uma investigação acerca das regras para a negação e o absurdo
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Wagner de Campos Sanz UMA INVESTIGAO ACERCA DAS REGRAS PARA A NEGAO E O
ABSURDO EM DEDUO NATURAL
Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de
Filosofia do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas
da Universidade Estadual de Campinas sob a
orientao do Prof. Dr. Marcelo Esteban Coniglio.
Este exemplar corresponde redao final da Tese defendida e aprovada pela Comisso Julgadora em
28 / 07 / 2006
BANCA
Prof. Dr. Marcelo Esteban Coniglio
Prof. Dr. Luiz Carlos Pinheiro Dias Pereira
Prof. Dr. Rodolfo Ertola Biraben
Prof. Dr. Daniel Durante Pereira Alves
Profa. Dr
a. Geiza Maria Hamazaki da Silva
Prof. Dr. Marcelo Finger
Profa. Dr
a. Itala LOffredo DOtaviano
Julho/2006
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP
Palavras chaves em ingls (keywords) :
rea de Concentrao: Filosofia Titulao: Doutorado em Filosofia Banca examinadora: Data da defesa: 28/07/2006
Deductive logic Proof theory Negation (Logic) Deduction (Logic)
Prof. Dr. Marcelo Esteban Coniglio (orientador) Prof. Dr. Luiz Carlos Pinheiro Dias Pereira Prof. Dr. Rodolfo Ertola Biraben Prof. Dr. Daniel Durante Pereira Alves Prof. Dr. Geiza Maria Hamazaki da Silva Prof. Dr. Marcelo Finger (suplente) Prof. Dr. tala LOffredo DOtaviano (suplente)
Sanz, Wagner de Campos Sa59i Uma investigao acerca das regras para a negao e o absurdo
em deduo natural / Wagner de Campos Sanz. - Campinas, SP : [s. n.], 2006.
Orientador: Marcelo Esteban Coniglio. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.
1. Lgica. 2. Teoria das demonstraes. 3. Negao (Lgica). 4. Deduo natural. I. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. II.Ttulo. (mfbm/ifch)
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Agradecimentos
Em primeiro lugar gostaria de agradecer a Abel Lassalle Casanave, a Luiz Carlos Pereira,
a Javier Legris, a Jorge Molina e a Jos Seoane com os quais discuti amplamente os temas desta
tese. Suas opinies, sugestes e crticas foram de valor inestimvel. De modo geral, agradeo aos
demais participantes dos Colquios Cone-Sul de Filosofia das Cincias Formais. Tambm quero
lembrar o proveito que tirei de algumas trocas de idias com Daniel Alves e Rodolfo Ertola
Em segundo lugar quero agradecer ao meu orientador Marcelo Coniglio pelas sugestes e
apoio para o desenvolvimento da pesquisa, bem como aos demais professores e funcionrios do
CLE e do IFCH. Ressaltamos em particular o papel de destaque que teve a biblioteca do CLE
para realizao das nossas investigaes, em especial Eliana Marquetis.
Em terceiro lugar gostaria de agradecer o apoio e incentivo recebido dos colegas da UFG,
assim como o incentivo que nos aportam os alunos com suas inquietaes e sua capacidade de
nos obrigar a reelaborar nossas concepes, em particular: meus monitores de lgica na UFG,
Alexandre, Ricardo, Wellington, Marcondes, Stefano, Cristina, Alessandro, Toni, Renata, Paulo,
Patrcia e Renato; e aluna Helena, pela suas questes incisivas. Somos gratos profa Belkiss
Mendona, que nos franqueou acesso ao material bibliogrfico do prof. Simo Mendona. Na
pessoa de todos eles agradeo ao povo acolhedor de Gois.
Em quarto lugar agradeo de corao minha esposa Helena Reis e a sua me Yolanda
Reis que me deram imensurvel apoio, constante e cotidiano. Se Deus existe, ele sabe o quanto
lhes devo.
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Na esperana de ter acertado mais do que errado
E de que o balano seja suficiente para honr-los,
Dedico este trabalho
s minhas filhas Ana e Camila,
Aos meus pais Wilson e Romilda
E minha esposa Helena.
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Sumrio
Resumo ..............................................................................................................................13
Abstract .............................................................................................................................13
Introduo.........................................................................................................................15
Captulo I O Conceito de Deduo e o Problema da Negao .....................................35
1. Os Conceitos de Prova, Argumento e Conseqncia Dedutiva............................39
1.1. Os Intuicionistas e os Sistemas de Deduo Natural...........................................43
1.2. Dificuldades na Posio Intuicionista .................................................................50
1.3. Uma Proposta Alternativa para Interpretar os Sistemas de Deduo Natural.....60
1.4. A Definio Formal do Conceito de Conseqncia Dedutiva.............................70
2. Acerca da Negao ...................................................................................................73
2.1. Regra de Introduo para a Negao...................................................................73
2.1.1. Outras Propostas Elucidatrias Relacionadas ..............................................81
2.1.2. Negao versus Conseqncia Dedutiva......................................................85
2.1.3. Observaes acerca do Clculo de Seqentes ..............................................86
2.2. Regra de Introduo para a Proposio Absurda ................................................90
2.3. Observaes quanto aos Parmetros Proposicionais...........................................97
2.4. Existem Provas Cannicas da Negao?.............................................................98
2.5. Refutabilidade e Absurdidade ...........................................................................100
2.5.1. Curry e o Conceito de Negao..................................................................101
3. Consideraes Finais ..............................................................................................111
Captulo II Sistemas Lgicos de Deduo Natural Parte I ......................................113
1. Sistemas Minimais sem Deduo Indireta ...........................................................115
1.1. O Sistema Minimal M ....................................................................................115
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1.2. O Sistema Minimal............................................................................................116
1.2.1. O que Podemos Representar com o Sistema Minimal ...............................116
1.3. O Sistema Minimal para Preservao da Falsidade ..........................................121
1.4. Regras de Deduo Natural e Sintaxe ...............................................................127
1.5. Rejeio e Refutabilidade..................................................................................128
1.6. Faria Sentido Adicionar a Negao aos Sistemas Minimais? ...........................130
1.7. Tautologicidade Minimal no Sistema para Preservao da Falsidade ..............135
1.8. A Dualidade entre Implicao e Desimplicao ...............................................137
1.9. Sistema Minimal para a Falsidade com Implicao ..........................................141
1.10. Convergncia entre as Duas Noes de Refutabilidade acima Definidas.......142
2. Sistemas Minimais com Deduo Indireta ...........................................................144
2.1. Sistema Peirce para {,,} ...........................................................................156
2.2. Sistema Peirce para {,,} com Regra Peirce Bsica ..................................158
2.3. Que Sentido Faria a Negao no Sistema Peirce?.............................................160
2.4. O Sistema para a Refutabilidade de Lpez-Escobar .........................................163
3. Consideraes Finais ..............................................................................................169
Captulo III Sistemas Lgicos de Deduo Natural Parte II...................................171
1. Sistemas Intuicionistas ...........................................................................................171
1.1. Observaes acerca do Absurdo........................................................................174
1.2. Observaes acerca da Regra de Introduo do Absurdo .................................180
1.3. Faria Sentido um Sistema Intuicionista para a Preservao da Falsidade? .......180
1.4. Traduo de I em M.........................................................................................185
1.5. Observaes acerca da Equivalncia das Regras Indiretas ...............................186
2. Sistemas Clssicos...................................................................................................186
2.1. Observaes sobre o Sistema Clssico para a Preservao da Falsidade..........194
2.2. Sistema Clssico para {,,,}, ...................................................................196
2.3. Sistema Clssico para {,,,} com Regra cm Bsica ................................198
2.4. Sistema Clssico para {,,,}.....................................................................200
2.5. Traduo de C em P ..........................................................................................202
2.6. Observaes acerca das Regras de Deduo Indireta........................................203
2.7. O Problema da Desimplicao ..........................................................................204
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3. Outros Sistemas Construtivos ...............................................................................206
3.1. At onde a Deduo Indireta Construtivamente Admissvel?........................206
3.2. O Sistema Icm'...................................................................................................208
3.3. Os Sistemas Icmo, Icmo_, Icm{,,, } ...............................................................214
4. As Regras Extralgicas de uma Teoria e o Uso de Suposies...........................217
5. Consideraes Finais ..............................................................................................229
Captulo IV Forma Normal, Redues, Permutaes e Simplificaes.....................239
1. Da Utilidade dos Rodeios .......................................................................................239
2. O Problema da Harmonia entre as Introdues e as Eliminaes.....................241
2.1. Observao acerca da Validade das Regras de Introduo-Eliminao............247
3. Rodeios.....................................................................................................................248
3.1. Pares Operacionais Imediatos............................................................................248
3.1.1. Observao sobre o Descarte de Suposies..............................................251
3.1.2. Observaes acerca dos Parmetros ...........................................................252
3.2. Par Operacional Imediato para ......................................................................252
3.2.1. O Princpio de Inverso e a Falta de Regra de Introduo de Absurdo .....256
3.2.2. O Princpio de Harmonia para o Absurdo ..................................................260
3.2.3. A Regra de Eliminao do Absurdo e o Princpio de Inverso..................261
3.3. Pares Permutativos de Eliminaes...................................................................264
3.4. Par Permutativo Imediato para Consequentia Mirabilis....................................269
3.5. Como Justificar a Permutao sobre Consequentia Mirabilis? .........................274
3.6. Da Permutabilidade Geral das Regras de Deduo Indireta .............................277
3.6.1. Observao sobre o Contedo Computacional das Provas Clssicas ........287
4. Pares/Unidades Multiplicativas x No-Multiplicativas.......................................288
5. Reduo ...................................................................................................................289
6. Conveno e Notao .............................................................................................289
7. Forma Normal ........................................................................................................290
7.1. IE-Forma para Derivaes Puras.......................................................................291
7.2. IE-Forma e Consistncia ...................................................................................293
7.3. Propriedade da Subfrmula ...............................................................................299
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7.4. Unicidade da Forma Normal .............................................................................299
8. Outros Tipos de Rodeios ........................................................................................302
8.1. Simplificaes sobre as Derivaes ..................................................................302
8.1.1. Rejeitando as Simplificaes para e e e .................................................302
8.1.2. Rejeitando as Simplificaes para i .........................................................306
8.1.3. Acerca da Simplificao Envolvendo E ..................................................306
8.1.4. Simplificaes Acolhidas ...........................................................................307
8.1.4.1. Pares de Regras Simplificveis ...........................................................308
8.1.4.2. Unidades Simplificveis......................................................................315
8.2. Acerca dos Critrios de Admissibilidade para Simplificaes..........................317
9. Rodeios e Forma Normal .......................................................................................318
9.1. Propriedades das Operaes No-Multiplicativas.............................................319
9.2. O Valor Redutivo dos Novos RDs ....................................................................320
10. Consideraes Finais ............................................................................................323
Captulo V O Processo de Normalizao......................................................................327
1. Esquemas Genricos para as Operaes sobre as Derivaes............................327
2. Definies de Normalizao e Confluncia ..........................................................331
3. Exemplos de Sistemas Sem Normalizao ...........................................................333
4. Hauptsatz para LJ*................................................................................................335
5. Normalizao Fraca para Deduo Natural ........................................................338
5.1. Normalizao Fraca com Cota Para Icm' ..........................................................340
5.2. Normalizao Fraca com Consequentia Mirabilis No-Restringida .................352
6. Finitude de Toda Cadeia de Reduo via Propriedade da Validade Forte.......359
7. Confluncia .............................................................................................................371
8. Definio da Pior Seqncia ..................................................................................394
9. Consideraes Finais ..............................................................................................395
Captulo VI Cotas e Operao de Expanso Sobre Derivaes .................................397
1. Operao de Expanso...........................................................................................397
1.1. Pares No-Imediatos e a Forma Normal Expansiva..........................................397
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1.1.1. Forma Normal Expansiva para C'...............................................................402
1.1.2. Novas Operaes sobre as Derivaes em C' .............................................404
1.1.2.1. Uniformizao .....................................................................................404
1.1.2.2. Operao de Expanso ........................................................................410
1.2. Normalizao e Confluncia Para Multiplicao com Cota..............................414
1.2.1. Normalizao Fraca com Cota para as FNEs .............................................415
1.2.2. Church-Rosser e Finitude para a Multiplicao .........................................419
1.2.3. A Estrutura da Prova de Normalizao Forte para a Multiplicao ...........424
1.2.4. Valor de Induo ........................................................................................424
2. Conseqncias da Operao de Expanso ...........................................................425
2.1. Normalizao Forte para C' ...............................................................................425
2.2. Cotas para a FN e para a Seqncia de Reduo..............................................430
2.3. Cotas no Fragmento M ...................................................................................431
2.3.1. O Processo de Cotao ...............................................................................438
2.3.2. Melhoria nas Cotas .....................................................................................439
2.4. Cota sem Valor no Sistema C'? .........................................................................441
3. Consideraes Finais ..............................................................................................450
Captulo VII Concluso .................................................................................................451
Apndice - Conceitos Bsicos de Deduo Natural .....................................................461
1. A Proposio e a sua Forma ..................................................................................462
1.1. Smbolos ............................................................................................................463
1.2. Frmulas ............................................................................................................464
2. Observao quanto Representao das Frmulas ...........................................468
2.1.1. Observaes acerca da rvore de Construo de uma Frmula ................468
2.1.2. Observao acerca dos Parmetros ............................................................469
2.1.3. Observao acerca do Papel dos Quantificadores em uma Frmula..........470
2.1.4. Observao acerca da Identidade Sinttica entre Frmulas .......................471
2.1.5. Observao acerca das Definies Explcitas ............................................471
2.2. Operadores Lgicos Definidos ..........................................................................471
2.3. Notaes ............................................................................................................471
3. Derivaes ...............................................................................................................472
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3.1. Derivaes e Regras Lgicas para Deduo Natural ........................................474
3.2. Caracterizao das Regras Lgicas ...................................................................476
3.2.1. Observaes quanto Natureza da Validade de uma Regra ......................480
1.1.1.1. A Harmonia das Eliminaes com respeito s Introdues ...............483
3.2.2. Mais Observaes quanto Operao de Substituio Sinttica ...............487
3.2.3. Observaes acerca da Semntica dos Operadores Lgicos ......................488
3.3. Regras No-Contempladas no Quadro Anterior................................................490
3.3.1. A Regra de Eliminao do Absurdo...........................................................490
3.3.2. Regras de Deduo Indireta........................................................................490
3.4. rvores de Derivao ........................................................................................491
3.4.1. Observaes sobre o Descarte de Suposies ............................................497
3.4.2. Observaes quanto aos Parmetros Individuais .......................................499
3.4.3. Observaes quanto Identidade das Derivaes......................................502
3.5. Notaes ............................................................................................................503
Bibliografia Referida......................................................................................................505
Bibliografia Adicional ....................................................................................................511
ndice Remissivo .............................................................................................................513
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Resumo
O objetivo desta tese o de propor uma elucidao da negao e do absurdo no mbito
dos sistemas de deduo natural para as lgicas intuicionista e clssica. Nossa investigao pode
ser vista como um desenvolvimento de uma proposta apresentada por Russell h mais de cem
anos e a qual ele parece ter abandonado posteriormente. Focaremos a ateno, em primeiro lugar,
sobre a negao e, depois, como conseqncia das propostas para a negao, sobre a constante de
absurdo. Nosso ponto de partida , na verdade, um problema de natureza conceitual.
Questionaremos a correo e a adequao da anlise da negao e do absurdo atualmente
predominante no meio-ambiente de deduo natural de estilo gentzeniano. O questionamento
dessas anlises adota como ponto focal o conceito de hiptese. O conceito de hiptese uma
noo central para os sistemas de deduo natural e a nossa proposta de anlise desse conceito
servir de esteio para a formulao das propostas elucidatrias para a negao e o absurdo dentro
dos sistemas de deduo natural.
Abstract
The purpose of this thesis is to present an elucidation of negation and absurd for intuitionist and
classical logics in the range of natural deduction systems. Our study could be seen as a development of a
proposal presented by Russell over a hundred years ago, which he presumably abandoned later on. First,
we will focus on negation and then on the absurd constant, as a consequence of the claims we are making
for negation. As a matter of fact, our starting point is a problem of a conceptual nature. We will question
the correctness and the adequacy of the analysis of negation and absurd, prevailing nowadays in the
Gentzen-style natural deduction circle. The concept of hypothesis is the focus point in questioning these
analyses. The concept of hypothesis is a central notion for natural deduction systems and the purpose of
our analysis of this concept is to support the formulation of elucidative propositions for negation and
absurd in natural deduction systems.
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Introduo
O objetivo geral desta tese o de propor uma elucidao da negao e do absurdo no
mbito dos sistemas de deduo natural para as lgicas intuicionista e clssica, bem como alguns
de seus subsistemas. Nossa investigao pode ser vista como um desenvolvimento de uma
proposta apresentada por Russell h mais cem anos, que ele parece ter abandonado
posteriormente. Focaremos a ateno, em primeiro lugar, sobre a negao e, depois, como
conseqncia das propostas para a negao, sobre a constante de absurdo. imensa a quantidade
de bibliografia que trata desse mesmo assunto, inclusive em deduo natural, e, dessa forma, no
teremos como trat-lo exaustivamente. As reflexes aqui contidas faro referncia sobretudo
queles materiais que, de algum modo, envolvem deduo natural. Nosso ponto de partida , na
verdade, um problema de natureza conceitual. Questionaremos a correo e a adequao da
anlise da negao e do absurdo atualmente predominante no meio-ambiente de deduo natural
de estilo gentzeniano.
Nessa introduo faremos uma breve apresentao de natureza metodolgica envolvendo
o processo de elucidao conceitual e a relevncia desse processo para os temas que nos que
propusemos tratar.
A posio interpretativa dominante no meio-ambiente de deduo natural de estilo
gentzeniano nutre certa simpatia pelas teses intuicionistas e por isso ns a designaremos de
intuicionismo natural. Pretendemos examinar criticamente suas propostas no decorrer da tese.
Muitos so os autores que poderamos classificar de intuicionistas naturais. Entre esses,
com certeza, incluiramos Prawitz, Martin-Lf e Dummett1. Basicamente, segundo esse ponto de
vista, as derivaes seriam constructos que elucidariam o conceito de prova, em particular o
conceito de prova construtiva. Mas, embora essa interpretao possa hoje parecer natural,
discutvel que ela estivesse presente nas formulaes originais de Gentzen [Gen35] ou de
1 O prprio Prawitz indica o mesmo trio no prefcio edio Dover de [Pra65], pg. viii.
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Jaskowski [Jas34]. De nossa parte, queremos apresentar uma interpretao alternativa quela dos
intuicionistas naturais, embora mantendo uma parcela importante do seu aparato conceitual e de
seus resultados. A necessidade de um novo ponto de vista surgiu quando passamos a acreditar na
possibilidade de uma elucidao da negao e do absurdo distinta daquela por eles sugerida.
Nossa proposta elucidatria adotar outra concepo do papel que as derivaes em
deduo natural desempenham na anlise dos princpios lgicos. Para ns, as derivaes em
deduo natural so mais bem interpretadas como uma tentativa de esclarecer o conceito de
conseqncia dedutiva entre proposies/formas proposicionais2 envolvendo constantes lgicas.
Ou ainda, desde outra perspectiva, as regras de deduo seriam regras que estabeleceriam ou
fixariam uma extenso a qualquer relao de conseqncia dedutiva entre proposies/formas
proposicionais elementares. Nessa caracterizao das constantes lgicas por meio das regras de
deduo, o nico conceito usado o conceito de conseqncia dedutiva. A relao de
conseqncia dedutiva que temos em mente distinta da relao de conseqncia semntica
tarskiana [Tar36], embora a relao de conseqncia dedutiva entre proposies/formas
proposicionais implique uma relao de conseqncia tarskiana.
Entendemos que, primariamente, a relao de conseqncia dedutiva vigora entre
proposies e formas proposicionais. A relao vigorar entre as asseres somente de forma
derivada, na medida em que o contedo de uma assero uma proposio. Assim, desde o nosso
ponto de vista, as regras de deduo natural no devem ser interpretadas como regras
inferenciais, ou seja, regras que envolvem asseres. A razo que achamos difcil considerar
como regras de inferncia aquelas regras cujas condies de aplicabilidade fazem referncia
relevante ao uso de hipteses. Se no fizermos uma distino entre as regras de deduo e as
regras de inferncia, o que em nossa opinio ocorreria no intuicionismo natural, acabaramos por
gestar uma interpretao do conceito de hiptese que parece ser criticvel sob vrios aspectos.
Considere-se, por exemplo, que, em um argumento que envolva um raciocnio por absurdo, a
hiptese ser finalmente rejeitada. Desse modo, seria preciso fazer um malabarismo sofisticado
para assimilar aquela suposio a uma assero. Por isso, o exame do conceito de suposio
tomar uma parcela importante da nossa investigao.
A elucidao da negao e do absurdo, presente na maior parte da literatura de deduo
natural para as lgicas intuicionista e clssica, apresenta regras de eliminao para essas
constantes lgicas, mas ou no apresenta regras de introduo ou, quando apresenta, o faz de
2 Para um esclarecimento acerca da forma como os conceitos de proposio e forma proposicional esto sendo usados nesta tese ver o Apndice.
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modo que a constante j ocorre nas condies de aplicabilidade da regra. Porm, um dos
princpios elementares que as elucidaes via deduo natural devem respeitar o de que a parte
nuclear do uso dedutivo das constantes lgicas deve ser explicitada por meio de uma dade de
regras: regras de introduo e regras de eliminao. Um segundo princpio o de que a descrio
do uso da constante no pode estar condicionada por uma compreenso prvia da mesma. No
entanto, questionvel que esses princpios tenham sido seguidos risca na literatura.
De modo a poder aquilatar a tarefa que estamos nos propondo, talvez no seja demasiado
lembrar a opinio de um professor importante para a nossa formao, A. Raggio [Rag88]:
Como bem conhecido, a tese de Gentzen comea construindo um sistema de deduo natural para a teoria da quantificao. Pareceria impossvel que uma aproximao entre a lgica sistemtica e certos fatos psicolgicos pudesse ter qualquer relevncia terica. No entanto por meio do seu sistema de deduo natural Gentzen mostrou que os conectivos exceto a negao e os quantificadores podem ser analisados por regras de introduo e eliminao de tal modo que os as ltimas so o inverso das primeiras. ... de modo a prevenir e clarificar certas dificuldades conectadas com a negao, Gentzen, na segunda parte de sua tese, desenvolveu um novo sistema: a lgica de seqncias. Nesse segundo sistema as regras naturais de eliminao tornam-se regras de introduo no antecedente. Nesse novo sistema a negao deixa de ser problemtica "como que por mgica".3
Assim, se Raggio estava correto, a formulao de regras de introduo e de eliminao
para a negao em deduo natural um problema para o qual o admirvel Gentzen no pde
encontrar soluo satisfatria em termos de deduo natural. Isso nos leva a crer que esse
problema seja digno de ateno e respeito e que uma investigao sobre esse tema seja altamente
desejvel.
As regras em dades introduo-eliminao propiciam um esclarecimento para o ncleo
do significado dedutivo das constantes, caso certas condies sejam cumpridas. Para que o
esclarecimento seja efetivo, a condio principal a ser preenchida a de que as regras s
poderiam fazer referncia a uma outra constante qualquer caso o uso dedutivo dessa constante j
estivesse claramente estabelecido. Desse modo, deveria haver um conjunto mnimo de constantes
cujas regras no fariam nenhuma referncia a outras. A isso podemos chamar de propriedade de
independncia. Da propriedade de independncia seguir-se-ia a propriedade da completa
3 As is well known, Gentzens thesis begins building a system of natural deduction for quantification theory. It seems impossible that an approximation of systematic logic to psychological facts could have any theoretical relevance. Nevertheless by means of this system of natural deduction Gentzen showed that the connectives except negation and the quantifiers can be analyzed by introduction and elimination rules in such a way that the latter are the inverses of the former. ... in order to prevent and clarify certain difficulties connected with negation, Gentzen, in the second part of his thesis, developed a new system: the logic of sequences. In this second system the natural rules of elimination become rules of introduction in the antecedent. In this new system negation loses "as by magic" all its problems.
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separabilidade para as constantes lgicas bsicas. A elucidao do uso dedutivo dessas
constantes, por meio de regras de introduo e de eliminao independentes, seria, assim, similar
a uma definio explcita.
Nossa proposta elucidatria para a negao e o absurdo compreende a reduo das duas a
um denominador comum. A nosso ver, a condio para estabelecer que a negao de uma
proposio ou forma proposicional conseqncia dedutiva de uma lista de hipteses, ou que o
absurdo conseqncia dedutiva de uma lista de hipteses, requer a percepo de que a situao
correspondente lista de hipteses impossvel. A constatao de que a situao que
putativamente corresponderia lista de hipteses uma situao impossvel , na verdade, uma
constatao de que a prpria lista de hipteses no realizvel, ou seja, de que no h situao de
fato sob a qual todas as hipteses sejam verdadeiras. Um meio de representar essa noo dentro
do sistema, a noo de irrealizabilidade de uma lista de hipteses, ser a de mostrar que, sob a
suposio da sua realizabilidade, qualquer proposio seria realizvel. Do modo como vemos a
questo, temos, agora, como conseqncia positiva do emprego desse conceito de
impossibilidade, a faculdade de aplicar distines mais finas sobre o conjunto das situaes que
consideraramos como situaes suficientes para a introduo de uma negao ou do absurdo.
No s situaes de contradio em que a lista de hipteses contm uma proposio, ou forma
proposicional, e sua negao sero consideradas como situaes suficientes para introduzir a
negao, mas tambm situaes de contrariedade, situaes que, a nosso ver, so formas
elementares da constituio do que entendemos pelo conceito de incompatibilidade. Os termos
contradio e contrariedade esto sendo aqui empregados em um sentido que se origina em
Aristotteles4. Lembramos que esses dois conceitos no se confundem na lgica aristotlica.
Quando algum diz que um conjunto de sentenas contraditrio porque nenhum modelo o
satisfaz, est justamente apagando a distino entre contrariedade e contraditoriedade. Parece-nos
melhor dizer que o conjunto das sentenas incompatvel, quando isso ocorre, ao invs de dizer
que ele contraditrio. Desse modo, o conceito de contradio ficaria reservado para um uso
mais especfico. Contraditrias so certos pares de proposies que corresponderiam a A e ~A.
Uma conseqncia relevante de tratar a negao e o absurdo dessa forma est no fato de poder
reconduzir o conceito de impossibilidade ao conceito de conseqncia dedutiva. Mas, segundo
nosso ponto de vista, como essa justamente a noo objeto de elucidao dos sistemas de
deduo natural, ento a negao e o absurdo devem poder ser elucidados completamente em
4 Acerca desses dois conceitos ver [Bla69].
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termos de regras de deduo natural. Ao menos ser possvel fazer essa reconduo se certas
condies forem aceitas. Esperamos esclarec-las no decorrer da investigao.
As regras de eliminao da negao e do absurdo na lgica clssica e na lgica
intuicionista so concebidas de tal modo que ambas incorporam o princpio de ex falso quodlibet.
A validade desse princpio tem sido historicamente debatida. Para um nmero no desprezvel de
estudiosos, esse princpio necessita de algum tipo de justificao. Queremos, no decorrer da tese,
aduzir um argumento em suporte da sua validade dentro de determinados contextos. O argumento
a ser aduzido funcionaria sobretudo para aqueles contextos em que os sistemas de lgica so
pensados em estreita conexo com a formalizao das teorias matemticas. Na verdade,
queremos mostrar que a validade do princpio est estreitamente relacionada aceitao ou
rejeio de uma determinada proposta elucidatria para o uso da negao e do absurdo dentro de
um determinado contexto. O esteio da proposta estar dado justamente por uma regra de
introduo para cada uma das constantes, no caso a negao e o absurdo, e esse um dos pontos
importantes da nossa tese.
A estrutura da justificativa , em linhas gerais, a seguinte. A aceitabilidade do princpio de
ex falso quodlibet decorrer da aceitabilidade da regra de eliminao da negao ou do absurdo e
a aceitabilidade dessas regras decorrer da aceitao das respectivas regras de introduo.
Basicamente, isso se dar naqueles contextos em que for importante preservar a homogeneidade
da estrutura da prova das proposies que sejam instncia de uma mesma forma vlida. Contudo,
admitimos, sempre restar a possibilidade de rejeitar as regras de introduo que iremos propor,
inclusive por razes pragmticas. Como a forma pela qual estamos interpretando a negao est
considerando o mbito de formalizao das teorias matemticas, admissvel que, sob outros
usos, tais regras sejam inapropriadas. Em todo caso, aquele que venha a rejeitar essas regras tem
a liberdade de propor outras, embora tambm tenha o nus de explic-las e justific-las.
Alm do princpio de ex falso quodlibet, h uma classe de princpios que aparece
constantemente associada ao uso da negao e do absurdo na lgica clssica, mas que rejeitada
dentro da lgica intuicionista. Essa classe de princpios o que podemos chamar de classe dos
princpios de deduo indireta. Desde o ponto de vista da elucidao que estamos propondo,
esses princpios estenderiam o conceito de conseqncia dedutiva. A diferena entre a lgica
intuicionista e a lgica clssica repousa exatamente sobre a ausncia/presena desses princpios.
Ns nos proporemos, no decorrer da investigao, a determinar qual forma de regra de deduo
indireta seria a mais adequada para definir a lgica clssica a partir da intuicionista e qual forma
de regra seria minimamente necessria e suficiente para incorporar esses princpios a um sistema.
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Alis, uma idia que tambm considerada uma noo central dos sistemas de deduo natural
a de que o conjunto de regras a partir do qual esclarecemos as conexes lgicas entre as
proposies/formas proposicionais est constitudo de regras que so as mais elementares
possveis. Sob esse aspecto, veremos que existem boas razes para questionar a forma usual de
definir a lgica clssica nos sistemas de deduo natural comumente encontrados na literatura,
pois a regra empregada, a assim chamada regra de absurdo clssico, envolve eliminao do
absurdo e deduo indireta ao mesmo tempo, mescladas em uma mesma regra.
Do nosso ponto de vista, os princpios de deduo indireta no tratariam especificamente
de nenhuma constante lgica, embora a constante proposicional de implicao seja a constante
mais intimamente afetada ao introduzirmos a regra. A razo para isso parece ser a de que essa
constante corresponde expresso lingstica de conseqncia dedutiva entre proposies/formas
proposicionais. Assim, aquilo que uma regra de deduo indireta expressaria mais ou menos o
seguinte: se da suposio de que uma determinada frmula tem uma conseqncia segue-se a
prpria frmula como conseqncia, ento essa frmula j era estritamente conseqncia das
demais hipteses envolvidas. Em certo sentido, essa extenso do conceito de conseqncia
dedutiva transforma situaes de conseqncia dedutiva negativa em situaes de conseqncia
dedutiva positiva. Os princpios de deduo indireta, ao serem incorporados a um sistema de
deduo natural, produziriam uma extenso do conceito de conseqncia dedutiva, caracterizado
dentro do sistema. Mas, assim, justamente pelo fato de que o ncleo de significao das
constantes lgicas estava esclarecido por meio de regras de deduo, de introduo e eliminao,
aparecer uma nova franja de significado dedutivo para essas constantes, resultante da
modificao sobre o conceito de conseqncia dedutiva. Logo, para que a formulao usual da
lgica clssica em deduo natural seja considerada admissvel, deveramos ou romper com o
princpio estrito de que a elucidao das conexes lgicas se d unicamente por meio de dades,
admitindo uma terceira forma de regras de deduo natural, ou romper com a restrio de que
essas regras devem ser totalmente independentes. A segunda ruptura possui certos atrativos, pois
algumas constantes lgicas podem ser definidas explicitamente no sistema intuicionista e, para
elas, a propriedade de independncia falha. s vezes, falha na regra de introduo; outras vezes,
na regra de eliminao. Todavia, sobre esse assunto ainda preciso efetuar investigaes mais
aprofundadas que aquelas que desenvolveremos em nossa tese.
Temos usado nos pargrafos acima dois termos fortemente carregados de significado e
deveramos adotar a precauo de melhor explicitar o significado dos conceitos envolvidos. So
eles os conceitos de princpio lgico e de elucidao.
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Com respeito ao primeiro, os princpios lgicos geralmente so entendidos como
sentenas logicamente verdadeiras e fundamentais. Porm, o nosso uso da expresso princpio
lgico no ser exatamente esse. Consideraremos que cada princpio lgico corresponde, na
verdade, a uma regra de deduo correta e, mais ainda, a uma regra que podemos chamar de
elementar ou primitiva. Grosso modo, h duas formas sob as quais os princpios so encarados
como sentenas vlidas: um ponto de vista que podemos chamar de ontologizante e um ponto de
vista que podemos chamar analtico. Segundo o ponto de vista ontologizante, os princpios
lgicos so sentenas verdadeiras que apresentam certas caractersticas essenciais do mundo.
Segundo o analtico, os princpios so sentenas vazias de contedo informativo sobre o mundo.
Todavia, ns acreditamos que h uma outra forma de conceituar os princpios lgicos. Ela
consiste em dizer que, de algum modo, os princpios lgicos so inerentes atividade racional.
Eles corresponderiam a certas operaes ou aes fundamentais que fazem parte da atividade
racional humana. Por atividade racional entendemos a arte de argumentar, de justificar, de pesar
pontos de vistas e decidir. Para ns, os sistemas de deduo natural tm uma conexo ntima com
essa segunda interpretao, pois neles a atividade do sujeito racional parece ser a fonte primria
dos elementos que estariam sendo elucidados pelas regras do sistema. No caso ontologizante, a
atividade do sujeito racional considerada praticamente irrelevante e a elucidao dos princpios
lgicos consiste em desvelar como se d a relao de conseqncia lgica. Em outros termos,
nesse caso, a nica atividade subjetiva que interviria seria a apreenso dos princpios atravs do
olho da mente, que desse modo buscaria descobrir em um mundo supra-sensvel as verdades
eternas. No caso analtico puro, procura-se evitar qualquer compromisso ontolgico, apelando
para a linguagem como uma espcie de fato primordial. Alis, desde nossa modesta perspectiva, a
sensao de que, de algum modo, a viso ontologizante se coaduna bem com o conceito de
conseqncia semntica tarskiano [Tar36], embora tambm possa ser pensado sob o ponto de
vista que estamos chamando de analtico.
Quanto ao termo elucidao, por ele entendemos uma atividade de esclarecimento
conceitual. Os sistemas de deduo natural seriam, desde essa perspectiva, o resultado de um
esforo elucidatrio. O objeto de elucidao nesse caso seria uma certa idealizao da atividade
de argumentao racional5. Assim, considerando que uma idealizao da atividade de
argumentao racional ser a fonte para a nossa atividade elucidatria dos princpios lgicos,
seria provavelmente mais adequado pensar tais princpios como certas operaes que, quando
efetuadas, nos levariam a construir um argumento dedutivamente correto e, eventualmente,
5 Ver [Seo02].
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epistemologicamente til. Mas, se uma certa idealizao da atividade de argumentao est sendo
considerada como o ponto de partida original para uma elucidao da propriedade de
conseqncia dedutiva, de se esperar que, ao procurarmos esclarecer a trama das conexes
lgicas, tenhamos de levar em conta a forma na qual essa trama est realizada na atividade de
argumentar. Os componentes principais de um argumento so asseres e eles comportam certas
conexes intrnsecas. Pois bem, a atividade de esclarecer que conexes seriam conexes
adequadas uma atividade elucidatria. Justamente, entendemos que os sistemas de deduo
natural servem para tornar claras essas conexes que chamamos de lgicas. Ou seja, com esses
sistemas procuramos tornar claro como e quando h uma relao de conseqncia dedutiva entre
os componentes de uma argumentao. Para elucidar as conexes lgicas presentes na
argumentao, precisamos de uma pr-anlise dos caracteres que consideramos essenciais
argumentao conclusiva.
Idealmente, um argumento correto deveria ter duas caractersticas importantes. Em
primeiro lugar, a verdade das premissas deveria ser condio suficiente para a verdade da
concluso. Em segundo lugar, preciso ainda que o argumento esteja dotado de certa capacidade
de mostrar que a verdade efetivamente se transmite das premissas para a concluso e, por
conseguinte, o argumento deve ter certas caractersticas que propiciem ao interlocutor ver que a
transmisso se d. Alguns interlocutores precisam de argumentos mais detalhados, outros nem
tanto. Porm, o que no possvel oferecer as asseres das premissas e a assero da
concluso sem nenhuma mediao, sobretudo nos casos em que a maioria dos interlocutores teria
dificuldades de ver onde est a conexo entre as premissas e a concluso.
H que se notar tambm que as prticas argumentativas, em particular no mbito da
matemtica, resultam historicamente de uma atividade reflexiva. Assim, aquilo que estamos
chamando de elucidao , na verdade, uma elucidao sobre elucidaes. Alis, um fato que
parece confirmar esse ponto de vista o de que historicamente existiu, e provavelmente sempre
existir, algum desacordo no interior da comunidade acerca de quais prticas so justificveis ou
no, aceitveis ou no. Se isso correto, parece-nos inclusive razovel que a elucidao do
conceito de conseqncia dedutiva procure levar essas querelas em conta e procure represent-las
da forma mais simples possvel. Uma das querelas importantes se d entre construtivistas e
clssicos e envolve a aceitabilidade de mtodos de demonstrao indireta. Assim, parece-nos
interessante e razovel que a elucidao mostre onde se localizam as diferenas entre os pontos
de vista de forma articulada e puntual. Acreditamos que, sob esse aspecto, os sistemas de
deduo natural parecem ter sido bastante bem sucedidos.
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Notamos que, nos sistemas de deduo natural, a representao das hipteses um
componente primitivo constitutivo dos constructos elucidatrios e justamente por representar as
hipteses de forma primitiva que certas diferenas conceituais entre clssicos e intuicionistas
podem vir tona de modo mais claro. Na verdade, a maior parte da diferena conceitual entre
eles radica em aceitar certas formas de descarte de hipteses. isso justamente o que nos
propiciam as regras de deduo indireta. Mas o conceito de hiptese importante ainda por outra
razo. Desde o nosso ponto de vista, uma elucidao adequada da negao e do absurdo tambm
exige um esclarecimento satisfatrio do conceito de hiptese.
De modo geral, fizemos acima uma descrio inicial dos temas que investigaremos nesta
tese. Passamos, a seguir, a detalhar como e onde tais temas estaro sendo tratados.
Dissemos que, do nosso ponto de vista, os sistemas de deduo natural envolvem uma
elucidao do conceito de conseqncia dedutiva. A apresentao introdutria dessa elucidao,
bem como a formalizao de conceitos e expresses que so empregados na tese, se encontra no
Apndice. medida que o objetivo de uma tese apresentar uma investigao, pareceu-nos
mais adequado pospor essa parte propedutica de modo a subtrair ao leitor informado o
aborrecimento de passar por vrias definies cujo contedo em sua maior parte de
conhecimento geral e, quando no o for, pode ser acessado de forma independente, sempre que
houver necessidade. por essa razo que inclumos um ndice remissivo ao final do trabalho.
Todavia, como nossa interpretao dos sistemas de deduo natural difere um pouco das
interpretaes correntes, o Apndice conter algum material que julgamos ser original. Vrios
dos conceitos l presentes so conceitos que, de uma forma ou de outra, esto presentes em
[Pra65]. Algumas vezes, eles recebem certas adaptaes originadas pelos propsitos que temos
em mente. A nosso ver, a diferena mais relevante com respeito s definies propeduticas
contidas na literatura est na forma de apresentao das regras de deduo. Por essa razo,
pareceu-nos tambm adequado dissertar brevemente sobre o que entendemos pelo princpio de
harmonia para as regras de introduo e de eliminao, da forma como as estamos caracterizando
no Apndice. At onde nosso conhecimento alcana, no haveria na literatura uma formulao
com o mesmo nvel de detalhe dessa que estamos propondo. No entanto, o tema da harmonia foi
discutido, entre outros, por Belnap [Bel62] e por Dummett [Dum91].
Fizemos a incluso de um ndice remissivo em nosso trabalho para facilitar a busca pela
definio de termos e conceitos e para tornar facultativa a leitura do Apndice. No entanto, a tese
tambm poder ser lida comeando do Apndice para depois prosseguir aos demais captulos na
ordem usual.
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O Captulo I tem o objetivo de apresentar a proposta de uma elucidao para a
negao e para o absurdo por meio de regras de deduo natural de introduo e de eliminao.
Mas, antes que isso seja feito, examinaremos a forma pela qual os sistemas de deduo natural
so normalmente interpretados, sobretudo pelos intuicionistas naturais, que os vem como
devotados a elucidar o conceito de prova. Veremos que o conceito de hiptese desempenha um
papel chave em nossa exposio e pretendemos oferecer uma crtica a concepo que aparece
amide entre intuicionista.
Para os intuicionistas naturais, as regras de introduo destacam-se das demais medida
que elas capturariam uma noo de prova considerada como a noo mais fundamental. Quando
usadas nesse tipo de regras, as hipteses funcionariam como suposio da posse de uma prova.
Em oposio a essa concepo, ns avanaremos a tese de que os sistemas de deduo natural
podem ou devem ser interpretados como sistemas que elucidariam o conceito de conseqncia
dedutiva e, doravante, j no saberamos mais dizer qual tipo de regra mereceria algum tipo de
primazia. As regras de introduo parecem boas candidatas, como querem em geral os
intuicionistas. Todavia, como pretendemos defender, para compreender quais situaes
permitiriam introduzir uma negao, precisamos usar e compreender as regras de eliminao. O
fato que a negao, diferentemente das demais constantes lgicas, parece requerer que nos seja
dada uma refutao como base para a sua introduo, e a prpria noo de refutao parece
depender de modo relevante das regras de eliminao. Assim, torna-se essencial buscar outra
forma de conceber a natureza da atividade elucidatria inerente formulao dos sistemas de
deduo natural. A reviso que estamos propondo nos levar a uma concepo do conceito de
hiptese distinta da concepo intuicionista. Uma hiptese ou suposio ser para ns apenas o
ponto de partida da tessitura de uma cadeia de conseqncias dedutivas. A elucidao da negao
e do absurdo por meio de regras de introduo e eliminao parece se adequar melhor noo de
hiptese que estaremos propondo.
O ponto de vista que estaremos defendendo tem conseqncias que no podem ser
desprezadas. Uma delas de que a diferena entre os sistemas de deduo natural e de seqentes
tenderia a resumir-se a uma diferena de perspectiva. Enquanto os sistemas de deduo natural
serviriam para mostrar a relao de conseqncia dedutiva, os sistemas de seqentes poderiam
ser interpretados como sistemas assercionais envolvendo a relao de conseqncia dedutiva
aplicada no s proposies, mas a certos termos ou listas de termos nomeando as proposies.
Desse modo, cada regra assercional operacional simplesmente refletiria uma regra em deduo
natural. Alis, uma idia similar a essa pode ser encontrada em Prawitz no Apndice de [Pra65].
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Ele relaciona os dois sistemas dizendo que o sistema de seqentes seria uma espcie de
metaclculo para a relao de dedutibilidade presente nos sistemas de deduo natural. Se
entendermos que um metaclculo simplesmente a forma assercional de apresentao da relao
de dedutibilidade, ento as duas interpretaes convergiriam. Entretanto, notamos, aquele autor
no tinha propriamente uma soluo de interpretao para a relao entre as regras de deduo
natural envolvendo a negao e as respectivas regras de seqentes. Uma proposta de resposta a
esse problema ser feita ao longo dos trs primeiros captulos da nossa investigao.
Encerraremos o Captulo I fazendo uma anlise das noes de refutabilidade e de
absurdidade presentes em Curry no VI captulo de [Cur63]. Em nossa investigao, adotamos de
modo amplo certas idias de Curry a respeito da negao e do absurdo, embora lhes faamos
alguns reparos. Em particular, pretendemos mostrar que, com as regras de introduo e
eliminao que estamos propondo, estaremos aptos a definir os mesmos conceitos de
refutabilidade e de absurdo que Curry havia definido.
Com o Captulo II pretendemos dar continuidade ao exame do conceito de
refutabilidade ao qual chegamos com as regras para a negao e o absurdo. Este captulo contm
uma exposio dos sistemas de deduo natural nos quais a regra de eliminao para a negao e
o absurdo no contempla o princpio de ex falso quodlibet. Da mesma forma como
freqentemente ocorre na literatura, chamaremos esses sistemas de sistemas minimais. Eles
estaro divididos em dois grupos: aqueles em que nenhum princpio de deduo indireta est
presente; aqueles onde acrescentamos um princpio de deduo indireta, no caso a chamada regra
Peirce. Temos boas razes para crer que a noo de refutabilidade simples de Curry
representvel por meio das regras de introduo e eliminao da negao e do absurdo nos
primeiros. Porm, esses sistemas minimais com regras de introduo e eliminao do absurdo
acabam por ter uma caracterstica indesejvel, cuja correo exigiria o acrscimo do princpio de
ex falso quodlibet.
A bem da verdade, apresentaremos ainda uma segunda forma de definir a noo de
refutabilidade dentro de um sistema minimal. Pretendemos mostrar que possvel formular um
sistema de deduo natural para a preservao da falsidade. Esse sistema permitiria representar
uma noo de refutabilidade um pouco distinta da noo de refutabilidade simples representvel
no sistema minimal para preservao da verdade. Veremos que essas duas noes s podero ser
consideradas idnticas quando admitimos a validade de um princpio de deduo indireta.
A seguir, apresentaremos os sistemas minimais com deduo indireta, procurando
investigar as propriedades da regra Peirce em isolamento do princpio de ex falso quodlibet. Em
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particular, estaremos mostrando que certas simplificaes muito similares quelas que Prawitz
aplicava ao sistema clssico em [Pra65], reduzindo as aplicaes da regra de absurdo clssico ao
caso atmico, tambm podem ser aplicadas aos sistemas que contm a regra Peirce.
Procuraremos, nessa etapa, dar sustentao tese de que a regra Peirce deve ser considerada
como uma extenso ao conceito de dedutibilidade representvel no sistema. Mas essa perspectiva
s far algum sentido se adotarmos outra interpretao da noo de hiptese, uma interpretao
diferente daquela que adotam os intuicionistas naturais. Como resultado dessa nova postura,
acreditamos que uma parte relevante das objees intuicionistas s regras de deduo indireta
deveria ser repensada, basicamente porque no mais faria sentido pedir garantias da
demonstrabilidade de uma hiptese descartada, como os intuicionistas esto tentados a fazer em
geral. Isso no significa que, em nossa proposta de interpretao, estejamos simplesmente
aceitando que a regra Peirce ou as regras de deduo indireta sejam consideradas
inquestionveis. Se o papel de um argumento o de efetivamente mostrar a conexo dedutiva
entre as premissas e a concluso, ao usar uma regra de deduo indireta estaramos subvertendo
aquilo que anteriormente entendamos ser a apresentao da conexo dedutiva. Veremos o porqu
disso no decorrer da investigao.
Ao final do segundo captulo, discutiremos ainda a formulao de um sistema refutacional
apresentado em 1972 por Lpez-Escobar, em clculo de seqentes, cujo objetivo o de capturar a
noo de falsidade construtiva de Nelson. A nosso ver, existe um elo entre esse clculo e o
sistema para preservao da falsidade que estamos definindo nesse captulo. Tambm veremos
que o clculo para a falsidade que estaremos propondo difere bem pouco de um sistema de
deduo natural que Tamminga [Tam94] havia proposto para capturar o conceito de
rejeitabilidade. Uma das diferenas a presena/ausncia das regras para o operador de
desimplicao. Essa diferena de extremo interesse para ns, pois, ao considerar as regras para
esse operador, obteremos dois resultados relevantes. Um deles o de que o famoso princpio de
inverso parece estar aqum do princpio de harmonia. Essa concluso segue-se da anlise que
fazemos do tratamento que Bowen [Bow71] deu constante que estamos presentemente
chamando de desimplicao. com base nesse tratamento que focalizaremos o problema da
harmonia entre as regras de introduo e eliminao no captulo IV. O outro resultado diz
respeito ao problema da cidadania lgica do conceito de preservao da falsidade. Temos razes
para crer que a preservao da verdade e a preservao da falsidade so conceitos estruturalmente
idnticos e, por isso, estariam dotados de igual grado de cidadania lgica, o que seria claramente
visualizvel sobre os sistemas de deduo natural.
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O Captulo III continua com a apresentao dos sistemas de deduo natural, mas os
sistemas passam a incorporar o princpio de ex falso quodlibet. Comeamos o captulo por uma
definio de um sistema equivalente ao sistema intuicionista. Em seguida, consideramos um
sistema equivalente ao sistema clssico. Em ambos os casos, com regras de introduo e
eliminao da negao e do absurdo. Para definir o sistema clssico a partir do sistema
intuicionista, poderamos simplesmente acrescentar a regra Peirce, como fizemos no caso dos
sistemas minimais. Todavia, como veremos, para obter a lgica clssica, j ser suficiente
acrescentar um princpio de deduo indireta mais fraco, o princpio que chamamos de
consequentia mirabilis, ou ainda um princpio equivalente, o princpio de terceiro excludo
(formulado como uma regra de deduo). O princpio de consequentia mirabilis caso particular
de Peirce, seja a negao tomada como primitiva ou como definida. J a derivao contrria
exige o princpio de ex falso quodlibet.
Assim como fizemos com a regra Peirce, mostraremos que a regra consequentia mirabilis
permite definir subsistemas da lgica clssica que so suficientemente fortes para representar
todas as relaes de dedutibilidade clssicas (via traduo de constantes). Destacamos, sobretudo,
o sistema que chamaremos de C, no qual a regra consequentia mirabilis estar restringida s
concluses bsicas6. Esse sistema , na verdade, uma reformulao de um sistema que Prawitz
tambm chamava de C, em [Pra65]. A reformulao procura preservar a relao de
dedutibilidade do sistema original de Prawitz, mas, ao mesmo tempo, estende as dades de
introduo e eliminao para todas as constantes lgicas, mais precisamente para a constante de
absurdo. Um outro subsistema da lgica clssica, que tambm ser apresentado nessa forma de
dades para todas as constantes e que desperta interesse por outras razes, o sistema sobre as
constantes {,,,}. Mostraremos, no quarto captulo, que, nesse sistema, a cada derivao
corresponder uma outra a partir das mesmas hipteses e com a mesma concluso tal que haver,
no mximo, uma s aplicao de consequentia mirabilis como ltima regra da derivao
Logo aps o exame desses subsistemas da lgica clssica, apresentaremos alguns sistemas
que admitem uma leitura intuicionista, embora incorporem, em alguma medida, uma regra de
deduo indireta. J em 1971, Prawitz [Pra71] havia apontado a possibilidade de dar uma
interpretao construtiva a C. Ns procuraremos estender essa interpretao para sistemas mais
compreensivos, que admitam todo o leque usual de constantes lgicas intuicionistas:
{,,,,,}.
6 Chamamos de bsica aquelas frmulas que no contm constantes lgicas de primeira ordem.
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Aps fazermos a apresentao dos sistemas lgicos de deduo natural com regras de
introduo para a negao e o absurdo, mas tambm com regras de deduo indireta, apresenta-se
uma questo qual no podemos negar nossa ateno. Ela envolve as proposies simples. Se as
regras de introduo para o absurdo e para a negao requerem a constatao dedutiva da
impossibilidade de uma situao, deveramos nos perguntar o que significaria dizer que uma
proposio simples impossvel. Um sistema de deduo natural que s envolva regras para
constantes lgicas s nos permitiria deduzir que uma situao impossvel caso tivssemos
partido de uma lista de hipteses da qual fosse possvel deduzir uma proposio e sua negao.
Mas, alm dessa, certamente deve haver uma noo de impossibilidade envolvendo proposies
simples. Em nossa opinio, essa a noo de impossibilidade realmente fundamental. Assim,
ser preciso representar a impossibilidade de uma proposio simples ou a impossibilidade de
uma lista de proposies simples de algum modo e tal que, posteriormente, possamos aplicar uma
introduo da negao. Como veremos, isso ser feito com base em regras de deduo que, de
algum modo, incorporam um princpio de ex falso quodlibet para proposies simples dentro de
uma base terica. Nossa ltima tarefa nesse terceiro captulo ser a de mostrar como poderamos
definir a aritmtica dos nmeros naturais incorporando uma regra de deduo para proposies
simples sem usar constantes lgicas: uma regra que seja da natureza de um ex falso quodlibet.
Tambm ser preciso mostrar por quais razes um princpio dessa natureza poderia ser
considerado vlido ou admissvel na base de uma teoria, em particular na base da aritmtica dos
nmeros naturais. Como teremos ocasio de ver, essa discusso nos levar novamente a examinar
a noo de hiptese.
O captulo ser fechado com uma srie de consideraes gerais acerca do uso de hipteses
nas derivaes, acerca da natureza dos sistemas de deduo natural e acerca do processo
elucidatrio do qual esses sistemas seriam as resultantes. Finalizaremos com uma breve
considerao acerca de uma hierarquia para a validade/admissibilidade das regras de
deduo/inferncia.
Nos trs primeiros captulos, portanto, nossa investigao tem um carter eminentemente
conceitual. Nossa inteno a de propor uma forma de conceber os sistemas de deduo natural
diferente daquela pela qual os intuicionistas naturais os concebem. Em primeiro lugar,
assumiremos que a construo de um sistema de deduo natural o resultado de um processo
elucidatrio para o conceito de conseqncia dedutiva. Assumiremos tambm que a elucidao
do referido conceito toma por base uma certa compreenso intuitiva e idealizada da prxis
argumentativa. Desde o nosso ponto de vista, essa prxis deve ser tomada como primitiva e a
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noo de prova deve ser considerada como uma especializao da noo de argumento. Para ns,
essa prxis que mostra que as hipteses so usadas de modo tal que no faz sentido consider-
las parte do conjunto de asseres que compem a argumentao. Em geral, as hipteses
constituem simplesmente um ponto de partida para desenvolver uma cadeia de conseqncias.
Essa concepo do conceito de hiptese ser empregada na proposta de elucidao da negao e
do absurdo em termos de regras de deduo natural. A proposio absurda, em particular, ser
encarada como um constructo ideal que nos permitir dividir as condies para introduo da
negao em duas partes distintas, conforme veremos no primeiro captulo.
Nos captulos restantes, procuraremos desenvolver uma parte da maquinaria de
procedimentos e teoremas usualmente associada aos sistemas de deduo natural. Ou seja, do
quarto captulo em diante, nos ocuparemos da existncia de formas normais, da sua unicidade e
da finitude dos processos de obteno da forma normal. Contudo, ao cuidar da prova dessas
propriedades, no estaremos preocupados em justificar a validade das regras de eliminao a
partir das regras de introduo, no pelo menos da mesma forma que tem sido feito pelo
intuicionismo natural. Nele as regras de introduo so vistas como formas bsicas cannicas de
construo de provas, sendo a validade das regras de eliminao apenas uma conseqncia da
validade das regras de introduo. O caso que a introduo da negao parece requerer o
conceito de refutabilidade e a definio desse conceito, por sua vez, requer o uso das regras de
eliminao. S seria possvel manter o conceito de prova cannica como conceito primitivo se
admitssemos que a negao uma operao cuja elucidao s poder ser feita depois de
havermos elucidado as demais constantes lgicas. Todavia, esse ponto de vista colocaria a
compreenso da negao na dependncia da compreenso de outras operaes, contrrio ao que
usualmente tem sido assumido em deduo natural. Assim, como nossa tarefa diferente da
tarefa que os intuicionistas naturais se propem, a demonstrao da propriedade de normalizao
j no ter para ns a mesma importncia que para eles. Contudo, a prova dessas propriedades
ainda guardar outro tipo de relevncia, medida que a noo de forma normal parece ser um
bom esteio para provar uma srie de resultados importantes. A consistncia do sistema um
deles. Alm disso, a forma normal das derivaes ofereceria um critrio para a definio da
noo de identidade para derivaes.
O Captulo IV estar dedicado a investigar o chamado princpio de inverso e as
operaes de eliminao de rodeios de introduo-eliminao fundadas sobre esse princpio.
Temos razes para crer que o princpio de inverso corresponde apenas a uma parcela da
propriedade de harmonia que deve vigorar entre as regras de introduo e eliminao. A noo de
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harmonia com a qual estaremos trabalhando apresentada no Apndice. No quarto captulo,
fazemos uma breve discusso acerca da relao do princpio de inverso e do princpio de
harmonia. A anlise do problema tem incio com a tentativa de interpretar o dito gentzeniano de
que as eliminaes seriam como que conseqncia das introdues e que estas seriam como que a
definio das constantes lgicas. Ao cabo da anlise, daremos forma final s crticas que
dirigimos ao modo pelo qual o princpio de inverso tem sido aplicado pelos intuicionistas
naturais constante de absurdo. Finalizamos a argumentao com a demonstrao da validade
do princpio de harmonia para as regras de introduo e eliminao para o absurdo.
No quarto captulo, tambm examinaremos outros tipos de operaes sobre as derivaes,
sendo as operaes de permutao as mais importantes. A permutao uma operao essencial
para obter formas normais com a propriedade da subfrmula no mbito do sistema intuicionista
de deduo natural. Outro tipo de operao essencial ser a operao de eliminao de rodeios
para aqueles casos em que uma ocorrncia de frmula premissa maior de uma regra de
eliminao e, ao mesmo tempo, concluso de uma deduo indireta. Obviamente, esse tipo de
rodeio s surge nos sistemas que comportam uma regra de deduo indireta. A priori, esse tipo de
operao pode no parecer com uma permutao. Lembra, talvez, mais uma operao de
eliminao de rodeios de introduo-eliminao. Entretanto, temos fortes razes para crer que,
nesses casos, tambm est envolvida uma permutao. Se isso for correto, a admissibilidade da
operao envolvendo deduo indireta poderia compartilhar a mesma justificao empregada
para admitir as permutaes no sistema intuicionista. Por essa razo, as permutaes passam a
tomar grande parte da nossa ateno nesse captulo. Inclusive, dedicaremos uma parcela de nossa
exposio a expor como a operao de permutao envolvendo regras de deduo indireta
constitui o esteio de uma srie de propriedades bem conhecidas na literatura. Referimo-nos aos
resultados formulados por Kolmogorov em [Kol25], Glivenko em [Gli29], Prawitz & Malmnas
em [Pra68], Seldin [Sel89] etc, nos quais, via de regra, as derivaes clssicas esto
correlacionadas a certas derivaes em sistemas mais elementares. O procedimento consiste em
apresentar vrias situaes onde possvel obter uma prova clssica contendo uma nica
aplicao de deduo indireta como ltimo passo dedutivo na prova.
Finalmente, ainda no quarto captulo, investigaremos uma srie de operaes sobre
derivaes, geralmente agrupadas sob o nome de simplificaes. Algumas das simplificaes que
aparecem na literatura sero rejeitadas. Todavia, constataremos a necessidade de aplicar outras
simplificaes envolvendo regra de deduo indireta, mais especificamente envolvendo
consequentia mirabilis. Alis, uma das razes importantes para no termos empregado a regra
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Peirce na definio do sistema clssico deve-se ao fato de que sob essa forma de deduo
indireta, nem todas as operaes que aplicamos sobre consequentia mirabilis podem ser aplicadas
sobre Peirce, ao menos isso no ser possvel se desejamos preservar a unicidade da forma
normal.
Consideramos de suma relevncia a tarefa de justificar a admissibilidade das operaes
sobre as derivaes. A remoo dos rodeios de introduo-eliminao e as permutaes de
eliminaes parecem ambas bem justificadas. Contudo, ainda restar o problema de justificar as
simplificaes adotadas em vista das provas dos teoremas de normalizao. Em alguns casos,
no divisamos justificativas mais possantes. No entanto, sempre adotaremos um critrio mnimo.
Para ns, a perda da propriedade de unicidade da forma normal constituir uma boa razo para
rejeitar uma operao, o que no significa que estejamos assumindo que o contrrio seja razo
suficiente para aceit-la.
O Captulo V estar dedicado a apresentar teoremas de normalizao e de confluncia
para os sistemas definidos nos captulos II e III. preciso notar que, diferentemente da literatura,
nos sistemas a serem definidos, todas as constantes lgicas empregadas estaro sendo dadas por
dades de introduo e eliminao, em particular a constante de absurdo. Alm disso, como regra
de deduo indireta, estaremos usando a regra consequentia mirabilis. Comearemos o captulo
com uma rpida apresentao do Hauptsatz para um sistema de sequentes variante do sistema LJ
de Gentzen. Essa prova j seria uma primeira garantia da adequao da elucidao da negao
que estamos propondo. Em seguida tratamos dos sistemas de deduo natural. Comeamos com a
apresentao do teorema de normalizao fraca, com cota para o comprimento da derivao em
forma normal, para o sistema Icm. Notamos que o sistema intuicionista I e o sistema C so
subsistemas de Icm. Apresentaremos uma estratgia de normalizao - a assim chamada
estratgia das crticas que servir de base para a cotao do resultado final. A estratgia a ser
definida uma extenso da estratgia empregada por Pereira em [Per82]. A seguir, estenderemos
a prova de normalizao fraca para o sistema clssico C, mas, infelizmente, perderemos a
possibilidade de dar cotas ao comprimento da forma normal. Mais adiante, demonstraremos a
finitude de toda cadeia de reduo para o sistema I, adaptando e estendendo uma tcnica que
Prawitz havia usado em [Pra71] para o sistema intuicionista.
A demonstrao de finitude de toda cadeia para o sistema I tem um significado especial
que vai alm do mero enunciado do teorema. A prova original de Prawitz tida como uma prova
de natureza semntica, pois com base em uma propriedade das derivaes que somos levados a
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concluir pela finitude de todas as cadeias de reduo. A propriedade em questo a chamada
validade forte e, segundo o autor, essa propriedade derivvel de uma interpretao das regras de
introduo e eliminao segundo a qual a validade das regras de introduo "cannica" e a
validade das regras de eliminao seria derivada da validade das regras de introduo. Porm,
justamente, em nossa prova usamos a mesma tcnica de Prawitz s que levando em conta uma
regra de introduo para a constante de absurdo. Ou seja, ao que parece, a propriedade de
validade forte funcionaria bem para as regras de introduo e eliminao do absurdo na forma
como as estamos propondo nesta tese.
Logo a seguir, apresentaremos uma prova de natureza combinatria, mostrando a
confluncia local para o sistema clssico C, definido com introduo e eliminao de absurdo e
com consequentia mirabilis. Alm disso, como praticamente todos os sistemas definidos so
subsistemas de C, a prova tambm valer para esses casos. Em particular, depois de haver
mostrado confluncia local, poderemos mostrar confluncia geral e unicidade da formal normal
para a nossa formulao do sistema intuicionista, o sistema I, tomando por base a confluncia
local e a finitude de toda cadeia de normalizao mostradas anteriormente.
Os captulos V e VI esto dedicados apresentao e prova dos metateoremas de deduo
natural. O que h de intrinsecamente belo nesses teoremas o fato de que, em geral, um teorema
vlido para um sistema ser tambm vlido para os subsistemas que, de algum modo, mantenham
com ele certa similaridade estrutural. Isso ocorre, por exemplo, com os sistemas para preservao
da verdade e para preservao da falsidade. Todavia, h que notar um carter desagradvel nesses
metateoremas. Raramente suas provas so de tamanho razovel. Demonstr-los e compreender a
sua demonstrao exige, em geral, um esforo de monta. Infelizmente, no parece haver outro
remdio a no ser buscar provas que sejam mais enxutas e, ao mesmo tempo, compreensveis e
informativas, o que nem sempre fcil de obter. Com efeito, embora tenhamos nos esforado
para dar provas com aquelas caractersticas, estamos longe de hav-lo feito. H que salientar que,
ao buscar cotar o processo de normalizao, as provas dos lemas e teoremas tornam-se muito
mais complexas.
Nos captulos iniciais, freqentemente formulamos uma propriedade e a sua prova de
forma intuitiva sem maiores cerimnias, j que uma narrativa intuitiva poderia ser mais
informativa. Ao apresentar as provas dos teoremas de confluncia e normalizao mantivemos o
princpio de buscar a intuio da relao entre os objetos formais envolvidos. Dito dessa forma,
isso poderia parecer uma heresia, j que o tratamento formal da lgica no sculo XX esteve
orientado, em grande parte, a livrar as provas dos contrabandos introduzidos pela intuio.
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Ocorre que provas demasiado longas, em geral, acabam por ser pouco compreensveis. Provas
demasiadamente formalizadas so, em geral, demasiado longas. Confessamos que, apesar de
nossos esforos em contrrio, as provas apresentadas ainda sero bastante longas. Como
dissemos, as demonstraes envolvendo propriedades dos sistemas de deduo natural costumam
ser complexas. Todavia, procuramos, na medida do possvel, manter um certo nvel de
intuitividade nas provas, inclusive como forma de permitir que algum ajuste possa vir a ser feito.
No limite, a aprovao/desaprovao de uma proposta de demonstrao depende da comunidade
e, embora a intuio se equivoque (razo por que construmos provas), tambm nos parece que as
melhores provas so aquelas que nos permitem construir uma boa intuio da propriedade que
est sendo demonstrada. Nesse sentido, uma exposio excessivamente formal corre o risco de
perder sua valia.
O Captulo VI trata unicamente do sistema clssico que chamamos de sistema C.
Novamente, notamos que nossa definio para o sistema envolve regras de introduo e de
eliminao para o absurdo, alm de consequentia mirabilis restringida s concluses bsicas.
Nesse captulo, demonstramos a finitude de toda cadeia de normalizao para esse sistema,
aplicando uma idia para a prova de normalizao apresentada por Alves em [Alv99] que, por
seu turno, um desenvolvimento de uma idia de Massi apresentada em [Mas90]. A prova que
apresentaremos uma adaptao da prova apresentada no I Encontro de Deduo Natural em
2001 [San01]. Contudo, a presente prova leva em conta a formulao do sistema C com regras de
introduo e eliminao do absurdo mais consequentia mirabilis. O cerne da prova consiste,
basicamente, em estender o conjunto de operaes que aplicamos sobre as derivaes. Com base
nessas novas operaes, demonstramos a finitude de toda cadeia de reduo e a unicidade da
forma normal. As novas operaes so a homogeneizao de derivaes e a multiplicao de
derivaes. Como, para tais operaes, tambm vale a propriedade de finitude e a propriedade de
unicidade do resultado, elas fornecero o esteio para a demonstrao de normalizao forte com
cota para C. O passo a seguir consiste em fazer algumas comparaes do resultado obtido com
outros resultados da literatura que tambm envolvam a demonstrao de cota e de finitude da
cadeia de normalizao. Destacamos, em particular, a comparao de cotas que fazemos com o
trabalho de Beckmann [Bec01]. Finalmente, apresentamos um novo resultado de cotas para o
comprimento da forma normal das derivaes de C, mas tal que a cota s depende de uma nica
varivel: o comprimento da derivao original. Esse resultado obtido adaptando idias similares
desenvolvidas por Orevkov para o clculo de seqentes [Ore91].
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Antes de passar ao texto propriamente dito, queremos propor duas convenes, uma delas
acerca de como representar expresses que sejam variao sinttica de outras expresses.
Expresses sero seqncias finitas de smbolos. Dadas expresses quaisquer 1, 2 e 3, a
expresso resultante de substituir na expresso 1 cada uma das distintas ocorrncias da expresso
2 pela expresso 3, haja ou no ocorrncias de 2, ser representada por 1[2/3]. Diremos que
esse tipo de substituio uma substituio homognea. Eventualmente, ser necessrio o
acrscimo de parnteses para indicar, sem ambigidades, sobre qual expresso deve ser efetuada
a substituio sinttica. Por exemplo, na expresso complexa 4(1[2/3])5, a substituio deve
ser feita em cima da expresso 1 unicamente, substituindo todas as ocorrncias de 2, dentro de
1, por 3, sem alterao dos contextos 4 e 5. Essa operao de substituio ser usada como
uma forma prtica de descrever certas particularidades dos sistemas de deduo natural. A outra
das convenes uma forma de apresentar certas definies e propriedades evitando repeties
desnecessrias. Quando tivermos um texto da forma 1 2 [3] 4 onde 1, 2, 3 e 4 so textos
quaisquer, duas leituras distintas podero ser feitas sobre a seqncia de expresses: uma leitura
1 2 4; a outra leitura 1 3 4. Essa estratgia j era empregada por Prawitz em [Pra65].
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Captulo I O Conceito de Deduo e o Problema da Negao
A investigao que levaremos a cabo nesta tese estar focada principalmente sobre dois
tipos de princpios lgicos: o primeiro tipo aquele caracterizado pelas regras genericamente
rotuladas como regras de deduo indireta, principalmente a assim chamada consequentia
mirabilis; o segundo tipo aquele que envolve as conseqncias de uma contradio ou, mais
amplamente, de uma falsidade: os princpios de ex contradictione quodlibet e ex falso
quodlibet. A explorao desses dois tipos de princpios por meio das regras de deduo natural
constituir, na sua globalidade, o exame daquilo que podemos entender pelo conceito de negao,
seja do ponto de vista intuicionista7, seja do ponto de vista clssico. Basicamente, em deduo
natural, as distintas operaes lgicas so elucidadas por meio de dois tipos de regras ou
princpios, as chamadas regras de introduo e as chamadas regras de eliminao. A diferena
entre a lgica clssica e a lgica intuicionista reflete-se sobre esta dicotomia introduo-
eliminao e a eventual necessidade de estend-la com regras de deduo indireta.
Neste captulo, faremos uma proposta de elucidao do conceito de negao, tomando por
base o conceito de deduo e sob o pano de fundo metodolgico dos sistemas de deduo natural.
Antes de propor essa elucidao, ser preciso fazer um exame da natureza dos objetos aos quais
supostamente as derivaes em deduo natural deveriam corresponder como constructos.
Salientamos que uma resposta bastante freqente a esse problema, principalmente da parte dos
assim chamados intuicionistas, a de que as provas seriam exatamente os objetos que estariam
sendo esclarecidos (p. ex., [Pra74], pg. 68). Ns procuraremos dar sustentao a uma outra tese
alternativa. A necessidade de sustentar outra alternativa motivada em parte pela necessidade de
considerar um quadro metodolgico que contemple as chamadas regras de deduo indireta. No
7 Essencialmente, o ponto de vista intuicionista no aceita a validade irrestrita dos princpios de deduo indireta, como, por exemplo, o princpio de terceiro excludo. Eles no seriam aplicveis a situaes em que estivesse sendo considerada uma pluralidade infinita. Notamos tambm que Brouwer, pai do intuicionismo, havia sido reticente com respeito formulao de um sistema lgico intuicionista. Todavia, a formulao de Heyting para a lgica intuicionista parece ter sido amplamente aceita como a forma mais adequada de capturar a lgica subjacente ao intuicionismo conforme [Man98], pg. 276-277.
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entanto, acreditamos que a alternativa que proporemos pode ser sustentada de modo independente
da inteno de contemplar as regras indiretas. Acreditamos tambm que essa alternativa tem seus
mritos prprios, redundando em uma concepo do conceito de suposio que difere daquela
concepo que faz parte do arcabouo intuicionista. Assim, por essa razo, o conceito de
suposio ser objeto de exame neste e nos captulos subseqentes.
Desde o nosso ponto de vista, h um processo elucidatrio mais sofisticado por trs da
formulao dos sistemas de deduo natural em comparao com aquele por trs dos sistemas
logsticos. No caso de deduo natural, o conceito de suposio entra como um conceito
primitivo. Em essncia, a alternativa que estaremos defendendo aquela que interpreta as
derivaes como constructos elucidatrios para a relao de conseqncia dedutiva, que, por sua
vez, permitiria um esclarecimento daquilo que usualmente chamamos de argumento vlido. S
depois de realizada essa tarefa, poderemos avanar uma proposta de esclarecimento parcial para o
conceito de prova. A condio necessria para que uma elucidao do conceito de conseqncia
dedutiva seja considerada adequada obviamente a preservao da verdade8.
Considere o seguinte exemplo de uma comunicao possvel entre um professor e um
aluno: "- Caso CAMESTRES fosse invlido, ento CELARENT seria invlido; o que
impossvel. Logo, CAMESTRES no pode ser invlido ( vlido)."9. Parece-nos indubitvel que
existe aqui um argumento envolvendo temas formais. O argumento conteria ao menos as
seguintes asseres: (i) "caso CAMESTRES fosse invlido, ento CELARENT seria invlido"; (ii)
"CAMESTRES no pode ser invlido ( vlido)". primeira das asseres ns usualmente
chamaramos de premissa do argumento; ltima, de concluso do argumento.
A justificao de uma assero feita, freqentemente, por meio de um argumento. A
assero de concluso o objeto da justificao. De fato, parece razovel dizer que no poderia
existir argumento se no houvesse assero. Nesse sentido, entendemos que qualquer
conceituao que seja feita do ato de assero/afirmao dever contemplar a idia de que esse
ato um ato de compromisso, compromisso com a verdade10 de um certo contedo, sendo esse
8 Ver Apndice acerca da validade das regras. 9 O silogismo CELARENT da primeira figura da forma: XeY, YaZ; portanto XeZ. O silogismo CAMESTRES da segunda figura da forma: YaX, YeZ; portanto XeZ, onde a frmula PaS significa P pertence a todo S e a frmula PeS significa P no pertence a nenhum S. 10 Em geral, aquele que assere de modo livre no pode normalmente se negar a apresentar justificativas para sua assero, poder, no mximo, mostrar razes do por que no pode dar uma justificativa. O dever de no poder deixar de dar justificativas s faria sentido se aquele que assere tivesse assumido um compromisso, ou seja, s faria sentido se aquele que assere criasse para si mesmo uma obrigao. O interessante acerca desta idia de ato de compromisso que, aparentemente, ela nos permite resolver o problema do ator posto por Frege. A diferena entre a assero de um ator e a assero da personagem representada pelo ator corresponderia a uma diferena entre as "entidades" que fazem o compromisso. Se o ator assere, ele quem faz o compromisso. Se o personagem assere, o personagem
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contedo freqentemente designado na literatura pelo nome de proposio11. Para nossos
propsitos, assumiremos essa caracterizao parcial sem a preocupao de oferecer uma defesa
especial desse ponto de vista, o que nos levaria muito alm do que pretendemos. No obstante,
faremos consideraes no sentido de aduzir alguma plausibilidade a essa posio.
Adotando o ponto de vista de que a assero de uma proposio envolve um
compromisso, talvez se torne possvel compreender melhor a ligao entre uma assero e um
argumento, entre uma assero e a sua justificao. No exemplo acima, teremos um exemplo de
argumentao se concordarmos em admitir que o objetivo de dar um argumento simplesmente
o de justificar a assero de uma concluso, tomando por base, como ponto