uma abordagem sociodialetolÓgica do … · figuram como um segundo elemento de um grupo...

19
Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 6 Número 16 Julho 2015 395 UMA ABORDAGEM SOCIODIALETOLÓGICA DO FENÔMENO DO ROTACISMO NO MUNICÍPIO DE ITAJUBÁ-MG Valter Pereira Romano (FEPI) 1 [email protected] Cecília Godoi Fonseca (FEPI) 2 cecí[email protected] RESUMO: Este artigo visa a discutir o fenômeno fonético-fonológico do rotacismo, troca da consoante lateral /l/ pela vibrante alveolar /r/, em contexto de encontro consonantal e coda silábica O trabalho utiliza como corpus de análise dados coletados junto a 24 informantes naturais do município de Itajubá, sul de Minas Gerais. O estudo considera aspectos teóricos e metodológicos da Sociolinguística variacionista e da Dialetologia para analisar o fenômeno, que, segundo o trabalho, pode ser compreendido sob uma perspectiva pancrônica; presente, diacronicamente, desde o latim vulgar e, sincronicamente, em diferentes variedades do português contemporâneo. PALAVRAS-CHAVE: Rotacismo. Itajubá-MG. Pesquisa sociodialetológica. ABSTRACT: This research aims to discuss the phonetic-phonological phenomenon of rhotacism that consists in the exchange of lateral consonant /l/ by alveolar vibrant /r/ in the context of consonantal encounter and syllabic coda. The work uses as corpus of analysis data collected along the 24 natural informants of Itajubá, South of Minas Gerais. The study considers theoretical and methodological aspects of variacionist Sociolinguistics and of Dialectology to analyze the phenomenon that, according to the research, can be understood under a pancronic perspective presents of diachronic way from vulgar Latin and, synchronously, in different varieties of contemporary Portuguese. KEY WORDS: Rhotacism. Itajubá-MG. Sociodialectologic research. 1 Introdução O fenômeno fonético conhecido como rotacismo, troca da consoante lateral alveolar /l/ pela vibrante alveolar /r/, é um traço linguístico variável do português brasileiro, podendo ocorrer tanto em contexto de coda silábica (calça > carça), quanto em encontro consonantal (chiclete > chicrete). Esse traço linguístico evidencia, sobretudo, diferenças de ordem social, e está associado, em geral, a pessoas da zona rural, de baixa ou nenhuma escolaridade. 1 Professor do Centro Universitário de Itajubá - FEPI. Doutor em Estudos da Linguagem (UEL). Pesquisador do Atlas Linguístico do Brasil. 2 Graduanda em Letras no Centro Universitário de Itajubá FEPI.

Upload: truongxuyen

Post on 28-Sep-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

395

UMA ABORDAGEM SOCIODIALETOLÓGICA DO FENÔMENO

DO ROTACISMO NO MUNICÍPIO DE ITAJUBÁ-MG

Valter Pereira Romano (FEPI)1

[email protected]

Cecília Godoi Fonseca (FEPI)2

cecí[email protected]

RESUMO: Este artigo visa a discutir o fenômeno fonético-fonológico do rotacismo, troca da consoante

lateral /l/ pela vibrante alveolar /r/, em contexto de encontro consonantal e coda silábica O trabalho utiliza

como corpus de análise dados coletados junto a 24 informantes naturais do município de Itajubá, sul de

Minas Gerais. O estudo considera aspectos teóricos e metodológicos da Sociolinguística variacionista e

da Dialetologia para analisar o fenômeno, que, segundo o trabalho, pode ser compreendido sob uma

perspectiva pancrônica; presente, diacronicamente, desde o latim vulgar e, sincronicamente, em diferentes

variedades do português contemporâneo.

PALAVRAS-CHAVE: Rotacismo. Itajubá-MG. Pesquisa sociodialetológica.

ABSTRACT: This research aims to discuss the phonetic-phonological phenomenon of rhotacism that

consists in the exchange of lateral consonant /l/ by alveolar vibrant /r/ in the context of consonantal

encounter and syllabic coda. The work uses as corpus of analysis data collected along the 24 natural

informants of Itajubá, South of Minas Gerais. The study considers theoretical and methodological aspects

of variacionist Sociolinguistics and of Dialectology to analyze the phenomenon that, according to the

research, can be understood under a pancronic perspective presents of diachronic way from vulgar Latin

and, synchronously, in different varieties of contemporary Portuguese.

KEY WORDS: Rhotacism. Itajubá-MG. Sociodialectologic research.

1 Introdução

O fenômeno fonético conhecido como rotacismo, troca da consoante lateral

alveolar /l/ pela vibrante alveolar /r/, é um traço linguístico variável do português

brasileiro, podendo ocorrer tanto em contexto de coda silábica (calça > carça), quanto

em encontro consonantal (chiclete > chicrete). Esse traço linguístico evidencia,

sobretudo, diferenças de ordem social, e está associado, em geral, a pessoas da zona

rural, de baixa ou nenhuma escolaridade.

1 Professor do Centro Universitário de Itajubá - FEPI. Doutor em Estudos da Linguagem (UEL).

Pesquisador do Atlas Linguístico do Brasil. 2 Graduanda em Letras no Centro Universitário de Itajubá – FEPI.

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

396

Sobre o assunto, Bagno (2007) afirma que

Hoje, o rotacismo em encontro consonantal é característico das

variedades estigmatizadas de todo o Brasil. Já o rotacismo em final de

sílaba é característico de algumas regiões onde se fala o chamado

“dialeto caipira” (interior de São Paulo e sul de Minas Gerais etc.)

(BAGNO, 2007, p.145)

O fenômeno é um aspecto fonético-fonológico do português amplamente

estudado sob diferentes perspectivas e já fora anotado nos primeiros tratados sobre o

português brasileiro como um traço característico da língua falada no Brasil.

Gladstone Chaves de Melo (1983), por exemplo, no memorável livro A língua

do Brasil, cuja primeira edição é de 1946, referindo-se à língua falada no Estado de São

Paulo e sul de Minas Gerais, afirma que “quem já viajou por aquelas bandas, sabe que,

basta transpor-se a Mantiqueira, aparecem os meninos vendendo paster de carne”

(MELO, 1982, p. 106).

O presente artigo apresenta resultados de uma pesquisa realizada na cidade de

Itajubá, sul do Estado de Minas Gerais, com vistas a discutir o fenômeno do rotacismo a

partir dos aportes teórico-metodológicos da Dialetologia e da Sociolinguística. Trata-se,

portanto, de um estudo sociodialetológico.

O trabalho está organizado em cinco sessões. A seguir, apresentam-se alguns

aspectos sobre a localidade estudada. Na sessão 3, apresenta-se uma revisão da literatura

no que refere ao estudo do rotacismo em trabalhos dialetológicos e sociolinguísticos. A

sessão 4 trata dos materiais e métodos empregados no estudo. A sessão 5 apresenta os

resultados obtidos, seguindo-se a sessão 6, com as considerações finais e, por fim, as

referências bibliográficas utilizadas.

2 O município de Itajubá

Antenor Nascentes, nas Bases para a elaboração do Atlas Linguístico do

Brasil (1958), definiu o município de Itajubá como uma das localidades onde se

deveriam realizar inquéritos para a constituição do atlas linguístico nacional, tarefa

incumbida ao Centro de Pesquisas da Casa de Rui Barbosa, pelo Decreto Nacional de

1952 (BRASIL, 1952).

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

397

Embora naquela época, por motivos diversos, a proposta de Nascentes (1958)

não se efetivasse; em 1977, o Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais –

EALMG (RIBEIRO et al., 1977) contemplou a cidade de Itajubá (ponto 7A) na terceira

etapa da coleta de dados, sendo o primeiro registro que se tem notícia sobre a língua

falada nesse município.

O Atlas Linguístico do Brasil (CARDOSO et al., 2014), seguindo as sugestões

de Nascentes (1958) e as indicações já anotadas pelo EALMG (RIBEIRO et al., 1977),

incluiu Itajubá às 1100 localidades que fazem parte do atlas linguístico nacional. No

ALiB, Itajubá é o ponto 149.

O município localiza-se às margens da Serra da Mantiqueira, no sul do Estado

de Minas Gerais e, de acordo com o Censo 2010 (IBGE CIDADES, 2010), a cidade

possui, aproximadamente, 94 mil habitantes.

Itajubá é privilegiada em relação à sua localização, não só por estar inserida

numa rede urbana firmada por prósperas cidades de médio porte, cujo acesso é feito

pela BR 459, mas também devido à sua posição em relação às grandes capitais da região

sudeste: Belo Horizonte (444 km), São Paulo (261 Km), Rio de Janeiro (318 Km)

(Figura 1).

Figura 1 - Localização de Itajubá no Estado de Minas Gerais

Fonte: Wikipedia (adaptado)

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

398

A história de Itajubá tem seu início na corrida à exploração de pedras preciosas

em Minas Gerais, com as descobertas das minas de Nossa Senhora da Soledade de

Itagybá, em 1704, local onde se construiu a atual cidade de Delfim Moreira.

Embora essas minas tenham chamado a atenção de bandeirantes como Miguel

Garcia Velho (fundador da primitiva Itajubá), segundo Guimarães (1987), seu garimpo

foi efêmero não correspondendo à sede de riquezas Garcia Velho e seus companheiros.

Retirando-se os bandeirantes, ficou um povoado laborioso que se ocupou no cultivo da

agricultura e da pecuária (GUIMARÃES, 1987).

De acordo com Guimarães (1987), o nome Itagybá significa na língua tupi ‘rio

das pedras que do alto cai’, e foi instituído à localidade por alusão à cachoeira que havia

junto às minas de Garcia Velho e sugerido pelos companheiros de expedição.

No entanto, dada a localização da primitiva freguesia de Itagybá, o que não

propiciava o desenvolvimento pois era “um povoado ermo, perdido nos concorutos da

Mantiqueira, fadado a extinguir-se” (GUIMARÃES, 1987, p. 61), um visionário e

enérgico pároco da época, Pe. Lourenço da Costa Moreira, conclamou a população a

descerem a serra, rumo ao rio Sapucaí, à procura de um lugar aprazível e bom, no qual

se pudesse construir a nova sede da freguesia.

Assim, em 17 de março de 1819 saíram em caravana da primitiva Itagybá cerca

de oitenta homens juntamente com estanceiros das imediações, além de alguns

habitantes de dentro do povoado rumo às bandas do Sapucaí (GUIMARÃES, 1987) e,

descida a serra, às margens do rio, o padre Lourenço deparou-se com um morro e

resolveu ali construir um altar. No dia 19 de março de 1819, nasce a atual cidade de

Itajubá.

Não era preciso prosseguir viagem. O local lhe parecera excelente

para a fundação do novo povoado e a sede da Freguesia. Os homens

roçaram uma clareira ao alto, nela armaram, de paus toscos, um altar e

o Cruzeiro, e o padre Lourenço da Costa Moreira celebrou a primeira

missa na aprazível paragem. Foi esse altar erguido exatamente onde

hoje se encontra a Matriz da Paróquia de Nossa Senhora da Soledade,

da atual cidade de Itajubá. (GUIMARÃES, 1987, p. 63)

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

399

O rio Sapucaí (rio que canta/grita) é o grande rio do município que divide a

cidade ao meio. É relevante sua importância no progresso e na vida da cidade,

sobretudo, no passado, com o favorecimento da navegação.

Itajubá é o núcleo urbano mais importante da região, beneficiado por boas

rodovias, permitindo a concentração e a distribuição de bens e serviços para os

municípios circunvizinhos. Destaca-se tanto na agropecuária (produção de banana e de

gado) quanto no setor industrial por comportar multinacionais e grandes empresas

locais, possuindo um dos maiores distritos industriais do Sul de Minas Gerais. Itajubá é

um polo regional, despontando-se também como cidade universitária devido ao campus

da Universidade Federal (UNIFEI), além de outras instituições de ensino superior que

atrai grande número de estudantes todos os anos, possuindo um intenso contato com o

Estado de São Paulo e Rio de Janeiro.

3 Breve revisão da literatura sobre o estudo do rotacismo

Segundo Câmara Jr. (1982), no português, as laterais e vibrantes anteriores

figuram como um segundo elemento de um grupo consonântico o que cria contrastes,

como entre - bloco: broco (1ª pes. ind. pres. do verbo brocar), atlas: atras (fem. pl. de

atro), clave: crave (subj. de clavar), fluir, (correr): fruir (gozar) ressaltando que “há nos

dialetos sociais populares o rotacismo do /l/” (CAMARA JR, 1986, p. 40).

Silva Neto (1956) atesta que este fenômeno é bastante antigo na história da

língua, remontando ao latim, pois, no Appendix Probi3, já se pode observar algo como

Flagellum non Fragellum, do qual o autor faz as seguintes anotações:

Temos aqui mais um exemplo de dissimilação: l ~ l = r ~ l. O mesmo

se deu nestes vocábulos: milimellu > mariméllo (antes do XI séc.) >

marmelo; ululare > arulare > urlare (cp. fr. hurler e it. urlare) > urrar; ;

calamellu > caramelo; mala folia > maravalha... (SILVA NETO, 1956,

p. 115)

3 Appendix Probi é um texto do século IV d.C. de autoria desconhecida no qual se compilam os erros

mais frequentes na fala latina da época, opondo-os às formas corretas do latim clássico.

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

400

Sobre a dissimilação, o próprio autor esclarece: “a diferenciação de sons

idênticos ou semelhantes, a qual pode mesmo chegar à eliminação de um deles”

(SILVA NETO, 1956, p.85).

Coutinho (1976), tratando sobre consonantismo no latim, nota que os grupos

consonantais iniciais próprios -cl,- fl,- pl , -bl, - gl modificam-se para -cr, -fr, -pr, -br, -

gr conforme os exemplos: “clavo > cravo; flaccu> fraco; plaga > praia; blandu >brandu;

glute >grute” (COUTINHO, 1976, p. 119-120).

Na segunda década do século passado, para justificar a nossa pronúncia, Melo

([1946] 1981) fez um paralelo com o português de Portugal apontando que o –l, em fim

de palavra ou em fim de sílaba seguido de consoante, transforma-se em –r: “marvado,

sordado, arto, servage, paster etc, assim como em Barcelos (Portugal) que se ouve

reberde, Ansermo, Sirba (=Silva), azur etc” (MELO, 1981, p.129).

Sobre o português falado no Estado de São Paulo, Amaral ([1920] 1982) registra

que o –l em final de sílaba ou em um grupo consonântico muda-se em –r: querquér,

papér, mér, arma (alma), craro, compreto, cramô (r); frô (r), assinalando que “a troca é

um dos vícios de pronúncia mais radicados no falar dos paulistas, sendo mesmo

frequente entre muitos dos que se acham, por educação ou posição social” (AMARAL,

1982, p. 52), ou seja, está presente até mesmo na fala das pessoas com certa

escolaridade.

Marroquim (1996), em A Língua do Nordeste, cuja primeira edição é de 1934,

registra que o -r pelo –l é um fenômeno geral na linguagem popular nordestina,

especialmente em Pernambuco. Atribui as origens deste fenômeno, primeiramente, ao

fato de a língua tupi não ter o fonema /l/. Entretanto, salienta que “não devemos

exagerar, assim, a influência da língua tupi no fenômeno em análise” (MARROQUIM,

1996, p. 29) reconhecendo a influência portuguesa, pois “no português arcaico

encontramos: enxempro, ingrês, groria, craro...” (MARROQUIM, 1996, p. 29).

Segundo este autor, o rotacismo, deve-se, sobretudo, à lei do menor esforço, pois “nos

grupos silábicos em que o l fica solto, a sua pronúncia requer uma ginástica da língua,

de real dificuldade ainda entre gente culta.” (MARROQUIM, 1996, p.30).

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

401

Teixeira (1938) explicita que nos grupos consonânticos bl, cl, fl, gl mudam o l

em r na fala popular, como no Rio e em São Paulo. Sobre o assunto, segundo o autor, os

estudiosos apontam várias origens. A origem tupi, sustentada por Teodoro Sampaio

(1928), a africana, defendida por Renato Mendonça (1935) e Jacques Raymundo (1933)

e o seu próprio posicionamento, a origem portuguesa. Conclui este assunto com as

palavras de Mendonça assinalando que “este é um ponto que nunca foi bem ventilado: a

distinção entre o elemento indígena e o africano na formação do dialeto brasileiro”

(MENDONÇA apud TEIXEIRA, 1938, p. 25).

De acordo com Nascentes (1953), o fenômeno não deve provir do superestrato

negro ou de um cambio linguístico simplesmente, “porque o negro de Angola sempre

teve grande dificuldade em articular o r português substituindo-o justamente por l: era-

ela, claro-calalo, fora-fola” (NASCENTES, 1953, p. 53-54). Conclui que o fenômeno

deve ser visto à luz da fonologia “casos de trocas entre dois fonemas que existem e

continuam existindo no sistema fonético funcionante” (NASCENTES, 1953, p. 54),

encontrado em diversas línguas como no francês popular de Paris, napolitano, toscano,

espanhol americano etc.

Vale ressaltar o posicionamento de Silva Neto (1988) ao tratar de alguns traços

mais salientes das pronúncias regionais brasileiras, os denominados vulgarismos, entre

eles a passagem do l para r. Para o autor, os vulgarismos pertencem às “tendências já

contidas na deriva da língua que logo irrompem quando o meio social é turvo e incerto

pela convivência de populações de origens diversas e a falta de rígida norma

linguística” (SILVA NETO, 1988, p 629). Atribui esta pronúncia ao “relaxamento de

articulação e desleixo dos aloglotas” (SILVA NETO, 1988, p. 630) que favoreceram

esta deriva, fato este já atestado por Marroquim (1934). Conclui seu pensamento

dizendo que “não é preciso frisar, fatos decorrentes de fenômenos de interferência

linguística; não se pode aqui falar em influência de línguas americanas ou africanas”

(SILVA NETO, 1988, p. 630).

Estudos mais recentes, como o de Gomes e Souza (2003), discutem sobre esta

tendência da lateral se transformar em vibrante, ratificando a importância de se tratar do

assunto à luz da fonologia, conforme atestam Nascentes (1953) e Silva Neto (1988). As

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

402

autoras assinalam que: “a lateral e a vibrante compartilham uma série de propriedades

fonéticas e apresentam comportamento linguístico semelhantes em diversas línguas,

assim, estão submetidas conjuntamente a diferentes processos fonológicos” (GOMES e

SOUZA, 2003, p.75).

O trabalho de Mollica e Paiva (1991), acerca da língua falada no Rio de Janeiro,

confirma esta hipótese com os exemplos flora ~ frora (assimilação), e esclarece que

“ocorrendo na palavra outro segmento líquido, no caso [-lateral], a líquida lateral

presente na palavra tende a se assimilar, transformando-se em [r].” (MOLLICA e

PAIVA, 1991, p. 182). Já em, próprio ~ própio ocorre a dissimilação, pois o [r] tende a

simplificar a zero quando “dada a presença de dois segmentos idênticos” (MOLLICA e

PAIVA, 1991, p. 182). As autoras assinalam ainda que “embora diferentes entre si, os

dois processos convergem, uma vez que decorrem da presença de segmentos

semelhantes na cadeia da fala” (MOLLICA e PAIVA, 1991, p. 182).

Ademais, além dessa breve revisão da literatura; atualmente, são inúmeros os

trabalhos que apresentam discussões sobre a temática com abordagens teórico-

metodológicas diversas, dentre os mais recentes citam-se o de Giordani (2005), Cox

(2005), Costa (2006, 2007, 2011), Tem (2010), Freitag, Araújo, Barreto e Carvalho

(2010), Romano e Silva (2010), Maia dos Reis (2010), Silva, Alonso e Onofre (2011)

Romano (2012), Silva Jr e Oliveira (2014), Pinho e Macedo-Karim (2014), Sanches

(2014), dentre outros.

4 Materiais e Métodos

O corpus tratado neste estudo refere-se a uma pesquisa realizada in loco durante

o período de maio a agosto de 2014. Para o estudo, foram selecionados homens e

mulheres, naturais do município de Itajubá-MG, residentes na zona urbana, e

pertencentes a duas faixas etárias, de 18 a 30 anos (Faixa etária I) e de 50 a 65 anos

(Faixa etária II), conforme propõe a metodologia do Projeto Atlas Linguístico do

Brasil4. Além da variável sexo e faixa etária, foi controlada também a escolaridade dos

4 Para mais informações sobre o ALiB, confira: <http://twiki.ufba.br/twiki/bin/view/Alib/WebHome>.

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

403

informantes, sendo entrevistados indivíduos de dois níveis de instrução: EF (Ensino

Fundamental completo ou incompleto) e ES (ensino superior completo). Para cada uma

das três células sociais delimitadas (sexo, faixa etária e escolaridade), foram

estabelecidos três informantes, sumarizando 24 entrevistados.

Como instrumento de coleta de dados, foi elaborado um questionário composto

de três principais partes: (i) Ficha do informante; (ii) Temas para Discursos

Semidirigidos e (iii) Questionário Fonético-Fonológico, composto por 129 questões. A

primeira parte do instrumento de coleta visa a obter informações sobre os informantes

tais como escolaridade, sexo, profissão, hábitos e costumes, o que contribuiu também

para um maior entrosamento entre o inquiridor (entrevistador) e o entrevistado. A

segunda parte do instrumento compõe-se de três temas para discurso livre (relato

pessoal, não pessoal e descrição de atividades do cotidiano), cujo objetivo consiste em

coletar dados fala espontânea do informante, com vistas a minimizar o “paradoxo do

observador” (LABOV, 2008, p.244). A terceira parte refere-se às questões objetivas

cuja resposta estava direcionada para a pronúncia de vocábulos em que o fenômeno do

rotacismo poderia ocorrer, seja em contexto de coda silábica ou em encontro

consonantal.

Como parâmetro para a montagem do instrumento de coleta de dados, a pesquisa

pautou-se nos Questionários 2001 do Projeto ALiB (COMITE NACIONAL DO

PROJETO ALIB, 2001), tanto para o modelo de ficha e temas para discurso

semidirigidos quanto para a estruturação do Questionário Fonético-Fonológico (QFF).

Para esta última parte, além de questões elaboradas exclusivamente para a pesquisa,

foram utilizadas também perguntas pertencentes ao questionário utilizado na pesquisa

de Lima (2006).

Das 129 questões que compõem o QFF, 51 referem-se ao fenômeno do

rotacismo, ou seja, foram acrescentadas outras questões intercalando-as a essas

perguntas para que os informantes mais perspicazes não identificassem o fenômeno

fonético em estudo. Das 51 questões que apresentam contextos fonológicos para o

rotacismo, 36 delas referem-se à coda silábica e 15 ao encontro consonantal.

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

404

Nesta oportunidade, apresentam-se os resultados atinentes aos dados obtidos no

QFF. Para tanto, o corpus é tratado quantitativamente utilizando-se o programa

GoldVarb 2001 (ROBINSON; LAWRENCE; TAGLIAMONTE, 2001) com vistas a

indicar quais variáveis linguísticas e/ou extralinguísticas interferem na realização da

regra variável /l/ > /r/, tanto em encontro consonantal quanto em coda silábica. Desse

modo, os dados foram codificados e submetidos ao tratamento estatístico da ferramenta

selecionada, considerando-se, tanto para o rotacismo em encontro quanto em coda, seis

variáveis linguísticas, a saber:

(i) contexto anterior;

(ii) contexto posterior;

(iii) tonicidade;

(iv) extensão do vocábulo;

(v) posição no vocábulo;

(vi) item lexical;

E como variáveis extralinguísticas, são consideradas:

(vii) sexo;

(viii) faixa etária;

(ix) escolaridade.

Dados os grupos de fatores estabelecidos para cada uma dessas variáveis e

levando-se em conta os dois contextos fonológicos distintos (coda e encontro), os dados

foram rodados separadamente. Na próxima seção, apresentam-se os resultados obtidos.

5 Discussão dos resultados

A análise do rotacismo em Itajubá-MG ateve-se a dois contextos fonológicos

que podem propiciar a ocorrência do fenômeno, em encontro consonantal e em coda

silábica. Desse modo, são apresentados nesta seção os resultados obtidos a partir do

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

405

GoldVarb 2001, considerando-se as variáveis linguísticas e extralinguísticas

sistematicamente controladas na pesquisa.

5.1 O rotacismo em encontro consonantal

Em contexto de encontro consonantal foram obtidos 312 registros, dos quais 69

referem-se à aplicação da regra, ou seja, em 22% das respostas, os vocábulos

apresentaram-se com a vibrante /r/ em vez da lateral /l/. A melhor rodada dos dados, de

acordo com os resultados do GoldVarb 2001, selecionou apenas uma variável

linguística: (ii) contexto posterior; e duas variáveis extralinguísticas (viii) faixa etária e

(ix) escolaridade, como fatores condicionantes à aplicação da regra (troca do /l/ pelo

/r/). A tabela 1 apresenta os resultados referentes ao contexto posterior:

Tabela 1 - Aplicação da regra > segundo o contexto posterior

Fatores Aplicação / Total % Peso relativo

(Pr)

Vogal baixa central oral 30/180 16 0,41

Vogal baixa central nasal 12/23 52 0,84

Vogal média baixa anterior 3/24 12 0,30

Vogal alta anterior 2/14 14 0,42

Vogal média alta posterior 13/47 27 0,60

Vogal alta posterior 9/24 37 0.73

Total 69/312 22% -

Input: 0,13

Significância: 0,003

Observa-se na Tabela 1 que vocábulos cujo contexto posterior se apresenta como

vogal baixa central oral , vogal média-baixa anterior e vogal alta anterior

favorecem a aplicação da regra (peso relativo abaixo de 0,5), como, por exemplo, em

clara, chiclete e cliente. Ao passo que, nos demais contextos, há um desfavorecimento

ao rotacismo, sobretudo, quando o contexto posterior é uma vogal baixa central nasal

.

Quanto às variáveis extralinguísticas selecionadas pela melhor rodada

(escolaridade e faixa etária), a Tabela 2 aponta maior probabilidade de o rotacismo ser

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

406

empregado na fala de informantes de nível fundamental (Pr = 0,79) e entre os

informantes pertencentes à segunda faixa etária (Pr=062).

Tabela 2 - Aplicação da regra > segundo o contexto posterior

Fatores Aplicação / Total % Peso relativo

(Pr)

Ensino Fundamental 60/151 40 0,79

Ensino Superior 9/161 6 0,22

Faixa Etária I 25/159 15 0,38

Faixa Etária II 44/153 29 0,62

Total 69/312 22% -

Input: 0,13

Significância: 0,003

A Figura 2 ilustra esses resultados considerando-se a produtividade percentual

das variantes /l/ e /r/ segundo as variáveis escolaridade e a faixa etária, selecionadas na

melhor rodada.

Figura 2 – Produtividade das variantes /l/ e /r/ segundo as variáveis faixa etária e

escolaridade

Fonte: Resultados do GoldVarb (2001)

Observa-se na Figura 2 que predomina o uso da lateral tanto entre informantes

da faixa I e faixa II, quanto entre os de formação universitária e os de formação básica

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Faixa I Faixa II Ensino Fundamental

Ensino Superior

%

variáveis sociais

/L/

/R/

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

407

(Ensino Fundamental). Todavia, é interessante observar que o rotacismo, atinge maior

produtividade entre os informantes de escolaridade mais baixa (40%), pertencente à

segunda faixa etária (29%), não isentando sua ocorrência, porém, entre os de formação

superior (6%) e entre os informantes mais jovens (15%).

Embora a ferramenta estatística empregada no tratamento dos dados não tenha

selecionado outros grupos de fatores que condicionam à realização da regra, no que se

refere ao item lexical, observa-se na Figura 3, a produtividade das variantes fonéticas,

considerando-se os vocábulos.

Figura 3 – Produtividade das variantes /l/ e /r/ segundo o item lexical

Fonte: Resultados do GoldVarb (2001)

Observa-se nessa distribuição percentual um espelhamento dos resultados,

predominando variante lateral alveolar na maioria dos itens estudados, entre 67% a 91%

de produtividade. Por outro lado, o rotacismo apresenta-se com mais produtividade em

vocábulos como chiclete (53%), blusa (38%), globo (33%), flamengo (25%), dentre

outros com menor índice percentual, como em plástico (9%).

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

%

itens lexicais

/L/

/R/

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

408

5.2 O rotacismo em coda silábica

Para o estudo do rotacismo em coda silábica, foram controladas as mesmas

variáveis linguísticas e extralinguísticas com adaptações quanto ao grupo de fatores.

Para o contexto de coda, todavia, foram documentados 788 registros dos quais apenas

dois referem-se à aplicação da regra. Ou seja, as rodadas resultaram em inúmeros

KnockOut, pois os grupos de fatores não apresentaram a variação /l/ > /r/, não sendo

possível, e necessária, a rodada Binomial; uma vez que em coda silábica quase que

categoricamente os informantes selecionados pela pesquisa preferem a forma de

prestígio, ou seja, o uso da lateral alveolar em vez da vibrante.

A realização do rotacismo, neste caso, ocorre exclusivamente na fala do

informante de número 19 (homem, faixa etária II, de escolaridade fundamental). Este

informante ao responder às questões 018 (O que a abelha fabrica?) e 038 (Qual é o

nome do nosso país?) pronunciou os vocábulos mer, para mel; e Brasir, para Brasil,

respectivamente. Ademais, observa-se também a ocorrência do rotacismo em contexto

de encontro consonantal na fala desse mesmo informante, tal como ocorre em crara, por

clara (QFF 022); pranta, por planta (QFF 026; Framengo, por Flamengo (QFF 042) e

brusa, por blusa (QFF 058). Trata-se, neste caso, o informante que em seu idioleto

utiliza o rotacismo, mais frequentemente em contexto de encontro consonantal, sem,

contudo, deixar de utilizá-lo também em coda silábica.

Considerações finais

De certo modo, o rotacismo revela aspectos conservadores do português

brasileiro, uma vez que, diacronicamente, observa-se a presença do fenômeno já no

latim vulgar e na sua passagem para as línguas românicas. Sincronicamente, a troca da

lateral pela vibrante está presente em diferentes variedades do português, conforme

atesta a revisão da literatura. Trata-se, portanto, de um fenômeno variável que revela

traços diastráticos do português brasileiro, porém, que deve ser entendido sob uma

perspectiva pancrônica.

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

409

A partir dos resultados desta pesquisa, observa-se que embora o número de

questões selecionadas para o estudo do fenômeno fosse maior em contexto de coda

silábica (36) em relação ao contexto de encontro (15), o rotacismo em final de silaba e

de vocábulo não é recorrente no corpus recolhido; ao passo que, em contexto de

encontro consonantal, o fenômeno ocorre com maior produtividade.

Apesar de controladas sistematicamente variáveis linguísticas para o estudo,

apenas duas delas mostram-se relevantes para aplicação da regra. Assim, em Itajubá,

pode-se dizer que, de acordo com os resultados obtidos, ocorre muito mais o rotacismo

em encontro consonantal face ao fenômeno em coda silábica, com maior probabilidade

entre os homens da segunda faixa etária, ou seja, adultos acima de 50 anos de idade.

A confluência entre aspectos teóricos e metodológicos da Dialetologia e da

Sociolinguística possibilitou uma abordagem sociodialetológica nesta localidade

mineira, sendo uma primeira tentativa de descrição mais detalhada da língua falada

nesta cidade do sul mineira, haja vista que os dados coletados pelo EALMG (RIBEIRO

et al., 1977) e pelo ALiB em Itajubá não oferecem subsídios para uma análise mais

criteriosa do fenômeno aqui estudado. Nesse sentido, este trabalho é um exemplo de

novas tendências dos estudos linguísticos para descrição do português brasileiro, uma

vez que a Dialetologia tem avançado aos denominados “veios sociolinguísticos”

(CARDOSO, 2010), consolidando-se, no território brasileiro, a “Dialetologia

pluridimensional” (THUN, 1998).

Há de se notar, todavia, que os resultados desse artigo ativeram-se às respostas

obtidas para o QFF. O próximo passo do trabalho é investigar o fenômeno nos discursos

livres dos informantes com vistas a verificar em que medida o monitoramento da fala

pode ou não interferir na aplicação da regra variável, uma vez que a própria estruturação

do QFF, que visa a obter itens específicos por meio de pergunta-resposta, pode

evidenciar certo grau de formalidade durante o inquérito linguístico.

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

410

REFERÊNCIAS

AMARAL, Amadeu. O Dialeto Caipira: gramática e vocabulário. 4.ed.São Paulo:

HUCITEC; INL, 1982.

BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação

linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

BRASIL. Decreto 30.643 de 20 de março de 1952. Institui o Centro de Pesquisas da

Casa de Rui Barbosa e dispõe sobre o seu funcionamento. Rio de Janeiro: [s/ed.],

1952. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-

30643-20-marco-1952-339719-publicacaooriginal-1-pe.html> Acesso em: 25 jun. 2015.

CAMARA, Jr. Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Portuguesa. 11 ed. Petrópolis:

Vozes, 1982.

CARDOSO, Suzana Alice Marcelino da Silva. Geolinguística: tradição e modernidade.

São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

CARDOSO, Suzana Alice Marcelino da Silva et al.. Atlas Linguístico do Brasil:

Introdução. Vol. 1, Londrina: EDUEL, 2014.

COMITE NACIONAL DO PROJETO ALiB. Questionários 2001. Londrina: EDUEL,

2001.

COSTA, Luciane Trennephol da. Estudo do rotacismo: variação entre as consoantes

líquidas. 2006. 167p. Mestrado (Programa de pós-graduação em Letras) - Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.

______. Análise variacionista do rotacismo. Revista Virtual de Estudos da

Linguagem – ReVEL. Vol. 5, n. 9, p. 1-29, agosto de 2007.

______. Abordagem dinâmica do rotacismo. 2011, 173 p. Tese (Programa de pós-

graduação em Letras) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011.

COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de Gramática Histórica. 7. ed. Rio de Janeiro:

Editora ao Livro Técnico, 1976.

COX, Maria Inês Pagliarini. O rotacismo no falar cuiabano: a potência da voz

mameluca em uma variedade do português brasileiro. In.: ALMEIDA, M. o. S.; COX,

M. I. P. Vozes cuiabanas: estudos linguísticos em Mato Grosso. Cuiabá: Cathedral

Publicações, 2005, p.95-113.

FREITAG, Raquel Meister Ko; ARAUJO, Andreia Silva; BARRETO, Eccia Alécia;

CARVALHO, Eliana dos Santos Silva de. Vamos prantar frores no grobo da terra:

estudando o rotacismo nas séries iniciais da rede municipal de ensino de Moita Bonita-

SE. Rev-Let: Revista Virtual de Letras, v. 2, n. 2, p. 17-31, 2010.

GIORDANI, Mariana Norberto Palma. O rotacismo em final de sílaba. Filologia

Linguística Portuguesa, n. 7, p. 129-134, 2005. Disponível em:

<http://www.revistas.usp.br/flp/article/view/59720>. Acesso em 10 mai. 2015.

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

411

GOMES, Christina Abreu; SOUZA, Cláudia Nívia Roncarati. de. Variáveis

fonológicas. In.: MOLLICA, M. C., BRAGA, M.L. (Orgs). Introdução à

Sociolingüística: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2003, p.73-80.

GUIMARÃES, Armelim. História de Itajubá. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987.

IBGE CIDADES. Itajubá. Disponível em: < http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=313240&search=||info

gr%E1ficos:-informa%E7%F5es-completas> Acesso em: 20 jun. 2015.

LABOV, William. Padrões Sociolinguísticos. Trad. Marcos Bagno, Maria Marta

Pereira Scherre e Caroline Rodrigues Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

LIMA, Luciana Gomes de. Atlas Fonético do Entorno da Baía de Guanabara, 2 v,

2006. Mestrado (Programa de pós-graduação em Letras Vernáculas) – Universidade

Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

MAIA DOS REIS, Gizelly Fernandes. Cravícula e Carcanhá: a incidência do rotacismo

no falar maranhense. Revista Littera, v. 1, n 1, p. 33-40, jun-jul 2010. Disponível em:

<http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/littera/article/view/106> Acesso

em: 09 abr. 2015.

MARROQUIM, Mario. A Língua do Nordeste. [1934] 3. ed. Curitiba: HD Livros,

1996.

MELO, Gladstone Chaves de. A língua do Brasil. [1946] 4. ed. Rio de Janeiro: Padrão,

1981.

MENDONÇA, Renato. A influência africana no português do Brasil.2 .ed. São

Paulo: Editora Nacional, 1935.

MOLLICA, Maria Cecília; PAIVA, Maria da Conceição. Restrições estruturais atuando

na relação entre [l] > [r] e [r] > 0 em grupos consonantais em Português. Boletim da

Associação Brasileira de Linguística, n.11, 1991.

NASCENTES, Antenor O linguajar carioca. 2. ed. Rio de Janeiro: Org. Simões, 1953.

NASCENTES, Antenor. Bases para a elaboração do Atlas Linguístico do Brasil. 1.

Ed. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Casa de Rui Barbosa, 1958.

PINHO, Maria Eliane Vila de; MACEDO-KARIM, Jocineide. O uso do rotacismo no

falar dos moradores de bairro Vila Mariana em Cáceres-MT. Revista Estudos

Acadêmicos de Letras, ed 7, n. 2, p. 119-129, p. 2014. Disponível em:

<http://periodicos.unemat.br/index.php/reacl/article/view/274> Acesso em: 12 jun.

2015.

RAYMUNDO, Jacques. O elemento afro-negro na língua portuguesa. Rio de

Janeiro: Renascença, 1933.

RIBEIRO, José; ZAGARI, Mário Robeto Lobuglio; PASSINI, José; GAIO, Antônio

Pereira. Esboço de um atlas linguístico de Minas Gerais. Rio de Janeiro: Fundação

Casa de Rui Barbosa, 1977.

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

412

ROBINSON, John S.; LAWRENCE, Helen R.; TAGLIAMONTE, Sali A.

GOLDVARB 2001: a multivariate analysis application for Windows. Department of

Language and Linguistic Science, York, Canada: University of York, 2001.

ROMANO, Valter Pereira. Como falam os londrinenses? O caso do rotacismo a partir

de dados geolinguísticos. II CIELLI - COLÓQUIO INTERNACIONAL DE ESTUDO

LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. Anais... Universidade Estadual de Maringá:

Programá de pós-graduação em Letras, Maringá, 13 a 15 de jul. 2012.

ROMANO, Valter Pereira; SILVA, Jonas Passos. Bicicleta ou bicicreta: um estudo do

rotacismo na fala de paulistas a partir dos dados do Atlas Lingüístico do Brasil. I

CIELLI - COLÓQUIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E

LITERÁRIOS. Anais... Universidade Estadual de Maringá: Programá de pós-graduação

em Letras, Maringá, 9 a 11 de jun. 2010. Disponível em: <

https://www.dropbox.com/s/469ekvia50b5pb7/2010_Artigos_Estudos_Lingu%C3%AD

sticos.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2015.

SAMPAIO, Teodoro. O tupi na geografia nacional. Bahia: [s.ed.], 1928.

SANCHEZ, Tamires Alves. Rotacimo no falar londrinense e curitibano. In.: III CIELLI

- COLÓQUIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS.

Anais... Universidade Estadual de Maringá: Programa de pós-graduação em Letras,

Maringá, 27 a 29 de ago. 2014, p. 1-12. Disponível em:

<cielli2014.com.br/anais/publicacoes/area/1/simposio/64/letter/r> Acesso em 12 fev.

2015.

SILVA JR, Silvio Nunes da; OLIVEIRA, Fernando Augusto de Lima. Abordagem

conversacional do rotacismo. Web Revista Sociodialeto, v. 5, n. 14, p. 96-110,

nov.2014. Disponível em:

<http://www.sociodialeto.com.br/edicoes/19/23122014110518.pdf>. Acesso em 17 de

jun. 2015.

SILVA NETO, Serafim da. Fontes do Latim Vulgar: o Appendix Probi. 3.ed. Rio de

Janeiro: Livraria Acadêmica, 1956.

______. História da Língua Portuguesa. 5. ed. Rio de Janeiro: Presença, 1988.

SILVA, Rosangela Villa da; ALONSO, Suelen Santin; ONOFRE, Diana Pilatti. A

rotacização na fala de empregas domésticas em Dourados-MS. Web Revista

Sociodialeto, v. 1, ed. 2, 2010, p.1-15. Disponível em:

<http://www.sociodialeto.com.br/edicoes/7/25042011094018.pdf>. Acesso em 01 de

jun. 2015.

TEIXEIRA, José Aaparecido. O falar mineiro. Separata da Revista do Arquivo

Municipal de São Paulo, São Paulo: Prefeitura Municipal de São Paulo. Dep. de

Cultura, 1938.

TEM, Luiza Fernandes Tem. Rotacização das líquidas nos grupos consonantais:

representação fonológica e variação. 2010, 156 p. Dissertação (Programa de pós-

graduação em Letras Vernáculas) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de

Janeiro, 2010.

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

413

THUN, Harald. La géographie linguistique romane à la fin du XX siècle. In.:

RAENDONCK, D. V. et all. (Orgs.). XXII CONGRÈS INTERNATIONAL DE

LINGUISTIQUE E PHILOLOGIE ROMANES. Actes... Bruxelles, 1998, 367-409.

WIKIPEDIA. Itajubá. Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/wiki/Itajub%C3%A1#/media/File:MinasGerais_Municip_Itaju

ba.svg>. Acessom em 29 jun. 2015.

Recebido Para Publicação em 29 de junho de 2015.

Aprovado Para Publicação em 15 de setembro de 2015.