uma fortuna de 200 bilhões protegida do ir da pessoa física (1)

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Tributário

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Uma fortuna de 200 bilhes protegida do IR da pessoa fsicaporAndr Barrocalpublicado10/08/2015 01h09,ltima modificao22/08/2015 13h12Lei de 1995 beneficia 71 mil brasileiros ricos que no pagam imposto de renda. Fim da iseno renderia meio ajuste fiscalMarcelo Camargo / Agncia Brasil

Protesto da Fora Sindical com o "leo" do IR: quem pode, paga muito pouco ou quase nada ao fisco brasileiroO leo do imposto de renda mia feito gato com os ricos, como atestam dados recm-divulgados pela prpria Receita Federal. Os maiores milionrios a prestar contas ao fisco, um grupo de 71.440 brasileiros, ganharam em 2013 quase 200 bilhes de reais sem pagar nada de imposto de renda de pessoa fsica (IRPF). Foram recursos recebidos por eles sobretudo como lucros e dividendos das empresas das quais so donos ou scios, tipo de rendimento isento de cobrana de IRPF no Brasil.Caso a bolada fosse taxada com a alquota mxima de IRPF aplicada ao contracheque de qualquer assalariado, de 27,5%, o Pas arrecadaria 50 bilhes de reais por ano, metade do fracassado ajuste fiscalarquitetado para 2015 pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Detalhe: os 27,5% so a menor alquota mxima entre todos os 116 pases que tiveram seus sistemas tributrios pesquisados por uma consultoria, a KPMG.A renda atualmente obtida pelos ricos sem mordidas do IRPF - 196 bilhes de reais em 2013, em nmeros exatos tornou-se protegida da taxao h 20 anos. No embalo do Consenso de Washington e do neoliberalismo do recm-empossado presidente Fernando Henrique Cardoso, o governo aprovou em 1995 uma lei instituindo a iseno.O paraso fiscal foi criado sob duas alegaes. Primeira: as empresas responsveis por distribuir lucros e dividendos aos donos e scios j pagam IR como pessoa jurdica. Segunda: com mais dinheiro no bolso, os ricos gastariam e investiriam mais, com vantagens para toda a economia. Argumentos com cheiro de jabuticaba, sendo que o segundo foirecentemente derrubado pelo Fundo Monetrio Internacional em um relatriosobre o qual pouco se falou no Brasil. Na Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmico (OCDE), organismo a reunir 34 pases desenvolvidos, s a Estnia d a iseno.No Brasil, quem mais reclama so os que menos pagam impostos, diz Marcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea). A Receita uma me para os ricos, o Ministrio da Fazenda o Ministrio social dos ricos.A boa vida garantida pelo fisco aos donos e scios de empresas ajuda a explicar algo curioso. O Brasil tornou-se uma ptria de empresrios nos ltimos tempos. Possui mais gente nesta condio (7 milhes apresentaram-se assim na declarao de IR de 2014) do que a trabalhar como empregado do setor privado (6,5 milhes). a famosa terceirizao, com profissionais contratados na qualidade de PJ, no via CLT.A transformao de trabalho em capital um fenmeno mundial mas parece ainda mais disseminada e impetuosa por aqui, diz o economista Jos Roberto Afonso, professor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundao Getlio Vargas e autor do estudoImposto de Renda e Distribuio de Renda e Riqueza no Brasil. Para ele, urgente debater o assunto.O governo comemorava uma reduo da concentrao da renda mas s considerava a de salrios e a declarada nas pesquisas censitrias, afirma Afonso. Se formos considerar tambm o declarado ao imposto de renda, se descobre que daquelas pesquisas escapam parcela crescente e majoritria das rendas de brasileiros de classe mdia e alta, que passaram a receber como pessoa jurdica.O fim da iseno de IPRF sobre lucros e dividendos, conta um ministro, era uma das medidas no bolso do colete de Dilma Rousseff para ajudar noajuste fiscal. O problema, diz este ministro, o provvel boicote do Congresso contra qualquer tentativa de taxar mais o andar de cima. O Palcio do Planalto no quer comprar briga em vo.Repleto de polticos ricos e devedores de gratido a empresrios financiadores de suas campanhas, o Congresso tem uma resistncia histrica a corrigir as injustias do sistema tributrio brasileiro. A Constituio de 1988 previu, por exemplo, a cobrana de umimposto sobre grandes fortunas, mas at hoje a nao espera pela aprovao de uma lei a tirar a taxao do papel.FHC chegou a propor tal lei. Mas foi como senador, antes de chegar ao Planalto.Vez ou outra, algum parlamentar anima-se a propor tal lei. No incio do ano, foi a vez da deputada carioca Jandira Feghali, lder do PCdoB, com a preocupao de direcionar os recursos s para a sade. Com seis mandatos seguidos, ela no se ilude com a chance de aprovao de ideias como esta ou a taxao de jatinhos e iates com IPVA, outra proposta dela. "Esse um dos Congressos mais ricos e mais influenciveis pelo poder econmico da nossa histria, diz.Os dados recm-divulgados pela Receita Federal sobre o IRPF talvez possam ajudar a contornar tal resistncia. Neste trabalho, o fisco separou os contribuintes em onze faixas de renda, variveis de meio salrio mnimo a 160 salrios mnimos mensais. Em cada categoria, podem ser vistos o nmero de pessoas ao alcance do imposto de renda da pessoa fsica, seu patrimnio, renda, benesses e tributao efetiva. a mais completa e detalhada compilao de dados j feita pelo leo.Em 2014, houve 26,5 milhes de declaraes de IRPF. Aquelas 71.440 pessoas com renda isenta de quase 200 bilhes de reais esto no topo da pirmide, faixa de renda superior a 160 salrios mnimos por ms. Juntas, elas detm 22% do patrimnio e 14% da renda nacionais. como se cada uma tivesse salrio mensal de 341 mil reais e bens de 17,6 milhes. Apesar da riqueza, o IRPF pago por elas em 2013 somou mseros 6,3 bilhes de reais. Ou s 5,5% da arrecadao com IRPF.Dados deste tipo so apresentados pelo economista francs Thomas Piketty no livro O Capital no Sculo XXI", bblia para os interessados em saber mais sobre a concentrao de renda pelo planeta. O Brasil ficou de fora da obra justamente porque a Receita no tinha os dados de agora para fornecer antes. Espera-se que os acadmicos possam estud-los daqui para a frente.Um dos interessados no tema diretor de Estudos e Polticas Sociais do Ipea, Andr Calixtre. No fim ano passado, o economista concluiu um estudo chamadoNas Fronteiras da Desigualdade Brasileira, no qual sustentava que a distncia entre ricos e pobres no Pas era bem maior em termos patrimoniais do que em termos de renda. E que esse padro histrico havia se mantido apesar da distribuio de renda vista na dcada passada. O trabalho partia das declaraes de bens entregues por candidatos a prefeito Justia Eleitoral em 2102.Em uma primeira anlise sobre os dados da Receita, Calixtre viu sua hiptese se confirmar. Entre 2007 e 2013, diz ele, o nmero de declarantes de IRPF a ganhar at cinco salrios mnimos caiu de 54% para 50%, enquanto os que recebem acima de 20 mnimos permaneceu em 8,4%. Ao mesmo tempo, o estrato intermedirio, a receber entre 5 e 20 mnimos mensais cresceu de 37,2% para 40,8%.O rendimento tributvel pela Receita detido por cada segmento sofreu a mesma alterao no perodo de 2007 a 2013. O pessoal de renda baixa morde agora uma fatia maior (de 20,9% para 21,9%), o peloto do meio idem (de 44,2%para 47,8%), enquanto a turma do topo fica com um pouco menos (de 34,9% para 30,4%).O problema, diz Calixtre, que em termos patrimoniais praticamente nada mudou neste perodo de seis anos. As pessoas a receber at cinco salrios mnimos ainda ficam com 14% do valor dos bens declarados aos fisco, aquelas situadas entre 5 e 20 tm os mesmos 27% e o andar de cima (mais de 20 mnimos) segue com 57%. Democratizamos a renda, falta democratizar a propriedade privada no Brasil, afirma.*Matria atualizada para correo de informaes. A verso original da reportagem informava que os 71.440 mais ricos declarantes de imposto de renda detinham 29% do patrimnio e 22% da renda declarados. Os percentuais corretos so 22% e 14%, respectivamente.