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UMA AULADE MUSEOLOGIA DE PAUL VALÉRY: CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO TEXTO LE PROBLÈME DES MUSÉES Roberto Carvalho de Magalhães 1 Resumo O texto interpreta um artigo de Paul Valéry sobre museus, publicado em 1923. O seu foco é a ideia enunciada pelo poeta e ensaísta francês de que as obras de arte em um museu são como crianças órfãs, que perderam sua mãe, a arquitetura. A exploração do texto de Valéry é antecedida por uma breve exposição da relação entre literatos e crítica de arte, especialmente na França, e de um excursus sobre as ideias sobre arte de Paul Valéry. Tornando explícito o que Valéry deixa embutido nas entrelinhas, o autor faz uma análise das relações com a arquitetura que estão na gênese das obras de arte visual e que não são levadas em consideração nos museus tradicionais, limitando a experiência ótico-física e inteletiva das obras por parte dos observadores. Palavras-chave: Museu. Museologia. Arquitetura. Crítica de arte. História da arte. Paul Valéry. É comum que muitos literatos usurpem o papel de críticos de arte. Frequentemente, com resultados catastróficos; às vezes, interessantes; raramente, excepcionais. O que os literatos veem nas artes visuais é, essencialmente, aquilo que eles têm na própria disciplina: palavras. Fazem das obras ilustrações para significados, para conteúdos semânticos que podem traduzir na própria linguagem. Não importa quanto 1 Mestre em Crítica de Arte, Museologia e Teoria da Conservação. Professor de História da Arte e Museologia. Università Internazionale dell’Arte, Firenze (Itália). [email protected]

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uma “aula” dE musEologia dE paul valéry: considEraçõEs Em torno do tExto lE problèmE dEs muséEs

Roberto Carvalho de Magalhães1

ResumoO texto interpreta um artigo de Paul Valéry sobre museus, publicado em 1923. O seu foco é a ideia enunciada pelo poeta e ensaísta francês de que as obras de arte em um museu são como crianças órfãs, que perderam sua mãe, a arquitetura. A exploração do texto de Valéry é antecedida por uma breve exposição da relação entre literatos e crítica de arte, especialmente na França, e de um excursus sobre as ideias sobre arte de Paul Valéry. Tornando explícito o que Valéry deixa embutido nas entrelinhas, o autor faz uma análise das relações com a arquitetura que estão na gênese das obras de arte visual e que não são levadas em consideração nos museus tradicionais, limitando a experiência ótico-física e inteletiva das obras por parte dos observadores.Palavras-chave: Museu. Museologia. Arquitetura. Crítica de arte. História da arte. Paul Valéry.

É comum que muitos literatos usurpem o papel de críticos de arte. Frequentemente, com resultados catastróficos; às vezes, interessantes; raramente, excepcionais. O que os literatos veem nas artes visuais é, essencialmente, aquilo que eles têm na própria disciplina: palavras. Fazem das obras ilustrações para significados, para conteúdos semânticos que podem traduzir na própria linguagem. Não importa quanto

1 Mestre em Crítica de Arte, Museologia e Teoria da Conservação. Professor de História da Arte e Museologia. Università Internazionale dell’Arte, Firenze (Itália). [email protected]

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grande seja o escritor: a qualidade da sua crítica de arte não é, obrigatoriamente, proporcional à sua importâcia literária.

Na primeira categoria, a dos resultados catastróficos, encaixa-se, por exemplo, o escritor americano Henry James. Autor de uma série memorável de romances e contos – dentre os quais, Retrato de senhora, Washington Square, Os europeus, A princesa Casamassima, A musa trágica e Daisy Miller –, James também praticou a crítica de arte. Mas, em suas resenhas sobre as exposições londrinas e em outros escritos, que ecoam vagamente os Salons dos literatos franceses, a falta de um método para estudar as razões profundas e específicas da pintura, para além do encanto aparente, barra-lhe a compreensão, entre outros fenômenos, da nascente arte moderna – a saber, do “grosseiro” Manet e de seus descendentes – e o leva a preferir outros fenômenos artísticos em que as referências ao mundo da literatura ou a elementos narrativos e simbólicos prevalecem, como no caso dos pintores pré-rafaelitas. O seu modo específico de se aproximar da pintura, – ou seja, menosprezando as questões que lhe são inerentes, como a técnica, a composição ou, simplesmente, o estilo –, manifesta-se de forma explícita num artigo sobre o livro de Eugène Fromentin, Les maîtres d’autrefois: “É algo mesquinho ou obtuso não entender que a fruição inteligente ou profunda dos quadros consiste em uma indiferença soberana por este ‘escrutar dentro deles’”2. Seria como dizer: leiam um livro sem se preocupar em aprender a ler...

James direciona a relação com a obra para a esfera do deleite, do prazer, ligando-a intrinsecamente ao gosto e aos limites das experiências pessoais do observador, que se torna, assim, mero fruidor subjetivo. O observador não procura entrar no mundo do artista, mas pede ao artista que satisfaça as suas expectativas. Não realiza uma ação de cognição, mas usa a obra como objeto do próprio deleite. Sendo assim, o gosto, os valores morais, a decência, com todos os limites estabelecidos por uma

2 O artigo, cujo título é o mesmo do livro de E. Fromentin, foi publicado em The Nation, em 13 de julho de 1876, e aparece nas coletâneas The Painter's Eye (Glasgow: University Press, 1956) e La stagione delle mostre (Tradução Paola Frandini. Palermo: Edizioni Novecento, 1993).

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visão de mundo pessoal pré-estabelecida, tomam a dianteira do conhecimento.

Os destinatários dos artigos de Henry James eram os leitores do novo continente – curiosos de pintura, mas, acima de tudo, de crônicas de vida social provenientes da Europa. Quando as observações de costumes, as descrições de ambientes e as análises de comportamento ocupam o primeiro plano e quando o crítico de arte é substituído pelo narrador, só então reencontramos o grande escritor3.

Na segunda categoria, a dos resultados interessantes, encontramos Émile Zola, o autor de O Germinal. Amigo de Paul Cézanne e aspirante pintor na adolescência, Zola transforma-se num dos maiores romancistas franceses do século XIX, sem, porém esquecer completamente a sua paixão juvenil. De fato, no início da sua carreira de escritor, exerce a crítica de arte com certa constância e fervor. Recolhendo a herança de Baudelaire – do qual falaremos mais adiante –, Zola intui, entre outras coisas, a novidade e a força da pintura de Manet. Partindo do pressuposto que “arte” é afirmação do indivíduo contra a norma e os comportamentos convencionais, exorta seus leitores a abandonarem as ideias de perfeição e de beleza ideal, descreditando o conceito segundo o qual “uma coisa é bela porque perfeita do ponto de vista de certas convenções físicas e metafísicas”. Dessa forma, desde os textos publicados em L’Evénement, em 1866,4 Zola contribui com a fundação das

3 Convém lembrar que, na segunda metade do século XIX, Londres, residência eleita pelo escritor americano, não era um observatório privilegiado no que diz respeito seja à qualidade e à intensidade, seja à variedade do debate artístico. O lugar ideal era Paris. Henry James mantém estreitas relações com a cultura francesa; mas as suas resenhas sobre as exposições londrinas, que ecoam os Salons dos literatos do continente, são caracterizadas por certa moralidade puritana, que compromete toda e qualquer clarividência crítica.

4 Série de artigos publicados sob o título geral de Mon Salon, da qual faz parte M. Manet, de 7 de maio do mesmo ano. Os artigos de Zola relativos a Édouard Manet estão recolhidos no volume Pour Manet, apresentado e organizado por Jean-Pierre Leduc-Aline. Bruxelles: Éditions Complexe, 1989. Além disso, a totalidade dos textos sobre arte de Émile Zola pode ser encontrada e consultada no site de Les Cahiers naturalistes, no link que segue: <http://www.cahiers-naturalistes.com/ecritsarts.htm>.

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bases para uma análise pragmática e imanentista da atividade artística, liberando-a das superestruturas ideológicas, morais e sociais e procurando vê-la através os instrumentos específicos do artista – exatamente o que Henry James se recusaria a fazer pouco mais tarde. Em outras palavras, Zola procura na arte a sua especificidade. Sem dúvida, isso o ajudou a individuar concretamente a originalidade da pintura de Manet e a dar início ao difícil e longo processo de compreensão e reconhecimento histórico da sua obra.

Entretanto, Zola passa gradativamente de uma compreensão ampla e da adesão incondicional, nos anos 60, à obra de Manet, a uma posição polêmica em relação ao pintor de Olympia, aos impressionistas e ao ex-colega de escola e amigo da juventude, Paul Cézanne. Em um artigo de 1879, Les impressionistes et Manet, diante da radicalização do estilo abreviado e de pinceladas impetuosas do pintor, Zola escreve: “o seu longo combate contra a incompreensão do público se explica com a dificuldade que [Manet] tem na execução... Se, nele, o aspecto técnico igualasse a justeza das suas percepções, ele seria o grande pintor da segunda metade do século XIX... Aliás, todos os pintores impressionistas pecam por insuficiência técnica”5. A esta altura, Zola não parecia mais capaz de reconhecer a independência expressiva do artista em relação às “convenções físicas e metafísicas”, que havia combatido energicamente na década anterior.

Enfim, no romance L’œuvre, inteiramente dedicado aos protagonistas da revolução impressionista, Zola se baseia nas obras de Manet e Monet e na biografia de Paul Cézanne para construir a figura negativa do falido pintor Claude Lantier, acusado, pelo narrador, de “impotência em ser o gênio da fórmula que trazia consigo”6. Aliás, na época da publicação do

5 ZOLA, E. Les impressionists et Manet. Pour Manet, op. cit., p. 171.6 O romance foi, inicialmente, publicado em capítulos no periódico Gil Blas, a

partir de dezembro de 1885. A sua primeira publicação em volume ocorreu em 1886.

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romance, Cézanne já havia dado início ao processo expressivo que levaria ao seu estilo construtivo “pré-cubista” e realizado algumas telas cruciais da sua carreira – e notáveis para nós, hoje – como Rochedos em l’Estaque (1882-1885, Museu de Arte de São Paulo), sem que Zola manifestasse interesse pela obra do amigo através de um artigo sequer. O arrojo crítico da sua estreia como crítico de arte se transforma numa visão conservadora e, de certa forma, intolerante da independência do artista7.

No grupo restrito dos escritores que se dedicam à crítica de arte com resultados que se podem dizer excepcionais, encontra-se Charles Baudelaire. Autor de três Salons (1845,1846 e 1859) e, entre outros escritos sobre arte, de uma monografia sobre Delacroix, L’Œuvre et la vie d’Eugène Delacroix (1863), recolhidos no volume Curiosités esthétiques em 1868, o poeta, talvez desenvolvendo uma ideia subjacente no conto Le Chef d’œuvre inconnu (1831), de Balzac, aprofunda a questão da oposição entre cor e desenho na pintura. Desde a publicação de Le vite dei più eccellenti pittori, scultori e architetti, de Giorgio Vasari, e da fundação da Accademia delle Arti del Disegno, em Florença, no século XVI, tinha-se afirmado a ideia crítica da supremacia do desenho como elemento fundamental da pintura e da escultura. A cor, considerada um elemento imponderável e irracional, era vista como subalterna à perspectiva linear, ao volume, à ideia de proporção da figura humana, ao chiaroscuro que determina a plasticidade dos objetos representados; enfim, todos eles elementos do desenho que, acreditava-se, eram os verdadeiros responsáveis pela vida das imagens8. Era essa, aliás,

7 Sobre a contribuição dos escritores ao debate sobre as artes visuais e, especialmente, sobre o papel dos escritores franceses, vedi MAGALHÃES, Roberto Carvalho de. A pintura na literatura. Literatura e Sociedade, São Paulo, n. 2, p. 69-88, 1997. Disponível em: <http://dtllc.fflch.usp.br/revistaliteratura>.

8 É preciso distinguir, aqui, entre a afirmação de um conceito teórico e a atividade dos artistas. Apesar da difusão da ideia do desenho como alicerce da pintura, não faltam exemplos de pintores que não se alinham – ao menos de forma exclusiva – a esse preceito. Entre eles, citamos Tiziano e Tintoretto, representantes da pintura veneta, Rembrant, Rubens, para os quais a importância da cor vai muito além de

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a visão predominante no ensino das artes da École des Beaux-arts parisiense e da rede oficial de ensino em toda a França até, pelo menos, o final do século XIX. De fato, era baseando-se nesse princípio que Charles Bargues, com o auxílio de Jean-Léon Jérôme, tinha criado o seu curso de desenho de grande difusão, que consistia em 197 litografias publicadas por Goupil e Cie entre 1866 e 1871. A École des Beaux-arts, de onde, tradicionalmente, saíam todos os jurados do Salon annuel de peinture et sculpture, não previa o uso de tintas e pincéis nos primeiros dois anos, que eram dedicados exclusivamente à prática do desenho.

Desde o seu primeiro Salon, em 1845, Baudelaire dá a entender que a afirmação da superioridade da cor sobre o desenho será uma das suas batalhas. Invertendo o conceito vasariano da “superioridade do desenho” da escola florentina em relação à “preponderância da cor” da escola veneziana, Baudelaire defende a supremacia do colorismo de Delacroix em relação à pintura neoclássica ou neorafaelesca de Jean-Auguste-Dominique Ingres. Dessa forma, abre as portas não só à compreensão da pintura divergente dos preceitos acadêmicos, mas contribui, também, com a indicação de uma nova via possível de expressão, que culminará, poucos anos depois da sua morte (1867), com a revolução impressionista e os seus desdobramentos.

No seu Salon de 1846, ganha força a ideia de que não existe beleza ideal, mas que o belo se encontra na expressão sincera do temperamento do artista. Baudelaire opõe-se, assim, de forma geral, à crítica de origem winckelmanniana, que colocava acima do temperamento individual um ideal de beleza enraizado na

um simples papel subalterno ao desenho. Por outro lado, o próprio Michelangelo desmente o lugar-comum dos pintores toscanos como “desenhadores” exclusivos, substituindo o chiaroscuro tradicional por modulações cromáticas em muitas das suas figuras da abóbada da Capela Sistina. O fenômeno – ocultado por séculos de escurecimento determinado pela fumaça e pelo envelhecimento das mãos de cola e ovo, prática utilizada antigamente para se restabelecer a vivacidade das cores –, reemergiu com toda a sua força após a limpeza dos afrescos no final da década de Oitenta do século passado, criando não pouca confusão entre os estudiosos que, no rastro de Vasari, indicavam Michelangelo como o representante máximo da supremacia do desenho sobre a cor.

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Antiguidade clássica. É esse pensamento que está na origem das ideias da crítica de arte de Zola dos primeiros e reveladores escritos sobre arte. Desse modo, a beleza torna-se uma forma de preconceito, um limite à compreensão da atividade artística, e abre-se a porta para a ideia de expressão, que reconduz a crítica de arte ao artista e à sua linguagem, não mais vista pelo viés de convenções ou regras impessoais. Assim, na sua crítica de arte, Baudelaire se aproxima muito do ponto de vista dos artistas e tende a usar os mesmos instrumentos usados por eles no ato da criação – exatamente o oposto do que dissemos a respeito de Henry James9.

Evidentemente, um simples resumo não pode dar conta – e nem é o nosso objetivo neste ensaio – da complexa e multifacetada atividade como críticos de arte realizada por escritores como Baudelaire e Zola. Porém, nos ajuda a entrever a riqueza do debate sobre a arte entre os escritores franceses no século XIX e nas primeiras décadas do século vinte. Muitos outros nomes podem ser citados, entre os quais, os irmãos Goncourt, Théophile Gautier, Stendhal – cuja Histoire de la peinture en Italie (1817) forneceu, sem dúvida, material de reflexão para Baudelaire – e Marcel Proust, o qual, antes de se tornar o autor de À la recherche du temps perdu, tinha a ambição de se tornar um crítico de arte. Cada qual com o seu nível de compreensão e clarividência. É nesse contexto – e como herdeiro de uma verdadeira tradição de escritores-críticos-de-arte – que se insere o poeta, filósofo e ensaísta Paul Valéry.

Uma singularidade de Valéry em relação aos escritores citados acima reside no fato que a sua produção poética é

9 As “gramáticas” das artes visuais, com intrumentos para se estudar as obras de arte na sua linguagem específica, começam a tomar corpo no século XIX e se desdobram em verdadeiros tratados no século XX. Entre eles, citamos Stilfragen (1893) e Historische Grammatik der bildenden Künste (1899), de Alois Riegl; Kunstgeschichtliche Grundbegriffe. Das Problem der Stilentwicklung in der neueren Kunst (1915), de Heinrich Wölfflin; Die Kunstliteratur (1924), de Julius von Schlosser; Come si guarda un quadro (1927) e Saper vedere (1933), de Matteo Marangoni; La vie des formes (1934), de Henri Focillon. Uma análise de todas essas contribuições para o desenvolvimento da crítica estilística da arte na primeira metade do século encontra-se em Profilo della critica d’arte in Italia (1948), de Carlo L. Ragghianti.

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relativamente limitada, se comparada com a sua produção filosófica e ensaística em geral. Os seus Cahiers, uma espécie de diário intelectual e de exploração psicológica de si, e os seus escritos filosóficos superam abundantemente a exiguidade da sua poesia. No que diz respeito aos escritos sobre arte, Valéry estreia em 1894, com a publicação de Introduction à la méthode de Léonard de Vinci. Em 1936, publica o ensaio Degas – Danse, dessin, livro antecedido por outros escritos sobre arte, recolhidos, em 1934, no volume Pièces sur l’art. Entre esses escritos, encontra-se Le problème des musées, publicado pela primeira vez no jornal Le Gaulois, em 192310. Antes, porém, de explorar o texto que nos interessa, vale a pena fazer uma rápida digressão sobre algumas ideias de Paul Valéry sobre a arte.

Seja no artigo Autour de Corot, seja em Degas – danse, dessin, o escritor atribui à pintura de paisagem, especialmente ao plein air nas modalidades com que se afirmou no curso do século XIX, a culpa de ter reduzido o “papel do trabalho intelectual” na arte. Valéry sustenta que a paisagem, no fundo, é “uma parte de obra” e não a obra inteira. Esta, segundo ele, prevê muitas outras operações mentais e executivas (o metiê perdido dos antigos), como a “composição”, a “perspectiva”, o desenho da figura em infinitas posições e ações, etc. A sua censura não está dirigida a grandes pintores do passado recente como Camille Corot ou Édouard Manet, mas a eles é atribuída a culpa de ter dado o exemplo. A culpa do primeiro seria ter demonstrado que era possível criar uma obra de arte tendo somente a paisagem como assunto; a do segundo, ter mostrado o caminho para o estilo “abreviado”, de pinceladas rápidas, negligentes do “acabamento” e da “composição”11. Diga-se, desde já, que a

10 VALÉRY, Paul. Le problème des musées. Œuvres, tomo II, Pièces sur l’art. Gallimard: Bibl. de la Pléiade, 1960. p. 1290-1293.

11 A ideia de que Manet e os pintores impressionistas pintassem “casualmente” uma paisagem, uma cena urbana, doméstica, etc., sem se preocupar com o enquadramento e a composição foi sustentada por Émile Zola e se tornou um verdadeiro lugar-comum sobre a “espontaneidade” desses pintores. Porém, um exame cuidadoso das obras de Manet, Monet, Degas, Pissaro, sob esse aspecto, revela uma realidade muito diferente. Um dos exemplos mais eloquentes de “cálculo” no enquadramento e na composição desses pintores é o uso, por parte

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“facilidade” também pode ser atribuída aos antigos – não aos assim-chamdos “artistas motores”, ou seja, aos criadores de uma nova linguagem e de uma nova expressão, e sim ao interminável rol de “seguidores” menores, os quais, com certeza, possuíam o “metiê”, mas se limitavam, fundamentalmente, a reproduzir e difundir as ideias dos “mestres maiores”. Aliás, é esse um dos argumentos de Charles Baudelaire contra a École des Beaux-arts e os seus preceitos: a imposição de um método que não leve em consideração o temperamento do aspirante a artista leva à impessoalidade e à repetição.

Porém, exatamente a ausência de preceitos – ou melhor, a incapacidade de compreender o processo de substituição dos preceitos acadêmicos por uma nova ideia da pintura, ou seja, exatamente a pintura em que o desenho é subordinado à cor, como havia teorizado Baudelaire mais de meio século antes – leva Valéry a escrever:

[...] quanto mais se distancia a época em que a perspectiva e a anatomia não eram completamente negligenciadas, tanto mais a pintura se limita ao trabalho a partir do modelo, inventa, compõe e cria menos.O abandono da anatomia e da perspectiva foi, simplesmente, o abandono da ação da mente na pintura a favor somente da diversão instantânea do olho (VALÉRY, 1996, p. 34).

Ou ainda:

É assim que o interesse pela paisagem mudou progressivamente. De acessório de uma ação, mais ou menos a ela subordinado, tornou-se um lugar de maravilhas, depositário de fantasias, prazer dos olhos

de Manet, na sua tela Déjeuner sur l’herbe (1863), de um detalhe de uma gravura de Marcantonio Raimondi (Bolonha, cerca de 1475 – 1534), Julgamento de Páris, realizada a partir de uma obra perdida de Rafael. Na organização das três figuras em primeiro plano da sua tela, Manet recalca visivelmente o grupo de figuras à direita da cena do julgamento da gravura antiga. Isso revela não só o “cálculo” na obra de Manet, mas, também, a sua “dívida” com a tradição. Para se aprofundar os aspectos compositivos da obra de Manet e a sua relação com a tradição, veja CARVALHO, Roberto de Magalhães. “Tradizione” e “invenzione”. Due tele di Manet nel Museo d’Arte di San Paolo. Critica d’Arte, n. 11-12, 1992.

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distraídos... Depois, a impressão prevalece: a matéria ou a luz predominam.Observa-se, então, que o reino da pintura é invadido, em poucos anos, pelas imagens de um mundo sem homens. O mar, a floresta, os campos desertos satisfazem a maior parte dos espectadores. Derivam disso muitas consequências importantes. Visto que as árvores e os campos são muito menos familiares do que os animais, a liberdade da arte aumenta, as simplificações tornam-se comuns, até mesmo grosseiras. Se se representasse uma perna ou um braço como se faz com um galho, ficaríamos escandalizados. Distinguimos muito mal entre o possível e o impossível no que diz respeito às formas vegetais ou minerais. A paisagem oferece, portanto, grandes facilidades. Qualquer um se transformou em pintor [...]Em suma, “o desenvolvimento da paisagem parece mesmo coincidir com uma diminuição sigularmente acentuada da parte intelectual da arte” (VALÉRY, 1996, p. 52).

Essa ideia já está, de certa forma, enunciada em Introduction à la méthode de Léonard de Vinci. Diz Valéry:

Alguns trabalhos científicos, por exemplo, e o dos matemáticos em particular, apresentam uma estrutura tão límpida que parecem ser obra de ninguém. Eles têm um quê de desumano. Essa disposição tem tido uma consequência: a suposição de que há uma distância tão grande entre certas disciplinas, como as ciências e as artes, que os espíritos originários foram todos separados na opinião que se tem deles, assim como os resultados dos seus respectivos trabalhos pareciam ser. Estes últimos, entretanto, diferenciam-se somente após as variações a partir de uma base comum, por aquilo que dela conservam e por aquilo que dela negligenciam, formando suas respectivas linguagens e símbolos (VALÉRY, [s.d.], p. 50-51).

Fazendo do lema de Leonardo da Vinci, hostinato rigore (rigor obstinado), o seu próprio lema, Valéry identifica o rigor da ciência ou da matemática com a linguagem da pintura. Ora, exatamente a matemática, a elaboração racional da perspectiva,

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a geometria, a ótica, a ciência do escorço, são campos que se entrelaçam inextricavelmente com a pintura do renascimento italiano no curso do século XV e que estarão na base da atividade artística até o século XIX. Assim, quem quiser compreender o processo espressivo dos pintores do renascimento tem que, inevitavelmente, também ser um pouco “matemático”, do contrario, a relação com as obras corre o risco de se limitar à mera percepção do assunto narrativo e de poucos elementos superficiais. Esse é o filtro através do qual Valéry vê a pintura – e que, de certa forma, coincide com a ideia de origem vasariana da primazia do desenho sobre a cor12. O vínculo com a matemática o impede de ver, entretanto, que a pintura colorista dos impressionistas, dos pós-impressionistas, dos pointillistes, dos fauves e, mais tarde, dos seus desdobramentos expressionistas e, enfim, abstratos, também tem a sua lógica interna e a sua boa dose de “exploração intelectual”. Também derivam de um processo que deve e pode ser repercorrido com a inteligência e os instrumentos adequados.

Para nos limitarmos a um só exemplo, citamos o fenômeno do contraste simultâneo de cores, explorado amplamente por Claude Monet e por Van Gogh. Trata-se de um fenômeno ótico que faz com que o olho crie, em volta de uma cor dada, a sensação da presença da sua cor complementar. Tal sensação será tanto mais forte quanto maior for o brilho da cor e quanto mais longa a duração do contato da retina com a cor que se observa. Assim, o amarelo tende a gerar, em volta de si, a percepção da cor violeta e vice-versa; o vermelho sugere a presença do seu complementar verde e a cor laranja, do azul, sendo válido também o contrário. O fenômeno – que não era completamente desconhecido pelos pintores

12 Isso explica, entre outras coisas, a admiração de Valéry pelo trabalho de Degas. Entre os pintores ditos “impressionistas”, Degas é o que, com maior evidência – pode-se dizer até mesmo de forma acadêmica – faz uso do desenho. Cada uma das suas telas é antecedida por inúmeros estudos de figura e de grupos de figuras. Aliás, a obra de Degas é dedicada fundamentalmente à figura humana, ao seu escorço e à sua relação com o espaço, em clara contraposição à obra de outros pintores do grupo de artistas independentes, que se dedicam, sobretudo, à pintura en plein air e às paisagens naturais e urbanas.

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antigos – é objeto de estudos, na primeira metade do século XIX, por parte do químico francês Michel-Eugène Chevreul, diretor da fábrica de tapeçarias dos Gobelins. Buscando uma solução para as reclamações dos tingidores, os quais notavam que certos corantes não se comportavam como se esperava, Chevreul descobre que não há nada de errado com os corantes, mas sim com os resultados óticos criados pela aproximação de certas cores, que se influenciavam reciprocamente. Chevreul estuda cientificamente o problema e, como resultado das suas observações, cria um disco ótico em que são apontadas as cores fundamentais e certo número de cores derivadas, cada uma com a sua cor complementar no lado oposto do círculo. Dessa forma, os tingidores podiam entender que tipo de efeito ótico cada cor criava em volta de si e como poderiam interagir com as cores vizinhas.

Em 1839, Chevreul publica, como resultado dos seus estudos e observações, o volume De la loi du contraste simultané des couleurs, que, direta ou indiretamente, forneceu elementos de reflexão e exploração aos pintores coloristas, de Delacroix em diante. Monet, por exemplo, explora, entre outras coisas, o fenômeno das sombras coloridas – fundamentalmente violáceas ou azuis em contraposição ao amarelo ou alaranjado solar, como em La pie (A pega, 1868-69) ou na Gare de Saint-Lazare (1877), ambas do Musée d’Orsay, Paris. Van Gogh faz do contraste simultâneo de cores complementares um dos alicerces da sua pintura. Justapondo, sistematicamente, verde e vermelho, amarelo e violeta, azul e laranja, e muitas outras combinações, ele faz com que as cores se excitem reciprocamente, dando às suas telas a intensidade expressiva que as distingue13.

Dessa forma, os pintores se desvencilham do vínculo com a “matemática”, mas, com certeza, não do compromisso com a exploração inteletiva e com a ideia de que arte é, entre

13 A excitação das cores complementares justapostas deriva do fato que uma produz exatamente o efeito ótico da outra. Assim, o vermelho justaposto ao verde acrescenta verde ao verde e, vice-versa, o verde acrescenta vermelho ao vermelho. A esse fenômeno se dá o nome de contraste simultâneo de complementares.

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outras coisas, ampliação das possibilidades de expressão. Não há nada de fácil ou de óbvio nessa transição.

A crítica de arte de Paul Valéry tem limites palpáveis derivados do seu compromisso filosófico com a racionalidade e a transparência típicas da matemática. Porém, esses limites também estão, paradoxalmente, na base de algumas das suas asserções mais espetaculares e reveladoras, como as contidas no breve, mas explosivo, texto Le problème des musées.

O escritor abre o artigo com uma afirmação que, hoje, poderia ser quase considerada uma banalidade:

Não gosto muito de museus. Há muitos que são admiráveis, não há nenhum encantador. As idéias de classificação, de conservação e de utilidade pública, justas e claras, têm pouca relação com o encanto (VALÉRY, 1960, p. 1290).

A ideia remete ao lugar-comum do tédio ou do mal-estar que os museus inspiram e, indiretamente, à conversão de muitos museus, hoje, em verdadeiros lugares de entretenimento para combater o risco de “entediar” o público14. Mas a própria assunção aparente de um lugar-comum por parte de um poeta, filósofo e ensaista do calibre de Paul Valéry, é já em si surpreendente. Por que deveria dizer algo que esperaríamos ouvir, sobretudo de pessoas incultas?

Um busto deslumbrante aparece entre as pernas de um atleta de bronze. A calma e as violências, as frivolidades, os sorrisos, as contraturas, os equilíbrios mais críticos compõem em mim uma impressão insuportável. Estou em meio a um tumulto de criaturas congeladas, em que

14 Uma das formas do museu contemporâneo de “atrair” o público é a espetacularização da sua arquitetura, o que, quase sempre, negligencia as instâncias expressivas das obras de arte que conterão. Aliás, muitas arquiteturas destinadas a museu, hoje, são criadas ainda antes da própria coleção. A arquitetura constitui, assim, um fim em si mesmo, em obra unívoca, ou seja, pouco propensa a “dialogar” com as obras que deveria acolher. A questão foi um dos temas enfrentados recentemente no congresso internacional Museologia e Museografia della globalizzazione, realizado em Nápoles e Florença, em setembro de 2009. As atas do congresso foram publicadas em Critica d’Arte, n. 39-40, 2009.

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cada uma exige, sem obtê-lo, a inexistência de todas as outras (VALÉRY, 1960, p. 1290).

Este começo de resposta deixa claro que o seu desconforto nos museus não está relacionado com a síndrome de Stendhal, ou seja, com o sentimento de opressão diante de uma grande concentração de “beleza” e de história15. Observando com ironia que “um busto deslumbrante aparece entre as pernas de uma atleta de bronze”, Valéry deflagra o primeiro explosivo, dizendo que cada uma das obras “exige a inexistência de todas as outras”. Obviamente, não se refere à inexistência material das obras, mas à sua indesejada presença e justaposição no mesmo ambiente. Ainda que dispostas de forma organizada segundo um critério – distribuição cronológica, divisão por tipologia, estilo e/ou proveniência –, a reunião das obras no mesmo espaço cria uma simultaneidade na percepção, que se faz também cacofonia. Continua Valéry:

O ouvido não suportaria ouvir dez orquestras ao mesmo tempo. O espírito não pode acompanhar nem conduzir várias operações distintas e não existem pensamentos simultâneos. Mas o olho, no seu campo de visão móvel e no momento da percepção, é obrigado a aceitar um retrato e uma marinha, uma cozinha e um triunfo, personagens em situações e tamanhos os mais variados; e, ainda por cima, deve acolher no mesmo olhar harmonias e modos de pintar incomparáveis entre eles.Do mesmo modo que o sentido da visão se acha violentado por esse abuso do espaço que uma coleção constitui, a inteligência não é menos ofendida por um conjunto estreito de obras importantes. Quanto mais belas são, mais elas são os efeitos excepcionais

15 “Síndrome de Stendhal” é um termo derivado das sensações – uma espécie de mal-estar psicofisico – descritas por Stendhal nas memórias de viagem Rome, Naples et Florence (1817), Promenades dans Rome (1829) e Mémoires d’un touriste (1838). Mais especificamente, nas páginas do primeiro livro, o escritor descreve a crise que o atinge na Basílica di Santa Croce, em Florença, depois de ter visto os afrescos de Giotto. O excesso de sensações devido à exposição à densidade de história, arte e beleza, o leva a deixar a igreja, com taquicardia, a cabeça pesada e o receio de cair.

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da ambição humana, mais elas devem ser distinguidas (VALÉRY, 1960, p. 1291).

O escritor indica, dessa forma, a necessidade de se estabelecer uma relação exclusiva com uma obra, num determinado espaço e por certo tempo, da qual todas as outras não deveriam participar. Essa ideia parece refutar o próprio conceito de museu da forma como nos foi legado pelo Iluminismo e que predomina até hoje: ou seja, o museu enciclopédico, catalográfico, organizado como um dicionário, com a consequência, porém, de que os “verbetes” entram todos no campo da visão simultaneamente e não permitem uma “leitura” adequada de cada um deles individualmente. A observação de Valéry remete à ideia muito atual da quantidade do patrimônio histórico-artístico e as suas palavras a esse respeito parecem escritas hoje:

Mas o nosso patrimônio é esmagador. O homem moderno foi empobrecido pelo próprio excesso das suas riquezas, assim como foi esgotado pela enormidade de seus recursos técnicos. O mecanismo das doações e dos legados, a produção ininterrupta e as compras e essa outra causa de crescimento que depende da moda e do gosto, do retorno a obras que tinham sido desdenhadas, contribuem incansavelmente para a acumulação de um capital excessivo e, portanto, inutilizável (VALÉRY, 1960, p. 1292).

Esse “empobrecimento por excesso de riqueza” é muito claro nos museus. Temos um grande patrimônio de obras e não temos o tempo necessário e o espaço adequado para nos relacionarmos com elas. Como ainda diz Valéry

A produção de milhares de horas que tantos mestres passaram desenhando e pintando agem nos nossos sentidos e no nosso espírito em poucos instantes, e aquelas horas tinham sido horas carregadas de anos de pesquisas, de experiência, de cuidado, de genialidade!...

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Temos que sucumbir inevitavelmente. O que fazer? Tornamo-nos superficiais (VALÉRY, 1960, p. 1292).

Portanto, a falta de tempo e a cacofonia causada pela simultaneidade de tantas vozes condicionam a nossa relação com as obras – ou melhor, nos distanciam delas. Se partirmos do pressuposto de que uma obra de arte é o resultado de um processo que contém em si uma experiência que se consubstancia no tempo, é preciso que tenhamos a disponibilidade de tempo e os instrumentos para poder, com a obra, repercorrer o processo de criação. A compreensão do processo não é e nunca será instantânea, como a suposta instantaneidade do olhar nos faz crer. Só uma mente muito ingênua pode crer que uma verdadeira obra de arte seja um produto instantâneo. A sua execução pode, sim, ser rápida, mas pressupõe anos de prática, aprendizagem, escolhas, tentativas, pesquisas, que afluem para um quadro, para uma escultura, para um objeto. A obra contém em si o processo e a experiência que a gera no tempo e, sem tempo e instrumentos, não temos a mínima chance de partilhar com ela a sua experiência. Mas Valéry nos alerta, não sem sarcasmo, distinguindo instrumentos e compreensão do processo de erudição:

Ou, então, nos fazemos eruditos. No campo da arte, a erudição é uma espécie de derrota: não esclarece o que é realmente delicado, aprofunda o que não é essencial. Ela subtitui a sensação com hipóteses, a presença da maravilha com a memória prodigiosa; e, ao museu imenso, anexa uma biblioteca ilimitada. Vênus se transforma num documento (VALÉRY, 1960, p. 1293).

Esta afirmação é uma verdadeira inventiva contra os estudiosos que não reconhecem a arte como disciplina autônoma e tratam as obras de arte como um epifenômeno, ou seja, derivação de um fenômeno principal e não um fenômeno autogerador. É uma referência às superestruturas teóricas aplicadas à arte – sociologia, iconologia, psicologia –,

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que fazem da arte uma de suas “seções” sem lhe reconhecer algum tipo de especificidade. É um ataque ao arquivismo, que, embora sendo importante, não substitui a compreensão do processo contido em uma obra.

Enfim, o autor, conturbado, decide sair do hipotético museu em que se encontra e, na rua, o seu “mal-estar à procura da sua causa” é, por fim, esclarecido, numa revelação repentina:

Uma resposta abre o seu caminho em mim, se desvencilha pouco à pouco das minhas impressões, e pede para se pronunciar. A Pintura e a Escultura, me diz o demônio da Explicação, são crianças abandonadas. A mãe delas morreu, a mãe Arquitetura. Enquanto estava viva, dava a cada uma o seu lugar, o seu emprego, os seus deveres. A liberdade de vaguear lhes era negada. Elas tinham o próprio espaço, a sua luz bem definida, seus temas, suas ligações... Enquanto a mãe estava viva, sabiam o que queriam... (VALÉRY, 1960, p. 1293).

E aqui chegamos ao ponto central da questão. A afirmação de Valéry é, no mínimo, surpreendente e bombástica. Comparando os museus com um orfanato, em que as crianças vagueiam sem a referência de uma família, ele associa, em primeiro lugar, as obras de artes a seres vivos, que, pela perda dos pais, ficaram sem rumo, sem regras, desamparados. Essa ideia se aproxima muito do conceito moderno da “obra de arte como ser vivo”16. Em segundo lugar, observando que a mãe das obras era a arquitetura, indica que esta última é parte do processo inerente à criação das obras. Portanto, a separação de um quadro ou de uma escultura da arquitetura – e do lugar específico nessa arquitetura – para a qual foram concebidos e destinados originariamente implica numa perda de referentes que não deixa as obras viverem na sua plenitude. 16 RAGGHIANTI, C. L. Arte essere vivente. Firenze: Edizioni Pananti. No seu

livro, Ragghianti fala de “iniciativas de vida” e nas “experiências humanas que as obras de arte guardam na sua plena integridade e vitalidade”. Ver também, a esse propósito, MAGALHÃES, Roberto Carvalho de. História da arte ou estória da arte? Varia historia, Belo Horizonte, v. 24, n. 40, p. 407-418, jul./dez. 2008. (O artigo pode ser encontrado em: <http://www.scielo.br/pdf/vh/v24n40/04.pdf>).

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Podemos tomar alguns quadros de Caravaggio como exemplo do que Valéry diz. Em Roma, na Capela Cerasi da Igreja Santa Maria del Popolo, encontram-se duas telas do pintor lombardo: O martírio de São Pedro e a Vocação de Paulo, ambas de 1600. A primeira tela encontra-se na parede lateral esquerda da capela e a segunda na parede lateral direita. Estando a capela situada ao lado esquerdo do altar maior, a luz natural que nela penetra provém essencialmente do alto à direita, em sentido diagonal, de uma das janelas da cúpula. Pois bem, entre outras coisas, é essa a direção da luz adotada por Caravaggio nas duas telas: no Martírio de São Pedro, a luz, elemento fundamental da linguagem do pintor e na base da dramaticidade dos seus quadros, invade a cena do alto e da esquerda para a direita; na Vocação de Paulo, o clarão que atinge Saulo (São Paulo) o faz da direita para a esquerda. Em ambos os casos, a luz pintada faz-se prolongamento desejado da luz natural fornecida pela arquitetura em que as telas se encontram, unindo as imagens indissoluvelmente à arquitetura. Essa escolha – desenvolvida desde o século XV, na Itália, e em sintonia, então, com o racionalismo humanista da pintura daquele momento histórico – faz parte de uma estratégia de persuasão, ou seja, a de fazer com que as figuras pareçam encontrar-se num espaço que é o prolongamento do espaço do observador. O mesmo ocorre nas telas de Caravaggio da Capela de São Mateus da Igreja de São Luís dos Franceses, também em Roma. A existência dessas obras nos locais para os quais foram originariamente produzidas nos deixa identificar o processo de criação do pintor e as suas escolhas. Na prática, temos aí uma oportunidade de nos apropriar da sua linguagem, ainda que, em muitos casos, transformações na arquitetura ao longo dos séculos ou a presença de luzes artificiais que contrariam a relação desejada entre luz pintada e luz arquitetônica possam ser um obstáculo.

Ao contrário, obras de Caravaggio em museus, misturadas com muitas outras de estilo similar ou de linguagem contrastante, são destituídas dos seus referentes e da sua força

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expressiva originários. É o caso, por exemplo, das Ceias em Emaus da National Gallery de Londres e da Pinacoteca de Brera (Milão) ou do Êxtase de São Francisco, do Wadsworth Atheneum Museum of Art (Hartford, Connecticut, USA). Essas obras têm que conviver com muitas outras – que exigem diferentes relações com a arquitetura, diferentes iluminações e alturas – em um ambiente com uma iluminação genérica – quase sempre excessiva – e com o alinhamento das obras à uma altura convencional, estabelecida por critérios alheios às obras expostas, que não levam em conta as suas perspectivas e a relação espacial que querem criar com o observador. Embora sejam colocadas em certa ordem – cronológica, por escolas, proveniência geográfica –, essa ordem faz parte do saber externo sobre as obras e não as faz reviver nas suas modalidades de expressão.

Como sugerido acima, a perspectiva também é outra nota dolente da exposição de obras em museus. Desde a sua formulação racional por parte de Filippo Brunelleschi no início do século XV, os pintores desenvolvem, inicialmente na Itália, inúmeras estratégias de representação do espaço em perspectiva, com as suas consequências para a disposição das figuras e das arquiteturas pintadas. A perspectiva brunelleschiana e os seus desdobramentos previam a diminuição gradual e proporcional das figuras e dos elementos arquitetônicos conforme uma progressão geométrica precisa. Não só. Era, também, estabelecido um ponto de convergência perspéctica, que determinava a posição do olho do observador, a fim de se obter o efeito de diminuição espacial e para se estabelecer o escorço das figuras. Ainda que de forma diversificada e com diferentes níveis de compreensão da perspectiva racional, os pintores trabalham para, como no caso da luz, criar a sensação de que há uma continuidade entre o espaço do observador e o espaço representado na parede ou num painel. Além das consequências para a percepção física das imagens representadas, essa estratégia também tem enormes consequências culturais: passa-se

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de um uso da luz, do espaço, das proporções das figuras que tendia, nos séculos anteriores, a sublinhar os aspectos imponderáveis e sobrenaturais das cenas, à ponderabilidade e à intelegibilidade desses mesmos elementos e à sua consequente humanização. Subtrai-se a imagem do domínio do imponderável e explora-se a dimensão racional, que se pode controlar com o intelecto.

O uso do fondo oro (fundo dourado) nos painéis medievais é o exemplo da imponderabilidade do espaço. O ouro é profundo e bidimensional ao mesmo tempo. É luz. Não se mede. É expressão de um espaço que não se dobra à matemática, à racionalidade, à medida humana. A perspectiva impõe a medida e as proporções humanas à imagem. Um painel com o fondo oro no altar de uma igreja gótica, resplandecia na sua relação com a luz oscilante das velas e das tochas e as suas figuras de proporções desmedidamente grandes ou pequenas entre elas transportavam a um mundo fora do nosso alcance; um painel com um cenário arquitetônico e figuras em perspectiva e com uma luz pintada como se fosse a continuação da luz presente na própria arquitetura, posicionado corretamente sobre um altar para que o olho do observador se encontrasse no eixo perpendicular determinado pelo ponto de fuga, dava-lhe a impressão de poder andar naquele cenário e entre aquelas figuras.

Na sua grande maioria, os museus não levam esses fatores em consideração. Duvido até que muitos historiadores e críticos de arte – que constituem a maior parte dos diretores de museus de arte – também se deem conta do fenômeno da relação entre obra e espaço arquitetônico, que, aliás, no caso dos painéis, infere-se com o estudo, quando possível, da posição de muitas obras nos espaços a que eram destinadas originariamente. Pinturas inamovíveis, como os afrescos, nos fornecem exemplos irrefutáveis desse processo e dos objetivos dos artistas17. 17 No renascimento, entre os exemplos mais significativos do uso, em afrescos, da

perspectiva racional e da unificação entre luz natural e luz pintada para se criar

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Ampliando um pouco mais a análise, até mesmo as obras dos impressionistas têm referentes externos precisos. A ideia da “casualidade” do enquadramento, sustentada por Zola, e a preponderância da cor sobre o desenho, em Manet e nos impressionistas, deram origem ao mito de que as obras de Monet, Renoir, Pissarro e Sisley não possuem perspectiva ou tridimensionalidade. Ao contrário, obras de Monet como La Grenouillère, muitas das suas paisagens urbanas, as Catedrais de Rouen e mesmo os quase abstratos nenúfares de Giverny, têm um enquadramento preciso e intencional, que determina, em primeiro lugar, a relação espacial do pintor com o tema do seu quadro e, por conseguinte, o tipo de relação espacial que a obra quer estabelecer com o observador – visão de cima para baixo, central, lateral, de baixo para cima, etc. O respeito desses parâmetros coloca o observador no lugar ocupado pelo pintor no ato da criação da obra, aproximando-o das escolhas e da visão do seu criador.

O que aconteceria se se tentasse recriar essas relações – os referentes espaciais e de iluminação de cada obra, numa sala de museu? A não ser que duas ou mais obras tenham exatamente os mesmos referentes, a tentativa resultaria, com certeza, num grande conflito entre todas as exigências. Despem-se, então, as obras de arte daquilo que lhes é mais precioso: a sua individualidade. E, como diz Valéry, tornamo-nos superficiais. Tratamos de mil detalhes acessórios para camuflar a falta do essencial. Na melhor das hipóteses, no orfanato, dá-se à criança órfã a alimentação, a roupa, uma cama, a higiene e até

uma continuidade ótico-espacial entre espaço arquitetônico real e espaço ideal da pintura, podemos citar: a Trinità, di Masaccio (1427, Florença, Santa Maria Novella); a Anunciação, de Masolino (1432, Roma, Basilica di San Clemente); a Camera degli Sposi, de Andrea Mantegna (1474, Mântua, Palazzo Ducale); os afrescos da Sacristia de São Marcos, de Melozzo da Forlì (1477-1480, Basílica do Santuário de Loreto). No século XVI, a continuidade entre espaço arquitetônico e espaço da pintura foi desenvolvida e ampliada por Correggio nas cúpulas da igreja de São João Evangelista (1520-1524) e da Catedral de Parma (1524-1530), verdadeiras antecipações das arquiteturas fingidas e das perspectivas de céu aberto do período barroco. Porém, não faltam tentativas de se coordenar espaço real e espaço da pintura já no século XIV, com Giotto e Simone Martini nas Basílicas Superior e Inferior de Assis.

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mesmo instrução; mas lhe faltará sempre o amor da mãe. Nos museus, a saúde e a sobrevivência das obras são garantidas, elas recebem uma etiqueta com nome, data de nascimento e origem; mas lhes faltarão sempre os referentes que eram parte integrante delas e que as fariam viver na sua plenitude. Elas são colocadas em fila, alinhadas a uma altura que pode convir a algumas, mas que, quase sempre, não convém a nenhuma; recebem uma luz excessiva e/ou na direção errada. Sob a ordem aparente, reina o caos da incompreensão e a imposição de regras gerais que não lhes dizem respeito.

O museu oferece algo que nenhum outro meio – os livros, o computador, os vídeos – pode e jamais poderá oferecer: o envolvimento físico com a obra, a experiência que se propaga da obra para o espaço físico do observador. Além dos locais que ainda conservam as obras que lhes foram originariamente destinadas, só os museus e as galerias de arte têm, potencialmente, a possibilidade de recriar as relações entre as obras, o espaço arquitetônico e o observador. Mas, entre outros fatores, por causa da acumulação da qual Paul Valéry fala em Le problème des musées, a quantidade de obras expostas sobrepuja a qualidade da relação proposta entre as obras e o observador, e o indivíduo é sacrificado a favor da massa, do genérico. Vende-se uma ilusão: a de conhecer obras – pelo simples fato que entraram no nosso campo ótico por alguns segundos e que lemos o nome do seu autor, a sua datação, a sua proveniência e o seu título e entendemos o assunto narrativo (se se trata de obra figurativa). Obras que, entretanto, levaram centenas de horas e cálculos para serem realizadas – horas e cálculos antecedidos, por sua vez, por anos de estudo, pesquisa, reflexão e experimentação.

Na era da reprodutibilidade técnica das obras de arte, transmite-se a impressão de que o livro e a tela do computador possam veicular a experiência, a ciência e a expressão contidas num quadro ou numa escultura. Em parte, é verdade. Mas eles não substituem a relação física e espacial primordial da obra original com o observador – a não ser que a obra tenha

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sido criada especialmente para esses meios. Nenhum livro e nenhum programa informático, como The Art Project de Google, poderá jamais recriar tais relações. Isso só é possível e desejável, ainda que raramente aconteça, em um museu, em uma galeria, em uma exposição temporária, em um espaço que inclua fisicamente o observador. Um exemplo extremo da impossibilidade de se veicular, num livro ou no computador, essa experiência fundamental da relação entre pintura, espaço arquitetônico e observador encontra-se nas espetaculares arquiteturas “fingidas” barrocas. Tais arquiteturas, pintadas como se fossem uma prolongação da arquitetura real, têm como objetivo expressivo a ampliação do espaço limitado de uma igreja ou de uma sala de um palácio no sentido vertical e horizontal. Elas possibilitam a inserção de paisagens, cenas de todo tipo, perspectivas celestes vertiginosas. Para que a ilusão se torne realidade, não só o pintor realiza cálculos precisos para a convergência perspéctica dos elementos arquitetônicos pintados, mas também aplica minuciosamente, para o jogo de luz e sombra na sua arquitetura fingida, a direção da luz fornecida pela arquitetura real. Os eventuais grupos de figuras também seguem os mesmos cálculos para a determinação do seu escorço. Além disso, o ilusionismo não se realiza se o observador não se posicionar em pontos precisos do espaço, estabelecidos pela convergência perspéctica da arquitetura pintada. Pode-se dizer que tais pinturas são uma espécie de apoteose daquilo que Paul Valéry chama de “parte intelectual da arte”.

Enfim, nas artes visuais, o envolvimento fisico com os critérios estabelecidos pelo autor na sua relação com o espaço e a luz são determinantes para se vivenciar a obra e compreendê-la inteletivamente. Por isso, o lay-out de um museu – que, via de regra, assemelha-se ao de um livro, de um catálogo, negligenciando assim as instâncias individuais das obras de arte – é um motivo frequente de insatisfação, mesmo entre pessoas de cultura elevada. Costumo dizer aos meus alunos que a leitura é muito mais proveitosa quando realizada em

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casa, sentados numa poltrona confortável. Confundir o museu com um livro ou com um catálogo é uma maneira de negar a vivência da obra.

Resta o problema das obras que não têm o seu alicerce na matemática e na perspectiva, com as suas consequências para a relação com o espaço e com o observador, como as que, implicitamente, são contempladas por Valéry. A sua ideia de arte está vinculada, como demonstramos acima, à transparência e à racionalidade matemática. Mas o que pode ser um seu limite na compreensão da pintura colorista e moderna, possibilita, vice-versa, uma revelação no que diz respeito à exposição de obras do passado, as quais existem no presente, tais e quais as obras contemporâneas, com os seus processos intrínsecos, as suas ideias, as suas linguagens. O que acontece quando as obras não se apóiam nos princípios defendidos por Valéry?

No que diz respeito à criação artística, como temos dito, a individualidade é algo fundamental. Portanto, cada caso deveria ser avaliado individualmente. Lancemos mãos de um caso específico, deixando abertas as perguntas e as respostas para os infinitos casos existentes e os que ainda existirão. Concentremo-nos em duas obras de Van Gogh: Noite estrelada (Museum of Modern Art, New York) e Ciprestes (The Metropolitan Museum of Art, New York). As duas telas, pintadas em junho de 1889, durante o ano que o pintor transcorreu no asilo de Saint-Rémy de Provence, foram reunidas por cerca de três meses, em 2008, em uma exposição temporária na Yale University Gallery of Art (New Haven, Connecticut)18. Ambas representam dois ciprestes em primeiro plano com uma vista parcial da cadeia montuosa Alpilles ao fundo. Noite estrelada tem um formato retangular no sentido horizontal e, no plano intermediário, oferece uma

18 Van Gogh's “Cypresses” and “The Starry Night”, Yale University Art Gallery, New Haven, 15 de junho-7 de setembro de 2008. Organização de Jennifer Gross, the Seymour H. Knox Jr. Curator of Modern and Contemporary Art at the Yale Art Gallery.

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vista da cidadezinha de Saint-Rémy. Em Ciprestes, que possui um formato retangular no sentido vertical, Saint-Rémy não aparece. Enfim, a primeira tela é uma paisagem noturna, enquanto a segunda está sob uma intensa luz diurna. Apesar de o assunto das duas telas ser quase o mesmo, já notamos uma diferença importante: a escuridão da primeira em oposição à luminosidade da segunda – e isso já nos deveria fazer refletir sobre como iluminar cada uma delas. Mas, se dermos um passo à frente na análise, notamos outros dois elementos que são os verdadeiros alicerces das obras: o contraste simultâneo de cores complementares – muito evidente em Noite estrelada e apenas esboçado em Ciprestes – e as pinceladas gráficas, lineares, em forma de vírgulas ou de pequenos segmentos retilíneos, cuja densidade é tanta que elas compõem uma verdadeira topografia acidentada sobre as telas. Já falamos sobre a questão da justaposição de cores complementares e as suas consequências expressivas. Mas qual é o papel das pinceladas densas que deixam atrás de si uma trama de relevos sobre a tela? Elas produzem um efeito de real movimento, de vibração – e não somente pela sua forma espiralada. Sob uma só fonte de luz direcionada diagonalmente, cria-se sobre a superfície dessas – assim como em muitas outras – telas de Van Gogh, um jogo capilar de luz e sombra, que varia conforme a variação de posição do observador diante dos quadros. Isso acrescenta uma grande animação – poderíamos dizer até mesmo pulsação – à imagem, que se sobrepõe às já conturbadas formas aspiraladas dos elementos da composição e à excitação recíproca das cores complementares justapostas – no caso de Noite estrelada, vários tons de azul e de amarelo19.

19 Convém lembrar que, apesar de Van Gogh explorar de modo sistemático o potencial expressivo dos relevos deixados pelas pinceladas densas, isso não é uma novidade absoluta. Claude Monet e, antes dele, Gustave Courbet, assim como outros pintores de meados do século, exploram a rugosidade das pinceladas, ainda que de forma menos generalizada. Em algumas marinhas de Courbet, vê-se a rugosidade das pinceladas na espuma das ondas que se quebram (como em Tromba d’água, cerca de 1866, Phildaelphia Museum of Art, em que o pintor explora várias texturas sobre a tela para criar um efeito de perspectiva atmosférica) ou nos recifes próximos da areia (como, por exemplo, em A praia de Trouville:

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Como muitas cartas de Van Gogh ao irmão Theo, a Émile Bernard, a Paul Gauguin, deixam claro, a escolha das cores, as pinceladas gráficas e densas, o enquadramento, não são fruto do acaso ou de um arrebatamento do momento, mas de escolhas que querem se desdobrar no âmbito físico-ótico, intelectivo e emotivo do observador, que, assim, pode-se constituir como testemunha da visão e do estado emotivo do pintor. Trata-se de um processo de elaboração consciente de uma linguagem e de uma expressão. Para se estabelecer o envolvimento físico e deflagrar a experiência do processo criativo e expressivo de Van Gogh na relação física das suas telas com o observador, alguns estratagemas eram necessários. Em primeiro lugar, distinguir a qualidade da luz específica de cada uma das duas obras: noturno versus diurno. O noturno exigia uma iluminação mais fraca, quase uma penumbra, para fazer emergir o brilho das estrelas e da luz proveniente das casas ao longe; o diurno requeria uma luz mais intensa, ainda que, quase sempre, a intensidade de luz que se dá nos museus é excessiva20. Em segundo lugar, para possibilitar que as obras emanassem a pulsação que deriva da relação entre incidência da luz, relevo das pinceladas e movimento do observador diante da tela, seria preciso direcionar a luz diagonalmente para cada uma das obras sem que a iluminação de uma interferisse com a iluminação da outra e, assim, anulando indesejavelmente os respectivos efeitos de luz e sombra. Enfim, sendo ambas de formato relativamente pequeno e não estruturadas com base na perspectiva racional (o que não significa ausência de espaço tridimensional ou de profundidade espacial), a altura

por-do-sol, 1865-1866, do Wadsworth Atheneum Museum of Art, Hartford). Em Monet, os relevos deixados pelas pinceladas são visíveis já na tela A pega, de 1868-69 (Musée d’Orsay, Paris), e atingem uma espécie de paroxismo nas séries dedicadas às pilhas de feno (1890-1891) e à Catedral de Rouen (1892-1894).

20 Para pintar as suas paisagens noturnas, Van Gogh utilizava a luz de uma ou mais velas, cuja oscilação participava, sem dúvida, do processo de formação da imagem. O movimento produzido pela oscilação da luz se sobrepunha ao movimento espiralado das pinceladas e interagia com os relevos por elas deixados sobre a tela, contribuindo com a intensidade da visão.

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para ambas podia ser a tradicional para uma pessoa de estatura média, com as obras alinhadas a partir do centro das telas.

Com exceção do último ponto, as instâncias expressivas fundamentais das duas obras de Van Gogh, na exposição da Yale University Art Gallery (assim como acontece nos seus respectivos museus), foram completamente ignoradas, embora tivesse sido criado, no espaço flexível da arquitetura projetada por Louis Kahn, um ambiente específico para a sua exposição. Tanto menos essas instâncias eram reveladas nos textos relativos às obras – ainda que nenhum texto possa substituir a vivência direta (física, ótica e emotiva) e o envolvimento do observador na relação obra/espaço/luz nos termos reivindicados pela própria obra.

No seu artigo Le problème des musées, Paul Valéry antecipa uma questão que, embora enfrentada nas suas dimensões prática e teórica na Itália, a partir de meados do século passado, não faz parte da agenda da grande maioria dos museus no mundo – sejam eles grandes ou pequenos –, o que constitui uma lacuna educativa relevante. A partir do final da década de 1940, o arquiteto e designer veneziano Carlo Scarpa dá forma concreta a uma ideia de museu que privilegia a individualidade das obras. Entre eles, encontra-se a Galleria Regionale della Sicilia, Palazzo Abatellis, de Palermo. Na sua estrutura expositiva, instalada no palácio do século XV de estilo gótico-catalão, inaugurada em 1954, Scarpa dispõe as obras levando em consideração, com extrema sensibilidade, as exigências de cada uma na relação com o espaço arquitetônico e com a luz. Quase todas as obras têm um suporte, um fundo e uma luz específicos. Assim, o percurso do museu se transforma numa sequência de “paradas” – verdadeiras surpresas – que fomentam a experiência e a vivência das obras. Convém sublinhar, mesmo correndo o risco de sermos repetitivos, que cada solução é determinada por uma compreensão da própria linguagem e das instâncias expressivas de cada obra na sua relação com o espaço e com a luz. Um dos exemplos mais felizes do percurso do museu é a solução adotada para

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o pequeno painel da Annunziata (1477), de Antonello da Messina. Como num retrato flamengo do século XV, a figura da Virgem emerge de um fundo escuro graças a uma luz proveniente da esquerda para a direita em sentido diagonal. Para sublinhar essa escolha do pintor, Scarpa colocou o pequeno óleo de 45 x 34,5 centímetros num painel situado no centro da sala, à direita da janela e orientado diagonalmente, para receber a luz natural exatamente na mesma direção da luz pintada. A posição da obra chama a si, dessa forma, a relação com o espaço arquitetônico e a sua luz, ou seja, o espaço do observador, o qual é abrangido fisica e oticamente – e ousamos dizer, também, emotivamente – pelas escolhas do pintor.

O museu do Palazzo Abatellis possui um acervo quantitativamente limitado, o que, sem dúvida, contribuiu com a tentativa de Carlo Scarpa de reintegrar, na exposição permanente, a relação individual de cada obra com o espaço e a luz.

No âmbito da filosofia e da crítica de arte, a questão foi enfrentada de maneira ampla por Carlo Ludovico Ragghianti, que, no livro Arte, fare e vedere. Dall’arte al museo, define a museologia como critica d’arte in azione e sustenta a necessidade de se apresentar as obras nos museus conforme os critérios estabelecidos pelo artista no seu processo de criação, que podem e devem ser deduzidos das próprias obras e não lançando mão de métodos que lhes são alheios. Para isso, o intérprete deve ser apto a reconhecer o status autônomo e gerador de conhecimento e de experiência das artes visuais, ao invés de considerá-las manifestação colateral ou derivada de outros âmbitos – como a história, a religião, a literatura, a psicologia, etc. – e a reconstruir os mecanismos próprios dos artistas, munindo-se dos intrumentos da gramática visual.

Mas um museu diferente do descrito por Paul Valéry em Le problème des musées e que leve em conta as exigências das obras, como indicamos acima, é possível? Depende. Sem dúvida, é uma necessidade, que, porém, requer escolhas drásticas, como, por exemplo, a redução do número de obras nas

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exposições permanentes, para que cada uma das obras expostas possa ter os seus referentes espaciais e de luz específicos. Pode-se, também – para “salvar a cabra e as couves”, como se diz em italiano –, no percurso tradicional da exposição permanente, destinar espaços a exposições exemplares, que façam com que algumas obras revivam as relações ideais com o espaço, com a luz e com o observador – ou seja, as relações entre a obra e a sua mãe arquitetura, tendo o observador como testemunha. Enfim, no que diz respeito pelo menos às diferentes alturas requisitadas pelas obras na relação com o observador, isso seria possível se, com coragem, ao invés de se alinhar todas as obras a uma altura convencional e determinada por fatores alheios às obras, elas fossem colocadas, simplesmente, cada uma na sua altura ideal, com algum tipo de assinalação visual ou textual do porquê dessa escolha21.

De uma forma ou de outra, a necessidade de satisfazer as exigências cognitivas e educativas fundamentais assinaladas há quase um século por Paul Valéry permanece, via de

21 Algumas hipóteses de como as diferentes exigências de altura de um grupo de quadros pode ser tratada em um museu são fornecidas em MAGALHÃES, Roberto Carvalho de. Musei: istanza pedagogica dell’arte. Notizie da Palazzo Albani, v. XX, n. 1-2, 1992. Revista de História da Arte da Università degli Studi di Urbino. Urbino, Argalìa Editore, p. 325-340. Em especial, no caso de um grupo de naturezas mortas de Giorgio Morandi, que se baseiam, essencialmente, na representação de um grupo de frascos com ângulos de visão de várias alturas, incluido a visão de baixo para cima, recomenda-se traçar uma linha do horizonte perspéctico na parede – que corresponde à altura dos olhos do observador no museu – e alinhar a linha do horizonte perspéctico especifica de cada quadro à linha traçada na parede. Dessa forma, recriam-se, ainda que parcialmente, as condições visuais estabelecidas pelo pintor na sua relação com o objeto dos seus quadros. À pergunta: o que acontece com a variação de altura dos observadores? Evidentemente, a linha do horizonte na parede deve levar em consideração a altura média dos visitantes de um museu. Além de dar uma referência visual para a convergência perspéctica de cada quadro, a linha na parede torna-se um elemento unificador de um conjunto de telas colocadas em alturas diferentes. Se se considera a linha do horizonte na parede um elemento intrusivo e que a variação de altura das obras cria desarmonia na organização da sala, pode-se variar a altura conforme as exigências das obras sem a linha do horizonte na parede, traçando, porém, um perímetro retangular em volta de todo o conjunto ou, ainda, retângulos iguais, na mesma altura, em volta de cada uma delas. Esse expediente, permite, ao mesmo tempo, manter as diferentes alturas das telas e restaurar a harmonia na sala. Mas não há dúvida de que a própria ideia de harmonia numa sala de museu pode ser questionada.

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regra, ignorada; e o diretor ou conservador de museu que, porventura, queira satisfazê-la deverá, antes de mais nada, aprender a dialogar com as obras na sua própria linguagem.

As traduções de todos os trechos citados no texto foram feitas pelo próprio autor.

bibliograFia

(Estão relacionadas apenas as obras essenciais cuja referência bibliográfica não foi fornecida integralmente no texto.).

BAUDELAIRE, C. Curiosités esthétiques, l’Art romantique et autres œuvres critiques. Paris: Garnier, 1986. Disponível em: <http://visualiseur.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k101426n>. Acesso em: jun. 2011.

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a “lEcturE” on musEum studiEs by paul valEry: considErations around thE tExt lE problèmE dEs muséEs

AbstractThe text comments on an article by Paul Valéry on museums published in 1923. Its focus is the idea enunciated by the French poet and essayist that works of art in a museum are like orphans, who lost their mother, the architecture. The exploration of Valery’s article is preceded by a brief exposition about the relationship between writers and art criticism, notably in France, and by an excursus on Paul Valery’s ideas on art. Making explicit what is underlying in Valery’s article, the author makes an analysis of the relationship between the art of painting and architecture that contributes to the genesis of works of visual art and that is not taken in account in the exhibition of art works in traditional museums, limiting the optical-physical and intellectual experience of art by observers.Keywords: Museum. Museum studies. Architecture. Art criticism. Art history. Paul Valéry.

Data de recebimento: dezembro 2012Deta de aceite: março 2013