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UMA LENDA DAS FÉRIAS DO SR. MORTE

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Arte feita do livro Uma Lenda das férias do sr. Morte

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UMA LENDA DAS FÉRIAS DO SR. MORTE

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Uma Lenda, das Férias do Senhor

MortePrimeiro Dia

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Escritor: Cláudio Fernando LucioRevisão: Rafael Marques de Jesus OliveivaDiagramação e Projeto Gráfico: Jéssica Santos de Barros

Título: Uma lenda das Férias do Senhor Morte - 2008 - 1° Capítulo

Todos direitos reservados à Cláudio Fernando LucioRua Santo André, 144 - Parque Santa Thereza | Jandira - [email protected]: (11) 8753.1363 | (12) 8814.8492

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Dedico este primeiro dia a todos que de forma direta ou indireta, con-tribuíram para esta realização. Porém para não dizerem por aí que sou mal agradecido aqui vai alguns nomes: minha namorada, pois, este projeto começou com nosso namoro e também, pois, toda a arte gráfica foi dela; meu amigo revi-sor que me aturou tardes a fio; a um outro amigo que esteve lá e você agora que está prestes a entrar no mundo do Senhor Morte e Lenda.

A todos muito obrigado.

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Primeiro Dia

Em um lindo alvorecer uma mulher esta impacientemente esperando algo que provavelmente virá do fim da rua.

A rua é clara e iluminada com vários néons, placas e outdoors luminosos com dizeres: BLACK GAME IS HERE!; LOSE YOUR MONEY HERE!; IDIOTS WELCOME!

As fachadas são amplas com enormes tapetes vermelhos, “bobos da corte” disfarçados de chofers ficam estacionados nas portas dos carros esperando o mo-mento certo que seus patrões virão cambaleando e se arriscarão a entrar no carro pela janela traseira.

As vidas noturnas, na cidade da noite, estão por acabar, as profissionais do amor vão se retirando para seus covis da beleza, hienas das apostas vão se recolhendo para suas jaulas, os leões guarda-costas vão tomando suas devidas injeções e se retiram para suas devidas covas, os menos afortunados' dirigem-se para seus alo-jamentos. Incríveis suítes com vista ampla para sarjeta.

Alheia a tudo isso, a mulher que tem às suas costas o sol nascente, procura avi-damente pelas ruas sua companhia que já está atrasada em muitos minutos. Irei diminuir a narrativa dos fatos para que você, oh, caro espectador, possa imaginar, ver e acenar para esta ilustre dama, enquanto se sucede a narrativa. Procure ouvir ao fundo, como trilha sonora, a música Solitary Shell de Bach, executada por Mo-zart, Joe Ramone e vocais de Bruno e Marone com Elba Ramalho.

Lenda é uma mulher de 1,78, cabelos pretos; suas feições são claras e defini-das, seus olhos são duas galáxias tão claras e tão escuras: São como poços onde os mortais não querem se perder, porém acabam se perdendo. Sua veste é um longo vestido de uma cor tão vibrante e lúcida que ela por si só é um desafio à retina de qualquer mortal, é algo parecido com roxo alaranjado e toques sutis de verde-limão; um lindo pingente de ferro no formato do planeta Terra pende em seu pescoço, o metal tem uma cor azulada representando fielmente o planeta em destaque; e, por fim, não menos importante, calça um belo par de All Star branco com uma lista perpendicular preta.

' Turistas porto-riquenhos que perderam todo seu dinheiro.

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Ela está apoiada em uma bicicleta com a qual jura que irá atravessar o mundo, literalmente. Esta bicicleta era lilás, com o quadro em uma única peça de alumí-nio e, no centro, um grande círculo em espiral preenche o espaço vago entre o quadro e o pedal. Esse grande espiral atrai fatalmente os olhos de gatos e pitchers desprevenidos que vagam pelas ruas, tornando-o tão mortal e enfadonho quanto a realidade, pois, uma boa lenda ultrapassa a fronteira do real. O guidon é reto e plano como as coisas que são possíveis, porém suas hastes se retorcem para cima transformando-se em chifres que entortam na horizontal em formato de onda dando uma aparência bizarra e cubista, digna de Van Goh ou Leonardo da Vinci. Os pedais são de metal com um design muito ultrapassado, até parece que a bici-cleta saiu do século XII .' Os freios são o que de mais moderno existe no cenário automobilístico. Dois discos de 17 centímetros travam as rodas, a resposta fisico-quântica demora longos 30 nanos segundos até que o freio comece a diminuir o movimento de rotação e translação da terra, para que assim a bicicleta diminua a velocidade de 300 km/s em menos de 10 nano segundos, usando apenas dez metros para tal feito.

Realidade e Fantasia, pais de Lenda, sempre estiveram por perto no cresci-mento físico, mental e meta-realístico de seus bebezinhos, e perceberam que ela sempre foi diferente; enquanto Ilusão aprendia andar, Lenda já falava, e como falava (detalhe minúsculo e sem real importância, Ilusão era 110 anos mais velho que Lenda). Com a mesma idade de Sonho, Lenda já andava e ensaiava seus pri-meiros pulos (outra vez o pequeno detalhe insignificante! A diferença em ques-tão é de míseros 100 aninhos).

De sua geração foi a única lenda hiperativa que se tem noticia e, segundo as es-tatísticas, nasceram cinco lindos bebês no mesmo século que Lenda. Aos 300 anos ganhou seu primeiro relógio da senhora Destino e, aos 310, aprendeu a ler a hora. E seu relógio dizia que seu anfitrião estava atrasado em 35 minutos, isso para ela era uma eternidade. Eternidade que chega ao fim de sua existência, pois no fim

' Algumas pessoas podem estar pensando: ”Mas não foi só no século XIX, que a bicicleta foi inventada?” Errado! Na região onde hoje se localiza o Oriente Médio, existiu um senhor, conhecido na região por Cleta, sendo que o mesmo desenvolveu um meio de transporte bizarro, com duas rodas, uma corrente catracada e algo que lembrava um guidon. Porém, devido à região ser desértica, o veículo sempre afundava em uma duna, dando assim mais tra-balho do que benefício, fazendo com que seu criador fosse taxado de bici -algo próximo a inútil no dialeto local. As crianças passavam na frente de sua casa cantando Bici Cleta!

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da rua ela vê seu anfitrião, guia e responsável legal, chegando em uma bicicleta. A bicicleta do Senhor Morte mais parece uma Harley Davidson, porém sem rodas e sem motor, mas com toda a grandeza e folga que uma Harley pode oferecer. Há quem diga no mundo da transcendência que é uma bicicleta para preguiçosos, pois praticamente você anda deitado e, mesmo sem pedalar, ela se move; porém o Senhor Morte afirma categoricamente - e com uma ponta de satisfação - que ele tem trabalhado muito e não pode dar-se ao desfrute de gastar energia física.

Ele veste um longo sobretudo preto, no qual caberiam umas três pessoas fisica-mente avantajadas. Seu rosto está encoberto por longo e largo capuz proeminente da sua vestimenta, ele cobre toda a extensão da cabeça e rosto, pode-se observar as duas órbitas oculares vazias que há milênios amedrontam a humanidade.

Ele para sua semi-moto' ou bicicleta em frente à Lenda. Porém, a mesma está visivelmente irritada e com cara de poucos amigos - literalmente, com exceção de Morte, ela tinha poucos amigos, talvez no máximo dois, era um pouco tímida e muito reservada.

- Que horas você pensa que são?! Você está totalmente atrasado, por que não ligou?! Já inventaram o celular, se iria se atrasar pelo menos me avisasse! Você sabe como odeio pessoas que são desleixadas.

De fato, Lenda odiava atrasos e imprevistos, pois ela acreditava fielmente que se tudo fosse bem planejado e devidamente executado, nunca aconteceriam im-previstos, atrasos, é isso que nossa sociedade moderna, ou melhor, contemporâ-nea, chama de irresponsabilidade.

- BOM DIA, MINHA JOVEM E ILUSTRE LENDA! - A voz do Senhor Morte era grossa e fúnebre com a mistura das de vocalistas daquelas bandas de death metal ' ' com Cid Moreira. Morte estava muito calmo.

' Pois a mesma nem tem motor, freios, setas, rodas e todas aquelas parafernálias que existem nas motos, mas mesmo assim anda sozinha sem a necessidade de se pedalar.

' ' Você sabe, aquelas bandas com integrantes que são retardados mentais que fazem rituais nos palcos, se dizem ateus, mas acreditam em demônios. Vai entender.

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- Bom dia? Bom dia?! Agora já deve ser boa tarde! - Lenda está muito exaltada. Até parece que ela investiu seus seis trilhões.' - Pô Morte, você bem que poderia ter me avisado que iria se atrasar! Sabe o que é ficar plantada em um lugar es-perando por uma pessoa que está em muito ATRASADA? Você sabe muito bem que odeio atrasos, odeio ainda mais as pessoas que se atrasam e...

- DOCE E JOVEM LENDA, - Apesar de ser grotesca, a voz do Senhor Mor-te passa uma tranquilidade muito grande. - ONDE DIZ QUE ESTOU TÃO ATRASADO? COM QUE ARGUMENTO VOCÊ SUSTENTA TAL AFIR-MAÇÃO? O MORTE NUNCA SE ATRASA! ATÉ ANDAM DIZENDO POR AI QUE ANDO CHEGANDO CEDO DE MAIS.

Lenda dá uma jogada na sobrancelha esquerda deixando ela mais alta que a direita. Faz uma cara de: “você se acha o cara mais engraçado do mundo” e diz:

- HA HA HA! Você é um comediante medíocre Morte!

- NÃO ERA UMA PIADA LENDA. - A entonação na voz de Morte torna-se branda, como um professor a repreender seu melhor aluno na frente da clas-se. - QUEM DISSE QUE ESTOU ATRASADO? SEU RELÓGIO? CARA E INGÊNUA LENDA, NÃO SE DEU CONTA DE QUE O TEMPO NÃO É MEDIDO ATRAVÉS DE UMA MÁQUINA? NÃO PERCEBE A SUTILEZA COM A QUAL O TEMPO É MEDIDO? LEMBRE-SE DO PORQUE DE NOSSA VIAJEM...

Ouve-se um barulho ensurdecedor de um carro frenando. Logo em seguida um carro aparece derrapando no fim da rua. Não demora muito e um segundo e terceiro carros aparecem também. Os carros deslizam perigosamente da esquer-da para a direita, como um pára-brisa frenético em dia de chuva. Um dos carros desliza perigosamente na direção de Morte e Lenda. O rosto do rapaz ao volante é eufórico beirando a transcendência, parece não percebê-los na calçada. Tudo acontece muito rápido. O som do carro ligado. Lenda gritando. E um carro em

' Em qualquer moeda monetária de qualquer país, convertidas em “barras de ouro que valem mais que dinheiro” em uma empresa que acabou de declarar concordata.

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alta velocidade. Há uns cinco metros do casal o pneu traseiro esquerdo fura. O motorista perde o controle, o carro capota. Da algumas piruetas aéreas,' o carro voa por cima deles indo se chocar na suíte porto-riquenha, provocando um baru-lho imenso.

O carro fica totalmente destruído. O jovem motorista esta consciente e fita assustado o Senhor Morte. Passam-se alguns segundos até que ele note Lenda, em seguida ele perde a consciência.

Lenda corre desesperadamente até o carro e fica atônita ao ver embaixo do carro, dois pares de pernas. Uma fumaça negra exalada do carro. Alguns curiosos vão se aproximando, um deles liga para emergência.

Lenda continua atônita.

- VAMOS LENDA!EU ESTOU DE FÉRIAS! NÃO POSSO TRABALHAR!

Lenda vira o pescoço e encara furiosamente Morte.

- Trabalho! Grita Lenda! - É isso que todos nos somos para você Morte?! Tra-balho! - Sussurra Lenda.

- VAMOS LENDA ME ACOMPANHE. RECOMPONHA-SE E INICIE-MOS NOSSA VIAJEM...

O Senhor Morte é interrompido por um barulho de sirene. Em poucos segun-dos uma ambulância surge. Os paramédicos vão até o carro. E fazem seu trabalho. Lenda acompanha-o minuciosamente. Eles retiraram o jovem do carro e come-çam com os primeiros socorros. O jovem tem entre dezoito e dezenove anos, um rosto largo e marcante, olhos azuis, cabelos pretos. Veste short azul e uma camisa branca onde se lê: DEUS NÃO EXISTE!

Lenda se perde na imensidão de si mesma. Refletindo em como poderia ter sido melhor, mais gentil, mais prestativa. Em como poderia ter acalentado a hu-manidade se não houvesse acontecido com ela o que aconteceu...

Ela se sentia uma inútil uma coitada, como se a situação presenciada há ins-

' Que mais tarde Lenda chamaria de acrobacia, quando estivesse relembrando a cena.

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tantes, fosse apenas um catalisador para que, se concentra para responder a per-gunta que vinha a décadas perseguindo-a.

Lenda fugia dessa pergunta, tentava se esconder atrás das doces lembranças. Porém elas caíram por terra quando a terrível pergunta se aproximou. Refugiou sua sanidade atrás de seus conceitos, mas ao sentir a fúria da questão seus con-ceitos deixaram de existir. Então desesperada guarda sua consciência atrás dos ícones de sua vida, porém, nem o grande e velho Superman resistiu a indomável questão. Quase sem saída ela se esconde atrás da realidade, porém, em sua mente a coisa mais fácil de derrubar e a realidade. Tão logo a questão tenha feito seu tra-balho cedeu lugar e os ferozes inimigos se aproximam cautelosamente. Rodean-do, espreitando, cheirando, imaginando qual será seu sabor. Os Inimigos param, encaram a vitima, que logo desvia o olhar. Lenda nem percebe quando e como, foi atacada e fatiada, só lembra-se da dor, angustia e impotência que se apoderam de seu corpo e mente, jogando-a em um abismo profundo; o inconsciente.

Ela não se dá conta de quanto tempo transcorreu desde que o ataque começou e parou, até que Morte diz:

- VAMOS LENDA! O SOL ESTA QUASE SE PONDO. TEMOS QUE PROSSEGUIR. - Por mais estranho que se possa parecer, mesmo com sua voz grotesca, sem disser fúnebre e depressiva ele proferiu essas palavras com cari-nho, zelo e apreço. - TEMOS QUE PROSSEGUIR EM NOSSA VIAGEM. HÁ TANTAS COISAS A SE FAZER, HÁ TANTOS LUGARES A SE VISITAR, TANTAS EXPERIÊNCIAS A SE VIVER. E COMO BEM SABE O TEMPO É NOSSO GRANDE INIMIGO.

Lenda saindo aos poucos de sua forma catatônica e traumática o encara, com aquele olhar “O que será que ele quer dizer?” e replica:

- Caro e prezado Senhor Morte. Você sabe muito bem que essa pessoa citada não é nossa inimiga, pelo contrario é até uma pessoa bem doce, simpática e gen-til. Sem descartar é claro seus outros fantásticos adjetivos.

- SIM EVIDENTE. APENAS ESTAVA CITANDO UM GRANDE AU-TOR, QUE LEIO COM FREQÜÊNCIA.

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- Sei... Você e esses seus autores preferidos, nunca me disse seus nomes ou obras. Fico pensando se eles existem mesmo, ou, é apenas seu lado poético re-primido.

- JOVEM E INGÊNUA. FIQUE SABENDO QUE ELES EXISTEM SIM, E FAZEM OBRAS TÃO BELAS E SIMPLES, QUE CHEGA A SER UMA AFRON-TA NOMENCLATURA-LOS, POIS QUAL NOME SE DÁ A ALGUÉM QUE ESCREVE SUA PRÓPRIA VIDA, SE NÃO AUTOR CUJA OBRA...

Senhor Morte é interrompido bruscamente por Lenda.

- Tá! Tá! Ta! Já conheço essa sua historia e ladinha da vida vivida e seus exí-mios autores. Mas agora tenho algo melhor a fazer do que escutar pela centésima vez essa mesma historia.

- AH! VOCÊ TEM?! ENTÃO ME DIGA MISTERIOSA E SAGAZ LENDA?!- Pois direi, mas antes vamos comer alguma coisa estou morta de fome. No

sentido figurativo é claro e sem ofensas a sua respeitável senhora.

- NÃO SE PREOCUPE AINDA TENHO UM ÓTIMO SENSO DE HU-MOR E APROPOSITO NÃO HÁ MAIS NENHUMA SENHORA MORTE E SEUS DERIVADOS, COMO MORTA, MORTICÉ E BATIDA DE BOTAS. PORÉM DEVO RESSALTAR QUE MEU PRÓXIMO PROGRAMA SERÁ UMA PASSADINHA NO CASSINO, INDEPENDENTEMENTE DA SUA.

Eles seguem levando suas bicicletas até o fim da rua. Ela esta cheia de templos magníficos com estruturas que desafiam os olhos de quem vê; no meio desse ema-ranhado de concreto, aço, revestimento caríssimo e águas dançantes, pode-se ver um restaurante de comida chinesa.

O restaurante é pequeno e aconchegante, bem simples, com papéis de parede vermelhos e ornamentados com desenhos de dragões chineses. Coincidentemente ou não o dono é um japonês pequeno de quase 55 anos de idade. Ele é tipicamente um japonês o que reduz muito a capacidade de descrevê-lo, pois, aparentemente todos são iguais', ele também tinha um ar de turista e um nome muito engraçado.

' Espero que nenhuma associação, ONG ou seja lá o que for não venha me processar, foi apenas uma piada.

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- O que?! - Grita Lenda desesperada de tanto rir. - Seu nome é mesmo esse? Tem certeza? - E voltou a rir. Sua risada simples e doce lembrava um bebê só que com mais personalidade.

- DESCULPE-A SENHOR! - Contornou o Senhor Morte. - HÁ TANTO TEMPO QUE ELA NÃO SAI DE SEU EXÍLIO, VISTO QUE PERDEU A ETIQUETA E EDUCAÇÃO.

- Não se preocupe nobre senhor já me acostumei com isso. Vivo com isso há 155 anos. Chega uma hora que a gente nem liga mais. - Disse o anfitrião impas-sível. - Sabe já não me ofende mais.

- MAS DESCULPE-NOS MESMO ASSIM. TENHO CERTEZA DE QUE LENDA FOI IMPULSIVA E... _ Senhor Morte é interrompido bruscamente mais uma vez por Lenda.

- Impulsiva?! Eu?!

- SIM VOCÊ! - Apreça-se em respondê-la. - E AGORA PARE DE RIR E PEÇA LOGO. POR QUE UMA BOCA CHEIA NÃO FALA BESTEIRA. - Encerrou ele.

- OK! Senhor Bons Modos. – Debochou ela. - Quero sushi!

- EU QUERO UM COPO DE ÁGUA, COM LEVE PITADA DE AÇÚCAR.

- Ham?! Que historia é essa de água com açúcar? Nada disso, ele vai querer bolinho de arroz - sentencia Lenda - por isso esta magro desse jeito. Como al-guém pode viver de água com açúcar...

Enquanto ela começa seu discurso gastro-nutricional, Senhor Morte sussurra para o japonês dono do restaurante de comida chinesa e diz.

- POR FAVOR, SENHOR PARA MIM BISCOITOS DA SORTE E ÁGUA COM AÇÚCAR PARA ELA YAKISOBA E UMA COCA ZERO.

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- Pois, não senhor, mas acho que deveria escutar o conselho de sua acom-panhante - sorrateiramente o japonês dono do restaurante de comida chinesa afasta-se. Enquanto Lenda continua com seu discurso gastro-nutricional.

Pouco tempo depois, a refeição chegou e só com algo na boca foi que Lenda parou com seu discurso gastro-nutricional, porém o silencio não durou muito.

- Senhor Morte o que significa a frase na camisa do homem, que sofreu aquele terrível acidente?

- MUITAS COISAS E NENHUMA COISA. A ESPÉCIE HOMO SAPIENS, SE ESQUECEU DE SEU CRIADOR E DE SUAS ORIGENS, ESQUECEU--SE DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE SUA EXISTENCIA. PO-BRE ESPECIE...

- Não sejam tão pessimistas, as espécies estão em constante crescimento e de-senvolvimento. E nada neste universo consegue esquecer seu Criador, a ligação com o Criador é intrínseca a toda criatura.

- ENTRETANTO DE TODAS AS CRIATURAS, ESTA EM QUESTÃO É A ÚNICA QUE SE ESFORÇA EM RENEGAR SEU CRIADOR, ASSIM COMO TODA E QUALQUER LIGAÇÃO COM O MESMO.

- Mas também é a única dotada “conscientemente” da qualidade que mais os aproxima do Criador - ambos ficaram calados só comendo e pensando, o tempo pareceu não transcorrer, ou se o fez foi em uma velocidade absurdamente lenta - e mesmo assim continuam sendo portas da mais resistente madeira.

- PORÉM A MAIORIA DELES QUANTO SE APROXIMA DA PASSA-GEM, ATÉ MESMO O MAIS TOLO OU INCONSEQÜENTE REVIVE SUA LIGAÇÃO COM O CRIADOR, MESMO QUE O MAIS BREVE POSSÍVEL. SEMPRE ALMEJEI ISTO, PORÉM ESTOU FADADO A MINHA FUNÇÃO.

- Todos nos estamos... - a voz de Lenda foi sumindo no meio da frase até que mais nada foi dito.

A refeição seguiu sem que nenhum dos dois dissesse uma palavra e no ar um

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clima nostálgico e depressivo se estendeu por toda a refeição. E para acentuar ainda mais o clima já dominante, a mesa onde eles estavam era do tema berçário de estrelas. Assim que ela terminou sua refeição limpou sua boca com o guarda-napo, olhou para o Senhor Morte que a aguardava finalizar sua refeição.

- BEM SENHORITA LENDA MY...

- Já entendi. Sem mais nenhuma palavra - disparou rapidamente - sem sermão e regras estúpidas.

- MUITO BEM. ENTRETANTO REGRAS NÃO SÃO ESTÚPIDAS - o Senhor Morte iria começar com um longo e extenso discurso sobre regras e sermões, mas ao vê-la transfigurar seu rosto em algo que realmente o deixou assustado ele pensou duas vezes antes de continuar - ENTRETANTO ESTA-MOS DE FÉRIAS E ESTE ASSUNTO NÃO CONVÉM SE DEBATER EN-QUANTO REGOZIJAMOS DE LINDOS E PERFEITOS DIAS NUBLA-DOS, SEM SOL E LEVEMENTE CHUVOSOS, EM SEU CASO LINDOS DIAS PRIMAVERIS. IREI JOGAR UM POUCO NOS CASSINOS DESTA CIDADE DE LUZES, ENTÃO NÃO ME ESPERE ACORDADA.

- Tudo bem. - Respondeu ela com sua feição calma, doce e de profunda admi-ração. - Só não se meta em problemas.

Lenda levantou e com um sorriso largo e branco saiu da vista, avançando a passos largos para a saída do restaurante.

O Senhor Morte solicitou a conta com um gesto com o dedo indicador. Cerca de dois minutos depois o japonês dono de um restaurante de comida chinesa aparece com a conta.

- Aqui esta sua conta Sir - anunciou o dono do restaurante - mas como sempre

é cortesia da casa, o senhor sempre nos trás novos clientes.

- SIM É VERDADE, MAS HOJE ESTOU DE FÉRIAS E COMO TAL FAÇO QUESTÃO DE PAGAR A CONTA - retirando rapidamente a conta das mãos do japonês dono do restaurante de comida chinês - CINQÜENTA IMA-GINORES, VOCÊ NUNCA AUMENTA SEUS PREÇOS?

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O Senhor Morte abriu, seu sobretudo desabotoando dois botões tão negros quanto o tecido sobre o qual era sobre posto; fato é que se não houvesse aberto ninguém nunca notaria que nele havia botões. De dentro ele retira uma carteira, ela era comum, simples e igual a todas ao outras carteiras que você tenha visto: pequena, retangular, o material usado para se confecciona-lá era incerto e por fim como que ilustrando a personalidade de seu dono a mesma era negra como a noite, escura como a escuridão e todos os demais pleonasmos que envolvam a cor negra, que você possa lembrar. Abrindo sua carteira uma torrente de poeira' , projetou-se para fora da carteira em direção à porta de entrada do estabelecimento. Quando lá chegou a então nuvem de poeira começou a condensar e dar forma a um pilar, o pilar era liso, uniforme e tinha cerca de sessenta centímetros de largura por uns dois metros e meio de altura. Ao terminar de formar o primeiro pilar a nuvem se dirigiu para o lado oposto, e deu forma a uma nova estrutura idêntico ao anterior.

Quando faltavam alguns poucos metros para o termino do segundo pilar, a nuvem de poeira parou de jorrar da fonte enquanto o restante continuava sua jornada até formar completamente o segundo pilar.

O Senhor Morte guardou sua carteira no mesmo lugar do qual a retirará e o sobretudo camuflou perfeitamente o bolso como se ali não houvesse nada. Fez uma cortês reverencia ao japonês dono de um restaurante de comida chinesa e saiu do estabelecimento.

Do lado de fora vestiu seu sorriso mais amável, seu rosto de vendedor de bí-blias e saiu a cantarolar a marcha fúnebre em um ritmo acelerado que qualquer turista desavisado pensaria ser um horrível bolero.

A morte estava terrivelmente feliz e quando isso acontece, coisas acontecem. Coisas sempre aconteciam quando o Senhor Morte estava radiante.

Lenda procurou o rastro do jovem acidentado, durante algumas horas. Porém a enorme pressão do Vazio, a sensação do Nada e a presença do Nenhum estavam por sobre o jovem e logo o mesmo deixaria de ser. Terríveis visões da trindade esculpindo, deteriorando e digerindo aquele jovem, brotavam de sua psique.

' Negra, pois, é evidente que tu leitor pensou nisso.

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Sua busca a levou a um hospital nas redondezas do Aloha Shores Park. O hospital em evidencia chamava-se Mountain View. Lenda não podia aparecer em publico, fazia poucas horas que ela havia saído do exílio, não estava segura para se apresentar as pessoas, sendo assim se esgueirou através dos resquícios de realidade e parou em frente a um quarto branco, com portas transparentes que reluzia uma energia dourada. Seu sentido a levou ao quinto andar onde se situava as unidades de tratamento intensivo. Lá havia uma equipe de médicos discorrendo sobre o paciente e sua situação clínica, Lenda não entendeu nada do que disseram, linguagem técnica nunca foi seu forte, entretanto, se lembrou de mencionarem algo como medula, arteira e fêmur ou seria crânio.

Ela esperou até que toda a equipe medica deixasse o quarto, porém o jovem já a observava totalmente atemorizado.

No quarto haviam vários equipamentos médicos, uma televisão LED de qua-renta e duas polegadas, um poderoso home theater, diferentes plataformas de vídeo games, vários jarros de flores e cartões que em sua maioria acreditavam na rápida recuperação do jovem. Largado em uma cadeira de metal branca se en-contrava um homem de meia idade com aproximadamente um metro e setenta de altura, seu cabelo liso já mostrava sinais de calvície, seus experientes olhos azuis olhavam na direção de Lenda, porém era evidente que ele não podia vê-la ali, pois seus olhos miravam o vazio' . Do lado direto da cadeira encostada junto à mesma havia três pastas de couro repletas de papeis, do lado esquerdo uma ma-leta dessas usadas para viajar e por sobre o colo do homem um notebook aberto e suas mãos sobre o teclado. Havia também uma poltrona reclinável de couro na qual se encontrava uma moldura de aproximadamente vinte centímetros de largura, por vinte centímetros de altura nela um soberbo casal de meia idade era retratado.

Lenda leu no olhar fascinado pelo nada do homem, (Ok, palavra nova, mas a mesma mecânica do parágrafo anterior. Preciso escolher melhor as palavras) que a essência do Ser dele era de tranquilidade e complacência. Uma poderosa

' Não propriamente o Vazio, pois, a grande maioria dos mortais não vê o Vazio, às vezes o sente, mas definitivamente não o Vê. O que quero dizer era que o homem sentado estava perdido em seus pensamentos e nem estava proces-sando as imagens que estava vendo é claro que ele sabia onde estava e via o que estava ao seu redor, mas naquele momento o mais importante era o que se passava em sua mente. Ufa, na próxima vez uso outras palavras. Que trabalhão só pra se fazer-me entendido)

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sensação acolhedora emanava do homem e ao seu lado pode ver um Guardião resplandecente.

O Guardião não disse uma palavra, mas se fez entender muito bem a mensa-gem enviada pelo olhar do mesmo.

- Não desejo fazer mal nenhum. - Anunciou Lenda. Se dirigindo ao rapaz ela prossegue - Gostaria de sair e olhar as estrelas?

O jovem a observava com total descaso e desdém.

- Onde esta ele? Eu o vi ao seu lado, antes do carro capotar...

- Por que todos são tão obcecados pelo Senhor Morte? Ele é tão tímido - Len-da sorri timidamente - mas é uma ótima companhia. Então vamos ver as estrelas?

- Não posso. Não vê meu estado - o jovem aponta para si mesmo, com o corpo imóvel na cama, muitos aparelhos e fios ligados a ele, um incessante PI, PI - o som tinha um compasso e time tão bom que em algum país podia ser classificado como musica - era a musica ambiente - e como sabe que adoro contemplar as estrelas? Está lendo meus pensamentos? Será que já morri...

- Não, você ainda está vivo. Se não estivesse vivo não poderia me ver. Vamos... você não está tão mal, assim faça um esforço que você consegue até correr uma maratona.

Lenda olhou nos olhos do jovem. O jovem olhou nos olhos de Lenda e ali se perdeu.Enquanto ele se perdia, ficou claro para Lenda que o Guardião só era visto por ela.

O Senhor Morte andava pela Strip. Ele estava radiante, em sua mão esquer-da uma bolsa barulhenta balança como o famoso pêndulo. Em sua mão direita, existem dois panfletos um é um moderno guia turístico dos cassinos da Strip. No outro um informativo sobre o mais ambicioso empreendimento imobiliário

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já idealizado pelo homem - trecho retirado do próprio panfleto. Ele gostaria mui-to de vê-lo pronto, por este motivo estava levando o panfleto informativo para deixá-lo em sua estande para voltar quando o mesmo estivesse pronto. O Senhor Morte era extremamente paciente.

O Senhor Morte não percebeu, mas uma trilha de improváveis acidentes esta-va vitimando “sortudos” turistas. E quando digo improvável me refiro a acidentes como uma porta de avião cair sobre um jovem casal enamorado no banco de trás de um cadilac, ou um celular explodir um posto de gasolina lotado de fregueses, enquanto o proprietário comprava batatinhas ou ainda um adolescente rebelde morrer após ingerir manga e leite juntos na mesma refeição. Os incidentes aqui descritos foram apenas alguns, houveram outros, muitos outros por que quando o Morte sorri as coisas acontecem, sempre acontecem.

Em seu pescoço uma suntuosa câmera digital de cento e dois gigapixels, com disparo muito focal e flash embutido.

Tudo aquilo que impressionava o Senhor Morte ele sentia a necessidade de fotografar. Apesar de toda a tecnologia contida nesse fantástico instrumento tec-nológico, era impossível ver como a foto vai ficar, pois, ela só irá começar o pro-cesso de revelação quando as férias acabarem.

Cada flash era um “feliz e sortudo turista” Meia hora e muitas fichas depois, aqui se deve fazer uma breve pausa para

gentilmente descrever “uma das melhores sensações da vida de um ser” trecho de um longo discurso ao qual o Senhor Morte fez a um jovem que ameaçava pu-lar na frente de um ônibus, ou será que era de cima de uma ponte, mas poderia ter sido de dentro de uma avião__ e falando a verdade o Senhor Morte não disse muita coisa em seu discurso, porém, não seria isso que ele diria quanto contas-se este “incidente” ao demais no dia do póquer.

E foi assim que as coisas aconteceram:

O Senhor Morte estava ainda mais feliz. Se é que a morte pudesse ficar feliz, a simples menção disso é abominável, mas era a pura realidade '. Prosseguindo, o Senhor Morte havia acabado de perder algo próximo ao PIB de Tuvalu, e tudo o que havia recebido em troca foi um urso de pelúcia com um gosto um tanto

' Não que Realidade se importasse.

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quanto duvidoso. Ele era completamente coberto por pelos da cor azul-turquesa, dentes e garras avantajadas e olhos abobalhados, apesar de não ter gostado muito do item acabou por levá-lo para manter o espírito esportivo. Enquanto saía do cassino com a sensação de que havia feito um péssimo negocio e olhava de sos-laio com seu amedrontador sorriso de boas vindas, ele foi envolvido pela cena, tornando-se assim coadjuvante e não protagonista.

“CLICK!”“Um jovem branco-pálido, com inacreditáveis olhos azuis tão tristes que fa-

ziam um lutador de PRIDE chorar feito uma garotinha que perdeu sua Barbie na praia, uma camisa preta com foto de três homens e embaixo da foto o nome Pedra Letícia, uma calça listrada e em sua mão direita, próximo à fonte na parte superior da cabeça um revolver prateado que brilha intensamente como aquela cidade.

O jovem estava parado de costas para as águas-dançantes da cidade das luzes. Seus olhos miravam o Senhor Morte no meio de alguns turistas chineses, que se surpreenderam com a cena inusitada dando a acreditar que se tratava de um show financiando pelos cassinos.

O jovem-triste buscava as orbitas vazia do ser que vestia um capuz tão negro quanto a escuridão, entretanto o ser evitava seu olhar. Ao ver aquele ser o jovem teve certeza do que estava fazendo, encerrar a sua vida foi sua decisão mais di-fícil, mas ver aquele ser que ele considerava mitológico ali parado na sua frente, esperando-o para ceifá-lo.

Ele se sentiu eufórico, sentiu que estava vivo, sentiu que sua existência era necessária pra alguém.”

“Amparado por aquele sentimento maravilhoso, ao qual nunca tivera experi-mentado na vida o jovem deu dois passos à frente.”

O Senhor Morte se viu em uma clássica cena de suicídio. De todas as situações de seu oficio, essa é com a qual ele mais se identifica talvez por algo relacionado ao seu longo passado. Por isso sempre que ele trabalha com pessoas desse gênero ele procurava transmitir seu melhor, como profissional é claro.

Entretanto ele estava de férias e pela manha deixou Lenda irritadíssima, com seu comentário profissional. Porém o jovem olhava intensamente para ele, bus-cando-o, implorando para que ele fizesse seu trabalho.

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Dessa forma então ele discretamente, foi se afastando e permitindo que a es-curidão fosse levando-o para longe daquela situação profissional de altíssimo risco.

Porém a força vital do jovem o chamava em uma tentativa desesperada de se livrar do jovem-triste e pidão o Senhor Morte focou seu pensamento no urso de pelúcia azul-turquesa ganho no cassino. Ou teria sido comprado?

“PENSANDO BEM ATÉ QUE NÃO FOI UM INVESTIMENTO TÃO RUIM - pensou Morte”

“Após dar mais dois passos o jovem viu ceifador começar a desaparecer suave-mente. Primeiro os pés.

O Jovem deu mais três passos em direção ao vulto negro.As pernas.O Jovem correu para o Senhor Morte empurrando e derrubando quem estava

em sua frente.O tronco.As pessoas ao redor do jovem-triste perceberam que não era uma simples atu-

ação, perceberam que era real.O desespero tomou conta de seu corpo, mente e ações. Ele gritava e dirigia

insultos aos quatro ventos.Os braços.O jovem-triste começou a chorar. Ele implorava para que o ceifador o levasse

que cumprisse seu papel na grande opera estrelar.Só restava a cabeça.O jovem-triste começou a gritar, colocou a arma brilhante mais uma vez na cabeça.Retirou a arma da cabeça, olhou-a indagando-se se era o certo.A cabeça sumiu. Ali não estava mais presente o Senhor Morte, Ceifador Uni-

versal da humanidade Ser ou Entidade que todos os seres deste plano tem encon-tro marcado. Alguns mais cedo outros mais tarde, mas todos tem este encontro.

O jovem rodou a arma em sua cabeça.”“CLICK!”

Lenda encontrava-se na Lua e o rapaz hospitalizado estava ali, à sua frente,

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estático, olhando para ela como se estivesse sobre um transe. Ela então desviou seus olhos para o horizonte. O rapaz que estava deitado em seu leito hospitalar levou um enorme susto.

- Onde estou?! - Gritou ele, olhando freneticamente para os lados.

- O que você quer?

- Estamos na Lua, eu te convidei para sair e olhar as estrelas, não se recorda?

- Sim, mas como viemos parar na Lua -o rapaz olhava incrédulo para o horizon-te - Estou sonhando, só pode ser isso. É fisicamente impossível eu estar na Lua.

- Talvez sim, talvez não. Quem pode saber o que é ou não impossível - Lenda dava uma olhada panorâmica na Lua e em seu companheiro. Desde que ele se fixara em seus olhos a pressão do vazio diminuiu drasticamente, mas ainda está ali se esgueirando pelos cantos, ávida a ganhar força e consumir o rapaz.

- A propósito, qual o seu nome?

- P. Michael. Leve-me de volta.

- Pode voltar à hora que quiser, mas peço que fique e me acompanhe... É chato olhar para as estrelas sozinha.

Os dois ficaram olhando para o horizonte.. Observando a Lua, os dois viram as apa-rentemente infinitas crateras lunares, o solo cor de giz e o infinito silêncio do espaço. E então Lenda percebia mais uma vez que o Exílio tirou dela mais do que poderia suportar, pois, mais do que a liberdade, tirou-lhe as emoções, sensações tiraram-na de si mesma. Nem mesmo nos piores tempos da humanidade houve prisão tão terrível como este Exílio, ou melhor, esse foi o pior dos tempos da humanidade.

O rapaz viaja no tempo a cada estrela que admirava, a viagem o leva para um tempo, onde tudo era muito simples, onde o mundo se resumia a sua casa, onde podia ver e tocar seu maior herói, onde o amor e afeto eram personificados. Em um desses saltos atemporais, a imagem de seu primeiro telescópio no jardim no

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centro do mundo e a sensação de ver pela primeira vez algo tão extraordinário como o brilhante Hale-Bopp. E pela primeira vez perceber que o mundo é mais do que se pode ver. Mas ao mesmo tempo as viagens atemporais traziam a ele uma enorme angústia. Lenda sentia sua angústia e percebia o Nada crescendo nas entranhas de seu ser.

Lenda aponta para um rastro brilhante bem ao longe do horizonte lunar, rapi-damente P. Michael avista o rastro brilhante, correndo avidamente de encontro aos becos mais escuros e sombrios do universo.

- Provavelmente é um cometa... - Sentenciou o rapaz.

Fez-se então um profundo silêncio, porém não aquele silêncio constrange-dor ou o silêncio da discórdia, mas o silencio da compreensão. E por um tempo aquele silêncio reinou, Lenda lia a cada instante o ser de P. Michael e percebia claramente que a pressão da trindade estava aumentando, mesmo estando em seu terreno, especialmente, para ela sempre foi extremamente dificil lutar contra a trindade.

E com mais este ser humano, estava perdendo espaço, se continuasse assim sofreria mais uma derrota.

- Por que é tão difícil para vocês seres humanos? - P. Michael olhou para ela surpreso, mas sem entender nada. - Vocês têm tanta dificuldade de acreditar em tudo que os transcendem?- questionou Lenda sem ao mesmo (...) dirigir-lhe olhar.

- Por que você pergunta isso?

- Há muito tempo já percebi este padrão de comportamento em vocês seres humanos. È tão difícil acreditar em algo que vocês não compreendem algo que está acima da existência de vocês? - Lenda, observa-o durante algum tempo, depois volta seu olhar para o horizonte lunar.

- Viver é transcender. Na verdade vocês não compreendem um terço de tudo que acontece à volta de vocês. E não me venha falar das teorias e leis biofisico-quanticas que foram inventadas por vocês. - Lenda percebeu que ele não presta-va mais atenção no que era dito, a pressão diminuiu. Ele ficou por voltar de dez minutos sem responder nada, só admirando as estrelas e pensando no que aquela estranha que estava ao seu lado havia perguntado a ele. Mas para falar a verdade,

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ele já não se sentia tão desconfortável na presença daquela moça ao seu lado. Nem medo ele sentia, emanava daquela dela algo tão bom que penetrava nele e tirava toda dúvida, medo e desconforto. Parecia que seus sonhos pueris tomaram vida, tanto que até lhe pareciam memórias.

- Sinceramente não sei. – respondeu rompendo o silêncio - talvez seja o nosso medo do vazio, do nada. Sabe, não sei se é uma regra geral, mas acredito que nós seres humanos temos medo de que após aqui só exista o vazio que tanto nos agarramos através de questionamentos, na exigência de provas concretas, na esperança de que, antes de partirmos, apareça alguém que nos responda direta-mente e que traga as provas necessárias para acreditarmos - P. Michael levantou os ombros e os abaixou em seguida, ao terminar seu discurso - Mas não sei, talvez seja só no que eu acredito e espero.

- Mas por que as provas? Nem tudo precisa ser provado. Existem coisas que são como diria um dos meus autores preferidos, Perpétuas. E essas coisas não necessitam de provas, para que você acredite que elas existam elas existem por si mesmas. - Lenda, respira fundo e olha em direção onde provavelmente situasse sua galáxia favorita. – Fé - P. Michael cai na gargalhada, uma gargalhada tão pro-funda e verdadeira como só uma criança consegue dar; ou quando um ser huma-no vive uma experiência próxima à verdadeira felicidade. Ele ri até chorar, ri até sua visão começar a rodar, pela falta de ar gerada pela mesma. Ele não percebe quanto tempo ficou rindo, mas sabe que não foi pouco. Quando parou de rir e se recompôs Lenda prosseguiu - Fé, fé e fé. Sim, sempre isso. O homem moderno já não aceita as velhas desculpas...

- Onde está ele? Ele não vai vir me buscar? – Interrompe ele calmamente.

- Estando de férias ele foi jogar nos cassinos e provavelmente irá demorar.- Humm ...O silêncio reina mais uma vez. Ela sente que o vazio se aproxima deles, mesmo

estando na escuridão do universo. Pode-se perceber as formas do nada se aproxi-mando lentamente, aquela forma tão inescrupulosa, insubstancial e indolor.

- Como você se sente sabendo que tirou a vida de outros seres humanos? – Indagou ela.

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- Não sinto nada.

- Aquelas pessoas eram pessoas inocentes - Lenda estava com um olhar calmo, tranqüilo e acolhedor. P Michael, por outro lado, tinha um olhar sisudo e triste - Então, o que você procurava com aquele carro?

- Algo que seu amigo tirou de mim anos atrás, algo tão precioso que só consigo encontrar, quando fico perto da morte.

- O que quer que você tenha perdido nunca será recuperado. Tudo que foi pelas mãos do Senhor Morte foi decretado pelo CRIADOR.

- Então de fato existe um criador, sendo assim acho que já estou condenado ao tormento ou algo em equivalência - Ele sorri.

Lenda sente o Vazio se aproximar, o abraço mórbido do Nada, percebe o Ne-nhum roçar em sua perna. Não havia muito tempo que compartilhara aquelas sensações.

- Leve-me de volta, estou me sentido indisposto. – Subitamente, um enorme cansaço e fadiga tomou conta de seu corpo, sua mente continua infatigável, mas seu corpo recusava a continuar acordado.

- Não posso. - Responde ela tentando ganhar tempo para se recompor da dor que persiste em não abandona-la. - Foi você que nos trouxe aqui.

- Como assim?! Sou um simples ser humano, não posso simplesmente vir para a Lua na hora que eu quiser.

- Talvez sim, talvez não...

- Eu quero ir embora! Leve-me daqui! - Grita P. Michael.

Ela sente o Nenhum dar-lhe seu ácido abraço, seu corpo queima, sua pele derrete sob aquele terrível e mortal abraço, dor. Aquela dor com a qual ela nunca se acostumou, mesmo sendo companheira dela todos os dias no exílio.

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- Espere! - diz ela se esforçando para não deixar transparecer a dor que per-corre seu corpo - eu te ensino a achar o caminho de volta. – em seguida respira ofegante. - Mas antes, gostaria que você nos levasse a um lugar.

- Você não me entendeu? Eu dou uma pessoa comum. Todo o meu corpo dói, se eu dormir um pouco tudo isso vai passar. – Seus olhos começam a se fechar.

- Por favor! Faça um esforço, prometo que não demorará mais que meio mi-nuto. – Ela sabia que se ele dormisse seria o fim, muitas vezes antes de partir um absurdo sono toma conta do ser e naquele estado era o fim.

Ele faz uma cara de não gostar muito, torce a boca, pisca pausadamente, por fim acena com a cabeça.

- Meio minuto. -sentencia P. Michael.

A arma brilhante está encostada na cabeça do Jovem Triste. Seus dentes cerra-dos, seu corpo tremendo e as lágrimas escorrendo sobre seu rosto. Ali, diante dos seus olhos, mais uma vez estava o ceifador.

“Sim, foi bem ali. Ele apareceu do nada, gritando e chorando pensei que ia matar alguém. Tinha uma mulher na frente dele, ele apontou a arma para ela, praguejou, depois chutou-a e puxou o gatilho, mas a arma falhou (...). Sabe, ele estava incon-trolável, devia estar drogado, ouvi dizer que ele tinha assaltado uma loja antes...”.

“... Eu não acreditei, quando ele disparou à primeira vez a arma falhou. Foi quando ele entrou em pânico, a vida pra ele devia ser mesmo uma merda, mas sabe, cara, no fundo ele só era um garoto triste que queria atenção (...). O pior foi quando ele estava procurando alguém no meio da multidão que certamente estava lá, me deu até um arrepio na hora”.

“O cara era um lunático, tinha traços mulçumaníacos, ele saiu atirando para todos os lados. Praguejando e ofendendo todo mundo, se não fosse aquele ho-mem tudo teria terminado muito mal. Agradeço a Deus por aquele homem. Ele apareceu do nada e resolveu o problema com eficiência (...). Mas aproveito para

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cobrar a ação da polícia que demorou a chegar. Tudo podia ter terminado bem pior do que terminou.”

O Senhor Morte encarou o Jovem Triste, seu olhar era tão frio e poderoso que mais lembrava um furacão sugando o ar da troposfera e o jogando diretamente no corpo do menino. Movimentar um único pedaço de carne de seu abatido e frio corpo era impossível, aquele sim era o Temível, Horrível, Sinistro, Funesto', era aquilo que ele estava procurando, a verdadeira face da morte. E ali estava sua fonte de desejo.

Ele abaixou as mãos e, em meio à tormenta que era olhar para as órbitas oculares vazias do Senhor Morte, ele resistiu com fantásticos e abatidos olhos azuis. Não foi dito nenhuma palavra, mas ambos compreenderam perfeitamente.

O Senhor Morte, por sua vez, abriu seu sobretudo, a escuridão rapidamente toma conta dos arredores, tornando em trevas profundas o que já era começo de dia; nem a noite mais escura poderia se comparar ao breu vindo dele. Um brilho, formado pelo reflexo da luz sobre uma superfície de metal, é projetado no rosto do Jovem-Triste.

- Se a Lenda estivesse aqui me lembraria de que estou de férias. - Suspirou o Senhor Morte. – Melhor dar um jeito nisso rápido, antes que ela apareça.

Um lindo e charmoso Lamborghini Diablo amarelo sol trafega suavemente por uma excelente estrada. A estrada serpenteava por montanhas verdes com um magro, porém extenso rio cor de barro por baixo, desfiladeiros e precipícios coroavam tanto o pequeno rio cor de barro como a própria estrada.

Dentro do veículo, um lindo casal, formado por um homem alto, bonito, olhos azuis, iguais à “lagoa azul”; sua pele escura formava um excelente e curioso con-traste com as roupas pomposas usadas pelo homem. Ao seu lado, uma linda mu-lher de cabelos louros, rosto fino, magníficos olhos castanho-escuros, uma pele tão branca quanto à neve. No corpo da mulher eram evidentes as marcas da nova

' E o que mais você puder imaginar.

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vida que haveria de chegar.

- Querido, minha bolsa já estourou! - Berrava a plenos pulmões a mulher.

- Ande rápido com este carro, nosso Michael está a caminho.

- Calma querida! -Respondeu o homem tentando esconder sua apreensão e nervosismo. -Estou no limite máximo de velocidade da pista. Não queremos que haja acidente logo agora, não é?!

A mulher olhou para seu marido, deixando evidente sua opinião acerca do limite de velocidade que, diga-se de passagem, não era algo nobre para ser aqui transcrito. Tentando desviar o foco da sua companheira, o homem disse:

- Querida, lembre-se da respiração cachorrinho. - o homem alternou olhadelas para a estrada com imitações da respiração de um cachorro com asma.

- A propósito, será uma menina e se chamará Ashley.

- Querido, eu já disse - ela parou para repetir a “respiração cachorrinho”, ensi-nada pelo marido - será um menino. -“respiração cachorrinho” novamente, segui-do de um potente grito de dor. - Tenho certeza absoluta, AHH! - Outra contração tão ou mais forte que a primeira.

- Calma, querida, foi só uma contração.

- Sim eu sei - respiração cachorrinho - ela foi em mim esqueceu?!

- E mais uma coisa, querida, se for menino se chamará Peter - sentenciou gentilmente o esposo.

O homem olha para a mulher. Uma fração de segundo depois volta a olhar para a pista, ele vê uma carreta de grande porte e uma pick-up vermelha saindo de uma curva de praticamente quarenta e cinco graus à direita, os dois veículos dividem a pequena pista.

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Em um piscar de olhos, P. Michael é transportado da superfície lunar para uma rodovia nas montanhas; durante o trajeto, as imagens e os lugares foram se sobrepondo de tal forma que foi como assistir o processo evolucionário de uma espécie. Aquela paisagem estava em sua mente desde muito pequeno, porém ele não conseguia dizer com exatidão o que ela era ou representava. Ele viu um Lamborghini Diablo amarelo freando bruscamente, o barulho da freada passa por dentro de seus ossos e o fez estremecer. A pick-up, que vinha na mesma pista em direção contrária, acelerou; a carreta buzinou, o som da buzina percorreu sua espinha dorsal, quando chegou à base do crânio, P. Michael se encolheu todo, lágrimas correram desesperadas de seus olhos.

Em uma tentativa ansiosa de evitar a colisão, o homem joga o carro para o canto da pista, porém já era tarde. O inevitável aconteceu...

A pick-up colide com o Lamborghini Diablo, acertando com precisão o lado do motorista. O impacto jogou o homem para frente com violência, entretanto, o cinto de segurança fez o que era esperado dele.

Tudo ficou mais lento. P. Michael e Lenda avançaram flutuando para a colisão dos veículos.

Alguns pares de centenas de segundos após a colisão, o que era antes um símbolo de alta performance, beleza e ostentação, estava se tornando ferro retor-cido. Era possível ver claramente as chapas de fibra de carbono se contorcendo e transformando-se em uma arte cubista que sempre choca seu admirador. O lado do motorista é totalmente arrancado do restante do carro; sangue jorra em todas as direções, tendo como origem a massa retorcida que um dia foi o carro. Eles veem, nítida e pausadamente, a pick-up dilacerar tanto o carro quanto o corpo do homem. A pick-up avança pelo lado direito inteiro do carro e, consigo, sobre o capô, o corpo do homem é arrastado junto com a massa de ferro que formara o lado direito do Lamborghini. Logo após dividir o carro em dois, a pick-up perde o controle e capota. P. Michael observa tudo. Com o rosto imaturo e pouco lúcido do motorista da pick-up, fica fácil de suspeitar que a soma dos dois primeiros fatores causadores de acidentes fatais estão presente também neste. O corpo do homem que estava sobre o capô da pick-up é arremessado para o alto e para fora da pista caindo em um dos desfiladeiros que cercam a estrada.

O Lamborghini Diablo roda em sentido anti-horário, batendo assim sua tra-seira na encosta da montanha. Toda a parte traseira do carro é destroçada com o impacto; o que restou da dianteira do carro é atropelado pela enorme carreta que

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tentava com a buzina impedir a colisão.Neste momento, Lenda e P. Michael estavam tão perto do carro, que puderam

escutar o último pensamento da mulher, esposa e ex-futura mãe:

“Deus, salve o meu bebê...”.

A frase ecoava na mente de P. Michael, assim como um som agudo e persis-tente. Alguns segundos se passaram, até que vários murmúrios pudessem ser escutados, eles vinham do céu. Lenda sentiu a presença do vazio, ele havia cres-cido de uma forma assustadora e estava ali, pronto pra sugar para si tudo o que encontrasse. O som agudo se tornou mais forte e constante. P. Michael sentiu um golpe fortíssimo em seu peito, como se alguém o tivesse atingido com um taco de beisebol no centro de sua caixa torácica. Alguns segundos depois, um novo golpe.

A estrada, montanha, carreta, carros batidos e os corpos começaram a se des-fazer em pó, quando um terrível vento assolou aquele mundo. Os murmúrios aumentaram e a freqüência dos golpes também, após o último golpe, ele não se agüentava em pé. Um terrível vento varre todo o pó que aquele mundo se tornara, só restando á brancura do fim, um novo golpe derruba-o no chão. Lenda o olha, com um olhar de compaixão e carinho que ele jamais havia recebido de outra pessoa, em seguida suas palavras invadem a mente de P. Michael:

“Não desista, pois eles não desistiram. Se desligue do passado assim como eles se desligaram do futuro.”

A brancura que aquele mundo se tornou ofuscou P. Michael, o barulho antes constante agora era um ritmado e infinito PI, os murmúrios agora eram vozes claras e distintas. Elas falavam sobre a hora da parada e que tinham feito tudo para reanimá-lo, porém todo esforço tinha se tornado infrutífero. Um médico que acabara de chegar e, visivelmente, era o responsável pela equipe médica, fica irritadíssimo. Esbravejando que não iria perder outro membro da mesma família sobre as mesmas condições. Ainda terrivelmente abalado e chateado, ele ordena a preparação da sala de operações, quando um compassado PI-PI é escutado pela sala. O Médico fica atônito, sem demonstrar nenhuma outra reação a não ser a perplexidade; rapidamente a equipe que estava tentando reanimar o jovem toma medidas para que o agora fraquejante PI- PI se mantivesse estável.

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- Doutor, Estabilizamos. - A mais pura incerteza acompanha a voz e o corpo da médica - Mas não sabemos por quanto tempo.

- Doutor, - disse uma voz que P. Michael considerou recém-chegada - a policia

ligou. Parece que seu filho está com sérios problemas...

- Agora não posso. Leve ele agora para a cirurgia, vamos operar.

- Mas, Doutor...

Um novo vento ensurdecedor tirou os sentidos de P. Michael, ele só conseguia distinguir o insistente PI que agora se tornou inconstante e fraco; tudo ficou tão claro, uma brancura inexplicável.

Lenda o vê partir mesmo estando a um quarteirão de distancia do prédio. Seu rosto está úmido e levemente salgado. Depois de séculos no exílio, ela continua-va vendo pessoas partirem, serem engolidas pelo Nada e isso era pior para ela do que deixar de existir.

Ainda abalada, ela começa a caminhar esperando sair daquela cidade o mais rápido possível, quem sabe assim ela deixasse de pensar em P. Michael e sua trágica e finita vida. O Vazio, Vácuo e Nada continuam a crescer absurdamente e, enquanto houver lembranças, eles irão crescer.

O reflexo de luz projetado no rosto do jovem se assemelhava a uma lua cres-cente. A intensidade do reflexo lançados forçam-no a fechar seus olhos, porém sua felicidade era tamanha que ele não conseguia disfarçar o sorriso estampado em seus lábios. Se o jovem tivesse com os olhos abertos poderia ter visto e reagi-do, mas sua felicidade e confiança eram intransponíveis, pelo menos eram no que ele acreditava, no que ele sonhava, no que ele desejava. Porém, como toda crian-ça que mais cedo ou mais tarde descobre que as coisas na maioria das vezes não são como elas desejam, com o Jovem-Triste não haveria de ser diferente. Se ele estivesse com os olhos abertos, atento ao que acontecia ao seu redor, tudo pode-

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ria sair como ele havia planejado, entretanto, ele não estava com os olhos abertos.

“O fim chegou, já não preciso mais sofrer”.

Este foi seu último pensamento, antes de se entregar ao abraço do Ceifador. O Senhor Morte começou a puxar seu instrumento, arma, hobby, equipamento de trabalho, auxiliar, companheiro, amigo para qualquer dificuldade e outras cente-nas de adjetivos que você possa imaginar para um ser que vive apenas para seu trabalho. E, enquanto retira o Sedeo de seu, sobretudo, o Senhor Morte projetava na mente do Jovem-Triste todas as memórias da vida dele, o famoso filme que passa diante dos seus olhos antes de morrer - pois é ele existe.

O Senhor Morte hesita. Poucas vezes em seu curriculum vitae ele havia hesi-tado, mas em todas essas vezes havia um excelente motivo. Envolvido pela sua hesitação e às memórias do Jovem-Triste, ele não percebeu a tempo a aproxima-ção de uma mulher ou talvez tenha percebido, mas, no momento em que sincro-nizou sua mente com as memórias do jovem, o Senhor Morte sentiu a presença do Vazio na vida dele e uma inominável onda de compaixão percorreu seu corpo.

Percebendo ou não, a mulher que tinha o cabelo curto, lindo corpo esguio e olhos que transpiravam confiança, sorrateiramente se esgueirou pelo flanco direi-to do Jovem-Triste e, quando estava apenas a um braço de distancia, ela cobre a distância entre os dois com um pulo, pousando praticamente em cima dele, suas ações foram rápidas e eficientes e somados à falta de atenção do Jovem-Triste, tornaram heroína, uma fracassada jornalista.

A jornalista segurou com a mão direita à arma que ele segurava e com a perna esquerda chutou a perna direita dele na região da rótula do joelho forçando-o a ajoelhar-se. Com a mão esquerda esticada como a lâmina de uma espada, ela dispara um golpe retilíneo em direção ao pescoço de seu alvo. Ao acertar o golpe, instintivamente o jovem encurva seu corpo levando a mão livre ao pescoço, em seguinte ela desfere um poderoso chute que acerta as duas pernas derrubando-o no chão. A jornalista ainda segurando a arma delicadamente retira a arma da mão do perigoso e nefasto terrorista.

A multidão fica em êxtase, gritando e aplaudindo a péssima jornalista. Pou-cos minutos depois, uma equipe da SWAT chega ao local e acaba confundido a heroína com a terrorista, por pouco não atiraram nela e, por vias das dúvidas, levaram-na sob custódia.

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Após alguns poucos minutos e já dentro do carro de policia o Jovem-Triste, sem saber o que ao certo aconteceu, onde seu brilhante plano de suicídio deu er-rado, vê à sua frente o Senhor Morte sorrindo e apontando o polegar direito para ele, em seguida se vira e caminha para fim da avenida. Enquanto se distanciava do Jovem-Triste, ele sentiu o vazio diminuindo sua pressão sobre o pequeno projeto de terrorista ou talvez fosse pela distância na qual ele se encontrava em relação ao mesmo. De qualquer forma era bom o Jovem Triste arrumar algo pelo que viver, pois hoje havia sido apenas uma retirada estratégia, mas as férias não durariam para sempre.

A madrugada já se acentuava e Lenda estava em uma esquina bem iluminada com lindas fachadas e uma multidão de pessoas transitando a sua frente, mas ne-nhuma se dava ao trabalho de olhar para ela. Uma chuva fina caia sobre seus om-bros, aumentando ainda mais sua impaciência: mais uma vez ele estava atrasado e mais uma vez ela estava ali parada, esperando-o. Mas, diferente da manhã, ela estava mais triste, abatida e resignada, sentiu logo no primeiro dia de liberdade que seus algozes ainda assolavam o mundo, isto causou nela uma dor ainda maior. Maior que as torturas, maior que a solidão, maior que o exílio.

Um casal passava em sua frente levando consigo uma garotinha de vestido vermelho, o casal estava com um semblante abatido e conversavam sobre a situ-ação do país e das consequências que a economia tinha sobre a vida da família. Como todos que passavam por ela, o casal se quer a notou, porém a criança olhou no fundo de seus olhos sem se afogar na escuridão que diante do olhar ávido da criança deixou de existir e disse:

- As coisas irão melhorar! - Em seguida, deu aquele enorme e lindo sorriso que só quem é criança sabe dar.

Aquele olhar, somado ao sorriso, lhe deu um novo ânimo, a fez perceber de for-ma definitiva pelo que lutava. Esta injeção de ânimo foi tamanha que ela não per-cebeu que o Senhor Morte estava ao seu lado e, de certa forma, feliz com o que via.

Ambos ficaram em silêncio por quase cinco minutos até que o Senhor Morte diz:

- ESTÁ NA HORA DE PARTIR, SENHORITA LENDA!

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Ela deu um sobressalto, com os olhos arregalados, respiração ofegante e um grito nos lábios.

- Você está louco! - Grita exaltada Lenda. - Você quase me mata do coração, tenha um pouco mais de tato.

Ele ficou muito surpreso ao admirá-la.

- PERDÃO, MINHA CARA, PORÉM ESTAMOS ATRASADOS E A CUL-PA É SUA, DEVEMOS DEIXAR ESTE LUGAR, POIS NOSSO TEMPO AQUI JÁ ESTÁ POR SE ESGOTAR.

- Sim, é verdade, vamos.

Lenda retirou sua bicicleta que estava encostada por todo o tempo no muro, o Senhor Morte retirou a sua do seu, sobretudo e ambos pedalaram em direção ao fim da rua, que se tornou o fim da cidade, que se tornou o fim do estado, que se tornou o fim do país, que se tornou assim o fim do mundo... Enquanto Lenda mais uma vez tagarelava injúrias e conselho infrutíferos ao Senhor Morte.

FIM DO PRIMEIRO DIA

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