planejamento salvador 1950 2000

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VICTOR MARCELO OLIVEIRA MENDES A problemática do desenvolvimento em Salvador: Análise dos planos e práticas da segunda metade do século XX (1950-2000). Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós- Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de doutor em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Mauro Kleiman Doutor em Arquitetura e Urbanismo / USP Rio de Janeiro 2006

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Planejamento urbano da Cidade do Salvador entre 1950 e 2000. Aspectos econômicos e sociais da ocupação do espaço e as medidas políticas na distribuição da população no território.

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  • VICTOR MARCELO OLIVEIRA MENDES

    A problemtica do desenvolvimento em Salvador:

    Anlise dos planos e prticas da segunda metade do sculo XX (1950-2000).

    Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Ps-Graduao em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de doutor em Planejamento Urbano e Regional.

    Orientador: Prof. Mauro Kleiman

    Doutor em Arquitetura e Urbanismo / USP

    Rio de Janeiro 2006

  • Ficha Catalogrfica

  • VICTOR MARCELO OLIVEIRA MENDES

    A problemtica do desenvolvimento em Salvador:

    Anlise dos planos e prticas da segunda metade do sculo XX (1950-2000).

    Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e

    Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.

    Aprovado por:

    Prof. Dr. Mauro Kleiman - Orientador Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Doutor em Arquitetura e Urbanismo / USP Prof. Dr. Hermes Magalhes Tavares Doutor em Poltica Econmica / Unicamp Prof. Dr. Rainer Randolph Doutor em Cincias Econmicas e Sociais / Universidade de Erlangen. Alemanha Prof. Dr. Sonia Maria Taddei Ferraz Doutora em Comunicao e Cultura / UFRJ Prof. Dr. Sylvio Bandeira de Mello e Silva Doutor em Geografia / Universit de Toulouse, Frana

    Rio de Janeiro

    2006

  • Dedico este trabalho aos meus pais.

  • AGRADECIMENTOS

    Quero inicialmente agradecer ao meu orientador professor Mauro - pelo estmulo e

    orientaes. Seu apoio foi fundamental para a concluso desta tese. A ele terei

    sempre carinho e admirao.

    No poderia deixar de destacar a importncia dos professores Ana Clara (minha

    querida orientadora do mestrado), Hermes (por cada uma das conversas que

    tivemos ao longo do curso), Jorge Natal (pela clareza como mostrava o pensamento

    econmico), Rainer (por toda ateno), Tmara (pelo carinho nas provocaes) e

    Vainer (pela dureza fraterna no debate) na minha formao. Saibam que guardo na

    mente algumas aulas que me fizeram pensar e repensar conceitos e categorias.

    Quero, tambm, agradecer aos meus avs (os que moram aqui e os que moram em

    cima), Adolfo, Renato, Carol, Janana, amigos da cidade e de outras cidades pelo

    apoio e carinho dado ao longo desses anos. Saibam que este trabalho tem um

    pouco de cada um.

    Agradeo, ainda, aos funcionrios do IPPUR pelo carinho e ateno, bem como

    meus colegas de curso pela oportunidade de calorosos debates.

    Porm, o maior agradecimento que fao a Deus. Obrigado pela sade e

    oportunidade de cumprir esta jornada.

  • RESUMO

    Este trabalho trata do planejamento do desenvolvimento em Salvador no perodo de 1950 a 2000. Assim, verifica-se que o Estado da Bahia esteve frente do planejamento em quase todos os momentos. Neste sentido, a compreenso do planejamento em Salvador s possvel compreendendo o planejamento no Estado da Bahia. Neste contexto, visando romper com um modelo agrrio exportador de desenvolvimento, o estado assume a partir dos anos 1950 o modelo industrial de desenvolvimento, tendo como marcos os Centro Industrial de Aratu nos anos 1960 e o Complexo Petroqumico de Camaari nos 1970, e a partir de 1991 o modelo ps-industrial de desenvolvimento, tendo como atividade principal o turismo. A periodizao do planejamento tem um rebatimento na escala do planejamento: enquanto o modelo industrial de desenvolvimento tem como referncia espacial a Regio Metropolitana de Salvador, ainda num contexto de planejamento regional, o modelo ps-industrial de desenvolvimento articula diversas escalas (como estado da Bahia, a cidade de Salvador, as zonas tursticas da Costa dos Coqueiros e Baa de Todos os Santos). Mas a mudana de paradigma de desenvolvimento no se estabelece apenas no plano espacial. Conceitualmente, a opo pelo modelo ps-industrial de desenvolvimento foi fundamentada em dois modelos estratgicos e competitivos: o porteriano (clusters) e o city marketing. Ambos possuem forte tendncia exgena. Apesar da mudana de paradigma de planejamento do desenvolvimento, a capital baiana no conseguiu se desenvolver, tendo como resultado um quadro de profundas desigualdades sociais, expressas em indicadores como desemprego e baixa escolaridade. Este trabalho aponta trs causas principais para este quadro: a) a manuteno de uma perspectiva exgena de desenvolvimento, no favorecendo a reteno dos benefcios gerados pela dinmica econmica; b) processo migratrio para a capital, contribuindo para um quadro de favelizao; c) baixas condies sociais da populao, sendo este ponto no apenas causa, mas tambm conseqncia do quadro apresentado, perpetuando um circulo vicioso.

    PALAVRAS-CHAVE: Cluster; desenvolvimento; servios; estratgia; Salvador.

  • ABSTRACT This work talks about the developments planning in Salvador between 1950 and 2000. Thus, we can realize that the state of Bahia was heading the planning almost all the time. In this manner, the comprehension of the planning in Salvador is only possible if we comprehend the planning in the state of Bahia. In this context, pretending to break the agrarian-export development model, the state has adopted since the 1950s the industrial development model, having as its marks The Aratus Industrial Center in the 1960s and The Camaaris Petrochemical Complex in the 1970s, and from 1991 on, the post-industrial development model, having as its main activity the tourism. The periodization of the planning has a reflection on the planning scale: while the industrial development model has as a space reference the Salvadors Metropolitan Region, still in a context of regional planning, the post-industrial development model links several scales (like Bahia state, Salvador city, Costa dos Coqueiros tourist zones and Bahia de Todos os Santos. But the change of developments paradigm does not settle only in the space basis. Conceptually, the option for the post-industrial development model was based on two strategical and competitive models: the porteriano (clusters) and the city marketing. Both have strong exogenous tendencies. In spite of the development-planning-paradigm change, the Bahias capital did not get to develop itself, having as a result a picture of deep social unequalities, expressed by indicators like unemployment and low education level. This work shows three main causes for this picture: a) the maintenance of a exogenous perspective of development, disfavouring the retention of benefits created by the economic dynamics; b) existence of few medium-importance cities in the interior of the state, wich caused the migratory process to the capital, cooperating to create slums; c) low social conditions of the population, not only being this point a consequence of the picture exposed, but mainly the cause of it, producing an everlasting vicious circle.

    KEY WORDS: Cluster; development; service; strategy; Salvador.

  • SUMRIO

    INTRODUO 15 CAPTULO 1: ESTADO, PLANOS E DESENVOLVIMENTO 33 1.1. O ESTADO KEYNESIANO E O DESENVOLVIMENTO 36 1.2. O ESTADO NEOLIBERAL 39 1.3. DESENVOLVIMENTO E ESTADO BRASILEIRO 42 1.4. O PENSAMENTO CEPALINO SOBRE DESENVOLVIMENTO ECONMICO

    45

    1.4.1. O pensamento de Celso Furtado 50 1.4.2. O pensamento em torno da teoria da dependncia 53 1.5. DESENVOLVIMENTO NO BRASIL E A SUDENE 56 1.5.1. A SUDENE e o contexto da sua criao 62 1.6. DESENVOLVIMENTO LOCAL: DISCURSOS E CONCRETUDE 69 1.7. PLANEJAMENTO URBANO: MODELO TRADICIONAL 72 1.7.1. Planejamento urbano e o modelo tradicional no Brasil 74 1.8. MODELOS COMPETITIVOS 79 1.8.1. A origem da competio e da estratgia 81 1.8.2. As diversas abordagens sobre estratgia 82 1.8.3. Breve discusso sobre o conceito de cidade global e aplicao do conceito estratgia cidade

    84

    1.8.4. Empreendedorismo urbano e cidade-empresa 87 1.8.5. City Marketing 91 1.8.6. Modelo catalo 95 1.8.7. O pensamento porteriano 102 1.8.7.1. O modelo porteriano para desenvolvimento de localidades 106 1.8.7.2. O modelo porteriano na periferia, sua perspectiva exgena e seus limites

    119

    1.8.8. Confrontando os modelos competitivos 121 1.9. ESTADO E PLANEJAMENTO: BREVE PROBLEMATIZAO 124 CAPTULO 2: A CIDADE DE SALVADOR: PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DE 1950 A 1991. DO PLANEJAMENTO URBANO S PROMESSAS DE DESENVOLVIMENTO

    128

    2.1. SALVADOR: CARACTERIZAO DEMOGRFICA E ESPACIAL 128 2.2. A BAHIA, A CIDADE DE SALVADOR E SUA REGIO METROPOLITANA: A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO E O TRAO EXGENO

    137

    2.3. O EPUCS MARCO DO ESFORO INICIAL DE PLANEJAMENTO URBANO EM SALVADOR

    143

    2.4. A MONTAGEM DO PROCESSO DE PLANEJAMENTO NA BAHIA E O PLANDEB

    149

    2.5. O PLANEJAMENTO INDUSTRIAL: O CIA E O COPEC 153 2.5.1. Principais caractersticas estruturais da indstria incentivada na Regio Metropolitana de Salvador

    163

    2.6. DE VOLTA AO PLANEJAMENTO URBANO: O PLANDURB 168 2.7. O PLANEJAMENTO URBANO NORMATIVO 175 2.8. UM BALANO DO PERODO 182

  • CAPTULO 3: A POLTICA DE DESENVOLVIMENTO COM NFASE NO SETOR DE SERVIOS: TURISMO, ENTRETENIMENTO E CULTURA NA SALVADOR PS 1991

    189

    3.1. O PRODETUR 201 3.2. PRODETUR BAHIA 208 3.2.1. O PRODETUR-NE II 214 3.3. A IMPLANTAO DO CLUSTER TURISMO, ENTRETENIMENTO E CULTURA

    219

    3.3.1. Pelourinho: associao entre espao, cultura e turismo 225 3.4. RESULTADOS DA ESTRATGIA IMPLEMENTADA 230 3.4.1. A perspectiva do crescimento 231 3.4.2. A perspectiva do desenvolvimento 240 3.4.2.1. Vazamentos por conta de compras realizadas fora do local 241 3.4.2.2. Possveis transferncias de excedentes 244 3.4.2.3. Gerao e perfil dos empregos 249 CONCLUSO 254 REFERNCIAS 265

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Diamante de Porter 109 Figura 2 Influncias dos governos sobre os clusters 114 Figura 3 Influncia da firmas sobre os clusters 115 Figura 4 Modelo espacial de Planejamento de Salvador proposto no EPUCS

    143

    Figura 5 - Abertura da Avenida Garibaldi, construda entre 1969-1972 147 Figura 6 - Abertura da Avenida Bonoc, inaugurada em 1970 147 Figura 7 Concepo de Implantao do CIA, fase final 156 Figura 8 Abertura da Avenida Paralela, inaugurada em 1974 159 Figura 9 Condomnio Caminho das rvores nos anos 1970 178 Figura 10: Cluster Turismo, Entretenimento e Cultura em Salvador 223

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 - Crescimento da populao de Salvador, 1872 1991 177Grfico 2 Distribuio dos recursos do PRODETUR-BA por setores 214Grfico 3 - Receita gerada e impacto no PIB em milhes de US$ (1991 2004)

    232

    Grfico 4 - Evoluo das taxas de desemprego total na RMS (dez 1996 - dez 2005)

    252

  • LISTA DE MAPAS

    Mapa 1 Localizao de Salvador 16 Mapa 2 Municpios da Regio Metropolitana de Salvador - RMS 17 Mapa 3 rea de atuao da SUDENE 65 Mapa 4 Vetores de crescimento e distribuio de renda em Salvador 130Mapa 5 Zoneamento de Salvador definido pelo EPUCS (DL n 701/48) 146Mapa 6 Vetores de Expanso Urbana definidos pelo PLANDURB 170Mapa 7 Nucleao das Atividades e Transporte de Massa segundo o PLANDURB

    172

    Mapa 8 Transporte e Sistema Virio segundo o PLANDURB 174Mapa 9 Evoluo da Mancha Urbana de Salvador, 1940 1980 176Mapa 10 - Regies Administrativas (RAs) de Salvador, segundo o Decreto n 7.791 de 16 de Maro de 1987

    186

    Mapa 11- Distribuio espacial das Zonas Tursticas do PRODETUR-BA 211Mapa 12 Plos de Turismo definidos no PRODETUR/NE II 216

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Declogo do Consenso de Washington 40 Tabela 2: Pactos Polticos e Modelos de Desenvolvimento 43 Tabela 3 - Estratgias de Prebisch para o desenvolvimento da Amrica Latina

    48

    Tabela 4 - Reviso histrica das experincias de planejamento econmico brasileiro

    59

    Tabela 5 - Projetos de investimentos empresariais concludos segundo estado (1959-1999)

    66

    Tabela 6 - ndice de Desenvolvimento Humano Municipal IDHM segundo os estados nordestinos e o Brasil 1991/2000

    66

    Tabela 7 - Produto Interno Bruto Real a preos de 2000 segundo estados nordestinos e o Brasil 1990/ 1995/ 2000

    67

    Tabela 8 Abordagens Estratgicas 82 Tabela 9 Estratgias bsicas para o Empreendedorismo Urbano 90 Tabela 10 Novas atividades-meio preconizadas pelo modelo catalo para os governos locais

    100

    Tabela 11 Opes de estratgias globais para empresas segundo Porter 105 Tabela 12: Comparao entre servios avanados e servios bsicos 121 Tabela 13: Comparativo de modelos de gesto de cidades 123 Tabela 14: Os dez municpios com maior populao na Bahia (Populao estimada em 01.07.2005)

    131

    Tabela 15: Crescimento populacional na Bahia (1900 1980) 132 Tabela 16: Crescimento populacional em Salvador (1620 1980) 133 Tabela 17: Participao da populao de Salvador na Bahia (1900-1980) 134 Tabela 18: Origem do crescimento da Populao de Salvador (1950-1970) 134 Tabela 19 Populao de 1996 e Populao Projetada Regio Metropolitana e Municpio do Salvador (1996 -2020)

    135

    Tabela 20 Nmero Mdio de Habitantes por Domiclio Salvador - 1980/1991/1996

    135

    Tabela 21 Estratgias do PLANDEB para a industrializao do Estado 151 Tabela 22 Estrutura Setorial (%) do PIB da Bahia, 1950-1990 161 Tabela 23 Participao (%) da indstria baiana na indstria nacional, 1950-1980

    162

    Tabela 24: Distribuio relativa do nmero de empresas e do valor das vendas segundo o tamanho dos Empreendimentos, pelo critrio do Nmero de Empregados 1986

    163

    Tabela 25: Origem do controle acionrio do capital da indstria incentivada 164 Tabela 26: Procedncia dos insumos e Destino das vendas 164 Tabela 27: Salrios mdios mensais e salrios mnimos da poca, segundo grupos industriais (1986)

    167

    Tabela 28 - Tipos de Planos segundo a Lei de Processo de Planejamento e Participao Comunitria - Lei n 3.345 de 1983

    178

    Tabela 29 - Hierarquia da rede viria do Municpio segundo a LOUOS 180 Tabela 30 Produto Municipal de Salvador em 1991 por Atividade Econmica

    182

    Tabela 31 - Populao Residente Salvador, Regio Metropolitana, Estado da Bahia e Brasil - 1960/1970/1980/1991

    184

  • Tabela 32 - Taxa de Crescimento Geomtrico Mdia Anual - Salvador, Regio Metropolitana, Estado da Bahia e Brasil - 1960/1970/1980/1991

    184

    Tabela 33 - Participao Percentual da Populao dos Municpios da Regio Metropolitana no Total da Populao da RMS 1960/1991

    185

    Tabela 34 Distribuio Espacial da Populao e da Renda dos Chefes de Famlia em Salvador em 1991 por Regio Administrativa

    187

    Tabela 35: Comparao entre a dinmica industrial e a dinmica de servios 191 Tabela 36 Distribuio dos recursos aplicados no PRODETUR/NE I (posio em 15.03.2004)

    207

    Tabela 37 - Objetivos do PRODETUR- BA 209 Tabela 38 Zonas Tursticas, centros tursticos e destinos-ncora no PRODETUR

    210

    Tabela 39 - PRODETUR/BAHIA I Aes concludas (posio em 09/2005) 212 Tabela 40 Plos de Turismo criados em 2001 e as correspondentes Zonas Tursticas

    217

    Tabela 41: Variao da receita gerada e do impacto no PIB derivado do turismo (Em US$ milhes). Salvador e Bahia (1991-2004)

    234

    Tabela 42: Distribuio da Renda turstica na Bahia 2004 234 Tabela 43 - Resultados do Turismo Salvador (1991-2004) 236 Tabela 44 - Fluxo Turstico Global em Salvador - 1991-2004 238 Tabela 45 - Mercado comparado dos quinze principais hotis de grande porte comparveis da cidade de Salvador Bahia (2002)

    246

    Tabela 46 - Origem dos quinze principais hotis de grande porte comparveis da cidade de Salvador Bahia (2002)

    246

    Tabela 47 - Taxa de ocupao dos meios de hospedagem classificados em Salvador (1995 2000)

    247

    Tabela 48: Pessoal Ocupado nos Hotis e Salrios, de acordo com a Procedncia das Pessoas. Salvador 2000

    250

    Tabela 49 - Taxas de Participao e de Desemprego na Regio Metropolitana de Salvador (Dezembro/05)

    251

    Tabela 50 - Taxas de desemprego total Regies Metropolitanas e Distrito Federal (junho/2005 novembro/2005)

    253

    Tabela 51: Comparao entre os modelos de desenvolvimento vigentes ao longo do sculo XX

    259

  • INTRODUO

    As aes do Estado visando o desenvolvimento econmico capitalista por meio de

    Planos compreendem as dimenses do mbito nacional, regional e urbano.

    Experincias histricas de planos para desenvolvimento nos nveis nacional e

    regional podem ser destacados no caso dos Estados Unidos o New Deal como

    resposta recesso da crise de 1929 e o de planificao indicativa na Frana ps

    2 Guerra Mundial.

    Planos a nvel urbano consubstanciam-se de maneira plena no corpo do modelo

    nacional-funcionalista no sentido de dar ordem ao caos da cidade - mant-la sobre o

    controle rgido das leis - liberando-a de entraves ao desenvolvimento, fazendo-a

    progredir.

    No Brasil o marco do planejamento o Programa de Metas, tambm conhecido

    como Plano de Metas, de 1956, pois o primeiro plano que no se restringe a

    aspectos parciais da realidade econmica ou visando determinado setor ou regio

    especfica, mas medidas coordenadas para orientar tanto o setor pblico como o

    privado para a consecuo de objetivos previamente definidos.

    Mas j desde a dcada de 1930 planos destinados ao mbito urbano so delineados

    trazendo no seu corpo o instrumental do zonemaneto que organiza a cidade por

    reas de especificidade segundo suas funes (habitao, comrcio, indstrias...) e

    controla o uso do solo urbano, sob os conceitos do modelo racional-funcionalista.

    Tratava-se de readequar as cidades brasileiras industrializao de base urbana,

  • com o Estado como figura central de sua gesto. Quando das transformaes

    econmicas introduzem o sistema flexvel de produo o modelo racional-

    funcionalista encontra seus limites, e planos com base nos conceitos do modelo

    estratgico passam a ser aplicados como forma de nova reorganizao das cidades.

    Neste contexto, o objeto desta tese a problemtica do desenvolvimento na cidade

    de Salvador a partir da interveno do estado atravs de diferentes polticas,

    destacando a poltica industrial, numa perspectiva regional e a poltica de servios,

    numa perspectiva local.

    Situada na regio nordeste do Brasil (latitude -1258'16'' e longitude 3830'39''),

    possui a terceira maior populao do pas, com cerca de 2,7 milhes de habitantes e

    tem uma estrutura econmica tipicamente terciria, com atividades ligadas ao

    comrcio e servios, destacando-se o turismo e o entretenimento. Outras atividades

    como a construo civil e outras indstrias de transformao, a exemplo da txtil,

    alimentcia, qumica, couro, fumo e cacau aparecem com algum destaque.

    Mapa 1 Localizao de Salvador Fonte: Urbe Planejamento Urbano, Regional e Projetos Estratgicos LTDA.

  • A dinmica econmica da cidade est ainda bastante associada sua Regio

    Metropolitana1, especialmente por conta do Centro Industrial de Aratu (CIA) e do

    Complexo Petroqumico de Camaari.

    Mapa 2 Municpios da Regio Metropolitana de Salvador - RMS Fonte: CONDER

    Fundada em 1549 para ser a capital do Brasil, posio que manteve durante 214

    anos (1549-1763), a cidade possui museus e monumentos artsticos de grande

    importncia para a cultura e histria do pas.

    A conscincia libertria da populao de Salvador deu origem a vrios movimentos

    de contestao, com destaque para a Conjurao dos Alfaiates, em que um grupo

    de revoltosos, inconformados com o domnio portugus, tentou fundar a Repblica

    Bahiense. Em 1823, mesmo depois da proclamao da Independncia do Brasil, a

    1 So 10 municpios (Camaari, Candeias, Dias Dvila, Itaparica, Lauro de Freitas, Madre de Deus, Salvador, So Francisco do Conde, Simes Filho e Vera Cruz).

  • Bahia continuou ocupada pelas tropas portuguesas do brigadeiro Madeira de Mello.

    No dia 2 de julho do mesmo ano, as milcias patriticas entraram na Cidade pela

    Estrada das Boiadas, atual Avenida Lima e Silva, no bairro da Liberdade. A data

    passou a ser referncia cvica dos baianos, comemorada anualmente com intensa

    participao popular.

    Refletir sobre as origens do povo baiano, sua tradio na luta por ideais e

    preservao da cultura de grande relevncia para o estudo do atual quadro scio

    econmico da cidade de Salvador. Sem dvida, podemos afirmar que a histria

    deste povo explica e o credencia a preservar e propagar seus costumes e hbitos, j

    que estes correspondem a uma construo identitria profunda e, em grande parte,

    nica. Isto ainda mais vlido ao considerarmos que o desenvolvimento local um

    fenmeno que depende da cultura local, da histria de seu povo, do tempo passado

    e do presente, articulando num movimento interdependente com a dinmica local,

    regional e global.

    Especialmente a leitura de sua histria e cultura possibilita compreender o novo

    dinamismo econmico e urbano que se impe na cidade. A adaptao e

    transformao da cidade para as atividades do turismo alteraram sua centralidade.

    Assim, Santos (1995, p. 16) indica como o turismo impacta sobre a cidade de

    Salvador:

    [...] o turismo vai aparecer como um fato extremante importante na compreenso da centralidade, porque, ao lado dos habitantes que tm uma lgica de consumo de centro ligada ao seu poder aquisitivo e sua capacidade de mobilizao, vm os turistas, que so os homens de lugar nenhum, dispostos a estar em toda parte e que comeam a repovoar, recolonizar, a refuncionalizar e a revalorizar, com sua presena e o seu discurso, o velho centro.

  • Entretanto, o turismo aparece de forma mais enftica sobre a dinmica

    soteropolitana nos ltimos anos. J a preocupao com o planejamento do

    desenvolvimento da cidade mais antiga. Na segunda metade do sculo XX

    algumas experincias foram implementadas, variando as escalas de planejamento

    (regional x local) e os agentes do planejamento (governo federal especialmente

    atravs da SUDENE e BNB, governo estadual e governo municipal).

    Mas uma srie de aspectos histricos ajuda a explicar as alternativas adotadas e os

    resultados para a sociedade. Neste sentido, dois podem, inicialmente, ser

    destacados para este trabalho. O primeiro diz respeito economia baiana

    marcadamente caracterizada como agro-exportadora at o incio dos anos 1950. O

    segundo indica uma concentrao econmica no litoral, ajudando a explicar o

    pequeno nmero de cidades mdias no estado da Bahia.

    Assim, verificava-se que, no perodo colonial, a economia se concentrou no litoral,

    favorecida pelo clima, solo e por questes logsticas como a facilidade para a escoar

    a produo. Deste modo, foi se fortalecendo a cultura da cana de acar na regio

    da Bahia de Todos os Santos. J no interior, especialmente na regio do Semi-rido

    ocorria uma economia de subsistncia com caractersticas de policultura. Este

    padro (dinmica econmica que oferecia condies urbanizao no litoral,

    possibilitando mais a frente um processo de industrializao e economia de

    subsistncia no interior) apresentava como principal exceo as atividades

    mineradoras na Chapada Diamantina. Neste sentido, a Bahia foi se posicionando de

    forma secundria no processo de desenvolvimento do pas, mesmo com a forte

    cacauicultura.

  • Uma reviso das principais aes ligadas ao planejamento do desenvolvimento

    mostra a criao de uma Comisso Externa pelo Senado Baiano, em 1891, que

    poca considerava que havia uma crise de escassez de oferta de trabalho na

    lavoura da cana, que tinha sido estruturada em torno do trabalho escravo, sendo o

    governo identificado como o principal responsvel pela crise, por no ter adotado

    mecanismos de compensao para as perdas dos senhores de escravos.

    J nos anos 1930 so criados, pelo governo estadual, o Instituto Baiano do Fumo e

    o Instituto de Cacau da Bahia para organizar os principais produtos da sua

    economia, e com uma idia de cooperao mtua entre os produtores. No perodo

    compreendido entre 1943 e 1947 o Escritrio do Plano de Urbanismo da Cidade do

    Salvador - EPUCS estabeleceu diretrizes de planejamento urbano, ordenando o

    crescimento da capital baiana. Destaca-se que nos anos 1940 a Bahia produzia 95%

    do cacau, 30% do fumo, 20% do algodo e 7% do acar no Brasil. Havia neste

    momento um quadro de profunda insatisfao por parte da elite local: o pas j havia

    iniciado um processo de industrializao e a Bahia ainda era um estado agro-

    exportador.

    Nos anos 1950, no Governo Balbino, a idia do planejar o desenvolvimento ganha

    efetivamente fora entre os polticos, lideranas empresariais e intelectuais da

    poca, tendo como marcos a instituio do Conselho de Desenvolvimento da Bahia

    CONDEB e da Comisso de Planejamento Econmico CPE, em 1955. Naquele

    momento a Bahia experimentava um cenrio favorvel industrializao em funo

    da explorao do petrleo no Recncavo, gerando uma infra-estrutura que foi

    dinamizando a Regio Metropolitana de Salvador, inclusive fortalecendo o comrcio.

  • Autores como Carvalho Neto (2002, pg. 07) defendem os anos 1950 como marco

    institucional do planejamento na Bahia:

    O planejamento, como instrumento de orientao do desenvolvimento econmico e social, surge na Bahia nos anos 50 do sculo passado. Conquanto se possam localizar algumas iniciativas anteriores, o marco institucional do planejamento no Estado foi a criao do Conselho de Desenvolvimento do Estado da Bahia e a Comisso de Planejamento Econmico CEP, em 1955.

    Nesta perspectiva, nas dcadas de 50 e 60 do sculo XX, com os investimentos da

    Petrobrs e o Centro Industrial de Aratu (CIA), bem como a criao da SUDENE

    pelo governo federal, surgem as primeiras promessas reais de desenvolvimento, que

    so renovadas nos anos 1970 e 1980 com o Complexo Petroqumico de Camaari.

    Assim, podemos considerar que as promessas de desenvolvimento do Centro

    Industrial de Aratu CIA e do Complexo Petroqumico de Camaari se inserem

    espacialmente num contexto de impacto de todo estado no sentido que acelerou

    os fluxos migratrios e especialmente na Regio Metropolitana de Salvador. J

    nos anos 90, houve ainda uma busca pelo fortalecimento da indstria baiana,

    seguindo uma lgica agressiva de guerra fiscal, tendo como marco a implementao

    de uma unidade da Ford (Projeto Amazon Bahia).

    Em todos esses momentos o governo do estado teve um destacado papel no que se

    refere ao planejamento do desenvolvimento. Quando da criao do CIA, o estado

    preparou boa parte da infra-estrutura necessria para sua implantao, alm de

    incentivos fiscais e financeiros. J nos anos 1970, o Complexo Petroqumico de

    Camaari foi constitudo num modelo tripartite (estado, capital nacional e capital

    estrangeiro). Neste momento, mais uma vez foram utilizados incentivos fiscais e

    financeiros. Da mesma forma, verifica-se no Projeto Amazon (Ford) incentivos e

  • concesses que vo da doao do terreno a uma poltica agressiva de renncia

    fiscal, passando ainda por melhorias na infra-estrutura de transporte.

    Portanto, o perodo de poltica de desenvolvimento industrial foi caracterizado por

    uma ao efetiva do governo com subsdios, financiamento, incentivos fiscais,

    chegando participao acionria. E justamente esta ltima caracterstica -

    participao acionria do governo reduziu em alguma medida o trao exgeno do

    perodo. O perodo pode ser ainda caracterizado pela influncia da perspectiva do

    planejamento regional, no sentido que havia um objetivo de descentralizao

    industrial no pas, tendo como referncias a SUDENE e o BNB.

    J a partir de 1991, mesmo com o esforo oportunista para a captao da Ford, o

    que marcou o processo de planejamento foi o fortalecimento de uma poltica com

    nfase no turismo em todo o estado, sobretudo na capital. Assim, tinha-se um

    cenrio em que: a) a sociedade contempornea passou a valorizar cada vez mais os

    bens simblicos e a dinmica dos servios foi assumindo um papel de destaque na

    economia ocidental, dentro de um contexto de perda de dominncia do setor

    secundrio-industrial (HARVEY, 1992; 1996); b) a emergncia de modelos

    competitivos e estratgicos de desenvolvimento local como alternativas

    hegemnicas (VAINER, 2000).

    Para se ter uma idia da penetrao do turismo na sociedade local, em 1999, cerca

    de 10,4% das pessoas ocupadas na Regio Metropolitana de Salvador estavam

    vinculadas a atividades do turismo ou correlatas (no Brasil a participao de 6,1% ,

  • enquanto no Nordeste 5,2%) de acordo com estimativas do Instituto da

    Hospitalidade.

    Portanto, uma perda relativa do dinamismo industrial, foi encontrada a nova

    alternativa de desenvolvimento que operaria um modelo estratgico e competitivo no

    local: o cluster do turismo. O novo choque industrial exgeno que Teixeira (2000) se

    referia no veio, mas sim uma poltica de servios exgena.

    Esgotados os efeitos multiplicadores desses investimentos, e na ausncia de uma dinmica econmica endgena, o processo de industrializao fica aguardando um novo choque exgeno que derrube a apatia e desperte um outro perodo de otimismo. (TEIXEIRA, 2000, p. 87).

    Assim, aproveitando-se de um programa federal (Programa de Desenvolvimento

    Turstico Prodetur), contando com recursos nacionais e internacionais realizado

    um esforo para o desenvolvimento desta atividade no estado. Dentro desta mesma

    linha, passou a ser necessrio trabalhar em duas frentes que por fim se mesclavam:

    Vender a cidade, utilizando ferramentas de marketing. Logo, o modelo do marketing city ganhou fora.

    Formatar o produto cidade atravs da dinmica econmica, incluindo fornecedores, pessoal e outros atores. Logo, passou a ser estimulado o

    Cluster Turismo, Entretenimento e Cultura.

    Por marketing city compreende-se a transposio do marketing do contexto

    empresarial para o dos lugares. Como mostra Kotler (1997) o marketing city

    tratado originalmente na escala nacional, mas pode ser ajustado escala local.

  • Entretanto alguns fundamentos devem ser observados como a necessidade dos

    lderes governamentais aplicarem os conceitos e ferramentas estratgicas para guiar

    o desenvolvimento do local/ regio / nao, bem como observar o comportamento

    dos produtores, distribuidores e consumidores de um mercado para elaborao das

    polticas pblicas, construdas ento a partir da compreenso do real;

    Kotler (1997) destaca ainda a existncia de seis estratgias genricas que podem

    ser utilizadas para que os lugares possam melhorar suas posies no ambiente

    competitivo que se encontram: a) atrair turistas e visitantes a negcios; b) atrair

    negcios de outros lugares; c) manter e expandir os negcios j existentes; d)

    promover pequenos negcios e apoiar a criao de novos; e) aumentar as

    exportaes e os investimentos estrangeiros; f) aumentar a populao ou mudar a

    combinao de moradores.

    Associado ao uso do city marketing, utiliza-se o cluster. Com isto, so articuladas as

    atividades ligadas ao turismo, cultura e entretenimento.

    No turismo, por exemplo, a qualidade da experincia do visitante depende no s do apelo da principal atrao (como praias ou localidades histricas), mas tambm do conforto e do servio dos hotis, restaurantes, lojas de souvenires, aeroportos, outros meios de transporte e assim por diante. Como ilustra o exemplo, as partes do aglomerado so, em geral, efetivamente dependentes entre si. O mau desempenho de uma delas compromete o xito das demais. (PORTER, 1999, pg. 230).

    De acordo com Porter (1999), gera-se neste momento uma expectativa pelos

    benefcios potenciais de um cluster como a reduo de custos pela especializao

    e/ou aumento de escala, diminuio de riscos pela especializao e/ou diviso dos

    investimentos; aumento da qualidade por meio da competio, inovao e aes

  • conjuntas; maior qualidade e flexibilidade da mo-de-obra pelo aumento e melhoria

    da oferta de oportunidades profissionais e treinamento integrado, bem como a

    melhora do dinamismo empresarial pela criao e atrao de novas

    empresas/lderes. Neste contexto, com influncia dos ciclos econmicos e do papel

    da inovao tecnolgica no processo de destruio criadora de Schumpeter, Porter

    (1999, p.239) explicita assim a teoria dos clusters:

    A Teoria dos Clusters focaliza a maneira como a justaposio de empresas e instituies economicamente interligadas numa localidade geogrfica especfica afeta a competitividade [...] tambm proporciona um meio de relacionar de modo mais estreito as teorias das redes, do capital social e dos envolvimentos cvicos com a competio entre empresas e a prosperidade econmica ampliando seu escopo.

    Mantendo uma perspectiva empresarial para o desenvolvimento de um cluster,

    associando a uma preocupao com questes como coeso social e poltica verifica-

    se que na viso de Beni (2003, p. 74) um cluster de turismo pode ser definido como:

    [...] conjunto de atrativos com destacado diferencial turstico, concentrado num espao geogrfico delimitado dotado de equipamentos e servios de qualidade, de eficincia coletiva, de coeso social e poltica, de articulao da cadeia produtiva e de cultura associativa, e com excelncia gerencial em redes de empresas que geram vantagens estratgicas comparativas e competitivas.

    Portanto, na segunda metade do sculo XX verificamos dois momentos que se

    destacam neste contexto: um primeiro que chamamos de perodo de poltica de

    desenvolvimento industrial, tendo o CIA e o Complexo Petroqumico de Camaari

    como cones e o segundo, a partir de 1991, que chamamos de perodo de poltica de

    desenvolvimento com nfase no setor de servios com tnica no turismo, cultura e

    entretenimento.

  • Neste contexto, esta tese de doutorado em planejamento urbano e regional tem

    como objetivo central refletir sobre a problemtica do planejamento do

    desenvolvimento na cidade de Salvador, observando o impacto na dinmica

    econmico-social local e na forma de planejar a cidade. Tal reflexo leva em conta a

    observao sobre uma passagem de uma poltica do planejamento do

    desenvolvimento no local: de uma poltica com nfase no industrial para uma poltica

    com tnica no setor de servios.

    So ainda objetivos especficos deste trabalho:

    Verificar como os dois perodos de polticas de desenvolvimento (industrial e de servios) mantiveram ou alteraram seus padres de relacionamento com a

    sociedade e a economia local, particularmente se as opes de

    desenvolvimento se apoiaram em perspectivas endgenas ou exgenas e

    quais impactos de tais perspectivas;

    Analisar criticamente o uso do modelo estratgico em Salvador, identificando limites ao desenvolvimento econmico e social;

    Articular a perspectiva do planejamento e do desenvolvimento dinmica scio-econmico-espacial de Salvador;

    Articular a perspectiva do planejamento e do desenvolvimento dinmica scio-econmico-espacial de Salvador (micro escala) com o a dinmica do

    capitalismo (macro escala).

    Construmos algumas hipteses para orientar nosso trabalho. A primeira delas trata

    da existncia de uma passagem de poltica de Estado para o desenvolvimento

  • daquela com base na industrializao para outra com base nos servios. Nesta

    passagem necessita ser qualificado o grau de perda de dominncia da poltica para

    desenvolvimento pela industrializao, e aquele da emergncia e impulso da poltica

    de servios pela atividade de turismo associado a cultura. Considera-se que a partir

    dos anos 1990 a atividade turstica alavancou-se de tal forma que passa a ser

    dominante, ainda que interpenetrando-se com a atividade industrial. A segunda diz

    respeito ao limite dos modelos estratgicos e competitivos, especialmente o

    marketing city e o porteriano (dos clusters) no que tange relao entre crescimento

    e desenvolvimento em localidades perifricas.

    Neste sentido, verifica-se um esforo governamental para acelerar as taxas de

    investimento, muitas vezes apoiadas em algum tipo de renncia fiscal. Assim, so

    valorizados os grandes empreendimentos, os quais assumem uma perspectiva

    exgena, considerando a condio duplamente perifrica da localidade (pas

    perifrico e local perifrico em relao ao pas). Como conseqncia o

    desenvolvimento no alavancado tendo entre suas causas principais a

    transferncia de excedentes para outras localidades (transferncias periferia

    centro).

    No caso especfico de Salvador, com a poltica com nfase no setor de servios

    visando o desenvolvimento a lgica de transferncia potencializada medida que

    so implementados novos empreendimentos com servios avanados para atender

    a turistas com renda elevada (ou turistas qualificados, observando a denominao

    de rgos oficiais, como a Bahiatursa). Assim, cada vez mais se tem um fluxo

    turstico com elevado padro de exigncia que atendido por empresas que

  • conseguem romper as barreiras entrada (como redes internacionais de hotis,

    grandes grupos de locadoras de automveis e operadoras de turismo).

    Ainda em relao a esta segunda hiptese pode-se compreender que o modelo

    porteriano foi concebido no (e para o) o centro. A sua transposio (centro para

    periferia) poderia gerar uma srie de limitaes ao prprio conceito e condies para

    sua efetivao como defendido por Porter (1999) como a interrelao,

    encadeamento, interdependncia e correlao entre empresas e setores

    componentes, alm da presena de instituies financeiras locais fortes.

    A segunda hiptese considera que a poltica baseada no setor de servios para o

    desenvolvimento tem seu efeito reduzido, entre outros motivos pelo padro de

    precarizao da mo de obra tpico do setor turstico.

    Neste sentido, tem-se no local Salvador, atravs da operao de atividades como

    hotelaria, a ponta das cadeias de valores ligados ao turismo, havendo uma demanda

    por pessoal com baixa qualificao. Esta hiptese considera que a estrutura das

    cadeias de valores do turismo tm na sua operao uma dinmica que

    caracterizada por pessoal no qualificado e relaes precarizadas de trabalho. Com

    isto, considera-se a possibilidade de ser necessrio estratgia adotada (o cluster

    do turismo) a existncia de um grande contingente de pessoal com baixa ou

    nenhuma qualificao. Desta forma, mantendo o princpio da eficincia econmica

    tem-se um baixo custo de mo de obra, tendendo os salrios ao mnimo possvel.

  • Portanto, o quadro de elevadas taxas de desemprego no local apresenta-se como

    uma importante vantagem comparativa na perspectiva porteriana - ou como um

    importante atributo na perspectiva do city marketing - para as empresas que se

    instalam no local.

    Para verificarmos se tais hipteses so vlidas e para alcanarmos os objetivos

    estabelecidos definimos como metodologia bsica a anlise de planos e documentos

    oficias, bem como informaes disponibilizadas em sites oficiais. Utilizamos ainda

    trabalhos e pesquisas realizadas. Destacamos que a interlocuo com

    pesquisadores e profissionais das reas envolvidas neste trabalho foi importante

    para desvendar alguns processos.

    No que se refere ao recorte do objeto so utilizados dois recortes analticos:

    a) espacial: a cidade de Salvador;

    b) temporal: a segunda metade do sculo XX.

    O recorte espacial justificado pela importncia da capital baiana na histria e

    cultura brasileira, na referncia do estado no que diz respeito ao planejamento do

    desenvolvimento e forma como o planejamento se adaptou s novas tendncias

    de poltica industrial para a de servios, e de desenvolvimento regional para

    desenvolvimento local apoiado em modelos competitivos e estratgicos. Chamamos

    a ateno dos leitores deste trabalho que o recorte geogrfico a cidade de

    Salvador, mas pela sua importncia econmica para o estado baiano e pela sua

    condio de capital muitas vezes fomos forados a ampliar este recorte. Verifica-se

  • que o processo de desenvolvimento de Salvador est bastante associado ao CIA e

    ao Complexo Petroqumico de Camaari, ambos na Regio Metropolitana.

    Quando a anlise aponta para a emergncia de uma nova poltica com tnica nos

    servios de turismo, verificam-se trs pontos crticos: a) os dados disponibilizados

    pelos rgos oficiais de turismo so, muitas vezes, aferidos/ estimados a partir de

    Salvador e extrapolados para todo o estado; b) a cidade de Salvador se articula com

    os municpios mais prximos, especialmente pelo fato de possuir aeroporto

    internacional (o outro do estado fica em Porto Seguro, a cerca de 700km de

    distncia); c) a estratgia de desenvolvimento a partir do turismo foi basicamente

    formatada no governo do estado, tendo mesclado em alguns momentos as escalas

    de anlise.

    Julgamos ainda vlido trabalharmos a anlise do processo de planejamento do

    desenvolvimento no perodo de 1950 a 2000, observando resultados at 2004 como

    recorte temporal. O incio do recorte justificado pela importncia que a referida

    dcada teve no planejamento no estado e na cidade de Salvador. J o fim do recorte

    (2000) foi definido no apenas por fechar um perodo de meio sculo, mas por

    termos como premissa que um dado planejamento de desenvolvimento tende a

    gerar mais resultados a mdio e longo prazo do que a curto prazo. Neste sentido,

    valorizamos as decises, concepes e modelos at 2000. Desta forma, evitamos

    analisar, por exemplo, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU 2004), da

    Prefeitura Municipal de Salvador.

  • Quanto forma, esta tese estrutura-se em trs captulos. No primeiro captulo,

    fazemos uma reviso sobre as relaes entre Estado, Planos e Desenvolvimento

    com nfase no Brasil e na Regio Nordeste. Neste captulo enfatizado o macro

    planejamento econmico, dando destaque a questes que marcaram o pensamento

    acerca da relao entre planejamento e estado. Inclumos ainda neste captulo uma

    breve reviso do pensamento econmico brasileiro e a perspectiva CEPALINA,

    chegando ao final analisando o papel da SUDENE enquanto a principal experincia

    de planejamento regional no pas. Ainda no segundo captulo, reduzimos a escala de

    anlise e destacamos alguns modelos de desenvolvimento e planejamento local,

    especialmente aqueles que situam como modelos estratgicos e competitivos.

    Assim, fazemos um paralelo entre esses modelos e os modelos tradicionais de

    planejamento urbano. Dentre os modelos apresentados destacam-se o catalo, o

    city marketing e o porteriano. Ainda neste captulo, procuramos discutir os limites de

    tais modelos, indicando a lgica subjacente s decises de utiliz-los.

    No segundo captulo, fazemos uma recuperao do planejamento do

    desenvolvimento em e para Salvador no perodo de 1950 a 1990, destacando o

    lugar Salvador e sua insero num ambiente com uma srie de dificuldades a serem

    enfrentadas.

    No terceiro captulo, apresentamos o modelo de desenvolvimento apoiado no

    turismo que vem sendo aplicado em Salvador, especialmente aps 1991,

    destacando as perspectivas da cidade frente ao contexto de planejamento apoiado

    numa lgica empresarial.

  • Por fim, chegamos s concluses. Nelas, valorizamos, inicialmente se as hipteses

    estipuladas confirmam-se e, a partir do quadro atual, a reflexo de tendncias para o

    futuro, abrindo possibilidades para novos trabalhos e anlises. Procuramos na

    concluso voltar a uma dimenso mais ampla, inter relacionando os diversos

    aspectos e questes que percebemos ao longo do trabalho.

  • CAPTULO 1: ESTADO, PLANOS E DESENVOLVIMENTO

    Em um contexto de fluxos econmicos e sociais vinculados a uma ordem global,

    marcado pelo modo capitalista de produo, temos a concepo de Estado

    associada muitas vezes a algum tipo de discurso ou prtica acerca do seu

    desenvolvimento, seja econmico, territorial ou social. Entretanto, a insero da

    questo do desenvolvimento como assunto e atividade do Estado bastante recente

    em termos histricos, tendo seu marco temporal os anos 30 do sculo passado. At

    ento, seguindo a viso clssica de Ricardo, se admitia que o mecanismo de preos

    associados ao livre comrcio tendia a fazer com que os recursos produtivos fossem

    utilizados da forma mais eficiente possvel, garantindo o progresso econmico dos

    pases. Foi a Teoria Geral de Keynes que influenciou alm de questes ligadas

    renda e emprego de curto prazo o interesse pela teoria do crescimento econmico

    (KEYNES, 1982).

    Neste contexto, trabalhos como o Harrod (Inglaterra) e Domar (Estados Unidos),

    com forte influncia keynesiana, estiveram no incio do pensamento acerca do

    desenvolvimento econmico. Harrod e Domar analisaram o crescimento em termos

    da evoluo da demanda de longo prazo, identificando a demanda efetiva (gasto) e

    seus impactos via acelerador e multiplicador com motor do crescimento econmico.

    Assim, j no ps-guerra, a preocupao com o crescimento e desenvolvimento

    econmico est no centro do pensamento econmico.

    De fato, o debate acerca do conceito de desenvolvimento bastante rico no meio

    acadmico, principalmente quanto distino entre desenvolvimento e crescimento

  • econmico, pois muitos autores atribuem apenas os incrementos constantes no nvel

    de renda como condio para se chegar ao desenvolvimento, sem, no entanto, se

    preocupar como tais incrementos so distribudos. Deve-se acrescentar que apesar

    das divergncias existentes entre as concepes desenvolvimento, elas no so

    excludentes. Na verdade, em alguns pontos, elas se completam (SCATOLIN, 1989,

    p.24).

    Muitos autores procuram associar desenvolvimento econmico com

    desenvolvimento social. Na viso de Vasconcelos e Garcia (1998, p. 205), o

    desenvolvimento, em qualquer concepo, deve resultar do crescimento econmico

    acompanhado de melhoria na qualidade de vida, ou seja, deve incluir "as alteraes

    da composio do produto e a alocao de recursos pelos diferentes setores da

    economia, de forma a melhorar os indicadores de bem-estar econmico e social".

    Para Sandroni (1994), desenvolvimento econmico pode ser compreendido como

    crescimento econmico (incrementos positivos no produto) acompanhado por

    melhorias do nvel de vida dos cidados e por alteraes estruturais na economia.

    Assim, o desenvolvimento depende das caractersticas de cada pas ou regio.

    Portanto, depende do seu passado histrico, da posio e extenso geogrficas, das

    condies demogrficas, da cultura, bem como dos recursos naturais que possuem.

    Observando a viso de Bresser-Pereira (2003) o desenvolvimento um processo de

    transformao econmica, poltica e social, no se referindo portanto apenas

    economia, mas tambm, no mbito social, poltico e cultural, sendo que nestes

    mbitos as mudanas constantes e significativas esto diretamente ligados ao

  • processo de desenvolvimento. O desenvolvimento, portanto, um processo de

    transformao global. Neste sentido, o crescimento do padro de vida da populao

    est ligado ao processo de transformao global.

    Ainda de acordo com Bresser-Pereira (2003), as transformaes devem levar ao

    aumento do padro de vida automtico, autnomo e necessrio, ou seja, auto-

    sustentado. No desenvolvimento o aspecto dominante de seu processo a

    transformao econmica e, como resultado por excelncia, o crescimento do

    padro de vida da populao no seio da qual ocorre o desenvolvimento.

    J Furtado (1961, p.115-116) define desenvolvimento como sendo basicamente,

    aumento do fluxo de renda real, isto , incremento na quantidade de bens e servios

    por unidade de tempo disposio de determinada coletividade. Mais tarde o

    prprio Furtado alertou que a busca incessante por taxas elevadas de crescimento

    econmico podem dar a falsa impresso de um maior bem estar das pessoas da

    sociedade. Desta forma, Furtado (1974, p.75) alerta que a idia de desenvolvimento

    econmico um simples mito. Graas a ela tem sido possvel desviar as atenes

    da tarefa bsica de identificao das necessidades fundamentais da coletividade e

    das possibilidades que abrem ao homem os avanos da cincia, para concentr-las

    em objetivos abstratos como so os investimentos, as exportaes e o crescimento.

    Portanto, so as pessoas - e seu nvel de vida que devem estar no propsito final

    do desenvolvimento.

  • 1.1. O ESTADO KEYNESIANO E O DESENVOLVIMENTO

    Quando se quer abordar como o tema do desenvolvimento incorporado ao

    conceito de Estado, por meio de suas polticas, se faz necessrio trazer a tona a

    contribuio do economista ingls John Maynard Keynes (1883-1946). Contribuio

    esta no circunscrita, apenas, a sua principal obra - A teoria geral do emprego, do

    juro e da moeda publicado em 1936 -, mas tambm oriunda da sua prpria trajetria

    profissional.

    O ano de 1929 marca, ainda que simbolicamente, o fim do liberalismo econmico

    enquanto doutrina hegemnica nas sociedades capitalistas. E conseqentemente,

    como ressaltado anteriormente, o declnio do sistema poltico correspondente: o

    modelo de Estado Liberal.

    O sculo XIX descobriu a questo social. Tendo falhado ao mesmo tempo em moral e em competncia, o liberalismo duvidou de si mesmo e da justeza de seus valores. Somente uma reforma generalizada poder salvar as aparncias. A afirmao de um direito natural propriedade, assim como a liberdade de competio, leva sem nenhuma dvida concentrao dos bens em mos de uma classe privilegiada: conseqncia ao mesmo tempo imoral e perigosa para a prpria liberdade de concorrncia, o desenvolvimento dos monoplios bem como do destino da classe operria provocou inquietao... Cincia e moral so postas em questo (CHTELET; DUHAMEL; PISIER-KOUCHNER , 2000, p.182).

    As conseqncias da I Guerra Mundial e da Crise da Bolsa de Valores de Nova

    Iorque de 1929, somadas presso social que a Igreja Catlica vinha fazendo,

    desde o final do sculo XIX, sobre a conduta dos governos dos pases capitalistas

    centrais por meio das suas encclicas, faz com que estes Estados nacionais

  • assumam uma postura mais firme na conduo da (des)ordem econmica e na

    resoluo dos problemas sociais crescentes, sobretudo o desemprego.

    Diante de tal quadro econmico e social, da ameaa do socialismo sovitico ps-

    revolucionrio e da incapacidade da doutrina liberal dar respostas eficazes a estas

    questes dentro do seu prprio arcabouo terico, novas idias, novas teorias

    econmicas ganhem mais espao na sociedade dos anos de 1930.

    Parecia muito distante da realidade a imagem de funcionamento de um sistema econmico criado pelos clssicos e neoclssicos: o pleno emprego seria o nvel norma de operao da economia, e as distores que surgissem teriam correo oriunda de remdios gerados pelo prprio sistema econmico (PINHO, 1998, p. 48).

    deste contexto internacional que as idias de Keynes comeam a reverberar. De

    incio na Gr-Bretanha nos anos seguintes ao trmino da Primeira Guerra Mundial,

    ento uma potncia econmica decadente em comparao ascenso dos Estados

    Unidos, para se tornar o pensador econmico mais influente da Europa a partir da

    publicao do livro A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, em 1936:

    A teoria geral modificou o modo como a maior parte dos economistas entendia o funcionamento das economias. Nesse sentido, foi explicitamente revolucionrio e teve xito. Tambm teve um efeito revolucionrio sobre a poltica. [...] uma explorao profunda da lgica do comportamento econmico sob incerteza, combinada com um modelo de determinao de renda, no curto prazo, que enfatizava a quantidade e no o preo como varivel de ajuste (SKIDELSKY,1999, p.43).

    Segundo Skidelsky (1999) a influncia de suas idias comeara de fato desde o final

    da I Guerra com o livro As conseqncias econmicas da paz de 1919, no qual

    criticou duramente a postura dos negociadores aliados em extrair da Alemanha

    derrotada um grande volume de dinheiro em indenizaes de guerra e propunha

  • cancelar todas as dvidas de guerra entre os aliados [...] e opunha-se

    inflexivelmente a que europeus fizessem emprstimos aos Estados Unidos para

    liquidar dvidas impagveis (SKIDELSKY,1999, p.33).

    No decnio de 1920 esta influncia aumenta devido obra Tratado sobre a reforma

    monetria de 1923 que defendia um regime monetrio britnico livre da vinculao

    da libra esterlina padro-ouro, que havia sido suspensa durante a guerra e que

    estava prestes a ser reinstitudo. Diante da consistncia da idias de Keynes e dos

    constantes acertos dos seus prognsticos seu pensamento econmico se transforma

    em hegemnico j em 1930 a ponto da expresso Revoluo Keynesiana ser

    cunhada.

    Tal a sua fora que passa a servir como adjetivao para um novo modelo de

    Estado o Estado Keynesiano. Estado este caracterizado pela consolidao do

    carter de interveno na economia via polticas fiscal, monetria e cambial e seus

    instrumentos macroeconmicos - cobrana de impostos, contratao de

    emprstimos e aumento dos gastos pblicos para estimular o pleno emprego,

    controle da taxa de juros e emisso de moeda - e, ainda, promover a proteo social

    dos indivduos. Toda esta atuao como forma de garantir as condies de

    reproduo da fora de trabalho e a estabilidade social, uma paz social.

    Assim, cabe ao Estado, segundo Keynes, a funo bsica de regular a economia, procurando suavizar as flutuaes econmicas e complementar a iniciativa privada no que tange a realizao do investimento, evitando a estagnao no longo prazo, em face da tendncia declinante (SOUZA, 1999, p.159).

  • 1.2. O ESTADO NEOLIBERAL

    Depois de cerca de trs dcadas de predomnio na forma do Estado intervir na

    economia, o keynesianismo j no conseguia dar respostas adequadas s

    mudanas que passaram a ocorrer no modo de produo capitalista no decnio de

    1970. Mais uma vez se trata do sistema poltico ter que se adequar ao sistema

    econmico. Adequao esta que se conforma num novo modelo de Estado, o

    Neoliberal.

    Assim, verifica-se a passagem do modelo fordista de acumulao para o modelo

    neoliberal, com implicaes no campo poltico-econmico (reduo do papel do

    estado, desregulamentao, ajuste fiscal) e tambm empresarial (a exemplo do

    sistema de produo flexvel, o qual implica numa fragmentao de fases e funes

    na produo articulados pelo mtodo just-in-time).

    A partir de 1973, o modelo keynesiano de crescimento econmico do perodo ps-guerra comea a dar sinais de esgotamento. O mundo capitalista avanado entra num processo de estagflao, ou seja, numa longa e profunda recesso combinada, pela primeira vez, com altas taxas de inflao. Segundo Hobsbawn (1995) a maioria dos governos considerava a crise passageira. No haveria porque mudar polticas que haviam funcionado to bem por toda uma gerao. No fundo, essas concepes se baseavam na crena do poder ilimitado de expanso da produo, na possibilidade de um crescimento permanente e linear da acumulao de capital (SPINOLA, 2004, p. 105).

    A combinao de uma srie de fatos ajudou a formar o atual quadro poltico-

    econmico no mundo. Trs fatos eminentemente polticos parecem marcar

    decisivamente o incio do Estado Neoliberal que tem como auge, e cone, o

    Consenso de Washington:

  • a) a eleio de Thatcher, em 1979, com um forte programa neoliberal;

    b) a chegada em 1980 do republicano Reagan presidncia dos Estados

    Unidos; e

    c) o fim da experincia de estados centralizados socialistas na Europa

    Oriental e na Unio Sovitica, em 1989.

    Como aponta Fiori (2001), o Consenso de Washington refere-se a um conjunto de

    idias e polticas econmicas defendidas unanimemente pelas principais burocracias

    econmicas norte-americanas e pelos organismos internacionais sediados na cidade

    de Washington. A Tabela 1 traz o conhecido declogo do Consenso de Washington.

    Tabela 1 - Declogo do Consenso de Washington

    Medida Contedo

    1 Disciplina Fiscal caracterizada por um significativo supervit primrio e por dficits operacionais de no mais de 2% do PIB.

    2

    Priorizao dos gastos pblicos, atravs de seu redirecionamento de reas politicamente sensveis, que recebem mais recursos do que seria economicamente justificvel como a manuteno da mquina administrativa, a defesa ou os gastos como subsdios indiscriminados -, para setores com maior retorno econmico e/ou com potencial para melhorar a distribuio de renda, tais como sade, educao e infra-estrutura.

    3 Reforma fiscal, baseada na ampliao da base tributria e na reduo de alquotas marginais consideradas excessivamente elevadas.

    4

    Liberalizao do financiamento, com vistas formao de taxas de juros pelo mercado, ou como objetivo intermedirio mais realista e at mesmo mais conveniente no curto e mdio prazos - para evitar taxas muito elevadas - , procurando o fim de juros privilegiados e visando a obteno de uma taxa de juros real positiva e moderada.

    5 Unificao da taxa de cmbio em nveis competitivos, como o fim de eliminar sistemas de taxa de cmbio mltiplos e assegurar o rpido crescimento das exportaes.

    6 Liberalizao comercial, atravs da substituio de restries quantitativas por tarifas de importao, que, por sua vez, deveriam ser reduzidas para um nvel baixo ...de 10% ou, no mximo, perto de 20%.

    7 Abolio das barreiras ao investimento externo direto. 8 Privatizao. 9 Desregulamentao.

    10 Garantia do direito de propriedade, atravs da melhoria do sistema judicirio. Fonte: Ferraz et al (2002 apud SPINOLA, 2004)

  • De fato, o Consenso de Washington parece ter marcado decisivamente o modo de

    pensar o Estado e o modo de como o Estado passa a pensar a economia, por meio

    das prticas de planejamento ou ausncia delas. Servindo como arcabouo terico,

    em ltima anlise ele se encarregou de difundir o modelo de Estado Neoliberal para

    todas as outras economias capitalistas centrais ou perifricas - de forma

    indiferenciada como alternativa crise econmica internacional. Antes mesmo deste

    receiturio neoliberal ficar pronto no incio dos anos 1990, desde o decnio de 1970

    o Estado Neoliberal j comeara sua escalada na Amrica Latina, pelo governo

    ditatorial chileno, passando nos anos de 1980 por pases como Mxico, Peru,

    Bolvia, Argentina, Venezuela e, por fim, chega ao Brasil no governo Collor

    (SPNOLA, 2004).

    A crise desse Estado surgida em meados de 70 atribuda, entre outros fatores, agenda sobrecarregada, o que significa que as presses foram tantas e to fortes, presses sociais como demandas por melhores escolas, equipamentos de sade mais atualizados, tipos de exames mdicos cada vez melhores e cobertos pelo Estado que ele ficou incapacitado financeiramente de dar todas estas respostas. [...] o Estado no conseguindo arrecadar mais o suficiente para dar respostas na mesma vazo que chegavam-lhes as demandas. E recriada assim uma nova crise sistmica, comeando ento uma pregao de retorno aos ideais liberais. (PINHO, 2001, p.30).

  • 1.3. DESENVOLVIMENTO E ESTADO BRASILEIRO

    O Estado brasileiro tem um forte histrico de planejamento governamental,

    especialmente entre as dcadas de 1940 e 1970. J no ps-guerra verificava-se o

    Plano Salte (sade, alimentao, transportes e energia). Mais adiante o Plano de

    Metas de Juscelino Kubitschek, a criao da Sudene enquanto instrumento de

    planejamento regional at os mais recentes planos plurianuais, determinados

    constitucionalmente, mostram que o Estado brasileiro procurou em diversos

    momentos alavancar o desenvolvimento econmico atravs de planejamento.

    Historicamente verifica-se que as experincias de planejamento mais conhecidas e

    ambiciosas foram, no regime militar (1964-1985). Tais experincias propiciaram

    taxas expressivas de crescimento, mas a sociedade brasileira permaneceu desigual.

    Seguindo a viso de Bresser-Pereira (2003) pode-se fazer uma anlise histrica do

    processo de desenvolvimento no Brasil observando duas ferramentas: a idia de

    `modelo de desenvolvimento `, ou seja, de padres de acumulao, de regime de

    poltica econmica e de distribuio de renda, e a de `pacto poltico`, ou seja , de

    alianas informais de classe Bresser-Perereira (2003, p. 16).

    Mais que isto, Bresser-Pereira sinaliza que, mesmo que imperfeita, exista uma

    relativa correlao entre os dois planos. Nesta viso, observa-se que os modelos de

    desenvolvimento adotados no Brasil caminharam desde os mais estatizantes aos

    mais liberais; voltados para a substituio de importaes ao fomento as

    exportaes; mais concentradores de renda a modelos com uma perspectiva de

    afirmao dos direitos sociais. Entretanto, sempre se percebeu a existncia de

  • pactos envolvendo as trs classes sociais bsicas das sociedades capitalistas

    modernas: burguesias, classe mdia profissional (ou burocrtica) e a classe

    trabalhadora. A seguir apresentada uma tabela elucidativa em relao aos

    modelos de desenvolvimento econmico e pactos polticos.

    Tabela 2: Pactos Polticos e Modelos de Desenvolvimento

    Anos Modelos Econmicos Pactos Polticos 1930-1959 Substituio de

    importao Popular-Nacional

    1960-1964 Crise-econmica Crise-poltica 1964-1977 Subdesenvolvimento

    industrializado Burocrtico autoritrio

    1977-1986 Subdesenvolvimento industrializado

    Popular-Democrtico (crise)

    1987-1989 Crise econmica Crise poltica 1990-2002 Liberal-dependente

    (crise) Burocrtico-Liberal

    2003-... Liberal-dependente Popular-Nacional Fonte: Elaborada pelo autor adaptada de Bresser-Pereira (2003)

    Se a partir de 1822 tem-se no Brasil um quadro que sinaliza pacto poltico

    oligrquico baseado num modelo primrio exportador, no perodo de 1930-1959

    observa-se um forte processo de industrializao com um Pacto Popular- Nacional.

    De acordo com Bresser-Perereira (2003), aps o perodo de crise econmica e

    poltica (1960-1964) o pas experimenta um Pacto Burocrtico- Capitalista ou

    Burocrtico Autoritrio, reunindo a burguesia, a burocracia militar e civil, e excluindo

    a maior parte dos trabalhadores.

    Ao se observar os perodos e os respectivos pactos, percebe-se que o Pacto

    Popular-Nacional de Vargas foi o primeiro momento em que a participao dos

    trabalhadores ocorreu ainda que de forma limitada (Bresser-Pereira, 2003, p. 17).

    J no perodo compreendido entre 1977 e 1986 tem-se um modelo de

  • subdesenvolvimento industrializado que esgotado, tendo como resultado a crise

    econmica e poltica de 1987-1989. Assim, o pas experimente uma ruptura no seu

    modelo econmico e no pacto poltico, assumindo um modelo liberal-dependente e

    um pacto burocrtico-liberal. Portanto, a compreenso dos modelos de

    desenvolvimento econmico no Brasil est associada compreenso dos pactos

    polticos estabelecidos.

  • 1.4. O PENSAMENTO CEPALINO SOBRE DESENVOLVIMENTO ECONMICO

    A partir dos anos 1930 a discusso sobre desenvolvimento aparece na Amrica

    Latina no quadro econmico formado pelas repercusses da Crise de 1929 e da

    Segunda Guerra Mundial e fixa-se, sobretudo, em trs pases: Mxico, Argentina e

    Brasil. Assim, o debate acerca da questo do desenvolvimento econmico no ficou

    restrito produo dos pensadores norte-americanos e europeus.

    nesse contexto de reorganizao da economia mundial que mais um modelo de

    desenvolvimento pensado tendo como pressuposto norteador, de maneira

    pioneira, o embate entre os pases industrializados ou desenvolvidos e os pases

    que ainda no haviam se industrializado. Ele formulado e levado a termo pela

    Comisso Econmica para a Amrica Latina e Caribe CEPAL criada pelas Naes

    Unidas no final dos anos 1940 com o intuito de realizar estudos que pudessem

    promover um processo de desenvolvimento desta regio (SOUZA, 1999), o que j

    diferencia do tratamento dispensado ao continente europeu beneficiado amplamente

    pelo Plano Marshall.

    A preocupao bsica da CEPAL era a de explicar o atraso da Amrica Latina em relao aos chamados centros desenvolvidos e encontrar as forma de super-lo. Nesse sentido, a anlise enfocava, de um lado, as peculiaridades da estrutura scio-econmica dos pases da periferia, ressaltando os entraves ao desenvolvimento econmico, em contraste com o dinamismo das estruturas dos centros avanados; e, de outro lado, centrava-se nas transaes comerciais entre os parceiros ricos e pobres do sistema capitalista mundial que, ao invs de auxiliarem o desenvolvimento da periferia, agiam no sentido de acentuar as disparidades. Com isso, a CEPAL questionava no apenas a diviso internacional do trabalho vigente no mundo capitalista, como tambm criticava o destino atribudo aos pases subdesenvolvidos pela Teoria Clssica ou Neoclssica do Comrcio Internacional que sustentava esta diviso. (MANTEGA, 1985, p. 34)

  • O pensamento cepalino acerca do desenvolvimento influenciaria sobremaneira os

    economistas latino-americanos e o prprio governo do Brasil, a partir dos anos 1950.

    No pas este tema foi traduzido na construo de uma verdadeira ideologia nacional-

    desenvolvimentista que atravessou o restante do sculo XX e, ainda na atualidade,

    serve como embasamento terico aos estatutos de alguns partidos polticos e a

    programas de governo.

    Como todo modelo terico que carrega consigo uma determinada ideologia a

    CEPAL tambm teve pensadores responsveis pelas anlises da realidade

    econmica da Amrica Latina e fundamentadores da sua viso de desenvolvimento

    e, tambm, de subdesenvolvimento. So eles Raul Prebisch, marcadamente, Hans

    Singer e Celso Furtado, este ltimo como maior representante no caso brasileiro.

    Pode-se dizer que foi a obra de Prebisch de 1949 e o documento Estudio Econmico

    da America Latina da prpria CEPAL de 1951 que mais contriburam para a

    construo desta escola de desenvolvimento (MANTEGA, 1985). Segundo Prebisch

    a concepo clssica de David Ricardo acerca da Teoria das Vantagens

    Comparativas no mais deveria ser amplamente utilizada como paradigma para a

    estruturao da economia mundial, sobretudo no que diz respeito a produo e

    comercializao, visto que ela estava apenas reforando as disparidades regionais

    entre aquele conjunto de pases, dito especializados, na produo de produtos

    manufaturados e o outro conjunto de pases especializados na produo de

    alimentos e de matrias-primas por assim dizer.

  • Estudando a evoluo dos preos dos produtos agrcolas e dos produtos industriais

    entre 1880-1945 (Prebisch) e 1950-1977 (Singer), estes economistas acabaram por

    formular uma tese sobre a deteriorao dos termos de troca (SOUZA,1999) ou

    deteriorao dos termos de intercmbio (MANTEGA, 1985).

    Esta constatao da relao dos termos de troca entre os pases fornecedores de

    produtos industrializados e os pases fornecedores de alimentos e matrias-primas

    se constitui na pedra angular de toda a teorizao empreendida na construo do

    pensamento cepalino para a superao da condio de explorao destes ltimos

    por parte dos primeiros. Condio esta ratificada pela verificao que no estava

    ocorrendo, historicamente, nenhuma transferncia de tecnologia para as naes

    no-industrializadas que permitissem o seu desenvolvimento.

    Ento, Prebisch e a CEPAL realizam um diagnstico da realidade dos pases latino-

    americanos, enquanto periferia do sistema capitalista mundial, onde se constatam

    alguns problemas e obstculos ao desenvolvimento que precisavam ser superados;

    segundo Mantega (1985) e Souza (1999) aponta-se:

    (I) a falta de dinamismo das suas estruturas produtivas concentradas em alguns poucos produtos agrcolas ou primrios que no possuam nenhum valor agregado; e disto resulta (II) a dependncia comercial, pois estes produtos eram cotados nos mercados compradores (economias centrais) e no nos fornecedores (periferia), e a dependncia tecnolgica visto que era preciso importar mquinas, equipamentos e outros insumos industriais essenciais; (III) a inexistncia de um mercado interno entre as economias perifricas e da a dependncia financeira em relao ao volume de importaes dos pases centrais; (IV) a estrutura agrria fortemente caracterizada pela concentrao fundiria e pelo modo de produo de subsistncia; (V) a falta de uma infra-estrutura de transporte e de comercializao eficientes que pudessem articular e potencializar os fluxos econmicos; e

  • (VI) o excessivo crescimento demogrfico no meio rural que resultou num aumento de pobreza generalizado, no deslocamento de crescentes contingentes populacionais em direo aos centro urbanos perifricos e, por conseguinte, no aumento do desemprego e dos gastos sociais dos governos.

    Diante deste quadro, o pensamento cepalino preconiza como mecanismo para

    desenvolver os pases latino-americanos, ou para acelerar o incipiente

    desenvolvimento existente, uma poltica de industrializao por substituio de

    importaes, sobretudo daqueles bens que mais sacrificassem as economias latino-

    americanas. A Tabela 3 traz as estratgias de Prebisch para o desenvolvimento da

    Amrica Latina. Estratgias estas que serviriam de base ao pensamento econmico

    brasileiro para a constituio do seu modelo de desenvolvimento a partir dos anos

    de 1950 com o Instituto Superior de Estudos Brasileiros - ISEB.

    Tabela 3 - Estratgias de Prebisch para o desenvolvimento da Amrica Latina

    Compresso do consumo suprfluo, principalmente de produtos importados, por meio do estabelecimento de tarifas elevadas e de restries quantitativas s importaes; Incentivo ao ingresso de capitais externos, principalmente na forma de emprstimos de governo a governo, a fim de aumentar os investimentos, sobretudo para a implantao da infra-estrutura bsica; Realizao de reforma agrria, para aumentar a oferta de alimentos e matrias-primas agrcolas, bem como a demanda de produtos industriais, mediante expanso do mercado interno; Maior participao do Estado na captao de recursos e na implantao de infra-estrutura, como energia, transportes, comunicaes etc.

    Fonte: Souza, 1999

    certo que ambos contriburam para a construo tanto do modelo de substituio

    de importaes como tambm do paradigma nacional-desenvolvimentista. Mas se a

    CEPAL foi responsvel pela elaborao de um diagnstico, no qual o

    subdesenvolvimento dos pases da Amrica Latina estava intimamente ligado a sua

    estrutura interna, e de um prognstico, pautado na industrializao, reforma agrria,

  • desenvolvimento do mercado interno e no planejamento econmico estatal, o ISEB

    foi o organismo responsvel pela nacionalizao de parte deste pensamento

    cepalino tendo em vista superar o passado colonial e desenvolver o Brasil

    (SPINOLA, 2003).

    Singer, como j citado, tambm corrobora na teoria da deteriorao dos termos de

    troca entre as economias centrais e perifricas. Entretanto, este autor ressalta a

    importncia das relaes de comrcio internacional para os pases latino-americanos

    defendendo, ento, uma postura mais estratgica para os dividendos assim obtidos:

    eles devem ser investidos na compra de mquinas e equipamentos industriais, da

    mesma forma que no setor de infra-estrutura. E mais, visto que a taxa de poupana

    interna na regio baixa ele preconiza que os pases em desenvolvimento

    deveriam atrair os lucros gerados nos pases desenvolvidos, na forma de

    investimentos diretos (SOUZA, 1999, p.205).

    Conforme esta concepo, uma poltica de industrializao deve estar baseada em

    investimentos em educao e qualificao de mo-de-obra, em investimentos em

    infra-estruturas que propiciassem o incremento das atividades econmicas e na

    disponibilizao de recursos estrangeiros para a importao de bens necessrios a

    um processo de desenvolvimento econmico.

    Apesar da riqueza da contribuio da CEPAL para as discusses sobre o

    desenvolvimento econmico na Amrica Latina, Mantega (1985, p. 42) aponta uma

    falha que foi de suma importncia para que a realidade socioeconmica desta regio

    permanecesse sem maiores modificaes.

  • A essa altura [final dos anos 1950] ficava claro que a CEPAL deixara de analisar com maior profundidade a natureza das relaes de classe do modo de produo capitalista que ela prpria receitara para a Amrica Latina. E a revela-se a pouca ateno que vinha dedicando aos aspectos sociais e polticos das transformaes em marcha neste continente, preocupando-se quase que exclusivamente com os seus aspectos econmicos.

    Faltou, ento, o pensamento cepalino estabelecer de que forma o produto social

    advindo do processo de industrializao, dos aumentos de produtividade e da

    utilizao de novas tcnicas e tecnologias seria redistribudo no conjunto da

    populao para que esta alcanasse melhorias objetivas das condies de vida.

    1.4.1. O pensamento de Celso Furtado

    No Brasil, os seguintes autores compartilhavam, em maior ou menor grau, do

    pensamento cepalino, entre eles esto Celso Furtado, Maria da Conceio Tavares,

    Fernando H. Cardoso, Carlos Lessa, Barros de Castro e Jos Serra (MANTEGA,

    1985). Dentre estes, pode-se apontar Celso Furtado como principal representante do

    pensamento cepalino no Brasil, visto que tendo sido um dos diretores da CEPAL e

    trabalhado com Prebisch acabou por incorporar o modelo de desenvolvimento

    preconizado por esta instituio nos seus diversos trabalhos profissionais

    envolvendo a questo do planejamento para o desenvolvimento no setor pblico

    brasileiro, dos quais o Plano de Metas do governo Kubitschek, o relatrio do GTDN2

    e a sua atuao na SUDENE como superintendente so emblemticos.

    A partir dos anos 1950, quando os debates a respeito de como o Brasil e seus

    vizinhos deveriam proceder para que um processo de desenvolvimento econmico

    2 Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste.

  • fosse iniciado, Furtado apresenta, ao longo dos seus trabalhos, a sua viso de

    desenvolvimento econmico.

    Este autor, que fez parte da dita corrente nacional-desenvolvimentista (Souza,

    1999), tambm era tributrio da doutrina que estabelecia a industrializao, via

    substituio de importaes, como chave para o desenvolvimento latino-americano,

    no obstante, j em 1990, tenha elencado algumas falhas na maneira como esta

    estratgia foi implementada pelos governos locais.

    O seu vis nacionalista reside na concepo de um modelo de desenvolvimento no

    qual esta industrializao deveria ser planejada e coordenada pelo Estado nacional

    atravs da formulao e implementao de projetos prioritrios - nos setores de

    minerao, petrleo, energia, transportes, telecomunicaes e indstrias de base -

    que contariam com a participao de empresas estatais criadas para estas

    finalidades. E caso o capital nacional no fosse suficiente para financiar esta poltica

    de governo, vide a baixa taxa de poupana interna, capitais estrangeiros deveriam

    ser incorporados, mas no recorrendo aos organismos de financiamento

    internacionais e sim a outros governos (SOUZA,1999).

    A partir da teorizao Centro-Periferia proposta por Prebisch, Furtado oferece uma

    importante contribuio analtica quando nos seus estudos realiza uma separao

    entre as teorias do desenvolvimento e o conceito de subdesenvolvimento.

    As teorias do desenvolvimento so esquemas explicativos dos processos sociais em que a assimilao de novas tcnicas e o conseqente aumento de produtividade conduzem a melhoria do bem-estar de uma populao com crescente homogeneizao social. (FURTADO, 1990, p. 6)

  • A teoria do subdesenvolvimento cuida do caso especial de processos sociais em que aumentos de produtividade e assimilao de novas tcnicas no conduzem homogeneizao social, ainda que causem a elevao do nvel de vida mdio da populao. (FURTADO, 1990, p. 7)

    Tendo em mente a realidade latino-americana, e a brasileira em especial, entende-

    se a importncia que este autor atribui aos aumentos de produtividade em uma dada

    economia e questo da utilizao de um progresso tcnico. Assim, para Furtado,

    em pases que possuem uma baixa produtividade um processo de desenvolvimento

    comea quando, utilizando-se de novas tcnicas, incrementos no sistema econmico

    como um todo tem incio, e no apenas para um setor especfico ou subconjunto

    econmico o que seria to somente um crescimento econmico (FURTADO, 1983).

    Esta maior produtividade tende a modificar a prpria estrutura produtiva deste pas

    via aumento da renda dos indivduos, sobretudo em economias agrcolas, o que

    tende a causar uma diversificao da procura por mercadorias outros tipos de

    alimentos e manufaturados. Da que novos investimentos so realizados no sentido

    de atender a esta nova demanda dando origem, ento, a um novo aumento na

    produtividade, na renda, na procura por mais produtos, na diversificao da oferta e

    assim sucessivamente.

    Esta rpida sntese de um processo de desenvolvimento econmico elaborado por

    Furtado base que ele aplicou para distinguir as economias desenvolvidas das

    subdesenvolvidas. E o principal aspecto histrico desta distino foi a predominncia

    da simples importao de novas tcnicas/tecnologias de produo pelos pases

    latino-americanos quando da adoo da industrializao para substituir importaes,

    que o autor denominou de modernizao e acarretou uma maior concentrao de

  • renda nas mos das elites agrcolas e da recm formada burguesia industrial. E isto

    em detrimento da opo pelos investimentos em educao e capacitao

    profissional para que assim fosse conseguida uma autonomia tecnolgica, vide os

    casos da Coria do Sul e Taiwan (FURTADO, 1983).

    No por acaso Furtado afirmava que o subdesenvolvimento uma variante do

    desenvolvimento. A constatao de que o processo de modernizao levado a termo

    pelos governos locais no se traduziu no esperado progresso tecnolgico das suas

    estruturas econmicas, seja por no ter gerado aumento de produtividade

    significativo seja por no ter gerado a quantidade e qualidade de empregos

    necessrios dinamizao das suas economias, deve contribuir para que outras

    estratgias tipo homogeneizao social da populao e busca de uma autonomia

    tecnolgica - sejam tomadas como boas prticas para o desencadeamento de um

    processo de desenvolvimento econmico.

    1.4.2. O pensamento em torno da teoria da dependncia

    Analisando o pensamento cepalino e os seus desdobramentos Cardoso e Falleto

    (1969) oferecem uma crtica a este modelo de desenvolvimento, pois para ele os

    processos de transformao econmica possuem uma natureza eminentemente

    poltica, dimenso esta que no esteve presente nos estudos da CEPAL para a

    Amrica Latina.

    Estes autores acreditam que se tenha formado uma verdadeira crena entre os

    economistas da regio visto que para eles o desenvolvimento dependeria da

  • capacidade de cada pas para tomar as decises de poltica econmica que a

    situao requeresse (CARDOSO; FALLETO, 1969, p.11), isto quer dizer que se

    acreditava num modelo de desenvolvimento predominantemente nacional no qual o

    mercado interno, e no o externo, ditasse o ritmo deste processo de

    desenvolvimento.

    Exacerbando a importncia do mercado interno para consumo de produtos

    industriais, da base industrial formada por indstrias leves de consumo e de alguns

    bens de exportao e do grande volume de recursos obtidos com a exportao de

    produtos primrios, aqueles economistas passaram a preconizar que o

    desenvolvimento da Amrica Latina se daria atravs da adoo de uma poltica

    econmica baseada em duas caractersticas - na melhoria contnua da tecnologia

    empregada nas atividades econmicas locais, ou seja, num progresso tcnico

    absorvido dos pases centrais; e na atuao direta do Estado no provimento de toda

    uma infra-estrutura necessria a acumulao capitalista local.

    Diante da constatao de que, ainda nos final dos anos 1950 e no decorrer dos anos

    1960, o processo de desenvolvimento dos pases latino-americanos no havia se

    consolidado, apesar das condies ditas favorveis, Cardoso e Falleto questionam o

    que teria dado errado para o sucesso destas economias.

    Ele aponta alguns fatores para este insucesso, entre eles: o tipo de tecnologia

    adotado na etapa de substituio de importaes que empregava pouca mo-de-

    obra; a forte desigualdade na distribuio de renda oriunda desta etapa; a

    participao crescente de capitais estrangeiros nas economias nacionais, o que

  • chamou de internacionalizao do mercado interno; e, sobretudo, a condio

    desfavorvel, em termos da comercializao de produtos tipo exportao, que o

    mercado mundial passou a oferecer s economias latino-americanas aps a Guerra

    da Coria.

    Cardoso e Falleto chegam mesmo a no reconhecer a questo do desenvolvimento

    dos pases latino-americanos nos termos das relaes de Centro-Periferia e da

    teoria do subdesenvolvimento decorrentes dos estudos de Prebisch e Furtado. Ou

    seja, para esses autores no podem existir pases perifricos ou subdesenvolvidos,

    pois esta teorizao coloca num mesmo patamar de anlise naes e economias

    que se formaram ao longo de um processo histrico bastante diferenciado do

    processo de formao das naes e economias latino-americanas.

    De forma conclusiva, Cardoso e Falleto acreditam que somente a anlise das

    condies econmicas objetivas dos pases latino-americanos foi um esforo

    necessrio, mas no suficiente para a transformao daquelas realidades. , pois,

    atravs do entendimento do jogo de poder (1969, p. 142), isto , da dimenso

    poltica subjacente s relaes de dependncia e de dominao externa entre as

    economias dependentes (em desenvolvimento) e as economias desenvolvidas ou

    dominantes, incluindo a os interesses polticos e econmicos das elites nacionais,

    que ocorrer a superao do quadro estrutural da dependncia.

  • 1.5. DESENVOLVIMENTO NO BRASIL E A SUDENE

    Tendo sido o processo de formao do estado brasileiro causador de realidades

    regionais to dspares houve uma convergncia intelectual - a partir do momento no

    qual a doutrina liberal, que tanto contribuiu para o ocaso do colonialismo e da

    economia escravocrata, se mostrou insuficiente para promover o desenvolvimento

    da jovem repblica brasileira - de que o Estado deveria tomar para si esta tarefa.

    Segundo Costa (2000), a formao e independncia do Estado-Nacional brasileiro

    decorreram de um amplo processo de transformaes que incluiu movimentos

    econmicos, polticos e culturais ao longo da sua colonizao. E no desenrolar

    destes movimentos que se assiste ao nascimento da questo do

    subdesenvolvimento nordestino.

    De fato diversos fatores fizeram com que houvesse o deslocamento do eixo

    econmico brasileiro, ainda sob o domnio de Portugal, do Nordeste em direo ao

    Centro-Sul. Entre eles destaca-se o declnio da economia aucareira desde o final

    do sculo XVII, o estabelecimento da atividade mineradora na regio de Minas

    Gerais, a transferncia da sede do poder central de Salvador para o Rio de Janeiro

    em 1763, e, j no Brasil Imprio, o crescimento da economia cafeeira nos estados do

    Centro-Sul, sobretudo So Paulo, levando esta regio em geral e este estado em

    particular vanguarda do processo de industrializao brasileira.

    Em razo de sua dimenso territorial, de sua formao econmica fundamentada em distintos produtos e ciclos de exportao, a partir dos quais foram criados espaos econmicos ou regies com diferentes relaes de produo e dinamismo, o Brasil constitui um pas privilegiado para o estudo do desenvolvimento desigual do

  • capitalismo. Formado por arquiplagos regionais, assiste-se, nos ltimos cem anos, a um processo intenso de formao do mercado interno nacional, de integrao econmica das regies, com distintos graus de desenvolvimento, e de constituio de uma estrutura produtiva complexa e hierarquizada. (CANO, GUIMARES NETO; 1986, p. 167).

    Mas somente no bojo da Revoluo de 1930, que marca a ascenso ao poder

    poltico da recm formada burguesia industrial brasileira em relao elite agrcola,

    o que afeta o Nordeste, e da necessidade de se empreender um planejamento que

    pudesse conter os efeitos da Crise de 1929 que o Estado comea a intervir

    diretamente na economia brasileira, seja controlando a oferta de caf ou

    desvalorizando/controlando o cmbio. Mediante o volume de capital acumulado com

    exportaes de produtos primrios nos anos 1920 (ps-Primeira Guerra) e as

    dificuldades de importaes do mercado internacional em crise nos anos 1930

    comea a se intensificar a acumulao de capital em So Paulo fazendo que este

    estado passasse a exercer a importante funo de abastecimento do mercado

    interno (CANO, GUIMARES NETO; 1986).

    No por acaso tambm a partir deste momento que o Estado comea a ser

    pressionado por grupos de interesses a respeito de seu papel na economia, vide a

    polmica travada entre os ideais liberalistas de Eugenio Gudin, que representava as

    oligarquias agro-exportadoras e a burguesia comercial a ela associada, e os ideais

    intervencionistas de Roberto Simonsen que representava a burguesia industrial

    emergente (MANTEGA, 1985),

    desta conjuntura poltico-econmica em diante, determinada pelos cenrios

    internacional e nacional, que a questo nordestina assume contornos mais

    acentuados no que diz respeito aos contrates econmicos e sociais desta regio

  • frente ao crescimento e desenvolvimento econmico experimentado pelos estados

    do Centro-Sul. Para que se tenha uma noo do abismo que se abriu entre estas

    regies basta dizer que na aurora da difuso do pensamento cepalino, ou seja em

    1949, o valor de transformao industrial do Nordeste correspondia a 9,12% do total

    nacional enquanto o do Sudeste equivalia a 76,48% (CANO, GUIMARES NETO;

    1986).

    Nesse sentido, Spinola (2003) explana e argumenta acerca da questo do

    planejamento no Brasil dando nfase ao debate e atuao do governo federal

    frente ao problema do subdesenvolvimento nordestino, at o momento histrico no

    qual esta atuao sucumbiu perante a utilizao de um novo paradigma pelos

    governos em geral, sobretudo os ocidentais, o pensamento neoliberal.

    Fazendo uma recuperao histrica da experincia brasileira em planejamento,

    Spinola (2003) procura