uma interlocuÇÃo entre a teologia e a psicanÁlise

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- 1 - UMA INTERLOCUÇÃO ENTRE A TEOLOGIA E A PSICANÁLISE Por Rev. Gabriel Lavorato Neto 1  As dificuldades da aceitação da psicanálise como corrente de pensamento e método de interpretação estão presentes desde seu início dentro do próprio campo científico. Vejamos o prefácio publicado no Brasil às Cinco Lições de Psicanálise “em 1908 se reunia em Salisburgo o primeiro congresso psicanalítico internacional, nem por isso as novas idéias eram bem recebidas nas rodas científicas oficiais, onde as afirmações sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses esbarravam quase sempre com os preconceitos de uma falsa moral”. (MARCONDES, 1931 prefácio in FREUD, 1910[1909]). Se a psicanálise provocara certos ‘preconceitos’ em ‘rodas científicas oficiais’, o que dizer de seu choque com o pensamento teológico? Lembremos que a época das propostas freudianas, incluindo sua análise da religião, acompanham as reações de movimentos teológicos frente à teologia liberal. A época na qual Freud escreve e analisa, é uma época onde a teologia ortodoxa protestante está preocupada em superar o cético criticismo bíblico e reagir ao humanismo. Freud é contemporâneo da filosofia de Nietzsche ( “a morte de Deus”) e Karl Barth (“a Palavra de Deus”).  Do encontro da crença com a psicanálise, BINGAMAN (2003) cita e argumenta com RICOEUR a respeito de um alerta: o resultado do encontro incorre num risco para o religioso convicto. Segue a tradução livre: “Paul Ricoeur (Filósofo e teólogo) tem afirmado que os religiosos estão obrigados a “conversar” com Freud, e expor a fé religiosa dele ou dela a uma “hermenêutica freudiana de suspeita”. Ricoeur não oferece garantias, exceto que o crente não será e não poderá, seguido ao encontro, ser a mesma pessoa com a mesma fé. Em outras palavras, 1 Presbítero na Igreja do Nazareno Distrito Sudeste Paulista. Teólogo pelo Seminário Nazareno (1996) e pelo CESUMAR (2010). Atua como pastor assistente, leciona Teologia, Bíblia e Liderança. Membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise Integrativa, atua como analista praticante e está especializando-se em “Psicanálise na Cultura” pelo Centro Latino-americano de Saúde Integral em parceria com a Faculdade Vicentina de Curitiba. * Conferências de Freud na Clarck University, EUA, entre 06 e 10 de Setembro de 1909.

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UMA INTERLOCUÇÃO ENTRE A TEOLOGIA E A PSICANÁLISE

Por

Rev. Gabriel Lavorato Neto1

 

As dificuldades da aceitação da psicanálise como corrente de

pensamento e método de interpretação estão presentes desde seu início

dentro do próprio campo científico. Vejamos o prefácio publicado no Brasil às

Cinco Lições de Psicanálise * : 

“em 1908 se reunia em Salisburgo o primeiro congresso psicanalíticointernacional, nem por isso as novas idéias eram bem recebidas nasrodas científicas oficiais, onde as afirmações sobre o papel dasexualidade na etiologia das neuroses esbarravam quase sempre comos preconceitos de uma falsa moral”. (MARCONDES, 1931 prefácio inFREUD, 1910[1909]).

Se a psicanálise provocara certos ‘preconceitos’ em ‘rodas científicas

oficiais’, o que dizer de seu choque com o pensamento teológico? Lembremos

que a época das propostas freudianas, incluindo sua análise da religião,

acompanham as reações de movimentos teológicos frente à teologia liberal. Aépoca na qual Freud escreve e analisa, é uma época onde a teologia ortodoxa

protestante está preocupada em superar o cético criticismo bíblico e reagir ao

humanismo. Freud é contemporâneo da filosofia de Nietzsche (“a morte de 

Deus”) e Karl Barth (“a Palavra de Deus”). 

Do encontro da crença com a psicanálise, BINGAMAN (2003) cita e

argumenta com RICOEUR a respeito de um alerta: o resultado do encontro

incorre num risco para o religioso convicto. Segue a tradução livre:

“Paul Ricoeur (Filósofo e teólogo) tem afirmado que os religiosos estãoobrigados a “conversar” com Freud, e expor a fé religiosa dele ou delaa uma “hermenêutica freudiana de suspeita”. Ricoeur não oferecegarantias, exceto que o crente não será e não poderá, seguido aoencontro, ser a mesma pessoa com a mesma fé. Em outras palavras,

1Presbítero na Igreja do Nazareno Distrito Sudeste Paulista. Teólogo pelo Seminário Nazareno (1996) e

pelo CESUMAR (2010). Atua como pastor assistente, leciona Teologia, Bíblia e Liderança. Membro da

Sociedade Brasileira de Psicanálise Integrativa, atua como analista praticante e está especializando-se em

“Psicanálise na Cultura” pelo Centro Latino-americano de Saúde Integral em parceria com a FaculdadeVicentina de Curitiba.* Conferências de Freud na Clarck University, EUA, entre 06 e 10 de Setembro de 1909.

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um encontro com Freud pressupõe um elemento de risco. Ainda, porcausa da extraordinária influencia crítica de Freud da religião, e dodesafio a ela, o maior risco do religioso convicto “repousa naresistência do encontro de todo o conjunto”. (BINGAMAN, 2003)

Assim, tal como Freud analisou nas chamadas questões obsessivas da

religião uma revelação do inconsciente, BINGAMAN nos achados de RICOEUR

sustenta que a psicanálise expõe motivos inconscientes para uma fé. Tal

revelação poderá tornar esta fé mera moeda de barganha psíquica.

Mais adiante, BINGAMAN (2003) continua demonstrando as reações de

uma turma de seminário ante a palestra que proferiu sobre o ponto de vista de

Ricoeur - integração entre teologia e Freud. Argumenta um dos ouvintes: - “de

tanto de nosso tempo no seminário, não há questões a serem devotadas paraum ateu como Freud, alguém que não é nada a não ser um falso profeta”.

(tradução livre).

BINGAMAN (2003) aponta Ricoeur como o sustentador de que

Freudianismo e Religião convivem em uma tensão dialética, e afirma que

passou anos, desde sua experiência de formação na classe do seminário,

estudando a dupla questão: (1) a teoria de Freud de que a fé é uma projeção

psicológica, e (2) as respostas que Freud e sua teoria da religião evocam nos

crentes.

Ampliando ainda a questão e aumentando a evidência do lapso entre os

dois pensamentos, expõe BINGAMAN a respeito da experiência do

freudianismo na Educação Teológica:

“ Estudantes no campo da educação teológica frequentemente

não se ocupam ou renegam Freud e sua teoria da religião, deixandoisolado com Ricoeur que Freud trabalhou para obter alguns bonspensamentos sobre a psicologia e a dinâmica cultural da fé religiosa.Alguns estudantes é verdade, envolvem-se com a teoria Freudiana,mas eles são a minoria dedicada” (BINGAMAN, 2003, tradução livre).

Afirmando que alunos do curso de teologia majoritariamente não se

interessam pelo estudo de Freud e de suas teorias religiosas, segue definindo

a atitude do campo religioso para com Freud como “de suspeita” e não é por

menos.

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Para concordar com Bingaman, basta avaliar os escritos religiosos de

Freud para que se chegue à conclusão de que os religiosos os tomariam por

suspeitos, pois os interesses de Freud pela religião são de propor uma leitura

antropológica e humanista, na qual a religião será substituída pela ciência. Ele

afirma:

“...a longo prazo, nada pode resistir à razão e à experiência, e acontradição que a religião oferece a ambas é palpável demais. Mesmoas idéias religiosas purificadas não podem escapar a esse destino,enquanto tentarem preservar algo da consolação da religião.Indubitavelmente, se se confinarem à crença num ser espiritualsuperior, cujas qualidades sejam indefiníveis e cujos intuitos nãopossam ser discernidos, não só estarão à prova do desafio da ciência,como também perderão sua influência sobre o interesse humano”.(FREUD, 1927-31)

Portanto, se a religião para Freud não pode resistir à razão e a

experiência por serem contraditórias e que nenhuma idéia religiosa poderá

escapar, a opinião de BINGAMAN (2003) que o religioso ao ler isto teria

suspeita geral com os escritos de Freud são conclusões óbvias.

Evidenciando estas deduções no campo do cristianismo Católico

Romano, podemos tomar os sentimentos expostos por KUNRATH2 (2008):

“É normal que as Religiões definam a fé como acreditar na existênciadessas projeções projetadas na tela do universo. Contra essa fé, acrítica freudiana é implacável pela simples razão de que a existênciadas projeções se dissolve sob a análise dos mecanismos mentais. AReligião, assim entendida, não passa de uma ilusão. (Kunrath, 2008)

Em KUNRATH vemos o sentimento religioso que BINGAMAN chama de

“suspeita”, o sentimento é de que Freud é ‘implacável com a fé religiosa’.

Quando FREUD (1927-31) analisa a questão da fé religiosa, prefere

adotar, a despeito de todas as formas pluralistas, os pensamentos religiosos

presentes na “civilização branca e cristã”. Assim, ele envolve diretamente a

cristandade em suas observações e, portanto, neste dito sentimento como

aponta FERREIRA NETO (in: WONDRACEK, 2003) que os “crentes” tem os

olhos postos nas publicações anti-religiosas do psicanalista.

Este autor publica em WONDRACEK (2003) sua leitura do artigo “Uma 

Experiência Religiosa” de Freud (1928). O texto de Freud é uma reação a uma2 Pároco em Porto Alegre, RS, e professor de teologia da PUC no Rio Grande do Sul.

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carta enviada por um médico americano que testemunha a Freud como deixou

o ateísmo e passou a crer na Bíblia. Freud aplicando o método psicanalítico na

carta publica o artigo tentando demonstrar que a fé do médico americano está

contaminada pelo complexo de Édipo. Para FERREIRA NETO (Ibid.) esta

interlocução é importante para observar que:

“ Em primeiro lugar, quanto ao motivo da carta. A leitura deentrevista onde um importante cientista revela-se indiferente à vidaespiritual não passa despercebida aos olhos de um evangélico. Afinal,ele é portador da revelação da verdade tendo o dever de levá-la aoutros. Sua correspondência tem, portanto, uma visão evangelizadorana qual provavelmente envolveu sua comunidade religiosa queendereçava orações a Deus pela conversão de Freud”. (FERREIRANETO in WONDRACEK (org), 2003, grifo próprio).

FERREIRA NETO (Ibid.) é certo em afirmar que as publicaçõesreligiosas de Freud não passariam despercebidas para a comunidade

evangélica – em destaque aqui a americana protestante. Da mesma forma que

não passou despercebida ao professor e pároco católico Kunrath tempos

depois.

O sentimento de ser observado pelos religiosos é evidente no próprio

Freud, uma vez que a publicação de “O futuro de uma ilusão” foi retardada por

receio de “melindrar” seu amigo e colega psicanalista, o pastor protestante

Oskar Pfister. Na correspondência entre eles, encontra-se o seguinte trecho:

“ Nas próximas semanas sairá uma brochura de minha autoria,que tem muito que ver com o senhor. Eu já a teria escrito há tempo,mas adiei-a em consideração ao senhor até que a pressão ficou fortedemais. Ela trata- fácil de adivinhar- de minha posição totalmentecontrária à religião- em todas as formas e diluições, e, mesmo que istonão seja novidade para o senhor, eu temia e ainda temo que umadeclaração pública lhe seja constrangedora. O senhor me fará saber,

então, que medida de compreensão e tolerância ainda consegue terpara com este herege incurável.” (FREUD, 1927 in FREUD & MENG(ORGS), 1963).

De certa forma, mesmo que de maneira restrita, Freud preocupava-se

com a opinião dos religiosos, aqui focada em seu amigo Pfister. Em outro

momento deixa transparecer para o próprio Pfister suas preocupações a

respeito do tipo de reação que religiosos poderiam tomar para com a

psicanálise diante de suas análises da religião, escreve ao amigo:

“Faço questão de que o senhor publique uma crítica – na Imago, sequiser- e espero que nesta o senhor ressalte nossa límpida amizade

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mútua e sua adesão inabalável à análise... Retenhamos como dadoque as opiniões do meu texto não são nenhum componente do edifícioda teoria analítica. É minha opinião pessoal...” (FREUD, 1927 in Ibid.)

Nota-se que Freud estava certo com a preocupação. De suas opiniões

religiosas ele ganha a antipatia do mundo religioso, mas em outro momentoreconhece que nas reações de seu amigo Pfister em “A Ilusão de um futuro”

seria um “refrigério em meio às críticas” (libid).

É em Pfister que a psicanálise ganha um primeiro interlocutor com a Fé

Cristã. Esta é a opinião de Ernest Freud e Heinrich Meng, organizadores das

publicações das cartas entre Freud e Pfister. Neste sentido também opina a

autora WONDRACECK (Org., 2003). O que faz a interlocução ser possível é o

objetivo comum entre a crença e psicanálise: a alma.

FERREIRA NETTO (2010), psicólogo, psicanalista, exerceu no passado

o sacerdócio romano, é autor de vários artigos e livros de psicanálise no campo

Freudiano e Lacaniano. Este autor toma algumas idéias de Leonardo Boff

expostas no livro de WONDRACECK (Org., 2003) para negar a afirmação de

Freud ser um materialista. Para ele, uma vez que Freud concebia um

psiquismo anímico descaracteriza-se o materialismo.

Paradoxalmente, o cristianismo mais contemporâneo tem a tendência de

absolver a antipatia primária para com a ciência de Freud. KUNRATH interpreta

Freud:

“Como Nietzsche, Freud desprezava as religiões e o pensamentoreligioso: ilusões, neuroses. Por vezes, psicose. E, no entanto, ele tinhatambém a sua fé. Olhando para a vida, ele podia ver potênciasinvisíveis, por detrás de tudo o que acontece. Dois deuses poderosos,

Eros e Tânatos, Amor e Morte. Realidades? Não. Poesias, metáforas,sonhos. E olhando para esses dois deuses, ele orientou a sua vida.”(KUNRATH, 2008).

Neste sentido, KUNRATH praticamente está atribuindo a Freud um ato-

falho. Mesmo ao negar a religião, Freud foi um metafísico, ou como FERREIRA

NETTO (2010) afirma, “O fato de que ele era ateu não  impede que cultivasse a 

espiritualidade, no sentido de Boff ”. Assim, estes autores apontam que o

caminho de interlocução entre a teologia e Freud é a metafísica da psicanálise.

A metafísica da alma, da psique, e os efeitos comuns que a religião e a

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psicanálise tem sobre ela, como encontrado nas conversas de FREUD e

PFISTER, os efeitos da “cura de almas”.

Do nosso ponto de vista, não é necessário fazer de Freud um

convertido, um piedoso, nem tentar excluí-lo de seu ateísmo para que se possa

aplicar o conhecimento de sua psicanálise ao mundo da concepção teológica.

É preciso simplesmente separar o ateísmo do conhecimento, “reter o que é

bom” e talvez deixar o joio crescer junto com o trigo.

Freud não tem nada a dizer sobre Deus porque é ateu, mas tem muito a

dizer sobre o homem religioso em seu comportamento. Esta é a inquietação a

qual Ricoeur chamou-nos a atenção. O religioso quando encontra Freud, terá

que expor sua forma religiosa a um criterioso método de investigação que visa

desmantelar as compensações, as proteções, e fazê-lo encontrar “um todo”

essencial do ser, onde a religião talvez só ocupasse uma forma obsessiva por

‘lavar as mãos’ tão farisaico quanto o comportamento que Jesus denunciou

durante seu ministério público.

O teólogo Purkiser, do movimento americano de santidade, dá-nos a

seguinte colocação:

“ Para melhor ou para pior, vivemos na era que é incuravelmentepsicológica. O mundo pós-freudiano nunca será o mesmo mundo comoanterior a Freud. Isto não é de todo mal. Do que mais pudermosaprender daquilo que nos ajude a entender a natureza do homem quenos ajudará a entender melhor a experiência de santidade”.(PURKISER, 1971 inhttp://wesley.nnu.edu/holiness_tradition/purkiser/purkiser_ch4.htm,tradução livre).

Como Purkiser afirmou, a psicologia é importante para entender o

homem e a experiência de santidade. Não pela consideração com que trata a

existência de Deus, mas como semiologia do comportamento religioso e depois

por considerar sua importância na vida, sociedade e organização psíquica

humana.

Foi o próprio Freud que propôs a psicanálise como método para explicar

hermeneuticamente o seguimento religioso para o benefício da fé religiosa:

“ Se a aplicação do método psicanalítico torna possível encontrarum novo argumento contra as verdades da religião, tant pis  para a

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religião, mas os defensores desta, com o mesmo direito, poderão fazeruso da psicanálise para dar valor integral à significação emocional dasdoutrinas religiosas” (FREUD, 1927).

Portanto, mesmo havendo estas aparentes incompatibilidades, Freud dá

os mesmos direitos aos teólogos de usarem sua metodologia no camporeligioso e está na hora dos teólogos valerem-se da oportunidade.

Não se tratará isto de uma argumentação como pede Freud, validar a

doutrina religiosa pela psicanálise, isto é um feito insustentável e

teologicamente um passo ignaro. Isto só seria aceito numa articulação com o

próprio Freud, o que já não nos é possível, mas foi possível a um médico

americano (que não usou de psicanálise) e especialmente a seu amigo

PFISTER (1928, in: WONDRACEK, org., 2003) na “Ilusão de um Futuro”* , num

calhamaço de cartas trocadas, no tocante de convencê-lo do valor da fé cristã

ante ao seu ateísmo.

Aos teólogos e religiosos modernos, resta o trabalho de, uma vez

resolvido o caminho da interlocução, dar-se a aproveitá-lo pelo motivo exposto

abaixo:

“E o senhor há de sorrir diante do fato de que considero o métodopsicanalítico criado pelo senhor um meio grandioso para depurar edesenvolver a religião, assim como o senhor sorriu no tempo dacarestia, quando caminhávamos... e mais uma vez não conseguíamosconvencer um ao outro neste ponto”. (PFISTER in WONDRACEK, org.,2003).

Depurar a religião, a fé cristã que Pfister tinha, pelo caminho da

psicanálise seria a intenção de livrá-la da carga dos desejos humanos infantis –

as formas e crenças tidas por ilusões que são realizações de desejos - e deter-

se no essencial, como diria o apóstolo Paulo: “quando eu era menino, falavadas coisas de menino, sentia como menino, pensava como menino; quando

cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino”. E isto Paulo dizia

no contexto do amor que em sua teologia é dom, fruto do Espírito e

mandamento do Senhor.

* Originalmente publicado como “The Illusion of a Future: A Friendly Disagreement with Prof. Sigmund 

Freud ” na Revista Imago, vol. XIV, 1928, caderno 2/3, p. 149-184, conforme WONDRACEK (2003).

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Para PFISTER (in: WONDRACEK, Org., 2003), amor é tanto “como” e “o

que” Jesus se contrapõe em sua cultura religiosa: “seu mandamento do amor

ao nomismo neurótico obsessivo-compulsivo, que impõe um pesado jugo

através das crenças ao pé da letra e do meticuloso cerimonialismo”. Para ele,

amor gerado pelo conhecimento da verdade em fé é libertação de todo desejo

do resquício edípico, “Jesus venceu a neurose coletiva de seu povo

introduzindo no centro da vida o amor que, na verdade, é moralmente

purificado” (Ibid.).

Entrelaçados pelo anímico-psíquico e pelo amor, estão, portanto, os

caminhos da psicologia e da religião. A psicanálise nos concede a

instrumentalidade necessária para lidar com estes caminhos do psiquismo porimporta-se sumariamente tanto com amor como pelo anímico, e nos fornece

um excepcional modelo de proveito e interlocução.

Seja para uma melhor compreensão dos mecanismos da mente

humana; seja pela consideração da psicologia da religião pela ótica da

fenomenologia, temos nas ciências psicológicas, tidas neste exemplo pela

psicanálise, um modelo de parceria que pode fornecer a teólogos e lideranças

cristãs um efetivo meio de produção de seu trabalho, considerando o alto valor

das ciências psicológicas para a religião.