocorrência da prescrição da pretensão exe-cutória, nem a da prescrição intercorrente.

Nos termos da Súmula 150/STF, o prazo prescricional da execução é o mesmo da ação de conhecimento, premissa que afasta, de plano, a tese invo-cada pelo embargante no sentido de que o prazo prescricional para o exercí-cio da pretensão executória corresponderia a dois anos e meio.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que “se o título judicial estabelecido no processo de conhecimento não firmara o quantum debeatur, somente efetivada a liquidação da sentença é que se poderá falar em inércia do credor em propor a execução, independente-mente de tratar-se de liquidação por artigos, por arbitramento ou por cálcu-

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los” (REsp 1336026/PE, Rel. Min. Og Fernandes, 1ª S., Julgado em 28.06.2017, DJe 30.06.2017).

Ainda nesse sentido:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – DESAPROPRIAÇÃO DE TERRAS SITUADAS NA ILHA DO GOVERNADOR – AEROPORTO DO GALEÃO – RIO DE JANEIRO – DEMANDA INICIADA EM 1951 – ART. 535 DO CPC – OMISSÕES E OBSCURIDADE – NÃO OCORRÊNCIA – NULIDADE DO ACÓRDÃO – VÍCIO DA REPRESENTAÇÃO PROCES-SUAL – QUESTÕES DE FATO – REVISÃO – IMPOSSIBILIDADE – ENUN-CIADO SUMULAR Nº 7/STJ – INCIDÊNCIA – PRESCRIÇÃO

[...]

5.2 Outro ponto suscitado pela União diz respeito à violação dos arts. 219, do CPC e 202 do CC, ao fundamento de que a liquidação transitou em jul-gado em 02.04.1990, data em que se iniciou o prazo prescricional para que a parte exequente promovesse a execução e que não teria havido nenhuma causa interruptiva da prescrição. Aduz ter havido “negligência e inércia da parte autora, que até a data de hoje, dezesseis anos após o trânsito em julgado da liquidação de sentença, ainda não se prestou a promover a exe-cução de seu crédito” (grifo no original).

Anteriormente à reforma promovida pela Lei nº 11.232/2005, a liquidação de sen-tença era um processo preparatório que antecedia o início da execução, cujo encer-ramento se dava por sentença, atacável via apelação, recebida no efeito devolutivo. Assim, tinha-se que a liquidação representava o processo preparatório em que se determinava o objeto da condenação, a fim de se constituir o título executivo que se mostrava ilíquido e, portanto, impossível de execução.

Não basta conhecer o que se deve – an debeatur. Deve-se definir – no mesmo pata-mar de importância – o quanto se deve ou o quantum debeatur.

Na verdade, ao se definir o quantum debeatur na decisão de liquidação, se está simplesmente complementando, para fins de efetiva realização do direito, aquilo a que a sentença ilíquida proferida na fase de conhecimento obrigou.

Tem-se, pois, que a liquidação de sentença jamais inicia a ação de execução de per se, mas apenas perfectibiliza o título executivo que sustenta a ação executiva, con-figurando, portanto, ação autônoma à execução.

Estabelecer-se a autonomia entre as ações de liquidação de sentença e de execução é fundamental para fins de contagem da prescrição. Em sendo a liquidação e a exe-cução ações autônomas entre si, o prazo prescricional para a propositura da ação

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executiva só teria início quando do trânsito em julgado da sentença de homologação dos cálculos na liquidação, devendo ser aplicado, no caso, o princípio da actio nata, porquanto, sem pretensão não se pode cogitar da fluência do prazo prescricional.

Partindo-se, pois, da premissa de que, liquidada a sentença, competiria ao parti-cular promover a execução, pelo prazo de 20 anos, tenho que está caracterizada a prescrição no caso em análise.

Após o trânsito em julgado da sentença de liquidação e o retorno dos autos ao Juízo singular, em novembro de 1991, a Companhia Brasília requereu nova perícia avaliatória, ao argumento de que teria transcorrido grande lapso entre a condena-ção e o ano de 1991, razão porque não considerou justa a indenização alcançada (fls. 650/655).

O magistrado, em 15.03.1994, decidiu contrariamente à pretensão da Com-panhia Brasília, ao entender que a pretensão formulada violaria a coisa jul-gada (fls. 674/677). Em 28.03.1994, o mesmo magistrado profere a seguinte decisão: “Aguarde a parte interessada promover a execução”.

Em 29.02.1996, houve nova manifestação do magistrado, quando da dis-cordância da União sobre a atualização de cálculos, nos seguintes termos: “Aguarde-se a manifestação da parte interessada para promover a execu-ção, ocasião em que apreciarei a manifestação da UF sobre a atualização dos cálculos”.

Em 09.04.1997, a Companhia Brasília requer vista dos autos, pelo prazo de 10 dias, “a fim de diligenciar uma fórmula adequada para por fim a demanda” (fl. 689). A partir dessa data, os autos ficaram desaparecidos até 16.05.2001 (fl. 692).

Em 04.09.2001 é proferida sentença, em que se reconhece a ocorrência da prescrição da pretensão executiva, com a consequente extinção do processo com julgamento de mérito, nos termos do art. 269, IV, do CPC.

Veja-se que pela simples descrição dos atos processuais praticados nos au-tos, em momento algum a Companhia Brasília deu início à ação executiva, mesmo após o magistrado singular ter sinalizado à parte então interessada que os autos estariam aguardando o início do processo executivo, momen-to em que, misteriosamente, os autos desapareceram, foram encontrados em um banco de igreja evangélica e devolvidos à secretaria da 3ª vara fe-deral do Rio de Janeiro.

Assim, até a data do presente julgamento, não houve promoção da ação de execução, razão porque inevitável o reconhecimento da prescrição da pretensão executiva, que teve o prazo vintenário contado a partir do trân-

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sito em julgado da homologação da sentença de liquidação, que se deu em 02.04.1990 e findou em 02.04.2010.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido para reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão executi-va. Invertidos os ônus sucumbenciais, nos termos do fixado pelo magistra-do de primeira instância.

(REsp 894.911/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 21.06.2011, DJe 29.06.2011)

Do exame dos autos do processo em apenso, verifica-se que o trânsito em julgado do acórdão proferido nos autos do processo de conhecimento ocorreu em 27.04.2000 (fl. 51), tendo o juízo de origem dado vista às partes do retorno dos autos em 05.06.2000 (fl. 120 dos autos principais).

A autarquia apresentou os elementos indispensáveis à liquidação do julgado em 06.10.2000 (fls. 133/161), oportunidade em que sustentou ter ha-vido redução da renda mensal inicial do benefício de titularidade do autor, concluindo que não foram apuradas diferenças em favor deste.

Após o indeferimento de requerimento formulado pelo autor, objeti-vando o envio dos autos à Contadoria do Juízo para elaboração dos Cálculos, por meio de decisão publicada em 10.02.2001, os autos foram arquivados em 03.05.2001.

Em 03.04.2003, o autor requereu o desarquivamento dos autos, porém deixou transcorrer in albis o prazo que lhe fora concedido para examiná-los.

Novo desarquivamento foi requerido, com a juntada de substabele-cimento, sem reserva de poderes, tendo a execução sido protocolizada em 03.11.2004, antes, portanto, do prazo prescricional de 5 (cinco) anos para o exercício da pretensão executória.

Portanto, não há que se falar, seguramente, em prescrição da preten-são executória, vez que, após o fornecimento dos elementos indispensáveis à elaboração da conta, o exequente ajuizou a execução ainda dentro do prazo prescricional.

De igual forma, não ficou caracterizada a prescrição intercorrente no processo de execução – que se verifica após a citação da autarquia para paga-mento do débito –, pois, a partir do momento em que o embargante exerceu a pretensão executória dentro do prazo prescricional, o processo não mais ficou indevidamente paralisado, sem movimentação útil.

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Afasto, portanto, a prescrição da pretensão executória e a prescrição intercorrente suscitadas nos embargos.

mérito ProPriamEntE dito

O exercício da pretensão executória deve guardar estrita e fiel obser-vância aos termos do título executivo, sendo defeso ao exequente extrapolar os comandos e contornos nele definidos, sob pena de violação à coisa julgada. Portanto, o excesso de execução, a teor do disposto no art. 743, I, do CPC, caracteriza execução indevida, ou seja, não encontra fundamento no título executivo judicial.

Por força de sentença transitada em julgado, o INSS foi condenado a rever a aposentadoria por tempo de serviço do autor, transformando-a em aposentadoria de ex-combatente, nos termos da Lei nº 5.698/1971, com o pa-gamento das diferenças daí decorrentes (fls. 30/39).

O recurso de apelação interposto pelo INSS foi parcialmente provido apenas para se reconhecer a prescrição das parcelas vencidas antes do quin-quênio antecedente à propositura da ação (fls. 41/44).

Sustentou o INSS a existência de excesso de execução, sob dois funda-mentos: (i) foi utilizado, na competência de 11/1984, um abono no valor de $ 53.411,00, que não foi concedido ao exequente/embargado; e (ii) os cálculos foram estendidos até 05/2004, quando o correto seria limitá-los a 06/2000, pois, a partir de 07/2000, o benefício já se encontrava devidamente implan-tado.

Quanto à primeira incorreção apontada, sem razão o INSS, consoan-te informações prestadas pela Contadoria do Juízo em primeiro grau, não impugnadas pela autarquia em sede recursal, bem como nos termos da pró-pria planilha apresentada pela própria autarquia (fl. 82). Eis o teor das infor-mações:

“Em atenção ao r. despacho retro, respeitosamente, informamos a V. Exa. Que a alegação do INSS quanto ao abono de nov./1984 não procede, já que para benefício acima de 499.680,00 houve um reajuste de 60,605% mais um abono de 53.441,00, como o INSS considera valor devido em out/1984 551.078,58 (fl. 82), deve-se considerar o reajuste acima citado.”

Já no que concerne à limitação dos cálculos, assiste razão em parte ao recorrente.

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Da análise das informações prestadas pela Contadoria desta Corte à fl. 181, em conjunto com as informações à fl. 146 e documentos às fls. 147/173, especialmente do histórico de crédito à fl. 158, verifica-se, sem margem a dú-vida, que a renda mensal inicial do benefício de titularidade da parte autora foi a partir de novembro de 2000, o que impôs a retificação dos cálculos, ob-jeto da execução, para se decotar as diferenças devidas a partir do referido mês e ano, apurando-se a importância de R$ 50.546,03, atualizada até junho de 2004.

Por fim, é assente nesta Corte a compreensão no sentido de que “as in-formações prestadas pela Divisão de Cálculos Judiciais possuem presunção de veracidade, sendo a Contadoria o órgão de auxílio do Juízo e sem qualquer interesse na lide, os cálculos por ela operados devem prevalecer, até prova em contrário. Não concordando o devedor-executado cabe, em embargos à execução, comprovar o alegado excesso ou supressão, não bastando mera referência a valores que julgar corretos” (AC 0035558-19.2001.4.01.3400/DF, Rel. Des. Federal Candido Moraes, 2ª T., e-DJF1 p. 471 de 28.08.2015).

Os embargos devem ser, portanto, acolhidos em parte, a fim de que a execução prossiga pelo valor apurado pela Contadoria do Juízo às fls. 182/183.

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para, em consequên-cia do reconhecimento, em parte, do excesso de execução sustentado, deter-minar o prosseguimento da execução pelo valor apurado pela Contadoria do Juízo às fls. 182/183.

Tendo o embargante sucumbido em maior extensão nos embargos, porquanto objetivou afastar a integralidade do débito executado, porém o quantum da dívida foi reduzido de R$ 58.941,10 para R$ 50.546,03, reduzo, em proporção equivalente, a verba honorária fixada na sentença para a im-portância de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais), nos termos do art. 20, § 4º, do CPC/1973.

É como voto.

DESPACHO

Dê-se vista às partes por 10 (dez) dias, conforme já determinado à fl. 180.

Brasília, 30 de novembro de 2016.

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Juiz Federal Hermes Gomes Filho Relator Convocado

DECISÃO

Remetam-se os autos à Corej a fim de que se verifique a alegação do INSS quanto à limitação dos cálculos a junho de 2000, levando-se em conta, para tanto, o teor da planilha de fls. 16, que indica a ocorrência de um pa-gamento com valor substancialmente superior aos dos meses anteriores em novembro de 2000, além da consolidação do benefício, a partir de dezembro seguinte, com valor também significativamente superior ao do mês de junho daquele ano.

Tendo em vista a longevidade do processo e a avançada idade da parte apelante, estabeleço o prazo de 15 dias para que o órgão contábil se desin-cumba do múnus a ele ora atribuído.

Tão logo elaborados os cálculos, intimem-se as partes para sobre eles se manifestar, isto a fim de se evitar um desnecessário retorno dos autos ao juízo de origem, como conseqüência de uma eventual declaração nulidade da sentença proferida.

Brasília-DF, 13 de maio de 2011.

Desª Federal Neuza Alves Relatora

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TrF 2ª r.Tribunal regional Federal da 2ª região

III – Agravo de Instrumento nº 2011.02.01.001637-0

Nº CNJ: 0001637-08.2011.4.02.0000

Relator: Juiz Federal Convocado Wilney Magno de Azevedo Silva

Agravante: Marcio Brazil Lenz Cesar

Advogado: Jose Nicodemos Cavalcanti de Oliveira e outros

Agravado: União Federal/Fazenda Nacional

Origem: 2ª Vara Federal de Execução Fiscal de Vitória/ES (9800105379)

EMENTA

tributário – agravo dE instrumEnto – EXEcução FiscaL – PEnhora on LinE dE ativos do sÓcio – constrição dEtErminada sob a vigência

da LEi nº 11.382/2006 – dEsnEcEssidadE dE Prévio EsgotamEnto dE diLigências Para idEntiFicação dE outros bEns PassívEis dE constrição – imÓvEis da dEvEdora PrinciPaL noticiados na EXEcução

insuFiciEntEs Para quitação do crédito da FazEnda PúbLica – ausência dE onErosidadE EXcEssiva

1. A aplicação do princípio da menor onerosidade, consagrado pelo art. 620 do CPC/1973, demanda comprovação de efetivo pre-juízo suportado pelo devedor, pois a execução tem por escopo satis-fazer a pretensão do credor (STJ, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, AGAREsp 778019, DJe 09.11.2015).

2. Os imóveis de propriedade da devedora principal, penhora-dos no executivo fiscal, foram avaliados em montante muito inferior ao da execução. Não configuração de onerosidade excessiva na deci-são que determinou bloqueio de ativos do corresponsável.

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3. Penhora levantada, em decorrência de prévia decretação da falência da devedora principal. Circunstância que justifica, ainda mais, a constrição patrimonial determinada em desfavor do sócio.

3. Desnecessidade de a penhora on line ser precedida do esgo-tamento de diligências direcionadas a satisfazer o crédito da Fazen-da Pública, junto ao ativo realizado da massa falida, pois a medida de constrição foi decretada após a vigência da Lei nº 11.382/2006 (STJ, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, AGAREsp 829905, DJe 17.03.2016).

4. Agravo de instrumento desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Quarta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 2017 (data do Julgamento).

Wilney Magno Desembargador Federal Relator

RELATÓRIO

Trato de Agravo de Instrumento, com pedido de atribuição de efeito suspensivo, interposto por Márcio Brazil Lenz César, em face da União Fede-ral/Fazenda Nacional, objetivando reformar a decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara de Execuções Fiscais da Seção Judiciária do Espírito Santo (Execu-ção Fiscal nº 98.0010537-9), que deferiu a penhora on line de valores deposita-dos em contas de titularidade do Agravante.

Tal execução fiscal foi proposta contra Braspérola Indústria e Comér-cio S/A, cuja falência foi posteriormente decretada, bem como contra Márcio Brasil Lenz César, ora Agravante, e João Lúcio de Souza Coelho, na condição de corresponsáveis pela dívida.

O Recorrente sustenta, em síntese, que: (i) “através da mesma de-cisão que determinou a penhora no rosto dos autos da ação falimentar

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nº 024.010.170.819, o Douto Juízo a quo determinou a penhora on line, via Bacen-Jud sobre os ativos financeiros em nome do ora Agravante, até o li-mite da execução, no agigantado valor de R$ 11.433.986,96 (onze milhões quatrocentos e oitenta e seis mil e novecentos e oitenta e seis reais e no-venta e seis centavos)”; (ii) “uma vez conhecido que há na ação falimentar nº 024.010.170.819 [...] bens imóveis de propriedade da devedora originária que, no ano de 2005, foram avaliados no montante de R$ 10.800.000,00 (dez milhões e oitocentos mil reais), vislumbra-se que não foi respeitado o princí-pio da menor onerosidade, inerente ao art. 620, do Código de Processo Civil, haja vista a possibilidade de execução menos gravosa ao devedor, afastando--se a hipótese de realização da penhora via Bacen-Jud”; (iii) “desta forma, uma vez possível, o executado terá sempre em seu favor uma restrição pa-trimonial menos gravosa, a fim de que não seja prejudicado além do neces-sário para satisfazer a pretensão do credor”; (iv) “a ordem estabelecida pelo art. 655, do Código de Processo Civil, para a nomeação de bens a penhora não é absoluta, haja vista que deve ser aplicada em consonância com o princípio da menor onerosidade da execução caso reste certa a existência de forma de execução menos gravosa ao devedor, como no caso em tela”; (v) “no presente caso não se sustenta a necessidade de busca por outros bens penhoráveis, mas sim que sejam penhorados os bens já conhecidos pelo Juízo a quo, que in-clusive possuem valor de mercado para garantir a integralidade da execução fiscal de origem, sem a necessidade de constrição dos bens do ora Agravan-te”; (vi) “presentes os requisitos do fumus bonni iuris, haja vista que há bens que podem garantir a execução em referência nos autos da ação falimentar [...] e, presente o requisito do periculum in mora, posto que o prosseguimento da demanda executiva objetivará exclusivamente a penhora de mais bens do Agravante, mesmo havendo bens da sociedade originariamente cobrada dis-poníveis exatamente para o fim de garantir suas dívidas”.

Requer, assim, sejam canceladas “as penhoras realizadas via Bacen--Jud junto aos ativos financeiros em nome do Agravante”, bem como seja ratificada “a penhora sobre os bens vinculados aos autos da Ação Falimentar nº 024.010.170.819, em trâmite na Vara de Recuperação Empresarial e Falên-cia da Grande Vitória/ES”.

Intimado, o Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso, às fls. 513/517. Sustentou que, após a entrada em vigor da Lei nº 11.382/2006, não é necessário esgotar os meios para localização de bens do executado, através de diligências menos gravosas, para que a penhora on line

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seja determinada, bem como que os bens arrolados na ação falimentar são insuficientes para garantir a execução.

Contrarrazões da União (Fazenda Nacional), às fls. 525/530, pugnando pelo desprovimento do recurso.

Informações do Juízo a quo, à fl. 532.

É o relatório do necessário.

Peço dia para julgamento.

Wilney Magno de Azevedo Silva Juiz Federal Convocado Relator

VOTO

Há manifestação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, a partir da vigência da Lei nº 11.382/2006, que incluiu o art. 655-A no CPC/1973, o bloqueio de ativos financeiros do devedor, via penhora on line, independe de prévio esgotamento de diligências do credor, direcionadas à localização de outros bens passíveis de constrição.

A Egrégia Corte assentou, ainda, que a aplicação do princípio da me-nor onerosidade, consagrado pelo art. 620 do CPC/1973, demanda compro-vação de efetivo prejuízo suportado pelo devedor, pois a execução tem por escopo satisfazer a pretensão do credor.

Nesse sentido, são contundentes as ementas dos seguintes julgados:

TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA ON LINE – PEDIDO POSTERIOR À ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 11.382/2006 – DESNE-CESSIDADE DE ESGOTAMENTO DAS DILIGÊNCIAS EM BUSCA DE BENS – 1. “A utilização do Sistema Bacen-Jud, no período posterior à vacatio legis da Lei nº 11.382/2006 (21.01.2007), prescinde do exaurimento de diligên-cias extrajudiciais, por parte do exeqüente, a fim de se autorizar o bloqueio eletrônico de depósitos ou aplicações financeiras” (REsp 1.184.765/PA, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª S., Julgado em 24.11.2010, DJe 03.12.2010.) 2. É possí-vel que a penhora recaia sobre dinheiro depositado em conta-corrente sem que isso implique ofensa ao princípio da menor onerosidade (art. 620 do CPC), pois a execução deve ser realizada em benefício do credor. Agravo regimental improvido.

(STJ, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, AGAREsp 829905, DJe 17.03.2016)

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TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – BEM DE DIFÍCIL ALIENAÇÃO – RECUSA DA FAZENDA PÚBLICA – POSSIBILIDADE – ORDEM DE INDICAÇÃO NÃO OBSERVADA – MATÉRIA SUBMETIDA AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS – PENHORA ON LINE – PEDI-DO POSTERIOR À ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 11.382/2006 – DES-NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DAS DILIGÊNCIAS EM BUSCA DE BENS – AGRAVO CONHECIDO – 1. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que é legítima a recusa da Fazenda Pública de bem ofere-cido à penhora quando não observada a ordem prevista nos arts. 655 do CPC e 11 da Lei nº 6.830/1980, confirmada em recurso repetitivo (art. 543-C do CPC), no julgamento do REsp 1.090.898/SP, Rel. Min. Castro Meira. 2. O princípio da menor onerosidade do devedor, insculpido no art. 620 do CPC, tem de estar em equilíbrio com a satisfação do credor, sendo indevida sua aplicação de forma abstrata e presumida, cabendo ao executado fazer prova do efetivo prejuízo. 3. Como o pedido foi requerido e deferido no período de vigência da Lei nº 11.382/2006, deve-se aplicar o segundo en-tendimento, a fim de permitir a localização e a constrição dos ativos finan-ceiros em conta da executada, por meio do sistema Bacen-Jud, até o limite do valor exequendo. Agravo regimental improvido.

(STJ, 2ª T., Rel.: Min. Humberto Martins, AGAREsp 778019, DJe 09.11.2015)

No caso sob exame, em 2 de junho de 2005, foi determinada a penhora de bens dos Réus da Execução Fiscal nº 98.0010537-9, para satisfação de crédi-to, que alcançava a soma de R$ 16.329.141,92, atualizada até 28 de fevereiro daquele ano (fls. 118 e 130).

Inexistente nomeação de bens à penhora, a constrição recaiu sobre imóveis de propriedade da devedora principal, Braspérola Indústria e Comércio S/A, informados ao Juízo pela própria Exequente e avaliados, em 30 de se-tembro de 2005, no valor total de R$ 10.800.000,00, muito inferior ao mon-tante da execução (fls. 52/60, 130 e 372/377).

Logo, é insubsistente a alegação de que “os bens já conhecidos pelo Juízo a quo [...] possuem valor de mercado para garantir a integralidade da execução fiscal de origem” (4º parágrafo de fl. 6), não restando configurada, assim, onerosidade excessiva na r. decisão que determinou o bloqueio de ati-vos do corresponsável, ora Agravante.

Tal penhora, ademais, foi posteriormente levantada pelo Juízo da 2ª Vara de Execução Fiscal da Seção Judiciária do Espírito Santo, por ter sido realizada após a decretação da falência de Braspérola Indústria e Comércio

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S/A, ocorrida em 30 de maio de 2005 (fl. 497), tendo, então, sido determina-da penhora no rosto dos autos da ação falimentar respectiva, atuada sob o nº 024.010.170.819, com trâmite perante a Vara de Recuperação Empresarial e Falências da Grande Vitória (item a de fl. 499).

Assim, tais imóveis não podem, sequer, serem revertidos exclusiva-mente à satisfação da pretensão executiva da Fazenda Nacional, pois com-põem ativo, que, depois de realizado, se prestará ao pagamento dos cre-dores da massa, observada a classificação determinada pelo art. 83 da Lei nº 11.101/2005, o que justifica, ainda mais, a constrição combatida pelo Agra-vante.

Por fim, também com base em entendimento da Egrégia Corte, acima referido, ressalto que inexiste mácula na decretação de penhora on line, em desfavor do Agravante, “em momento anterior à própria busca de bens junto à ação falimentar” (último parágrafo de fl. 5), porque tal decisum foi prolatado em 7 de janeiro de 2011 (fls. 497/499), ou seja, sob a vigência da Lei nº Lei nº 11.382/2006.

Por tais razões, nego provimento ao recurso.

É como voto.

Wilney Magno de Azevedo Silva Juiz Federal Convocado Relator

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EmEntário CívEl

ação dE cobrança – dEscumPrimEnto contratuaL – satisFação da

obrigação – LocaL – indEFinição – contrato vErbaL

35242 – “Agravo interno no recurso especial. Processual civil. Exceção de incompetência. Ação de cobrança. Descumprimento contratual. Satisfação da obrigação. Local. Indefini-ção. Contrato verbal. Art. 327 do Código Civil. Domicílio do devedor. 1. A ação de cobran-ça decorrente de descumprimento contratual deve ser proposta no local onde a obrigação deveria ser cumprida, haja vista o disposto no art. 100, IV, d, do Código de Processo Civil de 1973. Precedentes. 2. A existência de contrato verbal não afasta a incidência da norma contida no art. 100, IV, d, do Código de Processo Civil de 1973. Precedentes. 3. Na hipótese de indefinição quanto ao local de cumprimento da obrigação, deve incidir a presunção le-gal do art. 327 do Código Civil, isto é, o domicílio do devedor. 4. Não existe vedação legal para o julgamento do recurso especial singularmente quando interposto com fundamento em dissídio jurisprudencial. 5. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.648.397 – (2017/0010968-0) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 10.10.2017 – p. 2090)

ação dE cobrança – indEnização Por danos matEriais E

comPEnsação Por danos morais – Embargos dE dEcLaração

35243 – “Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de co-brança cumulada com indenização por danos materiais e compensação por danos morais. Embargos de declaração. Omissão, contradição ou obscuridade. Prequestionamento. Au-sência. Súmula nº 211/STJ. 1. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC/1973, rejeitam-se os embargos de declaração. 2. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conheci-mento do recurso especial. 3. Agravo interno no agravo em recurso especial não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 551.570 – (2014/0178829-1) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 10.10.2017 – p. 1899)

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ação dE cobrança – PrEquEstionamEnto – ausência

– súmuLa nº 211 do stJ

35244 – “Processual civil. Agravo no agravo em recurso especial. Ação de cobrança. Pre-questionamento. Ausência. Súmula nº 211 do STJ. Reexame de fatos e provas. Inadmissi-bilidade. 1. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recur-so especial. 2. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. 3. Agravo não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 902.514 – (2016/0096259-5) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 10.10.2017 – p. 1922)

ação dE cobrança dE sEguro – invaLidEz PErmanEntE ParciaL

– PagamEnto ProPorcionaL

35245 – “Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de co-brança de seguro. Invalidez permanente parcial. Pagamento proporcional do seguro. Re-exame de fatos e provas. Interpretação de cláusulas contratuais. Inadmissibilidade. Dis-sídio jurisprudencial. Não indicação do dispositivo legal com interpretação divergente. Súmula nº 284/STF. 1. O reexame de fatos e a interpretação de cláusulas contratuais em recurso especial são inadmissíveis. 2. Não se conhece do recurso especial quando ausente a indicação expressa do dispositivo legal a que se teria dado interpretação divergente. 3. Agravo interno no agravo em recurso especial não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.064.926 – (2017/0048682-4) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 10.10.2017 – p. 1990)

ação dE obrigação dE FazEr – indEnização Por danos matEriais

– FundamEnto do acÓrdão não imPugnado – súmuLa nº 283/stF

35246 – “Processual civil. Agravo interno em recurso especial. Ação de obrigação de fa-zer c/c indenização por danos materiais. Fundamento do acórdão não impugnado. Sú-mula nº 283/STF. Reexame de fatos e provas. Inadmissibilidade. 1. A existência de funda-mento do acórdão recorrido não impugnado – quando suficiente para a manutenção de suas conclusões – impede a apreciação do recurso especial. 2. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. 3. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.457.253 – (2013/0422022-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 10.10.2017 – p. 2059)

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ação indEnizatÓria – EXtinção – iLEgitimidadE Passiva –

rEPEtição da ação35247 – “Agravo interno no recurso especial. Ação indenizatória. Extinção. Ilegitimidade passiva. Repetição da ação. Preliminar de coisa julgada. Regularização da falta de con-dição da ação. Necessidade. 1. A extinção do processo sem julgamento de mérito, por falta de legitimidade ad causam, não forma coisa julgada material, mas, sim, coisa julgada formal. Para que o autor proponha a ação novamente, é necessário que sane a falta da con-dição antes ausente. 2. Tendo sido o processo extinto por falta de legitimidade do réu, não é possível repetir a ação sem indicar a parte legítima, pois não se pode rediscutir questão já decidida, por força da coisa julgada. 3. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.587.423 – (2016/0051176-1) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 10.10.2017 – p. 2075)

agravo rEgimEntaL no rEcurso EsPEciaL – mortE dE um dos

rEcorrEntEs – susPEnsão do ProcEsso – habiLitação dE dois dos hErdEiros

35248 – “Embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no recurso especial. Morte de um dos recorrentes. Suspensão do processo. Habilitação de dois dos herdeiros. Julgamento de embargos de declaração. Possibilidade. 1. Após o jul-gamento dos recursos especiais e do agravo regimental, foi noticiado o falecimento de um dos recorrentes, réu no processo. Suspenso o processo, foi determinada a intimação dos herdeiros para habilitação. 2. Decorrido mais de dois anos, dois dos herdeiros providen-ciaram sua habilitação. O último herdeiro, apesar de três tentativas para ser intimado, não foi encontrado. 3. A embargante, corré no processo, é viúva da parte falecida e mãe dos herdeiros, razão pela qual é de se supor que os sucessores tinham pleno conhecimento da presente ação, cabendo-lhes providenciar sua habilitação. 4. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-EDcl-AgRg-REsp 1.144.234 – (2009/0111206-1) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 10.10.2017 – p. 2055)

aLiEnação Fiduciária – vEícuLo automotor – ausência dE comunicação aos Órgãos

comPEtEntEs – PagamEnto do iPva – rEsPonsabiLidadE soLidária

34249 – “Processual civil e tributário. Alienação de veículo automotor. Ausência de co-municação aos órgãos competentes. Pagamento do IPVA. Art. 134 do Código de Trânsito

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Brasileiro. Responsabilidade solidária do alienante. Não configuração. 1. O entendimento do Tribunal de origem está em consonância com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, de que a obrigatoriedade de a parte alienante do veículo comunicar a transferên-cia de propriedade ao órgão competente, sob pena de responder solidariamente em casos de eventuais infrações de trânsito, prevista no art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro, não se aplica extensivamente ao pagamento do IPVA, tendo em vista que a mencionada exação não se confunde com qualquer tipo de penalidade. 2. Recurso Especial não pro-vido.” (STJ – REsp 1.685.609 – (2017/0159281-9) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 10.10.2017 – p. 1809)

contrato – comPra E vEnda dE imÓvEL na PLanta – EntrEga da obra – atraso – cLáusuLa PEnaL

35250 – “Agravo interno no recurso especial. Contrato de compra e venda de imóvel na planta. Entrega da obra. Atraso. Cláusula penal. Lucros cessantes. Cumulação. Pos-sibilidade. Precedentes. 1. É possível cumular a cláusula penal decorrente da mora com indenização por lucros cessantes pela não fruição do imóvel, pois aquela tem natureza moratória, enquanto esta tem natureza compensatória. 2. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.617.556 – (2016/0200991-1) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 10.10.2017 – p. 2082)

dano moraL – amEaça – vioLência doméstica – rEParação

35251 – “Agravo regimental no recurso especial. Ameaça. Violência doméstica. Repa-ração de dano moral. Art. 387, IV, do CPP. Pedido expresso na denúncia. Cabimento. Acórdão recorrido em desacordo com a orientação jurisprudencial desta Corte Superior. Princípio da colegialidade. Ofensa. Inexistência. 1. O julgamento monocrático do recurso especial, com esteio em óbices processuais e na jurisprudência dominante desta Corte, tem respaldo nas disposições do CPC e do RISTJ. 2. ‘Nos termos do entendimento desta Corte Superior a reparação civil dos danos sofridos pela vítima do fato criminoso, pre-vista no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, inclui também os danos de na-tureza moral, e para que haja a fixação na sentença do valor mínimo devido a título de indenização, é necessário pedido expresso, sob pena de afronta à ampla defesa’ (AgRg--REsp 1666724/MS, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., Julgado em 27.06.2017, DJe 01.08.2017). 3. Cabível, no caso, a fixação de valor mínimo de indenização à vítima porque o Ministério Público requereu expressamente a reparação civil no oferecimento da denúncia, nos moldes da Orientação Jurisprudencial do Superior Tribunal de Jus-tiça. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.668.955 – (2017/0105476-2) – 6ª T. – Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro – DJe 09.10.2017 – p. 2877)

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nota:Cuida-se de Agravo de decisão que deu provimento ao recurso especial para restabe-lecer a indenização civil à vítima, nos moldes determinados no acórdão proferido no julgamento do recurso de apelação.Consta dos autos que o ora agravante foi condenado, como incurso no art. 147 do Códi-go Penal, à pena de 1 mês e 10 dias de detenção, em regime inicial aberto. O magistrado, ao sentenciar, deixou de fixar o valor mínimo para reparação de danos à vítima, pre-visto no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, afirmando que “inexiste nos autos indicação de valores e provas aptas a comprovar o dano causado”.O Tribunal de origem, por maioria, deu provimento ao recurso de apelação ministerial e da vítima para, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, c/c o art. 91, I, do Código Penal, fixar o valor mínimo para reparação de danos morais sofridos pela vítima em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). O acórdão recebeu a seguinte ementa:“APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – AMEAÇA – RECURSOS DA VÍTIMA E MINISTERIAL – PEDIDO DE CONDENAÇÃO DO RÉU AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – CABIMENTO – RECURSO PROVIDO – Nos termos do art. 387, IV, CPP, o juiz deve fixar valor mínimo para reparação dos da-nos causados pela infração, independentemente de pedido expresso da parte, tratando--se de efeito automático da sentença condenatória.”Os embargos infringentes interpostos foram providos para afastar a indenização esti-pulada no acórdão embargado, nos termos da seguinte ementa:“EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DO-MÉSTICA – AMEAÇA – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – AUSÊNCIA DE INSTRUÇÃO PROCESSUAL ADEQUADA – VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA – RECURSO PROVIDO – Para que seja fixado o valor mínimo da reparação dos danos causados à vítima, deve haver pedido expresso e formal pelo ofen-dido ou pelo Ministério Público e ser oportunizado o contraditório ao réu, sob pena de violação ao princípio da ampla defesa. Recurso provido, contra o parecer.”Daí o recurso especial no qual o recorrente alegou que o acórdão impugnado teria vio-lado o art. 387, IV, do Código de Processo Penal, uma vez que houve requerimento expresso por parte do Ministério Público e das vítimas para a fixação do quantum mí-nimo a título de reparação dos danos morais. Destacou que a aferição do dano moral independe de produção de prova.No presente agravo o recorrente sustentou que a matéria tratada no recurso especial não possui entendimento pacificado, razão pela qual merece ser apreciada pelo cole-giado.Pugnou pelo afastamento da indenização arbitrada, afirmando que não houve contra-ditório e ampla defesa e nem havia elementos suficientes para sua fixação.O STJ negou provimento ao agravo regimental.Oportuno trazer as lições de Nehemias Domingos de Melo sobre o instituto da relação do dano moral, in verbis:“A definição da verba indenizatória, a título de danos morais, deveria ser fixada tendo em vista três parâmetros: o caráter compensatório para a vítima, o caráter punitivo para o causador do dano e o caráter exemplar para a sociedade como um todo.

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Para a vítima, esse caráter compensatório nada mais seria do que lhe ofertar uma quan-tia capaz de proporcionar alegrias que, trazendo satisfações, pudesse compensar a dor sofrida.No tocante ao ofensor, o caráter punitivo teria uma função de desestímulo que agisse no sentido de demonstrar ao ofensor que aquela conduta é reprovada pelo ordenamen-to jurídico, de tal sorte que não voltasse a reincidir no ilícito.Quanto ao caráter exemplar que a condenação poderia ter, há de se considerar que, na fixação do quantum, o juiz, além de ponderar os aspectos contidos no binômio punitivo--compensatório, deveria adicionar outro componente, qual seja, um plus que servisse como advertência de que a sociedade não aceita aquele comportamento lesivo e o re-prime, de tal sorte a melhor mensurar os valores a serem impostos aos infratores por danos morais.Neste particular aspecto, para se evitar o chamado enriquecimento sem causa, esse plus advindo da condenação não seria destinado à vítima, mas, sim, a um fundo judiciário que, por exemplo, poderia utilizar os recursos para campanhas educativas.O aspecto inovador, na propositura acima esposada, é que, partindo da premissa de que, quanto maior for a pena, menor será o índice de reincidência, associado ao fato de que, se a sociedade tomar ciência de que determinadas condutas são reprimidas com vigor pelo Poder Judiciário, acredita-se que os direitos humanos e a dignidade das pes-soas sofreriam menos agressões, na exata medida em que o peso da condenação seria sentido no bolso do infrator como fator de desestímulo.[...]Assim, podemos concluir que o instituto do dano moral, expressamente previsto na Constituição Federal (art. 5º, V e X), deve ser visto como instrumento eficaz no sentido de assegurar o direito à dignidade humana (CF, art. 1º, III), e precisa ser aperfeiçoado, de tal sorte que podemos afirmar que a sua efetividade somente ocorrerá, de forma ampla e cabal, quando se puder dotar o juiz da liberdade plena na aplicação ‘da teoria da exemplaridade’, pela qual se possa apenar o ofensor com a tríplice finalidade: puni-tivo, compensatório e exemplar.” (Por uma nova teoria na reparação por danos morais. Disponível em: www.iobonlinejuridico.com.br)

EXEcução – Óbito do EXEquEntE – habiLitação do

sucEssor – PrEscrição35252 – “Processual civil. Óbito do exequente. Habilitação do sucessor. Prescrição. Ino-corrência. 1. O Superior Tribunal de Justiça entende que, nos termos dos arts. 265, I, e 791, II, do CPC/1973, a morte de uma das partes importa na suspensão do processo, razão pela qual, na ausência de previsão legal impondo prazo para a habilitação dos respectivos su-cessores, não há falar em prescrição intercorrente. 2. Recurso Especial não provido.” (STJ – REsp 1.676.521 – (2017/0124880-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 10.10.2017 – p. 1735)

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EXEcução dE sEntEnça – Óbito do EXEquEntE – habiLitação do sucEssor

– PrEscrição – não ocorrência35253 – “Processual civil. Execução de sentença. Óbito do exequente. Habilitação do su-cessor. Prescrição. Não ocorrência. Regime jurídico do CPC DE 1973. 1. O Superior Tri-bunal de Justiça entende que, nos termos dos arts. 265, I, e 791, II, do CPC/1973, a morte de uma das partes importa na suspensão do processo, razão pela qual, na ausência de previsão legal que imponha prazo para a habilitação dos respectivos sucessores, não há falar em prescrição intercorrente. 2. Recurso Especial não provido.” (STJ – REsp 1.676.488 – (2017/0104224-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 10.10.2017 – p. 1724)

PrEcLusão consumativa – intErPosição dE dois agravos – PrincíPio da

unirrEcorribiLidadE rEcursaL35254 – “Agravo interno no agravo em recurso especial. Processual civil. Interposição de dois agravos contra a mesma decisão. Princípio da unirrecorribilidade recursal. Preclusão consumativa. Conhecimento do primeiro agravo interno interposto. Ação declaratória de nulidade de cláusula c/c rescisão contratual c/c restituição de valores c/c indenização por danos materiais e morais. Títulos da dívida pública. Contrato de cessão de crédi-tos. Inadimplemento contratual. Legitimidade passiva do corréu. Ofensa ao art. 535 do CPC/1973. Inocorrência. Reinterpretação de cláusulas contratuais. Revisão de matéria fá-tico-probatória. Impossibilidade. Súmulas nºs 05 e 07/STJ. Ausência de fundamentos que justifiquem a alteração da decisão recorrida. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt--Ag-REsp 951.434 – (2016/0184205-8) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 10.10.2017 – p. 1936)

rEcurso – intEmPEstividadE – FEriado LocaL – comProvação

PostErior – imPossibiLidadE35255 – “Agravo interno no agravo em recurso especial. Processual civil. Intempestivida-de. Feriado local. Comprovação posterior. Impossibilidade. Art. 1.003, § 6º, do Código de Processo Civil de 2015. Novo regramento processual expresso. 1. É intempestivo o agravo em recurso especial interposto após o prazo de 15 (quinze) dias previsto nos arts. 219 e 1.003, § 5º, do Código de Processo Civil de 2015. 2. Nos termos do § 6º do art. 1.003 do CPC/2015, para fins de aferição de tempestividade, a ocorrência de feriado local deverá ser comprovada, mediante documento idôneo, no ato da interposição do recurso. 3. A

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interpretação literal da norma expressa no § 6º do art. 1.003 do CPC/2015, de caráter espe-cial, sobrepõe-se a qualquer interpretação mais ampla que se possa conferir às disposições de âmbito geral insertas nos arts. 932, parágrafo único, e 1.029, § 3º, do citado diploma legal. 4. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.101.232 – (2017/0110988-8) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 10.10.2017 – p. 2042)

nota:Trata-se de agravo interno interposto por Viação Cometa S.A. contra decisão da Presi-dência do Superior Tribunal de Justiça que não conheceu do recurso ante a intempesti-vidade do agravo em recurso especial.Em suas razões (fls. 205/211 e-STJ), a agravante sustenta que:“[...] cumpre reiterar e demonstrar que o recurso de agravo contra despacho denegató-rio de Recurso Especial não conhecido é tempestivo, isto porque no dia 14 de novembro de 2016 não houve expediente forense no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (tribunal de origem) conforme art. 2º do Provimento CSM nº 2317/2015 do Tribunal de Justiça de São Paulo. (cópia anexa)Assim, considerando que no dia 14.11.2016 (segunda-feira) não houve expediente fo-rense no Tribunal de origem, e sendo o dia 15.11.2016 (terça-feira) feriado nacional, a intimação da Agravante se deu no dia 16.11.2016, sendo considerado o termo a quo para interposição do recurso de agravo em 17.11.2016 e termo final em 07.12.2016.Quanto à possibilidade de comprovação da tempestividade do recurso posterior à sua interposição, em razão de feriado local, não obstante o entendimento que ampara a decisão de não conhecimento ora impugnada, é certo que a Corte Especial desse Colen-do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do AREsp 137.141/SE, firmou consolidou entendimento no sentido de sua possibilidade”.O STJ negou provimento ao agravo interno.Os ilustres Juristas Luiz Manoel Gomes Junior e Miriam Fecchio Chueiri assim expla-nam sobre o recurso no novo CPC:“Apesar de todas as críticas que o instituto da remessa obrigatória recebe, o certo é que se trata de um mal necessário, considerando que o Poder Público ainda não está total-mente aparelhado para a sua defesa, sendo necessária a manutenção de mecanismos visando a tornar possível a verificação das decisões contra ele prolatadas.A finalidade do instituto, na hipótese de sentenças proferidas contra a Fazenda Pública, justifica-se por motivo de conveniência e de interesse de ordem pública, dada a natu-reza do objeto de determinadas causas ou o seu sujeito, impedindo que casos em que aquela figure como vencida, não sejam objeto de reexame na instância superior.Ainda entre os motivos determinantes, cite-se a possibilidade de suposta desídia dos procuradores que oficiam na representação judicial da Fazenda Pública.Assim, acertadamente é mantido o instituto da remessa necessária (art. 496, I), havendo a necessidade de ratificação, pelo Tribunal competente, das sentenças proferidas contra o interesse público, com as limitações que estão sendo propostas, anotando a crítica de parcela da doutrina ao instituto.A sua estrutura permanece a mesma, ou seja, necessidade de ratificação como condi-ção para a sua eficácia (aqui entendido como produção de efeitos definitivos). Há um aperfeiçoamento frente ao atual sistema, ou seja, não sendo possível ser indicado o conteúdo econômico preciso da demanda, torna-se necessária a remessa ao Tribunal

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(art. 496, § 2º, do CPC), evitando, deste modo, o expediente do autor no sentido de atri-buir à causa valor inexpressivo.Ampliado na proposta o conteúdo econômico da demanda que justifica a remessa para o equivalente a mil salários-mínimos em ações contra a União Federal, suas autarquias e fundações de direito público, quinhentos salários-mínimos para as causas envolven-do o Estado e cem salários-mínimos no caso dos municípios.Aqui nossa crítica fica para a escolha aleatória dos valores. Não há nada do ponto de vista lógico que justifique o uso dos quantitativos mil, quinhentos e cem salários-míni-mos, respectivamente. Qual a razão da escolha deste critério?Restará também afastada a necessidade de remessa quando a decisão de primeiro grau estiver fundamentada em súmula de Tribunal Superior (STF e STJ – aqui restou excluí-do o TST, quando se sabe do uso subsidiário do CPC na Justiça do Trabalho), em acór-dão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de casos repetitivos, em entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência ou entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.De um modo geral, salvo na escolha sem base fática para a limitação em termos econô-micos das hipóteses de submissão à remessa, a proposta aperfeiçoa o sistema proces-sual atual com inegável vantagem.” (Algumas considerações sobre os recursos no novo Código de Processo Civil – Impressões iniciais. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 11 out. 2017)

rEcurso EsPEciaL – FundamEnto não inFirmado EsPEciFicamEntE – agravo intErno maniFEstamEntE

inadmissívEL35256 – “Agravo interno no agravo em recurso especial. Fundamento não infirmado es-pecificamente. Art. 1.021, § 1º, CPC/2015. Agravo interno manifestamente inadmissível. Art. 1.021, § 4º, CPC/2015. Aplicação de multa. Agravo interno não conhecido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 977.705 – (2016/0233343-2) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 10.10.2017 – p. 1947)

rEsPonsabiLidadE civiL – PLano dE saúdE – nEgativa

dE cobErtura – dano moraL – FaLEcimEnto do gEnitor

35257 – “Agravo interno no recurso especial. Civil e processual civil. Responsabilidade civil. Plano de saúde. Negativa de cobertura. Dano moral. Falecimento do genitor. Com-

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pensação com o valor arbitrado a título de condenação por dano moral em ação proposta pelo genitor. Impossibilidade. Dano moral. Prejuízo de afeição. Parcelas individuais para cada vítima por ricochete. Indenização por danos morais. Cabimento. Precedentes. Agra-vo desprovido.” (STJ – AgInt-REsp 1.660.189 – (2016/0199450-2) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 10.10.2017 – p. 2095)

rEsPonsabiLidadE soLidária – aLiEnação do vEícuLo – iPva

35258 – “Processual civil e tributário. IPVA. Responsabilidade solidária após alienação do veículo. Arts. 1.267 e 1.275, I, do Código Civil/2002. Ausência de prequestionamento. Súmula nº 282/STF. Acórdão amparado na exegese de lei estadual. Súmula nº 280/STF. 1. Não se conhece de Recurso Especial quanto à matéria que não foi especificamente en-frentada pelo Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento. Incidência, por analogia, da Súmula nº 282/STF. 2. Ainda que se considere possível superar a ausên-cia de prequestionamento, o acórdão reconheceu a responsabilidade tributária solidária com base na exegese da Lei Estadual nº 13.296/2008, o que atrai a incidência da Súmula nº 280/STF. 3. Em obiter dictum, observo que, se por um lado é correto afirmar que o art. 134 do CTB prevê apenas a responsabilidade solidária pelas ‘penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação’, daí não se extrai a artificiosa conclusão de que inexiste responsabilidade tributária, até mesmo porque o Código de Trânsito não disci-plina, mas não afasta, o exercício da competência tributária pelo ente estatal (o CTB, lei federal, realmente não poderia invadir a atividade legislativa tributária estadual, única apta a dispor sobre os tributos específicos do ente estatal). Nesse sentido, o STJ possui jurisprudência que admite a fixação de responsabilidade solidária, em relação aos tribu-tos estaduais, em caso de previsão na legislação específica: REsp 1.640.978/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 12.05.2017. 4. Recurso Especial não conhecido.” (STJ – REsp 1.688.650 – (2017/0185383-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 10.10.2017 – p. 1849)

sEguro saúdE coLEtivo EmPrEsariaL – EX-EmPrEgado aPosEntado –

assistência médica – manutEnção35259 – “Agravo interno no recurso especial. Civil. Plano de saúde coletivo empresarial. Ex-empregado aposentado. Assistência médica. Manutenção. Art. 31 da Lei nº 9.656/1998. Requisitos não preenchidos. Contribuição exclusiva do empregador. Salário indireto. Des-caracterização. Direito adquirido. Inexistência. 1. Não há direito de permanência do ex--empregado aposentado ou demitido sem justa causa como beneficiário nos planos de saúde coletivos custeados exclusivamente pelo empregador, salvo expressa disposição

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contrária prevista em contrato ou em convenção coletiva de trabalho, sendo irrelevante a existência de coparticipação, pois esta não se confunde com contribuição. 2. O plano de assistência médica, hospitalar e odontológica concedido pelo empregador não pode ser enquadrado como salário indireto, sejam os serviços prestados diretamente pela empresa ou por determinada operadora (art. 458, § 2º, IV, da CLT). Com efeito, o plano de saúde fornecido pela empresa empregadora, mesmo a título gratuito, não possui natureza retri-butiva, não constituindo salário-utilidade (salário in natura), sobretudo por não ser contra-prestação ao trabalho. Ao contrário, referida vantagem apenas possui natureza preventiva e assistencial, sendo uma alternativa às graves deficiências do Sistema Único de Saúde (SUS), obrigação do Estado. 3. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.663.276 – (2017/0066738-7) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 10.10.2017 – p. 2096)

sEntEnça arbitraL – ação dE imPugnação – vícios

Formais – ausência35260 – “Embargos de declaração no recurso especial. Ação de impugnação de sentença arbitral. Vícios formais. Ausência. Omissão, contradição e obscuridade não verificadas. Dispositivos constitucionais. Prequestionamento. Inviabilidade. 1. Ausentes quaisquer dos vícios ensejadores dos aclaratórios, afigura-se patente o intuito infringente da presen-te irresignação, que objetiva não suprimir a omissão, afastar a obscuridade ou eliminar a contradição, mas, sim, reformar o julgado por via inadequada. 2. Nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal, não compete a esta Corte o exame de dispositivos constitucio-nais em embargos de declaração, ainda que opostos para fins de prequestionamento, sob pena de invasão da competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal. 3. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-REsp 1.636.102 – (2016/0057629-7) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 10.10.2017 – p. 2086)

sEntEnça dE mérito – suPErvEniência – PErda dE obJEto

35261 – “Processual civil. Agravo de instrumento. Superveniência de sentença de mérito. Perda de objeto. Recurso especial prejudicado. 1. A prolação de sentença de mérito, me-diante cognição exauriente, enseja superveniente perda de objeto de recurso interposto contra acórdão que desproveu Agravo de Instrumento (EDcl-AgRg-Ag 1.228.419/SC, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 17.11.2010). 2. Eventual provimento do apelo, referente à decisão interlocutória, não teria o condão de infirmar o julgamento superveniente e de-finitivo que reapreciou a questão. 3. Recurso Especial prejudicado.” (STJ – REsp 1.691.928 – (2017/0156828-3) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 10.10.2017 – p. 1881)

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sociEdadE – ação dE dissoLução – honorários advocatícios

– FiXação Por EquidadE – maJoração – nEcEssidadE

35262 – “Agravos internos no agravo em recurso especial. Processual civil. Ação de dis-solução de sociedade. Honorários advocatícios. Fixação por equidade. Majoração. Neces-sidade. CPC/2015. Inaplicabilidade. 1. Acórdão estadual que, sem apresentar fundamen-tos concretos e razoáveis para tanto, considerou suficiente para remunerar o trabalho dos advogados o montante de R$ 2.000,00 (dois mil reais), apesar de o valor da causa corres-ponder a R$ 1.951.670,00 (um milhão, novecentos e cinquenta e um mil, seiscentos e se-tenta reais). 2. A fixação da verba honorária em 1% (um por cento) sobre o valor corrigido da causa, na espécie, atende aos critérios previstos no art. 20, § 3º, do CPC/1973, também aplicáveis à fixação da verba honorária por equidade, nos moldes do § 4º do mesmo pre-ceito legal. 3. Hipótese em que não houve modificação da sucumbência, mas a simples revaloração dos honorários à luz dos critérios estabelecidos na legislação vigente à época do julgamento realizado nas instâncias ordinárias, não se aplicando as normas contidas no Código de Processo Civil/2015. 4. Agravos internos não providos.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.071.298 – (2017/0060449-1) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 10.10.2017 – p. 1995)

sucEssão – EmPrEsas – Fato gErador

35263 – “Tributário. Processual civil. Execução fiscal. Fato gerador ocorrido antes da su-cessão das empresas. Prequestionamento parcial. Súmula nº 282/STF. Impossibilidade de exame de violação de súmula. 1. É firme no STJ o entendimento de que não é possível, pela via do Recurso Especial, a análise de eventual ofensa a súmula, decreto regulamentar, resoluções, portarias ou instruções normativas, por não estarem tais atos administrati-vos compreendidos no conceito de lei federal, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal. 2. Não se pode conhecer da insurgência contra a ofensa ao art. 202 do CTN; ao art. 85 do CPC e ao art. 2º, §§ 5º, I, e 8º, da LEF, pois os referidos dispositivos legais não foram analisados pela instância de origem. Dessa forma, não se pode alegar que houve presquestionamento da questão, nem ao menos implicitamente. Ausente, portanto, o in-dispensável requisito do prequestionamento, o que atrai, por analogia, o óbice da Súmula nº 282/STF: ‘É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada’. 3. A recorrente em sua peça vestibular confessou que Ação de Execução Fiscal objetiva a cobrança de IPVA do exercício de 2010. Por outro lado, o acórdão recorrido, em trecho supratranscrito, registrou que a incorporação da re-corrente aconteceu em 11.01.2012, portanto o fato gerador tem como sujeito passivo a em-presa sucedida. Dessarte, não existe irregularidade na substituição na CDA da empresa incorporada pela incorporadora. Precedente: AgRg-REsp 1.452.763/SP, Rel. Min. Mauro

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Campbell Marques, 2ª T., DJe 17.06.2014. 4. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nes-sa parte, não provido. (STJ – REsp 1.684.543 – (2017/0168131-5) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 10.10.2017 – p. 1789)

vaLor da causa – aLçada – cda – aFErição no momEnto da

distribuição da ação – atuaLização do vaLor constantE do títuLo

35264 – “Processual civil. Execução fiscal. Valor de alçada. CDA. Aferição no momento da distribuição da ação. Atualização do valor constante do título. Matéria arguida e não enfrentada pelo Tribunal. Omissão configurada. Vício de julgamento. Violação ao art. 489 do CPC/2015. 1. Sustenta o recorrente violação ao art. 489 do CPC/2015, por omissão da decisão recorrida quanto à necessidade de o valor de alçada previsto no § 1º do art. 34 da LEF ser aferido mediante atualização da quantia constante da CDA na data da distribui-ção, e não por aquele constante do título representativo da dívida no momento da ins-crição. 2. O acórdão a quo quedou-se silente sobre essa específica questão suscitada pela parte, embora provocado a apreciar pelo Agravo de fls. 43-48, e-STJ, e pelos Embargos de Declaração de fls. 68-76, e-STJ. 3. Por não ter o Tribunal de origem analisado questão apta, em tese, a infirmar a conclusão adotada, incorre em ofensa ao art. 489 do CPC/2015. 4. Recurso Especial provido, para anular o acórdão impugnado e determinar o retorno dos autos à origem para apreciação do ponto omitido.” (STJ – REsp 1.685.549 – (2017/0155674-7) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 10.10.2017 – p. 1799)

JurisprudênciaPenal

stFSupremo Tribunal Federal

22.09.2017 Primeira TurmaAgRg na Petição nº 6.594 Distrito FederalRelatora: Min. Rosa WeberAgte.(s): Edmilson das Neves GuerraAdv.(a/s): Edmilson das Neves GuerraAgdo.(a/s): Nefi CordeiroProc.(a/s)(es): Advogado-Geral da União

EMENTA

crimEs contra a honra – inJúria E diFamação – oFEnsas suPostamEntE ProFEridas Em dEcisão JudiciaL – quEiXa-crimE – dEcadência – arts. 38 do cPP E 103 do cP – EXtinção da PunibiLidadE

1. Os arts. 38 do CPP e 103 do CPP preveem, como marco inicial do prazo de decadência de 6 (seis) meses para o exercício da ação penal privada, o dia em que o ofendido vier “[...] a saber quem é o autor do crime”. Insusceptível, pela natureza decadencial do prazo, a incidência de causas suspensivas e interruptivas de seu fluxo.

2. Materializadas as supostas ofensas no dia 27.06.2016, data na qual o recorrente tomou conhecimento do suposto crime

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e de seu autor, e proposta a queixa apenas em 22.02.2017, impõe-se a extinção da punibilidade pela decadência.

3. Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo regimental, nos ter-mos do voto da Relatora e por unanimidade de votos, em sessão virtual da Primeira Turma de 15 a 21 de setembro de 2017, na conformidade da ata do julgamento.

Brasília, 22 de setembro de 2017.

Ministra Rosa Weber Relatora

RELATÓRIO

1. Trata-se de agravo regimental interposto por Edmilson das Neves Guerra contra decisão que negou seguimento à queixa-crime proposta contra o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Nefi Cordeiro, via da qual imputada a prática dos delitos de difamação e injúria, previstos, respectivamente, nos arts. 139 e 140 do Código Penal.

2. Teria o recorrido, em síntese, no dia 22.06.2016, na Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, proferido voto no julgamento dos embargos de de-claração na Revisão Criminal nº 3.071/AM, em que inseridas, na compreensão do recorrente, expressões ofensivas à sua honra.

3. Em 23.03.2017, neguei seguimento à queixa e declarei extinta a punibili-dade pela decadência (arts. 103 e 107, IV, do CP, c/c art. 38 do CPP), forte nos arts. 21, XV, d, e 231, § 4º, d, do RISTF e art. 3º, II, da Lei nº 8.038/1990 (evento 5).

4. No presente agravo, o recorrente defende a tempestividade da quei-xa-crime ao argumento de ser o marco inicial do prazo de decadência a data da publicação dos segundos embargos de declaração (julgado em 23.11.2016 e publicado em 30.11.2016), e não a data da publicação dos primeiros embargos, 27.06.2016. Embora tenham sido proferidas as supostas ofensas nos primeiros em-bargos de declaração, o recorrente está a compreender que “o dolo e a vontade de

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atingir a reputação do querelante afloraram, brotaram, vieram a lume” apenas no dia em que publicados os segundos embargos de declaração, pois, nestes segundos embargos, ele “ofereceu […] ao ilustre Ministro querelado, a oportunidade de desfa-zer e/ou corrigir equívocos e erros flagráveis no processo” (evento 6).

5. Em sede de contrarrazões o recorrido, representado pela Advocacia--Geral da União, defendeu (i) a inadmissibilidade do agravo, uma vez não im-pugnado especificamente o fundamento da decisão agravada; (ii) a decadência do direito à queixa-crime (evento 10).

6. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da Suprocurado-ra-Geral da República Cláudia Sampaio Marques, manifestou-se pelo desprovi-mento do recurso em razão da decadência do direito à queixa-crime (evento 14).

É o relatório.

VOTO

1. Como relatado, trata-se de agravo regimental interposto por Edmilson das Neves Guerra contra decisão em que neguei seguimento à queixa-crime propos-ta contra o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Nefi Cordeiro, via da qual im-putada a prática dos delitos de difamação e injúria, previstos, respectivamente, nos arts. 139 e 140 do Código Penal.

Eis o teor da decisão recorrida:

Vistos etc.

1. Trata-se de queixa-crime apresentada por Edmilson das Neves Guerra via da qual imputa ao Ministro do Superior Tribunal de Justiça Nefi Cordeiro a prática dos delitos de difamação e injúria, previstos, respectivamente, nos arts. 139 e 140 do Código Penal.

2. Teria o querelado, em síntese, no dia 22.06.2016, na Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, proferido voto no julgamento dos Embargos de Declaração na Revisão Criminal nº 3.071/AM, em que inseridas, na com-preensão do querelante, expressões ofensivas à sua honra.

2.1 Em longo arrazoado, o querelante registrou o histórico de fatos precedentes ao julgamento da referida Revisão Criminal e defendeu, quanto às supostas ofensas, ter o querelado agido com dolo, o qual sobressai da determinação de publicação das v. decisões, no Diário de Justiça.

3. Eis o resumo da peça acusatória:

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Nos fundamentos dos votos atrás proferido (sic), foram utilizadas la-mentavelmente, expressões ofensivas à honorabilidade e dignidade do advogado do então recorrente, tais como erro evidente; nítida intenção de procrastinar o resultado final da ação penal; de tese nova, de suposta prescrição da pretensão punitiva; falta com a verdade o advogado do recorrente; mesmo ciente de que o acórdão condenatório, contra o qual o mesmo causídico inter-pusera recurso especial; É dever do procurador da parte expor os fatos em juízo (sic) conforme a verdade e não formular pretensão ou apresentar defesa ciente que são destituídas de fundamento; é intolerável que s (sic) deturpe a nobre função da advocacia com comportamentos éticos desse jaez perante a Corte Superior de Justiça; além de comunicação à Ordem dos Advogados do Brasil, para conhecimento.

Sem entender a razão desses ataques e ao analisar, de modo mais per-cuciente, o contexto do voto proferido, vislumbra-se que há referência à prática de crime positivado no art. 2º, da Lei nº 8.176/1991, pena priva-tiva de liberdade de 1 ano, além de 10 dias-multa.

Ora, Senhor Ministro Presidente, diferentemente da discussão travada na ação de revisão criminal, a lei citada pelo Douto Ministro Relator, agora querelado, trata de matéria completamente diversa, não tendo a mais ínfima correlação com o tema objeto daquele procedimento.

[…]

Diante desses fatos e por considerar completamente injustas e ofensivas as expressões antes utilizadas pelo Ministro Relator, a defesa opôs em-bargos de declaração contra aquele absurdo julgado, oferecendo atra-vés de recurso, que se acha colacionado às fls. 189/193, dos autos, ao ilustre Julgador a oportunidade de retratação dos equívocos cometidos, na direção do processo.

[…]

Os ditos embargos declaratórios somente foram julgados no dia 23.11.2016 e os aclaratórios foram rejeitados, pura e simplesmente, como dá notícia o v. acórdão, de fls. 219 a 222, cuja publicação do de-cisum ocorreu em 30.11.2016, conforme noticia a certidão lavrada à fl. 223, dos autos.

Não houve, sequer minimamente, qualquer menção aos fatos veicu-lados nos declaratórios, o que demonstra, à saciedade, que as ofensas assacadas foram intencionais e premeditadas, estando tipificado, desse modo, o animus injuriandi, daquele Magistrado.

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[…]

Todos os v. acórdãos proferidos com suporte nos votos expedidos pelo Sr. Ministro foram publicados no Diário da Justiça Eletrônico/STJ, de-les tendo tomado conhecimento todos os operadores de Direito (advo-gados, juízes, promotores e servidores do Judiciário nacional), fato que levou à execração pública o ora querelante, que se vê, dessa forma, difa-mado, por ato ofensivo a sua reputação profissional, pessoal e familiar, por ato do Magistrado querelado.

Tipificados, na realidade, estão os crimes de que tratam os artigos 139 e 340 (sic), da lei substantiva penal, fatos esses que dão suporte à quei-xa-crime ora ofertada contra aquele Eminente Juiz, por sobressaírem inquestionável o ilícito penal, a que se junta o atributo da tipicidade. (original sem destaques).

Decido.

4. Assento a possibilidade de o Relator decidir monocraticamente sobre a extinção da punibilidade de procedimento criminal em curso nesta Su-prema Corte, nos termos do art. 231, § 4º, d, do RISTF, e art. 3º, II, da Lei nº 8.038/1990:

Art. 231, § 4º. O Relator tem competência para determinar o arquivamento, quando o requerer o Procurador-Geral da República ou quando verificar:

d) extinta a punibilidade do agente.

Art. 3º – Compete ao relator:

II – decretar a extinção da punibilidade, nos casos previstos em lei.

5. Anoto ainda quanto à possibilidade de decisão monocrática da extinção de punibilidade – os seguintes precedentes: Inquérito 1.418/RS, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, DJ 08.11.2001; Inquérito nº 2.007/RO, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, DJ 22.08.2003; RHC 105.920-MC/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, De 01.08.2011; Ap 643, Rel. Min. Dias Toffoli, decisão monocrática, DJe 25.02.2013; Inquérito nº 3.434/DF, Rel. Min. Luiz Fux, decisão monocrática, DJe12.04.2013; Inqué-rito nº 3536, de minha relatoria, decisão monocrática, DJe 20.6.2013; Inquérito nº 3209, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, DJe 03.08.2013; In-quérito nº 3690, Rel. Min. Dias Toffoli, decisão monocrática, DJe 16.8.2013; Inquérito nº 3770, Rel. Min. Dias Toffoli, decisão monocrática, DJe 07 02.2014.

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6. Fixada a premissa, reconheço a decadência do direito de ação e a consequente extinção da punibilidade, nos termos do Art. 107, IV, do CP: Extingue-se a punibilidade: IV – pela prescrição, decadência ou perempção.

7. Como dito, o querelante aponta que as expressões supostamente injuriosas e difamatórias foram proferidas pelo querelado no voto proferido nos Em-bargos de Declaração na Revisão Criminal 3.071/AM, cujo inteiro teor foi publicado no DJe do dia 27.06.2016. Entretanto, o querelante apenas acionou o querelado perante esta Suprema Corte em 20.02.2017, quando já superado o prazo decadencial de 6 (seis) meses (arts. 38 do CPP e 103 do CP):

Art. 38. Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exer-cer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29 do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.

Art. 103. Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia.

8. Ante o exposto, forte nos arts. 21, XV, d e 231, § 4º, d, do RISTF, e 3º, II da Lei nº 8.038/1990, nego seguimento à queixa-crime e declaro extinta a puni-bilidade pela decadência (arts. 103 e 107, IV, do Código Penal, c/c art. 38 do CPP).

2. Nada colhe o agravo.

3. Os arts. 38 do CPP e 103 do CPP preveem o momento no qual o ofendido toma conhecimento da identidade do autor do crime como marco inicial do prazo de decadência de 6 (seis) meses para o exercício da ação penal privada:

Art. 38. Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, de-cairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.

Art. 103. Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do di-reito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia.

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4. No caso, tomou o recorrente conhecimento do crime e de seu autor quando do julgamento dos primeiros embargos de declaração na Revisão Cri-minal nº 3.071/AM, ocasião em que inseridos os supostos dizeres ofensivos. Tanto isso é fato que o recorrente, entendendo ter sido ofendido, opôs novos embargos, a fim de, nas suas próprias palavras, “oferece[r] [...] ao ilustre Minis-tro querelado, a oportunidade de desfazer e/ou corrigir equívocos e erros flagráveis no processo” (evento 6).

A circunstância de o recorrido ter mantido a decisão proferida nos pri-meiros embargos não torna a decisão dos segundos embargos o marco inicial do prazo de decadência; inviável, justamente pela natureza decadencial do prazo, compreender a interposição dos segundos embargos de declaração como causa in-terruptiva da decadência.

Sobre o prazo decadencial da ação penal privada, a doutrina especializa-da não diverge que “[n]ão há interrupção por força de feriados, fins de se-mana, férias forenses ou qualquer outro motivo de força maior” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 148).

No mesmo sentido:

Tratando-se de ações reservadas à iniciativa do ofendido, a legislação pro-cessual penal cuidou de estabelecer prazos de características distintas da-queles previstos para o exercício da ação penal pública, em razão, sobretu-do, da natureza da disputa judicial a ser travada a partir do cometimento da infração penal.

Assim, e com os olhos voltados para uma rápida solução do conflito e paci-ficação dos espíritos, optou-se, ao contrário do prazo prescricional, mais dilatado e tradicionalmente sujeito à interrupção e à suspensão, pela estipulação de prazo decadencial, muito menos elástico e, por definição conceitual, avesso aos inciden-tes de paralisação na sua fluência temporal.

(OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 133)

A jurisprudência desta Suprema Corte está consolidada no mesmo sen-tido. Por todos, os vetustos precedentes: RHC 40.643, Rel. Min. Evandro Lins, Tribunal Pleno, DJ 25.06.1964, e Inq 774-QO, Rel. Min. Celso de Mello, Tribu-nal Pleno, DJ 17.12.1993.

Na mesma linha a manifestação do Ministério Público Federal:

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6. Pretende o agravante, em verdade, sem qualquer embasamento lógico--jurídico, fixar nova data para o marco inicial da decadência, qual seja, o dia da publicação dos segundos embargos de declaração (23.11.2016) opos-tos nos autos da Revisão Criminal nº 3.071/AM (em trâmite no Superior Tribunal de Justiça), onde, de acordo com seu entendimento, o Ministro Nefi Cordeiro, ora querelado, deveria ter se retratado das expressões in-juriosas proferidas no julgamento dos primeiros embargos de declaração, cuja publicação ocorreu em 27.06.2016.

7. Porém, como corretamente assinalado nas contrarrazões ao presente agravo apresentadas pelo querelado,

“[...] a oposição daqueles segundos aclaratórios apenas comprovam, inequivocadamente, a ciência do conteúdo do julgado publicado em 27/06/2016. Ademais, no julgamento dos segundos embargos de de-claração não constam quaisquer das expressões reputadas injuriosas ou difamatórias pelo querelante. O voto proferido no julgamento dos Em-bargos de Declaração nos Embargos de Declaração na Revisão Criminal nº 3.071 apenas afirmou a inexistência de omissão, obscuridade, con-tradição ou ambiguidade nos primeiros aclaratórios. Portanto, conside-rando que é juridicamente impossível conceber que tenha havido inter-rupção do prazo decadencial para apresentação da queixa-crime com a publicação do julgamento dos novos embargos declaratórios opostos na Revisão Criminal 3.071, acertada a decisão agravada ao decretar a extinção da punibilidade do querelado” (fl. 37 – Destaques do MPF).

8. Fica evidente, nesse contexto, que as razões trazidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada.

5. Portanto, tendo o recorrente tomado conhecimento das supostas ofensas e de seu autor quando da publicação do acórdão dos primeiros aclaratórios, no dia 27.06.2016, o direito de queixa, exercido apenas no dia 20.02.2016, foi fulmi-nado pela decadência.

6. Pelo exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

PRIMEIRA TURMA EXTRATO DE ATA

AgRg na Petição nº 6.594

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Proced.: Distrito Federal

Relatora: Min. Rosa Weber

Agte.(s): Edmilson das Neves Guerra

Adv.(a/s): Edmilson das Neves Guerra (848/AM, 13605-A/PA)

Agdo.(a/s): Nefi Cordeiro

Proc.(a/s)(es) : Advogado-Geral da União

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo re-gimental, nos termos do voto da Relatora. Primeira Turma, Sessão Virtual de 15 a 21.09.2017.

Composição: Ministros Marco Aurélio (Presidente), Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.

Carmen Lilian Oliveira de Souza Secretária da Primeira Turma

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stJSuperior Tribunal de JuSTiça

Recurso em Habeas Corpus nº 37.618 – PR (2013/0141898-2)Relator: Ministro Sebastião Reis JúniorRecorrente: Maria Helena Elias ValentiniAdvogados: Shalom Moreira Baltazar – PR038620

Cesar Lourenço Soares Neto e outro(s) – PR029201 André Gustavo Meyer Tolentino – PR046381

Recorrido: Ministério Público Federal

EMENTA

rEcurso Em habEas corPus – crimE ambiEntaL – danos dirEtos E indirEtos À unidadE dE consErvação dE ProtEção intEgraL – intErEssE da união – comPEtência da

Justiça FEdEraL – ParEcEr acoLhido1. A preservação do meio ambiente é matéria de competência

comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do art. 23, VI e VII, da Constituição Federal. Na hipóte-se de crime ambiental, a Justiça Federal somente será competente para processar e julgar a ação penal, quando caracterizada real le-são a bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas públicas federais, em conformidade com o art. 109, IV, da Constituição.

2. Na espécie, os fatos narrados na denúncia apontam para danos ambientais, diretos e indiretos, a unidade de conservação fe-deral, assim é inequívoco o interesse da União, consubstanciado na proteção da área atingida, o que atrai a competência da Justiça Fede-ral. De um lado, atos ilícitos teriam sido praticados na área circun-dante do Parque Nacional dos Campos Gerais, de outro, a falsidade dos estudos e dos laudos apresentados aos órgãos estaduais, ao in-

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duzir a erro a administração ambiental local, acabam por vulnerar justamente a área protegida pela União, tornando o interesse federal mais uma vez presente.

3. Recurso em habeas corpus improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz negando provimento ao recurso ordinário, sendo acompanha-do pelos Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro e Maria Thereza de Assis Moura, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordiná-rio nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Rogério Schietti Cruz, Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 03 de outubro de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Sebastião Reis Júnior Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior: Trata-se de recurso em habeas corpus interposto Maria Helena Elias Valentini contra o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região no HC 5001976-51.2013.4.04.0000.

Narram os autos que a recorrente – denunciada, ao lado de Ponta Grossa Ambiental S/A, de Marcus Vinícius Nadal Borsato, de Resitec Tec-nologia em Resíduos Ltda. e Paulo Roberto Tobiezi, pela suposta prática do delito previsto no art. 69-A da Lei nº 9.605/1998 (por 2 vezes), nos termos do art. 69 do Código Penal (fls. 195/203) – propôs exceção de incompetência do Juízo Federal de Ponta Grossa para o processamento e julgamento da Ação Penal nº 5004389-93.2012.4.04.7009.

Em decisão do dia 26.10.2012, nos Autos nº 5010215-03.2012.404.7009, o Juízo de origem reafirmou sua competência para o processamento dos fatos descritos na denúncia (fls. 107/109).

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Irresignada, a defesa impetrou recurso em sentido estrito, com pedido sucessivo de conhecimento como habeas corpus (fls. 116/138).

O Magistrado de piso não recebeu o recurso e, em relação ao writ, disse que o excipiente deveria ajuizá-lo no Tribunal Regional (fl. 172).

Ali, a ordem foi denegada conforme esta ementa (fl. 186):

PENAL – HABEAS CORPUS – COMPETÊNCIA FEDERAL – CRIMES AM-BIENTAIS – ENTORNO

O fato de a localidade onde praticado o ilícito encontrar-se no entorno Par-que Nacional dos Campos Gerais tem o condão de atrair a competência para o processamento do feito ao Judiciário Federal.

Aqui, reitera a recorrente que a partir dos fatos narrados na sobredita ação penal se verifica que não há competência da Justiça Federal para proces-samento e julgamento de quaisquer dos fatos em testilha, pelo que se pos-tulou, em incidente cabível, o necessário reconhecimento de incompetência (fl. 7.168).

Aduz que o Tribunal fundamentou seu acórdão na decisão proferida pelo Juízo singular que compreendeu que a demanda criminal originária deveria tramitar perante a Justiça Federal sob o fundamento de que se verificaria a existência de lesão a bens, serviços ou interesses da União, sem, contudo, indicar de que forma a União teria sido lesada (fl. 7.169).

Alega, por fim, que a nem denúncia nem a decisão atacada indicaram nenhu-ma ofensa a bens de titularidade da União como decorrência do fato que está sendo imputado à Paciente. Perceba-se que a Denúncia, quanto ao 3º e 4º fatos delituosos, simplesmente sustenta que os estudos/laudos (Mapas de Sisleg) seriam supostamente falsos em parte e omissos, mas em ponto algum indica como ou em que medida esses supostos vícios atingiram bens da União (fl. 7.176).

Requer, assim, a concessão da liminar para suspensão da ação ou, sucessivamente, salvo conduto à Paciente, a fim de evitar que a mesma seja in-devidamente constrangida em seu direito de ir e vir por autoridade incompetente (fl. 7.180). No mérito, pede seja declarada a incompetência da Justiça Federal para processamento da ação penal, tendo em vista que os estudos/laudos supostamente viciados tinham por destinatário um órgão estadual (Instituto Ambiental do Paraná – IAP), a quem compete a gestão do Sistema de Manutenção, Recuperação e Proteção da Reserva Florestal Legal e Áreas de Preservação Perma-nente (Sisleg) e a condução do respectivo processo administrativo, bem como o fato de

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que nem a Denúncia nem a decisão recorrida indicaram nenhuma violação a bens de titularidade da União como decorrência dos fatos imputados (fl. 7.180).

Sem contrarrazões.

Em 20.05.2013, indeferi o pedido liminar (fls. 7.201/7.203).

O Ministério Público Federal, em parecer escrito pelo Subprocurador--Geral da República Washington Bolívar Júnior, opinou pelo não provimento do recurso, em resumo (fl. 7.208):

RECURSO EM HABEAS CORPUS – CRIME AMBIENTAL – DEGRA-DAÇÃO DE ÁREA SITUADA NO ENTORNO DE UNIDADE DE CON-SERVAÇÃO DA UNIÃO – GESTÃO ATRIBUÍDA AO ICMBIO – AU-TARQUIA FEDERAL – INTERESSE DA UNIÃO – FALSIFICAÇÃO DO EIA/RIMA COM O OBJETIVO, EM TESE, DE AFASTAR A COMPETÊN-CIA DO ICMBIO – DELITO DO ART. 69-A DA LEI Nº 9.605/1998 – COM-PETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – ART. 109, IV, DA CF/1988 – PARE-CER PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO.

Referentes à mesma ação penal, constam no Sistema Integrado de Ati-vidade Judiciária os RHCs 39.465/PR, 39.464/PR e 39.660/PR, dos quais não conheci. Também tramitam nesta Casa os RHC 37.619/PR e 39.664/PR, inter-postos pelos corréus, os quais trago a julgamento nesta assentada.

Em 06.04.2016, sobreveio sentença penal condenatória e, hoje, a apela-ção interposta pelos réus pende de julgamento no Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior (Relator): Para melhor com-preensão do caso, eis alguns trechos da denúncia (fls. 196/200 – grifo nosso):

[...] 1º Fato Delituoso – art. 40 da Lei nº 9.605/1998:

Durante o período de 1º de junho de 2007 até a presente data, em con-tinuidade delitiva, no interior do imóvel denominado “Fazenda Jar-dim São Jorge 1/A”, matrícula nº 25269, localizado no município de Ponta Grossa/PR, os denunciados Ponta Grossa Ambiental e Marcus Vinicius Nadal Borsato causaram dano ambiental direto ou indireto à área cir-

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cundante – raio de dez quilômetros1 – do Parque Nacional dos Campos Gerais, Unidade de Conservação de Proteção Integral administrada pela autarquia federal – ICMBio.

Consta dos autos que, no dia 1º de junho de 2007, os denunciados Ponta Grossa Ambiental e Marcus Vinicius Nadal Borsato, no intuito de facilitar o licenciamento ambiental da Central de Tratamento de Resíduos Furnas ou CTR/Furnas, foram surpreendidos pelo Instituto Ambiental do Paraná – IAP realizando drenagem em nascentes e áreas úmidas localizadas no interior do imóvel suprarreferido, sem autorização da autarquia estadual ambiental, razão pela qual se lavrou o Auto de Infração Ambiental nº 75164 (Apenso I, Volume III, fl. 499) e Termo de Embargo/Interdição ou Suspen-são nº 35.916 (Apenso I, Volume III, fl. 500).

Os drenos instalados referem-se às áreas 02, 03 e 04 do Laudo nº 2304/2011-Setec/SR/DPF/PR (fls. 340/361 do Volume 02 do IPL) e es-tão sendo mantidos, permanentemente, no aludido imóvel até a presente data, causando danos ambientais diretos e indiretos diariamente, visto que “A intervenção em tais áreas ambientalmente protegidas mediante introdução de tubulações ou abertura de valas altera o fluxo hídrico local, causando impactos às características físicas, químicas e biológicas do solo e, consequentemente, às espé-cies vegetais existentes no local”, a teor do Laudo nº 2304/2011-Setec/SR/DPF/PR (fls. 340/361 do Volume 02 do IPL).

[...]

3º Fato Delituoso – art. 69-A da Lei nº 9.605/1998:

No ano de 2008, no município de Ponta Grossa, após a drenagem ilici-tamente realizada no terreno do CTR/Furnas, com vistas a facilitar o li-cenciamento ambiental do CTR/Furnas, sob a orientação e comando dos denunciados Ponta Grossa Ambiental e Marcus Vinicius Nadal Borsato, a denunciada Maria Helena Elias Valentini, plenamente ciente da ilicitude de sua conduta, elaborou estudo/laudo parcialmente falso, inclusive por omissão, no procedimento administrativo nº 9.997.339-0 IAP/ERPGO (Apenso II, fl. 13, do IPL).

Na data de 31 de março de 2008, perante o Escritório Regional do IAP em Ponta Grossa/PR, os denunciados Ponta Grossa Ambiental e Marcus Vinicius Nadal Borsato, valendo-se do genitor do segundo denunciado, Sr. Cecilio Pedro Borsato, proprietário da área do CTR/Furnas, apresen-

1 Art. 27 do Decreto Lei nº 99.274, de 6 de junho de 1990.

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taram no procedimento administrativo nº 9.997.339-0 IAP/ERPGO o estu-do/laudo parcialmente falso, inclusive por omissão, o qual foi elaborado pela denunciada Maria Helena Elias Valentini (Apenso II, fl. 13, do IPL).

As investigações revelaram que houve a omissão/supressão dolosa da existência de 03 (três) áreas úmidas – área de preservação permanente – do mapa Sisleg do imóvel sob matrícula nº 25.269, do 2º Registro de Imóveis de Ponta Grossa, local do CTR/Furnas, quais sejam, as áreas 02, 03 e 04 do Laudo nº 2304/2011-Setec/SR/DPF/PR (fls. 340/361 do Volume 02 do IPL).

4º Fato Delituoso – art. 69-A da Lei nº 9.605/1998:

No dia 18 de setembro de 2008, perante o Escritório Regional do IAP em Ponta Grossa/PR, os denunciados Maria Helena Elias Valentini, Ponta Grossa Ambiental e Marcus Vinicius Nadal Borsato, valendo-se do geni-tor do segundo denunciado, Sr. Cecilio Pedro Borsato, apresentaram no procedimento administrativo nº 9.997.339-0 IAP/ERPGO (Protocolo IAP 07.243-939-2), o estudo/laudo parcialmente falso, inclusive por omissão.

As investigações revelaram que houve a omissão/supressão dolosa da existência de 01 (uma) área úmida – área de preservação permanente – do mapa Sisleg do imóvel sob matrícula nº 25.269, do 2º Registro de Imó-veis de Ponta Grossa, local do CTR/Furnas, a saber, a área 04 do Laudo nº 2304/2011-Setec/SR/DPF/PR (fls. 340/361 do Volume 02 do IPL) [...]

Proposta exceção de incompetência, o Juízo Federal de origem reafir-mou sua competência, declarada no momento do recebimento da denúncia. Conforme o Magistrado, a ação delituosa teria ocorrido em área localizada no município de Ponta Grossa cuja conservação compete à União, com específico inte-resse das autarquias federais ICMBio e Ibama, atraindo, dessa forma, a competência da Justiça Federal para processo e julgamento dos fatos ora denunciados, nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal (fl. 108).

S. Exa. destacou, na exceção de incompetência, que o empreendimento estaria dentro da área circundante do Parque Nacional dos Campos Gerais, nos ter-mos da Resolução nº 428/2012 do Conama (fl. 108). E que o Parna/Campos Gerais é administrado pelo ICMBio, autarquia federal vinculado ao Ministério do Meio Am-biente (fl. 108).

Quanto aos outros fatos, ressaltou que, ainda que as supostas omissões em laudos e estudos – acerca da existência do Parque e das áreas úmidas – tenham sido apresentados perante órgãos estaduais, na forma delineada pela Resolução Conama

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nº 237/1997, tais condutas afetam bens, serviços e interesses da União, mesmo que indiretamente (fl. 108).

A Oitava Turma reiterou esse entendimento, citando inclusive julga-dos do Superior Tribunal de Justiça, e asseverou que (fls. 183/185):

[...] tendo os atos ilícitos (e dentre estes o suposto fornecimento de laudo/estudo parcialmente falso pela paciente) causado dano ao Parque Nacional dos Campos Gerais, em sua área circundante, está configurado o interesse federal, conforme a regra do art. 27 do Decreto nº 99.274/1990 – in verbis:

“Art. 27. Nas áreas circundantes das Unidades de Conservação, num raio de dez quilômetros, qualquer atividade que possa afetar a biota ficará subordinada às normas editadas pelo Conama.”

Com efeito, o fato de a localidade onde praticado o ilícito encontrar-se no entorno de área de preservação ambiental tem o condão de atrair a compe-tência para o processamento do feito ao Judiciário Federal.

[...]

Por fim, em relação ao fato de os documentos terem sido apresentados pe-rante órgão estadual, conforme salientado pelos impetrantes, tal não afasta a competência federal, porquanto, como percucientemente referido pelo agente ministerial no primeiro grau, a conduta delitiva atribuída à ora ex-cipiente guarda correlação direta e conexão probatória com o 1º fato de-lituoso. Todas as condutas delitivas descritas, tanto a ocorrência de dano direto ou indireto ao Parna/Campos Gerais quanto à omissão dolosa de informações em estudos e laudos – ainda que apresentados perante órgãos estaduais – acerca de áreas úmidas e a própria existência do Parna afetam bens e interesses da União. (evento 09 – Promoção 01 do procedimento nº 5010215-03.2012.404.7009) [...]

Pois bem. A preservação do meio ambiente é matéria de competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, nos ter-mos do art. 23, VI e VII, da Constituição Federal. Na hipótese de crime am-biental, a Justiça Federal somente será competente para processar e julgar a ação penal, quando caracterizada real lesão a bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas públicas federais, em conformidade com o art. 109, IV, da Constituição, o que, pelo exposto acima, ficou demons-trado.

Ora, os fatos narrados na denúncia apontam para danos ambientais, diretos e indiretos, a unidade de conservação federal. Atos ilícitos teriam sido

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praticados na área circundante do Parque Nacional dos Campos Gerais e a falsidade dos estudos e dos laudos apresentados aos órgãos estaduais, ao induzir a erro a administração ambiental local, acabaram por vulnerar jus-tamente a área protegida pela União, tornando o interesse federal mais uma vez presente.

Como dito pelo parecerista, a conduta praticada pela recorrente objeti-vou elidir a atuação da Autarquia Federal ICMBio no licenciamento em questão, e, por consequência, afastar a irrefutável competência da Justiça Federal no caso em tela (fl. 7.210).

Nessa linha, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA – CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE – ART. 39 DA LEI Nº 9.605/1998 – CORTE DE ÁRVORES EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL SITUADA NO ENTORNO DO PARQUE NACIONAL DO ITATIAIA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

1. A competência da Justiça Federal, expressa no art. 109, IV, da Carta Mag-na, restringe-se às hipóteses em que os crimes ambientais são perpetrados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, suas autarquias ou empresas públicas.

2. Delito em tese cometido no interior de área de proteção ambiental lo-calizada no Entorno do Parque Nacional do Itatiaia, criado pelo Decreto nº 1.713/1937, floresta contígua à aludida unidade de conservação, o que faz incidir na espécie o disposto no art. 9º da Lei nº 4.771/1965 (Código Florestal), verbis: as florestas de propriedade particular, enquanto indivisas com outras, sujeitas a regime especial, ficam subordinadas às disposições que vigorarem para estas.

3. Logo, tendo em vista que a área na qual houve o prejuízo ambiental é vizinha a outra submetida a regime especial (bem da União), compete à Justiça Federal pro-cessar e julgar o feito, nos termos do art. 109, inciso IV, da Carta Magna.

4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal do Juizado Especial de Resende – Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro.

(CC 92.722/RJ, Min. Jorge Mussi, 3ª S., DJe 19.04.2010 – grifo nosso)

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – CRIME AMBIENTAL – EXISTÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTI-ÇA FEDERAL

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1. Conduta praticada, em tese, nas cercanias do Parque Nacional do Itatiaia, criado pelo Decreto nº 1.713/1937, e, de acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em Minas Gerais, o agente teria causado dano ambiental direto à unidade de conservação federal, o que demonstra o interesse da União no feito. Precedentes.

2. Conflito conhecido para determinar competente o suscitado, Juízo Fede-ral de Varginha – SJ/MG.

(CC 115.003/MG, Min. Og Fernandes, 3ª S., DJe 28.03.2011)

E, em situação similar, o Supremo Tribunal Federal dispôs que a com-petência da Justiça Federal se firma pelo fato de a degradação ambiental ter cau-sado danos diretos à área circundante e indiretos à Unidade de Conservação federal (Ap 618/RJ, Min. Dias Toffoli, 2ª T., DJe 02.06.2017 – grifo nosso).

Além do que, alcançar conclusão diversa demandaria profunda incur-são em aspectos fático-probatórios, providência incabível nesta via.

De mais a mais, conforme informações obtidas em consulta ao portal oficial do Tribunal Regional na internet, o Juízo da 1ª Vara Federal de Pon-ta Grossa/PR, nos autos da ação penal objeto deste recurso, em 06.04.2016, julgou parcialmente procedente a denúncia para condenar a recorrente pela prática do crime previsto no art. 69-A da Lei nº 9.605/1998 e absolvê-la do crime do descrito no 3º fato delitivo, nos termos do art. 386, V, Código de Processo Penal. Na oportunidade, em juízo de cognição muito mais amplo do que o atual, entendeu por demonstrada a ocorrência de danos na faixa circundante de uma Unidade de Conservação. Destacou que a conduta de, a meros 1.816,59 me-tros de uma Unidade de Conservação, introduzir tubulações e abrir valas alterando o fluxo hídrico local, gerando impactos às características do solo e espécies vegetais, causa danos a área circundante.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso em habeas corpus.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEXTA TURMA

Número Registro: 2013/0141898-2

Processo Eletrônico RHC 37.618/PR

Matéria Criminal

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OutubRO/2017

Números Origem: 50019765120134040000 PR-00005242120104047009 PR-50043899320124047009 PR-50102150320124047009 TRF4-50019842820134040000

Em Mesa Julgado: 22.08.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Roberto Luis Oppermann Thomé

Secretário: Bel. Eliseu Augusto Nunes de Santana

AUTUAÇÃO

Recorrente: Maria Helena Elias Valentini

Advogados: Shalom Moreira Baltazar – PR038620 Cesar Lourenço Soares Neto e outro(s) – PR029201 André Gustavo Meyer Tolentino – PR046381

Recorrido: Ministério Público Federal

Corréu: Marcus Vinícius Nadal Borsato

Corréu: Paulo Roberto Tobiezi

Corréu: Ponta Grossa Ambiental S/A

Corréu: Resitec Tecnologia em Resíduos Ltda.

Assunto: Direito penal – Crimes previstos na legislação extravagante – Cri-mes contra o meio ambiente e o patrimônio genético

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Sexta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto do Sr. Ministro Relator negando provimento ao recurso ordi-nário, pediu vista o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz. Aguardam os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro e Maria Thereza de Assis Moura.

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TrF 4ª r.Tribunal regional Federal da 4ª região

Conflito de Jurisdição (Seção) nº 5047820-82.2017.4.04.0000/RSRelator: Leandro PaulsenSuscitante: Juízo Federal da 1ª VF de Capão da CanoaSuscitado: Juízo Substituto da 1ª VF de JoinvilleInteressado: Claudemir de LimaAdvogado: Lelayne Thayse Flausino

Ariana Cristina da Luz MeesInteressado: Ministério Público Federal

Polícia Federal/RS

EMENTA

conFLito nEgativo dE comPEtência – crimE ambiEntaL – art. 69 da LEi nº 9.605/1998 – obstar ou

diFicuLtar a ação FiscaLizadora do PodEr PúbLico no trato dE quEstÕEs ambiEntais comPEtência

tErritoriaL – PrEvEnção – arts. 71 E 83 do cPP

Compete ao Juízo Substituto da 1ª Vara Federal de Joinville/SC, o suscitado, observada a regra da prevenção, processar e julgar ação penal, relativamente à suposta prática do crime tipificado no art. 69 da Lei nº 9.605/1998, de natureza permanente, nos termos dos arts. 71 e 83 do Código de Processo Penal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, por declarar a competência do Juízo Substituto da 1ª Vara Fe-

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deral de Joinville/SC, o suscitado, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 05 de outubro de 2017.

Desembargador Federal Leandro Paulsen Relator

RELATÓRIO

O Senhor Desembargador Leandro Paulsen: 1. Conflito de Jurisdi-ção. Trata-se de conflito negativo de jurisdição, suscitado pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Capão da Canoa/RS em face do Juízo Substituto da 1ª Vara Federal de Joinville/SC, para processar e julgar a Ação Penal nº 5002446-20.2017.4.04.7121 (Ação Penal nº 5001613-53.2014.4.04.7201, autuação do juí-zo suscitante), relativamente à suposta prática do crime tipificado no art. 69 da Lei nº 9.605/1998 por Claudemir de Lima.

Depreende-se dos autos que a denúncia oferecida em desfavor de Claudemir de Lima foi recebida pelo Juízo Suscitado, em 20.02.2017. Após a apresentação da defesa preliminar, a competência foi declinada, a pedido da acusação, para o Juízo Suscitante, o qual se deu por incompetente, dando ensejo ao presente conflito.

2. Razões do Juízo Suscitado. O Juízo Federal de Joinville/SC declinou da competência em favor do Juízo Suscitante, ao fundamento de que o delito em questão, de natureza formal, não exige resultado naturalístico, consumando--se com o mero ato de obstar ou dificultar a ação de fiscalização, no caso, no momento em que o rastreador deixou de emitir sinais, firmando-se a compe-tência para o processo e julgamento do feito, portanto, pelo local em que a embarcação se encontrava quando o equipamento instalado emitiu a sua úl-tima localização geográfica. Na hipótese em comento, as coordenadas referi-das, quando inseridas na página eletrônica do Google Maps, indicariam que o último sinal emitido pela embarcação Keila I teria ocorrido próximo à praia na cidade de Tramandaí/RS, abarcada pela Subseção Judiciária de Capão da Canoa, razão pela qual foi declinada a competência, nos termos dos arts. 69, I e 70, caput, ambos do CPP.

3. Razões do Juízo Suscitante. O Juízo Suscitante, por sua vez, entende que não detém competência para processar a citada ação penal. Inicialmente, destaca que a competência territorial é relativa e não pode ser declarada de

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ofício, ocorrendo preclusão consumativa para a acusação e o Juízo Suscitado, quando do ajuizamento da ação penal e do recebimento da exordial acusató-ria, respectivamente.

Outrossim, tendo a denúncia sido oferecida e recebida no Juízo Susci-tado, a competência territorial, de natureza relativa e suscetível à prevenção (art. 83 do CPP), teria sido prorrogada (art. 43 do CPC). Ademais, a prática criminosa imputada ao réu, que ocorreu em embarcação no mar territorial brasileiro, deveria ser processada e julgada pelo órgão jurisdicional do pri-meiro porto em que a embarcação tocar (art. 89 do CPP), não havendo indí-cios mínimos de que tal situação tenha ocorrido na Subseção Judiciária de Capão da Canoa/RS.

4. Parecer. O Ministério Público Federal opinou pela fixação da compe-tência do Juízo Suscitado (evento 5/PARECER1).

É o relatório.

Apresento em mesa.

Desembargador Federal Leandro Paulsen Relator

VOTO

O Senhor Desembargador Leandro Paulsen: No caso em comento, constata-se que a divergência entre os Juízos Suscitante e Suscitado se refe-re à competência para processar e julgar ação penal em que Claudemir de Lima foi denunciado pela suposta prática do crime tipificado no art. 69 da Lei nº 9.605/1998, relativamente à aplicação de regras de prevenção e/ou de dis-posições especiais de competência.

Inicialmente, vale transcrever a exordial acusatória:

“No período de 08 de fevereiro de 2014 a 30 de janeiro de 2015, entre os municípios de Barra Velha e São Francisco do Sul, SC, Claudemir de Lima dificultou a ação fiscalizatória do Poder Público no trato de questões am-bientais ao não manter em funcionamento contínuo o Equipamento de Rastreamento de Embarcação Pesqueira por Satélite (Preps) instalado da embarcação Keila I, inscrita na Marinha do Brasil sob o nº 441-009732-0, de sua propriedade, tendo a última transmissão de informações obrigató-rias da embarcação ocorrido em 08.02.2014, nas coordenadas geográficas 30º04’42”S50º04’05”W.

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É dos autos que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) lavrou o Auto de Infração nº 9054735-E no âmbito de ação fiscalizatória relacionada ao período de defeso das espécies de peixe bagre e anchova, porquanto a referida embarcação pesqueira foi utilizada sem a competente observância do Preps durante o período de 08.02.2014 até a autuação havida em 30.01.2015.

Ouvido sobre os fatos, Claudemir de Lima disse que o aparelho de rastrea-mento Preps permaneceu aproximadamente três meses sem funcionamen-to no ano de 2014, devido a falta de pagamento pelos serviços da empresa Onix Sat, responsável pelo equipamento Preps da embarcação Keila I. No entanto, confirmou que continuou a utilizar a embarcação pesqueira no período, exceto na época do defeso (evento 36, p. 4).

A empresa Onix Sat informou que os serviços de rastreamento prestados ao responsável pela embarcação pesqueira foram suspensos em razão de pendências financeiras, no dia 06.05.2014, sendo restabelecidos em outubro de 2015, de modo que, no momento da lavratura do Auto de Infração Am-biental, em 30.01.2015, o equipamento rastreador exigido deveria estar em funcionamento (evento 36, p.10).

A inobservância das normas referentes ao Programa Nacional de Ras-treamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite – Preps, por ação ou omissão dos responsáveis por embarcações, obsta ou dificulta a ação fis-calizatória do Poder Público no trato de questões ambientais, cujo dever legal de observância encontra-se previsto nos arts. 32 e 33, ambos da Lei nº 11.959/2009, no art. 9º, IV do Decreto nº 4.810/2003 e nos arts. 1º, 8º e 15 da Instrução Normativa SEAP/PR, MMA e MB nº 02, de 04.09.2006 (cf. evento 33, OUT1,p. 21-23).

Com efeito, a observância dos comandos do Preps, tal qual a transmissão contínua de informações obrigatórias pelos equipamentos instalados nas embarcações pesqueiras, em intervalo não superior a uma hora, incluindo o período em que a embarcação não esteja em cruzeiro de pesca, é peça importante no monitoramento, gestão pesqueira e controle das operações da frota pesqueira autorizada, comprometendo, em caso de descumpri-mento, a capacidade fiscalizatória por rastreamento das embarcações pelos órgãos competentes. O uso do Preps também funciona como mecanismo de controle que visa a coibir a clonagem de embarcações e a falsificação de informações perante o Ibama e a Marinha do Brasil. É obrigatória a adesão ao Preps de todas as embarcações de pesca com comprimento igual ou su-perior a 15 metros.

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O Ibama noticiou que Claudemir de Lima já havia sido autuado em 29.08.2013, na localidade de São Domingos, em Navegantes, SC, em ra-zão de não utilizar e manter em funcionamento o equipamento de ras-treamento Preps na embarcação pesqueira Keila I (Auto de Infração nº 715028-D, que culminou na instauração do Processo Administrativo nº 02026.001025/2013-91, cfe. evento 33, p. 49-55). Em virtude desse fato, Claudemir está sendo processado pela prática de crime da mesma espé-cie na Ação Penal nº 5004004-28.2015.4.04.7201, da 1ª Vara Federal da Sub-seção Judiciária de Itajaí, SC, instaurada com base no Inquérito Policial nº 5007208-17.2014.4.04.7208, no curso do qual foi realizada perícia crimi-nal na embarcação Keila I, que atestou a sua medida em 16,8 metros, com margem de erro de 10 cm. (cfe. documentos anexos e Laudo Pericial inserto no evento 9, INQ1, p. 3-5 do antedito IPL).

A materialidade e os indícios de autoria do delito emergem do Auto de Infração Ambiental inserto no evento 33, OUT1, p. 07-16 e do Relatório de Fiscalização do mesmo evento, p. 17-27, e, ainda, do Termo de declarações de Claudemir de Lima constante do evento 36, p. 4, os quais atestam a falta de emissão de sinal pelo equipamento do Preps da embarcação pesqueira no mencionado período, sem motivo justificante ou comunicação de desa-tivação.

Assim agindo, Claudemir de Lima, de forma livre e consciente, pra-ticou conduta que configura o crime previsto no art. 68, caput da Lei nº 9.605/1998, ao não manter em funcionamento contínuo o equipamen-to remoto obrigatório de rastreamento por satélite (Preps) da embarcação Keila I para desenvolver atividades de pesca em águas jurisdicionais bra-sileiras, inexistindo a presença de alguma justificante do art. 23 do Código Penal e sendo ele imputável com conhecimento da ilicitude do fato prati-cado, do qual, na situação concreta, era exigível comportamento diverso, é dizer, conforme os ditames legais.

Dado ao exposto, o Ministério Público Federal denuncia Claudemir de Lima como incurso no art. 69 da Lei nº 9.605/1998. Requer-se o recebimento da presente denúncia e a instauração do devido processo legal, nos termos do procedi-mento comum previsto no Código de Processo Penal, com a oitiva da teste-munha a seguir arrolada e a sequência da instância até final condenação.”

Conforme apontado no relatório, a decisão de declinação de com-petência proferida pelo Juízo Suscitado tem por fundamento a verificação das coordenadas geográficas da última transmissão do Equipamento de Rastreamento de Embarcação Pesqueira por Satélite (Preps), instalado na em-

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barcação Keila I, de responsabilidade do réu Claudemir de Lima, que ocorreu próximo ao litoral de Tramandaí/RS.

Ocorre que a infração penal contida no art. 69 da Lei nº 9.605/1998, qual seja, obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais, caracteriza crime permanente, cujo momento consu-mativo se protrai no tempo, porquanto o agente pode cessar a qualquer mo-mento a ação criminosa, não sendo possível afirmar que a prática do delito te-nha ocorrido tão-somente no instante em que a transmissão de coordenadas foi interrompida em 08.02.2014, pois ela persistiu até a ação fiscalizadora do Ibama em 30.01.2015, que aconteceu entre os municípios de Barra Velha/SC e São Francisco do Sul/SC. Assim, por quase um ano, o réu Claudemir de Lima dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais, ao não manter em funcionamento contínuo o equipamento Preps em sua embarcação.

Nesse contexto, diante da natureza permanente do crime em exame, que revela a produção de resultados em locais diferentes, deve ser observado o disposto nos arts. 71 e 83 do CPP, verbis:

Art. 71. Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela pre-venção.

Art. 83. Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, con-correndo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimen-to da denúncia ou da queixa (arts. 70, § 3º, 71, 72, § 2º, e 78, II, c).

Outrossim, relativamente à regra prevista no art. 89 do CPP, no sentido de que os crimes cometidos em qualquer embarcação nas águas territoriais da República, ou nos rios e lagos fronteiriços, bem como a bordo de embar-cações nacionais, em alto-mar, serão processados e julgados pela justiça do primeiro porto brasileiro em que tocar a embarcação, após o crime, ou, quan-do se afastar do País, pela do último em que houver tocado, a denúncia não é clara sobre qual porto teria sido o primeiro a ser tocado pela embarcação, razão pela qual não pode ser aplicada à espécie.

Por fim, consoante salientado pelo Juízo Suscitante, houve preclusão consumativa para a acusação e para o Juízo Suscitado quanto à fixação da competência territorial relativa pela prevenção, quando do ajuizamento da

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ação penal e do recebimento da denúncia, respectivamente, observando-se que a competência territorial que é relativa não pode ser declarada de ofício.

A propósito:

PENAL – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – IMPOR-TAÇÃO DE MEDICAMENTOS FALSIFICADOS, SEM REGISTRO NO ÓRGÃO COMPETENTE E DE PROCEDÊNCIA IGNORADA – ART. 273, §§ 1º, 1º-A E 1º-B, I E V, DO CP – COMPETÊNCIA DO JUÍZO – DESCLAS-SIFICAÇÃO PARA O ART. 334 DO CP – IMPOSSIBILIDADE – CAUSA DE AUMENTO DO ART. 40, INCISO I, DA LEI Nº 11.343/2006 – AUSÊN-CIA DE BIS IN IDEM

1. No que tange à competência, o Tribunal a quo consignou que o delito perpetrado pelo recorrente consumou-se na cidade de Londrina/SC, lo-cal onde efetivada a apreensão dos medicamentos introduzidos no Brasil. Tal entendimento encontra-se no mesmo sentido da jurisprudência desta Corte Superior de que, quanto à importação da droga, a competência para processar e julgar a ação penal é do juízo do local da apreensão do entorpe-cente, nos termos da norma supracitada, onde se consuma o crime e não do lugar do destino (CC 145.041/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 3ª S., Julgado em 10.08.2016, DJe 22.08.2016). Ademais, a competência territorial, por ser relativa, deve ser arguida na primeira oportunidade que a parte possui para se manifestar nos autos, sob pena de preclusão. A não apresentação da declinatória no prazo implica sua aceitação, prorrogando-se a competência (AgInt-HC 187.760/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., Julgado em 19.05.2016, DJe 07.06.2016).

2. [...]

3. [...]

4. [...]

5. Agravo regimental não provido.

(AgRg-REsp 1659315/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., Jul-gado em 15.08.2017, DJe 25.08.2017)

Dispositivo. Ante o exposto, voto no sentido de declarar a competência do Juízo Substituto da 1ª Vara Federal de Joinville/SC, para processar e jul-gar a Ação Penal nº 5002446-20.2017.4.04.7121, quanto à suposta prática do crime tipificado no art. 69 da Lei nº 9.605/1998 por Claudemir de Lima.

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Desembargador Federal Leandro Paulsen Relator

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 05.10.2017

Conflito de Jurisdição (Seção) nº 5047820-82.2017.4.04.0000/RS

Origem: RS 50024462020174047121

Relator: Des. Federal Leandro Paulsen

Presidente: Desª Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère

Procurador: Dr. José Ricardo Lira Soares

Suscitante: Juízo Federal da 1ª VF de Capão da Canoa

Suscitado: Juízo Substituto da 1ª VF de Joinville

Interessado: Claudemir de Lima

Advogado: Lelayne Thayse Flausino Ariana Cristina da Luz Mees

Interessado: Ministério Público Federal Polícia Federal/RS

Certifico que o(a) 4ª Seção, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A seção, por unanimidade, decidiu por declarar a competência do Juízo Substituto da 1ª Vara Federal de Joinville/SC, o suscitado.

Relator Acórdão: Des. Federal Leandro Paulsen

Votante(s): Des. Federal Leandro Paulsen Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus Des. Federal Márcio Antônio Rocha Desª Federal Cláudia Cristina Cristofani

Ausente(s): Desª Federal Salise Monteiro Sanchotene Des. Federal João Pedro Gebran Neto

Paulo André Sayão Lobato Ely Diretor de Secretaria

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EmEntário PEnal

crimE ambiEntaL – EXPLorar matéria- -Prima – autorização – dosimEtria

31966 – “Penal e processual penal. Art. 55 da Lei nº 9.605/1998 e art. 2º da Lei nº 8.176/1991. Explorar matéria-prima pertencente à União sem autorização. Areia. Con-curso formal. Prescrição da pretensão punitiva reconhecida quanto ao crime do art. 55 da Lei nº 9.605/1998. Materialidade e autoria comprovadas. Dosimetria. Substituição da pena por uma restritiva de direito. 1. Extinta a punibilidade do acusado, no tocante ao crime do art. 55 da Lei nº 9.605/1998, em razão da prescrição retroativa da pretensão pu-nitiva estatal, pela pena in concreto, nos termos dos arts. 107, IV; 109, V, c/c o art. 110, §§ 1º e 2º, todos do Código Penal, na redação anterior à Lei nº 12.234/2010. 2. A materialidade e a autoria ficaram comprovadas pelos documentos juntados aos autos, razão pela qual foi devidamente condenado na pena do art. 2º da Lei nº 8.176/1991. 3. As provas produzidas nos autos demonstram que o apelante realizou atividade minerária sem a correspondente licença ambiental, conforme comprova o laudo de exame de meio ambiente. 4. Deve ser mantida a fixação da pena-base em 01 (um) ano e 03 (três) meses pelo crime do art. 2º da Lei nº 8.176/1991, uma vez que a consequência do crime prevista no art. 59 do CP é desfa-vorável, porquanto foi apreendida grande quantidade de areia (220.723m³), bem como em razão da grande extensão de terra degradada (quase 5 hectares). 5. Reconhecida a circuns-tância atenuante da confissão espontânea, a pena definitiva resultou em 01 (um) ano de detenção, a qual deve ser substituída por uma restritiva de direitos, de sorte que deve ser mantida a prestação de serviços à comunidade fixada na sentença, e excluída a pena pe-cuniária fixada. 6. Apelação do réu provida.” (TRF 1ª R. – ACr 0005469-23.2010.4.01.3812 – 3ª T. – Relª Desª Monica Sifuentes – J. 19.09.2017)

crimE contra a ordEm tributária – condEnação transitada Em

JuLgado – PagamEnto do tributo – causa dE EXtinção da PunibiLidadE

31967 – “Habeas corpus. Impetração em substituição ao recurso cabível. Utilização inde-vida do remédio constitucional. Violação ao sistema recursal. Não conhecimento. 1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes. 2. O alegado constrangimento ilegal será analisa-do para a verificação da eventual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do art. 654,

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§ 2º, do Código de Processo Penal. Crime contra a ordem tributária. Condenação transi-tada em julgado. Pagamento do tributo. Causa de extinção da punibilidade. Art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003. Coação ilegal caracterizada. Concessão da ordem de ofício. 1. Com o advento da Lei nº 10.684/2003, no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, o legislador ordinário optou por retirar do ordenamento jurídico o marco temporal previsto para o adimplemento do débito tributário redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, nos termos do seu art. 9º, § 2º, sendo vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite. 2. Não há como se interpretar o referido dispositivo legal de outro modo, senão considerando que o pagamento do tributo, a qual-quer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal conde-natória, é causa de extinção da punibilidade do acusado. 3. Como o édito condenatório foi alcançado pelo trânsito em julgado sem qualquer mácula, os efeitos do reconhecimento da extinção da punibilidade por causa que é superveniente ao aludido marco devem ser equi-parados aos da prescrição da pretensão executória. 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade do paciente, com fundamento no art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003.” (STJ – HC 362.478 – SP – 016/0182386-0) – 5ª T – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 20.09.2017)

nota:O Superior Tribunal de Justiça entendeu que o adimplemento do débito tributário, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado.O relator do habeas corpus reconheceu que a Lei nº 9.964/00, que instituiu o Programa de Recuperação Fiscal (Refis), estabeleceu que a extinção da punibilidade em crime tri-butário só poderia ser declarada com o pagamento integral do débito, e desde que isso ocorresse antes do recebimento da denúncia.Ocorre que.com a edição da Lei nº 10.684/2003, não foi fixado um limite temporal den-tro do qual o pagamento da obrigação tributária e seus acessórios significaria a extinção da punibilidade do agente pela prática de sonegação fiscal.Vale trazer trecho do voto do relator:“Com o advento da Lei nº 10.684/2003, optou o legislador por ampliar o lapso temporal durante o qual o adimplemento do débito tributário redundaria na extinção da punibi-lidade do agente responsável pela redução ou supressão de tributo, nos termos do seu art. 9º, § 2º, verbis:Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.[...]§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa ju-rídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.Da leitura do dispositivo colacionado, depreende-se que o legislador ordinário não fi-xou um limite temporal dentro do qual o adimplemento da obrigação tributária e seus acessórios significaria a extinção da punibilidade do agente pela prática da sonegação

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fiscal. Embora tenha se instaurado certa dúvida acerca do alcance da norma em comen-to, pacificou-se na jurisprudência dos Tribunais Superiores pátrios o entendimento de que o adimplemento poderia se dar tanto antes como depois do recebimento da denún-cia. A doutrina, ao tratar da matéria, refere-se à interpretação jurisprudencial que vem sendo dada pelos tribunais pátrios, assinalando que ‘como a regra em comento não traz nenhum marco para sua incidência, o pagamento se pode dar a qualquer tempo’” (FISCHER, Douglas. Delinquência econômica e estado social e democrático de direito. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. p. 191).Tal entendimento, aliás, também é compartilhado pelo Pretório Excelso, conforme se infere do seguinte precedente:EMENTA: AÇÃO PENAL – Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal nº 10.684/2003, c/c art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário. (HC 81929, Rel. Min. Sepúlveda Perten-ce, Rel. p/ Ac. Min. Cezar Peluso, 1ª T., J. 16.12.2003, DJ 27.02.2004, p. 00027, Ement. v. 02141-04, p. 00780)Embora no caso que deu origem ao precedente citado o adimplemento do débito tribu-tário tenha ocorrido ainda no transcurso da ação penal deflagrada contra acusado, não se pode negar que o legislador ordinário, olvidando-se de estabelecer um limite tem-poral para a quitação da dívida apta a dar ensejo à extinção da punibilidade do agente, procurou ampliar as possibilidades de arrecadar a exação devida, deixando transpare-cer que, uma vez em dia com o Fisco, o Estado não teria mais interesse em atribuir-lhe uma reprimenda corporal em razão da sonegação verificada.Trata-se, na verdade, de uma forma a mais posta à disposição do Estado para seduzir o contribuinte inadimplente a recolher aos cofres públicos o tributo que deve, satisfazen-do, assim, os anseios arrecadatórios da administração pública.Portanto, se no histórico das leis que regulamentam o tema o legislador ordinário, no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, op-tou por retirar o marco temporal previsto para o adimplemento da obrigação tributária redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, é vedado ao Poder Judiciá-rio estabelecer tal limite, ou seja, dizer o que a Lei não diz, em verdadeira interpretação extensiva não cabível na hipótese, porquanto incompatível com a ratio da legislação em apreço. E, assim, não há como se interpretar o art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003 de outro modo, senão considerando que o adimplemento do débito tributário, a qualquer tem-po, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado.Nesse sentido: HABEAS CORPUS – PENAL – ICMS – CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA – ADESÃO AO PROGRAMA DE PARCELAMENTO INCENTIVADO (PPI) E POSTE-RIOR PAGAMENTO DO DÉBITO, APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – INTELIGÊNCIA DO ART. 9º, § 2º, DA LEI Nº 10.684/2003 – PLEITO DE SOBRESTAMENTO DA EXECUÇÃO PENAL ATÉ O JULGAMENTO DE REVISÃO CRIMINAL – HABEAS CORPUS CONCEDIDO – 1. O art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003 estabelece expressamente que da quitação integral do débito tributário pela pessoa jurídica, decorre a extinção da punibilidade. 2. É entendimento jurispru-

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dencial desta Corte Superior que com o advento da Lei nº 10.684/2003 o pagamento do tributo a qualquer tempo extingue a punibilidade quanto aos crimes contra a ordem tributária. Precedente. 3. Habeas corpus concedido para sobrestar a execução do feito até que se julgue a Revisão Criminal. (HC 232.376/SP, Relª Min. Laurita Vaz, 5ª T., J. 05.06.2012, DJe 15.06.2012)HABEAS CORPUS – [...] SONEGAÇÃO FISCAL – CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO – PAGAMENTO DO TRIBUTO – CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNI-BILIDADE – ART. 9º, § 2º, DA LEI Nº 10.684/2003 – OCORRÊNCIA – ORDEM PAR-CIALMENTE CONCEDIDA – 1. Com o advento da Lei nº 10.684/2003, no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, o legislador ordinário optou por retirar do ordenamento jurídico o marco temporal previsto para o adimplemento do débito tributário redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, nos termos do seu art. 9º, § 2º, sendo vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite. 2. Não há como se interpretar o referido dispositivo legal de outro modo, senão considerando que o pagamento do tributo, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado. 3. Como o édito condenatório foi alcançado pelo trânsito em julgado sem qualquer mácula, os efeitos do reconhecimento da extinção da punibi-lidade por causa que é superveniente ao aludido marco devem ser equiparados aos da prescrição da pretensão executória. 4. Ordem parcialmente concedida para declarar ex-tinta a punibilidade do paciente, com fundamento no art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003. (HC 180.993/SP, de minha Relatoria, 5ª T., J. 13.12.2011, DJe 19.12.2011)Embora tenha se instaurado certa dúvida acerca do alcance da norma em comento, pacificou-se na jurisprudência dos tribunais superiores pátrios o entendimento de que o adimplemento poderia se dar tanto antes como depois do recebimento da denúncia.Com base nesse entendimento, já consolidado na jurisprudência, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu habeas corpus contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos termos do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, para declarar extinta a punibilidade do paciente, com fundamento no art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003.

crimE dE dEsacato – súmuLa nº 279 do stF – incidência

31968 – “Direito penal. Agravo interno em recurso extraordinário. Crime de desacato. Controvérsia Decidida com base na legislação infraconstitucional pertinente e no conjunto fático-probatório dos autos. Súmula nº 279/STF. 1. A parte recorrente se limita a postular a análise da legislação infraconstitucional pertinente e uma nova apreciação dos fatos e do material probatório constante dos autos, o que não é possível nesta fase processual. Nes-sas condições, a hipótese atrai a incidência da Súmula nº 279/STF. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STF – AgRg-RE 1.058.324 – Distrito Federal – 1ª T. – Rel. Min. Roberto Barroso – J. 22.09.2017)

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crimE dE moEda FaLsa – Prisão PrEvEntiva – garantia da ordEm PúbLica – aPLicação dE mEdidas aLtErnativas – imPossibiLidadE

31969 – “Processo penal. Habeas corpus. Moeda falsa. Art. 289, caput e § 1º do Código Penal. Prisão preventiva. Garantia da ordem pública. Aplicação da Lei Penal. Instrução criminal. Presença dos requisitos legais da segregação cautelar. Alegadas condições fa-voráveis do paciente. Insuficiência para concessão do writ. Aplicação de medidas alter-nativas. Impossibilidade. Reiteração delitiva. Concreta possibilidade. Ordem denegada. 1. Conquanto a prisão preventiva seja exceção no ordenamento jurídico, sua decretação é possível como no caso presente, para garantia da ordem pública e de aplicação da lei penal, pois há nos autos evidências de que a custodiada, ora paciente, possa concreta-mente reiterar a conduta criminosa. 2. Caracterizados, no caso vertente, a materialidade e a autoria. Decisão fundamentada hábil à manutenção da medida constritiva, em face da necessidade de garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal. 3. In casu, a paciente foi denunciada por ter sido, em tese, abordada portando cédulas falsas em sua bolsa. Si-tuação fática que atesta, de forma robusta, a periculosidade concreta da custodiada, hábil a autorizar a decretação da segregação cautelar, na forma autorizada pelo art. 312 do Có-digo de Processo Penal. 4. As condições subjetivas favoráveis alegadas pela impetrante, ora paciente, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva, sobretudo porque não foram cabalmente demonstradas no writ. 5. Quanto à alegação da ora paciente de que é mãe de 5 (cinco) filhos, trabalha em um abrigo para animais e mora em Belo Horizonte/MG, não se verifica nos autos qual-quer comprovação de tais alegações, razão pela qual se vislumbra risco à aplicação da lei penal, apto a ensejar a manutenção da decisão guerreada. 6. ‘Outrossim, o dolo da pacien-te também é inquestionável na prática do delito em comento. Com efeito, a quantidade de cédulas apreendidas na bolsa da paciente e a utilização de menores para o sucesso do crime (e, eventualmente, menor repressão estatal), confirmam a presença da consciência e vontade para o cometimento do crime’ [excerto extraído do parecer ministerial]. 7. Pela análise da situação do paciente – possibilidade concreta de reiteração criminosa –, verifica--se ser incabível a aplicação das medidas alternativas à prisão, nos termos do art. 282 c/c o art. 319, ambos do Código de Processo Penal. 8. Ordem de habeas corpus denegada.” (TRF 1ª R. – HC 0038444-44.2017.4.01.0000 – Rel. Des. Ney Bello – J. 19.09.2017)

crimE dE rEsPonsabiLidadE – dEsvio dE vErbas PúbLicas – EX-

-PrEFEito – inocorrência31970 – “Penal. Apelação criminal. Crime de responsabilidade. Desvio de verbas públi-cas. Ex-prefeito e ex-secretário municipal. Dono de empresa. Sobrepreço. Inocorrência.

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Valores aprovados pela autarquia federal envolvida no convênio. Ausência de provas da materialidade delitiva e da ação dolosa dos acusados. Recurso ministerial ao qual se nega provimento. 1. A simplicidade do projeto executivo e a ausência de um levantamento to-pográfico, realizado somente em 2003, ocasionaram os problemas na consecução da obra, tornando indispensável, para sua conclusão, a realização do aditivo contratual. 2. A Fun-dação Nacional de Saúde – Funasa aprovou os valores e a parte técnica do projeto. 3. Não há provas de materialidade delitiva, bem como de dolo dos acusados, que repetiram no aditivo ao contrato os valores anteriormente aprovados pela Funasa. 4. Recurso ministe-rial ao qual se nega provimento.” (TRF 2ª R. – ACr 2009.50.03.000073-6 – 1ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Antonio Ivan Athié – DJe 13.10.2017)

crimEs contra a honra – inJúria E diFamação – oFEnsas suPostamEntE

ProFEridas Em dEcisão JudiciaL – quEiXa-crimE – dEcadência –

EXtinção da PunibiLidadE31971 – “Crimes contra a honra. Injúria e difamação. Ofensas supostamente proferidas em decisão judicial. Queixa-crime. Decadência. Arts. 38 do CPP e 103 do CP. Extinção da punibilidade. 1. Os arts. 38 do CPP e 103 do CPP preveem, como marco inicial do prazo de decadência de 6 (seis) meses para o exercício da ação penal privada, o dia em que o ofendi-do vier ‘[...] a saber quem é o autor do crime’. Insusceptível, pela natureza decadencial do prazo, a incidência de causas suspensivas e interruptivas de seu fluxo. 2. Materializadas as supostas ofensas no dia 27.06.2016, data na qual o recorrente tomou conhecimento do su-posto crime e de seu autor, e proposta a queixa apenas em 22.02.2017, impõe-se a extinção da punibilidade pela decadência. 3. Agravo regimental desprovido.” (STF – AgRg-PET 6.594 – Distrito Federal – 1ª T. – Relª Min. Rosa Weber – J. 22.09.2017)

crimEs sEXuais – rEPrEsEntação – dEsnEcEssidadE

31972 – “Penal. Recurso especial. Art. 619 do CPP. Omissão. Não ocorrência. Art. 213, c/c o art. 224, a, ambos do CP. Art. 225 do CP, com redação anterior à Lei nº 12.015/2009. Representação. Desnecessidade. Ação penal pública incondicionada. Proteção integral à criança. Recurso provido. 1. Não se verifica a nulidade do acórdão por ausência de mo-tivação, pois o Tribunal de origem indicou, nitidamente, os motivos de fato e de direito em que se fundou para solucionar cada ponto tido como omisso pela defesa, a teor do art. 381, III, do CPP. 2. A despeito do que dispõe o art. 225 do Código Penal, com redação anterior à Lei nº 12.015/2009, esta Corte já decidiu que ‘[...] O Ministério Público é parte legítima para propor a Ação Penal instaurada para verificar a prática de atentado violen-

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to ao pudor contra criança, independentemente da condição financeira da mesma’ (HC 148.136/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª T., DJe 21.03.2011). Isso porque a proteção integral à criança e ao adolescente, em especial no que se refere às agressões se-xuais, é preocupação constante de nosso Estado (art. 227, caput, c/c o § 4º, da Constituição da República) e de instrumentos internacionais. 3. É irrazoável condicionar à opção dos representantes legais da vítima, ou ao critério econômico, a persecução penal dos crimes definidos pela Constituição da República como hediondos, excluindo da proteção do Es-tado as crianças submetidas à prática de delitos dessa natureza. Vale dizer, é descabida a necessidade de iniciativa dos pais quando o bem jurídico protegido é indisponível, qual seja, a liberdade sexual de crianças de 5, 7 e 8 anos, que, conquanto não tenham sofrido violência real, não possuem capacidade plena para determinação dos seus atos, dada a sua vulnerabilidade. 4. Recurso especial provido para afastar a decadência e determinar o retorno dos autos à origem, a fim de julgar as questões de mérito postas na apelação defensiva.” (STJ – REsp 1.386.615 – (2013/0177546-2) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 31.08.2017)

dano quaLiFicado – PrincíPio da insigniFicância – aPLicação

31973 – “Penal e processual penal. Apelação criminal. Dano qualificado (art. 163, pará-grafo único, III, do Código Penal). Aplicação do princípio da insignificância. Sentença reformada. Absolvição. Recurso provido. I – Hipótese em que o ora apelante restou con-denado à pena de 06 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, por ter arremessado um cone de trânsito e quebrado o vidro que fica ao lado da entrada principal do Instituto Nacional do Câncer – Inca, destruindo patrimônio da União. II – Verifica-se que o dano causado pelo ora apelante não afetou a plena execução dos serviços prestados aos pacien-tes do Inca, sendo tão inexpressivo que sequer teve seu custo estimado no laudo pericial de fls. 237/239. III – O crime em comento tem como bem jurídico protegido o patrimônio e, ainda que tenha ente público como sujeito passivo, está sujeito ao princípio da insig-nificância, ao contrário dos crimes em que o bem jurídico protegido é a fé pública ou a administração pública em seu aspecto moral. IV – Recurso a que se dá provimento, para reformar a sentença e absolver o réu, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal.” (TRF 2ª R. – ACr 2013.51.01.490123-0 – 2ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Messod Azulay Neto – DJe 04.10.2017)

EntorPEcEntE – maconha – dELito PrEvisto no art. 290 do cÓdigo

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PEnaL miLitar – PrincíPio da insigniFicância – não incidência

31974 – “Apelação. Entorpecente. Maconha. Delito previsto no art. 290 do Código Penal Militar. Não incidência do princípio da insignificância. Comprovada tipicidade material do delito. Inaplicabilidade da Lei nº 11.343/2006. Súmula nº 14 do STM. O tipo penal descrito no art. 290 do Código Penal Militar é adequado à conduta praticada pelo agen-te. Delitos envolvendo entorpecentes no âmbito das Forças Armadas não são passíveis de aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista o art. 290 do CPM tutelar não apenas a saúde, mas também a segurança dentro das Organizações Militares. A Lei nº 11.343/2006 (Lei de Tóxicos) não é aplicada no âmbito da justiça castrense, em face do princípio da especialidade explicitado na Súmula nº 14 desta Corte. Desprovido o apelo defensivo. Decisão unânime.” (STM – Ap 28-40.2016.7.09.0009/MS – Rel. Min. William de Oliveira Barros – DJe 11.10.2017)

Estatuto do dEsarmamEnto – PossE irrEguLar dE munição dE uso

PErmitido – oFEnsividadE da conduta ao bEm Jurídico tutELado – ausência

31975 – “Recurso ordinário em habeas corpus. Penal. Art. 12 do Estatuto do Desarmamen-to (Lei 10.826/2003). Posse irregular de munição de uso permitido. Ausência de ofen-sividade da conduta ao bem jurídico tutelado. Atipicidade dos fatos. Recurso provido. I – Recorrente que guardava no interior de sua residência uma munição de uso permitido, calibre 22. II – Conduta formalmente típica, nos termos do art. 12 da Lei nº 10.826/2003. III – Inexistência de potencialidade lesiva da munição apreendida, desacompanhada de arma de fogo. Atipicidade material dos fatos. IV – Recurso provido para determinar o trancamento da ação penal em relação ao delito descrito no art. 12 da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento).” (STF – RO-HC 143.449 – Mato Grosso do Sul – 2ª T. – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – J. 26.09.2017)

EstELionato maJorado – organização criminosa

– sEguro dEFEso31976 – “Processo penal. Habeas corpus. Estelionato majorado. Arts. 171 e 288 do Código Penal. Organização criminosa. Seguro defeso. Prisão preventiva. Garantia da ordem pú-blica. Instrução criminal. Presença dos requisitos legais da segregação cautelar. Alegadas condições favoráveis do paciente. Insuficiência para concessão do writ. Medidas alterna-tivas. Impossibilidade. Ordem denegada. 1. Conquanto a prisão preventiva seja exceção no ordenamento jurídico, sua decretação é possível como na espécie, para garantia da

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ordem pública e conveniência da instrução criminal, pois há nos autos evidências de que o custodiado, ora paciente, possa concretamente reiterar a conduta criminosa. 2. O modus operandi do grupo, do qual fazia parte o custodiada, ora paciente, denota que a empreitada não foi algo excepcional, mas um bem planejado esquema para durar muito tempo. 3. O ora paciente foi preso preventivamente, em 08.06.2017, por, supostamente, participar, na condição de captador e desenvolvedor de softwares, de esquema de fraude para obten-ção indevida de seguro defeso nos municípios de Tucuruí/PA e Breu Branco/PA. 4. ‘Na demonstração objetiva, ainda que indiciária, do envolvimento dos pacientes em fraude tendente à obtenção de benefício previdenciário, por terceiros, de forma fraudulenta, e de que tal prática se traduz em um esquema que vem ocorrendo há mais de dois anos sob a suposta coordenação dos pacientes, aconselha-se a manutenção, si et in quantum, do De-creto de prisão preventiva, em nome da garantia da ordem pública, não sendo decisivo, neste momento, o fato de ter bons antecedentes, residência no distrito da culpa e ocupação lícita, conforme precedentes do STF’ (TRF 1ª R., 4ª T., Rel. Des. Federal Olindo Menezes, e--DJF1 de 17.07.2015). 5. As condições subjetivas favoráveis alegadas pela parte impetrante em favor do paciente, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e tra-balho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva. 6. ‘Reitera-se, na hipótese dos autos existem fortes indícios de que o paciente não só participava de uma grande organização crimi-nosa, bem como era o responsável pela captação de pessoas para o cadastramento como pescadores. Está, portanto, sobejamente evidenciado que a garantia da ordem público es-taria seriamente comprometida na hipótese de deferimento do pedido de revogação da preventiva formulado, uma vez que necessário o desmantelamento do grupo criminoso que há muito vem lesando os cofres públicos. Também, em face da evidente necessidade de evitar a realização de novos cadastros fraudulentos do seguro defeso’ (excerto extraído do parecer ministerial). 7. Pela análise da situação do paciente – possibilidade concreta de reiteração criminosa, verifica-se ser incabível a aplicação das medidas alternativas à pri-são, nos termos do art. 282 c/c o art. 319, ambos do Código de Processo Penal. 8. Ordem de habeas corpus denegada. (TRF 1ª R. – HC 0042476-92.2017.4.01.0000 – Rel. Des. Ney Bello – J. 19.09.2017)

EXPLoração dE rádio sEm autorização LEgaL – atividadE

cLandEstina – comProvação31977 – “Penal. Processo penal. Exploração de rádio sem autorização legal. Atividade clandestina comprovada. Materialidade e autoria demonstradas. Prescindibilidade de laudo pericial. Insignificância. Inaplicabilidade. Sentença condenatória mantida. I – Delito do art. 183 da Lei nº 9.472/1997 suficientemente comprovado em todos os seus elementos. II – O crime do art. 183 da Lei nº 9.472/1997 é formal, de perigo abstrato e tem a segurança dos meios de comunicação como bem jurídico, não havendo a exigência de demonstração do efetivo prejuízo por meio de laudo pericial quando houver nos autos outras provas

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que comprovem a ocorrência do crime, como é o caso. III – Princípio da insignificância inaplicável na espécie. IV – Apelo desprovido.” (TRF 1ª R. – Proc. 00052758620114014200 – 4ª T. – Rel. Des. Cândido Ribeiro – J. 26.09.2017)

FaLsidadE idEoLÓgica – dEcLaração dE inFormaçÕEs FaLsas ao ibama

– doLo – tiPicidadE – ausência31978 – “Penal. Apelação criminal. Falsidade ideológica. Declaração de informações fal-sas ao Ibama. Ausência do dolo e da tipicidade. Recurso não provido. Absolvição man-tida. I – Materialidade e autoria comprovadas pela farta prova documental. Declarações falsas acerca de quantitativo de pescado armazenado verificada in loco por fiscais do Ibama. Imputação pelo art. 299 do CP. II – Dolo não demonstrado. Não é possível pre-sumir que os pescadores prestaram declaração falsa com o intento de realizar pesca ou compra de peixes fora do período autorizado. Informações que redundaram em irregu-laridades facilmente perceptíveis que não obstaram a autarquia federal de desempenhar sua atividade fiscalizatória. III – Recurso não provido. Absolvição mantida.” (TRF 2ª R. – ACr 0000592-52.2012.4.02.5005 – 1ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Abel Gomes – DJe 04.10.2017)

Furto quaLiFicado E corruPção dE mEnorEs – Prisão cautELar –

rEitEração dELitiva – PEricuLosidadE31979 – “Processo penal. Habeas corpus. Furto qualificado e corrupção de menores. Pri-são cautelar. Reiteração delitiva. Periculosidade. Motivação idônea. Ocorrência. Ordem denegada. 1. Não é ilegal o encarceramento provisório decretado em razão da reiteração delitiva do paciente, que, dentre os agentes envolvidos no fato delituoso, ‘é o único que já possui anotação’. Com efeito, o magistrado indicou que ele ‘já responde por crime de roubo, demonstrando assim que sua soltura oferece risco à ordem pública, uma vez que dedicado à prática de crimes contra o patrimônio, inclusive naquela mesma localidade’. 2. Nesse contexto, indevida a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, por-que insuficientes para resguardar a ordem pública. 3. ‘Impossível asseverar ofensa ao “princípio da homogeneidade das medidas cautelares” em relação à possível condenação que o paciente experimentará, findo o processo que a prisão visa resguardar. Em habeas corpus não há como concluir a quantidade de pena que eventualmente poderá ser impos-ta, menos ainda se iniciará o cumprimento da reprimenda em regime diverso do fecha-do’ (RHC 74.203/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., J. 15.09.2016, DJe 27.09.2016). 4. Ordem denegada.” (STJ – HC 407.284 – (2017/0165323-2) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 31.08.2017)

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homicídio quaLiFicado – motivo torPE – mEdiantE mEio cruEL – rEcurso quE diFicuLtou ou

tornou imPossívEL a dEFEsa da vítima – Prisão Em FLagrantE

convErtida Em PrEvEntiva31980 – “Recurso ordinário em habeas corpus. Homicídio qualificado. Motivo torpe. Me-diante meio cruel. Recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima. Prisão em flagrante convertida em preventiva. Excesso de prazo na formação da culpa. Matéria não analisada no acórdão objurgado. Supressão de instância. Superveniência de pronún-cia mantendo a segregação fundada no art. 312 do CPP. Circunstâncias do delito. Gravida-de diferenciada. Periculosidade social. Necessidade de acautelamento da ordem pública. Medidas cautelares alternativas. Insuficiência e inadequação. Substituição por prisão do-miciliar. Filhos com idade inferior a 12 anos. Ausência de elementos de prova acerca da situação das crianças no caso concreto. Coação ilegal não evidenciada. Recurso, em parte, conhecido e, nessa extensão, improvido. 1. Inviável a apreciação, diretamente por esta Corte Superior de Justiça, da tese de extrapolação do prazo razoável da ordem de prisão preventiva, quando a questão não foi analisada no aresto combatido, até porque, em face da superveniente prolação da decisão de pronúncia desfavorável à ré em que se manteve sua custódia processual, incide o Óbice Sumular nº 21 deste Sodalício Superior. 2. Não há ilegalidade na manutenção da prisão preventiva quando demonstrado, com base em fatores concretos, que a segregação se mostra necessária, dada a gravidade da conduta incriminada. 3. Caso em que a recorrente é acusada de em comparsaria do corréu, per-cebendo que o ofendido estava embriagado, se armaram de instrumentos contundentes (paus e pedras) e agrediram-no com violência, fazendo-o cair ao solo, momento em que direcionaram inúmeros golpes para a cabeça dele, matando-o, tudo, ao que parece, em razão de desentendimento anterior, circunstâncias que revelam a reprovabilidade diferen-ciada da conduta perpetrada, autorizando sua manutenção no cárcere. 4. Concluindo-se pela imprescindibilidade da preventiva, está clara a insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão, cuja aplicação não se mostraria adequada para o restabelecimento da ordem pública. 5. Com o advento da Lei nº 13.257/2016, permitiu-se ao juiz a substituição da prisão cautelar pela domiciliar quando a clausulada for mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Exegese do art. 318, V, do CPP. 6. A previsão insculpida na lei reformadora do art. 318 do Código de Processo Penal não é de caráter puramente objetivo e automático, cabendo ao magistrado avaliar em cada caso concreto a situação da criança e, ainda, a adequação da benesse às condições pessoais da presa. 7. Diante da instrução insuficiente nesse recurso, bem como do não reconhecimento pelas instâncias ordinárias da situação excepcional apta a autorizar a substituição do cárcere pela prisão domiciliar, inviável o atendimento da pretensão. 8. Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido.” (STJ – Rec-HC 84.208 – (2017/0106964-6) – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 30.08.2017)

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Latrocínio – Prisão PrEvEntiva – FundamEntação da Prisão – instrução dEFiciEntE – não

conhEcimEnto – EXcEsso dE Prazo Para Formação da cuLPa

31981 – “Penal e processual penal. Habeas corpus. Latrocínio. Prisão preventiva. Fun-damentação da prisão. Instrução deficiente. Não conhecimento. Excesso de prazo para formação da culpa penal. Pluralidade de réus. Súmula nº 52/STJ. Constrangimento ile-gal não configurado. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nesta extensão, denegado. 1. In casu, a decisão de custódia cautelar está ilegível o que torna impossível a análise da tese de ausência de fundamentos da medida bem como existência de identidade fático--processual com corréus beneficiados com liberdade provisória, em virtude da deficiência em sua instrução. 2. Não constatada clara mora estatal em ação penal onde a sucessão de atos processuais infirma a ideia de paralisação indevida da ação penal ou de culpa do estado persecutor, não se vê demonstrada ilegalidade no prazo da persecução criminal desenvolvida. 3. Havendo circunstâncias excepcionais a dar razoabilidade ao elastério nos prazos, como é o caso em análise, processo que conta com cinco réus, a necessidade de expedição de várias cartas precatórias, além da dificuldade de citação de todas as partes, não há que se falar em flagrante ilegalidade. 4. ‘Encerrada a instrução criminal, fica supe-rada a alegação de constrangimento por excesso de prazo’ – Súmula nº 52/STJ. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nesta extensão, denegado, mas com a recomendação de que o juízo de piso confira maior celeridade à ação penal com o fito de instruir e julgar o processo.” (STJ – HC 399.179 – (2017/0107140-9) – 6ª T. – Rel. Min. Nefi Cordeiro – DJe 31.08.2017)

LEsão corPoraL – vioLência doméstica E amEaça –

inadmissibiLidadE31982 – “Agravo regimental no recurso ordinário em habeas corpus. Penal e processu-al penal. Lesão corporal em situação de violência doméstica e ameaça. Arts. 129, § 9º, e 147 do Código Penal. Contravenção de vias de fato. Art. 21 da Lei nº 3.688/1941. Habeas corpus originariamente substitutivo de recurso. Inadmissibilidade. Precedentes. Rediscus-são de critérios de dosimetria da pena. Fundamentação idônea pelas instâncias ordinárias. Revolvimento do conjunto fático-probatório. Inadmissibilidade na via eleita. Inexistência de constrangimento ilegal. Agravo regimental desprovido. 1. A dosimetria da pena, bem como os critérios subjetivos considerados pelos órgãos inferiores para a sua realização, não são passíveis de aferição na via estreita do habeas corpus, por demandar minucioso exame fático e probatório inerente a meio processual diverso. Precedentes: HC 104.827, 1ª T., de minha relatoria, DJe de 06.02.2013, HC 131.761, 2ª T., Relª Min. Cármen Lúcia, DJe de 29.02.2016 e HC 131.887, 2ª T., Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 07.03.2016. 2. In casu, o recorrente foi condenado à pena de 11 (onze) meses e 20 (vinte) dias de detenção pelos

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crimes de lesão corporal em situação de violência doméstica e ameaça, mais 01 (um) mês e 10 (dez) dias de prisão simples em razão da prática de contravenção penal de vias de fato. 3. O habeas corpus é ação inadequada para a valoração e exame minucioso do acervo fático--probatório engendrado nos autos. 4. Verifica-se a existência de óbice processual, por-quanto o habeas corpus impetrado perante o Tribunal a quo foi manejado em substituição a recurso cabível. 5. Agravo regimental desprovido.” (STF – AgRg-RO-HC 143.819 – Mato Grosso do Sul – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – J. 21.08.2017)

motim E incitamEnto – maJor da rEsErva – Provas –

Produção – condEnação31983 – “Ação penal originária. Motim e incitamento. Art. 149, II, e art. 155, caput, do Código Penal Militar. Major da reserva, atualmente deputado federal. Comando de mo-vimento grevista, proibido pela Constituição Federal, com obstrução da saída de viaturas do quartel da polícia militar. Provas produzidas sob o crivo do contraditório que não con-firmam os fatos denunciados. Impropriedade da condenação com fundamento exclusivo em elementos indiciários. Incidência do art. 297 do Código de Processo Penal Militar e do art. 155 do Código de Processo Penal. Absolvição, nos termos do art. 439, alínea e, do Código de Processo Penal Militar. 1. O suporte probatório apto à condenação não pode lastrear-se exclusivamente em elementos indiciários, sob pena de ofensa ao art. 155 do Código de Processo Penal, bem como ao art. 297 do Código de Processo Penal Militar, notadamente quando as provas produzidas sob o crivo do contraditório não confirmam o quadro fático descrito na denúncia. 2. No caso, a prova testemunhal produzida na fase ju-dicial não demonstrou que o réu atuava como líder do movimento grevista, tampouco que tenha responsabilidade pela obstrução do portão lateral do Quartel do Comando-Geral da Polícia Militar do Estado do Acre, quando militares e familiares desobedeceram às or-dens para desobstrução do local com a finalidade de permitir a saída de viaturas policiais. 3. Pedido de absolvição formulado pelo Procurador-Geral da República, e ratificado pela defesa, atendido nos termos do art. 439, alínea e, do Código de Processo Penal Militar. 4. Ação penal julgada improcedente.” (STF – APen 954 – Acre – 1ª T. – Rel. Min. Alexandre de Moraes – J. 29.08.2017)

PEcuLato – Formação dE quadriLha – LavagEm dE caPitais – EXEcução

ProvisÓria – PossibiLidadE31984 – “Habeas corpus. Peculato, formação de quadrilha e lavagem de capitais. Condena-ção de 22 anos, 8 meses e 10 dias de reclusão. Regime inicial fechado. Execução provisória determinada pelo tribunal. Possibilidade. Legalidade. Recente entendimento do Supremo

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Tribunal Federal. Ausência de violação do princípio da presunção de inocência e da non reformatio in pejus. Recolhimento em sala de estado maior. Impossibilidade. Habeas corpus denegado. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, entendeu que ‘A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apela-ção, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, inciso LVII da Constitui-ção Federal’ (STF, HC 126.292, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 17.05.2016). 2. No particular, como a sentença condenatória foi confirmada pelo Tribunal de origem e porquanto encerrada a jurisdição das instâncias ordinárias (bem como a análise dos fatos e provas que assentaram a culpa do condenado), é possível dar início à execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da condenação, sem que isso importe em violação do princípio constitucional da presunção de inocência. 3. De outra parte, não há que se falar em reformatio in pejus, pois a prisão decorrente de decisão confirmatória de condenação do Tribunal de apelação não depende do exame dos requisitos previstos no art. 312 do CP. Está na competência do juízo revisional e independe de recurso da acusação. 4. Na espé-cie, a Magistrada sentenciante sequer fez ressalva adicional na sentença acerca da liber-dade do paciente, não vinculou ao trânsito em julgado da condenação, apenas deixou de decretar a prisão preventiva por entender não ser o caso. 5. Diante da confirmação da con-denação pela instância revisora, e determinada a execução provisória da pena, não mais subsiste o direito à prisão especial do paciente em Sala de Estado Maior por ser advogado (art. 7º, V, da Lei nº 8.906/1994), porquanto não se trata mais de prisão cautelar. Prece-dentes. 6. Em razão dos aspectos da segurança e da saúde do paciente (já idoso), deve ser mantida sua permanência no Complexo Médico Penal, conforme já ordenado, em revisão, pelas instâncias ordinárias. Tal situação pode ser alterada pelo Juízo das Execuções Penais por razões outras (exemplos: benefícios da LEP, saúde, etc.). A hipótese é de execução provisória da pena. 7. Habeas corpus denegado.” (STJ – HC 381.071 – (2016/0318716-7) – 5ª T. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 31.08.2017)

PEna – dosimEtria – tErcEira FasE – maJorantEs

31985 – “Penal. Habeas corpus. Art. 158, §§ 1º e 3º, do Código Penal. Dosimetria. Terceira fase. Majorantes. Quantum de acréscimo. Fundamentação concreta. Regime inicial fecha-do. Pena superior a 8 anos. Adequação. Ausência de ilegalidade. Ordem denegada. 1. Em se tratando de roubo circunstanciado, a majoração da pena na terceira fase da dosime-tria acima do mínimo legal requer devida fundamentação, com referência a circunstân-cias concretas que justifiquem um acréscimo mais expressivo, o que se verifica no caso em apreço (crime de extorsão mediante restrição da liberdade da vítima praticado por três agentes). 2. Nos termos do art. 33, § 2º, a, do Código Penal, fixada a pena em pata-mar superior a 8 (oito) anos de reclusão, de rigor a imposição do regime inicial fechado. 3. Ordem denegada.” (STJ – HC 403.215 – (2017/0139343-4) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 31.08.2017)

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PrincíPio da insigniFicância – crimE contra o sistEma FinancEiro

– aPLicação – imPossibiLidadE31986 – “Recurso especial. Penal e processo penal. Art. 19 da Lei nº 7.492/1986. Finan-ciamento em instituição financeira mediante fraude. Crimes contra o sistema financeiro. Princípio da insignificância. Impossibilidade de aplicação. Multa. Prestação pecuniária substitutiva. Parcelamento. Limite de 30% da renda declarada. Possibilidade. Valor fixa-do. Súmula nº 7/STJ. Revolvimento em matéria fático-probatória. Recursos improvidos. 1. Firmou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que inaplicável o princípio da insignificância aos crimes contra o sistema financeiro, tendo em vista a necessidade de maior proteção à sua estabilidade e higidez (AgRg-AREsp 975.414/TO, Rel. Min. Sebas-tião Reis Júnior, 6ª T., DJe 30.05.2017). Precedentes. 2. Não há ilegalidade na fixação, com esteio em informações constantes dos autos, de parcelamento do valor em montante que não ultrapassa ao limite de 30% da renda declarada pelos sentenciados. 3. Tendo o Tri-bunal Regional sopesado elementos e considerado as particularidades fáticas dos autos na fixação dos dias-multa e da pena pecuniária, o acolhimento do pleito de revisão do valor estabelecido demandaria reexame de matéria fático-probatória, inviável em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula nº 7 desta Corte Superior. 4. Recursos especiais improvidos.” (STJ – REsp 1.580.638 – RS – (2016/0034267-0) – 6ª T – Rel. Min. Nefi Cordei-ro – DJe 31.07.2017)

nota:Passamos a comentar o acórdão que trata da condenação pela prática de crime contra o sistema financeiro nacional, com base no art. 19 da Lei nº 7.492/1986.O vertente acórdão trata de recursos especiais interpostos com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado:“PENAL E PROCESSO PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL – ART. 19 DA LEI Nº 7.492/1986 – OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO MEDIANTE FRAUDE – PRO-NAF – PREJUÍZO FINANCEIRO – DESNECESSIDADE – PRINCÍPIO DA INSIGNIFI-CÂNCIA – INAPLICABILIDADE – MATERIALIDADE – AUTORIA – DOLO – COM-PROVAÇÃO – CONDENAÇÃO MANTIDA – MULTA – PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA – CONDIÇÕES FINANCEIRAS – ANÁLISE DA COMPATIBILIDADE – 1. Praticam o delito do art. 19, caput e parágrafo único, os agentes que obtêm financiamentos concedi-dos pelo Banco do Brasil através do Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultora Familiar, mediante fraude, consistente na utilização de interposta pessoa e na apresentação de contrato de arrendamento falso. 2. O tipo penal do art. 19 da Lei nº 7.492/1986 se consuma independente do prejuízo financeiro que possa ser causado, tendo em conta que o referido regramento objetiva zelar pela solidez das instituições financeiras, mantendo a credibilidade das aludidas instituições e a proteção do inves-tidor, de forma a garantir e normatizar a atividade do Estado em levantar recursos financeiros e administrar seu dispêndio, tutelando a boa e segura condução da política financeira, a fim de evitar condutas espúrias. Entendimento firmado pela e. Quarta Se-ção deste Tribunal no julgamento dos EINUL 5004384-51.2010.404.7200 (Relª Desª Fed. Cláudia Cristina Cristofani, juntado aos autos em 05.02.2015). 3. O bem jurídico tutela-

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do pelo art. 19 da Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional não se traduz em um determinado valor econômico, sendo inaplicável o princípio da insignificância. 4. Materialidade, autoria e dolo devidamente comprovados. 5. A pena de prestação pecuniária deve ser arbitrada em valor excessivo de modo a não tornar o réu insolvente ou irrisório, que sequer seja sentida como sanção, permitindo-se ao magistrado a utili-zação do conjunto de elementos indicativos de capacidade financeira, tais como a renda mensal declarada, o alto custo da empreitada criminosa, o pagamento anterior de fian-ça elevada. 6. Somente o excesso desproporcional representa ilegalidade na fixação da prestação pecuniária e da multa e autoriza a revisão fundamentada pelo juízo recursal. 7. Apelações criminais desprovidas.”O recorrente pretendeu, inicialmente, a aplicação do princípio da insignificância, sob o argumento de que não houve lesão significativa ao bem jurídico.Apesar do valor pequeno dos empréstimos, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que é inaplicável o princípio da insignificância para crimes contra o sistema financeiro, tendo em vista a necessidade de maior proteção à sua estabilidade e higidez, indepen-dentemente do prejuízo que possa ter sido causado.A Defensoria Pública alegou que a obtenção do financiamento com a utilização de fal-sos contratos de arrendamento de bem rural não causou lesão significativa para o patri-mônio da União, sendo possível a aplicação do princípio da insignificância.A sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que manteve a substituição da pena de prisão pela prestação de serviços à comunidade, além do pagamento de multa.Ao negar o pedido de revisão do acórdão, o relator afirmou que o tribunal levou em consideração os elementos e as particularidades do caso para fixar a pena pecuniária de acordo com a real capacidade financeira dos réus.Vale trazer trecho do voto do relator:“O julgado recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte que se firmou no sentido de que inaplicável o princípio da insignificância aos crimes contra o sistema financeiro, tendo em vista a necessidade de maior proteção à sua es-tabilidade e higidez (AgRg-AREsp 975.414/TO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 30.05.2017). A propósito do tema:‘AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – PENAL – CRI-ME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – COMPETÊNCIA – JUSTIÇA FEDERAL – DESCLASSIFICAÇÃO – ESTELIONATO MAJORADO – IMPOSSIBILI-DADE – NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBA-TÓRIO – VEDAÇÃO – SÚMULA Nº 7/STJ – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDADE – ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DOMINANTE – 1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra o Sistema Financeiro Nacional – ex vi art. 26 da Lei nº 7.492/1986 e art. 109, VI, da Constituição. Precedente da 3ª Seção. 2. A pretensão do recorrente voltada à desclassificação de sua conduta para a figura típica do art. 171, § 3º, do CP, é obstada pelo óbice da Súmula nº 7/STJ, que veda o reexame aprofundado de aspectos fático-probatórios em sede de recurso especial. 3. A jurisprudência desta Corte Superior não admite a incidência do princípio da insignifi-cância como causa supralegal de exclusão da tipicidade de conduta enquadrada como crime contra o Sistema Financeiro Nacional. Precedentes. 4. O agravante não trouxe elementos suficientes para infirmar a decisão agravada, que, de fato, apresentou a so-

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lução que melhor espelha a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria. 5. Agravo regimental improvido. (AgRg-AREsp 830.806/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., J. 10.05.2016, DJe 16.05.2016)[...] CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO – FINANCIAMENTO PARA AQUI-SIÇÃO DE AUTOMÓVEL OBTIDO MEDIANTE FRAUDE – PRINCÍPIO DA INSIGNI-FICÂNCIA – INAPLICABILIDADE – RECURSO IMPROVIDO – 1. Não é aplicável o princípio da insignificância aos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, haja vista a necessidade de maior proteção à sua estabilidade e higidez. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg-REsp 1370235/RS, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Ra-poso (Des. Conv. do TJ/PE), 5ª T., J. 17.09.2015, DJe 01.10.2015)’No mais, as reprimendas foram assim fixadas (com destaques):5. Dosimetria das penas5.1 Os apelantes não se insurgiram quanto às penas privativas de liberdade impostas. Salienta-se, apenas, que a todos foi estabelecida a pena-base no mínimo legal, assim preservada na segunda etapa. Na terceira fase, aplicou-se a causa de aumento prevista no parágrafo único do art. 19 da Lei nº 7.492/1986, no patamar de 1/3, pois os financia-mentos foram concedidos pelo Banco do Brasil através do Pronaf. Assim, as penas definitivas de Lindomar, Cleber e Darcir resultaram em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses e reclusão, em regime inicial aberto, e 68 (sessenta e oito) dias-multa.Para Rafael foi aplicado, também, o aumento decorrente da continuidade delitiva, no mínimo legal, por ter cometido dois delitos, tornando-se definitivas as reprimendas em 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto, e 107 (cento e sete) dias-multa. As penas privativas de liberdade foram substituídas por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.5.2 Todos os acusados, no entanto, requereram a redução do valor do dia-multa e da prestação pecuniária substitutiva. Não se olvide que a pena de prestação pecuniária deve ser fixada atentando à situação financeira do acusado e, nessa medida, deve ser arbitrada de modo a não tornar o réu insolvente; todavia, não pode ser fixada em valor irrisório que sequer seja sentida como sanção. É razoável considerar que a soma da pena de multa eventualmente fixada com a prestação pecuniária, dividida pelo número de meses da pena privativa de liberdade aplicada, não pode atingir montante superior àquele que comprometeria a subsistência do condenado. Em regra, tenho entendido como razoável o dispêndio de valor aproximadamente 30% da renda mensal do réu.Contudo, tal critério não é absoluto, podendo variar conforme as circunstâncias iden-tificadas no processo, como no caso de fortes indicativos de que o réu atua em nome de organização criminosa de elevada capacidade financeira. São representativos de tal envolvimento, por exemplo, o elevado valor de mercadorias (eletrônicos, drogas, den-tre outros) apreendidas, sonegação de significativa importância nos crimes tributários, pagamento de fiança de alto montante ou, ainda, exercício de atividade empresarial (contemporânea ou não aos fatos e a sentença condenatória).Além disso, a ilegalidade do montante fixado não reside na simples alegação de ausên-cia de proporção ou impossibilidade de pagamento. Nesta linha, prevalece a avaliação discricionária do magistrado, de maneira que, ainda que em alguns casos se veja ex-trapolado o percentual de 30%, há que se ponderar se o excesso é relevante a ponto de comprometer a equação valor necessidade.

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No caso, a soma da pena de multa com a prestação pecuniária, divida pelo número de meses da pena privativa de liberdade aplicada a cada um dos acusados resulta em montante não superior a 30% da renda mensal declarada por cada um deles no interro-gatório, de onde seria possível concluir que a prestação pecuniária teria sido fixada em valor compatível com a situação econômica dos condenados, em conformidade com a orientação desta Corte acerca da questão.Tal critério, destaca-se, foi expressamente adotado pela Magistrada a quo, que assim consignou:Como critério para fixação das penas pecuniárias, levando em conta que a praxe é o parcelamento dos valores, tenho que a soma da pena de multa e da prestação pecu-niária (se for o caso), posteriormente dividida pelo número total de meses da pena de reclusão aplicada, deve situar-se em patamar próximo a trinta por cento da renda mensal do réu, o que faço levando em conta, analogicamente, o limite estabelecido para desconto de benefícios indevidos na legislação previdenciária (LBPS, art. 115, II; RPS, art. 154, § 3º; Lei nº 10.953/2004, art. 1º, § 5º).6. ConclusãoComprovados a materialidade, a autoria e o dolo dos acusados e não havendo qualquer ilegalidade na dosimetria das penas realizadas em sentença, devem ser desprovidos os apelos interpostos. Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações criminais.”O relator destacou, no entanto, que o objetivo da pena restritiva de direitos não é levar o condenado ao inadimplemento e consequentemente à prisão.Mencionou ainda, que se comprovada a superveniente impossibilidade do pagamento da multa estabelecida, é possível a alteração do valor da prestação pecuniária, o parce-lamento do valor ou, até mesmo, a substituição da multa por outra pena restritiva de direitos.A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento aos recursos.

Prisão cautELar – FundamEntação idônEa – garantia da ordEm

PúbLica – nEcEssidadE31987 – “Habeas corpus. Art. 121, § 2º, II e IV, do CP. Requisitos da prisão cautelar. Fun-damentação idônea. Necessidade da garantia da ordem pública. Periculosidade social concretamente demonstrada. Excesso de prazo na formação da culpa. Paciente preso há 2 anos. Delonga injustificada da instrução. Constrangimento ilegal configurado. Ofensa aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Precedentes. Ordem concedida. 1. Presentes os indícios de autoria e a materialidade, está a decisão de segregação cautelar concretamente fundamentada na garantia da ordem pública, consideradas as circunstân-cias do crime e o histórico desfavorável do paciente. 2. A contagem do prazo da prisão preventiva não se restringe à verificação aritmética, sendo necessário considerar o princí-pio da razoabilidade e as circunstâncias de cada caso concreto. Feito complexo devido à necessidade de expedição de carta precatória e à solicitação de condução coercitiva para oitiva de testemunhas. 3. Em que pese a gravidade concreta do delito, é manifesta a afron-ta ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, haja vista o paciente encontrar-se

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encarcerado há 2 anos, tempo superior aos limites da razoabilidade, estando certificado nos autos que o acúmulo de serviço no cartório impossibilita a realização da audiência, não havendo nenhuma previsão para que seja encerrada a instrução processual. 4. Or-dem concedida para substituir a prisão preventiva imposta ao ora paciente na Ação Penal nº 00008174620158050124, pelas medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal: I – comparecimento de 15 em 15 dias em juízo para informar e justificar suas atividades; II – proibição de manter contato com as testemunhas arroladas nos autos; III – proibição de ausentar-se da comarca sem autorização judicial; e IV – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, todas a serem implementadas e fisca-lizadas pelo Magistrado singular, que poderá estabelecer quaisquer outras medidas que reputar conveniente, bem como restabelecer a prisão preventiva, em caso de descumpri-mento de uma das cautelares impostas ou em razão da existência de fatos novos.” (STJ – HC 360.941 – (2016/0169693-9) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 13.09.2017)

Prisão PrEvEntiva – homicídio quaLiFicado – aLEgação dE

ausência dE FundamEntação idônEa do dEcrEto PrEvEntivo – não ocorrência – garantia À ordEm PúbLica – vioLência do

crimE – Modus operandi – condiçÕEs FavorávEis – irrELEvância

31988 – “Penal. Processual penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Não cabimento. Prisão preventiva. Homicídio qualificado. Alegação de ausência de fundamentação idô-nea do decreto preventivo. Não ocorrência. Garantia à ordem pública. Violência do crime. Modus operandi. Condições favoráveis. Irrelevância. Recurso improvido. 1. Considerando a natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Proces-so Penal. Deve, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos do previsto no art. 319 do CPP. 2. Na hipótese, a prisão preventiva foi adequadamente motivada, com base em elementos con-cretos extraídos dos autos, restando demonstrada a elevada periculosidade do recorrente e a extrema gravidade dos fatos, evidenciadas a partir do modus operandi e da violência do crime (a vítima teria sido perseguida e atingida com um tiro fatal na cabeça). 3. Condições favoráveis do agente, ainda que comprovadas, não têm, por si só, o condão de revogar a prisão cautelar se há, nos autos, elementos suficientes a demonstrar a sua necessidade. 4. Recurso ordinário em habeas corpus não provido.” (STJ – Rec-HC 75.114 – (2016/0223043-1) – 5ª T. – Rel. Min. Ribeiro Dantas – DJe 30.08.2017)

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tráFico dE drogas – associação – súmuLa nº 691 do stF – incidência

31989 – “Habeas corpus. Direito penal. Tráfico de drogas e associação ao tráfico de drogas. Súmula nº 691/STF. Prisão preventiva. Fundamentação. Excesso de prazo. Constrangi-mento ilegal configurado. Concessão da ordem de ofício. 1. A teor da Súmula nº 691/STF, não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar. 2. Não há ilegalidade evidente ou teratologia a justificar a excepcionalíssima concessão da ordem de ofício na decisão que impõe prisão preventiva com base em elementos concre-tos aptos a revelar a especial gravidade da conduta. 3. Paciente preso preventivamente há mais de quatro anos, sem que tenha sido realizada audiência de interrogatório e sem previsão para a efetivação do ato. 4. Embora a razoável duração do processo não possa ser considerada de maneira isolada e descontextualizada das peculiaridades do caso concre-to, diante da demora no encerramento da instrução criminal, sem que o paciente, preso preventivamente, tenha sido interrogado e sem que tenham dado causa à demora, não se sustenta a manutenção da constrição cautelar. 5. Ordem concedida, de ofício, para revogar a prisão preventiva do paciente, salvo se preso por outro processo, sem prejuízo da impo-sição de medidas cautelares diversas (art. 319, CPP).” (STF – HC 141.583 – Rio Grande do Norte – 2ª T. – Rel. Min. Edson Fachin – J. 19.09.2017)

tráFico dE drogas – diminuição da PEna – circunstância atEnuantE da conFissão – rEconhEcimEnto

31990 – “Apelação criminal. Art. 33, caput (tráfico de drogas), da Lei nº 11.343/2006. Pleito pela diminuição da pena intermediária ante ao reconhecimento da circunstância ate nuante da confissão. Impossibilidade. Atenuante reconhecida. Contudo indevida a re-dução aquém do mínimo legal à luz da Súmula nº 231 do STJ. Afastamento da causa de aumento do art. 40, V (interestadualidade). Não cabimento. Majorante mantida. Prescin-dibilidade de transposição de fronteira. Reconhecimento do tráfico privilegiado e conse-quente afastamento do caráter hediondo. Inviável. Expressiva quantidade de droga apre-endida (255 kg de maconha). Modus operandi que demonstra participação em organização criminosa. Benefício não concedido. Postulada a redução da pena de multa. Inviabilidade. Pena aplicada proporcional à pena privativa de liberdade. Recurso não provido. I – Re-conhecida a circunstância atenuante prevista no art. 65, III, d do Código Penal, quando o agente confessa o delito espontaneamente na fase inquisitorial ou judicial, como no caso concreto. Entretanto, a Súmula nº 231 do STJ obsta a fixação da pena intermediária (2ª fase) aquém do mínimo legal. II – Para a incidência da causa de aumento relativa ao trá-fico interestadual (art. 40, V, da Lei nº 11.343/2006), basta a existência de provas de que o agente iria pulverizar a droga em outro Estado da Federação, sendo irrelevante o fato de o mesmo não ter transpassado a fronteira estadual. III – A dinâmica do crime demonstra

Jurisprudência penalrevista Jurídica 480

OutubrO/2017

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que o apelante não agiu sozinho, pois a operação exigiu articulação prévia para a compra e o preparo da droga, além de logística para fazer o entorpecente entrar no presídio, o que demonstra artifício e premeditação típicos de atuação articulada de vários integrantes da organização criminosa voltada para traficância, o que impede a redutora do art. 33, § 4º da Lei de Drogas. IV – A pena de multa aplicada é proporcional ao quantum da pena privativa de liberdade e foi fixada respeitando os limites trazidos pelo art. 33 da Lei nº 11.343/2006 e o critério trifásico da dosimetria da pena, não cabendo reforma na sentença. Recurso defensivo, ao qual, com o Parecer, nega-se provimento.” (TJMS – Ap 0002558-74.2015.8.12.0012 – 1ª C.Crim. – Relª Desª Maria Isabel de Matos Rocha – DJe 21.08.2017)

tráFico dE drogas – EnvoLvimEnto dE mEnor – rEdução da

PEna – substituição31991 – “Habeas corpus. Tráfico de drogas com o envolvimento de menor. Redução da pena (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006). Dedicação a atividade criminosa. Reexame fático-probatório. Inviabilidade. Alteração do regime. Perda do objeto. Substituição da privativa de liberdade. Inviabilidade. Falta do preenchimento do requisito objetivo. 1. No caso, o único ponto em que havia manifesto constrangimento ilegal a ser reparado – tan-to que chegou a ser deferida medida liminar em favor do paciente – perdeu o objeto. Afinal, na origem, foi alcançada a pretensão de fixação do regime semiaberto e, agora, ele já está no regime aberto. 2. Como concluíram as instâncias ordinárias que o paciente se dedica a atividades criminosas (considerando-se a admissão do réu de que estava co-mercializando drogas há mais de 30 dias, bem como a quantidade de droga apreendida – 2 tijolos de maconha, de 180,3 g, e 152 invólucros plásticos contendo 65,9 g cocaína), não há falar em redução da pena nos termos do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, e, para alterar tal entendimento, seria necessário o amplo exame de fatos e de provas. 3. Fixada a pena privativa de liberdade em patamar superior a 4 anos de reclusão, é inadmissível a substituição por restritivas de direito, pela falta do preenchimento do requisito objetivo (art. 44, I, do Código Penal). 4. Habeas corpus parcialmente prejudicado e, no que resta, ordem denegada.” (STJ – HC 283.882 – (2013/0398923-9) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 13.09.2017)

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Índice AlfAbético e Remissivo cÍvel e PenAl

Doutrina

Civil, ProCessual Civil e ComerCial

assunto

Litigância De má-fé

• litigância de má-Fé e abuso do Direito Processual: análise das Consequências Jurídicas sob a Ótica do Novo Código deProcesso Civil Brasileiro (João Carlos leal Júnior) ......................... 15

PoDer JuDiciário

• Da Capacidade de inovação Normativa Jurídica do Poder Judiciário – analisando o Dogma do “legislador Negativo”(laffitte Fernandes e rocco antonio rangel rosso Nelson) .......... 37

Prazo

• ensaio sobre a Prorrogação dos Prazos Decadenciais em De-corrência das “Férias dos advogados” (CPC/2015, artigo 220) (Daniel Blume Pereira de almeida) .................................................... 9

autor

DanieL BLume Pereira De aLmeiDa

• ensaio sobre a Prorrogação dos Prazos Decadenciais em De-corrência das “Férias dos advogados” (CPC/2015, artigo 220) ........................................................................................................... 9

João carLos LeaL Júnior

• litigância de má-Fé e abuso do Direito Processual: análise das Consequências Jurídicas sob a Ótica do Novo Código deProcesso Civil Brasileiro .................................................................. 15

Laffitte fernanDes e rocco antonio rangeL rosso neLson

• Da Capacidade de inovação Normativa Jurídica do Poder Judi-ciário – analisando o Dogma do “legislador Negativo” ................... 37

rocco antonio rangeL rosso neLson e Laffitte fernanDes

• Da Capacidade de inovação Normativa Jurídica do Poder Judi-ciário – analisando o Dogma do “legislador Negativo” ................... 37

PeNal e ProCessual PeNal

assunto

Pena De morte

• Do Conteúdo Normativo da regra da vedação da Pena demorte no Brasil (rocco antonio rangel rosso Nelson) .................. 61

autor

rocco antonio rangeL rosso neLson

• Do Conteúdo Normativo da regra da vedação da Pena demorte no Brasil ................................................................................. 61

acórDãos na Íntegra

Civil, ProCessual Civil e ComerCial

Busca e aPreensão

• Direito processual civil – ação de prestação de contas – inte-resse processual – alienação fiduciária – Busca e apreensão – leilão extrajudicial – veículo automotor – administração de interesse de terceiro – Cabimento (sTJ) .................................... 79

emBargos

• Processual civil – embargos à execução – Prescrição da pretensão executória e prescrição intercorrente – afasta-mento – revisão de benefício previdenciário – excesso de execução – rmi do benefício revista pelo iNss a partir de novembro de 2000 – embargos acolhidos em parte – Provi-mento parcial da apelação (TrF 1ª r.) ......................................... 105

execução fiscaL

• Tributário – agravo de instrumento – execução fiscal – Pe-nhora on line de ativos do sócio – Constrição determinada sob a vigência da lei nº 11.382/2006 – Desnecessidade de prévio esgotamento de diligências para identificação de outros bens passíveis de constrição – imóveis da devedora principal noticiados na execução insuficientes para quitação do cré-dito da Fazenda Pública – ausência de onerosidade exces-siva (TrF 2ª r.) ..............................................................................115

sentença

• Direito internacional privado – Processual civil – sentença estrangeira contestada – Partilha de bens decretada pela

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Revista JuRídica 480índice cível e Penal

OutubRO/2017

Justiça dos estados unidos da américa – arts. 15 e 17 da lei de introdução às Normas do Direito brasileiro – arts. 216-C, 216-D e 216-F do risTJ – Pedido de homologação desentença estrangeira deferido parcialmente (sTJ) .......................... 95

PeNal, ProCessual PeNal

confLito De comPetência

• Conflito negativo de competência – Crime ambiental – art. 69 da lei nº 9.605/1998 – obstar ou dificultar a ação fis-calizadora do poder público no trato de questões ambientais competência territorial – Prevenção – arts. 71 e 83 do CPP(TrF 4ª r.) .................................................................................... 155

crime amBientaL

• recurso em habeas corpus – Crime ambiental – Danos di-retos e indiretos à unidade de conservação de proteção integral – interesse da união – Competência da Justiça Fe-deral – Parecer acolhido (sTJ) ...................................................... 145

DecaDência

• Crimes contra a honra – injúria e difamação – ofensas su-postamente proferidas em decisão judicial – Queixa-crime – Decadência – arts. 38 do CPP e 103 do CP – extinçãoda punibilidade (sTF) .................................................................... 135

ementário cÍveL

assunto

ação De coBrança – DescumPrimento contratuaL – satisfa-ção Da oBrigação – LocaL – inDefinição – contrato verBaL

• agravo interno no recurso especial. Processual civil. exceção de incompetência. ação de cobrança. Descumprimento con-tratual. satisfação da obrigação. local. indefinição. Contrato verbal. art. 327 do Código Civil. Domicílio do devedor. 1. a ação de cobrança decorrente de descumprimento contratual deve ser proposta no local onde a obrigação deveria ser cumprida, haja vista o disposto no art. 100, iv, d, do Código de Proces-so Civil de 1973. Precedentes. 2. a existência de contrato verbal não afasta a incidência da norma contida no art. 100, iv, d, do Código de Processo Civil de 1973. Precedentes. 3. Na hipótese de indefinição quanto ao local de cumprimen-to da obrigação, deve incidir a presunção legal do art. 327 do Código Civil, isto é, o domicílio do devedor. 4. Não existe veda-ção legal para o julgamento do recurso especial singularmente quando interposto com fundamento em dissídio jurisprudencial. 5. agravo interno não provido ............................................ 35242, 121

ação De coBrança – inDenização Por Danos materiais e com-Pensação Por Danos morais – emBargos De DecLaração

• Processual civil. agravo interno no agravo em recurso espe-cial. ação de cobrança cumulada com indenização por danos materiais e compensação por danos morais. embargos de declaração. omissão, contradição ou obscuridade. Preques-tionamento. ausência. súmula nº 211/sTJ. 1. ausentes os vícios do art. 535 do CPC/1973, rejeitam-se os embargos de declaração. 2. a ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição

de embargos de declaração, impede o conhecimento do re-curso especial. 3. agravo interno no agravo em recurso espe-cial não provido .................................................................. 35243, 121

ação De coBrança – Prequestionamento – ausência – súmuLa nº 211 Do stJ

• Processual civil. agravo no agravo em recurso especial. ação de cobrança. Prequestionamento. ausência. súmula nº 211 do sTJ. reexame de fatos e provas. inadmissibilidade. 1. a ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. 2. o reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível.3. agravo não provido ........................................................ 35244, 122

ação De coBrança De seguro – invaLiDez Permanente ParciaL – Pagamento ProPorcionaL

• Processual civil. agravo interno no agravo em recurso especial. ação de cobrança de seguro. invalidez permanente parcial. Pagamento proporcional do seguro. reexame de fatos e pro-vas. interpretação de cláusulas contratuais. inadmissibilidade. Dissídio jurisprudencial. Não indicação do dispositivo legal com interpretação divergente. súmula nº 284/sTF. 1. o reexame de fatos e a interpretação de cláusulas contratuais em recurso es-pecial são inadmissíveis. 2. Não se conhece do recurso especial quando ausente a indicação expressa do dispositivo legal a que se teria dado interpretação divergente. 3. agravo interno no agravo em recurso especial não provido ............................. 3545, 122

ação De oBrigação De fazer – inDenização Por Danos ma-teriais – funDamento Do acórDão não imPugnaDo – súmuLa nº 283/stf

• Processual civil. agravo interno em recurso especial. ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos materiais. Fundamento do acórdão não impugnado. súmula nº 283/sTF. reexame de fatos e provas. inadmissibilidade. 1. a existência de fundamento do acórdão recorrido não impugnado – quando suficiente para a manutenção de suas conclusões – impede a apreciação do recurso especial. 2. o reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. 3. agravo internonão provido ........................................................................ 35246, 122

ação inDenizatória – extinção – iLegitimiDaDe Passiva – re-Petição Da ação

• agravo interno no recurso especial. ação indenizatória. extin-ção. ilegitimidade passiva. repetição da ação. Preliminar de coisa julgada. regularização da falta de condição da ação. Necessidade. 1. a extinção do processo sem julgamento de mérito, por falta de legitimidade ad causam, não forma coisa julgada material, mas, sim, coisa julgada formal. Para que o au-tor proponha a ação novamente, é necessário que sane a falta da condição antes ausente. 2. Tendo sido o processo extinto por falta de legitimidade do réu, não é possível repetir a ação sem indicar a parte legítima, pois não se pode rediscutir ques-tão já decidida, por força da coisa julgada. 3. agravo internonão provido ........................................................................ 35247, 123

agravo regimentaL no recurso esPeciaL – morte De um Dos recorrentes – susPensão Do Processo – HaBiLitação De Dois Dos HerDeiros

• embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no recurso especial. morte de um dos re-correntes. suspensão do processo. Habilitação de dois dos

Índice cÍvel e PenalRevista JuRÍdica 480

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herdeiros. Julgamento de embargos de declaração. Possibilida-de. 1. após o julgamento dos recursos especiais e do agravo regimental, foi noticiado o falecimento de um dos recorrentes, réu no processo. suspenso o processo, foi determinada a in-timação dos herdeiros para habilitação. 2. Decorrido mais de dois anos, dois dos herdeiros providenciaram sua habilitação. o último herdeiro, apesar de três tentativas para ser intimado, não foi encontrado. 3. a embargante, corré no processo, é viúva da parte falecida e mãe dos herdeiros, razão pela qual é de se supor que os sucessores tinham pleno conhecimento da presente ação, cabendo-lhes providenciar sua habilitação. 4. embargos de declaração rejeitados .............................. 35248, 123

aLienação fiDuciária – veÍcuLo automotor – ausência De co-municação aos órgãos comPetentes – Pagamento Do iPva – resPonsaBiLiDaDe soLiDária

• Processual civil e tributário. alienação de veículo automotor. au-sência de comunicação aos órgãos competentes. Pagamento do iPva. art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro. responsa-bilidade solidária do alienante. Não configuração. 1. o enten-dimento do Tribunal de origem está em consonância com a orientação do superior Tribunal de Justiça, de que a obrigatorie-dade de a parte alienante do veículo comunicar a transferência de propriedade ao órgão competente, sob pena de responder solidariamente em casos de eventuais infrações de trânsito, pre-vista no art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro, não se aplica extensivamente ao pagamento do iPva, tendo em vista que a mencionada exação não se confunde com qualquer tipo de pe-nalidade. 2. recurso especial não provido ....................... 35249, 123

contrato – comPra e venDa De imóveL na PLanta – entrega Da oBra – atraso – cLáusuLa PenaL

• agravo interno no recurso especial. Contrato de compra e venda de imóvel na planta. entrega da obra. atraso. Cláusula penal. lucros cessantes. Cumulação. Possibilidade. Precedentes. 1. É possível cumular a cláusula penal decorrente da mora com in-denização por lucros cessantes pela não fruição do imóvel, pois aquela tem natureza moratória, enquanto esta tem naturezacompensatória. 2. agravo interno não provido .................. 35250, 124

Dano moraL – ameaça – vioLência Doméstica – reParação

• agravo regimental no recurso especial. ameaça. violência doméstica. reparação de dano moral. art. 387, iv, do CPP. Pedido expresso na denúncia. Cabimento. acórdão recorrido em desacordo com a orientação jurisprudencial desta Corte superior. Princípio da colegialidade. ofensa. inexistência. 1. o julgamento monocrático do recurso especial, com esteio em óbices processuais e na jurisprudência dominante desta Cor-te, tem respaldo nas disposições do CPC e do risTJ. 2. “Nos termos do entendimento desta Corte superior a reparação civil dos danos sofridos pela vítima do fato criminoso, prevista no art. 387, inciso iv, do Código de Processo Penal, inclui também os danos de natureza moral, e para que haja a fixação na sentença do valor mínimo devido a título de indenização, é necessário pedido expresso, sob pena de afronta à ampla defesa” (agrg--resp 1666724/ms, relª min. maria Thereza de assis moura, 6ª T., Julgado em 27.06.2017, DJe 01.08.2017). 3. Cabível, no caso, a fixação de valor mínimo de indenização à vítima por-que o ministério Público requereu expressamente a reparação civil no oferecimento da denúncia, nos moldes da orientação Jurisprudencial do superior Tribunal de Justiça. 4. agravo re-gimental a que se nega provimento ................................... 35251, 124

execução – óBito Do exequente – HaBiLitação Do sucessor – Prescrição

• Processual civil. Óbito do exequente. Habilitação do sucessor. Prescrição. inocorrência. 1. o superior Tribunal de Justiça en-tende que, nos termos dos arts. 265, i, e 791, ii, do CPC/1973, a morte de uma das partes importa na suspensão do proces-so, razão pela qual, na ausência de previsão legal impondo prazo para a habilitação dos respectivos sucessores, não há falar em prescrição intercorrente. 2. recurso especial nãoprovido ............................................................................... 35252, 126

execução De sentença – óBito Do exequente – HaBiLitação Do sucessor – Prescrição – não ocorrência

• Processual civil. execução de sentença. Óbito do exequente. Habilitação do sucessor. Prescrição. Não ocorrência. regime jurídico do CPC De 1973. 1. o superior Tribunal de Justiça en-tende que, nos termos dos arts. 265, i, e 791, ii, do CPC/1973, a morte de uma das partes importa na suspensão do proces-so, razão pela qual, na ausência de previsão legal que im-ponha prazo para a habilitação dos respectivos sucessores, não há falar em prescrição intercorrente. 2. recurso especialnão provido ........................................................................ 35253, 127

PrecLusão consumativa – interPosição De Dois agravos – PrincÍPio Da unirrecorriBiLiDaDe recursaL

• agravo interno no agravo em recurso especial. Processual civil. interposição de dois agravos contra a mesma decisão. Princípio da unirrecorribilidade recursal. Preclusão consumati-va. Conhecimento do primeiro agravo interno interposto. ação declaratória de nulidade de cláusula c/c rescisão contratual c/c restituição de valores c/c indenização por danos materiais e mo-rais. Títulos da dívida pública. Contrato de cessão de créditos. inadimplemento contratual. legitimidade passiva do corréu. ofensa ao art. 535 do CPC/1973. inocorrência. reinterpretação de cláusulas contratuais. revisão de matéria fático-probatória. impossibilidade. súmulas nºs 05 e 07/sTJ. ausência de fun-damentos que justifiquem a alteração da decisão recorrida.agravo interno desprovido ................................................. 35254, 127

recurso – intemPestiviDaDe – feriaDo LocaL – comProvação Posterior – imPossiBiLiDaDe

• agravo interno no agravo em recurso especial. Processual civil. intempestividade. Feriado local. Comprovação posterior. im-possibilidade. art. 1.003, § 6º, do Código de Processo Civil de 2015. Novo regramento processual expresso. 1. É intempestivo o agravo em recurso especial interposto após o prazo de 15 (quinze) dias previsto nos arts. 219 e 1.003, § 5º, do Código de Processo Civil de 2015. 2. Nos termos do § 6º do art. 1.003 do CPC/2015, para fins de aferição de tempestividade, a ocorrên-cia de feriado local deverá ser comprovada, mediante documen-to idôneo, no ato da interposição do recurso. 3. a interpretação literal da norma expressa no § 6º do art. 1.003 do CPC/2015, de caráter especial, sobrepõe-se a qualquer interpretação mais ampla que se possa conferir às disposições de âmbito geral insertas nos arts. 932, parágrafo único, e 1.029, § 3º,do citado diploma legal. 4. agravo interno não provido ..... 35255, 127

recurso esPeciaL – funDamento não infirmaDo esPecificamen-te – agravo interno manifestamente inaDmissÍveL

• agravo interno no agravo em recurso especial. Fundamento não infirmado especificamente. art. 1.021, § 1º, CPC/2015. agravo interno manifestamente inadmissível. art. 1.021, § 4º,

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CPC/2015. aplicação de multa. agravo interno não conhe-cido ................................................................................................ 129

resPonsaBiLiDaDe civiL – PLano De saúDe – negativa De coBer-tura – Dano moraL – faLecimento Do genitor

• agravo interno no recurso especial. Civil e processual civil. responsabilidade civil. Plano de saúde. Negativa de cobertu-ra. Dano moral. Falecimento do genitor. Compensação com o valor arbitrado a título de condenação por dano moral em ação proposta pelo genitor. impossibilidade. Dano moral. Prejuízo de afeição. Parcelas individuais para cada vítima por ricoche-te. indenização por danos morais. Cabimento. Precedentes.agravo desprovido ............................................................. 35257, 129

resPonsaBiLiDaDe soLiDária – aLienação Do veÍcuLo – iPva• Processual civil e tributário. iPva. responsabilidade solidária

após alienação do veículo. arts. 1.267 e 1.275, i, do Código Ci-vil/2002. ausência de prequestionamento. súmula nº 282/sTF. acórdão amparado na exegese de lei estadual. súmula nº 280/sTF. 1. Não se conhece de recurso especial quanto à matéria que não foi especificamente enfrentada pelo Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento. incidência, por analogia, da súmula nº 282/sTF. 2. ainda que se considere possível superar a ausência de prequestionamento, o acórdão reconheceu a responsabilidade tributária solidária com base na exegese da lei estadual nº 13.296/2008, o que atrai a incidên-cia da súmula nº 280/sTF. 3. em obiter dictum, observo que, se por um lado é correto afirmar que o art. 134 do CTB prevê apenas a responsabilidade solidária pelas “penalidades impos-tas e suas reincidências até a data da comunicação”, daí não se extrai a artificiosa conclusão de que inexiste responsabilidade tributária, até mesmo porque o Código de Trânsito não discipli-na, mas não afasta, o exercício da competência tributária pelo ente estatal (o CTB, lei federal, realmente não poderia invadir a atividade legislativa tributária estadual, única apta a dispor sobre os tributos específicos do ente estatal). Nesse sentido, o sTJ possui jurisprudência que admite a fixação de responsa-bilidade solidária, em relação aos tributos estaduais, em caso de previsão na legislação específica: resp 1.640.978/sP, rel. min. Gurgel de Faria, DJe 12.05.2017. 4. recurso especial nãoconhecido .......................................................................... 35258, 130

seguro saúDe coLetivo emPresariaL – ex-emPregaDo aPosen-taDo – assistência méDica – manutenção

• agravo interno no recurso especial. Civil. Plano de saúde cole-tivo empresarial. ex-empregado aposentado. assistência médi-ca. manutenção. art. 31 da lei nº 9.656/1998. requisitos não preenchidos. Contribuição exclusiva do empregador. salário in-direto. Descaracterização. Direito adquirido. inexistência. 1. Não há direito de permanência do ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa como beneficiário nos planos de saúde coletivos custeados exclusivamente pelo emprega-dor, salvo expressa disposição contrária prevista em contrato ou em convenção coletiva de trabalho, sendo irrelevante a existência de coparticipação, pois esta não se confunde com contribuição. 2. o plano de assistência médica, hospitalar e odontológica concedido pelo empregador não pode ser enqua-drado como salário indireto, sejam os serviços prestados dire-tamente pela empresa ou por determinada operadora (art. 458, § 2º, iv, da ClT). Com efeito, o plano de saúde fornecido pela empresa empregadora, mesmo a título gratuito, não possui natureza retributiva, não constituindo salário-utilidade (salário in natura), sobretudo por não ser contraprestação ao traba-lho. ao contrário, referida vantagem apenas possui natureza

preventiva e assistencial, sendo uma alternativa às graves de-ficiências do sistema Único de saúde (sus), obrigação do estado. 3. agravo interno não provido ............................... 35259, 130

sentença arBitraL – ação De imPugnação – vÍcios formais – ausência

• embargos de declaração no recurso especial. ação de impug-nação de sentença arbitral. vícios formais. ausência. omis-são, contradição e obscuridade não verificadas. Dispositivos constitucionais. Prequestionamento. inviabilidade. 1. ausentes quaisquer dos vícios ensejadores dos aclaratórios, afigura-se patente o intuito infringente da presente irresignação, que ob-jetiva não suprimir a omissão, afastar a obscuridade ou eliminar a contradição, mas, sim, reformar o julgado por via inadequa-da. 2. Nos termos do art. 105, iii, da Constituição Federal, não compete a esta Corte o exame de dispositivos constitucionais em embargos de declaração, ainda que opostos para fins de prequestionamento, sob pena de invasão da competên-cia atribuída ao supremo Tribunal Federal. 3. embargos dedeclaração rejeitados ......................................................... 35260, 131

sentença De mérito – suPerveniência – PerDa De oBJeto

• Processual civil. agravo de instrumento. superveniência de sentença de mérito. Perda de objeto. recurso especial prejudi-cado. 1. a prolação de sentença de mérito, mediante cognição exauriente, enseja superveniente perda de objeto de recurso interposto contra acórdão que desproveu agravo de instrumen-to (eDcl-agrg-ag 1.228.419/sC, rel. min. Humberto martins, 2ª T., DJe 17.11.2010). 2. eventual provimento do apelo, refe-rente à decisão interlocutória, não teria o condão de infirmar o julgamento superveniente e definitivo que reapreciou a questão. 3. recurso especial prejudicado ........................ 35261, 131

socieDaDe – ação De DissoLução – Honorários aDvocatÍcios – fixação Por equiDaDe – maJoração – necessiDaDe

• agravos internos no agravo em recurso especial. Processual ci-vil. ação de dissolução de sociedade. Honorários advocatícios. Fixação por equidade. majoração. Necessidade. CPC/2015. inaplicabilidade. 1. acórdão estadual que, sem apresentar fundamentos concretos e razoáveis para tanto, considerou su-ficiente para remunerar o trabalho dos advogados o montante de r$ 2.000,00 (dois mil reais), apesar de o valor da causa corresponder a r$ 1.951.670,00 (um milhão, novecentos e cinquenta e um mil, seiscentos e setenta reais). 2. a fixação da verba honorária em 1% (um por cento) sobre o valor cor-rigido da causa, na espécie, atende aos critérios previstos no art. 20, § 3º, do CPC/1973, também aplicáveis à fixação da verba honorária por equidade, nos moldes do § 4º do mesmo preceito legal. 3. Hipótese em que não houve modificação da sucumbência, mas a simples revaloração dos honorários à luz dos critérios estabelecidos na legislação vigente à época do julgamento realizado nas instâncias ordinárias, não se apli-cando as normas contidas no Código de Processo Civil/2015. 4. agravos internos não providos ...................................... 35262, 132

sucessão – emPresas – fato geraDor

• Tributário. Processual civil. execução fiscal. Fato gerador ocorrido antes da sucessão das empresas. Prequestiona-mento parcial. súmula nº 282/sTF. impossibilidade de exame de violação de súmula. 1. É firme no sTJ o entendimento de que não é possível, pela via do recurso especial, a análise de eventual ofensa a súmula, decreto regulamentar, resoluções, portarias ou instruções normativas, por não estarem tais atos administrativos compreendidos no conceito de lei federal, nos

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termos do art. 105, iii, da Constituição Federal. 2. Não se pode conhecer da insurgência contra a ofensa ao art. 202 do CTN; ao art. 85 do CPC e ao art. 2º, §§ 5º, i, e 8º, da leF, pois os re-feridos dispositivos legais não foram analisados pela instância de origem. Dessa forma, não se pode alegar que houve pres-questionamento da questão, nem ao menos implicitamente. ausente, portanto, o indispensável requisito do prequestiona-mento, o que atrai, por analogia, o óbice da súmula nº 282/sTF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”. 3. a recor-rente em sua peça vestibular confessou que ação de execu-ção Fiscal objetiva a cobrança de iPva do exercício de 2010. Por outro lado, o acórdão recorrido, em trecho supratranscri-to, registrou que a incorporação da recorrente aconteceu em 11.01.2012, portanto o fato gerador tem como sujeito passivo a empresa sucedida. Dessarte, não existe irregularidade na substituição na CDa da empresa incorporada pela incorpora-dora. Precedente: agrg-resp 1.452.763/sP, rel. min. mauro Campbell marques, 2ª T., DJe 17.06.2014. 4. recurso especialparcialmente conhecido e, nessa parte, não provido ........ 35263, 132

vaLor Da causa – aLçaDa – cDa – aferição no momento Da DistriBuição Da ação – atuaLização Do vaLor constante Do tÍtuLo

• Processual civil. execução fiscal. valor de alçada. CDa. aferi-ção no momento da distribuição da ação. atualização do va-lor constante do título. matéria arguida e não enfrentada pelo Tribunal. omissão configurada. vício de julgamento. violação ao art. 489 do CPC/2015. 1. sustenta o recorrente violação ao art. 489 do CPC/2015, por omissão da decisão recorrida quanto à necessidade de o valor de alçada previsto no § 1º do art. 34 da leF ser aferido mediante atualização da quan-tia constante da CDa na data da distribuição, e não por aquele constante do título representativo da dívida no momento da inscrição. 2. o acórdão a quo quedou-se silente sobre essa específica questão suscitada pela parte, embora provocado a apreciar pelo agravo de fls. 43-48, e-sTJ, e pelos embargos de Declaração de fls. 68-76, e-sTJ. 3. Por não ter o Tribunal de origem analisado questão apta, em tese, a infirmar a con-clusão adotada, incorre em ofensa ao art. 489 do CPC/2015. 4. recurso especial provido, para anular o acórdão impugna-do e determinar o retorno dos autos à origem para apreciaçãodo ponto omitido ................................................................ 35264, 133

ementário PenaL

assunto

crime amBientaL – exPLorar matéria-Prima – autorização – Dosimetria

• Penal e processual penal. art. 55 da lei nº 9.605/1998 e art. 2º da lei nº 8.176/1991. explorar matéria-prima pertencente à união sem autorização. areia. Concurso formal. Prescrição da pretensão punitiva reconhecida quanto ao crime do art. 55 da lei nº 9.605/1998. materialidade e autoria comprovadas. Dosimetria. substituição da pena por uma restritiva de direito. 1. extinta a punibilidade do acusado, no tocante ao crime do art. 55 da lei nº 9.605/1998, em razão da prescrição retroa-tiva da pretensão punitiva estatal, pela pena in concreto, nos termos dos arts. 107, iv; 109, v, c/c o art. 110, §§ 1º e 2º, todos do Código Penal, na redação anterior à lei nº 12.234/2010. 2. a materialidade e a autoria ficaram comprovadas pelos do-

cumentos juntados aos autos, razão pela qual foi devidamente condenado na pena do art. 2º da lei nº 8.176/1991. 3. as pro-vas produzidas nos autos demonstram que o apelante realizou atividade minerária sem a correspondente licença ambiental, conforme comprova o laudo de exame de meio ambiente. 4. Deve ser mantida a fixação da pena-base em 01 (um) ano e 03 (três) meses pelo crime do art. 2º da lei nº 8.176/1991, uma vez que a consequência do crime prevista no art. 59 do CP é desfavorável, porquanto foi apreendida grande quantidade de areia (220.723m³), bem como em razão da grande exten-são de terra degradada (quase 5 hectares). 5. reconhecida a circunstância atenuante da confissão espontânea, a pena definitiva resultou em 01 (um) ano de detenção, a qual deve ser substituída por uma restritiva de direitos, de sorte que deve ser mantida a prestação de serviços à comunidade fixada na sentença, e excluída a pena pecuniária fixada. 6. apelação doréu provida ......................................................................... 31966, 163

crime contra a orDem triButária – conDenação transitaDa em JuLgaDo – Pagamento Do triButo – causa De extinção Da PuniBiLiDaDe

• Habeas corpus. impetração em substituição ao recurso cabí-vel. utilização indevida do remédio constitucional. violação ao sistema recursal. Não conhecimento. 1. a via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como co-ator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes. 2. o alegado constrangimento ilegal será anali-sado para a verificação da eventual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal. Crime contra a ordem tributária. Condenação transitada em julgado. Pagamento do tributo. Causa de extinção da pu-nibilidade. art. 9º, § 2º, da lei nº 10.684/2003. Coação ilegal caracterizada. Concessão da ordem de ofício. 1. Com o advento da lei nº 10.684/2003, no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, o legislador ordiná-rio optou por retirar do ordenamento jurídico o marco temporal previsto para o adimplemento do débito tributário redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, nos termos do seu art. 9º, § 2º, sendo vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite. 2. Não há como se interpretar o referido dispositivo legal de outro modo, senão considerando que o pagamento do tributo, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extin-ção da punibilidade do acusado. 3. Como o édito condenatório foi alcançado pelo trânsito em julgado sem qualquer mácula, os efeitos do reconhecimento da extinção da punibilidade por causa que é superveniente ao aludido marco devem ser equi-parados aos da prescrição da pretensão executória. 4. Habeas corpus não conhecido. ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade do paciente, com fundamento no art. 9º, § 2º, da lei nº 10.684/2003 ............................................... 31967, 163

crime De Desacato – súmuLa nº 279 Do stf – inciDência

• Direito penal. agravo interno em recurso extraordinário. Crime de desacato. Controvérsia Decidida com base na legislação infraconstitucional pertinente e no conjunto fático-probatório dos autos. súmula nº 279/sTF. 1. a parte recorrente se limita a postular a análise da legislação infraconstitucional pertinen-te e uma nova apreciação dos fatos e do material probatório constante dos autos, o que não é possível nesta fase proces-sual. Nessas condições, a hipótese atrai a incidência da súmu-la nº 279/sTF. Precedentes. 2. agravo interno a que se negaprovimento ......................................................................... 31968, 166

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crime De moeDa faLsa – Prisão Preventiva – garantia Da orDem PúBLica – aPLicação De meDiDas aLternativas – imPos-siBiLiDaDe

• Processo penal. Habeas corpus. moeda falsa. art. 289, caput e § 1º do Código Penal. Prisão preventiva. Garantia da ordem pública. aplicação da lei Penal. instrução criminal. Presença dos requisitos legais da segregação cautelar. alegadas con-dições favoráveis do paciente. insuficiência para concessão do writ. aplicação de medidas alternativas. impossibilidade. reiteração delitiva. Concreta possibilidade. ordem denegada. 1. Conquanto a prisão preventiva seja exceção no ordenamento jurídico, sua decretação é possível como no caso presente, para garantia da ordem pública e de aplicação da lei penal, pois há nos autos evidências de que a custodiada, ora paciente, possa concretamente reiterar a conduta criminosa. 2. Caracterizados, no caso vertente, a materialidade e a autoria. Decisão funda-mentada hábil à manutenção da medida constritiva, em face da necessidade de garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal. 3. In casu, a paciente foi denunciada por ter sido, em tese, abordada portando cédulas falsas em sua bolsa. situação fática que atesta, de forma robusta, a periculosidade concreta da custodiada, hábil a autorizar a decretação da segregação cautelar, na forma autorizada pelo art. 312 do Código de Pro-cesso Penal. 4. as condições subjetivas favoráveis alegadas pela impetrante, ora paciente, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva, sobretudo por-que não foram cabalmente demonstradas no writ. 5. Quanto à alegação da ora paciente de que é mãe de 5 (cinco) filhos, traba-lha em um abrigo para animais e mora em Belo Horizonte/mG, não se verifica nos autos qualquer comprovação de tais ale-gações, razão pela qual se vislumbra risco à aplicação da lei penal, apto a ensejar a manutenção da decisão guerreada. 6. “outrossim, o dolo da paciente também é inquestionável na prá-tica do delito em comento. Com efeito, a quantidade de cédulas apreendidas na bolsa da paciente e a utilização de menores para o sucesso do crime (e, eventualmente, menor repressão estatal), confirmam a presença da consciência e vontade para o cometimento do crime” [excerto extraído do parecer ministerial]. 7. Pela análise da situação do paciente – possibilidade concreta de reiteração criminosa –, verifica-se ser incabível a aplicação das medidas alternativas à prisão, nos termos do art. 282 c/c o art. 319, ambos do Código de Processo Penal. 8. ordem de habeas corpus denegada ............................................. 31969, 167

crime De resPonsaBiLiDaDe – Desvio De verBas PúBLicas – ex- -Prefeito – inocorrência

• Penal. apelação criminal. Crime de responsabilidade. Desvio de verbas públicas. ex-prefeito e ex-secretário municipal. Dono de empresa. sobrepreço. inocorrência. valores aprovados pela autarquia federal envolvida no convênio. ausência de provas da materialidade delitiva e da ação dolosa dos acusados. recurso ministerial ao qual se nega provimento. 1. a simplicidade do projeto executivo e a ausência de um levantamento topográfi-co, realizado somente em 2003, ocasionaram os problemas na consecução da obra, tornando indispensável, para sua conclu-são, a realização do aditivo contratual. 2. a Fundação Nacional de saúde – Funasa aprovou os valores e a parte técnica do projeto. 3. Não há provas de materialidade delitiva, bem como de dolo dos acusados, que repetiram no aditivo ao contrato os valores anteriormente aprovados pela Funasa. 4. recurso mi-nisterial ao qual se nega provimento ................................. 31970, 167

crimes contra a Honra – inJúria e Difamação – ofensas su-Postamente ProferiDas em Decisão JuDiciaL – queixa-crime – DecaDência – extinção Da PuniBiLiDaDe

• Crimes contra a honra. injúria e difamação. ofensas suposta-mente proferidas em decisão judicial. Queixa-crime. Decadên-cia. arts. 38 do CPP e 103 do CP. extinção da punibilidade. 1. os arts. 38 do CPP e 103 do CPP preveem, como marco ini-cial do prazo de decadência de 6 (seis) meses para o exercício da ação penal privada, o dia em que o ofendido vier “[...] a saber quem é o autor do crime”. insusceptível, pela natureza deca-dencial do prazo, a incidência de causas suspensivas e inter-ruptivas de seu fluxo. 2. materializadas as supostas ofensas no dia 27.06.2016, data na qual o recorrente tomou conhecimento do suposto crime e de seu autor, e proposta a queixa apenas em 22.02.2017, impõe-se a extinção da punibilidade pela deca-dência. 3. agravo regimental desprovido ........................... 31971, 168

crimes sexuais – rePresentação – DesnecessiDaDe

• Penal. recurso especial. art. 619 do CPP. omissão. Não ocor-rência. art. 213, c/c o art. 224, a, ambos do CP. art. 225 do CP, com redação anterior à lei nº 12.015/2009. representação. Desnecessidade. ação penal pública incondicionada. Proteção integral à criança. recurso provido. 1. Não se verifica a nuli-dade do acórdão por ausência de motivação, pois o Tribunal de origem indicou, nitidamente, os motivos de fato e de direito em que se fundou para solucionar cada ponto tido como omis-so pela defesa, a teor do art. 381, iii, do CPP. 2. a despeito do que dispõe o art. 225 do Código Penal, com redação an-terior à lei nº 12.015/2009, esta Corte já decidiu que “[...] o ministério Público é parte legítima para propor a ação Penal instaurada para verificar a prática de atentado violento ao pu-dor contra criança, independentemente da condição financeira da mesma” (HC 148.136/DF, rel. min. Napoleão Nunes maia Filho, 5ª T., DJe 21.03.2011). isso porque a proteção integral à criança e ao adolescente, em especial no que se refere às agressões sexuais, é preocupação constante de nosso estado (art. 227, caput, c/c o § 4º, da Constituição da república) e de instrumentos internacionais. 3. É irrazoável condicionar à opção dos representantes legais da vítima, ou ao critério econômico, a persecução penal dos crimes definidos pela Constituição da república como hediondos, excluindo da proteção do estado as crianças submetidas à prática de delitos dessa natureza. vale dizer, é descabida a necessidade de iniciativa dos pais quando o bem jurídico protegido é indisponível, qual seja, a liberdade sexual de crianças de 5, 7 e 8 anos, que, conquanto não tenham sofrido violência real, não possuem capacidade plena para de-terminação dos seus atos, dada a sua vulnerabilidade. 4. re-curso especial provido para afastar a decadência e determinar o retorno dos autos à origem, a fim de julgar as questões de mérito postas na apelação defensiva ................................ 31972, 168

Dano quaLificaDo – PrincÍPio Da insignificância – aPLicação

• Penal e processual penal. apelação criminal. Dano qualificado (art. 163, parágrafo único, iii, do Código Penal). aplicação do princípio da insignificância. sentença reformada. absolvição. recurso provido. i – Hipótese em que o ora apelante restou condenado à pena de 06 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, por ter arremessado um cone de trânsito e que-brado o vidro que fica ao lado da entrada principal do instituto Nacional do Câncer – inca, destruindo patrimônio da união. ii – verifica-se que o dano causado pelo ora apelante não afetou a plena execução dos serviços prestados aos pacientes do inca, sendo tão inexpressivo que sequer teve seu custo estimado no laudo pericial de fls. 237/239. iii – o crime em comento tem

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como bem jurídico protegido o patrimônio e, ainda que tenha ente público como sujeito passivo, está sujeito ao princípio da insignificância, ao contrário dos crimes em que o bem jurídico protegido é a fé pública ou a administração pública em seu aspecto moral. iv – recurso a que se dá provimento, para re-formar a sentença e absolver o réu, com fulcro no art. 386, iii, do Código de Processo Penal ........................................... 31973, 169

entorPecente – maconHa – DeLito Previsto no art. 290 Do cóDigo PenaL miLitar – PrincÍPio Da insignificância – não inciDência

• apelação. entorpecente. maconha. Delito previsto no art. 290 do Código Penal militar. Não incidência do princípio da insig-nificância. Comprovada tipicidade material do delito. inaplica-bilidade da lei nº 11.343/2006. súmula nº 14 do sTm. o tipo penal descrito no art. 290 do Código Penal militar é adequado à conduta praticada pelo agente. Delitos envolvendo entorpecen-tes no âmbito das Forças armadas não são passíveis de apli-cação do princípio da insignificância, tendo em vista o art. 290 do CPm tutelar não apenas a saúde, mas também a seguran-ça dentro das organizações militares. a lei nº 11.343/2006 (lei de Tóxicos) não é aplicada no âmbito da justiça cas-trense, em face do princípio da especialidade explicitado na súmula nº 14 desta Corte. Desprovido o apelo defensivo.Decisão unânime ............................................................... 31974, 170

estatuto Do Desarmamento – Posse irreguLar De munição De uso PermitiDo – ofensiviDaDe Da conDuta ao Bem JurÍDico tuteLaDo – ausência

• recurso ordinário em habeas corpus. Penal. art. 12 do esta-tuto do Desarmamento (lei 10.826/2003). Posse irregular de munição de uso permitido. ausência de ofensividade da con-duta ao bem jurídico tutelado. atipicidade dos fatos. recurso provido. i – recorrente que guardava no interior de sua resi-dência uma munição de uso permitido, calibre 22. ii – Conduta formalmente típica, nos termos do art. 12 da lei nº 10.826/2003. iii – inexistência de potencialidade lesiva da munição apreen-dida, desacompanhada de arma de fogo. atipicidade material dos fatos. iv – recurso provido para determinar o trancamento da ação penal em relação ao delito descrito no art. 12 da lei nº 10.826/2003 (estatuto do Desarmamento). .................. 31975, 170

esteLionato maJoraDo – organização criminosa – seguro Defeso

• Processo penal. Habeas corpus. estelionato majorado. arts. 171 e 288 do Código Penal. organização criminosa. seguro defeso. Prisão preventiva. Garantia da ordem pública. instrução criminal. Presença dos requisitos legais da segregação caute-lar. alegadas condições favoráveis do paciente. insuficiência para concessão do writ. medidas alternativas. impossibilidade. ordem denegada. 1. Conquanto a prisão preventiva seja exce-ção no ordenamento jurídico, sua decretação é possível como na espécie, para garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal, pois há nos autos evidências de que o cus-todiado, ora paciente, possa concretamente reiterar a conduta criminosa. 2. o modus operandi do grupo, do qual fazia parte o custodiada, ora paciente, denota que a empreitada não foi algo excepcional, mas um bem planejado esquema para du-rar muito tempo. 3. o ora paciente foi preso preventivamente, em 08.06.2017, por, supostamente, participar, na condição de captador e desenvolvedor de softwares, de esquema de fraude para obtenção indevida de seguro defeso nos municípios de Tucuruí/Pa e Breu Branco/Pa. 4. “Na demonstração objetiva,

ainda que indiciária, do envolvimento dos pacientes em fraude tendente à obtenção de benefício previdenciário, por terceiros, de forma fraudulenta, e de que tal prática se traduz em um esquema que vem ocorrendo há mais de dois anos sob a su-posta coordenação dos pacientes, aconselha-se a manutenção, si et in quantum, do Decreto de prisão preventiva, em nome da garantia da ordem pública, não sendo decisivo, neste mo-mento, o fato de ter bons antecedentes, residência no distrito da culpa e ocupação lícita, conforme precedentes do sTF” (TrF 1ª r., 4ª T., rel. Des. Federal olindo menezes, e-DJF1 de 17.07.2015). 5. as condições subjetivas favoráveis alegadas pela parte impetrante em favor do paciente, tais como primarie-dade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva. 6. “reitera-se, na hipótese dos autos existem fortes indícios de que o paciente não só participava de uma grande organização criminosa, bem como era o responsável pela captação de pes-soas para o cadastramento como pescadores. está, portanto, sobejamente evidenciado que a garantia da ordem público estaria seriamente comprometida na hipótese de deferimento do pedido de revogação da preventiva formulado, uma vez que necessário o desmantelamento do grupo criminoso que há muito vem lesando os cofres públicos. Também, em face da evidente necessidade de evitar a realização de novos cadastros fraudulentos do seguro defeso” (excerto extraído do parecer ministerial). 7. Pela análise da situação do paciente – possibili-dade concreta de reiteração criminosa, verifica-se ser incabível a aplicação das medidas alternativas à prisão, nos termos do art. 282 c/c o art. 319, ambos do Código de Processo Penal. 8. ordem de habeas corpus denegada ............................. 31976, 170

exPLoração De ráDio sem autorização LegaL – ativiDaDe cLan-Destina – comProvação

• Penal. Processo penal. exploração de rádio sem autoriza-ção legal. atividade clandestina comprovada. materialidade e autoria demonstradas. Prescindibilidade de laudo pericial. insignificância. inaplicabilidade. sentença condenatória manti-da. i – Delito do art. 183 da lei nº 9.472/1997 suficientemen-te comprovado em todos os seus elementos. ii – o crime do art. 183 da lei nº 9.472/1997 é formal, de perigo abstrato e tem a segurança dos meios de comunicação como bem jurí-dico, não havendo a exigência de demonstração do efetivo prejuízo por meio de laudo pericial quando houver nos autos outras provas que comprovem a ocorrência do crime, como é o caso. iii – Princípio da insignificância inaplicável na es-pécie. iv – apelo desprovido ............................................. 31977, 171

faLsiDaDe iDeoLógica – DecLaração De informações faLsas ao iBama – DoLo – tiPiciDaDe – ausência

• Penal. apelação criminal. Falsidade ideológica. Declaração de informações falsas ao ibama. ausência do dolo e da tipicidade. recurso não provido. absolvição mantida. i – materialidade e autoria comprovadas pela farta prova documental. Declara-ções falsas acerca de quantitativo de pescado armazenado verificada in loco por fiscais do ibama. imputação pelo art. 299 do CP. ii – Dolo não demonstrado. Não é possível presumir que os pescadores prestaram declaração falsa com o intento de realizar pesca ou compra de peixes fora do período au-torizado. informações que redundaram em irregularidades facilmente perceptíveis que não obstaram a autarquia federal de desempenhar sua atividade fiscalizatória. iii – recursonão provido. absolvição mantida ....................................... 31978, 172

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furto quaLificaDo e corruPção De menores – Prisão cauteLar – reiteração DeLitiva – PericuLosiDaDe

• Processo penal. Habeas corpus. Furto qualificado e corrup-ção de menores. Prisão cautelar. reiteração delitiva. Pericu-losidade. motivação idônea. ocorrência. ordem denegada. 1. Não é ilegal o encarceramento provisório decretado em ra-zão da reiteração delitiva do paciente, que, dentre os agentes envolvidos no fato delituoso, “é o único que já possui anota-ção”. Com efeito, o magistrado indicou que ele “já responde por crime de roubo, demonstrando assim que sua soltura oferece risco à ordem pública, uma vez que dedicado à prática de cri-mes contra o patrimônio, inclusive naquela mesma localidade”. 2. Nesse contexto, indevida a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, porque insuficientes para resguardar a or-dem pública. 3. “impossível asseverar ofensa ao “princípio da homogeneidade das medidas cautelares” em relação à possível condenação que o paciente experimentará, findo o processo que a prisão visa resguardar. em habeas corpus não há como concluir a quantidade de pena que eventualmente poderá ser imposta, menos ainda se iniciará o cumprimento da reprimen-da em regime diverso do fechado” (rHC 74.203/mG, rel. min. sebastião reis Júnior, 6ª T., J. 15.09.2016, DJe 27.09.2016). 4. ordem denegada ........................................................... 31979, 172

HomicÍDio quaLificaDo – motivo torPe – meDiante meio crueL – recurso que DificuLtou ou tornou imPossÍveL a Defesa Da vÍtima – Prisão em fLagrante convertiDa em Preventiva

• recurso ordinário em habeas corpus. Homicídio qualificado. motivo torpe. mediante meio cruel. recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima. Prisão em flagrante convertida em preventiva. excesso de prazo na formação da culpa. matéria não analisada no acórdão objurgado. supressão de instância. superveniência de pronúncia mantendo a segre-gação fundada no art. 312 do CPP. Circunstâncias do delito. Gravidade diferenciada. Periculosidade social. Necessidade de acautelamento da ordem pública. medidas cautelares alter-nativas. insuficiência e inadequação. substituição por prisão domiciliar. Filhos com idade inferior a 12 anos. ausência de elementos de prova acerca da situação das crianças no caso concreto. Coação ilegal não evidenciada. recurso, em parte, conhecido e, nessa extensão, improvido. 1. inviável a aprecia-ção, diretamente por esta Corte superior de Justiça, da tese de extrapolação do prazo razoável da ordem de prisão preventi-va, quando a questão não foi analisada no aresto combatido, até porque, em face da superveniente prolação da decisão de pronúncia desfavorável à ré em que se manteve sua custódia processual, incide o Óbice sumular nº 21 deste sodalício supe-rior. 2. Não há ilegalidade na manutenção da prisão preventiva quando demonstrado, com base em fatores concretos, que a segregação se mostra necessária, dada a gravidade da con-duta incriminada. 3. Caso em que a recorrente é acusada de em comparsaria do corréu, percebendo que o ofendido estava embriagado, se armaram de instrumentos contundentes (paus e pedras) e agrediram-no com violência, fazendo-o cair ao solo, momento em que direcionaram inúmeros golpes para a cabeça dele, matando-o, tudo, ao que parece, em razão de desenten-dimento anterior, circunstâncias que revelam a reprovabilidade diferenciada da conduta perpetrada, autorizando sua manuten-ção no cárcere. 4. Concluindo-se pela imprescindibilidade da preventiva, está clara a insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão, cuja aplicação não se mostraria adequada para o restabelecimento da ordem pública. 5. Com o advento da lei nº 13.257/2016, permitiu-se ao juiz a substituição da prisão cautelar pela domiciliar quando a clausulada for mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. exegese do art. 318, v, do CPP. 6. a previsão insculpida na lei reformadora

do art. 318 do Código de Processo Penal não é de caráter pu-ramente objetivo e automático, cabendo ao magistrado avaliar em cada caso concreto a situação da criança e, ainda, a ade-quação da benesse às condições pessoais da presa. 7. Diante da instrução insuficiente nesse recurso, bem como do não reco-nhecimento pelas instâncias ordinárias da situação excepcional apta a autorizar a substituição do cárcere pela prisão domiciliar, inviável o atendimento da pretensão. 8. recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido ........................... 31980, 173

LatrocÍnio – Prisão Preventiva – funDamentação Da Prisão – instrução Deficiente – não conHecimento – excesso De Prazo Para formação Da cuLPa

• Penal e processual penal. Habeas corpus. latrocínio. Prisão preventiva. Fundamentação da prisão. instrução deficiente. Não conhecimento. excesso de prazo para formação da culpa penal. Pluralidade de réus. súmula nº 52/sTJ. Constrangimento ilegal não configurado. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nesta extensão, denegado. 1. In casu, a decisão de custódia cautelar está ilegível o que torna impossível a análise da tese de ausência de fundamentos da medida bem como existência de identidade fático-processual com corréus beneficiados com liberdade provisória, em virtude da deficiência em sua instrução. 2. Não constatada clara mora estatal em ação penal onde a sucessão de atos processuais infirma a ideia de paralisação indevida da ação penal ou de culpa do estado persecutor, não se vê demonstrada ilegalidade no prazo da persecução crimi-nal desenvolvida. 3. Havendo circunstâncias excepcionais a dar razoabilidade ao elastério nos prazos, como é o caso em análise, processo que conta com cinco réus, a necessidade de expedição de várias cartas precatórias, além da dificuldade de citação de todas as partes, não há que se falar em flagrante ilegalidade. 4. “encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo” – súmula nº 52/sTJ. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nes-ta extensão, denegado, mas com a recomendação de que o juízo de piso confira maior celeridade à ação penal com o fito de instruir e julgar o processo ............................................ 31981, 174

Lesão corPoraL – vioLência Doméstica e ameaça – inaDmis-siBiLiDaDe

• agravo regimental no recurso ordinário em habeas corpus. Pe-nal e processual penal. lesão corporal em situação de violência doméstica e ameaça. arts. 129, § 9º, e 147 do Código Penal. Contravenção de vias de fato. art. 21 da lei nº 3.688/1941. Habeas corpus originariamente substitutivo de recurso. inad-missibilidade. Precedentes. rediscussão de critérios de do-simetria da pena. Fundamentação idônea pelas instâncias ordinárias. revolvimento do conjunto fático-probatório. inadmis-sibilidade na via eleita. inexistência de constrangimento ilegal. agravo regimental desprovido. 1. a dosimetria da pena, bem como os critérios subjetivos considerados pelos órgãos inferio-res para a sua realização, não são passíveis de aferição na via estreita do habeas corpus, por demandar minucioso exame fá-tico e probatório inerente a meio processual diverso. Preceden-tes: HC 104.827, 1ª T., de minha relatoria, DJe de 06.02.2013, HC 131.761, 2ª T., relª min. Cármen lúcia, DJe de 29.02.2016 e HC 131.887, 2ª T., rel. min. Dias Toffoli, DJe de 07.03.2016. 2. In casu, o recorrente foi condenado à pena de 11 (onze) me-ses e 20 (vinte) dias de detenção pelos crimes de lesão corporal em situação de violência doméstica e ameaça, mais 01 (um) mês e 10 (dez) dias de prisão simples em razão da prática de contravenção penal de vias de fato. 3. o habeas corpus é ação inadequada para a valoração e exame minucioso do acervo fático-probatório engendrado nos autos. 4. verifica-se a exis-

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tência de óbice processual, porquanto o habeas corpus impe-trado perante o Tribunal a quo foi manejado em substituição arecurso cabível. 5. agravo regimental desprovido ............. 31982, 174

motim e incitamento – maJor Da reserva – Provas – ProDu-ção – conDenação

• ação penal originária. motim e incitamento. art. 149, ii, e art. 155, caput, do Código Penal militar. major da reserva, atualmente deputado federal. Comando de movimento gre-vista, proibido pela Constituição Federal, com obstrução da saída de viaturas do quartel da polícia militar. Provas produzi-das sob o crivo do contraditório que não confirmam os fatos denunciados. impropriedade da condenação com fundamento exclusivo em elementos indiciários. incidência do art. 297 do Código de Processo Penal militar e do art. 155 do Código de Processo Penal. absolvição, nos termos do art. 439, alínea e, do Código de Processo Penal militar. 1. o suporte probatório apto à condenação não pode lastrear-se exclusivamente em elementos indiciários, sob pena de ofensa ao art. 155 do Có-digo de Processo Penal, bem como ao art. 297 do Código de Processo Penal militar, notadamente quando as provas pro-duzidas sob o crivo do contraditório não confirmam o quadro fático descrito na denúncia. 2. No caso, a prova testemunhal produzida na fase judicial não demonstrou que o réu atuava como líder do movimento grevista, tampouco que tenha res-ponsabilidade pela obstrução do portão lateral do Quartel do Comando-Geral da Polícia militar do estado do acre, quando militares e familiares desobedeceram às ordens para desobs-trução do local com a finalidade de permitir a saída de viaturas policiais. 3. Pedido de absolvição formulado pelo Procurador--Geral da república, e ratificado pela defesa, atendido nos ter-mos do art. 439, alínea e, do Código de Processo Penal militar. 4. ação penal julgada improcedente .................................. 31983, 175

PecuLato – formação De quaDriLHa – Lavagem De caPitais – execução Provisória – PossiBiLiDaDe

• Habeas corpus. Peculato, formação de quadrilha e lavagem de capitais. Condenação de 22 anos, 8 meses e 10 dias de reclu-são. regime inicial fechado. execução provisória determinada pelo tribunal. Possibilidade. legalidade. recente entendimento do supremo Tribunal Federal. ausência de violação do princípio da presunção de inocência e da non reformatio in pejus. re-colhimento em sala de estado maior. impossibilidade. Habeas corpus denegado. 1. o Plenário do supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, entendeu que “a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocên-cia afirmado pelo art. 5º, inciso lvii da Constituição Federal” (sTF, HC 126.292, rel. min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 17.05.2016). 2. No particular, como a sentença conde-natória foi confirmada pelo Tribunal de origem e porquanto encerrada a jurisdição das instâncias ordinárias (bem como a análise dos fatos e provas que assentaram a culpa do condena-do), é possível dar início à execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da condenação, sem que isso importe em violação do princípio constitucional da presunção de ino-cência. 3. De outra parte, não há que se falar em reformatio in pejus, pois a prisão decorrente de decisão confirmatória de condenação do Tribunal de apelação não depende do exame dos requisitos previstos no art. 312 do CP. está na competên-cia do juízo revisional e independe de recurso da acusação. 4. Na espécie, a magistrada sentenciante sequer fez ressalva adicional na sentença acerca da liberdade do paciente, não vinculou ao trânsito em julgado da condenação, apenas deixou de decretar a prisão preventiva por entender não ser o caso.

5. Diante da confirmação da condenação pela instância revi-sora, e determinada a execução provisória da pena, não mais subsiste o direito à prisão especial do paciente em sala de es-tado maior por ser advogado (art. 7º, v, da lei nº 8.906/1994), porquanto não se trata mais de prisão cautelar. Precedentes. 6. em razão dos aspectos da segurança e da saúde do pa-ciente (já idoso), deve ser mantida sua permanência no Com-plexo médico Penal, conforme já ordenado, em revisão, pelas instâncias ordinárias. Tal situação pode ser alterada pelo Juízo das execuções Penais por razões outras (exemplos: benefí-cios da leP, saúde, etc.). a hipótese é de execução provisó-ria da pena. 7. Habeas corpus denegado .......................... 31984, 175

Pena – Dosimetria – terceira fase – maJorantes

• Penal. Habeas corpus. art. 158, §§ 1º e 3º, do Código Penal. Dosimetria. Terceira fase. majorantes. Quantum de acrésci-mo. Fundamentação concreta. regime inicial fechado. Pena superior a 8 anos. adequação. ausência de ilegalidade. or-dem denegada. 1. em se tratando de roubo circunstanciado, a majoração da pena na terceira fase da dosimetria acima do mínimo legal requer devida fundamentação, com referência a circunstâncias concretas que justifiquem um acréscimo mais expressivo, o que se verifica no caso em apreço (crime de extorsão mediante restrição da liberdade da vítima praticado por três agentes). 2. Nos termos do art. 33, § 2º, a, do Códi-go Penal, fixada a pena em patamar superior a 8 (oito) anos de reclusão, de rigor a imposição do regime inicial fechado. 3. ordem denegada ........................................................... 31985, 176

PrincÍPio Da insignificância – crime contra o sistema financei-ro – aPLicação – imPossiBiLiDaDe

• recurso especial. Penal e processo penal. art. 19 da lei nº 7.492/1986. Financiamento em instituição financeira mediante fraude. Crimes contra o sistema financeiro. Princípio da in-significância. impossibilidade de aplicação. multa. Prestação pecuniária substitutiva. Parcelamento. limite de 30% da renda declarada. Possibilidade. valor fixado. súmula nº 7/sTJ. re-volvimento em matéria fático-probatória. recursos improvidos. 1. Firmou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que inaplicável o princípio da insignificância aos crimes contra o sistema financeiro, tendo em vista a necessidade de maior pro-teção à sua estabilidade e higidez (agrg-aresp 975.414/To, rel. min. sebastião reis Júnior, 6ª T., DJe 30.05.2017). Pre-cedentes. 2. Não há ilegalidade na fixação, com esteio em informações constantes dos autos, de parcelamento do valor em montante que não ultrapassa ao limite de 30% da renda declarada pelos sentenciados. 3. Tendo o Tribunal regional sopesado elementos e considerado as particularidades fáticas dos autos na fixação dos dias-multa e da pena pecuniária, o acolhimento do pleito de revisão do valor estabelecido deman-daria reexame de matéria fático-probatória, inviável em sede de recurso especial, ante o óbice da súmula nº 7 desta Corte su-perior. 4. recursos especiais improvidos .......................... 31986, 177

Prisão cauteLar – funDamentação iDônea – garantia Da or-Dem PúBLica – necessiDaDe

• Habeas corpus. art. 121, § 2º, ii e iv, do CP. requisitos da prisão cautelar. Fundamentação idônea. Necessidade da garantia da ordem pública. Periculosidade social concretamente demons-trada. excesso de prazo na formação da culpa. Paciente preso há 2 anos. Delonga injustificada da instrução. Constrangimento ilegal configurado. ofensa aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Precedentes. ordem concedida. 1. Presen-tes os indícios de autoria e a materialidade, está a decisão de segregação cautelar concretamente fundamentada na garantia

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da ordem pública, consideradas as circunstâncias do crime e o histórico desfavorável do paciente. 2. a contagem do prazo da prisão preventiva não se restringe à verificação aritmética, sendo necessário considerar o princípio da razoabilidade e as circunstâncias de cada caso concreto. Feito complexo devido à necessidade de expedição de carta precatória e à solicitação de condução coercitiva para oitiva de testemunhas. 3. em que pese a gravidade concreta do delito, é manifesta a afronta ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, haja vista o paciente encontrar-se encarcerado há 2 anos, tempo superior aos limites da razoabilidade, estando certificado nos autos que o acúmulo de serviço no cartório impossibilita a realização da audiência, não havendo nenhuma previsão para que seja encerrada a instrução processual. 4. ordem concedida para substituir a prisão preventiva imposta ao ora paciente na ação Penal nº 00008174620158050124, pelas medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal: i – com-parecimento de 15 em 15 dias em juízo para informar e justi-ficar suas atividades; ii – proibição de manter contato com as testemunhas arroladas nos autos; iii – proibição de ausentar--se da comarca sem autorização judicial; e iv – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, todas a serem implementadas e fiscalizadas pelo magistrado singular, que poderá estabelecer quaisquer outras medidas que reputar con-veniente, bem como restabelecer a prisão preventiva, em caso de descumprimento de uma das cautelares impostas ou em razão da existência de fatos novos ................................... 31987, 180

Prisão Preventiva – HomicÍDio quaLificaDo – aLegação De au-sência De funDamentação iDônea Do Decreto Preventivo – não ocorrência – garantia à orDem PúBLica – vioLência Do crime – moDus oPeranDi – conDições favoráveis – irreLevância

• Penal. Processual penal. recurso ordinário em habeas corpus. Não cabimento. Prisão preventiva. Homicídio qualificado. ale-gação de ausência de fundamentação idônea do decreto pre-ventivo. Não ocorrência. Garantia à ordem pública. violência do crime. Modus operandi. Condições favoráveis. irrelevância. recurso improvido. 1. Considerando a natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. Deve, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos ter-mos do previsto no art. 319 do CPP. 2. Na hipótese, a prisão pre-ventiva foi adequadamente motivada, com base em elementos concretos extraídos dos autos, restando demonstrada a elevada periculosidade do recorrente e a extrema gravidade dos fatos, evidenciadas a partir do modus operandi e da violência do crime (a vítima teria sido perseguida e atingida com um tiro fatal na cabeça). 3. Condições favoráveis do agente, ainda que compro-vadas, não têm, por si só, o condão de revogar a prisão cautelar se há, nos autos, elementos suficientes a demonstrar a sua ne-cessidade. 4. recurso ordinário em habeas corpus não provido ........................................................................................... 31988, 181

tráfico De Drogas – associação – súmuLa nº 691 Do stf – inciDência

• Habeas corpus. Direito penal. Tráfico de drogas e associação ao tráfico de drogas. súmula nº 691/sTF. Prisão preventiva. Fundamentação. excesso de prazo. Constrangimento ilegal configurado. Concessão da ordem de ofício. 1. a teor da sú-mula nº 691/sTF, não compete ao supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal superior, indefere

a liminar. 2. Não há ilegalidade evidente ou teratologia a jus-tificar a excepcionalíssima concessão da ordem de ofício na decisão que impõe prisão preventiva com base em elementos concretos aptos a revelar a especial gravidade da conduta. 3. Paciente preso preventivamente há mais de quatro anos, sem que tenha sido realizada audiência de interrogatório e sem previsão para a efetivação do ato. 4. embora a razoável duração do processo não possa ser considerada de maneira isolada e descontextualizada das peculiaridades do caso con-creto, diante da demora no encerramento da instrução criminal, sem que o paciente, preso preventivamente, tenha sido interro-gado e sem que tenham dado causa à demora, não se sustenta a manutenção da constrição cautelar. 5. ordem concedida, de ofício, para revogar a prisão preventiva do paciente, salvo se preso por outro processo, sem prejuízo da imposição demedidas cautelares diversas (art. 319, CPP) .................... 31989, 182

tráfico De Drogas – Diminuição Da Pena – circunstância ate-nuante Da confissão – reconHecimento

• apelação criminal. art. 33, caput (tráfico de drogas), da lei nº 11.343/2006. Pleito pela diminuição da pena intermediária ante ao reconhecimento da circunstância ate nuante da confis-são. impossibilidade. atenuante reconhecida. Contudo indevida a redução aquém do mínimo legal à luz da súmula nº 231 do sTJ. afastamento da causa de aumento do art. 40, v (interes-tadualidade). Não cabimento. majorante mantida. Prescindibili-dade de transposição de fronteira. reconhecimento do tráfico privilegiado e consequente afastamento do caráter hediondo. inviável. expressiva quantidade de droga apreendida (255 kg de maconha). Modus operandi que demonstra participação em organização criminosa. Benefício não concedido. Postula-da a redução da pena de multa. inviabilidade. Pena aplicada proporcional à pena privativa de liberdade. recurso não pro-vido. i – reconhecida a circunstância atenuante prevista no art. 65, iii, d do Código Penal, quando o agente confessa o delito espontaneamente na fase inquisitorial ou judicial, como no caso concreto. entretanto, a súmula nº 231 do sTJ obsta a fixação da pena intermediária (2ª fase) aquém do mínimo legal. ii – Para a incidência da causa de aumento relativa ao tráfico interestadual (art. 40, v, da lei nº 11.343/2006), basta a existência de provas de que o agente iria pulverizar a droga em outro estado da Federação, sendo irrelevante o fato de o mesmo não ter transpassado a fronteira estadual. iii – a dinâ-mica do crime demonstra que o apelante não agiu sozinho, pois a operação exigiu articulação prévia para a compra e o preparo da droga, além de logística para fazer o entorpecente entrar no presídio, o que demonstra artifício e premeditação típicos de atuação articulada de vários integrantes da organização cri-minosa voltada para traficância, o que impede a redutora do art. 33, § 4º da lei de Drogas. iv – a pena de multa aplica-da é proporcional ao quantum da pena privativa de liberdade e foi fixada respeitando os limites trazidos pelo art. 33 da lei nº 11.343/2006 e o critério trifásico da dosimetria da pena, não cabendo reforma na sentença. recurso defensivo, ao qual, com o Parecer, nega-se provimento .................................. 31990, 182

tráfico De Drogas – envoLvimento De menor – reDução Da Pena – suBstituição

• Habeas corpus. Tráfico de drogas com o envolvimento de me-nor. redução da pena (art. 33, § 4º, da lei nº 11.343/2006). De-dicação a atividade criminosa. reexame fático-probatório. invia-bilidade. alteração do regime. Perda do objeto. substituição da privativa de liberdade. inviabilidade. Falta do preenchimento do requisito objetivo. 1. No caso, o único ponto em que havia mani-festo constrangimento ilegal a ser reparado – tanto que chegou

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a ser deferida medida liminar em favor do paciente – perdeu o objeto. afinal, na origem, foi alcançada a pretensão de fixação do regime semiaberto e, agora, ele já está no regime aberto. 2. Como concluíram as instâncias ordinárias que o paciente se dedica a atividades criminosas (considerando-se a admissão do réu de que estava comercializando drogas há mais de 30 dias, bem como a quantidade de droga apreendida – 2 tijolos de maconha, de 180,3 g, e 152 invólucros plásticos contendo

65,9 g cocaína), não há falar em redução da pena nos termos do art. 33, § 4º, da lei nº 11.343/2006, e, para alterar tal enten-dimento, seria necessário o amplo exame de fatos e de provas. 3. Fixada a pena privativa de liberdade em patamar superior a 4 anos de reclusão, é inadmissível a substituição por restriti-vas de direito, pela falta do preenchimento do requisito objetivo (art. 44, i, do Código Penal). 4. Habeas corpus parcialmenteprejudicado e, no que resta, ordem denegada .................. 31991, 183