uma investigação acerca das regras para a negação e o absurdo

522
1 Wagner de Campos Sanz UMA INVESTIGAÇÃO ACERCA DAS REGRAS PARA A NEGAÇÃO E O ABSURDO EM DEDUÇÃO NATURAL Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo Esteban Coniglio. Este exemplar corresponde à redação final da Tese defendida e aprovada pela Comissão Julgadora em 28 / 07 / 2006 BANCA Prof. Dr. Marcelo Esteban Coniglio Prof. Dr. Luiz Carlos Pinheiro Dias Pereira Prof. Dr. Rodolfo Ertola Biraben Prof. Dr. Daniel Durante Pereira Alves Prof a . Dr a . Geiza Maria Hamazaki da Silva Prof. Dr. Marcelo Finger Prof a . Dr a . Itala L´Offredo D´Otaviano Julho/2006

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  • 1

    Wagner de Campos Sanz UMA INVESTIGAO ACERCA DAS REGRAS PARA A NEGAO E O

    ABSURDO EM DEDUO NATURAL

    Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de

    Filosofia do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas

    da Universidade Estadual de Campinas sob a

    orientao do Prof. Dr. Marcelo Esteban Coniglio.

    Este exemplar corresponde redao final da Tese defendida e aprovada pela Comisso Julgadora em

    28 / 07 / 2006

    BANCA

    Prof. Dr. Marcelo Esteban Coniglio

    Prof. Dr. Luiz Carlos Pinheiro Dias Pereira

    Prof. Dr. Rodolfo Ertola Biraben

    Prof. Dr. Daniel Durante Pereira Alves

    Profa. Dr

    a. Geiza Maria Hamazaki da Silva

    Prof. Dr. Marcelo Finger

    Profa. Dr

    a. Itala LOffredo DOtaviano

    Julho/2006

  • 2

    FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP

    Palavras chaves em ingls (keywords) :

    rea de Concentrao: Filosofia Titulao: Doutorado em Filosofia Banca examinadora: Data da defesa: 28/07/2006

    Deductive logic Proof theory Negation (Logic) Deduction (Logic)

    Prof. Dr. Marcelo Esteban Coniglio (orientador) Prof. Dr. Luiz Carlos Pinheiro Dias Pereira Prof. Dr. Rodolfo Ertola Biraben Prof. Dr. Daniel Durante Pereira Alves Prof. Dr. Geiza Maria Hamazaki da Silva Prof. Dr. Marcelo Finger (suplente) Prof. Dr. tala LOffredo DOtaviano (suplente)

    Sanz, Wagner de Campos Sa59i Uma investigao acerca das regras para a negao e o absurdo

    em deduo natural / Wagner de Campos Sanz. - Campinas, SP : [s. n.], 2006.

    Orientador: Marcelo Esteban Coniglio. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.

    1. Lgica. 2. Teoria das demonstraes. 3. Negao (Lgica). 4. Deduo natural. I. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. II.Ttulo. (mfbm/ifch)

  • 3

    Agradecimentos

    Em primeiro lugar gostaria de agradecer a Abel Lassalle Casanave, a Luiz Carlos Pereira,

    a Javier Legris, a Jorge Molina e a Jos Seoane com os quais discuti amplamente os temas desta

    tese. Suas opinies, sugestes e crticas foram de valor inestimvel. De modo geral, agradeo aos

    demais participantes dos Colquios Cone-Sul de Filosofia das Cincias Formais. Tambm quero

    lembrar o proveito que tirei de algumas trocas de idias com Daniel Alves e Rodolfo Ertola

    Em segundo lugar quero agradecer ao meu orientador Marcelo Coniglio pelas sugestes e

    apoio para o desenvolvimento da pesquisa, bem como aos demais professores e funcionrios do

    CLE e do IFCH. Ressaltamos em particular o papel de destaque que teve a biblioteca do CLE

    para realizao das nossas investigaes, em especial Eliana Marquetis.

    Em terceiro lugar gostaria de agradecer o apoio e incentivo recebido dos colegas da UFG,

    assim como o incentivo que nos aportam os alunos com suas inquietaes e sua capacidade de

    nos obrigar a reelaborar nossas concepes, em particular: meus monitores de lgica na UFG,

    Alexandre, Ricardo, Wellington, Marcondes, Stefano, Cristina, Alessandro, Toni, Renata, Paulo,

    Patrcia e Renato; e aluna Helena, pela suas questes incisivas. Somos gratos profa Belkiss

    Mendona, que nos franqueou acesso ao material bibliogrfico do prof. Simo Mendona. Na

    pessoa de todos eles agradeo ao povo acolhedor de Gois.

    Em quarto lugar agradeo de corao minha esposa Helena Reis e a sua me Yolanda

    Reis que me deram imensurvel apoio, constante e cotidiano. Se Deus existe, ele sabe o quanto

    lhes devo.

  • 4

  • 5

    Na esperana de ter acertado mais do que errado

    E de que o balano seja suficiente para honr-los,

    Dedico este trabalho

    s minhas filhas Ana e Camila,

    Aos meus pais Wilson e Romilda

    E minha esposa Helena.

  • 6

  • 7

    Sumrio

    Resumo ..............................................................................................................................13

    Abstract .............................................................................................................................13

    Introduo.........................................................................................................................15

    Captulo I O Conceito de Deduo e o Problema da Negao .....................................35

    1. Os Conceitos de Prova, Argumento e Conseqncia Dedutiva............................39

    1.1. Os Intuicionistas e os Sistemas de Deduo Natural...........................................43

    1.2. Dificuldades na Posio Intuicionista .................................................................50

    1.3. Uma Proposta Alternativa para Interpretar os Sistemas de Deduo Natural.....60

    1.4. A Definio Formal do Conceito de Conseqncia Dedutiva.............................70

    2. Acerca da Negao ...................................................................................................73

    2.1. Regra de Introduo para a Negao...................................................................73

    2.1.1. Outras Propostas Elucidatrias Relacionadas ..............................................81

    2.1.2. Negao versus Conseqncia Dedutiva......................................................85

    2.1.3. Observaes acerca do Clculo de Seqentes ..............................................86

    2.2. Regra de Introduo para a Proposio Absurda ................................................90

    2.3. Observaes quanto aos Parmetros Proposicionais...........................................97

    2.4. Existem Provas Cannicas da Negao?.............................................................98

    2.5. Refutabilidade e Absurdidade ...........................................................................100

    2.5.1. Curry e o Conceito de Negao..................................................................101

    3. Consideraes Finais ..............................................................................................111

    Captulo II Sistemas Lgicos de Deduo Natural Parte I ......................................113

    1. Sistemas Minimais sem Deduo Indireta ...........................................................115

    1.1. O Sistema Minimal M ....................................................................................115

  • 8

    1.2. O Sistema Minimal............................................................................................116

    1.2.1. O que Podemos Representar com o Sistema Minimal ...............................116

    1.3. O Sistema Minimal para Preservao da Falsidade ..........................................121

    1.4. Regras de Deduo Natural e Sintaxe ...............................................................127

    1.5. Rejeio e Refutabilidade..................................................................................128

    1.6. Faria Sentido Adicionar a Negao aos Sistemas Minimais? ...........................130

    1.7. Tautologicidade Minimal no Sistema para Preservao da Falsidade ..............135

    1.8. A Dualidade entre Implicao e Desimplicao ...............................................137

    1.9. Sistema Minimal para a Falsidade com Implicao ..........................................141

    1.10. Convergncia entre as Duas Noes de Refutabilidade acima Definidas.......142

    2. Sistemas Minimais com Deduo Indireta ...........................................................144

    2.1. Sistema Peirce para {,,} ...........................................................................156

    2.2. Sistema Peirce para {,,} com Regra Peirce Bsica ..................................158

    2.3. Que Sentido Faria a Negao no Sistema Peirce?.............................................160

    2.4. O Sistema para a Refutabilidade de Lpez-Escobar .........................................163

    3. Consideraes Finais ..............................................................................................169

    Captulo III Sistemas Lgicos de Deduo Natural Parte II...................................171

    1. Sistemas Intuicionistas ...........................................................................................171

    1.1. Observaes acerca do Absurdo........................................................................174

    1.2. Observaes acerca da Regra de Introduo do Absurdo .................................180

    1.3. Faria Sentido um Sistema Intuicionista para a Preservao da Falsidade? .......180

    1.4. Traduo de I em M.........................................................................................185

    1.5. Observaes acerca da Equivalncia das Regras Indiretas ...............................186

    2. Sistemas Clssicos...................................................................................................186

    2.1. Observaes sobre o Sistema Clssico para a Preservao da Falsidade..........194

    2.2. Sistema Clssico para {,,,}, ...................................................................196

    2.3. Sistema Clssico para {,,,} com Regra cm Bsica ................................198

    2.4. Sistema Clssico para {,,,}.....................................................................200

    2.5. Traduo de C em P ..........................................................................................202

    2.6. Observaes acerca das Regras de Deduo Indireta........................................203

    2.7. O Problema da Desimplicao ..........................................................................204

  • 9

    3. Outros Sistemas Construtivos ...............................................................................206

    3.1. At onde a Deduo Indireta Construtivamente Admissvel?........................206

    3.2. O Sistema Icm'...................................................................................................208

    3.3. Os Sistemas Icmo, Icmo_, Icm{,,, } ...............................................................214

    4. As Regras Extralgicas de uma Teoria e o Uso de Suposies...........................217

    5. Consideraes Finais ..............................................................................................229

    Captulo IV Forma Normal, Redues, Permutaes e Simplificaes.....................239

    1. Da Utilidade dos Rodeios .......................................................................................239

    2. O Problema da Harmonia entre as Introdues e as Eliminaes.....................241

    2.1. Observao acerca da Validade das Regras de Introduo-Eliminao............247

    3. Rodeios.....................................................................................................................248

    3.1. Pares Operacionais Imediatos............................................................................248

    3.1.1. Observao sobre o Descarte de Suposies..............................................251

    3.1.2. Observaes acerca dos Parmetros ...........................................................252

    3.2. Par Operacional Imediato para ......................................................................252

    3.2.1. O Princpio de Inverso e a Falta de Regra de Introduo de Absurdo .....256

    3.2.2. O Princpio de Harmonia para o Absurdo ..................................................260

    3.2.3. A Regra de Eliminao do Absurdo e o Princpio de Inverso..................261

    3.3. Pares Permutativos de Eliminaes...................................................................264

    3.4. Par Permutativo Imediato para Consequentia Mirabilis....................................269

    3.5. Como Justificar a Permutao sobre Consequentia Mirabilis? .........................274

    3.6. Da Permutabilidade Geral das Regras de Deduo Indireta .............................277

    3.6.1. Observao sobre o Contedo Computacional das Provas Clssicas ........287

    4. Pares/Unidades Multiplicativas x No-Multiplicativas.......................................288

    5. Reduo ...................................................................................................................289

    6. Conveno e Notao .............................................................................................289

    7. Forma Normal ........................................................................................................290

    7.1. IE-Forma para Derivaes Puras.......................................................................291

    7.2. IE-Forma e Consistncia ...................................................................................293

    7.3. Propriedade da Subfrmula ...............................................................................299

  • 10

    7.4. Unicidade da Forma Normal .............................................................................299

    8. Outros Tipos de Rodeios ........................................................................................302

    8.1. Simplificaes sobre as Derivaes ..................................................................302

    8.1.1. Rejeitando as Simplificaes para e e e .................................................302

    8.1.2. Rejeitando as Simplificaes para i .........................................................306

    8.1.3. Acerca da Simplificao Envolvendo E ..................................................306

    8.1.4. Simplificaes Acolhidas ...........................................................................307

    8.1.4.1. Pares de Regras Simplificveis ...........................................................308

    8.1.4.2. Unidades Simplificveis......................................................................315

    8.2. Acerca dos Critrios de Admissibilidade para Simplificaes..........................317

    9. Rodeios e Forma Normal .......................................................................................318

    9.1. Propriedades das Operaes No-Multiplicativas.............................................319

    9.2. O Valor Redutivo dos Novos RDs ....................................................................320

    10. Consideraes Finais ............................................................................................323

    Captulo V O Processo de Normalizao......................................................................327

    1. Esquemas Genricos para as Operaes sobre as Derivaes............................327

    2. Definies de Normalizao e Confluncia ..........................................................331

    3. Exemplos de Sistemas Sem Normalizao ...........................................................333

    4. Hauptsatz para LJ*................................................................................................335

    5. Normalizao Fraca para Deduo Natural ........................................................338

    5.1. Normalizao Fraca com Cota Para Icm' ..........................................................340

    5.2. Normalizao Fraca com Consequentia Mirabilis No-Restringida .................352

    6. Finitude de Toda Cadeia de Reduo via Propriedade da Validade Forte.......359

    7. Confluncia .............................................................................................................371

    8. Definio da Pior Seqncia ..................................................................................394

    9. Consideraes Finais ..............................................................................................395

    Captulo VI Cotas e Operao de Expanso Sobre Derivaes .................................397

    1. Operao de Expanso...........................................................................................397

    1.1. Pares No-Imediatos e a Forma Normal Expansiva..........................................397

  • 11

    1.1.1. Forma Normal Expansiva para C'...............................................................402

    1.1.2. Novas Operaes sobre as Derivaes em C' .............................................404

    1.1.2.1. Uniformizao .....................................................................................404

    1.1.2.2. Operao de Expanso ........................................................................410

    1.2. Normalizao e Confluncia Para Multiplicao com Cota..............................414

    1.2.1. Normalizao Fraca com Cota para as FNEs .............................................415

    1.2.2. Church-Rosser e Finitude para a Multiplicao .........................................419

    1.2.3. A Estrutura da Prova de Normalizao Forte para a Multiplicao ...........424

    1.2.4. Valor de Induo ........................................................................................424

    2. Conseqncias da Operao de Expanso ...........................................................425

    2.1. Normalizao Forte para C' ...............................................................................425

    2.2. Cotas para a FN e para a Seqncia de Reduo..............................................430

    2.3. Cotas no Fragmento M ...................................................................................431

    2.3.1. O Processo de Cotao ...............................................................................438

    2.3.2. Melhoria nas Cotas .....................................................................................439

    2.4. Cota sem Valor no Sistema C'? .........................................................................441

    3. Consideraes Finais ..............................................................................................450

    Captulo VII Concluso .................................................................................................451

    Apndice - Conceitos Bsicos de Deduo Natural .....................................................461

    1. A Proposio e a sua Forma ..................................................................................462

    1.1. Smbolos ............................................................................................................463

    1.2. Frmulas ............................................................................................................464

    2. Observao quanto Representao das Frmulas ...........................................468

    2.1.1. Observaes acerca da rvore de Construo de uma Frmula ................468

    2.1.2. Observao acerca dos Parmetros ............................................................469

    2.1.3. Observao acerca do Papel dos Quantificadores em uma Frmula..........470

    2.1.4. Observao acerca da Identidade Sinttica entre Frmulas .......................471

    2.1.5. Observao acerca das Definies Explcitas ............................................471

    2.2. Operadores Lgicos Definidos ..........................................................................471

    2.3. Notaes ............................................................................................................471

    3. Derivaes ...............................................................................................................472

  • 12

    3.1. Derivaes e Regras Lgicas para Deduo Natural ........................................474

    3.2. Caracterizao das Regras Lgicas ...................................................................476

    3.2.1. Observaes quanto Natureza da Validade de uma Regra ......................480

    1.1.1.1. A Harmonia das Eliminaes com respeito s Introdues ...............483

    3.2.2. Mais Observaes quanto Operao de Substituio Sinttica ...............487

    3.2.3. Observaes acerca da Semntica dos Operadores Lgicos ......................488

    3.3. Regras No-Contempladas no Quadro Anterior................................................490

    3.3.1. A Regra de Eliminao do Absurdo...........................................................490

    3.3.2. Regras de Deduo Indireta........................................................................490

    3.4. rvores de Derivao ........................................................................................491

    3.4.1. Observaes sobre o Descarte de Suposies ............................................497

    3.4.2. Observaes quanto aos Parmetros Individuais .......................................499

    3.4.3. Observaes quanto Identidade das Derivaes......................................502

    3.5. Notaes ............................................................................................................503

    Bibliografia Referida......................................................................................................505

    Bibliografia Adicional ....................................................................................................511

    ndice Remissivo .............................................................................................................513

  • 13

    Resumo

    O objetivo desta tese o de propor uma elucidao da negao e do absurdo no mbito

    dos sistemas de deduo natural para as lgicas intuicionista e clssica. Nossa investigao pode

    ser vista como um desenvolvimento de uma proposta apresentada por Russell h mais de cem

    anos e a qual ele parece ter abandonado posteriormente. Focaremos a ateno, em primeiro lugar,

    sobre a negao e, depois, como conseqncia das propostas para a negao, sobre a constante de

    absurdo. Nosso ponto de partida , na verdade, um problema de natureza conceitual.

    Questionaremos a correo e a adequao da anlise da negao e do absurdo atualmente

    predominante no meio-ambiente de deduo natural de estilo gentzeniano. O questionamento

    dessas anlises adota como ponto focal o conceito de hiptese. O conceito de hiptese uma

    noo central para os sistemas de deduo natural e a nossa proposta de anlise desse conceito

    servir de esteio para a formulao das propostas elucidatrias para a negao e o absurdo dentro

    dos sistemas de deduo natural.

    Abstract

    The purpose of this thesis is to present an elucidation of negation and absurd for intuitionist and

    classical logics in the range of natural deduction systems. Our study could be seen as a development of a

    proposal presented by Russell over a hundred years ago, which he presumably abandoned later on. First,

    we will focus on negation and then on the absurd constant, as a consequence of the claims we are making

    for negation. As a matter of fact, our starting point is a problem of a conceptual nature. We will question

    the correctness and the adequacy of the analysis of negation and absurd, prevailing nowadays in the

    Gentzen-style natural deduction circle. The concept of hypothesis is the focus point in questioning these

    analyses. The concept of hypothesis is a central notion for natural deduction systems and the purpose of

    our analysis of this concept is to support the formulation of elucidative propositions for negation and

    absurd in natural deduction systems.

  • 14

  • 15

    Introduo

    O objetivo geral desta tese o de propor uma elucidao da negao e do absurdo no

    mbito dos sistemas de deduo natural para as lgicas intuicionista e clssica, bem como alguns

    de seus subsistemas. Nossa investigao pode ser vista como um desenvolvimento de uma

    proposta apresentada por Russell h mais cem anos, que ele parece ter abandonado

    posteriormente. Focaremos a ateno, em primeiro lugar, sobre a negao e, depois, como

    conseqncia das propostas para a negao, sobre a constante de absurdo. imensa a quantidade

    de bibliografia que trata desse mesmo assunto, inclusive em deduo natural, e, dessa forma, no

    teremos como trat-lo exaustivamente. As reflexes aqui contidas faro referncia sobretudo

    queles materiais que, de algum modo, envolvem deduo natural. Nosso ponto de partida , na

    verdade, um problema de natureza conceitual. Questionaremos a correo e a adequao da

    anlise da negao e do absurdo atualmente predominante no meio-ambiente de deduo natural

    de estilo gentzeniano.

    Nessa introduo faremos uma breve apresentao de natureza metodolgica envolvendo

    o processo de elucidao conceitual e a relevncia desse processo para os temas que nos que

    propusemos tratar.

    A posio interpretativa dominante no meio-ambiente de deduo natural de estilo

    gentzeniano nutre certa simpatia pelas teses intuicionistas e por isso ns a designaremos de

    intuicionismo natural. Pretendemos examinar criticamente suas propostas no decorrer da tese.

    Muitos so os autores que poderamos classificar de intuicionistas naturais. Entre esses,

    com certeza, incluiramos Prawitz, Martin-Lf e Dummett1. Basicamente, segundo esse ponto de

    vista, as derivaes seriam constructos que elucidariam o conceito de prova, em particular o

    conceito de prova construtiva. Mas, embora essa interpretao possa hoje parecer natural,

    discutvel que ela estivesse presente nas formulaes originais de Gentzen [Gen35] ou de

    1 O prprio Prawitz indica o mesmo trio no prefcio edio Dover de [Pra65], pg. viii.

  • 16

    Jaskowski [Jas34]. De nossa parte, queremos apresentar uma interpretao alternativa quela dos

    intuicionistas naturais, embora mantendo uma parcela importante do seu aparato conceitual e de

    seus resultados. A necessidade de um novo ponto de vista surgiu quando passamos a acreditar na

    possibilidade de uma elucidao da negao e do absurdo distinta daquela por eles sugerida.

    Nossa proposta elucidatria adotar outra concepo do papel que as derivaes em

    deduo natural desempenham na anlise dos princpios lgicos. Para ns, as derivaes em

    deduo natural so mais bem interpretadas como uma tentativa de esclarecer o conceito de

    conseqncia dedutiva entre proposies/formas proposicionais2 envolvendo constantes lgicas.

    Ou ainda, desde outra perspectiva, as regras de deduo seriam regras que estabeleceriam ou

    fixariam uma extenso a qualquer relao de conseqncia dedutiva entre proposies/formas

    proposicionais elementares. Nessa caracterizao das constantes lgicas por meio das regras de

    deduo, o nico conceito usado o conceito de conseqncia dedutiva. A relao de

    conseqncia dedutiva que temos em mente distinta da relao de conseqncia semntica

    tarskiana [Tar36], embora a relao de conseqncia dedutiva entre proposies/formas

    proposicionais implique uma relao de conseqncia tarskiana.

    Entendemos que, primariamente, a relao de conseqncia dedutiva vigora entre

    proposies e formas proposicionais. A relao vigorar entre as asseres somente de forma

    derivada, na medida em que o contedo de uma assero uma proposio. Assim, desde o nosso

    ponto de vista, as regras de deduo natural no devem ser interpretadas como regras

    inferenciais, ou seja, regras que envolvem asseres. A razo que achamos difcil considerar

    como regras de inferncia aquelas regras cujas condies de aplicabilidade fazem referncia

    relevante ao uso de hipteses. Se no fizermos uma distino entre as regras de deduo e as

    regras de inferncia, o que em nossa opinio ocorreria no intuicionismo natural, acabaramos por

    gestar uma interpretao do conceito de hiptese que parece ser criticvel sob vrios aspectos.

    Considere-se, por exemplo, que, em um argumento que envolva um raciocnio por absurdo, a

    hiptese ser finalmente rejeitada. Desse modo, seria preciso fazer um malabarismo sofisticado

    para assimilar aquela suposio a uma assero. Por isso, o exame do conceito de suposio

    tomar uma parcela importante da nossa investigao.

    A elucidao da negao e do absurdo, presente na maior parte da literatura de deduo

    natural para as lgicas intuicionista e clssica, apresenta regras de eliminao para essas

    constantes lgicas, mas ou no apresenta regras de introduo ou, quando apresenta, o faz de

    2 Para um esclarecimento acerca da forma como os conceitos de proposio e forma proposicional esto sendo usados nesta tese ver o Apndice.

  • 17

    modo que a constante j ocorre nas condies de aplicabilidade da regra. Porm, um dos

    princpios elementares que as elucidaes via deduo natural devem respeitar o de que a parte

    nuclear do uso dedutivo das constantes lgicas deve ser explicitada por meio de uma dade de

    regras: regras de introduo e regras de eliminao. Um segundo princpio o de que a descrio

    do uso da constante no pode estar condicionada por uma compreenso prvia da mesma. No

    entanto, questionvel que esses princpios tenham sido seguidos risca na literatura.

    De modo a poder aquilatar a tarefa que estamos nos propondo, talvez no seja demasiado

    lembrar a opinio de um professor importante para a nossa formao, A. Raggio [Rag88]:

    Como bem conhecido, a tese de Gentzen comea construindo um sistema de deduo natural para a teoria da quantificao. Pareceria impossvel que uma aproximao entre a lgica sistemtica e certos fatos psicolgicos pudesse ter qualquer relevncia terica. No entanto por meio do seu sistema de deduo natural Gentzen mostrou que os conectivos exceto a negao e os quantificadores podem ser analisados por regras de introduo e eliminao de tal modo que os as ltimas so o inverso das primeiras. ... de modo a prevenir e clarificar certas dificuldades conectadas com a negao, Gentzen, na segunda parte de sua tese, desenvolveu um novo sistema: a lgica de seqncias. Nesse segundo sistema as regras naturais de eliminao tornam-se regras de introduo no antecedente. Nesse novo sistema a negao deixa de ser problemtica "como que por mgica".3

    Assim, se Raggio estava correto, a formulao de regras de introduo e de eliminao

    para a negao em deduo natural um problema para o qual o admirvel Gentzen no pde

    encontrar soluo satisfatria em termos de deduo natural. Isso nos leva a crer que esse

    problema seja digno de ateno e respeito e que uma investigao sobre esse tema seja altamente

    desejvel.

    As regras em dades introduo-eliminao propiciam um esclarecimento para o ncleo

    do significado dedutivo das constantes, caso certas condies sejam cumpridas. Para que o

    esclarecimento seja efetivo, a condio principal a ser preenchida a de que as regras s

    poderiam fazer referncia a uma outra constante qualquer caso o uso dedutivo dessa constante j

    estivesse claramente estabelecido. Desse modo, deveria haver um conjunto mnimo de constantes

    cujas regras no fariam nenhuma referncia a outras. A isso podemos chamar de propriedade de

    independncia. Da propriedade de independncia seguir-se-ia a propriedade da completa

    3 As is well known, Gentzens thesis begins building a system of natural deduction for quantification theory. It seems impossible that an approximation of systematic logic to psychological facts could have any theoretical relevance. Nevertheless by means of this system of natural deduction Gentzen showed that the connectives except negation and the quantifiers can be analyzed by introduction and elimination rules in such a way that the latter are the inverses of the former. ... in order to prevent and clarify certain difficulties connected with negation, Gentzen, in the second part of his thesis, developed a new system: the logic of sequences. In this second system the natural rules of elimination become rules of introduction in the antecedent. In this new system negation loses "as by magic" all its problems.

  • 18

    separabilidade para as constantes lgicas bsicas. A elucidao do uso dedutivo dessas

    constantes, por meio de regras de introduo e de eliminao independentes, seria, assim, similar

    a uma definio explcita.

    Nossa proposta elucidatria para a negao e o absurdo compreende a reduo das duas a

    um denominador comum. A nosso ver, a condio para estabelecer que a negao de uma

    proposio ou forma proposicional conseqncia dedutiva de uma lista de hipteses, ou que o

    absurdo conseqncia dedutiva de uma lista de hipteses, requer a percepo de que a situao

    correspondente lista de hipteses impossvel. A constatao de que a situao que

    putativamente corresponderia lista de hipteses uma situao impossvel , na verdade, uma

    constatao de que a prpria lista de hipteses no realizvel, ou seja, de que no h situao de

    fato sob a qual todas as hipteses sejam verdadeiras. Um meio de representar essa noo dentro

    do sistema, a noo de irrealizabilidade de uma lista de hipteses, ser a de mostrar que, sob a

    suposio da sua realizabilidade, qualquer proposio seria realizvel. Do modo como vemos a

    questo, temos, agora, como conseqncia positiva do emprego desse conceito de

    impossibilidade, a faculdade de aplicar distines mais finas sobre o conjunto das situaes que

    consideraramos como situaes suficientes para a introduo de uma negao ou do absurdo.

    No s situaes de contradio em que a lista de hipteses contm uma proposio, ou forma

    proposicional, e sua negao sero consideradas como situaes suficientes para introduzir a

    negao, mas tambm situaes de contrariedade, situaes que, a nosso ver, so formas

    elementares da constituio do que entendemos pelo conceito de incompatibilidade. Os termos

    contradio e contrariedade esto sendo aqui empregados em um sentido que se origina em

    Aristotteles4. Lembramos que esses dois conceitos no se confundem na lgica aristotlica.

    Quando algum diz que um conjunto de sentenas contraditrio porque nenhum modelo o

    satisfaz, est justamente apagando a distino entre contrariedade e contraditoriedade. Parece-nos

    melhor dizer que o conjunto das sentenas incompatvel, quando isso ocorre, ao invs de dizer

    que ele contraditrio. Desse modo, o conceito de contradio ficaria reservado para um uso

    mais especfico. Contraditrias so certos pares de proposies que corresponderiam a A e ~A.

    Uma conseqncia relevante de tratar a negao e o absurdo dessa forma est no fato de poder

    reconduzir o conceito de impossibilidade ao conceito de conseqncia dedutiva. Mas, segundo

    nosso ponto de vista, como essa justamente a noo objeto de elucidao dos sistemas de

    deduo natural, ento a negao e o absurdo devem poder ser elucidados completamente em

    4 Acerca desses dois conceitos ver [Bla69].

  • 19

    termos de regras de deduo natural. Ao menos ser possvel fazer essa reconduo se certas

    condies forem aceitas. Esperamos esclarec-las no decorrer da investigao.

    As regras de eliminao da negao e do absurdo na lgica clssica e na lgica

    intuicionista so concebidas de tal modo que ambas incorporam o princpio de ex falso quodlibet.

    A validade desse princpio tem sido historicamente debatida. Para um nmero no desprezvel de

    estudiosos, esse princpio necessita de algum tipo de justificao. Queremos, no decorrer da tese,

    aduzir um argumento em suporte da sua validade dentro de determinados contextos. O argumento

    a ser aduzido funcionaria sobretudo para aqueles contextos em que os sistemas de lgica so

    pensados em estreita conexo com a formalizao das teorias matemticas. Na verdade,

    queremos mostrar que a validade do princpio est estreitamente relacionada aceitao ou

    rejeio de uma determinada proposta elucidatria para o uso da negao e do absurdo dentro de

    um determinado contexto. O esteio da proposta estar dado justamente por uma regra de

    introduo para cada uma das constantes, no caso a negao e o absurdo, e esse um dos pontos

    importantes da nossa tese.

    A estrutura da justificativa , em linhas gerais, a seguinte. A aceitabilidade do princpio de

    ex falso quodlibet decorrer da aceitabilidade da regra de eliminao da negao ou do absurdo e

    a aceitabilidade dessas regras decorrer da aceitao das respectivas regras de introduo.

    Basicamente, isso se dar naqueles contextos em que for importante preservar a homogeneidade

    da estrutura da prova das proposies que sejam instncia de uma mesma forma vlida. Contudo,

    admitimos, sempre restar a possibilidade de rejeitar as regras de introduo que iremos propor,

    inclusive por razes pragmticas. Como a forma pela qual estamos interpretando a negao est

    considerando o mbito de formalizao das teorias matemticas, admissvel que, sob outros

    usos, tais regras sejam inapropriadas. Em todo caso, aquele que venha a rejeitar essas regras tem

    a liberdade de propor outras, embora tambm tenha o nus de explic-las e justific-las.

    Alm do princpio de ex falso quodlibet, h uma classe de princpios que aparece

    constantemente associada ao uso da negao e do absurdo na lgica clssica, mas que rejeitada

    dentro da lgica intuicionista. Essa classe de princpios o que podemos chamar de classe dos

    princpios de deduo indireta. Desde o ponto de vista da elucidao que estamos propondo,

    esses princpios estenderiam o conceito de conseqncia dedutiva. A diferena entre a lgica

    intuicionista e a lgica clssica repousa exatamente sobre a ausncia/presena desses princpios.

    Ns nos proporemos, no decorrer da investigao, a determinar qual forma de regra de deduo

    indireta seria a mais adequada para definir a lgica clssica a partir da intuicionista e qual forma

    de regra seria minimamente necessria e suficiente para incorporar esses princpios a um sistema.

  • 20

    Alis, uma idia que tambm considerada uma noo central dos sistemas de deduo natural

    a de que o conjunto de regras a partir do qual esclarecemos as conexes lgicas entre as

    proposies/formas proposicionais est constitudo de regras que so as mais elementares

    possveis. Sob esse aspecto, veremos que existem boas razes para questionar a forma usual de

    definir a lgica clssica nos sistemas de deduo natural comumente encontrados na literatura,

    pois a regra empregada, a assim chamada regra de absurdo clssico, envolve eliminao do

    absurdo e deduo indireta ao mesmo tempo, mescladas em uma mesma regra.

    Do nosso ponto de vista, os princpios de deduo indireta no tratariam especificamente

    de nenhuma constante lgica, embora a constante proposicional de implicao seja a constante

    mais intimamente afetada ao introduzirmos a regra. A razo para isso parece ser a de que essa

    constante corresponde expresso lingstica de conseqncia dedutiva entre proposies/formas

    proposicionais. Assim, aquilo que uma regra de deduo indireta expressaria mais ou menos o

    seguinte: se da suposio de que uma determinada frmula tem uma conseqncia segue-se a

    prpria frmula como conseqncia, ento essa frmula j era estritamente conseqncia das

    demais hipteses envolvidas. Em certo sentido, essa extenso do conceito de conseqncia

    dedutiva transforma situaes de conseqncia dedutiva negativa em situaes de conseqncia

    dedutiva positiva. Os princpios de deduo indireta, ao serem incorporados a um sistema de

    deduo natural, produziriam uma extenso do conceito de conseqncia dedutiva, caracterizado

    dentro do sistema. Mas, assim, justamente pelo fato de que o ncleo de significao das

    constantes lgicas estava esclarecido por meio de regras de deduo, de introduo e eliminao,

    aparecer uma nova franja de significado dedutivo para essas constantes, resultante da

    modificao sobre o conceito de conseqncia dedutiva. Logo, para que a formulao usual da

    lgica clssica em deduo natural seja considerada admissvel, deveramos ou romper com o

    princpio estrito de que a elucidao das conexes lgicas se d unicamente por meio de dades,

    admitindo uma terceira forma de regras de deduo natural, ou romper com a restrio de que

    essas regras devem ser totalmente independentes. A segunda ruptura possui certos atrativos, pois

    algumas constantes lgicas podem ser definidas explicitamente no sistema intuicionista e, para

    elas, a propriedade de independncia falha. s vezes, falha na regra de introduo; outras vezes,

    na regra de eliminao. Todavia, sobre esse assunto ainda preciso efetuar investigaes mais

    aprofundadas que aquelas que desenvolveremos em nossa tese.

    Temos usado nos pargrafos acima dois termos fortemente carregados de significado e

    deveramos adotar a precauo de melhor explicitar o significado dos conceitos envolvidos. So

    eles os conceitos de princpio lgico e de elucidao.

  • 21

    Com respeito ao primeiro, os princpios lgicos geralmente so entendidos como

    sentenas logicamente verdadeiras e fundamentais. Porm, o nosso uso da expresso princpio

    lgico no ser exatamente esse. Consideraremos que cada princpio lgico corresponde, na

    verdade, a uma regra de deduo correta e, mais ainda, a uma regra que podemos chamar de

    elementar ou primitiva. Grosso modo, h duas formas sob as quais os princpios so encarados

    como sentenas vlidas: um ponto de vista que podemos chamar de ontologizante e um ponto de

    vista que podemos chamar analtico. Segundo o ponto de vista ontologizante, os princpios

    lgicos so sentenas verdadeiras que apresentam certas caractersticas essenciais do mundo.

    Segundo o analtico, os princpios so sentenas vazias de contedo informativo sobre o mundo.

    Todavia, ns acreditamos que h uma outra forma de conceituar os princpios lgicos. Ela

    consiste em dizer que, de algum modo, os princpios lgicos so inerentes atividade racional.

    Eles corresponderiam a certas operaes ou aes fundamentais que fazem parte da atividade

    racional humana. Por atividade racional entendemos a arte de argumentar, de justificar, de pesar

    pontos de vistas e decidir. Para ns, os sistemas de deduo natural tm uma conexo ntima com

    essa segunda interpretao, pois neles a atividade do sujeito racional parece ser a fonte primria

    dos elementos que estariam sendo elucidados pelas regras do sistema. No caso ontologizante, a

    atividade do sujeito racional considerada praticamente irrelevante e a elucidao dos princpios

    lgicos consiste em desvelar como se d a relao de conseqncia lgica. Em outros termos,

    nesse caso, a nica atividade subjetiva que interviria seria a apreenso dos princpios atravs do

    olho da mente, que desse modo buscaria descobrir em um mundo supra-sensvel as verdades

    eternas. No caso analtico puro, procura-se evitar qualquer compromisso ontolgico, apelando

    para a linguagem como uma espcie de fato primordial. Alis, desde nossa modesta perspectiva, a

    sensao de que, de algum modo, a viso ontologizante se coaduna bem com o conceito de

    conseqncia semntica tarskiano [Tar36], embora tambm possa ser pensado sob o ponto de

    vista que estamos chamando de analtico.

    Quanto ao termo elucidao, por ele entendemos uma atividade de esclarecimento

    conceitual. Os sistemas de deduo natural seriam, desde essa perspectiva, o resultado de um

    esforo elucidatrio. O objeto de elucidao nesse caso seria uma certa idealizao da atividade

    de argumentao racional5. Assim, considerando que uma idealizao da atividade de

    argumentao racional ser a fonte para a nossa atividade elucidatria dos princpios lgicos,

    seria provavelmente mais adequado pensar tais princpios como certas operaes que, quando

    efetuadas, nos levariam a construir um argumento dedutivamente correto e, eventualmente,

    5 Ver [Seo02].

  • 22

    epistemologicamente til. Mas, se uma certa idealizao da atividade de argumentao est sendo

    considerada como o ponto de partida original para uma elucidao da propriedade de

    conseqncia dedutiva, de se esperar que, ao procurarmos esclarecer a trama das conexes

    lgicas, tenhamos de levar em conta a forma na qual essa trama est realizada na atividade de

    argumentar. Os componentes principais de um argumento so asseres e eles comportam certas

    conexes intrnsecas. Pois bem, a atividade de esclarecer que conexes seriam conexes

    adequadas uma atividade elucidatria. Justamente, entendemos que os sistemas de deduo

    natural servem para tornar claras essas conexes que chamamos de lgicas. Ou seja, com esses

    sistemas procuramos tornar claro como e quando h uma relao de conseqncia dedutiva entre

    os componentes de uma argumentao. Para elucidar as conexes lgicas presentes na

    argumentao, precisamos de uma pr-anlise dos caracteres que consideramos essenciais

    argumentao conclusiva.

    Idealmente, um argumento correto deveria ter duas caractersticas importantes. Em

    primeiro lugar, a verdade das premissas deveria ser condio suficiente para a verdade da

    concluso. Em segundo lugar, preciso ainda que o argumento esteja dotado de certa capacidade

    de mostrar que a verdade efetivamente se transmite das premissas para a concluso e, por

    conseguinte, o argumento deve ter certas caractersticas que propiciem ao interlocutor ver que a

    transmisso se d. Alguns interlocutores precisam de argumentos mais detalhados, outros nem

    tanto. Porm, o que no possvel oferecer as asseres das premissas e a assero da

    concluso sem nenhuma mediao, sobretudo nos casos em que a maioria dos interlocutores teria

    dificuldades de ver onde est a conexo entre as premissas e a concluso.

    H que se notar tambm que as prticas argumentativas, em particular no mbito da

    matemtica, resultam historicamente de uma atividade reflexiva. Assim, aquilo que estamos

    chamando de elucidao , na verdade, uma elucidao sobre elucidaes. Alis, um fato que

    parece confirmar esse ponto de vista o de que historicamente existiu, e provavelmente sempre

    existir, algum desacordo no interior da comunidade acerca de quais prticas so justificveis ou

    no, aceitveis ou no. Se isso correto, parece-nos inclusive razovel que a elucidao do

    conceito de conseqncia dedutiva procure levar essas querelas em conta e procure represent-las

    da forma mais simples possvel. Uma das querelas importantes se d entre construtivistas e

    clssicos e envolve a aceitabilidade de mtodos de demonstrao indireta. Assim, parece-nos

    interessante e razovel que a elucidao mostre onde se localizam as diferenas entre os pontos

    de vista de forma articulada e puntual. Acreditamos que, sob esse aspecto, os sistemas de

    deduo natural parecem ter sido bastante bem sucedidos.

  • 23

    Notamos que, nos sistemas de deduo natural, a representao das hipteses um

    componente primitivo constitutivo dos constructos elucidatrios e justamente por representar as

    hipteses de forma primitiva que certas diferenas conceituais entre clssicos e intuicionistas

    podem vir tona de modo mais claro. Na verdade, a maior parte da diferena conceitual entre

    eles radica em aceitar certas formas de descarte de hipteses. isso justamente o que nos

    propiciam as regras de deduo indireta. Mas o conceito de hiptese importante ainda por outra

    razo. Desde o nosso ponto de vista, uma elucidao adequada da negao e do absurdo tambm

    exige um esclarecimento satisfatrio do conceito de hiptese.

    De modo geral, fizemos acima uma descrio inicial dos temas que investigaremos nesta

    tese. Passamos, a seguir, a detalhar como e onde tais temas estaro sendo tratados.

    Dissemos que, do nosso ponto de vista, os sistemas de deduo natural envolvem uma

    elucidao do conceito de conseqncia dedutiva. A apresentao introdutria dessa elucidao,

    bem como a formalizao de conceitos e expresses que so empregados na tese, se encontra no

    Apndice. medida que o objetivo de uma tese apresentar uma investigao, pareceu-nos

    mais adequado pospor essa parte propedutica de modo a subtrair ao leitor informado o

    aborrecimento de passar por vrias definies cujo contedo em sua maior parte de

    conhecimento geral e, quando no o for, pode ser acessado de forma independente, sempre que

    houver necessidade. por essa razo que inclumos um ndice remissivo ao final do trabalho.

    Todavia, como nossa interpretao dos sistemas de deduo natural difere um pouco das

    interpretaes correntes, o Apndice conter algum material que julgamos ser original. Vrios

    dos conceitos l presentes so conceitos que, de uma forma ou de outra, esto presentes em

    [Pra65]. Algumas vezes, eles recebem certas adaptaes originadas pelos propsitos que temos

    em mente. A nosso ver, a diferena mais relevante com respeito s definies propeduticas

    contidas na literatura est na forma de apresentao das regras de deduo. Por essa razo,

    pareceu-nos tambm adequado dissertar brevemente sobre o que entendemos pelo princpio de

    harmonia para as regras de introduo e de eliminao, da forma como as estamos caracterizando

    no Apndice. At onde nosso conhecimento alcana, no haveria na literatura uma formulao

    com o mesmo nvel de detalhe dessa que estamos propondo. No entanto, o tema da harmonia foi

    discutido, entre outros, por Belnap [Bel62] e por Dummett [Dum91].

    Fizemos a incluso de um ndice remissivo em nosso trabalho para facilitar a busca pela

    definio de termos e conceitos e para tornar facultativa a leitura do Apndice. No entanto, a tese

    tambm poder ser lida comeando do Apndice para depois prosseguir aos demais captulos na

    ordem usual.

  • 24

    O Captulo I tem o objetivo de apresentar a proposta de uma elucidao para a

    negao e para o absurdo por meio de regras de deduo natural de introduo e de eliminao.

    Mas, antes que isso seja feito, examinaremos a forma pela qual os sistemas de deduo natural

    so normalmente interpretados, sobretudo pelos intuicionistas naturais, que os vem como

    devotados a elucidar o conceito de prova. Veremos que o conceito de hiptese desempenha um

    papel chave em nossa exposio e pretendemos oferecer uma crtica a concepo que aparece

    amide entre intuicionista.

    Para os intuicionistas naturais, as regras de introduo destacam-se das demais medida

    que elas capturariam uma noo de prova considerada como a noo mais fundamental. Quando

    usadas nesse tipo de regras, as hipteses funcionariam como suposio da posse de uma prova.

    Em oposio a essa concepo, ns avanaremos a tese de que os sistemas de deduo natural

    podem ou devem ser interpretados como sistemas que elucidariam o conceito de conseqncia

    dedutiva e, doravante, j no saberamos mais dizer qual tipo de regra mereceria algum tipo de

    primazia. As regras de introduo parecem boas candidatas, como querem em geral os

    intuicionistas. Todavia, como pretendemos defender, para compreender quais situaes

    permitiriam introduzir uma negao, precisamos usar e compreender as regras de eliminao. O

    fato que a negao, diferentemente das demais constantes lgicas, parece requerer que nos seja

    dada uma refutao como base para a sua introduo, e a prpria noo de refutao parece

    depender de modo relevante das regras de eliminao. Assim, torna-se essencial buscar outra

    forma de conceber a natureza da atividade elucidatria inerente formulao dos sistemas de

    deduo natural. A reviso que estamos propondo nos levar a uma concepo do conceito de

    hiptese distinta da concepo intuicionista. Uma hiptese ou suposio ser para ns apenas o

    ponto de partida da tessitura de uma cadeia de conseqncias dedutivas. A elucidao da negao

    e do absurdo por meio de regras de introduo e eliminao parece se adequar melhor noo de

    hiptese que estaremos propondo.

    O ponto de vista que estaremos defendendo tem conseqncias que no podem ser

    desprezadas. Uma delas de que a diferena entre os sistemas de deduo natural e de seqentes

    tenderia a resumir-se a uma diferena de perspectiva. Enquanto os sistemas de deduo natural

    serviriam para mostrar a relao de conseqncia dedutiva, os sistemas de seqentes poderiam

    ser interpretados como sistemas assercionais envolvendo a relao de conseqncia dedutiva

    aplicada no s proposies, mas a certos termos ou listas de termos nomeando as proposies.

    Desse modo, cada regra assercional operacional simplesmente refletiria uma regra em deduo

    natural. Alis, uma idia similar a essa pode ser encontrada em Prawitz no Apndice de [Pra65].

  • 25

    Ele relaciona os dois sistemas dizendo que o sistema de seqentes seria uma espcie de

    metaclculo para a relao de dedutibilidade presente nos sistemas de deduo natural. Se

    entendermos que um metaclculo simplesmente a forma assercional de apresentao da relao

    de dedutibilidade, ento as duas interpretaes convergiriam. Entretanto, notamos, aquele autor

    no tinha propriamente uma soluo de interpretao para a relao entre as regras de deduo

    natural envolvendo a negao e as respectivas regras de seqentes. Uma proposta de resposta a

    esse problema ser feita ao longo dos trs primeiros captulos da nossa investigao.

    Encerraremos o Captulo I fazendo uma anlise das noes de refutabilidade e de

    absurdidade presentes em Curry no VI captulo de [Cur63]. Em nossa investigao, adotamos de

    modo amplo certas idias de Curry a respeito da negao e do absurdo, embora lhes faamos

    alguns reparos. Em particular, pretendemos mostrar que, com as regras de introduo e

    eliminao que estamos propondo, estaremos aptos a definir os mesmos conceitos de

    refutabilidade e de absurdo que Curry havia definido.

    Com o Captulo II pretendemos dar continuidade ao exame do conceito de

    refutabilidade ao qual chegamos com as regras para a negao e o absurdo. Este captulo contm

    uma exposio dos sistemas de deduo natural nos quais a regra de eliminao para a negao e

    o absurdo no contempla o princpio de ex falso quodlibet. Da mesma forma como

    freqentemente ocorre na literatura, chamaremos esses sistemas de sistemas minimais. Eles

    estaro divididos em dois grupos: aqueles em que nenhum princpio de deduo indireta est

    presente; aqueles onde acrescentamos um princpio de deduo indireta, no caso a chamada regra

    Peirce. Temos boas razes para crer que a noo de refutabilidade simples de Curry

    representvel por meio das regras de introduo e eliminao da negao e do absurdo nos

    primeiros. Porm, esses sistemas minimais com regras de introduo e eliminao do absurdo

    acabam por ter uma caracterstica indesejvel, cuja correo exigiria o acrscimo do princpio de

    ex falso quodlibet.

    A bem da verdade, apresentaremos ainda uma segunda forma de definir a noo de

    refutabilidade dentro de um sistema minimal. Pretendemos mostrar que possvel formular um

    sistema de deduo natural para a preservao da falsidade. Esse sistema permitiria representar

    uma noo de refutabilidade um pouco distinta da noo de refutabilidade simples representvel

    no sistema minimal para preservao da verdade. Veremos que essas duas noes s podero ser

    consideradas idnticas quando admitimos a validade de um princpio de deduo indireta.

    A seguir, apresentaremos os sistemas minimais com deduo indireta, procurando

    investigar as propriedades da regra Peirce em isolamento do princpio de ex falso quodlibet. Em

  • 26

    particular, estaremos mostrando que certas simplificaes muito similares quelas que Prawitz

    aplicava ao sistema clssico em [Pra65], reduzindo as aplicaes da regra de absurdo clssico ao

    caso atmico, tambm podem ser aplicadas aos sistemas que contm a regra Peirce.

    Procuraremos, nessa etapa, dar sustentao tese de que a regra Peirce deve ser considerada

    como uma extenso ao conceito de dedutibilidade representvel no sistema. Mas essa perspectiva

    s far algum sentido se adotarmos outra interpretao da noo de hiptese, uma interpretao

    diferente daquela que adotam os intuicionistas naturais. Como resultado dessa nova postura,

    acreditamos que uma parte relevante das objees intuicionistas s regras de deduo indireta

    deveria ser repensada, basicamente porque no mais faria sentido pedir garantias da

    demonstrabilidade de uma hiptese descartada, como os intuicionistas esto tentados a fazer em

    geral. Isso no significa que, em nossa proposta de interpretao, estejamos simplesmente

    aceitando que a regra Peirce ou as regras de deduo indireta sejam consideradas

    inquestionveis. Se o papel de um argumento o de efetivamente mostrar a conexo dedutiva

    entre as premissas e a concluso, ao usar uma regra de deduo indireta estaramos subvertendo

    aquilo que anteriormente entendamos ser a apresentao da conexo dedutiva. Veremos o porqu

    disso no decorrer da investigao.

    Ao final do segundo captulo, discutiremos ainda a formulao de um sistema refutacional

    apresentado em 1972 por Lpez-Escobar, em clculo de seqentes, cujo objetivo o de capturar a

    noo de falsidade construtiva de Nelson. A nosso ver, existe um elo entre esse clculo e o

    sistema para preservao da falsidade que estamos definindo nesse captulo. Tambm veremos

    que o clculo para a falsidade que estaremos propondo difere bem pouco de um sistema de

    deduo natural que Tamminga [Tam94] havia proposto para capturar o conceito de

    rejeitabilidade. Uma das diferenas a presena/ausncia das regras para o operador de

    desimplicao. Essa diferena de extremo interesse para ns, pois, ao considerar as regras para

    esse operador, obteremos dois resultados relevantes. Um deles o de que o famoso princpio de

    inverso parece estar aqum do princpio de harmonia. Essa concluso segue-se da anlise que

    fazemos do tratamento que Bowen [Bow71] deu constante que estamos presentemente

    chamando de desimplicao. com base nesse tratamento que focalizaremos o problema da

    harmonia entre as regras de introduo e eliminao no captulo IV. O outro resultado diz

    respeito ao problema da cidadania lgica do conceito de preservao da falsidade. Temos razes

    para crer que a preservao da verdade e a preservao da falsidade so conceitos estruturalmente

    idnticos e, por isso, estariam dotados de igual grado de cidadania lgica, o que seria claramente

    visualizvel sobre os sistemas de deduo natural.

  • 27

    O Captulo III continua com a apresentao dos sistemas de deduo natural, mas os

    sistemas passam a incorporar o princpio de ex falso quodlibet. Comeamos o captulo por uma

    definio de um sistema equivalente ao sistema intuicionista. Em seguida, consideramos um

    sistema equivalente ao sistema clssico. Em ambos os casos, com regras de introduo e

    eliminao da negao e do absurdo. Para definir o sistema clssico a partir do sistema

    intuicionista, poderamos simplesmente acrescentar a regra Peirce, como fizemos no caso dos

    sistemas minimais. Todavia, como veremos, para obter a lgica clssica, j ser suficiente

    acrescentar um princpio de deduo indireta mais fraco, o princpio que chamamos de

    consequentia mirabilis, ou ainda um princpio equivalente, o princpio de terceiro excludo

    (formulado como uma regra de deduo). O princpio de consequentia mirabilis caso particular

    de Peirce, seja a negao tomada como primitiva ou como definida. J a derivao contrria

    exige o princpio de ex falso quodlibet.

    Assim como fizemos com a regra Peirce, mostraremos que a regra consequentia mirabilis

    permite definir subsistemas da lgica clssica que so suficientemente fortes para representar

    todas as relaes de dedutibilidade clssicas (via traduo de constantes). Destacamos, sobretudo,

    o sistema que chamaremos de C, no qual a regra consequentia mirabilis estar restringida s

    concluses bsicas6. Esse sistema , na verdade, uma reformulao de um sistema que Prawitz

    tambm chamava de C, em [Pra65]. A reformulao procura preservar a relao de

    dedutibilidade do sistema original de Prawitz, mas, ao mesmo tempo, estende as dades de

    introduo e eliminao para todas as constantes lgicas, mais precisamente para a constante de

    absurdo. Um outro subsistema da lgica clssica, que tambm ser apresentado nessa forma de

    dades para todas as constantes e que desperta interesse por outras razes, o sistema sobre as

    constantes {,,,}. Mostraremos, no quarto captulo, que, nesse sistema, a cada derivao

    corresponder uma outra a partir das mesmas hipteses e com a mesma concluso tal que haver,

    no mximo, uma s aplicao de consequentia mirabilis como ltima regra da derivao

    Logo aps o exame desses subsistemas da lgica clssica, apresentaremos alguns sistemas

    que admitem uma leitura intuicionista, embora incorporem, em alguma medida, uma regra de

    deduo indireta. J em 1971, Prawitz [Pra71] havia apontado a possibilidade de dar uma

    interpretao construtiva a C. Ns procuraremos estender essa interpretao para sistemas mais

    compreensivos, que admitam todo o leque usual de constantes lgicas intuicionistas:

    {,,,,,}.

    6 Chamamos de bsica aquelas frmulas que no contm constantes lgicas de primeira ordem.

  • 28

    Aps fazermos a apresentao dos sistemas lgicos de deduo natural com regras de

    introduo para a negao e o absurdo, mas tambm com regras de deduo indireta, apresenta-se

    uma questo qual no podemos negar nossa ateno. Ela envolve as proposies simples. Se as

    regras de introduo para o absurdo e para a negao requerem a constatao dedutiva da

    impossibilidade de uma situao, deveramos nos perguntar o que significaria dizer que uma

    proposio simples impossvel. Um sistema de deduo natural que s envolva regras para

    constantes lgicas s nos permitiria deduzir que uma situao impossvel caso tivssemos

    partido de uma lista de hipteses da qual fosse possvel deduzir uma proposio e sua negao.

    Mas, alm dessa, certamente deve haver uma noo de impossibilidade envolvendo proposies

    simples. Em nossa opinio, essa a noo de impossibilidade realmente fundamental. Assim,

    ser preciso representar a impossibilidade de uma proposio simples ou a impossibilidade de

    uma lista de proposies simples de algum modo e tal que, posteriormente, possamos aplicar uma

    introduo da negao. Como veremos, isso ser feito com base em regras de deduo que, de

    algum modo, incorporam um princpio de ex falso quodlibet para proposies simples dentro de

    uma base terica. Nossa ltima tarefa nesse terceiro captulo ser a de mostrar como poderamos

    definir a aritmtica dos nmeros naturais incorporando uma regra de deduo para proposies

    simples sem usar constantes lgicas: uma regra que seja da natureza de um ex falso quodlibet.

    Tambm ser preciso mostrar por quais razes um princpio dessa natureza poderia ser

    considerado vlido ou admissvel na base de uma teoria, em particular na base da aritmtica dos

    nmeros naturais. Como teremos ocasio de ver, essa discusso nos levar novamente a examinar

    a noo de hiptese.

    O captulo ser fechado com uma srie de consideraes gerais acerca do uso de hipteses

    nas derivaes, acerca da natureza dos sistemas de deduo natural e acerca do processo

    elucidatrio do qual esses sistemas seriam as resultantes. Finalizaremos com uma breve

    considerao acerca de uma hierarquia para a validade/admissibilidade das regras de

    deduo/inferncia.

    Nos trs primeiros captulos, portanto, nossa investigao tem um carter eminentemente

    conceitual. Nossa inteno a de propor uma forma de conceber os sistemas de deduo natural

    diferente daquela pela qual os intuicionistas naturais os concebem. Em primeiro lugar,

    assumiremos que a construo de um sistema de deduo natural o resultado de um processo

    elucidatrio para o conceito de conseqncia dedutiva. Assumiremos tambm que a elucidao

    do referido conceito toma por base uma certa compreenso intuitiva e idealizada da prxis

    argumentativa. Desde o nosso ponto de vista, essa prxis deve ser tomada como primitiva e a

  • 29

    noo de prova deve ser considerada como uma especializao da noo de argumento. Para ns,

    essa prxis que mostra que as hipteses so usadas de modo tal que no faz sentido consider-

    las parte do conjunto de asseres que compem a argumentao. Em geral, as hipteses

    constituem simplesmente um ponto de partida para desenvolver uma cadeia de conseqncias.

    Essa concepo do conceito de hiptese ser empregada na proposta de elucidao da negao e

    do absurdo em termos de regras de deduo natural. A proposio absurda, em particular, ser

    encarada como um constructo ideal que nos permitir dividir as condies para introduo da

    negao em duas partes distintas, conforme veremos no primeiro captulo.

    Nos captulos restantes, procuraremos desenvolver uma parte da maquinaria de

    procedimentos e teoremas usualmente associada aos sistemas de deduo natural. Ou seja, do

    quarto captulo em diante, nos ocuparemos da existncia de formas normais, da sua unicidade e

    da finitude dos processos de obteno da forma normal. Contudo, ao cuidar da prova dessas

    propriedades, no estaremos preocupados em justificar a validade das regras de eliminao a

    partir das regras de introduo, no pelo menos da mesma forma que tem sido feito pelo

    intuicionismo natural. Nele as regras de introduo so vistas como formas bsicas cannicas de

    construo de provas, sendo a validade das regras de eliminao apenas uma conseqncia da

    validade das regras de introduo. O caso que a introduo da negao parece requerer o

    conceito de refutabilidade e a definio desse conceito, por sua vez, requer o uso das regras de

    eliminao. S seria possvel manter o conceito de prova cannica como conceito primitivo se

    admitssemos que a negao uma operao cuja elucidao s poder ser feita depois de

    havermos elucidado as demais constantes lgicas. Todavia, esse ponto de vista colocaria a

    compreenso da negao na dependncia da compreenso de outras operaes, contrrio ao que

    usualmente tem sido assumido em deduo natural. Assim, como nossa tarefa diferente da

    tarefa que os intuicionistas naturais se propem, a demonstrao da propriedade de normalizao

    j no ter para ns a mesma importncia que para eles. Contudo, a prova dessas propriedades

    ainda guardar outro tipo de relevncia, medida que a noo de forma normal parece ser um

    bom esteio para provar uma srie de resultados importantes. A consistncia do sistema um

    deles. Alm disso, a forma normal das derivaes ofereceria um critrio para a definio da

    noo de identidade para derivaes.

    O Captulo IV estar dedicado a investigar o chamado princpio de inverso e as

    operaes de eliminao de rodeios de introduo-eliminao fundadas sobre esse princpio.

    Temos razes para crer que o princpio de inverso corresponde apenas a uma parcela da

    propriedade de harmonia que deve vigorar entre as regras de introduo e eliminao. A noo de

  • 30

    harmonia com a qual estaremos trabalhando apresentada no Apndice. No quarto captulo,

    fazemos uma breve discusso acerca da relao do princpio de inverso e do princpio de

    harmonia. A anlise do problema tem incio com a tentativa de interpretar o dito gentzeniano de

    que as eliminaes seriam como que conseqncia das introdues e que estas seriam como que a

    definio das constantes lgicas. Ao cabo da anlise, daremos forma final s crticas que

    dirigimos ao modo pelo qual o princpio de inverso tem sido aplicado pelos intuicionistas

    naturais constante de absurdo. Finalizamos a argumentao com a demonstrao da validade

    do princpio de harmonia para as regras de introduo e eliminao para o absurdo.

    No quarto captulo, tambm examinaremos outros tipos de operaes sobre as derivaes,

    sendo as operaes de permutao as mais importantes. A permutao uma operao essencial

    para obter formas normais com a propriedade da subfrmula no mbito do sistema intuicionista

    de deduo natural. Outro tipo de operao essencial ser a operao de eliminao de rodeios

    para aqueles casos em que uma ocorrncia de frmula premissa maior de uma regra de

    eliminao e, ao mesmo tempo, concluso de uma deduo indireta. Obviamente, esse tipo de

    rodeio s surge nos sistemas que comportam uma regra de deduo indireta. A priori, esse tipo de

    operao pode no parecer com uma permutao. Lembra, talvez, mais uma operao de

    eliminao de rodeios de introduo-eliminao. Entretanto, temos fortes razes para crer que,

    nesses casos, tambm est envolvida uma permutao. Se isso for correto, a admissibilidade da

    operao envolvendo deduo indireta poderia compartilhar a mesma justificao empregada

    para admitir as permutaes no sistema intuicionista. Por essa razo, as permutaes passam a

    tomar grande parte da nossa ateno nesse captulo. Inclusive, dedicaremos uma parcela de nossa

    exposio a expor como a operao de permutao envolvendo regras de deduo indireta

    constitui o esteio de uma srie de propriedades bem conhecidas na literatura. Referimo-nos aos

    resultados formulados por Kolmogorov em [Kol25], Glivenko em [Gli29], Prawitz & Malmnas

    em [Pra68], Seldin [Sel89] etc, nos quais, via de regra, as derivaes clssicas esto

    correlacionadas a certas derivaes em sistemas mais elementares. O procedimento consiste em

    apresentar vrias situaes onde possvel obter uma prova clssica contendo uma nica

    aplicao de deduo indireta como ltimo passo dedutivo na prova.

    Finalmente, ainda no quarto captulo, investigaremos uma srie de operaes sobre

    derivaes, geralmente agrupadas sob o nome de simplificaes. Algumas das simplificaes que

    aparecem na literatura sero rejeitadas. Todavia, constataremos a necessidade de aplicar outras

    simplificaes envolvendo regra de deduo indireta, mais especificamente envolvendo

    consequentia mirabilis. Alis, uma das razes importantes para no termos empregado a regra

  • 31

    Peirce na definio do sistema clssico deve-se ao fato de que sob essa forma de deduo

    indireta, nem todas as operaes que aplicamos sobre consequentia mirabilis podem ser aplicadas

    sobre Peirce, ao menos isso no ser possvel se desejamos preservar a unicidade da forma

    normal.

    Consideramos de suma relevncia a tarefa de justificar a admissibilidade das operaes

    sobre as derivaes. A remoo dos rodeios de introduo-eliminao e as permutaes de

    eliminaes parecem ambas bem justificadas. Contudo, ainda restar o problema de justificar as

    simplificaes adotadas em vista das provas dos teoremas de normalizao. Em alguns casos,

    no divisamos justificativas mais possantes. No entanto, sempre adotaremos um critrio mnimo.

    Para ns, a perda da propriedade de unicidade da forma normal constituir uma boa razo para

    rejeitar uma operao, o que no significa que estejamos assumindo que o contrrio seja razo

    suficiente para aceit-la.

    O Captulo V estar dedicado a apresentar teoremas de normalizao e de confluncia

    para os sistemas definidos nos captulos II e III. preciso notar que, diferentemente da literatura,

    nos sistemas a serem definidos, todas as constantes lgicas empregadas estaro sendo dadas por

    dades de introduo e eliminao, em particular a constante de absurdo. Alm disso, como regra

    de deduo indireta, estaremos usando a regra consequentia mirabilis. Comearemos o captulo

    com uma rpida apresentao do Hauptsatz para um sistema de sequentes variante do sistema LJ

    de Gentzen. Essa prova j seria uma primeira garantia da adequao da elucidao da negao

    que estamos propondo. Em seguida tratamos dos sistemas de deduo natural. Comeamos com a

    apresentao do teorema de normalizao fraca, com cota para o comprimento da derivao em

    forma normal, para o sistema Icm. Notamos que o sistema intuicionista I e o sistema C so

    subsistemas de Icm. Apresentaremos uma estratgia de normalizao - a assim chamada

    estratgia das crticas que servir de base para a cotao do resultado final. A estratgia a ser

    definida uma extenso da estratgia empregada por Pereira em [Per82]. A seguir, estenderemos

    a prova de normalizao fraca para o sistema clssico C, mas, infelizmente, perderemos a

    possibilidade de dar cotas ao comprimento da forma normal. Mais adiante, demonstraremos a

    finitude de toda cadeia de reduo para o sistema I, adaptando e estendendo uma tcnica que

    Prawitz havia usado em [Pra71] para o sistema intuicionista.

    A demonstrao de finitude de toda cadeia para o sistema I tem um significado especial

    que vai alm do mero enunciado do teorema. A prova original de Prawitz tida como uma prova

    de natureza semntica, pois com base em uma propriedade das derivaes que somos levados a

  • 32

    concluir pela finitude de todas as cadeias de reduo. A propriedade em questo a chamada

    validade forte e, segundo o autor, essa propriedade derivvel de uma interpretao das regras de

    introduo e eliminao segundo a qual a validade das regras de introduo "cannica" e a

    validade das regras de eliminao seria derivada da validade das regras de introduo. Porm,

    justamente, em nossa prova usamos a mesma tcnica de Prawitz s que levando em conta uma

    regra de introduo para a constante de absurdo. Ou seja, ao que parece, a propriedade de

    validade forte funcionaria bem para as regras de introduo e eliminao do absurdo na forma

    como as estamos propondo nesta tese.

    Logo a seguir, apresentaremos uma prova de natureza combinatria, mostrando a

    confluncia local para o sistema clssico C, definido com introduo e eliminao de absurdo e

    com consequentia mirabilis. Alm disso, como praticamente todos os sistemas definidos so

    subsistemas de C, a prova tambm valer para esses casos. Em particular, depois de haver

    mostrado confluncia local, poderemos mostrar confluncia geral e unicidade da formal normal

    para a nossa formulao do sistema intuicionista, o sistema I, tomando por base a confluncia

    local e a finitude de toda cadeia de normalizao mostradas anteriormente.

    Os captulos V e VI esto dedicados apresentao e prova dos metateoremas de deduo

    natural. O que h de intrinsecamente belo nesses teoremas o fato de que, em geral, um teorema

    vlido para um sistema ser tambm vlido para os subsistemas que, de algum modo, mantenham

    com ele certa similaridade estrutural. Isso ocorre, por exemplo, com os sistemas para preservao

    da verdade e para preservao da falsidade. Todavia, h que notar um carter desagradvel nesses

    metateoremas. Raramente suas provas so de tamanho razovel. Demonstr-los e compreender a

    sua demonstrao exige, em geral, um esforo de monta. Infelizmente, no parece haver outro

    remdio a no ser buscar provas que sejam mais enxutas e, ao mesmo tempo, compreensveis e

    informativas, o que nem sempre fcil de obter. Com efeito, embora tenhamos nos esforado

    para dar provas com aquelas caractersticas, estamos longe de hav-lo feito. H que salientar que,

    ao buscar cotar o processo de normalizao, as provas dos lemas e teoremas tornam-se muito

    mais complexas.

    Nos captulos iniciais, freqentemente formulamos uma propriedade e a sua prova de

    forma intuitiva sem maiores cerimnias, j que uma narrativa intuitiva poderia ser mais

    informativa. Ao apresentar as provas dos teoremas de confluncia e normalizao mantivemos o

    princpio de buscar a intuio da relao entre os objetos formais envolvidos. Dito dessa forma,

    isso poderia parecer uma heresia, j que o tratamento formal da lgica no sculo XX esteve

    orientado, em grande parte, a livrar as provas dos contrabandos introduzidos pela intuio.

  • 33

    Ocorre que provas demasiado longas, em geral, acabam por ser pouco compreensveis. Provas

    demasiadamente formalizadas so, em geral, demasiado longas. Confessamos que, apesar de

    nossos esforos em contrrio, as provas apresentadas ainda sero bastante longas. Como

    dissemos, as demonstraes envolvendo propriedades dos sistemas de deduo natural costumam

    ser complexas. Todavia, procuramos, na medida do possvel, manter um certo nvel de

    intuitividade nas provas, inclusive como forma de permitir que algum ajuste possa vir a ser feito.

    No limite, a aprovao/desaprovao de uma proposta de demonstrao depende da comunidade

    e, embora a intuio se equivoque (razo por que construmos provas), tambm nos parece que as

    melhores provas so aquelas que nos permitem construir uma boa intuio da propriedade que

    est sendo demonstrada. Nesse sentido, uma exposio excessivamente formal corre o risco de

    perder sua valia.

    O Captulo VI trata unicamente do sistema clssico que chamamos de sistema C.

    Novamente, notamos que nossa definio para o sistema envolve regras de introduo e de

    eliminao para o absurdo, alm de consequentia mirabilis restringida s concluses bsicas.

    Nesse captulo, demonstramos a finitude de toda cadeia de normalizao para esse sistema,

    aplicando uma idia para a prova de normalizao apresentada por Alves em [Alv99] que, por

    seu turno, um desenvolvimento de uma idia de Massi apresentada em [Mas90]. A prova que

    apresentaremos uma adaptao da prova apresentada no I Encontro de Deduo Natural em

    2001 [San01]. Contudo, a presente prova leva em conta a formulao do sistema C com regras de

    introduo e eliminao do absurdo mais consequentia mirabilis. O cerne da prova consiste,

    basicamente, em estender o conjunto de operaes que aplicamos sobre as derivaes. Com base

    nessas novas operaes, demonstramos a finitude de toda cadeia de reduo e a unicidade da

    forma normal. As novas operaes so a homogeneizao de derivaes e a multiplicao de

    derivaes. Como, para tais operaes, tambm vale a propriedade de finitude e a propriedade de

    unicidade do resultado, elas fornecero o esteio para a demonstrao de normalizao forte com

    cota para C. O passo a seguir consiste em fazer algumas comparaes do resultado obtido com

    outros resultados da literatura que tambm envolvam a demonstrao de cota e de finitude da

    cadeia de normalizao. Destacamos, em particular, a comparao de cotas que fazemos com o

    trabalho de Beckmann [Bec01]. Finalmente, apresentamos um novo resultado de cotas para o

    comprimento da forma normal das derivaes de C, mas tal que a cota s depende de uma nica

    varivel: o comprimento da derivao original. Esse resultado obtido adaptando idias similares

    desenvolvidas por Orevkov para o clculo de seqentes [Ore91].

  • 34

    Antes de passar ao texto propriamente dito, queremos propor duas convenes, uma delas

    acerca de como representar expresses que sejam variao sinttica de outras expresses.

    Expresses sero seqncias finitas de smbolos. Dadas expresses quaisquer 1, 2 e 3, a

    expresso resultante de substituir na expresso 1 cada uma das distintas ocorrncias da expresso

    2 pela expresso 3, haja ou no ocorrncias de 2, ser representada por 1[2/3]. Diremos que

    esse tipo de substituio uma substituio homognea. Eventualmente, ser necessrio o

    acrscimo de parnteses para indicar, sem ambigidades, sobre qual expresso deve ser efetuada

    a substituio sinttica. Por exemplo, na expresso complexa 4(1[2/3])5, a substituio deve

    ser feita em cima da expresso 1 unicamente, substituindo todas as ocorrncias de 2, dentro de

    1, por 3, sem alterao dos contextos 4 e 5. Essa operao de substituio ser usada como

    uma forma prtica de descrever certas particularidades dos sistemas de deduo natural. A outra

    das convenes uma forma de apresentar certas definies e propriedades evitando repeties

    desnecessrias. Quando tivermos um texto da forma 1 2 [3] 4 onde 1, 2, 3 e 4 so textos

    quaisquer, duas leituras distintas podero ser feitas sobre a seqncia de expresses: uma leitura

    1 2 4; a outra leitura 1 3 4. Essa estratgia j era empregada por Prawitz em [Pra65].

  • 35

    Captulo I O Conceito de Deduo e o Problema da Negao

    A investigao que levaremos a cabo nesta tese estar focada principalmente sobre dois

    tipos de princpios lgicos: o primeiro tipo aquele caracterizado pelas regras genericamente

    rotuladas como regras de deduo indireta, principalmente a assim chamada consequentia

    mirabilis; o segundo tipo aquele que envolve as conseqncias de uma contradio ou, mais

    amplamente, de uma falsidade: os princpios de ex contradictione quodlibet e ex falso

    quodlibet. A explorao desses dois tipos de princpios por meio das regras de deduo natural

    constituir, na sua globalidade, o exame daquilo que podemos entender pelo conceito de negao,

    seja do ponto de vista intuicionista7, seja do ponto de vista clssico. Basicamente, em deduo

    natural, as distintas operaes lgicas so elucidadas por meio de dois tipos de regras ou

    princpios, as chamadas regras de introduo e as chamadas regras de eliminao. A diferena

    entre a lgica clssica e a lgica intuicionista reflete-se sobre esta dicotomia introduo-

    eliminao e a eventual necessidade de estend-la com regras de deduo indireta.

    Neste captulo, faremos uma proposta de elucidao do conceito de negao, tomando por

    base o conceito de deduo e sob o pano de fundo metodolgico dos sistemas de deduo natural.

    Antes de propor essa elucidao, ser preciso fazer um exame da natureza dos objetos aos quais

    supostamente as derivaes em deduo natural deveriam corresponder como constructos.

    Salientamos que uma resposta bastante freqente a esse problema, principalmente da parte dos

    assim chamados intuicionistas, a de que as provas seriam exatamente os objetos que estariam

    sendo esclarecidos (p. ex., [Pra74], pg. 68). Ns procuraremos dar sustentao a uma outra tese

    alternativa. A necessidade de sustentar outra alternativa motivada em parte pela necessidade de

    considerar um quadro metodolgico que contemple as chamadas regras de deduo indireta. No

    7 Essencialmente, o ponto de vista intuicionista no aceita a validade irrestrita dos princpios de deduo indireta, como, por exemplo, o princpio de terceiro excludo. Eles no seriam aplicveis a situaes em que estivesse sendo considerada uma pluralidade infinita. Notamos tambm que Brouwer, pai do intuicionismo, havia sido reticente com respeito formulao de um sistema lgico intuicionista. Todavia, a formulao de Heyting para a lgica intuicionista parece ter sido amplamente aceita como a forma mais adequada de capturar a lgica subjacente ao intuicionismo conforme [Man98], pg. 276-277.

  • 36

    entanto, acreditamos que a alternativa que proporemos pode ser sustentada de modo independente

    da inteno de contemplar as regras indiretas. Acreditamos tambm que essa alternativa tem seus

    mritos prprios, redundando em uma concepo do conceito de suposio que difere daquela

    concepo que faz parte do arcabouo intuicionista. Assim, por essa razo, o conceito de

    suposio ser objeto de exame neste e nos captulos subseqentes.

    Desde o nosso ponto de vista, h um processo elucidatrio mais sofisticado por trs da

    formulao dos sistemas de deduo natural em comparao com aquele por trs dos sistemas

    logsticos. No caso de deduo natural, o conceito de suposio entra como um conceito

    primitivo. Em essncia, a alternativa que estaremos defendendo aquela que interpreta as

    derivaes como constructos elucidatrios para a relao de conseqncia dedutiva, que, por sua

    vez, permitiria um esclarecimento daquilo que usualmente chamamos de argumento vlido. S

    depois de realizada essa tarefa, poderemos avanar uma proposta de esclarecimento parcial para o

    conceito de prova. A condio necessria para que uma elucidao do conceito de conseqncia

    dedutiva seja considerada adequada obviamente a preservao da verdade8.

    Considere o seguinte exemplo de uma comunicao possvel entre um professor e um

    aluno: "- Caso CAMESTRES fosse invlido, ento CELARENT seria invlido; o que

    impossvel. Logo, CAMESTRES no pode ser invlido ( vlido)."9. Parece-nos indubitvel que

    existe aqui um argumento envolvendo temas formais. O argumento conteria ao menos as

    seguintes asseres: (i) "caso CAMESTRES fosse invlido, ento CELARENT seria invlido"; (ii)

    "CAMESTRES no pode ser invlido ( vlido)". primeira das asseres ns usualmente

    chamaramos de premissa do argumento; ltima, de concluso do argumento.

    A justificao de uma assero feita, freqentemente, por meio de um argumento. A

    assero de concluso o objeto da justificao. De fato, parece razovel dizer que no poderia

    existir argumento se no houvesse assero. Nesse sentido, entendemos que qualquer

    conceituao que seja feita do ato de assero/afirmao dever contemplar a idia de que esse

    ato um ato de compromisso, compromisso com a verdade10 de um certo contedo, sendo esse

    8 Ver Apndice acerca da validade das regras. 9 O silogismo CELARENT da primeira figura da forma: XeY, YaZ; portanto XeZ. O silogismo CAMESTRES da segunda figura da forma: YaX, YeZ; portanto XeZ, onde a frmula PaS significa P pertence a todo S e a frmula PeS significa P no pertence a nenhum S. 10 Em geral, aquele que assere de modo livre no pode normalmente se negar a apresentar justificativas para sua assero, poder, no mximo, mostrar razes do por que no pode dar uma justificativa. O dever de no poder deixar de dar justificativas s faria sentido se aquele que assere tivesse assumido um compromisso, ou seja, s faria sentido se aquele que assere criasse para si mesmo uma obrigao. O interessante acerca desta idia de ato de compromisso que, aparentemente, ela nos permite resolver o problema do ator posto por Frege. A diferena entre a assero de um ator e a assero da personagem representada pelo ator corresponderia a uma diferena entre as "entidades" que fazem o compromisso. Se o ator assere, ele quem faz o compromisso. Se o personagem assere, o personagem

  • 37

    contedo freqentemente designado na literatura pelo nome de proposio11. Para nossos

    propsitos, assumiremos essa caracterizao parcial sem a preocupao de oferecer uma defesa

    especial desse ponto de vista, o que nos levaria muito alm do que pretendemos. No obstante,

    faremos consideraes no sentido de aduzir alguma plausibilidade a essa posio.

    Adotando o ponto de vista de que a assero de uma proposio envolve um

    compromisso, talvez se torne possvel compreender melhor a ligao entre uma assero e um

    argumento, entre uma assero e a sua justificao. No exemplo acima, teremos um exemplo de

    argumentao se concordarmos em admitir que o objetivo de dar um argumento simplesmente

    o de justificar a assero de uma concluso, tomando por base, como ponto