um século para uma implantação 1851 1950 t003

19
\ Parte I Antecedentes 1850-1950 Um século para uma implantação 1851-1950 A justificativa para este capítulo pode ser encontrada no fato de que compreender a Geografia Ffsica é exatamentc co- mo compreender o meio ambiente: necessita-sc de alguma ava- liação sobre como c por que o estado atual se desenvolveu. Por volta de 1850 estabeleceram-se os começos da Geografia, incluindo-se a Geografia Ffsica. Essas origens expressaram-se na fundação de sociedades geográficas c na criação de cátedras nas universidades. Nos primórdios do sc*culo muitas sociedades cien- tfficas novas foram fundadas, c a primeira Sociedade Geográfi- ca a ser estabelecida foi a da França, inaugurada cm Paris, no ano de 1821, rapidamente seguida pela da Alemanha, cm Ber- lim, no ano de 1828, c pela Royal Geographical Socicty, cm Lon- dres, em 1830. Procurando consolidar e concentrar esforços cm uma disciplina crescente, as novas sociedades foram criadas a fim de propiciar vcfculos para publicações. Sir Clcmcrfts Mark* ham, que foi um dos presidentes da Royal Geographical Society, assinalava em 1880 que, embora a Royal Society cm teoria hou- vesse publicado trabalhos geográficos desde 1662, dos 5.336 tra- balhos publicados no período de 1662 a 1880 somente 77 po- diam ser chamados de geográficos. Cada sociedade formada ten- tava ter a sua característica própria: a Royal Geographical So- cicty cfetivamcntc esteve muito ligada com as explorações, mas sua revista também foi foro para muitos debates esclarecedores (Freeman, 1980). Por volta de 1866 havia 18 sociedades gco-

Upload: paulo580

Post on 10-Jul-2015

834 views

Category:

Education


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

\

Parte I — Antecedentes 1850-1950

Um século para uma implantação 1851-1950

A justificativa para este capítulo pode ser encontrada nofato de que compreender a Geografia Ffsica é exatamentc co-mo compreender o meio ambiente: necessita-sc de alguma ava-liação sobre como c por que o estado atual se desenvolveu. Porvolta de 1850 estabeleceram-se os começos da Geografia,incluindo-se a Geografia Ffsica. Essas origens expressaram-se nafundação de sociedades geográficas c na criação de cátedras nasuniversidades. Nos primórdios do sc*culo muitas sociedades cien-tfficas novas foram fundadas, c a primeira Sociedade Geográfi-ca a ser estabelecida foi a da França, inaugurada cm Paris, noano de 1821, rapidamente seguida pela da Alemanha, cm Ber-lim, no ano de 1828, c pela Royal Geographical Socicty, cm Lon-dres, em 1830. Procurando consolidar e concentrar esforços cmuma disciplina crescente, as novas sociedades foram criadas afim de propiciar vcfculos para publicações. Sir Clcmcrfts Mark*ham, que foi um dos presidentes da Royal Geographical Society,assinalava em 1880 que, embora a Royal Society cm teoria hou-vesse publicado trabalhos geográficos desde 1662, dos 5.336 tra-balhos publicados no período de 1662 a 1880 somente 77 po-diam ser chamados de geográficos. Cada sociedade formada ten-tava ter a sua característica própria: a Royal Geographical So-cicty cfetivamcntc esteve muito ligada com as explorações, massua revista também foi foro para muitos debates esclarecedores(Freeman, 1980). Por volta de 1866 havia 18 sociedades gco-

Page 2: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

gráficas, e por volta de 1930 o número se havia elevado para137. As cátedras universitárias de Geografia também começa-ram a ser instaladas, c, na França em 1809,. havia urna em Pa-ris, na Sorbonnc, c por volta de 1899 mais cinco já haviam sidocriadas em outras universidades francesas :(Harrison Church,1951), bem como muitas das mais importantes universidades ger-mânicas tinham um professor de Geografia. No Reino Unido,o primeiro professor foi o capitão Alexander Maconochie, noUnivcrsity Collcge London, cm 1833-1836 (Ward, 1960), e pos-teriormente Halford Mackindcr foi designado para a Universi-dade de Oxford, em 1887, e Yule Oldham, para a de Cambrid-gê, em 1893. Nos Estados Unidos, Arnold Gúyot tornou-se o primeiro professor de Geografia, quando foi indicado, em 1854,para a Universidade de Princcton, e, antes de 1900, 12 universi-dades americanas ofereciam cursos de Geografia, embora nemtodas propusessem a cadeira como curso permanente em seuscurrículos, sendo a Geografia Física frequentemente ensinadanos departamentos de Geologia (Tatham, 1951). À medida queessas cátedras iam sendo criadas, a presença da Geografia Físi-ca podia ser muito influente, e, na Alemanha, entre 1905 c 1914,a Fisiografia era eminente por causa da influência de Penck naprestigiosa cátedra na Universidade de Berlim (van Valkenburg,1951).

A expansão não ocorreu de modo uniforme no último sé-culo, a partir de 1850, mas esteve sujeita a diversos controlesque aceleraram ou retardaram o seu desenvolvimento nos dife-rentes pafscs. Os detalhes das tendências em desenvolvimentonecessitam ser vistos cm relação à influência de indivíduos ougrupo, c a fundação do Instituto de Geógrafos Britânicos, cm1933, foi a resposta de um grupo de indivíduos a uma necessi-dade então percebida (Wise, 1983). A vida, breve, ainda quede umjournal of Geomorphology (1938-1942) foi, de forma se-melhante, o resultado de esforços de um grupo de entusiastas,incluindo D. W. Johnson. A abordagem sumária do progressoobservado entre 1850 c 1950 está sendo proposta primeiro paraconsiderar as influências sobre a Geografia,-quer sejam extrín-secas ou intrínsecas, e depois para verificar a consolidação quese observou de 1850 a 1945, e as atitudes e abordagens veiculadas

34

cm 1945 1950, que propiciaram os fundamentos para avançosmaiores na segunda metade do século vinte.

Influências extrínsecas

Para se compreender devidamente o desenvolvimento daGeografia Física, é necessário inseri-la no contexto;em queessa matéria surgiu e cresceu. Esse contexto foi caracterizadopor influências extrínsecas de dois tipos: primeiro, as de or-dem geral que criaram o meio ambiente científico geral c,por isso, afetaram as atitudes e abordagens na Geografia Físi-ca; segundo, as de conotação teórica e factual específicas quese realizaram por meio das disciplinas conexas e, então, propi-ciaram a construção de blocos para pesquisa e investigaçãona Geografia Física. : ' ' ' , , ! •

j -, '..-'•',

UniformitarismoTalvez a influência geral mais persistente sobre, a; Geogra-

fia Física c especialmente sobre a Gcornorfologia, haja sido agradual aceitação da Theory of tke Earth, publicada cm doisvolumes por James Hutton, cm 1795, e subsequentemente maisbem esclarecida por Playfair (1802) cm sua Illustraiions oftheHuttonian Theory of tke Earth. Essa teoria rejeitava as forçascatastróficas como explicações para o meio ambiente e deu ori-gem ao surgimento da escola do Uniformitarismo, na qual umacontínua uniformidade dos processos existentes era considera-da a chave para a compreensão da história da Terra. A fase ne-cessária para suplantar os catastrofistas c aqueles tais como odeão Buckland que acreditava que o mundo começou no ano4004 a.C. fornece uma história fascinante, adequadamente tra-tada por Choricy, Dunn e Bcckinsalc (1964). Eles também de-monstraram como Charles Lycll, que publicou um livro sobreos Principies of Geology, cm 1830, c veio a ser considerado opai do Uniformitarismo, também contribuiu para a aceitaçãoda doutrina huttoniana, embora Lycll posteriormente não subs-crevesse todas as implicações dessa teoria.

O Uniformitarismo não somente substituiu as ideias catas-tróficas sobre a formação das paisagens, mas também díssc-

. : , - • ' i

35

Page 3: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

minou a ideia de que "o presente é a chave do passado". Embo-ra essa visão tenha sido muito satisfatória quanto ao fato de asuperfície terrestre atual propiciar os processos e os mecanismospara se compreender o passado, não se deve pressupor que astaxas de operação dos processos contemporâneos sejam a chavepara o passado. Indiscutivelmente, a noção de uniformitarismochegou a exercer importante influência na'Geologia c tambémna Geografia Física, rnas mais recentemente há várias sugestõesconsiderando que a doutrina foi tomada de forma exagerada.Então, Sherlock (1922) chegou a essa conclusão como resultadodas suas considerações sobre a amplitude dos efeitos das ativi-dades humanas, localizando o homem como agente geológicoe também como agente biológico (ver capítulo 6),

íEvolução

Por volta do final da década de 1850 a atenção dos geólo-gos e dos geógrafos físicos potenciais estava ;longe de consideraras implicações do uniformitarismo^ Estas surgiram devido a umaoutra influência, que transformou totalmente o conjunto da Geo-grafia Física, exercida pela obra de Charles Darwin, publicadacm 1859, A origem das espécies. A noção de evolução subse-quentemente se difundiu da esfera biológica para a física, so-cial c mental, c no primeiro enunciado do .ciclo de erosão, em1885, Davis denominou-o "ciclo da vida". Curiosamente, Harts-hornc (1939, 1959) não avaliou detalhadamentc o impacto dateoria da evolução sobre a Geografia, a despeito do fato de aobra de Darwin ter sido provavelmente o livro mais influentedo século dczcnove, sendo um daqueles de; tremendo impactosobre o pensamento social c político c a Geografia. O impactosobre a Geografia foi bem analisado por Stoddart (1966), quedistinguiu quatro componentes. Primeiro, foi a ideia da mudançaatravés do tempo, que teve reflexos nas atitudes evolutivas parao estudo das formas de relevo, seguindo os estudos do próprioDarwin de 1842 a respeito da evolução das ilhas de coral, e foiespecialmente influente cm relação ao cicloidc erosão propostopor Davis, Também na geografia das plantas c na ecologia hou-ve influência semelhante, tal como foi exercida por Clements,um homem que obteve na ecologia das plantas posição scmc*

36

lhante à exercida por Davis no campo da GcomorfolOgia, pro-pondo a sucessão das plantas como "o processo universal dedesenvolvimento das formações... a história da vida dasformações-clfmax" (Clements, 1916). A similaridade concei-tuai entre a sucessão das formações vegetais e o ciclo de erosãofoi exposta por Cowlcs (1911), que produziu uma "ecologia fl-siográfica" amalgamando a gcomorfología davisiana c a ecolo-gia clementsiana (Stoddart, 1966). Em segundo, a ideia deorganização emergiu quando as íntcr-rclaçõcs e conexões en-tre todos os seres vivos e seu meio ambiente encontraram rele-vância particular junt aos pesquisadores europeus que esta-vam interessados no estudo das estruturas e funções das comu-nidades e, eventualmente, na ideia do ecossistema, como ex-posta por Tinsley (1935). Essa influência foi particularmentenotável para o estudo de regiões, e nas décadas iniciais doséculo vinte a ideia de unidade orgânica temporariamente ser-viu como tema unificador. A terceira, de luta e.seleção, ea quarta ideia, de aleatoriedade e chance, não tiveram reflexoclaro c imediato na Geografia Física, pois o darwinismo foiinterpretado em sentido mais determinfstico do que probabi-lístico. A única contribuição da teoria de Darwin, a da varia-ção aleatória, foi negligenciada nos círculos geográficos (Stod-dart, 1966) e realmente não aparece nos trabalhos ícitos porgeógrafos físicos senão por volta dos anos. O efeito da teoriada evolução foi impor à Geografia Física uma perspectiva his-tórica, que veio a ser a influência predominante na Gcomorfo-logia, nos estudo dos solos e na Biogcografía, c também en-contra paralelos no estudos de Climatologia por, pelo menos,cem anos. Talvez tenha sido a força combinada do uniformita-rismo e da evolução que encorajou algumas das mais obscurasmanifestações da abordagem histórica.

Exploração e pesquisaUma terceira influência extrínseca geral ocorreu pelo fato

de que o meio ambiente terrestre ainda estava sendo sujeito àsexplorações no século dezenove c até mesmo cm pleno séculovinte. Os resultados das expedições e explorações geralmente seconstituíram cm bases para novas informações, que puderam,

37

Page 4: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

então, ser incorporadas à Geografia Física. Ao fazer uma aná-lise dos cento c cinquenta anos iniciais da Royal GeographicalSociety, Freeman (1980) observou que os proeminentes propó-sitos primeiros da sociedade foram as explorações e a constru-ção de mapas. É importante lembrar que as explorações nãosomente forneceram dados a respeito de áreas até então desco-nhecidas, mas também outros, adicionais, sobre áreas conhe-cidas c salientaram que a descrição do meio ambiente é tarefadependente do tempo. Desse modo, foi possível reconstruir oque se conhecia sobre o país dos Bourke, na Austrália, comn/veis diferentes de informações detalhadas, recuperando asfases de 1866 e 1956'(Hcathcote, 1965). As explorações foramimportantes fatorcs de estímulo ao progresso de setores parti-culares de estudo, e a análise das ilhas de coral foi iniciadamais cedo por causa das viagens de Charles Darwin (1842)c J. D. Dana (1853 e 1872).

A teoria glaciaria veio a ganhar consistência por causa deviagens feitas a numerosas áreas, es ta b ele cê rido-se a ideia de queos glaciares, cm vez do diluvianismo ou açko dos icebergs, po-deriam explicar aspectos e depósitos das paisagens glaciadas.L. Agassiz c De Charpcntier, conjuntamente, sedimentaram ocaminho para a teoria glacial. Em geral, aá explorações propi-ciaram familiaridade com um novo ambiente, estimulando dessamaneira novas ideias c opiniões. Assim, o$ exploradores do oes-te americano, incluindo John Wcslcy Powell, Grovc K. Gílbertc C. E. Dutton, foram notáveis c forneceram materiais c ideiasque posteriormente vieram a ser incorporadas na Geomorfolo-gia, sempre via o ciclo de erosão (Chorlcy, Dunn c Bcckinsalc,1964). Também se pode afirmar que "desde o tempo de Lyellnenhum novo corpo de pensamento tinha alcançado um efeitoimediato sobre o pensamento gcomorfológico em geral.,, par-ticularmente sensível nos Estados Unidos...!Muitos estudos depaisagens começaram prontamente a admitir a força da erosãosubaérca" (Chorlcy, Dunn e Bcckinsalc, 1964).

O desenvolvimento das instituições de pesquisa também co-laborou de modo significante como fonte dc^dados para a Geo-grafia Física. Na Grã-Brccanha, a fundaçao;do Ovdnance Sur-vcy, cm 1795, c do Geological Survcy, em 1801, foi marco inicial

38

de pesquisas que forneceram dados básicos c documentação pa-ra que se processasse a Geografia Física. No decorrei das pesqui-sas geológicas foram desenvolvidos numerosos conceitos impor-tantes, e os relatórios e memórias do Geological Survey ainda sãotestemunhas adequadas sobre a habilidade pcrceptiva dos anti-gos geólogos. Outros aspectos do meio ambiente físico só forammapeados ou monitorados muito mais recentemente na Grã-Brctanha, e o levantamento nacional dos solos data de 1949, en-quanto o levantamento da vegetação foi incorporado aos estudosde uso do solo em 1930 e 1960, primeiro e segundo levantamen-tos. Na Grã-Bretanha, a monitoração do meio ambiente incluiregistro permanente da altura das marés desde 1860 e registros deprecipitação desde 1677, cm Burnley, c da descarga contínua doTamisa desde 1883. Todavia, por volta de 1935-36 Havia somente28 postos fluviométricos na Grã-Bretanha, quantidad^ue se ele-vou para 81 em 1945-53. Essa quantidade de postos cresceu abrup-tamente a partir de então, de modo que existiam aproximadamen-te 1.200 cm 1975. No período de 1899-1935 cerca de metade daárea continental dos Estados Unidos já era coberta por mapas desolos (Barnes, 1954), e por volta de 1950 o Wcathcr Burcau norte-americano tinha 10.000 estações regulares mensurando as preci-pitações. As medições sistemáticas e contínuas das vazões dos cursosde água começaram em 1900, e a rede básica de postos fluviomé-tricos foi estabelecida no período de 1910 a 1940. P0rvottadel950t

as observações regulares eram feitas cm cerca de 6.000 locais. Es-se crescimento da monitoração ambiental salientou como é recentea aquisição de dados sobre o meio ambiente físico, c pôr essa ra-zão o advento de novas técnicas para a colcta c análisc'dos dados(capítulo 10) propicia fases estimulantes para a Geografia Física.Assinala-se o desenvolvimento recente da monitoração ambien-tal , porque uma estação automática para a medição do tempo foimostrada por Robert Hookc, cm 1679, na Royal Society, c os pri-meiros registros sobre a vazão dos rios incluem as medições feitaspara o Rio Elba, em Magdcburgo, em 1727-1869 (Biswas. 1970).

Conservação do mzio ambienteO interesse pela conservação do meio ambiente começou

na metade do século dezcnove, mas teve pouca influencia na

39

Page 5: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

Geografia Física até o século, tendo recebido pouca atenção porparte dos geógrafos. O início do movimento conservacionista ge-ralmente atribuído a Gcorgc Perkins Marsh, em 1864, com olivro Man and Nature (Mumford, 1931). Esse livro foi planeja-do como um "pequeno volume mostrando que, enquanto ou-tros pensam que a Terra modela o homem, na verdade o ho*mcm atua sobre a Terra", e também, nas palavras de Marsh,para "sugerir a possibilidade e a importância da restauração dasharmonias rompidas e maneiras de se melhorar as regiões des-gastadas c exauridas; e, incidentalmcnte, ilustrar a doutrina deque o homem é, tanto em espécie como cm grau, a maior forçaentre todas as formas de vida animada, que como ele são ali-mentadas na mesa farta da natureza". Esse livro, que inclui aGeografia. Física em seu subtítulo, demonstrou grande impactona maneira como o homem visualiza e usa a terra (Lowenthal,1965), mas, no capítulo 6, mostraremos que, muitos anos an-tes, a Geografia Física já realizava e utilizava plenamente a orien-tação proposta por Marsh.

Nas décadas seguintes, as experiências sobre a sensibili-dade de alguns meios ambientes estimularam investigações, or-ganizações e publicações que por sua vez também propiciaraminformações sobre os efeitos do uso do meio ambiente. Assim,alguns dos mau antigos detalhes sobre a geografia física daChina, que foram publicados no ocidente,; tendiam a focalizaros problemas da erosão nas terras loéssicas na bacia média doRio Amarelo, o que foi mencionado no livro Rape oftke Earth(Jacks c Whytc, 1939), embora muitos dos exemplos citadosnesse volume mostrassem casos do Mediterrâneo, Europa, Ame-ricas do Norte c do Sul, África, Austrália e Nova Zelândia.Uma série de outros livros foram subsequentemente publica-dos na década de 30 nos Estados Unidos,; como resultado daexperiência da erosão dos solos produzida pela importação demétodos agrícolas do Velho Mundo em ambiente do Novo Mun-do, descrevendo as medidas propostas para tratar os proble-mas da erosão que então surgiam (Bcnnett, 1938). É paradoxocurioso que os principais problemas da erosão dos solos nãotenham atraído a atenção dos geógrafos físicos, cm qualquer

40

amplitude na referida época, por causa da ausência de interes-se pelo estudo dos processos das paisagens. Uma série de publi-cações editadas pelo Departamento de Agricultura dos EstadosUnidos também exerceu grande influência nas décadas prece-dentes aos anos cinquenta, c essas fontes de informação factualincluem os livros Soils and Men (Bennett, 1938) e Climate andMen (Kincer et ai, 1941).

Condições específicasTorna-se algo artificial separar as influências intrínsecas

das externas, particularmente no século dezenove, quando nemsempre era claro especificar se um determinado cientista erapor si mesmo um geógrafo físico ou não, A delimitação comoutras disciplinas mostrava fronteiras frouxas porque não so-mente nos Estados Unidos muitos geógrafos físicos estavam vin-culados aos departamentos de Geologia, mas também na Ale-manha von Richthofcn, que era seguidor de Humboldt e Rit-ter, possuía treinamento como geólogo, e Ratzel veio para aGeografia após ter sido treinado inicialmente em Geologia,Zoologia e Anatomia Comparativa. Nas universidades britâni-cas, geólogos, como A. E. Truemaa (Swansea), O.;T. Jones(Cambridge), J. K. Charlesworth (Belfast) e - A. Wood(Aberystwyth), realizaram colaborações que influenciaram mui-tos geógrafos físicos, particularmente os geomorfólogos.Acrescentem-se as contribuições advindas dos cientistas de or-ganizações, como o Gcological Survey, o Mctcorological Officee o Soil Survcy, em.muitos países, suplementados por:um gran-de grupo de interessados amadores, todas cias propiciando con-dições específicas para o avanço da Geografia Física. A despei-to dos problemas de sclcção, torna-se necessário identificaralgumas das condições específicas que durante esse períodoforam adotadas pela Geografia Física.

Nas ciências do solo vcrificaram-se importantes progressosfeitos pela escola russa de ciência do solo, então liderada porV. V. Dokuchacv. A percepção do solo que prevalecia havia si-do influenciada pelos químicos da agricultura, tais como J. vonLiebig, na Alemanha, que desenvolveu a denominada teoria dadustbin, que considerava o solo de maneira estática, como um

41

Page 6: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

sistema fechado no qual podcr-sc-ia simplesmente substituir aqui-lo que era retirado pela produção agrícola* Essa noção de solocomo uma película, independente do que estivesse tanto acimacomo abaixo, foi superada por uma visão de solo que o consi-derava como o produto de fatores da formação de solos e, jun-tamente com seus alunos, notadamente Sibiftesev (1860-99), Do-kuchacv tornou-se o responsável pela teoria zonal dos solos, pu-blicada em 1900. Essa teoria zonal produziu a ideia de que ossolos zonais eram afetados principalmente pelo clima; os intra-zonais, por outros fatores, tais como hidrologia, tipos de rochasou topografia; e os solos azonais eram aindd imaturos e não ti-nham tido tempo suficiente para se desenvolver em um dos doisoutros tipos. Essa concepção de amplas áreas de solos, zonaise relacionadas aos amplos padrões do climaie da vegetação, foium desenvolvimento natural frente ao embasamento da distri-buição praticamente latitudinal do meio ambiente físico daURSS. Outros cientistas russos dedicados ao estudo dos solos,tais como K. D. Glinka (1867-1927), distinguiam os solos ajustá-veis às influências climáticas como ectodinamórficos, enquantoos da classe endodinamórficos possuíam características ineren-tes que lhes possibilitavam resistir, ou modificar-se menos, àsinfluências dos fatores externos.

Houve um lapso de tempo até que as ideias dos cientistasrussos sobre a formação dos solos se difundissem na Europa oci-dental e na Amdrica do Norte, onde o solo continuava a ser con-siderado sob a perspectiva geológica. Esse atraso na difusão foisintonizado pela tradução feita por C. E Marbut, então chefedo Soil Survey norte-amcricano, baseada na edição alemã dotrabalho de Glínka, de 1914, mas só publicada cm 1927. Mar-but cncontrava-sc então cm posição privilegiada para juntar asidíias russas c as americanas c publicou um livro sobre os solosdos Estados Unidos, cm 1935, no qual reconciliava as necessi-dades de uma classificação nacional com a escala das pesquisasde campo, bem como escreveu numerosos artigos relacionadoscom os solos para os Annah ofthe Association of American Geo*graphers. A ênfase colocada pela escola russa sobre os fatoresda formação dos solos só foi plenamente utilizada em 1941,

42

quando Jenny publicou o livro Factors ofSoil Formatipn e usoua noção central de que qualquer característica do solo (S) erauma função do clima (C), organismos (O), relevo (E)i materialrochoso (M) e tempo (T), assim como de outros fatores não es-pecificados, na fórmula:

S = (C, O, R, M, T,...)

Na Geomorfologia as influências naturalmente'foram de-rivadas particularmente da Geologia, c aqui o impacto dos de-senvolvimentos verificados na Geofísica foi simplesmente notá-vel. A teoria da deriva continental, exposta por Wegcncr em1924, intrigou os geógrafos físicos, embora essa teoria juntamentecom a das formações de montanhas e atividade sísmicaSnao che-gou a fornecer grande desenvolvimento. As outras'influênciasextrfnsecas-sobre a Geomorfologia talvez estivessem mais dirc-tamente ligadas com a Geologia, especialmente as relacionadasao progresso de mapeamento e levantamento geológico, à elu-cidação da estratigrafia e às maneiras pelas quais os últimos es-tágios da história terrestre, particularmente os do Cenozóico,estavam sendo estabelecidos. Na Geomorfologia, muitas das in-fluências desse período estavam sendo canalizadas por intermédiodo ciclo de erosão e da geomorfologia davisíana; . t

Os estudos da atmosfera receberam grande impulso comos estímulos provindos do Instituto Meteorológico de:Bergen,c já foi assinalado que poucos grupos haviam chegado até en-tão a dominar um campo científico tão completamente comoo grupo de Bergen (Harc, 1951a) conseguiu. Estimulados peladeficiência de informações para a zona da guerra de'1914-1918e pela densa rede de estações que então fora criada, especial-mente na Noruega, esse grupo se colocou fundamentalmentena vanguarda do mapeamento sobre o tempo. Os temas cen-trais da escola de Bergen basearam-se na consideração de quea atmosfera e composta de grandes corpos de ar relativamentehomogéneos, separados por fronteiras suavemente inclinadas ousuperfícies frontais. A história de vida de um ciclone de ondafrontal foi desenvolvida por J. Bjerkness, c em 1928 c,1938 Bcr-geron propôs uma classificação das massas de ar que propiciou

43

Page 7: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

as bases da climatologia dinâmica. A possível descrição expli-cativa dos climas mundiais em função da teoria das massas dear não foi desenvolvida, para prejuízo dos geógrafos físicos (Hare,1951a). Diversas classificações climáticas foram propostas nesseperíodo, incluindo as de Koepeen, datadas de 1900-1936, e aabordagem para uma classificação racional proposta porThornthwaitc (1948). De signifícância para a climatologia fo-ram os avanços realizados no campo da climatologia das mas-sas de ar (p. ex., Lamb, 1950; Belasco, 1952), mas as linhas in-corporadas nessas abordagens só muito mais tarde foram tra-balhadas pelos geógrafos físicos. Os estudos sobre a atmosferatambém foram incrementados pelo advento das radiossondas,possibilitando que pequenos transmissores de rádio carregadospor balões pudessem registrar informações de alturas superio-res a 18km, de modo que as cartas sinóticas do ar superior ea signifícância das investigações da camada atmosférica supe-rior começaram a receber interpretação ligada com a compreen-são das situações sinóticas.

O tratamento do balanço hídrico, por Thornthwaite (1948),foi um dos marcos importantes a influenciar o desenvolvimen-to da Hidrologia. O volume elaborado pôr Mead (1919) foium dos primeiros livros ligados à Hidrologia. Embora já exis-tissem trabalhos práticos, como o Manual] of Hydrology, deBeardmorc (1851, 1862), nessa época ainda hão se possuía pa-ra essa área tratamento positivo e coerente. A ênfase sobreo balanço hídrico tornou-sc fator importante para o desenvol-vimento ocorrido no século vinte, c na América do Norte basesimportantes haviam sido fornecidas por Horton (1932, 1933,1945) c por Sherman (1932), que iniciaram a teoria da unida-de hidrográfica.

Na Biogcografia, influência fundamental foi a exercida porClcments (1916), por meio da proposta sobre aisucessão das plan-tas. A abordagem dinâmica para a ecologia incorporou o con-ceito de vcgetação-clfmax, alcançado pelas comunidades vege-tais que passaram por todas as fases de sucessão e chegaram aatingir estado de equilíbrio com o clima da^ região. As ideiasiniciais de Clcments propiciaram condições para uma analogiaalgo insatisfatória entre o desenvolvimento de uma comunidade

44

de plantas ao longo do tempo c o ciclo de vida de um organis-mo (Harrison, 1980). A sequência do desenvolvimento da vege-tação foi visualizada por Clements como realizada por trajctó-rias específicas e envolvendo cinco fases: fase l — nudação, acriação inicial de uma área desnuda; fase 2 — migração, a che-gada das sementes de plantas; fase 3 — ecesis, o estabelecimen-to das sementes de plantas; fase 4 — reação, competição entreas plantas estabelecidas e os efeitos que elas têm sobreiO habitatlocal; fase 5 — estabilização, quando as populações de espéciesatingem condição final cm equilíbrio com as condições do ha-bitat local c regional. Durante essa sequência evolutiva da ve-getação há uma série de estágios transicionais denominados se-res, c o equilíbrio final constitui a vegetação-clírnax.ips biólo-gos e os biogeógrafos devotaram muita atenção ao conceito desucessão, tendo sido diversos aspectos salientados, tais como adistinção entre sucessão primária, que é a sucessão sobre novasáreas desnudas, e sucessão secundária, que se desenvolve ,em áreasque anteriormente já suportaram vegetação e onde a atividadehumana ou azares naturais modificaram a vegetação originale iniciaram, a sucessão secundária. Harrison (1980) sugeriu quea visão inicial da sucessão tem sido acompanhada, mais recen-temente, por uma perspectiva que considera a sucessão comoum processo resultante da reposição planta por planta e ondeos padrões gerados por esse processo de reposição possuem pro-priedades estatísticas regulares. Whittakcr (1953) salientou a sig-nificància evolutiva da sucessão c considerou o clímax como umpadrão de abundância de espécies que é localmente constante,mas que varia de lugar para lugar. Harrison (1980) concluiu queessa perspectiva é aceita por muitos biogeógrafos. Embora ini-cialmente se pensasse que a comunidade-clfmax fosse controla-da pelo clima, subsequentemente accitou-sc a ideia de que ascomunidades-clímax são relativamente permanentes e estáveis,estando ajustadas a um contexto particular de condições am-bientais c bidticas.

A separação da ecologia em auto-ccología, que trata dasrelações ambientais das plantas individuais, e sinecologia, quese preocupa com as relações ambientais das comunidades deplantas, também foi muito importante. O conceito de ccossis-

45

Page 8: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

>*-

tema, desenvolvido por A. G. Tanslcy em 1935, veio a exercergrande influência no tocante à abordagem sistémica. Em suaprimeira proposição, Tanslcy considerou o ecossistema comocomposto de duas partes, designadas como bioma, que erao complexo total de organismos como uma: unidade sociológi-ca, incluindo plantas e animais vivendo cònjuntamente, c ohabitat ou meio ambiente físico. Tansley considerou todas aspartes de um ecossistema como fatores inleratuantes, e que,em um ecossistema maduro, se encontram;aproximadamenteem equilíbrio. Esse conceito tornou-se muito significativo por-que poderia ser aplicado a diferentes escalas c porque focali-zava atenção sobre os organismos, o meío ambiente, a circula-ção de matéria e energia e sobre a organização estrutural dosistema. Propiciava, portanto, um esquema conceituai paraa Biogeografia, aplicável a qualquer escala desde a biosferaaté o indivíduo, fornecendo uma base padrònizável em termosde equivalente energético para comparar comunidades dife-rentes c incorporava a atividade humana como um compo-nente integral (Tivy, 1971).

Embasamento positivista

A influência do positivismo no mundo científico foi extraor-dinariamente sensível, durante o período dos últimos cem anos.Estabelecido por Augusto Comte durante a década de 1830, naFrança, como um conceito, foi considerado como substituto daespeculação livre ou dúvida sistemática então definido por Re-nc Descartes (1596-1650) c caracterizado por Comte como prin-cípio metafísico (Holt-Jcnsen, 1981). As abordagens positivistasforneceram os fundamentos para o que veio a ser amplamenteconhecido como método científico, dependente da construçãode generalizações empíricas, enunciados com'características delei, que relacionam o fenómeno que pode ser reconhecido em-piricamente (Johnston, 1983b). Como o positivismo depende douso cfc generalizações empíricas, também abrange o princípiode verificação porque demanda o teste das hipóteses que forampropostas, levando tanto à verificação como à falsificação. Oobjctivo é estabelecer íeis gerais que não sejam específicas a umdeterminado conjunto de circunstâncias, e o positivismo conhe-

46

céu um ímpeto enorme com o advento da obra Origèjas das Es-pécies, de Darwin, c da evolução. '

Nos anos vinte surgiu cm Viena um grupo de cientistas,conhecidos como positivistas lógicos, que ampliou os princípiosfundamentais do positivismo, argumentando que a lógica for-mal e a matemática pura, de maneira semelhante às evidênciasdos sentidos, propiciam conhecimentos que por sua versão opos-tos a todo fenómeno inverifícável. O princípio de verificação foicentral para o trabalho dos positivistas lógicos, e subsequente-mente isso promoveu relevante debate na Geografia Física. En-tretanto, Comte e o positivismo não figuram na história do es-tudo das formas de relevo (Chorley, Dunn e Beckinsale, 1964),provavelmente rcflctindo o fato de que a abordagem, jque se tor-nou tão fundamental em ciência, não era usada4ireta e expli-citamente pelos geógrafos físicos e também o fato de que muitoda influência em Geografia pode ter sido introduzido na disci-plina como um todo, porque levou ao debate determinista-possibilista (Harvey, 1969). Isso porque Comte acreditava quenão somente as ciências naturais deviam procuradas leis da na-tureza, mas também que a investigação científica rd a sociedadedescobriria as leis que governam a sociedade.. j > . :

Muito do desenvolvimento da ciência foi baseado sobre me-todologia que requeria o desenvolvimento de hipóteses por meiode modelos, teorias ou leis e o uso de dados empíricos para serealizar a verificação dessas hipóteses, de modo que, em 1953,Braithwaitc expressava a função da ciência:

, ?ut

"estabelecer leis gerais recobrindo o comportamento dê eventos em-píricos, com os quaís ã referida ciência está preocupada, e possibilitando-nos dessa maneira conectar nosso conhecimento sobre os eventos co-nhecidos separadamente c estabelecer previsões confiáveis sobre even-tos ainda desconhecidos".

A abordagem positivista, embora não devidamente assimi-lada na Geografia Física senão no findar dos anos cinquenta, nadécada de 1960 já se encontrava sob cerrada artilharia:no mun-do científico. Entretanto, o advento da mecânica e da teoria quân-tica, embora já iniciadas nos anos vinte, só começou a tcrinfluônciaanáloga na Geografia Física meio século depois.

47

Page 9: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

ms-

Influencias intrínsecasii

Numerosas influências desenvolveram-se no âmago da Geo-grafia, no decorrer de 1850 a 1950, c essas influências tornaram-se objcto de explicação e especulação desde 1950. De acordo comHarvey (1969), Hartshorne (1959) realizou análise desse assuntoconcluindo que as teses kantianas foram utilizadas por Hetner afim de estabelecer que a Geografia, juntamente com a Históriae outras disciplinas, era uma ciência ideográfica mais do que no-motética. A visão excepcional is ta cm Geografia derivava de Kant(1724-1804) c levou a Geografia a ser caracterizada como um pontode vista mais do que uma disciplina preocupada com área de es-tudo específica, e também relacionada com coléção única de even-tos ou objctos mais do que com o desenvolvimento de generaliza-ções a propósito de classes de eventos.

Se a influência da visão cxcepcion alista sobre a Geografia Ff-sica era mais implícita do que explícita, a influência maior da Geo-grafia como um todo provinha do ideal regional. Essa influênciafez com que a pesquisa em Geografia Física se;dirccionasse paraáreas específicas c, na primeira metade do século vinte» três exem-plos evidentes dessa influência podem ser fornecidos por StreamSculptureontheAflanticSlopeQohn&on, 1951), Structure, Sur-face and Drainage in South East England (WoOldridgc e Linton,1939) e GeomorpHohgy ofNew Zealand (Cotton, 1922).

Uma segunda influência interna da disciplina estava relacio-nada com a experiência nas áreas de pesquisa de campo. Ela emer-gia por causa da associação dos geógrafos físicos com a explora-ção de determinadas partes do mundo, e os geógrafos físicos ale-mães, por exemplo, envolveram-se nas pesquisas sobre a Áfricado Sul, especialmente no Calaari, na África Oriental e em TienShan, entre muitas outras áreas. Tais experiências ultra-marinaspor vezes surgiram cm virtude das relações coloniais. Os geógra-fos físicos franceses foram ativos na Roménia, Alpes e Europa Cen-tral. As experiências de campo também serviram para a elabora-ção de teorias na Geografia Física, com repercussões internas. As-sim, a cfetividade erosiva dos glaciares sobre muitas regiões euro-peias foi estabelecida por L. Agassiz. A experiência acumuladapor vários pesquisadores de campo, incluindo Playfair, Jukes,

48

Ramsay, Geikic, juntamente com os geólogos que trabalhavamna região ocidental dos Estados Unidos, serviu para estabelecera temática que Davies (1969) descreveu como a "doutrina fluvial",que reconhecia a eficácia do escoamento das águas na escultu-ração das formas de relevo. Embora conceitos tão fundamentais,como a efetividadc da erosão glaciaria e da erosão fluvial, fos-sem gradualmente aceitos no século dezcnove, o processo de acei-tação geralmente demorava várias décadas e alimentava candentesdebates. No caso da erosão glaciaria, uma proposição conside-rava que o glaciar não erodia mais a paisagem, mas atuava domedo modo que o creme podia erodir sua embalagem!

Em terceiro lugar, situava-se a influência proveniente dotreinamento c da experiência dos primeiros geógrafos; ffisicos. Di-versos exemplos já foram mencionados, assinalando que geógrafosfísicos foram treinados em uma disciplina e posteriormente setransladaram para c ajudaram a desenvolver a Geografia Físi-ca. Assim, Marion Newbiggin teve formação de bióloga. NaAmérica do Norte, C. F. Marbut (1863-1935), que escreveu nu-merosos artigos em periódicos geográficos e foi presidente daAssociação dos Geógrafos Americanos, ocasião em que profe-riu o discurso "Ascensão, declínio c revitalização do maltusia-nismo cm relação à Geografia c às características dos solos", foiinicialmente um cientista do solo treinado cm Geologia e reali-zou notáveis contribuições à ciência do solo.

Torna-se difícil imaginar, na segunda metade do século vin-te, como o desenvolvimento da Geografia Física nos primeiroscinquenta anos do século foi sensível ao problema dá difusãode ideias. Os idiomas foram uma barreira à difusão dos conhe-cimentos, de maneira que os trabalhos da Escola Russa de Ciên-cia do Solo, formulada no final do século dezcnove, somente al-cançaram os Estados Unidos por volta de 1925 (Marbut, 1925)por meio de uma tradução feita de acordo com a tradução ale-mã, publicada em 1914, do trabalho de K. D. Glinka. A barrei-ra linguística também é exemplificada pela demora verificadana difusão das ideias de Penck. Embora seu modelo tivesse sidoinicialmente publicado em 1924, poucas apreciações efetivaa so-bre sua importância foram realizadas até que se tornasse dispo-nível uma tradução, publicada em 1953 (Czcch c Boswell, 1953),

49

Page 10: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

c cm virtude da dificuldade do conteúdo e da publicação emlíngua alemã. Por vezes, o intercâmbio de visitas e conferencis-tas acelerou a difusão de ideias, c o período em que W. MorrisDavis permaneceu como professor na Universidade de Berlim,cm 1908-1909, cm muito contribuiu para introduzir suas ideiasna Europa Central e também motivou a publicação de suasideias, cm uma obra de excelente clareza (Davis, 1912). De for-ma semelhante, Brown e Waters (1974) salientaram que a visitade Henri Baulig e suas conferências proferidas em Londres, ern1935, com subsequente publicação (Baulig, 1935), desencadea-ram fluxo prodigioso de estudos sobre os níveis marinhos pre*-glaciais c glaciais na Grã-Bretanha, assunto que ocupou mui-tos geógrafos físicos britânicos por cerca de pelo menos vinte ecinco anos.

A Geografia Física por volta de 1945: o impacto de W. M. Davis

No período de 1850 a 1945 predominou a tendência de sepublicar material difuso, cm que se notava a ausência de abor-dagem coerente para ser trabalhada em função de outra, comperspectiva evolutiva, que fosse seguida pela consolidação de,rcação para ou ampliação de tais focalizaçõcs evolutivas. Os li-vros publicados durante esse período indicam numerosas ten-dências que são significantes em relação ao desenvolvimento pos-terior. Incluem-se o predomínio da Geomorfologia e o fato de,algumas vezes, a Gcomorfologia ter sido considerada como a basefísica da Geografia, como se observa no livro de Wooldridgc cMorgan, de 1937, embora quando foi publicada a segunda edi-ção, cm 1951, tivesse havido inversão de título e subtítulo, quetomaram a forma An Outline of Geomorpkology: The Pkyst-cal Basis ofGeography (Wooldridgc c Morgani 1951). Posterior-mente, no âmbito da Gcomorfologia, surgiu a dominância dagcomorfologia davisiana, rcflctida na feitura de livros didáticosamericanos que começaram a aparecer nas décadas de 1930 e1940. Possivelmente outra tendência evidente seja a maneira pelaqual a abordagem abrangente em Geografia Física, geralmentedenominada Fisiografia no século dezenove, foi substituída no

50

século vinte pela separação em Gcomorfologia, Climatologia eBiogeografia. As definições inseridas na tabela 2.1 exemplifi-cam essa tendência.

Inquestionavelmente, W. M. Davis (1850-1934) exerceu ainfluência predominante sobre a Geografia Física nesse perío-do. Deve-se salientar que, embora recentemente suas ideiasestejam sendo discutidas e colocadas numa perspectiva muitomais abrangente da matéria, o estudo da Geografia Física te-ria avançado muito mais lentamente caso ele não tivesse escri-to mais de quinhentos artigos e livros. O enfoque essencialda geomorfologia davisiana baseava-se no fato de propiciarum ciclo de erosão normal, de modo que se tornava possívelclassificar qualquer paisagem de acordo com o estágio alcan-çado no ciclo de erosão, fosse juventude, maturidade ou senili-dade. Concomitantemente, oferecia uma trilogia para a com-preensão da paisagem em função da estrutura, processos cestágio ou tempo alcançado em um ciclo de erosão. Sc o ciclonormal resultava do trabalho das chuvas e rios, outros ciclosdiferentes foram delineados para as paisagens áridas, esculpi-das sob o ciclo de erosão árido e o ciclo marinho, onde aten-ção particular era posta na emersão e submersão das Unhaslitorâneas. Dois tipos principais de acidentes também foramadicionados ao ciclo normal, relacionados com atividade vul-cânica e acidentes glaciares. Um aspecto fundamental do tra-balho de Davis consiste na clareza das ilustrações blocos dia-gramas, que levam à aceitação das ideias básicas. Em 1909foi publicado um volume reunindo vários artigos c ensaios.King c Schumm (1980) promoveram uma compilaçã^ da Geo-grafia Física ensinada por Davis, com base nas notas de suasúltimas aulas. Dentre os inúmeros gcomorfdlogos que adota*ram c desenvolveram a mensagem davisiana, destaca-se a figu-ra particularmente notável de Cotton (1942; 1948). Procuran-do avaliar o enorme sucesso da abordagem davisiana, Higgins(1975) compilou doze razões que explicam a aceitação imedia-ta e generalizada dessa perspectiva c sua subsequente popula-ridade:

51

Page 11: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

^ '

Tabela 2.1 — Algumas definições de Geografia Ffsica 185O*1945

Data Autores

1868 T. H. HUXLEY — "Nós necessitamos daquilo que, na ausênciade ura nome racíhor, chamarei de Geografia Física. É uma des-crição da terra, de seu lugar e relação com outros corpos; desua estrutura geral, de seus grandes aspectos — ventos, marés,montanhas, planícies; das principais formas dos mundos animalc vegetal; das variedades humanas,"

1870 MARY SOMERVILLE - "A Geografia Ffcica é uma descriçãoda terra, do mar c do ar. com seus habitantes animais e vegetais,de modo a considerar a distribuição desses seres organizados, caj causas dessa distribuição". i

1898 W. M. DAVIS — "O sucesso do desenvolvimento da Geografia,considerada como o estudo da terra em relação ao homem, deveser encontrado na Geografia Ffsica — ou Fisiografia como vemsendo denominada —, o estudo do rocio ambiente físico do ho-mem."

1903 R. S. TARR e O. D. von ENGELN - "A Geografia Física, quepode ser definida como o estudo dos aspectos físicos da terrac das suas influências sobre o homem." .

1915 P. LAKE — "O geógrafo... está preocupado com a superfícieda terra c não com o seu interior e, cm geral, ele tem de conside-rar somente a atmosfera, a hidrosfera c os aspectos visíveis dalitosfera ou, em outras palavras, o ar, o oceano e as terras emersas."

1944 K. BRYAN — "... aquilo que está racIuloVna Geografia Física.Obviamente, todos os fatores do meio ambiente são físicos, ex-cluídos aqueles induzidos pela presença dos animais e das plan-tas. A Geografia Física tem unidi.de quando considerada sob aperspectiva do geógrafo humano. Sob a perspectiva do "geógrafoffsico", cia tf um grupo de ciências especializadas, cada uma se-guindo seu próprio caminho."

i1. simplicidade — particularmente o soerguimento ini-

cial;2. aplicabilidade — pelos estudiosos a uma ampla vá*

ricdade de paisagens erosivas;3. apresentação cm estilo lúcido, convincente e concilia-

tório — o estilo do texto e dos numerosos diagramasc esquemas; i

4. base aparente de cuidadosas observações de campo— embora não realizasse nenhuma mensuração nemhouvesse relação com exemplos reais;

52

em consequência, particularmente em relação à comunidadegeológica:

5. preenchia um vazio — e oferecia uma teoria que com-plementava o uniformítarismo;

6. sintetizava o pensamento geológico contemporâneo —incorporava numerosos conceitos que foram introduzi-dos ou que estavam sendo discutidos por outros pesqui-sadores, incluindo o nível de base (Powell, 1834-1902),o equilíbrio dos rios (Gilbert, 1843-1918) e o perfil de equi-líbrio advogado pelos engenheiros franceses;

7. oferecia base para predição e interpretação histórica— possibilitava que a Geomorfologia usasse as formasde relevo como instrumento para decifrar os últimosestágios da história terrestre c funcionar como parteda geologia histórica;

além disso, existiram razões que influenciaram a popularidadedos conceitos de Davis, tais como:

8. era racional — era abordagem simples, racional,valendo-se do contexto positivista;

9. era consistente com a evolução;10. parecia confirmar o pensamento estratigráTico de sua

época — principalmente o modelo tcctònico de dias-trofismo rápido seguido de longo período de estabili-dade e calma litorânea; :

, considerava o clima temperado úmido çòrrjo Snormal",• ' •" jfato que foi atraente para muitos cientistas das ciên-

cias da terra;12. a abordagem cíclica também foi atraente para muitos

cientistas das ciências terrestres.

Muito já se escreveu a respeito do impacto do tratamentodavisiano da Geo morfologia e de sua influência no tocante àspesquisas posteriores, fatos que não podem ser negados. Porexemplo, em uma história da Associação de Geógrafos Ameri-canos, James e Martin (1978) escreveram:

53

t.' '.TT.1 i . .•, ,-j ,-J

Page 12: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

"A fisiograíia proclamada por Da\4s e também delineada porseus seguidores dominou o pensamento geográfico de uma grandequantidade dos membros iniciaJs da Associação. O ensino, a pes-quisa, os trabalhos de campo e a divulgação dos resultados torna-ranvsc para muitos uni modo de vida e não apenas uma atividadeesporádica, tipificada pela observação de Dodgc a Ward de queseu trabalho académico era um dever sagrado. Os seguidores deDavis, desde a adolescência intelectuaj, emergiam como Titãs,Johnson no sctor dos estudos litorâneos. Fenrieman na definiçãodas regiões físíográficas, Martin no desenvolvimento da geomorfo-logia glaciaria, Bowman por escrever sobre a geografia regionaldos Andes, Ward c Huntington por esclarecerem algo sobre afísica atmosférica e sejas efeitos sobre a fisiologia humana, e Brig-ham por estabelecer a geografia histórica... O essencial é queo modelo davisíano ofereceu um pomo comum para a iniciaçãocientífica, a partir do qual o pensamento estruturado tinha con-dições de evoluir."

Quando Davis se aposentou e foi trabalhar na região oci-dental da América do Norte, estabeleceu baseidiferente daque-la que havia desenvolvido cm muitos de seus trabalhos, a meta-de oriental mais estabilizada, c escreveu (citado em Chorley, Bec-kinsalc e Dunn, 197S, p. 647):

"... e a escala cm que a deposição, deformação e denudação acon-teceram. mostrando milhares e milhares de pés nessa região recém-construída, é de 10 ou 20 vezes maior do que a dos processoscorrespondentes observados cm minhas antigas caminhadas decampo". ,.

Thornbury (1954) observou que "a Geomorfologia prova-velmente irá reter suas características por tempo muito mais longodo que as de qualquer outra pessoa", c essas características so-brevivem cm muitos livros didáticos, muitas vezes sem indica-ção clara assinalando que a abordagem c* davisiana. Recente-mente, Small (1978) escreveu que "... a abordagem davisiana,apesar de toda sua deficiência por subjctividadc, ausência derccisão c ignorância dos processos, tem muito a oferecer, parti-cularmente no nível cm que estamos preocupados com a difu-são do conhecimento introdutório no estudo sobre as formas

54

de relevo". Algumas das deficiências que foram mencionadas se-rão discutidas no início do capítulo 3.

Bishop (1980) realizou levantamento das razões iquc justi-ficam a aceitação contínua das ideias do ciclo davisiano du-rante tão longo tempo. Argumentou que o ciclo não 6 umateoria científica, pelo menos por dois motivos: primçiro, por-que é irrefutável em relação ao conceito de estágio; c, segun-do, porque a teoria foi sendo modificada de maneira ad hocà medida que se levantavam objeções contra ela. O, conceitosubjacente na definição de Popper sobre ciência, qiae incluihipóteses falsificáveis de alto conteúdo informativo, jfoi o quelevou Bishop (1980) a concluir que as hipóteses davisianas nãopoderiam mais ser válidas, caso continuassem a ser enuncia-das de modo que não pudessem ser verificadas pelos testesde falsificação.

Muitos pontos de vista e abordagens existiram sobre a Geo-grafia Física em épocas precedentes a Davis. O livro de T. H.Huxley, Phystograpky (1877) foi importante porque, pelo me-nos, procurava apresentar a visão integrada do rneio ambientefísico pela Fisiografia, definida como "o estudo das relações cau-sais dos fenómenos naturais ou a consideração do 'lugar na na-tureza' de urn distrito particular".

Stoddart (1975) analisou o enorme sucesso do livro de Hux-ley, em excelente e agradável avaliação, descrcvcndo-o como "umdos melhores livros lidos por muitos em longo tempo" c "um ser-viço cfetivo à raça humana". Esse sucesso foi parcialmente devi-do à maneira de organização, que começava com a; bacia deLondres c sucessivamente expunha dos fatos locais c familiarespara os desconhecidos. A Físiografia, na concepção de Huxlcy,era particularmente apropriada para a expansão da educaçãopopular nas décadas de rápida industrialização, crescimento po-pulacional c consciência social despertada pela Origem das Es-pécies e assumiu posição dominante na educação britânica du-rante aproximadamente um quarto de século, até que nas esco-las foi deslocada pelas disciplinas científicas específicas, mas ja-mais ganhou posição central na Geografia universitária cm vir-tude da influência exercida pela Geologia. A nova ciência daGeomorfologia,

Page 13: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

Pfe;

&.••£•:

"embora ainda denominada de fisiograíia nos Estados Unidos, foi ali-mentada com um novo princípio unificador, o ciclo de erosão; uma novatécnica, a análise histórica das formas de relevo; e ura novo campo deanálise regional, enquanto paralelamente abandonava clima, oceano-grafia, biogeografia e o estudo da geografia humana para outras disci-plinas" (Sioddart, 1975, p. 32).

i

Na França, em 1909, Emmanuel de Martonne publicavao Traité de Géographie Pkysique, que foi um livro usado mun-dialmente, posteriormente traduzido em outros idiomas e pu-blicado em seis edições. Os Geographical Etsays, de Davis, pri-meiramente publicado em 1909, reuniu vários artigos impor-tantes cm um volume e também foi amplamente consultado.

No período posterior a Davis, o desenvolvimento observa-do na Geomorfologia pode ser considerado como composto deavanços, alternativas e objeções. Os avanços foram verificadosna pesquisa e também nos livros didáticos, em gama variada,dentre os quais os compêndios de Wooldridge e Morgan (1937)e de von Engeln (1942) estão entre os que continuaram o idealdavisiano. As alternativas estão relacionadas com algumas abor-dagens, como a de Wahher Penck (1924), que se estruturaramem bases essencialmente diferentes para a Geomorfologia, quenão foi prontamente compreendida e aplicada e demorou muitotempo para ser facilmente disponível ao público de língua in-glesa (Simons, 1962); também não foram acompanhadas porum grande volume de publicações, como aconteceu com asideias de Davis. As objeções surgiram porque alguns geomor-fólogos começaram a perceber possibilidades' outras além da-quela abordagem puramente davisiana. Dessa maneira, KirkBryan foi seguidor de Davis sob muitos aspectos, mas tambémlevou cm consideração as ideias de Pcnck c, juntamente comseus seguidores, realizou contribuições para o desenvolvimentodo nascente campo da gcomorfologia periglaciál e também paraa gcomorfologia das regiões áridas. Pcltier (1954) considerouque na geomorfologia praticada nos Estados tinidos nova erahavia começado por volta de 1940, e essa nova era estava fun-damentada pelas investigações descritivas, particularmente uti-lizando mapeamentos, pelos estudos dinâmicos sobre os pro-cessos fluviais, de dissolução, marinhos, pcriglaciais, eólicos

56

c vulcânicos, e pelos estudos aplicados. A medida que essa ten-dência estava acontecendo, também pode-se notar de modo apa-rente nos Estados Unidos que os geógrafos físicos sé preocupa-ram mais com a geografia humana do que cm épocas prece-dentes, enquanto os geólogos caminharam mais à procura depetróleo (Peltier, 1954). Talvez a repercussão mais incisiva doperíodo davisiano não tenha ficado apenas na ênfase sobre aevolução da paisagem a longo termo, pois conforme Wooldrid-ge (1951, p. 170) assinalou:

"Um avanço significativo da Gcomorfologia no século atúal foi a tenta-tiva de relacionar suas observações com as da geologia estratigráfica.Como programa pedagógico orientado para auxiliar o desenvolvimen-to explicativo das formas de relevo, o conceito do ciclo de erosão podefornecer tratamento im termos puramente quantitativos."

Entretanto, havia também preocupação voltada à geomor-fologia regional. Vários estudos de casos já foram anteriormen-te mencionados (Wooldridge c Linton, 1939; Johnson, 1931; Cot-ton 1922), e a eles dcvcm-sc acrescentar a fisiografia das regiõesoriental c ocidental dos Estados Unidos (Fenneman, 1931, 1938)e, embora concebido de maneira independente, o estudo TheAlps in the Ice Age (Pcnck c Bruckncr, 1901-1909). Os três volu-mes desta última obra foram importantes por sugerir uma cro-nologia para a Europa e, principalmente, por propor uma divi-são quádrupla da sequência glaciaria, exercendo enorme influên-cia sobre a interpretação da história do Pleistoceno cm muitasoutras regiões do rrmndo.

O tema regional também tornou-sc saliente em outrosramos da Geografia Física, geralmente buscando subsídios emcontribuições elaboradas cm outras disciplinas. O livro Clima-tologia (Millcr, 1931) exerceu enorme influência, pois analisa-va os elementos c fatores do clima c as classificações climáti-cas, c cerca de 60% do volume tratava dos climas dos várioscontinentes. O significado c a finalidade da Climatologia sur-giam como "... o geógrafo geralmente está mais preocupadocom... a translação dos comportamentos médios em. determi-nadas respostas biológicas". Em escala bastante diferente, olivro de Vishcr (1944), Climate of Indiana, incluía mais de

57

Page 14: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

ífJ£Vy*'?^ '">.-'.£&&f'*'7,x&*&$?*• ?^j^£'i^ :>.•''•£'.̂̂ /-s-

áSsfc^

âÊSgfi,»^Sf

300 mapas c exemplificava claramente a ênfase sobre os padrõesespaciais.

Na geografia dos vegetais, cm acréscimo à geografia ecoló-gica das plantas que abrangia a sucessão da cobertura vegetal,Kuchlcr (1954) identificou abordagens direcionadas aos mapasde vegetação, ao desenvolvimento histórico da vegetação e à geo-grafia florística, que procuravam estabelecer ás áreas ocupadaspor espc*cies particulares e explicar sua extensão e localização.Tais subdivisões da geografia das plantas obviamente se asseme*lham às subdivisões observadas na Geomorfologia em sua épo-ca, e Kuchler (1954) classificou as décadas iniciais do século vintecomo devotadas ao ciímulo de informações e àisubsequente ten-dência de coordenar os dados, mas duvidava de que "a geogra-fia da vegetação viesse a ter o seu Darwin". '

Na primeira metade do século vinte a Geografia Física apre-sentou tendência para o especialismo, substituindo a integra-ção maior observada na fisiografía do século idezenove. Entre-tanto, nem todos os autores estavam de acordo sobre o conteú-do da Geografia Ffsica. Davis preferiu usar o termo "geografiafísica" em vez de "geomorfologia" e mesmo erri 1951 Wooldrid*gê e East (1951), em seu livro Spirit and Purpost of Geography,intitulavam um capítulo como "geografia física e biogeografia".Assim, não estava absolutamente claro se a Geografia Física de-veria ou não incluir a Biogeografia. Além da geografia das plan-tas, a Biogeografia deveria incluir a geografia dos animais ouzoogcografia. Stuart (1954), ao reconhecer as;trcs abordagensligadas com o tratamento regional, histórico e ecológico, obser-vou que era lamentável o fato de que os objetivos e métodos dazoogcografia ainda não estivessem claramente formulados, e que

"se os académicos treinados em geografia e profundamente versados nosmétodos do estudo regional fossem adequadamente treinados cm zoo-logia sistemática e paleontologia, poderiam estar em posição de pres-tar serviços importantes à zoogcografia" (Stuart. 1954. p. 449).

Os oceanos já constituíam uma parte da superfície terres-tre que estava começando a ser ignorada pelos geógrafos físi-cos, devido cm parte ao surgimento independente da Oceano-

58

grafia como ciência (p. ex., Sverdrup, Johnson c Flerriihg, 1942),embora Burke e Elliot (1954) propusessem uma nova aborda-gem para as regiõrs oceânicas, apesar de descrever c considerarque muitos dos geógrafos profissionais nos Estados Unidos eram"homens de pç* na terra" ou "marinheiros de água doce". Mui-tos artigos sobre os solos surgiram em periódicos geográficos,e Mabut tentou aplicar os conceitos davisianos de juventude,maturidade e serulidade no estudo dos solos (Barncs, 1954, p.386). Isaiah Bowman (1922), que por diversos anos foi diretorda Sociedade Geográfica Americana, procurou realizar ama sín-tese entre solos, clima e vegetação em seu livro Forest Physio-graphy. Diversas definições relacionadas com a Geografia Físi-ca, publicadas nesse período, estão reunidas na Tabela 2.2.

.;.. f ' viTlbela 2.2 — Alguns conceitos e termos envolvendo a mtegraçSo entre as-pectos do mero ambiente físico

Termo Definição Fonte

R.'.Bourne (1931)

R. Milnc (1935)

St t to "... ura sftio pode ser definido como uma áreaque, para todos os propósitos práticos, propicia porsua extensão condições locais similares de clima,fisiografia, geologia, solos,.."

Caiena "constitui a repetiçSo regular de determina-da sequência de perfis de solos em associação comdeterminada topografia"

Topos e vertentes "as unidades básicas do relevo sãotopos e vertentes, unidades pequenas de urna su-perfície, visíveis tanto de uma quanto de outra enão subdívisfvciscom base cm seu formato. Repre-sentam os clétrons c os prótons que compõem oconjunto das paisagens"

Unidades morfológicas "a natureza oferece duas ine-vitáveis unidades morfológicas, e apenas duas. Emum extremo, o indivisível topo ou vertente, e, nooutro, o continente indiviso"

Sistema de terreno "... í uma área com padrão recor-rente de topografia, solos e vegetação"

D. L. Linton (1951)

D. L. Linton (1951)

C. S. Christian,c G. A.,'Stcwart(1955) : l f i

59

Page 15: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

- - , - -

•,_•'-

m

P&^-•^fcSJiStefWJr

Em sucinta análise sobre o desenvolvimento das teorias cmGcomorfoíogia, Chorley (1978) identificou sete fases na históriada disciplina, c as três primeiras (teleológica, imanente e histó-rica) certamente surgiram antes de 1945 e poderiam ser aplica-das à Geografia Física como um todo. A perspectiva tcleológicaexistiu anteriormente ao uniformitarismo e sobreviveu até as dé-cadas finais do século vinte, quando foi substituída pelas ideiasimanentes que se dirccionavam a explicar as características dasformas de relevo em função de seus aspectos inerentes e rochassubjacentes, c pode-se distinguir uma abordagem semelhantena ciência do solo. As abordagens históricas incluíam as basea-das no ciclo de erosão davisiano c no modelo de Penck,observando-se analogias no tratamento da sucessão das plantasc no conceito de solos zonais. A abordagem taxonômica consti-tui a quarta fase teórica distinguida por Chorley (1978), e em-bora ela fosse estabelecida sob vários aspectos em época antece-dente a 1945, também se verificaram avanços iminentes no lus-tro que chegava a 1950,

O crescimento sistemático de 1945-1950

Após 1945, no final da Segunda Guerra' Mundial, houveaumento súbito no número de geógrafos e na expansão dasuniversidades. Observou-se aumento no número de estudantesc de cursos oferecidos, surgindo até mesmo diversos novos pe-riódicos, como o Erdkunde, que começou em 1945. Diversostrabalhos muito significativos foram publicados, promissorespara modelar a Geografia Ffsica pelo menos na década se-guinte. Além dos jovens estudantes, muitas pessoas desmobili-zadas das Forças Armadas voltaram a completar seus cursosde graduação c propiciaram influxo de indivíduos competen-tes nos quadros universitários, sendo que muitos dos pós-graduados jovens ou rctornantcs haviam ganhb experiência emsetorcs diversos, tais como na previsão do tempo, na fotointer-prctação c na análise do terreno, de maneira que estavamhabilitados para contribuir nos estudos pragmáticos, fato queanteriormente jamais se tornara tão evidente. Em 1951, Harc(1951a) observou que ;

60

"a Climatologia cm um Departamento de Geografia nas univer-sidades, atualraente pode ser ensinada por ura mcteorótògo compe-tenternente treinado e com muito maior compreensão do seu campode trabalho, diferente do que acontecia geralmente na época prece-dente da guerra".

O surgimento de novas técnicas, tais como o advento doradar, também contribuiu para que surgissem novas linhasde pesquisa no campo da Geografia Física. Esse período decinco anos pode ser considerado como o final de um séculode desenvolvimento c o começo das duas décadas subsequen-tes, quando começaram a surgir novos modelos, métodos cparadigmas. Por essa razão, procuraremos tentar sumariar osavanços significativos verificados nesse período, que acontece-ram no interior e fora da Geografia Física.

Na Climatologia a tendência baseou-se na intensificaçãodos mapcamentos c das classificações climáticas, c o adventode abordagens para uma classificação racional dos climas(Thornthwaitc, 1948) complementou as classificações anterior-mente disponíveis, propostas por Kocppen c A. A. Millcr. Em1954, Leighly observou que, desde 1920, a instrução.académi-ca cm Climatologia, em sua maioria, procurava-desenvolvera classificação dos climas e o mapeamento das regiões climáti-cas, baseadas nas classificações existentes. Esse assunto foi te-ma de um excelente trabalho elaborado por Harc (1951b).

Outro crescente tema de pesquisa cm Climatologia focali-zava a frequência da ocorrência dos eventos, que encontravasimilitude na análise da frequência das ocorrências das cheias,tendência que estimulou Gumbcl a desenvolver uma estatísti-ca apropriada para o tratamento dos valores extremos. Forada Geografia Ffsica, surgiram os trabalhos sobre evaporação,realizados por Pcnman, (1948), propiciando avaliação mais cor-reta da variação espacial (Penman, 1950), acompanhados pornovos livros didáticos sobre hidrologia (Linslcy, Kohlcr c Pau-Ihus, 1949), que complementavam as obras editadas anterior-mente, disponíveis por quase uma década (Mcinzcr, 1942). Em-bora entre os geógrafos físicos houvesse crescente interesse so-bre os problemas de abastecimento hídrico, notava-sc que elesestavam ainda propensos a ignorar a hidrologia, d^ mesma

61

Page 16: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

._..^. f. . - f.lMUfSYti

. ,.'A. . .".VJÚí«W. '

Fr*ffir?*2 • ' '•'f*.'̂ tf t! --V4.--Í

.rSS-y-"'."" J'í

foima que já haviam subestimado o estudo dos oceanos, e Meigs(1954) considerava que as tarefas pendentes para os geógrafoseram promover

"o desenvolvimento de um sistema de categorias relacionadas comas características hídricas. Quando essa classificação fosse elaborada,dever-sc-ia realíiar o mapeamento da distribuirão das diferentes for-mas de ocorrências hídricas no território dos Estados Unidos".

Dessa maneira, estimulava-se a abordagem de classificação e ma-pcamento, que também estava surgindo em outros setores daGeografia Física.

Na Gcomorfologia, importantes avanços estavam prestes aocorrer. Embora a geomorfologia davisiana estivesse sendo em-pregada por alguns pesquisadores, como Wooldridge, que ain-da considerava a Geografia Física como disciplina fundamen-tada cm ciências especializadas, pois

"A Geografia Física está, em determinado Sentido, mais bem or-ganizada do que suas contrapartidas humanas ou sociais, porque se fun-damenta cm ciências especi a Ilíadas, como Geologia e Meteorologia, querealizaram grandes avanços ames que os objetrvos da Geografia mo-derna fossem formulados de modo detalhado. Não havia carência dematerial, mas sim uma quantidade embaraçosa c salutar, que podiaser utilizada para se construir a disciplina" (Wooldridge e East, 1951).

Uma análise cxccpcionalista pode ser exemplificada peloartigo de Tudor David, cm seu ataque à Geografia como umtodo (David, 1958). Torna-se notável salientar que esse trata-mento não avaliou que a Geografia Física representasse mais de10% de todos os trabalhos escritos ligados aos exames do De-partamento de Ciências c Artes, c nenhuma outra disciplina re-motamente se rivalizava com a Geografia Física, de 1868 a 1876,c cm muitas escolas tornou-sc um instrumento de educação cien-tífica, embora fosse declinando à medida que as disciplinas es-pecíficas se iam consolidando (Stoddart, 1975).

Os avanços foram essencialmente de três tipos: ampliação,alternativas e adendos. A escola davisiana que havia estimula-do os estudos sobre a cronologia denudacionál foi trabalhadaem maior detalhe c promoveu ampliações, porque as técnicas

62

foram definidas mais precisamente, por exemplo, a respeito dosmapeamentos e análises dos perfis longitudinais (Broyrti, 1952),e os debates envolvidos também favoreceram essa extensão, co-mo no caso de distinguir entre as superfícies de erosão de ori-gem marinha ou subaérea (Balchin, 1952). Nessa discussão sur-giram artigos com diversos pontos de vista, incluindo o do geó-logo O. T. Jones (1952) que comentava:

"A ideia de que nessa án;a e era outros lugares catavam represen-tadas séries de plataformas devido à erosão marinha provocando a re-gressão de falésias tornou-se comum nos anos recentes, muito de acor-do com a moda. Parece ter-se iniciado com a visita a este páfs do pro-fessor Baufig, há vários anos. O professor Jones foi convidado para pre-sidir aquela provocativa reunião, mas como conhecia qual o dano queo professor Baulig poderia causar, considerou oportuno negar presidi-la. O professor Baulig podia estar correto, como podia estar totalmen-te errado. Entretanto, seus argumentos foram levados a tal grau quedesconcertavam a credibilidade atí das pessoas mais ingénuas."

Embora começassem a surgir diversas proposições a.respeitoda evolução das paisagens, essas perspectivas ainda podiam serconsideradas como ampliação da abordagem davisiana, pois cmsua característica eram essencialmente históricas. As alternati-vas da abordagem davisiana apareceram em virtude do crescentecriticismo da supremacia da geomorfologia davisiana dentro docampo da Geomorfologia e da própria Geografia Física, comoum todo. Essa desconfiança foi particularmente evidente nos Es-tados Unidos, c Strahler (1950a, p. 209) observou:

"o trararnento de Davts endereçava-se, como acontece,ainda hoje,às pessoas que possuíam pouco treinamento nas ciências físicas bási-cas, mas que gostavam de cenários e da vida ao ar livre. Como contri-buição cultural, o método de análise das paisagens proposto por Davisc* excelente; como parcela das bases para a compreensão da GeografiaHumana, d inteiramente adequado. Como um ramo da ciência natu-ral, parece superficial e inadequado;*'

e, cm uma avaliação retrospectiva, observou-se que "para al-guns, o método davisiano tornou-se uma força reprcssora ou,pelo menos, um sedativo" (Chorley, Beckinsalc e Durin, 1973,p. 753).

65

Page 17: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

p*

ted!

. , í-njr".'i; :.-•*• V".'V•'

.?-*• -v1*,*-.1;.&r..̂

í»

As alternativas surgiram porque, em primeiro lugar, ou-tros modelos sobre a evolução das paisagens estavam sendo con-siderados. Os resultados iniciais dos trabalhos sobre as verten-tes, com base nas ideias elaboradas por Pcnck (1924), que fo-ram seguidas por Wood (1942), começaram a ser incorporadosnas pesquisas de L. C. King, que já se encontrava trabalhandonas paisagens áridas e scmi-áridas da África e publicava, cm1953. o volume Canons oflandscape evolution (King, 1953). Narevista Annals ofthe Association of American Geographers, de1940 a 1950, foram publicados muitos artigos que assinalavamcaminhos alternativos, incluindo as análises sobre as vertentes(Strahler, 1950a). No ano precedente, obsérvou-sc que "o geo-morfólogo pode estar profundamente interessado em questõesde estrutura, processo c tempo, mas o geógrafo necessita de in-formações específicas ao longo das diretrizes de o que, onde equanto" (Russell, 1949, p. 3-4). Outras alternativas para a abor-dagem davisiana basearam-se em estudos realizados em outrosambientes. Particularmente, a signifícância dos processos peri-glaciais nas paisagens antigas começou a sct apreciada a partirdos trabalhos de Bryan (1946) e foi incorporada em um quadroevolutivo do ciclo periglacial por Pelticr (1950). Entretanto, adifusão de importantes trabalhos realizados no continente eu-ropeu (Dylik, 1952; Poscr, 1947) para a literatura de fala ingle-sa só ocorreu no início dos anos sessenta. • '

Os adendos à teoria davisiana foram provenientes princi-palmente dos campos da geomorfologia glacial c litorânea. Nageomorfologia glacial, em acréscimo ao trabalho detalhado so-bre áreas, realizado por geólogos especializados no Pleistoceno,as pesquisas sobre as flutuações dos glaciares (Ahlmann, 1948)e o material incorporado nos volumes Glacial and PleistoceneGeology (Flint, 1947) c The Pleistocene Period (Zcuncr, 1945)começaram a salientar uma perspectiva desinteresse potencialpara os geógrafos físicos, embora alguns pesquisadores, tais co-mo W. V. Lewis, já se encontrassem estabelecidos nesse setor (Lê-wis, 1949). Várias novas técnicas tornaram-se disponíveis parao estudo sobre o Plcistoccno (Zcuncr, 1946), influenciando o es-tudo da Biogcografia, c cm muitos casos a análise polínica,particularmente, tornou-se a principal técnica para as recons-

64 ?

truções ambientais. O sctor da geomorfologia litorânea tambémestava se desenvolvendo de forma independente das ideias davi-sianas, como foi exemplificado pelo trabalho de J. A. Stcers (1948)sobre Coastlme of England and Wales.

A impressão emanada, por volta de 1950, era a de que aGeografia Ffsica se estava tornando um campo de pesquisa dis-paratado, com poucos sintomas de estudo imegrativo dos com-ponentes do meio ambiente físico. Mas existiam alguns sinais.Embora o mapeamento c a classificação de áreas se tornassemaspecto dominante da climatologia, geomorfologia, pedologiae geografia das plantas, todas elas denominadas abordagens ta-xonômicas por Chorley (1978), havia algumas tentativas parao tratamento das ínter-relações das características ambientais,talvez mais sensivelmente na URSS. Nesse país prevalecia a in-fluência de Dokuchaev e da escola de ciência do solo, de modoque, em 1950, L. S. Berg organizou um volume tratando daszonas de paisagens naturais da URSS c com as inter-relaçõesno interior de cada zona. Isso propiciou bases para tentativasposteriores procurando integrar a Geografia Ffsica (p. ex,, Sus-lov( 1961) c também a ciência da paisagem.

Tais abordagens foram precedentemente tentadas cm Fo-rest Phystography (Bowman, 1922) e também em diferentes es-calas. A proposta de Wboldridge (1932), de que as pequenas ver-tentes individualizadas seriam os átomos a partir dos quais aspaisagens se coastruíam, conciliava-se com informações cm ou-tras escalas espaciais no texto do artigo influente sobre a deli-mitação de regiões morfológicas (Linton, 1951), em que se re-conhecia a influencia dos conceitos de sítio (Bournc, 1931) c decatcna (Milnc, 1935). Os dois últimos conceitos foram muito im-portantes para o avanço nas pesquisas sobre solos e sobre as ma-neiras pelas quais os solos distinguidos no campo se relaciona-vam aos conjuntos maiores de solos c às outras característicasambientais. Duas outras tendências para abordagens mais inte-gradas sobre o meio ambiente físico já eram evidentes. Os siste-mas de terrenos (land systems) foram introduzidos como basepara a avaliação das características do terreno, pelo CSIRO naAustrália. Muito diferente, embora também potencialmenteintegrativa em sua característica, é a proposta de Langbcin

65

Page 18: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

Bfc*V»AlLVR^^rr^lgVili*

.*£f,~~?r ~ C" '-^

et ai. (1949) sobre as relações entre precipitação e escoamento,no contexto da análise do escoamento anual nos Estados Uni-dos, porque tais relações foram a pedra de toque para pesqui-sas posteriores relacionadas com a palcoidrologia e mudança am-biental.

As definições inseridas na Tabela 2.2 exemplificam algunsaspectos de possíveis abordagens integradoras sobre o meio am-biente, por parte dos geógrafos físicos. Embora tais tendênciassurjam no final de mais de um século de ideias, a ênfase preva-lecente ao longo desse século foi sobre a evolução e classificaçãodo meio ambiente. Entretanto, a ênfase sobre a evolução recaúna análise evolutiva longínqua, de modo que a preocupaçãomaior usualmente tratou de milhões de anos e do Terciário, emvez de abordar a escala de milhares de anos C o Pleistoccno. Pou-cos estudos trataram das ultimas centenas de anos. De formasemelhante, na classificação a focagem incidiu sobre os padrõesestáticos c não sobre as intcrações dos componentes e a dinâmi-ca do meio ambiente. Tornou-se até comum considerar a per-cepção da Geografia Física como preenchendo uma função in-tegradora unindo ciências mais especializadas. Uma visão ex-cepcionalista era difícil de ser sustentada em 1950, mas tornou-se ainda mais difícil à medida que nas duas décadas seguintesas técnicas se multiplicaram c se diversificaram. Várias manei-ras existem para rctratar o desenvolvimento da Geografia Ffsicano transcurso dessas décadas. O procedimento adotado na se-gunda parte focaliza os temas da mensuraçao, cronologia, pro-cessos, ação humana c sistemas, pois cada Um deles foi coloca-do por vezes como o paradigma predominante, se não o único,para a Geografia Ffsica.

Em cada capítulo, a sclcção de material foi desumana, mashouve tentativa de capturar algo sobre o potencial antecipadoc realizado no período 1950-1970. Quando se procura numaamostra de definições de Geografia Física (tabela 2.1), de 1850a 1945, podc-sc concluir que ela ainda se encontrava à procurade uma identidade. Os próximos cinco capítulos indicam cincoidentidades possíveis, que foram consideradas particularmentedurante os últimos vinte anos, de 1950 a 1970. As definições pro-postas após 1945 (tabela 2.3) salientam diversas perspectivas,

66

algumas das quais são vistas como alternativas, c outras ocor-rem sequencialmente. Embora alguns pesquisadores:hajam de-sencorajado a procura de uma definição precisa (Leighly, 1954)e outros hajam adotado uma visão eclética de uma disciplinaque toma emprestado seu material de outras ciências da terra(Strahler, 1951), as definições subsequentes focalizaram atençãosobre as relações com a Geografia Humana, a integridade domeio ambiente ffsico, o conhecimento dos processos físicos esobre o crescente potencial para aplicabilidade da GeografiaFfsica.

As definições contidas na Tabela 2.3 denunciam que a Geo-grafia Ffsica ainda se encontra à procura de uma identidade.Os capítulos seguintes assinalam as características de cinco te-máticas, indicadoras de identidades, consideradas particular-mente no período de 1950 a 1970.

Tabela 2.3 — Algumas definições de Geografia Ffsica, posteriores a 1945

Data Autor

1951 A. N. STRAHLER — "A Geografia Ffsica é simplesmente o estu-do descritivo de numerosa» outras ciências da terra, dando-noso esclarecimento geral sobre a natureza do meio ambiente do ho-mem. Longe de ser ura ramo distinto da ciência, a Geografia Ff-sica é um corpo de princípios básicos das ciências da terra sele-cíonados com a perspectiva de incluir, principalmente, as influên-cias ambientais que variam de lugar a lugar na superfície terrestre,"

1955 J. B. LEIGHLY — "Na atual conjuntura seria melhor ficar semuma definição explicitamente formulada. Seria bom se pudésse-mos novamente abordar a terra com uma curiosidade ilimitada,por todos os meios sugeridos pelos problemas !que encontrarmos.Era particular, podcrfamos descartar uma restrição que desde hámuito pesa sobre nós: a proibição de se interessar sobre os proces-sos. Deixemos que os processos sejam recolocados na posição cen-tral que merecem: processos físicos na geografia física, processoshistóricos na geografia cultural."

1962 F. AHNERT — "... a posição da Geografia Ffsica parece já estarclaramente identificada: sítua-sc ao lado da Geografia Humanac está intimamente relacionada a ela por relações causais bi-dirccionais c denominadores comuns de localização, distribuiçãoe diferenciação por área. Nessa interdependência, a Geografia Ff-sica serve à Geografia Humana, mas também tem um objetivopróprio: considera a terra física não somente como o estágio das

67

Page 19: Um século para uma implantação 1851 1950 t003

. .--«Kr

ativídadcs humanas, cnas também como um objeto de pesquisageográfica em si própria, com diferenciação por área dos fenó-menos que podem ser estudados separadamente, sem considerarinerentemente sua possível relevância para a existência e ativida-dês do homem." ;

1964 YU. K. EFREMOV - "... o envoltório paisagístico, historicamenteestabelecido e continuamente cm evolução, constitui o objeto daGeografia, incluindo todos os seus complexos territoriais consti-tuintes, ;is paisagens,"

1965 D, A. MILLER — "... o conhecimento dos processos ffsicos nasuperfície terrestre acrescenta profundidade aos estudos das mo-dificações humanas na face terrestre para propósitos culturais eeconómicos. De forma semelhante, a Geografia Ffsica, comparti-lhando tecnologia com disciplinas especializadas, beneficia-se dofato de estar associada cora os outros aspectos da Geografia orien-tados para analisar a superfície terrestre."

1971 N. A. CVOZDETSKIY. K. í. GERENCHUK, A. G. ISACHEN-KO e V. S. PREOBRAZHENSKIY - '"A Geografia Ffsica naURSS evoluiu como uma disciplina separada, tendo seu objetopróprio de estudo c seus objctivos c estrutura interna. Para serespecífico, ela tf uma disciplina preocupada cora a concha geo-gráfica (a esfera da paisagem) da Terra e com seus geossisteraasnaturais constituintes (os complexos territoriais geográficos ounaturais). A metodologia da escola soviética de Geografia Ffsicaestá firmemente baseada no reconhecimento da existência obje-tiva de gcossisicraas... Assim, nos principais pafses ocidentais,como nos Estados Unidos e Grã-Bretanha. a Geografia F£sícano sentido moderno permanece subdesenvolvida. Ela está sendotratada como o somatório de disciplina» particulares (Gcomor-fologia, Climatologia, e outras) ou corrio um rarao auxiliar d úGeografia, que serve como introdução aos estudos dos fenóme-nos sociocconòmicos cm sua distribuição sobre a superfície ter-restre."

1975 E. H. BROWN - "... na atualídade. a Geografia Física encontra-se internamente desequilibrada c corn características centrífugas.Para expor dogmaticamemc, a Gcomorfologia representa uma fun-ção muito predominante nessa disciplina... A Geografia Física,como uma disciplina integrada, está sendo rcdcscobcrta pciosnão-gcógrafos sob a denominação de ciência ambiental, e... osgeógrafos físicos tendem a permanecer distantes desse desenvol-vimento".

1978 R. J. PRICE — "... os geógrafos físicos deveriam estar preocupa-dos com o estudo da totalidade do meio ambiente natural e... asescalas nas quais esses estudos são empreendidos deveriam ser cla-ramente definidas".

6S

1978 M. GRAY — "A ciência da Geologia consiste de especialista.*, mui-tos dos quais realizaram pesquisa pura que posteriormente pro-varam ser de relevância para o homem. No meu ponto de vista,os geógrafos físicos poderiam realizar de modo semelhante a mesmafunção, era uma disciplina na qual as pesquisas especializadas so-bre problemas relevantes, puras ou aplicadas, sempre estivessemcm colaboração com especialistas de outras disciplina*... Acredi-to, portanto, que a disciplina necessita de uma maioria de men-tes abertas e especialistas rigorosos c uma minoria importante deintegradores."

1980 A. R. ORME — "Prefiro definir o campo cm termos de processosffsicos e materiais inorgânicos de nosso meio ambiente, reconhe-cendo uma fronteira ura tanto porosa cora os processos biológi-cos c materiais orgânicos que são os focos principais da Biogeo-grafia. Estou consciente de que outros podem incluir a Biogeo-grafia no campo d* Geografia Física... Desejo proferir algumasrecomendações aos estudantes e praticantes da Geografia Física.,.Sejam preparados! Sejam mtegrativosl Sejam preditivos! E sejamorgulhosos!

69