uma chamada séria a uma vida santa e devota - … · avivamento do século xviii, ... inimigos, e...
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A474 Law, William Uma chamada séria a uma vida santa e devota/ William Law, tradução de Silvio Dutra Alves. - Rio de Janeiro, 2016. 125p.; 14 x21cm Título original: A serious call to a devout and holy life. Tradução e adaptação de Silvio Dutra Alves 1. Teologia. 2. Santidade. 3. Devoção. I. Título. II. Título
CDD 230
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Sumário
Introdução 4
1 – Citações do Primeiro Capítulo 7
2 – Citações do Segundo Capítulo 19
3 – Citações do Terceiro Capítulo 27
4 – Citações do Quarto Capítulo 44
5 – Citações do Quinto Capítulo 56
6 – Citações do Sétimo Capítulo 70
7 – Citações do Oitavo Capítulo 79
8 – Citações do Décimo Primeiro
Capítulo
92
9 – Citações do Décimo Quarto Capítulo 101
10 – Citações do Décimo Quinto Capítulo 117
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Introdução
Um amado irmão em Cristo entrou em
contato comigo, perguntando se eu havia
traduzido o livro de autoria de William Law,
intitulado “Uma Chamada Séria a Uma Vida Santa e Devota”, e se havia interesse da minha
parte em publicá-lo, uma vez que não havia uma
tradução do citado livro em língua portuguesa.
Eu não havia feito uma tradução literal do mesmo, e limitei meu trabalho a alguns capítulos que haviam chamado a minha
atenção, como sendo de grande importância
para o ensino prático do significado de uma vida
santificada, uma vez que William Law foi um santo eminente, cuja devoção exemplar ao
Senhor Jesus foi uma verdadeira fonte de
inspiração para ninguém menos do que John
Wesley, seu irmão Charles, e George Whitefield – principais atores do grande
avivamento do século XVIII, que se espalhou por
todo o mundo - Henry Venn, Thomas Scott e
Thomas Adam, entre outros, foram também profundamente impactados pelo conteúdo do
seu livro, sobretudo, por sua vida consagrada a
Deus.
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Além disso, William Law havia sido o professor
e mentor espiritual de todos eles por vários
anos.
De tal ordem era a sua envergadura espiritual e
vida inteiramente devotada ao serviço de Deus, que isto chegou a afetar de algum modo a sua
práxis teológica, uma vez que tendo alcançado
tão elevado grau de santificação, chegou a
insinuar a possibilidade da salvação pela prática das boas obras – às quais ele se consagrou
inteiramente – mas bem sabemos, por uma
melhor teologia, que por boas obras ninguém
poderá ser salvo, nem mesmo William Law poderia, uma vez que estas são apenas a
evidência da salvação, que é inteiramente pela
graça e mediante a fé em Jesus Cristo.
Com isto, aqueles que haviam estado debaixo da
sua influência inspiradora, cuidaram em não adotar a citada afirmação teológica, sem, no
entanto, deixarem de continuar praticando as
coisas extraordinárias que William Law não
somente ensinou, mas, sobretudo, viveu.
Por conseguinte, julgamos que seria importante publicarmos ainda que parcialmente e em
forma adaptada, o que entendemos haver de
melhor e relevante para a nossa época, no livro
cujo título preservamos, por expressar o intento
original do Sr Law, quando produziu a sua obra.
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Esperamos que assim como foi uma inspiração
para grandes homens de Deus do passado, possa
ser também para nós no presente, para nos
despertar, tanto quanto os despertou, para a necessidade de melhor atentarmos aos deveres
que nos são ordenados por Deus em Sua Palavra.
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1 – Citações do Primeiro Capítulo
Devoção não é nem oração privada nem pública, mas ambas são partes da devoção. Devoção significa uma vida consagrada, ou dedicada a Deus.
Devotado, portanto, é o homem que não vive
para fazer a sua própria vontade, ou tendo a forma e o espírito do mundo, mas somente para
a vontade de Deus; que considera Deus em tudo,
que o serve em tudo e faz com que todas as partes de sua vida sejam parte da piedade, por
fazer tudo em nome de Deus, e sob as regras que
são conformadas à Sua glória.
Nós reconhecemos prontamente que apenas Deus é a regra e a medida das nossas orações,
para que nelas estejamos olhando completamente para ele, e agindo totalmente
para ele, de modo que tudo pelo que orarmos
seja apropriado para a Sua glória.
Agora deixe que qualquer um descubra a razão pela qual deve ser assim estritamente piedoso em suas orações, e ele vai encontrar a mesma e
forte razão, para ser tão estritamente piedoso
em todas as outras partes de sua vida.
Porque não há a menor razão, pela qual deveríamos fazer de Deus a regra e a medida de
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nossas orações, orar de acordo com a sua
vontade, e não fazer dele a regra e a medida de
todas as outras ações de nossas vidas, porque
quaisquer formas de vida, e empregos de nossos talentos, tempo, ou dinheiro, que não sejam
estritamente concordes com a vontade de Deus,
nem sejam para tais fins voltados para sua glória, são tão grandes absurdos e erros, como
orações que não estão de acordo com a Sua
vontade. Não há outra razão pela qual nossas
orações devem ser de acordo com a vontade de Deus; elas não devem ter nada em si, senão o que
é sábio, santo e celestial, pois não há outro
motivo para isso, senão que as nossas vidas
possam ser da mesma natureza, cheias da mesma sabedoria, santidade e ânimos
celestiais, para que possamos viver para Deus no
mesmo espírito com o qual oramos a ele.
Se não fosse o nosso dever estrito viver pela razão, para se devotar todos os atos de nossas vidas a Deus, se não fosse absolutamente
necessário andar diante dele em sabedoria e
santidade e em conversação celestial, fazendo
tudo em seu nome e para a sua glória, não haveria excelência ou sabedoria nas orações
mais celestiais. Não; tais orações seriam
absurdas.
Tão certo, portanto, que haja alguma sabedoria na oração no Espírito de Deus, tão certo é que
estamos fazendo com que o Espírito seja a regra
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de todas as nossas ações; pois assim como é
nosso dever olhar totalmente para Deus em
nossas orações, assim também é o nosso dever
viver totalmente para Deus em nossas vidas. Mas não podemos dizer que vivemos para Deus,
a menos que vivamos com ele em todas as ações
ordinárias da nossa vida, a menos que ele seja a regra e a medida de todos os nossos caminhos.
Assim como um modo de vida é incorreto, seja
no trabalho ou na diversão, quando consome o
nosso tempo e dinheiro, assim são descabidas e absurdas da mesma forma, as orações que são
verdadeiramente uma ofensa a Deus.
Por falta de conhecimento, ou pelo menos de considerar isso, é que nós vemos essa mistura
de incoerências na vida de muitas pessoas. Você
as verá participativas, algumas vezes, nos lugares de devoção, mas quando o culto da
Igreja termina, eles são, senão como aqueles
que raramente ou nunca estiveram lá. Em seu modo de vida, sua maneira de gastar seu tempo
e dinheiro, em seus cuidados e medos, em seus
prazeres e indulgências, em seu trabalho e
divertimentos, são como o resto do mundo. Isso faz com que boa parte do mundo, geralmente,
faça uma pilhéria com aqueles que se dizem
devotos, porque vêm que sua devoção não vai
muito além de suas orações.
Júlio tem medo de faltar às reuniões de oração,
e muitos pensam que ele ficaria doente caso não
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fosse à igreja. Mas se você perguntasse: Por que
ele passa o resto de seu tempo com chocarrices?
Por que ele é um companheiro de pessoas que
em sua maioria são amantes de prazeres tolos? Por que ele está sempre pronto para cada
entretenimento e diversão impertinentes? Por
que se dá a conversações de fofoca ociosa? Por que se permite ter ódios e ressentimentos tolos
contra as pessoas, sem considerar que deve
amar a todos como a si mesmo?
Se você perguntar por que ele nunca conversa sobre as verdades da Palavra de Deus, Júlio não
terá o que responder, tanto quanto qualquer pessoa que viva impiamente; porque todo o teor
da Escritura repousa diretamente contra tal tipo
vida, contra a luxúria e a intemperança. Aquele
que vive em tal curso de ociosidade e insensatez, não mais vive de acordo com a religião de Jesus
Cristo, do que aquele que vive em glutonaria e
intemperança.
Se alguém dissesse a Júlio que não havia razão
para ser tão constante nas reuniões de oração, e que poderia, sem qualquer dano maior para si
mesmo, abandonar o culto da Igreja enquanto
mantivesse tal comportamento, Júlio pensaria
que tal pessoa não é cristã, e que ele deveria evitar sua companhia. Mas se uma pessoa
somente, lhe dissesse que ele poderia viver
como a maior parte das pessoas do mundo
costuma fazer, satisfazendo seus desejos e
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paixões, Júlio nunca suspeitaria que tal pessoa
não fosse cristã, ou que estivesse fazendo o
trabalho do diabo.
Se Júlio fosse ler todo o Novo Testamento, desde o início até ao fim, iria encontrar o seu modo de vida condenado em todas as páginas do mesmo.
E, de fato, não pode nem ser imaginado nada mais absurdo em si mesmo, do que orações
sábias, sublimes e celestiais, somadas a uma
vida de vaidade e loucura, onde nem trabalho, nem entretenimentos, nem tempo, nem
dinheiro, estão sob a direção da sabedoria e dos
ânimos celestes de nossas orações.
Se estivéssemos vendo um homem fingindo agir totalmente em conformidade com Deus em tudo o que fizesse, e ainda, ao mesmo tempo
negligenciando totalmente a oração, tanto
pública, quanto privada, não deveríamos estar
espantados com tal homem, e nos maravilharmos de como ele podia ter tanta
insensatez, com tanta religião ao mesmo
tempo?
No entanto, isto é assim razoável, como para qualquer pessoa que finja ser estrita em devoção, ter o cuidado de observar os tempos e
lugares de oração, e ainda deixar o resto de sua
vida, seu tempo e trabalho, seus talentos e
dinheiro, serem eliminados sem qualquer
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respeito a uma rigorosa regra de piedade e
devoção. Por isso é tão grande absurdo tais
supostas orações santas e petições divinas, sem
santidade de vida que seja adequada a elas, como supor uma vida santa e divina sem
orações.
O ponto da questão é este, tanto a Razão e a Religião prescrevem regras e propósitos para
todas as ações ordinárias da nossa vida, ou então ambas não existem em nosso viver; mas se
existirem, então é necessário governar todas as
nossas ações por essas regras, assim como para
adorarmos a Deus. Porque se a religião nos ensina alguma coisa a respeito de comer e
beber, ou gastar nosso tempo e dinheiro; se ela
nos ensina como devemos usar e desprezar o
mundo; se nos diz qual o tipo de ânimo devemos ter na vida comum; como devemos nos
relacionar com todas as pessoas; como devemos
nos comportar em relação aos enfermos; aos pobres, aos velhos e necessitados; se ela nos diz
como devemos tratar com nossos superiores,
aos quais devemos considerar com uma estima
especial; se nos diz como devemos tratar nossos inimigos, e como devemos mortificar o pecado
e negar a nós mesmos, deve ser muito fraco
aquele que pode pensar que estas partes da
religião não são para ser observadas com tanta exatidão, como quaisquer doutrinas que se
relacionam às orações.
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É muito observável, que não há um mandamento em todo o Evangelho para o Culto
Público, e, talvez, este é um dever que é o menos
insistido na Escritura do que qualquer outro. (Há uma citação em Hebreus quanto a não se ter
o costume de não congregar, apesar de ser
omitido o como e o quando – nota do tradutor). Enquanto que a Religião ou Devoção, que deve
governar todas as ações ordinárias da nossa
vida, pode ser encontrada em quase todos os
versículos da Bíblia. Nosso bendito Salvador e seus apóstolos são totalmente absorvidos em
doutrinas que se relacionam com a vida comum.
Eles nos chamam a renunciar ao mundo, e
diferem em toda a sua forma de vida, do espírito e do caminho do mundo.
Esta é a devoção comum que nosso Salvador ensina, a fim de torná-la a vida comum de todos
os cristãos. Não é, portanto, muito estranho, que
as pessoas devam colocar tanta piedade no atendimento ao culto público, a respeito do qual
não há um preceito preciso de nosso Senhor a
seu respeito, e ainda negligenciarem esses
deveres da nossa vida comum, que são ordenados em cada página do Evangelho?
Eu chamo esses deveres de devoção de nossa vida comum, porque se eles devem ser
praticados, devem ser feitos partes da nossa vida
comum, pois não podem ser praticados em
qualquer outro lugar, senão em nós mesmos.
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Se o desprezo do mundo e o afeto pela vida celestial é uma condição necessária para o
caráter cristão, é necessário que esse caráter
apareça em todo o curso de suas vidas, em sua maneira de usar o mundo, porque ele não pode
se manifestar em qualquer outro lugar.
Se a autonegação deve ser uma condição da salvação, tudo o que deve ser salvo deve tomar
parte de sua vida comum. Se a humildade deve ser um dever cristão, então a vida comum de um
cristão, é um curso de constante humildade, em
todos os seus tipos. Se a pobreza de espírito é
necessária, este deve ser o espírito de cada dia de nossa vida. Se atender ao necessitado deve
ser a caridade comum de nossas vidas, logo
tanto quanto pudermos devemos nos tornar
capazes de realizá-lo. Se devemos amar os nossos inimigos, nós temos que fazer a nossa
vida comum ser de um exercício visível e
demonstração desse amor. Se quisermos ser sábios e santos como recém-nascidos filhos de
Deus, não podemos ser assim sábios, senão
renunciando a tudo o que é tolo e vão em todas
as partes da nossa vida comum. Se devemos ser novas criaturas em Cristo, temos que mostrar
que somos assim, por ter novas maneiras de
viver no mundo. Se quisermos seguir a Cristo,
isto deve ser nossa maneira comum de gastar todos os dias.
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Mas ainda que seja assim, claro que isso por si só é Cristianismo, uma prática uniforme, aberta e
visível de todas estas virtudes; ainda é muito
claro, que há pouco ou nada disto para ser encontrado, mesmo entre o melhor tipo de
pessoas. Você as vê muitas vezes na Igreja,
satisfeitas com pregadores refinados; mas olhe para suas vidas, e você as vê apenas como sendo
o mesmo tipo de pessoas como as demais são,
que não fazem nenhuma pretensa devoção. A
diferença que você encontra entre eles, é apenas a diferença de seus temperamentos
naturais. Eles têm o mesmo gosto do mundo, as
mesmas preocupações mundanas, e medos e
alegrias, pois têm o mesmo tipo de mente, igualmente nulos em seus próprios desejos.
Você vê o mesmo orgulho e vaidade no modo de se vestir, o mesmo amor-próprio e indulgência,
as mesmas amizades insensatas e ódios
infundados, a mesma superficialidade de espírito, o mesmo gosto por entretenimentos,
as mesmas disposições ociosas e maneiras de
gastar seu tempo em visitas e conversações vãs,
como o resto do mundo, que não se interessa por qualquer tipo de devoção santa.
Não me refiro nesta comparação a pessoas aparentemente boas, e convictamente ímpias,
mas entre pessoas de vidas sóbrias.
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Tomemos um exemplo de duas mulheres modestas: suponhamos que uma delas é
cuidadosa com os momentos de devoção, que os
observa através de um senso de dever, e a outra não tem qualquer preocupação saudável sobre
isso, mas que frequenta a Igreja rara ou
frequentemente. Agora, é uma coisa muito fácil de ver qual é a diferença entre essas pessoas.
Mas quando tem visto isso, você pode encontrar
qualquer outra diferença entre elas? Consegue
achar que a sua vida comum é de um tipo diferente? Não são seus comportamentos e
costumes diferentes? Elas vivem como se
pertencessem a diferentes mundos, tendo
pontos de vista diferentes em suas cabeças, e diferentes regras e medidas em todas as suas
ações? Será que uma parece ser deste mundo,
olhando para as coisas que são temporais, e a
outra de outro mundo, olhando totalmente para as coisas que são eternas? Será que uma vive em
prazeres, deleitando-se com as coisas
mundanas, sem renunciar ao ego e sem
mortificar o pecado, e que a outra considere a sua fortuna como um talento dado por Deus, que
deve ser melhorado religiosamente, e não deve
viver mais de modo vão?
Para o que você deve olhar, para encontrar uma pessoa religiosa diferindo, desta forma, de outra que não o seja? E, ainda, se elas não diferem
nessas coisas que estão aqui relacionadas, pode
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ser afirmado em qualquer sentido, que uma é
uma boa cristã, e a outra não?
Agora, ter noções e procedimentos corretos, em relação a este mundo, é tão essencial para a
religião, como ter noções corretas a respeito de Deus. Assim, como é possível que um homem
adore um crocodilo, e ainda ser um homem
piedoso, a ponto de ter seus afetos definidos por
este mundo, e ainda ser considerado um bom cristão? No entanto, se o cristianismo não tem
mudado a mente e o temperamento de um
homem com relação a essas coisas, o que
podemos dizer que tem feito por ele?
Porque, se as doutrinas do Cristianismo fossem praticadas, elas iriam fazer um homem tão
diferente das outras pessoas como de todos os
que são de disposições mundanas, que vivem
em prazeres sensuais, e na soberba da vida, como um homem sábio é diferente de um
natural. Seria algo muito fácil conhecer um
cristão por seu modo de vida, como agora é tão
difícil de encontrar alguém que viva assim. Pois é notório, que os cristãos são agora, não apenas
como os outros homens em suas fraquezas, e
isso pode ser em algum grau desculpável, mas a
queixa é que eles são como pagãos em todas as principais partes de suas vidas. Eles gostam do
mundo, e vivem cada dia nas mesmas
disposições, nos mesmos projetos e
indulgências, como fazem aqueles que não
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conhecem a Deus, nem esperam qualquer
felicidade em outra vida.
Todos que são capazes de alguma reflexão devem ter observado que este é geralmente o
estado de pessoas devotas, sejam homens ou mulheres. Você pode vê-los como sendo
diferentes das outras pessoas quanto aos
momentos e lugares de oração, mas,
geralmente, vivem como o resto do mundo, em todas as outras partes das suas vidas; ou seja,
com a adição de devoção cristã a uma vida pagã.
Eu tenho a autoridade de nosso bendito
Salvador pela sua observação, na qual ele diz: “Não andeis ansiosos”, se referindo ao que
devemos comer, beber, ou vestir “porque os
gentios procuram todas estas coisas’. Mas se
estar preocupado até mesmo com as coisas necessárias à vida, mostra que ainda não somos
de um espírito cristão, mas como os pagãos,
certamente desfrutando da vaidade e loucura do mundo como eles fizeram, como sendo os
princípios governantes de nossas vidas; em
amor ao ego e indulgência, em prazeres
sensuais e diversões vãs, ou em quaisquer outras distinções mundanas, é um sinal muito
grande de termos uma disposição pagã. E,
consequentemente, aqueles que adicionam a
devoção, a uma vida assim, deve ser dito deles, que oram como cristãos, mas vivem como
pagãos.
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2 – Citações do Segundo Capítulo
Uma inquirição sobre a traição - por que geralmente os cristãos se afastam tão longe da Santidade e Devoção do Cristianismo.
Isto pode ser razoavelmente indagado: como
pode suceder ainda, que ao melhor tipo de
pessoas (são) seja assim tão estranhamente contrária aos princípios do cristianismo?
Antes de dar uma resposta direta a isso, eu desejo que isto também seja inquirido: como
isto pode ser um vício tão comum entre os
cristãos? Isto é de fato, ainda não tão comum entre as mulheres, pois o é entre os homens.
Entre os homens esse pecado é tão comum, que
talvez haja mais de dois, em cada três que são
culpados do mesmo, ao longo do curso de suas vidas, e com outros, só de vez em quando, como
se fosse por acaso. Agora, eu pergunto como isto
sucede; que dois em cada três homens sejam
culpados de tão grosseiro e profano pecado? Não é nem a ignorância, nem a fraqueza
humana que conduzem a esta condição; isto é
contra um mandamento expresso, e contra o mais claro ensino de nosso bendito Salvador.
Isto comprova que a maior parte das pessoas vive de modo contrário ao cristianismo.
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Agora, a razão comum deste procedimento é esta: isso ocorre porque os homens não têm a
intenção de agradar a Deus em todas as suas
ações. Deixe que um homem tenha tanta piedade quanto a intenção de agradar a Deus em
todas as ações de sua vida, como sendo a mais
feliz e melhor coisa no mundo, e então ele
nunca mais apostatará, já que será impossível apostatar, enquanto sentir essa intenção em seu
interior, uma vez que é impossível para um
homem que tem a intenção de agradar o seu
príncipe, elevar-se e abusar-lhe na face.
Isto lhe parece, senão uma pequena e necessária parte da piedade, ter a intenção
sincera como esta; e que ele não tem motivos
para olhar a si mesmo como um discípulo de
Cristo, que não seja avançado em piedade. E, no entanto, é puramente por falta deste grau de
piedade, que você vê essa mistura de pecado e
insensatez, mesmo na vida do melhor tipo de
pessoas. É por falta dessa intenção, que você vê homens que professam a religião, mas vivem
em apostasia e sensualidade; que vê clérigos
dados ao orgulho e à cobiça, e aos prazeres
mundanos. É por falta dessa intenção, que você vê as mulheres que professam devoção, ainda
vivendo na insensatez da vaidade de vestir,
desperdiçando seu tempo na ociosidade e em
prazeres. Mas deixe uma mulher sentir seu
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coração cheio desta intenção, e ela vai achar que
é tão impossível deixar de retocar a maquiagem,
quanto amaldiçoar ou perjurar, ela não terá
mais o desejo de brilhar nos bailes e nas congregações, ou fazer uma figura entre
aquelas que são mais finamente vestidas, do que
terá vontade de dançar em cima de uma corda para agradar os espectadores: ela saberá que
esta atitude está tão longe da sabedoria e
excelência do espírito cristão, quanto a outra.
Foi essa a intenção geral, que fez com que os cristãos primitivos fossem eminentes em
piedade, lhes fez viver em santo companheirismo, e todo o exército glorioso de
mártires e confessores. Se você parar aqui, e se
perguntar: por que você não é tão piedoso como
os cristãos primitivos; o seu próprio coração vai lhe dizer que não é nem por ignorância, nem por
incapacidade, mas simplesmente porque você
nunca pretendeu isto completamente.
Você observa o culto de adoração dominical
como eles faziam, e é estrito nisto porque é sua inteira intenção ser igual a eles. E, quando você
tem plenamente esta intenção de ser como eles
em sua vida comum, quando pretende agradar a
Deus em todas as suas ações, você verá que é possível ser rigorosamente exato no serviço da
Igreja. Quando você tem essa intenção de
agradar a Deus em todas as suas ações, como a
coisa mais feliz e melhor do mundo, encontrará
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uma grande aversão a tudo o que é inútil e
impertinente na vida comum, seja no trabalho
ou no lazer, como em relação a tudo o que é
profano. Você terá muito temor de viver de uma maneira tola, tanto quanto teme agora
negligenciar o culto público de adoração.
Agora, aquele que tem esta intenção sincera geral, pode ser contado como um cristão? E
ainda se isto fosse achado entre os cristãos, isto iria mudar toda a face do mundo; a verdadeira
piedade e santidade exemplar seriam tão
comuns e visíveis, como a compra e venda, ou
qualquer tipo de comércio na vida.
Deixe um clérigo ser assim, piedoso, e ele vai conversar como se tivesse sido criado por um
apóstolo; ele não vai mais pensar e falar de
preferências refinadas, quer de alimento, de
vestes ou de meios de transporte. Ele não mais reclamará das carrancas do mundo ou da falta
de um patrono, ou de qualquer necessidade.
Deixe que ele apenas tenha a intenção
permanente de agradar a Deus, em todas as suas ações como a coisa mais feliz e melhor no
mundo, e então ele conhecerá que não há nada
de nobre em um clérigo, senão um zelo ardente
pela salvação das almas; e não há nada pobre em sua profissão, senão a ociosidade e um espírito
mundano.
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Ainda, deixe que um comerciante tenha senão esta intenção, e isto fará dele um santo em sua
loja, o seu negócio a cada dia será um curso de
ações sábias e razoáveis, feitas em santidade para Deus em obediência à sua vontade e
agrado. Ele vai comprar e vender, trabalhar e
viajar, porque ao fazê-lo poderá fazer algum bem para si mesmo e aos outros. Ele, portanto, não
considerará, que as artes, ou os métodos, ou a
aplicação irão torná-lo mais rico rapidamente e
maior do que seus irmãos, ou removê-lo de sua loja para uma vida estável e prazerosa; mas
considerará que as artes, os métodos e as
aplicações podem tornar os negócios do mundo
mais aceitáveis para Deus, e fazer da vida de comércio uma vida de santidade, devoção e
piedade. Esta será a motivação e o espírito de
cada comerciante; ele não pode parar o mínimo
nestes graus de piedade, sempre que for sua intenção agradar a Deus em todas as suas ações,
como a melhor e a coisa mais feliz do mundo.
E, por outro lado, quem não é deste espírito e disposição em seu comércio e profissão, e não
conduzi-lo até onde seja possível à submissão a uma vida sábia, santa, e celestial, é certo que ele
não tem essa intenção; e ainda sem ela, quem
pode se mostrar que é um seguidor de Jesus
Cristo?
Ainda, deixe o cavalheiro rico por nascimento
ter essa intenção de viver somente para agradar
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a Deus, e você verá como isto o levará a fugir de
cada aparência do mal, por causa da piedade e
santidade. Ele não pode viver de modo vão, em
prazeres e fantasias, porque sabe que nada pode agradar a Deus, senão um sábio e regular curso
da vida. Ele não pode viver na ociosidade e
indulgência, em esportes e jogos, em prazeres e intemperança, em vãs expensas de uma vida
elevada, porque estas coisas não podem ser
transformadas em meios de piedade e
santidade, nem podem se tornar partes de uma vida sábia e religiosa.
Ele não pergunta se é perdoável acumular, para se adornar com diamantes e adquirir bens
supérfluos, enquanto a viúva e o órfão, os
doentes e os prisioneiros necessitam ser
aliviados, senão que ele pergunta se Deus tem exigido essas coisas de nossas mãos, se seremos
chamados a prestar contas no último dia por
causa da negligência, porque não é a sua intenção viver de tal forma.
Ele não vai, portanto olhar para a vida dos cristãos, para aprender como deve gastar suas
posses, mas ele vai olhar para as Escrituras e
fazer de cada doutrina, preceito, ou instruções
que se relacionam aos homens ricos, uma lei para si mesmo no uso de sua propriedade.
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Este princípio o transportará infalivelmente para o topo do coro celestial, e lhe tornará
incapaz de se afastar deste procedimento.
Eu escolhi explicar este assunto, apelando para esta intenção, porque torna o caso muito claro, e todo mundo que for razoável pode vê-lo numa
luz mais clara, e senti-lo de maneira mais forte
só de olhar para seu próprio coração; porque é
muito fácil para todas as pessoas saberem, se têm a intenção de agradar a Deus em todas as
suas ações, como qualquer servo pode saber se é
esta a sua intenção para com o seu mestre. Todo
mundo também pode facilmente dizer como aplica o seu dinheiro; se ele considera como
agradar a Deus nisto.
Aqui, pois, devemos julgar a nós mesmos sinceramente; não vamos nos contentar com as
fraquezas comuns da nossa vida, a vaidade de nossas despesas, a insensatez de nossos
entretenimentos, o orgulho de nossos hábitos, a
ociosidade de nossas vidas, e o desperdício de
nosso tempo, imaginando que estas são as imperfeições que nos levam a cair em fraqueza
inevitável e fragilidade da nossa natureza; mas
teremos a certeza que esses distúrbios da nossa
vida comum são devido a isso, que não temos tanto cristianismo, como a intenção de agradar
a Deus em todas as ações de nossa vida, como a
melhor e mais feliz coisa no mundo.
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E, se alguém perguntasse a si mesmo como é possível que despreze alguns graus de
sobriedade, quaisquer práticas de humildade
que necessita, quaisquer métodos de caridade que não segue, as regras de uso do tempo que
não redime, o seu próprio coração lhe dirá que é
porque nunca tencionou ser assim tão exato nesses deveres.
Esta doutrina não supõe que não temos necessidade da graça divina, ou que está em
nosso próprio poder nos fazer perfeitos. Ela
somente supõe que, pela falta de uma sincera
intenção de agradar a Deus em todas as nossas ações, nós caímos em tais irregularidades da
vida; como pelo uso dos meios ordinários da
graça, nós teremos o poder evitá-las.
Isto somente nos ensina que a razão pela qual você não vê nenhuma mortificação, ou autonegação, ou nenhuma caridade eminente,
nem humildade profunda, nenhuma afeição
celestial, nenhum verdadeiro desprezo do
mundo, nenhuma mansidão cristã, nenhum zelo sincero, nem piedade eminente na vida
comum dos cristãos, é porque eles não
tencionam ser exatos e exemplares nessas
virtudes.
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3 – Citações do Terceiro Capítulo
Do grande erro e insensatez, de não tencionarmos ser mais eminentes e exemplares quanto possamos, na prática de todas as virtudes cristãs.
Apesar de a bondade de Deus e as suas ricas
misericórdias em Cristo Jesus serem uma
garantia suficiente para nós, que ele será misericordioso para com as nossas inevitáveis
fraquezas e enfermidades, quando estas são
causadas por ignorância ou algo inesperado, no entanto, não temos nenhuma razão para
esperar a mesma misericórdia para com
aqueles pecados nos quais temos vivido, por
falta de intenção de evitá-los.
Por exemplo, o caso de um blasfemo, que morre
nessa culpa, parece não ter direito à misericórdia divina, porque ele não pode mais
alegar qualquer fraqueza ou enfermidade como
desculpa, do que o homem que escondeu o seu
talento poderia se desculpar por sua falta de força para mantê-lo fora da terra.
Mas agora, se isto é o raciocínio certo, no caso de um blasfemo, que seu pecado não é para ser
contado como uma fraqueza perdoável, porque
não tem como desculpar tal fraqueza; por que então não levar esta forma de raciocínio para
sua verdadeira dimensão? Por que não temos
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condenado tanto, todos os outros erros da vida
para os quais não temos desculpas, como no
caso da blasfêmia?
Porque, se isto é uma coisa ruim, que pode ser evitada, se tivermos uma sincera intenção em fazê-lo, não devem, então, todos os demais
modos de vida serem considerados culpados, se
vivermos neles, não por meio de fraqueza e
inabilidade, mas porque nunca sinceramente tencionamos evitá-los?
Por exemplo, você talvez não tenha feito nenhum progresso nas mais importantes
virtudes cristãs, por ter parado no meio do
caminho em humildade e caridade; agora se o seu fracasso nessas tarefas é puramente devido
à sua falta de intenção de realizá-las em
qualquer grau verdadeiro; você não está tanto
sem desculpa quanto o blasfemo?
Por que, então, você não inculca essas coisas em sua consciência? Por que não pensa nisso como
sendo perigoso para você viver em tais defeitos,
assim como está em seu poder evitá-los, tanto
quanto é perigoso para um blasfemo viver na violação desse dever, que está em seu poder
observar? Não é a negligência, e a falta de uma
intenção sincera em agradar a Deus, tão
condenável em um caso, como no outro?
29
Você pode estar tão longe da perfeição cristã, como o blasfemo em relação a guardar o
terceiro mandamento; você não está, portanto
tão condenado pelas doutrinas do Evangelho, quanto o blasfemo pelo terceiro mandamento?
Você talvez dirá que todas as pessoas ficam aquém da perfeição do Evangelho, e, portanto,
você está satisfeito com suas falhas. Mas isso
não responde ao propósito, porque a questão não é se a perfeição do Evangelho pode ser
plenamente alcançada, mas se você procura se
aproximar dela, com uma intenção sincera, e
inteligência cuidadosa para fazê-lo.
Se você está fazendo progresso na vida cristã, tanto quanto os seus melhores esforços possam
lhe permitir; então, você pode justamente
esperar que suas imperfeições não serão
lançadas em sua conta, porém, se os seus defeitos em piedade, humildade e caridade são
devidos à sua negligência e falta de intenção
sincera, para ser mais eminente quanto possa
nestas virtudes, então você se acha sem desculpa como aquele que vive no pecado de
blasfêmia, por causa da falta de uma intenção
sincera de se afastar dele.
A salvação de nossas almas é apresentada nas Escrituras como uma coisa difícil, que exige toda a diligência, e deve ser trabalhada com
temor e tremor.
30
É-nos dito que “a porta é estreita, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos há que a
encontram”. “Que muitos são chamados, mas
poucos escolhidos”. E que muitos não acharão a salvação por não se esforçarem para entrar pela
porta estreita.
Aqui nosso bendito Senhor nos ordena a nos esforçarmos para entrar, porque muitos irão
falhar, pois somente procuram entrar, mas não se esforçam. Nós somos claramente ensinados,
que a religião é um estado de trabalho e esforço,
e que muitos não se salvarão porque não se
esforçam e se importam o suficiente, pois somente procuram, mas não se esforçam para
entrar.
Cada cristão, portanto deve também analisar sua vida por estas doutrinas, como pelos
mandamentos, porque elas são as marcas claras de nossa condição, assim como os
mandamentos são as marcas claras do nosso
dever.
Porque, se a salvação somente é dada para aqueles que se esforçam para isso, então é razoável considerar se o meu curso de vida é de
luta para obtê-la, como também se eu tenho
guardado qualquer um dos mandamentos.
Se a minha religião é apenas um cumprimento formal daqueles modos de adoração que estão
31
na moda onde eu moro, se ela não me custa
dores e tribulações, não me coloca sob regras e
restrições, se não tenho pensamentos
cuidadosos e reflexões sóbrias sobre isto; não é grande fraqueza pensar que estou lutando para
entrar pela porta estreita?
Se eu estou procurando tudo o que pode agradar os meus sentidos e os meus apetites; gastar meu
tempo e dinheiro em prazeres, em diversões e alegrias mundanas, e ser um estranho para
vigílias, jejuns, orações e mortificações do
pecado; como pode ser dito que estou
trabalhando a minha salvação com temor e tremor?
Se não há nada na minha vida e conversação que me mostre ser diferente dos pagãos, se eu uso o
mundo e os prazeres mundanos, como a maioria
das pessoas faz agora, e têm feito em todas as épocas; por que eu deveria pensar que estou
entre aqueles poucos, que estão andando no
caminho estreito para o céu?
E ainda, se o caminho é estreito, se ninguém pode andar por ele senão aqueles que se esforçam; não é assim necessário para eu
considerar, se o caminho em que estou é
estreito o suficiente?
A soma desta questão é a seguinte: a partir do mencionado acima, e muitas outras passagens
32
das Escrituras, parece claro que a nossa salvação
depende da sinceridade e perfeição de nossos
esforços para ser obtida e mantida. (A salvação é
de fato obtida somente pela graça, mediante a fé, e não por nossas boas obras, mas é por um
efetivo exercício na piedade que mantemos o
nosso estado equivalente ao de todos aqueles que estão vivendo na condição que corresponde
às características dos que estão desfrutando as
virtudes do reino dos céus – nota do tradutor.)
Homens fracos e imperfeitos podem, apesar de suas fraquezas e defeitos, serem considerados
como tendo agradado a Deus, se têm feito o máximo para agradá-lo. (É reputado como tendo
um coração puro neste mundo, todos aqueles
que se esforçam sinceramente em viver do
modo que é ordenado por Deus nas Escrituras, porque estes, quando falham são cobertos por
suas misericórdias e perdão – se confessarmos e
deixarmos os nossos pecados, então o Senhor nos acolherá em comunhão com ele; mas, se
não andamos na luz não podemos ter tal
comunhão com Deus e com os demais crentes
que andam na luz – nota do tradutor).
As recompensas de caridade, piedade e
humildade serão dadas àqueles cujas vidas têm tido um trabalho cuidadoso de exercer as
virtudes num tão alto grau o quanto possam.
33
Não podemos oferecer a Deus o serviço dos anjos, não podemos lhe obedecer como o
homem em um estado de perfeição poderia
fazê-lo, mas os homens caídos podem fazer o seu melhor; e esta é a perfeição que se exige de nós:
apenas a perfeição dos nossos
melhores esforços, um trabalho cuidadoso para ser o mais perfeito possível.
Mas se pararmos aquém disto, por qualquer coisa que conhecemos, nos excluímos da
misericórdia de Deus, e nada temos para
pleitear nos termos do evangelho, porque Deus
não fez nenhuma promessa de misericórdia para o preguiçoso e negligente. Sua
misericórdia é apenas oferecida para as nossas
fraquezas e imperfeições, caso nos esforcemos
para praticar todos os tipos de justiça.
A medida do nosso amor a Deus na justiça parece ser a medida de nosso amor por todas as
virtudes. Devemos amá-las e praticá-las com
todo o nosso coração, com toda a alma, com toda
a nossa mente, e com toda a nossa força. Quando deixamos de viver com essa observância à
virtude, vivemos abaixo da nossa nova natureza,
e em vez de sermos capazes de pleitear o perdão
de nossas fraquezas, ficamos sujeitos à cobrança da nossa negligência.
É por esta razão que somos exortados a trabalhar a nossa salvação com temor e tremor, porque a
34
menos que o nosso coração e paixões estejam
ansiosamente inclinados para a obra da nossa
salvação, a não ser que em nossos temores
sejamos animados por nossos esforços, e guardemos nossas consciências estritas e
ternas sobre cada parte de nosso dever,
constantemente examinando o modo como vivemos, há toda uma probabilidade de cairmos
num estado de negligência, e nos acomodarmos
em tal curso de vida, o qual nunca nos conduzirá
às recompensas do céu.
Aquele que considera que um Deus justo só
pode fazer tais exigências como sendo adequadas à sua justiça, que todas as nossas
obras devem ser examinadas por um fogo santo,
achará o temor e o tremor que são apropriados
para aqueles que estão perto de um tão grande julgamento.
De fato, não há probabilidade de que alguém possa fazer todo o dever que se espera dele, ou
faça progresso na piedade, na santidade e justiça
que Deus requer, senão aquele que está constantemente com temor de ficar aquém
disso.
Agora, não se pretende com isso, manter a mente das pessoas com uma ansiedade
escrupulosa, e descontentamento no serviço de Deus, mas para enchê-los apenas com um temor
de viverem em preguiça e ócio, e na negligência
35
de tais virtudes, pois eles irão faltar no dia do
Juízo.
Isto é para estimulá-los a um exame sincero de suas vidas, para tal zelo, cuidado e preocupação
com a perfeição cristã, como eles usam em qualquer assunto que ganhou seu coração e
afeições. (Nosso Senhor ordenou que devemos
ser perfeitos assim como o Pai é perfeito – nota
do tradutor)
Isto é apenas por desejar que eles sejam tão apreensivos quanto ao seu estado, sendo
humildes na opinião de si mesmos, de modo
sincero, tencionando atingir maiores graus de
piedade, e assim virem a temer por ficar aquém da bem-aventurança, como o grande apóstolo
Paulo, quando assim escreveu aos filipenses:
“Fil 3.12 Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para
conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus.
Flp 3:13 Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma coisa faço: esquecendo-me
das coisas que para trás ficam e avançando para
as que diante de mim estão,
Flp 3:14 prossigo para o alvo, para o prêmio da
soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.
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Flp 3:15 Todos, pois, que somos perfeitos, tenhamos este sentimento; e, se, porventura,
pensais doutro modo, também isto Deus vos
esclarecerá.”
Mas agora, se o apóstolo considerou necessário para aqueles que estavam em seu estado de
perfeição, a serem assim, de mente, isto é,
aspirando por maiores graus de santidade, aos
quais eles não haviam ainda chegado, com certeza é muito mais necessário para nós, que
nascemos nos fins do tempo, e que trabalhamos
sob grandes imperfeições, que nos esforcemos
para atingir esses graus de uma vida santa e divina, que ainda não tenhamos alcançado.
A melhor maneira para que alguém saiba, o quanto deve aspirar pela santidade, é considerar
não o quanto ela vai tornar a sua vida presente
fácil, mas indagar a si mesmo, o quanto ela vai tornar fácil a hora da morte.
Agora, qualquer homem que ousar ser tão sério, a ponto de colocar esta questão para si mesmo,
será forçado a responder que no momento da
morte, todo mundo desejará que tivesse sido tão perfeito quanto pudesse ser.
Não é isto, portanto suficiente para nos fazer, não somente desejosos, mas também trabalhar
para a perfeição, de cuja falta lamentaremos?
Não é excessivamente insensato, se contentar
37
com tal curso de piedade, do qual já sabemos
que não podemos nos contentar no momento
em que necessitaremos dele, nada mais tendo
para nos consolar? Como podemos trazer uma condenação mais severa contra nós mesmos, do
que crer, que na hora da morte, teremos para
nos assistir as virtudes dos Santos, e daqueles que foram servos de Deus, antes de nós, e ainda
assim não nos empenharmos para chegarmos
ao auge da piedade deles, enquanto estamos
vivos?
Embora seja um absurdo que podemos
facilmente passar isto por alto no presente, enquanto a saúde de nossos corpos, as paixões
de nossas mentes, o barulho, a pressa, prazeres,
e os negócios do mundo nos levam a ter olhos
que não veem, e ouvidos que não ouvem; no entanto, no momento mesmo da morte, isto
será fixado diante de nós numa magnitude
terrível, e irá nos assombrar como um fantasma santo; e nossa consciência nunca permitirá que
desviemos os nossos olhos dEle.
Quando consideramos a morte como uma desgraça, somente pensamos nela como uma
separação miserável dos prazeres desta vida.
Nós raramente choramos por um homem velho que morre rico, mas lamentamos a perda dos
jovens, que são levados quando progrediam em
fazer fortuna.
38
Esta é a sabedoria de nossos principais pensamentos. E que loucura das crianças mais
tolas é tão grande como esta?
Por que o que há de miserável ou terrível na morte, senão a consequência da mesma? Quando um homem está morto, o que pode
qualquer coisa significar para ele, senão o
estado no qual se encontra então?
Se eu estou indo agora para a alegria de Deus; poderia haver qualquer razão para lamentar, que isso aconteceu comigo antes que eu tivesse
atingido quarenta anos de idade? Poderia ser
uma coisa triste ir para o céu, antes que eu
tivesse mais algumas pechinchas?
E se eu fosse contado entre os espíritos perdidos, poderia haver alguma razão para estar
contente, que isso não aconteceu comigo até
que estivesse velho e cheio de riquezas?
Se os bons anjos estavam prontos para receberem a minha alma, poderia ser qualquer tristeza para mim, que eu estava morrendo em
cima de uma cama de pobre num sótão?
E se Deus me entregou para os maus espíritos, para ser arrastado para locais de tormentos,
poderia haver qualquer conforto para mim, que
eles me encontraram em cima de uma cama de ouro?
39
Quando você está tão perto da morte como eu estou, você sabe que todos os diferentes estados
da vida, seja da juventude ou idade avançada, da
riqueza ou pobreza, da grandeza ou pequenez, nada mais significam para você, do que se você
morresse em um apartamento pobre, ou
imponente.
A grandeza das coisas que seguem a morte faz
tudo o que veio antes, se afundar em nada.
Agora, este julgamento é a próxima coisa que eu procuro, e sempre que a felicidade última, ou
miséria é chegada tão perto de mim, todas as
alegrias e prosperidades da vida parecem tão
vazias e insignificantes, que nada mais têm a ver com a minha felicidade, do que as roupas que eu
usava antes que pudesse falar.
Mas, meus amigos como estou surpreso, que eu nem sempre tenho tido esses pensamentos?
Porque o que há nos terrores da morte, nas vaidades da vida, ou nas necessidades da
piedade, senão o que eu posso ter fácil e
totalmente visto em qualquer parte da minha
vida?
Que coisa estranha é, que um pouco de saúde, ou os pobres negócios de uma loja deveriam nos
manter tão insensíveis destas grandes coisas,
que estão vindo rapidamente sobre nós!
40
Ó meus amigos! Bendigam a Deus por não serem desse número, que vocês tenham tempo
e força para se empenharem em tais obras de
piedade, que possam lhes trazer paz no final.
E guarde isso com você, que não há nada além de uma vida de grande piedade, ou uma morte
de grande estupidez, que possa mantê-lo fora
destas apreensões.
Nos negócios desta vida terrena eu usei de prudência e reflexão. Eu tenho feito tudo por regras e métodos. Eu tenho tido prazer em
conversar com os homens de experiência e
julgamento, para encontrar as razões pelas
quais alguns fracassam, e outros têm sucesso em qualquer negócio. Eu não dei nenhum passo
no comércio, senão com muito cuidado e
prudência, considerando todas as vantagens ou
os perigos envolvidos.
Eu sempre tive meu olho sobre o fim principal do negócio, e estudava todas as formas e meios
para ser um ganhador em tudo que empreendi.
Mas qual é a razão de não ter trazido nenhuma destas disposições para a religião? Qual é a razão
que eu, que tenho até muitas vezes falado da necessidade de regras, métodos, e diligência
nos negócios do mundo, nunca tenha pensado
em todo esse tempo, em quaisquer regras ou
41
métodos, ou gerências, para me conduzirem
numa vida de piedade?
Você acha que qualquer coisa pode surpreender e confundir um homem como este na hora da
morte? Que dor você acha que um homem deve sentir, quando sua consciência coloca toda essa
insensatez em sua conta, quando deveria ter se
mostrado regular, exato, e sábio, como tem sido
em pequenas coisas, que já passaram como um sonho, e quão estúpida e insensivelmente ele
tem vivido, sem reflexão, sem quaisquer regras
em coisas relativas à eternidade, como nenhum
coração pode suficientemente concebê-las?
Se eu tivesse apenas minhas fragilidades e imperfeições para lamentar neste momento da
morte, eu deveria estar aqui humildemente
confiando na misericórdia de Deus. Mas,
infelizmente! Como posso chamar um desrespeito geral, e uma completa negligência
de toda melhoria religiosa, de fragilidade ou
imperfeição, quando estivera no máximo ao
meu alcance ter sido exato, prudente, e diligente num curso de piedade, como fui no
negócio do meu comércio.
Eu poderia ter procurado ajuda, ter praticado o maior número de regras, e ser ensinado em
tantos métodos corretos para uma vida santa, como fiz para prosperar em meu negócio do
mundo, mas eu não pretendi e nem desejei isso.
42
Oh meus amigos! Uma vida descuidada, despreocupada e desatenta aos deveres da
religião, é tão sem qualquer desculpa, tão
indigna da misericórdia de Deus, como uma vergonha para o sentido e a razão de nossas
mentes, que mal posso conceber uma punição
maior, do que um homem ser lançado no estado em que eu estou para refletir sobre ele.
Um penitente estava partindo aqui, mas tinha a boca paralisada por uma convulsão que não
permitiu que nada mais falasse. Ele
convulsionou por cerca de doze horas, e em
seguida, entregou o espírito.
Agora, se cada leitor imaginasse este penitente tendo algum conhecimento específico em
relação à sua condição, e imaginasse que viu e
ouviu tudo o que está aqui descrito, que estivera
junto da sua cabeceira quando seu pobre amigo estava em tal aflição e agonia, lamentando a
insensatez de sua vida passada, iria, com toda a
probabilidade, ensinar-lhe tal sabedoria como
nunca estivera antes em seu coração. Se para isso considerasse quantas vezes ele próprio
pode ter sido surpreendido no mesmo estado de
negligência, e se tornado um exemplo para o
resto do mundo, esta reflexão dupla; tanto sobre o sofrimento de seu amigo, e da bondade de
Deus que lhes tinha preservado disto, teria
muito provavelmente, amolecido seu coração
em santas disposições, e transformado o
43
restante de sua vida em um curso regular de
piedade.
Portanto, sendo isto tão útil para a meditação, vou deixar o leitor aqui, como espero,
seriamente engajado na mesma.
44
4 – Citações do Quarto Capítulo
Nós não podemos agradar a Deus em nenhum estado ou empenho de vida, senão por intenção e devoção de tudo fazer para sua honra e glória.
Tendo declarado no primeiro capítulo a
natureza geral da devoção, e mostrado que não
implica qualquer forma de oração, mas certa
forma de vida que é oferecida a Deus, não em
quaisquer momentos ou lugares determinados, mas onde, e em tudo que vou descrever agora
com alguns detalhes, mostrando como
devemos dedicar nosso labor, emprego, tempo
e dinheiro para Deus.
Como um bom cristão deveria considerar todos os lugares como santos, por ser propriedade de
Deus, então ele deve olhar para cada parte de
sua vida como uma questão de santidade,
porque é para ser oferecida a Deus.
A profissão de um clérigo é uma profissão sagrada, porque é um ministério em coisas
sagradas, para atender ao altar.
Mas o negócio do mundo deve ser feito santo ao Senhor, por ser feito como um serviço para ele,
e em conformidade com a sua vontade divina. Porque, assim como todos os homens e todas as
45
coisas do mundo, pertencem de fato a Deus,
como quaisquer lugares, coisas ou pessoas que
se dedicam ao serviço divino, assim todas as
coisas são para serem usadas, e todas as pessoas são para atuarem em seus diversos estados e
empregos para a glória de Deus.
Os homens de negócios do mundo, portanto, não devem olhar para si como tendo liberdade
de viver para si mesmo, porque o seu trabalho é de uma natureza mundana. Mas deve-se
considerar que, assim como o mundo e todas as
profissões pertencem a Deus, também pessoas e
coisas que são dedicadas ao altar; por isso é tanto o dever dos homens em negócios do mundo
viver totalmente para Deus, como é o dever
daqueles que se dedicam ao serviço divino.
Assim, o mundo inteiro é de Deus, de modo que deve agir para Deus. Assim todos os homens têm
a mesma relação com Deus, como têm todos os
seus poderes e faculdades; logo todos os homens são obrigados a agir para Deus, com
todos os seus poderes e faculdades, e serão
julgados pelo uso que deles fizerem.
Assim, todas as coisas são de Deus, de modo que devem ser utilizadas e consideradas como
pertencentes a Deus, porque se os homens abusarem das coisas na terra, e viverem para si
próprios, é a mesma rebelião contra Deus como
os anjos abusaram das coisas no céu, porque
46
Deus é o mesmo Senhor de todos na terra, como
é o Senhor de todos no céu.
As coisas podem e devem diferir no seu uso, mas ainda assim, todas elas devem ser usadas de
acordo com a vontade de Deus.
Os homens podem e devem diferir em seus empregos, mas, ainda assim, todos eles devem
agir para os mesmos fins, como servos
obedientes de Deus, no desempenho correto e
piedoso de seus diversos chamados.
Os clérigos devem viver totalmente para Deus de forma particular, isto é, no exercício de
cargos santos, no ministério da oração e da
Palavra, e na ministração zelosa de boas obras
espirituais.
Mas, os homens de outros empregos estão
também em suas maneiras particulares, obrigados a agir como servos de Deus, e viverem
totalmente para ele em seus diversos chamados.
Esta é a única diferença entre clérigos e pessoas de outros chamados.
Quando isto puder ser visto, que os homens possam ser vaidosos, avarentos, sensuais, mundanos, ou orgulhosos, no exercício de seus
negócios do mundo, então será permitido aos
clérigos serem também indulgentes com o
mesmo comportamento em sua profissão
47
sagrada. Porque embora esse comportamento
seja mais odioso e criminoso em clérigos, que
além do seu voto batismal, têm se dedicado uma
segunda vez a Deus, para serem seus servos, e não nos serviços comuns da vida humana, mas
no serviço espiritual da maioria das coisas
sagradas e santas, e que são, portanto, para manterem os mesmos como separados e
diferentes da vida comum de outros homens,
ainda que todos os cristãos sejam por seu
batismo, dedicados a Deus e professores de santidade, de modo que todos eles são
chamados a viverem como pessoas santas;
fazendo tudo em sua vida comum de tal forma,
para que possa ser recebido por Deus como um serviço feito a ele. Porque as coisas espirituais e
temporais, sagradas e comuns devem, tanto
para homens quanto para anjos, tanto para o céu
e para a terra, serem todas para a Glória de Deus.
Como há um só Deus e Pai de todos, que com sua glória dá luz e vida a tudo o que vive, sua
presença preenche todos os lugares, cujo poder
suporta todos os seres, e com sua providência
domina todos os acontecimentos; por isso, tudo o que vive, seja no céu ou na terra, sejam tronos
ou principados, homens ou anjos, devem todos
com um só espírito viver totalmente para o
louvor e glória deste único Deus e Pai de todos. Anjos como anjos, em suas ministrações
celestes, mas os homens como homens, as
mulheres como mulheres, pastores como
48
pastores, diáconos como diáconos; alguns com
as coisas espirituais, e outros com coisas
temporais, oferecendo a Deus o sacrifício diário
de uma vida sensata, com ações sábias, em corações purificados, e afetos santos.
Este é o negócio comum de todas as pessoas neste mundo. Isto é não deixar que todas as
mulheres do mundo gastem seu tempo nas
loucuras e impertinências de uma vida moderna, nem a quaisquer homens se
entregarem a preocupações mundanas. Isto é
não deixar os ricos satisfazerem suas paixões
nas indulgências e soberba da vida, nem quanto aos pobres para maltratar e atormentar seus
corações com a pobreza de seu estado, mas
homens e mulheres, ricos e pobres, devem, com
os pastores e diáconos, andarem diante de Deus no mesmo espírito sábio e santo, na mesma
negação de todos os temperamentos vãos, e na
mesma disciplina e cuidado das almas, não somente porque todos têm a mesma natureza
racional e são servos do mesmo Deus, mas
porque necessitam da mesma santidade, para
lhes fazer aptos para a mesma felicidade, a que todos são chamados.
Por isso, é absolutamente necessário para todos os cristãos, quer homens ou mulheres se
considerarem como pessoas que são dedicadas
à santidade, e assim ordenarem suas formas
comuns de vida por tais regras da razão e
49
piedade, a fim de que possam transformar isto
em contínuo serviço ao Deus Todo-Poderoso.
Agora, para fazer o nosso trabalho ou empenho um serviço aceitável a Deus, devemos conduzi-
lo com o mesmo espírito e disposição que são necessários para a doação de esmolas, ou
qualquer obra de piedade, porque, quer
comamos ou bebamos, ou façamos qualquer
outra coisa, devemos fazer tudo para a glória de Deus; se quisermos usar este mundo como se
não usássemos; se quisermos apresentar os
nossos corpos em sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus; se formos viver pela fé, e não por vista, e ter uma conversação santa, então é
necessário, que a maneira comum de nossa vida
em todos os estados seja para glorificar a Deus.
Porque, se nós somos de mente mundana em nossos empenhos, ou se eles forem realizados
com desejos vãos e avareza apenas para nos
satisfazer, não pode ser dito de nós que vivemos para a glória de Deus, mais do que os glutões e
bêbados podem dizer, que comem e bebem para
a glória de Deus.
Como a glória de Deus é uma, e a mesma coisa, assim o que nós fazemos para ele, deve ser feito
com um e o mesmo espírito.
Esse mesmo estado e temperamento de espírito, que torna nossa esmola e devoções aceitáveis,
50
deve também fazer do nosso trabalho ou
empenhos, uma oferta adequada para Deus.
A maior parte dos empregos da vida é em sua própria natureza lícito, e todos aqueles que são
assim podem ser feitos uma parte substancial do nosso dever para com Deus, se nos
engajarmos neles somente para os fins
apropriados para aqueles que devem viver
acima do mundo, por todo o tempo que viverem nele. Esta é a única medida da nossa aplicação
em qualquer negócio mundano; seja ele qual
for, ou onde for, não deve ter mais de nossas
mãos, de nossos corações, ou do nosso tempo, do que seja consistente com uma fervorosa
preparação diária e cuidadosa de nós mesmos,
para uma outra vida. Porque, assim como todos
os cristãos, como tais, têm renunciado a este mundo para prepará-los por devoção
diariamente, e santidade universal para um
eterno estado de outra natureza, eles devem olhar para os empenhos mundanos como para
necessidades mundanas, e enfermidades
físicas; coisas não desejáveis, mas apenas para
serem suportadas e sofridas, até que a morte e a ressurreição no conduzam a um estado eterno
de real felicidade.
Ora, daquele que não olha para as coisas desta vida neste grau de pequenez, não pode ser dito
quer sinta ou creia nas maiores verdades do
cristianismo, porque, se ele pensa que qualquer
51
coisa é grande ou importante nos negócios
humanos, não pode ser dito que sinta ou creia
naquelas Escrituras que representam esta vida,
e as melhores coisas da vida como bolhas, vapores, sonhos e sombras.
Se ele pensa que fama e glória mundana são adequadas para a felicidade de um cristão, como
pode ser dito que ele crê nesta doutrina: “Bem-
aventurados sereis quando os homens vos odiarem, e quando vos expulsarem da sua
companhia, e vos injuriarem, e rejeitarem o
vosso nome como mau por causa do Filho do
Homem.”?
Porque, certamente, se houvesse qualquer verdadeira felicidade na fama e glória mundana,
se estas coisas merecessem nossos
pensamentos e cuidado, não poderia ser
assunto da mais alta alegria, quando somos arrancados deles por perseguições e
sofrimentos. Se, portanto, um homem vai viver
assim, como se pode ver que ele crê nas
doutrinas fundamentais do cristianismo, e que deve viver acima do mundo?
O lavrador que lavra a terra é empregado em um negócio honesto, o qual é necessário à vida, e
muito capaz de ser feito um serviço agradável a
Deus.
52
Visões orgulhosas e desejos vãos, em nossas atividades seculares são tão verdadeiros vícios e
corrupções, quanto a hipocrisia na oração, ou
orgulho nas esmolas.
Aquele que trabalha e serve a um chamado, para que possa ser visto pelo mundo, e deslumbrar o
olhar das pessoas com o esplendor de sua
condição, está tão longe da humildade de um
cristão piedoso, como aquele que dá esmolas para que possa ser visto pelos homens. Pela
razão de que o orgulho e a vaidade em nossas
orações e esmolas as tornam um serviço
inaceitável a Deus, não é porque haja alguma coisa especial em orações e esmolas, que não
possam permitir o orgulho, mas porque o
orgulho é, sob nenhum aspecto feito para o
homem; ele destrói a piedade de nossas orações e esmolas, porque destrói a piedade de tudo o
que toca, e torna cada ação que governa, incapaz
de ser oferecida a Deus.
Assim que, se pudéssemos nos dividir deste
modo, sendo humildes em alguns aspectos, e orgulhosos em outros, a humildade seria de
nenhum serviço para nós, porque Deus exige
que sejamos verdadeiramente humildes em
todas as nossas ações e propósitos, como também verdadeiros e honestos.
De modo que um homem não é honesto e verdadeiro, porque é assim em relação a um
53
grande número de pessoas, ou em várias
ocasiões, mas porque a verdade e a honestidade
é a medida de todas as suas relações com todos;
de igual modo o processo é o mesmo em relação à humildade, ou qualquer outra virtude, que
deve ser o hábito norteador geral de nossas
mentes, e estender-se a todas as nossas ações e nossos projetos, antes que isto possa ser
imputado a nós.
Nós, na verdade, por vezes falamos como se um homem pudesse ser humilde em algumas
coisas, e orgulhoso em outras; humilde em suas
vestes, mas orgulhoso de sua aprendizagem; humilde em sua pessoa, mas orgulhoso em seus
pontos de vista e desígnios. Mas embora isso
possa passar no discurso comum, onde poucas
coisas são ditas de acordo com a verdade estrita, não pode ser permitido, quando examinamos a
natureza de nossas ações.
É muito possível que um homem que vive de enganos, seja muito pontual em pagar o que
compra, mas todos percebem que não o faz por qualquer princípio de honestidade.
Portanto, assim como todos os tipos de desonestidade destroem nossas pretensões de
um princípio honesto da mente, assim todos os
tipos de orgulho destroem nossa pretensão de um espírito humilde.
54
Ninguém se surpreende que essas orações e esmolas, que procedem do orgulho e ostentação
são odiosas a Deus, mas ainda assim quão fácil é
ver, que o orgulho é desculpado lá, como em qualquer outro lugar, por pessoas que não fazem
uma avaliação segundo a verdade.
Se pudéssemos supor que Deus rejeita o orgulho em nossas orações e esmolas, mas o suporta em
nosso modo de vestir, em nossa pessoa ou posses, seria a mesma coisa que supor que Deus
condena a falsidade em algumas ações, mas a
permite em outras.
Ainda, se o orgulho e ostentação são tão odiosos, que destroem o mérito e valor das ações mais razoáveis, certamente devem ser igualmente
odiosos nessas ações, que somente são
fundadas na fraqueza e enfermidade de nossa
natureza. Assim como esmolas são ordenadas por Deus, como excelentes em si mesmas, como
verdadeiros casos de uma disposição santa, mas
as roupas são permitidas somente para cobrir
nossa vergonha, certamente deve pelo menos ser odioso um grau de orgulho de ser vaidoso
em nossas roupas, como ser vaidoso em nossas
esmolas.
Ainda somos ordenados a orar sem cessar, como um meio de tornar nossa alma mais elevada e santa, mas estamos empenhados em
juntar tesouros sobre a terra, e podemos pensar
55
que não é tão ruim ser vaidoso desses tesouros
que juntamos, que consideramos inúteis essas
orações, que somos ordenados a fazer.
Todos estes casos são apenas para nos mostrar a grande necessidade de uma piedade regular e uniforme, se estendendo a todas as ações de
nossa vida comum.
Agora, a única maneira de chegar a esta devoção de espírito, é trazer todas as suas ações para a
mesma regra que suas devoções e esmolas.
Você sabe muito bem o que é que faz a piedade de suas esmolas ou devoções; agora as mesmas
regras, a mesma relação a Deus deve tornar tudo
o mais que você faz um serviço aceitável a ele.
56
5 – Citações do Quinto Capítulo
Pessoas que estão livres da necessidade de trabalhar em empregos específicos devem se considerar como devotadas a Deus em maior grau.
Grande parte do mundo está livre das necessidades de trabalhar em empregos, e têm
seu tempo e dinheiro à sua própria disposição.
Mas, como ninguém deve viver em seu trabalho de acordo com a sua própria vontade, ou para
fins como o de agradar suas próprias extravagâncias, senão fazer todos os seus
negócios de tal forma, como se fizesse um
serviço para Deus; por isso aqueles que não têm
emprego especial, estão muito longe de serem deixados em maior liberdade para viver para si
mesmos, para satisfazer suas próprias vontades,
e gastarem seu tempo e dinheiro no que
quiserem, pois estão sob uma maior obrigação de viver totalmente para Deus em todas as suas
ações.
A liberdade de sua condição os coloca numa maior necessidade de sempre escolher, e fazer
as melhores coisas.
São aqueles de quem muito será exigido, porque muito lhes é dado.
57
Um escravo só pode viver para Deus de forma particular, isto é, pela paciência e submissão
religiosa em seu estado de escravidão.
Mas todas as formas de vida santa, todas as instâncias, e todos os tipos de virtude estão abertos para aqueles que são mestres de si
mesmos, de seu tempo e dinheiro.
É, portanto, o dever dessas pessoas fazerem um uso sábio de sua liberdade, para se dedicarem a
todos os tipos de virtudes; aspirarem a tudo o que é santo e piedoso, se esforçarem para serem
eminentes em todas as boas obras, e agradarem
a Deus na forma mais elevada e perfeita. Isto é
seu dever; tanto serem sábias na condução de si mesmas, quanto ampliarem seus esforços por
santidade, como é dever de um escravo se
resignar a Deus em seu estado de escravidão.
Você não é um trabalhador, comerciante, nem soldado; considere-se, portanto, como sendo colocado numa condição; guardadas as devidas
proporções, como a dos anjos bons que são
enviados para o mundo como espíritos
ministradores, para o bem geral da humanidade, para ajudar, proteger e servir em
favor daqueles que hão de herdar a salvação.
Como você está mais livre das necessidades comuns dos homens, você deve imitar as
perfeições mais elevadas dos anjos.
58
Fosse você serena, sendo obrigada pelas necessidades da vida, a lavar roupas para fora,
para sua manutenção, ou servir algum patrão
que exigisse todo o seu trabalho, isto seria, então, o seu dever de servir e glorificar a Deus,
por essa humildade, obediência e fidelidade,
como para poder adornar essa condição de vida.
Deveria então, ser recomendado ao seu
cuidado, melhorar esse talento à sua maior altura, para que quando chegasse a hora que a
humanidade deveria ser recompensada por seu
trabalho pelo grande Juiz dos vivos e dos mortos,
você pudesse ser recebido com um: “muito bem servo bom e fiel... entra no gozo do teu Senhor.”
Mas, como Deus lhe deu cinco talentos, e o colocou acima das necessidades da vida, como
ele o deixou nas mãos de si mesmo, na liberdade
de escolher os meios mais exaltados e felizes da virtude, como lhe enriqueceu com muitos dons
da fortuna, e não deixou nada para você fazer,
senão o melhor uso da variedade de bênçãos,
para tirar o máximo de uma vida curta, operar a sua própria perfeição para a honra de Deus, e o
bem do seu próximo; por isso agora é seu dever
imitar os maiores servos de Deus, e saber como
os santos mais eminentes viveram, estudando todas as artes e métodos para a perfeição, e não
estabelecer limites para o seu amor e gratidão
ao Autor generoso de tantas bênçãos.
59
Agora, é seu dever transformar seus cinco talentos em mais cinco, e considerar como o seu
tempo, lazer, saúde, e dinheiro podem ser feitos
meios felizes de purificar sua própria alma, melhorando seus semelhantes nos caminhos da
virtude, e lhe conduzindo finalmente para as
maiores alturas da glória eterna.
(Neste capítulo é evidente que Law estava se
referindo às condições sociais de sua própria época, no século XVIII, e também não
considerando tais condições como sendo
inalteráveis, senão transitórias em muitos casos
– todavia o princípio é aplicável a todos os que se encontram agora livres de um dever de trabalho
formal para a sua provisão e dos seus, como por
exemplo, no caso específico dos que se acham
aposentados; no entanto, não estão livres diante de Deus dos deveres que continuam tendo para
com ele e o seu próximo – nota do tradutor)
Deleite-se com o seu serviço, e implore a Deus para adorná-lo com cada graça e perfeição.
Alimente isto com boas obras, tenha paz na solidão, obtenha forças na oração, torne-se sábio com a leitura, ilumine-se por meditação,
torne-se terno com amor, adoçado com
humildade, humilhando-se com penitência,
animando-se com salmos e hinos, e se confortando com reflexões frequentes sobre a
glória futura. Mantenha-se na presença de
60
Deus, aprendendo a imitar aqueles anjos
guardiões, que apesar de participarem em
assuntos humanos, bem como com os mais
baixos da humanidade, sempre veem a face de nosso Pai que está nos céus.
Isto, serena, é a sua profissão; porque tão certo como Deus é um só Deus, e é ele quem tem
apenas um comando para toda a humanidade,
sejam eles escravos ou livres, ricos ou pobres, e devem atuar até a excelência da nova natureza
que ele lhes deu para viver pela razão, andar na
luz da religião, e usar tudo com sabedoria, para
glorificar a Deus em todos os seus dons, dedicando todas as condições de vida a seu
serviço.
Este é um comando único e comum de Deus para toda a humanidade. Se você tem um
emprego, você deve ser razoável, piedoso, e santo no exercício do mesmo; se tiver tempo e
dinheiro, você é obrigado a ser assim razoável,
santo e piedoso no uso de todo o seu tempo, e
todo o seu dinheiro.
O uso religioso correto de tudo e de todos os talentos é o dever indispensável de todo o ser,
que é capaz de conhecer o certo e o errado.
Porque a razão pela qual devemos fazer alguma coisa, como que para Deus no que diz respeito ao
nosso dever para com o nosso próximo, é a
61
mesma razão pela qual devemos fazer tudo para
Deus, tendo em conta o nosso dever, e nossa
relação com ele.
Esta que é uma razão para o nosso viver sábio e santo, no cumprimento de todos os nossos negócios, é a mesma razão de nosso viver sábio
e santo no uso de todo o nosso dinheiro.
Como temos sempre a mesma natureza, e somos em todos os lugares servos do mesmo
Deus, e como tudo é igualmente o seu dom; por isso devemos sempre agir de acordo com a razão
de nossa natureza, fazer todas as coisas como
servos de Deus, viver em qualquer lugar como
em sua presença, e usar tudo como deve ser usado, como pertencente a ele.
Se, portanto, algumas pessoas imaginam que devem ser sérias e solenes na Igreja, mas podem
ser tolas e frenéticas em casa; que devem viver
de acordo com alguma regra no domingo, mas podem gastar os outros dias ao acaso; que
devem ter alguns momentos de oração, mas
podem gastar o resto de seu tempo como bem
entenderem, que devem dar algum dinheiro para caridade, mas podem desperdiçar o
restante conforme lhes der na mente; essas
pessoas não têm considerado adequadamente a
natureza da religião, ou as verdadeiras razões da piedade. Porque aquilo que nos princípios da
razão pode ser dito que é bom ser sábio e santo
62
de espírito na Igreja, pode ser dito também que
é sempre desejável ter a mesma condição em
todos os outros locais.
Aquele que verdadeiramente sabe por que deveria gastar todo o tempo bem; sabe que nunca é permissível jogar fora qualquer
momento. Aquele que acertadamente entende a
razoabilidade e excelência da caridade, saberá
que nunca pode ser desculpável perder qualquer parte do nosso dinheiro no orgulho e
insensatez, ou em quaisquer despesas
desnecessárias.
Porque cada argumento que mostra a sabedoria e excelência da caridade, prova também a sabedoria de gastar todo o resto do nosso
dinheiro. Todo argumento que comprova a
sabedoria e razoabilidade de ter momentos de
oração, mostra a sabedoria e a razoabilidade de não perder nenhuma parte do nosso tempo.
Se alguém pudesse provar que não precisamos sempre agir como na presença divina, que não
precisamos considerar e usar tudo, como dom
de Deus, que não precisamos viver sempre pela razão e fazer da religião o fundamento de todas
as nossas ações, os mesmos argumentos
provariam, que nunca precisamos agir como
que na presença de Deus, nem fazer da religião e razão a medida de qualquer de nossas ações.
63
Se, portanto temos que viver para Deus, devemos viver para ele em todos os momentos e
em todos os lugares. Se devemos usar qualquer
coisa como um dom de Deus; devemos usar tudo como seu dom. Se devemos fazer qualquer coisa
por regras estritas da razão e piedade, devemos
fazer tudo da mesma maneira; porque razão, sabedoria, e piedade são as melhores coisas em
todos os momentos e lugares, pois são as
melhores coisas em qualquer momento ou
lugar.
Se é a nossa glória e felicidade ter uma natureza
racional, que é dotada de sabedoria e razão, que é capaz de imitar a natureza divina, então deve
ser a nossa glória e felicidade melhorá-las para
atuar até a excelência da nossa natureza
racional, e imitar a Deus em todas as nossas ações, até o máximo do nosso poder. E os que
confinam a religião a tempos e lugares, e a
algumas pequenas regras de reclusão, pensando que isto é muito estrito e rigoroso
para trazer a religião à vida comum, e fazem
disto leis para todas as suas ações e formas de
vida; aqueles que pensam assim, não somente erram, mas confundem toda a natureza da
religião, porque certamente confundem toda a
natureza da religião, pois pensam que podem
fazer qualquer parte de sua vida, mais fácil, por ser livre dela. Deles pode muito bem ser dito que
confundem a natureza de toda a sabedoria,
porque não pensam que é desejável, ser sempre
64
sábios. Aquele que não aprendeu a natureza da
piedade pensa muito pouco em ser piedoso em
todas as suas ações. Aquele que não entende
suficientemente qual é o motivo, não pode desejar sinceramente viver em tudo de acordo
com isto.
Se tivéssemos uma religião que consistisse em superstições absurdas, que não levasse em
conta a perfeição de nossa nova natureza, as pessoas poderiam estar contentes de ter alguma
parte de sua vida para ser excluída da mesma.
Mas, como a religião do Evangelho é o refinamento, elevação e exaltação das nossas
melhores faculdades, pela operação regeneradora e renovadora do Espírito Santo;
uma vez que requer uma vida de maior razão,
uma vez que somente nos obriga a usar deste
mundo pela razão que deve ser usado, a viver em tal comportamento digno da glória de seres
inteligentes, para andar em sabedoria para a
prática da piedade.
Além disso, como Deus é um só, e o mesmo ser; sempre agindo como em si mesmo, em conformidade com a sua própria natureza; por
isso é dever de todo ser que ele criou à sua
imagem e semelhança, viver de acordo com a
nova natureza que lhe deu, e sempre agir de acordo com a mesma.
65
Portanto, é uma lei imutável de Deus, que todo ser racional deve agir razoavelmente em todas
as suas ações, não em determinado tempo ou
lugar, mas em todas as ocasiões e todos os lugares (Tanto que os que se opuserem a isto
serão condenados por Deus a uma perdição
eterna – nota do tradutor).
Esta é uma lei que é como a imutabilidade de
Deus, que nunca pode deixar de existir, tanto quanto Deus não pode deixar de ser o Deus de
sabedoria e ordem.
Quando, pois, qualquer ser que é dotado de razão faz uma coisa irrazoável em qualquer
momento, ou lugar, ou na utilização de qualquer coisa; ele peca contra a grande lei da sua
natureza, abusa de si mesmo, e peca contra
Deus, o criador dessa natureza.
(Isto demonstra a condição de profunda miséria em que nos encontramos, naturalmente falando, em razão do pecado original, quando o
homem deixou de fazer um uso adequado da
razão, e do qual pode ser resgatado para a
renovação da sua mente, apenas e exclusivamente pela graça de Jesus Cristo – nota
do tradutor).
Aqueles, portanto, que defendem as indulgências ao pecado e vaidades, para
qualquer tola, costumes e comportamentos do
66
mundo, se rebelam contra a própria natureza
para a qual foram criados (a de serem santos e
perfeitos) e se rebelam, portanto contra Deus,
que nos deu a razão para nenhum outro fim, senão a de fazê-la a regra e a medida de todo o
nosso modo de vida.
Quando pois, você é culpado de qualquer tolice ou extravagância, ou qualquer comportamento
vão, não o considere como uma questão pequena, porque pode parecer assim, se
comparado a alguns outros pecados, mas o
considere como uma ação contrária à sua
natureza conforme o propósito de Deus relativo à mesma, e então você vai ver que não há nada
pequeno que não seja razoável. Porque todas as
formas irracionais são contrárias à natureza de
todo ser racional, sejam homens ou anjos. Nenhum deles pode ser agradável a Deus, a
menos que ajam de acordo com a razão e a
excelência de sua natureza, criada à imagem e semelhança do Todo-Poderoso.
(O autor usa simplesmente a palavra natureza, mas temos usado a expressão nova natureza, em
algumas partes, uma vez que é um claro ensino
bíblico que a velha natureza está corrompida
pelo pecado, e necessitamos de uma nova natureza adquirida na conversão, pela fé em
Cristo, e por ação do Espírito Santo, e esta sim,
está perfeita em todas as suas partes,
necessitando apenas ser desenvolvida, e
67
amadurecida. Todavia deve ser considerado que
o autor ao assim se expressar esteja se referindo
à condição única recebida pela humanidade em
toda a criação, de ter sido dotada de um espírito racional (natureza) que pode e deve responder
aos anelos do coração e da mente de Deus – nota
do tradutor).
Nosso bendito Salvador tem claramente voltado
nossos pensamentos para este caminho, por fazer desta petição uma parte constante de todas
as nossas orações: “Seja feita a tua vontade
assim na terra como ela é feita no céu.” O que é
uma clara prova que a obediência dos homens é imitar a obediência dos anjos, e que os seres
racionais na Terra devem viver para Deus, como
os seres racionais no Céu, que habitam com ele.
Quando, portanto você imagina em sua mente, como os cristãos devem viver para Deus, e em que graus de sabedoria e santidade devem usar
as coisas desta vida, você não deve olhar para o
mundo, mas para Deus, e a sociedade dos anjos,
e pense que sabedoria e santidade se destinam a prepará-lo para tal estado de glória. Você deve
olhar para os mais elevados preceitos do
Evangelho, examinar a si mesmo pelo espírito
de Cristo, pensar como os homens mais sábios no mundo viveram, como almas que partiram
viveram, e pensar nos graus de sabedoria e
santidade que você desejará ter quando estiver
saindo do mundo.
68
Ora, tudo isso não é alongar o assunto, ou propor a nós mesmos qualquer perfeição
desnecessária. É, senão quase o cumprimento
do conselho do apóstolo, onde ele diz: “Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro,
tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo
o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum
louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso
pensamento. O que também aprendestes, e
recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso praticai; e o Deus da paz será convosco.”, Fil
4.8,9.
Porque ninguém pode chegar perto da doutrina desta passagem, senão aquele que se propõe a si
mesmo fazer tudo nesta vida como um servo de
Deus, para viver pela razão em tudo o que fizer, fazendo da sabedoria e santidade do Evangelho,
a regra e medida de seus desejos e ações, bem
como de cada dom de Deus.
(Antes de prosseguirmos com as citações da
obra de Law, devemos fazer aqui uma breve reflexão, quanto ao que podemos observar em
suas afirmações até este ponto, o quão foram o
suficiente para despertar e preparar os homens
santos que citamos na parte introdutória deste livro, a realizarem a grande obra que Deus pôde
fazer através deles, em razão de suas vidas
verdadeiramente santificadas, como foi,
70
6 – Citações do Sétimo Capítulo
Como o uso imprudente de um estado corrompe todas as disposições da mente e enche o coração com paixões pobres e ridículas ao longo de todo o curso da vida, como representado no caráter de Flávia.
Já foi observado que um prudente e religioso
cuidado deve ser usado na forma de gastar o
nosso dinheiro ou propriedade, porque a maneira de gastar nossas posses é uma grande
parte da nossa vida comum, e é muito o negócio
de cada dia, que, conforme sejamos sábios ou
imprudentes a este respeito, todo o curso de vida será ou muito sábio, ou muito cheio de
insensatez.
Pessoas que são afetadas de forma positiva com a religião, que recebem instruções de piedade
com prazer e satisfação, muitas vezes se maravilham como pode ocorrer que elas não
façam maiores progressos nessa Religião que
tanto admiram.
Agora, a razão disso é esta; é porque a religião vive apenas em sua cabeça, porém algo mais tem a posse de seus corações áridos, portanto
continuam ano após ano como meros
admiradores da piedade, sem nunca chegarem
à realidade e perfeição de seus preceitos.
71
Se for perguntado, por que a religião não obtém a posse de seus corações, a razão é esta: não é
porque vivam em grosseiros pecados, ou
intemperanças, porque seu respeito à religião lhes preserva de tais desordens; mas é porque
seus corações estão constantemente
empenhados, equivocados, e mantidos em um estado errado pelo uso indiscreto de coisas que
são lícitas de serem usadas.
O uso e desfrute de suas posses é lícito, portanto nunca entra em suas cabeças imaginarem
qualquer grande perigo nisto. Eles nunca
refletem que existe um uso vão e imprudente de suas posses, que, apesar de não destruir como os
pecados grosseiros, todavia desordena o
coração, e o conduz a sensualidade, mornidão,
orgulho e vaidade, como também o torna incapaz de receber a vida e o espírito da piedade.
Porque nossa alma pode receber uma mágoa infinita, e ser achada incapaz de todas as
virtudes, apenas pelo uso de coisas inocentes e
lícitas.
O que é mais inocente do que o descanso, e ainda mais perigoso do que a preguiça e
ociosidade? O que é mais lícito do que comer e
beber, e, no entanto, o que é mais destrutivo de
toda a virtude, o que mais estimula todos os vícios de sensualidade e indulgência?
72
Quão legítimo e louvável é o cuidado de uma família? E, no entanto, quão certamente são
muitas pessoas tornadas incapazes de toda
virtude, por um temperamento mundano e solícito?
Agora, é por falta de exatidão religiosa no uso destas coisas inocentes e lícitas, que a religião
não pode tomar posse de nossos corações. E é no
gerenciamento correto e prudente de nós mesmos, quanto a essas coisas, que todas as
artes de uma vida santa consistem
principalmente.
Pecados grosseiros são claramente vistos e facilmente evitados por pessoas que professam religião, mas o uso indiscreto e perigoso de
coisas lícitas e inocentes, uma vez que não
choque e ofenda nossa consciência, é por isso
difícil fazer as pessoas de todo sensíveis ao perigo disto.
Um cavalheiro que gasta todo o seu dinheiro em esportes, e uma mulher que coloca todo o seu
dinheiro em cima de si mesma, dificilmente
podem ser convencidos que o espírito da religião não pode subsistir em tal modo de vida.
Estas pessoas, como tem sido observado podem viver livres de intemperanças, podem ser
amigos da religião cristã até o ponto de louvá-la
e falar bem dela, e admirá-la em sua
73
imaginação; mas não podem governar seus
corações, e o espírito de suas ações, até que
mudem seu modo de vida, e deixem a religião
dar as leis para o uso e os gastos de suas posses.
Porque uma mulher que ama as vestes de forma abusiva, que não poupa custos para se adornar,
não parará nisto; esta disposição atrai milhares
de outras loucuras juntamente com ela, e
tornará todo o curso de sua vida, seu negócio, sua conversa, suas esperanças, medos, gostos,
prazeres e lazeres se adequarem a isso.
Flávia e Miranda são duas irmãs solteiras, que dispõem respectivamente, de duzentas libras
anuais. Elas sepultaram seus pais há vinte anos, e desde então gastam suas posses como lhes
agrada.
Flávia tem surpreendido todos os seus amigos, pela sua excelente gestão, na forma moderada
como usa o dinheiro. Várias senhoras que têm o dobro de suas posses, não são capazes de serem
sempre tão gentis e constantes em todos os
lugares de prazer e despesa. Ela tem tudo o que
está na moda, e está em todo lugar onde haja qualquer entretenimento. Flávia é muito
ortodoxa, fala calorosamente contra os hereges
e cismáticos, está geralmente na igreja, e certa
vez elogiou um sermão que era contra o orgulho e a vaidade no vestir. Se alguém pedir a Flávia
para fazer alguma coisa em caridade, se ela
74
gosta da pessoa que fez a proposta, ela contribui.
Mas passado algum tempo, ao ouvir outro
sermão sobre a necessidade de caridade, ela
acha que a pregação foi boa, que é um assunto muito apropriado, mas nada aplicou a si mesma,
porque se lembrou de quando deu esmolas
algum tempo atrás, e se arrependeu depois porque poderia ter poupado o dinheiro.
Quanto às pessoas pobres, ela admitirá não ter nenhuma queixa da parte delas; ela é muito
positiva quanto a julgar que são todos falsos e
mentirosos, e nada dirá para aliviá-los, porque
deve ser um pecado encorajá-los em seus maus caminhos.
Você pensaria que Flávia tinha uma consciência terna no mundo, se você visse quão escrupulosa
e apreensiva ela é da culpa e perigo de errar.
Ela compra todos os livros sobre inteligência e temperamento, e fez uma coleção cara de todos os nossos poetas ingleses. Ela diz que não se
pode ter um verdadeiro gosto por qualquer um
deles, sem estar muito familiarizado com todos.
Às vezes, ela lê um livro sobre piedade, se for curto, ou muito elogiado por estilo e linguagem.
Flávia é muito ociosa, e ainda gosta muito de um fino trabalho que a faz frequentemente se
sentar para trabalhar na cama até meio-dia, de
modo que eu não preciso lhe dizer, que suas
75
manhãs de devoções nem sempre são
corretamente executadas.
Flávia seria um milagre da piedade, se assim fosse, mas não é tão cuidadosa de sua alma,
quanto é de seu corpo. O surgimento de uma espinha em seu rosto, a picada de um mosquito
fará com que ela se mantenha em seu quarto
dois ou três dias. Ela é tão ansiosa quanto à sua
saúde, que nunca acha que está bem o suficiente, de modo que faz gastos excessivos
com toda a sorte de medicamentos preventivos.
Se você visitar Flávia no domingo, sempre a encontrará em boa companhia, você saberá o
que está ocorrendo no mundo, ouvirá a última sátira, saberá quais são as peças de teatro da
semana, qual é a canção mais refinada na ópera,
e quais os jogos que se encontram na moda.
Flávia pensa que são ateus os que jogam cartas no domingo, mas ela lhe dirá com minúcia sobre todos os jogos; que cartas segurou, como
as jogou, e a história de tudo o que aconteceu no
jogo tão logo ela volte da Igreja.
Eu não afirmarei que é impossível que Flávia seja salva, mas, muito pode ser dito, que ela não tem fundamentos das Escrituras para pensar
que está no caminho da salvação.
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Porque toda a sua vida está em oposição direta a todos as disposições e práticas que o Evangelho
faz necessárias para a salvação.
Se você estivesse lhe ouvindo dizer, que ela tinha vivido toda a sua vida como Ana, a profetisa, que não se afastava do templo
servindo a Deus em jejuns e orações, noite e dia,
você olharia para ela como sendo muito
extravagante, e ainda não seria uma extravagância maior, do que ela dizer que tem se
esforçado por entrar pela porta estreita, ou fazer
qualquer doutrina do Evangelho, a regra de sua
vida.
Ela pode muito bem dizer, que viveu com o nosso Salvador, quando ele esteve sobre a terra,
como tem vivido na imitação dele, ou que fez seu
o cuidado de viver qualquer parte de tais
disposições, como ele tem requerido de todos aqueles que são seus discípulos. Ela pode
verdadeiramente dizer, que tem a cada dia
lavado os pés dos santos, como tem vivido na
humildade e pobreza de espírito cristão. Ela tem tanta razão para pensar que tem sido uma
sentinela em um exército, assim como tem
vivido em vigilância e abnegação. E pode dizer
também, que ela vivia com o trabalho de suas mãos, ao qual tinha dado toda a diligência para
fazer a sua vocação e eleição.
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E aqui pode ser bem observado, que a pobreza, a irreligião, a insensatez e a vaidade de toda esta
vida de Flávia é devido à forma de utilizar suas
posses. É isto o que tem formado seu espírito, que deu vida a cada disposição ociosa, apoiou
toda paixão insignificante, e a privou de todos os
pensamentos de uma vida prudente, útil e devota.
Quando seus pais morreram, ela não tinha pensado nas suas duzentas libras anuais, mas
sim que não tinha tanto dinheiro para fazer o
que faria com tal quantia, para gastar consigo
mesma, e comprar os prazeres e gratificações de todas as suas paixões.
Ela poderia ter sido humilde, séria, devota, uma amante de bons livros, uma admiradora da
oração, remindo o seu tempo, sendo diligente
em boas obras, cheia de caridade e amor de Deus, mas o uso imprudente de suas posses
forçou todo tipo de disposições contrárias sobre
ela.
Agora, porém, o espírito insignificante irregular desse personagem pertence, eu espero, senão a poucas pessoas, mas muitos podem aprender
algumas instruções aqui, e talvez veja algo de
seu próprio espírito nisto.
Se desejarmos, portanto fazer um progresso real na religião cristã devemos não somente
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abominar pecados graves e notórios, mas
regular as partes inocentes e lícitas do
nosso comportamento, e colocar as ações mais
comuns e permitidas da vida sob as regras da discrição e da piedade.
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7 – Citações do Oitavo Capítulo
Como o uso sábio e piedoso de nossas posses, naturalmente nos trazem grande perfeição em todas as virtudes da vida cristã; representado no caráter de Miranda.
Qualquer piedade regular de qualquer parte da
nossa vida é de grande vantagem, não somente
por sua própria conta, como também por nos
levar a viver por regras, e pensar no governo de nós mesmos.
Um homem de negócios, que tem trazido parte de seus cuidados sob determinadas regras, deve
ter o mesmo cuidado em relação às demais
coisas.
Então, aquele que trouxer qualquer parte de sua vida sob as regras da religião cristã, pode ser ensinado a estender a mesma ordem e
regularidade às demais áreas de sua vida.
Se alguém é tão sábio a ponto de pensar que seu tempo é precioso demais para ser gasto ao
acaso, e permitir que seja devorado por qualquer coisa que aconteça em seu caminho;
se ele fica subjugado por certa necessidade
observando como todos os dias passam por suas
mãos, e obriga a si mesmo a certa ordem de
80
tempo no seu negócio e devoções, é difícil de
imaginar em quanto tempo tal conduta iria
reformar, melhorar e aperfeiçoar todo o curso
da sua vida.
Aquele, portanto, que sabe o valor, e colhe a vantagem de uma época bem ordenada, não
demorará muito para ser um estranho ao valor
de algo mais que seja de algum interesse real
para ele.
Uma regra que se relaciona até mesmo à parte menos importante de nossa vida, é de grande
benefício para nós, simplesmente porque é uma
regra.
Porque, como diz o provérbio, aquele que começou bem, tem feito a metade; então aquele que começou a viver pela regra, tem um longo
caminho para percorrer para a perfeição de sua
vida.
Por regra, deve aqui ser constantemente entendido, uma regra da religião cristã, observada como um princípio de dever para
com Deus.
Porque, se alguém deve se obrigar a ser moderado em suas refeições, apenas no que diz
respeito ao seu estômago, ou se abster de beber,
apenas para evitar a dor de cabeça, ou ser moderado durante o sono, por ter medo de uma
81
letargia, ele poderia ser exato nessas regras,
sem ter se tornado em tudo um homem melhor.
Mas quando ele é moderado e regular em qualquer uma dessas coisas, por um sentido de
sobriedade cristã e abnegação, para que possa ofertar a Deus uma vida mais razoável e santa,
então, isto é, que a menor regra deste tipo, se
torne naturalmente, o início de uma grande
piedade.
Porque a menor regra nesses assuntos é de grande benefício, uma vez que nos ensina
alguma parte do governo de nós mesmos, e
mantém uma ternura de espírito; apresenta
Deus muitas vezes aos nossos pensamentos, e traz um sentimento de religião para as ações
ordinárias de nossa vida comum.
Se um homem, quando estivesse na companhia, onde todas as pessoas perjuraram, conversaram
lascivamente, ou falaram mal do seu próximo tomasse esta regra para si mesmo, de reprová-
las gentilmente, ou, se isso não fosse adequado,
então, deixar a companhia tão decentemente
quanto pudesse, ele acharia esta pequena regra, como sendo um pouco de fermento escondido
em uma grande quantidade de farinha, que iria
se espalhar e se estender de todas as formas em
sua vida.
82
Se outro devesse se obrigar a se abster no Dia do Senhor de muitas coisas inocentes e lícitas,
como viajar e discorrer sobre assuntos
mundanos, como comércio e assim por diante, e devesse dedicar o dia, além do culto público,
para uma maior leitura da Palavra, para a
devoção, e obras de caridade; embora possa parecer uma coisa pequena, ou uma minúcia
desnecessária, exigir de um homem que se
abstenha de tais coisas que podem ser feitas sem
configurar um pecado, mas quem quiser experimentar o benefício de tão pequena regra,
talvez encontre por este meio uma grande
alteração feita em seu espírito, e um grande
gosto pela piedade se levantando em sua mente, para o qual ele era um completo estranho antes.
Seria fácil demonstrar, em muitos outros casos, como poucos e pequenos assuntos são os
primeiros passos, e começos naturais de uma
grande perfeição.
Mas as duas coisas, que mais do que todas as
demais, devem estar sob uma regra rígida, e são as maiores bênçãos, tanto para nós mesmos
quanto para outros quando usadas corretamente, são o tempo, e o nosso dinheiro.
Esses talentos são meios contínuos e oportunidades de fazer o bem.
Aquele que é piedosamente estrito e exato na gestão prudente de qualquer um destes, não
83
pode ignorar por longo tempo o uso correto do
outro. E aquele que está feliz no cuidado
religioso de ambos, já subiu vários degraus na
escada da perfeição cristã.
Miranda (a irmã de Flávia) é tanto uma cristã sóbria e razoável, quanto uma boa
administradora do seu tempo e dinheiro, de
modo que seu primeiro pensamento era como
poderia melhor cumprir tudo o que Deus exigia dela no uso deles, e como poderia fazer um
melhor e mais feliz uso desta vida curta. Ela
depende da verdade que nosso bendito Senhor
tem dito, que “há apenas uma coisa necessária”, portanto fez dela o trabalho continuo de toda a
sua vida. Ela tem apenas uma razão para fazer,
ou não fazer, gostar ou não gostar de nada, e isto
é a vontade de Deus.
Miranda pensa muito bem para evitar ser chamada pelo mundo de dama refinada; ela
renunciou ao mundo para seguir a Cristo no
exercício de humildade, caridade, devoção, e
afeição santa, e é nisto que ela deseja ser refinada.
Enquanto estava sob os cuidados de sua mãe, ela foi forçada a viver em cerimônias, a se deitar
tarde da noite para estar na loucura de cada
moda, sempre fazer visitas vãs, e ir à igreja com trajes caros e chamativos, a dançar em locais
públicos, onde almofadinhas poderiam admirar
84
a delicadeza de suas formas e a beleza de seus
movimentos.
A lembrança desse modo de vida faz com que ela tenha um cuidado extremado em se despojar de
tudo isto, por um comportamento contrário.
Miranda não divide seu dever entre Deus, seu próximo, e ela mesma, mas considera tudo
como devido a Deus, e assim faz tudo em seu
nome e por causa dele. Isso a faz considerar seu
dinheiro como um dom de Deus, que é para ser usado como tudo o mais deve ser, que pertence
a Deus para a sábia e razoável finalidade de uma
vida cristã e santa. Portanto, seu dinheiro é
dividido entre si mesma e várias outras pessoas pobres, tendo dele apenas a sua parte de alívio.
Ela acha que é insensatez se saciar com coisas
supérfluas, gastos inúteis para si mesma, como
para outras pessoas que agem da mesma forma.
Se as necessidades de um homem pobre são uma razão pela qual ela não deve gastar o seu
dinheiro à toa, certamente as necessidades dos
pobres, a excelência da caridade, que é recebida
como sendo feita ao próprio Cristo, é uma razão muito maior por que ninguém deve gastar o seu
dinheiro com vaidades. Pois, se agir assim,
desperdiça aquilo para o qual é procurado um
uso mais nobre, que o próprio Cristo está pronto para receber de suas mãos.
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Miranda usa vestes baratas, que traz sempre rigorosamente limpas e arrumadas.
Tudo nela reflete a pureza de sua alma, e está sempre limpa, porque é sempre pura por
dentro.
Todas as manhãs são iniciadas com suas orações, ela se alegra no início de cada dia,
porque começa todas as suas regras piedosas de
uma vida santa, que lhe trazem o fresco prazer
de repeti-las.
Ela parece ser como um anjo da guarda para aqueles que habitam com ela, com suas vigílias
e orações abençoa o local onde habita, fazendo
intercessão junto a Deus por aqueles que estão
dormindo.
Suas devoções têm tido alguns intervalos, e
Deus ouviu várias de suas orações particulares, antes que a luz da manhã penetrasse o quarto de
sua irmã. Miranda não sabe o que é ter um dia
maçante, ao retornar de suas horas de oração, e seus exercícios religiosos.
Quando a vê no trabalho, você vê a mesma sabedoria que governa todas as suas outras
ações, ela, ou está fazendo algo que é necessário
para si, ou para outros que necessitam ser
assistidos. É difícil encontrar uma família pobre no bairro, que não tenha recebido uma coisa ou
86
outra do trabalho de suas mãos. Sua mente sábia
e piedosa nem quer a diversão, nem pode
suportar a loucura de trabalho ocioso e
impertinente. Ela não pode admitir nenhuma loucura como esta durante o dia, porque deve
responder por todas as suas ações durante a
noite. Quando não há sabedoria para ser observada no emprego de suas mãos, e nenhum
trabalho útil ou de caridade para ser feita,
Miranda não trabalhará mais. Em sua mesa, ela
vive estritamente por esta regra da santa Escritura, “quer comais, quer bebais, ou façais
qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de
Deus”. Isso a faz começar e terminar cada
refeição, como começa e termina cada dia, com atos de devoção.
As Sagradas Escrituras, especialmente do Novo Testamento são o seu estudo diário; ela lê com
uma atenção vigilante, constantemente
lançando um olhar sobre si mesma, provando-se por cada doutrina da Palavra. Quando tem o
Novo Testamento em sua mão, ela se considera
aos pés de nosso Salvador e seus apóstolos, e faz
de tudo o que aprende deles, as leis da sua vida. Ela recebe suas palavras sagradas com o
máximo de atenção e reverência, como se os
visse, sabendo que elas lhes vieram do céu, com
o propósito de ensinar-lhe o caminho que conduz a ele.
87
Ela pensa que examinar a si mesma todos os dias pelas doutrinas da Escritura, é o único caminho
possível para estar pronta para seu julgamento
no último dia.
Ela está, por vezes, temerosa em gastar muito dinheiro com a compra de livros, porque não
vacila em comprar livros práticos,
especialmente os que ensinam como entrar no
coração mesmo da religião, que descrevem a santidade interior da vida cristã. Mas de todos os
escritos humanos, a vida de pessoas piedosas e
de santos eminentes são o seu maior prazer.
Nestes, ela procura como num tesouro escondido, na esperança de encontrar algum
segredo de uma vida santa, algum grau
incomum de piedade, que possa fazer sua
própria.
Por estes meios, Miranda tem sua cabeça e seu coração abastecidos com todos os princípios de
sabedoria e santidade, ela é tão cheia do assunto
principal da vida, que acha difícil conversar
sobre qualquer outro assunto; e se você está em sua companhia, quando ela acha adequado
falar, você será feito melhor e mais sábio.
Relacionar a sua caridade seria descrever a história de cada dia durante vinte anos; já que
por tanto tempo tem gasto todo o seu dinheiro dessa forma. Ela sustentou quase vinte
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comerciantes pobres que tinham falhado em
seus negócios, e salvou a muitos da falência.
Ela educou várias crianças pobres que foram apanhadas nas ruas, e as colocou numa
condição de trabalharem num emprego honesto.
Assim que qualquer trabalhador fique confinado em casa por causa de doença, ela lhe
envia, até que ele se recupere, o dobro do valor
de seu salário, para que possa sustentar sua família como de costume, e fornecer as coisas
convenientes para o tratamento da sua doença.
Não há nada no caráter de Miranda para ser mais admirado que este temperamento, porque
esta ternura de afeto para com os pecadores mais necessitados é a mais alta instância de uma
alma santa e semelhante a Deus.
Miranda nunca tem falta de compaixão, mesmo aos mendigos comuns; especialmente para
aqueles que estão velhos, ou doentes, ou cheios de feridas, ou com falta de membros. Ela ouve
suas queixas com ternura, dá-lhes uma prova de
sua bondade, e nunca os rejeita com palavras
duras ou reprovação, por temer acrescentar aflição aos seus semelhantes.
Pode ser, diz Miranda, que muitas vezes posso dar àqueles que não merecem, ou que vão fazer
89
um mau uso das minhas esmolas. Mas o que
fazer? Não é este o próprio método da bondade
divina? Será que Deus não faz nascer o seu sol
sobre maus e bons, justos e injustos? Não é este o bem que nos é recomendado na Escritura; que,
o imitando, possamos ser chamados filhos de
nosso Pai que está nos céus, que faz chover sobre os justos e sobre os injustos? E hei de
reter um pouco de dinheiro, ou comida, de meu
semelhante por temer que não seja bom o
suficiente para recebê-lo de mim? Eu imploro a Deus para lidar comigo, não de acordo com o
meu mérito, senão segundo a sua própria
grande bondade; e deveria ser tão absurda, a
ponto de reter minha caridade de um pobre irmão, porque ele não pode, talvez, merecer?
Além disso, onde a Escritura tem feito do mérito a regra ou medida da caridade? Pelo contrário, a
Escritura diz:
“Se teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer, se tiver sede, dá-lhe de beber”.
Talvez você diga, que desta forma incentivamos as pessoas a serem mendigos. Mas a mesma objeção impensada pode ser feita contra todos
os tipos de instituições de caridade, por
poderem incentivar as pessoas a dependerem
delas. O mesmo pode ser dito contra o perdoar nossos inimigos, pois pode incentivar as pessoas
a nos ferirem. O mesmo pode ser dito até
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mesmo contra a bondade de Deus, por derramar
suas bênçãos sobre maus e bons, sobre justos e
injustos, a serem encorajados em seus maus
caminhos. O mesmo pode ser dito contra vestir o nu, ou administrar medicamentos aos
doentes, para que não se encoraje as pessoas a
serem negligentes e descuidadas com sua saúde. Mas quando o amor de Deus habita em
você, quando dilatou seu coração e o encheu
com entranhas de misericórdia e compaixão,
você não fará mais objeções como estas.
Se, como nosso Salvador nos assegurou, é mais
abençoado dar do que receber devemos olhar para aqueles que pedem esmolas, como amigos
e benfeitores, que nos vêm fazer um bem maior
do que possam receber de nós, que vêm para
exaltar nossa virtude, ser testemunha da nossa caridade, ser monumento de nosso amor, ser
nosso defensor junto a Deus, e para nos colocar
no lugar de Cristo, quando aparecer para nós no dia do julgamento, e nos ajudar a uma bem-
aventurança maior do que aquela que as nossas
esmolas possam conceder a eles.
Este é o espírito, e essa é a vida da devota Miranda; e se ela viver mais dez anos, ela terá
gasto entre cinquenta e cem libras em caridade, pois o que permite a si mesma, pode
razoavelmente ser contado entre suas esmolas.
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Quando ela morrer, brilhará entre os apóstolos e santos, e mártires; ela estará entre os
primeiros servos de Deus, e será gloriosa entre
aqueles que lutaram o bom combate, e completaram a carreira com alegria.
92
8 – Citações do Décimo Primeiro
Capítulo
Mostrando como uma grande devoção encherá nossas vidas com a maior paz e felicidade que podem ser desfrutadas neste mundo.
Algumas pessoas talvez objetem que todas
essas regras de vida santa diante de Deus em
tudo o que fazemos são uma grande restrição
sobre a vida humana; que também produzirão um estado ansioso, por introduzirmos esta
relação com Deus em todas as nossas ações. E
que, por nos privar de tantos prazeres
aparentemente inocentes, transformarão nossas vidas em algo sem graça, inquieto, e
melancólico. A isso pode ser respondido:
Em primeiro lugar, que estas regras são prescritas para uma finalidade muito contrária
a isto. Que em vez de tornar as nossas vidas maçantes e melancólicas, elas vão torná-las
cheias de conteúdo e fortes satisfações. Que por
essas regras, somente trocamos os
contentamentos infantis de nossas paixões vãs e doentias, por alegrias sólidas, e verdadeira
felicidade de uma mente sã.
Em segundo lugar, que, assim como não há fundamento para o conforto nos prazeres da
93
vida, mas na certeza de que um sábio e bom
Deus governa o mundo, portanto, quanto mais
descobrimos Deus em tudo, quanto mais nos
aplicamos a ele em todos os lugares, mais olhamos para ele em todas as nossas ações, mais
nos conformamos à sua vontade, mais agimos
de acordo com a sua sabedoria, e imitamos a sua bondade, pois quanto mais podemos desfrutar
de Deus, participamos da sua natureza divina, e
aumentamos tudo o que é feliz e confortável na
vida humana, porque acharemos na pessoa do próprio Deus o nosso consolo e alegria, que são
imutáveis, porque Deus é imutável,
diferentemente das alegrias mundanas.
Em terceiro lugar, aquele que está se esforçando para dominar, e erradicar de sua
mente todas aquelas paixões de orgulho, inveja e ambição, às quais a religião se opõe, está
fazendo mais para se fazer feliz, mesmo nesta
vida, do que aqueles que estão maquinando meios para saciá-los.
Porque essas paixões são as causas de todas as inquietações e vexações da vida humana; são os
edemas e febres de nossa mente que nos vexam
com falsos apetites, e inquietam com ânsias por
coisas que não necessitamos, mas estragam o nosso gosto pelas coisas que nos são adequadas.
Imagine que você viu em algum lugar ou outro, um homem que propôs a razão como a regra de
94
todas as suas ações, que não tinha desejos senão
pelas coisas como a natureza da religião requer
e aprova, que era tão puro de todos os impulsos
de orgulho, inveja e cobiça, assim como de pensamentos mórbidos, que nesta liberdade
das paixões mundanas, ele tinha uma alma
cheia de amor divino, desejando e orando para que todos os homens possam ter atendidas as
suas necessidades das coisas do mundo, e ser
participantes da glória eterna na vida por vir.
Imagine um homem que vive desta maneira, e sua própria consciência vai imediatamente lhe
dizer que ele é o homem mais feliz no mundo, e que não está no poder da mais rica imaginação,
inventar alguma felicidade maior no presente
estado de vida.
Por outro lado, se você imaginar que ele seja em qualquer grau menos perfeito, se supor que está se sujeitando a uma afeição tola ou paixão vã,
sua própria consciência voltará a lhe dizer, que
ele diminuiu sua própria felicidade, e se furtou
da verdadeira alegria das suas demais virtudes. Tanto isto é verdade, que quanto mais vivemos
pelas regras da religião, mais pacífica e feliz
tornaremos nossa vida.
Ainda, assim como isto aparece, a verdadeira felicidade está apenas em ser obtida de maiores graus de piedade, de maiores negações de
nossas paixões, e das regras mais rígidas da
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religião, de modo que a mesma verdade será
vista em consideração à miséria humana,
porque, se olharmos para o mundo, e
visualizarmos as inquietações e angústias da vida do ser humano veremos que todas elas são
devido às nossas paixões violentas e irreligiosas.
Agora, todos os problemas e mal-estar se baseiam na falta de uma coisa ou outra; que nós,
para conhecermos a verdadeira causa de nossos problemas e inquietações, precisamos
descobrir a causa da nossa necessidade, porque
o que cria e multiplica nossas necessidades, no
mesmo grau, cria e aumenta nossas preocupações e inquietações.
O Deus Todo-Poderoso nos enviou ao mundo com muito poucas necessidades; comida,
bebida, e vestuário são as únicas coisas
essenciais e necessárias para a manutenção da vida, e como estas são apenas as nossas
necessidades atuais, assim o presente mundo
está muito bem equipado para supri-las.
Mas, se a tudo isto se acrescentar que esta vida curta, assim provida com tudo o que necessitamos é apenas uma curta passagem
para a eterna glória, em que seremos vestidos
com o brilho dos anjos, e entraremos no gozo de
Deus, poderíamos ainda mais razoavelmente esperar, que a vida humana deve ser de um
estado de paz, alegria, e prazer em Deus. Assim,
96
certamente seria se a boa razão tivesse seu
poder total sobre nós.
Mas, infelizmente! Se Deus, a natureza, e a razão fazem a vida humana livre de necessidades, e
tão cheia de felicidade, ainda assim nossas paixões, em rebelião contra Deus, contra a
natureza e a razão criaram um novo mundo de
males, e preencheram a vida com necessidades
imaginárias, e inquietações vãs.
O homem orgulhoso tem mil necessidades que somente o seu próprio orgulho criou, e estas o
tornam tão cheio de problemas, como se Deus
lhe houvesse criado com mil apetites, sem criar
tudo o que fosse apropriado para satisfazê-los. Inveja e ambição têm também as suas
necessidades sem fim, que inquietam a alma
dos homens, e por seus impulsos contraditórios
os tornam tão estupidamente miseráveis, como aqueles que querem voar e rastejar ao mesmo
tempo.
Se a humildade é a paz e descanso da alma, então ninguém tem tanta felicidade provinda da
humildade, como aquele que é o mais humilde. Se a inveja excessiva é um tormento da alma,
aquele que mais se livra deste tormento é o que
mais perfeitamente extingue cada centelha de
inveja. Se há alguma paz e alegria em fazer qualquer ação de acordo com a vontade de Deus,
aquele que traz a maior parte de suas ações para
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essa regra, mais do que todos, aumenta a paz e a
alegria de sua vida.
E assim se dá em relação a todas as virtudes; se você agir de acordo com cada grau das mesmas,
mais felicidade terá a partir delas. E assim, de cada vício, se apenas diminuir seus excessos,
você faz, senão pouco por si mesmo, mas se
rejeitá-los em todos os graus, então você sentirá
a verdadeira leveza e alegria de uma mente reformada.
Como por exemplo: se a religião somente restringe os excessos de vingança, mas permite
que o espírito de vingança ainda viva dentro de
você, na melhor das hipóteses, a sua religião pode ter feito a sua vida um pouco mais decente
exteriormente, mas não o fez em tudo mais feliz.
Mas se você tem uma vez sacrificado todos os pensamentos de vingança em obediência a
Deus, e está determinado em tornar o bem por todo o mal que tiver recebido, em todos os
momentos, para poder se tornar mais
semelhante a Deus, e manifestar a sua
misericórdia no reino de amor e glória, esta é uma elevada virtude, que fará você se sentir
feliz.
Em segundo lugar, essas satisfações e prazeres, que uma piedade exaltada requer, por negarmos
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a nós mesmos, não nos privam de nenhum
conforto real da vida.
Porque, primeiro, a piedade não requer que renunciemos a qualquer modo de vida, onde
podemos agir razoavelmente, e oferecer o que podemos fazer para a glória de Deus.
Todos os modos de vida, todas as satisfações e prazeres, que estão dentro destes limites, não
nos são de modo algum negados pelas regras
mais rigorosas da piedade. Tudo o que você pode fazer ou desfrutar, como na presença de Deus,
como seu servo, como sua criatura racional, que
tem recebido razão e conhecimento dele, tudo o
que você pode realizar em conformidade com a natureza racional, e com a vontade de Deus,
tudo isso é permitido pelas leis da piedade. E
você acha que sua vida vai ser desconfortável, a
menos que você possa desagradar a Deus, sendo um tolo, e louco, agindo de forma contrária à da
razão e da sabedoria que ele implantou em
você?
E quanto àquelas satisfações que não se atrevem a oferecer um Deus santo, que somente são inventadas pela loucura e corrupção do mundo,
que inflamam as paixões, e afundam nossa alma
em grosseria e sensualidade, e nos tornam
incapazes do favor divino, seja aqui ou no futuro, certamente não pode ser nenhum estado
desconfortável de vida que possa ser resgatado
99
pela religião de tal suicida, para ser tornado
capaz da felicidade eterna.
Se a religião proíbe todas as formas de vingança, sem qualquer exceção, é porque toda vingança é
da natureza do veneno, e embora não tomemos tanto a ponto de por fim à vida, ainda se
tomamos algum, ele corrompe todo o sangue, e
faz com que seja difícil sermos restaurados à
nossa saúde anterior.
Se a religião ordena uma caridade universal, amar o nosso próximo como a nós mesmos,
perdoar e orar por todos os nossos inimigos sem
qualquer reserva, é porque todos os graus de
amor são graus de felicidade, que fortalecem e sustentam a vida divina da alma e são tão
necessários à sua saúde e felicidade, como o
alimento é apropriado e necessário para a saúde
e felicidade do corpo.
Se a religião tem leis contra ajuntar tesouros na terra, e nos ordena a nos contentarmos com
alimento e vestuário, é porque cada outro uso do
mundo está abusando disto para nossa própria
vexação, como para transformar todas as suas conveniências em laços e armadilhas para nos
destruir. É porque esta clareza e simplicidade de
vida nos protegem das preocupações e dores de
orgulho inquieto e de inveja, nos tornando mais mansos para manter a estrada na linha reta, que
vai nos levar para a vida eterna.
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Se a religião nos chama a uma vida de vigilância e oração é em razão de vivermos entre uma
multidão de inimigos, e estarmos sempre
necessitados da ajuda de Deus. Se devemos confessar e lamentar nossos pecados é porque
tais confissões aliviam a mente e a restauram,
como fardos e pesos que são retirados dos nossos ombros.
Se devemos ser constantes e fervorosos em petições santas, é para nos manter constantes
na visão de nosso verdadeiro bem, e nunca
possa faltar a alegria de uma fé viva, uma
esperança de regozijo, e uma bem fundamentada confiança em Deus.
Se a religião nos ordena a viver totalmente para Deus e para fazer tudo para a sua glória, é porque
todos os outros modos de viver estão totalmente
contra nós mesmos, e terminarão em nossa própria vergonha e confusão de rosto.
Como tudo é escuro se Deus não iluminar, como todas as coisas são sem sentido, quando não têm
sua parcela de conhecimento dele; como nada
vive, senão participando da vida dele, como nada existe, senão porque ele ordena que seja;
por isso não há glória, ou grandeza, senão o que
é para a glória ou grandeza de Deus.
101
9 – Citações do Décimo Quarto
Capítulo
Como devemos melhorar nossas formas de oração, e como aumentar o espírito de devoção.
Tendo mostrado nos capítulos anteriores, a
necessidade de um espírito devoto, ou hábitos espirituais em todas as partes da nossa vida
comum, no desempenho de todos os nossos
negócios, e no uso de todos os dons de Deus; vou
considerar agora aquela parte da devoção que se refere aos tempos de horas de oração.
Eu tenho isto como algo garantido, que cada
cristão que é saudável, se levanta cedo pela
manhã, porque é mais do que razoável supor que se levante cedo, já que é um cristão, tanto
quanto se ele é um trabalhador ou um
comerciante, ou que tenha outros negócios
aguardando por ele.
Nós, naturalmente temos alguma aversão a um
homem saudável que está na cama, quando ele deveria estar no seu trabalho, ou em seu
negócio. Nós não podemos pensar nada de bom
dele, que é como um escravo da sonolência,
assim como negligencia seus deveres por causa disso.
Isto, portanto nos ensina quão odiosos devemos
parecer aos olhos do céu se estamos na cama,
102
calados nas trevas do sono, quando deveríamos
estar louvando a Deus. E somos não apenas
escravos do sono, como negligenciamos nossas
devoções a ele, porque, se deve ser responsabilizado como um preguiçoso aquele
que escolhe a indulgência do sono, e deixa de
realizar sua parte adequadamente nos negócios do mundo; quanto mais aquele que permanece
em sua cama, e não eleva seu coração a Deus em
atos de louvor e adoração?
A oração é a maior forma de aproximação a
Deus, e o modo de ter o maior desfrute dele que
somos capazes de ter nesta vida. Ela é o exercício
mais nobre da alma, o uso mais exaltado de nossas melhores faculdades, e a máxima
imitação dos bem-aventurados habitantes do
céu.
Quando nossos corações estão cheios de Deus, enviando santos desejos para o trono da graça, então estamos em nosso estado mais elevado, e
na maior altura da grandeza humana; não
estamos diante de reis e príncipes, mas na
presença e audiência do Senhor de todo o mundo, e não pode haver privilégio e honra
mais altos, até que a morte seja tragada em
glória.
Por outro lado, o sono que excede nossas reais
necessidades de repouso diário é o mais pobre,
o mais maçante refrigério do corpo, que está
103
muito longe de ser concebido como um prazer,
porque somos forçados a recebê-lo.
O sono indolente é um estado tão estúpido da
existência, que, mesmo entre os animais, nós
desprezamos aqueles que são mais sonolentos e indolentes. Aquele, portanto, que escolhe
ampliar a indulgência indolente do sono, ao
invés de levantar cedo para suas devoções a
Deus opta pelo refrigério mais maçante do corpo, antes do mais elevado, mais nobre
emprego da alma.
Talvez você dirá que embora se levante tarde,
todavia é sempre cuidadoso com suas devoções
quando está acordado. Pode ser assim. Mas o que dizer então? É um bom ato acordar tarde,
porque você ora quando se levanta da cama? É
perdoável desperdiçar grande parte do dia na
cama, pois algum tempo depois fará suas
orações?
É tanto o seu dever se levantar para orar, como
orar quando você está acordado. E se está
atrasado em suas orações, você tem para
oferecer a Deus as orações de um adorador preguiçoso e ocioso, que sobem como orações,
assim como servos ociosos se levantam para
executar o seu trabalho.
Além disso, se você gosta de ser cuidadoso em
suas devoções quando está acordado, apesar de
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ser seu costume se levantar tarde, você engana
a si mesmo, porque não pode executar as suas
devoções como deveria. Porque aquele que não
pode negar a si mesmo esta indulgência sonolenta, senão passar boa parte da manhã na
mesma, não está mais preparado para a oração
quando está acordado, do que está preparado para qualquer outra autonegação. Dormir assim
indolentemente, transmite uma ociosidade a
todos os nossos comportamentos, e nos torna
incapazes de apreciar qualquer coisa, senão aquilo que se adapte a tal estado de mente, e
gratifique nossos gostos naturais, como faz o
sono.
Ora, aquele que transforma o sono em uma
indulgência ociosa, faz tanto para corromper e
desordenar a sua alma, para torná-la uma escrava dos apetites do corpo, e mantê-la
incapaz de toda devoção de um comportamento
santo, assim como aquele que transforma as necessidades de alimentação, num curso de
indulgência.
Uma pessoa que come e bebe muito, não sente os efeitos disto, como aqueles que vivem em
casos notórios de gula e intemperança, mas
ainda seu curso de indulgência, embora não seja
escandaloso aos olhos do mundo, nem atormente sua própria consciência, é um
grande e constante obstáculo para sua melhoria
em virtude, porque isto lhe dá olhos que não
veem, e ouvidos que não ouvem, que cria
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uma sensualidade na alma, aumenta o poder
das paixões corporais, e lhe torna incapaz de
alcançar o verdadeiro espírito da religião cristã.
Agora, este é o caso daqueles que perdem seu tempo durante o sono; isto não desordena suas
vidas, ou fere suas consciências, como os atos
notórios de intemperança, mas como qualquer outro curso imoderado de indulgência,
silenciosamente e por graus menores, desgasta
o espírito da religião, e afunda a alma num
estado de dolência e sensualidade.
Se você considerar a devoção apenas como
certo momento de oração, talvez a cumpra,
apesar de viver nesta indulgência diária: Mas se considerá-la como um estado do coração, como
um vivo fervor da alma, que é profundamente
afetada com um senso de sua própria miséria e
fraquezas, e sua necessidade do Espírito de Deus, mais do que todas as coisas do mundo,
você vai achar que o espírito de indulgência, e o
espírito de oração, não podem subsistir juntos.
Uma mortificação de todos os tipos é a própria vida e alma da piedade, mas aquele que não tem
o menor grau disto, de modo que não começa
desde cedo suas orações, não pode ter nenhuma
razão para pensar que tomou a sua cruz, e está seguindo a Cristo.
Se o nosso bendito Senhor costumava orar antes de iniciar o dia, se passou noites inteiras em
oração, se a devotada Ana estava dia e noite no
106
templo, se Paulo e Silas, à meia-noite na prisão
cantaram louvores e oravam a Deus; se os
cristãos primitivos, por vários anos, além de
suas horas de oração ao meio-dia, se reuniam publicamente nas Igrejas à meia-noite, para se
juntarem nos Salmos e Orações, não é certo que
estas práticas mostram qual era o estado do seu coração? Não são provas claras da completa
mudança de suas mentes? E se você vive em um
estado contrário, perdendo grande parte de
cada dia com o sono, pensando muito pouco sobre as orações, não é igualmente certo que
esta prática tanto mostra o estado de seu
coração, e a inclinação de sua mente? De modo
que, se esta indulgência é seu modo de vida, você tem muita razão para acreditar-se
destituído do verdadeiro espírito de devoção,
como crê que os apóstolos e santos da Igreja
Primitiva eram verdadeiramente devotos. Porque, assim como o seu modo de vida foi uma
demonstração da devoção deles, de igual modo,
um caminho contrário de vida, é uma forte
prova de falta de devoção.
Quando você lê as Escrituras, você vê uma religião que é toda vida e espírito de alegria em
Deus, que supõe a nossa alma subindo acima
dos desejos terrenos, e indulgências corporais
para se preparar para outro corpo, um outro mundo, e outros prazeres. Mas quem pode ter
pensado ter essa alegria em Deus, esta aspiração
pela eternidade, esse espírito vigilante, se não
107
tiver zelo suficiente para se levantar para as suas
orações?
A primeira coisa que você deve fazer, quando
estiver sobre os seus joelhos é fechar os olhos e,
com um breve silêncio deixe sua alma se colocar na presença de Deus, ou seja, você deve usar
isso, ou algum outro método melhor, para se
separar de todos os pensamentos comuns, e
fazer seu coração tão sensível quanto possa da presença divina. Agora, se esse recolhimento
em espírito é necessário, quem pode dizer que
não é? Então, quão pobremente devem realizar
suas devoções, aqueles que estão sempre com
pressa?
Para continuar, se você pudesse usar (tanto
quanto possível) sempre o mesmo lugar para
orar, se pudesse reservar esse lugar para a
devoção; este tipo de consagração como um lugar de devoção teria um efeito em sua mente,
e lhe disporia a estar animado para a sua
devoção. Porque ter um lugar assim, sagrado em
seu quarto, faria com que estivesse sempre no espírito da religião, quando lá estivesse, e lhe
encheria com pensamentos sábios e santos. O
seu próprio quarto elevaria em sua mente tais
sentimentos, que você temeria pensar ou fazer qualquer coisa que fosse tola nesse lugar, que é
o lugar de oração, santificado para Deus.
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Quando você começar suas petições, use várias
expressões dos atributos de Deus, que podem
fazê-lo mais sensível da grandeza e poder da
natureza divina.
Embora a oração não consista em belas palavras ou expressões estudadas, ainda assim as
palavras falam à alma, como têm certo poder de
elevar os pensamentos na alma; por isso,
aquelas palavras que falam de Deus da maneira mais elevada, e mais plenamente expressam o
poder e a presença de Deus, e elevam
pensamentos na alma mais adequados à
grandeza e providência de Deus, são as mais úteis e edificantes em nossas orações.
Quando você dirigir qualquer uma de suas
petições para o nosso bendito Senhor poderá
usar algumas expressões deste tipo: Oh Salvador do mundo, Luz da luz, tu que és o brilho da
Glória do Pai, e a expressa imagem da sua
Pessoa; tu que és o Alfa e o Ômega, o Princípio e Fim de todas as coisas, tu que tens destruído o
poder do diabo, e tens vencido a morte, tu que
és celebrado no Santo dos Santos, que estás à
mão direita do Pai, que estás acima de todos os tronos e principados, que intercede por todo o
mundo, tu que és o juiz dos vivos e dos mortos,
tu que virás depressa na tua Glória para
recompensar todos os homens segundo as suas
obras, sejas tu a minha luz e a minha paz.
109
Porque essas expressões que descrevem tantos
caracteres do nosso Salvador, sua natureza e
poder, não são apenas os próprios atos de
adoração, mas, se forem repetidas com alguma atenção, encherão os nossos corações com os
mais altos fervores da verdadeira devoção.
Ainda, se você pedir alguma graça especial de nosso bendito Senhor, que seja de alguma
maneira como esta:
Oh santo Jesus, Filho do Deus Altíssimo, tu que
foste açoitado, pendurado e pregado numa cruz
pelos pecados do mundo, una-me à tua cruz, e
enche a minha alma com o teu santo, humilde e sofredor espírito. Oh Fonte de misericórdia, tu
que salvaste o ladrão na cruz, me salva da culpa
de uma vida pecaminosa, tu que expulsaste sete
demônios de Maria Madalena, expulsa do meu coração todos os maus pensamentos, e
comportamentos maus. Oh Doador da vida, tu
que ressuscitaste Lázaro de entre os mortos, levanta a minha alma da morte e escuridão do
pecado. Tu que deste a tua força aos apóstolos
sobre os espíritos imundos, dá-me poder sobre
meu próprio coração. Tu que apareceste a teus discípulos, quando as portas se fecharam,
apareça no aposento secreto do meu coração.
Tu que limpaste os leprosos, curaste os doentes,
e deste vista aos cegos, limpa meu coração, cura as doenças da minha alma, e encha-me com a
luz celestial.
110
Agora, esses tipos de apelos têm uma dupla
vantagem: primeiro, eles são muito
apropriadamente atos de nossa fé, pelos quais
não somente mostramos a nossa crença nos milagres de Cristo, como também os
transformamos ao mesmo tempo em muitas
instâncias de culto e adoração. Em segundo lugar, eles fortalecem e aumentam
a fé de nossas orações, ao apresentarem à nossa
mente tantos casos daquele poder e bondade,
que apelamos para a nossa própria assistência.
Porque o que apela a Cristo, como quem tem o
poder de expulsar demônios e ressuscitar os mortos, então tem um motivo poderoso em sua
mente para orar sinceramente, e depender
fielmente da sua assistência.
Mais uma vez, a fim de encher suas orações com
excelentes meios de devoção, pode ser de utilidade que você observe mais esta regra:
Quando, em qualquer momento, quer na leitura
da Escritura, ou de qualquer livro de piedade
você se encontrar com uma passagem, que mais do que o normal afete a sua mente e parece
como se fosse dar ao seu coração um novo
impulso em direção a Deus, você deve tentar
transformá-lo numa forma de petição e, então, dar-lhe um lugar em suas orações.
Por este meio você poderá, muitas vezes,
melhorar suas orações e se equipar com formas
apropriadas, para fazer os desejos do seu
111
coração conhecidos diante de Deus.
Em todas as horas determinadas de oração será
de grande benefício para você, ter algo fixo e em
liberdade, nas suas devoções.
Você deve ter algum tema fixo, que deve ser constantemente o principal motivo de sua
oração naquele momento em particular, e ainda
ter liberdade para adicionar outras petições,
como a sua condição pode então exigir. Por exemplo, como a parte da manhã é como o início
de uma nova vida; assim como Deus lhe deu um
novo regozijo em si mesmo, e uma renovada
entrada para o mundo, é altamente adequado que suas primeiras devoções sejam um louvor e
ação de graças a Deus, por esta nova criação, e
que você deve oferecer e dedicar corpo e alma,
tudo o que você é, e tudo o que tem, a seu
serviço e glória.
Receba, portanto todos os dias como uma
ressurreição da morte, como uma nova
apreciação da vida; receba cada sol nascente
com tais sentimentos da bondade de Deus. Deixe que o louvor, ação de graças, e a oferta de
si mesmo para Deus sejam sempre o assunto
fixo e certo de sua primeira oração pela manhã,
e então tome a liberdade de adicionar as outras devoções, como a diferença acidental de sua
condição ou seu coração, e tudo o mais que seja
mais necessário e conveniente para você.
Porque um dos maiores benefícios de devoção
112
privada consiste na adaptação de nossas orações
a essas duas condições, relativas à diferença de
nosso estado, e à diferença dos nossos corações.
Por diferença do nosso estado, me refiro às
mudanças de nossas condições externas, como doença, saúde, dores, perdas, decepções,
problemas, misericórdias ou juízos de Deus, e
todos os tipos de bondades, lesões ou
reprovações de outras pessoas.
Agora, como estes são grandes partes do nosso estado de vida, como fazem grande diferença
nele, mudando continuamente, por isso a nossa
devoção será feita duplamente benéfica para
nós quando se destina a receber e santificar todas essas mudanças do nosso estado, e
transformá-los numa aplicação mais especial a
Deus.
A próxima condição, para a qual devemos
sempre adaptar algumas partes de nossas orações, é a diferença de nossos corações em
relação ao amor, alegria, paz, tranquilidade,
doçura e aridez de espírito; ansiedade,
descontentamento, inveja, ambição, tristeza, pensamentos desconsoladores, sentimentos,
ressentimentos e toda sorte de disposições
impertinentes.
Agora, como esses comportamentos, em razão
da fraqueza de nossa natureza terão sua
113
sucessão mais ou menos, mesmo nas mentes
piedosas, deste modo devemos fazer
constantemente o estado atual do nosso
coração, o motivo de alguma petição específica
para Deus.
Se estamos na calma prazerosa de doces e
suaves sentimentos de amor e alegria em Deus,
devemos então, oferecer o tributo de ações de
graça pela posse de tanta felicidade, agradecendo e lhe reconhecendo como sendo o
Doador de tudo isto.
Se por outro lado, nos sentimos
sobrecarregados e oprimidos, com ansiedade
de espírito e mal-estar, devemos então olhar para Deus em atos de humildade, confessando
nossa indignidade, contando nossos problemas
a ele, rogando-lhe para diminuir o peso das
nossas fraquezas, e livrar-nos de tais sentimentos que se opõem à pureza e à
perfeição de nossa alma.
Agora, por observarmos isto e atendermos ao
estado atual de nossos corações, adequando
algumas de nossas petições exatamente à sua necessidade, devemos não somente estar bem
familiarizados com os distúrbios de nossa alma,
mas também ser bem exercitado no método de
curá-los.
114
Embora o espírito de devoção seja dom de Deus,
e não atingível por qualquer mero poder
propriamente nosso, todavia é dado
principalmente, e nunca retido, para aqueles que por um uso sábio e diligente uso de meios
adequados, se preparam para a recepção do
mesmo.
E é incrível ver, quão ansiosamente os homens
empregam sua sagacidade, tempo, estudo, aplicação e exercício, quando alguma coisa se destina a atender suas intenções e desejos em
assuntos mundanos; e quão negligentemente e
tão poucos usam sua sagacidade e habilidades, para elevar e aumentar a sua devoção!
Para corrigir esse comportamento e encher um
homem com um espírito bastante contrário a
isto, não parece haver nada mais necessário, do
que a nua fé da verdade do cristianismo.
Para concluir este capítulo, DEVOÇÃO nada
mais é do que certas apreensões e afeições
corretas para com Deus.
Todas as práticas, portanto que aumentam e
melhoram as nossas verdadeiras apreensões de Deus, todas as formas de vida que tendem a
nutrir, levantar, e corrigir nossas afeições sobre
ele, devem ser contadas como meios de ajuda
para nos encher de devoção.
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Como a oração é o combustível adequado desta
chama sagrada, por isso devemos usar todo o
nosso cuidado e artifício para dar à oração todo
o seu poder, como por esmolas, abnegação, retiros, e as leituras sagradas, observando horas
de oração, mudando, improvisando,
e adequando nossas devoções à condição de
nossa vida, e ao estado dos nossos corações.
Aqueles que têm mais tempo livre parecem ser mais especialmente chamados, a uma
observância mais eminente dessas regras
sagradas de uma vida devota.
E aqueles que pela necessidade de seu estado, e
não através de sua própria escolha, que têm pouco tempo para empregar na devoção devem
fazer por esta razão, o melhor uso do pouco que
têm, pois este é o caminho certo de fazer a
oração produzir uma vida devota.
116
10 – Citações do Décimo Quinto
Capítulo Sobre cantar os Salmos em nossas devoções particulares. E sobre a excelência e benefício deste tipo de devoção, pelos grandes efeitos que ela tem sobre nossos corações. E sobre os meios de fazê-lo da melhor maneira.
Efésios 5:19 - falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com
hinos e cânticos espirituais,
Colossenses 3:16 - Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos
mutuamente em toda a sabedoria, louvando a
Deus, com salmos, e hinos, e cânticos
espirituais, com gratidão, em vosso coração.
Você já viu no capítulo a sua devoção. Quão
cedo você deve começar suas orações, e o que
deve ser o objeto de suas primeiras devoções
pela manhã.
Há ainda uma coisa restante, que deve ser observada anterior, o que significa e quais são os
métodos para aumentar e melhorar e não pode
ser negligenciada, sem grande prejuízo às suas devoções.
117
E isto é, que você deve começar todas as suas
orações com um Salmo.
É tão certo e tão benéfico para a devoção, porque tem muito efeito em nossos corações. Eu não
quero dizer, que você deve ler um Salmo, mas
que você deve cantá-lo.
Deve ser considerada a importância de se cantar
um Salmo no início de suas devoções, por ser
algo que despertará tudo o que é bom e santo
dentro de você, e que chamará o seu espírito ao seu dever apropriado, para ajustá-lo em sua
melhor postura para o céu, sintonizando todos
os poderes de sua alma para a adoração.
Pois não há nada que tão melhor limpe o caminho para suas orações, nada que tanto
expulse a indolência de coração, nada que
purifique a alma das paixões pobres e pequenas,
nada que abra o céu, ou conduza o seu coração para tão perto dele, como essas canções de
louvor.
Elas criam um sentido e prazer em Deus, elas
despertam santos desejos, lhe ensinam a pedir,
e prevalecem com Deus para atender suas petições. Elas acendem uma chama sagrada e
transformam seu coração em um altar, suas
orações em incenso, e as conduzem como um
doce aroma suave ao trono da graça.
118
A diferença entre cantar e ler um Salmo será
facilmente compreendida, se você considerar a
diferença entre ler e cantar uma canção comum
que você goste. Enquanto apenas a lê, você somente gosta da letra, e isso é tudo, mas assim
que a canta, então você a aprecia, sente o prazer
e a emoção dela, que se apodera de você; suas emoções entram em ritmo com ela e sente
dentro de si o mesmo espírito que parece estar
nas palavras.
Se você tivesse que dizer a uma pessoa que tem
essa canção, que não precisa cantá-la, que seria
suficiente ler, ela iria querer saber o que você quis dizer, e achar que lhe pediu um absurdo,
como se tivesse lhe dito que somente deveria
olhar para a comida, para ver se era boa, mas não
precisava comê-la; porque um cântico de louvor não cantado, é muito parecido com qualquer
outra coisa boa da qual não se fez uso.
Talvez você diga que cantar é um talento
especial, que pertence somente a determinadas
pessoas, e que você não tem nem voz, nem ouvido para cantar qualquer música.
Se você tivesse dito que cantar é um talento
geral, no qual as pessoas diferem como em todas
as outras coisas, você teria dito alguma coisa muito mais verdadeira, pois as pessoas diferem
muito no talento de pensar, que não é somente
comum a todos os homens, mas parece ser a
própria essência da natureza humana. No entanto, ninguém deseja ser dispensado do
119
pensamento, ou razão, ou discurso, porque não
tem esses talentos, como algumas pessoas o
possuem. Se uma pessoa viesse a deixar de orar, porque
tinha um estranho tom em sua voz, ela teria uma
boa desculpa para não cantar Salmos, por ter pouca voz.
Em segundo lugar, esta objeção poderia ser de algum peso, se você fosse cantar para entreter
outras pessoas, mas isto não é para ser admitido
no presente caso, onde você só está obrigado a cantar os louvores de Deus, como uma parte de
sua devoção privada.
Todos os homens são cantores, da mesma forma
como todos os homens pensam, falam, riem e
choram.
Cada estado do coração, naturalmente, coloca o
corpo em algum estado que é adequado para ser mostrado a outras pessoas. Se um homem está
com raiva, ninguém precisa lhe instruir como
expressar essa paixão pelo tom de sua voz. O
estado de seu coração o conduzirá ao uso
adequado da sua voz.
Se, portanto, existem, senão poucos cantores de
músicas divinas, se as pessoas querem ser
excluídas desta parte da devoção, é porque são
poucos, cujos corações são elevados à altura da
120
piedade, e sentem impulsos de alegria e prazer
nos louvores a Deus.
Imagine a si mesmo, como se tivesse estado
com Moisés quando conduzia o povo através do
Mar Vermelho, e você tivesse visto as águas se dividirem, e que estas caíssem sobre seus
inimigos depois de tê-lo atravessado em
segurança, então teria voz para cantar louvores
a Deus juntamente com Moisés: “O Senhor é a minha força, e o meu cântico, e se tornou a
minha salvação, etc.”.
Eu sei, e seu coração lhe diz que todas as pessoas
naquela ocasião devem ter entoado louvores. E
isto, lhe ensina que é o coração que afina a voz para cantar os louvores de Deus; que se você não
pode cantar essas mesmas palavras agora com
alegria, é porque não está tão afetado com a
salvação do mundo por Jesus Cristo, como os israelitas ficaram com a sua libertação no Mar
Vermelho.
Se você, então, despertar o seu coração, ele tão
naturalmente cantará as palavras do Salmo,
como ele ri quando está satisfeito. Este será o
caso em cada música que tocar o coração.
Se você puder dizer com Davi, “meu coração
está firme, ó Deus, meu coração está firme”;
será muito fácil e natural adicionar a isto, como
ele fez, eu vou cantar e louvar, etc.
121
Em segundo lugar, vamos agora considerar
outra razão para este tipo de devoção. Como o
canto é um efeito natural da alegria no coração,
por isso tem também um poder natural de
tornar o coração alegre.
A alma e o corpo são tão unidos, que cada um
deles tem poder sobre o outro em suas ações.
Certos pensamentos e sentimentos na alma
produzem tais e tais movimentos ou ações no corpo, e, por outro lado, certos movimentos e
ações do corpo têm o mesmo poder de
aumentar tais e tais pensamentos e sentimentos
na alma. Porque, como o canto é o efeito natural da alegria na mente, por isso é tão
verdadeiramente uma causa natural que eleva a
alegria na mente, pois há aqui uma recíproca
relação de causa e efeito.
Como a devoção do coração faz surgir naturalmente atos de oração, de igual modo os
atos de oração são meios naturais para elevar a
devoção do coração.
Como a raiva produz palavras de raiva, então
palavras iradas aumentam a ira.
Embora, a sede da religião esteja no coração, mas uma vez que nossos corpos têm um poder
sobre nossos corações, e que as ações tanto
procedem, quanto entram no coração, está
claro que as ações externas têm um grande
122
poder sobre essa religião que está sediada no
coração.
Devemos tanto usar ajuda externa, quanto
interna em nossa meditação, a fim de gerar e
corrigir hábitos de piedade em nossos corações.
Esta doutrina pode ser facilmente levada longe demais, pois, se dependermos de muitos meios
exteriores de adoração, isto pode degenerar em
superstição; como, por outro lado, alguns têm
caído no extremo contrário. Porque para provar a religião sediada no coração, alguns têm
exercido essa noção, até agora, como renúncia à
oração vocal, e outros atos exteriores de
adoração, como o louvor, e têm resumido toda a sua religião em um quietismo, ou relação
mística com Deus em silêncio. (Vemos neste
capítulo dedicado por William Law ao louvor, de
onde os Wesleys retiraram a sua apreciação para a música evangélica, especialmente
Charles, que se tornou um grande compositor
de hinos, e o quanto eles e os Metodistas se
dedicaram ao louvor em suas congregações –
nota do tradutor.)
Ora, estes são dois extremos igualmente
prejudiciais à verdadeira religião, não devem
ser achados quer no culto interno ou
externo. Pois desde que não somos somente alma, nem somente corpo, por não serem
nenhuma de nossas ações separadas da alma ou
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do corpo, sabendo que os hábitos são produzidos
tanto em nossa alma quanto em nosso corpo, é
certo, que, para se chegar a hábitos de devoção
ou prazer em Deus devemos não somente meditar e exercitar nossa alma, mas praticar e
exercitar nosso corpo para todas aquelas ações
externas, por serem conformes a esses temperamentos interiores, entre os quais
podemos citar o hábito de cantar louvores.
Se quisermos verdadeiramente prostrar nossa
alma diante de Deus, devemos usar nosso corpo em posturas de humildade; se desejamos
verdadeiro fervor de devoção, devemos fazer da
oração o trabalho frequente de nossos lábios.
Se quisermos banir todo o orgulho e paixão de nossos corações, nós devemos nos forçar a
todas as ações exteriores de paciência e
mansidão. Se quisermos sentir os movimentos
interiores de alegria e prazer em Deus, devemos praticar todos os atos externos relativos a isto, e
fazer a nossa voz se ajustar ao nosso coração.
(Veja como Law expressa de modo bastante
convincente e magistral a importância dos atos
exteriores de devoção, em conjunção com nossos sentimentos e emoções internos – nota
do tradutor.)
Agora, pois, você pode ver claramente que a
razão e necessidade do cântico dos Salmos é
porque são necessárias ações externas para
apoiar as disposições interiores, portanto o ato
124
externo de alegria é necessário para aumentar e
apoiar a alegria interior da mente.
Toda oração, devoção, jejuns e arrependimento,
meditação e retiros espirituais, a santa ceia, o
batismo, e todas as ordenanças têm por alvo senão tornar a alma, assim, santa, conforme à
vontade de Deus, para enchê-la com gratidão e
louvor por cada coisa que vem de Deus. Esta é a
perfeição de todas as virtudes; e todas as virtudes que não tendem a isso, ou não
procedam disso são senão falsos ornamentos de
uma alma não convertida a Deus.
Você não precisa, portanto perguntar agora,
porque eu dou tanta ênfase à importância de cantar um Salmo em todas as suas devoções,
pois você vê que é para encher seu espírito de
alegria e gratidão a Deus, que é a mais alta
perfeição de uma vida divina e santa.
(Numa palavra final, mas que não esgota o assunto apresentado por William Law em seu
livro, podemos observar porque os que estavam
associados a John Wesley foram chamados de
metodistas – eles adotaram toda esta forma metódica de viver em santa devoção a Deus,
conforme haviam aprendido das palavras e vida
de Law, e por isso triunfaram em seus dias,
prevalecendo com Deus e sendo usados poderosamente para espalhar conversões ao
Evangelho aonde quer que fossem, e
125
igualmente nós, se nos aplicarmos a estes
mesmos princípios que nada mais são do que
aquilo que nos é ordenado nas Escrituras,
também prevaleceremos, ainda que não seja nas mesmas proporções que eles em seus dias,
conforme lhes foi propiciado pelo poder de
nosso Senhor Jesus Cristo – nota do tradutor.)