um relato pessoal: como a biodanza estimula a integração da identidade | cristiane ferraiuoli e...

82
U U m m r r e e l l a a t t o o p p e e s s s s o o a a l l : : c c o o m m o o a a B B i i o o d d a a n n z z a a e e s s t t i i m m u u l l a a a a i i n n t t e e g g r r a a ç ç ã ã o o d d a a i i d d e e n n t t i i d d a a d d e e . . - Monografia de Biodanza - C C r r i i s s t t i i a a n n e e F F e e r r r r a a i i u u o o l l i i & & T T e e r r e e z z a a S S e e r r v v a a

Upload: escola-de-biodanza-rio-de-janeiro

Post on 08-Aug-2015

306 views

Category:

Presentations & Public Speaking


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

UUmm rreellaattoo ppeessssooaall::

ccoommoo aa BBiiooddaannzzaa

eessttiimmuullaa aa

iinntteeggrraaççããoo ddaa

iiddeennttiiddaaddee..

- Monografia de Biodanza -

CCCrrriiissstttiiiaaannneee FFFeeerrrrrraaaiiiuuuooollliii &&& TTTeeerrreeezzzaaa SSSeeerrrvvvaaa

Page 2: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

2

ÍNDICE

Porquê escolhemos o tema ............................................ 4 Introdução ........................................................................ 5 Capítulo 1. Complementamos nossas experiências de Concepção e Nascimento com as definições de Ecofatores, Protovivências e Potencial Genético ................................. 6 Capítulo 2. Definimos Biodanza e tecemos comentários, com base em nossas vivências pessoais, da seguinte questão: como a Biodanza nos deu novas referências de vida, promovendo vivências criativas e transformadoras ............................ 24

Capítulo 3. Introduzimos os conceitos de Identidade e Integração e tecemos comentários, com base em nossa experiência profissional, da seguinte questão: como a Biodanza facilita a Integração da Identidade e abre novos horizontes no exercício da nossa profissão ........................................ 52 Capítulo 4. A Parceria no trabalho de Facilitadoras de Biodanza .... 71 Conclusão .................................................... 80 Bibliografia citada ..................................................... 82

Page 3: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

3

AAggrraaddeecciimmeennttooss

CCrriissttiiaannee: A meu grande amor e companheiro Rogério pelo seu companheirismo, sabedoria, paciência e estímulo à realização deste trabalho. Ao Criador da Biodanza, Rolando Toro, que nos brindou com a vida. A meu querido Orientador e Facilitador Antônio Sarpe, mestre dedicado, carinhoso e determinado que muito tem me estimulado com sua sabedoria e determinação. A amada Maria Adela que sempre me estimulou a acreditar no meu potencial. A meus queridos pais e irmãos pelo seu companheirismo e carinho constante. A amiga e mestra Sandra Regina pelo seu acolhimento e sabedoria. A mestra Iracema Teixeira que tem me auxiliado a trilhar meus caminhos com sabedoria e determinação. A minha parceira Tereza pelo seu acolhimento e sabedoria. Aos nossos queridos alunos com quem tenho aprendido tanto desde que comecei a dar aulas. Aos colegas do Grupo III (Formação), aos companheiros do Grupo Regular e a todos os amigos que tem me acompanhado nesta vida maravilhosa!!

TTeerreezzaa:: Aos meus pais, por serem terrenos férteis e me darem a vida. A Maria Adela que com afetividade ensinou-me que quanto mais profundo finco os pés na terra, maiores e mais plenos serão os meus vôos. A Antônio Sarpe que na sua orientação me ajudou a descobrir a poética e uma nova concepção da minha estória. A minha irmã Petilda, estrela guia na estrada da minha existência. Aos meus filhos por navegarem comigo por mares bravios e calmarias, na longa viagem da minha vida. A minha prima Vera, por assumir com todo seu amor a minha filha Vida, no período da minha Formação. A minha tia Elza, por proporcionar momentos preciosos na minha vida. A Cristiane, minha parceira, e Rogério que com carinho, cumplicidade e nutrição regaram os nossos encontros. As amigas Rosana, Vanja e Dejane pelo carinho com minha filha Vida e pelos incentivos que me deram para a conclusão deste trabalho. Aos companheiros de Formação e Grupo Regular, pelo convívio na experiência do maravilhoso. A Rolando Toro, por brindar a vida e nos presentear com sua genialidade. Aos nossos alunos por brindarem as nossas aulas com suas presenças, nos autorizando a colocar em prática os frutos do nosso aprendizado.

Page 4: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

4

Porquê escolhemos o tema

O que nos motivou a escrever sobre a Integração da Identidade foi a nossa vivência pessoal e, consequentemente, a consciência da importância e influência da Biodanza no nosso crescimento. A Biodanza ecoa dentro de nós numa época que, inexoravelmente, se deixa tomar por um esquecimento sistemático daquilo que é mais característico no homem: a sua humanidade. Somos seres relacionais, a nossa essência é gregária. A Biodanza retomou e reforçou o nosso instinto, a nossa necessidade de contato, de vínculo, e, com isso, ela tem fortalecido e facilitado a expressão da nossa identidade. Ressaltamos e destacamos a importância da relação por percebermos aí um dos instrumentos fundamentais da Biodanza: o mundo da relação. Segundo o pensador alemão Martin Buber1, “Toda vida atual é encontro. O Eu se realiza na relação com o Tu; é tornando Eu que digo Tu”. A Biodanza que, através da sua metodologia trabalha a relação Eu-Tu, tem nos possibilitado o crescimento enquanto seres humanos-relacionais e, dia a dia, vem nos auxiliando a desabrochar como Facilitadoras.

1 Martin Buber, “Eu e Tu”

Page 5: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

5

Introdução

Neste trabalho somos objeto do nosso próprio estudo. Antes de ser uma exposição, ele é uma revelação da nossa trajetória existencial à luz da teoria da Biodanza. Nesta monografia relatamos como duas pessoas de origem e formação profissional distintas se apropriam destas diferenças como elemento favorável para a integração das suas identidades e se unem para realizar um trabalho em conjunto. No primeiro capítulo relatamos as nossas experiências de Concepção e Nascimento, à luz dos conceitos de Protovivência, Ecofatores e Potencial Genético. A Identidade se manifesta no momento da concepção. No segundo capítulo definimos Biodanza e tecemos comentários com base em nossas vivências pessoais, da seguinte questão: Como a Biodanza nos deu novas referências de vida, promovendo vivências criativas e transformadoras. No terceiro capítulo apresentamos os conceitos de Identidade e Integração e tecemos comentários com base na nossa experiência profissional, da seguinte questão: Como a Biodanza facilita a Integração da Identidade e abre novos horizontes no exercício da nossa profissão. No quarto capítulo falamos sobre a parceria no trabalho de Facilitadoras de Biodanza. Relatamos o nosso crescimento, dificuldades superadas, afinidades, o vínculo que se fortaleceu ao longo da nossa parceria e comentamos sobre o grupo que facilitamos. Contando a nossa história, revelamos o nosso profundo amor pela vida. Um amor que desabrochou de forma intensa, após o momento em que a Biodanza tornou-se parte das nossas vidas.

Page 6: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

6

Capítulo 1

- Onde complementamos as nossas experiências de Concepção e Nascimento com as definições de Ecofatores, Protovivências e

Potencial Genético -

Page 7: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

7

Capítulo 1

- Onde complementamos as nossas experiências de

Concepção e Nascimento com as definições de Potencial Genético, Ecofatores e Protovivências -

1.1) A HISTÓRIA DE CRISTIANE

- A autora inicia a sua estória, introduz os conceitos de Potencial Genético, Ecofatores e tece comentários sobre sua

estória, à luz deste conceito -

Nasci numa cidade pequena, Campos, estado do Rio de Janeiro, em 15 de agosto de 1964. O ambiente familiar onde nasci era de muita preocupação e tensão. Meu pai e minha mãe eram de origem humilde. Meu pai trabalhava muito, chegava em casa por volta das 23:00hs. Minha mãe ficava muito só em casa cuidando do meu pequeno irmão e da casa. Minha mãe sentia-se muito carente e com isso não pode curtir o nascimento dos filhos. Ela comenta que época de nascimento na nossa casa era sempre de muita preocupação. Meus pais tiveram quatro filhos – eu fui a segunda filha. Durante o dia, minha mãe ficava em casa sozinha e à noite ela ia para a casa dos meus avós, seus pais. Meus avós moravam na rua da nossa casa.

Page 8: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

8

O clima na casa do meu avô também não era fácil. Meu avô tinha o temperamento muito difícil, humores oscilantes, sempre bravo, e minha avó sempre contornando a situação, segurando as pontas. Assim, minha mãe ia para a casa dos seus pais para não ficar só em casa, para aprender com sua mãe como cuidar de um bebê, mas lá a situação também era tensa, desagradável. Minha mãe se sentia muito inexperiente nos cuidados com um bebê. Não sabia como fazê-lo, também por isso queria a presença do meu pai para ajudá-la, mas ele chegava em casa tarde, sempre cansado. Quando ela pedia sua ajuda, lhe falava das suas carências, ele não a entendia e era grosseiro com ela. O primeiro filho foi Luís, meu irmão mais velho. Quando Luís tinha apenas quatro meses de vida minha mãe soube, pelo seu médico, que estava grávida – eu estava a caminho. A notícia da gravidez lhe deixou muito assustada. Nos primeiros dois meses ela teve dificuldade em aceitar a gravidez. Passou muito mal, teve muito enjôo. Passado os dois primeiros meses ela se acalmou e aceitou a idéia, sentia-se bem melhor. O restante da sua gravidez foi tranqüila.

Page 9: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

9

Não nasci num ambiente tranqüilo. Naquela época minha mãe estava insegura, muito sozinha, tinha pouca experiência com bebês e não pode contar com o apoio do meu pai, seu companheiro. Meu pai trabalhava muito, queria nos dar conforto, segurança, por isso os momentos que passava em casa eram poucos. Com isso, com pouco tempo de casada minha mãe viu frustadas seus ideais do casamento: companheirismo, diálogos, etc.

O entorno familiar é importante para o crescimento e desenvolvimento do bebê. Mas também importante e fundamental para o desenvolvimento do bebê é o potencial que ele herda geneticamente, o potencial que ele traz para este mundo quando nasce - o que Rolando chama de Potencial Genético (vide definição abaixo).

- POTENCIAL GENÉTICO - A Biodanza centra sua atenção na origem genética dos potenciais humanos. Todo ser vivo cresce e se desenvolve a partir de certos potenciais herdados geneticamente. Cada célula contém em seu núcleo o ADN com toda informação biológica para o desenvolvimento pleno do indivíduo, informação esta que vai se expressando através da trama das linhas de vivência (descritas no capítulo 2, página 31).

Page 10: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

10

A expressão do potencial genético depende dos Ecofatores (vide definição abaixo). Grande parte do nosso potencial, por carência de estímulos suficientes ou por repressão, perde sua “potência”, o que não significa que não serão desenvolvidos. Se forem estimulados com os necessários ecofatores positivos, de maneira sistemática e de forma recorrente (vivências de Biodanza) podem mudar a vida do indivíduo. A Biodanza estimula especificamente a expressão dos potenciais genéticos destinados a conservar a vida. Defino agora o que Rolando chama de Ecofatores. De posse deste conceito o leitor compreenderá a influência do ambiente familiar no desenvolvimento do bebê e poderá entender como o meu ambiente familiar influenciou no meu desenvolvimento.

- ECOFATORES -

O desenvolvimento evolutivo de cada indivíduo acontece, à medida que seus potenciais genéticos encontram oportunidade para se expressar através da existência. Os fatores ambientais que determinam a expressão do potencial genético se denominam ecofatores, que podem ser positivos, se favorecem o desenvolvimento pleno da pessoa, ou negativos, se reprimem.

Vivemos numa cultura repressiva que nos bombardeia com todo tipo de mandatos. Vivi, ao longo da minha infância e adolescência, muitos destes mandatos: “Não te movas, fique quieta”, “Não se toque, não me toque, não seja promíscua”, “Não seja curiosa, não invente, não pergunte, siga as normas”, “Não busque refúgio, não confie em ninguém, seja dura e independente”, “Não vá mais além, não se deslumbre com os mistérios da vida, a vida é um grande mecanismo e o que não sabemos agora, saberemos mais tarde.”

Page 11: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

11

Racionalizar ou analisar a incoerência destes argumentos não basta, eles já estão dentro de nós, já os incorporamos, estão no nosso sistema nervoso. A única maneira de mudá-los é gerando vivências opostas que também atuem a nível neurológico, produzindo uma verdadeira renovação orgânica para, posteriormente, modificar a consciência. Os exercícios de Biodanza são estas vivências que, de maneira sistemática e programada, atuam como poderosos ecofatores positivos. Uma aula de Biodanza é um bombardeio de ecofatores positivos que tem o objetivo de preencher as lacunas de amor, carinho, vitalidade, expressividade que ficaram dentro de cada indivíduo, ao longo de suas vidas, e que pouco a pouco são preenchidas em cada aula de Biodanza.

- A autora continua sua história, introduz o conceito de Protovivências e tece comentários sobre sua história, à luz

destes conceitos -

Nasci de parto normal, um parto tranqüilo, fácil. Conta minha mãe que eu era um bebê bonito, ia no colo de todos, quase não dava trabalho. Quase não adoecia e minhas visitas ao pediatra eram destinadas aos controles normais para a saúde de um bebê. Com um ano de idade eu me recolhi. Não queria mais ir no colo de estranhos, nem de parentes e amigos dos meus pais. Meu pai tinha uma família muito grande, eram 5 irmãos, todos com muitos filhos, as festas na nossa família eram freqüentes.

Page 12: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

12

Eu só queria ficar no colo da minha mãe ou do meu pai, quando alguém estranho me apanhava no colo eu chorava muito e só parava quando voltava ao colo da minha mãe; minha mãe dizia: “você parecia um bicho do mato”.

Os ecofatores são estímulos positivos ou negativos que influenciam no crescimento evolutivo do bebê. As protovivências também são fatores determinantes no desenvolvimento do bebê. Veja, a seguir, como Rolando define tal conceito:

- PROTOVIVÊNCIAS - Durante os primeiros meses de vida o bebê desenvolve neurologicamente padrões de resposta vivencial. Parece que a vivência fundamental é a “vivência oceânica”, descrita por Freud e posteriormente por Jung, de estar solto em uma totalidade sem limites. As protovivências são as experiências cenestésicas do bebê nos seus primeiros seis meses de vida. O bebê, durante seu desenvolvimento inicial, entra em um duplo processo: Cognitivo e vivencial. Cognitivo: Se estrutura, segundo Piaget, a aprendizagem de

tamanho, peso, quantidade, etc. Vivencial: Paralelo a aprendizagem conceitual, se dá o

desenvolvimento vivencial que ainda não foi estudado. O estudo genético das vivências foi iniciado por Rolando Toro com a descrição das Protovivências:

Page 13: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

13

Protovivência de Vitalidade: O Movimento O desenvolvimento do impulso vital se produz quando os pais permitem ao bebê seus movimentos espontâneos, seus jogos e sua autonomia. Protovivência de Sexualidade: O Contato Os pais devem compreender que os bebês tem sexualidade e necessitam de contato, beijos e carícias. Quando o bebê é acariciado, ele pode desenvolver sua sexualidade de forma plena. Protovivências de Criatividade: Expressão e Curiosidade O bebê começa a fazer ruídos, pequenos murmúrios, gritos onomatopéicos, onde ele manifesta uma proto-linguaguem. Se a mãe está atenta, ela começa a entender o que ele quer expressar. Lentamente ele começa a desenvolver uma linguagem: o sim e o não, as queixas, o sorriso, o canto e o diálogo. A curiosidade é parte importante da protovivência de criatividade. Se o bebê nos primeiros tempos aprende a desenvolver sua expressividade, desenvolve sua criatividade. Protovivências de Afetividade: Nutrição O bebê bem alimentado sente o ato de nutrição como amor, recebe continente, segurança. Se é abandonado, experimenta uma série de transtornos que Spitz descreveu: marasmo, morte, sintomas que aparecem mesmo quando tem higiene e alimentação. As primeiras sensações de continente afetivo dão ao bebê segurança em si mesmo. Protovivências de Transcendência: Harmonia no Ambiente O bebê não deve ser maltratado. Certas pessoas o deixam nervoso, lhes tiram sua tranqüilidade. Os bebês devem crescer em um ambiente harmonioso e em contato com a natureza. As protovivências asseguram ao bebê um desenvolvimento saudável, um crescimento pleno nas suas funções. Quando o bebê tem estas protovivências, ele desenvolve plenamente o seu potencial genético e pode expressá-lo ao longo da sua vida, nas suas diferentes formas.

Page 14: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

14

- A autora termina o relato de sua concepção, nascimento e infância -

Minha mãe não tinha apoio do meu pai, se sentia sobrecarregada pelas tarefas domésticas (nossa casa era grande, tinha dois andares), sentia-se insegura para cuidar de mim. Seu amor, carinho, alegria e disponibilidade para cuidar de mim eram, por isso, também limitados. Quando eu nasci meu irmão tinha apenas um ano, necessitava também de muita atenção, carinho, cuidado ... O amor que minha mãe me deu foi o que lhe foi possível, num momento onde ela pouco se sentia amada pelo meu pai. Também limitada era sua motivação para brincar comigo, para me fazer carinho, para me transmitir amor. O ambiente em casa não era harmonioso, tranqüilo, calmo, por isso não cresci num clima harmonioso, mas preocupado e tenso. Meu pai, por sua vez, trabalhava dia e noite, quando chegava em casa eu já dormia profundo. Ele tomava banho, comia e dormia ... pouca atenção e carinho ele pode me dar. Recebi o carinho e atenção que meus pais puderam me dar, muito limitados pelas suas condições afetivas, existenciais, sociais e financeiras na época.

Page 15: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

15

Cresci carente de carícias, me sentindo pouco vital, reprimida na minha feminilidade, não era expressiva, comunicativa, pelo contrário, era recolhida, tímida, esperava que as pessoas viessem até mim, do contrário eu ficava quieta no meu canto.

No meu ambiente familiar, os ecofatores que recebi e as protovivências que vivenciei, deixaram lacunas muito grandes para que eu me desenvolvesse na plenitude do meu potencial, herdado geneticamente. Hoje, mais esclarecida e informada pelas teorias da Biodanza e pela leitura de outros autores, concordo com uma frase que ouvi durante a formação em Biodanza; frase esta já vivida e sentida por mim durante uma grande etapa de minha vida:

“ A história do homem é a história de sua repressão.”

Freud2 Minha história não foi apenas influenciada pelo meu núcleo familiar, a cultura onde vivo também me estimulou (e o continua fazendo) de forma positiva ou negativa.

“A desconexão dos homens da matriz

cósmica da vida tem gerado, através da

história, formas culturais destrutivas. A

dissociação corpo-alma e a repressão da

experiência paradisíaca têm conduzido a uma

profunda crise cultural em que vivemos.”

R. Toro Esta citação do Rolando ilustra o que vivenciei na minha infância: “ ... a repressão da experiência paradisíaca ...”. Anos mais tarde, quando conheci a Biodanza, tive a oportunidade de redescobrir a vida dentro e fora de mim.

2 Herber Marcuse, “Eros & Civilização”

Page 16: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

16

1.2) A HISTÓRIA DE TEREZA

“A única relação saudável entre as pessoas é

a relação afetiva, através da qual os

indivíduos têm a oportunidade não só de

conhecer a si mesmo, senão essencialmente

ser si mesmo.”

“Em Biodanza cada indivíduo participa do

processo de crescimento de forma ativa e ao

mesmo tempo contribui para o processo dos

demais.”

R. Toro

Inspirada nas palavras de Rolando Toro, desenvolvo este trabalho com base na minha história pessoal, onde relato grande parte do meu processo de crescimento.

Fui concebida em circunstâncias difíceis, quando o meu pai já manifestava sinais da esquizofrenia, doença que o levou a um hospital psiquiátrico durante 21 anos.

Segundo Rolando, cada indivíduo possui um potencial genético que constitui o conjunto de características únicas chamado Identidade. É no momento da fecundação quando se unem os gametas do pai e da mãe que se dá a identidade biológica, que se expressará através da vida (ontogênese).

Page 17: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

17

O potencial genético determina a estrutura orgânica e os comportamentos instintivos, dos quais derivam depois funções mais complexas e os grupos de potencial humano que a Biodanza estimula.

Minha mãe não aceitava a idéia do nascimento de mais uma filha e tentou o aborto durante os seis primeiros meses de gestação.

“A vivência fundamental da Identidade surge

com a sensação endógena de estar vivo. A

experiência primordial da Identidade é a

comovedora e intensa sensação de estar vivo,

gerando-se a si mesmo.”

R. Toro

Uma vida que pulsa dentro de um útero materno é rejeitada por outra vida, sua mãe, e desejada pelo pai na expectativa de ter um filho homem, já que a primeira filha era uma menina.

“Encontramos aí a vida acontecendo como

possibilidade singular, potencialidade muitas

vezes bloqueada, reprimida, negada mas

sempre presente.”

C. Rogers

Page 18: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

18

Minha história se inicia em um momento de grande tensão e de sentimentos contraditórios. Nasci de um parto fórceps. Não era homem como meu pai desejava e tinha um defeito na orelha. Segundo minha mãe, tal defeito não alterou o seu sentimento de amor. Sou a segunda filha do casamento. Minha mãe conta que quando me tomou no colo, quando nasci, sentiu o amor sair do seu coração e me envolver.

Minha mãe é uma pessoa de emoções intensas!

“Todo terreno que germina é fértil.”

Carlos Garcia2

Nasce uma poesia, fruto deste momento:

“Sementes da Vida

No sabor, do amor que ficou

sem saber, o porquê da razão, do viver,

do parir-se, para vir, no sorrir, no porvir e sentir

a si.” Tereza Serva

Todos comentam que fui um bebê muito lindo.

2 Carlos Garcia, “Biodanza, El Arte de Danzar la Vida”

Page 19: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

19

Durante a infância me recordo que não gostava de me pentear, o vestido estava sempre desabotoado e os laços desamarrados. Tinha os cabelos longos e despenteados, não gostava de usar meias, nem calçar sapatos. Cresci me sentindo diferente das outras pessoas e com o estigma da doença do meu pai.

“De nossa identidade brota a percepção do

diferente e a capacidade para identificar os

objetos. E na vivência de nós mesmos se

organiza nossa percepção. De nossa

identidade brotam os frutos da diversidade.”

R. Toro

Fui uma criança rebelde, minha mãe tentava me embonecar, mas eu não aceitava. Por mais que minha mãe falasse do amor que tinha por mim, e de ter me amamentado por dois anos, não a sentia próxima. Sentia-me segura do amor da minha avó, que me aceitava descabelada, chorona e insegura. Durante anos moramos com a minha avó e mais dois primos. Foi difícil quando nos separamos deles, principalmente pelo afastamento da minha avó. Fui crescendo e sentia-me solitária.

Page 20: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

20

Minha irmã era a preferida da minha mãe, elas eram muito companheiras. Quando íamos visitar meu pai no hospital, ele sentava-se no meio das duas. Eu ficava distante e invejava. Ansiava pelo dia do meu aniversário, pois era certa a visita do meu pai. Ele pensava que o aniversário era da minha irmã, mesmo assim, ano após ano, eu o aguardava e enquanto todos temiam a sua presença, eu ficava feliz. Amava a minha irmã e sentia-me amada quando ela me defendia das enfermeiras, no colégio, quando queriam me vacinar; quando ela me defendia dos colegas que me chamavam de “orelhinha”; quando ela me ajudou a vencer o meu complexo de inferioridade por não ter uma orelha. Eu a invejava por ser a predileta do meu pai e da minha mãe, por ser mais inteligente, por ser mais generosa, mais amiga de todos, por gostar de conforto e do que era bom. Conformava-me no lugar de rejeitada, esforçada, criadora de caso. Sentia-me solitária, estranha no ninho familiar. No Natal nos uníamos: eu, minha mãe e minha irmã, na dor da ausência do pai. Os sentimentos que nos unia eram contraditórios.

Vale ressaltar que vínculo afetivo não é só amor, são também vivências com sentimentos contraditórios. É tudo aquilo que nos afeta, raiva, ressentimentos, rejeição, amor, e que compõem o universo afetivo.

Page 21: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

21

Vivências dialéticas não implicam uma não-vinculação. Quando vivemos os nossos limites, impedimentos e potenciais, também fazemos um vínculo.

“ Perdas e Ganhos

Sou feliz, por não fingir, se dói eu grito,

se estou triste comunico, às vezes me escondo,

ainda é difícil. O outro não entende,

mas o que quero? Se me entendo basta!

Dividir é difícil, pois o que passo, o que vivo,

é só meu. Já existiu um alguém,

que me socorreu, até me entendeu,

só que este alguém partiu, me deixou,

longe do seu amor, para que eu vivesse a minha dor,

de viver, descobrir,

o meu ser.” Tereza Serva

Minha história não é só dores e tristezas. Minha Tia Elza me proporcionou uma infância dourada. No fim do ano passava minhas férias no Rio, tendo como vista permanente a Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar.

Page 22: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

22

Assim era nosso ano: ao longo dele muita luta e uma vida humilde, no fim do ano, como num passe de mágica, nos transportávamos para um mundo de conforto, mordomias, prazeres, alegria e beleza. Nos aguardavam passeios, lanches na Colombo, teatros, cinemas, parques de diversões. Culminando estas férias maravilhosas, passávamos parte dela em Guarapari.

Nessa dialética vivi a minha infância.

“O desenvolvimento evolutivo de cada

indivíduo acontece na medida em que os

potenciais genéticos encontram oportunidade

para expressar-se através da existência. Os

fatores ambientais que determinam a

expressão do potencial genético é

denominado ecofatores. Os ecofatores

podem ser positivos ou negativos, ou seja,

positivos quando facilitam e negativos quando

bloqueiam a expressão dos potenciais.”

A Biodanza gera, mediante exercícios e

danças no decorrer da sessão, campos

específicos muito concentrados para

estimular os potenciais genéticos. Uma

sessão de Biodanza é um bombardeio de

ecofatores positivos sobre a função

integradora–adaptativa–límbico–hipotalámica.

Page 23: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

23

A integração adaptativa é o processo em que

os potenciais genéticos, altamente

diferenciados, se expressam e se organizam

em sistemas mais complexos criando uma

rede de interações que potencializam a

Identidade.”

“ O fluxo destes potenciais serão

expressados ao longo da vida através das

cinco linhas de vivências: ”Vitalidade,

Sexualidade, Criatividade, Afetividade,

Transcendência.”

R. Toro

Os ecofatores negativos que envolveram a minha infância, não foram impeditivos da expressão da força e vida contida no meu potencial genético. Com a Biodanza meus potenciais foram estimulados, facilitando minha expressão no mundo.

Page 24: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

24

Capítulo 2

- Onde definimos Biodanza e tecemos comentários, com base em nossas vivências

pessoais, da seguinte questão: como a Biodanza nos deu novas referências de vida,

promovendo vivências criativas e transformadoras -

Page 25: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

25

Capítulo 2

- Onde definimos Biodanza e tecemos comentários,

com base em nossas vivências pessoais, da seguinte questão: como a Biodanza nos deu novas referências

de vida, promovendo vivências criativas e transformadoras -

Segundo Rolando Toro, Biodanza é:

“Um sistema de integração afetiva, renovação

orgânica e reaprendizagem das funções

originárias de vida, baseada na indução de

vivências integradoras através da música,

dança, canto e situações de encontro em

grupo.”

O objetivo principal da Biodanza é integração, integração numa cultura que é fonte permanente de dissociação. Um aspecto que está inserido neste objetivo principal é a integração do homem consigo mesmo. A integração do que sente com o que pensa e do que sente com o que faz, em outras palavras, integração da percepção, emoção e ação. Outra forma de integração é a integração com o semelhante. É a capacidade de perceber que a humanidade é algo conquistado, não recebido pronto ao nascer. Ser homem e ser humano são dois fenômenos diferentes. Um é o fenômeno biológico, o outro é o fenômeno afetivo. Sou homem, mas me faço humano na relação com o outro. Martin Buber3, pensador alemão, reforça este conceito quando relata:

3 Martin Buber, “Eu & Tu”

Page 26: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

26

“A nostalgia do humano, provocado por

situações de profunda crise no mundo dos

homens onde a controvérsia e cisões

imperavam, aliava-se a uma profunda

esperança no poder da relação, na força do

diálogo que faria do homem uma pessoa livre

e responsável diante de seu destino”. O homem se humaniza na relação com seu semelhante. E por último, a integração com a natureza, não apenas a natureza que nos cerca, que nos é familiar, mas também o cosmos, o universo. Aqui vivenciamos a possibilidade de nos sentir pertencentes e inseparáveis da totalidade. A característica fundamental do sistema Biodanza é ser um fator de integração, que favoreça a relação entre todos os planos da existência. É importante ressaltar que a integração se dá nos três aspectos, simultaneamente, quer dizer, consigo mesmo, com o outro e com o universo, de maneira recíproca. Temos a idéia de que “antes de nos integrarmos com o semelhante tenho que me integrar primeiro comigo mesmo”. A integração consigo mesmo e a integração com o outro são simultâneas. A integração consigo mesmo se dá no encontro com o outro. Martin Buber4 comenta:

“O homem se torna EU na relação com o TU.”

“ Toda vida atual é encontro.”

4 Martin Buber, “Eu e Tu”

Page 27: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

27

Rolando destaca:

“ Nossa proposta não consiste só em dançar,

senão em ativar, mediante a dança, potenciais

afetivos e de comunicação que nos conectem

com nós mesmos, com o semelhante e com a

natureza.” Rolando diz que é impossível mudar o mundo sem mudar a nós mesmos. Na Biodanza, a transformação não é uma mera reformulação de valores, senão uma verdadeira transculturação, uma reapredizagem a nível afetivo, uma modificação límbico-hipotalâmica. A Biodanza se propõe a restaurar nas pessoas, de forma intensa, a vinculação originária da espécie com a totalidade biológica. Esse ponto de partida é fundamental para a supervivência. A Biodanza tem sua inspiração nas origens mais primitivas da dança. Rolando esclarece que a dança, no seu sentido original, é um movimento vivencial, um movimento profundo que surge das entranhas do homem.

“ A dança é movimento de vida, é ritmo

biológico, ritmo do coração, da respiração,

impulso de vinculação com a espécie,

movimento de intimidade.” Rolando crê numa dança orgânica, que responda a padrões de movimento que originam vida.

“Somente se nossos movimentos restauram

seu sentido vinculante, poderemos renascer

do caos obsceno da nossa época.” Participamos assim de uma visão diferente. Buscamos acesso a um novo modo de viver despertando a nossa dormida sensibilidade.

Page 28: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

28

Na Biodanza, as danças e as cerimônias de encontro despertam vivências desconhecidas relacionadas ao êxtase e a felicidade. Rolando enfatiza que a humanidade tem que aspirar não somente o bem-estar, não só a elevação da qualidade de vida, mas também a felicidade.

“A felicidade é contagiosa. Uma pessoa feliz

pode influir na felicidade de muitas outras. A

felicidade é um processo de maturidade. Cada

pessoa pode desenvolver seus potenciais de

felicidade e alcançar estados cada vez mais

refinados e intensos.”

R. Toro

Page 29: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

29

2.1) A HISTÓRIA DE CRISTIANE

- A autora relata o momento da sua vida quando encontrou a Biodanza e tece comentários sobre seu

“renascimento” -

Tinha recém chegado ao Brasil em Novembro de 1994. Voltei a morar na minha antiga casa em Copacabana. Sentia-me em pedaços, meu casamento acabou, após 4 anos fora do Brasil me encontrava sozinha e sem trabalho, enfim, era um novo recomeço na minha vida. Desde minha infância e adolescência me sentia reprimida, meus movimentos eram bastante limitados, curtos, tímidos. Chamava atenção porque era bonita, meiga, gostava de agradar, mas preferia que não me notassem. Um mês após minha chegada ao Brasil já estava trabalhando. Tinha então condições financeiras para procurar ajuda. Internamente havia também uma enorme disponibilidade para a felicidade, um grande desejo me movia em direção à vida. Naquela época não sabia que estava deprimida, a maior parte do tempo me sentia cansada, dormia muito. Subestimava meu potencial. Minha sabedoria interior sempre me guiou até bons mestres. Em Janeiro de 1995 iniciei um tratamento homeopático com uma médica excepcional. Ela, por sua vez, me indicou uma excelente terapeuta, comecei a fazer terapia.

Page 30: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

30

Ainda me lembro, como se fosse hoje, quando durante uma consulta do tratamento homeopático eu disse para a médica (que depois se tornou uma grande amiga): “Eu quero me livrar dessas correntes que me prendem, que prendem meus movimentos, que me impedem de me expressar, expressar o que sinto, não agüento mais viver assim, presa, amarrada!”

Foi quando ela me indicou a Biodanza. Comecei então o grupo regular com a Maria Adela, em abril de 1995; aí começou meu renascimento, aí comecei a contactar a vida dentro de mim.

“A Biodanza é uma cerimônia de celebração

da vida.”

R. Toro

Quando ouvi esta frase pela primeira vez, durante uma explanação teórica numa sessão de Biodanza, não a compreendi bem, é claro, não sentia a vida dentro de mim, vivia “adormecida”.

Depois de ter definido a Biodanza, descrito sua base conceitual, relato o funcionamento de uma aula de Biodanza, para que o leitor compreenda como se deu a minha transformação, o meu renascimento, como pouco a pouco fui fazendo contato com a vida dentro de mim, de forma lenta, progressiva, como trabalha a Biodanza.

Page 31: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

31

Os exercícios de Biodanza estão destinados a deflagrar vivências. A indução freqüente de determinados tipos de vivência, reorganizam as respostas frente a vida. A ação reguladora dos exercícios não se exerce sobre o córtex cerebral, senão sobre a região límbico-hipotalâmica, centro regulador das emoções. Rolando classificou as vivências em 5 grandes conjuntos expressivos do potencial humano. Os exercícios estão selecionados para estimular a produção de vivências específicas, dentro destes 5 conjuntos de potencial: Vivências de Vitalidade - O desenvolvimento da linha da vitalidade se gera estimulando, mediante as danças, o sistema neurovegetativo (simpático-parassimpático), a homeostase (equilíbrio interno que se conserva apesar das mudanças externas), o instinto de conservação (luta e fuga), a energia para a ação e a resistência imunológica. Basicamente, os exercícios de vitalidade mobilizam o “inconsciente vital” que constitui o fundo endotímico, o humor e os estados de ânimo. Vivências de Sexualidade – As vivências estimulam os movimentos e sensações relacionadas ao erotismo, a identidade sexual e a capacidade orgástica. Estas vivências permitem o despertar das fontes do desejo e o relaxamento dos níveis de repressão sexual. Vivências de Criatividade – Estimulam os impulsos expressivos e de inovação, a capacidade de criar danças, a criatividade existencial e artística. Vivências de Afetividade – Cerimônias de encontro, rituais de vínculo e danças de solidariedade permitem uma reeducação afetiva e o acesso a amizade a ao amor.

Page 32: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

32

Vivências de Transcendência – As danças na natureza, os exercícios na água, as danças dos quatro elementos vinculam os participantes da Biodanza com a harmonia universal, despertam a atitude ecológica e o acesso à consciência cósmica. As cinco linhas de vivência se relacionam entre si e se potencializam reciprocamente. Quando iniciei a Biodanza me sentia carente em todas as 5 linhas acima. A sessão de Biodanza foi para mim um bombardeio de estímulos positivos, uma possibilidade de viver a experiência do maravilhoso, de viver a plenitude.

“O grupo de Biodanza se torna, de pronto, a

experiência do Maravilhoso, em que as

pessoas se encontram, se necessitam e

brindam com o outro o melhor de si mesmas.

Uma experiência encantadora de ternura, sob

o efeito deflagrador da música.”

R. Toro

Viver, mesmo que seja por duas horas (um grupo regular de Biodanza acontece 1 x por semana, com duração de 2 horas), esta realidade paradisíaca impulsiona a muitas pessoas fortes, enamoradas pela vida, a lutar para conquistar para nossa existência, ou de nossos filhos e netos, essa possibilidade de plenitude.

Page 33: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

33

Nas palavras abaixo, Antonio da Costa Ciampa5 reforça a importância do grupo, que caracteriza a Biodanza:

“Para atingir a maturidade é preciso mais que

apenas condições infra-estruturais. Como

animal simbólico, o bicho-humano sente

carência de sentido, de significado – e de

pertencer a um grupo que dê suporte e

encarne esse significado.”

O grupo de Biodanza é uma matriz de renascimento, é um biogerador, um centro gerador de vida.

Eu sempre fui uma pessoa muito só. Tinha dificuldades em me relacionar, tinha um baixa estima. Para mim foi importantíssimo trabalhar com um grupo, pertencer a um grupo, ainda mais um grupo com estes valores – um grupo que coloca a vida acima de tudo.

A Biodanza trabalha em cima do último fio de saúde do ser humano, trabalha em cima da parte sã do ser. Ela trata de reforçar os aspectos saudáveis e desenvolver as potencialidades através das cinco linhas de vivência.

5 Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e A História da Severina”

Page 34: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

34

O meu encantamento com a Biodanza foi imediato. Em cada aula eu reforçava a vida dentro de mim. Eu que me sentia sem vida, adormecida, me apaixonei imediatamente pela Sistema Biodanza. A sessão de Biodanza – uma cerimônia de celebração da vida - o grupo, caloroso, receptivo, composto por pessoas que, mesmo com características tão distintas, tinham o mesmo objetivo: necessidade de carinho, afeto, vida plena, amor, necessidade de um significado maior para suas vidas ... no início tudo parecia um sonho! Mas o trabalho era real, o grupo também, e eu agarrei tal oportunidade com unhas e dentes. Queria viver, viver com intensidade!!

“O ser humano que visceralmente se insere

numa comunidade humana é alguém, é

humano”.

A. Ciampa6 E foi assim que, progressivamente, fortalecida nas cincos linhas de vivência acima, revivendo a experiência paradisíaca no grupo, redescobrindo a vida dentro de mim, iniciei as primeiras mudanças na minha vida.

“Ser é ser metamorfoseada.

A metamorfose é expressão de vida.

O que Severina nos revela é quem ela é:

alguém se transformando permanentemente.

Severina adquire consciência disso e se

reconhece como ser humano.”

A. Ciampa7

6 Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e a História da Severina”

7 o mesmo livro citado acima.

Page 35: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

35

O leitor não deve esquecer que todo processo de transformação profunda é lento e progressivo. Em Biodanza, a assistência freqüente às aulas vai propiciar que, mais ou menos, após 2 anos de trabalho, se iniciem as primeiras mudanças no argumento de vida: “Moro onde gosto? “Tenho relações afetivas saudáveis? Meu trabalho me dá prazer?” E comigo não foi diferente, pouco a pouco fui reestruturando os 3 argumentos de vida mencionados acima. O local onde morava era aconchegante, bem decorado, mas a decoração não foi escolhida por mim, queria dar um toque meu. Assim, com autorização dos meus pais (proprietários do apartamento), contratei um pintor e pintei todo a apartamento. Tirei o branco das paredes e coloquei cores nelas. Joguei fora toda a decoração velha e deixei as peças que eu tinha comprado, que tinha a minha cara. Logo já me sentia verdadeiramente em casa, me sentia acolhida no local onde morava. Comecei a reestruturar as minha relações afetivas. Eu sempre fui boazinha, tinha a preocupação em agradar a todos, sempre simpática. Percebi então que eu não era só bondade, descobri que era normal sentir raiva, irritação e o trabalho da Biodanza me possibilitou expressar estes sentimentos tão distintos, e que compõe todo ser humano. Descobri que afeto é todo sentimento que nos afeta: amor, raiva, carinho, compreensão, inveja, etc. Descobri que, por mais que para mim fosse difícil aceitar todas as minhas nuances, elas existiam. E era a não aceitação destas nuances, a minha cristalização em partes que eu gostava, que me causava tanto sofrimento, tanta dor.

Page 36: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

36

A passagem abaixo de A. Ciampa8, onde ele fala da vida como uma composição de renúncia e libertação, ilustra bem a minha fala:

“Renúncia e libertação marcam a morte

progressiva de Severina: renúncia ao filho

propriedade; libertação para amar o filho-

amigo. Outras renúncias anteriores

libertaram também. Sua renúncia ao projeto

de vingança é exemplar: liberta-a para ser

uma jovem alegre e espontânea.

Severina morreu!

Viva Severina!”

As minhas relações sociais e familiares também foram reestruturadas por mim. Como parte do meu comportamento de “boazinha”, estava uma total passividade. Eu não sentia ou não conseguia perceber que cabia a mim o rumo da minha vida. Como um rio sem rumo, era sempre levada pelas marés da vida... Foi quando percebi que a vida era minha e só a mim cabia dar rumo nela. Progressivamente, passei a ser autora da minha própria vida. Antônio Ciampa9 ilustra minha fala com os 2 trechos seguintes:

“Severina explica que se sente sujeito da

própria vida. Tem uma vida que agora está

construindo.”

“O indivíduo não é algo, mas sim o que faz, o

fazer é sempre atividade no mundo, em

relação com os outros. Por isso é importante

vermos o indivíduo não mais isolado, como

coisa imediata, mas sim como relação. Aí o

personagem aparece como atividade e como

relação.”

8 Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e a História da Severina”

9 o mesmo livro citado acima

Page 37: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

37

Vivemos numa cultura sedentária, onde o movimento é automático, robotizado, mecânico, ausente de um sentido vinculante. A Biodanza se propõe a despertar no homem o movimento no seu sentido vinculante, orgânico. Cito abaixo uma passagem do Rolando que ilustra esta fala:

“Com a mais profunda humildade, vou propor

um modelo teórico abarcador, onde estejam

contidos os aspectos mais diversos do

movimento corporal, em que se incluem

fatores complexos com a atitude existencial,

a auto-estima e a função do vínculo.”

O movimento, como propõe Rolando, me fortaleceu como ser humano, participante de uma comunidade; reforçou minha auto-estima, e eu não mais me sentia inferior aos que me rodeavam; e, no tocante à função de vínculo, fez crescer em mim o desejo de formar uma família, de aumentar o meu círculo de amigos, a não mais viver sozinha! A valorizar e a perceber a importância da relação, do outro. A passagem abaixo do Martin Buber10 ilustra minha fala:

“O homem se torna EU na relação com o TU.” Foi assim que, já bastante desejosa de uma relação afetiva saudável, companheira, atraí, durante uma Maratona de Biodanza, meu atual marido, que, naquele momento, tinha o mesmo desejo: viver uma relação amorosa saudável. Com ele vivo hoje uma relação maravilhosa, que, como cada ser humano, está em constante transformação, precisa de cuidado, dedicação, investimento, diálogos para aparar as arestas e disponibilidade interna. No próximo capítulo relato a minha experiência profissional – como a Biodanza abriu novos horizontes no exercício da minha profissão.

10

Martin Buber, “Eu e Tu”

Page 38: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

38

2.2) A HISTÓRIA DE TEREZA

- A autora relata como a Biodanza facilitou a

Integração da sua Identidade - A Biodanza lida com o mundo do desejo criador, com a capacidade de se parir a si mesmo. A força de vinculação com a vida e de ressonância permanente com o primordial, expressa desde o momento da minha concepção, e que foi potencializada progressivamente na Biodanza, tem orientado os meus passos em direção ao amor, ao sagrado dom da vida.

“O desenvolvimento evolutivo do homem se

realiza na medida em que os potenciais

genéticos encontram opções para expressar-

se através da existência. Estes potenciais

podem ser obstruídos ou estimulados a

entrar em contato com o meio ambiente.

Biodanza cria campos concentrados para

permitir o desenvolvimento dos potenciais

genéticos.

A integração é o processo de crescimento em

que os potenciais genéticos altamente

diferenciados se organizam, em sistemas

cada vez mais amplos em nível orgânico e

emocional. Este processo de desenvolvimento

não é necessariamente coerente com os

padrões culturais e com a infra-estrutura de

valores. É mais uma forma de sintonização

cada vez mais perfeita com a unidade cosmo-

biológica.”

R. Toro

Page 39: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

39

Neste processo ocorre a transtase11 e a homeostase12 ,

que resultam de ecofatores positivos13.”

Maria Lúcia Pessoa14 À luz do método da Biodanza, atualizo o meu desenvolvimento existencial. Compartilho com os leitores momentos significativos e reveladores do meu processo evolutivo.

Passei grande parte da minha adolescência tentando agradar a minha mãe; solidarizava-me com suas dificuldades. Minhas tentativas eram em vão. Ela buscava a nutrição na minha irmã, que desde jovem demonstrava determinação e desejos de uma vida saudável. No momento deste relato torno-me consciente: a minha solidão familiar me aprisionava à condição de vítima.

Após vários anos de Biodanza, sendo cada vez mais estimulada no meu lado saudável, nos meus aspectos positivos, percebo que o que me deixava na condição de vítima era a cumplicidade com a doença do meu pai. Quando me identifico como vítima – da mãe, da irmã e da doença do pai – assumo para mim mesma este papel e reconheço que são registros antigos. Percebo que já não ocupo mais este lugar.

Minha irmã tem uma participação ímpar na minha história de vida. Ela sempre esteve próxima e me acessorava nos assuntos familiares, nos meus caminhares. Diria que ela é uma peregrina da luz.

11

Transtase – ascensão a um novo nível de integração na escala evolutiva. 12 Homeostase – estado de equilíbrio intra-orgânico.

13 Ecofatores – estímulos externos (ambientais e humanos) e internos (orgânicos),

podendo ser negativos (tóxicos) ou positivos (nutritivos). 14

Maria Lúcia Pessoa, “Metodologia em Biodanza, Primeiros Passos.”

Page 40: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

40

Estimulada pela minha irmã, iniciei a Formação em Biodanza. Naquele momento, estava profissionalmente muito insegura e buscava uma capacitação para desenvolver melhor o meu trabalho. Procurei Maria Adela, diretora da escola do Rio. Expus a ela as minhas expectativas, o meu desejo em fazer a escola e as minhas dificuldades financeiras.

Na época não sabia se conseguiria concluir o curso. Meu desafio começou no momento que ouvi da Maria Adela a seguinte frase:

“A Biodanza trabalha com a abundância, com

a fartura, se você não tem dinheiro

o que veio fazer aqui?”

Em circunstâncias anteriores, essas palavras me intimidariam, mas naquele momento elas soaram como um desafio e um estímulo para eu seguir em frente e avançar.

“ Os desafios na Biodanza, normalmente

propostos em Minotauros15 , reforçam a

segurança em si mesmo, aumentam a

determinação e a intenção dos movimentos.”

R. Toro

15 Minotauros - Maratonas de Aprofundamento onde trabalhamos os

medos que impedem o nosso processo evolutivo.

Page 41: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

41

Eu trabalhava como professora de Educação Física e desenvolvia um trabalho de consciência corporal há sete anos. Ao longo desses sete anos nunca divulguei o meu trabalho, mas o máximo de clientes que consegui, ao mesmo tempo, foram três. Precisava de recursos para pagar a escola. Comecei a vender roupas. Quando era criança, minha mãe também complementava o seu salário de funcionária pública vendendo roupas, e assim elas nos criou. Naquele momento vender roupas foi a forma criativa que encontrei para pagar a Escola de Biodanza.

Page 42: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

42

A Formação em Biodanza tem como pré-requisito a freqüência ao grupo regular. Por isso, ao iniciar a Escola, fui convidada a fazer parte de um grupo regular.

O grupo em Biodanza é uma matriz de

renascimento, um “biogerador, um centro

gerador de vida.” A concentração de energia

convergente dentro do grupo produz um

potencial maior que a soma dos seus

participantes.”

R. Toro

O grupo foi para mim um ninho ecológico. Neste ninho encontrei carinho e acolhimento, o que hoje me permite reeditar a minha história.

Lembro-me do desconforto inicial que sentia quando, na Maratona de “Mecanismo de Ação”, não compreendia os fundamentos teóricos. Era assustador não entender o que falavam. Temia que me perguntassem algo.

Page 43: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

43

Nessa Maratona ouvi a seguinte frase:

“A Biodanza trabalha com a parte sã dos

participantes, com seus esboços de

criatividade, com seus restos de entusiasmos,

com sua oprimida necessidade de amor, com

suas ocultas capacidades expressivas, com

sua sinceridade.”

R. Toro

Nesta fala identifiquei algo que me era familiar: o acolhimento. Tal acolhimento se confirmava nas minhas vivências da Biodanza. Durante as vivências era acolhida pelo que eu era: ignorante ou sábia.

Na Maratona de “Vitalidade”, senti a vida pulsando dentro de mim - uma vida que clamava por mais vida. No grupo regular vivia um processo de diferenciação: movimentos, danças, emoções, encontros e desencontros, aproximação e afastamento, identificação e repulsa ... pulsava numa dança alquímica, ao encontro de mim mesma, potencializada pela fusão com o outro.

“As vezes a situação do grupo tem um caráter

deflagrador, isto é, precipita um processo

crescimento. A experiência é vivida com

grande intensidade e tem um caráter de um

auto-conhecimento comovedor. Certos

aspectos da identidade que estavam ocultos

podem revelar-se subitamente.”

R. Toro

Page 44: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

44

A composição de sentimentos antagônicos que surgem pela emoção da música, permeiam as nossas células, integram a nossa visceralidade e nos faz contatar os nossos desejos. Nossas ações se integram à emoção.

“Esses exercícios e danças cumprem sua

função reguladora, atuando sobre o centro

das emoções – o Sistema Límbico

Hipotalâmico.”

M. L. Pessoa16

Durante os encontros, nas vivências da Biodanza, vivi os conceitos e preconceitos. O outro era um estranho: no movimento de aproximação, no encantamento da música, no encontro que acontecia, apesar das minhas dificuldades ... os encontros promoviam um encontro comigo mesma - o estranho não era o outro, o estranho era eu.

Nas vivências do grupo regular fazia contato com a minha dificuldade de auto-aceitação. Aproximava-me do outro movida pela música, pela situação de encontro. Meu passo na direção do outro, mesmo com certo desconforto, me aproximava dele. O estranho também estava dentro de mim, me pertencia. Quando comecei a aceitar o outro, me aproximei mais de mim. Essas vivências promoveram um encontro maior comigo mesma.

16

Maria Lúcia Pessoa, “Metodologia em Biodanza, Primeiros Passos.”

Page 45: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

45

“As raízes da identidade biológica se nutrem

no seio do outro. A identidade se renova em

atos permanentes de comunicação com o

estranho.”

R. Toro

Cada movimento em Biodanza tem o seu

significado real e um valor no momento:

“auto-percepção, iluminação interna,

percepção da inter-relação e

interdependência entre todas as criaturas.”

M.L. Pessoa17 A Biodanza, através do bombardeio de ecofatores positivos, ao longo das suas aulas, facilita a expressão da Identidade e nos auxilia a superar todas as formas de incoerência existencial.

Freqüentar o grupo regular, tendo como facilitadora a Maria Adela, foi um grande desafio. A todo instante ela me dava limites. Alguns colegas chegaram a me questionar por que eu continuava a fazer aulas com ela. Na época não sabia a resposta, mas intuitivamente sentia que precisava continuar com ela.

Numa certa ocasião me atrasei para uma Maratona da Escola e, ao entrar na sala de aula, deixei a porta aberta. Nesse momento ela gritou com autoridade: “Feche a porta Tereza !”

17

Maria Lúcia Pessoa, “Metodologia em Biodanza, Primeiros Passos.”

Page 46: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

46

Entrei e sentei atrás dela. Senti-me uma criança, sendo repreendida. Não bastando, ela continuou: “Tereza, quer levar uma porrada sentada aí atrás da porta?” Saí rolando sem graça e permaneci na sala. Em outros tempos levantaria e nunca mais voltaria. Mas reconhecia nela uma autoridade, não um poder.

Aconteceu outra passagem com a Adela. Desta vez foi durante a minha apresentação num Seminário sobre a “Hipótese Gaia”. Quando meu grupo terminou sua apresentação, sentindo-me insegura com relação à minha fala, fui até ela e fiz uma brincadeira. Ela, diante de todos, disse: “Você sempre se desqualifica!” Ela tinha razão. Naquele instante percebi que tal posição era nova para mim. Apresentar trabalhos, fazer palestras, era um lugar que sempre atribuí à minha irmã - a inteligente! A mim cabia o papel de bobo da corte ou esforçada. Desta forma eu me apresentava à minha família.

Cresci, aceitei como um presente aquela advertência. As intervenções de Maria Adela me devolviam a mim, a tudo que eu era: limitações e potenciais. Ela me devolvia a mim, me fortalecia.

Sua forma de ser afetiva, me dando limites, passou a ser uma referência de respeito e credibilidade. A minha persistência era o meu desejo de me apropriar do que era meu: ocupar o meu espaço no mundo!

Page 47: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

47

Através destas experiências reconheci os meus limites e as minhas possibilidades. Essa postura ampliou as minhas possibilidades. Novas referências, muitas transformações ... tudo isso confirma o conteúdo de um princípio filosófico em que se baseia a Biodanza: o Princípio Biocêntrico.

“O Princípio Biocêntrico propõe a

potencialização da vida e a expressão dos

seus poderes evolutivos.”

R. Toro

Meu comportamento mudou, meu estilo de vida também. Nascia a mulher, mãe, profissional e amiga, mais integrada e confiante. Retomei o lar que construí com os meus filhos. Quando me separei deixei-os com o pai, e tal atitude me gerou um profundo sentimento de culpa.

Em casa, quando retomei a convivência com os meus filhos, tentava inconscientemente repor todas as suas carências materiais e afetivas, ocasionadas pela separação. Sentia-me culpada pela separação, isso me impediu um desfrute no convívio familiar.

Percebendo o ambiente tóxico, mas já sensibilizados pela nossas transformações que ecoavam com a vida que nascia dentro de nós, e que queria ser nutrida, fomos buscar ajuda numa terapia familiar.

Page 48: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

48

Após um ano de terapia criamos um lar ecológico, amigo, nutritivo, próspero, saudável. Cada um comprometido com as suas investidas profissionais e pessoais. Hoje, após anos de grandes conflitos, estamos mais unidos.

Relato uma experiência vivida com o facilitador Carlos Garcia, quando participei de um trabalho seu, que tinha como tema “Raízes”:

Ao iniciar a maratona, ele pediu que refletíssemos sobre as condições em que nascemos, o terreno onde fomos germinados. Fechei os olhos e na memória vieram as dificuldades que envolveram o meu nascimento. Quando compartilhei tal experiência com os demais companheiros, senti rolarem duas lágrimas ... eu não era mais a mesma, tinha mudado, não sentia mais pena de mim.

Em seguida ele pediu que fizéssemos uma roda com olhos fechados e novamente observássemos o terreno onde fomos germinados. Este momento foi novo para mim. Num misto de surpresa e alegria vi um terreno fértil, parecia o Nilo, cheio de húmus. O terreno transformou-se numa relva verde até o horizonte distante. Naquele instante renasci.

Page 49: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

49

Inspirada como estou, faço um poema:

“Sementes de Amor

És raiz de uma planta que germina

alegria no jardim do meu coração,

que imerso na terra, na água, na

natureza, em mim,

brotam frutos de amor, de ternura, de

amizade,

expandindo o perfume da flor

cultivada,

aos que sensíveis ao aroma absorvem os

fluídos deste cultivo.”

Tereza Serva

Em outro episódio, numa Maratona dos “Quatro Animais”, orientada pelo facilitador Carlos Garcia, vivenciei mudanças significativas ... o ser criatura e criadora crescia dentro de mim.

Numa certa vivência ele nos propôs vivenciar a garça e, do alto de um penhasco, mergulhar em busca do alimento para a minha vida. Lembro-me da minha dificuldade em identificar a nutrição para minha vida. Mesmo sem resposta, me lancei. Ao cair no solo, senti um amor profundo. Saí confusa desta Maratona. Após vários dias tal amor se revelava para mim.

Page 50: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

50

Novamente sensibilizada, faço outro poema:

“Metamorfose

Que fazer?

Por perder a noção do limite do eu.

que já não sinto,

permito,

até admito, consinto!

Se mistura no outro,

nas coisas da natureza,

um encontro maior,

natureza global, sem igual.

Expansão de um ser.

Ser, pequena partícula do universo cósmico ao

redor.

Seu movimento harmônico contribuirá,

uma parcela limitada, porém importante desta

grande irmandade.

A Humanidade.”

Tereza Serva

“Represento uma parcela da humanidade e ao

mesmo tempo contenho uma infinitude de

humanidade (o que me faz uma totalidade).

Influencio a humanidade e sou influenciado

por ela.”

A. Ciampa18

18

Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e a História da Severina.”

Page 51: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

51

Ao terminar a parte teórica da formação de Biodanza, minha vida profissional mudou. O atendimento que faço no consultório tornou-se minha maior fonte de renda. O número de clientes aumentou consideravelmente. Na formação de Biodanza o processo desenvolvido é transformador. O aluno se torna um terapeuta, um agente de saúde. Deixei de vender roupas, não agüentava mais o peso das sacolas. Com a minha parceira, iniciei um grupo regular de Biodanza. Dando aulas aprendo a cada dia, cresço na relação com ela, com os nossos alunos, facilitadores, amigos, filhos, enfim, cresço com a vida!

Page 52: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

52

Capítulo 3

- Onde introduzimos os conceitos de Identidade e Integração e tecemos comentários, com base em nossa experiência profissional, da seguinte questão: como a Biodanza facilita a Integração

da Identidade e abre novos horizontes no exercício da nossa profissão -

Page 53: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

53

Capítulo 3

- Onde definimos Identidade e Integração e tecemos

comentários, com base em nossas vivências pessoais, da seguinte questão: como a Biodanza facilita a

Integração da Identidade e abre novos horizontes no exercício da nossa profissão -

Para Rolando Toro falar da Identidade, numa abordagem psicológica, não é falar de algo abstrato, trata-se de matéria do vivente que está em permanente mudança, por isso tal abordagem requer uma nova perspectiva.

“A Identidade é – o único e seus atributos – o

que cada pessoa é essencialmente diante de

qualquer outro sistema de realidade.”

Antonio Ciampa19 também dá sua contribuição na definição de Identidade:

“Cada indivíduo encarna as relações sociais,

configurando uma identidade pessoal. Uma

história de vida. Um projeto de vida. Uma

vida-que-nem-sempre-é-vivida, no

emaranhado das relações sociais.”

Segundo Ciampa, a questão da identidade deve ser vista não como questão apenas científica, nem meramente acadêmica: é sobretudo uma questão social, uma questão política.

19

Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e A História da Severina.”

Page 54: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

54

A Identidade, segundo Rolando, apresenta dois paradoxos:

“A Identidade só se faz presente através do

outro.”

“ A Identidade tem uma essência invariável,

uma vez que se transforma constantemente

devido a sua dimensão espaço-temporal.

Assim, a Identidade é sempre única e, ao

mesmo tempo, muda de aspecto com a idade.”

Tais paradoxos encontram respaldo nas teorias do Martin Buber e Antonio Ciampa.

“O EU se realiza na relação com o TU; é

tornando EU que digo TU.

“Toda vida atual é encontro.”

M. Buber20

“Identidade é Metamorfose, e metamorfose

é vida!”

A. Ciampa21

Segundo Rolando, o primeiro dado da Identidade psicológica é a vivência de estar vivo. A experiência primordial da Identidade é a comovedora e intensa sensação de estar vivo, gerando-se a si mesmo. A vivência fundamental da Identidade surge com a sensação interna de estar vivo.

20

Martin Buber, “Eu e Tu.” 21

Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e a História da Severina.”

Page 55: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

55

3.1) A HISTÓRIA DE CRISTIANE Descobrir a vida dentro de mim e despertar a Cristiane adormecida, foi renascer para uma outra vida. Este foi um presente maravilhoso que conquistei na Biodanza.

“O real movimento da identidade se traduz na

expressão morte-e-vida, uma dialética que

permite desvelar seu caráter de

metamorfose”

A. Ciampa22 Viver o prazer de ser com o outro e não mais querer estar sozinha foi outra grande conquista minha na Biodanza.

“Viver a alegria de “ser com o outro” significa

“conviver”, é adquirir a capacidade de vínculo

afetivo; a vivência de si surge durante a

“convivência”.

“A integração da identidade é favorecida

quando, dançando em grupos, descobrimos,

progressivamente, os rituais de aproximação

– nossa identidade se revela na presença do

outro – “

Rolando Toro

O principal objetivo da Biodanza é a integração. Numa cultura onde o homem encontra-se dissociado, fragmentado, onde seus valores não estão organizados em função de suas reais possibilidade, mas sim pelo cumprimento de deveres, regras, faz-se como objetivo crucial a integração da percepção, emoção e ação do homem.

22

Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e A História da Severina.”

Page 56: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

56

- Integração da Identidade -

Segundo Rolando, a vivência de constituir uma criatura única, em ressonância e intimidade com todo vivente, é a característica anímica da Identidade saudável. A Identidade saudável vem sempre unida a uma percepção corporal de limites marcados, com tendência a autonomia. Ou seja, o indivíduo identificado tem consciência de si mesmo, comunga e convive com os demais seres do universo, é sujeito da sua própria vida. Rolando enumera vários critérios de uma Identidade Integrada, mas para que este trabalho não fique muito extenso, me limito a enfocar um destes critérios:

“Percepção de si mesmo como criatura com

valor intrínseco.”

A Biodanza fortaleceu a minha auto-estima, e, após algum tempo freqüentando o grupo regular, foi crescendo a percepção de mim mesmo como criatura com valor intrínseco. Lembro-me que na época, a cada encontro semanal, no grupo regular, me sentia renascer para uma nova vida, uma vida de conquistas!!

“O humano é sempre “uma porta abrindo-se

em mais saídas”. O humano é vir-a-ser-

humano.

Identidade humana é vida!”

A. Ciampa23 E foi essa crescente sensação interna de vida que, se fortalecendo cada vez mais dentro de mim, me impulsionou a iniciar uma nova profissão, com a certeza interna de que é a força do desejo que nos move em direção a vida, a vida quer ser vida, vida atrai mais vida!!

23

Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e A História da Severina.”

Page 57: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

57

Quando comecei a Biodanza, em abril de 1995, já tinha uma grande insatisfação profissional. Quando aos 17 anos, escolhi a minha profissão, tinha pouca clareza do meu potencial, das minhas habilidades, não consegui identificar qual era o meu desejo, com o que eu gostaria de trabalhar! Assim, a escolha da minha profissão (Secretária-Executiva) foi pautada em algumas preferências que consegui identificar na época: a facilidade com idiomas, a boa organização no trabalho e a rapidez no cumprimento de tarefas. Vim para o Rio de Janeiro, cursei a faculdade de Letras (especialização em Secretária-Executiva), me formei e logo comecei a trabalhar como Secretária. Ao fim de 8 anos de trabalho em tal profissão, conheci a Biodanza. Após 2 anos freqüentando o grupo regular, por estímulo da minha facilitadora na época, Maria Adela, que já sabia da minha busca por uma nova profissão, iniciei a formação em Biodanza, a profissão que no futuro me realizaria completamente como ser humano. Ganhando cada vez mais autonomia na minha vida, eu que, ao longo da minha carreira sempre me destaquei como uma excelente profissional, conquistei uma outra qualidade no trabalho de Secretária. De secretária passiva, com um trabalho mecanizado, me tornei ativa, passei a me inteirar mais do trabalho que fazia e com isso fui me destacando cada vez mais nessa função. E a minha insatisfação com o trabalho de Secretária, que sempre me incomodou e dificultou o meu comprometimento no exercício desta profissão, com a formação da Biodanza tinha a certeza de que não exerceria tal função o resto da minha vida. Isso me acalmou bastante; pude então prosseguir no meu trabalho de secretária sem mais angústias, pelo contrário, agora eu tinha um objetivo na vida: o trabalho de secretária me daria o sustento necessário para bancar o meu desejo maior: me tornar uma Facilitadora de Biodanza!

Page 58: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

58

No trabalho como Secretária pude também perceber uma mudança nas relações. Com o fortalecimento da minha auto-estima, me tornei mais comunicativa, mais alegre, com mais fluidez (e isso é fundamental em tal profissão, principalmente no lidar com os oscilantes humores da chefia). Crescia também o meu potencial afetivo. Comecei a atrair mais e mais pessoas junto à mim. Quando solicitava os meus pedidos, no exercício da minha função, o fazia com um jeitinho especial e um carinho e era quase sempre atendida. Dificilmente ouvia um “não”, pelo contrário, minhas colegas de trabalho se surpreendiam como eu conseguia sempre o que necessitava, com rapidez e eficiência!!

“O indivíduo isolado é uma abstração. A

identidade se concretiza na atividade social.

O mundo, criação humana, é o lugar do

homem. Uma identidade que não se realiza na

relação com o próximo é fictícia, abstrata,

falsa.”

A. Ciampa24

Freqüentando o grupo regular de Biodanza, fui cada vez mais me apropriando de mim mesma, descobrindo minhas habilidades, fazendo contato com o ser múltiplo, criativo e afetivo que sou. Paralelamente, no trabalho como secretária, também ascendia profissionalmente, fui ocupando cargos cada vez mais altos, de maior responsabilidade e importância.

24

Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e A História da Severina.”

Page 59: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

59

Termino este relato com uma frase do Antonio Ciampa25 que sintetiza, de forma brilhante, o que tenho descoberto e vivenciado ao longo destes anos na Biodanza, e que me tranqüiliza bastante nos momentos difíceis da minha vida:

“A realidade sempre é movimento, é

transformação. A metamorfose acontece a

todo instante na nossa vida; quando

focalizamos um determinado momento não

estamos afirmando que só aí a metamorfose

está se dando; estamos lançando mais luz num

episódio onde é mais visível o que se está

afirmando.”

Antes de fazer Biodanza eu me sentia bastante rígida. Meus movimentos eram limitados, eu tinha dificuldade em me desapegar de situações e pessoas. Naquela época, ouvir uma frase como a acima, onde o movimento aparece como um fator constante na realidade, me assustava, eu vivia muito “cristalizada” em determinadas situações, não conseguia sequer compreender o significado de tal frase. Hoje, leio tal citação com calma, com aceitação. Hoje, essa citação faz eco dentro de mim, adquiri mais mobilidade, mais fluidez, meus movimentos se ampliaram e acho maravilhoso que a realidade esteja sempre em movimento!!

25

Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e A História da Severina.”

Page 60: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

60

3.2) A HISTÓRIA DE TEREZA

Quando terminei a Faculdade de Educação Física, um questionamento me inquietava: “Onde estava a verdadeira beleza das pessoas?” Este questionamento orientou-me numa busca incansável, marcando toda uma trajetória existencial, com uma ação intensa na prática profissional.

“Através da prática vamos nos

transformando.”

A. Ciampa26

As minhas experiências de vida, somadas às terapias que busquei nos momentos difíceis, contribuíram para o desenvolvimento de um trabalho diferenciado na área de Educação Física.

A Educação Física pautava sua filosofia na competição, na disputa. No âmbito familiar, eu vivia a solidão e competia com a minha irmã por não ser tão inteligente quanto ela. No âmbito profissional desenvolvia um trabalho comunitário, comportamental, não competitivo, de valorização do indivíduo e de inter-relação. Era muito questionada nas instituições de ensino, devido a esse trabalho diferenciado que fazia.

26

Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e A História da Severina.”

Page 61: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

61

“Procurar a unidade entre a subjetividade e a

objetividade faz do agir uma atividade

finalizada relacionando desejo e finalidade,

pela prática transformadora de si e do

mundo.”

A. Ciampa27

Iniciei um grupo de ginástica estética. Apesar de ser um grupo, cada aluno tinha um trabalho diferenciado. Identificava o indivíduo na sua singularidade, nas suas potencialidades e limitações. Compartilhava com meu terapeuta alguns casos de alunos.

Ao final de três anos de análise ele me liberou da análise, dizendo que não estava me dando alta, pois nunca tinha entrado em baixa. Então, ele me convidou para trabalhar com ele, disse que o trabalho que eu realizava era muito bom, me propôs uma parceria. Não pude aceitar pois estava de mudança para o Rio. Suas palavras me incentivaram muito, ele fortaleceu o meu desejo em buscar uma melhor qualificação.

Fiz vários cursos de análise corporal da relação do método La Pierre.

27

Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e A História da Severina.”

Page 62: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

62

Nessa época meu casamento estava desgastado. Adoeci e os médicos não identificavam o que eu tinha. Eu só queria dormir. Acordar era terrível. A única coisa que me incomodava era meus filhos me verem naquele estado. O resto me era indiferente. Sentia saudades do tempo em que sorria, na companhia dos amigos. Comer, vestir, sol, chuva, tudo tinha perdido a cor, o viço, o brilho. Após algum tempo, meu marido me disse, de forma perversa, que o meu mal era depressão. Como o fantasma da loucura do meu pai me perseguia, tomei aquele comunicado como um veredicto. A doença era inevitável, estava louca, sem saída.

No dia seguinte reuni todas as forças que tinha e saí. Cambaleando, abri a porta e, sem olhar para trás, desci ladeira abaixo, me arrastando pela praia de Copacabana.

Repeti a caminhada diariamente. Após alguns dias, olhei e vi a imensidão do mar. O céu era um grande teto. Eu rolava na areia, entrava na água, sentia as bolhas de espuma do mar na minha pele. Após um mês de apatia sentia algo. Rolar na areia, deslizar nas águas do mar me fazia bem.

Page 63: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

63

Passava horas imersa na natureza, me sentia acolhida por ela. Ela não me cobrava nada, não esperava nada de mim, pelo contrário, cada dia me acolhia de forma mais hospitaleira e cúmplice. A natureza não me julgava, me abraçava com o calor do sol. Ao me banhar nas águas transparentes do mar, eu me purificava. Encantava-me com o barulho do vento, dos pássaros. O mar, que com seu toque sutil, prazeroso, aos poucos despertava o meu corpo, me presenteava com o perfume da sua brisa.

Meu Deus ! Foi maravilhoso quando voltei a ver o colorido da natureza, ela me devolveu à vida. Eu corria, rolava na areia, mergulhava no mar, cantava, chorava, a natureza me pariu, me acolheu, me aceitou, sem cobranças. Comovida, me sentia parte integrante do universo. Vivia o êxtase do renascer, no útero da “grande mãe”.

“Cuidar para a manifestação da vida é cuidar

do amor. Não é um caminho fácil, é preciso

sentir o coração da natureza e perceber a

profunda realidade da vida acontecendo, cada

vez mais em maior complexidade e sutileza.

É o sentir a vida, ou sentir-se vivo, que revela

a identidade como presença, como vivência

biocêntrica, expressão natural e espontânea

da vida acontecendo como singularidade,

como auto-poiesis particular (si mesmo) da

auto-poiesis universal.

Page 64: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

64

É do sentir-se vivo que emerge a percepção

do si mesmo, de um sentimento de vida e não

de uma representação mental. Esse

sentimento surge de um processo antigo de

desdobramento da vida em sensações

corpóreas ricas de possibilidades

interativas.”

César Wagner

“A vivência fundamental da identidade surge

como a expressão endógena de estar vivo. A

vivência primordial da Identidade é a

comovedora e intensa sensação de estar vivo,

gerando-se a si mesmo.

“A vivência de estar vivo é afetada

constantemente pelo humor corporal e pelos

estímulos externos, mas sua gênesis é

visceral.”

R. Toro

Page 65: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

65

“ A consciência de si se organiza por um caminho duplo:

a) As primeiras noções sobre o próprio corpo: A

percepção do próprio corpo evolui através das

experiências cotidianas. Tais experiências organizam

respostas distintas: o corpo como fonte prazer e o

corpo como fonte de dor e sofrimento.”

b) As primeiras noções de ser diferente: As primeiras

noções de ser diferente se dão no contato com o grupo.

A Identidade se faz presente no espelho de outras

Identidades. As primeiras noções de ser diferente

conduzem a consciência da própria singularidade e ao

ato de pensar-se a si mesmo frente ao mundo.”

R. Toro

A vivência do meu despertar para a vida através das percepções corporais, sensório motoras, sensitivo motoras, unidas às experiências anteriores e às terapias realizadas, me levaram a convidar uma amiga psicanalista para ser minha cobaia no trabalho de consciência corporal, que venho desenvolvendo há onze anos.

Essa amiga que se tornou uma cliente, no terceiro atendimento expressou o seu desejo de continuar o trabalho. Logo a seguir ela me encaminhou outras clientes. Ela fez o trabalho durante oito meses. Nesse período ela descobriu que seu casamento estava desgastado, separou-se e mudou de terapeuta.

Page 66: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

66

Meu trabalho de Consciência Corporal tinha o seguinte desenvolvimento: A sessão durava uma hora e seguia uma curva de aula de Educação Física - ativação, percepção corporal e relaxamento. Realizava uma leitura corporal, considerando o corpo como mapa, como alvo de registro de toda uma história de vida. Esse indivíduo era analisado, não só como expressão de potencialidade e limitações, mas inserido num contexto familiar, num contexto profissional e nas demais relações.

Minha sensibilidade e meu profundo respeito pelo outro, pela sua história, me levou a ser bastante cautelosa. Tal cautela me levou, na ocasião, a pedir a supervisão de uma terapeuta corporal.

Sentia a necessidade de maior conhecimento teórico nessa abordagem com o trabalho de Consciência Corporal. Isso me levou a iniciar uma formação em Biossíntese, com a mesma terapeuta que supervisionava o meu trabalho de Consciência Corporal. Após seis meses de formação em Biossíntese e supervisão do trabalho de Consciência Corporal, minha terapeuta e supervisora viajou para o exterior por um longo período. Com isso interrompi os dois trabalhos. Na época fiquei insegura em dar continuidade ao meu trabalho sem a sua supervisão. Ela me incentivou a continuar os meus trabalhos. Tornei-me uma autodidata, associando a esse trabalho, métodos de anti-ginástica, meditação livre ou induzida, exercícios respiratórios e alongamento.

Page 67: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

67

Durante anos desenvolvi esse trabalho. Muito dos clientes se beneficiaram: aumentaram sua auto estima, sua vitalidade, mais criativos nas suas problemáticas materiais e existenciais, mais afetivos.

Após seis anos nessa prática, senti uma profunda insegurança quanto ao trabalho que realizava. Sentia necessidade de uma sistematização conceptual para fundamentar os meus trabalhos. Reconhecia em mim um potencial, mas a intuição, os estudos e as experiências anteriores já não eram suficientes.

“A medida que vão ocorrendo transformações

na identidade concomitantemente ocorrem

transformações na consciência (tanto quanto

na atividade).”

A. Ciampa28

“O conteúdo vivo da experiência humana, em

todas as suas manifestações, vale mais que

qualquer sistematização conceptual.”

M. Buber29

28

Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e A História da Severina.” 29

Martin Buber, Eu e Tu.”

Page 68: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

68

Eu tinha uma busca existencial. No exercício da minha profissão tentava resolver questões relativas à minha existência, por exemplo, quando fazia um trabalho comunitário e vivia uma solidão familiar. Quando no meu trabalho de Consciência Corporal auxiliava o crescimento dos meus clientes, mas, internamente, existia em mim uma insatisfação pessoal. A citação abaixo ilustra esse momento da minha vida:

“Todos criamos, individual e coletivamente,

histórias (…), para dar sentido a existência.

(…) Elas nos dizem como esperar, sonhar e

reorganizar, ao inibir nossos sinais internos

do momento, permitindo a emergência de

outros enredos.”

S. Keleman30

Satisfazendo uma necessidade de ampliar os meus conhecimentos teóricos, que na minha crença iriam me dar mais segurança no exercício da minha profissão, iniciei a Formação de Biodanza.

“Somos sementes como a própria semente,

buscamos nutrição vínculo e crescimento.”

César Wagner

30

Stanley Keleman, “Corporificando a Experiência.”

Page 69: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

69

Na minha concepção a Biodanza seria um instrumento a mais que me capacitaria a melhor sistematizar o meu trabalho. Quando comecei a formação pensava que a Biodanza somente me acrescentaria a nível teórico. Ao longo da formação, e também freqüentando o grupo regular, senti a amplitude da sua abordagem: retomei a minha origem, identificando questões primordiais – “A verdadeira beleza se encontra no sagrado dom da vida.”

“A realidade sempre é movimento, é

transformação. A metamorfose acontece a

todo instante na nossa vida; quando

focalizamos um determinado momento não

estamos afirmando que só aí a metamorfose

está se dando; estamos lançando mais luz num

episódio onde é mais visível o que se está

afirmando.”

A. Ciampa31

Minha vida transcorreu: entre mortes e renascimentos, gestei e pari quatro vidas. Aprendi com cada uma delas, mudei de cidades, fiz novas relações sociais, me separei.

“A própria existência humana na sua unidade

e multiplicidade de aspectos é esta

experiência de “trânsito” no ritmo constante

das atitudes.”

M. Buber32

31

Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e A História da Severina.” 32

Martin Buber, “Eu e Tu.”

Page 70: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

70

Mais integrada, após cinco anos de Biodanza, finalizando a formação, inspiro-me nas palavras de Buber33:

”O homem está apto ao encontro na medida

que ele é totalidade que age.” Atualmente, sinto-me bastante realizada no trabalho de Consciência Corporal. Há um ano facilito um grupo regular de Biodanza. Aprendo com cada experiência vivida, assumo os meus potenciais. Tenho a certeza de que o aprendizado, o crescimento é um contínuo.

33

Martin Buber, “Eu e Tu.”

Page 71: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

71

Capítulo 4

- Onde relatamos como duas pessoas de origem e formação profissional distintas, se apropriam destas diferenças como elemento

favorável para a integração das suas identidades e se unem para realizar um trabalho

em conjunto: a parceria no trabalho como Facilitadoras de Biodanza -

Page 72: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

72

Capítulo 4

- Onde relatamos como duas pessoas de origem e formação profissional distintas, se apropriam destas

diferenças como elemento favorável para a integração das suas identidades e se unem para realizar um

trabalho em conjunto: a parceria no trabalho como Facilitadoras de Biodanza -

Nos capítulos anteriores relatamos separadamente a nossa história, e com ela a nossa trajetória de crescimento. Neste capítulo, como trata-se do nosso trabalho em parceria, o texto é resultado da comunhão dos nossos relatos, isto é, foi feito à quatro mãos!

“Biodanza, mais que uma ciência, é a poética

do encontro humano.”

R. Toro Com este relato atualizamos o vínculo que se fortaleceu na nossa parceria. Esperamos que tal experiência venha a contribuir para formação de futuras parcerias. Nossa história começa assim ... Terminamos a Formação Teórica de Biodanza em Novembro de 1999. Ao longo da formação fizemos um forte elo de amizade. Apesar de termos personalidades distintas, de sermos bastante diferentes em vários aspectos, tínhamos também muitas afinidades.

Page 73: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

73

Nos sentíamos estimadas, queridas, admiradas mutuamente nas nossas maneiras de ser. Aprendíamos muito uma com a outra. Para ambas era novo estar tão próximas e companheiras, com tantas diferenças e, ao mesmo tempo com um mesmo projeto de vida: a construção de uma vida melhor.

“Sua identidade, que se transforma, vai se

concretizando nas e pelas novas relações em

que está se enredando.”

A. Ciampa34 A dupla Maria Adela e Antônio Sarpe que, nesta mesma época, iniciaram um trabalho em parceria, foi para nós um exemplo de diferenças que dão certo, que se respeitam, que são cúmplices e que somam conhecimentos e experiências. Nessa parceria víamos o exemplo vivo da prática da Biodanza: a vinculação. Estávamos motivadas e estimuladas por essa experiência. Naquele momento reuníamos internamente as condições propícias para a realização de um trabalho em conjunto: a disponibilidade e a vontade para aceitar as nossas diferenças, estávamos fortalecidas por novos valores de vida, de plenitude e realização, enfim, o nosso terreno estava fértil, preparado para uma nova etapa: abrir um grupo regular de Biodanza.

34

Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e A História da Severina.”

Page 74: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

74

Na época nem imaginávamos que outro desafio estava apenas começando: o trabalho em parceria. Uma coisa é ter relações de amizade com pessoas de valores e personalidade distintas; escolhemos quando queremos estar com os amigos. Outra coisa é realizar um trabalho em parceira, viver o dia-a-dia juntas, é um casamento! A riqueza do nosso trabalho consistia no fato de que cada uma dava o melhor de si na parceria: a Cris com a sua objetividade, com o seu forte senso de limite, com a sua praticidade – a Tereza, com sua prática de atendimento e experiência de vida, o acolhimento, o jogo de cintura, a flexibilidade. Éramos pólos opostos: uma terra, outra ar. A Cris sinalizava para um mundo objetivo, a Tereza era um convite ao vôo, à expansão de novos conceitos! Mas nem tudo era flores. Num primeiro momento as nossas diferenças eram uma ameaça à realização do nosso trabalho. Só com o tempo, após um processo de transformação mútua, transformamos nossas diferenças num tesouro para ambas.

“ A Identidade se renova em atos

permanentes de comunhão com o estranho.”

R. Toro

Page 75: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

75

O diálogo e a humildade foram ferramentas fundamentais na nossa relação. Conversávamos sobre os nossos incômodos, diferenças, pois eram mútuos. O que anteriormente nos incomodava, absorvemos para um melhor desempenho profissional. Em momento algum perdemos de vista a nossa meta: a proposta de um trabalho em parceria e, nessa parceria, a prática real da Biodanza - a vinculação.

“Quando somos impedidos de nos

transformar, nos tornamos réplicas do que

fomos um dia. É o trabalho da reposição que

sustenta a mesmice. Na nossa sociedade

milhões de pessoas são impedidas de se

transformar, são forçadas a se reproduzir

como réplicas de si, involuntariamente, a fim

de preservar interesses preestabelecidos,

situações convenientes.”

A. Ciampa35

“Quem vive aferrado, mesquinhamente a

defender os limites de sua Identidade, se

priva do sabor dos frutos, se esgota em si. As

raízes da Identidade se nutrem no seio do

estranho.

A identidade faz-se patente no espelho de

outras identidades. As primeiras noções de

ser diferente conduzem a consciência da

própria singularidade e ao ato de pensar-se a

si mesmo frente ao mundo.”

R. Toro

35

Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e A História da Severina.”

Page 76: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

76

Tínhamos finalizado uma parte da formação – a parte teórica. Abrir um grupo foi o início de outra etapa – o estágio, a prática de dar aulas. Nesse momento não éramos só plenitude e coragem, também estávamos inseguras, com alguns temores. Sabíamos que, mesmo tendo cumprido a parte teórica da formação, sabíamos muito pouco. Levaria algum tempo até que pudéssemos amadurecer os novos conceitos que recebemos ao longo da formação teórica, para poder então aplicá-los na prática. Por outro lado, sabíamos que “o estar pronto” é algo irreal, é um estado conquistado com a prática e com a continuidade dos estudos, das leituras, é algo que nunca se finda. Então era hora de ponderar a nossa “alta exigência” e começar a prática com humildade, com o pouco que sabíamos! A Biodanza nos propiciou uma expansão da consciência, o que nos deixou menos crítica, menos preconceituosa, mais gentil com nós mesmas, com ações mais ligadas às nossas reais possibilidades e menos centrada nos deveres. Nosso limite é plástico, cada vez que o tocávamos, ampliávamos as nossas possibilidades. Deixávamos o ideal do “ser perfeito” para sermos nós mesmas.

“Em cada momento de minha existência,

embora eu seja uma totalidade, manifesta-se

uma parte de mim como desdobramento de

múltiplas determinações a que estou sujeito;

nunca compareço frente a outro apenas como

portador de um único papel, mas como uma

personagem, como uma totalidade… parcial.”

A. Ciampa36

36

Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e A História da Severina.”

Page 77: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

77

Sermos generosas e acolhedoras nas nossas limitações, facilitou a realização do nosso trabalho.

“Assim, muda radicalmente a atitude

ocidental estruturada nos valores do “homem

sacrificial” para a do homem que busca e goza

a plenitude.”

R. Toro Com a Biodanza percebemos o quão ilusória era a idéia de que poderíamos viver apenas em ressonância com o “igual”, com o semelhante. A vida é composta de diferenças, nós, seres humanos, temos dentro de nós partes distintas, sentimentos opostos, contraditórios.

“Ser é ser metamorfoseada.

A metamorfose é expressão de vida.”

A. Ciampa37 Temos muito mais para descobrir, metamorfosear, criar. A cada atitude diferente do outro, abre-se um leque de outras possibilidades que nos devolve a nossa singularidade, que podemos ampliar.

“O encontro com o outro que não sou eu, é

onde finalmente me encontro.”

Carlos Garcia38

Após um ano de trabalho crescemos bastante. Hoje, respeitamos as nossas diferenças. Tais diferenças não mais nos limitam, pelo contrário, nos acrescentam e ao nosso trabalho. O diferente não representa uma perda às nossas convicções, mas sinalizam para uma possibilidade de mudança.

37

Antônio da Costa Ciampa, “A Estória do Severino e A História da Severina.” 38

Carlos Garcia, “El Arte de Danzar la Vida.”

Page 78: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

78

Através das nossas vivências pessoais, de mudanças e crescimentos, não mais teorizamos sobre vinculação, vivemos a vinculação. No desenvolvimento do nosso trabalho somos para os nossos alunos um exemplo vivo do que define a Biodanza – “A poética do encontro humano.” A nossa parceria não foi o único fator que nos possibilitou um crescimento. A chegada dos alunos, com as suas singularidades, foi também um aprendizado. Cada aluno representava um manancial de possibilidades que promovia a nossa transformação, que sabemos que é um contínuo. Atualmente, após um ano de trabalho, observamos nos nossos alunos o seu crescimento. Vemos sua capacidade de se alegrarem, comoverem, brincarem, se posicionarem. Eles expressam as suas dificuldades, os seus desejos de transformação que brotam na relação com o outro. Notamos que a característica marcante do nosso grupo é o acolhimento: eles celebram o encontro com os alunos que temporariamente se afastaram, vibram com a chegada de novos alunos, trazem novos alunos e se cuidam carinhosamente. Nossos alunos, na maioria, são assíduos, comprometidos com o trabalho. Alguns já manifestam, através dos seus movimentos em aula e no cotidiano, uma ação mais ousada, estão mais confiantes. Nossa parceria é a prática de um projeto de construção de um mundo melhor. Um mundo melhor começa dentro de cada um. Ao longo de todos esses anos que vivemos a Biodanza refizemos nosso elo com a vida, descobrimos a vida dentro de nós e estamos cada vez mais enamoradas por ela. O trabalho em parceria é uma oportunidade e um forte desejo que estamos concretizando: comungar toda a experiência paradisíaca que é a vida.

Page 79: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

79

Terminamos nosso relato com um poema e fazemos um convite aos nossos leitores: embarcar nesta grande viajem que é a vida!

“Lembrete

Se procurar bem, você acaba encontrando,

não a explicação duvidosa da vida,

mas a poesia inexplicável da vida.”

Carlos Drumond de Andrade39

39

Carlos Drumond de Andrade, “Corpo, Novos Poemas.”

Page 80: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

80

Conclusão

A Biodanza contribuiu de forma eficaz e significativa nas nossas vidas, facilitando a Integração da nossa Identidade. Rolando ressalta vários critérios que caracterizam a Integração da Identidade. Dentre eles, foi para nós marcante e profundo, o seguinte critério: “Percepção de si mesmo como criatura com valor intrínseco”. A Biodanza é uma fonte de vivências. Ela é um ninho ecológico, fértil, nutritivo. Na Biodanza revivemos a experiência paradisíaca, redescobrimos a vida, aprendemos a nos acolher nas nossas dificuldades, nossos potenciais foram estimulados e ganharam expressão ... a Biodanza nos possibilitou um novo estilo de vida. Mais sensibilizadas, fortalecidas por novos valores de vida, nos percebendo como criaturas com valor intrínseco, ocupamos o nosso lugar no mundo e reestruturamos as nossa relações – familiares, afetivas e profissionais. Na nossa parceria nossas diferenças foram reveladas, acolhidas, transformadas, nos devolvendo a nós mesmas. Atualmente, estamos mais fortalecidas, não só para o desfrute das novas conquistas como para lidarmos com os novos desafios que poderão surgir. Nossa parceria é a prática de um projeto de construção de um mundo melhor. É a realização de um forte desejo: comungar toda a experiência paradisíaca que é a vida. Fortalecidos na nossa Identidade, através da Biodanza, somos hoje capazes de contatar os nossos desejos, nos apropriamos da nossa vida, ocupamos o nosso espaço no mundo, acolhemos as nossas dificuldades, celebramos as nossas vitórias ... nossa monografia é fruto deste momento nosso, mais inteiras como estamos, mais integradas ... ousamos e concretizamos!!

Page 81: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

81

A inversão epistemológica (onde a aquisição do conhecimento se dá a partir da experiência vivida e não pela cognição) proposta na Biodanza tem estimulado a nossa ação, nutrido o nosso coração, iluminado a nossa consciência. Nossas ações estão mais integradas. Tal atitude nos propiciou várias mudanças no nosso estilo de vida. Poder assumir os nossos sentimentos e permear a nossa vida com mais amor têm nos possibilitado reeditar as nossas histórias. Estamos vivendo a plenitude do momento presente ..... o porvir ...? Aguardamos confiantes! Terminamos nosso relato com uma máxima da Biodanza:

“Não basta alcançar o bem-estar, é

necessário ter acesso à felicidade.”

R. Toro

Page 82: Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cristiane Ferraiuoli e Tereza Serva

82

Bibliografia citada

Andrade, Carlos Drumond. Corpo, Novos Poemas. Editora Record, Rio de Janeiro, 1984. Buber, Martin. Eu & Tu. Editora Cultrix, São Paulo, 1979. Ciampa, Antonio da Costa. A Estória Do Severino E A História Da Severina. Editora Brasiliense, São Paulo, 1987. Garcia, Carlos. Biodanza – El Arte de Danzar la Vida. Chile, 1998. Gois, C. Wagner. Vivência - Caminho à Identidade. Editora Viver, Fortaleza, 1995. Passos, Maria Lúcia. Metodologia Em Biodanza - Primeiros Passos. Editoração Aretusa Albuquerque Lobato, Minas Gerais, 1996. Stanley, Keleman. Corporificando A Experiência – Construindo uma Vida Pessoal. Editora Summus. Toro, Rolando. Biodanza: Ars Magna. Curso de Formación Docente de Biodanza. Toro, Rolando. El Grupo de Biodanza. Curso de Formación Docente de Biodanza. Toro, Rolando. Identidad E Integracion. Curso de Formación Docente de Biodanza. Toro, Rolando. La Vivencia. Curso de Formación Docente de Biodanza. Toro, Rolando. Mecanismos de Ação. Curso de Formación Docente de Biodanza. Toro, Rolando. Movimento Humano. Curso de Formación Docente de Biodanza. Toro, Rolando. Tomos – Vol. 1 e 2 Teoria da Biodanza – Coletânea de Textos.